Trovadorismo
Márcia Fernandes
Professora de Língua Portuguesa e Literatura
O trovadorismo é um movimento literário
marcado pela produção de cantigas líricas
(focadas em sentimentos e emoções) e cantigas
satíricas (com críticas diretas ou indiretas).
Considerado o primeiro movimento literário
europeu, ele reuniu registros escritos da primeira
época da literatura medieval entre os séculos XI
e XIV.
Esse movimento, que ocorreu somente na
Europa, teve como principal característica a
aproximação da música e da poesia.
Nessa época, as poesias eram feitas para serem
cantadas ao som de instrumentos musicais.
Geralmente, eram acompanhadas por flauta,
viola, alaúde, e daí o nome “cantigas”.
O autor das cantigas era chamado de trovador,
enquanto o jogral as declamava e o menestrel,
além de recitar, também tocava os instrumentos.
Por isso, o menestrel era considerado superior
ao jogral por ter mais instrução e habilidade
artística, pois sabia tocar e cantar.
Todos os manuscritos das cantigas
trovadorescas encontradas estão reunidas em
documentos chamados de “cancioneiros”.
Em Portugal, esse movimento teve como marco
inicial a Cantiga da Ribeirinha (ou Cantiga de
Guarvaia). Essa cantiga foi escrita pelo trovador
Paio Soares de Taveirós, em 1189 (ou 1198, pois
não se sabe ao certo o ano em que ela foi
produzida).
Escrita em galego-português (língua que se
falava na época), a Cantiga da Ribeirinha (ou
Cantiga de Guarvaia) é o registro mais antigo
que se tem da produção literária desse momento
em Portugal.
Confira abaixo um trecho dessa cantiga:
No mundo non me sei parelha,
mentre me for' como me vai,
ca ja moiro por vós - e ai!
mia senhor branca e vermelha,
Queredes que vos retraia
quando vos eu vi em saia!
Mao dia me levantei,
que vos enton non vi fea!
Embora o trovadorismo tenha surgido na região
da Provença (sul da França), ele se espalhou por
outros países da Europa. Como os trovadores
provençais eram considerados os melhores da
época, o seu estilo foi imitado em toda a parte.
O trovadorismo teve seu declínio no século XIV,
quando começou outro movimento da segunda
época medieval portuguesa: o humanismo.
Características do trovadorismo
União da música e da poesia;
Recitação de poemas com
acompanhamento musical;
Produção de cantigas líricas (que evidencia
os sentimentos, emoções e percepções do
autor) e satíricas (cujo objetivo é criticar ou
ridicularizar algo, ou alguém);
Principais temas explorados: amor,
sofrimento, amizade e críticas política e
social.
Saiba mais sobre as Características do
Trovadorismo.
Contexto histórico do trovadorismo
O trovadorismo teve origem no continente
europeu durante a Idade Média, um longo
período da história que esteve marcado por uma
sociedade religiosa. Nele, a Igreja Católica
dominava inteiramente a Europa.
Nesse contexto, o teocentrismo (Deus no centro
do mundo) prevalecia, cujo homem ocupava um
lugar secundário e estava à mercê dos valores
cristãos.
Dessa maneira, a igreja medieval era a instituição
social mais importante e a maior representante
da fé cristã. Ela que ditava os valores,
influenciando diretamente no comportamento e
no pensamento do homem. Assim, somente as
pessoas da Igreja sabiam ler e tinham acesso à
educação.
Nesse período, o feudalismo era o sistema
econômico, político e social que vigorava.
Baseado em feudos, grandes extensões de
terras comandadas pelos nobres, a sociedade
era rural e autossuficiente. Nele, o camponês
vivia miseravelmente e a propriedade de terra
dava liberdade e poder.
Trovadorismo em Portugal (1189 ou
1198 - 1418)
O trovadorismo português teve seu apogeu nos
séculos XII e XIII, entrando em declínio no século
XIV.
O ano de 1189 (ou 1198) é considerado o marco
inicial da literatura portuguesa e do movimento
do trovadorismo.
Essa é a data provável da primeira composição
literária conhecida “Cantiga da Ribeirinha” ou
“Cantiga de Guarvaia”. Ela foi escrita pelo
trovador Paio Soares de Taveirós e dedicada a
dona Maria Pais Ribeiro.
Na Península Ibérica, o centro irradiador do
Trovadorismo aconteceu na região que
compreende o norte de Portugal e a Galícia.
Desde o século XI, a Catedral de Santiago de
Compostela, centro de peregrinação religiosa,
atraía multidões. Ali, as cantigas trovadorescas
eram cantadas em galego-português, língua
falada na região.
Embora os textos em prosa tenham sido
explorados no trovadorismo (novelas de
cavalaria, nobiliários, hagiografias e cronicões),
foi na poesia que esse movimento se destacou.
Assim, temos as poesias trovadorescas, que são
classificadas em:
cantigas líricas, que incluem as cantigas
de amor e as cantigas de amigo
cantigas satíricas, que incluem as
cantigas de escárnio e as cantigas de
maldizer.
Autores do trovadorismo em Portugal
O rei D. Dinis (1261-1325) foi um grande
incentivador que prestigiou a produção poética
em sua corte. Foi ele próprio um dos mais
talentosos trovadores medievais com uma
produção de 140 cantigas líricas e satíricas.
Além dele, outros trovadores que obtiverem
grande destaque em Portugal foram:
Paio Soares de Taveirós
João Soares Paiva
João Garcia de Guilhade
Martim Codax
Aires Teles
Cantigas do trovadorismo
Dependendo do tema, da estrutura, da
linguagem e do eu lírico, as cantigas
trovadorescas são classificadas em quatro tipos:
cantigas de amor
cantigas de amigo
cantigas de escárnio
cantigas de maldizer
Leia também: Cantigas trovadorescas
Cantigas de amor
Originárias da região de Provença, na França,
apresenta uma expressão poética sutil e bem
elaborada. Os sentimentos são expressos com
mais profundidade, sendo que o tema mais
frequente é o sofrimento amoroso.
“Cantiga da Ribeirinha” de Paio Soares de
Taveirós
No mundo non me sei parelha,
mentre me for' como me vai,
ca ja moiro por vós - e ai!
mia senhor branca e vermelha,
Queredes que vos retraia
quando vos eu vi em saia!
Mao dia me levantei,
que vos enton non vi fea!
E, mia senhor, des aquelha
me foi a mí mui mal di'ai!,
E vós, filha de don Paai
Moniz, e ben vos semelha
d'haver eu por vós guarvaia,
pois eu, mia senhor, d'alfaia
nunca de vós houve nen hei
valía dũa correa.
Tradução
No mundo ninguém se assemelha a mim,
enquanto a minha vida continuar como está,
porque morro por ti e ai
minha senhora de pele alva e faces rosadas
quereis que eu vos descreva (retrate)
quanto eu vos vi sem manto! (roupa íntima)
Maldito dia! me levantei,
que não vos vi feia! (ou seja, viu a mais bela).
E, minha senhora, desde aquele dia, ai!
tudo me foi muito mal,
e você filha de Dom Paio
Muniz, e bem vos parece (veja, observe)
de ter eu por vós guarvaia, (que tenho, uso
roupas
luxuosas)
mas eu, minha senhora,
como prova de amor de você nunca recebi algo
mesmo que sem valor.
Cantigas de amigo
Originárias da Península Ibérica, as cantigas de
amigo constituem a manifestação mais antiga e
original do lirismo português.
Nelas, o trovador procura traduzir os
sentimentos femininos, falando como se fosse
uma mulher. Nessa época, a palavra “amigo”
significava “namorado” ou “amante”.
Cantiga “Ai Deus, se sab'ora meu amigo” de
Martin Codax
Ai Deus, se sab'ora meu amigo
com'eu senheira estou em Vigo!
E vou namorada...
Ai Deus, se sab'ora meu amado
com'eu em Vigo senheira manho!
E vou namorada...
Com'eu senheira estou em Vigo
e nulhas gardas nom hei comigo!
E vou namorada...
Com'eu senheira em Vigo manho
e nulhas gardas migo nom trago!
E vou namorada...
E nulhas gardas nom hei comigo,
ergas meus olhos que choram migo!
E vou namorada...
E nulhas gardas migo nom trago,
ergas meus olhos que choram ambos!
E vou namorada...
Cantigas de escárnio
As cantigas de escárnio são satíricas e
irreverentes. Elas reúnem versos que criticam a
sociedade, os costumes e ridicularizam os
defeitos humanos, sem identificar a pessoa
satirizada.
Cantiga de escárnio “A Dom Foam quer'eu
gram mal” de João Garcia de Guilhade
A Dom Foam quer'eu gram mal
e quer'a sa molher gram bem;
gram sazom há que m'est'avém
e nunca i já farei al;
ca, desquand'eu sa molher vi,
se púdi, sempre a servi
e sempr'a ele busquei mal.
Quero-me já maenfestar,
e pesará muit'[a] alguém,
mais, sequer que moira por en,
dizer quer'eu do mao mal
e bem da que mui bõa for,
qual nom há no mundo melhor,
quero-[o] já maenfestar.
De parecer e de falar
e de bõas manhas haver,
ela, nõn'a pode vencer
dona no mund', a meu cuidar;
ca ela fez Nostro Senhor
e el fez o Demo maior,
e o Demo o faz falar.
E pois ambos ataes som,
como eu tenho no coraçom,
os julg'Aquel que pod'e val.
Cantigas de maldizer
As cantigas de maldizer são satíricas e usam
linguagem ofensiva.
Elas reúnem versos que criticam pessoas
identificadas, ou seja, são feitas sátiras diretas,
ao contrário das cantigas de escárnio, em que as
sátiras são feitas indiretamente, ou seja, sem
identificar as pessoas ofendidas.
Cantiga de maldizer “A mim dam preç', e nom
é desguisado” de Afonso Anes do Cotom
A mim dam preç', e nom é desguisado,
dos maltalhados, e nom erram i;
Joam Fernandes, o mour', outrossi,
nos maltalhados o vejo contado;
e pero maltalhados semos [n]ós,
s'homem visse Pero da Ponte em cós,
semelhar-lh'-ia moi peor talhado.
Saiba mais sobre A Linguagem do Trovadorismo.
Os cancioneiros do Trovadorismo
Os Cancioneiros são coletâneas de manuscritos
das cantigas trovadorescas que foram
produzidas em galego-português na primeira
época medieval (a partir do século XI).
Eles reúnem cantigas de amor, de amigo, de
escárnio e de maldizer, e que foram escritas por
diversos autores.
Estes são os únicos documentos que restaram
para o conhecimento das obras do Trovadorismo
e, hoje em dia, podemos encontrá-los em
bibliotecas da cidade de Lisboa e do Vaticano.
Os três cancioneiros que reúnem as cantigas
trovadorescas são:
1. Cancioneiro da Ajuda: constituído de 310
cantigas, esse cancioneiro se encontra na
Biblioteca do Palácio da Ajuda, em Lisboa,
originado provavelmente no século XIII.
2. Cancioneiro da Biblioteca Nacional de
Lisboa: conhecido também pelo nome em
italiano, “Cancioneiro Colocci-Brancuti”,
esse cancioneiro, composto de 1647
cantigas, foi compilado provavelmente no
século XV.
3. Cancioneiro da Vaticana: originado
provavelmente no século XV e composto de
1205 cantigas, esse cancioneiro está na
Biblioteca do Vaticano.
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Márcia Fernandes
Professora, produz conteúdos educativos desde
2015. Licenciada em Letras pela Universidade
Católica de Santos (habilitação para Ensino
Fundamental II e Ensino Médio) e formada no
Curso de Magistério (habilitação para Educação
Infantil e Ensino Fundamental I).