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Benetti. Dolo Por Defeito Informativo

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DOLO POR DEFEITO INFORMATIVO: NOTAS

SOBRE O REGIME DE RESPONSABILIDADE


APLICÁVEL

Giovana Benetti1-2

Resumo: O dolo é previsto como defeito do negócio jurídico,


sendo disciplinadas as suas modalidades e os seus efeitos nos
artigos 145 a 150 do Código Civil brasileiro. O objetivo deste
ensaio é abordar o regime de responsabilidade decorrente de da-
nos derivados de uma das modalidades de dolo, denominada
dolo por defeito informativo, considerando as controvérsias
existentes na doutrina sobre a aplicabilidade do regime contra-
tual ou extracontratual. Neste contexto, como primeiro passo
deste estudo, é conceituada brevemente a figura do dolo por de-
feito informativo e, na sequência, é problematizada a discussão
em torno da natureza jurídica do dolo. A partir das conclusões
então alcançadas, será investigado se o regime que melhor se
aplica a danos decorrentes do dolo é o da responsabilidade civil
contratual ou extracontratual. Ao final, serão sintetizadas as con-
clusões sobre o tema.

Palavras-Chave: dolo; defeito do negócio jurídico; responsabili-


dade contratual ou extracontratual.

Abstract: Dolus (dolo) or fraudulent misrepresentation is con-


sidered a defect of the legal transaction, and, in Brazil, its mo-
dalities and effects are provided for in Articles 145 to 150 of the

1
O presente texto reproduz os Capítulos 1, 3 e 10 da obra BENETTI, Giovana. Dolo
no Direito Civil: uma análise da omissão de informações. São Paulo: Quartier Latin,
2019, além de conter a correspondência pontual em outros trechos da referida obra.
2
Doutora em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
(USP). Professora do Departamento de Direito Privado e Processo Civil da Universi-
dade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Advogada.

Ano 9 (2023), nº 1, 535-574


_536________RJLB, Ano 9 (2023), nº 1

Civil Code. The purpose of this essay is to address the regime of


liability resulting from damages related to one of its modalities,
that is dolus by informational defect, while taking into account
the existing discussions about the applicability of contractual
and extra-contractual regimes. In this context, the first step of
this study is to briefly present the definition of dolus by infor-
mational defect, and subsequently discuss the controversy sur-
rounding its legal nature. Based on the conclusions reached, I
then investigate whether contractual or extra-contractual civil li-
ability is the better regime when it comes to damages resulting
from dolus. At the end, the conclusions on the subject are sum-
marized.

Keywords: Dolus by informational defect; defect of the legal


transaction; contractual or non-contractual civil liability.

Sumário: Introdução. 1. Dolo por defeito informativo: conceito.


2. Natureza Jurídica. 3. Regime de responsabilidade aplicável.
Considerações Finais. Referências bibliográficas.

INTRODUÇÃO.

dolo é tratado como “erro qualificado” ou “pro-


vocado”, na medida em que o engano advém de
maquinações, artifícios, mentiras ou omissões.
Trata-se de interferência externa do deceptor (au-
tor do dolo) no processo decisório do deceptus
(parte induzida ao erro).
É conhecida a definição de Labeão sobre o dolo: “toda
esperteza, trapaça ou maquinação empregada para enganar, ilu-
dir ou tapear outrem”3. A partir de tal definição, percebe-se que
3
MARCHI, Eduardo C. Silveira; RODRIGUES, Dárcio R. M.; MORAES, Bernardo B.
Queiroz. Comentários ao Código Civil brasileiro. Estudo Comparativo e Tradução
de suas Fontes Romanas. São Paulo: Editora Atlas, 2013, p. 136. A fonte de tal
definição é indicada pelos autores como Ulp. 11 ad ed. D. 4, 3, 1, 2.
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não se está a falar de dolo em uma noção ampla como intenção


de prejudicar; intenção de inadimplir obrigações4; intuito de ob-
ter vantagem para si ou para outrem5; ou elemento subjetivo do
ato ilícito6. Igualmente não se cuida da figura penal denominada
“estelionato contratual”, na qual o dolo compreende o propósito
de enganar e de, por meio do engano, obter benefício econômico
indevido7. Trata-se de acepção estrita de dolo8.
O foco deste ensaio recai sobre o dolo civil na modali-
dade denominada “dolo por defeito informativo”9, isto é, a co-
municação de informação errônea ou falsa ou, ainda, a omissão

4
Neste sentido, Eduardo Espínola já observara: “[...] a figura especial do dolo deve
ser examinada a parte em dois casos e sob aspectos diversos. No primeiro, ao consti-
tuir-se o acto jurídico, e o dolo apresenta-se como vicio do consentimento. No se-
gundo, como obstáculo ao exato cumprimento das obrigações” (Breves Anotações
ao Código Civil Brasileiro. Vol. I. Salvador: Joaquim Ribeiro, 1918, p. 258).
5
Esta seria a noção do “dolo imoral” (PONTES DE MIRANDA, Francisco
Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. Tomo IV. Atualizado por Marcos Bernardes
de Mello e Marcos Ehrardt. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, § 450, p. 450).
6
FUNAIOLI, Carlo Alberto. Verbete “Dolo”, “Diritto Civile”. In: Enciclopedia del
Diritto. Vol. XIII. Giuffrè Editora, 1964, p. 742.
7
TOVO, Antonio. Perfil do Estelionato Contratual no Ordenamento Jurídico-Penal
Brasileiro. Tese de Doutorado. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Orientador: Prof. Dr. Miguel Reale Junior. São Paulo, 2014, p. 151. Diz o autor que
o estelionato contratual difere da modalidade mais usual de estelionato em virtude
do meio empregado: “[...] no estelionato contratual, o instrumento do embuste mate-
rializa-se em contrato celebrado entre agente e vítima. Sua principal característica é
que o dolo da prática delitiva já estava presente antes mesmo da celebração do negó-
cio jurídico. Em outras palavras, o agente realiza o contrato sabendo, de antemão,
que não irá cumpri-lo em sua integralidade” (idem, p. 17).
8
“Dolo, lato sensu, é má-fé, é intenção de prejudicar, ou de delinquir”. Em sentido
estrito, como vício do consentimento, seria “o artifício, ou manobra, tendente a indu-
zir outrem a erro na celebração do negócio jurídico, que o prejudica. O dolo conduz
o deceptus ao erro”. (Trechos entre aspas em BATALHA, Wilson de Souza Cam-
pos. Defeitos dos negócios jurídicos. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 121).
9
Judith Martins-Costa trata do “dolo informativo”. Após destacar o papel que a infor-
mação assume na “sociedade da informação”, indica como “primeira tarefa intelec-
tiva” a análise para saber se “há ou não dever de informar e, havendo, se enseja a
incidência das regras relativas ao dolo”. (Os regimes do dolo civil no Direto brasileiro:
dolo antecedente, vício informativo por omissão e por comissão, dolo acidental e
dever de indenizar. Revista dos Tribunais, vol. 923. São Paulo, Ano 101, set./2012, p.
124).
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intencional de informações que provoquem o engano em outrem


por ocasião da celebração do negócio jurídico.
O dolo, na acepção aqui examinada, ocorre durante as
tratativas ou por ocasião da conclusão do negócio jurídico, já
que consiste na razão pela qual o negócio foi celebrado ou foi
realizado em determinados termos. Neste contexto, o dolo é con-
siderado, via de regra, como vício da vontade ou vício do con-
sentimento10, mas não há unanimidade acerca de sua natureza
jurídica. Como será exposto ao longo do texto, considera-se que
o dolo, por influir no processo da formação do consentimento
hígido ou em seus termos, consiste em ato ilícito cuja eficácia
poderá ser invalidante e/ou indenizatória.
Como sanção do ato ilícito causador de danos, pode ha-
ver a condenação em indenizar, sendo importante perquirir se o
dolo consiste em ato ilícito absoluto ou ato ilícito relativo para,
então, se poder averiguar qual é o regime de responsabilidade
aplicável.
O presente ensaio aborda esses temas em três partes: a
primeira, é dedicada à conceituação do dolo por defeito infor-
mativo. Na sequência, é investigada a natureza jurídica do dolo.
Posteriormente, é abordado o regime de responsabilidade apli-
cável e, ao final, são sintetizadas as conclusões alcançadas.

1. DOLO POR DEFEITO INFORMATIVO: CONCEITO.

10
Jacques Ghestin apresenta um breve apanhado histórico sobre os vícios de
consentimento. Em apertada síntese, a expressão “vícios de consentimento” surgiu
tardiamente sob a influência da escola do direito natural e da filosofia voluntarista do
século XIX. Pothier tratava dos “vícios das convenções”, devendo-se aos exegetas o
fato de terem “forjado” a expressão ao fazerem o estudo da seção do Código Civil
francês intitulada “Du consentement”. No direito romano, o dolo não era mencionado
antes do 1º século a.C., sendo tratado como delito. Saltando-se para os séculos XVII
e XVIII, foi neste período que as noções essenciais da teoria dos vícios de
consentimento foram definidas. A afirmação, incontestada no século XVIII, do
princípio do consensualismo conduziu aos estudos sobre a influência exercida pelo
erro ou temor (crainte) sobre o consentimento. Vide GHESTIN, Jacques (Coord.).
Traité de Droit Civil. La formation du contrat. Tome I. Le contrat, le consentement.
Paris: LGDJ, 2013, p. 856 e ss.
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O dolo comissivo pode envolver expedientes enganató-


rios verbais ou outros e pode importar uma complicada mise em
scéne11. Diferentemente, a omissão dolosa envolve o silêncio in-
tencional sobre fato ou qualidade que o outro figurante tenha ig-
norado e que, caso fossem conhecidos, teriam impactado, de al-
gum modo, a sua decisão de concluir o contrato. Tanto a omissão
dolosa quanto o dolo comissivo podem envolver defeito na da-
ção de uma informação e, quando assim se verifica, está-se di-
ante do “dolo por defeito informativo”, ou seja, o dolo que en-
volve a violação ao dever de informar12.
Para facilitar a conceituação do dolo informativo, parte-
se de um exemplo concreto. Duas empresas constituíram joint
venture para participar de programa de privatizações do governo
brasileiro. O objetivo era adquirir o controle de companhias a
serem privatizadas para aliená-lo posteriormente. Para tanto, re-
cursos de investidores foram organizados sob a forma de fundos
de investimento.
Cinco anos após a constituição da parceria, firmou-se
um acordo geral de coordenação entre acionistas e empresas, de-
nominado “acordo guarda-chuva”. Passados dois anos da assi-
natura do “acordo guarda-chuva”, uma das empresas pleiteou
que a outra renunciasse a termos do referido acordo, alegando,
dentre outros motivos, “razões de compliance” e assegurando
que não destituiria a contraparte da administração dos fundos.
Em virtude de tal compromisso, foi firmada a “carta-renúncia”
relativa a alguns direitos derivados do acordo.

11
ANDRADE, Manuel A. Domingues de. Teoria Geral da Relação Jurídica. Vol. II.
6ª Reimpressão. Coimbra: Almedina, 1983, p. 258.
12
Judith Martins-Costa trata do ‘dolo informativo’. Após destacar o papel que a in-
formação assume na ‘sociedade da informação’, indica como “primeira tarefa intelec-
tiva” a análise para saber se “há ou não dever de informar e, havendo, se enseja a
incidência das regras relativas ao dolo”. (Os regimes do dolo civil no Direto brasileiro:
dolo antecedente, vício informativo por omissão e por comissão, dolo acidental e
dever de indenizar. Revista dos Tribunais, vol. 923. São Paulo, Ano 101, set./2012, p.
124).
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Todavia, a contraparte não honrou o compromisso e des-


tituiu a renunciante da posição que ocupava na administração,
sem declinar as razões. Descobriu-se, posteriormente, a existên-
cia de acordo entre a empresa parceira na joint venture e os fun-
dos de pensão para destituir a renunciante do controle dos fundos
de investimento13. Neste quadro fático, teria havido dolo infor-
mativo ao se afirmar, de um lado, a manutenção da contraparte
na administração dos fundos e, de outro, omitir a existência de
acordo voltado à sua destituição da posição de controle?
Considera-se que a resposta é positiva: os meios utiliza-
dos para a indução em erro compreenderam tanto o fornecimento
de informações falsas (i.e., razões falsas para justificar a neces-
sidade de realizar a renúncia) quanto a omissão de informação
devida (i.e., o deceptor omitiu a existência do acordo com fun-
dos de pensão para destituir a renunciante da administração dos
fundos de investimento)14. Logo, há no caso tanto o dolo comis-
sivo, verificado pela falha no dever de informar, quanto a omis-
são dolosa.
Não há, contudo, previsão explícita para o dolo
13
Trata-se de disputa travada entre Opportunity e Citigroup sobre a qual Antonio Jun-
queira de Azevedo pronunciou-se em parecer publicado: Renúncia a direitos contra-
tuais. Dolo e descumprimento dos deveres decorrentes da boa-fé objetiva por parte do
beneficiário da renúncia. Não-verificação da pressuposição e desaparecimento da base
do negócio. Anulabilidade da renúncia e restituição do enriquecimento sem causa. In:
Novos estudos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 87-90.
Embora o caso trate de renúncia, i.e., negócio jurídico unilateral, entende-se ser ele
útil para ilustrar a ligação entre a omissão dolosa e o dolo por comissão por defeito
informativo.
14
Mostra-se acertada a conclusão de Antonio Junqueira de Azevedo, que, ao proferir
parecer no caso narrado, entendeu ter ocorrido dolo por omissão e por comissão: (i)
na perspectiva objetiva, haveria maquinações (machinatio), mentira (allegatio falsi) e
omissão, aptas a configurar dolo principal; e (ii) na subjetiva, o animus decipiendi
estaria evidenciado no comportamento da parceira que alegou falsos motivos e
comprometeu-se a não utilizar a renúncia contra o renunciante, mas, posteriormente,
agiu contrariamente ao que havia prometido (Renúncia a direitos contratuais. Dolo e
descumprimento dos deveres decorrentes da boa-fé objetiva por parte do beneficiário
da renúncia. Não-verificação da pressuposição e desaparecimento da base do negócio.
Anulabilidade da renúncia e restituição do enriquecimento sem causa. In: Novos estu-
dos e pareceres de direito privado. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 97-98).
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comissivo por defeito informativo nos artigos dedicados ao dolo


na parte geral do Código Civil brasileiro; há apenas para a omis-
são dolosa. Em virtude disso, poder-se-ia concluir pela inexis-
tência desta modalidade de dolo?
Considera-se que não há como negar que a dação de in-
formação falsa ou equivocada pode levar ao engano da contra-
parte, criando a representação errônea da realidade.
Assim também se conclui se voltarmos a atenção para o
Esboço de Teixeira de Freitas, que serviu de base para dispositi-
vos do Código atual, em virtude de sua influência sobre o di-
ploma de 1916. O Esboço continha definição sobre dolo comis-
sivo, registrando o artigo 470, como meios pelos quais o dolo
poderia ser cometido, a “asserção do que for falso, ou a positiva
dissimulação do que for verdadeiro”, além de artifício, maqui-
nação, astúcia ou sugestão que permitissem a realização do ato15.
É certo que este dispositivo não foi reproduzido no Código Civil
de 1916 nem no de 2002. Contudo, serve para ilustrar a dação
de informação falsa ou equivocada como meio para a realização
do dolo.
Apesar de não estar expresso no Código Civil atual, não
se pode duvidar da possibilidade de, ao ser prestado um dado
errôneo ou distorcido e havendo a intenção de enganar, ser con-
figurado o dolo16. A mentira contada em meio a uma negociação
poderia alterar a decisão da contraparte de firmar o contrato ou
o seu conteúdo. Basta pensar no caso da joint venture anterior-
mente narrado: se a renunciante soubesse a verdade, isto é, se

15
Código Civil, Esbôço, Art. 470: “Julgar-se-á ação dolosa, para induzir ou entreter
em erro, qualquer asserção do que for falso, ou positiva dissimulação do que for
verdadeiro, qualquer artifício, maquinação, astúcia, sugestão ou captação por onde o
autor do dolo tenha conseguido a realização do ato”. (SENADO FEDERAL. Código
Civil. Esbôço. Brasília: Ministério da Justiça e Negócios Interiores, 1952).
16
Alguns autores afirmam, inclusive, que o legislador brasileiro equiparou a omis-
são dolosa à ação dolosa (CARVALHO SANTOS, João Manuel de. Código Civil
brasileiro Interpretado. Parte geral. Vol. II. 12ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
1985, p. 343; AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 8ª ed. rev., atual e
aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2014, p. 541)
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tivesse conhecimento das informações verdadeiras, além das


omitidas, não teria firmado a “carta-renúncia” relativa a alguns
direitos derivados do acordo.
Segundo Judith Martins-Costa, apesar de a regra do ar-
tigo 147 do Código Civil17 atual aludir à omissão dolosa de in-
formações, pode-se entendê-la como abrangente da “prestação
intencional de informações inexatas derivadas de uma omissão
sobre o que se deveria verazmente falar”18. Nessa linha, entende-
se que a proibição de, por meio da prestação de informações ine-
xatas, induzir ao erro a contraparte poderia ser derivada da regra
do artigo 147. Não se trata, porém, de uma omissão, mas da po-
sitiva violação do dever de informar, uma vez que a informação
prestada deve ser veraz e adequada para o fim a que se destina
e, sendo distorcida, a finalidade não será atendida.
Assim, decorrendo o defeito informativo da prestação de
informação inexata e sendo um dos meios pelos quais se pode
praticar o dolo comissivo, pode-se cogitar da aplicação exten-
siva do artigo 147 para abranger sua violação na modalidade po-
sitiva. Consequentemente, o dolo por defeito informativo con-
siste no dolo por omissão ou por comissão que envolvam a vio-
lação ao dever de informar.

2. NATUREZA JURÍDICA.

Independentemente de se estar diante de dolo por defeito


informativo ou outra modalidade, existem controvérsias sobre a
natureza jurídica do dolo no Direito brasileiro. Há quem o en-
quadre como vício de consentimento; alguns afirmam que ape-
nas o dolo qualificado como principal seria vício de

17
Código Civil, art. 147: “Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de
uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado,
constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado”.
18
MARTINS-COSTA, Judith. Os regimes do dolo civil no Direto brasileiro: dolo
antecedente, vício informativo por omissão e por comissão, dolo acidental e dever de
indenizar. Revista dos Tribunais, vol. 923. São Paulo, Ano 101, set./2012, p. 132.
RJLB, Ano 9 (2023), nº 1________543_

consentimento; outros acentuam-no como defeito do negócio ju-


rídico; e há quem defenda ser um problema de igualdade no ne-
gócio jurídico.
Custodio da Piedade Ubaldino Miranda e Luis Renato
Ferreira da Silva parecem tratar o dolo como vício de consenti-
mento (e como ato ilícito) independentemente da diferença que
pode se verificar no plano de seus efeitos (se anulatório ou inde-
nizatório)19-20.
Há quem admita ser o dolo vício de consentimento ape-
nas quando este for sua “causa”, ou seja, quando determinar a
declaração de vontade. Nessa linha, seguem, exemplificativa-
mente, Eduardo Espínola; Silvio Rodrigues; José Carlos Moreira
Alves; Humberto Theodoro Júnior; Gustavo Tepedino, Heloisa
Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes21. Seria vício de

19
MIRANDA, Custodio da Piedade Ubaldino. Teoria geral do negócio jurídico. 2ª
ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 207 (“O dolo é um vício do consentimento, porque
também ele, tal como o erro, provoca uma divergência não intencional entre a von-
tade real e a declarada”); FERREIRA DA SILVA, Luis Renato Ferreira da. Do
Dolo. In: LOTUFO, Renan e NANNI, Giovanni Ettore. Teoria Geral do Direito
Civil. São Paulo: Atlas, 2008, p. 514 (“Para fins de exame do dolo, isto importa em
que se frise a natureza de vício de vontade [...]”).
20
Na doutrina brasileira, as expressões “vício do consentimento” ou “vício da
vontade” são usadas indistintamente.
21
LACERDA, Paulo Maria de; ESPÍNOLA, Eduardo. Manual do Código Civil Bra-
sileiro: parte geral. Dos fatos jurídicos. Vol. III. Rio de Janeiro: Jacintho Ribeiro dos
Santos, 1923, p. 308 (“sómente o dolo [...] principal [...], o dolo que determinou a
declaração de vontade, produz o effeito de viciar o consentimento [...]”); RODRI-
GUES, Silvio. Dos defeitos dos Atos Jurídicos. Do erro. Do dolo. São Paulo: Max
Limonad, 1959, p. 192 (“No primeiro caso [dolo principal] há vicio de consentimento,
enquanto no segundo [dolo acidental] apenas ato ilícito, gerando uma responsabili-
dade para seu agente”); ALVES, José Carlos Moreira. A parte geral do projeto do
Código Civil brasileiro. Subsídios históricos para o novo Código Civil brasileiro. 2ª
ed. São Paulo: Saraiva, p. 117 (“Manteve o Projeto, no concernente ao dolo, a
distinção […] entre dolus causam e dolus incidens, somente considerando o primeiro
como vício da vontade […]”); THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao
novo Código Civil. Vol. III. Tomo I. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 134 (“[...]
no dolo principal, há vício de consentimento, que enseja a desconstituição do contrato
por inteiro, enquanto no dolo acidental o ato astucioso do agente enganoso não passa
do terreno da conduta ilícita”); TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena;
MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado conforme a
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consentimento quando o dolo gerasse uma “anuência que jazia


inerte e que de modo nenhum se manifestaria sem o embuste”,
nas palavras de Silvio Rodrigues. E continua: se o consenti-
mento seria expresso de qualquer maneira e o dolo apenas fez
com que o negócio surgisse mais oneroso para a vítima do en-
gano, não se teria o “vício do querer”, mas ato ilícito22.
Judith Martins-Costa destaca ser o dolo, que se apresenta
na fase antecedente ou na contemporânea a um negócio jurídico,
defeito do negócio jurídico23.
Outra linha de entendimento é adotada por Antonio Jun-
queira de Azevedo, segundo o qual o dolo estaria ligado a um
problema de igualdade no negócio jurídico, e não propriamente
de integridade da vontade (i.e., vício de consentimento). Para al-
cançar tal conclusão, parte da subdivisão da categoria de ato ju-
rídico em negócios jurídicos e atos de hierarquia24, distinguindo-
os, respectivamente, em razão do grau de igualdade real entre as
partes ou de desigualdade institucional.
Para o referido autor, o negócio jurídico tem “essência
igualitária”25. Os efeitos da declaração produzem-se entre as
Constituição da República. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2014, p. 282-283 (o dolo
principal “[p]or atingir essencialmente o consentimento, é considerado um vício que
acarreta a anulabilidade”; o dolo acidental “não é suficiente para anular o negócio, por
não incidir em aspecto essencial do conteúdo da declaração de vontade”).
22
RODRIGUES, Silvio. Dos defeitos dos Atos Jurídicos. Do erro. Do dolo. São
Paulo: Max Limonad, 1959, p. 192.
23
MARTINS-COSTA, Judith. Os regimes do dolo civil no Direto brasileiro: dolo
antecedente, vício informativo por omissão e por comissão, dolo acidental e dever de
indenizar. Revista dos Tribunais, vol. 923. São Paulo, Ano 101, set./2012, p. 119-121.
A autora também emprega, ao longo do artigo, a expressão vício de consentimento
(idem, p. 123 e 129).
24
Emilio Betti apresenta a divisão dos atos jurídicos em atos de hierarquia (provve-
dimenti; ato de comando heteronormativo) e negócio jurídico (ato de autonomia)
(Teoria Generale del Negozio Giuridico. Nápoles: Edizioni Scientifiche Italiane,
1994, p. 22).
25
Para Antonio Junqueira de Azevedo, “[p]or maior que seja a diferença real entre
as pessoas, o negócio jurídico supõe filosoficamente cooperação entre elas; ele
exige igualdade entre declarante e declaratário”. Daí a sua “essência igualitária”.
(Negócio Jurídico e declaração negocial. Noções gerais e formação da declaração
negocial. São Paulo, Edição do Autor, 1986, p. 24).
RJLB, Ano 9 (2023), nº 1________545_

partes e sem qualquer subordinação, exigindo-se, tanto quanto


possível, igualdade real entre os figurantes, e não apenas for-
mal26. Reflexo disso é que, havendo desigualdade real entre as
partes, entrariam em cena figuras como dolo, erro ou coação a
fim de corrigir o desequilíbrio e assim evitar consequências pre-
judiciais decorrentes da situação de inferioridade27.
Em reforço à tese de que o problema seria o aproveita-
mento de uma situação de inferioridade, afirma que o ordena-
mento prevê a anulabilidade (e não a nulidade) dos atos em que
incidente algum vício de consentimento, de modo que o bem ju-
rídico protegido seria a pessoa em posição de inferioridade, e
não a vontade individual. Isso porque o negócio poderia, ou não,
ser anulado, a critério do lesado (e do preenchimento dos requi-
sitos para tanto). Assim, não faria sentido a manutenção de um
negócio jurídico maculado por vício de consentimento, em um
caso, e a anulação em outro, se o bem protegido fosse a vontade
individual28.
Tendo em conta os diferentes posicionamentos citados,
entende-se que o dolo, por influir no processo da formação do
consentimento hígido ou em seus termos, consiste em ato ilícito
cuja eficácia poderá ser invalidante e/ou indenizatória. Não se
está propondo sua exclusão da classificação como vício de
26
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Negócio Jurídico e declaração negocial.
Noções gerais e formação da declaração negocial. São Paulo, Edição do Autor, 1986,
p. 24. Já nos atos de hierarquia, como atos normativos ou de subordinação, os efeitos
são produzidos em nível de desigualdade institucional (idem, p. 23-24; 37-40).
27
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Negócio Jurídico e declaração negocial.
Noções gerais e formação da declaração negocial. São Paulo, Edição do Autor, 1986,
p. 40 e 105.
28
É possível fazer uma conexão com o sustentado por Emilio Betti. O autor afasta o
dogma da vontade como fundamento para a anulação de negócios por vício de con-
sentimento. Traz exemplos do erro (artigos 1428 e 1431 do Código Civil italiano) e
do dolo de terceiro (artigo 1439) para demonstrar que, nesses casos, o vício só será
relevante se for recognoscível ou conhecido pela contraparte. Tal solução legislativa
não seria conciliável com o entendimento de que a vontade é a essência do negócio
jurídico, pois, se o fosse, o negócio necessariamente teria de ser privado de efeitos
diante de defeito na vontade – o que não ocorre nos casos mencionados. (Teoria
Generale del Negozio Giuridico. Nápoles: Edizioni Scientifiche Italiane, 1994, p. 67).
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consentimento, apenas se está buscando a definição que melhor


comporte as diferentes facetas desta figura à luz do ordenamento
brasileiro. Para embasar o posicionamento adotado, elencam-se
três ordens de razão.
Primeiro, a doutrina não atenta para a dificuldade lógica
de se definir apenas o dolo que determinou a formação da von-
tade como vício de consentimento. Isso porque tanto este regime
(denominado principal) quanto o que somente afeta os termos
do negócio (chamado acidental) são tratados pelo Código Civil
no capítulo dos defeitos do negócio jurídico. E, embora se tenha
uma relação de gênero e de espécie entre os conceitos de defeito
e de vício, entende-se que o defeito acarreta a deficiência do su-
porte fático do negócio jurídico29-30, o que, no caso do dolo, per-
mitiria pensar que ambos os regimes reconduziriam à conse-
quência da anulabilidade31. Esclareça-se: não se está propondo a

29
Neste sentido, PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Di-
reito Privado. Tratado de Direito Privado. Tomo IV. Atualizado por Marcos Ber-
nardes de Mello e Marcos Ehrardt. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, § 411, p.
313 (“São defeitos dos atos jurídicos as faltas de elementos, ou a presença de fatos
que tornam deficientes os suportes fácticos [...]”); MELLO, Marcos Bernardes de.
Teoria do Fato Jurídico: Plano da Validade. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.
180 (“Defeitos dos atos jurídicos são todos aqueles que causam défice no suporte
fáctico e, assim, prejudicam a sua validade”); THEODORO JÚNIOR, Humberto.
Comentários ao novo Código Civil. Vol. III. Tomo I. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
2008, p. 05 (haverá defeito quando o negócio padecer de deficiência em seus ele-
mentos, apta a ensejar a sua anulação); PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições
de direito civil. Vol. I. 29ª ed. Atualizado por Maria Celina Bodin de Moraes. Rio de
Janeiro: Forense, 2016, p. 432 (“[...] sejam os vícios do consentimento, sejam os ví-
cios sociais, formam um conjunto de defeitos dos atos jurídicos, que conduzem a
consequências próximas ou análogas, e vão dar na invalidade do negócio realizado
[...]”).
30
Mencionando a relação de gênero e espécie entre defeito e vício, vide PONTES DE
MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. Tomo IV. Atualizado
por Marcos Bernardes de Mello e Marcos Ehrardt. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2012, §§ 411-B e 412, p. 313-315: “Todo vício é uma forma de defeito, no entanto,
existem defeitos que não são vício, mas que igualmente tem por efeito a anulabilidade,
em face da deficiência do suporte fático”.
31
É sabido que, se houver exteriorização consciente da vontade e esta for defeituosa,
o suporte fático é suficiente, mas deficiente. Ou seja, o negócio jurídico é existente,
porém inválido ou ineficaz. (MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico:
RJLB, Ano 9 (2023), nº 1________547_

extensão da eficácia anulatória para o regime do dolo acidental,


mas apenas indicando a pertinência de definir a natureza jurídica
do dolo como ato ilícito do qual emanam diferentes eficácias, já
que tanto a modalidade principal quanto a acidental são passí-
veis de qualificação como ato ilícito.
Segundo, a adoção da teoria da confiança pelo Código
Civil no tocante aos defeitos do negócio jurídico32 leva a que,
mesmo na hipótese em que o dolo tenha influído de forma deter-
minante na vontade exteriorizada, seja possível preservar o ne-
gócio jurídico se o beneficiário não tiver conhecimento do dolo
de terceiro. Assim, a qualificação do dolo como ato ilícito afas-
taria a discussão sobre a dificuldade de se compreender como a
eficácia anulatória decorrente de vício de consentimento poderia
ser barrada pelo exame da conduta do beneficiário33.
Terceiro, o argumento de que o dolo tem sua natureza
ligada a um problema de igualdade do negócio jurídico não con-
vence. Apesar de normalmente haver determinado grau de desi-
gualdade na relação entre negociadores, não seria esta situação
de desequilíbrio o fundamento do dolo.
É certo que o ambiente de desigualdade entre as partes
pode propiciar a ocorrência do dolo – especialmente quando se
cogita da omissão dolosa, pela qual o contratante mais infor-
mado oculta dado relevante –, mas não serviria para definir a sua
natureza. Para a qualificação da figura, não se pode esquecer de
dois pressupostos: (i) a vontade exteriorizada (mediante

Plano da Validade. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 189).


32
Embora existam entendimentos diferentes, o que se passa é a atribuição de um valor
autônomo à declaração da vontade, desligado da vontade como ato psicológico e
conectado ao que o destinatário poderia retirar da declaração, segundo os critérios da
boa-fé, da finalidade do negócio, dos usos do setor ou das práticas adotadas pelas
partes, e das circunstâncias do caso (MARTINS-COSTA, Judith. A Boa-fé no Direito
Privado. Critérios para a sua Aplicação. São Paulo: Marcial Pons, 2015, p. 231-232).
33
Embora a vontade do lesado, por si só, não leve à eficácia anulatória, como reco-
nhecido por Llobet I Aguado, continua sendo necessária uma vontade livre e consci-
ente para que o negócio produza os efeitos perseguidos. (El Deber de Información
en la Formación de los Contratos. Madri: Marcial Pons Editora, 1996, p. 122).
_548________RJLB, Ano 9 (2023), nº 1

manifestação ou declaração) compõe o suporte fático do negócio


jurídico34-35 e sofrerá (ii) a interferência indevida no processo de
formação do consentimento hígido ou na escolha de termos me-
nos onerosos ao lesado. Portanto, o dolo compreende mais do
que a falta de igualdade no negócio jurídico. Com efeito, tem-se
a perturbação na vontade manifestada, levando à deficiência do
suporte fático.

34
MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico: Plano da Validade. 11ª
ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 188. A corrente que defende ser o dolo um problema
de igualdade afasta a manifestação de vontade consciente como elemento de
existência do negócio jurídico, afirmando a aplicação da vontade para a correção de
negócio jurídico já existente (AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Negócio Jurídico.
Existência, Validade e Eficácia. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 9 e 85). Antonio
Junqueira afirma que o papel da vontade interna seria obscurecido, no caso do dolo,
em razão do ato ilícito que existiria juntamente com o vício de consentimento (p. 89).
Há, todavia, diversos autores que, em sentido oposto, consideram a influência do vício
de consentimento em tornar a vontade defeituosa, v.g.: GOMES, Orlando. Introdução
ao direito civil. 19ª ed. Atualizada por Edvaldo BRITO e Reginalda Paranhos de Brito.
Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 414 (“as causas que podem perturbar a vontade são
classificadas e reguladas juridicamente sob a denominação de vícios de vontade”);
POÇAS, Luis. O dever de declaração inicial do risco no contrato de seguro. Coimbra:
Almedina, 2013, p. 205 (considera que a vontade contratual se forma defeituosamente
diante de vício de consentimento, na medida em que há divergência entre a vontade
real (não esclarecida ou não livre) e a vontade virtual (esclarecida e livre) do
contratante); PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Vol. I. 29ª
ed. Atualizado por Maria Celina Bodin de Moraes. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p.
431 (os vícios de consentimento caracterizam-se por “influências exógenas sobre a
vontade exteriorizada ou declarada, e aquilo que é ou devia ser a vontade real, se não
tivessem intervindo as circunstâncias que sobre ela atuaram, provocando a
distorção”); THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao novo Código Civil.
Vol. III. Tomo I. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 22 (os vícios de consenti-
mento afetam o elemento essencial da validade do negócio jurídico – a declaração de
vontade).
35
Aqui entendido, em linha com a obra de Pontes de Miranda, como “espécie de fato
jurídico em que a exteriorização de vontade de negócio constitui o elemento cerne de
seu suporte fáctico” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de
Direito Privado. Tomo III. Atualizado por Marcos Bernardes de Mello e Marcos
Ehrardt. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, § 249-B, p. 446-447). Sublinhe-se,
ademais, considerar-se, como bem indicado por Marcos Bernardes de Mello, “a per-
feição da vontade manifestada (= integridade e higidez)” como “elemento comple-
mentar do suporte fáctico dos atos jurídicos [...]” (MELLO, Marcos Bernardes de.
Teoria do Fato Jurídico: Plano da Validade. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 73).
RJLB, Ano 9 (2023), nº 1________549_

Ademais, a assertiva de que a consequência da anulabili-


dade indicaria a proteção da pessoa em posição de inferioridade
(e não da vontade) mostra-se equivocada: a natureza jurídica se-
ria definida pelas consequências previstas na norma, sendo que
a questão trata de matéria regulada por política legislativa36.
Assim, no intuito de evitar confusões e imprecisões, pro-
põe-se enquadrar os regimes de dolo como ato ilícito, variando
a eficácia conforme o grau de interferência sobre a declaração
de vontade do lesado e, nos casos de dolo praticado por terceiro,
consoante a confiança gerada no destinatário da declaração (i.e.,
o conhecimento ou poder conhecer do beneficiário).
Se o grau de interferência do dolo na declaração de von-
tade do lesado implicar a ocorrência de dolo principal, tem-se
ato ilícito com eficácia invalidante e, caso haja dano, pode-se ter
ato ilícito com eficácia indenizatória37. Melhor explicitando: o
dolo invalidante consiste na hipótese em que o comportamento
doloso induziu o lesado em erro sobre dado ou circunstância es-
sencial, sendo determinante para que este decidisse contratar. Há
total influência do dolo sobre a declaração de vontade da contra-
parte de concluir o contrato, de modo que o suporte fático do ato
se formou com deficiência em elemento complementar – a per-
feição da declaração de vontade38-39.
36
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao novo Código Civil. Vol. III.
Tomo I. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 22: “Embora afetem o elemento es-
sencial da validade do negócio jurídico – a declaração de vontade, que deve ser, em
princípio, livre e consciente para sua natural eficácia – os vícios de consentimento não
acarretam, por política legislativa, a inexistência, nem mesmo a nulidade do negócio
por eles afetados. A sanção legal que o Código lhe aplica é apenas a anulabilidade
(art. 171, II)” (destaque no original).
37
MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico: Plano da Existência. 18ª
ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 285.
38
MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico: Plano da Existência. 18ª
ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 88: os elementos complementares “não integram o
núcleo do suporte fático, apenas o complementam (não completam) e se referem, ex-
clusivamente, à perfeição de seus elementos. Assim, são elementos complementares
relativos: (a) ao sujeito [...] a perfeição da manifestação de vontade (ausência de erro,
dolo, coação, [...]”.
39
Para Antonio Junqueira de Azevedo, a vontade não é elemento do negócio jurídico,
_550________RJLB, Ano 9 (2023), nº 1

Nesta hipótese, admite-se que o ato ilícito tenha eficácia


invalidante. Não se está defendendo que todo ato ilícito é neces-
sariamente inválido40-41 nem mesmo que tal construção aplica-
se a qualquer hipótese de anulabilidade42, mas se está
mas somente a declaração de vontade negocial, que compreende, como já referido no
item 1.2, uma “manifestação e vontade cercada de certas circunstâncias, as circuns-
tâncias negociais, que fazem com que ela seja vista socialmente como destinada a
produzir efeitos jurídicos” (Negócio Jurídico: existência, validade e eficácia. São
Paulo: Saraiva, 2002, p. 17). Segundo o autor, examinado “o negócio jurídico no plano
da existência, vê-se logo que a vontade não faz parte dele; o que ocorre é que a decla-
ração deve resultar de um processo volitivo, sob pena de não valer ou de não produzir
efeitos (planos da validade e da eficácia)” (idem, p. 82-83).
40
Marcos Bernardes de Mello elenca, dentre as hipóteses especiais de ilícito
invalidante, aqueles “atos jurídicos que implicam a contrariedade a direito, porque
[…] há defeitos que maculam a higidez da manifestação da vontade os quais, algumas
vezes, decorrem mesmo da prática de atos que, em si, por essência, já são ilícitos, pois
visam distorcer a perfeita formação da vontade negocial (dolo e coação)”. (Sobre o
princípio da respeitabilidade das normas jurídicas cogentes e a invalidade dos
negócios jurídicos. In: MARTINS-COSTA, Judith; FRADERA, Vera (Orgs.).
Estudos de Direito Privado e Processual Civil em homenagem a Clóvis do Couto e
Silva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 87-88).
41
Discute-se na doutrina sobre a natureza ilícita do ato jurídico inválido. A título de
exemplo, Marcos Bernardes de Mello entende ser uma espécie de ilícito de natureza
especial, pois recebe essa “força da incidência de normas jurídicas invalidantes, que
atuam já dentro do mundo jurídico, no plano da validade. [...]” (Teoria do Fato Jurí-
dico: Plano da Validade. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 85), elencando determi-
nados casos nesta categoria (Sobre o princípio da respeitabilidade das normas
jurídicas cogentes e a invalidade dos negócios jurídicos. In: MARTINS-COSTA,
Judith; FRADERA, Vera (Orgs.). Estudos de Direito Privado e Processual Civil em
homenagem a Clóvis do Couto e Silva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 87-
88); Felipe Peixoto Braga Netto considera como “invalidantes àqueles ilícitos cuja
resposta do sistema jurídico é a invalidade” (Teoria dos Ilícitos Civis. 2ª ed. Salvador:
JusPodivm, 2014, p. 133); Antonio Junqueira de Azevedo explanava ser o “critério
do lícito [..] inteiramente diverso do critério do nulo (nulo lato sensu)”, pois “o nulo
diz respeito a ato preceptivo e sua consequência é a volta ao status quo ante, o ilícito
é o ato reprovado pelo sistema e a sua consequência habitual é o pagamento de perdas
e danos” (O direito como sistema complexo e de 2ª ordem; sua autonomia. Ato nulo
e ato ilícito. Diferença de espírito entre responsabilidade civil e penal. Necessidade de
prejuízo para haver direito de indenização na responsabilidade civil. In: Estudos e
Pareceres de Direito Privado. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 29-30); San Tiago Dantas
distingue o ato ilícito e as nulidades, pois não haveria “no ato nulo” a “transgressão
de um dever jurídico imposto pela lei” (Programa de Direito Civil. Parte Geral. Rio
de Janeiro: Editora Rio, 1977, p. 347).
42
O erro espontâneo, por exemplo, figura dentre os defeitos do negócio jurídico e
RJLB, Ano 9 (2023), nº 1________551_

esclarecendo que, diante do dolo principal, tem-se um caso es-


pecial de ilicitude. A norma que serve de base para o ato ilícito
(no caso, o artigo 186) precisa ser lida em conjunto com a norma
especial cujo suporte fático da ilicitude impõe a ocorrência de
dolo e prevê, como consequência, a anulabilidade (artigo 145 do
Código Civil)43-44.
Em virtude do defeito invalidante, pode o lesado exercer
o direito potestativo de anular o contrato, desconstituindo-o e
apagando os seus efeitos. Para tanto, basta o fato do dolo45.
Como bem ilustrou Pontes de Miranda, a “anulação lança no
não-ser o ato jurídico, que era, embora anulável”46.
Pode haver situações, porém, em que não haja repercus-
são sobre o plano da validade, sendo mantidos os efeitos do
pode levar à anulabilidade do negócio, mas não pode ser tido como ato ilícito.
Também caminha neste sentido MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurí-
dico: Plano da Validade, cit., p. 54, nota de rodapé nº 28.
43
Código Civil, artigo 145: “São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando
este for a sua causa”. Também assim prevê o artigo 171: “Além dos casos expressa-
mente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: [...] II - por vício resultante de
erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores”.
44
A respeito do ato ilícito com efeito invalidante, entende-se ocorrer a sua apuração
no plano da validade: “A ilicitude invalidante nasce, exatamente, nesse plano [da
validade], onde incidem as normas jurídicas de eficácia invalidante. O ato jurídico
ingressa no plano da existência simplesmente como ato jurídico. O ser válido ou
inválido apura-se apenas no plano da validade, onde, precisamente incidem as normas
jurídicas cuja eficácia se resume à invalidação dos atos jurídicos (= normas jurídicas
invalidantes)” (MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico: Plano da
Validade. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 52).
45
Como indicava Pontes de Miranda, para a ação de anulação por dolo “basta o fato
do dolo, do figurante ou do terceiro”, já para a de indenização são necessários outros
requisitos (conforme o artigo 156 do Código Civil de 1916, que corresponde ao ar-
tigo 186 do Diploma atual) (Tratado de Direito Privado. Tomo IV. Atualizado por
Marcos Bernardes de Mello e Marcos Ehrardt. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2012, § 456, p. 467-468). Tal distinção se justifica porque o dolo principal gera ato
jurídico inválido (e, consequentemente, ilícito) e não pressupõe, em sua essência, a
ocorrência de ato ilícito civil (categoria que compreende o ato ilícito absoluto e o re-
lativo). Neste sentido: MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico:
Plano da Validade. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 219.
46
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado.
Tratado de Direito Privado. Tomo IV. Atualizado por Marcos Bernardes de Mello e
Marcos Ehrardt. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, § 413, p. 323.
_552________RJLB, Ano 9 (2023), nº 1

negócio jurídico, apesar de danos porventura causados ao le-


sado. Esta é a hipótese que interessa mais de perto para a pre-
sente análise, pois se objetiva averiguar qual o regime aplicável
à responsabilidade por danos causados em razão de dolo.
Configurado o dolo – aí estando incluída a modalidade
por defeito informativo –, pode haver o pagamento de perdas e
danos como sanção do ato ilícito. Inicialmente, é importante per-
quirir se o dolo, neste contexto, consiste em ato ilícito absoluto
ou relativo. Em seguida, averígua-se qual o regime de responsa-
bilidade aplicável a danos decorrentes do dolo.

3. REGIME DE RESPONSABILIDADE APLICÁVEL.

O ato ilícito absoluto (também denominado ato ilícito


stricto sensu) vem previsto no artigo 186 do Código Civil brasi-
leiro47, consistindo na ação ou omissão que, por negligência ou
imprudência, leve à violação de direito ou à causação de dano a
outrem. Para sua configuração, é necessário que não haja normas
jurídicas excludentes da ilicitude do ato, como previsto no artigo
188 do Código Civil brasileiro48.
Constitui ato ilícito absoluto, portanto, (i) a ação ou
omissão contrária a direito; (ii) imputável a alguém49; (iii) em
geral culposa; e (iv) violadora de dever absoluto. Os itens “i” e

47
Código Civil, artigo 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência
ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente mo-
ral, comete ato ilícito”.
48
Código Civil, Artigo 188: “Não constituem atos ilícitos: I - os praticados em
legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; II - a deterioração
ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.
Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as
circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do
indispensável para a remoção do perigo”.
49
Como observa Marcos Bernardes de Mello, a “imputabilidade na ilicitude está
relacionada à capacidade delitual do agente (= capacidade para praticar ilícito)”, e não
se confunde com imputações de responsabilidade civil relacionadas ao dever de
indenizar. (Teoria do Fato Jurídico: Plano da Existência. 18ª ed. São Paulo: Saraiva,
2012, p. 263-264).
RJLB, Ano 9 (2023), nº 1________553_

“ii” são os elementos cerne do ato ilícito e representam a própria


essência da ilicitude. Os demais itens são elementos completan-
tes50.
Esta espécie de ato ilícito verifica-se quando não há rela-
ção jurídica e, se houver, será de direito absoluto (isto é, com
sujeito passivo total) ou de direito relativo (ou seja, com sujeito
passivo determinado). É importante atentar para que, sendo re-
lação jurídica de direito relativo, o dever violado não poderá ser
conteúdo dessa relação51.
Já o ato ilícito relativo verifica-se quando há, entre o
agente e o lesado, relação jurídica de direito relativo, resultante
de negócio jurídico ou ato jurídico stricto sensu. Não se trata
apenas da violação de dever relativo em decorrência de contrato,
mas também diante de relações de parentesco e da gestão de ne-
gócios, por exemplo. Por isso, é impreciso restringir a espécie
ao ato ilícito contratual52.
Exemplo clássico da violação de direito absoluto é a hi-
pótese em que um sujeito abalroa o automóvel de outrem. Já na
situação em que o devedor não entrega a mercadoria ao compra-
dor no prazo acordado, se está diante da violação de direito re-
lativo. Todavia, se, além de não entregar no prazo, o devedor
atenta contra a integridade física do comprador, também violará
direito absoluto – hipótese em que o dever violado não será con-
teúdo da relação contratual.
No tocante ao dolo, a doutrina parece alcançar consenso
relativamente ao enquadramento na modalidade principal, apre-
sentando dissonância quanto ao acidental.

50
MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico: Plano da Existência. 18ª
ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 270. O autor também elenca a culpabilidade e a cau-
sação de dano como elementos completantes do núcleo do suporte fático. Os elemen-
tos que “permanecem constantes e inalteráveis em todas as espécies de fato ilícito são
a contrariedade a direito e a imputabilidade do agente” (idem, ibidem).
51
MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico: Plano da Existência. 18ª
ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 287.
52
MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico: Plano da Existência. 18ª
ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 276.
_554________RJLB, Ano 9 (2023), nº 1

Pontes de Miranda sustentava a qualificação do dolo


principal como ato ilícito absoluto53 e, em caso de dolo aciden-
tal, referia poder ser enquadrado como ato ilícito relativo, o que
estaria previsto no então artigo 93 do Código Civil (correspon-
dente ao atual artigo 145). O autor não afastava, porém, a possi-
bilidade de a ação indenizatória derivada do dolo acidental (a
que chamou de ação de diferença) concorrer com a ação de in-
denização por ato ilícito absoluto54. Diferentemente de outros te-
mas, Pontes de Miranda não forneceu exemplos nem discorreu
mais detidamente sobre como se daria a concorrência entre as
referidas ações.
Outros autores, como Judith Martins-Costa55, Silvio

53
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. Tomo
IV. Atualizado por Marcos Bernardes de Mello e Marcos Ehrardt. São Paulo: Forense,
Revista dos Tribunais, 2012, § 456, p. 467: conforme o autor o dolo que torna inválido
o contrato configura-se como ato ilícito absoluto, porém, “[n]ão como tendo havido
violação de deveres irradiados do ato jurídico, porque, por definição, ocorreu à
formação da vontade manifestada e, pois, antes do suporte fáctico entrar no mundo
jurídico”.
54
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado.
Tomo IV. Atualizado por Marcos Bernardes de Mello e Marcos Ehrardt. São Paulo:
Forense, Revista dos Tribunais, 2012, § 452, p. 458: “O dolo acidental ou incidente
(dolus incidens) não atinge a validade do ato jurídico, pôsto que possa constituir ato
ilícito relativo. O figurante de tal maneira se conduziu que o negócio jurídico se con-
cluiu como êle queria, porém, se o outro figurante soubesse da verdade, o teria con-
cluído com melhores cláusulas. A obrigação pelo dolus incidens é oriunda do ato ilí-
cito relativo, segundo o art. 93, e dá a ação de diferença (Differenzklage). Não se
deve construir como ação de indenização por ato ilícito absoluto (art. 159), se bem
que também essa possa concorrer”.
55
Judith Martins-Costa entende pela configuração do dever de indenizar decorrente
do dolo em razão do ilícito absoluto (referindo-se à modalidade acidental). Citando
Silvio Rodrigues, a autora menciona: “cabe indenizar segundo as regras da responsa-
bilidade delitual, pois não se trata de responder pelo inadimplemento de contrato,
mas por sua formação, contaminada por defeito ou por ilicitude”. Aqui nos parece
possível aproximar a ideia de defeito a dolo principal e de ilicitude ao acidental. (Os
regimes do dolo civil no Direto brasileiro: dolo antecedente, vício informativo por
omissão e por comissão, dolo acidental e dever de indenizar. Revista dos Tribunais,
vol. 923. São Paulo, Ano 101, set./2012, p. 136).
RJLB, Ano 9 (2023), nº 1________555_

Rodrigues56 e Carvalho Santos57, parecem enquadrar tanto o


dolo principal quanto o acidental, para fins da ação indenizató-
ria, como ato ilícito absoluto, visto que, diferentemente de Pon-
tes de Miranda, não referem expressamente poder a indenização
derivar de ato ilícito relativo. Não faz sentido considerar apenas
a modalidade acidental como ilícito absoluto, razão pela qual a
principal seguiria o mesmo regime.
Segue-se aqui o segundo entendimento, considerando
ambas as modalidades como ato ilícito absoluto. O dever violado
em razão do dolo acidental (assim como no principal) não de-
corre do conteúdo da relação contratual travada entre as partes.
Ou seja, a ilicitude derivada do comportamento doloso não re-
sulta da violação de deveres oriundos do contrato, mas da má-
cula na formação do consentimento da parte enganada (dolo in-
validante) ou das condições mais desvantajosas com que o ne-
gócio foi celebrado (dolo acidental)58.
O enquadramento do comportamento doloso como ato
ilícito absoluto apresenta reflexos diretos no regime de respon-
sabilidade aplicável.
Muito se discute sobre o regime de responsabilidade

56
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Parte Geral. Vol. I. 32ª ed. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 193. “O dolo principal (dolus causam dans contratui) constitui vício do con-
sentimento, capaz de anular o ato jurídico; o acidental (dolus accidens) não passa de
um ato ilícito, que gera, para seu agente, uma obrigação de reparar o prejuízo causado
à vítima”. E complementa: “A meu ver, tal responsabilidade é aquiliana, embora nasça
dentro de uma relação contratual” (idem, p. 193, nota de rodapé nº 228).
57
CARVALHO SANTOS, João Manuel de. Código Civil brasileiro Interpretado.
Vol. II. 12ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1985, p. 334: “A ação de indenização,
embora esteja vinculada ao dolo, não depende da ação de anulação. Tem outro fun-
damento, qual o princípio geral que obriga indenizar quem quer que, mesmo por
culpa sua, cause dano a outrem”.
58
MARTINS-COSTA, Judith. Os regimes do dolo civil no Direto brasileiro: dolo
antecedente, vício informativo por omissão e por comissão, dolo acidental e dever de
indenizar. Revista dos Tribunais, vol. 923. São Paulo, Ano 101, set./2012, p. 136.
Embora tenha sido transcrita a passagem em nota de rodapé acima (nº 45), para fins
de clareza, repita-se o trecho: “[…] cabe indenizar segundo as regras da
responsabilidade delitual, pois não se trata de responder pelo inadimplemento de
contrato, mas por sua formação, contaminada por defeito ou por ilicitude”.
_556________RJLB, Ano 9 (2023), nº 1

aplicável a defeitos do negócio jurídico e aos danos culposa-


mente causados na fase pré-contratual (culpa in contrahendo).
Foram desenvolvidas correntes no sentido de enquadrar a res-
ponsabilidade pré-contratual no regime extracontratual, contra-
tual ou em uma terceira via.
Por não ser este tema o foco desta análise, não se pre-
tende aqui esgotá-lo. São apresentadas as principais peculiarida-
des relativas a cada regime e, na sequência, defende-se a aplica-
ção de um deles à hipótese dos danos oriundos de dolo.
A chamada doutrina dualista distingue entre a responsa-
bilidade extracontratual (“extranegocial”) e a contratual (“nego-
cial”). Quando a imputação do dever de indenizar derivar da vi-
olação do dever jurídico de a ninguém lesar (dever com caráter
geral), o que se configura como ato ilícito (artigos 186 e 187)
causador de danos59, há responsabilidade extracontratual.
Quando derivar do descumprimento de obrigação existente pre-
viamente, há responsabilidade contratual60, que apresenta cará-
ter substitutivo ou sucedâneo à prestação descumprida61. O cri-
tério distintivo repousa na fonte do dever descumprido62.
Em contraposição, a tese unitária sustenta terem o dano
extracontratual e o contratual a mesma fonte, que seria o contato
social. Ambos nasceriam da violação de dever preexistente e
obedeceriam aos mesmos princípios. A distinção repousaria em
diferentes graus do contato social: no grau mais próximo estaria

59
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil. Do
Inadimplemento das Obrigações. Vol. V. Tomo II, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
2009, p. 151-154. O ato ilícito pode envolver a culpa (artigo 186 do Código Civil) ou
decorrer de ilicitude no exercício de direito (artigo 187).
60
SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Inadimplemento das obrigações. São Paulo: Re-
vista dos Tribunais, 2007, p. 59.
61
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil. Do
Inadimplemento das Obrigações. Vol. V. Tomo II. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
2009, p. 151-154.
62
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil. Do Inadimple-
mento das Obrigações. Vol. V. Tomo II. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p.
148.
RJLB, Ano 9 (2023), nº 1________557_

o contrato e no mais distante o delito63.


Há, ainda, a tese, desenvolvida a partir de estudos de
Claus-Wilhelm Canaris e amparada na teoria da confiança, de-
nominada “terceira via”. Argumenta-se que a responsabilidade
seria fundada em vinculações específicas, distintas do dever de
prestar e baseadas na violação da regra de conduta derivada da
boa-fé64. Manuel Carneiro da Frada sustenta a “teoria ‘pura’ da
confiança na responsabilidade civil”, ou seja, há responsabili-
dade pela confiança quando a “criação-defraudação da confi-
ança” constitui o fundamento do dever de indenizar, sendo tal
modalidade um “corpo específico”, não passível de recondução
ao regime contratual ou delitual, mesmo se devidamente refor-
mulados65.
A tendência atual tem sido reconhecer a existência de
pontos semelhantes entre os dois regimes, marcando, porém,
suas especificidades66. Ressalta Judith Martins-Costa que, ape-
sar de a “responsabilidade negocial e a extranegocial encontra-
rem identidade de fundamento, identidade ontológica e mesmo
principiológica”, isso não significa que o regime jurídico será o
mesmo, pois “é questão de política legislativa”67.
Tendo em vista ser o dolo o foco da presente análise, bem
como o fato de, independentemente da corrente adotada, reco-
nhecer-se a existência de pontos de contato e de distinção nos
regimes extracontratual e contratual, discorre-se mais

63
A tese unitária foi assim sintetizada por MARTINS-COSTA, Judith. Comentários
ao Novo Código Civil. Do Inadimplemento das Obrigações. Vol. V. Tomo II. 2ª ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 148-149.
64
POÇAS, Luis. O dever de declaração inicial do risco no contrato de seguro. Coim-
bra: Almedina, 2013, p. 165.
65
CARNEIRO DA FRADA, A. Manuel. Teoria da Confiança e Responsabilidade
Civil. Coimbra: Almedina, 2004, p. 902; 904-905.
66
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil. Do
Inadimplemento das Obrigações. Vol. V. Tomo II. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
2009, p. 148-149.
67
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil. Do
Inadimplemento das Obrigações. Vol. V. Tomo II. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
2009, p. 155.
_558________RJLB, Ano 9 (2023), nº 1

detidamente sobre a configuração desses regimes no ordena-


mento brasileiro.
O Código Civil regula cada regime em um grupo princi-
pal de artigos (extracontratual, artigos 927 a 954; contratual, ar-
tigos 389 a 420), mas há dispositivos aplicáveis a ambos, como
as normas sobre indenização (artigo 944 e seguintes)68.
Cabe ressaltar que o regime da responsabilidade extra-
contratual funciona como uma “concha hospedeira de todos os
casos de responsabilidade que não possam ser reconduzidos à
responsabilidade negocial (contratual)”69. Trata-se do “regime-
regra da responsabilidade civil” no direito brasileiro70. Resta sa-
ber se o regime da responsabilidade por dolo pode ser recondu-
zido ao regime extracontratual ou ao contratual, mas, antes, dis-
corre-se sobre suas distinções.
As diferenças principais entre os dois regimes podem ser
deduzidas em seis grupos atinentes a: (i) culpa; (ii) abrangência
da indenização; (iii) liquidação do dano; (iv) capacidade; (v) o
marco temporal para a fixação de ressarcimento; e (vi) regime
de prescrição71.
Quanto à culpa (i), sua importância reflete-se no ônus da
prova (i.1) e na relevância de seus graus para a configuração do
dever de indenizar (i.2).

68
SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Inadimplemento das obrigações. São Paulo: Re-
vista dos Tribunais, 2007, p. 61.
69
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil. Do
Inadimplemento das Obrigações. Vol. V. Tomo II. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
2009, p. 155.
70
NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013,
p. 455.
71
Para análise completa dos grupos de distinções, vide MARTINS-COSTA, Judith.
Comentários ao Novo Código Civil. Do Inadimplemento das Obrigações. Vol. V.
Tomo II. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 61-63. Rodrigo Xavier Leonardo
igualmente destaca distinções entre a responsabilidade civil contratual e a extracon-
tratual, salientando ter o Código Civil brasileiro optado pela manutenção de tal dife-
renciação (Responsabilidade civil contratual e extracontratual: primeiras anotações
em face do novo Código Civil brasileiro. Revista de Direito Privado, vol. 19, 2004,
p. 260-269).
RJLB, Ano 9 (2023), nº 1________559_

Em relação ao primeiro aspecto (i.1), na responsabili-


dade contratual, costuma-se considerar que o fato do não cum-
primento imputável gera a presunção de culpa do devedor e na
responsabilidade extracontratual, seria necessária a prova da
culpa pelo lesado. Contudo, conforme Jorge Cesa Ferreira da
Silva, o critério a ser observado é o que distingue a espécie de
obrigação descumprida (e não o regime de responsabilidade
aplicável): isto é, se for obrigação de resultado, há presunção de
culpa; se for obrigação de meios, não se presume72.
No tocante ao segundo aspecto (i.2), os graus de culpa do
agente (dolo, culpa lata, culpa leve), na responsabilidade extra-
contratual, não exercem influência para se determinar a configu-
ração do dever de indenizar, embora o seu quantum possa sofrer
redução proporcional ao grau verificado (como prevê o artigo
944, parágrafo único do Código Civil73). Já na responsabilidade
contratual os graus de culpa podem impactar na configuração do
dever de indenizar, ensejando, por exemplo, a diversa distribui-
ção da carga de responsabilidade no caso de estarem envolvidos
vários agentes ou até mesmo a pré-exclusão da responsabilidade
(artigo 392 do Código Civil74)75.
Em relação à abrangência da indenização (ii), a regra ge-
ral é a reparação pela extensão do dano. Na responsabilidade

72
SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Inadimplemento das obrigações. São Paulo: Re-
vista dos Tribunais, 2007, p. 61-62; MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao
Novo Código Civil. Do Inadimplemento das Obrigações. Vol. V. Tomo II. 2ª ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2009, p. 156.
73
Código Civil brasileiro, Artigo 944: “A indenização mede-se pela extensão do dano.
Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o
dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização”.
74
Código Civil brasileiro, Artigo 392: “Nos contratos benéficos, responde por simples
culpa o contratante, a quem o contrato aproveite, e por dolo aquele a quem não favo-
reça. Nos contratos onerosos, responde cada uma das partes por culpa, salvo as exce-
ções previstas em lei”.
75
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil. Do
Inadimplemento das Obrigações. Vol. V. Tomo II. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
2009, p. 157; SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Inadimplemento das obrigações. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 62.
_560________RJLB, Ano 9 (2023), nº 1

contratual, admite-se a pactuação de cláusulas limitativas do de-


ver de indenizar; na extracontratual a doutrina admite, com res-
salvas, a limitação por dano extracontratual76-77.
Na liquidação do dano (iii), por sua vez, a responsabili-
dade contratual distingue-se da extracontratual, pois a primeira
admite a pré-liquidação pelas partes, seja por meio de cláusulas
penais, seja por cláusulas limitativas do dever de indenizar, en-
quanto a segunda requer um procedimento (não necessariamente
judicial) para a liquidação do dano após a ocorrência deste78.
Quanto à capacidade das partes (iv), a responsabilidade
contratual supõe a capacidade de exercício dos figurantes ou o
suprimento desta por meio de representação ou assistência, sob
pena de ser decretado inválido o negócio jurídico (artigo 104, I
do Código Civil79). A extracontratual alcança os incapazes que
cometem dano (artigo 928 do Código Civil80)81.
Em relação ao marco temporal para a fixação de

76
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil. Do
Inadimplemento das Obrigações, cit., p. 158-159: “Na responsabilidade
extranegocial, em não havendo negócio jurídico prévio, não há que falar-se em
pactuação da exclusão ou limitação do dever de indenizar, salvo raras hipóteses em
que é lícito e possível limitar a indenização por dano extracontratual por meio de
acordo prévio (‘convenção de irresponsabilidade extracontratual’)”.
77
Antonio Pinto Monteiro, a despeito de reconhecer que a “convenção de
irresponsabilidade extracontratual” seria, na prática, “impossível ou de efeitos muito
diminutos”, admite que o lesante possa “afastar ou atenuar a responsabilidade em face
de pessoas cuja situação de facto – tendo em conta a sua relação de proximidade ou
de vizinhança – faça prever apresentarem-se como potenciais vítimas”. (Cláusulas
Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil. Coimbra: Almedina, 2003, p.
392-393).
78
SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Inadimplemento das obrigações. São Paulo: Re-
vista dos Tribunais, 2007, p. 62.
79
Código Civil brasileiro, Artigo 104: “A validade do negócio jurídico requer: I -
agente capaz [...]”.
80
Código Civil brasileiro, Artigo 928, caput: “O incapaz responde pelos prejuízos que
causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não
dispuserem de meios suficientes”.
81
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil. Do
Inadimplemento das Obrigações. Vol. V. Tomo II. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
2009, p. 155-156.
RJLB, Ano 9 (2023), nº 1________561_

ressarcimento (v), na responsabilidade contratual, a prestação


pode estar sujeita a termo ou não, de modo que o dies a quo pode
depender de prévia interpelação, notificação ou protesto. Na ex-
tracontratual, considera-se em mora o devedor desde o momento
em que praticou o ato ilícito (artigo 398 do Código Civil82)83.
Por fim, discute-se sobre o regime de prescrição aplicá-
vel (vi) à pretensão à reparação – tema sobre o qual a doutrina e
a jurisprudência ainda não alcançaram consenso. Há uma cor-
rente de doutrinadores e decisões judiciais que admite prazos di-
ferenciados, a depender do regime de responsabilidade: para a
contratual, o prazo seria de dez anos, pois, dentre outras razões,
não seria possível especificar o prazo para cada tipo contratual,
aplicando-se, então, a regra geral do artigo 205 do Código Ci-
vil84; para a extracontratual, o prazo seria de três anos, a teor do
artigo 206, § 3º, V85-86. Outra corrente, contudo, entende pela
aplicação do prazo de três anos para ambos os regimes de res-
ponsabilidade, tendo sido proferida em 2016 decisão unânime

82
Código Civil, Art. 398: “Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o
devedor em mora, desde que o praticou”. É preciso observar, porém, questão relativa
à prescrição. A regra é a prescrição se iniciar com o nascimento da pretensão. Consi-
derando-se nascer a pretensão “quando já se pode exigir de alguém ato ou omissão”,
é possível que o surgimento da pretensão não coincida com o momento da prática do
ato ilícito, visto que a pretensão indenizatória, por exemplo, surge a partir da ocorrên-
cia do dano. (O trecho entre aspas está em (PONTES DE MIRANDA, Francisco Ca-
valcanti. Tratado de Direito Privado. Tomo VI. Atualizado por Otavio Luiz Rodri-
gues Junior, Tilman Quarch e Jefferson Carús Guedes. São Paulo: Revista dos Tribu-
nais, 2012, § 699, p. 450).
83
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil. Do
Inadimplemento das Obrigações. Vol. V. Tomo II. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
2009, p. 158.
84
Código Civil brasileiro, Artigo 205: “A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei
não lhe haja fixado prazo menor”.
85
Código Civil brasileiro, Artigo 206, § 3º, V: “Prescreve: [...] § 3o Em três anos: [...]
V - a pretensão de reparação civil [...]”.
86
Para obter uma síntese de tal posicionamento, vide MARTINS-COSTA, Judith.
Comentários ao Novo Código Civil. Do Inadimplemento das Obrigações. Vol. V.
Tomo II. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 160-163.
_562________RJLB, Ano 9 (2023), nº 1

pelo STJ neste sentido87.88 . Recentemente, a Segunda Seção do


STJ reiterou o entendimento de que “nas controvérsias relacio-
nadas à responsabilidade contratual, aplica-se a regra geral (art.
205 CC/02) que prevê dez anos de prazo prescricional e, quando
se tratar de responsabilidade extracontratual, aplica-se o dis-
posto no art. 206, § 3º, V, do CC/02, com prazo de três anos)”89.
Tais distinções demonstram existirem diferenças práticas
relevantes entre os dois regimes. A doutrina não é unânime a
respeito do regime de responsabilidade aplicável à fase pré-ne-
gocial90. Todavia, para fins desta análise, interessa saber qual
87
Trata-se do REsp nº 1.281.594/SP. 3ª Turma. Rel. Min. Marco Aurélio Belizze.
Julgado em 22.11.2016. Leia-se na ementa: “O termo ‘reparação civil’, constante
do art. 206, § 3º, V, do CC/2002, deve ser interpretado de maneira ampla, alcançando
tanto a responsabilidade contratual (arts. 389 a 405) como a extracontratual (arts. 927
a 954), ainda que decorrente de dano exclusivamente moral (art. 186, parte final), e
o abuso de direito (art. 187). Assim, a prescrição das pretensões dessa natureza
originadas sob a égide do novo paradigma do Código Civil de 2002 deve observar o
prazo comum de três anos. Ficam ressalvadas as pretensões cujos prazos
prescricionais estão estabelecidos em disposições legais especiais”.
88
Confira-se o Enunciado nº 419 da V Jornada de Direito Civil: “Art. 206, § 3º, V: O
prazo prescricional de três anos para a pretensão de reparação civil aplica-se tanto à
responsabilidade contratual quanto à responsabilidade extracontratual”.
89
STJ. EREsp nº 1.280.825/RJ. 2ª Seção. Rel. Min. Nancy Andrighi. Julgado em
27.06.2018.
90
Muito sinteticamente, em relação às discussões sobre o regime de responsabilidade
pré-negocial: a doutrina oscila a respeito de sua qualificação como regime contratual,
extracontratual ou híbrido. Na doutrina nacional, exemplificativamente, Antonio
Junqueira de Azevedo alertou que o fundamento da responsabilidade pré-contratual
não parecia ser contratual nem extracontratual, pois, de um lado, ainda não há
contrato; e, de outro, os negociadores têm entre si deveres específicos, que se
assemelhariam a um vínculo jurídico entre duas pessoas, distinguindo-se, portanto, do
dever genérico de não lesar. Considerou, nessa perspectiva, que, embora surgindo de
ato ilícito, o regime aplicável seria o contratual, porque implicaria a violação de
deveres específicos gerados pela boa-fé objetiva (Responsabilidade Pré-Contratual no
Código de Defesa do Consumidor: estudo comparativo com a responsabilidade pré-
contratual no direito comum. In: Estudos e Pareceres de Direito Privado. São Paulo,
Saraiva, 2004, p. 173-183, p. 174-175). Diferentemente, para Judith Martins-Costa,
não há, nesse período, “vinculação negocial”, mas sim uma “relação jurídica
obrigacional de fonte legal, sem deveres primários de prestação, que pode conter
deveres de proteção”. Assim, e tendo em vista a amplitude do regime da
responsabilidade extranegocial no Brasil, considera ser “melhor inserir a
responsabilidade pré-negocial no regime jurídico da responsabilidade extranegocial
RJLB, Ano 9 (2023), nº 1________563_

seria o regime atinente ao dolo, que, apesar de também se veri-


ficar em momento anterior ou concomitante à celebração do ne-
gócio, é dotado de peculiaridades em vista do caráter ilícito ser
da sua essência. Trata-se tal questão a partir da doutrina italiana
e da francesa para, em seguida, passar à brasileira.
Na Itália, Giovanna Visintini, ao tratar da reticência do-
losa, sublinha ter o lesado a opção de escolher entre a ação anu-
latória e a ação de ressarcimento dos danos, a qual seria fundada
no ilícito extracontratual91. Fabrizio Ceppi, após explicitar o po-
sicionamento que enquadra o dolo acidental como ilícito pré-
contratual e o que o considera como ilícito extracontratual, con-
clui não haver diferenças relevantes no plano indenizatório, caso
seja adotada a tendência que considera aplicável à responsabili-
dade pré-contratual o regime extracontratual92.
Giuseppe Grisi distancia-se, porém, de tal entendimento,
concluindo pelo regime contratual. Conforme o autor, o
(art. 927 c/c arts. 186 e 187)” (MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo
Código Civil. Do Inadimplemento das Obrigações. Vol. V. Tomo II. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2009, p. 175 e 177-179). Recentemente, Fabio Queiroz Pereira
indicou haver, na doutrina nacional, prevalência da tese do regime extracontratual,
posicionando-se, contudo, a favor da teoria híbrida. Segundo o autor, haveria uma
“nítida aproximação das normas referentes à responsabilidade contratual”, porém, “a
variedade de situações que ensejam a denominada responsabilidade pré-contratual
exige um enquadramento individualizado, que permita a melhor solução para cada
uma das hipóteses de dano” (O ressarcimento do dano pré-contratual. Interesse
negativo e interesse positivo. São Paulo: Almedina, 2017, p. 168).
91
VISINTINI, Giovanna. La reticenza nella formazione dei contratti. Pádua:
CEDAM, 1972, p. 318-319. No original: “Se questa è dolosa l’interessato avrà la
scelta [escolha] tra l’azione di annullamento e l’azione di risarcimento del danno, che
in questo caso si fonda su un illecito extracontrattuale”.
92
CEPPI, Fabrizio. Il Dolo nei Contratti. Pádua: CEDAM, 2001, p. 195. No
original: “[...] il considerare il dolo incidente quale illecito extracontrattuale
(Funaioli 1964, 747; Trabucchi 1975, 151), e non quale violazione dei principi della
responsabilità precontrattuale (Patti Patti 1993, 111; Mantovani 1995, 22 Bianca
2000, 667), non comporta — sul piano risarcitorio — rilevanti differenze, se si
accede alla posizione dottrinale (Bessone 1978, 1165; Patti Patti 1993, 45 Bianca
2000, 157), seguita unanimamente dalla giurisprudenza (per tutte, Cass. 11.5.90, n.
4051, FI, 1991, I, 184), che vuole la responsabilità precontrattuale riconducibile
nell’alveo della responsabilità extracontrattuale — piuttosto che in quella
contrattuale (Benatti 1963, 115; Galgano 1999, 553)”.
_564________RJLB, Ano 9 (2023), nº 1

comportamento doloso é um ilícito que obedeceria ao regime


contratual em razão de o legislador ter previsto tal hipótese no
quadro da responsabilidade pré-contratual como decorrência da
violação de uma obrigação, seguindo os termos do artigo 1.21893
e seguintes94.
Encontram-se igualmente posicionamentos em ambos os
sentidos no Direito francês. Conforme Jacques Ghestin, o dolo
acidental ensejaria a responsabilização do deceptor com funda-
mento no artigo 1382 do Código Civil francês de 1804 (cláusula
geral de responsabilidade extracontratual)95. Tal dispositivo em-
basaria igualmente a hipótese em que o lesado, ao invés de bus-
car a tutela anulatória, demanda a indenizatória96. A este res-
peito, Alain Bénabent também refere ser geralmente de natureza

93
Código Civil italiano, Artigo 1.218: “Il debitore che non esegue esattamente la
prestazione dovuta è tenuto al risarcimento del danno, se non prova che
l'inadempimento o il ritardo è stato determinato da impossibilità della prestazione
derivante da causa a lui non imputabile”.
94
GRISI, Giuseppe. L’Obbligo Precontrattuale di Informazione. Nápoles: Jovene
Editore, 1990, p. 296-301. Nestas passagens, o autor trata tanto do dolo em geral
quanto do ‘comportamento dolosamente reticente’ (v.g., p. 299). “Il contegno doloso
[…] configura un illecito vero e proprio; illecito, che sembra logico riconnettere al
sistema della responsabilità precontrattuale”; “Crediamo nella natura contrattuale
della responsabilità ivi configurata […]”; “Che il dolo costituisca elemento
soggettivo del fatto illecito, nessuno può dubitare; quel che appare non pertinente è
il richiamo all’illecito extracontrattuale con riguardo ad ipotesi che il legislatore ha
espressamente disciplinato nel quadro della responsabilità in contrahendo, e –
dunque – in ambito distinto da quello aquiliano”; “Ribadiamo – infatti – che
l’illecito in questione, traendo origine dall’inadempimento di un’obbligazione ha
natura contrattuale ed è disciplinato giusta lo schema fissato negli artt. 1218 ss. c.c.”.
95
Código Civil francês de 1804, art. 1383 : “Tout fait quelconque de l'homme, qui
cause à autrui un dommage, oblige celui par la faute duquel il est arrivé à le réparer.”.
Trata-se do art. 1.240 na versão atual do Código Civil francês.
96
GHESTIN, Jacques (Coord.). Traité de Droit Civil. La formation du contrat. Paris:
LGDJ, 2013, p. 1091 e 1178. No original: “Lorsque le dol n’a pas déterminé le
consentement, on admet parfois, sous la qualification de dol incident et par application
de l’article 1382 du Code civil, qu’il peut cependant justifier une condamnation à des
dommages-intérêt”; “Cette décision consacre ainsi l’autonomie del’action en
responsabilité délictuelle par rapport à l’action en nullité fondée également sur le dol
puisque le désistement de l’action en nullité ne vaut pas renonciation à invoquer la
responsabilité pour dol. La juriprudence est aujourd’hui constante”.
RJLB, Ano 9 (2023), nº 1________565_

delitual a indenização devida no caso de o lesado manter o con-


trato, pois a faute que lhe dá fundamento é anterior ao contrato.
Todavia, admite a possibilidade de a natureza ser contratual,
quando a afirmação falsa é expressamente reiterada no con-
trato97.
Na doutrina brasileira, Antonio Junqueira de Azevedo,
apesar de considerar que a responsabilidade pré-contratual deva
se submeter ao tratamento do regime contratual98, afirma ser a
responsabilidade por perdas e danos decorrentes de dolo aciden-
tal classificável como aquiliana, em razão do caráter ilícito do
dolo99. Judith Martins-Costa entende aplicável o regime da res-
ponsabilidade aquiliana “justamente porque – para este efeito in-
denizatório – não houve a irradiação de efeitos do contrato: estes
97
BÉNABENT, Alain. Droit Des Obligations. 15ª ed. Paris: LGDJ, 2016, p. 95. No
original: “Parfois même cette victime préférera maintenir le contrat et solliciter seu-
lement cette indemnité: elle a le droit et, malgré la présence du contrat, cette respon-
sabilité est généralement de nature délictuelle et non contractuelle – car la faute qui
en est la source est antérieure au contrat. Elle sera toutefois contractuelle si la fausse
affirmation a été expressément reprise dans le contrat”. O autor cita, ao mencionar a
natureza contratual, algumas decisões, sendo a mais recente a Cass. 1a Câmara Civil,
14.05.2009, recurso nº 07-17568 (no caso, houve cassação parcial, pois se reconheceu
que, em virtude de cláusula prevista no contrato de garantia, competia ao banco infor-
mar ao garantidor a situação de insuficiência de recursos do devedor. No original:
“[…] il incombait à la banque d’informer la caution de la situation obérée du débiteur,
qu’elle connaissait, obligation don’t la clause précitée ne pouvait la dispenser […]”).
98
AZEVEDO, Antonio Junqueira. Responsabilidade pré-contratual no Código de
Defesa do Consumidor: Consumidor: estudo comparativo com a Responsabilidade
Pré-contratual no Direito Comum. In: Estudos e Pareceres de Direito Privado. São
Paulo: Saraiva, 2004, p. 183: “A responsabilidade pré-contratual, resultante de
prejuízos causados na primeira fase do processo contratual – fase pré-contratual –,
embora resulte de ato ilícito, provém de descumprimento de dever específico imposto
pela norma da boa-fé; por isso, obedece às regras da responsabilidade contratual, antes
que da responsabilidade extracontratual” (destaques originais).
99
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Negócio Jurídico e declaração negocial. No-
ções gerais e formação da declaração negocial. São Paulo, Edição do Autor, 1986, p.
189, nota de rodapé nº 115. O autor citava Silvio Rodrigues a respeito da responsa-
bilidade classificada como aquiliana. Referia ser o “mesmo caráter ilícito” que, “a
propósito do dolo principal” leva a dois problemas atinentes à cumulação do pedido
de anulação com o de indenização e ao prazo para a propositura das duas ações. As-
sim, acredita-se que o autor entendia aplicável o mesmo regime de responsabilidade
por perdas e danos tanto no dolo principal quanto no acidental.
_566________RJLB, Ano 9 (2023), nº 1

são derivados do próprio dolo acidental”100.


Diferentemente, Mariana Sabadin considera ambos os
regimes aplicáveis, distinguindo, porém, dois cenários: (i) a res-
ponsabilidade extracontratual teria lugar diante do dolo antece-
dente não traduzido em declarações e garantias inseridas no
texto do contrato; e (ii) a contratual, no dolo contemporâneo,
consignado nas declarações e garantias101.
Considerando os diferentes posicionamentos expostos, é
adequada a aplicação ao Direito brasileiro do regime extracon-
tratual (responsabilidade aquiliana) para os danos derivados do
dolo. Não se nega a existência de algum tipo de contato prévio
entre o ofensor e o enganado. De fato, tal contato parece traduzir
“algo a mais” do que o simples fato de os figurantes viverem em
sociedade, mas não equivale ao inadimplemento de uma obriga-
ção102.
A chave da questão não é a aplicação da responsabilidade
contratual, cuja função é reparar o credor lesado pelo não cum-
primento da prestação devida, sendo o dever de indenizar exigí-
vel em substituição ao adimplemento da prestação ou sendo de-
vido juntamente com esta103.

100
MARTINS-COSTA, Judith. Os regimes do dolo civil no Direto brasileiro: dolo
antecedente, vício informativo por omissão e por comissão, dolo acidental e dever
de indenizar. Revista dos Tribunais, vol. 923. São Paulo, Ano 101, set./2012, p. 136.
101
SABADIN, Mariana Guerra. Autonomia privada e licença para mentir – uma in-
vestigação sobre a possibilidade de limitação contratual da responsabilidade por
dolo. Dissertação (Mestrado). Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas. Orien-
tadora: Prof. Dra. Mariana Pargendler. São Paulo, 2015, p. 84-85.
102
Judith Martins-Costa entende compreender a responsabilidade extracontratual (i)
a responsabilidade delitual (i.e., infringência ao dever de a ninguém lesar), bem como
(ii) a responsabilidade pré e pós-contratual, mesmo que nessas duas últimas hipóteses
haja “uma qualificação do princípio geral que manda a ninguém lesar em virtude da
relação de proximidade social entre os agentes envolvidos nas tratativas pré-negociais
(ou quando findo o contrato)”. (A Boa-fé no Direito Privado. Critérios para a sua
Aplicação. São Paulo: Marcial Pons, 2015, p. 385). Não se está pretendendo aplicar o
regime pré-contratual ao dolo (que é figura específica, como bem percebido por Judith
Martins-Costa na p. 418), mas apenas sublinhar que há uma relação maior de
proximidade entre o deceptor e o deceptus do que o fato de viverem em sociedade.
103
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil. Do
RJLB, Ano 9 (2023), nº 1________567_

O problema se conecta com a qualificação do dolo como


ato ilícito: não é preciso invocar a violação de dever específico
decorrente da boa-fé objetiva ou da relação contratual, uma vez
que o dolo, por si só, pode gerar a eficácia invalidante e a inde-
nizatória. O dever violado é de fonte legal: o deceptor agiu com
dolo ao induzir o deceptus a celebrar o contrato em representa-
ção errônea ou em termos menos vantajosos. Isso não se con-
funde com um dever de prestação.
Poder-se-ia pensar que, em se tratando de dolo por de-
feito informativo, a conclusão seria diversa, pois a violação do
dever de informar como um dos elementos da espécie dolosa por
omissão (e como um dos possíveis elementos do dolo comis-
sivo), a consequência seria a configuração de responsabilidade
contratual. Tal entendimento não se afigura correto, pois não se
trata da violação de um dever específico derivado do conteúdo
da relação contratual (ato ilícito relativo) e que levaria, portanto,
à aplicação das consequências do inadimplemento no âmbito de
uma relação de crédito. O dever de informar que compõe a omis-
são dolosa (e pode compor o dolo comissivo) é dever legal, cons-
tante do já referido artigo 147 do Código Civil, e cuja violação
só restará configurada como dolosa se outros requisitos forem
preenchidos, podendo disparar, então, a eficácia anulatória e/ou
indenizatória.
Analisando-se as diferenças entre os regimes da respon-
sabilidade contratual e da extracontratual, fica claro estar a res-
ponsabilidade decorrente do dolo mais aproximada a este úl-
timo. Isso porque (i) o dolo deriva da violação a dever legal e a
sua ocorrência deve ser comprovada; (ii) as cláusulas de limita-
ção e de exoneração da responsabilidade são, em regra, inope-
rantes em face da presença de figuras análogas ao dolo antece-
dente ou contemporâneo à formação do contrato104; (iii) quanto
Inadimplemento das Obrigações. Vol. V. Tomo II. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
2009, p. 164, nota de rodapé nº 105.
104
MARTINS-COSTA, Judith. Os regimes do dolo civil no Direto brasileiro: dolo
antecedente, vício informativo por omissão e por comissão, dolo acidental e dever de
_568________RJLB, Ano 9 (2023), nº 1

à capacidade dos figurantes, o próprio texto do Código Civil es-


clarece no artigo 180105 que o relativamente incapaz não pode
escapar à sua responsabilidade quando ocultou dolosamente sua
idade ou declarou-a erroneamente; (iv) o prazo decadencial para
a ação anulatória por dolo (artigo 178, II do Código Civil) nasce
no dia da celebração do negócio viciado, podendo ser diferente
o dies a quo do prazo prescricional para o exercício da pretensão
reparatória em virtude de danos decorrentes do dolo (artigo 206,
§ 3º, V)106. E, como mais um reforço do argumento, é possível,
no sistema brasileiro, que a responsabilidade pelo dolo seja atri-
buível não ao outro figurante do negócio jurídico, mas a terceiro
que provocou o engano.
O regime da responsabilidade extracontratual é, por-
tanto, aplicável à figura do dolo em geral, não cabendo diferen-
ciar entre as modalidades antecedente ou contemporânea, pois,
ainda que em níveis distintos, em ambos os casos o dolo atuou
indenizar. Revista dos Tribunais, vol. 923. São Paulo, Ano 101, set./2012, p. 140
(“[…] a eficácia da cláusula de limitação não alcança os prejuízos oriundos do dolo
antecedente à formação do vínculo, tanto porque o dolo igualmente vicia a vontade
das partes no tocante à disposição contratual restritiva dos remédios jurídicos
disponíveis à parte lesada relativamente ao objeto da mentira, como porque a tentativa
de afastar as sanções jurídicas para a enganação contratual encontra limite nos
princípios da probidade e da boa-fé consagrados pelo art. 422 do CC/2002, norma de
ordem pública inderrogável pela vontade das partes”). Sobre a não incidência da
cláusula de limitação ou exoneração do dever de indenizar em face ao dolo em geral,
vide AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Parecer. Cláusula cruzada de não-indenizar
(cross-waiver of liability), ou cláusula de não-indenizar com eficácia para ambos os
contratantes. Renúncia ao Direito de indenização. Promessa de fato de terceiro.
Estipulação em favor de terceiro. In: Estudos e Pareceres de Direito Privado. São
Paulo, Saraiva, 2004, p. 202; DIAS, José de Aguiar. Cláusula de não indenizar:
chamada cláusula de irresponsabilidade. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 112-
119.
105
Código Civil brasileiro, Artigo 180: “O menor, entre dezesseis e dezoito anos, não
pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou
quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior”.
106
O STJ adota o critério do momento da ciência do lesado como o termo inicial do
prazo prescricional da responsabilidade civil por ato ilícito: “a jurisprudência desta
Corte [é] assente no sentido de que o prazo prescricional em caso de responsabilidade
civil por ato ilícito tem início da ciência do evento danoso” (AgInt nos EDcl no AREsp
nº 874.246/DF. Quarta Turma. Rel. Min Marco Buzzi. Julgado em 15.08.2017).
RJLB, Ano 9 (2023), nº 1________569_

no processo decisório do deceptus. Não se trata da violação de


termos do negócio jurídico, mas de omissão ou manobra anterior
que impactaram a tomada de decisão do contratante enganado.
Não cabe, igualmente, atribuir regime de responsabili-
dade distinto à modalidade de dolo por defeito informativo, pois,
como referido, não se trata da violação de dever específico deri-
vado do conteúdo da relação contratual (ato ilícito relativo), mas
dever legal, constante do artigo 147 do Código Civil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS.

O dolo por defeito informativo, como visto, consiste na


modalidade por meio da qual se verifica a comunicação de in-
formação errônea ou falsa ou, ainda, a omissão de informações
que provoquem o engano em outrem por ocasião da celebração
de um negócio jurídico. Esta modalidade – assim como as outras
contempladas nos artigos 145 a 150 do Código Civil brasileiro –
qualificam-se como ato ilícito.
Mais especificamente, entende-se que a ilicitude deri-
vada do comportamento doloso não resulta da violação de deve-
res oriundos do contrato, mas da mácula na formação do con-
sentimento da parte enganada (dolo invalidante) ou das condi-
ções mais desvantajosas com que o negócio foi celebrado (dolo
acidental), enquadrando-se, portanto, como ato ilícito absoluto,
e não relativo.
Na hipótese de o deceptor causar danos ao lesado em de-
corrência de dolo por defeito informativo, é adequada a aplica-
ção do regime de responsabilidade extracontratual (responsabi-
lidade aquiliana). Embora exista algum contato prévio entre o
ofensor e o enganado, sendo “algo a mais” do que o simples fato
de os figurantes viverem em sociedade, isso não significa ter
ocorrido o inadimplemento de obrigação estampada no contrato,
afastando-se, assim, o regime da responsabilidade contratual
nessas situações.
_570________RJLB, Ano 9 (2023), nº 1

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