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De Rival A Luna (A Profecia Do - Flavia Saldanha

O documento apresenta uma obra de ficção que faz parte da série 'A Profecia do Alfa', onde Nerya, uma jovem alfa, foge de um casamento arranjado, enquanto Kael, o herdeiro alfa, descobre um amor irresistível por ela. A história se passa em um mundo dominado por um bruxo maligno, e o amor entre Nerya e Kael pode ser a chave para salvar seus povos. O livro é o segundo de uma série de quatro, com lançamentos programados para 2025.
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
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De Rival A Luna (A Profecia Do - Flavia Saldanha

O documento apresenta uma obra de ficção que faz parte da série 'A Profecia do Alfa', onde Nerya, uma jovem alfa, foge de um casamento arranjado, enquanto Kael, o herdeiro alfa, descobre um amor irresistível por ela. A história se passa em um mundo dominado por um bruxo maligno, e o amor entre Nerya e Kael pode ser a chave para salvar seus povos. O livro é o segundo de uma série de quatro, com lançamentos programados para 2025.
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Copyright© Flávia Saldanha

2025 - RJ
Revisão: FS revisões
Diagramação: Girassol designer
Leitura Beta: Thaiana Mizuno e Grazy Souza
Imagens: Pixabay, Canva e Freepik, IA Bing – Girassol Designers.

Todos os direitos Reservados


É proibido o armazenamento e/ ou reprodução de quaisquer
parte desta obra, através de quaisquer meio (tangível ou intangível)
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A Profecia do Alfa 1 - De Escrava a Esposa do Rei Alfa
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Yule Sombrio - Livro 3 - Série Lendas Noturnas
Senhor da Escuridão - Livro 5 - Série Lendas Noturnas
O segredo das fadas
Quando a vingança vira amor
A filha do corvo
Sono profundo (releitura de A bela adormecida)
A Relíquia do oceano
Sinopse

Vinte anos após os reinos terem caído sob o domínio do temível


bruxo Malagar, as antigas alianças foram destruídas, e Tharion e Vik
agora lideram seus povos em terras distantes, separados por
florestas densas e rivalidades que o tempo só fez intensificar. A paz
frágil que eles construíram está prestes a desmoronar.
Kael Kall Fury, o herdeiro alfa, foi criado para liderar sua alcateia
com força e honra. No entanto, seu destino toma um rumo
inesperado quando ele conhece uma jovem de espírito indomável,
cujo olhar desperta um desejo irresistível. Kael só tem uma certeza:
ela é sua escolhida.
Nerya Kall Braam, a primogênita de Vik e Liam, foi treinada para
suceder sua mãe como Alfa dos lobos cinzentos. Mas em vez de
aceitar seu destino, ela foge de sua aldeia para escapar de um
casamento arranjado, decidida a traçar seu próprio caminho. Sem
saber, Nerya invade as terras de outro alfa, colocando-se em grande
perigo.
Enquanto o mundo ao seu redor é transformado por Malagar,
que captura humanos e os torna escravos, uma ameaça ainda maior
paira sobre todos. Em meio a esse caos, o amor de Nerya e Kael
será posto à prova, e sua união pode ser a chave para salvar seus
povos.
Prepare-se para o segundo volume desta série repleta de
emoção, aventura, ação e um romance arrebatador.
Capítulo 1- O lobo escolheu
Capítulo 2 - Posse
Capítulo 3- Para o lar
Capítulo 4- A lua me hipnotiza
Capítulo 5 - Feitiço
Capítulo 6- A única chance
Capítulo 7- Ela é minha
Capítulo 8- O nosso amor
Capítulo 9 - O novo aliado
Capítulo 10- Perdendo o controle
Capítulo 11- A casa nova
Capítulo 12- Uma visita no dia do casamento
Capítulo 13 - Finalmente casados
Capítulo 14 - Amiga?
Capítulo 15 - Armadilha
Capítulo 16 - Ferido
Capítulo 17 - O segredo dos gêmeos.
Capítulo 18 - A lua está linda
Capítulo 19 - Determinados
Capítulo 20 - Informação preciosa
Capítulo 21- Derrotada
Capítulo 22- Um passo para a liberdade
Capítulo 23 - A chegada
Capítulo 24- Esferas de poder
Capítulo 25 - Segunda tentativa
Capítulo 26- Descobrindo as coisas humanas
Capítulo 27- Encontrada
Capítulo 28 - Esgotada
Capítulos 29 - Ao mar revolto
Capítulo 30 - Será que estão vivos?
Capítulo 31- Para casa
Epílogo
Próximo lançamento
Agradecimentos
Redes sociais
Olá, minhas lindas e lindos leitores.
Estamos de volta com mais um livro da série A Profecia do Alfa.
Este livro é o segundo de uma série de quatro livros. O livro 3 está
em fase de finalização e em breve começará a ser preparado para o
lançamento no mês que vem, em maio. Os lançamentos continuarão
sempre para o final do mês.
A previsão de lançamentos é a seguinte:
Livro 1 - De Escrava a Esposa do Rei Alfa - Lançado no mês passado,
em março.
Livro 2- De Rival a Luna - 25/04/2025
Livro 3- De Rejeitada a Esposa do Beta - 23/05/2025
Livro 4- De Ômega a Alfa - 27/06/2025
Algumas pequenas alterações nas datas podem acontecer, mas a
princípio são essas. Espero que acompanhe esta aventura cheia de
romance e magia.
Para as que fogem do amor, não adianta fugir, ele vai te pegar!
Capítulo 1- O lobo escolheu

Nerya
Meus pais exigiram a minha presença na sala do trono. Desde a
queda dos reinos, eles não são reis, mas governam como soberanos
e insistem em manter uma sala do trono. Subo os degraus de
madeira rústica e, quando chego no andar superior, os vejo
discutindo. Minha mãe sentada em sua cadeira de espaldar alto, com
uma aparência inabalável, e meu pai de pé na sua frente.
Não quero ouvir ou saber o que eles tanto discutem, por isso
bato na madeira da porta que estava aberta, chamando a atenção
deles e fazendo-os se calar imediatamente.
— O que você fez com seu cabelo? — meu pai questiona assim
que coloca seus olhos sobre mim. Eu sabia que ele seria o primeiro a
notar.
Toco as pontas do cabelo acima dos ombros, enrolo o pequeno
cacho que sobrou no dedo e respondo casualmente:
— Cortei.
— Você sabe que as mulheres devem manter os cabelos longos
— o antiquado ralha, e reviro os olhos.
— Estava quente, aquilo estava esquentando demais...
Experimente ter um cobertor constantemente em suas costas.
— Isso é uma afronta...
— Já chega! — Minha mãe interrompe o discurso interminável
do meu pai que estava se iniciando naquele momento. — Sente-se.
Minha mãe exige que eu me sente em uma cadeira que fora
colocada de frente para as cadeiras dos dois. Obedeço e me sento,
encaro os dois acomodados à minha frente. Meus pais trocam um
olhar enquanto ele se ajeita em seu assento.
— Posso saber o que eu fiz desta vez, além de ter cortado o
cabelo? — questiono, louca para ser dispensada e poder sair e fazer
o que quero do meu dia.
— Não me importo com seu cabelo, por mim você pode até
raspar — minha mãe diz e eu não me surpreendo, ela nunca foi
apegada a essas coisas antigas, motivo pelo qual eu vinha sendo
treinada para ser a Alfa que a sucederia e não o meu irmão.
Mesmo sendo a primogênita, em outros clãs de lobos eu seria
treinada para ser uma boa esposa, e meu irmão é que seria treinado
para ser o novo Alfa, mesmo sendo mais novo que eu dois anos.
— Escolhemos um marido para você — meu pai diz
tranquilamente e eu fico estarrecida em meu lugar. Que bom que
estou sentada, pois se não estivesse, eu cairia. — Já tem dezoito
anos, está na hora de casar.
— Mas que palhaçada é essa? — questiono, ficando aflita. — E
todo aquele treinamento para ser Alfa? Horas por dia de estudo, de
treino com espada e outras armas para acabar casada com um
homem que nem fui eu que o escolhi!
— Acalme-se, Nerya. — Minha mãe intervém. — Quem disse
que uma Alfa não precisa casar? Eu sou casada e nem por isso
deixei de ser uma Alfa.
— Mas você escolheu com quem se casar! — rebato. —
Ninguém a obrigou a se casar com meu pai.
— Meu primeiro marido, não. — Fico de boca aberta com o que
ela diz.
Quando volto meus olhos para o meu pai, não há surpresa ali.
Então, a minha mãe já havia sido casada antes e ele sabia?
— Por que você se chama Nerya Kall Braam? Você é minha
herdeira, herdeira de um trono que herdei quando me casei pela
primeira vez.
As palavras da minha mãe fazem sentido. Seu nome é Vik Aly
Braam, que significa casada com um alfa do clã Braam, e meu pai se
chama Liam Nuk Fury, que significa que ele é um filho bastardo de
um alfa do clã Fury, um clã rival.
Suspiro pesadamente, mas nada disso me interessa, eu quero
me casar com a pessoa que eu escolher e não com um cara
qualquer escolhido por meus pais.
— Olha, eu não quero saber — Me coloco de pé e minha mãe
segue meu movimento. — Não vou me casar com um cara que
escolheram para mim. Vou me casar com quem eu quiser me casar.
— Nerya, sente-se e ouça! Você não pode negar uma ordem de
sua mãe! — Mesmo não sendo uma rainha, o tom imperativo está
presente na sua fala, mas eu lidei com ele a vida inteira.
— Não adianta falar, terão que me amarrar no altar para que eu
me case desta forma. — Caminho com passos firmes até a porta —
Boa sorte para vocês ao tentar.
— Nerya! — minha mãe grita.
— Deixa ela... — meu pai pede, mas eu não olho para trás.
Deixo a sala e bato a porta com força.
Eu não vou ter um casamento arranjado. Terei que ser
amarrada e amordaçada para me casar, e terei que ser estuprada
pelo meu marido para consumar o casamento.
Meu casamento, quem escolhe meu marido sou eu!
Determinada, saio da casa correndo e ganho a floresta. Desço a
montanha determinada a fugir do que querem para mim.
Me transformo em loba, as pessoas ao redor que estão indo
trabalhar na plantação encaram-me em meio à violência da
transformação. Não me importo com os olhares e embrenho a mata
com desejo de liberdade.
A descida inclinada facilita para que eu praticamente me torne
uma bala, como as que já vi os bruxos usando em suas armas
modernas. Sinto meus músculos queimarem com o esforço, o ar
começa a entrar com dificuldade em meus pulmões, como se fosse
pouco, mas não paro. Busco a exaustão como forma de aplacar os
pensamentos exaustivos.
Na parte plana da floresta, há muitas pedras e dificulta para
que continue a minha corrida desenfreada, preciso reduzir a
velocidade ou poderei me machucar aqui, e novamente estarei nas
mãos de minha mãe e seu desejo de me casar com um babaca
qualquer.
Encontro um riacho, me aproximo, estou cheia de fome e de
sede. Paro sobre uma pedra e olho para a água abaixo de mim e
vejo meu focinho preto com olhos alaranjados refletidos. Sou um
lobo cinza, mas meu focinho e parte da minha cabeça são mais
escuros do que os outros devido à influência do sangue de meu pai.
Eu sou uma mestiça de lobo negro e cinza.
Vejo a silhueta de um peixe sob as águas calmas do riacho,
miro e dou um golpe certeiro. Em uma mordida só, o peixe está todo
em minha boca. Delicioso! Saboreio a refeição. Pego mais um peixe
e, agora sim, estou satisfeita. Bebo a água fresca e então decido
tomar um banho.
Volto à minha forma humana. Minha mãe costuma reclamar das
consequências de se transformar e ficar nua depois que voltar à sua
forma humana, eu já não me importo com a nudez. Meu pai não se
importa, ele diz que os animais não usam roupas e que também não
precisamos delas. Nós somos animais selvagens em pele de
humanos, e eu concordo com o que ele diz.
Mergulho, boio na água tranquila e relaxo por um tempo até
que ouço um barulho nas pedras. Não estou sozinha! Droga! Como
pude ser tão imbecil? Relaxei tanto que esqueci de minha própria
segurança. Olho ao redor em busca da fonte do barulho que ouvi, e
o encontro no alto de uma pedra. É um imenso lobo de olhos verdes
brilhantes, e este lobo é diferente de tudo que já vi um dia, ele é
branco.

***
Kael
Meus irmãos e eu gostamos de treinar à noite. A lua está alta
no céu, o vento fresco acerta minha pele nua e suada, deixando
uma sensação de frescor em meu corpo já exausto dos treinos.
— Você está muito mole hoje, Kael — meu irmão Killan, o de
olhos negros, fala, me provocando.
Amparo seu golpe de espada com a minha e sinto o peso de
seu golpe. Ficamos medindo força. Ele é mais novo que eu um ano,
mas é tão forte quanto eu.
— Um inimigo vai aproveitar um segundo de distração, meu
irmão — ouço a voz do Hiran, o gêmeo de olhos azuis, atrás de
mim.
Desfaço-me da espada de Killan e me viro para amparar o golpe
de Hiran que sorri como um animal. Seu olhar parece doentio
enquanto ri da minha cara de espanto.
— Você me pegou desprevenido — reclamo enquanto meço
força com meu irmão.
— Desprevenido, nada, eu avisei que estava atacando! Você
acha que o inimigo vai te avisar? — Chuto seu abdômen com a
planta de meu pé, afastando-o.
— Ele vai arrancar a sua cabeça — o outro fala e me viro a
tempo de fazer uma finta, desviando-me do golpe e atacando-o em
seguida.
Ambos riem.
— Estão querendo me matar, vocês dois?
— É claro que não, irmão — Hiran responde com um sorriso
travesso enquanto prende seu cabelo liso e preto em um rabo de
cavalo com uma tira de couro.
— Nosso pai arranca nossos olhos se o matar — Killan comenta
desviando de meu ataque. — E vai arrancar o seu se me matar. —
Meu irmão se agacha e gira o corpo tão rapidamente que quase não
registro seu golpe. O pé passa sob o meu e só não caio porque pulo
a tempo.
— Acho que já treinamos demais esta noite — falo e eles
concordam.
Hiran e Killan embainham suas espadas no suporte de couro
que atravessa o torso nu dos rapazes. Treinamos usando somente
uma calça de linho amarrada com cordão na cintura. Pego a camisa
descartada sobre uma pedra e a jogo no ombro.
— Nosso pai quer que treinemos toda noite — o gêmeo de
olhos negros avisa.
— Ele diz que temos que estar preparados, só não sei para quê
— o outro gêmeo fala.
— Também não sei — respondo. — O que acham de sair um
pouco? — sugiro, pois a noite está quente e uma cerveja refrescante
cairia bem.
— Pegar umas gostosas no novo bordel... — Hiran se anima e
vai à frente, seguido por mim e seu gêmeo.
— Beber cerveja... — Killan completa.
— Isso, rapazes, vamos nos divertir! — Passo a mão em minha
cabeça raspada e seguimos animados pela floresta noturna.
Enquanto os outros cultivam o longo cabelo, eu os prefiro bem
rentes à cabeça.
Descemos a floresta e seguimos para a parte mais civilizada de
nossa região. Malagar, o bruxo supremo que governa as nossas
terras, trouxe do mundo humano pessoas que tinham
conhecimentos que ainda não possuímos e as implantou aqui.
Centros comerciais começaram a crescer na cidade, ampliando
cada dia mais e nos forçando a trabalhar para ter moedas para
pagar. Todos querem um tecido melhor, armas tão belas quanto
poderosas, joias para as suas mulheres, bebidas geladas... tudo que
é novidade para nós, um povo que se desenvolveu em meio à
floresta sem nenhum luxo.
Para ter moedas, cada um de nós acaba realizando alguns
serviços na cidade, coisa que meu pai não pode saber ou vai nos
matar. Motivo pelo qual ele não pode saber que estamos indo a um
bordel. Ele vai achar que ficamos treinando na floresta até tarde da
noite.
Chegamos ao bordel e uma linda garota com roupa
transparente nos recebe. O lugar é todo iluminado com luminárias
que dão ao ambiente uma sensação quente e aconchegante.
— Oi, rapazes... — Uma loira linda se aproxima, abraçando os
meus irmãos, não sei o que os dois têm, que as mulheres sempre
avançam neles. — Posso brincar com os dois, se quiserem. — Ela se
insinua, alisando a trança lateral de Killan.
Os dois me encaram com um sorriso pervertido no rosto e eu
aceno para que eles sigam a loira e eu vou até o balcão pedir uma
cerveja. Um homem vem me atender.
— Uma cerveja gelada — peço.
O homem me encara e eu sinto o seu cheiro. Humano. Nos
últimos anos surgiram muitos por aqui.
— Mais caro — ele informa.
— Mais caro, quanto? — questiono. Eu sabia que seria mais
caro. Seja lá de onde eles trazem o equipamento que gela as coisas,
não deve ser fácil ou barato.
— Uma moeda de ouro a mais. — Espanto-me, não esperava
que custasse tanto. Pago pelo prazer de beber uma bebida gelada,
mas as próximas terão que ser na temperatura normal mesmo.
Sinto uma presença ao meu lado e, quando me viro, vejo uma
linda morena. Seus cabelos são trançados até a altura da bunda,
seus olhos são de um azul intenso e sua boca é carnuda e
convidativa. O quadril largo destaca ainda mais com a cintura fina.
— Linda... — murmuro e ela sorri.
— Gostaria de uma companhia para esta noite? — pergunta e
encosta o quadril na bancada do bar.
— É claro — aceito, pois eu vim aqui com a intenção de me
divertir e é isso o que farei.
***
O sol já nasceu há algum tempo quando desperto nos braços
da morena. Me sento na cama e penso que deveria estar em casa
antes do amanhecer.
— Merda! — xingo.
— Está tudo bem, gatinho. Estou aqui, quer brincar mais um
pouquinho?
Ela se senta na cama e os lençóis caem revelando seu corpo nu,
ao qual me diverti muito na noite anterior, por longas horas, até que
o cansaço me consumisse.
— Não, gata, eu preciso ir — falo meio afoito, enfiando a calça
pelos pés.
— Não esqueça as suas armas. — A garota aponta para o canto
do quarto, onde meus equipamentos estão.
Visto a camisa, pego a tira de couro onde prendo as minhas
armas e a prendo ao redor do meu corpo. Coloco as facas e a
espada em sua bainha. Dou um beijo na boca da garota sentada na
cama.
— Para você comprar um vestido novo. — Dou a ela uma
moeda de ouro. Paguei por seu serviço ao supervisor das garotas,
mas eu sei que o que chega em suas mãos são migalhas, ou talvez
nada.
— Obrigada, vou comprar e vou usar para você quando voltar.
Aceno e saio do cômodo correndo. Desço as escadas, o bar está
vazio, é claro. Saio às pressas, pensando no que vou contar ao meu
pai. Será que meus irmãos chegaram cedo em casa?
Me lembro que meu cheiro não está nada agradável, então vou
até o riacho me banhar. A caminhada é longa e chego ao local cheio
de fome, sede e calor. Dispo-me, pois ao me transformar, as minhas
roupas viram frangalhos, e me transformo em lobo.
O clã de meu pai é um clã de lobos negros, mas eu sou branco.
Completamente. Mas meu pai disse que a deusa Lua o mostrou em
um sonho certa vez que eu seria um lobo branco, mas ele não havia
entendido até a minha primeira transformação.
Caçar em minha forma de lobo é muito melhor, a força e
agilidade do animal facilitam muito as coisas. Decido descer e pegar
peixes no riacho, mas ao subir na pedra à minha frente, tenho a
visão que me paralisa: uma garota está boiando na água, relaxando,
de olhos fechados e... Ela está nua.
Meus olhos fixam-se no corpo da garota e, mesmo tendo
saciado meu corpo durante a noite toda, sinto um calor me invadir e
o lobo selvagem que há em mim está louco para ir até lá e acasalar
com ela.
Bato as patas, sem me controlar direito, devido às sensações
que explodem em meu corpo.
“Ela tem que ser minha”
Uma voz sussurra dentro da minha mente, e essa voz é
possessiva e irracional, é o lobo falando mais alto.
O som chama a atenção dela e ela se mexe, olhando ao redor.
Não me escondo, então em poucos segundos seus olhos, como mel
derretido, encontram os meus.
O cheiro dela invade-me as narinas, e sei, que é uma loba. Mas
nunca a vi antes. Quem é esta garota? É linda. E o seu aroma é
puro, não traz consigo o cheiro de nenhum macho. Está sozinha.
Mas, com tamanha beleza, não estará por muito tempo.
Só que eu cheguei primeiro. E ela será minha. Não me importa
quem é ou de onde vem. Ela vai ser minha. Fui eu que a escolhi. O
lobo dentro de mim escolheu-a.
Capítulo 2 - Posse

Nerya
Vejo aquele lobo me encarando. Não o conheço, não sei o que
ele quer comigo. Estou em terreno estranho, posso estar em suas
terras, posso estar em perigo.
Cautelosamente, saio da água e me transformo em lobo, me
tornando o lobo cinza de uma tonalidade mais escura que sou. Ele
me encara e então desce as pedras. Seus passos são lentos e seus
olhos estão focados nos meus.
“Você é um lobo cinza” fala em minha mente, constatando o
óbvio.
“E você é um lobo branco” rebato. “Mas nunca ouvi falar de um
clã de lobos brancos”
“Você nunca ouviu porque não existe” Ele se aproxima, cheira o
ar, me analisa e completa “Princesa”
“Não sou uma princesa.” Enrijeço todo o meu corpo. Não sou
uma princesa porque minha mãe não é mais uma rainha há muito
tempo. “Quem é você?”
Começo a caminhar em sua direção agora, não vou ficar
recuando de um lobo que nem sei quem é. Nem faço ideia de qual
clã ele pertence.
“Meu nome é Kael Kall Fury. E o seu?”
Com a revelação de seu nome, eu fico confusa. Esse é o clã ao
qual meu pai pertencia e ele é um lobo negro.
“Você está mentindo” afirmo. “O clã dos Fury é de lobos
negros.”
“Você tem razão” ele responde simplesmente descendo a última
pedra que nos separava e agora estamos cara a cara.
“Então, você está mentindo?”
“Não. O clã dos Fury é um clã de lobos negros, mas eu nasci
branco.”
“Isso é impossível” pondero. Como ele pode ser herdeiro do clã
Fury e não ser igual a todos os outros de seu clã?
Até mesmo eu, que sou mestiça com um lobo negro, ainda
assim sou um lobo cinza.
“A história é longa, quem sabe um dia eu não a conte para
você, princesa!”
“Para de me chamar assim. Por que está me chamando de
princesa?” questiono, ficando incomodada com a sua forma de se
referir a mim.
“Não sei o seu nome” responde simplesmente. Eu ainda não
havia me apresentado mesmo. “Mas pelo seu cheiro e sua
aparência, você deve ser a filha do meu tio Liam com a antiga rainha
do reino dos lobos cinzas, Vik.”
Como ele sabe disso antes mesmo de eu dizer meu nome? Será
que ele é mesmo um herdeiro do clã dos Fury?
“Eu não preciso me explicar para você nem me apresentar.” Viro
as costas e começo a me afastar, mas sinto um vento cortante
passar por mim, logo o lobo branco está na minha frente.
“Eu acho que você deve, sim...”
O lobo começa a me rondar, seu nariz buscando o cheiro que há
em mim. O que ele quer de mim?
“Não sinto cheiro de macho em você” constata ele.
“E o que isso te interessa?” Enfrento-o, meus olhos faiscando
de raiva.
“Me interessa porque eu a quero...”
As palavras do lobo me fazem sentir um peso em meu
estômago. O que ele vai fazer?
“E eu quero saber quem é a fêmea que me fez sentir o que
nunca antes senti só de olhar para uma mulher, e o que a trouxe
aqui, em meu território e tão distante do seu.”
Agora me dou conta do perigo que corro. Estou em território de
outro alfa, e sou membro de um clã rival, mesmo que eles não
batalhem entre si há duas décadas e tenham sido aliados em uma
batalha contra o bruxo supremo. Segundo as leis dos lobos, um
membro desgarrado nas terras de outro está sujeito às leis daquele
clã. Engulo em seco.
“O que vai fazer comigo?” pergunto, com um sentimento
estranho, é um misto de medo e curiosidade. Ao mesmo tempo que
não quero que ele me machuque, quero que ele faça algo. “Eu fugi
porque meus pais querem me casar com um dos seus.”
Ele rosna e eu não sei se o rosnado é para mim ou para o que
eu revelei.
“Quem é esse lobo que iria se casar com você?”
Ele se mantém na minha frente, me encarando e analisando.
Posso ver o quanto ele é maior que eu.
“Eu não sei. Meus pais disseram hoje que haviam arranjado um
casamento para mim e fugi em seguida.”
“Então você é a herdeira da alfa” Não é uma pergunta, ele está
constatando isso.
“Eu... eu sou”
Ele se afasta em silêncio, depois volta para mim.
“Então teremos que duelar.” Meu coração pesa com sua
revelação. Não estava em meus planos lutar hoje.
“Eu não quero lutar” revelo.
“Então se renda”
“Me render? Por que devo me render a você?”
“Assim como você, eu sou o herdeiro do alfa. Temos que decidir
quem irá para o território do outro. Se você ganhar, eu vou para o
seu território e, se você perder, você vem para o meu.”
Começo a me irritar e giro em meu lugar, afasto-me e mostro os
dentes para ele.
“Eu não quero voltar, também não quero ir com você. Ninguém
me obriga a nada!”
Quando não são meus pais tentando controlar a minha vida, é
um estranho.
“Você não tem escapatória” Ele me enfrenta, mostrando os seus
dentes também. “Devemos duelar.”
Ao falar, o lobo branco avança sobre mim e me coloco sobre
duas patas para ganhar altura. Acerto uma patada em sua face e
ouço uma risada em minha mente.
Ele volta com uma patada mais forte, me derrubando no chão.
Meu corpo se arrasta pelo chão e sinto as pequenas pedras ralarem
minha pele. Mas nada me abala, sou acostumada a treinar. Sei lutar
com um lobo mais forte e mais alto que eu, eu lutei com meu pai
muitas vezes: um lobo negro muito maior que eu e maior que o meu
adversário.
Me levanto e avanço sem dar tempo de reação, miro a sua
garganta, mas não consigo mordê-lo. Minha tentativa de mordida
falha e sou desviada por uma cabeçada dele. Caio de lado, mas logo
me levanto.
Ele não tenta me morder em nenhum momento. Só me dá
patadas, cabeçadas, joga seu corpo grande sobre o meu... Assim,
ele leva a luta e frustra todas as minhas tentativas de mordida em
seu pescoço, até que o cansaço me acerte.
Ele joga seu corpo pesado no meu e me derruba. Caio de patas
para cima e ele não perde tempo, coloca suas patas uma de cada
lado do meu corpo e me encara, parece esperar por algo. Seus olhos
verdes intensos estão fixos nos meus e estou ofegante, muito
ofegante e cansada.
Acabou para mim, perdi. Ele abre a boca e vem sobre a minha
garganta, como se fosse me devorar, mas percebo que é só um ato
simbólico para que eu não possa contestar depois.
“Você agora é minha.”
Sinto seu hálito em meu pescoço, seus dentes em minha pele,
mas ele não aperta, não me fere, só enfatiza que eu perdi. Ele fecha
a mandíbula por alguns segundos e se afasta, seus olhos voltam a
se fixar no meu e ele repete.
“Você é minha, Nerya Kall Braam.”
Ao recitar as palavras de posse junto com meu nome, ele deu
um passo sem volta. Mas eu não disse meu nome, ele sabia o tempo
todo.
“Eu sou sua, Kael Kall Fury”
Selo o nosso destino, mas embora tenha aceitado a sua posse,
isso não significa que será fácil para ele.

***
Malagar
— Você sabe que criticou tanto o rei lobo e agora não está
sendo melhor que ele, não é? — fala Lanny, mãe de Elowen, que se
tornou minha aliada após ter tomado os dois reinos.
Estamos na sala privativa do castelo, tomando chá e comendo
biscoitos de ervas, feitos pela mulher à minha frente. Teoricamente
eles têm propriedades que auxiliam no retardo do envelhecimento.
Eu não sei o quanto meu corpo resistirá, a magia que usei é algo
sem precedentes e não tenho com quem comparar. Mas o fato é
que, com o passar de vinte anos, notei um pequeno sinal de
envelhecimento.
Cheguei a pensar que tivesse me tornado imortal, mas ao que
parece só obtive a dádiva de uma vida mais longa.
— Não acho que seja tão miserável quanto Tharion e o pai dele.
— Levo uma xícara de chá à boca.
— Não, você é pior. — Olho-a, analisando a mulher de cima a
baixo.
— Está do meu lado ou não? — questiono-a.
A mulher se levanta da cadeira em que estava sentada e
caminha até as janelas, contemplando algo pelos jardins.
— Julguei a minha filha por estar do lado de um homem que
escravizava pessoas, agora estou do seu lado que faz as mesmas
coisas, e ainda piores — contesta e eu não sei o que está
acontecendo com esta mulher.
— E só está considerando isso agora? — Aproximo-me da
mulher; — Depois de vinte anos?
Ela suspira e volta seus olhos escuros cercados de marcas da
idade, na minha direção. Lanny tem sido minha principal aliada
durante todo esse tempo, me auxiliando em tudo que pode.
— Não. Achei que estava com tanta raiva no começo que estava
fazendo todas aquelas coisas por isso. Achei que só estivesse
descontando nos humanos, embora eu esperasse que você fosse
descontar nos lobos, escravizando-os.
— Não os escravizei porque seria muito mais difícil contê-los.
Uma vida sem luxo, no meio da floresta, como animais, eles podem
se acostumar, como se acostumaram. Mas uma vida de escravidão,
não. Logo eles arrumariam um modo de se libertar, como fizemos.
Ela me analisa, sei que não é o suficiente para tranquilizá-la.
Essa não é a primeira vez que a mulher declara seu sentimento de
culpa e sua divergência de opinião.
— Você mata crianças... Aquele rei não fazia isso — acusa-me e
eu suspiro, já perdendo a paciência.
— De novo com isso? — Meu tom é grave, toda a paciência se
desfaz. — Eu devo ser prático! Crianças só dão despesas. Comem,
choram, sujam e tiram seus pais do trabalho.
— Mas isso é ainda mais cruel do que...
— Se você falar isso mais uma vez, Lanny... — Aponto o dedo
em sua face, interrompendo-a. — A coloco para fora e você que vá
procurar onde sua filha se enfiou.
A mulher abaixa a sua cabeça e me afasto.
— Retire a mesa, perdi a fome — ordeno e ela vai até a mesa
em silêncio e retira o que sobrou do nosso chá.
Observo-a empurrar o carrinho para fora ainda calada. Eu
preciso pensar bem no que fazer com essa mulher. Ela pode ser uma
aliada poderosa, assim como pode ser uma inimiga perigosa. Seu
descontentamento é palpável, e mandar se calar não significa que
ela vai parar de pensar a respeito.
Sem contar que o castelo está cheio de humanos que ela pode
ajudar. Preciso pensar em algo, mas agora tenho uma carga de
escravos que está chegando e em breve terei que ir para a terra dos
humanos, analisar como está o desenvolvimento do meu povo no
mundo deles. Infelizmente, em um momento inicial, o meu povo tem
que conviver com eles para aprender o que eles sabem. Se os
dizimarmos agora, não adiantará ter o produto, se não soubermos
como consegui-lo. E na esperança de continuar suas vidas medíocres
sem serem escravizados, muitos estão sendo gentis e compartilham
seu conhecimento de forma tranquila.
Fecho meus olhos e visualizo o local para onde quero ir, e me
transporto até lá. Chego ao lugar desejado e os humanos já estão
deixando o navio, conduzidos por bruxos por meio de coleiras de
magia. Suas mãos atadas e os pés com uma corda que limita o
tamanho do passo que podem dar.
Desta vez, pedi um carregamento de homens jovens, fortes e
saudáveis para trabalhar nas minas, na construção da nova vila de
bruxos e o que mais exigir, os braços de homens fortes. Como não
permito crianças, de tempo em tempo preciso renovar a mão de
obra. Às vezes penso que Lanny pode ter razão, seria mais cômodo
que crianças pudessem substituir seus pais no futuro, pouparia
muito esforço.
As coisas estão indo bem, tudo conforme sempre desejei, mas
ainda há aquilo que tira meu sono. Me sentar no trono do antigo rei
alfa não foi o suficiente, eu sinto que preciso de mais, preciso de
algo dele, algo que seja importante para ele.
Vejo os humanos passando por mim, um por um, sem
esperança. O que deixaria Tharion sem esperança? O que o faria se
equiparar a esses homens humanos? O que eu posso tirar dele que
o deixará neste estado? Uma ideia vaga passa por minha cabeça,
preciso amadurecer a ideia, mas ela me parece promissora.
Capítulo 3- Para o lar
Kael
O orgulho preencheu meu corpo quando ela me aceitou, mas
eu vi um brilho de desafio em seus olhos. Eu a escolhi, e farei o que
for preciso para conquistá-la.
Decidimos que voltaríamos à nossa forma humana, eu retorno
para onde deixei minhas roupas e então a vejo nua, sentada sobre a
rocha. Me aproximo dela, terminando de encaixar as minhas armas
em mim.
— Por que está nua? — questiono, mas no mesmo momento já
sei a sua resposta. Elas não resistiram a transformação.
— Acredito que saiba que as roupas simplesmente... puff... —
Ela faz um gesto com as mãos para reafirmar o que diz. —
Desaparecem, se destroem completamente quando a gente se
transforma, não é?
Me controlar em não olhar os seus seios molhados, sua pele
nua, e me concentrar em seus olhos é uma tortura.
— Por que não as retirou antes? — Ela ri com vontade da minha
pergunta e eu me sinto um imbecil. Acho que sua beleza misturada
a sua nudez está me deixando meio lerdo.
— Eu fugi, Kael, acha que eu poderia simplesmente guardar a
roupa e sair correndo pela floresta com uma bolsa amarrada ao
corpo sem que ninguém percebesse?
Suspiro fundo e retiro a camisa de linho que estava vestindo e
dou a ela.
— Coloque isto.
Ela me analisa.
— Você também tem essa palhaçada com a nudez? Minha mãe
nem gosta de se transformar por causa disso. Meu pai diz que é
natural, que somos animais...
— Só veste, por favor, eu sei o que estou pedindo.
Seus olhos ainda ponderam o meu pedido, mas pega a camisa e
a veste. A garota é pequena e minha camisa se torna um vestido
para ela, mas boa parte de suas pernas ficam de fora.
— Vou querer saber o porquê precisei vestir uma camisa.
— Já será complicado usando a minha camisa, acredite.
Ela ergue uma sobrancelha, mas me segue.
Caminhamos em silêncio por todo o caminho e então avisto a
primeira casa da minha aldeia. Adentramos o território e olhares
curiosos começaram a observar a minha acompanhante. Ela parece
não se importar e continua caminhando ao meu lado com o nariz
empinado.
Fico pensando em como será quando chegar em casa. O que
meu pai vai dizer do meu sumiço e da minha chegada com uma
garota que é de outro clã e um não muito amistoso.
Avisto a minha casa e minha mãe vem correndo na minha
direção, seus olhos brilhando de preocupação.
— Kael, pelos céus... — Seus dedos tocam a minha face, meu
corpo, a procura de alguma ferida. Como não encontra nada, ela se
afasta aparentemente mais aliviada. — Eu estava preocupada. Seus
irmãos chegaram e disseram que não sabiam de você...
Seus olhos suplicantes me encaram e eu abro a boca para
responder, quando meu pai fala ao se aproximar como um fantasma,
quase imperceptível.
— Fêmea... — Meu pai resmunga e Nerya me olha, mas não
desvio meu olhar para ela, o mantenho firme em meu pai. — Está
fedendo a fêmea barata de bordel — a sua voz e sua face
demonstram o seu descontentamento, mas o que ele quer que eu
faça?
Os olhos dele vão para Nerya, finalmente se dando conta da
presença da garota. Seus olhos percorrem o corpo seminu dela. Ele
cheira o ar ao redor da minha escolhida e não se dirige a ela, e sim
a mim.
— O que a filha do meu irmão está fazendo aqui? — quando eu
demoro a responder, a resposta demorando para se formar em
minha mente, ele se volta para ela com seu olhar inquisidor e altivo,
o alfa da nossa matilha e não meu pai está falando agora. — Foi
Liam que te mandou aqui, garota? O que ele quer?
Ela cruza os braços sobre seu peito e ergue o queixo, talvez ela
não conheça meu pai e não saiba da fama que ele carrega, mas
admiro a sua coragem.
— Ninguém me mandou aqui. Eu fugi da minha aldeia, meus
pais queriam me casar com um homem do nosso clã e eu não quero
um casamento arranjado, por isso fugi — diz determinada. — E
encontrei seu filho no riacho. — Completa.
Meu pai suga o ar, concentrado na garota, e sei que ele está
usando o seu dom para saber se o que está falando é verdade. Ele
parece satisfeito, mas então ele ergue uma sobrancelha e vira sua
face severa para mim novamente.
— Por que o seu cheiro está nela?
Estufo o peito, não vou ter essa conversa aqui do lado de fora.
— Eu não vou falar sobre isso aqui — Forço a passagem, meu
pai cede o espaço e passo por ele, indo para dentro de casa.
Nerya me segue, e atrás de nós dois vêm meus pais.
Permaneço de pé no centro da sala de jantar e meu irmão, Killan, se
aproxima. Seus olhos escuros faiscando na direção de Nerya. Ela
desvia o olhar quando meu irmão passa a língua em seus lábios.
— Vai explicar agora, moleque? — meu pai pressiona e meu
irmão se afasta, fazendo uma expressão engraçada de quem sabe
que o irmão está ferrado e até gosta disso, para ficar rindo da cara
depois.
Começo a contar ao meu pai sobre como nos encontramos e
tudo o que aconteceu na floresta. Sua face se contorce conforme a
história se desenvolve e eu temo pelo que ele dirá ao final.
— Você escolheu a herdeira de outro clã? Está bem da cabeça?
— Meu pai ralha.
— Ela desertou — me justifico. — Se voltar, terá que se casar e
ela não quer se casar com o homem que seus pais escolheram. E ela
me aceitou.
Falo tudo rapidamente, temendo o que meu pai possa dizer. Ele
nos olha cautelosamente, analisa e sente o cheiro novamente. Não
sei o que procura agora.
— Vocês transaram? — pergunta diretamente e antes que eu
responda, Nerya se manifesta.
— Luna que me defenda de todo mal, é claro que não! — O
asco em sua voz é tão intenso que me pergunto por que ela aceitou
ser minha, então.
Uma risadinha corta o ar e olho para cima, então vejo meus
irmãos: os gêmeos e Selene, minha irmã mais nova. Todos apoiados
no corrimão da escada que leva ao andar superior da casa.
— Então por que aceitou ser minha, se não quer nada íntimo
comigo? — questiono, ficando irritado.
— Aceitei ser sua, não aceitei transar com você. Posso ser sua
amiga, sua aliada... — ela responde e rosno para o que ela diz.
Como ela pôde distorcer meu pedido de posse assim?
Minha mãe se aproxima com um sorriso no rosto e nos afasta.
Fico ainda mais irritado, vou virar motivo de piada nesta casa.
— Acalme-se, Kael — ouço a voz do meu pai.
— Selene, leve ... — minha mãe começa, mas faz uma pausa e
encara a garota que está testando todos os meus níveis de
paciência. — Qual é mesmo o seu nome, querida?
— Nerya — responde simplesmente e minha mãe completa sua
ordem.
— Selene, leve Nerya para o seu quarto e empreste uma roupa
para ela.
— É claro, mãe. — Minha irmã acata a ordem imediatamente,
descendo da escada e segurando na mão de Nerya para levá-la
consigo escada acima em meio a risadinhas que não entendo o
motivo.
Quando volto meu olhar na direção de meu pai, ele está sério
novamente.
— Por que esteve em um bordel? Como fez para ter moedas
para pagar?
Achei que toda confusão com Nerya pudesse me livrar desta
confusão, mas não me livrou.

***

Nerya
Quando vi o olhar do irmão de Kael para mim, descobri por que
ele não queria que eu fosse nua para a sua aldeia.
Me senti incomodada com todas aquelas perguntas, mas o que
eu estava esperando? Sou uma estranha, uma herdeira de um clã
rival, é claro que ficariam alarmados com a minha chegada. Mas
algo que gostei foi ver a confusão nos olhos lindos de Kael quando
eu disse que seria sua, mas não como ele estava achando.
Ele é bonito, gostoso e me ajudou, mas não vou facilitar as
coisas. Sinto uma atração forte quando estou perto dele, mas
acredito que é melhor manter esse limite estabelecido, pelo menos
por enquanto.
Subo as escadas sendo conduzida por uma adolescente com
cabelos escuros, longos e lisos, há um sorriso animado em seu rosto
e, ao chegar no seu quarto, é impossível não sorrir com ela.
— Você vai ficar aqui com a gente, não é? — pergunta ela,
muito animada e sorrindo. — Eu sou cercada de machos, é um saco.
— Ela desaba em sua cama. — Eles querem controlar o meu passo o
tempo todo. Agora eu tenho uma amiga!
— Deve ser muito chato mesmo — comento, sorrindo de volta.
— Eu tenho um irmão, mas ele é mais novo.
— Ele não ficava pegando no seu pé? — questiona com seus
grandes olhos azuis.
— Não, eu ficava pegando no dele — respondo com
sinceridade. Está aí uma parte da minha antiga vida que sentirei
falta.
— Ah, como queria inverter as coisas de vez em quando!
— Eu posso te ajudar a aprontar umas e outras com seus
irmãos, se você não for ser punida por isso, é claro.
Logo que tenho a ideia, me lembro dos castigos dados por
minha mãe por fazer algo errado, que iam desde dar banho em
todos os cavalos da casa até alguns golpes de cinto nas costas.
— Lavar toda a louça por uma semana ou lavar as calças
imundas deles pode valer a pena — ela fala e coloca a mão na boca,
abafando a risadinha e eu a acompanho. — Acho que temos que ver
uma roupa para você.
A garota animada à minha frente se levanta da cama para abrir
um baú e retirar de dentro algumas peças de roupas bem dobradas.
— Você prefere calça ou vestido?
— Calça — respondo e ela separa uma calça de linho e uma
camisa branca, junto com um pedaço de couro, e me entrega. —
Devem servir em você.
Pego as peças de suas mãos e agradeço. Aparentemente, ela
não se importa com minha nudez, pois volta a sua cama,
tagarelando sobre os irmãos enquanto me visto. Selene me ajudou a
amarrar as tiras do cinto largo de couro.
— Está linda. Depois podemos fazer roupas para você.
A energia da garota parece nunca ter fim. Ela sai de seu quarto
e eu a acompanho. Os dois irmãos continuam no mesmo lugar de
antes, ouvindo a conversa que rola no andar de baixo da casa. Eles
notam a minha presença e me encaram, seus olhares parecem
analisar minha alma. Tremo com a sensação. Eles são idênticos, a
diferença está em seus olhos, os de um deles são de um azul
profundo e os do outro são pretos.
— É uma pena que tenha aceitado nosso irmão — o de olhos
escuros provoca, de braços cruzados, com o corpo apoiado contra as
escadas.
O outro não diz nada, só me olha e sorri torto.
— Vocês são dois imbecis — Selene ralha com os irmãos e
segura em minha mão, me levando para o andar de baixo.
O silêncio paira no ar quando Tharion, o pai de Kael, me vê
descer as escadas junto com sua filha mais nova.
— Vai ajudar Elowen e Selene com os afazeres da casa se
quiser ficar aqui, e vai dormir no quarto da minha filha até que se
esclareça tudo — o homem dá as ordens e eu só tenho a opção de
aceitar.
Devo ser grata, pois não vou experimentar nem mesmo por um
dia a sensação de não ter um teto e uma cama para dormir.
— Obrigada, senhor Tharion.
Seu olhar para o filho é tenso. Não faço ideia da conversa que
tiveram. Me retiro, sendo guiada por Selene, para outro cômodo da
casa.
Ao que parece a vida por aqui é mais simples do que na aldeia
que minha mãe e meu pai estruturaram, mas pelo olhar de Selene,
seu sorriso fácil e aparente inocência, ela teve o amor e o carinho
que não tive.
Minha mãe me via como a futura alfa da matilha e era somente
isso que interessava a ela: o bem-estar de todo o clã, o poder da
família.
— Eu quero te contar um segredo — Selene diz e me tira de
meus pensamentos. — Só meus pais e meus irmãos sabem, é um
segredo. Mas você agora é da família, então eu posso te contar.
Vejo que estamos na cozinha da casa, diante de uma ampla
janela que dá para uma praça onde crianças brincam. Que segredo
ela teria para me contar?
— O quê? — Estou confusa. A mãe dela prepara algo no fogão
a lenha e não presta atenção em nosso interação. — Sua mãe não
vai se importar se me contar um segredo de família? E o seu pai?
Ela estala a língua e revira os olhos.
— O segredo é meu, já tenho que esconder de todos, não vou
esconder da minha nova amiga. Fica olhando.
Selene aponta o queixo para onde as crianças brincam e fixa
seu olhar. Em um segundo, as crianças estão correndo, ela estala os
dedos na minha frente, e imediatamente as crianças congelaram no
ar.
Dou dois passos para trás, assustada. Magia? Será possível?
Ela estala os dedos e as crianças voltam a correr como se nada
tivesse acontecido. Meus olhos se voltam para ela, arregalados.
— O que... — minha voz mal pode ser ouvida.

É
— É só um truque. — Ela dá de ombros como se não fosse
nada. Entendi por que seu pai quer manter em segredo o seu
poder.
Se alguém mal-intencionado colocar as mãos nessa garota, algo
muito ruim pode acontecer.
Capítulo 4- A lua me hipnotiza

Kael
Precisei explicar a meu pai que faço pequenos serviços para ter
moedas, ele não ficou nada feliz, reclamou um monte, mas o que eu
posso fazer?
Depois de uma boa bronca e das risadinhas dos meus irmãos
acima, os dois imbecis que se saíram bem dessa, ouço algo que faz
o meu estômago pesar.
— Kael, se vai mesmo insistir em ficar com a filha do meu
irmão, deve ir até a alcateia deles e pedir permissão para se casar
com Nerya.
Volto meu olhar desesperado para ele.
— O quê? Por quê?
Meu pai ergue a sobrancelha e cruza o braço sobre o seu peito
largo.
— Não passa pela sua cabeça que os pais dela estão à sua
procura? O que acha que vai acontecer se eles a encontrarem aqui?
Penso no que ele diz. Será que este simples ato traria
problemas que romperiam a tranquilidade de nosso clã?
— Eu não pensei sobre isso — revelo.
— É claro que não, mas precisa começar a pensar, você tem 20
anos, com 21 assumirá a liderança da aldeia. Ser alfa não é só um
título, é uma grande responsabilidade.
Suspiro fundo. Não me vejo como um líder alfa, mas isso é o
que carrego, esse fardo de responsabilidade por ser o primogênito e
aquele que carrega uma promessa da deusa da lua de que da minha
descendência virá aquele que libertará o nosso povo.
— Amanhã pela manhã eu...
— Não! — Meu pai me corta. — Você vai agora, e eu vou
contigo. Mais tarde teremos a caçada da Lua.
Diante da determinação de meu pai, não me resta outra opção.
Então concordo. Vou até a cozinha, para onde minha irmã havia
levado Nerya e vejo as duas rindo de frente para a janela da cozinha
e minha mãe distraída de frente ao fogão.
— Eu vou precisar sair — falo, tirando todas de seu mundinho
particular.
Nerya é a primeira a dizer algo.
— Vai sozinho?
— Vou com meu pai. Ele acha que devemos falar com seus pais
para evitar um problema maior entre os clãs.
A garota parece desanimada com a minha declaração.
— Eles vão vir me buscar — bufa desanimada. — Não vão
permitir que eu fique aqui.
— Mas eu não irei permitir que seja levada à força — declaro e
me aproximo dela, seguro suas mãos nas minhas.
Desde que a vi no riacho, ela sempre pareceu uma fortaleza,
mas por um segundo vejo sua fragilidade com relação ao desejo de
sua família. Eles vão tentar obrigá-la a se casar.
— Não é assim tão fácil, Kael.
— Podemos escondê-la em algum lugar na floresta! — Selene
tem a sua brilhante ideia.
— Ela não pode viver escondida para sempre, irmãzinha. Vamos
torcer para que nosso pai consiga persuadir os pais dela.
— E se eles não aceitarem o pedido do nosso pai? — Selene
questiona com um olhar triste.
— Então teremos uma guerra — afirmo com convicção. — Ela
me aceitou, e ninguém a levará à força, nem mesmo os seus pais.
Ela puxa as suas mãos das minhas e se afasta.
— Não quero ser motivo de guerras. Fugi para ter paz, não para
ser responsável por um banho de sangue.
— Não haverá um banho de sangue! — ouço a voz do meu pai
e me viro para vê-lo parado à porta. Minha mãe está ao seu lado
com uma das mãos em seu peito, ela deve ter ido chamá-lo.
— Ela não será levada se não quiser ir com eles — afirmo com
convicção para o meu pai.
— Confie em seu pai, Kael, ele sabe o que faz. — Minha mãe
tenta apaziguar os ânimos.
Me volto para minha escolhida, dou um beijo em sua testa e me
afasto um pouco.
— Vou fazer o possível para que tudo dê certo, sem guerras.
Ela assente, mas vejo incredulidade em seu olhar.
***
— O que está dizendo? — A alfa, a nossa frente, esbraveja.
Em nossa forma de lobo, conseguimos chegar à aldeia dos pais
de Nerya em menos de uma hora. Meu pai e eu carregamos em
nossas costas uma capa de couro, amarrada em nós por minha mãe.
Já que sabemos que a alfa se incomoda com a nudez, então
devemos respeitá-la em sua aldeia.
Agora estamos diante dela, usando somente uma capa,
observando seu rosto se contorcer em fúria depois do relato de meu
pai.
— Seu filho roubou a minha filha! — declara Vik com um ódio
mortal brilhando em seus olhos.
— Eu não roubei ninguém! — Tomo a frente da discussão,
afinal, eu a encontrei e não meu pai. — Ela fugiu e eu a encontrei
por acaso se banhando no riacho.
— Ela não fugiu, só saiu para dar uma volta. Você não passeia
pelo território dos bruxos, Kael? — Sua pergunta é maliciosa. Como
ela sabe? E o que isso a interessa?
— Não foi isso o que ela disse — rebato. — Nerya me contou
que vocês queriam casá-la com alguém do clã de vocês e ela não
quer um casamento arranjado.
Vejo meu tio colocar o indicador e o polegar em seus olhos e
apertar, todo sinal que o fato é verídico.
— E você acha que ela vai se casar com você, só porque a
abrigou? — A alfa provoca com deboche. — Nerya sempre foi
impulsiva, quando ela se cansar de você, vai voltar para casa.
— Não! Ela me aceitou. Duelamos, eu venci o duelo e fiz o
pedido. Nerya aceitou ser a minha escolhida, e disse a frase
completa do ritual — rebato com a minha carta na manga.
Meu pai segura meu punho cerrado. Volto meu olhar para ele e
há um aviso ali, só não sei de quê.
— O quê? Impossível! Está mentindo!
— O cheiro deles está entrelaçado, sinta você mesma. — Meu
pai intervém.
Os lábios dela tremem quando se aproximam alguns passos de
onde estava sentada em sua cadeira de espaldar alto. Ela deve ter
sentido o cheiro e confirmado que é verdade.
— Eles não consumaram — ouço a voz do meu tio como um
lembrete de que ainda tudo pode ser desfeito.
Vik olha para o marido e um leve sorriso brota em sua face.
— Ela não vai voltar para cá se essa não for a vontade dela! —
declaro firmemente.
— Vamos ver se ela não volta — a voz fria e inabalável da alfa
me fez estremecer. O que ela vai aprontar? — Estão dispensados.
Meu pai rosna com a ordem.
— Iremos embora agora mesmo — declara ele.
Como provocação, meu pai retira a capa e eu acompanho seu
movimento. É uma provocação final, para mostrar quem é que
manda. Sorrio com a cara de espanto da alfa.
Depois de alguns segundos nus em sua frente, nos
transformamos e voltamos para a nossa aldeia.
***
Nerya
Passar o dia com Selene e Elowen não foi ruim, pelo contrário,
foi bem divertido, mas não podia afastar por muito tempo o
pensamento dele. As perguntas invadiam a minha cabeça sem
permissão, será que ele conseguiu convencer a minha mãe? A quem
quero iludir, é claro que não. Minha mãe jamais permitiria, mesmo
usando o fato de que ele me escolheu e eu o aceitei, principalmente
pelo fato de que não consumamos o ritual.
Várias vezes mergulhava nesses pensamentos enquanto Selene
contava animadamente suas histórias. O tempo passou e finalmente
Kael e Tharion chegaram. Ouvi a porta da casa se abrir e vozes no
andar de baixo.
Selene e eu estávamos em seu quarto costurando uma blusa
nova para mim, com um tecido que havia sobrado de suas próprias
roupas. Agradeci à generosidade antes de começarmos a tarefa e
fiquei imersa na atividade e em meus pensamentos até que ouvi a
porta da frente bater.
— Eles chegaram — falo, me colocando de pé e Selene
acompanha meu movimento.
— Vamos lá, vamos ver se eles conseguiram convencer os seus
pais.
Selene abre a porta de seu quarto e dispara por ela empolgada.
Sigo-a escada abaixo e ela se joga no irmão que está acabando de
vestir uma capa sobre o corpo nu. O pai segue o mesmo movimento.
— E aí, como foi lá? — Selene pergunta empolgada, mas pela
face dos dois eu posso dizer que não foi nada bem.
— Infelizmente, irmãzinha, as coisas não saíram como o
planejado — ele responde à irmã, mas seus olhos estão fixos nos
meus.
— Eu disse que ela não ia aceitar, agora ela virá me buscar.
— E eu não permitirei que vá contra a sua vontade. — Ele vem
na minha direção com urgência e segura em minhas mãos, me
passando força.
— Ela vai dar um jeito, Kael, eu sei.
A aflição dentro de mim é tamanha, e de alguma forma permiti
que refletisse em minha voz e vi nos olhos dele a determinação de
me proteger.
— Eu te prometo, Nerya, ela não vai levar você. A menos que
você queira.
— Se consumarem o ritual, acaba a palhaçada — a voz do alfa
corta o ar e meu estômago pesa.
Não quero que minha primeira vez aconteça assim, permitindo
algo mais por coação do que por desejo. Eu acho Kael lindo e
gostoso, mas ainda não me sinto pronta.
— Ela não vai fazer nada contra a sua vontade. — Vejo Kael se
voltar contra o pai, um brilho de determinação em seu olhar.
— Não estou dizendo para estuprar a garota, ela o deseja, caso
contrário não teria aceitado o seu pedido.
— Mas não é assim que quero que aconteça a nossa primeira
vez.
Tharion bufa e revira os olhos, provavelmente achando que
tanto faz, contanto que seja consentido. Mas eu não digo nada, pois
não me sinto pronta.
— Talvez seja melhor eu voltar — sussurro em uma voz
minguada, mas que chama a atenção de Kael.
— É isso que quer? Quer voltar e se casar com o cara que seus
pais escolheram para você? — ele pergunta esbravejando, está
notoriamente irritado.
— Não, eu não quero. — Acabo cedendo. — Mas também não
quero causar conflito.
— Então está decidido, você vai ficar no quarto da Selene até
que vocês dois se entendam — decreta o alfa e então ele volta seu
olhar para o filho. — Prepare tudo para a nossa caçada, saímos em
algumas horas.
Com a ordem dada ao filho, Tharion sai da casa e então volto
meu olhar para Kael.
— Vai sair novamente? — questiono, pois tenho medo de ficar
sozinha.
— Não se preocupe. — Ele estende a sua mão e toca a minha
face. — Não vai te acontecer nada, eu prometo. A caçada é uma
tradição para honrar o passado, antes de amanhecer estaremos de
volta.
— Todos vocês irão nessa caçada? Eu não posso ir junto? —
peço com meus olhos suplicantes, fico pensando no que minha mãe
fez comigo. Sempre fui decidida e desafiadora, agora estou
parecendo um gatinho assustado.
— Todos, não — Kael explica com seus dedos brincando
distraidamente com meus cachos curtos. — É uma tradição antiga,
então somente os machos vão à caçada. Minha mãe e minha irmã
ficarão com você e alguns soldados serão designados para ficar de
guarda na aldeia.
Suspiro, pois o machismo está impregnado nestas aldeias.
Somente minha mãe conseguiu quebrar essas traições antiquadas,
mas a troco de quê? De se tornar uma mãe que pensa mais em seu
povo do que em sua filha?
Balanço a cabeça em concordância.
— Tudo bem.
Ele se aproxima e acho que vai me beijar, mas ele toca seus
lábios delicadamente em minha testa.
— Eu preciso ir, quando estiver saindo para a caçada, venho te
avisar e quero que fique no quarto com Selene, não saia de lá até
nós chegarmos.
Concordo novamente e ele se vai. Viro-me e Elowen está atrás
de mim com um sorriso tranquilizador.
— Vai ficar tudo bem, querida. Venha!
A acompanho e me distraio em uma conversa animada
enquanto costuramos no quarto de Selene, aproveitando os últimos
raios de sol. A escuridão começa a preencher a casa, as lamparinas
são acesas e Kael vem me avisar que está de saída.
A noite avança e a casa está silenciosa depois que a conversa
acaba e o sono derrota Selene, que se acomoda em sua cama e
adormece; Elowen parte para o seu quarto e eu me deito na minha
cama improvisada, mas o sono não chega.
Pela janela, vejo a lua alta no céu. Sua luz me chama e eu me
levanto e me aproximo da janela. Ela está redonda e brilhante, linda
e hipnotizante. Sem sentir, me sento na beirada da janela para ter a
sensação de que estou mais próximo dela.
Desde criança eu sentia o chamado da lua em meu sangue, e
quando ela estava assim, tão grande e brilhante, eu saía correndo
até onde ela me levasse. Quando veio minha primeira
transformação, fui além dos limites da aldeia e me perdi. Era noite,
nunca tinha saído sozinha, mas só conseguia ouvir e sentir o
chamado da lua que me levava além dos limites da aldeia, além da
floresta. Meu pai me encontrou no dia seguinte e levei uma surra
por causa disso.
Agora, as palavras de Kael tentam voltar na minha mente. O
que foi que ele disse mesmo? Não consigo me lembrar de suas
palavras, só consigo sentir o chamado da lua. Ela me chama, me
seduz, me hipnotiza e eu pulo a janela, ganhando a noite.
Capítulo 5 - Feitiço

Nerya
O erro me atinge assim que ouço passos à minha volta. Viro-me
bruscamente, mas não há nada em meio a floresta escura. Os
homens saíram para a caçada, talvez eles não estejam tão distantes
e eu os ouça com minha audição aguçada.
Afasto a preocupação tola e continuo a correr e a ouvir o
chamado da lua em meu sangue. Acabo no mesmo lugar onde me
encontrei com Kael pela manhã. A luz pálida do luar que se infiltra
pelas folhas da floresta densa atinge a água do riacho que corre
tranquilamente.
O som calmo das águas aquieta o meu sangue e finalmente
relaxo. Deito-me sobre a pedra e fecho os olhos, concentrando-me
nos sons da floresta noturna: as corujas, o vento, as folhas, as
águas... Tudo ao meu redor me torna parte desta natureza
complexa. Como meu pai sempre disse a mim, somos animais. Me
sinto assim agora, como um animal, parte da floresta.
Me lembro vagamente do que Kael havia me dito quando saiu
para a caçada. Quando o chamado lunar me hipnotizou, não me
lembrei de nada, só pensei que deveria seguir aquele chamado, mas
agora a consciência de que algo pode acontecer e que me coloquei
em risco me acerta em cheio.
Sento-me na pedra e considero voltar logo. Talvez, se eu me
transformar, possa chegar à casa de Kael tão rápido que nada de
mal ocorrerá pelo caminho. Com esse pensamento, considero que a
roupa recém-costurada, será completamente destruída, então
preciso retirar antes de me transformar e enrolar bem apertado para
que eu possa correr com o rolo de tecido entre os dentes. Mas no
momento em que me coloco de pé, ouço uma voz que faz todos os
pelos do meu corpo se arrepiarem:
— Onde pensa que vai?
Me viro para encontrar um homem que já vi milhares de vezes
na minha antiga aldeia, na casa de meus pais, nunca fui com a cara
dele. Os cabelos grandes até o ombro, a barba grande, os olhos
escuros e os traços duros nunca me cativaram, na verdade, ele
sempre me deu medo.
— O que está fazendo aqui? — pergunto e ele lança um sorriso
terrível na minha direção.
— Vim buscar o que é meu — suas palavras cortam as minhas
entranhas. Não pode ser. Meus pais não fizeram isso comigo.
Ele salta da pedra em que estava, as botas de couro fazendo a
água do riacho espirrar por todo lado. Ele está a pouco mais de um
metro de mim, e deve estar se divertindo com minha cara de pânico.
— O que... O que quer dizer com isso, Max?
Em seu peito há somente uma tira de couro que ata a sua
espada às costas, ele usa uma calça de couro marrom meio
craquelada de tão antiga.
— Ora, minha lobinha, sei que você é mais inteligente do que
isso.
Ele dá mais um passo à frente e toca a minha face. Meu
estômago embrulha e o nojo faz meu corpo se arrepiar. Maximus é
um lobo viúvo, uns vinte anos mais velho do que eu, e há rumores
de que sua esposa não morreu de causas naturais, mas por um
acesso de fúria do homem.
Meus pais não fariam isso.
— Pare de tentar me confundir. — Procuro manter a voz firme.
— Meus pais jamais fariam isso. Por que eles arranjariam logo você
para ser o marido da filha herdeira deles?
Mantenho meu nariz em pé, como uma forma de mostrar uma
determinação que não tenho.
— Porque eu sou o único que pode ajudá-los em uma coisa,
meu bem. Sou o melhor caçador, atirador de flechas e treinador de
soldados que a aldeia já teve e eu tenho potencial para ser um alfa.
Era a sua mão e a posição de alfa quando a posse acontecesse ou
eu me tornaria um rival que a sua mãe não quer ter.
Encaro-o confusa. Ele iria trair os meus pais e eles me deram
para ser a sua esposa para mantê-lo controlado e dentro da aldeia?
Para evitar o surgimento de mais um clã rival, um possível clã rival
poderoso como o de Tharion?
Percebo que para os meus pais sempre fui uma moeda de
troca. A raiva começa a crescer dentro de mim.
— Você não pode encostar um dedo em mim! — falo confiante.
— Aceitei outro macho, e agora sou dele.
O sorriso que se espalha pelo rosto dele agora é cruel. E mais
uma vez sinto medo. Minha chance é me transformar e correr, mas
ele deve ser mais rápido do que eu e pode me alcançar
rapidamente. Não sei o que fazer. Fico congelada por um instante.
— Você não consumou, lobinha, ainda pode ser desfeito.
Ele dá mais um passo na minha direção e eu recuo dois passos,
preciso correr, não tenho escolha.
— Mas não quero desfazer, então não será desfeito.
Corra. Algo viceral grita dentro de mim e me viro para correr.
Corro e ele não vem atrás de mim, minha confusão dura pouco
tempo, pois logo descubro o motivo pelo qual ele não me perseguiu:
minha mãe está bem na minha frente.
— Não adianta correr, filha. É melhor aceitar o seu destino!
Arregalo meus olhos e meu coração salta no peito. Minha mãe
não pode estar contra mim e ao lado deste homem desprezível.
Decido me transformar e correr, mas os olhos da alfa brilham
em vermelho e eu tremo. Ela seria capaz?
— Nerya Kall Braam, você não se transformará até eu mandar
— como a meia-bruxa que é, ela recita o feitiço e caio de joelhos.
Minha mãe acabou de tirar de mim minha única chance.
***
Kael
Saímos para a caçada, mas meu coração está na aldeia, onde
Nerya está. Meu pai sempre declarou a importância desta tradição, e
eu até concordo, mas neste momento só consigo pensar na
segurança da minha escolhida.
A caçada não é segredo para ninguém e, com a chegada da lua
mais potente do ano, aquela que fala intensamente com nossos
instintos de lobo, a alfa pode se aproveitar deste evento.
Dois lobos negros me cercam, um de olhos negros e outro de
olhos azuis, os gêmeos. Estou para trás, quando deveria estar ao
lado do meu pai.
“O pai vai arrancar a sua cabeça” fala Killan em meus
pensamentos, enquanto corre ao meu lado.
“Se eu fosse você, o alcançava, antes que o chame” É a vez de
Hiran se manifestar.
Eu sei que meus irmãos estão certos e preciso estar ao lado do
meu pai. Mas a minha mente não está nesta caçada. Corro por entre
os outros lobos até alcançar meu pai, que está liderando a alcateia.
Ao lado do alfa deveria estar o seu beta, mas depois da morte
de Huan ele jamais nomeou outro. O lobo morreu defendendo minha
mãe quando eu era um bebê e, em honra ao seu sacrifício, Tharion
jamais colocou outro em seu lugar. Porém, nesta noite e em tudo o
que ele achar importante, eu devo estar ao seu lado. Para ganhar
respeito, ele diz. Como lembrete que sou o seu sucessor, o futuro
alfa. Aos 21 anos, toda responsabilidade de liderar a nossa aldeia
passará para mim e eu devo estar preparado para tamanha
responsabilidade e o povo deve me enxergar como o sucessor do
alfa e não somente como o seu filho.
“Onde esteve?” Meu pai pergunta quando o alcanço,
finalmente, entre o tanto de lobos que nos cercam.
“Estava vigiando a retaguarda” minto. Os olhos verdes, como os
meus, fixam-se em mim por um segundo.
“Não precisa mentir para mim, Kael. Eu sei que sua cabeça está
na garota, mas você deve focar no agora. Na caçada.”
“Não sei se ela está bem. Não sei se foi uma boa ideia tê-la
deixado sozinha” revelo ao meu pai, o que me atormenta.
“Ela não está sozinha, está com sua mãe e sua irmã, e você
sabe que as duas podem se defender e defender a sua escolhida.”
O poder de minha irmã é segredo, mas já a vi brincando com
suas habilidades muitas vezes, porém, minha mãe, eu só ouvi falar
do que ela pode fazer, nunca a vi em ação.
“Mesmo assim, algo está me incomodando”
“Concentre-se na caçada, Kael. É um evento anual e não pode
demonstrar fraqueza, a próxima caçada já estará sob o seu
comando. Os lobos precisam confiar em você, reconhecer que é
forte o suficiente para liderá-los”
Mais uma vez, o fardo de ser o futuro alfa está sobre mim. Caio
em silêncio e procuro me manter ao lado do meu pai o tempo todo.
A lua ilumina a floresta com sua luz lânguida, suave, contrastando
com a violência com a qual invadimos a calmaria da floresta. Galhos
se quebram, animais correm para se esconder e o nosso uivo corta o
céu noturno.
Avistamos uma área densa na vegetação, com muitos galhos
retorcidos, e o cheiro de javali atinge as nossas narinas. Estamos em
uma área úmida, local onde esses animais gostam de se abrigar
devido à presença farta de comida, água e a proteção da lama
contra os insetos. Estamos no caminho certo.
Cheiro o ar e sinto que estão próximos. O silêncio é implacável,
nenhum músculo de nossa presa se move para denunciar a sua
posição, mas em algum momento o encontraremos com precisão.
Os outros lobos se espalham, meus irmãos se aproximam e
ficamos somente os quatro lobos nas proximidades do emaranhado
de vegetação onde nossas presas estão. Todos os outros só
aguardam o nosso sinal.
Nos tornamos mais silenciosos que a noite, e com o passar dos
minutos, o primeiro farfalhar entre a vegetação é ouvido,
denunciando a localização exata. Com o nosso avanço, os outros
lobos se aproximam e nos cercam, prontos para impedir a fuga dos
animais.
O primeiro javali deixa o seu esconderijo quando o local é
atacado, meu pai avança impiedosamente e crava seus dentes na
jugular da presa. Outros dois fogem, criando um alvoroço entre os
outros lobos que lutam para que eles não consigam escapar, mas
ouço o som de mais um entre a vegetação.
Farejo e sinto a sua presença, quando avanço, um grito corta o
ar e atinge todas as minhas terminações nervosas, me deixando fixo
no lugar como uma estátua. Meu sangue gela. A voz parece um
pedido de socorro, reconheço rapidamente que é de Nerya. Mas ela
está em casa, como estaria na floresta? Será que minha
preocupação está fazendo com que eu escute coisas?
Com a minha distração, o javali, duas vezes maior que aquele
que meu pai havia acabado de abater, passou por mim em
disparada. A presa do animal rasga a pele do meu peito e meu irmão
tenta pegá-lo, mas ele acerta uma cabeçada em Hiran, e sua presa
perfura o peito do meu irmão.
Killan avança sobre o animal com tamanha raiva que quebra o
seu pescoço com uma única mordida.
Dois lobos se aproximam, cada um com um javali abatido, e os
colocam na nossa frente. Quatro animais mortos ao todo.
Meu pai se aproxima, os olhos faiscando de raiva.
“O que aconteceu, Kael? A sua falha causou um ferimento grave
no seu irmão!”
A culpa pesa sobre mim com o ataque vindo do meu pai. Eu
falhei e ainda coloquei a vida de Hiran em risco.
“Estou bem” geme meu irmão em resposta. Sei que está
mentindo, e com muita dor. A expressão na face de Killan não é
nada agradável, ele deve estar compartilhando da dor do irmão. Os
dois são ligados assim desde crianças.
“Eu ouvi...”
Antes que eu pudesse concluir a minha explicação, outro grito
corta o ar, desta vez mais alto e mais forte. Tenho certeza que todos
ouvem.
É ela, é Nerya e ela está em perigo.
Capítulo 6- A única chance

Nerya
Estava paralisada, olhando os olhos de minha mãe. Ainda não
consigo acreditar que ela me vendeu para um ser desprezível como
o Max. E meu pai? Ele ainda não apareceu. Será que ele sabe que
serei levada à força? Será que ele sabe quem é o homem para o
qual estou prometida?
Os questionamentos rondam a minha mente, mas não tenho
muito o que fazer. Preciso me concentrar e pensar em algo, pois se
eu for levada, será meu fim.
Onde será que o clã de Tharion está caçando? Se eu ao menos
soubesse para que lado eles foram, onde eles estão caçando.... Se
eu pudesse alcançar um lugar mais alto e avistá-los...
O sorriso da minha mãe amplia e isso não é um bom sinal,
preciso pensar rápido. Do meu lado direito está o riacho, do meu
lado esquerdo a floresta aberta, pronta para me receber em minha
fuga, mas eles me alcançam em meio minuto ou menos. Na minha
frente há a minha mãe. Só me resta olhar para trás de mim. Quando
olho por cima do ombro, vejo Max se aproximar com seus passos
imponentes e vigorosos. Estou cercada. O que fazer? Tem que haver
uma saída.
Me lanço nas águas do riacho. A água está no meu joelho, mas
sei que à medida que eu avançar ele vai se tornar mais fundo, mas
não tenho outra opção, esse é meu melhor caminho.
— Sua imbecil, só vai se ferir! — A alfa grita, mas não entra na
água, porém ouço o som de um impacto e não preciso olhar para
ver quem é.
Tropeço e caio. O riacho está se tornando mais fundo e sou
carregada pela correnteza alguns poucos metros. Meu corpo se bate
em algumas pedras, sinto as dores atravessarem o meu corpo, mas
não me importo. Até mesmo se morrer afogada aqui, eu prefiro este
fim a ser esposa deste homem.
Quando firmo meus pés no chão novamente, não alcanço a
superfície para respirar. O desespero me toma, pois estou quase sem
fôlego, porém, consigo me concentrar e dou um impulso, alcançando
a superfície para respirar um pouco. Abro a boca em busca do
máximo de ar que puder, mas em seguida sou engolfada pelas
águas turbulentas do riacho que começa a se tornar mais largo e
mais fundo.
Em um golpe de sorte, consigo me segurar em um galho de
árvore no canto do riacho, mas meus dedos estão dormentes e
tenho dificuldade para me agarrar a ele. Começo a tossir e colocar
para fora um pouco da água que engoli. Respiro fundo, recuperando
o fôlego, mas vejo Max sair da água que bate em seu peito.
Ele ostenta um sorriso cruel. Quando esse homem colocar as
mãos em mim, vou pagar por todos os pecados que cometi e os que
ainda não tive tempo para tal.
Ouço um uivo que me paralisa, não só a mim, mas a Max
também. Ele ouviu e sabe que o clã Fury está por perto. É a minha
chance, preciso achá-los, preciso chamar a atenção de Kael.
— Socooooorro!!!! — grito com toda a minha força.
Me lanço nas águas do riacho, que se tornaram mais caudalosas
com o volume de água e a inclinação, e sou levada pela correnteza.
Com dificuldade, consigo subir a superfície e pegar um pouco de ar
antes de me afundar novamente, mas algo me retira da água.
Engasgo e respiro, mas o alívio dura pouco. Quem me tirou da
água foi o homem desprezível e não Kael.
Me levanto meio trôpega e tento fugir, mas é em vão. Os dedos
do homem envolvem meu cabelo curto e sou puxada com tanta
violência que sinto o solavanco em meu pescoço.
— Kael, socorro! — grito mais uma vez, na esperança que ele
ou qualquer outro de sua alcateia me ouça.
— Não adianta gritar, Lobinha, ninguém virá para te salvar —
sua voz derrama maldade em meu ouvido.
O braço forte e musculoso dele envolve o meu pescoço, me
impedindo de gritar mais, sufocando-me. Seguro com firmeza em
seu braço, tentando afasta-lo de meu pescoço, mas é impossível. O
braço dele é como aço e não se move um único milímetro.
Sou arrastada por ele e nem sei para onde, pois meus olhos
escurecem vez ou outra devido a falta de ar. Fico tonta e
desnorteada, e neste estado sou lançada em um chão úmido e duro.
Massageio o meu pescoço dolorido e puxo o ar com força para
dentro de meus pulmões. Olho ao redor e o local é escuro, mal
consigo notar que é uma gruta. Nesta região existem várias grutas
ao redor do riacho, ainda estou perto de Kael, de onde a sua matilha
estava, talvez eles me encontrem.
— Se acha que eles ainda a encontrarão, está enganada — é a
voz da minha mãe. A traição dela faz meu coração se partir e uma
lágrima corre por meu rosto.
— Por que isso? Por que logo o Maximus? Nunca ouviu os
rumores sobre ele?
A alfa revira os olhos e estala a língua, como se nada disso
fosse algo importante.
— Fofocas, Nerya. Temos algo muito mais importante do que
ficar dando atenção a fofocas. Ao amanhecer, você será levada de
volta para casa e seu casamento já está sendo providenciado.
— Não pode fazer isso! — esbravejo e quero me lançar sobre
ela, mas estou sem forças, o esforço da fuga me custou muita
energia. Ela ri.
— É claro que posso, você é minha filha...
— Temos que ir embora! — Max invade a caverna assustado,
cortando a minha mãe.
— O que está acontecendo? — Vik questiona ao brutamontes
atrás dela, parado na entrada da gruta, sua silhueta sendo
distinguida apenas pela fraca luz do luar.
— Eles estão muito perto, para encontrá-la é questão de
minutos. Temos que sair daqui agora! — fala com urgência. E se ele
está assustado, é porque tenho chances de escapar.
Sinto uma ponta de esperança, preciso gritar e chamar a
atenção de Kael para que ele saiba onde exatamente estou. Mas
terei uma única chance, preciso escolher o momento certo. Me
arrasto pelo chão, aproximando-me mais da entrada.
— Se sairmos eles nos verão — rebate minha mãe.
— Mas ainda temos a chance de fuga, se ficarmos o cheiro dela
os atrairá.
— Então torne-a sua de uma vez por todas, o herdeiro do alfa
não irá querer uma puta desonrada e ela não terá escapatória, terá
que aceitar o casamento.
Meus olhos arregalam ao ver o sorriso malicioso na face de
Max, é claro que ele fará isso. Reúno todo o meu fôlego, essa é
minha única chance!
— Kael! Socoooo... — recebo um tapa tão forte do homem que
caio no chão desnorteada.
***
Kael
Ao menos agora ninguém pode dizer que estou louco ou
ouvindo coisas. Ouvi claramente o grito de socorro de Nerya
chamando meu nome.
“Eu vou atrás dela” declaro. Não é um pedido ao meu pai e ele
sabe disso.
“Nós vamos com você” Meus irmãos se prontificam. É bom
saber que posso contar com eles.
“Levem a caça para a aldeia” meu pai dá a ordem para alguns
lobos, apontando quem ele havia designado para tal função. “O
restante vem conosco em busca da Escolhida de Kael.”
Os lobos designados para a função de levar a caça para a aldeia
pegam os animais abatidos e disparam pela floresta. Não espero
nenhum sinal, corro na direção do som que ouvi.
Tenho certeza que veio desta direção.
Avanço por entre a mata, o solo se tornando cada vez mais
encharcado sob nossas patas e então alcanço o rio. Nesta parte da
floresta, o rio é muito mais volumoso e largo. Abaixo o focinho e
cheiro as proximidades, tentando encontrar o cheiro dela.
Vejo que os outros lobos também procuram por pistas. Deixo o
instinto me levar, coloco meus pensamentos em Nerya... Onde ela
poderia estar naquele momento que gritou por socorro? Caminho
pela margem, o focinho nunca deixando o chão. Tenho que achar
algum rastro!
Subo o rio, conforme procuro por uma pista da minha escolhia,
até que encontro. Uivo, chamando a atenção dos outros que
imediatamente vem ao meu encontro.
É um cheiro fraco, mas possível de seguir.
“Encontrou alguma coisa, irmão?”
Hiran me questiona.
“Encontrei o cheiro dela, está fraco, mas é ela. Tenho certeza”
Os gêmeos cheiram o solo onde indiquei e eles também tentam
seguir aquela pista. Outros lobos fazem o mesmo e logo estamos no
mesmo rastro. Meu pai salta para uma pedra mais alta, chamando a
atenção de todos.
“Encontrei o cheiro da garota e mais dois lobos, membros do
nosso clã rival, Preparem-se!”
O alfa segue na frente e todos nós o seguimos, ele a encontrou,
encontrou o seu rastro. Sinto o cheiro dela mais forte agora, Nerya
está por perto, mas misturado ao cheiro dela há um cheiro
masculino. Meu estômago pesa com as possibilidades cruéis que
correm por minha mente.
“A alfa está por perto” meu pai alerta e logo a vejo sobre uma
pedra, usando um vestido vermelho sob a armadura de batalha. As
duas espadas presas em suas costas.
— Não há nada seu aqui, Tharion!
Sem nenhum pudor ou respeito pela preferência da alfa, meu
pai volta sua forma humana, completamente nu.
— A escolhida do meu filho está em perigo, cabe a nós resgatá-
la. É melhor sair da nossa frente.
Ela salta para uma pedra mais baixa, na intenção de ficar um
pouco mais próxima de nós ou de desviar a nossa atenção.
“Vasculhem os arredores, ela pode estar ganhando tempo” falo
somente para os gêmeos que saem discretamente, enquanto todos
observam a conversa entre os dois alfas.
— Já disse que não há nada seu aqui. A minha filha e herdeira
neste momento está consumando seu casamento com o seu
prometido — a mulher declara com uma calma intensa, que
contrasta completamente com o pânico que cresce dentro de mim.
— Não é possível! — vocifero ao voltar a minha forma humana.
— Ainda não houve o casamento e Nerya não queria se casar com
um homem escolhido por vocês!
— Você ainda é muito jovem e inocente — a mulher debocha e
ri. — Ela é uma herdeira, herdeiros não têm que querer, eles
simplesmente devem fazer o necessário por seu povo, pelo bem
deles e de todos..
Rosno, não aceitando de maneira alguma as palavras da
mulher. Ela deve ser louca.
Um movimento chama a minha atenção e vejo dois lobos
negros brigando com um homem grande. São meus irmãos, eles
encontraram algo. Corro na direção em que eles estão e a mulher se
agita. Toda confirmação que eu preciso de que Nerya está ali.
Volto à minha forma lupina e corto por entre os outros lobos,
um relance de branco em meio a todos os outros lobos da alcateia.
Os alcanço e ajudo meus irmãos a derrubar o homem, que
mesmo sendo grande, não consegue resistir ao ataque de três lobos.
— Tarde demais, filhote, a Lobinha agora é minha! — declara e
cospe sangue no chão.
Um nojo intenso cresce dentro de mim. O que ele quer dizer?
“Ela não pode ser sua, pois eu a escolhi e ela aceitou” revido
em sua mente, demonstrando uma confiança que não possuo.
— Ela é minha prometida e eu consumei a nossa união, agora
ela é minha, e você não poderá tocá-la. — As palavras do homem
cortam o meu coração, pois o grito de socorro que ouvi dizia para
mim que ela estava em perigo.
Então, se este homem consumou o ato... Nem quero pensar no
que aconteceu ou vomitarei aqui mesmo.
“Está mentindo” tento mostrar a certeza que meu pai mostraria
ao usar o seu dom da verdade, um que eu não tenho, mas que
agora seria muito útil.
Mas ele não sabe disso, ele só precisa acreditar.
— Veja com seus próprios olhos — o homem se afasta e vejo
Nerya encolhida em um canto, parece inerte, as roupas rasgadas e
há sangue em seu corpo. — O herdeiro não poderia se casar com
uma vagabunda, poderia?
O sorriso do homem é perverso e eu percebo o seu jogo.
Avanço em sua garganta, os gêmeos me dão apoio e ele cai
novamente, quando vou morder a garganta do meu rival com todo
ódio acumulado pela simples menção do que ele pode ter feito com
a minha escolhida, ouço um gemido:
— Ka... Kael? — A voz de Nerya é apenas um fiapo e meu
coração se parte por ela.
O que este homem fez não tem perdão.
Capítulo 7- Ela é minha

Nerya
Minha cabeça lateja e aos poucos os sons ao redor me
despertam. Há dor por todo o meu corpo, o frio atravessa minha
pele e minhas entranhas. Me estremeço. Tento me sentar, mas me
sinto dolorida.
Ao olhar para a entrada da caverna, vejo Max caído no chão
com um lobo branco sobre ele: Kael. Dois lobos negros estão
agarrados em suas pernas enquanto ele ataca o homem.
— Ka... Kael? — A cena na minha frente é confusa para a minha
mente atordoada.
Assim que ouve a minha voz, o lobo branco vem em minha
direção e se transforma. A face preocupada dele parte meu coração.
Não deveria ter saído, deveria ter lutado contra os meus instintos e
me afastado da janela. O retirei de um evento importante e o deixei
desesperado e lutando por minha causa. Me sinto culpada e lágrimas
escorrem por meu rosto.
— Não se preocupe, vou cuidar de você. — O toque de Kael é
gentil e ele colhe a lágrima que escorre por minha face.
— Kael, eu... — Ele coloca um dedo sobre meus lábios e beija a
minha testa.
— Não precisa falar nada, ele não vai te levar, não vou deixar.
Não me importo com o que aconteceu, se ainda me quiser, você é
minha — ele sussurra e encosta sua testa na minha, fechando os
olhos.
A confusão toma conta de mim. O que aconteceu? Por que ele
parece triste quando deveria estar feliz por ter me encontrado?
— Preciso ajudar meus irmãos, eu já volto.
Ele se vira e, em um salto, o seu corpo se contorce, se
transformando no lobo branco lindo e imponente que chamou a
minha atenção no riacho, o que já parece ter acontecido há muito
tempo.
Max está dilacerado, sangue escorre por seus membros e eu
não tenho nenhuma pena, pois ele teria me estuprado se Kael não
tivesse chegado a tempo.
Sento-me, ajeitando o corpo dolorido sobre a pedra fria e dura.
Minha roupa está rasgada e minha pele está sangrando. Observo os
ferimentos em minhas pernas e braços, todos causados pelo impacto
das pedras durante a minha fuga. As manchas avermelhadas do
impacto logo ficarão roxas e eu estarei cheia de hematomas pelo
corpo. Suspiro fundo. Minha mente já está mais estável e arrisco me
colocar de pé quando vejo que a gruta está vazia.
Kael deve voltar, mas não vou ficar esperando por ele. Começo
a me mover para a entrada da caverna e ouço vozes alteradas.
Escondo-me atrás da rocha e vejo que minha mãe discute
fervorosamente com Kael e Tharion que estão em sua forma
humana. Sorrio com a cena que vejo: Max está ajoelhado com uma
faca de aspecto impressionantemente assassino em sua garganta e
é Kael quem a segura. Dois lobos negros estão o cercando, um de

É
cada lado, garantindo que ele não reaja. É muito bom ver o homem
supostamente corajoso e violento morrendo de medo.
Começo a prestar atenção na conversa.
— ... Se matarem ele? — pego o questionamento de minha mãe
pela metade e não compreendo, mas continuo prestando atenção.
— Ele servirá de lição para os outros que tentarem tocar na
minha escolhida! — Kael fala determinado, pela primeira vez vejo a
postura do alfa que ele se tornará um dia.
— Ainda vai ficar com uma puta corrompida? — Vik esbraveja e
eu me assusto com a sua declaração. Corrompida?
Lembro-me que ela permitiu que Maximus consumasse a nossa
união mesmo antes do casamento e então me lembro do tapa forte
que levei e que apaguei em seguida, tamanha a sua força.
Atordoada, abro as pernas e seguro o tecido meio rasgado, mas
não há sangue onde deveria ter se eu tivesse sido violada à força.
Os rasgos da minha calça estão altos, mas nenhum deles está entre
as minhas pernas e, quando pego no nó da calça de linho, percebo
que está do mesmo jeito que atei mais cedo.
Então, eu entendo. Kael chegou antes que Max pudesse me
estuprar, mas ambos se aproveitaram dos meus ferimentos para que
Kael acreditasse que fui corrompida e desistisse de mim. Por isso,
ele disse há pouco que não se importava e que eu ainda era dele.
Meu coração se aperta e então eu tenho certeza que ele é meu e eu
sou dele. Não importa o que meus pais querem para mim, a minha
posição em sua aldeia... Nada disso importa, importa que meu lugar
é ao lado de Kael.
— Nerya foi vítima de uma triste violência — declara meu
escolhido e eu sorrio com suas palavras e meu coração se enche de
orgulho. — Ela é minha escolhida e, se ela quiser, será a minha
esposa.
— Eu aceito! — Não dou tempo para que minha mãe contra-
ataque e dou a resposta que deixa a todos impressionados. — Ele
me escolheu e eu o escolhi, eu aceito me casar com você, Kael Kall
Fury!
***
Kael
Amarro o pulso do grandalhão com um cipó fino, mas muito
resistente, e o empurro com a faca em sua garganta. Ele vai pagar
pelo que fez com Nerya. Meus irmãos gêmeos me flanqueavam,
oferecendo a sua segurança e apoio.
Chego entre os outros lobos, inclusive Vik que tagarela com
meu pai, tentando convencê-lo de sua autoridade. Eu sei que ambos
já foram aliados no passado, em um momento que a união
significava a sobrevivência do povo, mas agora não há nada desta
época estampado na face da alfa que a todo momento se reafirma
como autoridade.
— Este homem será levado como prisioneiro e será morto no
centro de nossa aldeia, e sua morte será comemorada com carne de
caça — afirmo e os lobos negros ao redor festejam, uivando para a
lua que já se afasta do centro do céu.
— E o que ele fez que mereça a morte? Ele é prometido de
minha filha, e se consumou a união foi com a minha autorização —
afirma fria e calculista, como uma mulher pode falar assim da
própria filha.
— Ele a estuprou — afirmo e meu pai arregala seus olhos em
surpresa, assim como os outros lobos que se espantam e dão passos
atrás como sinal de repúdio ao ato. — Eu vi seu corpo ferido na
caverna.
— Um homem como este merece morrer — declara o meu pai.
— É isso ou outros maus-carateres vão aparecer e achar que podem
brincar com nossas mulheres.
— Fala o homem que no passado não fez muito diferente — a
alfa ataca com um sorriso cruel. O que ela quer dizer com isso?
— Nunca estuprei uma mulher e, se um dia fui cruel, mudei,
tornei-me um novo homem — ele fala e eu faço uma anotação
mental de questionar ao meu pai sobre isso depois. — E hoje não
tolero nenhuma prática maldosa em minha aldeia e quem cometer
qualquer ato contra um membro da minha alcateia será punido.
A alfa ri e cruza seus braços.
— Muito bem, então, a minha filha não é um membro da sua
alcateia, então, não precisa puni-lo.
— É aí que se engana. Nerya fugiu da sua aldeia e aceitou ser a
minha escolhida, então, ela passa a ser membro desta alcateia —
me pronuncio com uma autoridade que eu mesmo ainda não havia
percebido que havia em mim.
Vik estala a língua e volta a questionar. A minha faca de caça
continua pressionada contra a garganta do estuprador, seu destino é
a morte, ele merece ser exemplo.
— E o que vocês ganham se matarem ele? — Ela questiona e
sei que o quer vivo, talvez eu possa retirar uma vantagem disso.
— Ele servirá de lição para os outros que tentarem tocar na
minha escolhida!
Sou determinado em minha fala, ela é minha e quero que todos
entendam isso.
— Ainda vai ficar com uma puta corrompida?
Fico assustado com tamanha frieza na voz de uma mulher que
deveria se entristecer pelo que aconteceu à sua filha e não usar isso
como uma arma para conseguir o que quer.
— Nerya foi vítima de uma triste violência — rebato. — Ela é
minha escolhida e se ela quiser, será a minha esposa.
Estou determinado a provar que quero a minha escolhida,
independente do que ela tenha sofrido. Meu desejo é curar seus
ferimentos por dentro e por fora ao lado dela. Quero cuidar dela e
dar aquilo que sua família foi incapaz de dar. Então uma voz
atravessa o ar frio da floresta noturna, me surpreendendo.
— Eu aceito! Ele me escolheu e eu o escolhi, eu aceito me casar
com você, Kael Kall Fury!
Viro a minha face para encontrar o olhar como mel aquecido
que me encara, há determinação e pura certeza nas suas palavras. É
a primeira vez depois do ritual que ela disse abertamente que é
minha escolhida, e a primeira vez que declara que também me
escolheu.
Sorrio triunfante, e volto meu olhar para a alfa que nos encara
com a boca aberta em espanto.
— Você não pode aceitar... — Vik começa a falar, mas a filha a
corta.
— Eu já aceitei, mãe. Você é aquela que me gerou e que me
criou para sentar em uma cadeira, mas hoje percebo que nunca
fomos uma família de verdade. — Determinada, ela se aproxima de
mim. — Na casa de Kael encontrei uma verdadeira família.
— Há uma condição para que eu liberte este ser desprezível
com vida — proponho, antes que Vik fale alguma besteira para a
filha. Quero terminar isso e voltar para casa e cuidar da minha
escolhida, que é uma mulher forte.
— E o que é? — a alfa inquire.
— Vai jurar que jamais incomodará Nerya, que este ser
desprezível jamais voltará a atacá-la e que a deixarão em paz. Deve
aceitar que sua filha será minha esposa.
A alfa revira os olhos, olha para o homem completamente
rendido à minha frente e, se ela o quer vivo, não terá outra escolha.
— Tudo bem. Deixe-o viver e tem minha palavra.
— Diga, precisa dizer as palavras. — Pressiono, pois em nosso
meio há esta tradição, as promessas têm que ser feitas por completo
ou não possuem validade.
— Concedo a permissão que minha filha, Nerya Kall Braam, se
case com você, Kael Kall Fury. Prometo não me intrometer na
relação de vocês e jamais darei permissão para que Maximus fira a
minha filha e sua futura esposa — conclui as palavras. — Satisfeito?
Analiso a mulher na minha frente e, sem dizer mais nada, peço
a meus irmãos que se afastem, com apenas um olhar, pois vou
libertar o lixo que está ajoelhado diante de mim, mas não sem antes
deixar uma marca para que se lembre do que fez. Seguro firme em
seus cabelos grandes e retiro a faca de seu pescoço, passando a
lâmina por sua face, deixando um rastro sangrento. Chuto as costas
do homem que cai de cara na terra úmida.
— Isso é para você aprender a não se aproveitar da
vulnerabilidade de uma mulher.
Com ódio no olhar, o homem se levanta e me encara, silencioso.
O sangue escorre pelo ferimento em seu rosto. Um lembrete vívido
de sua crueldade. Que, espero,lhe sirva de lição.
Capítulo 8- O nosso amor

Nerya
Não fiquei feliz em ver o homem que quase me estuprou ir
embora com vida, mas foi o melhor a se fazer. Agora estou livre para
fazer o que quero. E uma coisa é certa, eu quero Kael. Ele volta a
sua forma de lobo e me convida a correr com ele, mas não consigo
me transformar.
Então, a lembrança das palavras de minha mãe volta à minha
mente, só poderei voltar a me transformar se ela mandar. Como não
me lembrei disso antes? Agora ela já foi e se eu for até a aldeia para
pedir que ela me dê a ordem, ela não fará, só aproveitará a
oportunidade para me atormentar.
Vendo a minha dificuldade, Kael vem até mim.
“O que houve? Não está se sentindo bem para se transformar?”
Balanço a cabeça em negação. Preciso dizer a ele que Maximus
só me agrediu, não chegou a me ferir como acha que me feriu.
— Não. Estou bem, na verdade, Max não chegou a me estuprar.
O sangue pelo meu corpo é dos ferimentos que consegui tentando
fugir — explico e vejo um certo alívio em sua feição.
“Fico feliz que você não tenha sofrido tal violência. Então, por
que não está conseguindo se transformar?”
A voz dele em minha mente é suave e gentil, como ele sempre
foi desde o início.
— Minha mãe lançou uma maldição sobre mim. Ela disse que
eu só poderia me transformar quando ela mandasse e ela já foi
embora. Não me lembrei disso quando eles ainda estavam aqui.
Vejo um brilho diferente no olhar de Kael e ele volta a sua
forma humana, com os pelos sumindo, o corpo se contorcendo e se
adaptando, a mandíbula encurtando, mas os olhos são exatamente
os mesmos.
— Tenho duas notícias para te dar — ele fala com um sorriso
em seu rosto bonito. — Uma boa e uma ruim, qual delas você quer
ouvir primeiro?
Acabo sorrindo de volta e balançando a minha cabeça.
— A boa, Kael, quero ouvir a boa notícia primeiro, chega de
notícias ruins.
— Tudo bem, a boa notícia é que eu tenho o poder de quebrar
feitiços e maldições.
Arregalo os olhos em uma surpresa valiosa. Ele pode acabar
com isso agora mesmo!
— Então me liberte deste feitiço, Kael. Me liberte e poderemos
voltar para casa correndo.
— É aí que vem a notícia ruim — ele declara e eu fico confusa.
— Eu nunca usei o meu poder antes. — Kael parece sem graça ao
relatar e me oferece um sorriso tímido meio de lado, passa a mão
em sua cabeça raspada. Aqueles olhos brilhantes me fitando.
— É sério? Tem um poder que nunca usou antes? — inquiro,
ainda confusa.
— Bom, eu sou meio lobo e meio bruxo e do lado das bruxas,
eu herdei o poder de construir escudos de defesa, este eu usei
muitas vezes, mesmo de forma inconsciente, quando era só um
bebê.
Fico surpresa.
— Como isso é possível? — indago, encarando-o. Um bebê
usando magia? Isso é possível?
— Quando criança, eu me defendia das outras crianças com um
escudo de poder para não levar lama na cara — contou e riu das
suas travessuras e eu, é claro, o acompanhei. — Mas nunca tive a
oportunidade de usar meu poder de quebrar feitiços.
Estendo minha mão e toco o seu rosto.
— Acho que essa é a sua oportunidade.
Com um aceno, Kael fecha os olhos e segura em minhas mãos.
Não sei o que ele está fazendo, mas sinto meus dedos esquentarem
e um formigamento surge em minhas mãos e se espalha por todo o
meu corpo. Levanto os olhos das minhas mãos e vejo meu escolhido
brilhar. Todo o seu corpo está envolto de uma luz branca. Então ela
se apaga e ele abre os olhos que ainda são os mesmos: Verdes,
brilhantes e intensos.
— Acho que consegui. Tente se transformar agora.
Ele fala e se afasta, minha mão ainda está quente e sinto um
resquício de formigamento em meu corpo. Me concentro em me
transformar e então a surpresa: consigo normalmente.
O sorriso no rosto dele é a coisa mais linda de se ver, mistura
felicidade com orgulho.
“Funcionou” respondo em sua mente e ele se transforma
também, um lindo, imenso e imponente lobo branco.
“Vamos para casa?” Ele me questiona e eu olho para o céu que
ainda está escuro, mas as cores começam a mudar. Em algumas
horas, o céu estará claro.
“Eu não quero um monte de gente em cima de mim agora”
declaro, esperando que ele me entenda. Os outros lobos já foram
embora há muito tempo, ficamos somente nós dois para trás.
“Prefiro ir para outro lugar, passar o restante de tempo que temos
juntos e... sozinhos.”
Ele me encara com seus olhos cheios de compreensão.
“Eu sei para onde podemos ir”
Kael dispara pela floresta e eu o sigo.
***
Kael
Na primeira vez que a lua me chamou, corri pela floresta sem
nenhum destino em mente e acabei descobrindo um local que se
tornou o meu esconderijo quando preciso me afastar de tudo. E,
pela primeira vez, vou levar alguém até lá. Nem mesmo os meus
irmãos conhecem o lugar.
“Onde estamos indo?”
Nerya pergunta ofegante. Eu sei que a subida intensa do lugar
é cansativa, o que favorece que ninguém venha até aqui.
“Você vai ver.”
Continuo guiando-a ao meu refúgio, até que finalmente alcanço
o ápice e a visão que tenho é linda. Me sento na grama macia e
Nerya se joga ao meu lado, visivelmente cansada.
“Me diz que chegamos, pelos céus, estou morta!”
Volto à minha forma humana e me deito na grama, rindo de sua
declaração, ela também se transforma e me acompanha. Ficamos
deitados lado a lado, admirando as poucas estrelas que ainda
resistem à chegada do amanhecer. O céu começa a clarear
lentamente, a lua se tornando esmaecida e as estrelas se apagando
aos poucos. O som dos pássaros nas árvores anunciam o alvorecer.
Viro para o lado para perceber que o silêncio de Nerya se devia ao
sono.
A mulher estava adormecida e me pareceu a visão mais linda de
todo o mundo. Descaradamente e sem mais conseguir resistir, meus
olhos percorrem o seu corpo nu e então percebo, em meio à sua
beleza, as marcas das feridas que ela havia mencionado. São vários
cortes e marcas roxas por todo o corpo.
Toco delicadamente em sua face e então percebo o canto de
sua boca levemente ferido. A irritação me invade ao me lembrar da
possibilidade de ter sido uma agressão sofrida pelo canalha do Max.
Ela pisca os olhos e os abre lentamente, finalmente se dando
conta que havia adormecido por bastante tempo.
— Você estava em um sono tão gostoso que não quis despertá-
la antes do necessário — informo, segurando suas mãos e ela se
senta. Me acomodo ao seu lado. — Está amanhecendo, quero que
veja uma coisa.
Não é à toa que gosto deste lugar. Além da tranquilidade,
também há uma beleza estonteante, principalmente ao amanhecer.
O sol surge no horizonte, inicialmente tímido, mas aos poucos
sua luz traz vida a tudo ao seu redor. Estamos sobre um penhasco e
temos a visão privilegiada do oceano diante de nós, a luz solar toca
as águas, oferecendo um show de cores no céu e na água. As ondas
acertam o penhasco e sua espuma brilha com o raiar do dia.
— Que lindo! — ela exclama, admirada com a beleza do lugar.
— Eu sabia que ia gostar. Venho aqui sempre que preciso ficar
sozinho.
— E você me trouxe no seu refúgio? — Seu lindo sorriso ilumina
sua face. — Não sei se foi uma boa ideia, um dia eu posso vir aqui
tirar a sua paz — ela me provoca e eu me ajoelho diante dela, meus
olhos fixos nos seus, e a tensão cresce entre nós.
— Estou contando com isso.
Avanço sobre os seus lábios e os devoro diante do desejo que é
avassalador entre nós. A boca, apesar de atrevida, parece
inexperiente e se esforça para acompanhar o meu ritmo alucinado
que o desejo me impôs.
Deito-a delicadamente no chão e reduzo a velocidade dos meus
avanços, sendo mais explorador e curtindo cada centímetro de seus
lábios macios. Afasto-me lentamente para ver em seus olhos o
desejo brilhando como duas lamparinas acesas.
— Kael... — ela sussurra e me encara, se contorcendo sob mim.
— Não fala meu nome, me olhando deste jeito, que da próxima
vez eu posso não me controlar — confesso e ela sorri timidamente.
Nossos corpos nus se tocando já não contribuem com meu
autocontrole. E quando ela me olha daquela forma tímida e
maliciosa ao mesmo tempo... É necessário um esforço hercúleo para
não ser vencido pelo desejo.
— Quando respondeu que se casaria comigo, foi de verdade ou
foi apenas uma forma de se livrar da sua mãe? — questiono para
não restarem dúvidas entre nós.
Nerya havia desviado seu olhar, mas com a pergunta ela volta
seus olhos cor de mel para os meus, enxergo neles o mesmo desejo
que há em mim e antes que ela diga, já sei a resposta.
— É claro que é verdade, Kael. Precisei que acontecesse aquilo
para que eu enxergasse o que estava bem diante de meus olhos:
pertencemos um ao outro.
E quase outro homem a tomou primeiro do que eu. A urgência
fala mais alto e avanço sobre seu corpo novamente. Meus lábios
tomam o seu seio pequeno com o bico durinho e os sugo como se
minha vida dependesse disso.
Minhas mãos percorrem o seu corpo a partir do joelho,
passando pelas coxas firmes e torneadas. Sinto a carne atraente de
seu bumbum e meu dedo resvala por seu sexo, chegando ao
umbigo, onde espalmo a minha mão e continuo percorrendo seu
lindo corpo até atingir seus cabelos curtos e sedosos. Envolvo seus
fios em meus dedos e a seguro com força.
O desejo fala por nós, e o instinto guia as nossas ações. Nerya
envolve minha cintura com suas coxas, deixando-a exposta para
mim e meu membro toca em sua abertura ainda intacta. Abro os
meus olhos, que havia fechado para sentir o desejo que fluía por
meu corpo, e fixo nos lindos olhos dela, quando meu membro duro
invade a sua carne macia.
A expressão de dor toma a sua face, uma lágrima rola pela pele
macia de seu rosto, mas logo aquela expressão de dor é substituída
por puro prazer, seus olhos brilhando de desejo.
Conforme me movimento, ela revira os olhos e arqueia o corpo,
pedindo por mais. Suas unhas cravam-se em minhas costas, me
marcando. E nossos cheiros se misturam, fixando-se em nós como
uma prova final. A consumação do ritual.
Eu a escolhi.
Ela me aceitou e me escolheu.
Eu a aceitei.
E agora consumamos e selamos o nosso amor.
Capítulo 9 - O novo aliado

Malagar
A mesa de reuniões é pequena, apenas aqueles que realmente
tem importância para os meus interesses estão presentes, então não
há a necessidade de uma mesa gigantesca.
Sentado à cabeceira da mesa, aguardo a chegada do último
componente. Tenho ambições, desejos, que anseio colocar em
prática. O que mais quero é ampliar meu império de bruxos, e para
isso preciso explorar mais os escravos, porém sou apenas um para
tanto trabalho. Sozinho levaria dezenas de anos, por isso reuni os
meus aliados.
— Talvez ele tenha desistido, senhor — fala Lanny que está
acomodada ao meu lado esquerdo, embora ela discorde de algumas
coisas, sempre está ao meu lado e me dá bons conselhos, por isso a
mantenho comigo. — Acho que deveria começar sem o novo aliado.
— A minha proposta é irrecusável, duvido que ele não venha. —
Estou confiante, ainda mais sendo quem é.
Jamais daria algo a essa gente se não fosse algo de tamanho
interesse, porém é necessário, preciso de algo importante e ele está
disposto a me dar.
— Entendo, senhor, mas acho que podemos iniciar a reunião —
intervém ela novamente e acabo concordando com seu pedido.
— Pois bem, caros aliados, o império está crescendo e será
necessário mais mão de obra escrava — começo a reunião e os
bruxos presentes focam seus olhares em mim. — Além disso, muito
do que eles sabem me interessa e preciso iniciar um plano para
facilitar a captura daqueles que me interessam.
— Como vamos selecionar aqueles que são mais interessantes
para nós? — questiona Steeve, um bruxo que foi selecionado por ser
o responsável na busca dos escravos, pois na maioria das viagens
não estou presente. Apenas aguardo a chegada da embarcação.
— Estamos aqui para amadurecer algumas ideias — respondo.
— Passei algum tempo pensando que... — Me levanto da minha
cadeira e os olhares curiosos me acompanham. — Quando lançamos
a magia de captura, pegamos velhos e crianças e alguns adultos que
não tem serventia, então eu pensei que poderíamos criar um
método, um feitiço, que filtrasse nossas vítimas de acordo com
nossos interesses.
— Algo assim jamais foi feito! — Hila, uma bruxa com poder de
hipnose, se pronuncia, colocando-se de pé e eu lanço a ela um
sorriso.
— Está olhando para um experimento jamais feito, e saiu
melhor que o esperado. — Abro os braços em sua direção e ela fica
sem resposta, sentando-se.
Caminho com as mãos para frente, as pontas dos dedos se
tocam completamente, e ergo a cabeça para voltar a falar.
— Eu quero ideias, sei que temos potencial para isso. E eu
tenho uma pequena carta na manga... — Atraio a atenção de todos
nesse exato momento. — E é aí que entraria o nosso colaborador.
— Que ainda não chegou — rebate Lanny.
— Lanny, você me deu uma ótima ideia dias atrás, quando disse
que eu não deveria me desfazer dos bebês humanos e estava com
razão. Eles podem dar algum trabalho no início, mas depois serão
mais fáceis de domar e não precisaremos fazer tantas viagens para
buscar mais escravos para serviços braçais.
Ela me encara e parece confusa.
— E o que isso tem a ver com o fato de seu colaborador não ter
chegado? — questiona, ajeitando o cabelo grisalho.
— Que você não sabe de tudo, minha querida. Às vezes você
acerta, mas nem sempre.
O clima fica tenso na sala, mas não me importo.
— Bem, sobre meu trunfo... Tive uma bela surpresa em uma
espionagem, uma de minhas observadoras mais discretas me contou
algo muito interessante e fiquei pensado sobre isso...
Caminho pelo cômodo lentamente, sentindo os olhares sobre
mim. Prossigo.
— Um de nossos maiores problemas é a fuga. Quando
lançamos o feitiço de captura nos humanos eles correm e alguns
conseguem sair do alcance de nossa magia. Qual seria a diferença
para nós se pudéssemos parar o tempo?
Volto meu olhar para eles e percebo que estão de olhos
arregalados, espantados. É claro que este seria o maior diferencial
de todos os tempos.
— Com certeza aumentaria o nosso sucesso na captura —
Steeve se pronuncia. — E no caso de um feitiço para selecionar o
tipo de escravos que nos interessa no momento, isto também nos
daria tempo e maior chance de sucesso.
— Está aí alguém que entendeu tudo direitinho — elogio,
elevando o ego de meu captor, isso é bom, é bom que se sinta
confiante e capaz, além de fazer um bom trabalho, sempre vai achar
uma forma de arrancar mais elogios e isso me favorece.
— Mas o senhor já tem ideia do feitiço para selecionar esses
escravos?
— Ainda não, esse é um dos motivos pelo qual os chamei...
Sou interrompido por uma batida na porta. Caminho até ela e a
abro, revelando um escravo.
— Um homem deseja falar com o senhor — pronuncia com a
voz trêmula, todos os humanos morrem de medo de mim. É bom
assim.
— E quem é esse homem?
O humano se afasta e eu o vejo, alto e imponente.
— Pode deixá-lo entrar — ordeno e o escravo se afasta, dando
ao meu novo aliado a autorização para que entre.
Volto minha atenção aos outros que aguardam.
— O meu mais novo aliado chegou, quero que o recebam bem
e o respeitem, ele será imprescindível para o meu plano.
Meus aliados se mantém em silêncio enquanto abro a porta e
me afasto para que ele entre. Seu tamanho supera o meu, seu porte
físico é intimidador e sua face feroz me diz perfeitamente do que
este homem é capaz. Ele tem algumas feridas recentes pelo corpo,
mas isto não me interessa.
Quando ele adentra o espaço, Steeve se coloca e pé e espalma
sua mão sobre a mesa, mas não diz nada. Sei que está se
controlando.
— Este é meu mais novo aliado e muito importante para o
sucesso de nosso plano, Maximus.
***
Nerya
Apesar da dor, posso dizer que tive uma primeira vez mágica.
Kael foi gentil e carinhoso e, quando me acostumei a ele, me
proporcionou um prazer que eu não sabia que era capaz de sentir.
Fugi de um casamento arranjado, para conhecer o homem dos
meus sonhos e acabar com uma promessa de casamento. Engraçado
como não podemos fugir de algumas coisas quando elas já estão
determinadas para acontecer.
— Como está se sentindo? — Kael me pergunta enquanto estou
deitada em seu peito, seus dedos brincando com meus cachos
curtos.
— Maravilhosamente bem — respondo com um sentimento de
felicidade fluindo de mim.
Meus braços finos abraçam seu corpo forte, e ele me envolve
nos seus. Me sinto protegida entre seus braços musculosos.
— Está preparada para voltar para casa como minha mulher?
Não tinha pensado que no momento em que nossos pés
tocarem o território da aldeia, todos que nos observarem, que
sentirem o nosso cheiro, saberão o que aconteceu. E neste
momento eu odeio o instinto dos lobos, não é nada agradável ter
toda a vida exposta em um único minuto para qualquer um que vive
na aldeia.
— Agora que você me lembrou que todos vão perceber o que
fizemos... — pondero com calma. — Estou com vergonha.
Escondo minha face entre seu peito, e ele acaricia os meus
cabelos.
— Não se esqueça que para nós é algo tão natural quanto
dormir ou beber água.
Respiro fundo, pois eu sei que sim. Com meu pai aprendi a
naturalidade de tudo isso, de que somos animais como todos os
outros, mas com a nudez eu lido bem, porém não sinto o mesmo
com a relação sexual. É íntimo demais. E minha mãe, com seus
constrangimentos, conseguiu implantar alguns deles na minha
mente.
— Eu sei... É só que...
— Eu entendo, meu bem — sua voz é tão suave, tão
reconfortante que me encoraja. — Mas devemos ostentar com
coragem e orgulho, principalmente depois de tudo o que passamos
nessas últimas horas.
— Você tem razão, Kael. — Ergo meu corpo, apoiada em um
braço e beijo os seus lábios.
Nos levantamos e nos transformamos em lobos, os ossos
contorcendo-se e se adaptando a forma lupina e os pelos crescendo
em nossos corpos, branco e cinza escuro; garras e dentes
crescendo, nossos sentidos se apurando. E então estamos um de
frente para o outro e nossos cheiros misturados é evidente,
principalmente nesta forma.
Corremos pela floresta retornando a nossa aldeia, a descida
sendo muito mais fácil e rápida de se percorrer que a subida. Logo
chegamos na aldeia e me preparo para o que pode acontecer. Piadas
sem graça? Implicância? Machismo? Curiosidade? Não sei o que
esperar, mas nada disso acontece.
Os membros comuns da alcateia nos recepcionam com respeito,
curvando rapidamente a cabeça e voltando sua atenção para os
afazeres. Em sua casa, seus pais agem com respeito e sem
piadinhas, nem mesmo os seus irmãos falaram gracinha quando nos
viram juntos e sentiram o nosso cheiro.
— Vá tomar um banho, Kael, está fedendo — a mãe fala como
se fosse um dia comum e para mim, direciona em sorriso gentil. —
Selene vai arrumar uma roupa limpa para você. Ficamos muito
preocupadas quando percebemos que você havia saído durante a
noite.
Ela fala com tanta naturalidade que até esqueço que ainda
estou na minha forma lupina. Kael já sumiu para algum lugar para
tomar banho e eu volto a minha forma humana para me limpar
também.
— Obrigada, Elowen. Eu não resisti ao chamado da lua e acabei
esquecendo que deveria ficar em casa.
Elowen me entrega uma toalha fofinha e me acompanha até o
quarto de banhos.
— Pode se lavar, vou arrumar uma roupa para você com a
Selene.
Agradeço, entro no cômodo e vejo que a banheira está cheia.
Até parece que estavam nos esperando. Será possível? Não vou
gastar tempo pensando nessas coisas, vou relaxar na banheira de
água morna e cheirosa e enfrentar de frente o que tudo isso
significa. Kael é o sucessor do alfa e ele me escolheu, me entreguei
a ele e agora pertencemos um ao outro, ainda não sei quais as
implicâncias disso para a minha vida.
Deixo a água morna lavar as minhas incertezas e sinto um
formigamento em minha carne levemente irritada, devido a nossa
manhã de amor.
Alguém bate na porta, tirando-me dos meus pensamentos.
— Quem é?
— Sou eu, Selene! — sua voz suave soa abafada pela porta
fechada.
— Pode entrar — permito e a porta se abre cautelosamente.
Há um sorriso arteiro em seu rosto ao entrar no cômodo e me
observar submersa nas águas da banheira. Ela deposita as roupas
no gancho que está preso na parede.
— Bem, suas roupas estão aí — fala mexendo nos dedos, como
se quisesse tirar a sujeira inexistente das unhas.
— Pode falar, Selene, eu sei que está se coçando para me
perguntar alguma coisa.
Ela sorri timidamente e passa seus dedos finos em seus cabelos
escuros e volumosos.
— Você e o meu irmão... — Eu sabia que era sobre isso, mas
não digo nada e deixo que ela fale em seu tempo. — Vocês... Ham...
Ficaram juntos esta noite, certo?
— Sim, ficamos — respondo em um tom divertido, sorrindo para
que ela relaxe um pouco. Estava preocupada com a reação das
outras pessoas, nem tinha pensado que Selene poderia ser um
turbilhão de curiosidade.
— Foi bom? — Ergo a sobrancelha e ela reformula a sua
pergunta, corando. — Doeu?
A típica curiosidade de uma adolescente.
— Doeu, mas foi bom. Seu irmão foi cuidadoso e carinhoso.
Ela abaixou a cabeça e meneou um pouco tímida.
— É estranho perguntar essas coisas e saber que foi com meu
irmão — comenta e ri sem graça, sorrio para acompanhá-la. —
Vocês já vão marcar a data do casamento?
— Eu não sei como funcionam as coisas por aqui, então... — Me
coloco de pé na banheira, a água escorrendo por todo o meu corpo.
Pego a toalha e me enrolo. — Vou precisar conversar com ele para
saber.
— Vai ser perfeito ter uma irmã, nesta casa cheia de machos. —
Rio de seu comentário. Na minha casa, minha mãe era tão
preocupada com as responsabilidades da alcateia que só me restava
meu irmão e meu pai. Então sei o que é não ter uma mulher para
compartilhar algumas coisas.
Me seco, me visto e saímos do cômodo conversando, mas ao
chegar na sala vejo Tharion e Kael, com a pele úmida e limpa. Eles
parecem estar esperando por mim.
Capítulo 10- Perdendo o controle

Kael
Depois de nossa chegada e um bom banho, tive que conversar
com meu pai sobre o nosso casamento e ele decidiu que não haveria
motivos para arrastarmos esta data, visto que já havíamos inclusive
consumado a nossa união. Concordei completamente com ele, não
vejo a hora de estar casado com minha escolhida. Mas meu pai quer
conversar com Nerya, por isso aguardamos que ela saísse do banho,
linda e cheirosa, porém, o perfume do banho não esconde nossos
cheiros misturados.
— Sente-se — meu pai exige. Sua voz sai dura.
Nerya me encara, mas puxa uma das cadeiras e se senta diante
de nós.
— Por que saiu ontem a noite se meu filho lhe disse para não
sair de casa? — inquire direto e tenho vontade de abraçá-la, mas me
contenho. Meu pai é o alfa, e devo respeito a ele.
— Senhor Tharion, eu não resisti ao chamado da lua — ela
responde mantendo a cabeça baixa, seus dedos entrelaçados sobre
o colo. Tensa. Ela está tensa. — Quando percebi já estava no riacho.
Eu iria voltar, mas Max chegou e o restante da história o senhor já
sabe.
Meu pai cheira, sente a verdade e algo mais. Seus olhos
confusos passam da minha mulher para mim e de volta para ela.
— Aquele degenerado do Max disse que a tomou à força, mas
não sinto cheiro de outro macho em você. Somente do meu filho.
Minha escolhida fica corada com o comentário e eu tomo a
frente.
— Max mentiu, pai. Ele deixou que eu acreditasse que minha
mulher havia sido corrompida por outro para que desistisse dela.
Os olhos de meu pai faíscam de ódio.
— Como pude ter sido tão displicente! Deveria ter usado o meu
dom e tudo teria acabado imediatamente, sem espetáculo — diz,
culpando-se.
— Pai, a situação foi tão tensa que ninguém se lembrou disso —
rebato e ele parece se acalmar.
Ele se coloca de pé e encara a minha futura esposa.
— Vocês se casarão na próxima lua cheia — decreta e se
afasta.
Os olhos da minha escolhida fixa em mim.
— Tão rápido — comenta e vem para o meu colo, sentando-se.
— As coisas por aqui são assim. Está feliz? — Posso dizer que
estou exultante.
— Muito feliz — declara e beijo os seus lábios macios e
gostosos.
— Preciso começar a fazer a nossa casa — declaro, me sentindo
o homem mais feliz do mundo.
***
A casa do alfa é localizada no centro da aldeia, mas eu não vou
continuar vivendo com meus pais depois de desposar Nerya, e meu
pai sabe disso.
Nesta manhã, alguns dias depois da conversa com meu pai,
estou decidido a encontrar um bom local para a nossa casa, onde
seja também um lugar de destaque na aldeia. Depois de passar um
bom tempo analisando a localidade, meus irmãos e eu encontramos
o local perfeito. Há um grande potencial de crescimento da aldeia
em torno da minha nova casa e é de fácil acesso para todos.
Está na hora do almoço, o Sol está alto no céu, proporcionando
um calor extremo que faz o suor escorrer por meu corpo. Decidimos
voltar para casa a tempo de nos sentar à mesa com a nossa família.
— Amanhã vamos começar fazendo a estrutura da casa —
anuncio aos meus irmãos que concordam.
— Depois passaremos para a coleta de madeira na floresta,
vamos precisar de ajuda de muitos homens para cortar tanto tronco
— Hiran relata ao vestir a camisa que estava presa no cós da calça.
— É verdade, irmão, será necessário muitos homens — Killan
concorda, mas como eles não podem passar um minuto sem
implicar comigo, ele começa. — Vamos perder nosso parceiro de
treinamento até passar o frenesi do lobinho.
Ambos riem e eu prefiro não começar uma discussão, afinal eles
tem razão. Após o casamento será impossível de resistir aos nossos
impulsos até que passe o frenesi, este é um processo comum com
todos os lobos e acontece com os recém casados.
— Vai chegar a vez de vocês e eu não vou deixá-los em paz —
revelo e eles torcem a face por um segundo, mas logo voltam a
gargalhar.
Chegamos em casa e a mesa já está posta, todos sentados ao
redor da mesa, servindo-se.
— Que cheirinho maravilhoso — Killan leva a mão para o assado
que está sobre a mesa, o cheiro está realmente delicioso.
— Tira essa mão imunda! — minha mãe ralha com ele que faz
beicinho como se fosse um bebê de um ano. — Vão tomar banho e
não precisa me olhar com essa cara que não vão se sentar à mesa
imundos deste jeito.
Elowen é determinada quando se trata de colocar os filhos na
linha, e consegue todas as vezes, mesmo cada um de nós sendo o
dobro ou o triplo dela. O respeito que temos por nossa mãe vem de
todo o amor e carinho ao qual fomos criados.
Meus irmãos e eu saímos da casa para nos lavarmos na beira
do poço, é o meio mais rápido, pois estamos morrendo de fome.
Nerya traz para mim um montinho de tecido enrolado e sei que é
minha roupa. Pego de sua mão.
Minha mãe vem logo atrás trazendo o mesmo para meus dois
irmãos. Agradecemos e elas se vão. Nos limpamos e nos vestimos e
então estamos prontos para sentarmos à mesa.
— Não vejo mais nada na minha frente além daquele assado —
Killan confessa e eu concordo.
— Meu estômago ronca só de pensar naquela delícia!
Todos já estão servidos e se fartando quando nos sentarmos à
mesa. O almoço é divertido e animado com todos ao redor da mesa
como minha mãe sempre gostou, até que algo acontece e pisco o
olho sem entender de imediato o que está acontecendo:
Selene pega uma cenoura do cesto e joga sobre Killan que
estava implicando com ela, como sempre faz, mas então a cenoura
paira no ar como se estivesse congelada.
Minha irmã tem o poder de parar o tempo, mas tudo ao seu
redor para, apenas ela, e quem mais estiver a acompanhando, o
feitiço não afeta, mas tudo ao seu redor é congelado, no entanto,
tudo aconteceu de forma diferente. Talvez seja o seu poder
ampliando, tomando proporções que nem ela mesma sabe controlar.
A cenoura ficou congelada no ar, de alguma forma a garota
conseguiu parar o tempo apenas para a cenoura e acho que nem ela
mesma sabe como fez isso.
— Selene, já falamos que não pode brincar com seus poderes
de forma negligente — meu pai ralha, percebo o quanto ele está
bravo e preocupado na mesma medida. — Se alguém ver o que
pode fazer, você poderá estar se colocando em uma situação de
perigo.
— Mas pai, eu nem sei como fiz isso! Nunca parei uma coisa no
ar, nunca congelei uma única coisa! — Pela sua expressão de pânico,
acredito nela.
— A magia de Selene pode estar se expandindo, pai — falo com
tranquilidade. — Ela está crescendo, o poder dela está
amadurecendo.
— Querida, não estamos brigando com você — minha mãe
intervém quando percebe o nervosismo de minha irmã. — Vamos
voltar a trabalhar em sua magia e no que pode fazer, logo estará
dominando seus poderes novamente. Agora, desça a cenoura.
Vejo o pânico na face de Selene.
— Eu... estou tentando... Não estou conseguindo... — Há uma
lágrima percorrendo sua face corada.
— Acalme-se, filha, está tudo bem.... — Elowen acaricia sua
face ruborizada, tentando transmitir tranquilidade. — Concentre-se
no objeto suspenso e pense, tente se lembrar no que pensou
quando ela parou no ar.
Os olhos de Selene estão firmes no objeto, posso ver o quanto
se concentra, mas nada acontece.
— Respire fundo, limpe sua mente... — oriento, pois foi o que
fiz quando consegui libertar Nerya do feitiço de sua mãe.
— Sinta o poder que está em você e o conecte ao objeto —
aconselha Hiran e eu o observo, pois o poder dos gêmeos é um
mistério até mesmo para nós.
Com um piscar de olhos a cenoura despenca, e um alívio toma
conta de todos, mas no mesmo momento que minha irmã fez a
cenoura cair na mesa, a porta da nossa casa se abre e Max estava
bem diante dela.
Será que ele viu?
O que ele está fazendo aqui?
***
Maximus
— Acho que devo me aproximar do alfa dos Fury e pedir
desculpas pelo o que fiz e oferecer minha ajuda para o que
precisarem como uma forma de provar meu arrependimento —
anuncio à alfa Vik. Sei que ela não aceitará com facilidade, mas
preciso de sua autorização para evitar complicações futuras com os
planos de Malagar.
— Está louco, Maximus! Essa é a melhor maneira de se arrastar
aos pés daquele homem — esbraveja e meus pensamentos viajam
em busca de solução, preciso fazer com que ela permita a minha
aproximação. O sucesso do plano depende disso.
— Que outra maneira tenho de me aproximar de Nerya? —
Minha única motivação plausível é ela, então eu vou usá-la.
A alfa anda de um lado a outro no cômodo reservado a atender
seus súditos, como se ela ainda fosse uma rainha. Mas então, ela
para e me encara.
— Aquele pirralho já deve tê-la deflorado a esta altura, vai
querer uma vagabunda?
— Eu quero, não me importo com isso.
— Está apaixonado, Max? — cantarola ao achar que entendeu o
meu principal motivo por querer ir até a aldeia, melhor que ela
continue pensando assim.
— No momento em que ela se tornou algo impossível —
confesso. — Meu desejo aumentou.
— Ah, que lindo — debocha. — Então vá se arrastar para o alfa.
Sinto-me aliviado. Pelo menos consegui uma aproximação sem
levantar suspeitas.
— Vou tentar recuperar o que é meu.
— E para isso terá que puxar o saco de Tharion — fala com
desgosto. — Se conseguir o que tanto quer, me avise para que
possa preparar tudo para o casamento.
Ela faz um gesto despreocupado que já conheço bem, é para
que eu vá embora. Me curvo e deixo a sala. Agora vou colocar em
prática os pedidos de Malagar. O bruxo deseja confirmar se Selene
tem mesmo o poder que seu espião informou, o quanto ela sabe
manipular este poder e o principal, a captura da garota.
Ele quer a jovem mestiça em suas mãos o mais rápido possível,
e eu sou a sua maior possibilidade.
Não perco tempo e vou até a aldeia de Tharion Kall Fury,
Conforme caminho pela aldeia, vejo alguns soldados de Tharion me
observando, mas não fazem nada. Só me acompanham com o olhar,
provavelmente aguardando se eu farei algo de errado.
Meu objetivo é parecer o mais arrependido possível e grato por
sua misericórdia, mesmo com uma marca eterna na face, e desta
forma ganhar a sua confiança e na primeira oportunidade levar a
garota.
Vejo a casa do alfa e me aproximo. A porta está aberta e posso
ouvir, de longe, as risadas de dentro da casa. Devem estar
comemorando algo, talvez o casamento da vagabunda com o babaca
herdeiro do alfa. Mas eu não preciso mais dela para ser um alfa,
serei mais do que somente um alfa, serei um rei alfa, um rei de
todos os lobos, todos os clãs terão que se submeter a mim.
Me aproximo mais da casa, eles estão mais silenciosos do que
antes.
Empurro a porta para que se abra completamente e adentro o
espaço, porém tenho um vislumbre de algo pairando no ar e então
caindo sobre a mesa. Foi rápido demais para conseguir identificar o
que estava acontecendo, mas arrisco o palpite de que a garotinha
estava brincando com seus poderes na mesa durante a refeição com
a família.
Finjo que não notei nada, diante ao silêncio tenso que se forma
no ar e me ponho a falar.
— Me desculpem por vir até aqui, mas eu preciso conversar
com você, Tharion.
Todos ainda parecem meio tensos, piscam e olham uns para os
outros. Tharion fixa seus olhos em mim, me analisando e eu sei que
preciso ter cuidado com ele, preciso usar a arte de misturar bem a
verdade com a mentira, pois ele detém um poder que nunca falhou
antes e que sempre lhe defendeu de golpes e de pessoas mal
intencionadas, porém estou preparado para ele.
— Estamos almoçando — ele responde ríspido.
— Eu posso aguardar aqui do lado de fora, só preciso que me
ouça.
— Tudo bem — responde após me analisar. Não sei se ele usou
seu poder em mim, mas eu não disse mentiras até agora.
— Pai... — Kael está em alerta e pondera, mas seu pai faz um
gesto para que se cale e assim ele faz.
— Aguarde do lado de fora, vou terminar o almoço com a
minha família e depois falo com você — fala e eu concordo.
— Agradeço por aceitar me ouvir — curvo-me em
agradecimento e fecho a porta.
O primeiro passo já foi dado.
Capítulo 11- A casa nova

Kael
Ao terminar o almoço, meu pai se levanta e eu acompanho seu
movimento. Não vou ficar aqui sem saber o que esse homem quer.
Maximus deveria estar morto, ele tentou estuprar a minha mulher e
foi por pouco que consegui evitar.
— Não precisa vir, Kael — meu pai fala, mas estou decidido.
— Quero ouvir da boca desse babaca o que ele quer, porque o
que tentou fazer foi... — Desvio rapidamente o olhar para a minha
irmã que me encara com seus olhos grandes, não sei o quanto ela
sabe daquela noite.
— Vamos ouvir o que ele tem a dizer — meu pai dá a sua
palavra final e saímos de casa para avistá-lo sentado junto ao poço,
bebendo água e observando os arredores.
Nenhuma conversa deste homem me convencerá, ele não
presta, não é alguém que devemos ter por perto.
— Fala de uma vez o que quer e vá embora da nossa aldeia —
declaro sem qualquer tolerância com o ser desprezível.
Max me analisa, mas volta seu olhar para o meu pai sem me
dar resposta.
— Eu vim pedir desculpas — processo as palavras dele.
Há desculpas para o que ele fez? Para o que iria fazer?
— Deve desculpas à garota que você feriu, e não a nós — diz
meu pai com sua voz cortante.
— Se permitirem, gostaria de explicar, me desculpar e também
de me colocar à disposição para o que precisarem.
— O quê? — questiono incrédulo. — Mas é muito cara de pau
mesmo... — Avanço para acertar o seu nariz com um soco, mas meu
pai me segura.
— Kael... Precisa aprender a se controlar! — rosna.
— Poderá se explicar — pondera o alfa. — Mas na nossa frente,
nada de ficar sozinho com a garota, e não aceitaremos sua oferta.
— Tudo bem, eu mereço isso.
— Merece muito mais que isso... — começo, mas me controlo.
Meu pai tem razão, não posso ser impulsivo.
— Vá buscar Nerya — o alfa ordena e eu vou cumprir o que me
foi pedido.
Caminho até a casa e, ao entrar no cômodo, percebo que
Nerya, minha mãe e Selene não estão mais na sala de jantar. Killan
e Hiran estão ainda sentados à mesa e quando me vêem já sabem o
motivo.
— Nerya está no quarto da nossa irmã — pronuncia Hiran o que
precisava saber.
— Foram fofocar — completa Killan com implicância.
Subo as escadas e bato na porta do quarto de Selene, quem
vem abrir a porta é Nerya.
— O que ele queria? — pergunta aflita, segurando a porta e
mantendo seu corpo atrás dela, como uma forma instintiva de se
proteger.
— Ele quer se explicar para você e pedir desculpas — relato
com desgosto, pois não quero colocá-la frente a frente com aquele
homem.
— Eu não vou ficar sozinha com esse homem de jeito nenhum
— afirma convicta, como se eu fosse permitir isso.
— É claro que não vai, meu pai só permitiu se ele fizesse isso
na nossa presença e ele aceitou.
Lentamente, ela sai de trás da porta.
— É só isso o que ele quer? — inquire confusa.
— É o que ele disse — respondo com tanta incerteza quanto
ela.
— Fique de olho neste homem, isso está muito estranho —
minha mãe aconselha ao surgir ao lado da minha mulher.
— Ela não vai ficar sozinha nem mesmo um segundo.
— Quem é esse homem? Eu não gostei do jeito que ele olhou...
pra gente — relata a minha irmã e eu tenho mais um motivo para
ficar de olho nesse cara.
Acabei não percebendo como ele olhou para as outras mulheres
da casa, mas se Selene se incomodou já é motivo para ficarmos em
alerta.
— Não tenha medo, irmãzinha, esse embuste vai embora agora
mesmo. Assim que se desculpar com minha futura esposa. —
Estendo a mão com um sorriso, passando-lhe segurança e ela a
pega um pouco mais confiante.
Levo-a até onde o canalha do Max está e me coloco atrás da
minha mulher, com uma mão protetora ao redor do seu corpo. Ele
que tente alguma coisa... Vai se arrepender amargamente.
Meu pai se coloca ao meu lado, como em concordância com
meu gesto.
— Pode começar o seu pedido de desculpas — ele fala a Max
que se aproxima, e sinto Nerya ficar tensa. — Não precisa se
aproximar demais, daí está muito bom.
O homem para no lugar, acatando o pedido.
— Nerya — ele começa. — Vim te pedir desculpas e me colocar
à disposição do que vocês precisarem. Me arrependi do modo que
agi e sou grato por terem me deixado sair vivo.
— Posso te desculpar, mas não quero nada de você. Não quero
sua ajuda com nada, não te quero por perto — declara a minha
mulher com intensidade.
— Eu mereço ser tratado assim. Só quero que saiba que nunca
foi meu desejo te ferir, sua mãe é que estava determinada a te
afastar do seu escolhido e me pressionou.
Ele abaixa a cabeça como se fosse um coitadinho, mas essa sua
máscara não me engana.
— Já disse tudo o que precisava dizer? — questiono de forma
dura. — Então vá embora daqui, suma. Ela disse que não quer vê-lo,
então não quero que apareça neste lugar nem mesmo em meu
casamento — afirmo convicto, pois quero que ela esteja confortável
e feliz no dia da cerimônia.
— É uma pena, eu gostaria de vê-la vestida de noiva, mesmo
que não seja para se casar comigo. — Ele tenta mais uma vez seu
joguinho sujo.
— Perdeu sua oportunidade ao machucá-la como fez naquele
dia, e ainda estava disposto a mais — replico.
— Eu já disse que estava sendo pressionado! — rosna,
mostrando sua natureza irritadiça. Esse homem nunca foi bonzinho
na vida, não mudaria agora.
— Pressionado ou não, você fez uma escolha e este é o preço
por ela — rebate meu pai que dá um passo à frente. — Já cumpriu o
que veio fazer aqui, já pode ir.
Com um gesto de cabeça, ele se vira e vai embora. A presença
repentina deste homem apenas para se explicar para Nerya e pedir
desculpas foi muito estranho.
***
Nerya
— O que aquele homem queria? — Elowen questiona assim que
colocamos os pés dentro de casa.
— Ele só queria me pedir desculpas, tentou se explicar e já foi
embora — relato um pouco abalada com a presença recente do
homem que me faz relembrar de todo o medo que senti naquela
noite.
— Tharion, esse homem não veio aqui só para pedir desculpas
a Nerya, ele usou isso para ter um motivo para vir, mas ele quer
outra coisa — minha futura sogra relata como se soubesse de
alguma coisa.
— Elowen, você sabe de algo? Ouviu alguma coisa... — O alfa
se aproxima dela apressadamente, ficando cara a cara com sua
esposa.
— Não — ela responde. — Mas quando Nerya saiu do quarto,
Selene me disse uma coisa que me deixou preocupada.
Todos os olhares se voltaram para a adolescente sentada em
um dos degraus da escada.
— O que aconteceu, Selene? — Tharion pergunta à filha, aflito.
— Não aconteceu, pai, é só que... Ele me olhou... e foi
estranho.
— Esse homem tem te perseguido? — Kael inquire com um
olhar preocupado.
— Não, e eu nunca saio da aldeia sozinha! Como ele me
perseguiria sem que alguém o veja? — a garota pergunta, mas ela
não sabe que esse tipo de gente quando coloca algo na cabeça...
Agora precisamos saber o que exatamente ele quer.
— Isso aconteceu hoje, Kael — interfiro. — Quando vocês
decidiam quem ia ou não falar com o Max lá fora. Eu vi que ele
observou Selene por alguns segundos.
— Será que ele percebeu a cenoura flutuando? — Killan
questiona.
— Talvez — respondo. — Mas não deu para perceber nada, pois
foi muito rápido.
— Como ele te olhou, Selene? O que sentiu? — Hiran pergunta
à irmã.
A garota parece pensar, passa a mão em seu cabelo escuro e a
acomoda no colo novamente.
— Eu não sei explicar, ele só olhou, mas... É como se tivesse
mais.
— As meninas devem ser vigiadas, não sabemos o que ele quer
com Nerya e Selene — Tharion declara e acho que tem razão. Todo
o cuidado é pouco, e como já estive nas garras daquele homem,
posso dizer que ele é perigoso.
— Eu ficaria mais tranquila — Elowen confessa, com a mão
pairando sobre seu peito, como se pressentisse algo.
— Eu fico de olho nas duas — Kael se oferece.
— Você precisa construir a sua casa — Tharion o traz de volta à
realidade. — É melhor que Killan e Hiran se revezem ao cuidar das
duas.
Todos concordam, pois no momento é o mais sensato. Ninguém
quer andar com um guarda-costas, mas com um homem como Max
solto por aí com intenções que desconhecemos, é o melhor a se
fazer.
***
Dias depois
— Quer ir ver como está a nossa casa? — Kael propõe e é claro
que aceito.
— Quero, claro! Já está pronta? — questiono empolgada.
— Quase! — Meu futuro marido segura em minha mão e corre,
arrastando-me.
Estávamos colhendo morangos para a sobremesa. Eu viria
sozinha, mas como não estamos mais saindo sozinhas devido a
visita estranha de Max, Kael resolveu me acompanhar.
— Kael, sua mãe está esperando os morangos! — protesto, mas
eu iria com ele para onde quer que ele for.
— As frutas só vão demorar um pouquinho mais para chegar,
podemos inventar uma história qualquer...
— E o seu pai diz na nossa cara que é mentira! — rebato e ele
começa a rir. Rimos juntos como dois bobos.
É tão estranha a sensação que tenho quando estamos juntos, é
como uma plena felicidade, como se eu sempre estivesse esperando
por ele para ser verdadeiramente feliz, mas ainda não sabia disso.
Tudo ao seu lado é motivo de risos, queremos ficar juntos o
tempo todo, nos tocar... embora não tenhamos mais nos amado,
pois Kael diz que dentro de casa são ouvidos de lobo demais para
lidar.
Como duas crianças arteiras, corremos entre as ruas estreitas
da aldeia até chegarmos a uma construção e fico pasma. O que
esses homens fizeram em duas semanas é inacreditável. Só falta o
telhado da casa, todo o restante está lá.
— Não viu nada — falou tão confiante que me deixou curiosa.
— Nosso casamento será em menos de uma semana —
sussurro ao ver a casa grande na minha frente e eu tenho a
sensação que colocar o telhado na casa toda nesses dias é muita
coisa, e que pode não dar tempo. Mas quando me lembro que eles
levantaram uma casa de troncos de dois andares e com uma sacada,
só porque eu disse que achava lindo em uma conversa
despreocupada com ele, acho que esses dias serão suficientes.
— Não se preocupe, amor, vai ficar pronta a tempo. Venha ver o
nosso quarto.
Sou arrastada por ele para o andar de cima, as escadas
perfeitamente colocadas. Quando adentramos o cômodo ainda sem
telhado, percebo o trabalho minucioso feito por eles.
— O que acha de inaugurarmos o nosso quarto? — Ele se
aproxima todo sedutor, me puxando pela cintura e é claro que me
rendo aos seus encantos.
— Acho que um telhado não fará falta neste momento —
comento e ele ri.
— Com certeza não. E aqui não temos ouvidos de lobos por
perto.
— É, eu acho que não.
Kael avança e toma meus lábios em um beijo feroz. Suas mãos
fortes não hesitam em retirar a minha roupa. Meus dedos, ainda
inexperientes, abrem as amarras da gola de sua camisa e eu a puxo
para cima. Com sua ajuda, logo seu torso está nu.
Meu futuro marido lambe meu mamilo e o mordisca em
seguida, e uma sensação prazerosa percorre meu corpo. Ele desce,
mordendo e assoprando várias partes de minha pele, me fazendo
arrepiar e gemer com seu toque experiente.
A palavra experiente ligada a ele me faz sentir uma pontada de
ciúme, outras garotas estiveram em seus braços antes. Seriam
garotas da aldeia? Elas ficavam olhando para ele quando andava
sem camisa ou nu?
— Está tudo bem, meu amor? — ele percebe a mudança em
mim.
— Estou bem, é só... bobagem da minha cabeça.
Tento afastar aquelas bobagens, pois seja lá quem for que
esteve em seus braços, eu serei a sua esposa agora.
Volto a me concentrar em seus beijos e seus toques que me
levam à loucura. Sou deitada no chão e ele coloca seu corpo grande
sobre o meu. O desejo me faz levantar o quadril de encontro ao
dele.
Suas mãos agarram a minha coxa e as erguem, passando-a em
seu ombro. Nessa posição, eu fico completamente exposta e aberta
para ele. Os olhos do meu macho escurecem ao observar a minha
intimidade macia e molhada, desejosa por ele. Ele rosna ao sentir o
meu cheiro e me abro mais como em um instinto animal.
— Isso, abre mais a perna — ele fala, ficando louco ao segurar
firme seu membro duro e começar a pincelar na minha entrada. —
Oferece para mim, me pede para comer — Sua voz é rouca e baixa e
parece alcançar cada célula do meu corpo.
— Ah — gemo, quase perdendo o controle. Faço o que ele
pede. Abro mais a perna e falo: — Me come, amor, estou melada por
você.
Não precisei falar mais do que isso para que Kael se enterrasse
completamente em minha carne molhada em uma investida deliciosa
que arrancou um gemido alto da minha garganta. A pegada dele
hoje está mais bruta, as enterradas mais decididas e estou gostando
ainda mais deste jeito.
Sinto o prazer se construindo em meu ventre enquanto ele me
devora com seu membro duro. Ele soca com vontade, me aperta,
rosna, até que eu grito de prazer e ele me acompanha, me
enchendo com seu leite viscoso.
Ele retira o seu membro brilhando de excitação, ainda duro, e
vejo um lindo sorriso no seu rosto ao tocar a minha barriga
enquanto contempla seu líquido branco escorrendo de meu corpo.
— Em breve teremos um lobinho aqui.
Misteriosamente, não entro em desespero como eu achei um
dia que entraria quando alguém falasse de gravidez comigo,
principalmente acontecendo tão cedo e tão rápido. Pelo contrário,
agora sinto como se quisesse isso, quisesse ter meus filhos com ele
e não me importo com a velocidade com que as coisas estão
acontecendo.
Capítulo 12- Uma visita no dia do casamento

Malagar
Depois de uma manhã cansativa de seleção de escravos, eu não
poderia receber uma notícia melhor: o meu novo aliado veio me ver,
e isso significa novidades que me interessam muito.
Não vejo a hora de poder finalmente reduzir o meu trabalho
com relação aos escravos e ampliar ainda mais as tecnologias
implantadas em nosso mundo.
Caminho rapidamente para a minha sala e, quando chego, o
homem está sentado à mesa me aguardando.
— Tem algo para mim, Maximus? — pronuncio à guisa de
cumprimento.
O lobo se coloca de pé e se curva brevemente.
— Senhor supremo.
— Sente-se. — Aponto para a cadeira na qual ele estava
sentado e encaminho para a minha própria, diferenciada com
espaldar alto e entalhes detalhados na madeira.
Me acomodo e o encaro. A luz da tarde invade o cômodo pela
janela ampla, clareando o ambiente.
— A garota tem mesmo os poderes que disse — ele confirma e
essas palavras são como músicas para os meus ouvidos.
— Perfeito, o que você viu?
— Ela brinca com o tempo quando está entediada, e isso
facilitou para que eu a visse fazendo breves pausas enquanto as
outras pessoas faziam diversas atividades.
— Então ela pode parar o tempo de verdade — comento mais
como forma de processar essa confirmação preciosa.
Passo a mão na fina barba escura por fazer, e volto meu olhar
para Max.
— Tem mais informações?
— Sim, senhor supremo. Foi muito rápido, mas eu a vi com um
objeto parado no ar, foi só uma vez, então eu acho que ela ainda
não domina essa variação de seu poder.
— Ela parou um único objeto no ar? — questiono incrédulo. —
Isso significa que ela conseguiu parar o tempo para algo isolado.
Isso é... É mais-que-perfeito. — Fico empolgado só de imaginar as
possibilidades.
— Sim, senhor. Eu vi.
— E você conseguiu se aproximar da família dela?
— Não. Infelizmente, o que fiz antes os deixou muito
desconfiados, e eles não confiam em mim.
— Então, como vamos capturar a garota, Maximus? Você não
serve para mim se não puder me entregar à garota.
Sou incisivo e ele me parece surpreso, com os olhos
arregalados.
— Mas, senhor, terá uma festa. Será mais fácil capturar a
garota neste dia.
— Uma festa na aldeia dos lobos?
— Sim, um casamento. O herdeiro do alfa vai se casar em
alguns dias, eu só preciso de mais uma pessoa para me ajudar. Uma
mulher.
Encaro os seus olhos escuros tentando entender para que ele
quer uma mulher.
— Como uma mulher poderia ser útil na captura da lobinha?
— Senhor supremo, se me arrumar uma mulher jovem, ela não
levantará suspeitas, quem iria se preocupar com a aproximação de
uma mulher?
Penso em suas palavras e ele tem razão. Se já estão
desconfiados dele, a presença de um homem estranho pode ser
muito pior.
— Tudo bem, se eu arrumar essa mulher jovem, o que pretende
fazer?
— Percebi que Selene é carente de amigas, então, uma jovem
poderia se aproximar dela e a atrair para um lugar determinado
onde vou capturá-la.
— Hum... Me parece um bom plano.
— Tenho certeza que vai dar certo — fala empolgado.
— Eu vou arrumar uma jovem para te ajudar em seu plano. No
dia do casamento, esteja preparado para trazer essa menina, eu já
tenho tudo pronto para começar os experimentos.
O brutamontes se curva em concordância, agradece e se vai.
Observo-o indo embora e penso na promessa que lhe fiz. Não posso
simplesmente descartá-lo, pois ele ainda pode me ser útil, é o único
lobo ambicioso o suficiente para esquecer o que fiz ao seu povo
quando prioriza seu próprio interesse. Porém, eu não vou querer
mais uma pedra no meu caminho.
Preciso pensar bem em como lidar com Maximus.
Abro a porta e chamo o primeiro escravo que vejo.
Rapidamente, o humano me atende.
— Sim, senhor supremo — responde, curvando-se. Em pensar
que era tão resistente quando chegou. Um sorriso toma a minha
face com a lembrança.
— Chame a ajudante de cozinha.
Ele me olha confuso.
— Qual delas, senhor?
— Só tem uma ajudante de cozinha jovem neste lugar, a ruiva.
Sua face se contorce com algum sentimento ou pensamento,
mas não me interessa o que ele pensa.
— Vou chamar — sussurra — com licença.
Ele vai e eu fico aguardando a chegada da garota, ela será
perfeita. Não chamará a atenção, por ser uma humana e o império
cada vez mais está sendo povoado por essa raça, então, qual
ameaça seria uma pobre humana no meio de muitos lobos?
Ouço a porta se abrir timidamente e, quando me viro, vejo uma
jovem usando o uniforme dos escravos que trabalham na cozinha.
Analiso-a e ela está muito magra, mas é bonita. Seus grandes olhos
verdes destacam-se em sua pele clara e seus cabelos ruivos, mesmo
presos, chamam a atenção de qualquer um que a olhe. E isso pode
ser bom para o que tenho em mente.
— Entre — ordeno e a jovem entra no cômodo. Ela mantém a
cabeça baixa e o silêncio, bons modos que exijo de meus escravos.
— Qual seu nome? Quantos anos tem?
Ela ergue cautelosamente os seus grandes olhos e responde
timidamente:
— Lily. Eu tenho vinte anos, senhor.
Com a magreza, a garota parece ser uma adolescente de
quinze anos. Isso pode ser muito bom para mim.
— Ótimo, Lily, você será perfeita para uma missão que tenho
para você.
Vejo curiosidade e medo nos olhos da garota. Geralmente gosto
de ver essas coisas refletidas em seus olhares, mas no momento não
é o que desejo.
— Não precisa ter medo. Eu quero que ajude um de meus
aliados a trazer uma garota para cá. Haverá uma festa em alguns
dias, gostaria de sair um pouco?
Vejo confusão em seus olhos.
— O que o senhor desejar — responde tímida e volta seu olhar
para o chão.
Aproximo-me mais dela e ela continua encarando o chão.
— Você vai descansar esses dias — começo a explicar. —
Preciso que tenha uma aparência mais saudável. Se você fizer o seu
trabalho bem feito, posso pensar em algo melhor para você aqui
dentro do castelo.
Ela volta seus olhos verdes para mim e há um brilho que
mistura desconfiança e esperança em seus orbes.
— Já disse que não precisa ter medo — começo a me irritar
com a bela moça. — Se cumprir bem o seu papel, será beneficiada,
por isso dê tudo de si nesta missão.
— É claro, eu farei o meu melhor — fala se curvando.
Chamo o escravo que a trouxe e ordeno que dê boas roupas,
boa alimentação e descanso para a jovem. Mesmo sem entender o
que levou àquela escrava a ter esses benefícios, o homem acata as
minhas ordens em silêncio.
***
Vik
Decidi sair em uma caçada, apenas meu marido e eu, como
uma forma de pensarmos no que fazer. Eu me mantive na forma
humana, já que nunca gostei da minha parte lobo, da
transformação, e a evito ao máximo, mas meu marido está em sua
forma de lobo e corre na frente farejando possíveis trilhas de
animais.
“Tem uma toca de coelhos por aqui” diz ele em meus
pensamentos.
— Ótimo, vamos fechar todas as saídas e deixar apenas uma.
Liam parte em busca das outras saídas da toca e eu o ajudo a
fechá-las usando pedras pesadas.
— Você acha que fizemos errado ao tentar obrigar Nerya a se
casar com Maximus? — questiono, pois os acontecimentos das
últimas semanas não deixam a minha mente. — E a reaproximação
de Maximus, acha que foi uma boa ideia permitir que ele se
aproxime dela novamente?
Liam para o que estava fazendo e me encara com aqueles olhos
profundos.
“Eu não gosto nem de lembrar que um dia concordei que
aquele homem podia ser o marido da minha filha.”
Liam rosna ao responder.
“Você não devia ter feito o que fez naquela noite, Vik. Tudo tem
limite.”
Percebo que ele está bravo comigo, mesmo já tendo passado
duas semanas do ocorrido e de Nerya não ter sofrido nada de mal
no fim das contas.
— Mas se ele a possuísse, ela não teria escolha. Teria que voltar
e se casar, ela teria que assumir a posição de alfa ao lado do marido
quando chegasse a idade.
“E eu não teria escolha a não ser deixar a minha filha viúva
antes mesmo de se casar, porque se ele fizesse o que você
autorizou, pode ter certeza que o mataria… E não seria bonito, o
faria sangrar e sofrer… Daria a ele toda a minha paciência!”
Estremeço com as palavras de meu marido, ele está furioso
ainda. Liam não consegue ter a mente política que possuo, o povo é
o bem maior e nós somos obrigados a nos sacrificar pelo povo.
— Você ainda está muito ressentido com o que aconteceu,
precisa entender que seria pelo bem maior.
Sem ter tempo para raciocinar, sou impactada pelo peso do
corpo de Liam que se choca contra o meu. Caio no chão e os dentes
dele estão à mostra sobre a minha face, a baba ameaça pingar
sobre a minha pele e o som que deixa sua garganta não é nada
agradável.
“Estou tentando esquecer que, pelo seu povo de merda, você
teria deixado aquele porco estuprar a nossa filha!”
Ele morde o ar como se controlasse para não morder a minha
face. Medo percorre meu corpo. Liam seria capaz de me matar?
“A minha mãe foi estuprada pelo porco do meu pai, e dessa
violência eu nasci. Acha que foi bom para ela? Ou para mim? Acha
que seria bom para Nerya?”
Pela primeira vez, sinto o impacto do que eu havia feito. Na
cegueira de garantir que minha filha ocupasse seu lugar de direito,
não pensei nas consequências.
— Eu... Eu não pensei em nada disso, Liam. Não fiz... por...
mal.
Falo com a voz trêmula e ele se afasta, voltando a sua forma
humana. O homem bonito e imponente por quem me apaixonei
estava na minha frente completamente nu, a face ainda distorcida
pela raiva.
— Deveria ter pensado — sussurra. — Mas eu também errei,
não deveria ter permitido.
Ele dá alguns passos para trás.
— Liam, eu estava pensando em uma coisa. — Me sento no
chão e o encaro. — Kael tem poderes, os filhos gêmeos de Tharion e
Elowen devem carregar algo da descendência da mãe, mas é um
mistério para todos, assim como a garota mais nova. E se eles
enfeitiçaram Nerya, e se ela estiver sendo mantida sob alguma
magia que a faça acreditar que está apaixonada por Kael?
— Não acredito que fariam isso, mesmo que tivessem tal poder.
— Esqueceu do que seu irmão foi capaz no passado? Não
duvido de nada — rebato.
— Ele mudou, você mesma garantiu que meu irmão mudasse.
— E seus filhos? — Me coloco de pé diante do meu marido. —
Você duvida que seus sobrinhos sejam incapazes disso?
Liam me analisa e percebo que ele está pensando.
— Eu não sei — cede.
— Acho que deveríamos ir até lá e nos certificarmos de que ela
está sã e consciente com relação a este casamento.
— Eu não sei quando esse casamento vai acontecer, não faço a
menor ideia.
— Max deve saber — sugiro. — Ele esteve lá há alguns dias.
Liam rosna só de mencionar o nome de Maximus.
— Então vamos pegar nossos coelhos e procurar por Max, é
bom que acerto um soco na cara daquele porco.
Concordo em terminar essa caçada de uma vez e descobrir
quando exatamente vai acontecer o casamento de Nerya e Kael,
espero que ainda dê tempo de interferirmos.
***
Nerya
A ansiedade toma conta de mim. Finalmente, o grande dia
chegou: o dia do meu casamento com Kael, o dia em que me
tornarei Nerya Aly Fury, a esposa de um alfa.
A casa de meus sogros está uma verdadeira confusão desde o
dia anterior, quando estava lotada de mulheres preparando as
carnes que seriam assadas no dia de hoje.
Não vejo Kael desde a noite anterior, pois o levaram para a
nossa casa e ele não voltou mais. E eu estou enterrada em um
banheira por horas, sendo esfregada e recebendo óleos de aromas
diversos e deliciosos em minha água de banho. Estou recebendo
toda a preparação de uma noiva da aldeia do clã dos Fury, algo que
eu com certeza não teria na aldeia onde nasci.
Sou vestida e ornamentada por Elowen e Selene, que são toda
sorriso.
— Você está tão linda! — a adolescente fala em tom sonhador.
— Vocês estão lindas também — respondo admirando as duas
que usam vestidos confeccionados para a nossa festa de casamento.
Minha sogra e minha cunhada têm arranjos florais em seu
cabelo, assim como eu. Mas sob o meu arranjo floral há um véu que
desce por todo o meu corpo até a altura dos joelhos.
O vestido é de um rosa-claro e o véu branco me faz parecer
como uma fada, só me faltam as pequenas e delicadas asas.
Ouço uma batida na porta.
— Será que já são eles? — Elowen questiona.
O som está animado do lado de fora e provavelmente meu
futuro marido acha que já estou pronta. Na verdade, estou, mas
preciso tomar um pouco de coragem para encarar a todos que
ficarão me encarando.
— Estou nervosa — revelo e esfrego as minhas mãos.
— Eu vou mandar eles voltarem e esperar um pouco mais. Kael
deve estar ansioso.
Aceno com a cabeça e minha sogra sai pela porta do quarto.
— Calma, irmã — fala Selene ao segurar a minha mão. Ela
começou a me chamar assim nos últimos dias e até gostei do
carinho. — Tenho certeza que você e meu irmão serão muito felizes.
Balanço a cabeça, concordando e tentando respirar fundo para
me acalmar.
A porta se abre e minha sogra tem uma feição estranha. O que
pode ter acontecido agora?
— O que aconteceu? — questiono preocupada. — Está tudo
bem com Kael?
— Não era o Kael, querida. Tem alguém que quer falar com
você.
Ela sai de frente da porta e quem entra para dentro do quarto
me deixa sem fôlego: meus pais.
Capítulo 13 - Finalmente casados

Nerya
A primeira coisa que passa pela minha cabeça é o que meus
pais estão fazendo aqui? Eles vieram me levar embora, mesmo
contra a minha vontade? Maximus está lá fora, esperando para me
levar à força? Eles vieram estragar o meu dia?
Dou passos para trás até que minha coxa encosta na cama de
Selene.
— O que estão fazendo aqui? — questiono em um sussurro.
— Não acredito que está vestida assim — minha mãe fala
desdenhosa. — Está ridícula!
Lágrimas sobem aos meus olhos. Há segundos estava me
sentindo maravilhosa e agora não sei o que pensar.
— Vik! — ouço meu pai interferir. — Querida — Ele volta sua
atenção para mim. — Viemos ver como estava. Não viemos estragar
o seu dia — ele fala como se pudesse ler meus pensamentos.
— Eu vou me casar com Kael, e ninguém vai me impedir — falo
determinada, pois eu jamais permitiria que meus pais destruíssem a
nossa felicidade.
Meu pai cheira o ar na minha direção e já sei o que procura.
— Não há muito o que fazer, eles já consumaram — relata para
a minha mãe, que revira os olhos, descaradamente descontente com
a revelação de meu pai.
— Como pôde fazer isso, minha filha? — questiona minha mãe
com desgosto. — Se unir a um lobo de outro clã? Você escolheu
viver aqui, no meio desse povo atrasado!
— Muito melhor que me casar com um homem que seria capaz
de me estuprar, e, já que mencionou, meu pai veio do mesmo clã
rival, não vejo a diferença aqui — rebato.
Desvio meu olhar e vejo Elowen e Selene na porta, paradas,
encarando a nossa interação estranha. Fico feliz que elas não
tenham me deixado aqui sozinha com eles.
— Com seu pai foi diferente, Nerya. Ele abandonou o clã de
origem e foi viver no nosso — ela tenta explicar.
— Não interessa, ele pertencia a outro clã — falo ficando
alterada. — Kael e eu fizemos o ritual de forma correta. Nós
disputamos e eu perdi, por isso eu vim para o seu clã. Aceitei a sua
escolha e o escolhi de volta, consumamos o ritual e agora estamos
nos casando.
— Eles seguiram todo o ritual, Vik. Não há o que fazer —
declara o meu pai.
— Você está enfeitiçada, Nerya, é isso. Vou levá-la daqui agora
mesmo! Não há outra explicação, enfeitiçaram você!
— Eu não vou a lugar nenhum! — grito.
— Você vai me agradecer, filha. Quando perceber que estava
enfeitiçada e que faria uma péssima escolha.
— Eu não estou enfeitiçada! — grito em resposta novamente.
— Levante o véu, deixe-nos ver seus olhos — meu pai pede e
eu acato, levantando o véu e o encarando de volta.
Seus olhos me escrutinam com cuidado.
— Ela não está enfeitiçada, Vik — a declaração de meu pai me
deixa aliviada, pois o motivo pelo qual minha mãe se apoiava para
me levar foi destruído.
— É claro que não estou — rebato, voltando o véu por sobre
meu rosto. — Eu vou me casar com Kael, se quiserem assistir à
cerimônia e fazer parte deste dia especial para mim, serão bem
vindos. Caso contrário, prefiro que vão embora — falo determinada.
— Isto não está certo... — Minha mãe começa, mas o meu pai
a interrompe.
— Eu vou assistir ao seu casamento, filha. — O homem grande
e bruto à minha frente parece ter uma lágrima em seus olhos.
— Isso é loucura, você não pode se casar com o filho do nosso
rival, o futuro alfa do clã rival!
— Ela vai se casar com quem quiser — desta vez não é meu pai
que corta a minha mãe, a voz grave que atravessa o quarto pertence
ao meu sogro. Seus olhos verdes se voltam para mim.
— Nerya Kall Braam, está se casando com meu filho, Kael Kall
Fury, por livre e espontânea vontade? — Tharion questiona e sinto a
sua autoridade em meus ossos.
— Sim, senhor, eu amo o seu filho — respondo firme.
— Então, Alfa Vik e meu irmão Liam, se concordarem em se
comportarem, poderão participar da festa, caso contrário, é melhor
que se retirem.
A autoridade firme na voz de Tharion calou a minha mãe,
finalmente. Mas ela ainda olhou de forma atravessada para mim.
Mas não me importo, estou cada vez mais perto de me tornar uma
Fury, é questão de tempo. Pouco tempo;
Os dois deixam o quarto e fico paralisada, ainda encostada na
cama de Selene.
— Meu filho já está à sua espera, querida. Está bem ou precisa
de alguma coisa? Precisa de tempo? — Minha sogra se aproxima,
parecendo preocupada.
— Estou bem, Elowen. Obrigada.
— Então, iremos anunciar a sua passagem — Tharion se
pronuncia e sai do cômodo.
— Vamos, vamos descer — Selene fala ansiosa. Toda a loucura
dos meus pais já foi completamente esquecida, ou ignorada, por
elas. — Assim que ele anunciar, você abre a porta.
Desço as escadas e me posiciono atrás da porta de entrada da
casa, aguardando o anúncio do Alfa do clã dos Fury. A ansiedade
toma conta de mim, o momento em que me tornarei esposa de Kael
finalmente está chegando.
***
Kael
Fico nervoso quando vejo os pais da minha futura esposa
entrando na casa do alfa. Já estava tudo pronto para a cerimônia, o
povo reunido esperando pela aparição de Nerya. Nada poderia dar
errado agora.
— Kael — escuto a voz do meu pai atrás de mim e me viro para
vê-lo me encarar. — Acalme-se, não faça nenhuma besteira. Eu vou
lá ver o que está acontecendo.
— Pai, e se eles levarem Nerya embora? Se eles fizerem um
escândalo no meio do nosso casamento? — A aflição toma conta de
mim e meu desejo é invadir a casa e arrancar as cabeças daqueles
invasores.
Respiro fundo para não fazer nenhuma besteira, como meu pai
havia dito.
— Eles não vão fazer nada contra a vontade de Nerya, não vou
permitir. — Ele toca o meu ombro. — E se ousarem destruir seu
casamento, verão aquele Tharion que já conheceram um dia.
Ele aperta meu ombro e se vai. Tento não ficar ansioso
enquanto vejo meu pai andar tranquilamente com seus passos
confiantes até a entrada da casa. Respiro fundo e logo sinto duas
presenças atrás de mim.
— O que está acontecendo, mano? — pergunta Killan com seus
olhos escuros como a noite encarando os meus.
— Os pais da Nerya estão aqui, acabaram de entrar na casa e
nosso pai foi até lá para ver o que eles querem — explico.
— Coisa boa é que não é — complementa Hiran.
— O cara já está nervoso, quer piorar as coisas? — Killan
repreende o irmão, mas não estou me importando muito com o que
dizem.
Tudo o que quero é ver a minha futura esposa atravessar
aquela porta.
Os dois discutem algo, mas não presto atenção em nada, meus
olhos estão fixos na porta e, em um determinado momento, vejo
meu pai atravessá-la com Vik e Liam.
Os pais de Nerya são guiados pelo alfa até algumas cadeiras
ainda vagas e eles se acomodam ali. Ele acena na minha direção e
eu caminho até ele, mais aliviado.
— Preparado? — inquire. — Sua escolhida está linda. — Ele me
oferece um sorriso sincero e confiante.
— Estou mais que pronto, pai.
Ele acena e eu o vejo subir na estrutura construída perto da
casa principal, para anúncios e cerimônias, a mesma que foi usada
no casamento de meus pais e para anunciar o nascimento de meus
irmãos.
— Atenção clã dos Fury e visitantes — ele começa com sua voz
firme e autoritária. — O meu filho, Kael Kall Fury, irá se casar.
Aplausos seguem a sua fala, ele aguarda o som cessar e então
continua.
— Venha, meu filho, assuma seu lugar — ele me convida e eu
subo as escadas, indo me colocar ao seu lado. — Em alguns meses,
meu filho assumirá sua posição de direito dentro do clã dos Fury, e
este casamento está acontecendo em um bom momento. Um alfa
nunca é completo sem uma esposa ao seu lado, eu posso afirmar
com convicção.
Mais uma vez, o povo aplaude as palavras do alfa. Ele ergue as
mãos pedindo silêncio e é atendido imediatamente.
— Agora, meu filho, Kael Kall Fury, receba a sua futura esposa,
Nerya Kall Braam.
Assim que meu pai anuncia Nerya, a porta da casa se abre e ela
sai pela porta parecendo uma fada dos contos infantis contados para
as crianças. Os cabelos escuros estão cobertos por um véu branco
que cobre todo o seu corpo e ela caminha lentamente, sendo
escoltada por Selene e minha mãe. As duas também estão lindas
com flores em seus cabelos.
Nerya sobe os degraus com a ajuda inicial das duas, mas logo
eu vou buscá-la. Seguro em sua mão e ela me alcança sobre a
plataforma.
Atrás de nós, o ancião está posicionado, é ele quem realizará a
nossa cerimônia.
Meu pai se coloca ao lado de minha mãe e segura a sua mão.
Minha irmã se coloca ao lado do pai, o deixando no meio das duas
mulheres.
Caminho até o ancião, segurando firme a mão da minha mulher,
levo seu dorso até a boca e o beijo. Sua pele está gelada, ela deve
estar mais nervosa do que eu, considerando principalmente a visita
súbita dos pais.
Dou uma olhada para onde meu pai os deixou e eles estão
sentados e atentos ao casamento.
O ancião começa a falar do passado, de como o reino de nosso
pai era forte e poderoso até o perverso Malagar roubar o nosso
reino, mas então o povo foi presenteado com uma aldeia próspera e
um alfa valioso, que talvez o povo jamais tivesse conhecido se não
fosse pelas adversidades que se abateram sobre o nosso antigo
reino.
Após concluir sua declaração sobre o nosso passado, ele
finalmente foca no casal à sua frente. Declarando o quanto a nossa
união é abençoada pela mãe Lua. O véu é retirado da cabeça de
Nerya e sua beleza estonteante é revelada, então finalmente ele
desce sobre as nossas cabeças a água que estava em uma bacia de
ferro sob o luar durante toda a semana, como símbolo da bênção da
deusa Lua.
Nossas mãos são amarradas e assim permanecerão durante
toda a festa para certificar a nossa união. Viramos de frente para o
público que nos observa e ergo as nossas mãos unidas, o som dos
aplausos explodem e agora está feito. Estou casado com Nerya que
agora será chamada de Nerya Aly Fury.
A felicidade toma meu corpo e não consigo resistir mais, viro-
me e tomo os lábios de minha esposa em um beijo profundo. Porém,
ao nos afastarmos, sinto que seu corpo torna-se rígido e, ao
acompanhar o seu olhar, vejo o motivo: seus pais não estão mais no
mesmo lugar, eles sumiram.
Capítulo 14 - Amiga?

Vik
— Eu não aguento mais, Liam, vamos embora — peço ao meu
marido, pois ver minha filha tão iludida e se entregando a um Fury
faz meu estômago embrulhar.
— Nerya vai ficar triste se perceber que não terminamos de
assistir à sua cerimônia — rebate.
— Ela tem que agradecer por permitirmos essa loucura.
— Não podemos fazer nada, a não ser desejar a sua felicidade.
Encaro meu marido, incrédula.
— Liam, nem parece o homem ambicioso e disposto a tudo que
conheci há vinte anos.
— Eu só queria ser um alfa, merecia, depois de todo sofrimento
meu e de minha mãe. Sou um alfa, não sou? Ao seu lado, eu sou
uma alfa, então eu conquistei aquilo que queria. Por que Nerya não
pode ter aquilo que quer?
— Porque o que ela quer é me enlouquecer.
Liam se coloca de pé subitamente e me levanta com um
movimento.
— Então, se quer ir embora, vamos de uma vez.
Observo o ancião derramar água na cabeça dos dois. Reviro os
olhos com o uso de uma tradição tão antiga e que já nem é utilizada
na maioria dos clãs.
— Tem razão, vamos embora.
Deixamos a cerimônia sem olhar para trás, como não pude
resgatar minha filha desta loucura e fazê-la entender que seu lugar
é na sua aldeia, liderando o seu clã, então não tenho mais o que
fazer aqui.
Passamos por entre a multidão de pessoas que pareciam
hipnotizadas, observando a cerimônia de casamento. A frustração
toma conta de mim. Nunca na vida perdi o controle tão
completamente das coisas.
— Vik, espera... — ouço a voz do meu marido atrás de mim,
mas não quero esperar, quero ir embora para casa e esquecer o que
presenciei esta tarde. — Vik, espera, porra! — sua fala abafada e
urgente me fez parar na mesma hora.
Me viro e ele está com o olhar fixo em algum lugar.
— O que houve? — questiono.
Ele faz um gesto de silêncio e me arrasta para a linha das
árvores, pois já estávamos quase adentrando a floresta. Seu corpo
grande me espreme contra a árvore e eu reviro os olhos.
— Liam, isso não é hora para...
Sua mão aperta a minha boca com força, me fazendo calar.
Elevo meus olhos para sua face e o vejo com os olhos fixos em um
único lugar, mas não identifico nada.
Ele tira a sua capa, enrolando-a e deixando ao pé da árvore,
então ele se transforma em um enorme lobo negro.
“Você deveria se transformar também” fala em minha mente.
— O que está acontecendo, Liam?
“Maximus está aqui.”
— O quê? — falo incrédula. O que Maximus está fazendo aqui
se ele mesmo disse que Tharion e Kael não aceitaram sua oferta de
paz?
“Se transforme, Vik, e poderemos escutar o que ele quer”
A contra gosto, retiro a capa e o vestido e os embolo em uma
trouxa, deixando-os ao lado da capa de Liam ao pé da árvore. Retiro
as botas e as coloco juntas às roupas. Apenas de roupas íntimas,
suspiro fundo, me preparando para a experiência desagradável, e
então me transformo no lobo cinzento gigante que sou.
Liam me analisa e posso sentir o cheiro nele mudar. Machos não
tem jeito.
“Depois, Liam, não me transformei à toa.”
“Faz tempo que a vi como loba, é difícil conter os instintos.”
Mostro meus dentes para ele, lembrando do meu
descontentamento em me transformar e que não faria isso apenas
para agradá-lo.
“Pois se contenha”
Começo a marchar na sua frente e logo avisto Maximus, ele
está com uma jovem ruiva.
“Quem é essa garota? Nunca a vi antes.”
Vantagem de estar na forma de lobo é que escolhemos com
quem falar e nossa conversa não é ouvida por outra pessoa se assim
desejarmos. Então podemos discutir abertamente sobre a cena que
se desenrola à nossa frente.
Liam fareja o ar e dá mais alguns passos à frente, ainda
sentindo o aroma que a brisa suave da tarde traz.
“Ela é humana”
“Uma humana? O que Maximus iria querer com uma humana
em meio à festa de casamento de Kael e Nerya?”
Os olhos escuros e profundos de meu marido me acertam com
urgência.
“Isso não soa bem para mim. Ele pode estar tramando algo. Um
sequestro, talvez.” Sugere Liam.
“Ele não seria capaz” rebato incrédula. “Ele sabe que estaria
assinando a própria sentença de morte se fizesse isso.”
“Eu não teria tanta certeza. Vamos nos aproximar e tentar
escutar o que eles estão falando.”
Cautelosamente, andamos para mais próximos de Máximus e da
tal jovem. Ambos parecem observar a festa à distância e conversam
sobre algo.
Encaro meu marido e não há necessidade de nenhuma palavra
para saber o que precisamos fazer agora. Vamos fechar os olhos e
escutar o que eles estão dizendo. A voz de Maximus e da jovem
viaja por meus tímpanos assim que me concentro.
— Entendeu direitinho o que tem que fazer? — inquire Max.
— Entendi, senhor Maximus — responde a jovem. — Mas ela
me seguirá? Como tem certeza que irá confiar em mim a ponto de
me seguir? — A garota ruiva está insegura.
Devem estar armando para afastar Nerya de todos na festa e
assim Maximus poderá sequestrá-la. Jamais permitirei isso, mas
preciso ouvir mais para entender quando irão agir.
— Ela é tudo o que nos separa das nossas conquistas, então,
não faça nada errado.
Ele pressiona a garota e ela acena ainda mais nervosa. Ele deve
ter prometido algo a ela para ajudar a atrair Nerya. Deve ser uma
pobre prostituta dessas tavernas e bordéis fedorentos das cidades.
— Devo ir agora?
— Vá e se misture. Pareça uma humana inocente e que só está
curiosa com uma festa de casamento e tanta fartura de comida.
— Sim, senhor. Atraio ela para cá mesmo?
— Isso, para aqui, bem neste mesmo local, antes do anoitecer.
Mas não tenha pressa, ainda tem bastante tempo.
A jovem esfrega as mãos, limpa-as nas saias cor de rosa, deve
ter escolhido a cor de propósito para alegar inocência, então ela
respira fundo e se vai.
“E agora? A seguimos? A impedimos ou esperamos que Nerya
seja atraída até aqui para podermos pegar Max em flagrante?”
Pergunto a meu marido, que ainda tem seus olhos fixos em Max.
“Melhor esperarmos ou ele irá desconversar de alguma forma e
nunca teremos as provas necessárias do que ele iria fazer. Será
apenas a nossa palavra contra a dele”
Liam tem razão, temos que ter paciência e esperar.
***
Lily
Nos últimos dias venho tendo um tratamento de princesa.
Minha pele é tratada com óleos e banhos constantes, me deram
roupas boas para vestir e a alimentação não é mais a que eu tinha
antes. Agora como com mais frequência durante o dia e posso
saborear as guloseimas que via sendo preparadas na cozinha, mas
que não tínhamos autorização de tocar.
Após o café da manhã, um vestido rosa é colocado sobre a
minha cama e várias empregadas adentram o quarto em que fui
confortavelmente instalada. Elas estão enchendo a banheira com
água morna e cheirosa.
Depois de pronta, me olho no grande espelho do quarto. O
vestido rosa me veste como se eu fosse uma garotinha, não é o tipo
de vestido que eu escolheria, mas deve ter algum propósito a roupa
escolhida.
Sou guiada para a sala de Malagar, sei que o dia da minha
missão chegou e eu não posso falhar. Passo as mãos por meus
cabelos ruivos que estão escovados, formando longos cachos que
caem por meus ombros. Nunca os vi tão bonitos antes.
— Está belíssima, Lily — fala o bruxo no momento em que
adentro o cômodo.
— Com licença, senhor supremo — abaixo a minha cabeça
como de costume e ele se aproxima, tocando em meu queixo,
erguendo a minha face.
— Não precisa abaixar a cabeça, senhorita Lily. Caso tenha
sucesso em nosso pequeno plano, considere-se uma aliada, e
aliados não precisam de atos de submissão, apenas me respeitar, é
claro.
O que ele quer dizer com isso? Será que a minha vida de
escrava acaba aqui se eu me sair bem na missão imposta por
Malagar? Então, o meu sucesso ou fracasso hoje ditará o meu
futuro! Se continuarei sofrendo como uma escrava ou se serei bem
tratada como uma aliada?
— O que eu preciso fazer, senhor?
— É simples — ele começa e coloca as mãos nos bolsos como
um ato displicente e despreocupado, e começa a andar pelo
cômodo. — Maximus irá levá-la para uma festa de casamento, você
vai conversar com uma jovem e irá levá-la até o local combinado
com Max. Só isso. É difícil?
Ao me questionar, ele me encara e aguarda a minha resposta.
Ele falou de maneira tão simplória, que eu diria até que seria fácil,
mas nada é como parece.
— Da forma que fala, parece ser algo muito simples, senhor —
respondo. — Mas e se surgir imprevistos? Se a garota não confiar
em mim?
Ele me oferece um sorriso frio e calculista.
— É por isso que está vestida como uma garotinha, minha cara.
Quem irá desconfiar de uma jovenzinha inocente?
Pisco os olhos, entendendo o seu propósito.
— Entendi, senhor supremo. Mas... — A insegurança me invade,
começo a ter medo de que ele perca a paciência comigo e me
mande de volta para a cozinha, mas preciso fazer a pergunta. — Se
alguém desconfiar e nos seguir? Se tentarem impedir?
— Fique tranquila, o seu papel é apenas atrair a garota. Nós
cuidamos do resto.
Aceno e me calo, não vou ficar falando, pois essa é minha
chance de ouro.
Logo Maximus chega, o tal homem que vai me levar para a
minha missão. Ele me dá medo, é grande e com aspecto de homem
mau. Me contenho para não estremecer em sua frente, pois eu
preciso me concentrar na minha tarefa, a qual é a minha chance
única na vida para sair da escravidão, mesmo que ainda seja uma
serva de Malagar.
Uma carruagem nos leva pela floresta. Entendi o que o bruxo
quis dizer com “Nós cuidamos do resto”. A nossa carruagem está
sendo seguida por dezenas de cavalos carregando bruxos armados
até os dentes, ou seja, se alguém tentar impedir, haverá uma
batalha.
Finalmente chegamos e Maximus me leva até um ponto onde
ficamos observando a movimentação da aldeia. Nunca tinha visto
nada parecido. É uma aldeia de lobos e estão todos reunidos para
uma festa.
— Temos que esperar o momento certo — ele me diz. — Vou te
mostrar quem é a garota e você vai precisar fazer amizade com ela e
atraí-la para cá.
— Tudo bem — respiro fundo ao responder.
— Está vendo aquela jovem de cabelos escuros ao lado daquela
mulher? — ele inquire, apontando para uma adolescente sorridente.
— Sim, estou vendo.
— Você precisa ficar de olho nela, quando se afastar é a sua
chance de se aproximar. Invente uma história qualquer que
justifique sua presença aqui...
— O que eu poderia dizer?
— Humanos por aqui passam fome e são privados de qualquer
coisa que não seja trabalho, então diga que a fartura a atraiu, diz
que era escrava e fugiu... não sei, mas seja convincente.
Aceno a cabeça, é isso. Essa é a minha missão e eu não posso
falhar. Ficamos ali esperando o melhor momento. Assisto à cerimônia
de longe, o casal parece feliz e a jovem se afasta. Está na minha
hora.
— Devo ir agora? — questiono para ter certeza.
Ele me reforça as instruções e me manda seguir com o plano.
Balanço a cabeça e os braços, preciso relaxar. Permito que a música
primitiva tocada por eles me acerte em cheio e me envolva, me
movendo com o ritmo, parecendo uma jovem realmente interessada
na festa.
Avisto meu alvo. Ela está pegando comida junto a outras
pessoas que se servem. Me aproximo.
— Oi, será que eu posso me servir também?
A garota se vira assim que ouve a minha voz e sorri
alegremente.
— É claro, tem muita comida aqui, vai até sobrar — seus olhos
curiosos me analisam. — Você é humana? Seu cheiro é... diferente.
— Sim, eu sou humana. Percebi que estava tendo uma festa e
vi muita comida... — Tento parecer sem jeito. — Bem, é que meu
povo passa fome e nem sempre tem tanta comida assim. Então, o
cheiro me atraiu.
Seus olhos brilham com algum sentimento que não sei bem o
que é, talvez pena, compaixão... Não sei bem.
— Hoje não sentirá fome — fala animada. — Pode comer o
quanto quiser. Qual seu nome?
— Meu nome é Lily.
— Fico feliz em te conhecer, Lily. Meu nome é Selene, e acho
que podemos ser amigas.
Capítulo 15 - Armadilha

Selene
Estou muito feliz por meu irmão, é possível ver a felicidade
estampada em sua face e eu não poderia querer algo melhor para
ele e para Nerya que agora será como uma irmã para mim.
Depois da cerimônia concluída, todos vão se servir. O banquete
está extraordinário graças à caça que meu pai e os outros fizeram
para esse grande dia.
Enquanto sirvo o meu prato de carne assada, sou surpreendida
por uma jovem ruiva. Ela é humana e parece passar fome com sua
família, embora tenha se esforçado para estar bem vestida no
casamento de meu irmão.
— Como ficou sabendo do casamento do meu irmão? —
questiono verdadeiramente curiosa, pois não é algo anunciado aos
quatro cantos do mundo.
— Bom, não sabia que era um casamento — ela sorri meio sem
graça. — Ouvi nas tavernas, que é onde a maioria dos humanos
trabalha por aqui, que haveria uma festa e teria muita comida.
Ela corou violentamente e pareceu nervosa, talvez por ter
confessado que não foi convidada e veia pela comida. E eu sei que
as notícias se espalham por aí e não temos controle sobre elas.
— As pessoas comentam, não é? Que bom que veio!
Ela acena enquanto a ajudo a arrumar o seu prato com carne e
legumes assados.
— Minha mãe fez a maior parte das coisas, posso garantir que
está uma delícia — falo como forma de deixar Lily mais confortável.
— Obrigada. — Ela leva um pedaço de carne à boca e fecha os
olhos saboreando. — Está mesmo uma delícia.
— Vamos nos sentar para comer? — convido a garota e ela me
acompanha.
— Eu gostaria de conhecer melhor o lugar, você se incomodaria
em andar comigo por aí?
— É claro que não. Vai ser bom andar um pouco.
Aceito o pedido da garota, pois quase não tenho amigas. Meus
pais e irmãos tinham medo de que outras crianças descobrissem o
que posso fazer e por isso acabaram me isolando dos outros, o que
deixou para mim como consequência a falta de amigos.
E ter uma garota de mais ou menos a minha idade para
conversar é algo muito bem-vindo.
Íamos beliscando o que estava em nossos pratos enquanto
conversamos e caminhamos. Começamos a nos afastar da aldeia e ir
em direção à floresta, não falo nada, pois não quero que ela ache
que não quero mais a sua companhia, mas em breve teremos que
voltar.
— Você tem irmãos? — pergunto a ela e vejo que sua face se
contorce com minha pergunta.
— Bem... Eu tenho, mas não o vejo há bastante tempo.
— O que aconteceu para que vocês se afastassem? — Fico
curiosa, pois eu não sei como viveria se tivesse que me afastar de
meus irmãos.
É
— É uma longa história...
Vejo uma movimentação próximo às árvores e eu vejo Max, o
homem que esteve há alguns dias na minha casa e que meus irmãos
e meus pais não gostaram nem um pouco.
— O que você está fazendo aqui? — questiono ao homem.
— Eu vim te buscar, gracinha — fala com um sorriso malicioso
em sua face e meu corpo estremece.
Olho para o lado para ver a ruiva se afastar de mim, como se
soubesse bem o que vai acontecer.
— O que está acontecendo, Lily?
A garota desvia o olhar e eu sinto o estômago pesar. Fui atraída
para cá, esse homem estava à minha espera.
Me senti como uma idiota, como fui acreditar na primeira
garotinha boazinha que vi na minha vida? Max se aproxima com um
sorriso sarcástico na face e em sua mão há um pedaço de pano que
não faço ideia de para que serve.
— Isso que dá confiar nos outros — fala e estala a língua em
desaprovação. — Agora a princesinha está em apuros e não pode
fazer nada.
Penso em parar o tempo e fugir, mas é como se minha mente
tivesse congelado, e fiquei sem saber o que fazer.
Ele avança rápido demais, segura em meu braço e puxa para
sua direção. Meu rosto se choca em seu peito duro que mais parece
uma rocha e então ele força o pano no meu nariz. O cheiro ardido
invade as minhas narinas e me deixa confusa, a mente turva até que
perco o controle das minhas pernas e então desmaio nos braços do
homem odioso.
***
Vik
Liam e eu decidimos ficar de olho em Max para pegá-lo em
flagrante. Mas me surpreendo quando vejo que a jovem que se
aproxima com a ruiva é Selene e não Nerya.
Desvio meu olhar para Liam, que me encara, pensando
provavelmente o mesmo.
“O que ele quer com Selene?” Questiona meu marido em meus
pensamentos.
“Não faço a menor ideia” respondo da mesma maneira.
“Devemos agir logo, antes que ele vá embora.”
Fico surpresa com as palavras de meu marido. Ele está
considerando ajudar Selene? Salvar a filha do seu meio-irmão que
sempre foi seu rival durante toda a sua vida?
“Não é Nerya, não temos nada a ver com isso. Deixe que
Tharion cuide da própria filha, Liam.”
“Ela é minha sobrinha” pontua, mas ainda acho ridículo.
“Você não pensou em seu sobrinho quando nosso objetivo era
sequestrar o bebê para que Tharion nos desse seu reino em troca.”
Lembro a ele que não é nenhum santo.
“As pessoas mudam, Vik. Aparentemente, a única que não
mudou foi você”
Liam começa a correr na direção do limite da floresta, logo será
impossível que Max não nos veja e estaremos em uma situação sem
volta.
“Liam... espera!”
Não tenho outra opção que não seja seguir o meu marido. O
alcanço e atravessamos o limite das árvores juntos. Nos colocamos
na frente de Max como dois lobos gigantes, os dentes à mostra e a
baba de raiva pingando de nossas bocas.
— Não sabia que eram os cachorrinhos de Tharion, agora —
Max comenta e ri em seguida, segurando o corpo amolecido de
Selene.
Escutamos um grito de pavor e sei que é a tal garota, mas ela
não nos representa risco e eu não vou dar atenção a ela.
“Solte a minha sobrinha, Max. O que você quer com a pobre
garota?”
— Ela é mais valiosa do que pode imaginar, Liam. Você pode me
ajudar, pode fazer parte do grande plano do supremo e todos sairão
ganhando — propõe, mas não fazemos ideia do que ele diz.
“Do que está falando, Max?” pergunto, achando tudo aquilo
muito estranho.
— Finalmente vejo a famosa alfa Vik em sua forma lupina —
debocha e eu rosno.
“Sua última chance, Max. Solte a garota, ou será banido da
nossa aldeia e de nosso clã” ameaço, mas ele ri com vontade.
— Não preciso de suas migalhas, Vik. Tenho algo muito mais
interessante, agora. É melhor que saiam da minha frente ou as
coisas irão se complicar.
Nos aproximamos ainda mais de Maximus, aguardando a hora
certa de atacar. Teríamos que nos certificar que a garota não se
machucasse na queda, pois ela está totalmente à mercê do homem
à nossa frente.
“Por que mencionou o supremo, Max?” Inquire meu marido
sobre uma fala que também havia me incomodado.
— Não adianta lutar, quem manda neste mundo é ele. Então, é
melhor se unir ao lado certo — declara Max e eu fico surpresa. Ele
se aliou a Malagar? Aquele verme?
“Não acredito que se aliou a Malagar!” rosno.
“Sua última chance, Max. Solte Selene, agora!” Meu marido dá
a ordem, mas a ação de Max é completamente contrária.
Ele joga a menina sobre o ombro e se vira para correr. Então
nós dois avançamos sobre Maximus. Contra dois lobos gigantes, ele
não iria muito longe. Ainda mais que não pode se transformar, pois
precisa carregar a garota.
Mas no instante em que iríamos atacá-lo, somos surpreendidos.
Alguns cavalos adentram o espaço, sobre eles têm homens e
mulheres armados. A arma desce sobre mim e eu desvio do ataque.
Avanço sobre o cavalo que vem na minha direção, meus dentes
cravam-se em suas costas, mas o animal resiste. Acerto uma patada
sobre a mulher em cima do animal e ela cai dele.
Não dou tempo para que se recupere e avanço sobre ela,
mordendo a sua garganta e retirando um naco de carne, fazendo-a
sangrar até a morte.
Tudo acontece rápido demais. Derrubo um bruxo, o mato e sigo
para outro. Sem ter o que fazer, vejo Maximus se afastar com Selene
nos braços. De nada adiantou interferirmos, ele está levando a
garota do mesmo jeito, e agora estamos cercados de bruxos nos
atacando e garantindo a fuga de Max e da garota que ele trouxe.
Continuo atacando, não há tempo para olhar para o lado, para
procurar por Liam, só tenho tempo de me defender das dezenas de
ataques que se abatem sobre mim.
Sou atacada e derrubada, então vejo os que haviam ficado para
trás, para nos conter, sumirem entre a floresta galopando
rapidamente. Volto à minha forma humana e o cansaço é tão grande
que não me importo com a nudez, somente com o sangue que
banha meu corpo. Derrubei e matei alguns bruxos, e farei questão
de queimá-los. Caio de joelhos, o cansaço ameaça me tomar, mas
temos que pegar as nossas roupas e ir em busca de Tharion e
contar a ele tudo o que vimos e ouvimos.
— Liam — sussurro, o cansaço tentando me vencer. — Liam —
continuo chamando, mas ele não responde.
Viro meu corpo em busca de meu marido e o vejo caído no
chão. Todo o cansaço é esquecido e vou até ele a passos largos. Ele
ainda está em sua forma lupina.
— Liam — o chamo, mais uma vez sem resposta. Me jogo sobre
ele e viro o seu corpo na minha direção. — Liam! — grito ao ver um
corte em seu peito e há muito sangue em seu corpo.
O desespero toma conta de mim, tenho que ir em busca de
ajuda ou meu marido irá morrer.
Capítulo 16 - Ferido

Selene
Sinto meu corpo dolorido, uma friagem estranha ultrapassa
minha pele e atinge meus ossos. Minha mente está turva e minha
cabeça dói. Por alguns segundos, fico tentando me lembrar do que
aconteceu, de onde estou.
Sento-me e então vejo que estou em um lugar escuro e frio
com cheiro de sujeira. Descubro o motivo pelo qual senti dor e frio
nos ossos: eu estava deitada sobre pedras duras e geladas. Um
mínimo de movimento que faço é suficiente para minha cabeça doer
como um inferno. O que está acontecendo?
— Então, você é Selene, a filha mais nova do antigo rei alfa
Tharion Kall Fury? — Uma voz masculina corta a distância entre mim
e ele, mas não vejo nada, tudo está um verdadeiro negrume.
Então, uma tocha é acesa e colocada em uma arandela presa
na parede, em seguida mais uma e então outra. Com três tochas
acesas, consigo ver melhor o que há na minha frente. Estou em uma
cela. Aquela verdade me faz estremecer até os ossos e lágrimas
sobem aos meus olhos. Onde está minha mãe? Meu pai e meus
irmãos? Eles sabem onde estou? Como poderiam se nem mesmo eu
sei onde estou?
— Não precisa chorar, gracinha — fala o homem novamente e
agora o vejo. Ele tem os cabelos curtos e escuros, é bonito e
aparenta ter a mesma idade que minha mãe, talvez um pouco mais
novo. — Se fizer tudo certinho, não sofrerá e poderá até mesmo ter
um quarto só para você.
Do que ele está falando? O que eu tenho que fazer?
— Eu não sei do que está falando — declaro.
— Em breve saberá. Esta noite passará nas masmorras para
que entenda que sempre poderá voltar para cá se não contribuir.
— Eu... Eu não quero passar... passar a noite aqui... Sozinha...
— falo com a voz falhando.
— Menina, saiba que muitas vezes estar sozinho é uma benção.
— Ele faz um movimento rápido e se coloca de pé. — Sua nova
amiga lhe trará o seu jantar, ela será responsável por você. Espero
que aproveite a companhia.
Ele se vai e eu fico me perguntando se ele está falando daquela
garota que me conduziu até o limite da floresta, onde Maximus
esperava por mim para me capturar.
Imagens percorrem a minha mente, me lembrando do que
estou sendo privada e das mentiras daquela garota. Uma raiva crua
cresce em meu corpo e sinto meus ossos tremerem sob a pele,
como se eu fosse me transformar, mas então a sensação cessa e eu
não sei o que aconteceu.
— Você está usando uma coleira que impede que se transforme
— uma voz feminina chega aos meus ouvidos, levo meus dedos ao
pescoço e sinto algo gelado ali, e quando me viro reconheço a dona
da voz.
Os cabelos vermelhos são os mesmos, embora agora estejam
presos em um coque severo.
— Essa coleira era usada nos bruxos quando o seu pai era o rei,
foi o que disseram. Não tinham certeza se funcionaria em um lobo,
mas Malagar fez o teste em Max e deu certo. Chega a ser irônico,
não acha?
Toda a inocência que ela apresentava em suas palavras tinha
ido embora. Agora ela parecia tão cruel quanto ao homem que
estava sentado na frente da minha cela até pouco tempo.
— Não sei o que querem comigo, mas meu pai e meus irmãos
não pouparão esforços para me encontrarem.
— O supremo sabe disso, por isso mesmo viajaremos em breve.
Sua resposta me pega desprevenida.
— Viajar? — minha voz treme ao falar. — Viajar para onde?
Como?
— Para a Terra de Eva, o lugar de onde eu vim, em um navio.
— Na... Navio? O que é isso?
— É melhor comer, a sopa vai esfriar — ela se abaixa, abrindo
uma portinhola que havia na grade e passando a bandeja com uma
tigela por ela. — Coma. Não tem veneno nem sonífero, e a comida é
boa, não é uma lavagem — Ao falar, ela torce a face, não sei o
motivo. Será que ela já se alimentou do que chamou de lavagem?
Puxo a bandeja para mim, o cheiro é bom. Pego a colher de
madeira e mergulho no caldo grosso.Ao levá-lo à boca, constato que
realmente é boa, mas a comida só reforça que não estou em casa,
que estou aprisionada e eu nem sei o motivo.
— Navio é um meio de transporte — ela começa a explicar. —
Como um barco, conhece um barco, não é?
Encaro-a e aceno com a cabeça.
— Então, o princípio é o mesmo, só que bem maior. Muito
maior.
Entendo o que ela diz, então seremos levadas para o outro lado
do mundo em um barco gigante.
— O que eles querem comigo? Por que você me enganou? —
questiono com uma pontada de um sentimento estranho de traição,
mas ela não me conhecia, não é nada minha, como me trairia?
— Porque fiz o que fiz é uma história longa, Selene. Mas o que
eles querem com você é simples.
— Simples? Se fosse simples, não precisaria de tudo isto aqui.
— Tudo o que Malagar precisa é de um pouco do seu poder.
— Meu poder?
Então, tudo vem em minha mente rápido demais e eu sinto
vontade de vomitar todo o conteúdo que ingeri. Max me viu usando
meu poder, parando uma cenoura no ar. Foi isso que me trouxe até
aqui.

***
Kael
Não vejo minha irmã há algum tempo. Estou sentado com
minha família, comemorando meu casamento, mas a sua ausência
me incomoda à medida que o tempo passa e ela não aparece.
— Pai, Selene está sumida há tempo demais. Será que não
aconteceu alguma coisa?
— Ela deve estar andando por aí, Kael — meu pai responde
mordendo um belo pedaço de carne.
— Eu não sei — suspiro, a carne perdendo o seu sabor em
minha boca conforme o tempo passa. — Os pais da minha mulher
somem, depois Selene some também.
Quando pronuncio tais palavras, sinto todos os olhares sobre
mim.
— Você acha que meus pais fariam alguma coisa com sua
irmã... por vingança? — Nerya inquire.
Não queria culpar ninguém, mas é inevitável começar a juntar
algumas peças.
— Eu vou dar uma olhada por aí — oferece meu irmão Killan.
— Eu vou com você, irmão. — Seu gêmeo se ergue da cadeira
e o acompanha.
Mesmo sabendo que meus irmãos estão indo atrás da minha
irmãzinha, não consigo controlar o nervosismo e a ansiedade.
— Ela deve estar passeando por aí, amor — Nerya tenta me
tranquilizar. Meus pais não estão tão alarmados, mas é como se algo
dentro de mim gritasse que há algo de errado.
O tempo se arrasta e então percebo uma movimentação
estranha ao redor: as pessoas se afastam, dando passagem a
alguém. Me coloco de pé para enxergar melhor o que ocorre ao
nosso redor.
Então, vejo que os gêmeos se aproximam, mas não estão
sozinhos. Eles arrastam um lobo negro gigante com dificuldade, um
deles segurando o grande corpo na parte superior e o outro na parte
inferior. O sangue escorre por seu corpo e pinga pelo chão conforme
é arrastado.
Logo atrás deles vem Vik, desesperada e em lágrimas. Somente
então entendo o que está acontecendo.
— Liam? — Meu pai pronuncia, confirmando a minha suspeita.
— O que aconteceu, Vik?
— A culpa é toda de vocês! — ela ataca em lágrimas, mas sei
que diz isso por medo de perder o marido.
— Do que está falando? Não fizemos nada, estamos todos aqui!
— minha mãe discorre, tentando convencê-la de que ninguém aqui o
feriu.
— Cala a sua boca, sua escrava imprestável! Não sabe cuidar
nem dos próprios filhos — esbraveja Vik sobre a minha mãe,
deixando-a chocada.
Todos sabem do passado dos meus pais, mas eu mesmo nunca
presenciei minha mãe sendo chamada de escrava.
— Ou você vai se desculpar com a minha esposa ou vai sair
daqui arrastada e nunca mais pisará em minha aldeia! — meu pai
responde à altura, deixando a alfa com a face contorcida de raiva,
mas se cala.
— Salva o meu marido — pede, agora mais mansa.
— Por que disse que não sei cuidar dos meus filhos? — Minha
mãe se aproxima questionando, e um sinal de alerta desperta dentro
da minha mente.
Os olhos luminosos pelas lágrimas de Vik encaram minha mãe e
ela aponta um dedo acusador. A face distorcida em pura raiva, como
se realmente estivesse diante da culpada do ferimento do marido.
— Sua filha foi enganada por uma estranha e levada para o
limite da floresta — sua fala faz meus ossos estremecerem. O que
aconteceu com Selene? — Meu marido decidiu ajudar, e olha o que
aconteceu! — grita, e aparenta não se importar com o que
aconteceu à minha irmã, mas sim ao que aconteceu a Liam, seu
marido.
O corpo do lobo é colocado no chão pelos meus irmãos e Nerya
corre para ver como seu pai está. Mas Vik tem que falar tudo o que
sabe.
— O que aconteceu com a minha irmã, Vik? — Aproximo-me
mais dela, quase colando nossos narizes. — Liam é meu tio, mas eu
juro que se não contar com detalhes o que aconteceu com a minha
irmã, eu vou mandar jogá-lo no meio da floresta sem nenhum
cuidado.
— Ele tentou salvar a sua irmã de ser levada por Maximus, e é
isso que ele ganha? — grita. — Essa é a gratidão de vocês? — Ela
cospe aos meus pés e só não a soco por ser mulher e mãe da minha
esposa.
— O que disse? Maximus levou Selene? Mas por quê? Como? —
disparo as perguntas sobre ela.
— Ouvimos ele instruir uma garota sobre atrair uma jovem até
ele e achamos que era Nerya. Achamos que Max estava tramando
uma forma de sequestrar a minha filha e por isso ficamos de tocaia,
mas quando a jovem retornou com sua vítima, notamos que não era
Nerya, mas sim Selene — revela a alfa.
— Minha irmã?
— Minha filha?
Meu pai e eu questionamos ao mesmo tempo.
— O que Max poderia querer com ela? — questiono, realmente
confuso.
Aos poucos, a alfa conta tudo o que ouviu e começamos a ficar
preocupados. Maximus, ao que parece, se aliou a Malagar, e tudo o
que me lembro é do truque que ele viu a minha irmã fazendo com a
cenoura. Será que foi isso? Malagar se interessou no poder de minha
irmã? O que ele fará com ela?
Liam é levado para dentro de casa e o curandeiro é chamado
para cuidar do meu tio. Enquanto isso, vamos nos reunir para pensar
sobre como agir para resgatar Selene.
Capítulo 17 - O segredo dos gêmeos.

Kael
Meu tio Liam estava deitado no meio de nossa sala de jantar e
o curandeiro cuidava de sua ferida. Toda a festa de casamento havia
sido esquecida e as pessoas se dispersaram.
Vik chora ao lado do marido, murmurando que ficará bem e
então percebo o quanto ela o ama. Na verdade, com tudo o que já
ouvi, os dois se completam de formas diversas. Mas, no momento, a
minha mente está completamente voltada para a minha irmã.
Depois de alguns minutos, o curandeiro se ergue, limpando
suas mãos em uma toalha úmida e anuncia o estado de saúde de
meu tio.
— O estado dele ainda necessita de cuidados — avisa. —
Perdeu muito sangue e não é aconselhado que volte à sua forma
humana agora. A forma de lobo permitirá que ele se recupere mais
rápido.
— Outra vez não! — Grita Vik em desespero, aparentemente,
meu tio já esteve em uma situação semelhante.
Fico andando de um lado a outro, passando a mão por meus
cabelos, pois tudo o que quero é descobrir onde Selene está e o que
está acontecendo com ela.
Meu tio é transportado para o andar de cima com dificuldade, e
eu ajudo a colocá-lo sobre a minha antiga cama. Já que agora eu
tenho a minha nova casa, que nem terei o prazer de desfrutá-la esta
noite com minha esposa, pois a tensão com o sequestro de minha
irmã acabou com todo o clima do momento.
Fechamos a porta do quarto e o deixamos descansando com
sua mulher e filha, ao seu lado, velando por sua recuperação. Então,
descemos novamente e nos reunimos na sala de jantar, novamente,
mas desta vez somente meus pais, meus irmãos e eu.
— Malagar deve ter identificado o poder que Selene carrega e
entendido sua preciosidade — meu pai começa a falar. — Ele deve
ter planos e deve colocá-los em prática o mais rápido possível, pois
sabe que iremos atrás dela.
— Então, como faremos? — questiono. — Vamos invadir o
castelo?
— Não dá para invadir o castelo — meu pai responde. — Ele é
encantado e somente quem Malagar permite, pode adentrá-lo.
Com aquela resposta, o desespero tenta me invadir, mas o
empurro para o mais fundo de meus ossos, para que somente sirva
de incentivo para salvar a vida da minha irmã.
— A gente pode tentar — comenta meu irmão Hiran, chamando
a nossa atenção.
— Como? — pergunto.
— Não vou suportar ter mais filhos perdidos nas mãos daquele
bruxo! — exclama minha mãe, ficando desesperada.
Meu pai a abraça, tentando passar tranquilidade e segurança,
algo que acho um pouco difícil devido à circunstância.
— E como vocês fariam isso? — meu pai quer saber.
— Pai, o senhor sabe que dávamos um jeito de conseguir as
moedas usadas pelos bruxos para consumir algumas das...
Novidades que eles possuem — Killan começa a explicar e eu estou
curioso para saber o que ele vai dizer em seguida.
— E o que isso tem a ver com o desaparecimento da sua irmã?
— o alfa franze o cenho ao questionar.
Todos nós prestamos serviços aos bruxos para conseguir
moedas, e sabemos que nosso pai jamais aprovou nossa atitude e
eu já até ouvi uma bronca devido a isso. Como isso poderia ser útil
agora?
— Ninguém sabe do que somos capazes de fazer quando
estamos juntos — começa Killan. — E nós nunca nos apresentamos
como gêmeos, nem mesmo demos o nosso verdadeiro nome.
Encaro o meu irmão, pensando no que ele pode estar
planejando. Realmente, o poder dos dois é um verdadeiro mistério
para todos.
— Por isso, podemos dar um jeito de entrar no castelo sem que
desconfiem de nós — Hiran completa.
— Mas Maximus conhece vocês, se ele os visse seria o fim —
minha mãe replica, temendo que mais dois de seus filhos sejam
colocados nas mãos de Malagar.
— Escute, mãe, sabemos o que fazer — fala Hiran confiante. —
Podemos voltar para o nosso trabalho, irão nos aceitar, eles sempre
aceitam.
— E então podemos conseguir permissão para entrar no
castelo, só precisamos da permissão para que o feitiço de proteção
do castelo não nos ataque quando entrarmos lá — explica Killan.
Meu pai parece pensativo e minha mãe ainda possui um olhar
desesperado.
— Que tipo de trabalho? — pergunta o alfa. — O que vão fazer
para entrar? E depois que entrar, o que farão para procurar por todo
o castelo sem ser notado?
Ao perguntar, percebo uma troca de olhares entre os irmãos.
Eles escondem alguma coisa de nós? Há mais do que podemos
imaginar?
— Já fizemos transporte de carga para o castelo — responde
Killan.
— Farinha, grãos, carne, bebida... Carroças muito pesadas para
humanos levarem, é esse tipo de serviço que fazemos para os
bruxos. — Completa Hiran. — Somos mais rápidos e mais eficientes.
— Você já explicou como vão entrar, mas ainda quero saber
como vão vasculhar todo o castelo sem serem percebidos — pontua
meu pai.
Mais uma vez há uma troca de olhares entre os irmãos e eles se
aproximam um do outro, ninguém espera o que está por vir.
— Tem uma coisa que achamos que vocês ainda não sabem —
revela Hiran, nos deixando mais curiosos.
— O quê? — Minha mãe inquire, com seus olhos focados nos
meus irmãos.
— Mãe, sabe que herdamos o seu poder, mas de forma
individual. Como gêmeos meio bruxos, nós nos completamos —
Killan começa a explicar.
— Mas ainda não sabem o que podemos fazer apenas quando
estamos juntos — completa Hiran.
Confusão e curiosidade faíscam em nossos olhos.
— Do que estão falando? — Tharion pergunta, preocupado e
ansioso.
Os dois colocam-se lado a lado e nos olham.
— Esta é a maneira pela qual procuraremos nossa irmã sem
sermos notados.
Os dois falam ao mesmo tempo, e então vemos o poder dos
dois se misturarem, faíscas azuis estalam, uma sombra surge e
então nada. Os dois sumiram.
***
Kael
Meus olhos procuram por qualquer traço que possa indicar que
eles estão ali, mas é em vão. Não há nada que possa entregar a
posição dos dois. Até chego a questionar se eles estão mesmo ali ou
se eles se transportaram para outro lugar. Será possível?
— Onde estão? O que aconteceu? — Minha mãe se pergunta,
mas o questionamento é feito em voz alta.
Então, como um passe de mágica, os dois estão de volta
exatamente no mesmo lugar.
— Como é possível? — sussurro, ainda incrédulo com o que
vejo na minha frente.
— Descobrimos quando éramos crianças — Hiran começa a
explicar. — Nossa mãe estava atrás de nós porque quebramos o
vaso dela. Estávamos cercados, ela iria nos achar e então aconteceu.
— Ela chegou bem na nossa frente e não nos viu — completou
Killan.
— Pelos céus! — Minha mãe coloca a mão sobre a boca.
— Nunca consideraram contar isso para nós? — meu pai
esbraveja.
— Pensamos várias vezes, mas carregar o poder de retirar
vidas, assim como nossa mãe, já era um fardo a se carregar —
justifica Killan.
— Não queríamos mais um — completa Hiran.
É compreensível. Consigo entender o lado dos meus irmãos.
Agora sei de onde vem o clima misterioso que os dois sempre
tiveram.
— Mas agora esse dom será útil — profiro.
— Vamos até a cidade agora mesmo e, amanhã bem cedo, um
de nós se apresentará para o trabalho enquanto o outro tenta colher
informações — Hiran explica.
— Tenha cuidado, meus filhos. — Minha mãe se aproxima dos
dois homens muito maiores do que ela e os abraça como se ainda
fossem crianças de três anos de idade. — Meu coração já está
apertado pela irmã de vocês, agora mais dois de meus filhos irão
para longe de mim. Não sei o que vou fazer! — Ela se afasta, os
encarando.
Abraço minha mãe, pois posso imaginar a sua dor e desespero.
São seus filhos que estarão nas mãos de Malagar. Ela corresponde
ao abraço e afunda o seu rosto em meu peito. Posso sentir a
umidade de suas lágrimas.
— Assim que tivermos algo importante a notificar, vamos dar
um jeito de avisar. Vai ficar tudo bem. — Killan tenta tranquilizar.
Hiran toca a face da nossa mãe e deixa um beijo em sua testa.
— Vai dar tudo certo, mamãe. Vamos trazer a nossa irmã de
volta.
Os gêmeos se juntam ao abraço e a envolvemos com carinho,
tentando passar confiança e conforto.
Ao se afastar do abraço, Killan me encara e o que vem em
seguida me surpreende.
— Irmão, vá dar atenção à sua esposa. Deixe conosco, nós
vamos trazer a nossa irmã para casa.
Entendo a sua mensagem. Toda essa confusão afastou meus
pensamentos do meu casamento. Devo a minha esposa uma noite
incrível, mesmo que a tensão pelo desaparecimento de Selene nos
cerque.
— Tem razão, irmão.
Concordo e então a movimentação na casa se intensifica. Hiran
e Killan começam a pegar algumas coisas básicas para levar em sua
viagem. Minha mãe prepara algo para que eles possam levar para
comer no caminho e meu pai atravessa a porta e desaparece, não
tenho ideia para onde ele foi.
Não muito depois, já está tudo pronto. Os gêmeos montados
sobre dois cavalos, a bolsa com mantimentos presa ao lado dos
animais. Nerya está abraçada a mim agora. Minha mãe está abalada
e meu pai a abraça, tentando acalmá-la, mas ela ainda está em
lágrimas ao ver seus filhos se afastarem. Ficamos a uma certa
distância, observando-os.
Escuto os soluços de minha mãe e me sinto impotente. Selene
está desaparecida e não temos ideia do que está acontecendo com
ela, e agora os gêmeos estão partindo em busca dela.
Com um suspiro pesado, meu pai se vira com uma delicadeza,
que ele direciona somente à sua esposa e à sua filha caçula, e
conduz sua mulher para dentro de casa.
— Deve ir para sua casa com sua esposa, Kael — aconselha
meu pai. — Não poderemos fazer nada além de esperar, então, vá
dar atenção à sua mulher.
Ele praticamente repete o que meu irmão disse.
Abraço meu pai e minha mãe, despedindo-me deles. Minha
esposa também os abraça e deseja que tudo fique bem. Vejo a
ligação que se formou de maneira tão rápida entre minha mãe e
Nerya.
Sem ter mais o que fazer ali, caminhamos para a nossa casa.
— Jamais imaginei que o dia de meu casamento acabaria assim
— murmura Nerya. — Às vezes me sinto culpada, se não fosse pelo
nosso casamento, ela ainda estaria aqui.
Passo o braço por seus ombros e a trago para mais perto de
mim.
— Não se sinta culpada, ele só esperou o melhor momento, se
não fosse no nosso casamento, seria outra ocasião.
Ela olha para o chão, mas acena em concordância. Meu pai tem
razão, nada podemos fazer agora. O que nos resta é esperar que
Hiran e Killan mandem alguma resposta ou cheguem em casa com
Selene junto a eles. Temos que ter esperança.
Capítulo 18 - A lua está linda

Kael
Continuo caminhando com minha esposa para casa. Seguro
firme em sua mão e a levo até a boca, deixando um beijo casto,
delicado, mas firme. Eu sei que o natural é que depois de nosso
casamento se instale o período de frenesi, porém, com toda essa
tensão, não sei o que será.
A noite caiu e a lua sobe até o centro do céu lentamente.
Deitamos na grama aparada da frente de nossa casa e ficamos
admirando a lua redonda e brilhante. As estrelas ao seu redor
parecem até perder o brilho de tão intensa ela está hoje.
A brisa fria toca minha pele e sinto minha esposa estremecer ao
meu lado. Puxo-a para mais perto de mim, abraçando seu corpo
para aquecê-la.
— A lua está tão linda esta noite, não é? — sussurra no meu
ouvido, fazendo um arrepio percorrer meu corpo, e não é de frio.
Passo minha mão livre por seu braço, percorrendo-o
lentamente.
— Diria até que é um presente — respondo a ela com
franqueza, porém temo que eu não tenha recebido presentes
agradáveis em meu casamento.
— Eu também diria, se sua irmã não estivesse desaparecida,
meu pai gravemente ferido e seus outros irmãos não tivessem que
sair e ficar fora por um longo período sem dar notícias — suspira ao
falar e sei que o peso não está somente sobre mim, mas sobre ela
também.
— Como meu pai disse, meu amor. Não podemos fazer nada,
agora — falo e decido dar a ela o que merece.
Me viro, cobrindo seu corpo com o meu e meus lábios selam a
boca de minha esposa.
— Esta é nossa noite mais importante, é quando iremos
consumar o nosso casamento — declaro e sinto que ela se derrete
sob mim.
Aprofundo mais o beijo e começo a sentir algo diferente, não
apenas o desejo que sempre senti, mas algo mais profundo e
primitivo.
Nossa casa é afastada das outras, mas o som e o cheiro
propagam-se pelo ar, porém, não me importo com isso, neste
momento o desejo toma a minha mente e tudo o que quero é torná-
la minha após a nossa cerimônia de casamento.
Me coloco completamente sobre ela e seguro firme em seus
braços, os coloco para cima de sua cabeça, segurando com força,
mas sem machucar a minha mulher.
Vejo os seus olhos se incendiarem, refletindo o que sinto. Seus
olhos, como mel aquecido, brilham ainda mais intensamente e eu
não resisto ao ímpeto de beijá-la novamente, porém, agora mais
faminto do que antes.
Ela enlaça meu quadril com suas pernas e eu forço meu sexo
sobre o dela, mas há muito tecido entre nós. Afasto-me, alucinado
pela dor de ficar centímetros longe de seu corpo, e começo a
desabotoar a minha camisa, então a arranco com força e acabo
rasgando-a no processo.
Ela ri e então passa a língua atrevida em seus lábios.
Aquela foi a gota d’água.
Pego em sua saia e a subo por seu corpo, tentando tirá-la, mas
ela fica presa em sua cintura, retirando mais risadas de minha
esposa, que de certa forma me deixa mais louco.
— Terá que soltar os laços, meu amor — ela comenta e eu fico
louco. — Sua mãe antecipou que isso aconteceria.
Rosno, por saber que as coisas foram dificultadas de propósito.
Viro minha mulher de bruços e começo o processo de soltar o
laço, rosno e quase uivo de frustração, pois a coisa parece não
colaborar comigo.
Nerya continua a rir e eu não desisto da tarefa, tentando soltar
os cordões grossos, mas então, como que por instinto, garras
crescem em minha mão e eu corto as amarras rapidamente. Não sei
o que aconteceu, porém, estou imensamente grato.
Puxo o vestido, agora rasgado, para baixo e então é revelada a
peça fina que usa por baixo do vestido. Viro-a e então vejo seus
seios firmes se insinuando para mim. Ela estremece e eu não sei o
motivo.
— Kael... — Sua voz sai trêmula e eu estranho, pois não era
essa a entonação que eu esperava ouvir. Volto minha atenção toda
para ela.
— O que houve, meu amor? — questiono e sinto que minha voz
sai mais grave e grossa.
— Eu nunca te vi assim antes — sussurra e volto a atenção para
mim.
Minhas garras estão grandes, há partes de meu corpo que há
pelos como o de lobo, e ao passar a língua sinto minhas presas. Mas
não me transformei. Então, me lembro que meu pai disse algumas
vezes que somente alfas poderosos podem se transformar em uma
forma semi-lupina. Contudo, eu o vi nesta forma algumas vezes e
ele fica muito maior e com a forma do corpo mais semelhante a um
animal do que eu aparento agora. Mas ainda assim, é uma forma
semi-lupina, o que confirma a minha herança como alfa do clã dos
Fury.
— Creio que seja minha forma semi-lupina ou, Pelo menos, uma
parte dela — com minhas palavras, ela parece mais aliviada e volta a
sorrir.
— Agora o tesão dobrou de tamanho — fala e rebola com a
peça quase transparente, me despertando novamente.
Seguro a peça com a ponta de minhas garras e a rasgo ao
meio, expondo-a completamente para mim. Meu membro pulsa com
a imagem e sua intimidade brilha, me chamando para entrar nela.
Seguro seus dois tornozelos e levanto seus pés para o alto, abro
as suas pernas e vejo o pequeno buraco brilhando e me chamando.
Avanço sobre sua carne macia e passo a minha língua por ela,
arrancando gemidos deliciosos de sua garganta. Passo a língua
diversas vezes, para cima e para baixo, e então enterro a língua,
fazendo movimentos de vai e vem.
Mas não suporto muito tempo, preciso penetrá-la. Me afasto e
olho em seus olhos desejosos. Ela fixa seu olhar no meu e abre mais
as pernas como um sinal. Meu membro pulsa, chamando a sua
atenção.
Ela o olha e passa a língua em seus lábios.
— Depois, sou eu que irei prová-lo.
Me deito sobre ela, ainda mais louco, e me enterro em sua
carne macia, arrancando gemidos, não apenas dela, mas também
meus.
— Oh, você parece ainda mais apertada.
— E você parece ainda maior! Ah! — ela geme e grita quando
começo a mover meu corpo dentro do dela.
Seguro-a bem aberta e observo meu membro invadi-la diversas
vezes. Ela se contorce e geme até que se desfaz, apertando meu
sexo com força. Então, não resisto e me derramo em seu corpo.
Retiro o membro ainda duro, seguro sua perna ainda bem
aberta e vejo meu esperma escorrendo. Ela rebola e nossa festa
apenas começou. Pego minha mulher e a viro de bruços, ajeito seu
corpo para que fique de quatro e me enterro nela novamente. E
estávamos apenas no começo do frenesi.
***
Selene
Depois de passar uma noite no cativeiro, fui levada para um
quarto amplo, iluminado e confortável, porém, não quero nada
daquilo. Eu só queria voltar para a minha casa.
Já pensei em fugir, mas as portas e janelas são guardadas por
homens do bruxo, e minha dama de companhia não me deixa um
segundo sozinha. E, além disso, há a tal coleira em meu pescoço
que não me permite me transformar.
Cercada desta forma e sem poder me transformar em lobo,
minhas chances de fuga são nulas, além do fato de que o castelo é
enfeitiçado e ninguém entra ou sai sem a permissão do rei.
— Não adianta ficar parada na janela o dia todo — Lily se
aproxima, tirando meu breve momento de paz.
— Quero ficar sozinha — sussurro.
Essa mulher não sai de perto de mim e eu não quero sua
companhia. Ela mentiu para mim, fingiu ser inocente para ganhar
minha confiança e agora estou cativa.
— É melhor descansar, viajaremos amanhã bem cedo. — Viro-
me bruscamente ao ouvir suas palavras.
— Já? — Fico alarmada, pois em tão pouco tempo eles não
conseguirão me encontrar.
— Não sei por que está surpresa? Eu havia lhe explicado que
viajaríamos de navio para a Terra de Eva. Malagar não quer arriscar
que alguém de sua família a encontre.
Volto meu olhar vazio para a janela, a minha única esperança
de ser resgatada está sendo retirada de mim.
— Eu posso muito bem me jogar dessa janela, e aí o que seu
mestre busca estaria perdido — falo as palavras com tranquilidade,
porém sinto que ela fica tensa.
— Você não teria coragem.
Curvo-me sobre a janela e vejo que estou em um quarto bem
alto e, lá embaixo, há guardas andando de um lado a outro. Se eu
pudesse me transformar, poderia saltar sobre eles, rasgar as suas
gargantas e ainda sair ilesa, entretanto, na forma humana... Tudo se
complica para mim.
— Eu não teria tanta certeza assim — replico sem olhar para
ela, apenas considerando o risco. — De que me adianta continuar
vivendo se estarei cativa pelo seu mestre, sendo obrigada a usar
meu poder para algo que não quero, e, vindo dele, duvido que seja
algo bom.
— Você pode não morrer na queda — começa a falar, se
aproximando aos poucos de mim. — A janela é alta, mas há guardas
lá embaixo dotados de poderes. Eles podem conseguir resgatá-la,
antes mesmo que acerte o chão, e então, você voltaria para o
calabouço.
Só de pensar naquele lugar, sinto arrepios pelo corpo. O cheiro
de mofo, o chão gelado, a poeira e a escuridão... Não quero voltar
para lá.
— Aqui é bem melhor — continua a falar, a vadia mentirosa. —
É claro, arejado e limpo. Você ganhou lindos vestidos... — Aponta
para o guarda-roupa que está cheio de roupas lindas, mas que não
quero usar. — Não sei do que está reclamando. O supremo está
sendo muito generoso com você.
— Eu não quero nada disso! — esbravejo, já não suportando
ouvir a sua voz. Viro-me a encarando. — Não queria estar aqui, não
pedi nada!
— Você é uma ingrata. Eu fui levada contra a minha vontade e
nunca tive nada disso aqui para mim — replica, alterando o tom de
sua voz, que antes era mais gentil. — Eu tinha apenas doze anos
quando me capturaram, eu estava indo para a escola, era apenas
uma manhã tediosa. Mas tudo se tornou um verdadeiro caos, e eu
jamais voltei para minha família! — Há lágrimas nos olhos dela, mas
não me deixo amolecer. — Felizmente, me acharam magrela demais
para ser atrativa para os homens e eu fui deixada na cozinha, onde
trabalhei incansavelmente em troca de uma cama dura e pratos frios
de comida. Nunca tive luxo aqui!
— Queria estar em meu lugar?
Ela ri amargamente com minha pergunta.
— Com certeza seria menos doloroso ser recebida assim —
responde com amargura em sua voz.
Uma batida na porta nos tira daquela conversa horrorosa.
Agradeço aos céus por, seja lá quem for, que interrompeu esse
diálogo.
Com um giro duro e determinado, Lily vai até a porta e a abre.
— O que a senhora quer aqui? — pergunta ríspida, mas a
pessoa não se encolhe e entra no quarto, invadindo o cômodo.
— Você é... — A mulher se aproxima de mim com um sorriso
estranho na face, não faço a menor ideia de quem seja.
Ela toca a minha face e eu recuo.
— Você é filha da Elowen! Se parece tanto com ela... — A
mulher divaga enquanto tenta tocar em mim novamente e seus
olhos brilham com lágrimas contidas. O que está acontecendo? —
Mas esses olhos não são dela nem de seu pai...
— Tenho os olhos do meu irmão. — Não sei por quê, mas
explico. — Eu sou Selene, fui tirada da festa de casamento de meu
irmão mais velho e fui mantida presa aqui. Se não puder me ajudar,
peço que se retire.
Posso estar sendo muito grossa com essa senhora que me
encara com uma expressão que não sei identificar, porém, já fui
traída por pessoas deste lugar. Não devo confiar em ninguém, pode
ser apenas mais um truque.
— Kael! — Ela sussurra o nome do meu irmão e eu estremeço.
Ela o conhece? — Ele deve estar um homem lindo.
Há um sorriso na face da mulher e eu já ia perguntar o que
estava acontecendo quando ela resolveu me dar a única resposta
que eu não esperava ouvir de sua boca.
— Eu sou sua avó, Selene.
Capítulo 19 - Determinados

Hiran
Passamos a noite toda viajando para a cidade dos bruxos. Ao
chegarmos, usamos algumas das nossas últimas moedas para nos
instalarmos.
— Podemos terminar a noite aqui — meu irmão sugere ao
pararmos na frente de uma estalagem.
O som do lado de dentro, apesar de abafado, ainda parece bem
animado. Talvez até mesmos possamos conseguir alguma pista nas
conversas dos homens bêbados.
— Acho que pode ser uma boa ideia. Podemos tentar escutar as
conversas — sugiro e meu irmão concorda.
— Ótima ideia.
— Nada de mulher esta noite. Vamos descansar e estar com a
mente focada no nosso dever amanhã. — Sou direto, pois eu sei que
devemos estar focados, e mulher pode ser uma distração que não
precisamos agora.
— Mas uma cervejinha não faz mal — replica.
— Temos que economizar, terá de ser cerveja quente, a gelada
custa caro demais — respondo, sendo prático.
Nosso objetivo hoje não é diversão, mas sim tentar encontrar
alguma pista sobre o paradeiro de nossa irmã.
— Está certo, irmão.
Seguimos para o interior da estalagem e somos recebidos pelo
ar abafado e cheiro de cerveja. As risadas, antes abafadas, agora
estão altas. Nos acomodamos em uma mesa estratégica que ficava
entre outras mesas cheias de homens e algumas mulheres se
insinuando.
Deixo Killan na mesa e sigo para o balcão onde um homem
magro e pálido nos atende, ele tem cheiro de humano.
— Quero um quarto para mim e meu irmão — peço e aponto
para o homem que me aguarda à mesa.
— São duas moedas de prata — responde o homem.
— Mas eu pedi apenas um quarto — protesto.
— São duas pessoas e um quarto. Duas moedas de prata —
repete e eu não vou ficar debatendo.
— Duas cervejas quentes — peço.
— Mais uma moeda de prata — exige.
Suspiro, pois não há o que fazer. Pago pela cerveja e vou me
sentar junto a meu irmão que olha ao redor, dando sorrisos galantes
para as mulheres que passam se insinuando.
— Nada de mulher, eu já disse — reafirmo ao me sentar à sua
frente.
— Só estava olhando a paisagem, irmão.
Nossa cerveja chega e ficamos ali, bebericando e tentando
ouvir conversas ao redor. A nossa audição aguçada nos ajuda a ouvir
discretamente o que é dito até mesmo nas mesas mais distantes.
Escutamos muita coisa inútil. Homens se vangloriando de suas
conquistas; reclamações sobre suas esposas, trabalho e patrões... E
muitas inutilidades. Nossas cervejas já haviam acabado há algum
tempo e eu achei que não viria nada mais de útil e já estava me
preparando para falar para meus irmãos que deveríamos subir para
nosso quarto, pois no dia seguinte iríamos nos apresentar para o
trabalho. Mas então sou surpreendido por um assunto:
— O navio já está ancorado e partirá em breve — ouço o
homem que está sentado atrás de mim falar com seu amigo e
sinalizo para que Killan também preste atenção naquela conversa.
— O Supremo trará novos escravos? — comenta o outro.
— Pelo que ouvi, sim — responde o primeiro. — Mas você não
sabe do mais interessante... Parece que ele levará alguém muito
importante com ele nesta viagem — o homem fala em um sussurro,
uma vã tentativa de não ser ouvido.
O que ele fala me interessa muito, pois esse alguém pode ser
nossa irmã. Troco olhares com Killan que reflete o mesmo semblante
de preocupação pela gravidade do que estamos escutando.
— Quem? — pergunta o outro.
— Não sei quem é, mas sei que é poderosa e que o Supremo
mandou buscá-la esta tarde. Malagar tem planos ambiciosos.
— Se isso ajudá-lo a trazer um número maior de escravos desta
vez, já está ótimo. Perdemos muitas escravos no último mês devido
à doença, e as lavouras estão às moscas.
Ele beberica a sua bebida ao responder e eu sinto ódio
percorrer meu corpo com suas palavras. Nossa mãe foi escrava e,
quando ela relata o que passou, sinto uma tremenda dor por seu
sofrimento. Agora, ao ouvir este homem falar de escravos como se
fossem meros objetos descartáveis, sinto vontade de fulminar este
ser imediatamente. Pena que o poder de matar está com meu irmão
e não comigo.
Sinto os dedos frios de Killan em minha mão, e sei que ele
sente o mesmo que eu. Sua tranquilidade me ajuda a me concentrar
na conversa novamente.
— Eu tive uma ideia — o primeiro a falar comenta. —
Poderíamos tentar embarcar no navio clandestinamente. Malagar só
leva os bruxos mais poderosos, eu queria muito conhecer a Terra de
Eva.
— Pode ser arriscado, embora sejamos bruxos, não somos da
classe mais poderosa. Se Malagar nos pegar no navio, podemos ser
punidos.
Já ouvi o bastante, e o indivíduo me deu uma boa ideia. Me
coloco de pé e Killan me encara com olhos confusos.
— Estou cansado, irmão. Amanhã teremos muito trabalho,
vamos dormir — declaro e ele me acompanha.
Subimos as escadas. A placa presa na chave me diz que o meu
quarto é o número quatro. Identifico o cômodo e entramos.
— Por que saiu no meio daquela conversa? Poderia sair algo
mais importante — inquire Killan, me encarando com seus olhos
escuros.
— Já ouvi o suficiente, e ele me deu um plano B — replico e
meu gêmeo ainda está confuso.
— Que plano B?
— Já sei que Malagar planeja levar nossa irmã para Terra de
Eva no navio; que ele tem planos para ela na captura de escravos e
que esse navio sai em breve, porém, não sabemos o quão breve
será — pondero as novas descobertas com meu irmão.
Sento-me na cama meio dura e coloco a bolsa de couro que
carrego ao meu lado. Killan repete os meus movimentos em sua
cama. Pelo menos teremos uma cama para cada um, muitas vezes
fomos obrigados a dividir a mesma cama em estalagens como esta.
— Então temos que encontrar Selene o mais rápido possível e
livrá-la das mãos do bruxo antes que ele a enfie naquele navio.
Balanço a cabeça concordando com sua fala.
— Mas é aí que entra o plano B — revelo. — Se não
conseguirmos resgatá-la a tempo, embarcaremos no navio
clandestinamente.
— Isso é loucura, Hiran — fala, se colocando de pé e começa a
andar pelo quarto. — Podem nos pegar e então nossos pais não
saberão o que aconteceu conosco e nem com Selene e falharemos
com todos eles.
— É por isso que amanhã mesmo mandaremos um mensageiro
para o nosso pai — replico, pois já havia pensado nisso.
— Pedindo reforços? — questiona e eu meneio a cabeça em
concordância.
— Também. Precisaremos de um meio de voltarmos com nossa
irmã, e dificilmente poderemos usar o mesmo navio.
Killan parece pensar em algo e eu já até sei do que se trata,
porque deve ser o mesmo dilema que enfrento.
— Mas... como eles chegarão lá? Como poderão nos trazer de
volta?
Seus olhos escuros, cheios de dúvidas e incertezas, me
encaram.
— Enfrento o mesmo dilema, irmão. Mas se não pudermos
resgatar Selene, não poderemos deixá-la sozinha. Temos que
arriscar.
A incerteza no olhar de meu irmão se transforma em
determinação e eu sei que agora ele sente o mesmo que eu.
— Você tem razão, Hiran. Se nossos pais e irmãos não puderem
nos encontrar na Terra de Eva, pelo menos não iremos deixar nossa
irmã sozinha.
— A protegeremos a todo custo! — falo determinado.
Me coloco de pé e meu irmão dá um passo à frente e aperta a
minha mão com força. Protegeremos a nossa irmã, custe o que
custar.
***
Kael
A noite passou tão rápido que eu nem a vi passar. Quando dei
por mim, já estava amanhecendo. Nos recolhemos e dormimos um
pouco, até que fui despertado por um som alto.
Me sentei bruscamente, despertando Nerya comigo.
— O que houve, amor? — pergunta ela, ainda cansada e
sonolenta, não muito diferente de mim.
— Ouvi um barulho e...
Antes que eu pudesse concluir, o som ressoa pela casa
novamente e percebo que é o som de alguém batendo na porta de
nossa casa e está batendo com força.
— Estão batendo na porta — constada minha esposa.
Salto da cama e me enfio na primeira calça que vejo, antes de
ir atendê-la.
— Para vir nos incomodar, deve ser algo muito importante —
respondo e vou rapidamente para a porta, e o som de batidas fortes
soa novamente. — Estou chegando!
Salto os últimos degraus da escada e logo minhas mãos estão
na tranca da porta. A abro e então vejo meus pais parados na minha
frente.
— O que aconteceu? — pergunto.
— Uhg, que fedor... — Meu pai balança a mão na frente da
face, espantando o cheiro que vem de mim e eu nem havia
percebido. — Precisa se lavar agora mesmo.
— Entrem, eu vou me lavar — respondo, passando as mãos
pela cabeça raspada, meio sem jeito. As horas de sexo deixaram
suas marcas, principalmente para um lobo, cujo olfato é mais
apurado.
Subo as escadas e adentro o meu quarto para pegar roupas
limpas.
— Quem é? — inquire a minha mulher.
— São meus pais, mas estou fedendo demais e preciso me lavar
antes de falar com eles.
Ela cheira o ar como se estivesse farejando e em seguida
levanta o braço, sentindo o próprio cheiro.
— Nós estamos fedendo — responde e eu rio.
Pego minhas roupas e, antes de sair do cômodo, me viro na sua
direção, convidando a me fazer companhia.
Me apresso para o quarto de banhos que fica no andar de
baixo, por isso sou obrigado a passar por meus pais novamente e
vejo o Alfa torcer a face.
Encho a banheira rústica com a água do poço que cavamos
próximo ao quarto de banhos, para que fosse possível enchê-la
usando apenas uma manivela e um tubo. A água é fria, mas como o
tempo está bastante quente, não me incomodo.
Depois de limpo, vou até a sala. Minha esposa ainda não
desceu, deve ter pegado no sono novamente.
— Bem melhor — diz meu pai assim que me coloco à sua
frente.
— Meu filho — minha mãe sussurra ao se colocar de pé e vir
me abraçar. Ela está completamente abalada.
— Aconteceu alguma coisa? — questiono. — Os gêmeos já
voltaram?
— Não — responde meu pai incisivo. — Mas eles mandaram um
bilhete por um mensageiro.
Tharion abre o bilhete e eu vejo o que está escrito ali.
“Um navio vai partir a qualquer momento para Terra de Eva e
Selene será levada. Se não conseguirmos resgatá-la a tempo, iremos
embarcar clandestinamente. Enviaremos outra mensagem.”
Leio o bilhete em voz alta e minha mãe volta a chorar.
— Eles podem ficar invisíveis, é assim que embarcarão.— Tento
acalmar minha mãe. — Eles não serão pegos.
— Mas como meus filhos voltarão depois disso? — As lágrimas
correm pela face de Elowen.
— Encontraremos um jeito — meu pai fala de forma gentil, mas
confiante.
— Nem sabemos onde fica este lugar — rebate ela, deixando a
insegurança e o desespero tomarem conta.
— Calma, mãe. Eu trabalhei na cidade dos bruxos, consigo
descobrir um meio de ir até eles e trazê-los de volta.
Seguro firme em suas mãos frias e trêmulas, na tentativa de
passar segurança a ela, que meneia levemente. Abraço-a com força
até seus tremores aliviarem. Depois de mais calma, minha mãe se
acomoda ao lado de meu pai novamente e voltamos a conversar.
— E então, pai, o que pretende fazer?
— Temos que aguardar a próxima mensagem, assim poderemos
agir de forma mais precisa.
— Acho que eu posso fazer o que os gêmeos fizeram, eu posso
ir até a cidade e arrumar algum trabalho, assim poderei buscar
pessoas que possam me ajudar — sugiro.
— Mas quando a mensagem chegar, você não estará aqui —
rebate meu pai. — E então, como iremos agir?
— Estando lá, acho que ficarei sabendo quando o navio irá
partir e então eu volto.
Meus pais ponderam sobre o que digo.
— E talvez até encontre com os gêmeos lá — completo.
— Acha mesmo uma boa ideia? — questiona meu pai.
— Ganharemos tempo deste jeito, pai — ele analisa as minhas
palavras e dá a sua resposta.
— Você não pode ser capturado ou descoberto, ou tudo estará
perdido.
— Eu trabalhei lá, pai. Não irão estranhar a minha presença —
falo com segurança.
— Tudo bem, faça o possível para encontrar um meio de irmos
até eles.
Com as palavras finais de meu pai, sei que devo me preparar
para partir.
Capítulo 20 - Informação preciosa

Killan
— Quem vai? — pergunto ao meu irmão, que acabou de enviar
a mensagem para nosso pai sobre o navio que partirá em breve.
— Eu não sei — responde, observando a fila de trabalhadores
que estão se colocando à disposição para o dia de hoje. — Vamos
tirar na sorte.
Hiran pega uma moeda e a segura sobre o punho fechado.
— Cara ou coroa? — pergunta.
— Cara — respondo.
— Então eu sou coroa. O que sair vai se candidatar ao trabalho
de hoje — declara e joga a moeda para cima.
Ele a apanha e bate sobre a mão esquerda e revela quem irá se
candidatar ao serviço hoje.
— Saiu cara — revela e eu balanço a cabeça em concordância.
— Perfeito, então eu vou e você fica de olho em tudo.
— Não se esqueça de que nosso nome é Hugo.
Aceno em concordância, pois sempre trabalhamos sob um
nome falso e o mesmo nome para os dois. A cor dos olhos sempre
foi o que fazia as pessoas questionarem por que um dia estava azul
e no outro estava preto. Mas já tínhamos uma resposta preparada.
Nosso tom de azul era tão escuro que, em alguns dias, parecia
preto. A maioria aceitava a explicação e não questionava mais.
Afasto-me, entrando na fila de trabalhadores. Logo chega a
minha vez. Colocam uma enxada e uma foice em minhas mãos.
— Qual seu nome? — o bruxo contratante pergunta de forma
grosseira.
— Hugo.
— Para a lavoura, Hugo. Seu trabalho hoje será preparar a terra
para o plantio.
Concordo com o trabalho e sigo para o campo ao qual sou
conduzido junto com mais algumas dezenas de homens.
Há humanos trabalhando também, mas sei que esses são
escravos e não trabalhadores como nós. Ouvimos na noite anterior
que estavam precisando de trabalhadores para as lavouras, pois
muitos escravos humanos morreram de doença.
Começo meu trabalho. A enxada desce sobre a terra meio seca,
revirando-a para que possa receber o plantio. O sol queima a minha
pele, o suor escorre por meu corpo, porém sou acostumado ao
serviço pesado. Desde muito jovem, meu pai nunca nos poupou do
trabalho.
Durante o serviço, começo a analisar as pessoas ao meu redor
para identificar aquela que pode ter algo de útil para mim. Entre os
trabalhadores, sempre há alguns bruxos e outros lobos, além dos
humanos.
Identifico um homem de cabelos brancos, porém sua face é
jovem, o que pode ser o indício de que o homem é um bruxo. Me
aproximo dele e apoio os braços sobre a enxada.
— Sabe onde consigo um pouco de água? — pergunto. — Está
quente demais.
O homem para o seu trabalho e me encara com a face
distorcida de desgosto. Pelo cheiro, confirmo: ele é um bruxo.
— Não trouxe seu cantil? — inquire irritado. — Como vem
trabalhar sem um cantil?
— Não achei que o trabalho fosse na lavoura, sempre peguei
carregamentos — revelo, o que não deixa de ser verdade.
— Estamos com poucos trabalhadores nas lavouras — conta o
que eu já sei, mas não vou dizer nada. — Terá que ir até o poço —
ele aponta para uma construção a alguns metros. — Mas terá que
conseguir algum recipiente, pois não poderá parar toda hora para ir
até o poço. Se acharem que não está trabalhando, vão retirá-lo e
não receberá uma moeda se quer.
Balanço a cabeça em concordância e agradecimento.
— Não sabe se consigo um trabalho de carregamento amanhã?
— Jogo a questão sobre o homem, pois o meu objetivo aqui é
arrumar um meio de entrar no castelo. Preciso de autorização para
entrar lá e encontrar a minha irmã.
— Vá trabalhar e me deixe trabalhar também, depois eu vejo se
consigo algo para você.
Me afasto do homem com um gesto de agradecimento e passo
o restante do dia revirando a terra debaixo do sol quente. Tive que
fazer algumas viagens até o poço, e felizmente cada trabalhador
recebeu uma refeição no meio do dia.
Estava ansioso com o fim do trabalho, pois minha única
esperança seria o homem conseguir algum trabalho de
carregamento para mim. Como bruxo, ele deve ter mais acesso a
esse tipo de informação.
O sol começa a descer, o vento fresco da tarde acerta a minha
pele, informando que o fim do expediente está se aproximando.
Coloco as minhas ferramentas sobre o ombro e caminho para a
saída do campo de trabalho. Avisto o tal bruxo de cabelos brancos e
me aproximo dele.
— E aí, conseguiu alguma coisa? — faço a pergunta e ele me
encara com seus olhos pálidos.
— Amanhã, o supremo precisa de trabalhadores para
transportar caixas com mantimentos e barris de água e bebida até o
navio que partirá ao amanhecer. Terá que se apresentar antes do dia
clarear ou perderá o trabalho.
Sorrio com a informação que ele me deu, pois é muito mais do
que eu esperava. Ele acaba de me dar a informação de quando
exatamente o navio vai partir.
— Obrigado, estarei lá no meio da madrugada.
O homem acena satisfeito com minhas palavras. Agora temos a
chance de resgatar a nossa irmã, e sabemos a hora precisa para
fazer isso.
***
Kael
Decidi que minha esposa ficaria melhor na casa de meus pais
até que eu retornasse, por isso arrumamos nossas malas e eu a
levei para a casa do alfa.
— Tem certeza que é melhor se afastar neste momento? — ela
questiona insegura.
Eu sei que mal tivemos a chance de consumar o nosso
casamento e já precisaremos nos afastar, mas infelizmente meu
casamento foi marcado pelo desaparecimento de minha irmã.
— É o melhor a se fazer, por hora, quando souber que o navio
zarpou, retorno já com a solução para irmos atrás de meus irmãos.
Passo a mão por seus ombros e a puxo para mais perto de
mim, deixando um beijo em sua cabeça.
— Eu tenho medo que algo aconteça a você, Kael — ela
sussurra, a voz apertada pelo temor.
Jogo nossas malas sobre meus ombros enquanto caminhamos
rumo à casa de meus pais.
— Não vai acontecer nada de ruim, meu amor. Vou trazer meus
irmãos de volta para casa, é isso o que vai acontecer! Aquele velho
não vai conseguir o que quer.
Ela acena, tentando se convencer de que eu tenho razão, mas
sei que está insegura e com medo.
Chego à casa de meus pais, preparado para deixar a minha
esposa sob seus cuidados e partir.
Dou duas batidas na porta e a abro. A sala está silenciosa, mas
há movimento no andar de cima.
Encaro a minha esposa meio confuso e seguimos para cima, eu
na sua frente para defendê-la, caso esteja acontecendo algum
ataque. Contudo, percebo que se trata de uma discussão.
— Parece a voz do meu pai — sussurra ela, e vejo alívio em sua
voz.
Andamos mais rápido até o cômodo que costumava ser o meu
quarto e quando abro a porta, me deparo com uma cena inusitada:
meu pai e meu tio Liam discutindo, e o mais interessante é que meu
pai defendia a sua permanência na casa.
— Ainda está se recuperando! — esbraveja meu pai no
momento em que abro a porta.
Ele aponta o seu dedo para a face de Liam, que se encontra
sentado na cama, a face distorcida pela raiva.
— Já estou bem, não vou ficar aqui e deixar a minha aldeia
largada às moscas!
Liam fala determinado, porém, obviamente, ainda não está
completamente curado. Sua mão segura o lado esquerdo, onde fora
atingido por Max. Com certeza ainda sente dor.
— Pai! — Minha esposa grita e se joga na direção do homem,
abraçando-o e ele geme de dor. — Tive medo de perdê-lo.
A voz embargada de minha mulher mostra o quanto está
emocionada por ver o pai se recuperando bem, depois de apenas
um dia após o ferimento grave que sofreu. Isso com certeza só foi
possível, pois permaneceu na sua forma lupina.
— Por favor, espere mais um pouco. Ainda sinto cheiro de
sangue no senhor — pede Nerya ao pai, que direciona o seu olhar
para a esposa que se mantinha em silêncio no canto do quarto.
— Infelizmente, não posso esperar mais — fala a alfa Vik. —
Seu pai está bem o suficiente para seguir até a aldeia, lá poderá
descansar o tempo que precisar.
— Nem parece que estava aos prantos ontem — devolve a
minha esposa com determinação em sua voz. — Não queria deixá-lo
nem por um segundo, por um momento pensei que esqueceria um
pouco daquela sua aldeia para pensar um pouco mais em sua
família!
— Antes de me atacar, Nerya, lembre-se que você abandonou o
seu clã e seu irmão, que ainda é jovem demais para assumir
qualquer responsabilidade, então, somos apenas seu pai e eu —
justifica-se a alfa. — Precisamos voltar, ou eu terei que voltar
sozinha.
— Eu não vou ficar aqui sozinho, só com meu irmão e sua
mulher — Liam lança um olhar de esguelha para o meu pai.
— Não ficará sozinho, pai — Nerya se ajoelha ao lado da cama
e segura a mão do homem — Kael está de saída para a cidade das
bruxas e eu vou ficar aqui até que volte.
Percebo que há algo de diferente na expressão dele depois do
que a filha lhe disse. Antes, ele estava determinado a ir embora,
agora a dúvida está o abatendo.
— Vai ficar? — pergunta desconfiado.
— Eu vou, pai.
— Precisarei ir até a cidade das bruxas atrás de meus irmãos,
tenho que ajudar Killan e Hiran a resgatar Selene — com a minha
declaração, o homem volta seu olhar escuro para mim. — Aliás,
preciso agradecer por tentar salvar a minha irmã.
Ele balança a cabeça como se dispensasse o que digo.
— A princípio, achei que Max queria sequestrar a minha filha.
Por isso montei guarda — confessa, mas já sabíamos. Porém, isso
não muda o fato de que ao descobrir que não se tratava de Nerya e
sim de Selene, mesmo assim ele a defendeu, ou pelo menos tentou.
— Mas, ao descobrir que se tratava da minha filha e não da
sua, a defendeu do mesmo jeito — meu pai profere o que eu havia
acabado de pensar.
Seus olhos se encontram e meu pai declara, com seu tom de
voz de alfa, com a devida autoridade.
— Em três dias poderá ir embora, estará bem o suficiente, mas
até lá, permanecerá na minha casa.
Sem deixar margens para dúvidas ou questionamentos, o
homem determina e todos acatam. Inclusive a alfa que resmunga ao
deixar o cômodo de modo bravio.
Capítulo 21- Derrotada

Selene
Passei a noite em claro. Não consegui pregar os olhos um só
segundo, imaginando que logo serei levada para longe do alcance da
minha família.
O castelo é enfeitiçado e ninguém sem permissão sai ou entra
nele, o que impossibilita que alguém o invada para me livrar de meu
cativeiro. Além disso, estou impossibilitada de me transformar, pois a
coleira em torno do meu pescoço me impede. Tudo isso me deixa
derrotada, com um sentimento de impotência que não estou
conseguindo lidar.
Só consigo pensar em meus pais e em meus irmãos, em como
eles estão lidando com o meu desaparecimento.
O som da porta se abrindo me tira de meus devaneios e viro a
cabeça para ver quem adentra o cômodo. Ao contemplar a mulher
de cabelos grisalhos que entra no ambiente, suspiro pesadamente e
volto a me deitar. Com o olhar perdido em algum lugar do quarto
que foi designado a mim.
— Anime-se, minha querida. Em breve partiremos!
Gostaria de saber por que essa mulher acha que eu deveria
estar animada em ser levada para longe da minha família. Em outro
momento, gostaria de ter conhecido a minha avó, teria ficado feliz
em ouvir as suas histórias, mas na atual situação... Eu não quero
nada, só quero voltar para minha casa.
— Eu quero voltar para casa — sussurro e sinto a cama afundar
ao meu redor.
Os dedos da mulher tocam o meu couro cabeludo. Não quero o
seu toque, mas não o afasto. Estou sem forças até para isso.
— Não fique assim, querida. Irá se acostumar. Malagar não é
ruim se você souber lidar com ele. Ele pode te dar lindos vestidos e
o que mais você quiser, se simplesmente cumprir com o que ele lhe
pedir.
Me sento abruptamente na cama, surpreendendo a minha avó.
— Eu não quero vestido, não quero nada! Só quero a minha
casa, minha mãe, meu pai e meus irmãos! — exijo com bravura,
mas o olhar da mulher para mim é triste.
— Infelizmente isto não será possível. — Seus dedos finos
tocam os meus, mas eu os tiro de seu alcance. — Temos uma a
outra, agora, Selene. Você desenvolveu um lindo poder que poderá
ajudar o seu povo! Vamos embarcar nesta viagem e vai conhecer
lugares diferentes, é tudo tão interessante lá na Terra de Eva! Nada
é como estamos acostumadas.
— Eu não quero conhecer lugar nenhum! O meu povo são os
lobos e não os bruxos… Eu quero sair daqui!
Dou um salto da cama e corro pelo quarto para alcançar a
porta, mas ela está trancada. Viro em direção à janela e me debruço
sobre ela...
— Selene! — A mulher me chama e eu estou ofegante com
metade do corpo para o lado de fora.
Um grito de frustração escapa de minha garganta, chamando a
atenção de alguns bruxos abaixo.
A porta se abre e ouço a voz enjoada de Lily.
— Querendo se jogar da janela mais uma vez, Selene! — fala
com um tom cansado. — Olha, isso já está ficando chato.
— Sai daqui! Sai... Me deixa em paz! — grito com toda a minha
força. — Eu não vou fazer nada para vocês, não vou ajudar em
nada!
Ela ri da minha histeria.
— Você não tem que querer. Malagar quer, e se ele quer você
vai fazer. Está na hora, vamos embora!
— Eu não vou a lugar nenhum! — grito determinada, mas então
ela estala os dedos e vários soldados do supremo invadem o
cômodo.
Recuo até perto da cama, onde a minha avó está sentada
assistindo a toda a cena, mas ela não faz nada para me ajudar.
Os brutamontes seguram firme em meus braços e me arrastam
para fora do quarto. Mesmo me debatendo, chutando e gritando sou
levada para fora. É tudo em vão.
Quando percebo que não há o que fazer, que não adianta lutar,
as lágrimas tomam a minha face. A dor é de partir o meu ser ao
meio.
— Aconselho que feche a sua boca e pare de gritar — a voz
rouca que já conheço bem atinge meus ouvidos e estremeço.
Malagar, o bruxo supremo, está atrás de mim.
Dou um puxão no braço que um dos soldados estava
segurando, soltando-o, e me viro para encarar os olhos do bruxo.
— O que você vai fazer se eu não parar de gritar? — desafio o
bruxo e sei que é um ato de loucura, mas não me importo.
— Está reconhecendo isso? — Ele balança um pedaço de pano
e o cheiro do que há nele, invade as minhas narinas. — Isso é um
produto dos humanos que achei muito interessante, ele faz
garotinhas escandalosas, como você, dormirem. Dizem que dá uma
dor de cabeça terrível depois, mas acho que não se importa, não é?
Lembro-me bem da sensação, do cheiro, da dor de cabeça e da
náusea. Não quero sentir tudo aquilo outra vez, então acabo me
rendendo e ele vê em meus olhos que não vou mais lutar.
— Boa menina — sua fala me faz me sentir mal, e mergulho
naquele sentimento que me abatia até minutos atrás.
Sou conduzida pelo castelo até a saída. Lá sou colocada sobre
um cavalo e um soldado se senta atrás de mim, conduzindo animal.
Não presto atenção em mais nada, só me deixo ser conduzida até o
tal navio ao qual me levará definitivamente para longe da minha
família.
***
Kael
Cavalgo em direção à cidade dos bruxos, sei que levarei
algumas horas para chegar e que a melhor forma de conseguir
informações ainda hoje é me hospedando em alguma taverna ou
estalagem. As moedas guardadas me serão úteis agora.
Quando finalmente cheguei na cidade, o sol da tarde havia me
esgotado. A fome e sede me assolam, a exaustão de estar horas
sobre um cavalo também me invade, e tudo o que quero agora é
comer, beber e dormir.
Amarro o animal do lado de fora da taverna que costumava
frequentar e adentro o ambiente. Este não é o momento mais
lotado, pois muitos ainda estão trabalhando a esta hora.
Me direciono ao balcão e peço um quarto, água e comida.
Depois de pagar e pegar a chave do meu quarto, onde irei
descansar, me sento à mesa, esperando por minha refeição.
A tigela de guisado e a bandeja de pães são colocadas à minha
frente, juntamente com uma moringa de barro, contendo água
fresca. Me sirvo e como avidamente. Está uma delícia.
Ao fim da refeição, o cansaço parece me dominar ainda mais.
Então, subo as escadas e vou até o quarto designado a mim e
dentro dele encontro uma tina, um tipo de banheira feita de
madeira, bastante rústica, mas já preparada para o banho.
Retiro as minhas roupas e mergulho meu corpo cansado e
suado na água morna e relaxante. Esfrego-me e então relaxo na
banheira. O sono quase me toma quando ouço um som soar da
porta.
Alguém havia batido, mas em seguida a vi se abrir lentamente.
Preparei-me para atacar, caso fosse um ladrão ou outra coisa. Mas
era uma mulher.
A reconheci imediatamente. Ela é morena, cabelos longos até a
altura da bunda e trançados; quadril largo e cintura fina; os olhos
azuis são como duas safiras. E ela usa um belo vestido cor de vinho
que contorna o seu corpo, deixando-a ainda mais bela.
— Lembra-se de mim? — questiona a bela jovem.
— É claro que me lembro — respondo simplesmente.
Antes eu nem mesmo conhecia a minha esposa, agora sou um
homem casado. É verdade que as coisas avançaram rápido demais,
mas como um homem casado, a minha postura deve mudar
completamente.
— Gostou? — inquire, girando seu corpo para me mostrar o
vestido que usava. — Eu disse que compraria o vestido e o usaria
para você. Lembra-se? — O sorriso que ilumina o seu rosto é lindo, e
eu odeio ter que colocar um fim nele, mas é o certo a se fazer.
— Eu me lembro, sim. Fico feliz que tenha comprado o vestido,
mas eu não pedi companhia para hoje. Me desculpe.
O sorriso some de sua face por um breve instante, mas ela
volta a sorrir e se aproxima da tina onde estou a passos largos.
— Nenhum homem me presenteou antes — fala e se agacha ao
meu lado. Seus dedos passeiam pela água e eu me enrijeço. —
Posso retribuir o presente — sua voz soa melosa e sugestiva, os
olhos piscam encantadores para mim.
— As coisas mudaram desta vez... Qual é mesmo o seu nome?
— Tory — responde com um sorriso sedutor, os cílios ainda
piscando em minha direção.
— Tory... Agora sou um homem casado. Recém-casado.
Percebo que a feição dela murcha e ela se levanta
imediatamente, dando passos para trás. Não quero que se sinta mal,
só não quero errar com minha mulher.
— Me desculpe, senhor... Eu... Eu não sabia. — Seus olhos
estão no chão, agora. As mãos para trás. — Me desculpe — repete.
— Não tinha como você saber, Tory. Está tudo bem. — Tento
tranquilizá-la, mas então algo passa por minha cabeça. — Você
estava disposta a me agradecer pelo presente, certo?
Ela ergue a cabeça com minhas palavras e o sorriso retorna ao
seu rosto.
— É claro, senhor.
— Meu nome é Kael. Você poderia me ajudar em uma coisa.
Saia do quarto por um instante e depois retorne, então poderemos
conversar melhor.
— Sim, senhor... Kael. — Ela se vira e deixa o quarto.
Saio da tina, a água pingando pelo chão do quarto. Pego a
toalha que foi colocada sobre a cama e me enxugo, me visto e vou
até a porta. Quando abro, a mulher está de pé diante dela, virada de
costas.
— Tory — chamo-a e ela se vira ao som da minha voz.
— Sim, senhor.
— Podemos conversar, agora.
A mulher entra em meu quarto. Aponto a poltrona de couro
desgastado que está ao lado da porta e ela se senta ali. Vou até a
cama e me sento, apoiando os antebraços sobre os joelhos.
— Estou aqui em busca de informações sobre a minha irmã. Ela
desapareceu e ouvi dizer que ela pode ser levada em um navio que
zarpará em breve.
Com minhas palavras, a mulher arregala os olhos. Antes que ela
diga alguma coisa, prossigo. Se ela tiver medo de me ajudar, eu
posso compreender.
— Preciso saber quando esse navio vai zarpar e preciso de uma
outra alternativa para seguir na mesma direção que ele.
Ela se coloca de pé abruptamente e eu acho que assustei a
mulher.
— Senhor, eu consigo a informação de quando o navio vai
zarpar, não é algo difícil de se conseguir. Mas seguir o navio, ou
mesmo tentar entrar nele... — Ela balança a cabeça em negação, as
tranças voando ao seu redor. — É loucura, é perigoso demais.
— Não se preocupe, eu só preciso da informação. Ninguém
saberá que me ajudou.
Ela enlaça os dedos e olha para o chão, parecendo nervosa.
— Senhor, não temo por mim. Se o supremo lhe pegar no
navio... Ou se der um jeito de segui-lo e ele descobrir... — Ela
balança a cabeça novamente.
— Eu posso lidar com ele — falo de forma suave, tentando
convencer a garota. — Preciso salvar a minha irmã.
Ela parece pensar e considerar o que digo.
— Tudo bem, pela sua irmã. Não deve ser para algo bom que a
estão levando para a Terra de Eva — sussurra. — Nunca é algo bom
quando se trata do supremo.
Sorrio, pois consegui uma aliada. Vou salvar a minha irmã das
garras de Malagar.
Capítulo 22- Um passo para a liberdade

Selene
Subo derrotada as escadas que levam para dentro do navio. Se
não fosse toda a situação que envolve a minha partida para a Terra
de Eva, poderia até dizer como a paisagem é linda e como o navio é
grande e impressionante. Mas tudo que quero é me encolher em um
canto e esperar tudo isso passar.
Suspiro fundo quando minha dama de companhia me puxa pelo
punho.
— Vamos, mova-se. — Ela puxa com mais força o meu braço e
eu tropeço, quase caindo.
— Cuidado com a garota! — minha vó ralha, mas Lily não se
importa com ela e continua me arrastando.
O convés do navio está uma verdadeira confusão. Há homens
trabalhando, arrastando caixas, fardos e barris. Gritos de ordens
ressoam ao meu redor, a movimentação deveria me incomodar ou
me irritar, mas nada acontece. Eu só estou em um torpor onde me
afundo cada vez mais.
Sou levada a uma cabine que mais se parece um quarto de
luxo.
— Tem mais do que merece, princesinha — zomba Lily, ao me
empurrar para dentro do cômodo. — Ordens de Malagar que tenha
tudo de melhor — fala com desdém e revira os olhos.
Sento-me na cama macia, viro meus olhos para a janela
pequena e vejo o mar que se estende adiante.
Ouço a porta bater e percebo que estou sozinha, mas nem me
atrevo a ir até a porta e tentar fugir, pois sei que será em vão. No
mínimo, a porta está trancada, e se não estiver, com certeza há
guardas do lado de fora.
Me deito de lado na cama e me permito viajar, lembrando-me
de meus pais e de meus irmãos. Será que um dia os verei
novamente?
O tempo passa e então ouço a porta se abrir novamente, deve
ser Lily ou minha avó. Para mim tanto faz, as duas querem a mesma
coisa. Elas só pensam em si mesmas, pensam no que irão ganhar
com o supremo e não se importam comigo.
Mas ao olhar para a porta, não vejo ninguém. Devo estar
alucinando.
— Selene — uma voz conhecida chama o meu nome, mas não
há ninguém da minha família, aqui no navio. — Selene — ouço me
chamar novamente, a voz é familiar, então me sento.
Olho ao redor e não há ninguém aqui.
— Devo estar ficando maluca — murmuro, mas uma risada
corta o ar.
— Eu disse que ela ia se assustar — ouço uma voz parecida
com a de Killan. Além da alucinação, devo estar ficando louca
mesmo!
— Quem está aí? — pergunto em um fiapo de voz.
— Não reconhece nossa voz, irmãzinha? Vou ficar triste! —
ouço a voz de Killan novamente.
— Killan? — sussurro. — Não, eu estou ficando maluca.
Então os dois aparecem na minha frente e eu solto um grito.
— Shh... shh... Não faça barulho! — Hiran corre na minha
direção, colocando a mão sobre a minha boca. — Somos nós, não é
alucinação nem loucura ou feitiço dos bruxos... Somos nós — ele
sussurra.
Meus olhos percorrem de um para o outro. Meus irmãos estão
aqui e eu estou feliz com isso, mas...
— Como? — pergunto.
— Depois a gente explica, mas precisamos te tirar daqui antes
que o navio zarpe.
— Como vão fazer isso? — questiono aos meus irmãos. Estou
feliz por vê-los aqui, mas temo que Malagar os pegue.
— Você vai ficar na porta esperando o nosso sinal — Hiran
começa a explicar. — Para as outras pessoas, você estará sozinha,
então não fale nem olhe para nós.
Balanço minha cabeça em compreensão. Ele prossegue:
— Há um cavalo lá fora à nossa espera, já está tudo preparado
para a sua fuga.
— Mas está cheio de gente lá fora, Malagar está por aí e ainda
tem a minha dama de companhia que é uma praga — pontuo os
motivos para esse plano dar errado. — E ele ainda pode pegar
vocês!
— Ninguém vai nos pegar, pois estaremos invisíveis — Killan
explica.
— Ainda precisam me explicar como fizeram isso — exijo.
— Depois explicaremos tudo, agora precisa se concentrar em
fugir daqui o mais rápido possível — Hiran pontua.
Balanço a cabeça em concordância.
— Tudo bem.
Vejo meus irmãos darem as mãos, e então um estalo de poder
e eles somem no ar. Coloco a mão na boca para engolir o grito.
— Fique próxima da porta e aguarde o nosso sinal — ouço a
voz de Killan e então a porta se abre como se um fantasma
estivesse feito aquilo, e se fecha em seguida.
Vou até a porta e cravo meu ouvido na madeira, ouvindo tudo
ao redor.
Ouço vozes, risadas roucas dos homens do navio e passos
pesados. Gritos de ordens, estalos de chicote e som de coisas caindo
ao chão. Aos poucos o som vai tomando proporções menores, até
que se tornem muito distantes.
— Selene — ouço o sussurro do outro lado da porta e quando a
abro não há ninguém ali. É o sinal de Killan e Hiran.
Saio cautelosamente. Olho ao meu redor e não há ninguém.
Não sei o que fizeram, mas deram um jeito de afastar as pessoas.
Caminho lentamente e sinto dedos invisíveis ao redor do meu
pulso, me conduzindo.
Vejo um tumulto do outro lado do convés, parece uma briga.
Entendo o que eles fizeram, meus irmãos criaram uma distração
para afastar as pessoas da porta do meu quarto.
Acelero o passo, os degraus estão cada vez mais próximos... Só
mais um pouco... Mas então sinto dedos envolverem meu pulso e
não é nenhum de meus irmãos. Meu estômago afunda
imediatamente.
— Aonde pensa que vai, querida?
A voz de Malagar me faz cair de volta na minha realidade. A
liberdade escapa por meus dedos, por muito pouco.
***
Killan
Vi minha irmã ser levada de volta para a sua cabine e não pude
fazer nada, além de acompanhá-la.
— Você realmente é uma coisinha muito esperta, não perdeu
tempo e na primeira oportunidade tentou fugir, mas eu disse que
não iria muito longe se tentasse, lembra-se? — a voz azeda do
homem que a conduz adentra nossos ouvidos.
Os seguimos em silêncio, mas o esforço é gigantesco para não
agarrar o homem pelo pescoço.
A distração da briga já está se extinguindo e as pessoas estão
retornando aos seus afazeres. A chance de fuga de minha irmã
chegou ao fim.
Chegamos ao seu quarto e ela é jogada lá dentro pelo bruxo
como um saco de batatas.
— Partiremos em poucos minutos, fique a vontade para tentar
fugir pelo oceano — O homem comenta e ri de sua péssima piada.
Entramos sorrateiramente e vimos o canalha sair do cômodo e
fechar a porta atrás de si.
Selene se lança sobre a cama e começa a chorar.
Meu irmão e eu desfazemos a magia e nos tornamos visíveis
novamente. Aproximo-me da cama com Hiran ao meu lado.
— Acalme-se, maninha, estamos aqui. Não está sozinha —
sussurro e meu irmão acaricia seus cabelos escuros e pesados.
— Nada de ruim vai lhe acontecer — promete Hiran. —
Estaremos ao seu lado o tempo todo.
Ela se vira e se senta, encarando-nos.
— Vocês não foram embora — não é uma pergunta, apenas
uma constatação. — Como nosso pai saberá que estão bem? Eles
vão achar que algo aconteceu a vocês — fala atordoada.
— Não se preocupe — digo. — Enviamos uma mensagem ao
nosso pai, avisando que o navio iria partir hoje nas primeiras horas
do dia e que embarcaremos clandestinamente.
Os olhos azuis de minha irmã encaram os meus, e então desvia
para o meu irmão.
— Vocês vão ficar comigo?
— É claro. Acha que a deixaríamos sozinha?
O som da porta se abrindo nos alerta, e Hiran e eu damos as
mãos e desaparecemos no exato momento que uma mulher ruiva
seguida de uma senhora de cabelos grisalhos invadem o cômodo.
Os olhos de Selene estão arregalados e assustados. Torço para
que em seu nervosismo, ela não nos entregue.
— Que cara é essa, garota? Viu um fantasma? — a ruiva
inquire. Só pela forma que fala com minha irmã, já não gostei dela.
— Eu... Eu... Estou confusa.
A mulher estala a língua e joga sobre Selene um embrulho que
estava em suas mãos.
— Não sei o que Malagar viu em você. Com essa coleira não é
mais que uma humana e é uma garota muito fraca — ataca a ruiva.
— Deixe minha neta, Lily. A menina está triste e ela tem razão
para isso, vamos deixá-la sozinha.
Neta? Aquela mulher é nossa avó? Como? A mãe de nosso pai
faleceu há muitos anos, muito antes de nascermos, e a nossa avó
materna...
Selene abre o embrulho, revelando uma roupa de couro: calças,
jaqueta e botas. Ela encara aquilo de forma estranha, assim como
nós. Só ouvimos falar de roupas assim, mas nunca vimos de
verdade. É o que eles chamam de roupa para combate.
— Para quê isso? — pergunta e a outra revira os olhos.
— Vai usar em Terra de Eva. Guarde bem, quando atracarmos,
vista-se com ela — instrui a mulher esquisita.
Antes que ela diga algo mais, a outra mulher se aproxima mais
de nossa irmã.
— Quer alguma coisa, minha querida? — A senhora inquire com
carinho na voz. Não sei o que pensar. — O navio já está partindo,
talvez queira algo que a ajude a dormir — sugere.
— Não, vó. Estou com fome, gostaria de algo para comer —
pede, desviando rapidamente os olhos para nós.
Selene fez o pedido pensando em nós.
— Tudo bem, minha querida. Já mando alguém trazer para
você.
As duas mulheres deixam o cômodo e, quando percebo que
está seguro, voltamos a nos tornar visíveis.
— Você chamou aquela mulher de vó? — Hiran é mais rápido
que eu na pergunta.
Selene suspira pesadamente.
— É, sim. Ela é mãe da nossa mãe.
Nos olhamos e voltamos a nossa atenção à nossa irmã.
— Mas nossa mãe disse que ela ficou do lado do bruxo! —
exclamo, pois é uma loucura conhecer a nossa avó desta forma.
— E ela ficou do lado do supremo, sim. Ela mesma confessou —
revela.
Balanço a cabeça em negação. Como pode algo assim? A
própria mãe abrir mão de ajudar a filha para ficar ao lado de um
homem cruel e egoísta como Malagar.
Quando vou contestar, o som na tranca da porta nos chama a
atenção, e voltamos a desaparecer na escuridão do cômodo luxuoso.
Um empregado empurra o carrinho de comida para dentro do
quarto. Meu estômago ronca. Estava mesmo com fome.
Capítulo 23 - A chegada
Malagar
O navio acabou de zarpar e eu preciso começar a colocar em
prática o que tanto planejei. Poder reunir um grande número de
escravos de uma só vez vai permitir que me concentre no objetivo
de trazer toda tecnologia do mundo dos humanos para a Terra de
Luna.
Os humanos são frágeis, adoecem com frequência e muitos
vêm sem o hábito de trabalhos pesados e logo já não servem para
mais nada. Tudo isso faz com que eu precise estar ativamente em
busca de novos escravos, e a magia usada atualmente é capaz de
capturar apenas alguns punhados por vez.
No momento, estou em uma sala luxuosa deste navio que
roubei dos humanos. Ele tem de tudo: piscinas e quartos luxuosos
com aparelhos que guardam e conservam a comida. Tudo é muito
bem iluminado e todos os detalhes são muito bem feitos e pensados
para fornecer conforto àqueles que o usarão, no caso, eu.
Os bruxos escolhidos a dedo estão à mesa, aguardando o que
tenho a dizer. Lanny, a mãe de Elowen e avó da pirralha chorona,
está sentada ao meu lado. Lily, a escrava que escolhi para me
ajudar, está sentada do lado oposto, e tenho outros planos para ela
além de ser dama de companhia de Selene, e eu acho que ela
compreendeu mal a minha intenção, pois tem demonstrado sorrisos
encantadores para mim.
Na outra ponta da mesa, quem está sentado é Maximus, o lobo
que sequestrou Selene. Ele só está me ajudando, pois quer um clã
somente para ele, e é claro que prometi que daria o que deseja se
jurasse ser meu aliado, e ele aceitou. A ganância é muito fácil de ser
manipulada, basta ter a inteligência para dar o mínimo como se
fosse o maior dos tesouros.
Outros bruxos essenciais para os meus planos estão aqui, assim
como Hilla, a bruxa capaz de hipnotizar qualquer um com menos
poder que ela, e, Selene, por ainda ser jovem e não ter desenvolvido
o seu poder da forma correta, ainda é suscetível à magia de Hilla.
— Em algumas horas chegaremos à Terra de Eva — começo. —
Para alguns de vocês, é a primeira vez que estão indo, então,
estejam cientes que este é um lugar completamente diferente do
nosso. Não se distraiam — alerto. — Estamos indo com um grande
objetivo que é testar os poderes de Selene, e ficaremos por lá o
tempo que for necessário para desenvolver a nova técnica.
Explico para que não haja confusão na hora mais essencial.
— Senhor supremo, o senhor poderia me apresentar o que
deseja que eu confine em minhas esferas?
Dara é uma bruxa que descobri recentemente e que possui um
poder que, para muitos, pode parecer inútil, mas me pareceu muito
interessante e que pode ser de grande utilidade: ela pode criar
esferas, contendo o que quiser confinar dentro deles.
— Em breve, minha querida — pronuncio. — Hilla irá hipnotizar
a garota para que ela manifeste o seu poder, mas não poderá
aprisionar apenas o poder dela, é por isso que precisamos de testes.
A mulher de pele escura acena a cabeça em concordância e se
cala. Então, passo as coordenadas para todos eles. Cada um terá a
sua tarefa a cumprir, é importante que todos estejam cientes de seu
papel para podermos otimizar o nosso tempo em Terra de Eva.
As horas passam rapidamente, e, quando dou por mim, já
estamos chegando no porto da terra dos humanos. De pé no
convés, contemplo a cidade que já se recuperou do nosso último
ataque. É impressionante o poder tecnológico que eles possuem e
sua insistência.
Ao me reconhecerem, os humanos que trabalhavam no porto
começam a correr desesperados, os gritos ressoam até meus
ouvidos e eu os adoro. Sorrio ao ver o desespero deles, mas por
enquanto não vai acontecer nada.
Eles vão se entocar como coelhos medrosos com medo de ser o
jantar do dia, mas de nada adiantará, pois quando a nova magia
estiver ativa, não haverá esconderijo eficiente. A dimensão do que
imagino será avassaladora.
— Podem correr, seus inúteis — brado. — Quando a hora
chegar, não haverá onde se esconder.
Ao som de minhas palavras, são levadas ao vento com magia
para que atinja os ouvidos de todos que estão correndo
desesperados pelo porto, eles se desesperam ainda mais. Parecem
não entender a gravidade do que digo.
Volto para dentro do navio e peço a um guarda:
— Leve Selene para o meu escritório.
— Sim, senhor — o guarda se curva e parte para cumprir o que
pedi.
Caminho até meu escritório e, até chegar lá, chamo alguns dos
elementos mais importantes para a minha primeira experiência. Dara
e Hilla são as mais importantes neste momento, além de Selene,
pois preciso testar a união de nossos poderes.
Sento em minha cadeira no escritório, as duas bruxas se
sentam nas cadeiras à minha frente e eu fico no aguardo da
mestiça. Logo a porta se abre e a bela adolescente de cabelos
negros, que muito lembra à sua mãe, é guiada para dentro do
cômodo por um guarda.
Ela entra receosa, olhando tudo ao seu redor. Sei que o luxo é
algo que chama a atenção de qualquer um, mas sei também que
esse não é o motivo de ela estar olhando ao redor, mas sim a
desconfiança de que algo acontecerá e ela não está enganada.
— Pronta para nossa primeira experiência? — questiono e
Selene arregala seus belos olhos e a vejo engolir em seco.
***
Kael
Quando amanhece, eu saio da taverna em busca de um
trabalho no castelo do supremo. Tory conseguiu a informação de
que o navio partirá agora pela manhã. Eu não imaginei que seria tão
rápido.
Porém, ao chegar no castelo, descubro que todos os
trabalhadores já haviam sido contratados antes que o sol nascesse e
que o supremo já havia partido. Galopo o mais rápido que consigo
fazer o cavalo correr, mas não é o suficiente, ao chegar onde o navio
estava ancorado, o vejo a uma distância considerável. Cheguei tarde
demais.
Fico observando o navio até sumir completamente na linha do
horizonte. Suspiro e a sensação de impotência toma conta de mim.
Não sei o que fazer agora. Vim até aqui e de nada serviu, minha
irmã foi levada para Terra de Eva.
— Perdeu o navio do supremo? — uma voz me tira de meus
pensamentos.
Viro na direção da voz e vejo um homem de cabelos grisalhos,
barba grande e grisalha, usando uma camisa com apenas alguns
botões presos sobre a sua barriga proeminente.
— É…, sim, eu perdi — respondo e aguardo o que o homem
tem a me dizer.
— Muitos ficam para trás nessas viagens, por isso eu preparei o
outro navio que o supremo trocou por aquele todo luxuoso... — fala,
apontando com o queixo para o horizonte, para onde não é mais
possível ver o navio que partiu.— Por apenas uma moeda de ouro,
eu te levo até Terra de Eva e você não perde o seu emprego. — Ele
me oferece um sorriso com dentes amarelos e eu aceito
imediatamente.
— Feito. — Estendo a minha mão para apertar a sua, e ele
corresponde com um aperto firme. — Quando o navio parte?
— Em algumas horas. Só aguardar os outros atrasados
chegarem.
Aceno e vou em busca de um mensageiro para que eu possa
avisar ao meu pai que em breve seguirei ao encontro de Selene.
***
Selene
Sou levada para a sala do supremo e fico aterrorizada pelo fato
que não terei meus irmãos comigo enquanto estiver lá. Killan e Hiran
não quiseram arriscar, pois o supremo é um bruxo poderoso e
poderia sentir a presença dos gêmeos, e então seria pior.
— Pronta para a nossa primeira experiência? — as palavras
deixam seus lábios e um arrepio percorre a minha espinha. Não faço
a menor ideia do que me espera. — Não tenha medo — completa o
homem. — Não vai acontecer nada de ruim com você.
O supremo faz um gesto para o guarda que tira a coleira do
meu pescoço, aquela que inibe os meus poderes e me impede de
me transformar.
— O que vai fazer? — questiono, ainda desconfiada.
— Fique tranquila.
Malagar se aproxima de mim, pega em minha mão e me conduz
para o centro da sala, onde duas mulheres me encaram.
— O que elas vão fazer? — quero saber, pois seus olhares me
deixam nervosa.
— Cada uma possui um poder específico e útil para os meus
ideais, assim como você, mas não precisa ter medo. Elas não irão
ferir você — fala tranquilamente e então faz o seu pedido: — Agora,
liberte o seu poder.
Fico o encarando, sem saber o que exatamente ele quer que eu
faça.
— Eu não sei o que fazer — sussurro e ele suspira fundo, sem
paciência.
— Não tente me enrolar, será muito melhor se você quiser me
ajudar.
— Eu... Fazia tudo de brincadeira... Não sei o que quer que eu
faça — prefiro ser sincera, pois é a verdade. Meus olhos pinicam
com vontade de chorar.
— Apenas faça o que costumava fazer — fala em um tom mais
agressivo do que o de início.
Seguro firme a mão do homem e estalo o dedo. As mulheres e
os guardas ao redor congelam no tempo, mas Malagar demorou a
perceber.
— Estou esperando! — exclama, me encarando com raiva. —
Não temos o dia todo, pirralha! — Ele sacode o meu braço e uma
lágrima escorre por meu rosto.
— Mas eu parei o tempo para eles — soluço. — Pode observar
que não se movem.
Malagar faz o que digo, observa ao redor e todos estão imóveis.
Um sorriso atravessa a sua face e seus dedos afrouxam ao redor de
meu braço.
— Isso é incrível — sussurra. — Preciso que as duas bruxas
estejam livres quando manifestar o seu poder. Pode fazer isso? —
Pede, mas sei que há uma ordem no tom de sua voz.
Estalo os dedos e todos voltam ao normal. Proteger uma pessoa
da ação de meu poder é uma coisa, proteger três vai exigir mais de
mim. Mas antes que eu pudesse me aproximar das outras bruxas e
explicar o que eu teria que fazer, Malagar chama o nome de uma
das bruxas.
— Hilla!
Fico confusa, por que ele chamou o nome da bruxa?
A mulher estende a mão e sinto uma confusão imediata. O que
ela está fazendo? O que querem de mim? Mas não tenho tempo de
ter essas repostas, pois a minha visão começa a se tornar turva e
meu corpo pesa. Logo não vejo mais nada.
Capítulo 24- Esferas de poder
Malagar
A garota é jovem e inexperiente demais. Nem sabe controlar o
seu poder, mas vi o suficiente para comprovar o quanto ela é
poderosa e o quanto o que pode fazer é útil para mim. Porém, não
há como trabalhar com a garota lúcida, ela entraria em pânico.
Por isso, Hilla entrou em ação, hipnotizando a jovem e
induzindo-a a fazer exatamente o que queremos.
— Dara, se prepare — anuncio para a bela bruxa de pele negra.
— Vou entoar um feitiço no momento em que o poder de Selene
estiver sendo extraído, ao meu sinal, você irá prendê-lo em suas
esferas.
— Entendido, supremo — a mulher confirma e autorizo a Hilla
começar a extrair.
Selene perdeu a consciência, mas o seu corpo continua de pé,
seguindo os comandos da bruxa. O poder que deixa o corpo dela é
claro, quase transparente, e por onde passa deixa uma imagem
distorcida, Isso mostra o quanto ele é forte, porém a garota ainda
não sabe utilizá-lo.
O cântico que deixa meus lábios ordena à magia que há em
mim a se misturar com o poder de parar o tempo da magia de
Selene e enlaçar todos os que estiverem ao seu alcance e
transportá-los para onde eu desejar.
Agora, meu desejo é fazer um teste com a magia e ver se ela
funciona e se cumpre bem o seu papel. Se funcionar, minha intenção
é transformá-la em algo muito maior, alcançando o máximo de uma
única vez.
Ao meu sinal, Dara produz seus orbes, aprisionando dentro
deles o feitiço criado por mim.
Sorrio ao vê-los brilhando com estalos azuis e dourados dentro
da esfera.
— Pode deixar a garota acordar — dou a permissão à bruxa que
liberta a jovem e a vejo piscando, completamente confusa.
— O que aconteceu? — pergunta e eu sorrio com as esferas
flutuando sobre minha mão.
— O primeiro passo foi concluído com sucesso — profiro e ela
encontra finalmente o meu olhar.
Percebo que fica curiosa com as esferas sobre minha mão. Não
há motivos para não dizer à garota do que se trata.
— O que são essas coisas? — inquire, curiosa.
— São orbes contendo o feitiço que usarei nos testes.
— Feitiço? — fala confusa, pois ela não se lembra de nada do
que aconteceu enquanto estava sob o poder de HIlla.
— Exatamente. Hilla extraiu seu poder e eu criei um feitiço. —
Movimento as esferas que dançam sobre a minha mão. — Estão
prontas para o teste.
Faço um gesto para o guarda que coloca o colar no pescoço de
Selene. Ela parece ter se dado conta que o colar estava de volta um
segundo depois, levando seus dedos finos sobre o objeto mágico.
— Pode levar a garota — ordeno e o guarda vem segurar em
seu braço para levá-la. Seus olhos tristes me encaram. — Vista-se
com o conjunto que lhe enviei. Assim que estiver pronta, o guarda
lhe trará de volta. — Não aguardo resposta.
Com os orbes em minhas mãos, agora posso pôr em prática os
meus planos.
— Estou ansioso para ver se funciona — falo e me viro para a
porta imediatamente. A garota já foi levada para o seu quarto
luxuoso. Ela merece tudo de melhor, pois está me proporcionando
uma grande evolução em meus métodos.
Sigo para o convés, cada passo que dou faz o meu coração
acelerar em ansiedade. Estou prestes a dar um passo que mudará
tudo em minha vida e para cada bruxo do mundo.
Não apenas levarei as tecnologias daqui para o meu mundo,
mas também o mundo humano pertencerá a nós. Dominaremos
tudo!
Aguardo a chegada de Selene, e assim que o guarda anuncia, a
recebo de braços abertos.
— Eu poderia deixá-la aqui — explico. — Mas quero que veja do
que o seu poder é capaz. — Passo o braço em torno de seu ombro e
aponto para o porto vazio. Os humanos já se esconderam. — Você
pode muito mais do que brincar de parar o tempo, você pode coisas
grandes. Veja como esse povo teme a nossa presença?
A garota não me responde, permanece em completo silêncio,
mas ela acabou de chegar aqui, bastam alguns dias experimentando
o gostinho do poder que ela mudará. Ela tem sangue de bruxa em
suas veias e logo perceberá o que pode fazer.
— Vamos, minha querida, eu quero te mostrar o que você pode
fazer se souber controlar o poder que possui.
Seguro firme a jovem e a transporto para a cidade próxima ao
porto. Aparecemos em cima de um prédio, como de costume. Faço
isso para decidir o melhor lugar para a captura de meus novos
escravos, mas agora, se o teste der certo, não haverá a necessidade
de encurralá-los e capturá-los um a um. A magia fará isso por si só.
A garota se assusta pela altura e acaba se agarrando mais a
mim. Rio com a sua reação.
— Não deixarei que caia. Agora, observe o que o seu poder é
capaz de fazer — profiro as palavras e ergo a minha mão, lançando
uma das esferas ao ar.
***
Selene
Malagar é um louco. Ele quer escravizar o povo, tendo o mínimo
de trabalho, e quanto mais possuir para ele, melhor. Onde o homem
colocará tantas pessoas escravizadas, eu não faço a menor ideia.
A roupa apertada me incomoda, nunca usei nada do tipo. Talvez
Nerya fosse gostar deste traje, mas eu não. Me sinto exposta. E
agora estou num lugar alto, em cima do que o bruxo chamou de
prédio.
Uma coisa que ele disse é verdade: eu nunca vi nada parecido
com isso. Parece um mundo completamente diferente do meu.
Malagar ergue as esferas, dizendo que me mostrará o que
posso fazer e então tudo acontece: a esfera que ele havia lançado
explode e, até onde a explosão alcança, o tempo para, nada se
move, até mesmo os pássaros param de voar. Olho estupefata,
jamais imaginei que a magia que há em mim era capaz de um feito
como este.
— Agora entenda o que há em você? O que estava escondido
por todo este tempo? — inquire e eu, ainda pasma com o que
presencio, o encaro sem ter o que dizer, e ele ri. — Continue
olhando, ainda não acabou.
Volto meu olhar e, realmente, o poder contido no orbe
continuava a se expandir e tudo o que ele tocava paralisava. Agora
entendi o porquê do bruxo escolher um lugar alto, do chão seria
impossível entender a dimensão. Quando a magia para de se
expandir, uma luz atravessa os corpos das pessoas e elas somem,
deixando suas carruagens estranhas vazias.
— O que está acontecendo? Para onde elas foram? — pergunto
ao homem ao meu lado.
O sorriso nos lábios dele parece iluminar o seu rosto de
orgulho.
— Direcionei o feitiço para o navio, estão todos sendo
direcionados para lá. Se tudo correu como o esperado, é claro.
Como é possível? Malagar conseguiu unir a minha magia a dele
e forjar um feitiço onde consegue capturar mais pessoas. Meu
estômago embrulha ao me lembrar das histórias que a minha mãe já
contou sobre o seu passado, o sofrimento, o trabalho forçado, a má
alimentação, as chibatadas... Ele está aprisionando pessoas para ter
uma vida assim e está usando o meu poder para isso. Mesmo sem
noção do que ele faria, da dimensão de tudo isso, eu sou a peça
chave de seu plano cruel.
Continuo a contemplar as luzes que percorrem os corpos que,
em seguida, somem no ar. São muitos, não consigo nem contar. É
impossível ter noção do número de pessoas. Uma lágrima percorre
minha face ao pensar na vida que essas pessoas deixaram para trás
e que agora elas são escravas, e sofrerão o que minha mãe um dia
sofreu.
— São só humanos — ouço a voz de Malagar em meu ouvido e
então saio do torpor em que havia caído. — A vida deles é curta e
não valem muita coisa.
O encaro, seus olhos frios externando toda crueldade que há
neste homem.
— São pessoas, possuem uma vida... Tem sentimentos... Você
não deveria fazer isso com elas — sussurro, contendo a tristeza e
raiva que crescem em mim.
— Você sabe que sua mãe foi uma escrava, não sabe? —
inquire, mas ele sabe a resposta.
— É claro que sei — respondo. — Minha mãe me contou o que
sofreu como escrava e estas pessoas vão passar pela mesma coisa.
Exatamente por isso, me compadeço por elas.
— Sabe também que seu pai mantinha os escravos? Que ele era
um alfa cruel e temido por todos eles?
Ele sorri cruelmente para mim, talvez achando que meu pai
tenha escondido o seu passado de nós.
— Meu pai nunca escondeu nada de nós, ele se envergonha de
seu passado e se arrependeu. Diferente de você!
Ele não se importa com o que digo e dá de ombros, apontando
para a cidade que ele havia paralisado.
— Já acabou, rápido e indolor.
Ao pronunciar aquelas palavras, volto meu olhar para a cidade e
vejo tudo vazio. Somente as coisas que as pessoas deixaram para
trás. O tempo já havia voltado ao normal, mas não estava tudo bem,
pois aquelas pessoas devem estar aterrorizadas agora.
— Para quê tantas pessoas de uma vez? — pergunto. — Precisa
devastar uma cidade para ter o que quer?
Ele estende sua mão e toca meu queixo com tamanha
delicadeza que chega a assustar.
— Querida, isso foi apenas um teste. Quero muito mais do que
isso. Quero que o mundo todo seja dominado por nós, todo o
trabalho será fornecido pelos humanos e para isso preciso que todos
se rendam a mim. Mas com a ajuda do seu poder, estou muito perto
de conseguir o que quero — profere e solta meu queixo. — Vamos
embora.
Ele passa seu braço em torno de meus ombros e eu me encolho
ao seu toque. Então desaparecemos no ar e reaparecemos no
convés do navio de onde havíamos saído.
— Agora, você vai voltar para o seu quarto e eu vou ver se tudo
correu bem. — Malagar faz um sinal para alguém atrás de mim. Não
vi para quem, mas faço ideia. — Guarda, leve a garota para os seus
aposentos.
Sinto dedos de aço envolvendo meus braços e sou levada para
longe. Eu gostaria muito de saber como estão aquelas pessoas, mas
duvido que estejam bem. Infelizmente.
Capítulo 25 - Segunda tentativa

Selene
Quando chego no quarto, meus irmãos, que estavam sentados
em minha cama me aguardando, se colocam de pé de uma única
vez. Ambos vêm na minha direção, preocupados.
— O que aconteceu? Sentimos tudo tremer, mas depois cessou
e ficamos preocupados — fala Killan, vindo me abraçar.
— Você está bem? Não se feriu? Ele fez algo a você? — Hiran
também me abraça, preocupado.
— Estou bem — respondo e meus irmãos se afastam. —
Malagar usou meu poder em um feitiço muito cruel — sinto o peso
das palavras quando as pronuncio.
Conto a meus irmãos sobre o bruxo, para quê e como usou
meu poder, e me sento na cama não conseguindo mais permanecer
de pé, tamanho o peso que sinto sobre os meus ombros.
Sinto o braço de Killan me envolver e o abraço, apoiando minha
cabeça em seu peito.
— Irmãzinha — diz ele. — Se ele trouxe todas essas pessoas
para cá e disse que se ocuparia com elas, agora... — Ele me afasta
um pouco de seu corpo para olhar em meus olhos. — Talvez esse
seja o momento de fugir.
Como não pensei nisso? Malagar vai estar ocupado! Mas uma
preocupação me toma e eles percebem.
— O que houve, Selene? — inquire Hiran. — Percebi que
pensou em algo que não a agradou.
— É que... — começo. — Vocês não saíram do navio ainda, não
têm noção do quanto é diferente. Se fugirmos, não faço ideia de
para onde ir ou o que fazer — externo a minha preocupação.
— Não se preocupe com isso — Hiran toca meus cabelos
trançados. — Estaremos com você e daremos um jeito. Kael vai nos
encontrar, e vai levá-la de volta para casa.
— Nos levar, você quer dizer! — pressiono, pois não aceito que
meus irmãos se sacrifiquem por mim.
— Sim, irmãzinha — interfere Killan. — Mas a prioridade é você
— ele fala sincero e eu fico chocada.
— Não, ou iremos nós três ou ninguém vai! — falo incisiva.
— Tudo bem, tudo bem... Fique calma — Hiran se pronuncia. —
Se vamos fugir, é melhor começar a colocar o plano em prática, já
perdemos muito tempo.
Sempre a mente prática, meu irmão nos traz para a realidade.
Se essa é a nossa única oportunidade, precisamos aproveitá-la.
Aceno em concordância e eles dão as mãos, tornando-se invisíveis.
Eles abrem a porta cautelosamente e deixam o meu quarto.
Fico ansiosa enquanto não voltam, e para passar o tempo decido
fazer uma pequena mala. Coloco meu vestido que cheguei aqui e
mais um, algumas frutas que haviam sobrado da minha última
refeição e um cantil de água.
Eles retornam, materializando-se bem diante de mim.
— Temos que ir logo, algo deu errado e Malagar está uma fera,
soltando fogo para todos os lados. Tem que ser agora! — Hiran fala
com urgência.
Os gêmeos pegam as coisas que reuní e desaparecem, junto
com as coisas. Saímos do quarto e eu preciso manter um ritmo
tranquilo para não chamar a atenção, quem me ver precisa achar
que estou apenas passeando pelo convés. Mas não há ninguém, por
isso aperto o passo.
Dou pequenas corridinhas quando percebo que não há ninguém
por perto. Tenho que fugir. Mesmo que não possa vê-los, sei que
meus irmãos estão comigo. Ao longe ouço a voz de Malagar, ele não
está nada contente, mas o motivo de sua insatisfação não me
interessa.
Diminuo o passo, a saída do convés está próxima e a vontade
de correr é grande. Mas se eu correr alguém vai ver e aí adeus fuga.
Outra vez.
A cada passo a saída do navio está mais próxima. Quase não
acredito que cheguei na escada do navio que leva para o lado de
fora. Por sorte ela está abaixada, alguém deve ter abaixado e
esqueceu devido a confusão e isso facilitou a minha vida.
Desço correndo e um alívio toma conta de mim, a vontade de
festejar cresce, mas sei que ainda é muito cedo para comemorar a
fuga. Sinto dedos firmes envolverem meu pulso e chego a pensar
que é Malagar mais uma vez, acabando com a minha alegria, mas
não há ninguém ali, então, sei que é um de meus irmãos.
Eles começam a me arrastar para longe do navio e quanto mais
nos afastamos, maior a nossa chance de nos livrar do bruxo
definitivamente. Deixamos a parte do porto, que ainda está vazio, e
começamos a andar pela cidade.
Hiran e Killan voltam a se tornar visíveis e eu posso ver o
quanto estão impressionados. Eles giram ao redor de si mesmos,
contemplando os prédios altos.
— O supremo disse que são prédios — revelo e Killan volta seu
olhar para mim.
— Prédios? O que é isso? — inquire, curioso.
— Os humanos usam para morar e trabalhar nesses locais. E
aquilo são carros. — Aponto para vários deles abandonados na rua,
vazios, depois do que o bruxo fez. — Ele disse que são como
carruagens — revelo e eles se animam.
— Ótimo, precisamos de uma carruagem — pronuncia Hiran,
mas eu não faço a menor ideia de como funciona.
Os gêmeos correm até o carro, entram dentro de um, mas
ficam olhando, tentando descobrir como funciona.
— Meninos, eu não sei como isso funciona. Melhor arrumar um
lugar para ficar... — ouço um grito de puro ódio e sei que é Malagar
se dando conta de que fugi.
Arregalo os olhos e meus irmãos entendem a urgência. Ambos
desistem do carro e me levam na direção dos prédios, pois
precisamos nos esconder.
***
Nerya
Minha mãe foi embora e eu até agradeci aos céus, sei que ela
ama meu pai, mas sua presença traz um peso estranho para o
ambiente. Fico com ele por alguns minutos conversando, quando
sou surpreendida com meu sogro abrindo a porta do quarto em um
rompante para anunciar que os gêmeos haviam enviado uma nova
mensagem informando que o navio partiria pela manhã no dia
seguinte.
Kael havia saído há poucas horas, mas já deveria estar pela
metade do caminho.
— Como poderemos avisar a Kael? — questiono.
— Terei que partir imediatamente — anuncia o Alfa. — Não há
como alcançar Kael, e ele não terá tempo de voltar.
— Eu vou — falo me colocando de pé.
— Não — falam meu pai e meu sogro ao mesmo tempo. Os
encaro.
— É perigoso para você, filha — meu pai completa, falando
como se eu fosse uma criança indefesa.
— Eu sei me defender — me pronuncio determinada, — Ele é
meu marido, devo ajudá-lo.
— Ele a deixou sob meus cuidados e eu digo que você não vai
— ordena o alfa e eu estremeço, mas não obedecerei. Se precisar,
fujo desta casa sem que me vejam, mas irei atrás de meu marido. —
Eu vou, você fica com seu pai e Elowen.
— Eu não vou ficar aqui como uma princesa indefesa, enquanto
meu marido está sabe-se lá onde e pode estar precisando da minha
ajuda! — discorro, mas sei que de nada adiantará, o alfa não volta
atrás em suas palavras.
— Eu já disse que você fica! — ordena e em um ataque de
fúria, deixo o quarto e bato a porta atrás de mim.
Ouço meu pai dizer a Tharion que eu só preciso de um tempo,
e é verdade. Só preciso de um tempo para fugir.
Desço as escadas e pego a pequena mala que Kael havia
trazido mais cedo. Por sorte não há ninguém para tentar me impedir.
Deixo a casa e fecho a porta com cuidado, desamarro o cavalo que
estava preso perto do poço, coloco a mala sobre ele e monto,
disparando em direção à floresta.
Tenho apenas uma pequena noção de onde fica a cidade dos
bruxos, nunca fui até lá. Meus pais falavam sobre o lugar e ouvi Kael
falar sobre já ter trabalhado para conseguir moedas, mas será um
desafio descobrir sozinha onde exatamente é o lugar.
Preciso aproveitar enquanto há luz do sol, pois se escurecer
ainda em meio a floresta, os riscos aumentam para mim.
Sigo a direção que sempre foi apontada para mim como sendo
a localização da cidade das bruxas, mas a floresta parece não ter
fim. A noite começa a cair, a visão entre as árvores é dificultada e eu
preciso reduzir a velocidade.
Fico ainda mais alerta do que antes, qualquer barulho me
chama a atenção. O cansaço está me dominando, mas não posso
parar. Continuo e quando acho que estou perdida, começo a
perceber mudanças na floresta, como árvores cortadas e clareiras.
Isso anuncia que há atividade de pessoas por perto. O sinal me dá a
esperança de que segui o caminho certo.
Quanto mais avanço, mais a floresta mostra sinais de
degradação. Finalmente chego ao final da floresta e a cidade dos
bruxos está bem diante de mim. É como uma aldeia grande, mas
com recursos que geralmente viajamos dias para ter acesso na
cidade dos lobos mais próxima. Mas aqui tudo é comprado com
moedas, e é por isso que Kael vinha prestar serviços. Porém, eu não
tenho nenhuma moeda.
Caminho pelas ruas, puxando o cavalo atrás de mim. Passo na
frente de tavernas, feiras e lojas, mas não posso comprar nada. Eles
não aceitam troca, como os lobos costumam aceitar. Então decido
que preciso descobrir onde está o navio que partirá amanhã.
Caminho entre as pessoas que ainda estão pelas ruas, pois já
está tarde, e me informo sobre o tal navio do supremo. Os bruxos e
humanos me encaram desconfiados, mas aos poucos consigo chegar
até o porto, local indicado por eles.
Não tenho onde ficar, então vou até próximo do navio. O
negócio é grande demais, é algo que eu jamais poderia imaginar.
Ando ao seu lado imaginando quantas pessoas cabem ali dentro.
Preciso encontrar um local onde possa me abrigar e tentar
dormir um pouco. E quando amanhecer, preciso me esconder em um
lugar onde eu possa ver as pessoas que vão entrar no navio. É assim
que vou encontrar Kael, pois ele virá, com toda certeza.
Arrasto o cavalo comigo, o amarro e me encolho sob um
telhado baixo e entre uns fardos de grãos. Como uma fruta que
roubei de uma banca. Sorte que bebi bastante água no riacho antes
de chegar aqui, pois ainda não achei nenhuma fonte de água.
Cochilo um pouco, mas parece que dormi quase nada quando
vozes me tiram de meu descanso. Não tenho noção de que horas
são, mas o sol ainda não nasceu e há vozes ao meu redor.
Saio bem devagar, vendo que há homens chegando. Ao que
parece, a área onde estou não é o foco deles, então pode ser um
bom lugar para permanecer. Infelizmente não posso tirar o cavalo,
pois isso sim chamaria a atenção. Me escondo atrás de fardos
empilhados e vejo os homens trabalharem.
O sol nasce, as horas passam e nada de Kael. Vi os gêmeos por
alguns instantes, mas depois eles desapareceram. Minhas pernas e
costas doem pela posição desconfortável, mas nada dele aparecer.
Fico aflita.
Vejo Selene chegar acompanhada de um homem que todos se
curvam quando passam por ele, deve ser o supremo. Minha cunhada
já está no navio e nada de meu marido aparecer. O movimento do
lado de fora cessa, há uma briga no interior do navio, mas logo se
extingue e então ele se vai. Suspiro pesadamente ao perceber que
Kael não veio.
O que pode ter acontecido? Tenho certeza que ele não
apareceu aqui, fiquei atenta o tempo todo e também não senti seu
cheiro.
Volto para o meu esconderijo, mas um pouco depois sinto o
cheiro dele. Será que estou ficando maluca? Saio devagar, olho ao
redor e o vejo conversando com um homem barrigudo. Ao longe
vejo outro navio se aproximando.
O homem vai embora e Kael fica sozinho. É minha chance de
me aproximar.
— Kael! — chamo e ele me olha, seus olhos brilham, mas vejo
que a expressão de sua face agora é de preocupação.
— Nerya!
Capítulo 26- Descobrindo as coisas humanas

Kael
Enquanto aguardo a partida do próximo navio, percebo outras
pessoas atrasadas se aproximando. Estou distraído, olhando para o
horizonte quando ouço alguém chamar meu nome.
Quando olho na direção da voz, percebo que é minha esposa.
Não vejo ninguém ao seu lado, ela está sozinha. Como ela chegou
aqui? A que riscos se submeteu para que estivesse na minha frente
agora? Meu pai permitiu que ela saísse sozinha? Duvido!
— Nerya!
Ela corre para mim e a seguro firme em meus braços. A
saudade é avassaladora e meus lábios atingem os dela com fome.
— Cheguei a achar que não viria — comenta com alívio em sua
voz.
— Me falaram que o navio partiria de manhã, não que sairia
logo que amanhecesse. Quando cheguei, já havia partido — explico.
— Recebemos a mensagem de seus irmãos, chegou poucas
horas depois de você sair. Eu vim assim que recebi a mensagem. —
Ela explica sobre a mensagem dos gêmeos que receberam e estende
sua mão, tocando em minha face. — Estava preocupada com você.
— Seus olhos demonstram o amor que compartilhamos.
— Estava em uma taverna, estava seguro. — Agora é a minha
vez de tocar em sua face, minha feição demonstrando toda
preocupação. — Mas e você, como passou a noite?
Nerya começa a contar que passou a noite escondida aqui
mesmo no porto, atravessou a floresta em parte na escuridão e
agradeço aos céus por ela estar bem. Não sei o que faria se tivesse
acontecido algo a minha esposa. Mas em meio a nossa conversa, o
mesmo homem se aproxima de mim.
— Ei, você não pagou por duas pessoas! — reclama, abrindo os
braços.
— Ela é minha esposa, não esperava que pudesse vir. Quanto
devo ao senhor?
O homem se acalma e nos analisa, vê a pequena mala na mão
da minha mulher e acena.
— Se ela vai ficar com você, é mais uma moeda de prata — fala
mais calmo, informando o adicional por mais uma pessoa em minha
cabine.
— Aqui está. — Coloco a moeda na mão do homem que sorri,
feliz. Ele faz um gracejo para Nerya e se vai.
Algum tempo depois, havia mais algumas pessoas aguardando
a saída do próximo navio. O homem reaparece direcionando cada
um para a sua cabine, informando a localização de cada uma.
Sigo a orientação do homem e chegamos em um quarto com
uma pequena janela, uma cama de casal confortável, uma botija de
água e uma bandeja com frutas. Para algo clandestino é bem
confortável.
— Preciso de um banho — fala a minha mulher, sentindo seu
próprio cheiro e indo para a banheira que é de um material que
desconheço, é branca e lisa. Ela fica localizada ao lado da cama.
Havia uma alavanca e nós a testamos e vimos que ela enche o
recipiente com água morna, deve ser uma das invenções humanas.
— Acho que cabem duas pessoas aí dentro — falo quando
terminamos de encher a grande banheira.
Ela me olha com malícia e sorri.
— Só se eu estiver sentada em seu colo durante o banho. — Ela
estende suas mãos e toca em meu peito, abrindo as amarras da
camisa de linho.
— Acho perfeito — respondo em um sussurro, e me inclino
cobrindo sua boca com a minha.
Meus dedos procuram pelos laços que prendem a sua camisa,
desato-as e a tiro, revelando seus seios firmes e deliciosos.
Me abaixo e desamarro o cordão que prende a calça. Puxo a
peça para baixo, a deixando com a peça fina que usa por baixo da
roupa. Admiro-a e a liberto da peça restante. Sua perna se ergue,
uma de cada vez, para que possa finalmente estar completamente
nua para mim.
Me coloco de pé, seguro em sua mão, fazendo-a dar uma volta
em torno de si. O corpo lindo e perfeito, deliciosamente atraente
para mim, me convida a mergulhar em suas curvas.
Desato os cordões de minhas próprias calças e as retiro o mais
rápido que posso. Entro na banheira com água morna e me sento,
erguendo o braço para a minha esposa que se aproxima, rebolando.
Ela passa uma perna de cada vez, se posiciona sobre o meu colo e
se senta. Seu sexo entrando em contato com o meu, fazendo-o ficar
duro como rocha.
Ela rebola sobre mim, me levando a loucura.
Ataco a sua boca, beijando-a firme. Nerya geme e pressiona
mais o seu corpo ao meu.
— Não estou aguentando, amor — falo, a voz rouca.
— Nem eu — responde, erguendo o seu corpo apenas o
suficiente para que eu posicione o membro na sua entrada e ela
desce sobre ele. Sinto-a se abrir ao meu redor, meu sexo duro a
preenchendo e ambos gememos ao mesmo tempo.
— Ah, que delícia — fala manhosa ao se encaixar
completamente e começar o movimento de sobe e desce.
Minhas mãos passeiam por seu corpo gostoso, limpando-a e
acariciando-a.
Ela rebola, quica, geme e eu respondo a cada movimento seu
com uma investida forte, oferecendo o máximo de prazer a minha
esposa e também recebendo. O prazer nos envolve e nos inunda,
nos entregamos completamente um ao outro, até que o êxtase toma
nossos corpos. Tremendo, gemendo e me apertando com os
espasmos de seus músculos internos, Nerya afunda sua face na
curva de meu pescoço.
Meu corpo relaxa, sentindo o efeito do prazer. Meus braços a
envolvem até que nossa respiração se acalme. Fiquei apavorado
quando a vi, não sabia sobre o que ela poderia ter passado para
estar ali, mas agora com ela em meus braços, com o sentimento de
que não conseguiria viver sem ela, temo pelo o que nos aguarda na
terra dos humanos.
***
Selene
Meus irmãos e eu entramos em um dos prédios para nos
esconder da ira de Malagar. Se nos escondermos bem, ele não
poderá nos achar. Esses lugares são como labirintos. São vários
andares cheios de corredores e portas.
Subimos vários andares e entramos em um dos corredores
quando já estávamos cansados. Abrimos as várias portas e eram
todas iguais: salas com uma mesa central e cadeiras na frente e ao
lado. Todas vazias.
No fim do corredor abro uma porta cuja sala é diferente das
outras, esta tem um assento amplo com um aspecto confortável.
Tem coisas que não haviam nas outras salas.
— O que é isso? — pergunta Killan, mexendo em algo que
parece vidro, mas não é. — Parece que tem água dentro, mas não
sei por onde tirar.
Eles ficam procurando uma forma de tirar água do recipiente
que encontraram, enquanto eu avanço pelo cômodo, explorando.
Tem uma mesa com coisas em cima.
— Vocês vão gostar disso — falo e ouço o barulho de água
sendo derramada. — O que vocês fizeram? — Dou alguns passos e
vejo o motivo.
— Não tinha outro jeito — justifica Killan. — Só tiramos esse
negócio de dentro da coisa que segura toda a água, mas ainda tem
bastante — fala, levantando o recipiente em suas mãos, vitorioso.
Sorrio e balanço a cabeça, tem horas que me sinto mais velha
que eles.
— Vem, parece que tem uma cozinha aqui — ao anunciar uma
cozinha, eles se apressam e os olhos brilham ao ver a mesa repleta
de pães, biscoitos e frutas.
— Estou cheio de fome — fala Hiran, pegando um pão inteiro e
o enfiando na boca.
Pego uma fruta e continuo explorando o lugar, tem mais uma
porta, quando a abro, me parece um quarto de banhos e tem as
mesmas coisas que tem no quarto luxuoso do navio, mas nem todas
aprendi a usar. Mas neste não tem a banheira, que Lily encheu para
que eu pudesse tomar banho.
Mexo na coisa estranha que tinha na parede, a qual aprendi
que ao girar sai água das torneiras, e água caiu do que tinha
pendurado em cima, me molhando toda. Me afasto gritando, e Killan
e Hiran invadem o cômodo com adagas e espada nas mãos.
— O que aconteceu? — inquire Hiran.
— Está bem, irmãzinha? — Completa Killan.
— Estou — passo as mãos por meu corpo, como se fosse
possível tirar a água deste jeito. — Eu só me molhei com isso aqui.
Pego a toalha pendurada na porta do lugar que eu entrei e me
seco, ainda bem que o couro não molha com facilidade.
— Por Luna! — exclama meu irmão, com seus olhos azuis
brilhando de curiosidade, estendendo a sua mão para tocar a água
que caía. — Tem água caindo disso aí!
— Deve ser para banhar-se — concluo, já que o lugar é um
quarto de banhos.
— Olha, colocaram um banco aqui... Mas ele é estranho —
comenta Killan, e eu rio, pois esse já sei para que serve.
Lily foi obrigada a me ensinar a usar, pois eu precisa muito me
aliviar e não via nada que me permitisse isso naquele quarto
luxuoso.
— Não é um banco. — Me aproximo rindo e quando explico
para que serve, ele fica encantado e aperta a descarga para ver se
funciona de verdade.
Giro aquele negócio na parede para fechar a água que caía e
decido descansar um pouco.
— Meninos, podem ficar explorando as coisas dos humanos que
eu vou tentar descansar um pouco.
— Tudo bem, irmãzinha — responde meu irmão, ainda testando
a descarga.
Sorrio, pois tem vezes que parecem crianças.
Me deito no assento confortável e dou de cara com algo na
parede que parece um espelho, mas escuro. Não tinha algo assim no
meu quarto de luxo, pelo menos não me lembro. Mas não faço ideia
do que é e como funciona.
Me viro de lado e sinto algo em minhas costelas, pego e o
analiso. A coisa tem vários botões como os de roupas, mas bem
pequenos. Fico os apertando para ver o que acontece e do nada a
coisa na parede brilha, aparecendo alguém na tela. A voz grave
invade o cômodo e meus irmãos se alarmam novamente e surgem
na porta, só para dar de cara com mais uma invenção humana.
— O que é isso? Como esse cara foi parar aí dentro? — Hiran
pergunta.
— Isso é uma janela? — O outro completa, curioso, tentando
ver se era mesmo uma janela, mas não era.
— Não faço ideia...
Mas então percebo que ele está falando algo sobre hoje mais
cedo, e tem imagens do que aconteceu. Como isso é possível?
— Olha... — Aponto para a coisa, completamente apavorada. —
É o que aconteceu mais cedo, o que Malagar fez! — exclamo,
assustada.
Os gêmeos se aproximam do espelho estranho e prestam
atenção no que o homem fala:
“... Os sobreviventes ainda podem ligar para o número na tela,
procure um abrigo perto de você! Não sabemos quando será o
próximo ataque...”
— Abrigo... — sussurro. — Não há abrigo seguro, se o poder
contido nas esferas alcançar as pessoas... — Não preciso completar
a frase para que meus irmãos entendam, e vejo tristeza nos olhos
deles.
Capítulo 27- Encontrada

Selene
Meu coração se aperta ao ver a notícia, pois me sinto culpada.
O meu poder foi o responsável por causar tudo de mal que estas
pessoas estão vivendo agora.
— Está se sentindo bem, irmãzinha? — Killan se aproxima, todo
preocupado e carinhoso.
Percebo o motivo quando o seu dedo passa por minha face,
limpando uma lágrima que escorre livremente.
— Eu sou a culpada disso — sussurro com a voz embargada.
— Não — responde Hiran e ele se aproxima também. — Não
diga isso. Você é mais uma vítima daquele bruxo dos infernos.
Balanço a cabeça em negativa.
— Mas é o meu poder que fez isso! — exclamo, chorando, as
lágrimas ganhando mais vigor.
— Você não teve controle sobre isso, foi usada — Hiran
interveio, seus olhos azuis brilhando de emoção e tristeza assim
como os meus.
— Esse colar em seu pescoço — Killan toca na coisa em mim. —
A torna tão escrava quanto as outras pessoas. Temos que dar um
jeito de tirar isso.
— Mas como? — pergunto. — Já tentei, isso não sai de jeito
nenhum, só com a magia do bruxo e com sua autorização.
— Não sei, mas temos que pensar em algo — Os olhos escuros
de meu irmão estão focados nos meus, ele parece pensar. —
Talvez... talvez o Kael possa...
Antes que ele pudesse terminar de falar, tudo ao nosso redor
estremece. Me seguro nos braços do assento, e meus irmãos
buscam apoio nas paredes. Sei que é Malagar, senti a onda de poder
que provocou o abalo.
— Sentiu isso? — Killan pergunta.
Meu irmão e eu acenamos em concordância. O abalo passou
segundos depois.
— Malagar está atrás de mim, o que vou fazer?
— Nós a protegeremos — os dois falam em uníssono, quando
isso acontece chega a dar arrepios, tamanha conexão entre os dois.
— Ele não pode ver vocês — alerto-os. — Se os ver, serão
perseguidos — aviso, ficando preocupada.
— E não poderemos protegê-la — Hiran conclui.
— Então, vamos sair daqui — Killan anuncia. — Ele deve ter
sentido você, logo a achará se ficarmos aqui.
— Mas se sairmos, ele pode nos ver — falo, ficando com medo
de arriscar nossa segurança.
— O que faremos, então? — questiona meu irmão e menos de
um segundo depois, sentimos mais um abalo.
— Ah, mas que inferno! — grito. — Esse homem não pode me
encontrar aqui.
O abalo desta vez é mais forte e meus irmãos acabam caindo
no chão. Coisas que estavam presas na parede começam a cair ou
ficar em posições estranhas.
Me ergo do assento, tentando me manter de pé. Eu tenho que
sair daqui ou esse homem vai me achar.
— Onde está indo? — Hiran pergunta, tentando se colocar de
pé também.
— Saindo daqui, preciso ir embora — minha voz soa meio
desesperada.
Alcanço a porta com dificuldade e meus irmãos se colocam de
pé, mas é tarde demais. Malagar está no corredor, encarando-me.
Um sorriso cruel atravessa sua face. Faço um gesto para os meus
irmãos ficarem parados, espero que entendam.
— Achou que poderia fugir de mim, querida? — fala mantendo
o sorriso no rosto.
— Me deixe em paz, já conseguiu o que queria, Malagar! —
pronuncio o nome do homem para que meus irmãos entendam
quem está diante de mim.
— Não consegui... ainda. Nossa brincadeira de hoje não
funcionou tão bem quanto eu queria. — Ele dá um passo à frente e
eu me preocupo, se ele se aproximar mais, poderá ver Killan e Hiran.
— O que mais você quer? Capturou um monte de gente, olha
esse prédio? Está completamente vazio! — rebato. — Provavelmente
todas as pessoas que estavam aqui estão aprisionadas no seu navio
agora.
— É, elas estão, mas houve alguns acidentes que eu não quero
que aconteça — revela e eu tenho até medo de perguntar o que
aconteceu. — Só me traz trabalho e prejuízo.
Para o bruxo as pessoas são mercadorias e a forma com que
fala delas me dá nojo.
— Fala dessas pessoas como se fossem sacos de grãos, são
pessoas, elas possuem uma vida, tem família!
Malagar estala a língua e continua a andar na minha direção,
não sei o que fazer.
— Para mim são como saco de grãos — admite. — Só que se
mexem, falam e me irritam.
Ele continua se aproximando, engulo em seco.
— Só me deixe ir — imploro e ele sorri. Talvez se eu fizer o tipo
indefesa e cheia de medo, ele me dê alguma abertura para fugir.
— Joguinhos não funcionarão comigo, querida.
Avança e segura no colar que envolve meu pescoço. Ele está
bem diante da porta, seus olhos contemplam todo o interior do
cômodo, mas não vejo nada em seus olhos.
Meus irmãos devem ter se tornado invisíveis.
— Agora vou levar a minha fujona de volta para o navio e
vamos recomeçar os testes.
Não sei como vou fugir de Malagar, pois o seu poder é capaz de
me encontrar. Até quando permanecerei nas mãos deste homem?
***
Malagar
A felicidade acabou quando cheguei ao navio. Estava um
tremendo caos, os guardas apavorados não sabiam o que fazer.
Muitos daqueles que foram direcionados para o navio com a magia,
foram lançados ao mar. As pessoas estavam atordoadas demais para
se lembrar de nadar, então muitos afundavam e os guardas
tentaram resgatar o máximo possível, mas eram muitos.
Quando cheguei tentei usar meu poder para resgatar alguns
sobreviventes. Infelizmente, vi que funciona, mas é necessário
algum ajuste. Preciso saber o que aconteceu, o que levou a esse
erro? Brado com meus guardas, despejando sobre eles a minha
frustração e o pior acontece.
Toda a movimentação do navio fez com que o convés ficasse
desprotegido e Selene fugiu. Esfrego o rosto em frustração e urro de
ódio, sinto uma onda de magia deixar meu corpo como resposta.
Preciso ir atrás de Selene.
***
Não foi difícil encontrar a jovem, ela não tinha ido longe. Senti a
sua magia e segui seu rastro. Ela se escondeu em um dos prédios,
teria levado uma vida para encontrá-la se tivesse que percorrer sala
por sala dos prédios da cidade, mas como o seu poder está ligado
ao meu, pude senti-la e somente segui os passos que percorreu.
Agora, minha mão direita envolve com força o seu braço e me
preparo para nos transportar até o navio.
— O que vai fazer? — questiona aparentemente com medo.
— Não se preocupe, não vou te fazer mal. Afinal, você ainda
tem sua utilidade.
Vejo que a garota estremece ao fim de minhas palavras e eu
gosto disso. Me transporto para o navio, levando-a comigo.
Surgimos no convés e é isso que eu preciso. Onde eu
determinar que meus prisioneiros surjam, eles precisam surgir
exatamente lá.
— Vou colocá-la em seu quarto e vou trancar a porta, percebi
que não posso confiar em você. Descanse, pois em breve vamos
trabalhar.
Arrasto-a até seu quarto, a coloco lá dentro e fecho a porta,
trancando-a. Apenas um guarda ou Lily e Lanny poderão abrir a
porta.
Volto para o meu escritório e mando chamar Dara, Hila e
Steeve. Desta vez preciso da presença de meu capturador, pois ele
poderá me ajudar a descobrir o que deu errado. Antes de testar as
esferas, quem sempre capturou os escravos foi ele.
Alguém bate à porta e mando que entre, mas é Max e não um
dos outros que chamei.
— Não mandei te chamar — falo diretamente com o lobo, só o
aturo perto de mim, pois ele teve um papel fundamental na captura
da garota.
— Eu preciso falar com você — responde firme, sem se abalar
com o tom de desprezo na minha voz.
— É melhor ser rápido, estou cheio de problemas para resolver.
Um sorriso brota na face do lobo e eu não gosto de sua
expressão.
— Eu sei — responde e sinto a raiva borbulhar em meu sangue.
— Mas não me interessa o que aconteceu, o que me interessa é que
cumpri minha parte no acordo, quero receber o combinado.
— Você vai receber o que prometi — confirmo. — Mas ainda
não é a hora certa.
— E quando será a hora certa? — inquire com um rosnado. —
Não ache que aceitarei ser enrolado!
Ameaça e apoia suas mãos sobre a mesa de meu escritório e
rosna para mim, mostrando os seus dentes. A cicatriz horrorosa se
contorcendo. Só não o mato agora mesmo porque ele ainda pode
ser muito útil para mim, como um forte representante dos lobos.
— Não quero sofrer ameaças de um aliado — rebato
tranquilamente. — Se seguir por este caminho, nossa parceria está
encerrada e não lhe darei nada do que prometi.
Ele contínua rosnando e eu o encaro. O lobo entende que estou
esperando que pare com sua ameaça e aos poucos ele se acalma e
cessa o rosnado, afastando-se da mesa.
— Só quero saber quando receberei o combinado — repete a
sua pergunta e acho melhor dar uma resposta para que ele se
acalme, não quero mais um problema. Já tenho muito com que lidar.
— Terá sua própria aldeia, Maximus. Aos poucos esta cidade
será colonizada por nós, bruxos e lobos, e terá o seu lugar aqui,
onde será soberano. Exatamente como queria.
Max sorri satisfeito.
— É o que quero, mas quando isso ocorrerá?
— Terá que ter um pouco de paciência. Ainda não concluí meu
plano de desapropriar o mundo dos humanos e torná-lo nosso, isso
levará algum tempo.
— Isso vai demorar! — exclama.
— Vai — respondo com firmeza. — Mas se o colocar nestas
florestas com o mundo ainda cheio de humanos, você e os demais
que trouxer contigo, morrerá — anuncio a verdade, pois os humanos
possuem armas letais para um lobo.
Ele dá alguns passos para trás, analisando-me. Ele vê que falo a
verdade.
— Tudo bem — sussurra, vendo que não conseguirá mais do
que isto.
O som da batida na porta atravessa o cômodo.
— Abra a porta, por favor — peço. — Terei uma reunião
importante agora.
Max acena em concordância e abre a porta. Os três bruxos que
aguardavam, entram no ambiente. Agora, finalmente vou me dedicar
ao que me interessa.
Capítulo 28 - Esgotada

Kael
O navio ancorou em um porto improvisado, antes do que
Malagar costuma usar, uma forma de garantir que o bruxo não nos
visse. Afinal, o navio havia partido sem a permissão do homem.
Ao deixarmos o navio, estávamos a própria sorte, mas não
tínhamos opção. Segurando firme a mão de minha esposa,
desembarquei naquele mundo estranho. Não foi necessário nem
mesmo um passo para notar que este mundo é completamente
diferente do meu,
— Como vamos saber onde encontrar a sua irmã, Kael? Aqui é
completamente diferente, não faço ideia de para onde seguir! —
Nerya fala, completamente apavorada. Não imaginava que a veria
tão assustada assim quando chegássemos.
— O homem disse que Malagar está no próximo porto. Só
precisamos chagar até lá.
Percebo algumas das pessoas que desembarcaram seguindo em
uma mesma direção, suponho que estejam indo todos para o
mesmo lugar que eu desejo ir.
— Vamos segui-los — anuncio e minha esposa acena com a
cabeça.
— Eles devem estar seguindo para o próximo porto, assim
como nós desejamos.
Aceleramos nossos passos e entramos em meio as pessoas que
seguiam naquela direção.
A caminhada foi longa, chegamos próximo ao porto com os pés
doendo, a boca seca e a barriga roncando.
— É melhor não nos aproximarmos muito — constato que
muitos começaram a se dispersar. Provavelmente são bruxos ou
humanos que sabem para onde estão indo.
Para mim isso foi um sinal claro de que estávamos nos
aproximando.
— Kael... — Enquanto meus olhos procuram pelo sinal claro do
navio, sinto o toque frenético de minha esposa. — Kael... acho que
isso não é um bom sinal.
Volto a minha atenção para ela que tem o seu olhar voltado
para a cidade que cresce a diante.
— O que houve, amor? — pergunto.
— Não percebeu que as pessoas sumiram das ruas? — depois
de sua fala que me atento que desde um certo ponto, não vi mais
ninguém. E o comportamento dos poucos que estavam pelo caminho
era um pouco estranho, porém, não os conheço, não sei como é o
comportamento deste povo. Mas de fato, se antes haviam poucas
pessoas nas ruas, agora não há ninguém.
— Tem razão... — Analiso ao redor. — Tudo está tão vazio e
silencioso... Bom, vamos nos esconder até escurecer. Ao anoitecer,
tentaremos entrar no navio e resgatar a minha irmã.
— Temos que voltar antes do amanhecer, pois o nosso navio
não vai nos esperar — Nerya fala aflita.
— Eu sei. — Seguro firme em suas mãos, encaro sua face
cansada e dou um beijo rápido em sua boca. — Vamos conseguir —
falo como forma de encorajamento, não só para ela, mas para mim
também.
Nos afastamos para as ruas desérticas, e lá ficaremos até o
anoitecer.
***
Agachados atrás de um monte de caixas e fardos, observando o
movimento do navio, Nerya e eu aguardamos pela oportunidade de
entrar na embarcação.
Um guarda passa de um lado a outro com algo nas mãos, eu
desconheço, mas arrisco que seja uma arma humana, devido ao seu
aspecto. Já havia escutado falar delas, não possuem lâminas, não
cortam nem furam, mas cospem fogo e são eficazes em matar.
Com o passar das horas, o movimento cessa e até mesmo o
guarda de plantão não pode ser visto. É a nossa chance.
— É agora, não podemos perder essa oportunidade — falo e
Nerya concorda.
Saímos de nosso esconderijo e corremos pelo canto, subindo as
escadas o mais rápido possível. Conseguimos atingir o convés e
procuramos outro lugar para nos esconder.
Caminhamos na escuridão, evitando os olhares de qualquer
guarda que possa surgir.
— Como vamos encontrá-la? Esse lugar é ainda maior que o
outro navio! — Sussurra minha esposa.
Ela tem razão.
Este lugar é imenso. Como conseguiremos encontrá-la e correr
até o outro navio antes do amanhecer? Fico pensando, tentando
imaginar uma forma de encontrar Selene sem ter que abrir cada
uma das incontáveis portas dessa embarcação gigante.
Sinto um toque em meu braço e acho que é a minha esposa,
mas vejo que ela esfrega as suas mãos de frio. Não posso gritar ou
chamarei a atenção de muitos, mas eu senti alguém ou algo me
tocar.
A tensão toma conta de mim, e olho ao redor com cuidado,
tentando ajustar a minha visão para enxergar na escuridão, mas
então ouço uma voz conhecida.
— Não vai voltar a ser um bebezinho e começar a chorar!
Aquela voz...
— Killan? — Reconheço a voz de meu irmão, mas será mesmo
ele?
Em resposta, os gêmeos surgem na minha frente. Sinto um
alívio ao vê-los, pois podem saber onde Selene está e assim poderei
resgatar a todos eles. Mas o que ouço a seguir não é animador.
— Você não vai gostar, Kael. Selene está com Malagar, já tem
algumas horas. Não há nada que possamos fazer agora — as
palavras de Hiran tiram o chão de meus pés.
O que vamos fazer agora?
***
Selene
O cansaço me abateu depois que cheguei da fuga com meus
irmãos. O bruxo retirou de mim muito de meu poder sem nem eu
mesma perceber, e depois, toda a correria da fuga me deixou
esgotada. Acabei dormindo com a mesma roupa de couro que
estava usando. E ao que parece Malagar é incansável e acha que
todos são como ele.
Sou acordada horas depois de cair no sono, mas para meu
corpo cansado essas horas são como meros minutos. Ainda não
estou disposta, mas o homem não se importa. O guarda recrutado
para me levar até o bruxo não aceitou os meus protestos, e sou
praticamente arrastada pelo convés.
Quando finalmente chego na sala de Malagar, ele tem um
sorriso que odeio em sua face. Isso indica que ele conseguiu o que
queria. Deve ter identificado o problema com a ajuda de seus
aliados, e agora está pronto para fazer tudo outra vez. Não estou
pronta para ter mais uma onda de poder escapando de meu corpo
sem meu controle.
— Devo dizer que está meio abatida, querida — comenta o
bruxo, sabendo perfeitamente que me encontro esgotada.
— E você não faz ideia do motivo, não é mesmo? — falo
indignada.
O bruxo estala a língua e se aproxima lentamente de mim, seus
olhos me fitando como se ele fosse um predador pronto para dar o
bote em sua presa.
— Fique tranquila... — Ele ergue a sua mão para a mesma
bruxa que me hipnotizou antes, sinto o tremor de antecipação
percorrer meu corpo. — Você nem vai sentir nada.
— Não! — exclamo, decidida. — Não quero ficar desacordada e
estar nas mãos de vocês como uma coisa qualquer, que vocês
podem tirar o quanto quiser.
O homem me analisa.
— Se cooperar, poderá estar consciente — pondera. — Mas se
começar a causar problemas, não haverá outra maneira.
— O único problema que vou causar será se tentarem retirar
mais do que posso dar. Meu corpo está cansado, minha magia já foi
retirada hoje e nem pude descansar devidamente. — Vejo que
Malagar me analisa, ele sabe que digo a verdade. — Minha mãe
sempre nos contou sobre o esgotamento da magia, não podemos
deixar chegar a este ponto.
— É justo — diz ele. — Não posso matar a fonte de um poder
tão precioso. E se funcionar, levará muito tempo até que precise de
você novamente.
— Do que está falando? — questiono e ele sorri.
— Descobrimos o problema, nossas magias não podem estar
contidas em um único lugar. Uma interfere na outra, e foi isso o que
levou a tantos problemas.
— Então agora... — quando começo a falar, percebo que já
existem esferas menores, várias delas, todas com uma coloração
dourada e brilhante.
— Basta um — explica ele ao pegar uma esfera contendo o seu
poder. — E nem precisa ser utilizado por mim. O feitiço contido com
a magia permite que aquele que o utiliza, escolha o destino dos
capturados.
— Para quê precisa de mim, então? — questiono realmente sem
entender. Se ele já tem o meio de transportar as suas vítimas...
— Ah, querida... — O seu sorriso não é agradável, nem seu tom
de voz. — A sua magia é muito mais fácil de lidar, você congela o
tempo, e agora sei como intensificar o efeito de sua magia, ela
poderá alcançar distâncias inimagináveis.
A loucura está estampada na face do homem, ele está fissurado
com as possiblidades de captura de um maior número de escravos
de uma só vez. Enquanto ele explica o seu plano, compreendo que
enquanto meu poder não tem limites de alcance, o dele sim.
Estremeço só de pensar no que irá acontecer quando Malagar
colocar seu plano em prática.
Um guarda atende ao pedido do bruxo e retira o colar que
estava em meu pescoço.
— Então, se prepare — Malagar diz. — Se sentir que está perto
do esgotamento, avise. Iremos interromper imediatamente.
Eu sei que ele não está preocupado comigo, está preocupado
com sua fonte de poder. Enquanto for valiosa para ele, o bruxo não
permitirá que aconteça algo de ruim comigo.
— Dara — ele chama uma mulher esbelta de pele negra e
cabelos cacheados. Ela se aproxima. — Prepare seus orbes, lembre-
se que os que conterão a magia de Selene serão maiores — instrui e
a mulher acena em concordância. Devo dizer que estou com medo.
Será que vai doer?
— Liberte o seu poder agora, o mais forte que puder — pede a
mim e se prepara com as mãos voltadas na minha direção. — Hila,
fique atenta — ele fala com a morena, e ela se aproxima.
Faço como pediu e fixo meus olhos em algo, é assim que eu
conseguia fazer meus truques em casa. Até então, era só isso que
eles eram: truques. Agora virou uma arma. Com os olhos
atravessando a janela e contemplando o mar e além, desejo que o
tempo pare para toda extensão que minhas vistas alcançam.
Quando isso acontece, sinto o que há em mim ser sugado.
A princípio não há dor, só uma sensação estranha. Malagar
profere palavras incompreensíveis para mim e vejo a minha magia
tomar forma e cor. Os orbes começam a se formar, mas todo o
processo demora.
Vejo uma esfera ser fomada, elas são maiores e brilham com
algo azul dentro. Outra esfera se forma e depois outra. Sinto o corpo
enfraquecer, devo estar chegando perto do esgotamento. Tento abrir
a boca e me expressar, mas não consigo. Tudo o que sai de mim é
um grito de dor que me atravessa ao meio, como se estivesse sendo
rasgada.
Minha cabeça lateja, me encolho sentindo mais poder ser
retirado e então o fluxo que sai de mim para. Caio ao chão
completamente esgotada, mas eu vejo Malagar segurar orgulhoso
algumas esferas brilhantes em suas mãos.
Antes que eu possa dizer alguma coisa, escuto uma confusão
vindo da porta e então a madeira se estilhaça em milhares de
pedaços, e quatro lobos gigantes invadem o cômodo.
Capítulos 29 - Ao mar revolto

Kael
Hiran e Killan me levaram para onde nossa irmã está. Com
cuidado, andando sempre pela escuridão, fugindo da claridade que
vinham de lâmpadas, algo que não sei o que significa, mas que
clareia tudo ao seu redor, mais do que uma lamparina.
Porém, no corredor que levava para a tal sala, não havia onde
nos esconder, era tudo muito claro, como se ainda fosse dia. Damos
alguns passos naquela direção, ouvindo vozes abafadas escaparem
da porta, até que o grito de Selene me alerta.
— Temos que entrar agora — sussurro, já me preparando para
me transformar.
Meus irmãos e Nerya acenam em concordância, porém não
quero arriscar a vida de minha esposa.
— Meu amor, é melhor nos esperar aqui fora... — Começo a
falar, mas Nerya me interrompe.
— Nem termine de falar, Kael! — A sua face ficou vermelha,
mostrando que não gostou da minha atitude. — Não sou de vidro,
não vou me quebrar se entrar lá com vocês.
Ela mostra tanta certeza quando fala que eu realmente acredito
que ela é forte o bastante para enfrentar Malagar e seus bruxos e
sair vitoriosa, mas tenho medo de perdê-la. Muito medo.
— Eu sei que é forte, meu amor, mas tenho medo que se fira —
declaro.
— Todos vocês vão correr risco, não quero ser a única a ser
poupada. Viemos para salvar Selene e é isso que faremos, juntos —
rebate com tanta determinação, que não tenho mais como negar.
— Se não fosse casada com meu irmão, te pediria em
casamento agora mesmo — Killan não tem jeito, brinca até nos
piores momentos para fazer piadinhas.
— Quer que eu quebre o seu nariz? — questiono a ele que
levanta as mãos em rendição.
— Estamos perdendo tempo aqui — Hiran interfere. — Vamos
invadir agora!
Ele tem essa atitude assim que nossa irmã libera outro grito,
desta vez mais alto que o anterior. Senti que tínhamos que agir
imediatamente.
Eu sou o primeiro a me transformar em lobo, Nerya e meus
irmãos me acompanham e investimos sobre a porta com tudo o que
tínhamos.
A madeira se estilhaça sob nosso peso e força e vejo minha
irmã caída ao chão, Imediatamente corro em sua direção, me
colocando entre ela e Malagar, defendendo-a com meu corpo.
“Como você está?” falo com minha irmã em sua mente, quando
percebo que ela está acordada, embora sua feição esteja muito
abatida.
— Estou bem... — Ela tenta se sentar, parece fazer força para
isso. — Pegue uma das esferas douradas — ela fala e eu não
entendo.
“Pegar o quê?” — pergunto, olhando ao redor.
Killan e Hiran estão lutando cada um com uma bruxa diferente,
e lutando contra a minha esposa estava o bruxo, o supremo,
Malagar.
Como minha irmã está segura, parto na direção de minha
mulher para ajudá-la. Malagar é um bruxo poderoso e ele poderá
ferí-la e não suporto a ideia.
Avanço sobre ele, derrubando-o. Quando vou morder a sua
garganta, ele se defende com um escudo de poder impenetrável.
Não consigo atingi-lo. Nerya se junta a mim para atacá-lo e o
supremo apenas ri.
“Precisa pegá-lo distraído” minha esposa fala em minha mente.
“Minha mãe já havia relatado sobre este poder do supremo, e
somente distraído podemos feri-lo.”
Penso no que Nerya diz. Como poderemos distrair o bruxo?
As mãos do bruxo estão espalmadas na minha direção. Salto
para o lado e, por pouco, me livro de seu ataque, mas o poder
lançado por ele atinge a parede da embarcação, criando um rombo
gigantesco.
— Olha o que você fez! — berra ele comigo e eu mostro meus
dentes, rosnando e babando. — Destruiu o meu navio!
Olho para trás e vejo o mar revolto e a noite escura, com o céu
fechado de nuvens pesadas. Aparentemente uma chuva forte se
aproxima. O vento forte e frio invade o cômodo através do buraco
criado na parede.
“Pega a esfera dourada” ouço novamente a voz de minha irmã
na minha cabeça.
Olho na sua direção e a vejo sentada, encostada na madeira da
mesa do escritório de Malagar. Seus olhos estão voltados para um
lugar e eu os sigo. Vejo que há um suporte com algumas esferas
brilhantes, dourada e azul.
“Não consigo pegar” respondo a ela. Considerando o tamanho
da esfera e que estou na forma lupina, não tenho como pegá-la.
Além disso, há a distância.
“Eu vou cuidar de Malagar” falo na mente de minha esposa. “Dê
cobertura para Selene, ela precisa pegar uma daquelas esferas.”
Ela salta imediatamente na direção de minha irmã, para
protegê-la; os gêmeos estão ainda lutando com as duas mulheres e
eles de algum modo estranho se aproximam lentamente da abertura
na parede que leva diretamente para o mar revolto. Será que eles
não tem noção do perigo?
— Até uma lobinha inexperiente tem mais senso de preservação
que você — implica o bruxo. — Já que não tem amor a sua vida, vou
brincar com você como um predador brinca com sua presa.
Com o canto de olho, percebo que Selene se arrasta, ainda
sentada, na direção do suporte. Não sei para que serve aqueles
orbes, mas devem ter alguma utilidade, pois se não minha irmã não
estaria tão determinada a pegar um deles.
***
Selene
Meu corpo está fraco e dolorido. Ao me encostar na madeira da
mesa, o sono começa a me atingir. Um sinal de que meu corpo
precisa se recuperar. Mas não posso simplesmente me render ao
sono agora. Se meus irmãos não tivessem invadido o cômodo, com
certeza deixaria a exaustão me dominar, mas com eles aqui, lutando
por mim, não posso simplesmente deixar me abater.
Imediatamente me lembro do que Malagar me disse. As esferas
contendo o seu poder podem ser usadas por qualquer um. Me
arrasto até o suporte onde as esferas estão, enquanto isso o bruxo
se mantém entretido, enfrentando o meu irmão, enquanto minha
cunhada circula mantendo a minha segurança.
Preciso parar para respirar um pouco, o breve esforça já me
deixa exausta. Drenaram muito de mim, mesmo estando consciente.
Se estivesse inconsciente teriam me matado.
Observo o outro lado da sala e vejo os gêmeos lutando com
duas bruxas, mas eu sei que se Killan quisesse ele poderia acabar
com isso de uma vez, porém, o poder dele é como o de minha mão
e todos ao alcance de seu poder perderiam a vida. Então meu irmão
fica limitado à força bruta. Já Hiran pode usar o seu poder para
formar escudos que os defende dos ataques das bruxas.
As duas mulheres lançam feitiços sobre os dois, além de
lutarem bravamente. Enquanto lutam, meus irmãos cada vez mais se
aproximam da abertura que se formou na parede do navio,
revelando um mar revolto.
Me arrasto mais um pouco, para perto do suporte. Estico o mão
e consigo pegar uma esfera. Não há onde esconder, uso a roupa de
couro que Malagar havia me mandado usar quando chegamos na
terra dos humanos. O cansaço mais cedo me dominou de modo que
só me joguei na cama e dormi, nem mesmo me lembrei de tirar a
roupa.
Aos poucos me arrasto de volta.
“Consegui” falo diretamente com a mente de meu irmão. “Vem
para perto mim.”
Kael salta sobre o bruxo, colocando-o sobre ele, mas o homem
ri em vez de se desesperar.
— Não pode fazer nada comigo, lobinho! — o bruxo zomba,
pois o seu escudo o protege.
Mas meu irmão começa a brilhar, seus pelos brancos parecem
tão claros quanto as estrelas e vejo a face de Malagar mudar. Os
olhos do homem arregalam-se, e então o escudo mágico que o
protegia se rompe e meu irmão ataca e consegue morder o bruxo,
porém não em uma mordida fatal.
Na tentativa de se proteger, Malagar colocou o braço na frente
e meu irmão o mordeu com ferocidade. Os dentes do bruxo estão
trincados, a face contorcida de dor, mas é possível perceber que ele
não pensa em se render.
Kael balança a cabeça e ouço o barulho do estalo de osso se
quebrando. Mas em vez do bruxo desistir, ele ergue a outra mão no
peito do meu irmão e vejo que ele pretende matá-lo com sua magia.
Mesmo meu corpo estando exaurido, não vejo outro modo de salvá-
lo. Foco na cena, na face vitoriosa de Malagar, e desejo parar o
tempo somente para o bruxo. Não sei se conseguirei paralisar
apenas uma única coisa, como fiz com a cenoura, mas precisava
tentar.
E deu certo.
Vejo o corpo paralisado de Malagar e meu irmão leva alguns
segundos para entender o que aconteceu. Porém meus olhos pesam,
luto para me mantê-los abertos, não posso dormir agora.
Kael corre na minha direção, mas direciono o meu olhar para os
gêmeos que estão perigosamente na abertura criada na parede do
cômodo, o mundo escuro além deles mostrando uma tempestade
que começa a cair.
Quero parar o tempo novamente, mas não restou uma gota da
minha magia.
— Kael... — sussurro com o que restou de minha forças. — Os
gêmeos...
Nerya e meu irmão voltam a sua atenção para a abertura e
preparam-se para ajudar Killan e Hiran. Percebo que a ideia deles de
seguir para a abertura era fazer com que as duas bruxas caíssem do
navio. Porém quem estava em risco agora eram os dois.
Um raio atravessa o céu, iluminando o mar cada vez mais
revolto. Killan avança com seus dentes á mostra na direção de Dara,
que lança sobre ele a sua magia. O choque da magia da mulher no
peito do lobo, fez com que caísse no chão e seu corpo escorregou
pelo piso rachado.
Hiran parte em socorro do irmão, vejo Kael e Nerya chegarem
um segundo depois, porém é tarde demais e o corpo de Killan
continua derrapando na madeira agora úmida com a tempestade
que começou a cair, e seu corpo cai pela abertura.
Torço para que haja algo na parte de baixo que não seja o mar
revolto, mas quando vejo Hiran se jogar logo depois entendo que,
por sua atitude desesperada, Killan foi parar diretamente ao mar.
Uma lágrima escorre de meus olhos. Fico me sentindo
impotente, com o coração sangrando, pois não pude salvar os meus
irmãos e eles vieram para me salvar.
Kael e Nerya estão parados na beirada, as duas bruxas
aproveitaram a confusão para fugirem e eu não sei quanto tempo
consigo manter Malagar preso na minha magia.
Estendo a mão e pego outra esfera. Não posso simplesmente ir
embora sem antes tentar descobrir se meus irmãos conseguiram
escapar.
— Kael... — sussurro e meu irmão se volta na minha direção.
— Não... não sei quanto tempo... eu... consigo aguentar.
Depois de uma última olhada pela abertura, os dois lobos
correm ao meu encontro. Pisco com os olhos cada vez mais pesados.
Lembro-me da sala em que fiquei com meus irmãos, lanço a esfera
para o alto como Malagar havia feito mais cedo e foco em para onde
quero ir e levar os dois comigo. Nerya e Kael então muito próximos
de mim, agora. A luz dourada nos envolve e sumimos no ar, porém,
não vejo onde chagamos, pois logo em seguida não suporto mais a
exaustão e a escuridão me vence.
Capítulo 30 - Será que estão vivos?

Kael
Dentro daquele cômodo foi uma verdadeira confusão. Enquanto
enfrentava Malagar, os gêmeos lutavam com duas bruxas e elas
eram muito poderosas. Podia sentir o resquício de sua magia em
minha pele quando se aproximaram demais, e quando vi que Hiran e
Killan estavam perigosamente perto da larga abertura na parede, me
preocupei, mas não podia fazer nada, pois estava envolvido em um
embate com Malagar.
Mas para minha surpresa, o ataque do bruxo, que deveria me
matar, foi congelado no tempo por minha irmã e seu pedido foi para
que ajudasse os gêmeos. Porém, era tarde demais. Vi Killan e em
seguida Hiran desaparecerem no mar revolto, engolidos pelas ondas
altas e agitadas. Não havia o que fazer, se eu mergulhasse atrás
deles, seria somente mais um desaparecido. E minha esposa estaria
sozinha para levar Selene para casa.
Selene já estava quase desfalecia quando cheguei perto dela.
Fraca demais, ela não poderia ter usado o seu poder, mas fez isso
para salvar a minha vida. Quando Nerya e eu nos aproximamos,
uma onda de luz dourada nos envolveu e eu não entendi o que
estava acontecendo. Desaparecemos do ambiente e surgimos em
outro, igualmente moderno e iluminado, mas parecia que havia
passado um furacão por ali.
Enquanto tento entender onde estou, vejo Nerya igualmente
confusa ao meu lado e então vejo Selene desmaiada no chão do
cômodo.
— Selene! — chamo e vou correndo até ela, me agacho ao seu
lado e toco sua face que está gelada, coloco a mão na frente do
nariz dela com o coração apertado, temendo que ela não estivesse
viva.
Mas felizmente sinto sua respiração, fraca, mas está respirando.
Sento-me no chão sentindo meu corpo amolecer.
— Ela está bem? — inquire minha esposa. Abaixando-se ao
meu lado, e também tocando a face de minha irmã.
— Está respirando — respondo aliviado. — Me ajuda a colocá-la
em cima daquele sofá.
Aponto para um sofá preto que parecia ser feito de couro.
Antes de erguê-la do chão, noto mais uma esfera dourada em
sua mão. Como aquela nos transportou para cá, a outra poderia nos
transportar para o navio, porém ele sairia ao amanhecer.
Coloco a esfera sobre uma mesinha e a protejo com algumas
coisas estranhas que estavam sobre o pequeno móvel, para evitar
que role e caia. Não sei se essa coisa pode quebrar, e ao que parece
é nossa única forma de voltar para casa nesse momento.
Ergo minha irmã em meus braços e com a ajuda de minha
esposa, a coloco sobre o sofá macio.
— Seria bom encontrar algo quente — falo, olhando para os
lados e não vejo nada que sirva de coberta.
Nerya começa a andar pelo lugar e sai de um cômodo com
toalhas fofas nos braços.
— Tem essas toalhas, é melhor que nada.
Aceito sua sugestão e a cubro. Depois que faço o que posso por
minha irmã, relaxo no chão encostando a cabeça no sofá. Fecho os
olhos e tento processar tudo o que aconteceu.
Nerya volta com as mãos cheias de alguma coisa, as colocando
na boca e mastigando com vontade. Estamos todos cheios de fome,
e pelo visto ela achou algo para comer.
— Tem uma pote cheio desses biscoitos — fala, saindo do
cômodo na minha frente.
Me levanto do chão e vou até ela, vendo que tem uma cozinha
ali. É pequena e tem várias coisas que não sei para que servem, mas
há frutas, pães e biscoitos sobre a mesa.
Pego um pedaço de pão e uma fruta, os saboreio matando a
fome que sentia. Depois de matar a fome, finalmente me dou conta
de que estamos nus. Encaro meu corpo e o corpo de minha esposa
que está coberto por um roupão branco, fofo como as toalhas.
— Só agora você percebeu que está pelado, Kael? — inquire e
gargalha. — É por isso que minha mãe não gosta de se transformar.
— Ainda bem que você não tem essa palhaçada — comento e
rimos em seguida. — Estou muito cansado.
Me deito sobre o tapete no chão. Nerya vem e se aninha ao
meu lado, colocando a cabeça sobre meu peito.
— Também estou cansada, amor.
Fico ali, deitado, olhando para o teto iluminado sem saber como
faz para apagar toda aquela iluminação. Meus pensamentos voam
para meus irmãos, para o mar revolto que os engoliu, para a chuva
que cai lá fora neste momento. Penso no que pode ter acontecido
com eles. Será que conseguiram sair da água? Eles caíram em forma
de lobo, isso dá a eles alguma vantagem.
Alimento a esperança de que meus irmãos estão bem, preciso
dessa esperança.
Mesmo com esses pensamentos, o cansaço me toma e
adormeço.
***
Nerya
A exaustão me tomou quando deitei no chão ao lado de meu
marido. Mesmo com o chão duro, dormi como há muito tempo não
dormia. Quando abro meus olhos, eles vão direto para o sofá, mas
não vejo Selene. Me sento e olho ao redor do cômodo, finalmente a
vendo próximo a janela.
Me levanto, ajusto o laço do roupão e vou até ela. Ao me
aproximar, vejo que observa a chuva que cai.
— Está bem, Selene? — questiono.
Ela suspira e se vira para mim, um segundo depois a menina
está me abraçando e o soluço escapa forte de sua garganta, como
se ela estivesse se contendo há muito tempo
— Meus irmãos... — soluça. — Eles vieram me salvar e
acabaram ao mar revolto, e não para de chover.
— Hiran e Killan são homens fortes, eles estão bem. Eu tenho
certeza — falo, mesmo sem ter absoluta certeza. Mas quero
tranquilizar o coração aflito da garota.
— A culpa é minha... — Sinto o corpo dela tremer, enquanto me
abraça forte.
— Você não tem culpa de nada, Selene. — Acaricio seu cabelo.
— Não posso ir embora sem tentar encontrá-los. Preciso ir até
lá. — Aflita, Selene se vira para a janela novamente e então percebo
que de onde estamos é possível ver o mar além.
Ela está pensando em ir até o mar tentar encontrar os irmãos.
— Escute, Selene. Isso pode ser perigoso. — Seguro em seu
ombro e viro seu corpo para ficar de frente para mim novamente. —
Seus irmãos se arriscaram para que pudesse ser levada para casa
em segurança, eles não gostariam de saber que se arriscou por eles.
— Mas eles se arriscaram por mim — argumenta. — Por que eu
não posso me arriscar por eles?
— Porque eles não iriam querer isso, Selene. — Meus olhos
aflitos, encontram os dela que estão vermelhos e inchados.
Sinto um movimento atrás de mim e sei que meu marido
acabou de acordar.
— Vocês estão bem? Por que Selene está chorando? — inquire
ao se aproximar de nós duas.
— Ela quer tentar encontrar os gêmeos — revelo sem pensar
duas vezes.
Os olhos preocupados de Kael voltam-se para a irmã.
— Você não pode ir até lá, é perigoso. Eu vou. — A
determinação na voz de meu marido me deixa de coração apertado.
— Eu quero ir — Selene está tão determinada quanto o irmão.
— Vocês se arriscaram por mim, se fosse com você ou com Nerya eu
faria o mesmo. E com meu poder posso parar o tempo, ninguém nos
verá.
Vejo que Kael pondera, seus olhos analisando a irmã.
— Mas não irá sozinha, iremos com você.
— Tudo bem — Selene aceita. — Eu tenho que encontrá-los.
— Não podemos ficar muito tempo por aqui — falo. — O bruxo
está ferido, mas pode mandar seus soldados atrás de nós.
— Vamos rondar todo o litoral pelo tempo que puder manter o
tempo parado, depois, se não os encontrarmos, teremos que ir
embora — Kael diz determinado.
— Mesmo se não os encontrarmos? — inquire minha cunhada
com olhos tristes.
— Mesmo se não os encontrarmos — afirma —, mas prometo
que, se isso acontecer... — Kael segura firme nas mãos da irmã. —
Eu vou voltar somente para procurá-los.
— Não pode fazer isso sozinho, Kael! — Selene exclama e eu
dou todo apoio.
— Depois conversamos sobre isso, mas se quer procurar nossos
irmãos, é melhor irmos de uma vez.
Com a determinação borbulhando no sangue de cada um de
nós, nos preparamos para sair.
Kael achou melhor levarmos a esfera conosco, para não arriscar
nosso único meio de voltar para casa, agora que perdemos a carona
do navio que nos trouxe até aqui.
Selene não tem como carregá-lo em sua roupa de couro, e nem
nenhum de nós, pois iremos na forma lupina. Então meu marido
pega o roupão que usei e corta a sua manga, depositando
cuidadosamente a esfera dentro dela. Ele usou a faixa, usada para
prender o roupão pela cintura, para fazer um nó em cada ponta da
manga, deixando muito dela para envolver o meu corpo, prendendo-
a forte o suficiente.
Nos transformamos. Selene amarra a mochila improvisada em
torno de meu corpo lupino, dando um nó bem apertado, garantindo
que não vá se soltar.
Kael levará a irmã montada sobre seu corpo. Quando estamos
completamente preparados, disparamos pela porta e descemos as
escadas a saltos largos. Quando chegamos ao primeiro andar, fico
impressionada com o número de andares que tem esse local. Tudo é
muito diferente do que estou acostumada, mas não temos tempo
para isso.
Nosso objetivo agora é tentar encontrar Killan e Hiran.
Capítulo 31- Para casa

Selene
Já rondamos todo o litoral e nada dos gêmeos. A chuva não
cessa, as ondas estão altíssimas e batendo com violência nas
pedras. Minhas lágrimas são lavadas constantemente pela chuva
forte que encharca o couro da minha roupa.
Já estou exausta de tanto usar minha magia para parar o
tempo.
“Selene, não vai adiantar. Já andamos quilômetros. Se eles
conseguiram sair da água, estão escondidos em algum lugar sabe-se
lá onde” ouço a voz de Kael em minha mente, sei que está
preocupado comigo. Ele vem repetindo que posso ficar doente a
todo momento.
Suspiro, pois ele tem razão. As horas passam e nenhum sinal
dos gêmeos. Nerya se aproxima de mim, indicando a amarração em
suas costas. A esfera está ali, guardada em segurança.
“Vamos para casa, Selene.” Agora é Nerya que fala comigo.
Desamarro com cuidado a esfera, seguro-a firme em minha
mão. Kael e minha cunhada se aproximam, ficando perto de mim,
lanço a esfera para cima e visualizo a nossa casa em nossa aldeia na
Terra de Luna. A luz dourada nos envolve e desaparecemos de Terra
de Eva, para surgir no meio da floresta em Terra de Luna.
Quando aterrisso em meio a floresta, fico confusa com o local.
— Onde estamos? Mentalizei nossa aldeia, a visualizei assim
como fiz quando nos transportei para o prédio.
Giro ao redor, tentando conhecer o local.
“Estamos em Terra de Luna, mas bem distante de nossa aldeia”
meu irmão fala em minha mente.
— Mas... — quando faria outra pergunta, noto um corpo quente
no caminho quando tento andar, e ao abaixar meu olhar, vejo Nerya
desacordada em sua forma lupina no chão da floresta.
— Nerya! — Meu irmão volta a sua forma humana e se ajoelha
ao lado de sua esposa, desesperado.
Fico estagnada em meu lugar. O que será que aconteceu? O
que eu fiz de errado desta vez?
— Me ajude a levantá-la, Selene — meu irmão pede,
desesperado,
Minha cunhada ainda está em sua forma lupina e por isso não
terei forças para erguê-la junto ao meu irmão.
— Não vou conseguir, é muito pesado para mim.
Kael me analisa e então se dá conta de que eu não posso
ajudar a carregar um lobo gigante, mesmo que ela não seja um dos
maiores.
— Já sei o que vou fazer, espero que dê certo — murmura Kael
e o vejo se concentrar.
Não entendo o que está acontecendo, mas ele parece que vai
se transformar. Os ossos se modificam, ele fica maior, mas não se
transforma completamente. Parece a forma semilupina que meu pai
assume, mas isso ocorre raramente.
— Não sabia que podia assumir essa forma — sussurro,
encarando-o. — Nosso pai sempre disse que apenas alfas muito
poderosos possuem esse poder.
— Descobri que posso me transformar há poucos dias — ele
começa a falar com uma voz animalesca, assim como ouço meu pai
proferir quando está nesta forma. — Mas ainda estou em fase de
amadurecimento — argumenta e eu entendo o que quer dizer. Ele
ainda não é tão forte nesta forma como o nosso pai, mas em breve
será.
Ele ergue o corpo da esposa com facilidade, estando nesta
forma, e eu me transformo para acompanhar o ritmo dele. Corremos
pela floresta adentro e algum tempo depois começo a identificar o
local e sei que estamos chegando. Nunca me afastei muito da
floresta, pois isso não conheço bem os arredores.
Quando chegamos na nossa aldeia, sinto o alívio de finalmente
estar em casa, mas esse alívio esvai no momento em que me lembro
que minha cunhada não está bem, e mais uma vez a culpa pode ser
minha.
— Chegaram! — ouço a voz da minha mãe, alarmada, correndo
até nós. — O que aconteceu?
Sinto o seu abraço forte e cheio de saudade quando volto à
minha forma humana.
— Minha menina — sussurra ao beijar minha face.
— Não sabemos, ela estava bem — a voz grossa de meu irmão
corta o ar e então minha mãe se dá conta da forma que seu filho
assume.
— Kael! — exclama e coloca as mãos sobre a boca. E então ela
se dá conta de mais uma coisa. — Onde estão os gêmeos?
A pergunta dela deixa um vazio no ar, um silêncio cortante que
atravessa o seu coração como um punhal.
— Não — sussurra e cai de joelhos. — O que aconteceu? Por
que não voltaram para casa? Meus meninos... meus gêmeos...
— Mãe, eu... — Me ajoelho em sua frente. — A culpa foi minha
— assumo, mas Kael me corta.
— Você não teve culpa de nada, o culpado dos gêmeos caírem
ao mar foi do bruxo! — rosna meu irmão, e minha mãe arregala os
olhos cheios de lágrimas, seus lábios tremem ao tentar proferir
algo. — Preciso chamar o curandeiro, depois eu conto como tudo
aconteceu.
Ele caminha determinado para dentro da casa e logo sai em
disparada entre a aldeia.
Levanto do chão com a minha mãe.
— Onde está meu pai?
— Ele foi à cidade das bruxas depois que Nerya fugiu e ainda
não voltou — murmura.
Adentramos a casa e Nerya continua desacordada no meio da
sala de jantar em sua forma lupina.
Desejo do fundo da minha alma que ela fique bem, não vou
suportar carregar a culpa de mais uma perda.
***
Kael
Corri em busca do curandeiro que rapidamente atendeu ao meu
chamado. Os lobos espantaram-se em me ver naquela forma
semilupina, mas, para eles, apenas reforça minha herança e
aumenta o respeito que possuem por mim. Em menos de um ano,
eu serei o alfa da aldeia.
No momento, minha esposa ainda está desacordada, deitada na
cama do quarto de Selene, mas o curandeiro afirmou que ela está
bem, que é apenas questão de tempo para que desperte. Porém já
fazem horas e Nerya não desperta.
Selene tem o olhar distante, para além da janela. Está calada e
sei que culpa a si mesma por tudo o que aconteceu.
— Maninha — falo, aproximando-me. — Não fique assim. —
Passo um braço por seu ombro, abraçando-a.
— Não sei se eles estão vivos, Kael — murmura com os olhos
fixados além da janela. — E Nerya ainda está desacordada. Tudo
culpa minha.
Viro-a de frente para mim e seguro firme em seu rosto.
— Olha para mim, Selene. Você não tem culpa de nada,
entendeu? — As lágrimas correm livres por sua face e ela abaixa a
cabeça, mas eu ergo o seu queixo novamente. — Não se culpe, o
verdadeiro culpado é Malagar, aquele bruxo miserável.
— Mas eles foram até lá por minha causa — responde, ainda se
culpando.
— Isso porque Malagar a raptou. Eles foram ao seu resgate,
assim como eu e o nosso pai.
— E ainda tem meu pai que ainda não voltou!
Selene soluça, ela está sofrendo uma grande pressão
emocional, pois se culpa demais, e não adianta muito repetir que ela
não é a culpada.
Um gemido chama a nossa atenção e quando me viro, Nerya
está despertando. Uma magia entoada pelo ancião fez com que ela
voltasse a sua forma humana, mesmo ainda inconsciente. Meu sogro
esteve ao seu lado por muito tempo, até que o cansaço o tomou e
ele precisou se retirar e quem ficou aqui no quarto, observando o
sono de Nerya, foi minha irmã e eu. E agora fomos premiados, pois
ela está despertando depois de tanto tempo desacordada.
— Nerya! — Selene e eu falamos ao mesmo tempo.
Minha irmã correu ao seu encontro, se sentou na cama e a
abraçou fortemente. Nerya mal conseguia reagir, lembrando-se de
onde está e o que havia acontecido.
— O que aconteceu? — questiona, piscando os olhos, e eu me
aproximo.
— Você desmaiou durante o transporte, mas está tudo bem
agora — falo tranquilamente. Depois explico o que aconteceu. O pior
já passou e fico aliviado por isso.
Em breve meu pai voltará, tenho certeza. Ele deve estar nos
procurando por todo lugar quando perceber que não há mais o que
fazer, ele voltará. Eu sei que ele está bem, sinto isso dentro de mim.
Abaixo-me e beijo os lábios da minha esposa.
***
Killan
Meu maior desespero não foi cair no mar revolto, mas sim ver
meu irmão se jogar logo após eu cair. Sabia que podia ser uma
queda sem volta, e estaria feliz se morresse com a certeza de que
meus irmãos estão bem.
Quando o mar me envolveu, fiz de tudo para vencer a
correnteza e romper a superfície, isto porque eu precisava ver se
Hiran estava bem, se precisava de mim. O vi de longe, tentando
nadar na minha direção.
Estávamos em nossa forma de lobo e por isso a chance de
chegar a um lugar seguro era maior do que se estivéssemos em
nossa forma humana, neste caso, a correnteza teria nos arrastado e
estaríamos nos afogando.
Nado para a direção de algumas pedras, ele percebe para onde
estou indo e se direciona para lá também. Foi muito custoso
chegarmos até as rochas, mas era o local mais próximo que
tínhamos para sair da água.
A tempestade cai forte, as ondas são gigantes e ao nos
aproximarmos das pedras, o desafio se tornou ainda maior. Se não
nos controlássemos, se não calculássemos o tempo certo, seríamos
atirados com toda força pelo mar sobre as pedras e nos
quebraríamos por inteiro. Mais uma vez a forma lupina nos deu
vantagens.
Quando atingimos as pedras, sabia que estava fora do mar, mas
ainda não estava fora de perigo e nem me refiro ao bruxo, que neste
momento está ferido e deve estar desesperado de raiva, mas sim
aos raios que cruzam o céu e a chuva torrencial que ainda cai com
força e não sabemos quando irá parar.
“Vamos escalar essas pedras e ver onde vai dar” falo através do
pensamento com meu irmão.
“Espero que nos leve para longe do mar, precisamos encontrar
abrigo.”
Com o pensamento de encontrar alguma saída, escalamos as
pedras em meio a chuva forte. As pedras estão escorregadias, mas
cravo as minhas unhas para não derrapar e assim subimos as pedras
até a parte superior, muito além do mar.
O caminho de pedras se estende e além delas a floresta. Uivo
de alegria ao correr de encontro às árvores que se assomam
conforme corremos na direção delas. Meu irmão me acompanha no
uivo.
A floresta é sinônimo de abrigo e comida, tudo o que
precisamos no momento.
Epílogo

Seis meses depois


Kael
Estive em Terra de Eva duas vezes depois do meu retorno para
casa com minha esposa e minha irmã.
Da primeira vez, viajei com meu pai. Ele ficou admirado com a
cidade e não tem como não ficar, porém, o nosso objetivo não pôde
ser cumprido.
Percorremos o máximo que conseguimos da floresta em nossa
forma lupina e nada de meus irmãos. Passamos noites em claro
tentando sentir o aroma mais puro do ar que poderia carregar o
cheiro de Hiran e Killan, mas nada foi possível.
As atividades na cidade humana estava mais próxima ao
normal, mesmo que nossa presença o deixem desconfiados. Eles
correm, se afastam de nós, de alguma forma conseguem identificar
que não somos daquele mundo. Mas o que importa é que, tendo
voltado ao normal, toda atividade humana deixa um cheiro estranho
no ar que impregna a tudo e nos impede de sentir aromas a uma
certa distância. Isso nos forçava a procurar por eles durante a noite.
Depois de nossa primeira tentativa falha, retornei mais uma vez
sozinho. Mais uma vez investiguei a floresta durante o dia e durante
a noite, e obtive o mesmo resultado da primeira busca. Busquei pela
cidade, investigando os prédios, invadindo-os durante o dia, mesmo
que todos corressem gritando como se eu fosse devorá-los. Não
tinha tempo a perder e por isso não me importava com a reação dos
humanos, mas mais uma vez não encontrei nenhum rastro dos dois.
Então novamente voltei para casa sem meus irmãos e tive que
assistir, mais uma vez, minha mãe se trancar no quarto e ouvir os
seus soluços. Me quebrava ver a esperança indo embora ao me ver
chegar sozinho.
Pedi a Tory que enviasse um mensageiro avisando quando terá
um novo navio para Terra de Eva, mas fico pensativo se vale a pena
abrir mais uma vez uma ferida que já está se curando.
Mas agora, dois meses depois da minha última viagem à terra
dos humanos, finalmente chegou o grande dia: meu aniversário de
21 anos e o dia em que deverei ser nomeado o Alfa da nossa
alcateia, do clã dos Fury.
Segundo nossa tradição, ao completar 21 anos, assumo a
posição antes ocupada por meu pai, e deveria escolher uma
companheira, mas como já sou um homem casado, minha esposa
será apresentada como minha Luna.
As mesas e cadeiras já estão espalhadas pelo gramado e a
carne é assada na fogueira. Os lobos estão reunidos frente à
plataforma construída por meu pai para eventos do tipo, e sou
convidado por ele a subir as escadas que me levam até o alto da
plataforma.
— Hoje é o aniversário de 21 anos de meu filho e herdeiro Kael
Kall Fury — começa meu pai com sua voz penetrante. — E como
todos sabem, ele assume a responsabilidade de ser o Alfa do clã,
aquele responsável por guiar, orientar e proteger a aldeia. Venha
Kael e ocupe o seu lugar!
Quando meu pai profere tais palavras o povo aplaude
avidamente e me coloco ao seu lado, ele gesticula e me ajoelho. O
homem diante de mim coloca sua mão sobre minha cabeça.
— Que você seja mais sábio do que um dia já fui, mais forte e
mais leal ao seu povo. Eu, Tharion kall Fury, nomeio meu filho e
herdeiro, Kael Kall Fury, o mais novo Alfa do clã Fury.
Quando as palavras deixam os lábios do meu pai, sinto o peso
do título e da magia contida nele se assentar em meu corpo.
— Apresente sua Luna a todos, novo Alfa — Tharion dá a sua
última ordem e eu a acato, estendendo a mão para a minha esposa
que estava à espera de meu convite.
Enquanto a observo subir as escadas, me lembro do dia que a
conheci e tudo o que ocorreu em seguida, foi um caos, mas agora
estamos felizes.
Meu pai toma a mão de minha esposa primeiro, beija seu dorso
e a entrega para mim. Envolvo seu corpo e beijo seus lábios, seguro
em sua mão e, olhando para os lobos que agora estão sob minha
responsabilidade, declaro:
— Nerya Ally Fury é minha escolhida e minha Luna!
Uivos e sons de palma espalham-se pelo ar. Beijo os lábios dela
novamente. E agora só faltaria um momento que pedi ao meu pai
que, em honra aos meus irmãos, não faria.
Depois da apresentação da escolhida, deveria apresentar o meu
beta, porém, um dos gêmeos ocuparia essa posição. E assim como
meu pai honrou o seu amigo mais leal, honrarei a memória de Hiran
e Killan e não escolherei um beta.
Se um dia aparecerem, a posição de beta estará à espera de
um deles, e não serei eu a escolher, espero que façam isso da
melhor forma possível.
E anseio que esse dia chegue logo, para que a minha felicidade
seja completa. Não só a minha, mas para a felicidade de toda a
minha família.
Próximo lançamento

Livro 3 da série A profecia do Alfa


De rejeitada a esposa do Beta

Sinopse

Depois de dois anos vivendo entre os humanos, os gêmeos


haviam se adaptado bem a vida do novo mundo, mas eles não
estavam preparados para o que estava por vir.

Killan e Hiran, filhos de um alfa poderoso, sempre foram


inseparáveis. No entanto, suas vidas tomam um rumo inesperado
quando Izys, uma mulher marcada por tragédias pessoais, cruza
seus caminhos.

Após perder o pai para o câncer e cuidar sozinha de sua mãe


doente, Izys se vê traída pelo noivo, que a culpa por sua própria
infidelidade. Devastada, ela tenta acabar com sua vida, mas um
homem misterioso a resgata no último momento.
Sem saber, os gêmeos a encontram em diferentes
circunstâncias e ambos se apaixonam. Agora, o forte laço entre os
irmãos será testado: uma mulher poderá ser a razão para separá-
los?
Agradecimentos
Agradeço a Deus em primeiro lugar, por me dar saúde, força e
criatividade. Por me dar a inspiração que preciso para escrever
mesmo quando estou um pouco desanimada.
Agradeço também a minha família, pelo apoio.
Agradeço muito a Thaiana Mizuno, grande amiga que me
incentivou a dar o primeiro passo. Sem o incentivo da Thai talvez
não tivesse chegado até aqui. Muito obrigada, amiga!
Agradeço a minha amiga Grazy Souza, minha nova beta. Muito
obrigada por sua ajuda, amiga!
Agradeço a todos os leitores das minha obras, meus seguidores,
amigos que fiz durante minha jornada do Wattpad e outros APPs.
Muito obrigada a todos.
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