Doenças Neuromusculares - Parte II
Doenças Neuromusculares - Parte II
R O D R I G O F R E Z A T T I
D O E N ÇAS
NEUROMUSCULARES
PA R T E 2
NEUROLOGIA Prof. Rodrigo Frezatti | Doenças Neuromusculares Parte 2 2
APRESENTAÇÃO:
PROF. RODRIGO
FREZATTI
@estrategiamed t.me/estrategiamed
@estrategiamed /estrategiamed
Estratégia
MED
NEUROLOGIA PProf. Rodrigo Frezatti | Doenças Neuromusculares Parte 2 3
INTRODUÇÃO
Para ajudá-lo a direcionar seus esforços na leitura deste resumo, o gráfico a seguir traz a incidência das principais doenças abordadas
neste livro. Cabe destacar que não abordaremos as miopatias inflamatórias (muito bem discutidas no livro de Reumatologia), tampouco
as miopatias metabólicas, paralisias periódicas e rabdomiólise, haja vista sua baixa incidência em provas. Tais temas são apresentados em
detalhes no livro extensivo e nas aulas em vídeo.
2% 3%
1%
2% 15%
Miastenia Gravis Lambert-Eaton
31%
Botulismo Outros
Estratégia
MED
NEUROLOGIA Doenças Neuromusculares Parte 2 Estratégia
MED
SUMÁRIO
1.1.2 DIAGNÓSTICO 8
1.1.3 TRATAMENTO 9
1.1.4 QUADRO-RESUMO 9
1.2.2 DIAGNÓSTICO 10
1.2.3 TRATAMENTO 11
2.0 MIOPATIAS 12
2.1 DISTROFIA MUSCULAR DE DUCHENNE 12
2.1.2 TRATAMENTO 13
2.1.3 QUADRO-RESUMO 14
2.2.2 TRATAMENTO 15
2.2.3 QUADRO-RESUMO 15
3.1.2 DIAGNÓSTICO 18
3.1.3 TRATAMENTO 19
3.2.2 DIAGNÓSTICO 21
3.2.3 TRATAMENTO 22
3.3 BOTULISMO 22
3.3.2 TRATAMENTO 23
CAPÍTULO
Estrategista, você se lembra de que existem dois neurônios motores? A via motora é composta por um
neurônio motor superior, cujo corpo celular está no córtex cerebral, e por um neurônio motor inferior, cujo corpo
celular está na medula espinhal (figura 2). A disfunção de cada um desses neurônios leva a uma combinação
específica de sintomas, conhecida como síndrome do neurônio motor superior e síndrome do neurônio motor
inferior (tabela 1). Tais estruturas podem ser acometidas de forma isolada ou combinada, e a causa pode ser
genética ou adquirida. Para as provas de acesso direto, você precisa conhecer, sobretudo, duas dessas doenças:
esclerose lateral amiotrófica (ELA) e a atrofia muscular espinhal.
A esclerose lateral amiotrófica (ELA) é uma doença pela morte dos neurônios motores superior e inferior. Esse
neurodegenerativa, de causa desconhecida, majoritariamente acometimento simultâneo dos neurônios motores produz uma
adquirida (apenas raramente é hereditária), caracterizada combinação peculiar de sintomas, marca registrada da doença.
Na ELA, o quadro clínico é marcado pela combinação de achados da síndrome do neurônio motor superior
e inferior! Assim, classicamente, o paciente apresenta fraqueza com fasciculações e atrofia, contudo associada a
clônus, hiperreflexia e reflexo cutaneoplantar extensor (sinal de Babinski).
Tenha em mente o seguinte: por tratar-se de uma degeneração isolada dos neurônios motores, os pacientes
NÃO apresentam sintomas sensitivos ou cerebelares.
Tipicamente, os sintomas iniciam de forma assimétrica e, média, após 3 a 5 anos, o paciente evolui para óbito. Na fase final,
com o passar de poucos meses, acometem os quatro membros, a o paciente estará acamado, inapto a movimentar-se, exceto pela
musculatura respiratória, cervical e craniana, produzindo disfagia, motricidade ocular extrínseca que permanece preservada.
disfonia e insuficiência respiratória. A doença é incurável e, em
Além dos sintomas motores, os pacientes com ELA podem desenvolver a chamada paralisia pseudobulbar.
Essa condição decorre da lesão bilateral do trato corticonuclear (a continuação dos neurônios motores superiores
que irão inervar os núcleos dos nervos cranianos). O quadro clínico, além de disfagia, disfonia e paralisia da língua
e do palato, envolve manifestações psiquiátricas peculiares: choro e risos imotivados, o que costuma ser descrito
como afeto pseudobulbar.
Existem variantes fenotípicas em que predominam os não vêm ao caso por serem manifestações atípicas de uma doença
sintomas bulbares (ELA bulbar) ou ainda o acometimento de que já é rara, além de não terem sido detectados na análise de
membros superiores (flail arm) ou inferiores (flail leg). Tais detalhes engenharia reversa.
1.1.2 DIAGNÓSTICO
Além do quadro clínico, bastante peculiar, como vimos superior e inferior, poucas doenças, de fato, podem ser classificadas
acima, um exame é muito importante para o diagnóstico da ELA: como diagnósticos diferenciais. A principal delas é a compressão
a eletroneuromiografia. Esse exame permite avaliar a integridade da medula cervical alta ou mesmo da transição craniocervical a
de alguns nervos periféricos, músculos, bem como da junção partir da mielopatia espondilótica cervical (MEC). Nessa condição,
neuromuscular. No diagnóstico da ELA, esse exame pode revelar o causada pela doença degenerativa dos ligamentos, dos discos
processo de morte do neurônio motor inferior, que, por definição, intervertebrais e da própria coluna vertebral (osteófitos), é comum
quando atinge ao menos 3 de 4 segmentos corporais (craniano, a piora aguda dos sintomas (por uma eventual agudização da
cervical, torácico e lombossacro), será definido como acometimento compressão medular), bem como a presença de: queixas sensitivas
difuso do neurônio motor inferior. Para o diagnóstico de ELA, além (que NÃO ocorrem na ELA), disfunção esfincteriana precoce (pode
do achado eletroneuromiográfico, precisamos detectar, no exame ocorrer, raramente, na ELA) e dor (incomum na ELA). Além disso,
físico, sinais de disfunção do neurônio motor superior (hiperreflexia, esses pacientes não apresentam síndrome do neurônio motor, seja
clônus, espasticidade, sinal de Babinski). superior ou inferior, em músculos de inervação craniana, já que a
Em resumo, para o diagnóstico de ELA, precisamos compressão ocorre abaixo desse nível. Justamente para afastar esse
do acometimento difuso do neurônio motor inferior na diagnóstico diferencial, a realização de ressonância da transição
eletroneuromiografia (3 de 4 segmentos), associado à presença de craniocervical faz parte da propedêutica de pacientes com suspeita
sinais clínicos de disfunção do neurônio motor superior. de ELA.
Quando há o acometimento simultâneo de neurônio motor
Estrategista, você se perguntou quais são os sintomas compatíveis com a degeneração dos
neurônios motores em músculos de inervação segmentar craniana? Representando a síndrome do
neurônio motor inferior, podemos encontrar atrofia e fasciculação da língua, paralisia facial, fraqueza
para a mastigação, fonação e deglutição. Já para a disfunção do neurônio motor superior, é possível
identificar, sobretudo, o afeto pseudobulbar e a liberação (aumento) dos reflexos axiais da face. A
presença, combinada, desses sintomas é muito sugestiva de ELA, desfavorecendo a hipótese de MEC.
Entretanto, perceba que a presença de tais achados não é necessária para o diagnóstico de ELA, sendo
comum sua ausência em fases iniciais da doença.
1.1.3 TRATAMENTO
Infelizmente, não há um tratamento que mude o curso dessa Existem duas medicações disponíveis para o tratamento da
terrível doença. O manejo envolve o suporte multiprofissional, ELA, contudo associadas a benefício muito modesto, de aumento
por meio de fisioterapia, psicoterapia, terapia ocupacional e de poucos meses de sobrevida. São elas: riluzol e enderavone. A
cuidados paliativos. Destaque para as estratégias alternativas de primeira medicação é administrada por via oral, ao passo que a
comunicação, muito úteis nas fases avançadas da doença, bem como segunda, por via endovenosa. O riluzol é a única medicação, até o
o suporte enteral, por meio da colocação de sonda nasoenteral e, momento, liberada para uso pela ANVISA e disponível para uso no
posteriormente, gastrostomia; além do suporte ventilatório com o Brasil.
uso do CPAP e, posteriormente, traqueostomia.
1.1.4 QUADRO-RESUMO
RM de transição crânio-cervical:
afastar MEC
Fraqueza combinando
síndromes do neurônio Evolução:
motor superior (NMS) e Tratamento:
inferior (NMI) • Tetraplegia (apenas motricidade
ocular poupada) Diagnóstico Suporte multi
• Atrofia • Disfonia Riluzol
•Fasciculação • Disfagia → SNG → Gastronomia Ederavone
• Hiperreflexia • Ins. Resp → CPAP → Traqueostomia
• Sinal de Babinski
• Afeto pseudobulbar
NMI: ENMG com desnervação de
ao menos 3 segmentos
NMS: Avaliação clínica
Acima, aprendemos sobre a ELA, uma doença espinhal progressiva, que se contrapõe à ELA em vários aspectos:
neurodegenerativa, tipicamente adquirida (não genética, herdada), é herdada (geneticamente determinada), cursa apenas com a
mais comum em adultos, que cursa com a disfunção dos neurônios disfunção do neurônio motor inferior, é mais comum em crianças
motores superior e inferior e que é incurável. Neste tópico, e, atualmente, tem estratégias de tratamento disponíveis!
aprenderemos sobre a atrofia muscular espinhal (AME) ou atrofia
A doença é causada pela alteração no gene SMN1. Tal quanto mais cópias de SMN2 o indivíduo tiver, menos grave será a
gene codifica a proteína survival motor neuron, ou proteína de doença gerada pela "deleção" do gene SMN1!
sobrevivência do neurônio motor, que, como o nome sugere, Dessa forma, existe a AME do tipo zero, situação incompatível
é elementar no adequado funcionamento do neurônio motor com a vida, tipicamente associada a zero cópias do SMN2; a
inferior. Nos seres humanos, existem dois genes capazes de levar AME do tipo 1, majoritariamente associada a 2 cópias do SMN2;
à tradução dessa proteína: os genes SMN1 e SMN2. O gene SMN1, AME 2 e 3, associadas a 3 cópias do SMN2 e AME 4, que ocorre,
de muito longe, é o principal responsável pela maior parte da preferencialmente, em indivíduos com mais de 4 cópias do SMN2.
proteína produzida. Já o gene SMN2 é uma espécie de backup A classificação da AME em tipos 1, 2, 3 e 4 envolve o
(reserva) capaz de produzir uma pequena quantidade da proteína desempenho motor do paciente. Na AME tipo 1, o bebê não
SMN, que não altera, significativamente, sua quantidade final. O consegue se sentar sem apoio; na AME do tipo 2, a criança senta-se
número de cópias do SMN2 varia entre os indivíduos, o que não sem apoio, contudo nunca adquire a capacidade de andar sozinha;
leva a nenhuma repercussão clínica em indivíduos normais, dada a já na AME do tipo 3, apesar de andar, a criança tende a perder
menor relevância desse gene. essa habilidade com o passar do anos, além de ter dificuldade em
Na AME, ocorre a deleção de parte do gene SMN1, correr; finalmente, na AME do tipo 4, o indivíduo apresenta queixas
tornando-o disfuncional. Nessa situação, o gene SMN2 passa a ser de forma tardia, consegue andar, contudo tende a ter dificuldade
importante, já que se torna a única fonte da proteína SMN. Apesar em correr e apresenta certo grau de fraqueza muscular que, muitas
de não ser o único fator envolvido nessa equação, em linhas gerais, vezes, nem foi percebido, sendo encarado como "seu normal".
1.2.2 DIAGNÓSTICO
O diagnóstico da AME é simples! Basta a análise de material por algumas empresas farmacêuticas (a seguir, você entenderá
genético do paciente, o que pode ser obtido por meio do sangue ou o porquê disso: a doença tem tratamento que está longe de ser
até da saliva/"swab" bucal do paciente. O teste revelará a deleção barato!) Além disso, o exame de eletroneuromiografia poderá
de parte do gene SMN1 e, dependendo da metodologia empregada, revelar o acometimento difuso do neurônio motor inferior (assim
poderá fornecer o número de cópias de SMN2. Hoje em dia, é como na ELA, com a diferença de que, clinicamente, NÃO há sinais
um teste barato, inclusive facilmente disponível, gratuitamente, de disfunção do neurônio motor superior).
Portanto, o problema não é "como" fazer o diagnóstico, e Sendo assim, os diagnósticos diferenciais são amplos e dependem
sim quando considerar a possibilidade! Conforme vimos mais do tipo de AME a que nos referimos. Veja, a seguir, as principais
acima, existe um amplo espectro de gravidade da doença que considerações diagnósticas para os tipos 1,2 e 3, o que é mais
pode se manifestar já no recém-nascido ou mesmo na fase adulta. relevante na clínica
Na AME do tipo 1, os sintomas são precoces, sendo comum a do sistema nervoso central, entre outras) ou mesmo periférica
identificação de: dificuldade em sugar ou ganhar peso, dificuldade (miopatias e distrofia musculares congênitas, por exemplo). Dada
de deglutir com engasgos frequentes, postura excessivamente a gravidade da AME e, sobretudo, a atual disponibilidade de
hipotônica (bebê molinho), incapacidade de sentar-se sem apoio no tratamento, em bebês hipotônicos sem sinais sugestivos de origem
momento certo (2 a 3 meses) e insuficiência respiratória precoce. Os central (crises epilépticas, dismorfismos faciais, déficit neurológico
diagnósticos diferenciais para essa síndrome (bebê hipotônico) são focal), o primeiro exame a ser considerado deve ser a análise
diversos, podendo ser de causa central (anoxia neonatal, infecções molecular do gene SMN1!
Na AME do tipo 2 e 3, os sintomas podem aparecer no eletroneuromiografia também pode ser útil ao auxiliar no diagnóstico
lactente que não conseguirá deambular sozinho (tipo 2) ou na topográfico da fraqueza (acometimento difuso do neurônio motor
criança um pouco mais velha, que anda com dificuldade e apresenta inferior irá sugerir AME). Clinicamente, essas crianças podem
várias quedas, ou que perde a capacidade de andar após alguns apresentar atrofia e fasciculação da língua, uma espécie de tremor
meses. Nesse cenário, a avaliação de CPK (normal na AME) pode de extremidades (chamado de poliminimioclonia), escoliose e, com
ser muito útil em afastar alguns tipos de miopatias. Além disso, a o passar dos anos, insuficiência respiratória.
1.2.3 TRATAMENTO
Atualmente, existem duas estratégias de tratamento para a o gene SMN2 seja capaz de ser traduzido em maior quantidade
AME. Uma delas foi recentemente incluída no rol de medicamentos da proteína SMN. O tratamento custa, em média, R$ 1 milhão ao
do SUS: nusinersena (Spinraza – nome comercial). Trata-se de um ano, é de administração intratecal (por meio de punção liquórica)
oligonucleotídeo (fragmento curto em cadeia simples de DNA ou e pode levar à estabilização dos sintomas e, especialmente quando
mesmo RNA, tendo, em média, até 20 bases nitrogenadas) que iniciado de forma precoce, a ganhos motores significativos!
atua no SMN2, modificando o splicing desse gene (a forma como Outra estratégia de tratamento é o Zolgensma, que visa
o RNA mensageiro é "editado" para produzir o RNA que, de fato, "editar" o gene SMN1, "corrigindo" a parte deletada e devolvendo
será lido e levará à produção de aminoácidos), otimizando sua função ao gene, o que, em teoria, levaria à cura da doença. Trata-
capacidade de produzir a proteína SMN. Em outras palavras, é uma se de um tratamento promissor, contudo custa cerca de R$ 10
sequência de bases nitrogenadas, desenhada para fazer com que milhões!
CAPÍTULO
2.0 MIOPATIAS
Tende a ser aumentada em boa parte das miopatias. Contudo, não é regra! Pode ser normal
CPK
em alguns casos. Exemplo clássico é a miopatia pelo uso de corticoide.
Eletroneuromiografia Pode revelar achados típicos, agrupados no que chamamos de “padrão miopático”.
Classicamente, é de predomínio proximal! O paciente tem dificuldade em tarefas como subir
Fraqueza
escadas, pentear o cabelo, levantar-se da cadeira.
Reflexos tendíneos Classicamente, estarão normais. Para haver redução, a fraqueza deve ser muito intensa.
Fasciculações Não ocorrem nas miopatias! É um achado típico das doenças do neurônio motor inferior.
Ocorre em várias miopatias. Em alguns casos, o músculo atrofiado é substituído por
Atrofia
gordura, dando a impressão de hipertrofia, condição chamada de pseudo-hipertrofia.
Tabela 2. Principais características das miopatias
A distrofia muscular de Duchenne é a principal causa de clínico completo ocorre, quase que exclusivamente, em meninos.
distrofia muscular da criança. É um exemplo de distrofia muscular A depender do "tamanho" da mutação genética, a distrofina pode
hereditária, ou seja, uma doença em que a estrutura do músculo não ser produzida ou pode apenas estar reduzida. Nesse último
está alterada em decorrência de uma mutação genética. O gene caso, a doença gerada é mais branda do que o Duchenne e recebe
alterado é o da distrofina, e a doença é ligada ao X, logo o quadro o nome de distrofia muscular de Becker.
A doença ocorre em meninos ao redor dos 3 anos Ao caminhar, o paciente apoia-se na ponta dos pés, pois
de idade. Inicialmente, apresentam dificuldade para correr é frequente a retração tendínea no calcanhar. Além disso,
ou levantar-se, inclusive apresentando uma sucessão de parece estar "rebolando", o que acontece pela fraqueza da
movimentos típica quando tentam se levantar do chão: a musculatura proximal e recebe o nome de marcha anserina
manobra de Gowers (figura). O menino levanta-se com o auxílio ou miopática. É fundamental que você saiba o seguinte: a
das mãos, como se escalasse o próprio corpo. Clinicamente, CPK, nessa criança, necessariamente, estará muito elevada!
já nessa fase inicial, é possível identificar um importante sinal Mais de 10 vezes acima do limite superior de normalidade!
semiológico: aumento do volume das panturrilhas, conhecido Portanto, esse exame é fundamental em um menino com o
como pseudo-hipertrofia de panturrilhas, uma vez que é quadro clínico apresentado.
causado por acúmulo de gordura, não de tecido muscular.
Figura 3. Sinal de Gowers. É um sinal precoce no Duchenne. A criança utiliza as mãos para estabilizar-se e ficar de pé.
Com o passar do tempo, o paciente torna-se incapaz de por mais tempo. Além disso, cabe destacar que as mulheres
andar sozinho (ao redor dos 12 anos) e desenvolve insuficiência portadoras da mutação, embora não desenvolvam os mesmos
cardíaca, ventilatória e escoliose. Além disso, até 30% dos meninos sintomas (mulheres têm 2 X, portanto um deles é "normal" e
apresentam deficiência intelectual. "compensa" o X com o gene alterado), podem apresentar arritmias
Na distrofia de Becker, a evolução é mais lenta, e os achados, cardíacas ou miocardiopatia dilatada e até mesmo episódios de
mais sutis. Essas crianças tendem a se manter aptas a andar sozinhas rabdomiólise.
2.1.2 TRATAMENTO
O tratamento envolve a reabilitação e o cuidado genético! O diagnóstico da doença é feito com teste genético
multiprofissional. Em termos de medicamentos, utilizamos a específico. Uma mulher que tem um filho com Duchenne é
prednisona ou o deflazacorte. O corticoide parece prolongar um portadora de um X mutado, certo? Portanto, um novo filho tem
pouco o tempo durante o qual a criança conseguirá andar. Existem 50% de chance de também ter Duchenne, enquanto uma eventual
novos tratamentos em estudo e que visam "corrigir" o problema filha, tem 50% de chance de também ser portadora.
genético. Entretanto, a principal medida é o aconselhamento
2.1.3 QUADRO-RESUMO
A próxima doença, apesar de envolver alteração estrutural de receptores musculares, não cursa com um quadro clínico típico de
miopatia. Vejamos, de maneira objetiva, essa doença.
Trata-se de uma doença do músculo esquelético (miopatia) hereditária que pode ser causada por mutações
em diferentes genes. Na maioria das vezes, a doença é de herança autossômica dominante, sendo a mutação no
receptor da rianodina a alteração mais comum. Os indivíduos acometidos pela doença têm uma alteração estrutural
da membrana muscular que os torna suscetíveis a uma crise hipermetabólica se entrarem em contato com uma
"medicação-gatilho" – anestésicos voláteis (isoflurano, sevoflurano) ou succinilcolina.
O quadro clínico é característico! Assim que o paciente hipercapnia (excesso de liberação de CO2) e consequente acidose
entra em contato com a medicação-gatilho, ocorre uma passagem respiratória, "quebra" da célula muscular (miócito), liberando
desregulada de cálcio pela membrana muscular, gerando mioglobina e potássio na corrente sanguínea, e hipertermia. Se o
uma contração muscular excessiva, o que desencadeia a crise quadro não for identificado e manejado, o paciente desenvolve,
hipermetabólica. Basicamente, a contração muscular é sustentada rapidamente, insuficiência renal, arritmia cardíaca e pode evoluir
e ocorre a despeito do uso do bloqueador neuromuscular! Isso leva para óbito, o que ocorre em até 5% dos casos.
a um grande gasto de energia (hipermetabolismo), que desencadeia
2.2.2 TRATAMENTO
2.2.3 QUADRO-RESUMO
Crise hipermetabólica:
CAPÍTULO
A junção neuromuscular é a conexão do nervo com o músculo. Para que essa comunicação ocorra
de forma adequada, é necessária a liberação de acetilcolina na fenda sináptica! Esse neurotransmissor,
ao se ligar em um receptor específico na membrana pós-sináptica, será o gatilho para iniciar a contração
muscular. Para que a acetilcolina seja liberada, é essencial a entrada de cálcio na membrana pré-sináptica
com a consequente "ancoragem" por meio da proteína SNARE, para que, de fato, a acetilcolina flua em
direção à fenda sináptica. Destaco que o excedente de acetilcolina, após ter se ligado a seu receptor
pós-sináptico, é reciclado ao ser degradado pela enzima acetilcolinesterase. Veja a figura abaixo.
Figura 4. Dinâmica da junção neuromuscular. VGCC (canal de cálcio voltagem-dependente), AChE (enzima acetilcolinesterase)
De maneira resumida, existem 3 principais doenças que as duas primeiras afetam a liberação da acetilcolina, a terceira, e
podem alterar essa dinâmica: botulismo (afeta a proteína SNARE), mais importante, afeta a ligação da acetilcolina em seu receptor na
síndrome de Eaton-Lambert (afeta os canais de cálcio) e miastenia membrana pós-sináptica.
gravis (em geral, acomete o receptor de acetilcolina). Enquanto
A miastenia gravis é a principal representante das ainda que o timo tem papel importante na maioria dos casos dessa
disfunções pós-sinápticas da junção neuromuscular. É uma doença doença! Trata-se de um órgão do sistema imunológico que tende
imunomediada caracterizada por fraqueza com fatigabilidade e cuja a ser menos "necessário" com o passar dos anos, contudo, nos
causa é o bloqueio da transmissão neuromuscular. Em cerca de 85% casos de miastenia gravis com anticorpo anti-AchR, esse órgão
dos casos, esse bloqueio é causado pela produção de anticorpos tem participação decisiva na formação dos anticorpos anômalos,
contra receptores de acetilcolina (anti-AchR) na membrana pós- havendo associação com hiperplasia tímica em 70% dos pacientes e
sináptica. Raramente (cerca de 5 a 10% dos casos), a causa é a timoma em cerca de 10%. Por esse motivo, em TODOS os pacientes
produção de anticorpos anti-Musk (outra proteína que participa da com miastenia gravis, é necessária a realização de imagem do
ligação da acetilcolina na membrana pós-sináptica). Cabe ressaltar mediastino anterior, em busca de patologias tímicas.
Figura 5. Bloqueio do receptor de acetilcolina pós-sináptico. Presente na grande maioria dos casos. Fonte: Trello.
O quadro clínico clássico é de fraqueza com fatigabilidade. apresentar sintomas nos membros e até mesmo dificuldade em
Em outras palavras, ao final do dia, os sintomas são muito mais deglutir ou inspirar. O pior cenário é a crise miastênica: o paciente
evidentes do que quando o paciente acordou. A maioria dos apresenta insuficiência respiratória (fraqueza diafragmática) e,
pacientes apresenta ptose e até mesmo oftalmoparesia, o que frequentemente, demanda de assistência ventilatória invasiva.
promove diplopia. Além da musculatura facial, o paciente pode
3.1.2 DIAGNÓSTICO
O diagnóstico da miastenia gravis baseia-se no quadro tipo de estimulação permite avaliar a integridade da junção
clínico, na dosagem do anticorpo antiacetilcolina e em mais um neuromuscular, especificamente da membrana pós-sináptica.
exame fundamental: a eletroneuromiografia. Não vamos entrar Em indivíduos normais, mesmo que diante da estimulação
em detalhes em relação a esse exame. De forma objetiva, nesse repetitiva de baixa frequência, a resposta gerada no músculo é a
exame, é possível estimular um nervo periférico e captar a reação mesma, portanto a amplitude das ondas sucessivas mantém-se.
gerada em músculo por ele inervado (a partir de um potencial de Já na miastenia, diante da estimulação repetitiva, os potenciais
ação, uma "onda"). Existem parâmetros de normalidade esperados de ação decaem progressivamente! Em resumo: na miastenia
para a estimulação de cada nervo. Na avaliação da miastenia gravis, a eletroneuromiografia com estimulação repetitiva revela
gravis, o exame é feito de uma forma peculiar: a estimulação do eletrodecremento.
nervo é feita de forma repetitiva e em baixa frequência! Esse
Figura 7. Eletrodecremento na estimulação repetitiva de baixa frequência em um paciente com miastenia gravis. Fonte: arquivo pessoal prof. Rodrigo Frezatti.
3.1.3 TRATAMENTO
Piridostigmina
Imunoglobina Rituximabe
Crise miastênica
Plasmaférese
Vamos destacar alguns pontos. A piridostigmina é capaz feito com corticoide e com o uso de poupadores de corticoide.
de inibir a enzima acetilcolinesterase e, com isso, aumentar a Entretanto, na crise miastênica, preste muita atenção: o corticoide
disponibilidade de acetilcolina na fenda sináptica (a acetilcolina NÃO é uma opção! (Você já ouviu isso antes nesse livro, lembra? No
deixa de ser degradada com a inibição dessa enzima), o que Guillain-Barré, o corticoide também não deve ser usado). Na crise
promove melhora sintomática. Já o manejo a longo prazo é miastênica, as opções são imunoglobulina OU a plasmaférese.
Corticoide: NÃO!
Agora que vimos sobre a principal disfunção pós-sináptica, doença é paraneoplásica, sendo o tumor de pequenas células do
vamos aprender sobre as disfunções pré-sinápticas da junção pulmão a neoplasia classicamente associada. Indivíduos com mais
neuromuscular: botulismo e síndrome de Eaton-Lambert. de 50 anos, tabagistas e com quadros mais graves (perda de peso
Na síndrome de Eaton-Lambert, ocorre o bloqueio dos acentuada, disfagia e disfonia pronunciadas, disautonomia e baixo
canais de cálcio no terminal pré-sináptico, o que altera a dinâmica status performance) são os mais propensos à associação com a
da liberação da acetilcolina (figura). Em cerca de 50% dos casos, a neoplasia.
Figura 8. Representação da diminuição da liberação de acetilcolina na fenda sináptica como consequência do bloqueio dos canais de cálcio voltagem-dependentes.
Apesar de gerar disfunção da junção neuromuscular, na • Disautonomia: queixas de boca e olho seco, visão turva,
síndrome de Eaton-Lambert, a fraqueza com fatigabilidade não flutuação da pressão arterial e oscilação da frequência cardíaca
é o principal achado clínico. Para facilitar a memorização, vamos podem ocorrer.
aprender os sintomas da doença como os 3 "Ds"! Afinal de contas, por que tanto a força quanto a presença
• Dificuldade para andar: os pacientes apresentam fraqueza de reflexo profundo "melhoram" após o esforço físico? Isso ocorre
de predomínio proximal, sobretudo em membros inferiores, por porque o estímulo para uma contração muscular sustentada gera
isso é comum que os pacientes com síndrome de Eaton-Lambert maior liberação de cálcio no botão pré-sináptico, assim, mesmo
apresentem dificuldade para deambular, levantar da cadeira ou
com o bloqueio parcial dos canais de cálcio voltagem-dependentes
subir escadas. Tipicamente, a fraqueza melhora com o esforço
(causa da doença), mais cálcio entrará no terminal pré-sináptico,
físico, uma importante característica dessa doença.
• Diminuição dos reflexos profundos: os reflexos profundos levando à maior liberação de acetilcolina na fenda sináptica,
costumam estar abolidos. Se o paciente faz uma contração explicando a melhora! Tal fenômeno é conhecido como facilitação
muscular sustentada por alguns segundos, os reflexos profundos pós-tetânica!
tornam-se presentes!
3.2.2 DIAGNÓSTICO
Além da suspeita clínica, alguns exames complementares como ocorre clinicamente, na avaliação de força e reflexo). Existe
são muito úteis no diagnóstico dessa síndrome. Veja abaixo: uma forma "neurofisiológica" de imitar a contração muscular
1. Dosagem sérica do anticorpo contra canal de cálcio do sustentada: a estimulação repetitiva de alta frequência (30 a 50
subtipo P/Q: positiva em mais de 90% dos casos. Hz), que também produzirá o incremento das amplitudes dos
2. Eletroneuromiografia: o exame pode revelar potenciais potenciais de ação (veja o quadro a seguir).
de ação musculares reduzidos no repouso (representativos da 3. TC de tórax de alta definição: deve fazer parte da
fraqueza e do reflexo abolido). Após solicitar que o paciente propedêutica de todos os pacientes com suspeita de síndrome
faça uma contração muscular sustentada, podemos observar o de Eaton-Lambert, dada a alta associação com neoplasia
incremento das amplitudes dos potenciais de ação (exatamente pulmonar, especialmente a de pequenas células.
Figura 9. Representação eletrofisiológica de eletroincremento. Fonte: arquivo pessoal do Prof. Victor Fiorini.
3.2.3 TRATAMENTO
Nos pacientes portadores de neoplasia de pequenas células que permite maior passagem de cálcio no terminal pré-sináptico, a
do pulmão, o tratamento poderá incluir a ressecção cirúrgica e/ou despeito do bloqueio parcial de receptores); ou imunomodulação, o
quimioterapia e radioterapia. O tratamento específico da síndrome que pode ser feito com o uso de imunoglobulina e, eventualmente,
de Eaton-Lambert envolve o uso de um sintomático, conhecido rituximabe.
como 3,4-diaminopiridina (um bloqueador de canais de potássio
3.3 BOTULISMO
O botulismo é a doença causada pelo Clostridium 1. Botulismo infantil: ingesta da própria bactéria que
botulinum, bactéria responsável pela produção da toxina colonizará o trato gastrintestinal e produzirá a toxina. As
botulínica, substância capaz de bloquear a liberação de acetilcolina crianças são mais expostas devido à imaturidade do trato
no botão pré-sináptico ao levar à degradação de proteínas do gastrintestinal, ambiente que permite a proliferação dos esporos
complexo SNARE, elementares para a ancoragem e liberação da do Clostridium. Uma fonte comum de contaminação é o mel, por
acetilcolina. isso a ingesta dessa substância é contraindicada em lactentes.
2. Botulismo alimentar: ingesta da própria toxina a partir de
Portanto, assim como na síndrome de Eaton-Lambert,
alimentos contaminados. É a forma mais comum de botulismo.
ocorre uma disfunção pré-sináptica da junção neuromuscular.
Alimentos enlatados são classicamente associados, sendo
Dessa associação, guarde o seguinte: no botulismo, também
comum a contaminação em massa, a partir da ingesta de
encontramos o eletroincremento na eletroneuromiografia,
alimentos contaminados em restaurantes ou eventos.
além da disautonomia (sobretudo midríase, boca e olho secos,
3. Botulismo de ferida: a bactéria contamina ferimentos,
hipotensão postural e anidrose). prolifera-se e produz a toxina in vivo, levando aos sintomas. Mais
E, afinal, como um indivíduo é afetado por essa doença? comum em usuários de drogas endovenosas e, eventualmente,
São três formas distintas: em indivíduos submetidos a injeção intramuscular.
Os sintomas iniciais mais comuns são dor abdominal e ascendente do Guillain-Barré, os pacientes com botulismo não
diarreia que precedem sintomas neurológicos, sendo os clássicos: apresentam sintomas sensitivos. Outra importante diferença está
• Neuropatia craniana: é clássico o aparecimento de paralisia na eletromiografia, que, como citado logo no início deste tópico,
facial bilateral, disfagia, disfonia, ptose e oftalmoparesia. classicamente revela eletroincremento na estimulação repetitiva
Destaque para a midríase paralítica, muito comum nessa
de alta frequência.
doença.
Para o diagnóstico do botulismo, além da epidemiologia, da
• Fraqueza muscular descendente: a neuropatia craniana
costuma ser a primeira manifestação neurológica, seguida de clínica e da eletroneuromiografia, é possível detectar a toxina ou
fraqueza muscular de padrão descendente, associada a hipo ou a própria bactéria em fluidos do paciente (sangue, urina e fezes).
arreflexia. Embora forneça o diagnóstico de certeza, não devemos esperar
A doença é um importante diagnóstico diferencial da tais resultados para iniciar o tratamento, já que tanto a detecção da
síndrome de Guillain-Barré, contudo, além do ritmo descendente toxina quanto a cultura do Clostridium demoram, em média, mais
de progressão dos sintomas, contrastando com o padrão de 5 dias para revelar resultados.
3.3.2 TRATAMENTO
É importante destacar que a toxina botulínica se liga de • Imunoglobulina antibotulínica: indicada apenas nos casos
forma irreversível às proteínas do complexo SNARE, levando à sua de botulismo infantil, com o intuito de eliminar os esporos de
proteólise. Sendo assim, o tratamento visa evitar a liberação de Clostridium que contaminam o trato gastrintestinal do lactente.
mais toxina ou a ligação de toxina já formada a novos terminais • Antibióticos: indicados apenas no tratamento do botulismo
sinápticos. Portanto, a toxina já ligada a terminais sinápticos não associado a feridas. Não deve ser usado no botulismo infantil, já
é deslocada e apenas o tempo permitirá o restabeleciment0 da que a lise da bactéria no sistema gastrintestinal da criança pode
aumentar a quantidade de toxina disponível para absorção e
função daquele terminal (exatamente como ocorre na aplicação
piorar os sintomas.
estética da toxina botulínica, que dura, em média, 3 meses).
Em adultos, medicações laxativas e até mesmo enema
O tratamento deve ser feito da seguinte forma:
• Antitoxina botulínica: administrada o mais rapidamente podem ser utilizados com o objetivo de favorecer a eliminação da
possível. toxina ingerida.
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CAPÍTULO
1. BITTNER, E. A.; MARTYN, J. A. J. (2019). Neuromuscular Physiology and Pharmacology. Pharmacology and Physiology for Anesthesia.
2. AMATO, ANTHONY (2015). Neuromuscular disorders. McGraw.
CAPÍTULO
Caro Estrategista, chegamos ao final deste resumo. Espero que tenha ajudado a direcionar seus estudos e atenção para os tópicos mais
relevantes no estudo das patologias do neurônio motor, do músculo e da junção neuromuscular.
Mais uma vez, reforço estar a sua disposição no que puder ajudar e reitero minha torcida para que você atinja o melhor desempenho
possível na prova e conquiste sua vaga na Residência Médica!
Um grande abraço,
Rodrigo Frezatti.