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Aula 21, Atas

O capítulo analisa as transformações urbanas em Varginha entre 1882 e 1920, destacando o papel da Câmara Municipal na urbanização e modernização da cidade. Os vereadores lideraram iniciativas de infraestrutura e organização urbana, refletindo a diversificação dos padrões de consumo e a diferenciação social na população. A modernização da cidade foi impulsionada pelo crescimento do mercado interno, que incluiu o desenvolvimento da cafeicultura e a chegada de serviços urbanos.
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O capítulo analisa as transformações urbanas em Varginha entre 1882 e 1920, destacando o papel da Câmara Municipal na urbanização e modernização da cidade. Os vereadores lideraram iniciativas de infraestrutura e organização urbana, refletindo a diversificação dos padrões de consumo e a diferenciação social na população. A modernização da cidade foi impulsionada pelo crescimento do mercado interno, que incluiu o desenvolvimento da cafeicultura e a chegada de serviços urbanos.
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82

CAPÍTULO 2

TRANSFORMAÇÕES URBANAS NO MUNICÍPIO DE VARGINHA (1882-1920)

Para John Wirth, a transição do século XIX para o século XX, em Minas Gerais,
refere-se “tanto ao histórico deslocamento do eixo político e econômico do Norte para o Sul,
mas também [refere-se] às forças de modernização – diferenciação social, urbanização,
crescimento do mercado interno – que os eventos políticos cobrem e escondem”160.
Como poderemos observar em Varginha, foi o grupo de vereadores que conduziu o
município rumo ao seu processo de urbanização, na medida em que os projetos e leis voltados
para organização e urbanização do município – tais como nomeação de ruas e praças,
consertos de estradas e pontes, retirada de animais das ruas, melhorias no serviço
abastecimento de água, instalação da energia elétrica e das linhas telefônicas, dentre outros –
passavam pelas reuniões da Câmara.
Em Varginha, a urbanização foi acompanhada da diversificação dos padrões de
consumo, não apenas referentes a produtos novos numa sociedade, a bens móveis importados,
às mobílias de dentro das casas ou vestimentas diferenciadas. A elite agrária, por meio de seus
investimentos, criava padrões de consumo relacionados também à utilização do espaço
urbano. As empresas de serviços urbanos que chegariam em Varginha, sobretudo na quarta
década de sua formação, instituíam na sociedade varginhense padrões de consumo novos para
a população: utilizar os serviços de energia elétrica ou das linhas telefônicas era algo diferente
no contexto da passagem do século XIX para o século XX. Mas esses padrões de consumo
compatíveis, especialmente, com o espaço urbano, não estavam presentes em todas as famílias
varginhenses, porque não era toda a população que possuía condições de habitar o espaço
urbano.
Assim, a modernização, tendo como uma de suas forças a urbanização, gerou também
diferenciação social. Em Varginha – e não apenas em Varginha – foram os vereadores os
condutores desse processo, porque estavam à frente da administração do município. Mesmo
que, em alguns casos, determinados assuntos precisassem ser repassados ao governador, eram
os vereadores que representavam todos os moradores varginhenses, ainda que formalmente.
Finalmente, a modernização é resultado do crescimento do mercado interno. O fato de
a cidade contar com crescente número de casas no espaço urbano, com casas comerciais e
com a ferrovia, por exemplo, fizeram com que a economia varginhense também crescesse e

160
WIRTH, John. O Fiel da Balança - Minas Gerais na Federação Brasileira (1889/1937). Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1982, p. 28.
83

que, a partir da primeira década do século XX, tendo uma economia mais dinâmica, se
desenvolvessem outros elementos importantes, como a expansão da atividade da cafeicultura,
as instituições bancárias, as primeiras fábricas e as empresas de serviços urbanos, que aos
poucos iam transformando a economia de Varginha.
Entendemos, portanto, que a elite age de forma a auxiliar uma região em seu processo
de modernização, atuando para intensificar – ou não – as forças do processo e beneficiar-se
dele, como poderemos compreender por meio das análises das atas da Câmara Municipal de
Varginha161.

2.1. Primeiros anos de Varginha como cidade: sistematização da Câmara Municipal e


organização do espaço urbano (1882-1889)
Foi no final do ano de 1882 que ocorreu a primeira reunião da Câmara Municipal de
Varginha, pois até aquela data, o antigo distrito pertencia à comarca de Três Pontas 162. Assim:

Aos dezecete dias do mez de dezembro de mil oitocentos e oitenta e dois,


reunido no Paço da Camara Municipal desta Villa, a hora que pelo Senhor
Presidente da municipallidade da cidade de Três Pontas Azarias Ferreira de
Mesquita foi marcada para a installação e posse desta Villa os Senhores
Vereadores José Maximiano Baptista, Domingos Teixeira de Carvalho, João
Alves de Govêa, Franscisco de Paula e Silva, Matheus Tavares da Silva e
Joaquim Antonio da Silva foi pelo dito Presidente deferido juramento na
forma da Lei, aos Vereadores acima referidos, e tendo sido feita a leitura do
aucto da installação e posse desta Villa, pelo Secretário da Camara
Municipal da cidade de Três-Pontas na forma da lei, e assignado pelo
Presidente da Comarca Municipal da mesma Cidade, e Vereadores desta
Camara, e cidadãos presentes163.

Apesar de alguns municípios sul-mineiros terem surgido entre as décadas de 1860 e


1880, o município como entidade independente passou a ganhar maior destaque no Brasil em

161
Presentes no Museu Municipal de Varginha (MMV).
162
Sobre a regulamentação das Câmaras Municipais, o artigo 169 da Constituição de 1824 dizia que “O
exercicio de suas funcções municipaes, formação das suas Posturas policiaes, applicação das suas rendas, e todas
as suas particulares e uteis attribuições, serão decretadas por uma Lei regulamentar”. Essa Lei Regulamentar foi
a de 1º de outubro de 1828, que contava com 90 artigos sobre regulamentações direcionadas aos municípios. Os
90 artigos são divididos em cinco partes, com detalhes sobre o funcionamento das Câmaras Municipais. A
primeira parte, sob o nome de Título I, que conta com 23 artigos, descreve a “Fórma de Eleição das Camaras”; a
segunda parte, ou Título II, discursa sobre as “Funcções Municipaes”, contando com 42 artigos; no Título III são
escritas as “Posturas Policiaes”, tendo essa parte 8 artigos; o Título IV, contando com 5 artigos, fala sobre a
“Applicação das Rendas”; a última parte possui o Título V como “Dos Empregados”, contando com 12 artigos.
(Lei Regulamentar das Câmaras Municipais (Império), de 01/10/1828. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LIM/LIM-1-10-1828.htm. Acesso em 02/08/2016). Segundo
interpretação da Constituição de 1824 por Octaciano Nogueira (2012, p. 24), a Lei Regulamentar das Câmaras
Municipais foi complementar à Constituição de 1824, na medida em que regulou a administração municipal
praticamente até 1891, com as pequenas alterações que foram introduzidas pelo Ato Adicional de 1834 e a Lei
de Interpretação do Ato, de 1841.
163
ACMV, 1882, fl. 01.
84

1824, tendo feições específicas e existência constitucional, existência essa que pode ser vista
no artigo 167 da Carta Magna de 1824.
Desde 1824, então, era eleito como presidente da Câmara, em todos os municípios
brasileiros, o cidadão que obtivesse o maior número de votos. “A Constituição de 1824, tendo
criado câmaras eletivas em todas as cidades e vilas existentes ou que viessem a ser criadas,
incumbiu-lhes “o governo econômico e municipal das mesmas cidades e vilas” e determinou
que seria presidente o vereador mais votado”164.
Em Varginha, primeiramente, o presidente da cidade de Três Pontas convidou o
vereador Joaquim Antonio da Silva para ocupar a cadeira da presidência e “presidir a eleição
do Presidente effectivo que tem de servir nesta Camara, pôr reconhecer ser ele o mais velho
dos vereadores presentes conforme precutira a lei a tal respeito”165.
Tendo sido, portanto, iniciada a votação para eleição interna do primeiro presidente da
Câmara Municipal de Varginha,

foi eleito, o Senhor Matheus Tavares da Silva, pôr quatro votos, qual o
Senhor Presidente em mediatamente o convidou a tomar assento: o que
sendo feito foi pôr este posto em votação, por escrutineo secreto, a eleição de
Vice Presidente desta Camara pela qual verificou-se ter sido eleito o Senhor
José Maximiano Baptista166.

Terminada a eleição, Matheus Tavares da Silva convidou os demais vereadores para


comparecerem no paço da Câmara às 10 horas do outro dia, 18 de dezembro de 1882, para
tratarem da nomeação de empregados e demais assuntos que surgissem.
Depois da primeira reunião, os vereadores deveriam “seguir-se as sollennidades
religiosas”167, pois já estava na hora da missa e “a religião tinha um papel de destaque cada
vez maior na vida política e social de Minas (...)”168.
Sendo assim, no outro dia:

o Senhor Vereador Govêa propôz para Secretário desta Camara o Senhor


Francisco Saturnino da Fonseca. Sendo posto em discução, foi aprovada. O
Senhor Vereador Carvalho propôz para Procurador desta Camara o Senhor
João Baptista da Fonseca. Posta em discução, foi approvada. O Senhor
Vereador Baptista propôs, para Continuo o Senhor Francisco Ribeiro da
Silva Barra, posta em discussão, foi approvada. O Senhor Presidente propôs

164
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto – o município e o regime representativo no Brasil. 7 ed.
São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 121.
165
ACMV, 1882, fl. 01.
166
Idem.
167
ACMV, 1882, fl. 02.
168
WIRTH, John. O Fiel da Balança - Minas Gerais na Federação Brasileira (1889/1937). Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1982, p. 207.
85

para Fiscal desta Villa, o Senhor Francisco Antonio de Oliveira, posta em


discussão, foi approvada169.

Depois de aprovadas as propostas, os escolhidos para as funções prestaram juramento


e o presidente da Câmara enviou ofício para o presidente da província, mencionando a
instalação e posse da Câmara.
Dos membros que compuseram a primeira Câmara Municipal de Varginha, além de
Matheus Tavares da Silva, o mais rico morador do município em nosso período de análise
(considerando sua riqueza em contos de réis), temos José Maximiano Baptista, que foi
tenente; Domingos Teixeira de Carvalho, descrito no Almanach Sul-Mineiro para 1884 como
capitalista e fazendeiro com engenho movido à água; Joaquim Antonio da Silva, membro
também da elite varginhense, que aplicava grande parte de sua riqueza nos bens imóveis
rurais, o que pôde ser observado pelo inventário de sua esposa, Francisca de Oliveira, falecida
em 1892; e João Alves de Gouvêa, o barão de Lavras, que participou das reuniões de
vereadores até meados do ano de 1887 e fez parte da elite varginhense (dono do maior monte-
mor em libras esterlinas). Assim como a maioria dos inventariados varginhenses, o barão de
Lavras aplicava a maior parte de sua riqueza nos bens imóveis rurais.
O perfil daquela Câmara de vereadores era o de uma elite agrária. Estava, portanto, nas
mãos daquele grupo os rumos que o município tomaria nos primeiros anos de emancipação.
Montoro escreveu em sua tese, quando tratou do município no Império, que “os
Vereadores não podiam se excusar ao cumprimento de suas funções. Eleitos pelos cidadãos da
cidade ou da vila deveriam, necessariamente, assumir estas funções e comparecer às sessões
da Câmara”170. Em Varginha dos finais do século XIX, as reuniões da Câmara Municipal não
eram muitas, ocorrendo a cada três meses. Quanto às eleições para vereadores, foi eleito
apenas o presidente da Câmara, internamente, pelos membros que participaram da primeira
reunião. Os demais funcionários foram escolhidos pelos vereadores e, em relação a estes
últimos, considerando as relações entre municipalidade e presidente da província, poderiam
ter sido nomeados pelo presidente171.
Para se eleger como vereador e para se votar na eleição de vereadores, exigiam-se as
condições mencionadas nos artigos 90 e 91 da Constituição de 1824172. Mas algumas

169
ACMV, 1882, fl. 02.
170
MONTORO, Eugênio Augusto Franco. O Município na Federação Brasileira. 1974. Tese (Doutorado em
Ciências Jurídicas e Sociais). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 1974, p. 08, nota 4.
171
O presidente da província tinha poder para nomear e excluir pessoas de suas funções, como veremos abaixo,
na segunda seção desse capítulo.
172
A Constituição de 1824, em seu artigo 90, dizia que “As nomeações de Deputados, e Senadores para a
Assembléa Geral, e dos Membros dos Conselhos Geraes das Provincias, serão feitas por Eleições indirectas,
86

mudanças ocorreram em 1881, com a Lei Saraiva, quando instituiu-se em todo Império a
eleição direta. A Lei também elevou o censo ao alistamento e, sendo assim, qualquer cidadão
alistável173, que residisse no município há pelo menos dois anos, poderia ser eleito vereador.
Nos primeiros anos de formação de Varginha, os principais esforços dos vereadores
diziam respeito à infraestrutura e organização do espaço urbano, assim como ocorria com
outras cidades brasileiras em seu período inicial de formação: as ruas e praças da cidade, bem
como as casas que eram construídas, deveriam seguir certo padrão de organização, como
poderemos ver por meio das atas.
Contudo, a expansão do espaço urbano de Varginha dava-se sob o regime jurídico do
aforamento concedido pela autoridade eclesiástica competente, ou seja, Varginha pertencia à
diocese de Campanha e era o bispo da diocese que administrava a cobrança de foros pelo solo
ocupado. A preocupação da Igreja era apenas com a cobrança do imposto territorial, já à
Câmara Municipal, cabia administrar financeiramente os processos de aforamento174.
O poder de conceder terrenos estava inicialmente ligado à Igreja, sobretudo por causa
da cobrança de impostos. Não obstante, a preocupação com a organização do espaço urbano
cabia à Câmara Municipal que, por exemplo, na reunião de 10 de janeiro de 1883, por meio
da proposta do vereador Domingos Teixeira de Carvalho, decidiu que o Fiscal “obrigasse” os
proprietários da cidade a “reconstruírem as ruas em frente das suas propriedades, com
calçamentos e outras providencias que fação disaparecer as ruinas das mesmas ruas, e que o
mesmo Fiscal faça reconstrução nos iscavamentos da Praça deste Edificio”175.

elegendo a massa dos Cidadãos activos em Assembléas Parochiaes os Eleitores de Provincia, e estes os
Representantes da Nação, e Provincia”. O artigo 91 dizia que possuíam voto naquelas eleições primárias os
cidadãos brasileiros que estivessem no gozo de seus direitos políticos e os estrangeiros naturalizados. No artigo
92, as informações eram referentes aos que não poderiam votar. Eram eles: os menores de 25 anos, “nos quaes
não se compreendem os casados, e Officiaes Militares, que forem maiores de vinte e um annos, os Bachares
Formados, e Clerigos de Ordens Sacras”; “os filhos de famílias, que estiverem na companhia de seus pais, salvo
se servirem Officios públicos”; os criados de servir, exceto guardalivros, primeiros caixeiros das casas de
comércio, criados da Casa Imperial e administradores das fazendas rurais e fábricas; os religiosos; e os que não
tivessem renda líquida anual de 100$000 (cem mil réis) por bens de raiz, indústria, comércio ou empregos. O
artigo 93 completava que os que não podiam votar nas Assembleias Primárias de Paróquia, não podiam ser
membros, nem votar na nomeação de alguma autoridade eletiva, nacional ou local. Por fim, o artigo 94 dizia que
poderiam ser eleitos, e votar nas eleições para deputados, senadores, e membros dos conselhos de província,
todos os que pudessem votar nas Assembleias Paroquiais, exceto: os que não possuíssem renda líquida anual de
200$000 (duzentos mil réis) por bens de raiz, indústria, comércio ou emprego; os libertos; e os criminosos
pronunciados em queréla, ou devassa. (CF – 1824, Cap. VI: Das eleições).
173
Conforme o que foi citado na nota anterior.
174
A legitimação da posse e dos títulos de propriedades, tanto municipais como particulares, só tornaram-se
possíveis após sucessivas negociações entre o poder público municipal e a Igreja. Essas negociações duraram
décadas e foi em 04 de novembro de 1922 que foi fixado um acordo entre a prefeitura e a diocese de Campanha,
em que a diocese concedeu à municipalidade a gleba patrimonial delimitada por volta do ano 1806, quando foi
construída a primeira igreja na cidade de Varginha (ÁVILA, 1983, p. 10).
175
ACMV, 1883, fl. 05.
87

Todavia, a nova cidade precisava não apenas manter-se organizada, deveriam ser
arrecadadas rendas para o município. Naquele mesmo ano de 1883, na reunião seguinte, de 11
de janeiro, foi criado o primeiro imposto municipal, pois deveria ser cobrado por cada carro
que atravessasse o município com carregamentos para as estações da estrada de ferro de Dom
Pedro ou mercados de qualquer ponto da província, o imposto no valor de dois mil réis por
cada um176. Para os carros que atravessassem Varginha partindo das estações da estrada de
ferro Dom Pedro, o valor do imposto seria de quatro mil réis. Quem atravessasse a cidade e
vendesse nela todo o carregamento, bem como os carros varginhenses, seriam isentos do
imposto177.
No ano de 1888 já havia melhor sistematização da forma de cobrança de impostos, e a
ata de 09 de janeiro daquele ano dizia que:
A Camara Municipal da Cidade da Varginha, de acordo com o artigo 194 do
seo actual codigo de Posturas, resolveo o seguinte: Artigo 1º - Fica fixado o
imposto de passagem para cada carro que transpuser este Municipio, com
quaisquer carregamentos, pôr ida e volta, em um mil reis. (Paragrapho 1º). A
cobrança deste imposto será effectuada por mais de agentes de livre
nomeação do Presidente da Camara. (Paragrapho 2º). Estes agentes
entregarão mensalmente ao Fiscal desta Cidade, as sommas arrecadadas,
deduzida sua porcentagem que será de 15% quinse por cento. (Paragrapho
3º). O Presidente da Camara, poderá encarregar da arrecadação deste
imposto aos respectivos Fiscaes. (Paragrapho 4º). Este imposto será exigivel
desde já e seo produto applicado em melhoramentos das estradas e pontes do
Municipio178.

Os impostos seriam utilizados para melhorias nas estradas e pontes, mas as


responsabilidades não se fixavam apenas àquelas reparações, assim como ocorria com demais
cidades de Minas Gerais179. Era preciso, por exemplo, deixar o espaço urbano livre dos

176
Sobre a questão das rendas dos municípios, a Lei Regulamentar de 1828 dizia, em seu título sobre a aplicação
das rendas, no artigo 74 que “Não despenderão as rendas dos Conselhos senão em objectos proprios de suas
attribuições, nem darão aos Juizes, ou outros empregados senão o que por Lei estiver determinado, ou no futuro
fôr ordenado pelo Poder Legislativo”. O artigo 75 dizia que “O Procurador não fará despeza, que não seja
autorizada por postura, ou determinada por deliberação da Camara”. O artigo 76 falava sobre a urgência da
utilização das rendas, assim “Não podendo prover a todos os objectos de suas attribuições, preferirão aquelles,
que forem mais urgentes; e nas cidades, ou villas, aonde não houverem casas de misericordia, attentarão
principalmente na criação dos expostos, sua educação, e dos mais orphãos pobres, e desamparados. No artigo 77
estava escrito que “Geralmente proporão ao Conselho Geral de Provincia, tanto os meios de augmentar suas
rendas, como a necessidade, ou utilidade de fazer dellas alguma extraordinaria aplicação”. (Lei Regulamentar
das Câmaras Municipais (Império), de 01/10/1828. Disponível
em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LIM/LIM-1-10-1828.htm. Acesso em 02/08/2016).
177
ACMV, 1883, fl. 06.
178
ACMV, 1888, fl. 84.
179
Em cidades como Diamantina e Pouso Alegre, que nos séculos XIX e XX configuraram-se como importantes
centros comerciais, era comum a cobrança de impostos de cidadãos que desejassem manter negócios em
funcionamento no espaço dos mercados. Esses impostos iam para os cofres das Câmaras Municipais, para
melhorias nas cidades. Sobre Diamantina, cf.: ANDRADE, Marcos Ferreira de. “Quintais, chácaras, intendências
e abastecimento alimentar em Diamantina: séculos XIX e XX”. In: XIV Seminário sobre a Economia Mineira.
Anais do evento. Diamantina: Cedeplar, 2010. Sobre Pouso Alegre, cf.: VALE, Fernando Henrique do; SAES,
88

animais, que deveriam ser limitados ao espaço rural, às fazendas. Naquela mesma reunião,
ficou decidido que os proprietários de éguas, cabras e cabritos deveriam retirar seus animais
do patrimônio da cidade180. Podemos, portanto, perceber que ao espaço urbano não poderia
ser misturado práticas comuns do espaço rural, como a criação de animais.
As andanças de porcos pelas ruas de Varginha também eram frequentes e, no dia 09 de
outubro de 1883, foi lido um requerimento pedindo à Câmara que tomasse providências a
respeito da andança de porcos, pois era visto no novo espaço urbano estragos causados pelos
animais181. No começo do ano de 1884, “pondo em discução, á Camara deliberou o seguinte:
E, pôr enquanto fique sustada qualquer providencia relativamente a retirada de pórcos das
ruas e praças desta Cidade, até que se tome deliberação de acordo com as posturas de que se
espera aprovação”.182
Podemos observar que Varginha passava por um processo ainda tímido de
urbanização, e que a principal preocupação dos vereadores e da maioria dos moradores da
cidade era vê-la organizada, tomando a forma urbana de uma cidade.
Assim, a novo espaço urbano de Varginha precisava também de uma escola. Na
primeira década de atas da Câmara não há nenhum registro sobre projetos para construção de
escolas, isto é, não foi possível observar sobre o trâmite de aquisições de terrenos ou prédios
para o funcionamento de escolas, mas no dia 21 de abril de 1884, a ata dizia o seguinte:

Pelo Senhor Presidente foi proposto que se officiasse ao Inspector Geral da


Instrucção Publica da Provincia de Minas, agradecendo os livros que esta
Camara recebeo, para serem distribuídos com os alunnos pobres que
frequentão as escolas deste Municipio183.

Não havia menção a projetos de construção física de escolas, mas a ata indicou que
elas já existiam. As relações entre a Câmara Municipal e o presidente da província, porém,
serão mais frequentes a partir da segunda década de formação de Varginha.
Além da organização do novo espaço em que desenvolvia Varginha, as contas do
município também deveriam ser organizadas. A partir de 1883, em todos os anos se
apresentava o orçamento das receitas e despesas para o próximo ano e, quando foram criadas
as comissões permanentes, havia uma específica para a averiguação dos orçamentos. Nos

Alexandre Macchione; CARVALHO, Rafaela Rodrigues da Silva. “Pouso Alegre: uma economia de
abastecimento numa sociedade exportadora (1880-1920)”. In: SAES, Alexandre Macchione; MARTINS, Marcos
Lobato; GAMBI, Thiago Fontelas Rosado (Orgs.). Sul de Minas em Urbanização – Modernização Urbana no
início do século XX. São Paulo: Alameda, 2016. P. 287-311.
180
ACMV, 1883, fl. 06.
181
ACMV, 1883 fl. 15.
182
ACMV, 1884, fl. 19.
183
ACMV, 1887, fl. 22.
89

primeiros anos de formação da cidade, as comissões eram criadas de acordo com o que
demandava Varginha, mas sem organização formal. No dia 05 de novembro de 1884, por
exemplo,

Havendo numero legal, o Presidente declarou aberta a sessão. Foi lida a acta
do dia antecedente, posta em discução, foi aprovada. Pelo Vereador Silva,
foi proposto que se nomiassem uma comissão, composta dos Cidadãos
Francisco Horacio Nogueira, e Olympio Gonçalves de Araujo, para
examinar a estrada que segue desta Cidade, athe o lugar denominado porteira
das Perobas, e darem seos pareceres sobre o concerto da mesma. O
Presidente pondo em discução, foi aprovada184.

Os membros da Câmara dividiam-se para administrar a cidade, todavia, não possuíam


funções específicas, porque poderiam pertencer a qualquer uma comissão. Além disso, as
comissões não eram restritas apenas aos membros da Câmara, pois muitas vezes eram
nomeados cidadãos de confiança do presidente e demais vereadores, mas que não prestavam
seus serviços à municipalidade como vereadores.
No dia 20 de abril de 1886 foi criada uma comissão com “os Cidadãos José Pinto
Ribeiro, e João da Silva Figueiredo Galvão, para hirem no dito lugar [estrada no lugar
denominado Linha] e darem enformações a esta Camara, sobre a mesma estrada”185.
Como escreveu Victor Nunes Leal, os vereadores deveriam cuidar das “benfeitorias
públicas, calçadas, pontes, fontes, poços, chafarizes, caminhos, casas de Conselho, picotas e
outras benfeitorias, que forem necessárias”186. Tudo que a cidade demandava passava pelas
reuniões da Câmara de vereadores.
Foi no dia 08 de janeiro do ano de 1887 que criaram-se as comissões permanentes, a
fim de melhor se resolver sobre os assuntos do município187:
Assim, foi nomiada uma commissão de redação e pusturas composta dos
Vereadores Ferreira de Carvalho, Franco de Carvalho, e Domingos de
Resende, uma outra comissão de orçamentos e contas composta dos
vereadores Ferreira de Carvalho, Dias de Oliveira, e Justiniano de Paiva,
uma outra comissão de obras publicas composta dos Vereadores Domingos
de Resende, Capitão Manoel dos Reis, e Franco de Carvalho, e uma outra de
saude e instrução publica composta dos vereadores Theodoro Naves,
Francisco Joaquim da Silva, e Dias de Oliveira, declarando que nenhuma
184
ACMV, 1884, fl. 30.
185
ACMV, 1886, fl. 51
186
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto – o município e o regime representativo no Brasil. 7 ed.
São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 77.
187
Todavia, a criação de comissões já estava presente nas Câmaras Municipais brasileiras desde 1828, pois:
“como não tivesse especificado que a essa autoridade [Câmara Municipal] caberia, no âmbito municipal, o
exercício das funções executivas, mas ao contrário desse realce à competência da câmara para a tarefa
governativa em geral, a lei de 1828 não instituiu um órgão executivo municipal, deixando tal incumbência à
própria câmara e seus agentes. O processo utilizado foi, por vezes, a criação de comissões internas da câmara,
entre as quais se repartia a função executiva, outras vezes a entrega desse poder, dispersivamente, aos
funcionários subalternos do município, notadamente aos fiscais” (LEAL, 2012, pp. 121-122).
90

deliberação possa ser tomada pela a Camara relativo a economia e policia da


municipalidade sem que primeiro, sejão ouvido o parecer das respectivas
comisções188.

Mesmo com a criação de comissões permanentes, em alguns casos, eram criadas


comissões específicas para o que demandasse o município. No dia 10 de janeiro de 1888, o
presidente da Câmara, major Evaristo Gomes de Paiva, nomeou uma comissão composta dos
Cidadãos doutor João Correia de Souza Carvalho, Francisco Quintino da Costa e Silva,
Marcirio Jose de Andrade e Pedro de Alcantara Rocha Braga, “para visitar as prizões desta
Cidade, e se indicar dos respectivos prêzos sobre seo tratamento, e dar seo parecer indicando
as medidas que devem ser tomadas”189. Cada comissão então, cuidava de um assunto
relacionado à cidade.
As comissões permanentes criadas em 1887 foram alteradas em 1888 e, assim, foi
ocorrendo com o passar dos anos, dependendo do que demandavam os vereadores e o
município de Varginha. Na reunião de 03 de julho de 1889 as comissões “ficarão assim
compostas: Orçamento, os vereadores Xavier, Paiva e Resende. Obras Públicas Figueiredo,
Silva e Paiva. Saúde e Instrucção Publica Rezende, Reis e Silva e Xavier”190. Na época, não
havia necessidade de mais nenhuma comissão permanente, e formava-se então as que
tivessem utilidade.
Em 1889, por exemplo, na sessão de 02 de abril, foi lido um requerimento do cidadão
Marcirio Jose de Andrade, pedindo à Câmara “para conceder o terreno em frente da casa do
Cidadão Olympio Liberal que, obriga-se a cercar com muros, e para isso pedia que se
nomeasse uma commissão para examinar o dito terreno e dar seo parecer por escripto a esta
Camara”. Assim, o presidente nomeou uma comissão “composta dos Cidadãos Doutor João
Corrêa, Capitão Antonio Caetano da Rocha Braga, e o ffiscal desta Cidade, para examinarem
o terreno e dar seo parecer por escripto a esta Camara”191.
Na reunião do dia 04 de abril daquele ano, a comissão já havia averiguado o terreno e
resolveu-se concedê-lo ao cidadão, porque contribuiria, além de outros fatores, para o
“embelesamento” da cidade:

A commissão nomeada para dar seo parecer sobre o terreno que o Cidadão
Marcirio Jose de Andrade requereo, troxe a mesa seo parecer que, é de
parecer que o terreno lhe seja dado porque alem de ser um beneficio para o
embelesamento da Cidade, tem tambem a vantagem de melhorar a rua que se
acha bastante deteriorada, e que não ha utilidade alguma em conservar

188
ACMV, 1887, fl. 61.
189
ACMV, 1888, fl. 86.
190
ACMV, 1888, fl. 101.
191
ACMV, 1889, fl. 98.
91

aquella praça, por não estar em condições de receber aquelle título, pois
parece mais um erro de alinhamento do que praça publica, devido á ella ser
triangular e muito pequena, e para sujeitão-se apreciação da ilustrissima
Camara. O Presidente pondo em discução, a Camara deliberou que lhe fosse
dado o terreno e ordem para mural-o192.

Podemos observar que os trabalhos das comissões, nos primeiros anos de Varginha
como cidade, estavam relacionados ou a averiguação de ruas e praças, ou a vistoria de um
terreno de algum particular, ou consertos em pontes e estradas, ou seja, assuntos burocráticos
de coordenação de uma cidade. Contudo, faltava disciplina de alguns membros em relação à
presença nas reuniões.
A falta de disciplina não estava presente apenas na primeira década de formação da
cidade, em que os vereadores ainda se acostumavam com a nova rotina, pois durante todo o
período em que analisamos Varginha, observamos o cancelamento de reuniões por falta de
número necessário de vereadores. Caso faltassem, deveriam pagar uma multa, sendo que o
dinheiro serviria para as obras da Câmara193.
No dia 15 de janeiro de 1884, um dos membros faltantes da reunião escreveu “pedindo
para ser aliviado da multa por se achar com encomodos em casa, pôr isso não podia
comparecer na presente sessão. Posto em discução, foi aliviado da multa”194.
Não obstante, em 25 de agosto de 1886, a reunião precisou ser cancelada, pois
“achando-se presente o Vice-Presidente alferes José Maximiano Baptista, e os vereadores
Tavares da Silva, e José de Carvalho, faltando os demais vereadores; não havendo numero
para os trabalhos da Camara, foi adiada para a manhã as horas do custume”195. Assim também
ocorreu na sessão do dia 2 de julho de 1888, em que não havendo o número suficiente de
vereadores para a realização da reunião,

o Presidente [major Evaristo Gomes de Paiva] adiou esta sessão para o dia
vinte e trez de Julho do corrente anno, e para isso, convidava os vereadores
presentes a comparecerem neste dia, e que se officiasse aos Vereadores
ausentes este acontecimento196.

192
ACMV, 1889, fl. 99.
193
Na Lei Regulamentar de 1º de outubro de 1828, que tratava das Câmaras Municipais, no “Título II –
Funcções Municipais”, o artigo 28 dizia que “O Vereador que tiver impedimento justo o fará constar ao
Presidente; e se faltar sem justificado motivo, pagará nas cidades por cada falta 4$000 e nas villas 2$000 para as
obras do Conselho, que o Secretario carregará logo em receita. Faltando os Vereadores actuaes, chamar-se-hão
os immediatos em votos, quando o impedimento passar de 15 dias, ou a urgencia, e importancia dos negocios
exigir o numero completo de Vereadores”. (Lei Regulamentar das Câmaras Municipais (Império), de
01/10/1828. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LIM/LIM-1-10-1828.htm. Acesso em
02/08/2016).
194
ACMV, 1884, fl. 19.
195
ACMV, 1886, fl. 55.
196
ACMV, 1888, fl. 93.
92

Mas se, por um lado, faltava disciplina dos vereadores para comparecer às reuniões,
por outro, faltava disciplina também por parte deles para o pagamento dos funcionários da
Câmara, e estes precisavam cobrar, como ocorreu em 07 de abril de 1886, em que “leo-se um
requerimento do Fiscal desta Cidade, Bernardino José Paulino, pedindo o pagamento de seus
ordenados vencidos neste trimestre, como empregado da mesma”197. Ou como ocorreu em 04
de abril de 1889, em que “leo-se dous requerimentos do Secretario e Continuo desta Camara,
pedindo o pagamento de seus ordenados vencidos de primeiro de Janeiro ao ultimo de Março
do corrente anno, que pondo em discução, a Camara deliberou o pagamento dos mesmos”198.
Vemos, por um lado, que os vereadores almejavam uma organização interna da
Câmara e da cidade, na medida em que criavam impostos199 ou organizavam comissões para
melhorias urbanas. Apesar disso, por outro lado, esses vereadores ainda esbarravam em
falhas, como a falta de disciplina nas reuniões e o atraso nos pagamentos dos funcionários.
Além dos primeiros projetos de infraestrutura e organização da cidade, a primeira
década de formação de Varginha seria marcada por dois acontecimentos importantes para o
Brasil, e que se fizeram presentes nas atas da Câmara.
O primeiro deles, que não foi tratado com tanta relevância na nova cidade, foi a
abolição da escravidão. Nas atas da Câmara, a única menção a respeito do assunto dizia, no
dia 20 de abril de 1888, o seguinte:

Pelo o Presidente [major Evaristo Gomes de Paiva] foi proposto que


atendendo ao estado anormal em que se achão as relações dos escravos para
com os senhores e temendo um desastre para a lavoura, em consequencia da
imigração de escravos para os pontos em que são mais protegidos na cenda
da liberdade que buscão, esta Camara dirigisse a todos os fasendeiros e
passividores de escravos do municipio, um apello para uma reunião nesta
Cidade, no dia trez de Maio do corrente anno, afim de tratar-se da transsição
do trabalho servil ao livre, e que este apelo fosse publicado pela emprensa.
Posta em discução, a Camara aceita a presente proposta200.

197
ACMV, 1886, fl. 49.
198
ACMV, 1889, fl. 99.
199
Sob a Constituição de 1891, as fontes de receitas dos municípios eram: impostos sobre prédios urbanos; de
indústrias e profissões (em alguns Estados, esse imposto era fonte de receita tanto do município como do
Estado); impostos sobre veículos terrestres e fluviais; sobre ambulantes, placas de anúncios, incluindo os
impostos de publicidade e empachamento, etc; taxas remuneratórias (água, esgoto, iluminação pública,
funerárias, mercados, matadouros); rendas dos bens dominicais; multas por infração de posturas e regulamentos
ou inobservância de contratos; indenizações, restituições, dívidas passivas prescritas, eventuais, etc. (CASTRO
NUNES, 1920, apud LEAL, 2012, pp. 150-151). Uma melhor sistematização sobre os impostos que ficariam a
cargo dos Municípios foi elaborada na Constituição Federal de 1934. A partir da Constituição, passou a ser “da
exclusiva competência dos Municípios decretar impostos prediais e de licenças, bem como taxas de serviços
municipais, além de outros que as leis estaduais lhes atribuírem”. (CF – 1934, Seção VII: Da defesa nacional,
Título V: Dos municípios, artº 89).
200
ACMV, 1888, fl. 92.
93

Pelo que dizia a ata, o presidente da Câmara estava mais preocupado com o possível
“desastre” para a lavoura do que com a situação social dos escravos. O grupo de vereadores
do município parecia não pensar na importância do fim da escravidão para o Brasil, um dos
últimos países do mundo a abolir o sistema: abolir a escravidão significava libertar os
escravos daquele sistema opressor (apesar de não terem sido inseridos de forma ativa na
sociedade capitalista logo quando houve a troca de sistema), mas também deixar que a
sociedade crescesse econômica e socialmente sob o capitalismo. No ano de 1887, Campanha e
Pouso Alegre, por exemplo, já haviam criados seus livros de ouro para a libertação dos
cativos201.
Além disso, o presidente da Câmara deixou claro que Varginha não oferecia proteção
para os escravos que, logo que pudessem, buscariam proteção em outros lugares. O apelo para
reunião com os fazendeiros e “passividores” pode ter sido feito, mas no dia marcado para a
reunião (03 de maio de 1888), não houve nenhum registro no livro de atas da Câmara.
Outro marco nacional que teve repercussão interna foi a proclamação da República: no
dia 22 de novembro de 1889 foi realizada uma reunião extraordinária, festiva, em que o
presidente Rocha Braga começou a reunião “fazendo o historico dos ultimos
acontecimentos”202.
Ele afirmou que “chegando ao auge da desmoralização”, se tornava urgente uma
resolução, e que “graças ao bom senso e criterio do povo brasileiro, do exercito e da armada,
essa resolução [a proclamação da República]” ocorreu de forma tranquila, “não tendo havido,
como em todos os paizes, as offuzões de sangue”203.
Em voz alta, o presidente leu a comunicação que a Câmara de Varginha enviaria aos
municípios e distritos vizinhos, em que dizia: “Já devis ser conhecedores da transformação
pela qual passou, ao dia 15 do corrente, o Governo de nossa pátria”204, pois o acontecimento
havia se dado dentro da ordem e tranquilidade, uma prova do patriotismo do povo brasileiro.
“A hora do perigo, passou”, “Viva a Republica Federal dos E. U. do Brasil!” e “Viva o
Estado de Minas Gerais!”205 eram algumas das frases da comunicação escrita. Aquela reunião
foi marcada apenas para a comemoração da proclamação da República, tendo sido encerrada
assim que o presidente terminou de ler a comunicação.
201
Sobre o tema da escravidão em Campanha e Pouso Alegre, cf.: SAES, Alexandre Macchione; AVELINO
FILHO, Antoniel. “Escravidão e trajetórias das elites locais: Campanha e Pouso Alegre no ocaso da escravidão”.
In: Cultura Histórica & Patrimônio, Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG), vol. 1, n. 1, p. 65-90,
2012.
202
ACMV, 1889, fl. 106.
203
Idem.
204
Idem.
205
ACMV, 1889, fl. 107.
94

Depois de proclamada a República, a forma de governo adotada pelo Brasil foi a


federativa. “O ideal defendido pelos federalistas durante todo o Império, procurando
transplantar para nosso país o modelo adotado nos Estados Unidos da América do Norte,
torna-se realidade”206.
Com a nova Constituição da República, passou a serem melhor definidas as novas
atribuições dos municípios, como veremos na próxima seção.
Varginha, que se emancipou de Três Pontas em 1882, já completava sete anos de
existência como cidade em 1889. E podemos observar que em poucos anos a cidade
caminhava rumo a uma maior organização urbana local, processo esse que antes de sua
emancipação já havia sido começado, mas que tomou nova forma depois do nascimento da
Câmara Municipal, pois podemos compreender, por meio das atas da Câmara, o esforço dos
vereadores em organizar e “embelezar” o novo município do Sul mineiro.
A nova década que iniciava teria como marco principal a elevação à sede de Comarca,
acontecimento que ocorreu depois de tão pouco tempo da emancipação de Varginha. Como
consequência também da elevação à sede de Comarca, as relações com outros municípios e
distritos se fortificariam, dada a importância de Varginha para a vizinhança do Sul de Minas
Gerais.

2.2. A segunda década de Varginha: elevação à sede de Comarca e as relações com os


distritos e outros municípios (1890-1899)
Aos vereadores, inclusive no contexto de formação de uma cidade, lhes cabiam
inúmeras tarefas207, como escreveu Victor Nunes Leal:

206
MONTORO, Eugênio Augusto Franco. O Município na Federação Brasileira. 1974. Tese (Doutorado em
Ciências Jurídicas e Sociais). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 1974, p. 15.
207
Na Lei Regulamentar das Câmaras Municipais, na parte sobre as funções das Câmaras, havia atribuições
minuciosas a respeito do funcionamento das Câmaras Municipais. O primeiro artigo dessa parte, artigo 24 da
Lei, dizia que “As Camaras são corporações meramente administrativas, e não exercerão jurisdicção alguma
contenciosa”. No decorrer da parte sobre as funções das Câmaras, estava escrito sobre os procedimentos para
reuniões ordinárias, sobre a convocatória de reuniões extraordinárias, sobre a hora que as reuniões deveriam
começar a por quanto tempo deveriam durar, sobre a falta de vereadores, com ou sem justificativa. Dos 42
artigos dessa parte, destacamos os seguintes: “Art. 40. Os Vereadores tratarão nas vereações dos bens, e obras do
Conselho do Governo economico, e policial da terra; e do que neste ramo fôr á prol dos seus habitantes; Art. 42.
Não poderão vender, aforar, ou trocar bens immoveis do Conselho sem autoridade do Presidente da Provincia
em Conselho, emquanto se não installarem os Conselhos Geraes, e na Côrte sem a do Ministro do Imperio,
exprimindo os motivos, e vantagens da alienação, aforamento, ou troca, com a descripção topograptica, e
avaliação por peritos dos bens que se pretendem alienar, aforar, ou trocar; Art. 47. Poderão ajustar de empreitada
as obras que se houverem de fazer, mettendo-as primeiramente em prégão, para preferirem aquelles, que se
offerecerem por menor preço, precedendo vistoria legal, publicação do plano, e sua avaliação; e na falta de
empreiteiros, as poderão fazer por jornal. E quando as obras forem de grande importancia, e alguns socios, ou
emprehendedores se offerecerern a fazel-as, percebendo algumas vantagens para sua indemnização, enviarão as
propostas aos Conselhos Geraes da Provincia; Art. 48. Farão pôr em boa guarda todas as rendas, fóros, coimas, e
mais cousas que á Camara pertençam em arca forte de tres chaves, das quaes uma estará em poder do Presidente,
95

Cabia-lhes cuidar do centro urbano, pontes, prisões, matadouros,


abastecimento, iluminação, água, esgotos, saneamento (...) defesa sanitária
animal e vegetal, inspeção de escolas primárias, assistência a menores,
hospitais, cemitérios, sossego público, polícia de costumes etc. Resumindo
(...) as câmaras deliberariam em geral sobre os meios de promover e manter
a tranquilidade, segurança, saúde e comodidade dos habitantes, asseio,
segurança, elegância e regularidade externa dos edifícios e ruas das
povoações208.

Era dessa forma que funcionava na formação dos municípios brasileiros, não sendo
diferente em Varginha. “A eleição da Câmara assegura – afora os afluídos e indefinidos
ajuntamentos populares, ou as juntas locais – o vínculo entre o povo e a administração
pública”209. O que desejavam os moradores da cidade passava pelas reuniões da Câmara.
Cabia à Câmara consentir ou não o que pediam os munícipes.
Em 02 de outubro de 1890, por exemplo, foi lido o requerimento “feito por Thomaz
José da Silva pedindo ao Governador do Estado um privilegio com garantia de juros para
montar uma fazenda zoothechinica neste município”210. O pedido passava pela reunião de
vereadores primeiro, para depois ser encaminhado ao governo do Estado. O requerimento de
Thomaz José da Silva, então, “foi remethido ao seu destinatario”211. Contudo, não houve
menções nas atas a respeito do atendimento do pedido.
Na primeira sessão de janeiro de 1891, o apelo era para que a Câmara vistoriasse
algumas estradas importantes para moradores de Varginha. Dessa forma, foi lido:

Requerimento de Joaquim Procopio Bueno e outros pedindo que a


Intendencia nomeie uma vistoria para examinar a antiga estrada que vai ter
da fazenda dos Buenos a de Palmella passando pelas fazendas da Pedra
Branca e Cachoeira, de propriedade do Coronel João Pedro Mendes e
Gabriel Severo da Costa, e tambem a estrada recentemente aberta; allegando
que a distancia entre as duas primeiras fazendas, pela antiga estrada é de 102
kilometros de bons caminhos, e que pela nova estrada é de 18 kilometros de
pessimos caminhos212.

O que seria feito a respeito desse pedido não consta nas atas da Câmara, mas o comum
era a nomeação de comissões para a averiguação de assuntos relacionados a consertos de
pontes e estradas.

outra do Fiscal, e outra do Secretario”. (Lei Regulamentar das Câmaras Municipais (Império), de 01/10/1828.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LIM/LIM-1-10-1828.htm. Acesso em 02/08/2016).
208
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto – o município e o regime representativo no Brasil. 7 ed.
São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 87.
209
FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro, vol. 1. 10 ed. São
Paulo: Globo; Publifolha, 2000, p. 208.
210
ACMV, 1890, fl. 26.
211
Idem.
212
ACMV, 1891, fl. 30.
96

Com a elevação da cidade à sede de Comarca, uma novidade para Varginha, como
veremos mais abaixo, as funções dos vereadores também se estenderiam a outras localidades
vizinhas. Varginha passaria a contar com um juiz de direito, que serviria também cidades
próximas.
Mas a primeira diferença para a década que iniciava-se dizia respeito à própria
definição de município. Com a proclamação da República, foi promulgada uma constituição
provisória, enquanto se preparava para a convocação de uma Assembleia Constituinte. Assim:

Nesta Constituição provisória, baixada pelo Decreto nº 510, de 22 de junho


de 1890, alterada pelo de nº 194-A, de 23 de outubro do mesmo ano, que
após vem a ser encaminhada como projeto para a Constituinte, já há lugar
para o Município. São determinadas as bases sob as quais os Estados
estabeleceriam o regime municipal. Surge o conceito de autonomia
municipal, característico do regime federativo brasileiro (...). Os Estados
Membros organizariam os Municípios respeitadas as seguintes bases: 1º)
“autonomia do Município em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse”,
e 2º) “eletividade da administração local”. O projeto quis ressaltar dois
aspectos, que podemos considerar princípios básicos da organização
municipal (...)”213.

Além de algumas determinações gerais acerca dos municípios, houve mudança na


denominação do órgão administrativo municipal. Escreveu Raymundo Faoro que “durante a
vigência da Constituição de 1891, não se chegou a uniformizar a denominação do órgão
deliberativo da administração municipal, matéria da competência estadual: Intendência,
Conselho, Câmara – foram os nomes escolhidos”214.
A denominação do presidente da Câmara Municipal também passou por alterações:

No regime de 1891, em todos os Estados foram discriminadas as funções


executivas, que incumbiam, em uns poucos, ao próprio presidente da
câmara. Na grande maioria das unidades federadas, havia um órgão
executivo especial, cuja denominação variava: prefeito, intendente,
superintendente, agente executivo215.

Entretanto, apesar das alterações em algumas denominações relacionadas à Câmara


Municipal, a Constituição de 1891 não alterou tanto a questão da autonomia dos municípios,
tendo se concentrado, especialmente, nos estados216.
Acontecimentos relevantes para Varginha na década de 1890 foram dois: a chegada da
ferrovia e a elevação à sede de Comarca. A chegada da ferrovia foi mencionada em nosso
213
MONTORO, Eugênio Augusto Franco. O Município na Federação Brasileira. 1974. Tese (Doutorado em
Ciências Jurídicas e Sociais). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 1974, pp. 15-16.
214
FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro, vol. 1. 10 ed. São
Paulo: Globo; Publifolha, 2000, p. 119, grifos do autor.
215
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto – o município e o regime representativo no Brasil. 7 ed.
São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 122, grifos do autor.
216
Ibidem, pp. 123-125.
97

capítulo anterior, juntamente com os demais componentes que auxiliaram no crescimento da


cidade de Varginha. Em relação à ferrovia, a única menção feita nas atas da Câmara ocorreu
no fim de dezembro de 1891, antes da inauguração da estrada de ferro, tratando-se das obras
para sua construção:

Deliberou o Conselho que: attendendo a falta de pedreiros e trabalhadores


hoje existentes nesta cidade, em rasão das muitas obras em andamento,
provenientes em sua maior parte da abertura de diversos quintaes para
passagem de ferro-via Muzambinho, e bem assim as edificações particulares,
que fossem relevadas multas, em que incorrerão todos os proprietarios que
deixarão de fechar seus quintaes com muros: ficando-lhes, porem, marcados
o praso de sete meses para tal fim, ficando sujeitas a multa de 30$000 [trinta
mil réis] os que deixassem de cumprir essa obrigação ate o dia 30 de Julho
de 1892217.

Nenhum registro posterior àquela data, referente à passagem da ferrovia, foi


encontrado nas atas da Câmara. No entanto, a passagem citada acima nos chama atenção,
sobretudo, na parte em que diz: “em rasão das muitas obras em andamento, provenientes em
sua maior parte da abertura de diversos quintaes para a passagem da ferro-via Muzambinho”.
Portanto, é possível entender que, juntamente com as obras da ferrovia, se desenvolviam
demais obras no perímetro urbano de Varginha, o que mostra crescimento urbano da
cidade218.
Se houve apenas simples registro nas atas da Câmara Municipal sobre a ferrovia, de
forma diferente ocorreu com a elevação à sede de Comarca, em que os vereadores realizaram
uma reunião solene, com a participação de importantes membros das elites do Sul de Minas.
“O projeto de Constituição que se discutia e votava na infortunada Assembleia Constituinte
de 1823 dividia a administração do país em comarcas, distritos e termos”219.
A instalação da sede de Comarca ocorreu “aos vinte dias do mes de Maio de mil
oitocentos e noventa, nesta cidade da Varginha, na salla do Edifício da Intendencia” 220. Além
do presidente da Câmara Municipal, José Justiniano de Resende e Silva, e os vereadores
daquele ano, estiveram presentes importantes membros da sociedade varginhense, como
Matheus Tavares da Silva e o barão de Varginha; pessoas que já haviam passado pela Câmara
217
ACMV, 1891, fl. 40.
218
Como veremos no próximo capítulo desta dissertação, que tratará da valorização do espaço urbano do
município de Varginha por meio dos registros de imóveis, a chegada da ferrovia realmente gerou movimentação
urbana nas proximidades da localização da estação. Na década de 1890, que compreende os anos das obras e da
inauguração da ferrovia (1891 e 1892), foram registrados mais imóveis, tanto rurais como urbanos, que na
década posterior, de 1900. Entretanto – o que veremos também no próximo capítulo – a movimentação gerada
em torno da estação ferroviária não se limitou apenas à década de chegada da ferrovia à Varginha, estendendo-se
para inícios do século XX. (ÁVILA, 1983, p. 05.).
219
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto – o município e o regime representativo no Brasil. 7 ed.
São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 121.
220
ACMV, 1890, fl. 18.
98

de Varginha como vereadores e presidentes da Câmara; e demais membros da sociedade Sul


mineira, como o barão de Boa Esperança e representantes de Pontal.
Ao final da sessão solene, “o Dr. Juiz de Direito foi também proferindo um discurso,
congratulando se com todos os habitantes pela installação da Comarca, terminando com vivas
a Republica do Brasil”221.
A partir daquele momento, Varginha seria responsável não apenas por assuntos
econômicos e sociais de outras localidades, mas também pelas questões judiciais222. O que
demandavam os cidadãos das localidades próximas de Varginha, passava pelas reuniões da
Câmara de vereadores.
Em relação a assuntos de organização dos distritos pertencentes à cidade de Varginha,
no dia 05 de dezembro de 1890 “é lido um requerimento de Antonio Januario da Silva em que
pede um attestado da Intendencia, dizendo se é ou não necessaria a abertura de mais uma
pharmacia na freguezia do Pontal”223. Se os vereadores achassem importante a abertura da
nova farmácia, apoiariam a construção, mas se não, seriam em vão os esforços do senhor
Antonio Januario para alcançar o que desejava. Na maioria dos casos, a Câmara de vereadores
atendia aos pedidos, mas não em todos, mesmo que o requerente recorresse novamente à
Câmara, melhorando seus argumentos. Veremos mais adiante, por exemplo, que os
vereadores não concederam o que desejava a classe comercial de Varginha.
No caso da abertura da nova farmárcia, “deliberou-se conceder o attestado pedido,
visto ser sabido de todos que a pharmacia unica ali existente não se acha em convicção de
bem servir ao publico que por sua vez reclama sua urgente necessidade”224.
No dia 06 de junho de 1891, foi lido o requerimento de um cidadão varginhense, “Jose
Pinto Cardoso pedindo o fechamento de um becco muito estreito, contiguo a sua casa, no
largo detras da Matriz. Deliberou a Intendencia ir verificar se o becco devia ou não ser
feichado”225.
No dia 03 de agosto do mesmo ano, a ata da reunião contava com uma parte escrita
“Requerimentos”, em que:

Forão lidos: 1º do Cidadão Urbano Gomes Nogueira, cuja pretensão foi


atendida, salvos os direitos de terceiros; 2º do Cidadão Manoel Eugenio

221
ACMV, 1890, fl. 19.
222
Na época, Varginha, além de ser responsável pelos assuntos de seus distritos, Pontal e Carmo da Cachoeira,
também possuía relações com o povoado de São Bento do Campo Bello, no sentido de auxílio de abastecimento
de água e construção de prédios públicos, como cadeia e escola. Atualmente, estão sob a jurisdição da Comarca
de Varginha as cidades de Carmo da Cachoeira e Monsenhor Paulo.
223
ACMV, 1890, fl. 28.
224
Idem.
225
ACMV, 1891, fl. 34.
99

Gonçalves, que segue ao Fiscal da freguezia do Pontal para ser informado, e


3º do Cidadão Astholfo de Rezende, pedindo attestado, sendo deferido226.

Na reunião de 10 de dezembro de 1891,

forão lidos cinco requerimentos de diversos Cidadãos residentes nesta


cidade, pedindo relevação das multas impostas pelo Fiscal, por não terem
fechado seus quintaes com muros de adobes de tijolos, os quais forão
attendidos, tomando o Conselho as medidas necessarias em relação ao
assumpto227.

Pela leitura da citação acima, podemos ver que as questões de organização urbana
eram sempre presentes nas reuniões da Câmara Municipal, o que era comum para um
município em formação num período em que o Brasil como um todo passava por momento de
modernização de padrões de consumo, com um processo de urbanização sendo conduzido
pela elite nacional.
Na mesma reunião de 10 de dezembro de 1891, “foi lido um requerimento do Cidadão
Joaquim Alves Moreira solicitando licença para continuar com os concertos de uma sua casa
nesta cidade, visto ter sido embargada essa obra pelo Fiscal”228. O cidadão foi atendido, mas
deveria obedecer o alinhamento na parte da frente da casa.
Os requerimentos, porém, também eram enviados para a cobrança de deveres
monetários que a Câmara possuía, como ocorreu na mesma reunião de 10 de dezembro, onde:

foi lido um requerimento do Cidadão Marcirio Jose de Andrade pedindo


pagamento da quantia de 261$360 que lhe é devedora a Intendencia, sendo
122$500 do pagamento feito ao Cidadão Constantino Jose da Silveira, por
serviços por elle feitos, por ordem deste Conselho, com Augusto recenseador
desta Parochia, e o restante de fornecimentos feitos a Intendencia, conforme
as contas juntas ao requerimento229.

Então, “sendo examinadas essas contas, e achando-as o Conselho em ordem,


despachou o requerimento, ordenando ao Procurador o pagamento”230.
Da mesma forma que os desejos dos moradores de Varginha chegavam à Câmara,
também passavam por lá requerimentos de outras localidades, sobretudo de Carmo da
Cachoeira, Freguesia da Mutuca ou Pontal (atual Elói Mendes) e Três Pontas. Mas essas
cidades e distritos que dependiam da Câmara de Varginha para a resolução de seus problemas
possuíam também seus representantes políticos que, quando necessário era, participavam das
reuniões da Câmara em Varginha.

226
ACMV, 1891, fl. 35.
227
ACMV, 1891, fl. 40.
228
ACMV, 1891, fl. 40.
229
Idem.
230
Idem.
100

Abaixo vamos mostrar as relações entre Varginha e cidades e distritos vizinhos,


relações sociais, de auxílio financeiro e de auxílio para organização do espaço daquelas outras
localidades. O diálogo entre Varginha e locais próximos já existia antes de 1890, mas foram
intensificando-se com o passar do tempo e importância que Varginha ganhava na região do
Sul de Minas.
No dia 01 de maio de 1890 foi lida uma petição do Fiscal de Carmo da Cachoeira,
requerendo pagamento de seus ordenados atrasados. Portanto, “depois de ouvido o
Procurador, resolveo a Intendencia acceitar as contas apresentadas e mandar-se-lhe pagar os
ordenados vencidos conforme a conta organisada pelo Procurador”231.
No dia 10 de junho de 1890, “foi tambem lido um officio do Dr. Juiz de Direito das
Tres Pontas, em resposta do que lhe fôra dirigido desta Intendencia por occasião da instituição
da comarca: ficou inteirada mandando archivar”232.
No dia 01 de outubro daquele mesmo ano, “foi lido um officio do Fiscal da Freguesia
do Carmo communicando haver D. Constança Umbelina de Souza se opposto á abertura de
uma estrada em suas terras. Inteirada, vai dar as providencias”233.
Em 06 de junho de 1890, “deliberou a Intendência que se officiasse á da Campanha
pedindo uma solução qualquer em relação a uma casa velha existente no pasto dos Farinhas,
que servira outrora de moradia do cobrador de pedagio de uma fonte que ahi existia”234.
No dia 13 de fevereiro de 1894, foi lido um requerimento de 62 habitantes do Largo
do Rosário, em Varginha, pedindo, através de um abaixo assinado, que fosse aberto um beco
naquele lugar, próximo à residência de um dos moradores. Foi oferecida a quantia de 200 mil
réis para ajuda na realização da obra235.
Os impostos municipais nem sempre eram o suficiente para o que necessitava a cidade
e distritos e, pensando numa solução para isso, no dia primeiro de fevereiro de 1894,
“resolveu o Conselho destinar uma verba de um conto de reis (1:000$000) para socorros
públicos, sendo todos os documentos visados pelo fiscal do Districto ou por qualquer membro
do Conselho”236.
Se as andanças de animais pelas ruas incomodaram os moradores e os vereadores de
Varginha em seus anos iniciais de formação, como vimos no primeiro tópico deste capítulo,
assim também ocorreu com outros distritos em formação. No dia 05 de dezembro de 1890,

231
ACMV, 1890, fl. 18.
232
ACMV, 1890, fl. 21.
233
ACMV, 1890, fl. 25.
234
ACMV, 1891, fl. 34.
235
ACMV, 1894, fls. 08 e 10.
236
ACMV, 1894, fl. 07.
101

“deliberou-se officiar ao Fiscal da freguezia do Pontal sobre a proibição de animaes soltos


pelas ruas, e pedindo que indique algum pasto que possa servir de curral ao Conselho e
porquanto pode-se alugar o mesmo por mez”237. Cabia aos vereadores da Câmara, também,
organizar aquele novo espaço urbano, como ocorria com Varginha.
Mas a população de Pontal, logo no mês de fevereiro de 1891, pediu que os animais
pudessem ficar soltos pelas ruas na parte da noite:

Resolveu-se officiar nesse sentido ao Dr. Chefe de Policia, remetendo


incluso o officio do Senhor Delegado de Policia. Uma representação dos
habitantes da freguezia do Pontal pedindo que não seja posto em vigor
naquella freguezia o art. do Codigo de Posturas que prohibe andarem
animaes soltos de noite pelas ruas238.

A Câmara de Varginha atendeu ao pedido dos moradores de Pontal, mas só por causa
das “insinuações” do vigário do distrito: “resolveu-se attender a essa reclamação pondo de
parte as insinuações do Vigario d’aquella freguezia que diz ser de mais conveniencia que a
Intendencia mande illuminar a freguezia em vez prohibir animaes soltos andarem pelas
ruas”239.
Não se sabe ao certo quando a iluminação chegou à freguesia de Pontal, mas em
Varginha, as primeiras menções acerca da iluminação pública240 são de 1893, quando em 05
de setembro daquele ano “resolveu o Concelho fazer um apello aos proprietarios para
auxíliarem com os póstes de madeira de lei, que serão preparados conforme o typo
apresentado pelo Concelho, ficando designado o dia 15 de Novembro para a installação da
dita iluminação”241.
Na reunião de 08 de setembro daquele ano, deliberou-se que o presidente da Câmara
estava autorizado a colocar em hasta pública os serviços necessários para a execução das
obras com a iluminação pública, visto já ter se arrecadado a verba necessária 242. Mas o valor
que poderia ser gasto, que era de seis contos de réis, diminuiu para quatro contos de réis, “em
vista da verba que foi distribuida a este Conselho pela Camara Municipal” 243. Os serviços de

237
ACMV, 1890, fl. 29.
238
ACMV, 1891, fl. 32.
239
Idem.
240
Não sabemos ao certo se a iluminação em Varginha era feita com base a óleo ou a gás. Segundo Silva (2006,
pp. 10-14), num primeiro momento, a iluminação pública brasileira era feita a óleo vegetal (o caso, por exemplo,
do Rio de Janeiro, em meados do século XVIII) e depois, à base de querosene e a gás. Mais detalhes sobre a
iluminação pública no Brasil, cf.: SILVA, Lourenço Lustosa Fróes da. Iluminação Pública no Brasil: Aspectos
Energéticos e Institucionais. 2006. Dissertação (Mestrado em Planejamento Energético) – Programa de Pós-
Graduação em Engenharia, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2006.
241
ACMV, 1893, fl. 02.
242
ACMV, 1893, fl. 03.
243
Idem.
102

energia elétrica, entretanto, chegaram em Varginha no ano de 1914, como poderemos ver na
seção referente à quarta década de formação da cidade.
As relações que Varginha possuía com outras localidades se estendiam até às finanças,
pois na reunião de 15 de fevereiro de 1892:

O Conselho deliberou que as contas e livro de receita e despeza do


Procurador fossem entregues ao Intendente Jose Justiniano de Paiva, para, na
sessão ultima deste Conselho, que foi marcada para o dia 29 do corrente, dar
parecer sobre ellas, e encerrar-se nesse dia todas as contas: devendo os
Fiscais desta cidade, e bem assim os das freguesias da Cachoeira e Pontal,
apresentarem-se com suas contas e arrecadação liquidadas nesse mesmo dia,
para o que deverão ser avisados pela Secretaria deste Conselho244.

Era preciso que Pontal e Carmo da Cachoeira apresentassem suas finanças porque
eram distritos de Varginha. Não obstante, as finanças dos municípios deveriam ser
examinadas também pelo estado, porque “(...) cumpre observar que muitas das Constituições
estaduais estabeleceram um sistema de fiscalização da administração das finanças municipais
por parte do Estado”245.
Assim, antes do ano de 1892, a ata da sessão de 08 de janeiro de 1891 dizia que “foi
feito e remethido ao Governador do Estado o orçamento da receita e despeza desta
Intendencia para o anno de 1891”246.
Na segunda década de formação de Varginha, as relações entre a Câmara e o governo
do estado passaram a se intensificar mais. No dia 14 de junho de 1890, logo depois da
elevação à sede de Comarca “foi lida uma circular do Governador, de vinte e sete de Junho
proximo passado, erguido um quadro de todos os impostos anexados desde mil oitocentos e
oitenta até mil oitocentos e oitenta e nove, de acordo com o modelo que foi remetido”247.
Na reunião de 19 de maio de 1891, “deliberou o conselho: 1º que se officiasse ao
governador pedindo de novo a sua approvação á redução de alguns impostos, proposta em
officio de 27 de dezembro do anno passado”248.
Na mesma reunião de 19 de maio de 1891, o Conselho deliberou também:

que se officiasse ao administrador Geral dos Correios deste Estado,


agradecendo a Sua Excelencia as providdencias tomadas no sentido de

244
ACMV, 1892, fl. 42.
245
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto – o município e o regime representativo no Brasil. 7 ed.
São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 91.
246
ACMV, 1891, fl. 31.
247
ACMV, 1890, fl. 21.
248
ACMV, 1891, fl. 33.
103

melhorar o serviço de conducção das malas entre os Tres Corações e esta


cidade, serviço este hoje feito com mais pontualidade249.

As relações entre as Intendências e o governo do estado tornaram-se tão estreitas que


“os Estados estão nomeando autoridades para os municípios”250. No dia 01 de abril de 1890,
“foram lidos os officios do Governador deste Estado, de dez de Março findo, declarando sem
effeito a nomeação do cidadão Antonio Pinto de Barros, membro adjuncto dessa Intendencia e
nomeando em seu lugar o cidadão Dr. Julio Augusto Ferreira da Veiga”251.
Afirmou Victor Nunes Leal que “permitia o art. 5, §8º, da lei de 3 de outubro de 1834,
que os presidentes de província suspendessem “quaisquer empregados”, nos casos que
indicava, e os órgãos do governo central entenderam que essa atribuição também se referia
aos vereadores”252.
Na reunião de 02 de outubro de 1891:

Compareceo o Cidadão Jose Justiniano de Paiva, que por acto do


Governador do Estado fora nomeado Intendente, e bem assim, o Cidadao
Joaquim Pinto de Oliveira, nomeado Adjuncto, este na vaga deixada pelo Dr.
Julio Augusto Ferreira da Veiga, que se mudara para a Campanha, e aquelle
na vaga deixada pelo cidadão Marcirio Jose de Andrade, que fora nomeado
Collector das rendas geraes d’este Estado. Ambos prestarão juramento em
mãos do Presidente, e firmarão o compromisso de servirem com zelo,
dedicação e lealdade os referidos, estando desde logo na posse e exercicio do
cargo o Cidadão Jose Justiniano de Paiva253.

Para finalizar está seção, vamos descrever o pequeno embate entre a Câmara dos
vereadores e a classe comercial da cidade de Varginha, que havíamos mencionado
anteriormente. Começaremos esse assunto nessa seção e terminaremos na última parte deste
capítulo.
No ano de 1893, na reunião de 08 de setembro, “o Conselho Distrital da Cidade do
Espírito Santo da Varginha, decretou e seu Presidente [Pedro A. da Rocha Braga] sancionou”
que o fechamento das casas comerciais, aos domingos e dias santos, seria às 16h, sendo
isentos da lei as farmácias, botequins, confeitarias, hotéis e bilhares. Os que descumprissem a
medida pagariam multa de 20 mil réis e o dobro nas reincidências254.

249
ACMV, 1891, fl. 33.
250
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto – o município e o regime representativo no Brasil. 7 ed.
São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 124.
251
ACMV, 1890, fl. 15.
252
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto – o município e o regime representativo no Brasil. 7 ed.
São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 118.
253
ACMV, 1891, fl. 36.
254
ACMV, 1893, fl. 03.
104

Essa decisão dos vereadores causou insatisfação na classe dos comerciantes, que
resolveu reivindicar. Dessa forma, na reunião de 26 de outubro de 1893, parte da ata dizia:
Passando a tratar-se dos trabalhos ordinarios desse conselho, entrou em
discussão a resolução n: 1 que determina o fechamento das portas, resolveu o
conselho suspender a execução desta medida até ulterior deliberação, em
virtude do descontentamento que a mesma medida causou á maioria dos
comerciantes desta praça255.

Depois da mudança de posição da Câmara, durante alguns anos, as discussões sobre o


fechamento dos estabelecimentos comerciais ficaram em silêncio, pois não havia nenhuma
menção a esse assunto nas atas. Todavia, novamente no ano de 1899, resolveu a Câmara, por
meio da Lei Nº 101, de 21 de setembro de 1899, que “todos os negociantes deste município,
aos domingos e dias santificados, são obrigados a fechar as portas de seus estabelecimentos
commerciaes das 3 ½ horas da tarde em diante”256.
A Lei era pouco mais rígida que a medida de 1893, pois se antes os comerciantes
podiam manter seus estabelecimentos funcionando até às 16h, em 1899 eles haviam perdido
meia hora de trabalho.
Esse pequeno embate entre Câmara Municipal e comerciantes nos mostrou que
realmente eram os vereadores os donos do poder da cidade, a elite agrária do município. Por
mais que vereadores também tivessem voltados para o comércio, como Matheus Tavares da
Silva257 ou José Maximiano Franco de Carvalho258, ainda assim faziam parte de uma elite
agrária e seus interesses não estavam tanto na classe comercial ou nos rendimentos que a
classe dos comerciantes poderia ter mantendo seus estabelecimentos em funcionamento por
mais tempo.
A segunda década de formação de Varginha como município nos mostrou, portanto,
avanço nas questões de organização do espaço urbano que haviam sido destacadas na primeira
década de nossa análise. Ainda, a elevação à sede de Comarca e a chegada da ferrovia foram
acontecimentos que contribuíram para o crescimento econômico varginhense.
Aquelas questões de organização da cidade (tais como a nomeação de ruas e praças,
vistorias nos muros das casas, retirada de animais das ruas e consertos em pontes e estradas)

255
ACMV, 1893, fl. 04.
256
A descrição dessa Lei, tal como foi descrita no trecho acima, foi encontrada na Ata de 07/07/1913, fl. 61.
257
Descrito no Almanach Sul-Mineiro para 1884, dentre outras profissões, como comerciante.
258
Proprietário de estabelecimento de bilhar em Varginha. Sobre as profissões para a cidade na época, cf.:
VEIGA, Bernardo Saturnino da. Almanach Sul-Mineiro para 1884. Campanha: Typographia do Monitor Sul-
Mineiro, 1884, pp. 186-189. No próximo capítulo da dissertação serão detalhadas mais profissões presentes no
município de Varginha na transição do século XIX para o século XX.
105

estenderam-se também às localidades próximas, sobretudo os distritos, que estavam sob a


administração de Varginha.
Claramente que as questões de organização urbana continuaram sendo debatidas em
Varginha nas demais décadas de nossa análise, porque são demandas próprias de uma cidade,
mas quando avançamos em nosso período, constatamos outros assuntos que merecem maior
destaque, o que mostraremos nas próximas duas seções deste capítulo.
A terceira década de formação de Varginha não é menos importante que as demais no
que diz respeito ao avanço do processo de urbanização259, porém, para o período de 1900 até
1909, só foram identificadas atas da Câmara para os anos de 1903 e 1905, não havendo mais
documentos desta década no museu da cidade. O assunto dessas atas era a eleição de
membros para a Câmara dos deputados, senado e vice-presidência da República.

2.3. Terceira década de Varginha: as instalações das Mesas Eleitorais (1900-1909)

Por meio de atas dos anos de 1903 e 1905, poderemos compreender um pouco sobre o
funcionamento das mesas eleitorais que ocorriam na cidade de Varginha logo nos primeiros
anos do século XX.
As atas das eleições ocorriam em dois momentos. Primeiramente, era formada a mesa
eleitoral, com os membros que a comporiam e, depois, era realizada a eleição. Assim, o
primeiro momento da ata da eleição de fevereiro de 1903 foi descrito da seguinte forma:

Aos dezoito dias do mes de Fevereiro do anno de mil novecentos e tres pelas
nove horas da manha, na sala das secções da Camara Municipal, (...), afim
de se proceder a eleição de tres deputados federais por este districto, de um
senador federal e do Vice presidente da Republica, de accordo com a lei e as
communicações recebidas, reuniram-se os cidadãos Dr. Presciliano Pinto de
Oliveira, Manoel Jovem Xavier de Resende, Manoel Joaquim da Silva
Bittencourt, não comparecendo José Joaquim de Miranda e Joaquim Eugenio
de Araujo, tendo sido convidados os mesarius supplentes em substituição
dos faltosos, os Cidadãos José Umbelino Freire e Domingos José Cirio e
Silva, tendo sido todos em tempo nomeados na conformidade do artigo 3º da
Lei de 26 de Janeiro de 1892, para a constituir a mesa eleitoral da referida
secção. Logo em seguida, tendo cada um dos referidos mesarius dado os
seus votos, e depois destes apurados dereitamente, verificou-se que haviam
sido eleitos, á pluralidade dos mesmos votos, o Cidadão Dr. Prisciliano Pinto
de Oliveira, para presidente, e o Cidadão Manoel Joaquim da Silva
Bittencourt, para Secretario, os quaes immediatamente tomaram os assentos
que lhe competiam, bem como os outros mesarius. Então o presidente
nomeou o mesario Daniel Jovem Xavier de Resende, para faser a chamada
dos eleitores, o mesario Domingos Jose Cirio e Silva para examinar os

259
A respeito da valorização da área urbana, por exemplo, veremos no próximo capítulo que, no período de 1900
a 1909, foram criados dois bairros novos em Varginha, fazendo-se ampliar o espaço urbano, cf.: ÁVILA,
Affonso. “Varginha: formação e evolução”. In: Fund. J. P, Belo Horizonte, 13 (7/8), pp. 02-18, jul./ago., 1983,
p. 10.
106

titulos dos mesarius e o mesario José Umbelino Freire para receber as listas.
Em acto continuo declarou o presidente da mesa, instalada a segunda secção
eleitoral federal (...)260.

Dentre os eleitores que votavam em Varginha, estavam pessoas de cidades e distritos


vizinhos. Contudo, não era a totalidade da população que participava do processo 261. Para
votar, era necessário ser alistado e não eram todos os cidadãos que podiam participar do
alistamento.
O artigo 70 da Constituição Federal de 1891 afirmava que eram eleitores os cidadãos
maiores de 21 anos, que se alistassem na forma da lei. Esta, dizia que não poderiam alistar-se
para as eleições federais ou estaduais: os mendigos; os analfabetos; “as praças de pret”, exceto
os alunos de escolas militares de ensino superior; os religiosos de ordens monásticas,
companhias, congregações, ou comunidades de qualquer denominação, sujeitas a voto de
obediência, regra ou estatuto, que se importasse a renuncia da liberdade individual262.
Era apenas uma parte da população que participava do alistamento. Vale ressaltar,
ainda, que apesar de não constar na Constituição a exclusão das mulheres do alistamento, o
voto feminino foi conquistado apenas no início da Era Vargas, no ano de 1932. Na Introdução
do Código Eleitoral de 1932, artigo segundo, dizia-se que era eleitor o cidadão maior de 21
anos, sem distinção de sexo, que se alistasse na forma do código.
O segundo momento da ata da eleição em Varginha começou da seguinte forma,
aproximadamente uma hora depois da composição da mesa eleitoral:

Acta da eleição que se procedeu na segunda secção da Cidade da Varginha,


Municipio do mesmo nome, pertencente ao 6º districto eleitoral federal, do
Estado de Minas Geraes, para tres deputados federaes por este districto
eleitoral, para um senador federal e para vice-presidente da Republica. (...)
Pondo ocupado o presidente a cabeceira da mesa, tomando os outros
mesarius assento em torno d’ella. Immediatamente, o presidente annunciou,
que se ia começar a chamada dos eleitores pela copia authentica ao ultimo
alistamento, enviada pela autoridade competente, e, abrindo a urna, mostrou-
a ao eleitorado, que assim verificou estar ella vasia. Sendo effectivada
sobredita chamada pela ordem, em que estaram os nomes dos mesmos
eleitores daquella copia, compareceram á ella, dusentos eleitores263.

Mesmo constado na Constituição de 1891 que uma parte da população brasileira podia
fazer parte das eleições por meio do alistamento, não eram todos os cidadãos que obtiveram o
260
ACMV, 1903, fls. 08-09.
261
No caso das eleições para presidente da República, por exemplo, nas primeiras eleições de forma direta, em
1894, tendo sido eleito Prudente de Morais, foi cerca de 2,2% da população brasileira que participou do
processo. Para mais detalhes sobre as estatísticas eleitorais, no que diz respeito a porcentagem de participação do
povo nas eleições, de Prudente de Morais a Júlio Prestes, cf.: CARVALHO, José Murilo de. “Os três povos da
República”. In: REVISTA USP, São Paulo, n.59, p. 96-115, set./nov., 2003, p. 104.
262
CF – 1891, Cap. V, Seção I: Das qualidades do cidadão brasileiro.
263
ACMV, 1903, fl. 09.
107

direito de votar que o exerciam. No caso de Varginha, naquela eleição de 1903, havia 250
eleitores alistados, presentes na lista de chamada, mas os que efetivamente compareceram
foram 200.
Como o voto passou a ser obrigatório depois de 1930, muitos eleitores ainda não
participavam do processo por opção. Além dos próprios políticos, eram apenas as pessoas
mais ricas, os fazendeiros e comerciantes mais poderosos que se interessavam pelas eleições,
ou seja, as elites.
Por um lado, havia restrições quanto ao alistamento eleitoral, sendo excluída parte da
sociedade. Por outro lado, dentro do grupo que poderia participar das eleições, não havia
obrigatoriedade do alistamento e de participação nas eleições.
Em relação às falhas no sistema eleitoral da Primeira República, afirmou Victor Nunes
Leal:

Tão visivelmente defeituosa era a prática do nosso sistema representativo


que os estadistas, legisladores e escritores políticos do Império e da Primeira
República costumavam atribuir-lhe a principal responsabilidade pelos males
do regime. Dentro dessa mentalidade, sucederam-se as reformas eleitorais,
em cujas malhas não tardavam a penetrar a malícia e a truculência (...) Nesse
reformar incansável, anulamos e refizemos alistamentos; alteramos diversas
vezes o mecanismo da qualificação, a composição das mesas eleitorais e das
juntas apuradoras; incluímos a magistratura e a polícia no processo eleitoral
e as excluímos; tivemos a eleição indireta e a eleição direta, o voto
devassável e o sigilo do voto; ampliamos e restringimos as circunscrições
eleitorais, desde o distrito correspondente a uma província ou Estado até o de
um deputado único; experimentamos o escrutínio de lista, o voto
uninominal, a lista incompleta, o voto cumulativo e até a representação
proporcional; e o mais curioso é que na República chegamos a repetir
experiências malsucedidas do Império264.

Em Varginha, temos a impressão de que a forma como ocorriam as eleições era


organizada, pelo descrevia a ata. Contudo, era uma organização na forma de se realizar os
procedimentos necessários para as votações, que não significava que o processo eleitoral não
favorecia o coronelismo.
A reunião de 18 de fevereiro de 1903 continuava da seguinte maneira:

E, á proporção que o eleitor era chamado e comparecia, entrava no lugar em


que funccionava a mesa e que se achava separada do recinto, destinado á
Assemblea, por um gradil de madeira, porém, a poderem ser com facilidade
inspeccionados os trabalhos, exhibia seu título e, apresentando as suas tres
listas com involucres, districtos, uma para deputados federaes, outra para
senador federal e outra para Vice-presidente da Republica, escriptas todas
em papel comum, sem sinal ou marca, mas fechada, elle próprio [o

264
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto – o município e o regime representativo no Brasil. 7 ed.
São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 223.
108

presidente da mesa] as introdusia na mesa, que tinha uma abertura na parte


superior, estando entretanto fechada também á chave. A medida que o eleitor
depositava as suas listas, assignava o nome no livro de presença, aberto,
nomeado, rubricado e encerrado pelo presidente da Comissão Municipal, e
nelle, uma vez terminado o recebimento dos votos, foi lavrado termo de
encerramento, após a assignatura dos ultimos eleitos265.

A organização do processo não garantia que ele ocorresse de forma segura. No Brasil,
em muitos casos, “o número de votos depositados nas urnas era de pouca significação do
reconhecimento, desde que houvesse interesse político em conservar ou afastar um
representante”266. No caso de Varginha, a reunião para a eleição dos membros que
representariam o distrito continuava, com detalhes sobre quem foram os eleitos:

Assim conduzida a apuração das listas para os deputados federaes, o


presidente da mesa proclamou sem demora o resultado dellas, que foi o
seguinte: Dr. João Luis Alves, cento e trinta e quatro votos (134). Dr.
Joaquim Leonel de Resende Filho, cento e trinta e tres votos (133). Dr.
Adalberto Dias Ferrari da Lus, cento e trinta e tres votos (133). Passando-se
á apuração. Passando-se á apuração das listas para senador federal e
observadas as mesmas formalidades, proclamou-se depois de verificado o
seguinte resultado: Dr. Carlos Vas de Mello, cento e noventa e sete votos
(197). Dr. Antonio Gonçalves Chaves, tres votos (3). Feita esta apuração
passou-se a de vice-presidente da Republica, que deu o seguinte resultado:
Dr. Affonso Augusto Moreira Penna, duzentos votos (200). O presidente
mandou organisar outra lista geral contendo os nomes de todos os votados e
o numero de votos de cada um desde perto do edificio municipal (...)267.

Affonso Augusto Moreira Penna foi vice-presidente do Brasil no período de 1903 até
1906. No final de 1902, Rodrigues Alves foi eleito presidente da República, sendo o vice-
presidente Francisco Silviano de Almeida Brandão. Silviano Brandão faleceu dois meses
antes de sua posse e, para ocupar seu lugar, Affonso Penna foi eleito vice-presidente,
ocupando o cargo a partir de 1903.
Mas antes de ter se tornado vice-presidente da República, Affonso Penna havia sido
governador de Minas Gerais entre 1892 e 1894 e se elegeu senador por Minas, no ano de
1899268.
Terminando o mandato de vice-presidente da República, Affonso Penna foi eleito
presidente do Brasil, no ano de 1906. Segundo Viscardi, o governo de Affonso Penna mostrou

265
ACMV, 1903, fl. 09.
266
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto – o município e o regime representativo no Brasil. 7 ed.
São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 214.
267
ACMV, 1903, fls. 09-10.
268
ROCHA, Daniela; RAMOS, Thailissa Letícia Andara. “Afonso Pena e Nilo Peçanha: estudo embrionário da
trajetória política de dois presidentes e um mandato”. In: Encipecom – Comunicação e Política Disponível em:
http://encipecom.metodista.br/mediawiki/index.php/AFONSO_PENA_E_NILO_PE%C3%87ANHA:_estudo_e
mbrion%C3%A1rio_da_trajet%C3%B3ria_pol%C3%ADtica_de_dois_presidentes_e_um_mandato. Acesso em
14/02/2016.
109

um caráter mais técnico que o dos demais governantes que o Brasil já havia tido. No campo
econômico, Affonso Penna implantou medidas fiscais para benefício do crescimento
industrial. Sua equipe de governo buscou apoiar a produção para o mercado interno, visando
diminuir as necessidades de importação269.
Em Varginha, uma escola do estado recebeu o nome da autoridade. A Escola Estadual
Afonso Pena foi construída no ano de 1924270.
Além de serem as principais regiões de Minas Gerais nas questões econômicas e em
tamanho populacional, a Zona da Mata e o Sul, acompanhados da Zona Metalúrgica, eram as
regiões de onde mais saíram os representantes políticos estaduais e federais. Wirth escreveu
que “dois terços de todos os governadores vieram da zona da Mata e do Sul (...) O apogeu do
poder mineiro (1898-1929) foi dominado por governadores das zonas de café (...)”271.
Do período de 1890 até 1933, 22,2% dos presidentes do estado eram da Zona da Mata,
assim também como 22,2% eram da região Metalúrgica; da região do Sul de Minas Gerais,
saíram 38,9% dos presidentes eleitos. Para o mesmo período, os vice-presidentes do estado
também eram em maior número para as três regiões: 10% dos vice-presidentes eram
originários da área Metalúrgica, 20% da região Sul e 30% da Zona da Mata. Em relação aos
deputados eleitos, 19,8% eram do Sul de Minas, 25% da Zona da Mata e 31% da região
Metalúrgica272.
Os dados mostram, então, que dessas três regiões de Minas Gerais saíram cerca de
83% dos governadores do estado, 60% dos vice-governadores, e cerca de 76% dos deputados
federais. Durante a Primeira República, a elite política do estado se concentrava naquelas três
localidades.
No falho sistema eleitoral da Primeira República, a ampliação da participação popular
ocorreu apenas no ano de 1904, quando a Lei nº 1.269, de 15 de novembro daquele ano,
conhecida também como Lei Rosa e Silva, estendeu ao povo o processo de alistamento nas

269
VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. O Teatro as Oligarquias – uma revisão da “política do café com leite”.
Belo Horizonte: C/Arte, 2001, p. 182.
270
Memórias das Catanduvas: Varginha e seu Patrimônio Cultural. Disponível em:
http://www.fundacaoculturaldevarginha.com.br/arquivos/patrimoniocultural/cartilha_memorias_das_catanduvas.
pdf. Acesso em: 15/02/2016.
271
WIRTH, John. O Fiel da Balança - Minas Gerais na Federação Brasileira (1889/1937). Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1982, p. 206.
272
FLEISHER, David D. “A cúpula mineira na República Velha: Origens sócio-econômicas e recrutamento de
presidentes e viça-presidentes do Estado e de deputados federais”. In: MONTEIRO, Norma. (org.). V Seminário
de Estudos Mineiros: A República Velha em Minas. Belo Horizonte:UFMG/PROED: 1982, p. 48.
110

eleições municipais e estaduais. “Essa lei favoreceu realmente a representação das minorias,
mas não tardou a ser frustrada nos seus objetivos”273.
Vale ressaltar que desde a proclamação da República até a elaboração da Lei, muitas
alterações foram feitas no código eleitoral brasileiro. Mas ainda assim, como o voto não era
obrigatório, não eram todos os cidadãos que votavam nas eleições que selecionavam os
membros para concorrer nas eleições de deputados, senadores e vice-presidentes da
República.
De acordo com Lei nº 1.269, as comissões responsáveis pelo alistamento seriam
constituídas, em cada município, por três cidadãos – eleitos pelos membros efetivos da
Câmara Municipal – e pelos quatro maiores contribuintes: dois do imposto predial e dois do
imposto sobre a propriedade rural (nos lugares onde não fosse tributada a propriedade rural,
este seria substituído pelo imposto de indústria e profissões). O presidente da comissão
deveria ser um juiz de direito, ou, nos municípios que não fossem comarcas, a autoridade
judicial mais graduada ou, ainda, o ajudante do procurador da República, onde não houvesse
autoridade judiciária274.
Em 1905, o ano em Varginha começava com a instalação de mais uma mesa eleitoral,
daquela vez, para a escolha de um senador. Portanto, a parte da ata que dizia respeito à
composição da mesa começava assim:

Aos 19 dias do mez de Fevereiro do anno de 1905, pelas dez horas da


manhã, na sala das audiencias, logar presumivelmente designado para nella
funccionar a segunda secção eleitoral da cidade da Varginha, município do
mesmo nome, do Estado federado de Minas Geres, afim de sucepder a
eleição de um senador federal, de accordo a lei, e as communicações
recebidas, presentes os mesarius Daniel Jovem Xavier de Resende,
Domingos de Resende Filho e o supplente Francisco de Carvalho para
occuparem os lugares vagos, estando completo o numero legal, passaram a
eleger o presidente e secretario, sendo eleito para aquelle cargo o cidadão
Manoel Joaquim da Silva Bittencourt, e para este Daniel Jovem Xavier de
Resende, e occupando todos os respectivos logares o presidente eleito por
pluralidade de votos declarou instalada a mesa eleitoral275.

Com a Lei nº 1.269, aumentou para cinco o número de deputados de cada distrito276.
Pela Lei, a apuração final das atas das votações foi atribuída aos presidentes das Câmaras ou
dos distritos eleitorais, sob a presidência, apenas com voto de qualidade, do substituto do juiz

273
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto – o município e o regime representativo no Brasil. 7 ed.
São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 213.
274
Ibidem, p. 325, nota 28.
275
ACMV, 1905, fl. 11.
276
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto – o município e o regime representativo no Brasil. 7 ed.
São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 213.
111

federal ou de seus suplentes, com exceção das capitais dos estados e do Distrito Federal, onde
a composição da junta apuradora apresentava particularidades277. Em 1903, na eleição que
ocorreu em Varginha, o presidente da mesa eleitoral era um cidadão escolhido pelos mesários
presentes – não necessariamente o presidente da Câmara de vereadores – e era ele quem
coordenava a votação, assim como ocorreu na instalação da mesa em 1905.
A Lei nº 1.269, por fim, mantinha a contagem dos votos em poder das mesas
eleitorais. A organização das mesas, entretanto, com a Lei colocada em prática, foi alterada:
comporiam as mesas eleitorais cinco membros efetivos e cinco suplentes. Cada grupo de
trinta eleitores da sessão poderia indicar um mesário. Não havendo indicação ou se ficassem
lugares vagos, a escolha seria feita por uma junta especial, constituída dos membros efetivos
da comissão de alistamento e seus respectivos suplentes278.
Dessa forma, as eleições de 1905 em Varginha deveriam ocorrer sob novas bases. A
Lei nº 1.269 parecia tentar estabelecer maior controle sobre os processos eleitorais. Todavia,
tanto em 1903 como em 1905 a composição das mesas ocorreu da mesma forma, não sendo
observadas as orientações da nova Lei de 1904: eram três mesários mais o presidente e o
secretário. Para aqueles cinco membros havia cinco suplentes. Contudo, entendemos que os
cinco membros que comporiam as mesas, de acordo com a Lei nº 1.269, eram apenas os
mesários, com os seus suplentes, mais o presidente e o secretário, totalizando 12 pessoas,
diferentemente de como ocorria em Varginha, que totalizava a mesa 10 pessoas, contando
com os suplentes.
A segunda fase da reunião continuava da seguinte forma:

(...) o presidente mencionou que ia dar principio a chamada dos eleitores


pela copia authentica do ultimo alistamento estadual por não haver
alistamento federal, o qual foi avaliada pela autoridade competente e,
abrindo a urna mostrou-a ao eleitorado, que verificou estar ella vazia. Sendo
effectuada a sobredita chamada pela ordem, em que estavam os nomes dos
mesmos eleitores naquella copia compareceram 54 eleitores. E á proporção
que o eleitor era chamado e comparecia entrava no logar em que
funccionava a mesa e que achava se separada do recinto (...) á assembléa por
um gradil de madeira a padecerem ser com facilidade inspeccionados ao
trabalho, exhibia seu titulo e, aprezentando a sua lista com a seguinte
involucro – para senador federal escriptura papel comum sem signal ou
marca, mas fechada elle próprio a outra duzia na urna, que tinha uma
abertura na parte superior estando entretanto fechada a chave. A medida que
o eleitor depositava a sua lista, assignava o nome no livro de presença,
aberto, numerado, rubricado e encerrado pelo Presidente da Comissão
Municipal; e nelle, uma vez terminado o recebimento dos votos, foi lavrado

277
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto – o município e o regime representativo no Brasil. 7 ed.
São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 213.
278
Ibidem, p. 326, nota 32.
112

o termo de encerramento após a assinatura do ultimo eleitor: Sendo de 54 o


numero de eleitores ali inscriptos (...)279

Votaram para senador naquela ocasião 54 pessoas, mas havia muito mais inscritos no
alistamento, pois era de 253 o número de alistados para a eleição:

Não compareceram á chamada 199 eleitores constantes da lista. Esse termo


foi assignado por todos os mesarius. Aberta a mesa foram contadas as listas
verificando-se então terem sido recebidos 54, os quaes, separadas e logo
após enumeradas conveniente, segurando o rotulo, tornaram se ser recolhidas
á urna, tendo antes o Presidente da meza anunciado o numero delas, a saber:
Para senador federal 54 cedulas. Em seguida, o mesmo Presidente
annunciou, em alta voz, que seria effectuada á apuração. Com este fim foi
elle tirando da urna cédula por cédula e, desdobrando cada uma, primeiro a
lia e passava aos mesários para faserem a verificação lendo a depois em voz
alta o mesário Domingos de Resende Filho, o que para este fim tinha sido
nomeado em tempo e achava sentado a esquerda do Presidente, dividindo
por um outro mezario as lethras do alphabeto afim de que fosse por elle
saturada á respectiva apuração. Para isto ia o mesmo escrevendo na sua
relação o nome do votado e o numero de votos, que obteve e que eram
publicados em voz alta (...). Assim concluida á apuração das listas para
senador federal, o Presidente da meza proclamou sem demora o rezultado
della, que foi o seguinte: Dr. João Pinheiro da Silva – cincuenta e quatro
votos280.

Antes de ter sido eleito senador da República naquele ano de 1905, João Pinheiro da
Silva havia sido presidente de Minas Gerais nos anos de 1890 e 1906281. No ano de 1903,
participou do Congresso Agrícola, Industrial e Comercial, ocupando o cargo de presidente do
congresso282.
No seu plano de governo, deu prioridade para o crescimento econômico,
concentrando-se nos campos agrário e industrial, mas não deixando de lado os investimentos
na educação do trabalhador. A preocupação do governador com a educação fez com que se
criasse em 1909, logo após sua morte, o Instituto João Pinheiro. Na escola, ministrava-se
ensino técnico-agrícola para pessoas oriundas de famílias pobres283.
Ao final daquela reunião de 1905 em Varginha, “o Presidente mandou organizar uma
lista geral contendo o nome do votado e o numero de votos que recebeu, a qual foi affixada
em edital na porta do edificio e vae ser publicada pela imprensa”284.

279
ACMV, 1905, fl. 12.
280
ACMV, 1905, fl. 13.
281
COSTA, Guilherme Meirelles da. A formação política de João Pinheiro da Silva. 2006. Dissertação
(Mestrado em História) – Departamento de História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2006, pp. 67-68.
282
Ibidem, p. 06.
283
Ibidem, p. 64.
284
ACMV, 1905, fls. 13-14.
113

A ata não ficaria apenas no distrito, mas deveriam ser enviadas cópias às autoridades
competentes, assim como ocorreu na eleição de 1903:

Desta acta serão extrahidas seis copias e outras tantas da installação da meza
e do termo e assignaturas dos eleitores, que todas depois de assignadas pelos
mesarius e devidamente auferidas, serão enviadas ao vice-Presidente do
Senado federal, outra do Presidente da Junta apuradora em Bello Horizonte,
outra ao Presidente da Junta apuradora da Séde deste districto eleitoral, outra
ao Juiz Seccional na Capital do Estado, outra ao Secretario da Camara dos
Deputados federal e outra ao Secretario do Senado federal285.

Victor Nunes Leal afirmou que as duas falsificações mais recorrentes que dominavam
as eleições da Primeira República eram o bico de pena e a degola ou depuração. A primeira
era praticada pelas mesas eleitorais: inventavam-se nomes que fossem de importância para a
junta apuradora. Na segunda falsificação, a obra era das Câmaras Legislativas no
reconhecimento dos poderes: diplomas eram caçados na provação final, sem que fosse
necessário.
Entretanto, as fraudes nas mesas eleitorais não impediram que os políticos eleitos
conduzissem Minas Gerais e o Brasil em seu processo de crescimento econômico e
urbanização.
Pela ata de 1903, vimos a eleição de Affonso Penna para vice-presidente do Brasil,
mas também notamos que antes ele já havia sido governador de Minas Gerais, estando à
frente de um projeto de urbanização para a região. No ano de 1905, João Pinheiro da Silva foi
eleito senador e em seu cargo, também realizou ações para o desenvolvimento de Minas
Gerais. Da mesma forma que a elite agrária varginhense conduzia a cidade no seu processo de
urbanização e crescimento econômico, ocorria também com a elite estadual e nacional.
A quarta década de nossa análise, finalmente, mostrará intervenientes
importantíssimos para a consolidação do processo de urbanização em uma região: a chegada
dos serviços urbanos. As atas relataram as melhorias no serviço de abastecimento de água;
destacaram a Câmara dos vereadores em festa com a inauguração da energia elétrica;
descreveram a chegada das linhas telefônicas; e, por fim, mostraram como se chegou à
construção do prédio do mercado municipal.

285
ACMV, 1905, fl. 14.
114

2.4. Infraestrutura urbana: o abastecimento de água, a energia elétrica, as linhas


telefônicas e o mercado municipal (1910-1920)
Os anos após 1910 foram de importante evolução urbana em Varginha: os serviços de
abastecimento de água potável passaram por maiores cuidados, foi inaugurada a energia
elétrica, foram instaladas linhas telefônicas, um mercado municipal foi construído, duas
instituições bancárias chegaram em Varginha, a produção de café havia aumentado.
No ano de 1912 foi criado um imposto específico para o café. Dizia parte da ata de
primeiro de dezembro daquele ano que deveria se:

Crear o imposto de 50 reis por arroba de café que fôr exportado pelas
Estações de Fluvial Varginha, bem como pela estação da Flóra quando o
café por ella exportado fôr produzido neste município. § 1º O imposto será
pelos exportadores e por intermedio dos funccionarios da Rêde Sul-Mineira
mediante contracto de porcentagem que a Camara estabelecerá com a
Directoria da referida via-ferrea, a porcentagem paga a essa via-ferrea não
excederá de 20%. § 2º O imposto arrecadado entrará para o cofre municipal
no fim de cada mez286.

As preocupações que ocorriam nas três primeiras décadas de nossa análise


continuaram ocorrendo no decorrer do tempo. As questões de organização e embelezamento
que marcaram a primeira década estavam ainda presentes nas atas, como ocorreu em 12 de
janeiro de 1911, em que:

o vereador Dr. Marcellino de Rezende foi apresentando um projecto de lei


auctorizando o Agente Executivo a fazer os seguintes serviços represtados
urgentes: prolongar e alargar as ruas de S. José, dos Peixes, dos
Commissarios, travessa de Sta. Maria, travessa de S. Pedro, travessa da rua
Nova do Cruzeiro, beco do Pretorio até onde julgar conveniente, aforduiar o
Largo do Pretorio de accordo com as rendas nupciaes, adquirir o predio para
o mercado e intallal-o. Remover o actual calçamento do trecho da rua direita
entre o estabelecimento de Azarias Alves Campos e a linha ferrea e
substituil-o por calçamento egual ao restante da parte calçada (pedras
granito)287.

O presidente da Câmara, doutor Adelio de Rezende, ficou autorizado a “mandar orçar


o valor dos serviços e abrir o credito necessario”288. Contudo, o mercado municipal que foi
mencionado no trecho da ata citada acima, cujo prédio ainda encontra-se em funcionamento
em Varginha, seria inaugurado na cidade no ano de 1915.
As relações com outros municípios e distritos, que tornaram-se mais fortes em nossa
segunda década de análise continuaram normalmente, como podemos ver pela ata de 23 de
dezembro de 1913, onde:

286
ACMV, 1912, fl. 26.
287
ACMV, 1911, fl. 12.
288
Idem.
115

pelo vereador senhor Capitão Rebello da Cunha foi apresentado um projecto


de lei que autoriza o Senhor Agente Executivo a despender pela verba do
districto do Carmo da Cachoeira a quantia de 2:000$000 [dois contos de
réis] para auxilio da abertura de um caminho de utilidade publica, no logar
denominado capoeira das Constancias, sendo julgado objceto de deliberação
foi aprovado em primeira discussão289.

Os embates entre a Câmara dos vereadores e a classe comercial quanto ao fechamento


dos comércios também estava presente na quarta década de formação da cidade. Se na década
de 1890 a medida já havia causado descontentamento, em 1913 não seria diferente. Na
reunião de 07 de outubro, a Câmara voltou a tratar do assunto do fechamento dos
estabelecimentos comerciais em dias específicos e a determinação tornou-se ainda mais
rígida: a Lei Nº 101 foi alterada, e a proposta do major Silva Bittencourt “obriga-os [os
comerciantes] a fechar [seus estabelecimentos] ao meio dia fazendo estensiva á barbearias a
mesma disposição”290.
No dia seguinte, 08 de outubro, numa sessão extraordinária, o vereador José
Maximiano Baptista “propôs para fechar a uma hora” as casas comerciais da cidade, e assim
ficou determinado291.
Os comerciantes, então, contestaram a medida, na reunião de 23 e dezembro daquele
ano de 1913: “Em seguida foi lido um requerimento do Senhor Jacintho Foresti apresentando
assignaturas de negociantes que protestam contra a lei que ordena fechar os estabelecimentos
commerciaes aos domingos a 1 hora, a Camara não o atendeu”292. Então, pelo vereador major
Silva Bittencourt, foi mencionada a “Lei do Descanso Dominical”, que consistia nos seguintes
artigos:

Artº 1º. Em virtude desta lei conservar-se-hão fechados aos domingos os


estabelecimentos commerciaes desta Cidade. Artº 2º. Exceptuam-se da
presente lei os bares e confeitarias, que poderão vender sómente as
mercadorias constantes dos seus estabelecimentos, mediante uma licença
especial. Artº 3º. A licença de que trata o artº 2º sera requerida a Camara
annualmente. Artº 4º. Os bares e confeitarias que quiserem gozar os
beneficios do artº 2º pagarão annualmente 100$000 [cem mil réis] pela
licença, independente dos impostos a que estão sujeitos tais
estabelecimentos. Artº 5º. Os infratores da presente lei ficam sujeitos a multa
de 50$000 [cinquenta mil réis] e ao dobro na reincidencia. Artº 6º. As
barbearias fecharão ao meio dia. §1º. Esta lei entrará em vigor em Janeiro de
1914. Artº 7º. Revogam-se as disposições em contrario293.

289
ACMV, 1913, fl. 65.
290
ACMV, 1913, fl. 61.
291
Idem.
292
ACMV, 1913, fl. 64.
293
Idem.
116

A “Lei do Descanso Dominical” foi aprovada em primeira discussão, mas dois anos
após a medida ter entrado em vigor (e houve algumas alterações nesse período), os
comerciantes, mais uma vez, discordaram da decisão, e na reunião de 04 de janeiro de 1916,
“foi lido em expediente uma representação firmada por quarenta e um negociantes pedindo
para revogar a lei que ordena fechar as casas commerciaes aos domingos a uma hora da tarde,
a Camara tomou conhecimento do mesmo”294.
Dessa forma, a Câmara resolveu o seguinte:

Artº 1º. As casas commerciaes deste municipio deverão fechar as 14 ½ horas


todos domingos e dias santificados. Artº 2º. Fica também prohibida a venda
de qualquer genero depois dessa hora. Artº 3º. Ficará mantida a multa aos
infratores desta lei a mesma que regulava a anterior. Artº 4º. Revogam-se as
disposições em contrario295.

Sendo posta em discussão, a proposta não foi aprovada apenas pelo major Silva
Bittencourt, que havia apresentado à Câmara o projeto convertido na Lei Nº 101, que
mandava fechar o comércio aos domingos, inicialmente, às 12 horas.
Essa mudança em relação ao fechamento das casas comerciais não agradou a maioria
dos comerciantes da cidade e, mais uma vez, eles apresentaram uma reivindicação, já na
reunião do dia 05 de janeiro de 1916:

Foi lido em expediente uma petição protesto assignada por 57 negociantes e


empregados contra a lei hontem posta em discussão que manda fechar as
casas commerciaes as 14 ½ horas todos os domingos e dias santificados, foi
a mesma enviada a comissão de Legislação, Justiça, Redação das Leis,
Commercio e Industria para dar parecer296.

As discussões sobre o fechamento das casas comerciais, que se iniciaram em 1893,


finalmente terminaram naquela reunião de 1916. Mas esse exaustivo debate nos indica,
primeiramente, que a classe dos comerciantes desejava manter seus estabelecimentos em
constante funcionamento, de forma a obter rendimentos, pois todas as medidas da Câmara
para o fechamento dos comércios foram contestadas. Depois, esse debate também nos mostra
o desejo da Câmara de manter uma ordem na cidade, a ordem imposta pelos vereadores, já
que sempre tentavam dar a última palavra em relação ao funcionamento dos comércios. A
evolução do processo de urbanização em Varginha tinha um grupo condutor que fazia questão
de ditar as regras a serem seguidas.

294
ACMV, 1916, fl. 28.
295
ACMV, 1916, fl. 29.
296
ACMV, 1916, fl. 32.
117

Dentro do grupo de vereadores da Câmara Municipal de Varginha havia comerciantes,


como vimos na segunda seção desse capítulo, ao começarmos a descrever as resistências entre
Câmara e comerciantes. Porém, considerando a maioria dos membros da Câmara e seus
interesses, os que prevaleciam eram os da elite agrária, que eram menos voltados para os
objetivos da classe comercial de manter os estabelecimentos funcionando por mais tempo.
Dos membros que compunham a Câmara Municipal naquele ano de 1916, existem
algumas informações sobre suas transações de imóveis que podem nos auxiliar no
entendimento do perfil do grupo: o capitão Antonio Rebello da Cunha, descrito no livro de
registros de imóveis como negociante, adquiriu em conjunto com outras pessoas, no ano de
1905 uma fazenda no valor de 41:200$000 (2.690,348701 libras); das cinco transações de
imóveis do vereador Horácio Nogueira, envolvendo Varginha e Nepomuceno, do período de
1896 até 1920, três eram de aquisições de bens imóveis rurais, uma de aquisição de imóvel
urbano, e duas de venda de imóveis rurais.
José Maximiano Baptista, que foi o primeiro vice-presidente da Câmara Municipal de
Varginha, em 1882, vendeu, no ano de 1913, uma fazenda com 32 alqueires de terras. No
Almanach Sul-Mineiro para 1884, foi descrito como negociante e fazendeiro.
Informações sobre o autor da “Lei do Descanso Municipal” foram encontradas no
inventário de sua esposa, do ano de 1913: no documento, como bens foram contabilizados
apenas dívidas ativas, no valor de 24:000$000 (1.600 libras esterlinas), na forma de apólices
da dívida pública. Nos registros de imóveis, as transações envolvendo o nome do vereador são
da compra de dois sítios, no ano de 1908 e da venda cinco alqueires de terras, em 1915,
juntamente com um grupo de proprietários.
Por meio dessas fontes, é possível compreender que estava à frente da Câmara
Municipal uma elite agrária. Por mais que conduzissem o processo de urbanização do
município, os vereadores possuíam investimentos, a maioria, nos imóveis rurais.
As instalações das mesas eleitorais para eleições de deputados, senadores e vice-
presidentes da República, presentes na terceira década de nossa pesquisa, não apareceram nas
atas da quarta década, mas as eleições para membros que comporiam as juntas de revisões
responsáveis pelo alistamento puderam ser vistas. Na reunião extraordinária de 05 de janeiro
de 1912, “então o Senhor Presidente declarou que se ia proceder a eleição de trez membros
para fazerem parte da junta de revisão do alistamento eleitoral e de trez supplentes”297. A
eleição acontecia internamente, mas a ata não mostrava detalhes.

297
ACMV, 1916, fl. 24.
118

Portanto, vemos que, apesar de cada década contar com uma especificidade, havia
questões comuns a todas elas. No entanto, não se deve negar que a década de 1910 mostraria
grande evolução urbana e econômica para a cidade, com três serviços de grande importância
para Varginha: os melhoramentos na rede de água, a chegada da energia elétrica e a instalação
das linhas telefônicas, além da construção do mercado municipal, fazendo reforçar-se ainda
mais a importância do comércio varginhense.
As melhorias no tratamento de água em Varginha começaram após 1910, quando nas
atas das reuniões podemos observar maiores preocupações com relação ao serviço prestado à
sociedade. Na reunião de 09 de junho de 1910, sob presidência do coronel João Urbano de
Figueiredo:

pelo vereador Antonio Rotundo foi apresentado um projecto de lei


auctorizando ao Agente Executivo a chamar concorrencia publica para
installação de luz elétrica, rede de esgotos e novo abastecimento d’agua,
sendo julgado objeto de deliberação foi posto a votos em seguida foi
approvado em primeira discussão298.

A energia elétrica seria instalada no ano de 1914, e de 1910 até a data da inauguração,
muitas reuniões a respeito do tema ocorreriam. Novamente na reunião de 11 de outubro de
1910, “resolveu-se sobre luz, agua, esgotos e força eletrica”299.
Com a evolução do processo de urbanização, também evoluíam as demandas da
cidade. O melhor tratamento à água não estava dentre as primeiras preocupações da Câmara
Municipal, surgindo o assunto na quarta década de nossa análise. No dia 30 de abril de 1910:

pelo vereador Major Silva Bittencourt foi apresentado um projecto que


aucthorisa o Presidente da Camara a contractar um emprestimo até a quantia
de 40:000$ (Quarenta contos de reis) para segmento da agua potavel a esta
Cidade, sendo julgado objeto de deliberação foi approvado em primeira
discussão300.

O empréstimo poderia ser feito com o governador do Estado, já que, ao menos no


período da quarta década de formação de Varginha, os empréstimos para reformas urbanas
surgiam mais do governador que dos bancos. As instituições bancárias não financiavam
serviços para as municipalidades301.

298
ACMV, 1910, fl. 04.
299
ACMV, 1910, fl. 09.
300
ACMV, 1913, fl. 55.
301
No período da quarta década de nossa análise, os bancos passavam por uma fase de não realizar empréstimos.
Escreveu Wirth que “o banco de Crédito Real do estado estava atolado em rotina burocrática e o Banco
Hipotecário, a outra instituição semi-oficial fundada em 1911 com capital francês, não satisfez às expectativas”.
Continuou o autor que “os bancos comerciais preferiam operar em centros populacionais maiores”, que
garantiam juros maiores. Foi em 1930 que as agências oficiais de empréstimo mudaram de postura. O Banco do
Café (mais tarde Banco Mineiro da Produção), por exemplo, começou a conceder empréstimos em 1934,
119

Todavia, se por um lado a Câmara de vereadores se preocupava com as melhorias no


serviço de abastecimento de água, por outro, chegava à instituição solicitações de quem havia
auxiliado na prestação do serviço. Na reunião de 23 de dezembro de 1913:

foi lido requerimento do Cidadão José Firmino de Pinto no qual pedia a


Camara uma gratificação por ter exercido o cargo de zelador d’agua desta
cidade por mais de quatro annos sem nota alguma que o desabonasse, tendo
sido tomado em consideração a Camara aprovou que lhe fosse dada a
importância de cem mil reis302.

As questões com o abastecimento de água, porém, não eram apenas relacionadas ao


responsável pelo serviço. A estrutura apresentou problemas com o passar do tempo, no ano de
1914. No dia 15 de junho daquele ano, o major Evaristo Soares:

declarou que tinha convocado a presente sessão extraordinaria para levar ao


conhecimento da Camara que no serviço do abastecimento de agua está
apparecendo obstaculo de pedras na perfuração do tunel, por isso pedia a
Camara auctorisação para augmentar o preço por metro corrente para mais
8$000 [oito mil réis] nos pontos em que se encontra este obstáculo, e disse
que achando se o abastecimento actual muito diminuido deliberou a comprar
uma bomba centrifuga para aumentar a agua e assental-a proximo a caixa
d’agua303.

Com o aumento da população de Varginha, era comum que fosse necessário aumentar
a quantidade de água. Apesar disso, as melhorias no novo serviço seriam acessíveis apenas a
uma pequena parte da população varginhense. Naquela mesma sessão:

Logo em seguida o vereador Capitão Rebello da Cunha apresentou o


projecto que auctorisa o Presidente da Camara a despender até a quantia de
dez contos de reis para aquisição de uma bomba centrifuga, motor e mais
pertences e assentamento, sendo julgado objecto de deliberação e de
urgencia foi approvado em unica discussão304.

Finalmente, naquela reunião extraordinária de 15 de junho de 1914:

pelo mesmo vereador Capitão Rebello da Cunha, foi apresentado um


projecto que auctorisa o presidente a pagar mais 8$000 [oito mil réis] por
metro liniar de escavação de tunel onde houve pedra sobre o preço
contractado pelo o engenheiro em carregado do serviço, sendo objecto de
deliberação e urgencia foi approvado em primeira e unica discussão305.

Contudo, na próxima reunião que ocorreria, em 15 de julho de 1914:

expandindo-se para outros setores, não apenas o da produção agrícola (WIRTH, 1982, p. 102). Se por um lado os
bancos estavam reduzindo seus empréstimos, por outro lado, o Estado mantinha em seu orçamento as categorias
de operação de dívida, educação, força pública, judiciário, obras públicas, apoio a ferrovias e apoio ao café.
Entre 1910 a 1919, o orçamento destinava 5.000:000$000 para obras públicas. (WIRTH, 1982, p. 291).
302
ACMV, 1913, fl. 64.
303
ACMV, 1914, fl. 76.
304
Idem.
305
Idem.
120

O Dr. Adelio de Resende, engenheiro encarregado do serviço do aumento


d’agua potavel pelo empreiteiro Capitão Joaquim Antonio Teixeira, expôz a
Camara que na perfuração da senda para passagem do encanamento
encontrou-se grande obstaculo como seja pedra e abundante agua, tornando
se preciso escoramentos, por isso era que a Camara augmentasse o preço na
perfuração, sendo tomada em consideração essa sua exposição, ficou
resolvido que se pague 35$000 [trinta e cinco mil réis] os primeiros 70
metros e os outros a 47$000 [quarenta e sete mil réis]306.

Não se sabe ao certo quanto tempo duraram aquelas obras, mas depois de mais de um
ano do início dos trabalhos, a Câmara ainda devia ao encarregado do serviço, pois na reunião
de 17 de agosto de 1915, “pelo Capitão Antonio Rebello da Cunha foi apresentado um
projecto auctorizando o Presidente da Camara a despender até a quantia de sete contos e
quinhentos mil reis para saldar as contas do encarregado do serviço do tunel do encanamento
d’agua”307.
Como Varginha possuía distritos, também precisava dar assistência àquelas
localidades. No dia 13 de setembro de 1915:
Foi lido em expediente um abaixo-assignado dos residentes e visinhos do
povoado de S. Bento do Campo Bello pedindo a esta Camara para abastecer
aquelle logar com agua potável: a Camara tomando em consideração tão
justo pedido resolveu auxiliar com a importancia de um conto de reis
(1:000$000) este serviço, verba que deverá ser retirada do saldo do districto
do Carmo da Cachoeira308.

Naquela mesma reunião:


Pelo vereador Capitão Rebello da Cunha foi apresentado um projecto que
autorisa o Presidente da Câmara despender até a quantia de 700$000
setecentos mil reis para melhoramentos da agua potavel do Carmo da
Cachoeira correndo estas despezas pela verba do mesmo districto309.

As melhorias no serviço de abastecimento de água eram parte dos projetos do processo


de urbanização local conduzido pelos vereadores. Melhorias que nem toda a população
varginhense usufruiria.
Depois do serviço de abastecimento de água, destacamos a instalação a energia elétrica
em Varginha, juntamente com a chegada das linhas telefônicas. Novos padrões de consumo
que a elite agrária, ao mesmo que tempo que os conduzia à sociedade, também beneficiava-se
deles.
As discussões a respeito da instalação da energia elétrica começaram no ano de 1910,
no dia 09 de junho, em que o presidente da Câmara, o coronel João Urbano de Figueiredo,

306
ACMV, 1914, fls. 76-77.
307
ACMV, 1915, p. 08.
308
ACMV, 1915, pp. 09-10.
309
ACMV, 1915, p. 10.
121

ficou autorizado a chamar concorrência pública para os serviços de instalação de energia


elétrica310. Mas foi no ano de 1911, no dia primeiro de agosto, que:

A mesma Camara deliberou a autorisar o Agente Executivo a contrahir um


emprestimo para estabelecer a luz eletrica nesta cidade, mediante os juros de
(10%) dez por cento ao anno, e praso que for razoável, no caso que torne
impossivel o emprestimo, fica o Agente Exevutivo autorisado a contractar
com qualquer empresa que melhores condições offerecer, a estabelecer nesta
cidade a luz elétrica e força pelo praso de vinte cinco anos, findo o qual
reverterão os materiais e todo estabelecimento para a municipalidade sem
ônus, ficando desde já desapropriadas todas as cachoeiras existentes no
municipio311.

No outro dia, 02 de agosto, ficou decidido que o agente executivo teria um prazo breve
para apresentar à Câmara o orçamento para a instalação do serviço. Sendo impossível o
empréstimo e, no caso do ser contratada uma empresa (a que fizesse a instalação pelo preço
mais baixo possível), era necessário estabelecer-se os prazos de início e término do serviço,
assim como o preço das lâmpadas das iluminações públicas e particulares e estabelecer multas
caso a empresa não cumprisse o que fosse combinado312.
Varginha passava por um crescimento urbano, ainda que gradual, a já contava com
escolas, a ferrovia, comércios, pequenas fábricas, imprensa – que publicava editais, por
exemplo, de quando abria-se concorrência para melhorias em estradas ou em obras de
calçamento das ruas –, o abastecimento de água havia passado por melhorias. Assim, era
notável que a energia elétrica fosse uma demanda necessária.
Na reunião extraordinária de 10 de fevereiro de 1912, sob presidência do major Silva
Bittencourt, foram analisadas as propostas para a instalação da energia elétrica. Foram levadas
à Câmara oito propostas, e os vereadores analisaram alguns requisitos para a escolha da
melhor. Os requisitos eram:
economico, conciliando o interesse publico com o particular, energia eletrica
sob o ponto de vista de sua importancia, encampação, condições de
pagamento da Camara Municipal, favores extraordinarios pedidos pelos
proponentes e vantagens extraordinarias pelos mesmos offerecidos313.

Abaixo mostraremos como ocorreram as apreciações considerando os seis critérios


que a comissão responsável considerou relevantes:
Requisito 1: Do critério econômico. Mostrou a Câmara que “sob este aspecto, ha
grande divergencia de preços entre os concorrentes, sendo criterio da comisção conciliar os

310
ACMV, 1910, fl. 04.
311
ACMV, 1911, fl. 17.
312
ACMV, 1911, fl. 19.
313
ACMV, 1912, fl. 30.
122

interesses publicos e privados, não descuidando dos recursos pecuniarios e actuaes da


Municipalidade”314. Considerando então os valores que cobrariam os proponentes, a Câmara
descartou quatro deles, que apresentavam um orçamento acima de 14 contos de réis. Com
base nessa escolha, foram analisados os valores de outros critérios para as quatro propostas
restantes: iluminação particular por vela/mês; instalação (gratuita ou remunerada) e força
motriz. Pela análise desses três critérios, resolveu a Câmara que “néssas condições, são mais
vantajosas as propostas que fazem a instalação gratuita para o consumidor, visto como o preço
por vela se equivalem, mais ou menos. Têm primazia, portanto, as propostas nos 1 e 3”315.
Requisito 2: Da energia elétrica. Considerando os cavalos/vapor, “a proposta nº 1 não
diz o numero de cavallos vapor que fornece; a nº 2 fornece 150 cavallos vapor prometendo
aumentar esse numero quando a empresa julgar conveniente; a nº 3 fornece força de 500
cavallos vapor e a nº 4 não menciona”316. Nesses critérios, foram consideradas apenas as
propostas 2 e 3. Não obstante, a proposta “nº 2 reserva a si o direito de aumentar o numero
quando ella julgar conveniente, o que constitue ou póde constituir um obstaculo para a
municipalidade ou para o particular quando reclamem força de que ella não disponha”317.
Assim, a proposta de número 3 era mais favorável, “podendo melhor fomentar a industria”318.
Requisito 3: Da encampação. As propostas de números 2, 3 e 4 estabeleceram
preliminares, a terceira a partir do oitavo ano e a quarta a partir do décimo ano, sendo que:

A 2ª estabeleceu que, vencido o prazo de privilegio, receberá, em troco da


encampação, o custo da installação, com rebate de 30% sobre o valor actual
da installação, desde que não haja obra nova. No caso contrario, não faz
redução alguma. A 3ª deduzindo a renda liquida dos cinco ultimos anos,
toma a media annual, que representará o juro da quantia, que tem a receber
(juro de 8%). A 4 ª estabelece a encampação depois do decimo anno,
tomando-se a media da renda, renda liquida do ultimo trienio e contando-se
o juro de 10% para formação do capital. A 1ª não estabelece bases para
encampação319.

Portanto, do ponto de vista da encampação, as propostas 3 e 4 foram consideradas as


melhores.
Requisito 4: Das condições de pagamento. A ata dizia que a proposta de número 2
pedia pagamento por trimestre; a proposta de número 4 exigia que o pagamento fosse feito

314
ACMV, 1912, fl. 30.
315
Idem.
316
Idem.
317
Idem.
318
Idem.
319
Idem.
123

mensalmente; as propostas de números 1 e 3 não deram detalhes sobre a forma de


pagamento320.
Requisito 5: Das vantagens extraordinárias. Dizia a ata que a proposta:

Numero 1 dará 50% gratuitamente no primeiro anno para a primeira


fabrica que se inaugurar; a 3ª entra com grande potencial; a 4ª isolará
os fios da distribuidora e dará um motor para mover a bomba
elevadora d’agua para o abastecimento da cidade; a 2ª não offerece
como vantagem extraordinaria se não os meios para se desenvolverem
certas industrias e confortos, fazendo sua propaganda321.

Considerando então as vantagens extraordinárias, a segunda proposta estava


descartada.
Requisito 6: Dos favores extraordinários. “A 2ª e a 4ª propostas pedem isenção de
impostos municipais e obrigação da Camara intervir junto ao Governo Federal para obter
isenção de impostos aduaneiros, junto ás estradas de ferro para redução de fretes. A 1ª e 3ª
não pedem esses favores”322. Assim, “distante ficam as 1ª e 3ª com grande vantagens sobre as
duas outras”323.
Depois das análises feitas, a Câmara chegou à seguinte conclusão:

Pelas comparações acima declaradas fica patente quanto a preço em


egualdade de quantidade para iluminação publica a superioridade da
proposta nº 1; mas a proposta nº 3, desde que do projecto de illuminação se
afastem 8 arcos voltaicos, ficará em melhores condicções, pois a illuminação
da cidade ficará custando annualmente 9:615$300 (nove contos seiscentos e
quinze mil e trezentos reis), nos preços de energia a particulares as propostas
nos 1 e 3 são mais ou menos equivalentes324.

Finalmente, “depois de ter sido lido o parecer o Senhor Presidente ordenou [ao
secretário] que convidasse o proponente Vivaldi & Cia [proposta número 3] para assignar o
contracto”325. O proponente era uma empresa do Rio de Janeiro.
Nos registros de imóveis, encontramos algumas transações de bens envolvendo o
nome da companhia: no total, são quatro registros envolvendo a empresa na cidade de
Varginha, dois de 1912 e dois de 1914. O primeiro deles, de 03 de fevereiro de 1912, era
referente à compra de parte de um terreno da Fazenda Pontal, no valor de 500$000. Nas
condições do contrato estava especificado que a companhia deveria fornecer lâmpadas para a
casa de morada da Fazenda do Pontal, fazer uma ponte ligando a ilha ao continente e o fecho

320
ACMV, 1912, fl. 30.
321
Idem.
322
Idem.
323
Idem.
324
ACMV, 1912, fl. 31.
325
Idem.
124

da faixa cedida com cerca de arame. No segundo registro, de 05 de junho de 1912, a Vivaldi
& Cia adquiriu mais terras da Fazenda Pontal, no mesmo valor da primeira compra.
Em fevereiro 1914 as obras para instalação da energia elétrica deveriam estar sendo
finalizadas, mas a Vivaldi & Cia precisava de mais alguns dias para o término total do
serviço. No dia 03 de fevereiro daquele ano:
Foi lido perante a Camara um requerimento da Companhia Mercantil e
Industrial Casa Vivaldi, no qual pede sessenta dias de prazo para dentro delle
inaugurar a installação eletrica, justificando este pedido o incidente ocorrido
no canal o qual obrigou a Companhia fazer novas obras de segurança, a
Camara mandou que para ser a suplicante attendida erá necessario que
enviasse o original da planta que foi approvada para collocação dos postes
da illuminação que lhe foi fornecida pela mesma, enviar a tabella dos preços
da illuminação particular e informar se as duas lampadas de mil vellas cada
uma que a empreza comprometheu se a colocar em logares determinados
pelo Agente Executivo poderam ser subdivididas a juizo do mesmo e se isso
mesmo convocasse a Companhia326.

Depois de realizado o pedido para ampliação do prazo, a companhia adquiriu mais


dois imóveis: no dia 27 de fevereiro de 1914, um terreno na área urbana, para construção de
um prédio, no valor de 2:200$000 e no outro dia, 28 de fevereiro, foi comprado um terreno na
área rural de Varginha, no valor de 600$000.
O pedido feito à Câmara foi atendido e, no dia 30 de março daquele ano, numa reunião
extraordinária, foi decidido a respeito da comissão responsável “para os festejos da
inauguração da luz”327.
O vereador Domingos de Rezende apresentou uma proposta que dizia que “fica o
Presidente da Camara auctorisado a despender com os festejos da inauguração da luz electrica
nesta cidade o que necessario fór, como despezas extraordinarias”328. Foi nomeada uma
comissão para ir até Itajubá e Santa Rita do Sapucaí convidar os senhores doutores Wenceslau
Braz e Delfim Moreira329; uma comissão para cuidar da recepção da estação ferroviária até a
Câmara Municipal; mais uma comissão para convidar personalidades importantes de Três
Corações; outra para ornamentação da Praça da Estação até a Rua Municipal; uma comissão
para a ornamentação de ruas centrais; e, finalmente, uma comissão para preparar o “banquete”

326
ACMV, 1914, fl. 70.
327
ACMV, 1914, fl. 72.
328
Idem.
329
Wenceslau Braz Pereira Gomes foi importante membro da sociedade política sul-mineira e, entre 1914 e
1918, foi presidente do Brasil. No ano de inauguração da energia elétrica em Varginha, residia em Itajubá.
Delfim Moreira da Costa Ribeiro também foi importante membro da sociedade política sul-mineira, tendo
presidido o Brasil do final de 1918 até meados do ano de 1919. No ano de inauguração da energia elétrica em
Varginha, residia em Santa Rita do Sapucaí.
125

que seria oferecido330. Ao final da reunião, os vereadores resolveram enviar um ofício ao


presidente da Rede Sul Mineira, “para assistir aos festejos da inauguração da luz electrica”331.
Depois de terminado todo o serviço pela Companhia Vivaldi, “aos doze dias do mez
de Abril de mil novecentos e quatorze, as 18 horas (da tarde), no Theatro Municipal”332, deu-
se início à sessão especial de instalação da luz elétrica.
Naquela reunião, coordenada pelo vice-presidente da Câmara de Varginha, o capitão
Antonio Rebello da Cunha, a Câmara resolveu homenagear os senhores Wenceslau Braz
Pereira Gomes e Delfim Moreira da Costa Ribeiro. A Rua de São Pedro passou a se chamar
Rua Wenceslau Braz e a Rua Municipal recebeu o nome de Delfim Moreira.
Dessa forma, declarou o presidente da sessão:

que se ia proceder a inauguração da luz electrica. Tomou a presidencia o


Excelentissimo Senhor Doutor Wenceslau Braz Pereira Gomes, e o
Excelentissimo Senhor Doutor Delfim Moreira da Costa Ribeiro apertando o
botão electrico, fez-se a luz, orando nesta ocasião em nome da Camara333.

O novo serviço que chegava à Varginha não beneficiaria a população toda. Devemos
destacar que seriam iluminadas as áreas centrais da cidade, o espaço urbano de Varginha, e os
serviços de iluminação chegariam, primeiramente, aos proprietários de comércios e fábricas, à
minoria da população, ou seja, à elite agrária varginhense.
Na reunião que se seguiu, dia 27 de abril, o principal assunto tratado dizia respeito às
despesas com os festejos da iluminação elétrica. O presidente da Câmara foi autorizado a
pagar o banquete que “a mesma Camara ofereceu aos Excelentissimos Senhores Doutores
Wenceslau Braz Pereira Gomes, Delfim Moreira e suas comitivas no dia 12 do corrente na
importancia de oito contos de reis”334. Ainda, a Câmara deveria pagar mais “dois contos e
seiscentos mil reis de despezas para o mesmo fim, sendo julgado objecto de deliberação foi
posto a votos e approvado em primeira discussão”335. As outras despesas “feitas com a
inauguração da luz electrica” deveriam ser pagas “pelas verbas do orçamento”336.
No dia 19 de maio, uma reunião extraordinária ocorreu porque a Câmara havia
deixado de cumprir uma das partes do acordo com a Companhia Vivaldi. A reunião era:

para a Camara tomar conhecimento de uma petição da Companhia Mercantil


e Industrial Vivaldi, pedindo o levantamento do deposito de 3:000$000 [três

330
ACMV, 1914, fls. 72-73.
331
ACMV, 1914, fl. 73.
332
Idem.
333
ACMV, 1914, fl. 73.
334
ACMV, 1914, fl. 74.
335
Idem.
336
Idem.
126

contos de réis] em deposito nesta Camara (apolice do Estado) para garantia


do contracto da iluminação publica337.

Entretanto, a Companhia havia deixado de cumprir algumas partes do contrato, pois


dizia a ata que:

A Camara tomando conhecimento resolveu que se respondesse exigindo o


cumprimento de todas as clausulas do contracto que não foram satisfeitas a
saber: a que diz respeito ao pagamento da illuminação particular; a referente
a distribuição de lampadas nos largos da Matriz e Praça Rio Branco; e a que
diz respeito ao numero de postes e finalmente a que é attinente a qualidade
das lampadas que devem ser empregadas na illuminação publica338.

Aquelas pendências entre a Câmara e a empresa foram resolvidas. Mas em agosto de


1920 a Companhia Vivaldi sugeriu algumas mudanças em relação à prestação dos serviços
que não agradaram aos vereadores. A empresa Vivaldi propunha alterações na intensidade das
lâmpadas, aumentando a intensidade, mas aumentando-se também o preço anual por vela. “A
Camara tomando conhecimento da proposta, por unanimidade de votos resolveu não acceital-
a por julgal-a ir de encontro aos interesses do publico por achar exorbitante seus preços, e os
preços para a illuminação publica estao elevados a mais do dobro do actual”339.
Dentre os serviços que destacamos nesse tópico – o abastecimento de água, a
inauguração da energia elétrica e a chegada das linhas telefônicas –, julgamos ser o de energia
elétrica um dos mais importantes, considerando a temática de urbanização. Com a chegada da
energia elétrica, “os processos de urbanização e industrialização se fortaleciam (...)
possibilitando não somente a incorporação de novos padrões de consumo pela modernização
dos serviços urbanos, como também dinamizando e expandindo a atividade industrial”340.
Em Varginha, a instalação da energia elétrica estava mais ligada ao processo de
urbanização pelo qual passava a cidade do que aos fins industriais, e serviria muito mais para
possibilitar a incorporação de novos padrões de consumo naquela pequena sociedade. O
próprio uso da energia elétrica constituía um novo padrão de consumo.
Outro serviço diferenciado para a época era o das linhas telefônicas. O assunto
apareceu numa ata do ano de 1913, no dia 25 de junho, quando “foi apresentado pela

337
ACMV, 1914, fl. 75.
338
ACMV, 1914, fl. 75.
339
ACMV, 1920, fl. 12.
340
SAES, Alexandre Macchione. Conflitos do Capital: Light versus CBEE na Formação do Capitalismo
Brasileiro (1898 – 1927). 2008. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) – Instituto de Economia,
Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2008, p. 385.
127

comissão de obras publicas o parecer da mesma sobre uma petição do Senhor José Lisbôa de
Paiva pedindo privilegio para estabelecer linhas telephonicas no município”341.
A Câmara aprovaria, mas algumas condições foram dadas. Assim:

Foi posto em primeira discussão com as seguintes modificações: deverá


terminar a installação central dentro de quinze mezes sob multa de
Quinhentos mil reis, cobrada por assignantes da zona urbana cem mil reis
annuaes pagos trimestralmente, e da zona rural cento e vinte e quatro mil
reis, o mais como achado na petição, foi aprovado342.

Naquela mesma reunião, logo em seguida, “foi posto em segunda discussão o projecto
que considera caduco o contracto com a Companhia Telephonica Bragantino por não ter
cumprido as clausulas, foi aprovado”343.
Nas atas da Câmara não houve mais descrições a respeito da petição do senhor José
Lisbôa de Paiva, mas linhas telefônicas foram instaladas em Varginha. No açougue do senhor
Manoel Caetano de Oliveira, que entrou em funcionamento no prédio do mercado em 1916,
faria parte das instalações do cômodo “um telephone e uma lampada electrica”344.
As linhas telefônicas não atenderiam apenas a população urbana, mas também a que
residia na zona rural. Todavia, ainda assim, era apenas a elite que utilizaria o novo serviço, de
imediato. A elite proprietária de terras, dona de fazendas importantes, mas também possuidora
de bens imóveis nas áreas centrais da cidade e com mais recursos financeiros que a maioria da
população.
Destacamos, por fim, a criação do mercado municipal nesse tópico do texto porque
acreditamos que o mercado se constituiu numa importante construção para o fortalecimento
do comércio varginhense, bem como, fazia com que aumentassem as rendas do município.
O mercado municipal foi inaugurado em Varginha no ano de 1915, mas as menções à
construção começaram no ano de 1910345. Depois de um primeiro registro em 1910, foi na
reunião de 11 de novembro de 1911 que foi oferecido à Câmara Municipal, por meio de
ofício, um terreno localizado na Praça São José para a construção do mercado municipal. O
terreno era de um morador da cidade (Augusto Lopes de Vasconcellos) e foi oferecido pelo

341
ACMV, 1913, fl. 56.
342
Idem.
343
ACMV, 1913, fl. 56.
344
ACMV, 1916, p. 39.
345
Um prédio próprio para o mercado municipal foi inaugurado no ano de 1915, mas antes disso, Varginha já
contava com comércios espalhados pela cidade. No ano de 1893, Varginha possuía uma Praça do Mercado
(ACMV, 1883, fl. 06) onde entendemos que os comerciantes expunham seus produtos para venda. Considerando
as culturas e mantimentos existentes em Varginha, que poderão ser melhor conferidas no capítulo 4 dessa
dissertação, sobre os inventários post-mortem, acreditamos que em Varginha comercializava-se, tanto em 1893
como em 1915, na inauguração do prédio do mercado, especialmente, café, cana de açúcar, açúcar, aguardente,
milho, arroz, feijão, mandioca, polvilho, sal, amendoim, fumo e algodão.
128

valor de três contos de réis, aceitando-se como pagamento apólices a juros de 10% ao ano.
Contudo “a Camara não ia construir actualmente o mercado”346.
O assunto retornou no ano de 1913, quando em janeiro daquele ano, o presidente da
Câmara, major Evaristo Soares, “nomeou uma comissão dos vereadores Capitães Rebello da
Cunha, Maximiano Baptista e Major Silva Bittencourt para darem pareceres sobre o local
mais apropriado para ser construido o mercado”347.
No dia 25 de junho de 1913, “pelo vereador Capitão Rebello foi appresentado um
projecto que aucthoriza o Presidente da Camara a mandar levantar uma planta do mercado
sendo julgado objecto de deliberação foi approvado em primeira discussão”348.
Depois dessa autorização, demorou mais de um ano para realização de um empréstimo
a fim de começarem as obras. Foi na reunião de 13 de outubro de 1914, numa sessão
extraordinária que o presidente da Câmara, Evaristo de Souza Soares, “disse que tinha
convocado a presente sessão para se tratar de contrahir um emprestimo para construcção do
mercado desta cidade”349.
Então, ele foi autorizado, pelo projeto do vereador capitão Rebello da Cunha, a fazer
um empréstimo de até vinte contos de réis, por meio de escritura pública, sendo os juros
nunca superiores a 10% ao ano. Assim, pelo mesmo vereador foi apresentado “outro projecto
que auctoriza o Presidente da Câmara a pôr em hasta publica a construcção total e esgottado
mercado publico de conformidade com o orçamento apresentado”350. O prédio do mercado
seria construído na Praça do Mercado.
Depois de decididas as questões de orçamento e de localização do mercado, abriu-se
um período para recebimento de propostas para a construção do prédio. No dia 14 de
novembro de 1914, em reunião extraordinária, “o Senhor Presidente [major Evaristo de Souza
Soares] disse que tinha convocado a presente reunião para apresentar a Camara o parecer da
Comissão de Obras Publicas”351. O parecer da comissão, sendo analisado pela Câmara, foi
aprovado. A proposta escolhida foi “a do Senhor Antonio Alves Ribeiro com a condição de
fazer os passeios em volta do mesmo edificio352”.
A inauguração do mercado não foi descrita nas atas da Câmara, mas o prédio entrou
em funcionamento entre o fim de 1915 e o começo de 1916. No ano de 1915, no dia 13 de

346
ACMV, 1911, fl. 22.
347
ACMV, 1913, fl. 48.
348
ACMV, 1913, fl. 56.
349
ACMV, 1914, fl. 81.
350
ACMV, 1914, fl. 82.
351
ACMV, 1914, fl. 83.
352
Idem.
129

setembro, “pelo Capitão Rebello da Cunha foi aprezentado um projecto para o regulamento e
tabella de impostos do mercado a vigorar logo que o mesmo seja inaugurado”353.
Em março de 1916 o mercado já estava em funcionamento, porque foi marcada uma
reunião extraordinária para tratar-se de assuntos específicos do mercado, tais como ajustes na
tabela de impostos, regulamentação interna e questões referentes a comerciantes que
desejavam transferir seus estabelecimentos para o prédio do mercado.
A construção do mercado gerou efeitos positivos não só para os comerciantes, mas
também para os compradores. Os comerciantes que tinham condições de pagar o aluguel de
um espaço no mercado estariam todos juntos num mesmo lugar, o que atraía mais
compradores e estes, encontrariam concentrados os produtos que demandavam. Ainda,
considerando a classe comercial, com a ferrovia, seus produtos poderiam ser enviados a outras
localidades do Sul de Minas Gerais e, da mesma forma, eles poderiam receber produtos de
outras localidades, para revenderem no mercado.
Assim, os comerciantes de Varginha passaram a querer ocupar o mercado municipal,
como mostrou a ata de 01 de março de 1916. Naquela reunião, foi lido o requerimento do
proprietário de um açougue da cidade, Manoel Caetano de Oliveira, “desejando transferir o
seu açougue para um dos departamentos do “Mercado Municipal” desta cidade”354.
O proprietário poderia transferir seu estabelecimento para o prédio, desde que “fosse
montado a capricho, com luxo, estylo moderno” e de acordo com normas de higiene. O
comerciante poderia utilizar o cômodo por cinco anos, com isenção do pagamento do aluguel
do cômodo, mas depois de passado o período, deveria devolver à Câmara toda a montagem do
açougue, “que poderá ser alugado ao mesmo proponente, que terá preferencia, ou a quem
melhores vantagens offerecer”355.
O mercado municipal, porém, logo foi vendido a particulares, três anos depois da
reunião que regulamentou seu funcionamento. No dia 15 de março de 1919:

foi apresentado pelo vereador José Justiniano de Paiva o projecto nº 9, Art.


1º. Fica o Presidente da Camara [José Augusto de Paiva] auctorisado a pôr
em hasta publica a venda do prédio do Mercado Publico. Art. 2º. Revogam-
se as disposições em contrario356.

353
ACMV, 1915, p. 10.
354
ACMV, 1916, pp. 38-39.
355
ACMV, 1916, p. 39.
356
ACMV, 1919, fl. 72.
130

Na reunião seguinte, dia 17 de março de 1919, “foi lida uma proposta do Senhor
Joaquim Eugenio de Araujo para a compra do mercado publico, premiado para pol-o em hasta
publica pois garantia a offerta de 20:000$000 pelo predio e mais cinco metros nos fundos”357.
O mercado pode ter sido colocado à venda porque não gerava a renda que a Câmara
dos vereadores desejava e por isso decidiu-se deixá-lo nas mãos de um particular. No entanto,
estando o prédio do mercado nas mãos da Câmara dos vereadores ou de um proprietário
particular, seu funcionamento não cessava. O prédio do mercado funciona atualmente em
Varginha, no mesmo lugar que foi construído no ano de 1915.
Ao longo de 38 anos, podemos observar que Varginha passou por importantes
transformações em sua estrutura urbana. As atas da Câmara detalham bem essas
transformações, e as informações são muitas. Assim, selecionamos os projetos, as leis e os
acontecimentos que julgamos terem sido importantes para a formação da cidade.
Traçamos um perfil específico para cada década, mas alguns assuntos, como as obras
de infraestrutura e as relações com o governador do estado, dentre outros, perpassam o tempo.
Conseguimos entender como Varginha passou de uma cidade onde as preocupações
iniciais eram as relacionadas com a organização de ruas e praças, consertos de pontes e
estradas etc, em fins do século XIX, para uma cidade em que as empresas de serviços urbanos
chegavam e ofereciam à sociedade – ou à minoria dela – novos padrões de consumo, voltados
para a valorização do espaço urbano.
A introdução de novos padrões de consumo nas sociedades, consequência da Segunda
Revolução Industrial, ocorria em Varginha, embora com menor intensidade que em cidades
maiores, como São Paulo, mas de forma parecida com o padrão de crescimento urbano do Sul
de Minas. O tratamento da água, a chegada da energia elétrica e do telefone, a construção do
mercado municipal foram elementos que deram nova forma ao município, juntamente com o
processo de urbanização conduzido pela elite agrária que, no fundo, era a camada da
sociedade que mais se beneficiava.
Observamos esse processo de evolução urbana somente pelas atas da Câmara, para
mostrar os anseios dos vereadores. Em nosso próximo capítulo, vamos nos utilizar dos
registros de imóveis para entendermos a valorização do espaço urbano. Tentaremos mostrar
que os imóveis urbanos passavam por um aumento de transações e de preço com o passar dos
anos, pequeno, mas em constante movimento, enquanto os imóveis rurais, também de forma
gradual, passavam a se desvalorizar.

357
ACMV, 1919, fl. 72.

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