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Tese Janaina Perrayon - Versaofinal

A tese investiga o papel das testemunhas de casamento na sociabilidade dos noivos na Freguesia da Candelária entre 1750 e 1866, utilizando registros de matrimônio do Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro. A pesquisa analisa a identidade e as trajetórias de vida dessas testemunhas, destacando sua influência como mediadores na inserção dos noivos em comunidades religiosas e sociais. O estudo revela como esses laços eram criados ou reforçados através das relações estabelecidas durante os casamentos.
Direitos autorais
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Tese Janaina Perrayon - Versaofinal

A tese investiga o papel das testemunhas de casamento na sociabilidade dos noivos na Freguesia da Candelária entre 1750 e 1866, utilizando registros de matrimônio do Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro. A pesquisa analisa a identidade e as trajetórias de vida dessas testemunhas, destacando sua influência como mediadores na inserção dos noivos em comunidades religiosas e sociais. O estudo revela como esses laços eram criados ou reforçados através das relações estabelecidas durante os casamentos.
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JANAINA CHRISTINA PERRAYON LOPES

ENLACES E NÓS: AS TESTEMUNHAS DE


CASAMENTO COMO MEIO DE INTERAÇÃO,
VÍNCULO E SOCIABILIDADE - FREGUESIA
DA CANDELÁRIA (c.1750 – c.1850)

2020
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – UNIRIO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS – CCH
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA - PPGH

ENLACES E NÓS: as testemunhas de casamento como meio de interação,


vínculo e sociabilidade - Freguesia da Candelária (c.1750 – c.1850)

Janaina Christina Perrayon Lopes

Tese de Doutorado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em
História da Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO,
como parte dos requisitos parciais à
obtenção do título de Doutora em
História

Linha de Pesquisa: Cultura, Poder e


Representações

Orientador: Prof.º Dr.º Anderson José


Machado de Oliveira

Rio de Janeiro
2020
Catalogação informatizada pelo(a)
autor(a)

Lopes, Janaina Christina Perrayon


L864 Enlaces e nós: as testemunhas de casamento como
meio de interação, vínculo e sociabilidade -
Freguesia da Candelária (c.1750 - c.1850) / Janaina
Christina Perrayon Lopes. -- Rio de Janeiro, 2020.
219 p

Orientador: Anderson José Machado de Oliveira.


Tese (Doutorado) - Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação
em História, 2020.

1. testemunha. 2. casamento. 3. interação social.


4. sociabilidade. I. Oliveira, Anderson José
Machado de, orient. II. Título.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – UNIRIO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS – CCH
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA - PPGH

Janaina Christina Perrayon Lopes

Enlaces e nós: as testemunhas de casamento como meio de interação,


vínculo e sociabilidade - Freguesia da Candelária (c.1750 – c.1850)

Tese de Doutorado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em História
da Universidade Federal do Estado do
Rio de Janeiro, como requisito para
obtenção do título de Doutora em
História.

Aprovada em 23 de março de 2020

Banca Examinadora

Profª. Drª. Sheila Siqueira de Castro Faria – Universidade Federal Fluminense


Examinador Externo

Prof. Dr. João Ribeiro Fragoso – Universidade Federal do Rio de Janeiro


Examinador Externo

Prof. Dr. Roberto Guedes Ferreira – Universidade Federal Rural do Rio de


Janeiro
Examinador Externo

Prof. Dr. Thiago Nascimento Krause – Universidade Federal do Estado do Rio


de Janeiro
Examinador Interno

Prof. Dr. Anderson José Machado de Oliveira – Universidade Federal do


Estado do Rio de Janeiro
Orientador
A Carlos Engemann e Alexandre Ribeiro (in memoria)
Agradecimentos

Começo esse texto já bastante emocionada ... Agora, ao final da pesquisa, no


momento de rememoração de todos aqueles que direta ou indiretamente ajudaram na
realização dessa empreitada, uma série de sentimentos vem à tona e confirmam minha
crença de que nunca fazemos nada sozinhos. Mesmo trabalhos individuais dependem, em
alguma medida, da cooperação e da partilha de muitos.
O fardo foi pesado, sobretudo porque o período de realização desse trabalho não
foi nada tranquilo... Junto com o cumprimento de disciplinas, realização de trabalhos,
participação em Congressos, pesquisa arquivística e redação dos capítulos, convivi com
um ambiente social e político inóspito e potencialmente capaz de nos adoecer. A vitória
e a consolidação de um projeto de poder violento e ultraliberal liderado por figuras
ineptas, foi antecedido pela demonização da atividade política, um golpe parlamentar,
pleitos em todos os níveis da federação decididos por notícias falsas, assassinato de
candidatos a vereador e de vereadora eleita. Hoje, ainda convivemos diariamente com o
desmonte do serviço público, o que me faz emocionar ainda mais, pois embora tenha sido
contemplada ao longo de toda a pesquisa com uma bolsa de estudos, não sei se ela será
reconduzida para outro aluno, tamanha a redução do número de bolsas experimentado
pelas Universidades. Por isso, hoje, agradeço a Capes pelo recurso a mim disponibilizado,
mas, ao mesmo tempo, rogo para que vocês não se esqueçam da importância do
financiamento à educação pública superior. Sem ela não iremos à lugar algum. Aproveito
aqui para agradecer ao PPGH da UniRio pela generosidade e carinho com que me
acolheram. Destaco aqui especialmente a pessoa da Priscila, secretária do Programa,
sempre muito gentil, comprometida e empática com as dificuldades dos alunos. Sei que
ela é o rosto de todo o Programa.
Mas, como disse, a lista de agradecimento é grande e sigo nela oferecendo um
agradecimento mais que especial ao meu filho. João, sua “irmãzinha Tese” nasceu!!!!
Obrigada por seu equilíbrio e compreensão diante de minhas ausências e dos rompantes
típicos de quem está à beira de enlouquecer. Mas, sobretudo, te agradeço por ter sido o
motivo pelo qual diversas vezes soube que era hora de parar. Parar de escrever e entender
que era necessário andar de bicicleta; parar de ler e sair para ir à uma festa; ou
simplesmente parar e abraçar. Sem esses momentos não teria sobrevivido.
De forma nenhuma poderia deixar de agradecer ao meu companheiro Cloviomar.
Sei que serei eterna devedora de sua presença, cumplicidade e capacidade técnica. Se não
fosse sua “vara de condão” chamada “Tabela Dinâmica”, metade do que foi descoberto
nesse trabalho simplesmente não existiria. Mas, além disso, com ele aprendi, retruquei,
chorei e conversei. Conversei muito! Conversei sobre testemunhas de casamento, filho,
escola, comerciantes, banco de dados, textos, escrita, aluguel, política, congressos,
apresentações, estrutura de capítulos, economia, cinema, Excel, Igreja, desigualdade
social, eleição, séries de tv, tabelas, Dieese, gráficos, porcentagem... Tudo isso vivido e
discutido junto e ao mesmo tempo, foi fundamental para organizar meu pensamento, para
manter minha sanidade e para a realização dessa tese.
Outra pessoa fundamental nesse processo foi Anderson, meu orientador. Sua
gentileza e tranquilidade aliadas a sua extrema competência e erudição foram essenciais
nesses anos de trabalho. Empolgado com as descobertas da pesquisa e ao mesmo tempo
extremamente ponderado em suas considerações, Anderson me concedeu verdadeiras
aulas sobre os temas e questões que foram surgindo e me surpreendendo ao longo do
trabalho, sempre com muita paciência e generosidade. Por algumas vezes fomos
companheiro de arquivo e em outros momentos tivemos a oportunidade de conversar e
comungar de aflições e afinidades políticas, o que também foi parte de minha formação.
Com ele me senti, de fato, em um processo de formação e aprendizagem e, com seu
convívio, redimensionei o que deve ser a prática de orientar. Muito obrigada por ter me
acolhido Anderson! Minha admiração e carinho serão eternos.
Não poderia deixar de lembrar também de uma série de anjos que encontrei pelos
arquivos por onde passei... Pessoas extremamente competentes e dedicadas ao ofício e
sem as quais a tarefa de investigação que nos propomos a fazer não seria levada a cabo.
Lembro-me aqui do Aluísio, funcionário da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro, já
falecido, que para mim foi mais que um arquivista. Me concedeu as primeiras noções de
paleografia e me presenteou com meu primeiro livro sobre Demografia Histórica. Depois
dele outros funcionários passaram pelo arquivo da Cúria. Cada um a seu modo sempre se
mostraram muito solícitos e até solidários com nossas agruras de pesquisador: Paulo,
Marcia e, atualmente, a Daniele deram uma importante contribuição para o caminho
trilhado por esse trabalho. No Arquivo da Irmandade do Santíssimo Sacramento da
Candelária, fui apresentada a Dona Celina, uma das arquivistas mais competentes que
tive a oportunidade de conhecer. Muito recentemente Dona Celina se aposentou, mas,
além de seu legado, deixou em seu lugar o doce e generoso Djavan. Muito obrigada pelo
acervo precioso que me apresentaram.
E, por falar em arquivo, preciso aqui não só agradecer como reverenciar a
dedicação, a competência e o trabalho impecável de Fernanda e Ariane no processo de
transcrição e alimentação do banco de dados desta tese. Foram milhares de documentos
consultados e informações digitadas meses a fio com extrema responsabilidade e afinco.
Já próximo ao fim do trabalho, Luan com sua habilidade no “R” para confeccionar mapas
de redes, foi outra ajuda valiosa e especializada. A partir do seu trabalho minha percepção
sobre a pesquisa mudou e se consolidou de vez. Todos vocês foram brilhantes!!! Sem
vocês não sei o que teria sido de mim.
Preciso lembrar também dos grupos de pesquisa por onde passei para discutir
meus textos e capítulos. No EHCAR sediado no IFCS sob a liderança de Antônio Carlos
Jucá fui recebida com extremo carinho e meu trabalho foi apreciado por pesquisadores
maravilhosos que me deram diversas sugestões e conselhos que hoje foram incorporados
no trabalho final. Obrigada Jucá, Hélida, Phelipe, Bia e Georgia pela generosidade da
troca.
No MANTO, sediado na própria UniRio, pude trocar impressões de pesquisa e
também receber preciosas contribuições e desafiadoras críticas ao trabalho. Professores
Marcos Sanches, Thiago Krause, Maria Isabel e Claudia Rodrigues, saibam que vocês
também fizeram parte da construção desse trabalho. Obrigada à todos.
Ao longo desses anos de doutorado compartilhei o mesmo orientador com Ione,
Glícia e Alaíse, queridas companheiras de “barco”, com quem comunguei as aflições,
dúvidas e medos inerentes a esse processo. Ione foi quem intermediou meu contato com
Anderson e incentivou com veemência minha inscrição no processo seletivo. Além delas,
Conceição foi outra querida companheira de turma com quem rapidamente me afinei e de
quem sempre recebi muito carinho e incentivo. Serei sempre grata à vocês pela
generosidade e companheirismo.
Durante esses anos, fiz meus companheiros de trabalho e de viagem para
Petrópolis ouvirem muito sobre minhas inquietações e descobertas de pesquisa. Aprendi
muito com Amanda, Raquel, Tadeu, Marcos e Denise ao longo desse tempo. Nunca
pensei que História, Comunicação e Música podiam se dar tão bem. Obrigada pela
companhia.
Durante todo esse percurso meu corpo deu sinais de cansaço e esgotamento. Perdi
amigos preciosos ao longo desse caminho e sabia o quanto o meio acadêmico poderia ser
letal caso eu permitisse. Sabia que precisaria de ajuda profissional continuada e encontrei
no Pilates um ponto de equilíbrio para a recarga de energia e força. Priscila, suas mãos
“santas” de fisioterapeuta e sua competência operaram milagres. Sem elas acho que teria
sucumbido no meio do caminho. Muito obrigada.
À minha família, mãe, pai e Makel, que nunca compreenderam muito bem o que
significava fazer esse “tal doutorado”, mas sempre aceitaram e respeitaram minhas
opções na vida, agradeço por aguentar, mesmo sem entender, todas as minhas ausências.
Sei que, no fundo, vocês sabiam o quanto essa etapa era importante pra mim. Obrigada.
Etapa concluída. Vocês são minhas testemunhas!
Resumo

Enlaces e nós: as testemunhas de casamento como meio de interação, vínculo e


sociabilidade - Freguesia da Candelária (c.1750 – c.1850)
O presente trabalho investiga o papel desempenhado pelas testemunhas de casamento no
processo de sociabilidade experimentado pelos noivos presentes nos registros de
casamento da Freguesia da Candelária, entre os anos de 1750 e 1866. Para tanto,
utilizamos como base todos os registros de matrimônio referente a essa Freguesia neste
período, depositados no Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro. Em seguida,
de posse dessas informações e dos nomes das testemunhas mais recorrentes cruzamos tais
informações com outros registros eclesiásticos e cartorários fornecidos pelas mais
variadas fontes de informações, de modo a delinear melhor a identidade desses
personagens, suas trajetórias de vida e as redes de relações nos quais estavam inseridos.
Identificado o perfil prestigioso da maioria dessas testemunhas e seus vínculos com a
Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária, abordamos papel de mediadores que
estes personagens cumpriram, servindo de veículo de inserção dos noivos que os
convocaram não só a uma comunidade religiosa, como também a uma rede social no qual
laços eram criados ou reforçados.

Palavras chave: testemunha; casamento; interação social; sociabilidade.


Abstract

Marriages and knots: wedding witnesses as a means of interaction, bonding and


sociability - Parish of Candelária - RJ (c.1750 - c.1850)

The present work investigates the role played by the wedding witnesses in the sociability
process experienced by the bride and groom present in the marriage records of the Parish
of Candelária (Rio de Janeiro), between the years 1750 and 1866. For that, we use as a
base all the marriage records referring to this Parish in this period, deposited in the
Archive of the Metropolitan Curia of Rio de Janeiro. Then, having this information and
the names of the most recurring witnesses, we cross-refer that information with other
ecclesiastical and notary records provided by the most varied sources of information, in
order to better delineate the identity of these characters, their life trajectories and the
networks of relationships in which they were inserted. Having identified the prestigious
profile of the majority of these witnesses and their ties to the Brotherhood of the Blessed
Sacrament of Candelária, we approached the role of mediators that these characters
fulfilled, serving as a vehicle for the insertion of the bride and groom who summoned
them not only to a religious community, but also to a social network in which bonds were
created or strengthened.

Keywords: witness; marriage; social interaction; sociability.


Lista de Gráficos

Gráfico 1 – Distribuição dos Casamentos da Freguesia da Candelária de acordo a


localização dentro ou fora da Freguesia (c.1750-c.1866)............................................... 50
Gráfico 2 - Flutuações das entradas de navios negreiros no porto do Rio de Janeiro (1796-
1830) ............................................................................................................................... 69
Gráfico 3 – Distribuição do n° de casamentos dentro e fora da Freguesia da Candelária
por décadas (1750-1866) ................................................................................................ 73
Gráfico 4 – Número de Casamentos por faixa de Testemunhas na Freguesia da Candelária
(1750 a 1866) ................................................................................................................ 114
Gráfico 5 - Situação jurídica dos noivos relacionadas às testemunhas escolhidas que se
casaram na Freg. Candelária ......................................................................................... 144
Gráfico 6 - Situação jurídica dos noivos na população total que se casou na Freg.
Candelária ..................................................................................................................... 145
Gráfico 7 - Naturalidade dos noivos relacionados às testemunhas mais frequentes –
Freguesia da Candelária (1750 a 1866) ........................................................................ 148
Gráfico 8 - Naturalidade dos noivos na população total de escravos e forros que se
casaram na Freguesia da Candelária (1750 a 1866) ..................................................... 149
Gráfico 9 - Relações e frequencias entre as testemunhas de casamento mais recorrentes -
Freguesia da Candelária (1750-1866)........................................................................... 160
Gráfico 10 - Os noivos e as testemunhas de casamento vinculadas a Braz Carneiro Leão
– Freguesia da Candelária (1750-1866)........................................................................ 171
Gráfico 11 - Os noivos e as testemunhas de casamento vinculadas a Antônio Gomes
Barroso – Freguesia da Candelária (1750-1866) .......................................................... 172
Gráfico 12 - Os noivos e as testemunhas de casamento vinculadas a Anacleto Elias da
Fonseca – Freguesia da Candelária (1750-1866) ......................................................... 172
Gráfico 13 - Os noivos e as testemunhas de casamento vinculadas a Antônio Luiz de
Andrade – Freguesia da Candelária (1750-1866) ......................................................... 179
Gráfico 14 - Os noivos e as testemunhas de casamento vinculadas a Mathias Gonçalves
Ferreira– Freguesia da Candelária (1750-1866) ........................................................... 183
Lista de Tabelas

Tabela 1 - Número de habitantes na Cidade do Rio de Janeiro, Escravos na Cidade do


Rio de Janeiro e na Freguesia da Candelária nos anos de 1799, 1821, 1838 e 1849 ..... 72
Tabela 2 – Classificação da ocupação/título dos Provedores da Freguesia da Candelária,
1750 a 1866 .................................................................................................................... 83
Tabela 3 - Situação jurídica dos noivos que tiveram Igrejas como local de cerimônia -
Freguesia da Candelária (1750-1866)............................................................................. 87
Tabela 4 – Número de noivos distribuídos de acordo ao local de casamentos realizados
dentro da Freguesia ......................................................................................................... 91
Tabela 5 – Número de casamentos relacionados as testemunhas mais frequentes -
Freguesia da Candelária (1750 a 1866) ........................................................................ 128
Tabela 6 – Nome e ocupação relacionadas as testemunhas mais frequentes - Freguesia da
Candelária (1750 a 1866) ............................................................................................. 131
Tabela 7 - Período em que ocorreram os casamentos envolvidos com as testemunhas
mais recorrentes - Freguesia da Candelária (1750 a 1866) .......................................... 139
Tabela 8 - N° de vezes em que as testemunhas recorrentes formaram par entre si -
Freguesia da Candelária (1750 a 1866) ........................................................................ 141
Tabela 9 - Situação jurídica dos noivos (homens e mulheres) envolvidos com as
testemunhas recorrentes - Freguesia da Candelária (1750 a 1866) .............................. 143
Tabela 10 - Naturalidade dos noivos envolvidos com as testemunhas recorrentes -
Freguesia da Candelária (1750 a 1866) ........................................................................ 147
Lista de Figuras

Figura 1 - “Casamento de negros de uma casa rica” ..................................................... 25


Figura 2 – Uma venda na cidade ................................................................................... 63
Figura 3 - Árvore Genealógica de Antônio Luiz de Andrade ..................................... 187
Lista de Mapas

Mapa 1 – “Planta da cidade do Rio de Janeiro” (1767) ................................................. 55


Mapa 2 – Planta da cidade do Rio de Janeiro (1817) ................................................... 68
Lista de Abreviaturas

ACMRJ – Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro


AFBMP – Arquivo Francisco Batista Marques Pinheiro
AHU – Arquivo Histórico Ultramarino
AN – Arquivo Nacional
ATT – Arquivo da Torre do Tombo
HM – Habilitação Matrimonial
HS – Habilitações Sacerdotais
IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
ISSC – Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária
Sumário

Introdução.................................................................................................................... 15
Capítulo 1 - O matrimônio como aliança e a testemunha como “problema” .............. 23
1.1. Matrimônio: ato de vontade, sacramento e fonte .............................................. 26
1.2. A descoberta das testemunhas como “problema” ............................................. 42
Capítulo 2 - A geografia dos casamentos .................................................................... 47
2.1. A cidade e a rua como espaço da festa e da religiosidade ................................ 57
2.2. A cidade e a freguesia: espaços em mudança ................................................... 64
2.3. A geografia religiosa: o local das cerimônias de casamento ............................ 75
2.3.1. As Irmandades e o Santíssimo Sacramento da Candelária ..................... 76
2.3.2. A Matriz, as Capelas e os oratórios ......................................................... 84
Capítulo 3 - A testemunha e o ato de testemunhar ...................................................... 95
3.1. A testemunha no Período Moderno ................................................................ 100
3.2. A Prática do Testemunhar ............................................................................... 108
3.3. As testemunhas de casamento na Freguesia da Candelária ............................ 114
Capítulo 4 - Alianças e escolhas: o perfil das testemunhas recorrentes e seus casais123
4.1. Em torno da repetição ..................................................................................... 123
4.2. Em torno das ocupações.................................................................................. 130
4.3. As testemunhas em par ................................................................................... 140
4.4. A repetição das testemunhas e o perfil dos noivos ......................................... 142
Capítulo 5 - Enlaces e nós: as testemunhas de casamento como meio de interação,
vínculo e sociabilidade .............................................................................................. 154
5.1. As testemunhas em perspectiva relacional: o grupo dos negociantes............. 162
5.2. Fragmentos e nós de rede: Antônio Luiz de Andrade e os andadores ............ 174
Conclusão .................................................................................................................. 191
Referências Bibliográficas ........................................................................................ 197
Anexo ........................................................................................................................ 212
Introdução

A prova testemunhal bem como a validação de atos e documentos por meio da


ação de testemunhas esteve presente em diferentes sistemas jurídicos ao longo da
História. No Antigo Regime europeu e especialmente na península Ibérica a exigência da
presença da testemunha estava prevista tanto na legislação do Reino, consubstanciada nas
diversas ordenações portuguesas, quanto na legislação eclesiástica, manifesta nos
documentos conciliares e sinodais ou no próprio Direito Canônico.1
A América portuguesa, herdeira da tradição legislativa e religiosa de sua
metrópole, produziu um sem número de documentos nos quais é possível investigar a
importância e valor da testemunha e do ato de testemunhar em função da quase
onipresença desse personagem em documentações de natureza diversa. A partir de
depoimentos orais, posteriormente transcritos, ou de sua presença e assinatura em atas, as
testemunhas podem ser encontradas em diferentes ações judiciais cíveis e criminais, bem
como em processos de habilitações para familiares do Santo Ofício, habilitações
sacerdotais ou ainda em Registros de Matrimônio. Desse modo, engana-se quem acredita
tratar-se de objeto limitado apenas ao interesse da História do Direito. A testemunha e o
ato de testemunhar, ao contrário, são igualmente valorosos às Ciências sociais como um
todo, especialmente à Antropologia e à História social.
O dia-a-dia colonial produziu, por meio de seu aparato burocrático, a necessidade
da presença e do convívio constante com a figura da testemunha o que, desse modo,
oferece ao cientista social o desafio de perceber em que medida sua escolha, presença e
depoimento são reveladores desse cotidiano. Não é improvável inferir que para além da
execução prática da função de testemunha ocular ou validador burocrático, tal figura
requeria para ser demandado, um mínimo de relação, conhecimento e proximidade com
aquele ou aqueles para quem prestou o serviço do testemunho. O respeito e a credibilidade
perante sua comunidade também deviam ser atributos necessários para sua convocação e
aceitação.2 Sendo assim, um olhar mais cuidadoso sobre essas pessoas é certamente
revelador de relação de confiança, amizade e vizinhança. Foi partindo dessas premissas

1
ALTAVILA, Jayme de. A testemunha na História e no Direito. São Paulo: Ed. Melhoramentos, 1967.
2
OLIVAL, Fernanda; GARCIA, Leonor Dias; LOPES, Bruno; SEQUEIRA, Ofélia, “Testemunhar e ser
testemunha em processos de habilitação (Portugal, século XVIII)”. In: OLIVAL, Fernanda; FIGUEIRÔA-
REGO, João. Honra e Sociedade no mundo ibérico e ultramarino: Inquisições e Ordens Militares - séculos
XVI-XIX. Lisboa: Caleidoscópio, 2013.

15
que nos debruçamos sobre as testemunhas de casamento presentes em todos os registros
de Matrimônio da Freguesia da Candelária entre os anos de 1750 e 1866.
As Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, seguindo a linha da
legislação eclesiástica que a antecedeu, determinavam que a ausência de testemunha na
cerimônia de casamento tornava o ato nulo.3 Sendo assim, há uma profusão desses
personagens nos milhares de casamentos que revelam seus nomes a partir de suas
assinaturas registradas em ata. Além das identidades dos noivos, seus pais, seus senhores
e ex-senhores em caso de nubentes escravos ou forros, os nomes das testemunhas se
destacam nos assentos paroquiais de matrimônio pelo fato de serem, por vezes, as únicas
assinaturas no documento além daquelas que designam o celebrante e o responsável pelo
assento.
Após a devida tabulação daquelas informações encontradas nos registros de forma
reiterada, incluindo aí o nome das testemunhas, um elemento saltou aos olhos: a
reincidência de alguns desses personagens cumprindo esse mesmo papel em cerimônias
distintas ao longo de alguns anos. A partir daí o grande desafio desse trabalho passou a
ser descobrir quem foram esses personagens.
Um questionamento presente ao longo de toda a pesquisa e norteador do itinerário
da investigação esteve relacionado à desconfiança de que tais testemunhas de casamento
não cumpriam apenas funções estritamente burocráticas ou religiosas, mas também, e,
sobretudo, atribuições sociais. Esses personagens, recorrentemente chamados a
testemunhar inúmeros matrimônios eram, potencialmente, veículo de inserção dos noivos
que os convocaram não só a uma comunidade religiosa, como também a uma rede social
mais ampla composta pelas próprias testemunhas em que laços eram criados ou
reforçados. Somou-se a isso a desconfiança de que a escolha dessas testemunhas teria
obedecido, em alguma medida, a critérios socioeconômicos com vistas ao
estabelecimento ou reforço desses laços de solidariedade. Desse modo, ao longo da
pesquisa e a cada passo dado na investigação, tornava-se mais evidente a relação entre a
descoberta das identidades e conexões desses personagens com o entendimento mais
apurado sobre a prática e o significado social do ato de testemunhar nesse período.
A investigação acerca desses personagens passou primeiramente por uma
dimensão quantitativa, em uma análise voltada para seu comportamento e padrões de
recorrência circunscrita aos dados revelados pelo próprio banco de dados. Nessa fase

3
VIDE, D. Sebastião Monteiro da. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. São Paulo:
Typografhia 2 de Dezembro, 1853.

16
buscamos quantificar e delimitar o período das repetições, bem como identificar o perfil
dos noivos aos quais estavam vinculados. Somente em seguida, passamos para etapa
qualitativa da apreciação dessas testemunhas recorrentes de modo a tentar reconstituir
não só o perfil sócio econômico desses personagens como também suas conexões sociais
e trajetórias individuais.
Para tanto, além da busca nominal por essas testemunhas no próprio banco de
dados cumprindo outra função, tornou-se imperativa a necessidade da busca por novas
informações sobre eles em fontes de natureza diversa.4 Mantendo como referência seus
nomes, cruzamos as informações contidas nos registros de casamento com outros
registros eclesiásticos e cartorários fornecidos pelas mais variadas fontes de informações.
Os Inventários post-mortem disponíveis no Arquivo Nacional foram preciosos
para a continuação da etapa qualitativa da investigação. Tais documentos revelaram não
só os bens deixados pelos defuntos como eventualmente informações sobre nascimento e
óbito. Além disso, nos permitiu descortinar alguns laços familiares e sociais desses
personagens e remontar ao menos parte de suas histórias de vida.
Boa parte da carência de informação ou lacunas ainda presentes na pesquisa após
a empreitada sobre os Inventários foram dirimidas após a consulta realizada no “Banco
de dados Estrutura fundiária do recôncavo da Guanabara” formulado por Maurício de
Abreu. Depositado e estruturado para consulta em um sítio autônomo na Internet, tal
acervo é um verdadeiro manancial de informações cuidadosamente catalogado com as
referências precisas da localização dos documentos originais. Além disso, como se não
bastasse todo preciosismo e generosidade no trato e disponibilização das fontes, o site nos
dá a possibilidade de busca nominal, o que transformou os dados disponíveis em corpus
documental fundamental para a pesquisa.
Outro conjunto de documento precioso foi a série de edições do Almanaque
Laemert publicados entre 1844 e 1889, cujo acervo com 46 edições foi disponibilizado
pela Fundação Biblioteca Nacional por meio de seu sítio de Internet. Também aqui, a
possibilidade de busca nominal no acervo digitalizado contribuiu em muito para a
identificação das ocupações e titulações das testemunhas investigadas, pois, a cada ano
de publicação, não só a lista de funcionários da corte e do corpo burocrático imperial, mas

4
FRAGOSO, João. “Apontamentos para uma metodologia em História Social a partir de assentos
paroquiais (Rio de Janeiro, séculos XVII e XVIII)”. In: FRAGOSO, João; GUEDES, Roberto; SAMPAIO,
Antônio Carlos Jucá (orgs.). Arquivos paroquiais e História Social na América Lusa, séculos XVII e XVIII:
métodos e técnicas de pesquisa na reinvenção de um corpus documental. Rio de Janeiro: Mauad X, 2014.

17
também a lista de negociantes e donos de comércio com a designação de suas atividades
e, por vezes, seus respectivos endereços.
Por fim, a busca por esses personagens encontrou na Irmandade do Santíssimo
Sacramento da Candelária o melhor e mais surpreendente dos sítios arquivísticos que
tivemos contato. Desde o início da pesquisa havia uma suspeita sobre a possível relação
entre essas testemunhas de casamento com a Irmandade abrigada pela Matriz da
Freguesia da Candelária. Nenhuma evidência concreta, apenas intuição. O instinto virou
curiosidade que, em seguida tornou-se um ímpeto de visita ao prédio da referida
Irmandade. Qual não foi minha surpresa: descobrimos a existência do Arquivo Francisco
Batista Marques Pinheiro onde toda a documentação referente a Irmandade do Santíssimo
Sacramento da Candelária se encontra caprichosamente guardada e sob os cuidados da
zelosa e amabilíssima Dona Celina. O desejo de consulta à documentação foi pronta e
gentilmente acolhido não só em função da disposição em ajudar por parte dos
funcionários, mas também pela extrema organização e maestria no trato com a
documentação dispensada pela equipe de arquivistas. No acervo encontramos os
Compromisso e Estatutos da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária de 1756
à 2004 e as Atas da Mesa Administrativa da Irmandade do Santíssimo Sacramento da
Freguesia de N. S. da Candelária de 1775 à 1834 em dois volumes, todos cuidadosamente
transcritos, digitados e devidamente encadernados por Dona Celina com vistas a
preservação da documentação original. Um trabalho fabuloso que incluí também uma
Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da Irmandade do Santíssimo
Sacramento da Candelária de 1683-2009, fruto do esforço dessa funcionária da
Instituição.
O contato e a exploração da documentação referente a Irmandade recolocou a
pesquisa sob novas bases de investigação pois, na medida em que a busca pelas
testemunhas no material disponível avançava a descoberta da presença desses
personagens em diversos cargos da instituição se avolumava. Desse modo, aos poucos, a
Irmandade foi ocupando um lugar importante na reconstituição do perfil sócio econômico
dessas testemunhas bem como das conexões existente entre as mesmas a partir do vínculo
comum com a Instituição.
Aos poucos, percebemos que os vínculos entre noivos e testemunhas e a
reconstituição da construção desses laços seriam mais difíceis de serem reconstituídas.
Apesar da diversidade da documentação utilizada a principal dificuldade girou em torno
da quantidade de personagens que precisariam ser investigados em uma pesquisa nominal

18
e qualitativa; necessitaríamos dispor de outros bancos de dados de assentos eclesiásticos
diversos como batismo e óbito de diversas Freguesias e não só da Candelária. Além disso,
os banhos de casamento, uma fonte preciosa e que poderia auxiliar sobremaneira, ainda
não tem seu catálogo disponível no Arquivo da Cúria Metropolitana da cidade, o que
tornou a busca nominal praticamente impossível diante da imensidão de documentos
existentes.
De todo modo, ao longo da investigação e do manejo com as diversas fontes
utilizadas foi se tornando cada vez mais clara a contribuição historiográfica do trabalho
no sentido não só de uma inovadora aproximação com as testemunhas de casamento, mas
também da exploração de documentos inéditos referentes à uma Instituição que ainda não
havia sido observada, embora bastante conhecida, como a Irmandade do Santíssimo
Sacramento da Candelária.
É importante ressaltar que todos os casamentos analisados aqui, inclusive aqueles
nos quais tais testemunhas tornaram-se parte, são entendidos como ocasião privilegiada
para o estabelecimento ou reforço de alianças não apenas entre os noivos, mas entre esses
e as testemunhas e, além disso, entre as próprias testemunhas. Nesse sentido, um dos
pressupostos básicos, de grande valor para o nosso trabalho, é o de que as estruturas
sociais são, na verdade, e até certo ponto, um conjunto de redes estabelecidas pelos
indivíduos a partir de seus próprios desejos e interesses.5 Segundo Michel Bertrand essas
redes são estruturantes da malha social por meio das quais os atores sociais se informam
e atuam participando, assim, de uma cadeia de interdependência. 6 Para o autor as redes
sociais possuem três dimensões morfológicas. Na medida em que é constituída por um
conjunto de pontos e linhas que materializam as relações entre os indivíduos, se segue a
constituição de um sistema de intercâmbios por onde circulam bens e serviços que, por
sua vez, se caracterizam pela versatilidade e variedade de laços.7
Desse modo, o cotidiano relacional entre agentes simétricos ou não, do ponto de
vista dos recursos materiais ou simbólicos, acaba gerando diferentes círculos de interação
social com qualidades e densidades diferentes. Observando o tipo, a frequência e a
intensidade dos vínculos que estabelece com os demais, podemos identificar algumas

5
BERTRAND, Michel. “De la família a la red de sociabilidade”. In: Revista Mexicana de Sociologia.
México: vol. 61, núm. 2 abril-junio, 1999.
6
BERTRAND, Michel. “De la família a la red de sociabilidade”. In: Revista Mexicana de Sociologia.
México: vol. 61, núm. 2 abril-junio, 1999. p.114.
7
BERTRAND, Michel. “Del atctor a la red: análises de redes e interdisciplinaridade.” In.: Nuevo mundo
Mundos novos. Colóquios, 2009. pp. 5-6.

19
pessoas cumprindo o papel de ponte entre diferentes grupos, verdadeiros mediadores
sociais8 com mais ou menos preponderância nesse sistema relacional.9
Desse modo, perceber a recorrência de algumas testemunhas cumprindo essa
mesma função ao longo de anos, distinguir diferentes perfis socioeconômicos de noivos
associados a eles e descobrir que boa parte deles mantinha vínculos com a Irmandade e
se conheciam, nos fez interpreta-las como uma espécie de ponto de interseção e vínculo
entre diferentes grupos sociais. Personagem que, ao longo do tempo acabaram
consolidando um importante papel de nós entre fragmentos de redes distintos. Não por
acaso o título do presente trabalho é Enlaces e nós: as testemunhas de casamento como
meio de interação, vínculo e sociabilidade - Freguesia da Candelária (c.1750-c.1850)
Para levar a cabo a análise tal como pretendíamos, o trabalho foi disposto em cinco
capítulos. No primeiro intitulado “O matrimônio como aliança e a testemunha como
problema” traçamos a trajetória da produção social dos registros de casamento e a
transformação deles em fonte de pesquisa. Além disso, buscamos apresentar as tais uniões
não só como sacramento, mas também e, sobretudo, como ocasião privilegiada para a
construção ou reforço de alianças sociais, trocas e solidariedades. Ainda nesse capítulo
apresentamos a forma como a testemunha de casamento transformou-se, ao longo da
pesquisa, no objeto principal do trabalho.
Na sequência, o segundo capítulo, intitulado “A geografia dos casamentos”, busca
mapear o local onde os matrimônios analisados ocorreram, de modo a entender melhor
tanto as características da cidade e da freguesia, como a influência de sua dinâmica
socioeconômica e religiosa na vida cotidiana dos atores sociais envolvidos nessas
cerimônias. Além disso, procuramos considerar o impacto das mudanças experimentadas
pelo Rio de Janeiro entre os séculos XVIII e XIX nas relações forjadas nesse espaço
geográfico. A geografia religiosa também é contemplada nesse capítulo, ou seja, os locais
de culto e vivência devocionais são mapeados de modo a facilitar a compreensão da
disposição espacial, da dinâmica e da importância destes espaços na sociabilidade dos
atores sociais envolvidos. A Matriz da Candelária, as capelas e especialmente a
Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária, começarão a ser considerados não
apenas como locais de práticas estritamente religiosas, mas como palco de sociabilidade

8
BERTRAND, Michel. “Del atctor a la red: análises de redes e interdisciplinaridade.” In: Nuevo mundo
Mundos novos. Colóquios, 2009.
9
SIMMEL, Georg. Sociologia. 1908, apud: WAIZBORT, Leopoldo. “Elias e Simmel”. In: WAIZBORT,
Leopoldo (org.) Dossiê Norbert Elias. São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo, 1999.

20
em geral. Pari passu analisamos o comportamento dos casamentos realizados na
Freguesia tomando como parâmetro a informação contida no documento quanto ao local
onde a cerimônia foi realizada e levando em consideração os aspectos relativos à dinâmica
e aos traços distintivos da cidade.
O terceiro capítulo intitula-se “A testemunha e o ato de testemunhar”. Neste
buscaremos, portanto, entender em diferentes legislações e as atribuições conferidas à
testemunha, bem como as diversas concepções de prova testemunhal elaboradas ao longo
do tempo, sobretudo na Europa Moderna onde encontraremos as bases para o
entendimento do ato de testemunhar, como também na América portuguesa. Além disso,
buscaremos dar contornos mais claros a esses personagens a partir, especificamente, das
testemunhas de casamento encontradas na Freguesia da Candelária entre a segunda
metade do século XVIII e primeira metade do século XIX.
No penúltimo capítulo, “Alianças e escolhas: o perfil das testemunhas recorrentes
e seus casais” o esforço de investigação incidiu sobre a identificação e reconhecimento
das testemunhas recorrentes e seus respectivos noivos registrados nos assentos de
casamento. Identificados os nomes, recorremos a novas fontes de pesquisa nos
debruçando, sobretudo, em inventários post mortem, documentos referentes à irmandade
do Santíssimo Sacramento da Candelária e registros de compra e venda de terras, a fim
de começar a traçar melhor as identidades e os perfis de tais personagens. Fazendo isso,
buscamos caracterizar melhor o significado do comportamento reiterado desses
personagens que estiveram presentes em inúmeras cerimônias em diversos momentos
com diferentes casais.
Enfim, no quinto e último capítulo que empresta o título à tese “Enlaces e nós: as
testemunhas de casamento como meio de interação, vínculo e sociabilidade”,
identificamos e qualificamos melhor as interações reveladas pelos registros de
matrimônio da Candelária colocando-os em perspectiva. Nessa etapa do trabalho
lançamos luz não só sobre os vínculos que unem casais e testemunhas, mas também nas
relações entre as testemunhas ao longo do tempo. Para tanto, continuamos a recorrer ao
cruzamento com fontes de natureza variada, principalmente as Atas e Compromisso da
Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária, de modo a ampliar a observação das
relações cotidianas reveladas pelos vestígios deixados por esses agentes históricos em
diferentes documentos ao longo de quase cem anos. Sendo assim, procuramos desvelar
os fragmentos de redes gerados pelas inúmeras interações dessas testemunhas, levando

21
em conta tanto a frequência quanto a regularidade dos vínculos gerados por eles em
lugares e tempos distintos.

22
Capítulo 1 - O matrimônio como aliança e a testemunha como “problema”

Nas relações de parentesco, em geral, estão contidos elementos tanto biológicos


quanto sociais, na medida em que podem ser definidos pelo conjunto de relações de
filiação e diferentes tipos de alianças estabelecidas entre os indivíduos. Diferentemente
da consanguinidade e da germanidade, no casamento e nos laços que unem um homem e
uma mulher estão presentes componentes exclusivamente sociais, que podem ser
norteados por diferentes critérios de escolha. Porém, vale ressaltar que essa forma de
constituir parentesco dá origem a novos graus de consanguinidade e afinidade.
Levi-Straus, tomando de empréstimo o conceito de dádiva desenvolvido por
Marcel Mauss - cuja ideia de dar, receber e retribuir está na base da organização social -
entende que o casamento deve ser visto, antes de tudo, como uma forma de troca
simbólica. Segundo Strauss, a partir da instituição do tabu do incesto, trocam-se mulheres
entre grupos sociais e organizações parentais diferentes, com o objetivo de ampliar a
capacidade genésica do grupo, e não só por isso, mas, sobretudo, para se estabelecer
alianças políticas.10
Ao estabelecer a separação entre natureza e cultura, Strauss nos ajuda a perceber
o quanto a família deve ser vista como uma unidade social e não somente biológica, pois,
com a troca de mulheres, o homem se comunica com outra família: proibido de casar com
sua irmã, este é obrigado a dá-la em casamento para um homem de outra família e, ao
mesmo tempo, recebe de outro homem sua irmã em troca. Estabelece-se, assim, uma
relação e um sistema de reciprocidade. Desse modo, as uniões conjugais e, por
conseguinte, as famílias, passam a ser vistos como constitutivos de um sistema de
comunicação que operando a partir do princípio da dádiva, estabelecem uma forma de
organização social. O casamento, nessa perspectiva, é ocasião privilegiada para a
construção de alianças sociais, trocas e solidariedades.11
As várias manifestações dessas uniões conjugais deixam vestígios que podem ser
utilizados de diferentes maneiras, não só pela Antropologia como também por diversas
outras áreas do conhecimento. O matrimônio pode se constituir como parte, por exemplo,
das pesquisas em Ciência da Religião, preocupadas com as questões referentes ao

10
LÉVI-STRAUSS, Claude. As estruturas elementares do parentesco. Petrópolis, Ed. Vozes, 6ª edição,
Coleção Antropologia, 2010.
11
ZONABEND, Françoise. Da família: olhar etnológico sobre o parentesco e a família. In: BURGUIÉRE,
André (et.al). História da Família: mundos longínquos, mundos antigos. Rio de Janeiro: Ed. Terramar:
1998, p.30.

23
fenômeno religioso e suas expressões em diferentes contextos históricos, sociais e
culturais; assim como, nos trabalhos ligados a História das Religiões, debruçando-se
sobre o processo de transformação por que passam as religiões e suas instituições. Porém,
sua exploração também pode estar no bojo das investigações acerca da sociedade que o
pratica, pois, quando tomado como uma prática social - sob a influência de imperativos
de ordem religiosa, econômica, política e cultural - revela indícios sobre o contexto social
circundante.
Na América Portuguesa, tanto para os africanos e seus descendentes, forçados ao
longo de centenas de anos a desembarcar em terras coloniais na condição de cativos, como
para os Portugueses, aprender a melhor maneira de sobreviver no novo ambiente e tornar-
se aos poucos parte da sociedade brasileira passava, com certeza, pelo estabelecimento
de laços de natureza diversa. Nesse sentido, as relações de amizade bem como o
parentesco consanguíneo ou putativo se constituíram em elementos fundamentais em
processos de sociabilidade. A constituição de uma família a partir do casamento e os
laços estabelecidos por um casal com outros homens e mulheres escravos, forros ou livres
no matrimônio podia ser um caminho possível para o estabelecimento ou consolidação
de uma vivência comunitária. E, além disso, tais vínculos parentais, bem como as redes
de solidariedade construídas a partir deles, certamente foram formados a partir de
escolhas orientadas por critérios diversos.
Desse modo, as experiências dos noivos que buscaram sancionar suas uniões por
meio do matrimônio católico na freguesia da Candelária entre a segunda metade do século
XVIII e início do século XIX, nos dão pistas sobre as possíveis estratégias utilizadas por
esses homens e mulheres para alcançar ou reforçar seus vínculos sociais.
Sabemos que, para além dos assentos matrimoniais, temos poucos vestígios acerca
de vivências cotidianas em torno das cerimônias de casamento católica. Talvez o único
relato de tal prática tenha sido registrado por Jean Baptiste Debret em sua já célebre
aquarela “Casamento de negros de uma casa rica” que compõe, junto com outras 153
pranchas, sua obra “Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil” publicada em Paris, após sua
estada no Brasil.12 A partir de uma eximia capacidade de incorporar a dinâmica social do
Rio de Janeiro aos retratos que pintou de cenas típicas de seu cotidiano, Debret registrou
aspectos variados da cidade ao longo dos 15 anos de sua permanência, o que deu à suas
obras um caráter reconhecidamente documental.

12
DEBRET, Jean B. Viagem Histórica e pitoresca ao Brasil. São Paulo: Martins Fontes/EDUSP, 1972,
p.174.

24
Figura 1 - “Casamento de negros de uma casa rica”

Fonte: DEBRET, Jean B. “Casamento de negros de uma casa rica”. In: Viagem Histórica e
pitoresca ao Brasil. São Paulo: Martins Fontes/EDUSP, 1972.

A prancha pintada pelo artista, acerca de um enlace matrimonial entre escravos,


retrata uma cena passada na entrada da nave de uma igreja que o pintor não menciona, no
comentário que acompanha a obra, o templo que inspirou o retrato. No entanto, tal
episódio poderia perfeitamente ter se passado em qualquer igreja da cidade, inclusive a
Candelária. Segundo autor,
“O momento representado é o da benção do laço conjugal, cujo
cerimonial consiste em o futuro esposo colocar a mão sob a
extremidade da estola apresentada pelo padre, e a noiva colocar
a sua por cima, sendo ambas envolvidas pela fita, no momento
da benção. Para abreviar a cerimônia, o oficiante faz a exortação
geral e dá em seguida a benção nupcial a cada grupo em
particular. O padrinho (cocheiro) assiste a uma distância
respeitosa”.13

A partir do retrato de um casamento coletivo entre nubentes escravos, Debret nos


descreveu parte do itinerário da cerimônia de um matrimônio católico e, além disso, expôs
um cenário, no qual estavam imersos três personagens retratados como basilares: o padre,
os noivos, e a testemunha que Debret chamou de padrinho. No entanto sabemos que tal
cena não foi incomum em solos coloniais. Os livros de assento matrimonial de todo o

13
DEBRET, Jean B. Viagem Histórica e pitoresca ao Brasil. São Paulo: Martins Fontes/EDUSP, 1972, pp.
175-176.

25
período colonial estão recheados de apontamentos que registram experiências parecidas
com essas, nas quais diversos nomes de homens e mulheres, forros, escravos e livres, das
mais variadas origens, são descritos cumprindo esses mesmos papeis.
Debret chegou ao Rio de Janeiro com a Missão Artística Francesa em 1816 e só
retornou a França em 1831, tempo suficiente para que presenciasse ou ouvisse falar de
inúmeras cerimônias com essas mesmas características nas mais diversas igrejas da
cidade. Experiências semelhantes àquela retratada por Debret foram transformadas em
assentos e reunidos em livros paroquiais de casamentos, e diversos homens e mulheres
que um dia assumiram o papel de padre, noivo, noiva e testemunhas em uma cerimônia
de casamento foram convertidos em letra morta.

1.1. Matrimônio: ato de vontade, sacramento e fonte

A prática adotada pela Igreja Católica em meados do século XVI de registrar os


sacramentos recebidos pelos católicos de forma padronizada e organizada transformou
esses assentos paroquiais em fontes privilegiadas de informações sobre as populações do
passado. Conforme veremos mais adiante, os dados disponíveis nessa documentação se
prestam ao entendimento não só das práticas religiosas propriamente ditas, como também
dos aspectos demográficos e sócio culturais dessas sociedades.
A influência da Igreja Católica na escravidão forjada em solos coloniais nos
permite pensar na especificidade trazida pela catolicidade não só na relação entre
senhores e escravos como também entre as demais camadas sociais. Sabemos que entre
os escravos e forros, vários poderiam ser os caminhos para alcançar algum nível de
distinção e mobilidade social como a especialização profissional e o acesso à terra. No
entanto, a escolha feita por alguns escravos e forros em sancionar suas uniões sob a
benção da Igreja Católica era uma maneira de compartilhar dos códigos religiosos
dominantes e, consequentemente também obter algum tipo de distinção, sobretudo entre
seus pares.
Adiante iremos refletir sobre o processo que transformou o ato de casar em
sacramento, em seguida a transformação deste em registro oficial da Igreja Católica e,
por fim, a conversão dessa documentação em matéria prima para disciplina histórica.
Até o fim do Império Romano o casamento era um assunto de âmbito privado
sem a necessidade de intervenção de nenhuma autoridade religiosa ou política. José
Carlos Pereira em seu livro Os ritos de passagem no catolicismo, abordando a dimensão

26
contratual do matrimônio, expõe o itinerário do ato de casar em direção a uma ritualização
pública, legitimada por um sacerdote e oficializada por uma autoridade.14 Segundo o
autor, a Igreja Católica buscou oficializar o ato, que deixou de ser um contrato de forma
livre e se transformou em uma cerimônia cuja presença do sacerdote passa a ser
obrigatória. A Igreja, desse modo, começa a ter a função de autoridade pública, ou seja,
“aquela que legitima e oficializa o ato contratual”.15
Charlote de Castelnau reafirma a transformação experimentada pelo casamento ao
logo do tempo e nos diz que, já na Idade Média, os princípios do sacramento estão
sobrepostos aos do direito civil:
“O matrimônio, do modo que foi progressivamente definido ao
longo dos séculos centrais da idade média, é a união consensual
de um homem e de uma mulher, uma união monogâmica e
indissolúvel, que implica uma continuidade de vida entre os
esposos, que lhes assegura uma descendência legítima. Essa
definição do matrimônio é uma síntese do direito romano e das
exigências da moral cristã (indissolubilidade).”16

Ao longo do período Moderno, a Igreja se esforça para monopolizar o casamento,


dando menos ênfase ao seu aspecto civil e mais a sua face religiosa na condição de
sacramento. Novamente, segundo Charlote de Castelnau:
“(...) o casamento não era apenas uma instituição jurídica e
social, mas também um ato religioso e, mais precisamente um
sacramento: monopólio da Igreja. (...) Ela também tinha a sua
disposição um instrumento para impor sua lógica: o direito
canônico, que procurou se impor desde meados da Idade Média
como único instrumento válido no tocante a questão do
matrimônio.”17

Embora já houvesse em algumas dioceses europeias, antes do século XVI, a


prática eventual de registrar batismos e casamentos, foi somente após o Concílio de
Trento (1560-1565), que a Igreja Católica tornou obrigatório e padronizado tais assentos.

14
PEREIRA, José Carlos. Os ritos de passagem no catolicismo: cerimônias de inclusão e sociabilidade.
Rio de Janeiro, Mauad X, 2012. pp. 91-117.
15
PEREIRA, José Carlos. Os ritos de passagem no catolicismo: cerimônias de inclusão e sociabilidade.
Rio de Janeiro, Mauad X, 2012. p.101.
16
CASTELNAU- L’ESTOILE, Charlotte de. “O ideal de uma sociedade escravista cristã: Direito Canônico
e matrimônio dos escravos no Brasil Colônia”. In: FEITLER, Bruno e SOUZA, Evergton Sales (orgs.). A
Igreja no Brasil: normas e práticas durante a vigência das Constituições Primeiras do Arcebispado da
Bahia. São Paulo: Editora Unifesp, 2011. p. 360
17
CASTELNAU- L’ESTOILE, Charlotte de. “O ideal de uma sociedade escravista cristã: Direito Canônico
e matrimônio dos escravos no Brasil Colônia”. In: FEITLER, Bruno e SOUZA, Evergton Sales (orgs.). A
Igreja no Brasil: normas e práticas durante a vigência das Constituições Primeiras do Arcebispado da
Bahia. São Paulo: Editora Unifesp, 2011. pp. 355-356.

27
A partir daí, o controle no cumprimento das normas acerca do registro dos sacramentos
conforme a prescrição eclesiástica se ampliou e, posteriormente, em 1614, por meio do
Rituale Romanum, a Igreja estendeu a obrigatoriedade de realizar o apontamento também
dos óbitos e estabeleceu normas ainda mais rigorosas para a feitura dos assentos.
Importante lembrar, conforme afirma Jean Delumeau, que as decisões tridentinas,
do mesmo modo que a Reforma Protestante, atenderam as necessidades religiosas de seu
tempo, pois os dois movimentos foram fruto de um desejo reformador manifesto há
tempos na cristandade. 18 O medo do pecado, segundo ele, foi lentamente interiorizado
pelos cristãos ao longo do período moderno e, desde o século XIV, a ideia de culpa foi
associada a um projeto de desprezo do mundo. O Cristianismo colocou o pecado no
centro de sua teologia e isso se traduziu, após o Concílio de Trento, em uma conduta
moralizadora por parte da Igreja, imposta tanto aos membros da hierarquia quanto aos
fiéis. Com vistas a uma reorganização de si e de seus membros, houve uma ênfase na
catequese e na formação do Clero, assim como uma crescente intervenção na vida dos
fiéis por meio da observância dos sacramentos. Práticas como o batismo logo após o
nascimento, participação na missa, confissão individual e comunhão frequente passam a
ser cobrados ao bom cristão como tradução de sua participação, compromisso e fidelidade
com a Igreja, mas, sobretudo, como caminho para a salvação.
Diante disso percebemos que a Igreja de Roma vinha tentando estabelecer uma
política de sacramentalização da fé, incentivando o fiel a traduzir em gestos concretos sua
devoção por meio da prática dos sacramentos. Como os atos religiosos, em última
instância, também marcam etapas da vida – batismo, nascimento; eucaristia, infância e
puberdade; casamento, fase adulta; e extrema unção a morte – o controle maior sobre eles
significou o aumento da influência da Igreja no âmbito familiar.
Embora o ato de registrar tais eventos tenha demandado algum tempo de aceitação
e aprendizagem por parte do próprio Clero, tal prática foi amplamente utilizada ao longo
do período moderno e tornou-se um hábito rotineiro. Segundo Antônio Manuel Hespanha,
devemos compreender o alargamento do uso desses assentos em paralelo ao desejo, não
só por parte da Igreja mas também por parte das Monarquias, de desenvolver as bases de
um enquadramento legal da população.
“O rei preocupava-se com o enquadramento dos seus súditos,
sabendo que este ultrapassava um simples exercício de poder e
se referenda numa atitude sacral. O enquadramento episcopal do

18
DELUMEAU, Jean. O Pecado e o medo: a culpabilização no Ocidente (séculos XIII-XVIII). Volume I.
Bauru, SP: EDUSC, 2003. p. 357

28
clero e dos fregueses realiza-se numa linha de continuidade
renovada com as inovações tridentinas e assenta na definição
geral de virtudes cristãs”.19

Aliás, o autor destaca que, no caso português, se não fosse o interesse régio
colocado a serviço da transmissão das normas, as dificuldades da Igreja em aplicar as
orientações de Trento teriam sido maiores.
Ronaldo Vainfas, ao tratar especialmente da difusão do matrimônio entre os mais
pobres na América portuguesa, reafirma a ideia de um esforço não só da Igreja como
também do Estado em estimular e promover casamentos desde meados do século XVII.
É bem verdade que o autor destaca o fato de que tal política incentivadora da coroa se
dava menos por uma lealdade à ética da Reforma Católica e mais, “por razões de Estado,
interesse no povoamento e manutenção da segurança e do controle”.20
Os assentos paroquiais com o passar do tempo se configuraram como vestígios
preciosos sobre as populações do passado e se tornaram, por isso, providenciais para os
estudos históricos e, particularmente, para a Demografia Histórica, conforme veremos
mais adiante. Maria Luíza Marcílio destaca que a prescrição eclesiástica da prática de
coleta de informações pormenorizadas de forma padronizada e obrigatória para toda a
população católica, deu a documentação gerada por tal prática um caráter de
universalidade. 21 Outra característica desses registros destacada pela autora é a natureza
individual e ao mesmo tempo coletiva tomada por tais apontamentos.
“Cada indivíduo é registrado com suas características pessoais e
em cada momento vital de sua existência; e cada um deles integra
uma série cronológica de eventos, guardados em livros especiais
e que cobrem uma localidade fisicamente bem demarcada – a
paróquia.” 22

A fórmula para o conteúdo a ser coletado por tais registros foi meticulosamente
definida e, de acordo com as normas estabelecidas por Trento, cada paróquia deveria
destinar um livro exclusivo de assento para cada sacramento. Aliás, cada vigário era o
responsável não só pelo registro das informações, como também por sua guarda e
conservação em um arquivo na própria paróquia. Nas atas de batismo, por exemplo,

19
HESPANHA, Antônio Manoel. “A Igreja”. In: MATTOSO, José. História de Portugal: o Antigo Regime
(1620-1807). Lisboa: Editorial Estampa, 1997. p. 260.
20
VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos pecados: moral sexualidade e Inquisição no Brasil. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1997. pp. 103-104.
21
MARCÍLIO, Maria Luiza. “Os registros eclesiásticos e a demografia histórica da América Latina”. In:
Memórias da Primeira Semana de História. Franca, 1979. p. 260.
22
MARCÍLIO, Maria Luiza. “Os registros paroquiais e a história do Brasil”. In: Varia História, n° 31, jan.
2014, p.14.

29
deveriam constar: a data do evento, o nome completo do fiel, o nome e local de residência
dos pais, se a filiação era legítima ou não, o nome de pelo menos um padrinho – o
recomendado era dois – e, por fim, a assinatura do sacerdote. Algumas outras informações
acerca da criança também deveriam ser acrescentadas em casos especiais: menção a
ilegitimidade, observação em caso de pais incógnitos ou de se tratar de criança exposta,
e registro do nome do senhor em caso de se tratar de escrava.
Em relação ao matrimônio, Trento estabeleceu normas igualmente
pormenorizadas. No que se refere à celebração, o casamento deveria ser celebrado na
Igreja e na presença obrigatória do sacerdote. Quanto ao registro do ato, ele também
deveria ser assentado em livro especial, destinado apenas a esse sacramento no qual
deveriam constar: a data da cerimônia, o nome dos cônjuges – bem como sua filiação,
local de residência e naturalidade – além do nome das testemunhas, com suas residências
e naturalidade e, por fim a assinatura dos sacerdotes. No caso dos registros de matrimônio
também havia informações especiais que deveriam ser observadas como, por exemplo,
nos casos de viuvez de um dos cônjuges, a menção ao nome do primeiro esposo ou esposa.
Cabia ao sacerdote mencionar, também no registro, se os noivos estavam incorrendo em
algum tipo de impedimento prescrito no Código Canônico decorrente de parentesco
consanguíneo ou espiritual. Nesses casos, era preciso, antes do casamento, abrir um
processo de solicitação de dispensa de impedimentos, que seria avaliado e posteriormente
concedido pelo Bispo local. Caso a dispensa fosse prestada ao casal, ela deveria ser
mencionada na ata do sacramento juntamente com a referência ao grau de parentesco
entre os noivos.
Porém, a abrangência e riqueza das informações registradas nos assentos
dependiam muito do zelo do vigário ao anotar tais dados e, apesar da fórmula estabelecida
pela Igreja com vistas a uma padronização da escrita dos registros, havia uma grande
variação no conteúdo desses assentos. Além disso, é preciso acrescentar que a condição
social do fiel também influenciava na qualidade do assento. Maria Luiza Marcílio alerta
para o fato de que no Brasil colonial, por exemplo, ´
“os casamentos das principais famílias proprietárias mereciam
um registro especial, de página inteira ou mais, onde ao lado das
informações obrigatórias, eram registrados os nomes dos avôs
maternos e paternos de cada cônjuge e sua paróquia e diocese de
nascimento e de moradia”.23

23
MARCÍLIO, Maria Luiza. “Os registros paroquiais e a história do Brasil”. In: Varia História, n° 31, jan.
2014, p. 16.

30
De todo modo, com vistas a minimizar os efeitos da negligência de alguns padres
à tais prescrições episcopais, bispos e vigários gerais eram encarregados de realizar visitas
canônicas para verificar, dentre outras coisas, a manutenção dos livros de registros. Além
disso, ameaças de sanções espirituais e pecuniárias eram praticadas por bispos àqueles
párocos omissos ou negligentes às normas impostas pela Igreja para assegurar a
integridade, conservação e autenticidade dos registros paroquiais.24
Laura de Mello e Souza nos lembra, no entanto, que as paróquias europeias
custaram a implementar a desejada uniformidade tridentina.25 Os efeitos moralizadores
propostos pela Igreja só foram, de fato, sentidos no século XVIII. Até então, no meio das
populações cristianizadas, conviviam a religião dos teólogos e a dos fiéis, impregnadas
de paganismo.
“A partir dos estudos recentes, sabe-se quão fortemente
impregnada de paganismo se apresentou a religiosidade das
populações da Europa moderna, e quantas violências acarretaram
os esforços católicos e protestantes no sentido de separar
cristianismo e paganismo. O cristianismo vivido pelo povo
caracterizava-se por um profundo desconhecimento dos dogmas,
pela participação na liturgia sem a compreensão do sentido dos
sacramentos e da própria missa.”26

É importantíssimo sublinhar que o desconhecimento da ortodoxia e dos dogmas


católicos não era um privilégio da massa dos fiéis. O clero também padecia da falta de
conhecimento dos preceitos básicos da religião e, além disso, de uma péssima reputação.
Desse modo, o esforço moralizador levado a cabo pela Igreja a partir de Trento, também
buscava sanar a situação de descredito em que estavam imersos os sacerdotes. A criação
de seminários com vistas à formação dos futuros párocos foi uma das medidas tomadas
pela instituição no sentido de construir um modelo eclesial mais austero e disciplinado.
Segundo Jean Delumeau, reestruturar a fé e reconstruir a cristandade passava,
necessariamente pela resolução da depreciação do sacerdócio.
“A cristandade ocidental não teria perdido sua unidade se a vida
paroquial tivesse conservado seu vigor, dignidade e disciplina.
Por demasiados padres serem ignorantes, por demasiados padres
se fazerem substituir por serventurários incapazes e famélicos, a
vida religiosa dos fiéis ficou a deriva. Reconstruir a Igreja

24
MARCÍLIO, Maria Luíza. “Registros Paroquiais como fontes seriais que escondem realidades sociais
inusitadas”. In.: SCOTT, Ana Silvia V. (org.) A corte no Brasil: população e sociedade no Brasil e em
Portugal no início do século XIX. São Leopoldo, Oikos, Unisinos, 2008.
25
SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil
colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. p. 88
26
SOUZA, Laura de Mello e. O diabo e a terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil
colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. p. 90

31
significava, portanto, forçosamente solucionar o problema do
padre. (...) São conhecidas suas soluções: rejeitou a doutrina do
sacerdócio universal e o casamento dos ministros do culto;
revalorizou as funções de bispo e de pároco; reforçou a
disciplina, isto é, o controle no interior da Igreja, criou
seminários”.27

Embora tais registros possuíssem um caráter religioso, eles acabavam tomando


força de registro civil e serviam, por exemplo, como base jurídica para processos de
herança, em uma época em que ainda não havia a separação entre Igreja e Estado.
Vimos, então, no que se refere especialmente ao sacramento do matrimônio, que
ele sofreu alterações não só em sua concepção, mas, também, nas exigências burocráticas
para sua realização, bem como nas normas para o preenchimento do conteúdo de seus
assentos. A aliança entre um homem e uma mulher, nesse contexto pós-Tridentino, é
tratada como análoga a união de Jesus Cristo e a Igreja. Desse modo, incentivar a
observância do sacramento do matrimônio passou a ser uma maneira de regular e
disciplinar a vida sexual do casal, garantindo em tese, dentre outras coisas, que eles
assumiriam o compromisso da procriação como objetivo fundamental do casamento.
No Brasil, apenas em 1707, as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia
formalizaram, com base nos dispositivos do Concílio de Trento, as regras e a
obrigatoriedade dos registros de batismo, casamento e óbito, constituindo-se como a
única legislação eclesiástica redigida aqui28 no período colonial.29 O catolicismo
permaneceu como a religião oficial até o Império e, até esse período, todos aqueles que
nascessem, casassem ou morressem, deveriam passar pelo registro da Paróquia.
“O estatuto do Padroado Régio no Brasil até pelo menos a
Constituição republicana, de 1891 (quando foi separado, o
Estado e a Igreja) deu aos registros paroquiais uma cobertura
praticamente universal da população brasileira (excluídos apenas
os protestantes, que surgem principalmente no Segundo Reinado,
e os índios e africanos pagãos, ainda não batizados).”30

Especialmente a sociedade brasileira tinha dificuldades para atender as exigências


relativas ao casamento. Neste sentido, o testemunho de Auguste de Saint- Hilaire pode
nos ajudar a entender melhor o comportamento da população face à legislação canônica:

27
DELUMEAU, Jean. Nascimento e Afirmação da Reforma. São Paulo: Pioneira, 1989. p. 351
28
Vale lembrar que, até 1707 vigorava na América Portuguesa as Constituições Sinodais de Lisboa.
29
VIDE, D. Sebastião Monteiro da. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. São Paulo:
Typografhia 2 de Dezembro, 1853.
30
MARCÍLIO, Maria Luíza. “Os registros paroquiais e a história do Brasil”. In: Varia História, n° 31, jan.
2014, p.16.

32
“Ainda que as partes estejam perfeitamente de acordo é
necessário que tenha lugar um processo perante o vigário de vara,
e o resultado dessa ação bysarra é uma provisão que se paga por
10 ou m12$000 réis (...) ou mais, o que autoriza o outro a casar
os nubentes. Se existe a sombra de um impedimento, então a
despesa sobe a 30, 40, 50$ ou mais. É verdade que não há nada a
acrescentar a essas despesas para a cerimônia do casamento
propriamente dito, mas é necessário distender ainda 1$200 com
os proclamas. Assim em um país onde já existe tanta repugnância
pelas uniões legítimas, e onde seria tão essencial para o estado e
a moralidade pública que elas fossem encorajadas, os indigentes
são por assim, arrastados pela falta de recursos a viver de modo
irregular.”31

Nas Constituições Primeiras encontramos as normas prescritas acerca do processo


matrimonial segundo o rito Tridentino. Aqueles que pretendiam casar deveriam ter idade
mínima de 14 anos, no caso dos homens, e 12 anos, das mulheres e, além disso, deveriam
ter plena consciência de seus atos, ao menos na ocasião da cerimônia. 32 Maria Beatriz
Nizza, citando as Constituições, destaca os procedimentos exigidos aos contraentes no
itinerário rumo ao sacramento:
“Os que pretendem casar, o farão saber a seu pároco, antes de se
acelerar o matrimônio de presente para os denunciar, o qual,
antes que faça as denúncias, se informará se há entre os
contraentes algum impedimento, e estando certo que o não há,
fará as denunciações em três domingos, ou dias santos de guarda
contínuos à estação da missa do dia, e as poderá fazer em todo o
tempo do ano, ainda que seja Advento, ou Quaresma, em que são
proibidas as solenidades do matrimônio.” 33

Contudo, a autora ressalta que as Constituições não são claras quanto aos “papéis”
exigidos pela Igreja para que os nubentes fossem considerados aptos para a aquisição do
sacramento. A autora adverte, portanto, para a necessidade de recorrermos aos vestígios
documentais deixados pelos casamentos, efetivamente contraídos no passado, para que
possamos deduzir as exigências burocráticas cumpridas pelos noivos. A análise da
documentação constituída pelos processos gerados por esses matrimônios revela a
necessidade de apresentação de certidões de batismo, certidões de óbito do primeiro
cônjuge, no caso de um dos noivos ser viúvo, e atestados de residência.

31
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Belo
Horizonte: Hitatiaia – São Paulo: USP, 1975.
32
SILVA, Maria Beatriz Nizza. Sistema de casamento no Brasil Colonial. São Paulo, Ed. da Universidade
de São Paulo, 1984. p. 114.
33
SILVA, Maria Beatriz Nizza. Sistema de casamento no Brasil Colonial. São Paulo, Ed. da Universidade
de São Paulo, 1984, p.91.

33
Se um dos contraentes, ou os dois, não fossem naturais da freguesia onde
pretendiam se casar, deveriam expor claramente tal fato na declaração de próprio punho
que geralmente acompanhava a documentação que, aliás, além da naturalidade dos
noivos, continha também o nome, filiação e local de batismo de ambos. Ainda segundo
Beatriz Nizza, os entraves burocráticos podiam ser os mais variados e se ampliavam de
forma diretamente proporcional à distância da residência ou local de naturalidade dos
noivos. Aqueles que vinham da Metrópole ou das Ilhas eram irremediavelmente
obrigados a apresentar as chamadas “justificações”, no intuito de esclarecer, por exemplo,
se eram solteiros em sua pátria. Nesses casos, o juiz de casamentos exigia que o nubente
apresentasse testemunhas atestando o fato de ele ser solteiro, livre e desimpedido. “Esse
pormenor era fundamental, pois caso contrário, as denunciações, ou banhos, teriam de ser
feitas igualmente na freguesia de origem ou naquela onde tivesse residido por mais de
seis meses.”34 Segundo a autora, seria possível entender o alto índice de uniões
consensuais presentes no período, quando levadas em consideração as dificuldades para
arcar com os altos custos estipulados pela Igreja para obtenção da benção nupcial. Além
disso, segundo a autora, essa situação provavelmente
“Combina-se com uma herança dos primeiros tempos da
colonização, relacionada à duas práticas matrimoniais (...)
reconhecidas pelas Ordenações do Reino, que consistiam no
casamento à porta da Igreja e no casamento presumido. Esta
última prática pressupunha apenas a coabitação prolongada
(...)”.35

Ronaldo Vainfas prefere colocar o problema em outros termos. O autor pondera


que diante da notória pobreza que afligia a maior parte da Colônia seria contraproducente
por parte da Igreja encrudescer nas exigências referentes a concessão do sacramento.
Embora não negue que a questão financeira e a burocratização do processo matrimonial
dificultassem a realização do mesmo sob a benção eclesiástica, segundo ele, não seria
sensato, por parte de Igreja, insistir num rigor absoluto do cumprimento das normas
prescritas para a realização do sacramento e, consequentemente, conduzir a maioria da
população ao concubinato. Seria, portanto,
“(...) difícil supor que a Igreja Tridentina, ciente da pobreza que
assolava a maior parte da Colônia, reduzisse o sacramento do
matrimônio a condição de mercadoria onerosa, e arruinasse, por

34
SILVA, Maria Beatriz Nizza. Sistema de casamento no Brasil Colonial. São Paulo, Ed. da Universidade
de São Paulo, 1984, p.115.
35
SILVA, Maria Beatriz Nizza. Sistema de casamento no Brasil Colonial. São Paulo, Ed. da Universidade
de São Paulo, 1984, pp. 37-38.

34
excesso de zelo ou de ambição, uma das principais metas da
Contra-Reforma: a difusão do casamento sob a chancela
eclesiástica.”36

A partir de processos inquisitoriais contra bígamos do século XVI ao XVIII, o que


Vainfas constatou foi certo afrouxamento da verificação eclesiástica em relação aos
documentos exigidos pelos celebrantes, no momento de feitura do processo de casamento.
A escassez do número de uniões legais na Colônia e a prática comum do concubinato,
sobretudo entre os mais pobres, devia-se à falta de “recursos não para pagar a cerimônia
de casamento mas para almejar uma vida conjugal minimamente alicerçada segundo os
costumes sociais e a ética oficial”37.
Ainda que a historiografia sugira um alto grau de tolerância para com as uniões
consensuais estáveis, a obrigatoriedade por parte da Igreja, desde o Concílio de Trento,
de registrar os sacramentos em livros próprios para batismos, casamentos e óbitos,
terminou por gerar um corpus documental precioso para os historiadores. Todos quando
batizados, casados ou falecidos tinham esses fatos vitais registrados pela Igreja e, a
riqueza de informações contidas nesses registros transformou-nos em fontes valiosas para
se desvendar a história de populações católicas do passado.
Não por acaso, os registros paroquiais eram intensamente manuseados por
pesquisadores preocupados em construir genealogias ou biografias de personalidades. No
entanto, diante da possibilidade da exploração de registros eclesiásticos desse tipo,
surgiram então, novas necessidades técnicas e metodológicas para que o conteúdo dessa
documentação pudesse ser utilizado como indicadores de determinadas relações sociais,
padrões culturais e demográficos.
A partir da exploração dessas fontes, analisadas em séries e utilizando recursos
oriundos da aproximação com a Demografia, os historiadores puderam transformar dados
históricos em dados demográficos. A Demografia Histórica soube tirar proveito dos
registros paroquiais, transformando as informações contidas nessas massas documentais
em dados demográficos básicos para o estudo da mentalidade, reprodução, e mortalidade
dos homens e mulheres do passado.
A aproximação entre a História e a Demografia é caudatária de uma transformação
anterior por que passa a História Social desde a década de 30 do século XX. Peter Burke

36
VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos pecados: moral, sexualidade e Inquisição no Brasil. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1997. p.92.
37
VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos pecados: moral, sexualidade e Inquisição no Brasil. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1997. p.94.

35
destaca que, embora desde o séc. XIX os historiadores econômicos lidassem com
estatística, a crise de 1929 desencadeou um maior interesse dos pesquisadores pela
história quantitativa relacionada, sobretudo, à flutuação dos preços.38 Segundo ele, essa
“revolução quantitativa” foi sentida primeiro pela História econômica, depois pela
História Social e, somente em seguida, pela História “populacional”. Maria Luiza
Marcílio afirma que a disciplina histórica, nesse período, assiste a uma espécie de
renascimento da História Econômica:
“A crise mundial passou a ser a preocupação de todos os
espíritos: nela nasceu a moderna história econômica, com a
grande empresa científica, parcialmente quantitativa (...). A
partir daí a História busca a dinâmica conjuntural e tenta
correlacionar esta análise do espaço no tempo – à geo-história.
Ela procura a totalidade – uma totalidade econômica – nas
flutuações da curta e da longa duração, seguindo as lições de
Simiand e de Labrousse (...).”39

Não por acaso, Gabriel Le Bras elabora seu trabalho sobre o processo de
“descristianização” da França setecentista, por meio de métodos quantitativos, em 1930.40
Em conjunto com um grupo de historiadores da Igreja e sociólogos da religião, Le Bras
produziu uma história da prática religiosa francesa a partir da análise de documentos
eclesiásticos diversos, número de vocações religiosas e até frequência a comunhão.
Segundo Stefano Martelli:
“O projeto de Le Bras era o de realizar em todo lugar em âmbito
paroquial e depois diocesano, pesquisas precisas, voltadas a
recolher todos os dados históricos disponíveis e a estabelecer o
nível de prática religiosa da população como premissa para
orientar a ação pastoral dos Párocos e bispos.”41

Após analisar, por exemplo, as práticas religiosas entre os Bretões, Le Bras


descobriu, no longo prazo, como característica da religiosidade nessa região uma espécie
de alternância entre períodos de maior devoção - nos séculos IX, XII, XVII e XIX - e de
“relaxamento” - nos séculos intermediários - além de padrões de comportamento distintos

38
BURKE, Peter. A Escola dos Annales: a Revolução Francesa da historiografia: 1929-1989. São Paulo:
Editora Universidade Estadual Paulista, 1991. p.46.
39
MARCÍLIO, Maria Luiza (org.) Demografia Histórica: orientações técnicas e metodológicas. São Paulo:
Livraria Pioneira Editora, 1977, pp. 2-3.
40
LE BRAS, Gabriel. Études de Sociologie Religieuse. Paris, Presses Universitaires de France, 1955.
41
MARTELLI, Stefano. Le Bras e a sociologia religiosa. In Ciberteologia, Revista de Teologia & Cultura,
Ano II, n.7. São Paulo, Paulinas, s/d. p. 1.

36
entre as populações das regiões próximas ao mar e aquelas moradoras das regiões
montanhosas.42
De acordo com Martelli, Le Bras chega a formular uma tipologia do
comportamento religioso dos franceses distinguindo a França em três áreas: as zonas de
observância regular, a de acentuado conformismo sazonal, e a de acentuado
distanciamento da Igreja. Porém, Le Bras se recusa a reforçar a dicotomia entre o campo
“fiel” e a cidade “secularizada” e, ao contrário, adverte que tais zonas não significam uma
realidade uniforme e estanque, pois existiriam variações em uma mesma região ou cidade.
Um ponto interessante na obra do autor é, justamente, a observação de que o processo de
urbanização teve caráter ambivalente do ponto de vista do seu efeito em relação ao
comportamento religioso. Segundo ele, se é verdade que entre os camponeses a
observância religiosa era muito presente, ela era ao mesmo tempo muito frágil na medida
em que se basearia, sobretudo, no costume e no controle social. Por outro lado, se é
também verdade que o modo de vida citadino se caracterizava por uma laicização e pelo
afrouxamento das tradições, esse mesmo ambiente favoreceria a inovação do ponto de
vista religioso e estimularia a formação de cristãos leigos. Para Le Bras, a própria Igreja,
aliás, renova a si e as suas práticas no ambiente das grandes cidades. 43
Embora Gabriel Le Bras não tenha pertencido ao grupo dos Annales, segundo
Peter Burke, ele e seus seguidores foram claramente inspirados pela revista.44 Ao mesmo
tempo, Burke ressalta que estudos regionais mais recentes produzidos por historiadores
dos Annales foram claramente influenciados pelo trabalho dele, e cita a pesquisa de
Michel Vovelle que estuda as mudanças no pensamento e no sentimento acerca da morte,
na Provença do séc. XVIII, a partir da análise sistemática de milhares de testamentos.
Segundo Stefano Martelli:
“O resultado dessas múltiplas influências foi o aparecimento de
uma sociologia religiosa que diferentemente da sociologia
Durkhaimeana, voltava sua atenção mais para os dados
históricos, religiosos e estatísticos do que para aqueles etno-
antropológicos”. 45

42
LE BRAS, Gabriel. Études de Sociologie Religieuse. Paris, Presses Universitaires de France, 1955. pp.
72-84.
43
MARTELLI, Stefano. Le Bras e a sociologia religiosa. In Ciberteologia, Revista de Teologia & Cultura,
Ano II, n.7. São Paulo, Paulinas, s/d. p. 3-4.
44
BURKE, Peter. A Escola dos Annales: a Revolução Francesa da historiografia: 1929-1989. São Paulo:
Editora Universidade Estadual Paulista, 1991. p.63.
45
MARTELLI, Stefano. Le Bras e a sociologia religiosa. In Ciberteologia, Revista de Teologia & Cultura,
Ano II, n.7. São Paulo, Paulinas, s/d. p. 8.

37
A dimensão espiritual da religiosidade, para Le Bras, portanto, não pode ser
averiguada, o que podemos verificar são apenas os atos públicos, isto é, a prática religiosa
que, mensurada pode nos dar pistas sobre o índice de pertença eclesial.
Na década de 50, a História passa, então, a ser ainda mais influenciada pela
economia e auxiliada, depois, pela abertura ao quantitativo introduzida pela informática.
A disciplina ganha também, nesse contexto, novas dimensões a partir da ascensão e da
aproximação com as demais ciências sociais como a Antropologia, a Lingüística e,
conforme já dissemos, com a Demografia. Na França, a aproximação entre a História e a
Demografia foi bem sistematizada pelo historiador e demógrafo Pierre Goubert e pelo
demógrafo Louis Henry.
Nesse momento alguns historiadores perceberam que se os demógrafos
privilegiam a dinâmica populacional e lançam mão para a sua análise de estatísticas
produzidas especialmente com esta finalidade, os historiadores, poderiam também obter
pistas sobre o comportamento das populações do passado debruçando-se sobre uma
documentação que, embora não tenha sido produzida para ser explorada
demograficamente, poderia ser analisada em série com os mesmos recursos estatísticos.
Com a contribuição do historiador arquivista Michel Fleury, Louis Henry percebeu que
poderia tirar proveito dos registros paroquiais para responder as suas indagações à
respeito, por exemplo, do comportamento da natalidade francesa por meio do diálogo
entre a História e a Demografia.46
Em 1965 Louis Henry lança, em colaboração com Michel Fleury no Nouveau
Manuel de dépouillement et d’exploitation de l’état civil ancien47, um método de
exploração dos registros paroquiais. Com a finalidade de transformar antigos registros de
catolicidade em dados demográficos básicos para o estudo da fecundidade e mortalidade,
criaram o modelo de Reconstituição de Famílias. Tendo como ponto de partida da família
conjugal o casamento, segundo o autor, o princípio da reconstituição é:
“(...) reunir, na medida do possível as fichas ou levantamentos de
batizados, de casamentos e de óbitos de cada um dos esposos; e
transpor esses dados para a parte da ficha de família destinada a
receber as informações relativas ao marido ou à mulher; procurar
as fichas ou levantamentos de batismos, casamentos (se houver)
e óbitos dos filhos; transcrever (se houver) as informações que
elas contêm para a parte das fichas destinadas aos filhos.”48

46
MARCÍLIO, Maria Luiza (org.) Demografia Histórica: orientações técnicas e metodológicas. São Paulo:
Livraria Pioneira Editora, 1977.
47
FLEURY, M & HENRY, L. Nouveau Manuel de dépouillement ET d´exploitation de l´état cicil ancien.
Paris: INED, 1965.
48
HENRY, Louis. “O levantamento dos registros paroquiais e a técnica de reconstrução de famílias”. In:

38
Maria Luiza Marcílio aponta que, logo após a publicação do primeiro Manual de
Demografia Histórica na França em 1956, houve uma multiplicação dos trabalhos que
buscavam a exploração metódica de registros eclesiásticos em paróquias rurais da Europa
Moderna.49
Michael Anderson destacando também a importância do uso de outros tipos de
fontes como as listas nominativas, lembra que o aperfeiçoamento das técnicas de
utilização de registros eclesiásticos, por parte dos demógrafos franceses na década de 50,
significou uma mudança para os estudos de família, e para a realização do que autor
chama de uma “aproximação demográfica.”50 Na medida em que os historiadores,
passaram também a adotar os métodos quantitativos das ciências sociais, construíram
grandes bancos de dados e puderam assim, estabelecer comparações entre comunidades
diferentes em períodos maiores de tempo.
O paciente trabalho das fichas baseadas em registros católicos e censos nominais
pré-estatísticos, associado ao desenvolvimento da estatística e do processamento
eletrônico, fez com que a Demografia Histórica merecesse amplo apoio e interesse de
historiadores, tanto no plano internacional como nacional. No Brasil, Maria Luiza
Marcílio, Maria Beatriz Nizza da Silva e Sérgio Odilon Nadalin 51 desenvolveram
importantes trabalhos. As pesquisas nessa área, até recentemente, ainda se preocupavam
fundamentalmente com a exploração de fontes seriadas que pudessem ser utilizadas com
finalidades demográficas.52
Atualmente, tanto os trabalhos em História Social como os de História
Demográfica, tem trabalhado com uma perspectiva teórico-metodológica fundada na
crença de que a junção entre a análise agregada de dados macro e a redução da escala de
observação não configura em si mesmo incompatibilidade. Estes novos trabalhos propõe
sofisticar a compreensão da sociedade buscando reconstituir, para além dos padrões de

MARCÍLIO, Maria Luiza (org.) Demografia Histórica: orientações técnicas e metodológicas. São Paulo:
Livraria Pioneira Editora, 1977, p.54.
49
MARCÍLIO, Maria Luiza (org.) Demografia Histórica: orientações técnicas e metodológicas. São Paulo:
Livraria Pioneira Editora, 1977, p. 6.
50
ANDERSON, Michael. Aproximações a La historia de La família ocidental (1500-1914). Madrid: Siglo
Veintiuno de Espanha Editores, 1988.
51
MARCÍLIO, Maria Luiza. Caiçara: terra e população. São Paulo: Paulinas/DECHAL, 1986; QUEIROZ,
Maria Luiza B. Paróquia de São Pedro do Rio Grande: estudo de história demográfica. Tese de Doutorado.
Curitiba, Universidade Federal do Paraná, 1992; NADALIN, Sérgio Odilon. A demografia numa
perspectiva histórica. São Paulo: ABEP, 1994.
52
MARCÍLIO, Maria Luiza (org.) Demografia Histórica: orientações técnicas e metodológicas. São Paulo:
Livraria Pioneira Editora, 1977, p. 19.

39
comportamento gerais, a família nuclear, as redes parentais e os círculos de sociabilidade,
nas quais os atores sociais estão ligados. Além disso, observar, a partir das escolhas
estabelecidas pelos atores sociais para formação de suas redes parentais e de
sociabilidade, estratégias específicas de mobilidade social dos diferentes grupos
envolvidos. Nessa perspectiva, o casamento, por exemplo, é entendido como ocasião
privilegiada para o estabelecimento de alianças e, portanto, percebido como elemento
importante no entendimento de estratégias sociais de vários tipos.
João Fragoso em recente artigo intitulado “Apontamentos para uma metodologia
em História Social a partir de assentos paroquiais” defende o emprego das fontes
eclesiásticas não só nas pesquisas em História Demográfica. 53 Aliás, segundo ele, embora
esse corpus documental possua uma longa tradição de uso pela historiografia
internacional, ele ainda é pouco explorado pelos historiadores brasileiros. O autor propõe
uma nova metodologia para o uso desses registros que combina a técnica da montagem
de um banco de dados - oriunda da história serial - a confecção de fichas de paroquianos
e de famílias - proveniente da História demográfica - e o procedimento onomástico -
proveniente da micro-história italiana. Fragoso sugere ainda uma abordagem relacional a
partir de uma metodologia que enfoque as interações sociais vividas pelos sujeitos e
reveladas pelos registros. Sendo assim, “a aplicação da micro-análise aos assuntos
paroquiais ajuda o pesquisador a apreender recursos e restrições pelos quais os agentes
sociais construíam e mudavam suas estratégias nas suas interações com outros sujeitos.”54
O autor enumera as potencialidades contidas em algumas variáveis das fontes
eclesiásticas destacando que, nos registros de casamento e batismo, os dados referentes
ao local de residência, por exemplo, podem nos permitir mapear relações de vizinhança
e a geografia política em termos de parentesco e clientela; as informações referentes a
“qualidade social” dos sujeitos permitem investigar padrões de endogamia e ritmos de
mobilidade social; e, especialmente nas habilitações matrimoniais, dispomos das histórias
dos noivos e de sua família narradas por moradores mais antigos da localidade.

53
FRAGOSO, João. “Apontamentos para uma metodologia em História Social a partir de assentos
paroquiais (Rio de Janeiro, séculos XVII e XVIII)”. In: FRAGOSO, João; GUEDES, Roberto; SAMPAIO,
Antônio Carlos Jucá (orgs.). Arquivos paroquiais e História Social na América Lusa, séculos XVII e XVIII:
métodos e técnicas de pesquisa na reinvenção de um corpus documental. Rio de Janeiro: Mauad X, 2014.
54
FRAGOSO, João. “Apontamentos para uma metodologia em História Social a partir de assentos
paroquiais (Rio de Janeiro, séculos XVII e XVIII)”. In: FRAGOSO, João; GUEDES, Roberto; SAMPAIO,
Antônio Carlos Jucá (orgs.). Arquivos paroquiais e História Social na América Lusa, séculos XVII e XVIII:
métodos e técnicas de pesquisa na reinvenção de um corpus documental. Rio de Janeiro: Mauad X, 2014,
p.25.

40
A partir da proposta metodológica sugerida pelo autor, uma etapa importante de
uma pesquisa consiste em “delinear” uma dada região (que pode ser um município ou
uma freguesia) apreendendo seus moradores e suas famílias por meio do método
onomástico. Em seguida, devemos organizar as famílias a partir de suas relações
consanguíneas, clientelas e afins para reconstruir o universo relacional dessas pessoas.
Por fim, é preciso dispor essas relações ao longo de pelo menos cinco gerações a fim de
perceber as mudanças e permanências dessas relações naquela região.
Portanto, a aposta da recente historiografia ligada a História Social está centrada
no entrelaçamento dos diversos procedimentos metodológicos para o uso dos assentos de
matrimônio como fonte. Possuindo estruturas internas relativamente invariáveis e sendo
de natureza maciça e reiterativa no tempo, ainda se mantém acesa a aposta nas análises a
partir da montagem de séries e da constituição de grandes bancos de dados. Deste modo,
informações como dia, o mês, o ano e a hora da realização dos casamentos, ainda são
fundamentais para o estudo do comportamento dos noivos ao longo das estações do ano
e para o cruzamento de tais dados com a sazonalidade das atividades econômicas. Os
dados referentes ao estatuto jurídico, naturalidade, etnia e cor dos cônjuges permitem o
exame das escolhas dos noivos com base nessas categorias e a verificação da existência
ou não de padrões de endogamia.
No entanto, como vimos, essa mesma historiografia está cada vez mais ciosa de
que fontes eclesiásticas como as atas de casamento fornecem também informações que
podem e devem ser trabalhadas de forma qualitativa.55 O nome dos noivos, de seus
senhores ou ex-senhores (no caso de um dos nubentes ser escravos ou forro), de seus pais
e mais um conjunto de informações associadas a esses personagens como condição
jurídica, naturalidade e local de nascimento e batismo, tem sido fundamentais para a
análise de diversos arranjos familiares como o parentesco extenso e putativo e, portanto,
essenciais para o entendimento de como a família pode, por exemplo, tornar-se veículo
de mobilidade social.
Por fim, a necessidade do cruzamento das informações contidas nessas fontes com
outros corpus documentais tem se mostrado inequívoca e, a utilização de inventários post

55
BRÜGGER, Silvia Maria Jardim. Minas patriarcal: família e sociedade (São João Del Rei - Séculos
XVIII e XIX). São Paulo: Annablume, 2007; GUEDES, Roberto. Egressos do cativeiro: trabalho, família
aliança e mobilidade social (Porto Feliz, São Paulo, c.1798-c.1850) Rio de Janeiro: Mauad X: FAPERJ,
2008; MACHADO, Cacilda. A trama das vontades: negros, pardos e brancos na construção da hierarquia
social no Brasil escravista. Rio de Janeiro: Apicuri, 2008.

41
mortem nesse processo uma escolha vital. Como este tipo de documento só é produzido
por ocasião do falecimento de um proprietário neles poderão constar, por exemplo,
informações mais detalhadas acerca dos membros de uma família, bem como de seus
bens, e também o nome e a idade de seus possíveis filhos e parentes. Eventualmente,
poderão ser rastreadas informações sobre aqueles casais que tiveram filhos e optaram por
batizá-los e a partir daí, sabendo-se o ano de registro do inventário será possível tecer
aproximações quanto ao ano de nascimento da criança, o que permitirá, então, a busca de
seus registros de batismo e das informações daí decorrentes como, por exemplo, a escolha
dos padrinhos. A partir dessa etapa, pode-se desvendar os critérios de escolha no
compadrio e, por vezes, descortinar redes de solidariedades e sociabilidades desses
sujeitos. Para tal, outros grupos de fontes como processos crimes, compromissos e
documentações referentes a irmandades e até passaportes podem ser muito importantes
no rastreamento dos caminhos percorridos pelos agentes sociais.
Enfim, os novos trabalhos em História Social tem mostrado que o percurso
metodológico no processo de investigação acerca da construção e manutenção de laços e
relações sociais é longo e sinuoso. Em se tratando de vínculos entre mulheres e homens
escravizados o labirinto pode ser ainda maior na medida em que o cruzamento de
informações, não raras vezes, depende dos nomes e informações de terceiros em função
da documentação relativamente escassa vinculada diretamente a eles. Porém, é certo que
as fontes eclesiásticas, são um tesouro precioso para aqueles que assumem tal empreitada
tendo em vista sua riqueza de informações. Os assentos de matrimônio são, nesse sentido,
especialmente valiosos na medida em que é o registro de um ato de vontade, o vestígio
de uma escolha que, independente da natureza do sentimento que a norteou, é geradora
de laços.

1.2. A descoberta das testemunhas como “problema”

Os registros de casamentos na freguesia da Candelária já foram utilizados como


matéria prima na dissertação que antecedeu este trabalho.56 Nela, foi elaborada uma
reflexão em torno do mercado matrimonial escravo e suas relações com a dinâmica
econômica e social da capitania (mais tarde província) do Rio de Janeiro na primeira

56
LOPES, Janaína Christina Perrayon. Casamentos de escravos nas freguesias da Candelária, São
Francisco Xavier e Jacarepaguá: contribuições aos padrões de sociabilidade matrimonial no Rio de
Janeiro (c.1800-c. 1850). Rio de Janeiro: UFRJ – Programa de Pós-Graduação em História Social, 2006.
Dissertação de Mestrado.

42
metade do século XIX, sobretudo no que tange ao seu perfil demográfico. 57 Além disso,
recuperou as relações estabelecidas entre os homens e mulheres escravizados e forros que
buscavam sancionar suas uniões por meio da benção eclesiástica na referida freguesia.
A primeira tarefa realizada naquele momento, então, foi a de coletar dos livros
todos aqueles registros referentes aos casamentos que envolveram ao menos um cativo
ou forro entre os nubentes, o que resultou no resgate de 237 acentos de matrimônio.
Possuindo estruturas internas relativamente invariáveis e sendo de natureza maciça e
reiterativa no tempo, as fontes eclesiásticas como os registros de matrimônio possibilitam
uma análise a partir da formação de séries. Desse modo, uma fonte com estas
características tornou viável capturar regularidades no comportamento matrimonial
desses homens e mulheres.
Tais padrões de comportamento puderam ser observados na frequência dos
casamentos ao longo das horas do dia, dos dias da semana, dos meses e, por fim, no
decorrer das estações do ano. Ao longo dos meses do ano, a distribuição deles obedecia
tanto ao calendário religioso – em especial aos períodos de interdição, como por exemplo,
a quaresma – quanto à sazonalidade da cana-de-açúcar. Além disso, tanto ao longo dos
dias da semana como das horas do dia, a frequência de matrimônios tendia a recair sobre
os momentos de menor volume de trabalho e, de alguma maneira, igualmente
acompanhavam o calendário religioso. Por meio da distribuição bruta dos casamentos, de
acordo a situação jurídica (escravos, forros ou livres) e a naturalidade (africanos e
crioulos), percebemos que o comportamento observado pode ser traduzido, no mercado
matrimonial, em estratégias específicas dos diferentes grupos envolvidos. A endogamia,
tanto por naturalidade como por estatuto jurídico, cor e etnia, foi a marca do
comportamento escravo, embora fossem diferenciados os níveis de interação matrimonial
entre homens e mulheres. Vale ressaltar que, quando a hipergamia ocorreu, quem o fez
foi a mulher forra.
As fontes também forneciam, eventualmente, um conjunto de outras informações
acerca dos noivos como os nomes de seus pais, senhores ou ex-senhores, além de
informações relativas ao batismo dos cônjuges. No entanto, o nome das testemunhas da

57
Sobre o Rio de Janeiro e especificamente sobre as freguesias da Candelária, São Francisco Xavier e
Jacarepaguá na primeira metade do século XIX, utilizaremos como fonte secundárias as seguintes obras:
FILHO, Adolfo Morales de los Rios. O Rio de Janeiro imperial. Rio de Janeiro: editora Universidade,
2000; KARASCH, Mary C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo: Companhia
das Letras, 2000; SANTOS, Noronha. As freguesias do Rio antigo. Rio de Janeiro: editora O Cruzeiro,
1965; DEBRET, Jean B. Viagem Histórica e pitoresca ao Brasil. São Paulo: Martins Fontes/EDUSP, 1972.

43
cerimônia estava sempre presente nos registros, na medida em que a assinatura das
mesmas era uma exigência eclesial para que o rito fosse considerado válido.
Diante dessas informações menos recorrentes, porém reveladoras das relações
parentais e sociais vividas por esses homens e mulheres, uma nova tarefa de investigação
foi colocada na tentativa de desvendar possíveis redes de solidariedade e sociabilidade.
Desse modo, a primeira pergunta feita naquele momento foi: se redes foram formadas,
qual ou quais teriam sido seus elementos agregadores? Tratava-se de um grande desafio,
sobretudo porque, como bem nos lembra Michel Bertrand, no sentido morfológico
podemos nos deparar com redes pessoais, construídas a partir de um indivíduo, ou com
redes fragmentadas, formadas a partir de um grupo pré existente com vários “centros”.
Além disso, como o autor entende que no interior dessas malhas existe um complexo
sistema de vínculos que permitem a circulação tanto de bens como de serviços, devemos
estar atentos aos tipos de trocas realizadas para que possamos qualificar tais ligações.58
Em uma primeira tentativa de resposta, a aposta na figura do senhor (ou senhora)
de um dos nubentes mostrou-se infrutífera: não houve a recorrência de cativos ou forros
de um mesmo senhor em diversas cerimônias. Embora no caso de serem escravos, o
padrão tenha sido a união de homens e mulheres pertencentes a um mesmo dono, o nome
deste só apareceu repetidas vezes nos casos de cerimônias coletivas, que na Candelária
representava, nesse período, um total de 9% dos casamentos.
Por outro lado, alguns nomes apareceram repetidamente em inúmeros registros
assumindo o mesmo papel: o de testemunha. Antônio Luiz de Andrade, Cesário José da
Silva e Mathias Gonçalves Ferreira foram nomes de personagens que se destacaram das
demais testemunhas por três motivos: pela quantidade de casamentos em que apareceram
exercendo essa função, compondo uma espécie de núcleo agregador; pelo fato de que nas
cerimônias, com alguma frequência, formaram pares de testemunhas entre si; e, também
por servirem de testemunha, majoritariamente, de nubentes africanos.
Desse modo, com a informação referente ao nome da testemunha presente no
banco de dados, foi possível montar um conjunto de testemunhas associadas aos nomes
dos noivos que os escolheram, o que nos induziu a pensar, nesse caso, nos critérios e
motivações utilizados pelos noivos para a escolha de tais personagens. Assim, para além
da simples união de dois cônjuges, a análise dos casamentos de escravos e forros
realizados na Freguesia da Candelária, entre os anos de 1809 e 1839, insinuou que

BERTRAND, Michel. “De la família a la red de sociabilidade”. In.: Revista Mexicana de Sociologia.
58

México: vol. 61, núm. 2 abril-junio, 1999, p. 119.

44
personagens aparentemente secundárias como as testemunhas, podiam representar muito
mais que meros espectadores da cerimônia católica.
É oportuno ressaltar que o padrão geral da escolha dos cônjuges nos casamentos
analisados não foi “concentrado” em torno de um mesmo grupo de testemunha. Ou seja,
nos 237 casamentos analisados, em 191 deles as testemunhas ou não reapareceram, ou
foram requisitadas por mais três vezes no máximo, ou, ainda, reapareceram em vários
registros por se tratar de cerimônia coletiva onde serviram de testemunha para vários
casais em um único evento.
Portanto, apesar da maioria dos casais da Candelária nesse período ter optado por
uma testemunha “particular”, ou melhor, pouco ou nunca compartilhada, não deixa de ser
curioso que dos 237 casamentos, apenas três homens tenham testemunhado 44 deles.
Antônio Luiz de Andrade, Cesário José da Silva e Matias Gonçalves Ferreira, inclusive,
voltaram à igreja formando pares entre si.
Logo de início tendemos a acreditar ser esse um forte indício de que tais
testemunhas eram funcionários eclesiásticos ou indivíduos que com frequência
encontravam-se próximos às igrejas e, portanto, disponíveis para cumprir esse papel por
ocasião das cerimônias. No entanto, nos casamentos analisados naquele momento da
pesquisa, os registros traziam ao lado das assinaturas a observação “padre”, nos casos em
que as testemunhas faziam parte da hierarquia da Igreja.
Aliás, a historiografia tem lançado mão do argumento de que, em princípio,
qualquer um dentre uma multidão de fiéis que por ventura estivesse assistindo a missa,
por exemplo, poderia ser uma testemunha em potencial. Desse modo, preferem apostar
que, em geral, as testemunhas de casamento não tinham a importância dos padrinhos de
batismo e, portanto, sua seleção não demandava dos noivos uma acuidade maior no
momento da escolha.59
Sérgio Nadalin, no entanto, foi mais cuidadoso ao tratar sobre este tema.
Comparando os registros de matrimônio da França do Antigo Regime com os do Brasil o
autor destaca que aqui, por vezes, a única assinatura presente em uma ata de casamento
era a da testemunha. Nesse sentido, caso não tenham sido sempre a mesmas pessoas a
testemunhar todos os atos em uma determinada região, cabe ao pesquisador realizar uma
investigação que ainda está por ser feita: perguntar quem são essas testemunhas.60

59
FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, p.309.
60
NADALIN, Sergio Odilon. História e demografia: elementos para um diálogo. Campinas: Associação
brasileira de Estudos Populacionais – ABEP, 2004, p.97.

45
A partir dos indícios rastreados na referida dissertação, ficou latente a necessidade
de descobrir novas informações a respeito dessas figuras, tendo em vista que novas
indagações foram geradas acerca, sobretudo, do possível papel social desempenhado por
elas em relação aos noivos que as escolheram. Além disso, ficou evidente o limite da
abordagem macro analítica e o imperativo cruzamento dos registros de matrimônio com
outras fontes eclesiásticas, bem como com documentações de natureza diversa como, por
exemplo, as fontes cartorárias.
As relações ensejadas ou, por vezes, reforçadas com o matrimônio ficam evidentes
quando jogamos luz aos nomes de todos os personagens envolvidos na cerimônia. Os
assentos de casamento deixam vestígios preciosos capazes de desvendar as conexões
entre esses agentes, em função não só de disponibilizarem o nome dos personagens
envolvidos, como também pela própria natureza do evento que registram.
Do ponto de vista das testemunhas, devemos pensar, a partir de agora, o que
significa aceitar comparecer repetidas vezes à igreja. Podemos pensar na possibilidade
desses homens terem a clareza de estarem diante da possibilidade de construírem, no
longo prazo, uma rede de clientes e, portanto, ampliarem seu prestígio social. No entanto
cabe ainda uma pergunta: reaparecer na igreja fornece certa visibilidade para esses
homens ou eles são escolhidos por que já são proeminentes na localidade?
Seguiremos, então, para o próximo capítulo, buscando mapear o local em que
estes casamentos ocorreram, de modo a entender melhor não só a influência da dinâmica
socioeconômica e religiosa da cidade e da Freguesia na vida cotidiana desses atores
sociais, mas também o impacto das mudanças experimentadas pelo Rio Janeiro entre os
séculos XVIII e XIX nas relações forjadas nesse espaço geográfico.

46
Capítulo 2 - A geografia dos casamentos

A partir do Concílio de Trento a Igreja empreendeu um grande esforço de


regramento e uniformização dos sacramentos em contraposição a costumes locais. Com
o casamento não foi diferente. A ideia de subordinar tal ato às autoridades eclesiásticas e
suas normas levou a Igreja a promover um verdadeiro combate aos chamados casamentos
“costumeiros” e “clandestinos” cuja característica principal era a ausência de um pároco
e de testemunhas na ocasião de sua realização.61 Na verdade, em se tratando das formas
costumeiras de casamento, em geral, bastava que tivessem fama de marido e mulher e
assim se nomeassem publicamente para que os cônjuges fossem socialmente
considerados casados. Amplamente difundido e aceito, esse tipo de casamento não
imputava ao casal, diante das Leis do Reino de Portugal, o rótulo de infratores, mas, ao
contrário, lhes garantia tanto direitos quanto deveres civis, como a posse de bens ou a
punição em caso de adultério.62
O empenho disciplinador tridentino deve ser entendido, portanto, em um contexto
onde o concubinato era um tipo de união reconhecida como um casamento de fato e
prescindia da presença da Igreja. Até fins da Idade Média a população portuguesa
convivia e aceitava pelo menos três tipos de casamentos:
“O casamento de benção, solene, ad benedictionem ou in
conspectu ecclesiae, celebrado com toda a publicidade perante o
sacerdote; o casamento dito de “‹pública fama” ou de “maridos
conhecidos” que não tinha celebração e assentava apenas na
“posse de estado”; o casamento “a furto” ou “de juras” (também
chamado “clandestino”) que se realizava com ou sem a presença
de ministro eclesiástico.”63

Apenas no século XVII o Estado português decide fazer coro com a Igreja e
colaborar com as autoridades eclesiásticas no sentido de reforçar a empreitada contra os
chamados casamentos clandestinos. No entanto, no Brasil, dos séculos XVI e XVII, ainda
vigoravam as determinações das Ordenações Filipinas que reconheciam no concubinato
entre pessoas desimpedidas uma forma de casamento, bastando para configura-lo o fato

61
VAIFAS, Ronaldo. Trópico dos pecados: moral, sexualidade e inquisição no Brasil. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira. 1997. p. 78-79.
62
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Sistema de casamento no Brasil colonial. São Paulo: Editora da
USP, 1984. p. 110-117.
63
SILVA, Maria Joana Corte-Real Lencart e. “A mulher nas Ordenações Manuelinas”. In: Revista de
História, Porto, n. 7, 1993. Instituto Nacional de Investigação Científica, Centro de História da
Universidade do Porto. Vol.1(1978) - vol. 13(1995), p.61.

47
de um homem e uma mulher viverem juntos.64 A dificuldade de aceitação e
implementação das formalidades exigidas pelo Concílio de Trento residia, dentre outras
coisas, na dificuldade de coadunar as novas exigências com a definição, estabelecida pela
própria Igreja, do papel dos contraentes no sacramento. Contrair matrimônio significava
(e ainda significa) um ato de vontade dos noivos, cujo protagonismo na cerimônia se
expressa no fato dos mesmos serem definidos, inclusive, como ministros do processo.
“Pois não era a própria Igreja que definia o sacramento do
matrimônio como aquele em que os ministros eram os próprios
contraentes? Se a matéria do sacramento é o domínio dos corpos
que mutuamente se fazem casados e se a forma são as palavras,
ou sinais de consentimento, enquanto significam a mútua
aceitação, resultava difícil, para as populações, aceitar a mudança
imposta pelo Concílio de Trento, pois ela parecia contradizer a
definição tradicionalmente apresentada pela Igreja para o
sacramento do matrimônio.”65

Enfim, a partir de Trento, a obrigatoriedade do casamento formal, público, e em


presença de testemunhas, passou a ser uma das exigências canônicas para que o
sacramento fosse considerado válido. A partir de então, as autoridades eclesiásticas
passaram a perseguir tal objetivo de forma mais sistemática, de modo a enquadrar os fiéis
e suas práticas a tais formalidades e combater enfaticamente as formas de casamento
costumeiro. De acordo ao Concílio:
“Aqueles, que sem estar presente o pároco ou outro sacerdote
com licença do mesmo pároco, ou do Ordinário, e de duas ou três
testemunhas se atreverem a contrair matrimônio, o Santo
Concílio os declara inábeis para por este modo, contraírem; e
semelhantes contratos os dá por írritos, e nulos, como com efeito
pelo presente decreto os irrita e anula”.66

Com o passar do tempo, as normas estabelecidas a partir da Reforma Tridentina,


conjugadas com a colaboração das autoridades civis na campanha contra a prática
costumeira de união, contribuíram de forma lenta e gradual para a diminuição dos
casamentos não formais. A partir do século XVIII no Brasil, as Constituições Primeiras
colaboraram no desencadeamento de um processo semelhante em que a informalidade
marital deveria ser combatida e enquadrada. Nesse sentido, era preciso estabelecer
também diversos parâmetros referentes à cerimônia para que esta fosse considerada

64
SANTOS, Luiz Felipe Brasil. “União estável, concubinato e sociedade de fato: uma distinção
necessária”. In: http://www2.colegioregistralrs.org.br/publicacoes/paginaPrint?idPagina=13225 .
65
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Sistema de casamento no Brasil colonial. São Paulo: Editora da
USP, 1984. p. 113.
66
“O Sacrossanto e ecumênico Concílio de Trento”, p.235-127. Apud. SILVA, Maria Beatriz Nizza
da. Sistema de casamento no Brasil colonial. São Paulo: Editora da USP, 1984. p. 112.

48
válida. Uma das preocupações dos canonistas se referia à maneira como deveria ser
celebrado o sacramento e a partir daí a definição do local apropriado para sua realização.
De acordo com as “Constituições” ficou, portanto, definido no título 68 do Livro 1 que
os párocos, capelães e demais sacerdotes não celebrassem ou consentissem celebrar
matrimônio
“(...) antes de nascer o sol, nem depois delle posto, nem fora da
Igreja Parochial sem nossa especial licença, sob pena de vinte
cauzados pagos no Aljube. E sob a mesma pena mandamos, que
sem licença nossa, ou de nosso Provisor dada por escrito, não
receberão alguém por procuração. E os noivos, que contra a
forma desta Constituição se casarem, sendo nobres pagarão vinte
cruzados, e dez sendo de inferior qualidade.”67

Ou seja, o local da cerimônia deveria estar restrito ao espaço da Igreja para que
sua validade fosse considerada. A exceção só deveria ser permitida nos casos em que
noivos obtivessem uma licença concedida por escrito pelos membros da hierarquia da
eclesiástica. Portanto, a exigência, preconizada por Trento e assumida pelas Constituições
Primeiras, quanto ao assentamento dos enlaces realizados pela Igreja em atas próprias
destinadas exclusivamente para esse fim, foi se estabelecendo como prática par e passu
a determinação da forma e a restrição do espaço de realização da cerimônia. Sendo assim,
na medida em que o locus para o casamento daqueles que optavam pela formalização do
ato passou a ser o próprio ambiente eclesial em sua configuração pública, ou seja, o
espaço físico da Igreja, os registros também acabam por revelar o local onde tais
cerimônias aconteciam.
Desse modo, dentre as inúmeras informações contidas nos assentos de
matrimônio, o local onde a cerimônia foi realizada é frequentemente mencionado.
Embora não seja incomum que tal dado faça referência a um local genérico como, por
exemplo, a Paróquia ou a Freguesia em que o casamento foi realizado, ele também revela
localizações mais precisas, como a Igreja ou capela em que ocorreram. De posse dos
endereços dos templos esse, então, pode se revelar um dado precioso para o
dimensionamento espacial do ambiente geográfico ocupado pelos agentes sociais
arrolados no sacramento em uma dada localidade. Além disso, a maior frequência ou a
preferência por determinados espaços eclesiásticos para a prática do matrimônio, bem

67
VIDE, D. Sebastião Monteiro da. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. São Paulo:
Typografhia 2 de Dezembro, 1853. Livro 1°, tit. 68, §289.

49
como o perfil sócio econômico dos fiéis envolvidos possibilita, ainda que parcialmente
vislumbrar as hierarquias sociais refletidas na dinâmica dessas escolhas.
Felizmente, as atas matrimoniais da freguesia da Candelária são uma fonte
fecunda à observação do que podemos chamar de geografia dos casamentos. Os dados
acerca do local da realização das cerimônias nos revelam um comprometimento dos
párocos responsáveis pelos assentos no que se refere ao preenchimento de tal informação.
Ao longo de cem anos de registros, 90% deles fizeram menção ao local da cerimônia.
Logo de início, conforme observamos no Gráfico a seguir, tomando como referência o
espaço da Freguesia, foi possível dividir os casamentos em dois grandes grupos: aqueles
realizados dentro ou fora dela. Conforme dito anteriormente, é importante destacar o fato
dos registros, recorrentemente, fazerem referências generalistas quanto a designações de
lugar. Sendo assim, as designações “Paróquia da Candelária”, “Freguesia da Candelária”
ou “Igreja da Candelária” foram frequentes e, nesses casos, os registros foram obviamente
catalogados como fazendo referência a cerimônias realizadas “dentro”.

Gráfico 1 – Distribuição dos Casamentos da Freguesia da Candelária de acordo a


localização dentro ou fora da Freguesia (c.1750-c.1866)

11%

22%

67%

Dentro Fora Não Informado

Fonte: ACMRJ - Registros de Matrimônio Freguesia de Nossa Senhora da Candelária. Livros 6,


7, 8, 9 e 10 (1750 a 1866).

Na definição de Rafael Bluteau em seu Dicionário da Língua Portuguesa


do final do século XVIII, “freguês” é “o que pertence a uma parochia” e “freguesia” a
“Igreja parochial”. 68 No Brasil colônia a freguesia significava exatamente o mesmo que
em Portugal, e não se distinguia da paróquia. Não havia uma estrutura administrativa civil

68
BLUTEAU, Rafael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico ... Coimbra:
Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712 - 1728. 8 v.

50
distinta da estrutura eclesiástica. Tal arranjo se manteve ao longo do Império no qual a
Igreja Católica foi mantida como religião oficial do Estado e, por vezes, pagava os
salários de padres e bispos. Nesse contexto, o termo “freguês” servia para designar os
paroquianos, que eram, por sua vez, “fregueses” do pároco. As freguesias correspondiam
às diversas paróquias mantidas pela direção dos padres, e aos bispos cabia o comando das
dioceses, típica organização administrativa religiosa, que abrangia geralmente diversos
municípios, ou seja, diversas freguesias. Morales de Los Rios descreve perfeitamente
estas relações
“a divisão territorial – a freguesia – era a mesma para a Igreja, a
polícia e a municipalidade. Aquela denominação provém de
freguês porque todo aquele que pertence a uma paróquia é
freguês da mesma. Portanto, paroquiano é o freguês da paróquia.
E esta é, por sua vez, a igreja matriz em que existe pároco”.69

Nos 5 livros tabulados, a maioria dos assentos registrados foi referente a


matrimônios realizados dentro dos limites da freguesia da Candelária. Por outro lado,
cerca de ¼ deles foi celebrado fora, ou seja, nas demais Igrejas da cidade em freguesias
vizinhas, como Santa Rita, São Francisco Xavier ou Engenho Velho, em paróquias mais
distantes como Niterói e Paquetá, ou até mesmo a Cidade de Goiás, que a partir de 1745
foi promovida a Prelazia, embora ainda subordinada à Diocese do Rio de Janeiro. Vale
lembrar que o lançamento de registros concernentes a cerimônias realizadas em outras
localidades era uma determinação do Direito Canônico no que concerne aos direitos
paroquiais. Desse modo, um freguês estava subordinado a seu pároco e, caso optasse em
casar em outra freguesia, deveria solicitar a dispensa do sacerdote e, em seguida, realizada
a cerimônia, o assento deveria ser feito no livro paroquial de procedência do freguês.
No Livro 9 da Freguesia da Candelária, por exemplo, encontramos um casamento
realizado na Capela de Nossa Senhora da Boa Morte da Cidade de Goiás. Nele consta
que, em 1822, Manoel Alves Pereira de Macedo, português nascido em Braga e residente
na freguesia da Candelária, casou-se com Dona Maria Julia de Jesus, nascida e batizada
na Cidade de Goiás. Neste caso, é provável que o sítio de nascimento da noiva tenha sido
decisivo na escolha do local para a cerimônia por parte dos nubentes, no entanto,
conforme dito anteriormente, o noivo certamente precisou da licença de seu pároco para

69
FILHO, Adolfo Morales de Los Rios. O Rio de Janeiro Imperial. Rio de Janeiro: Editora Univercidade,
2000, p. 481.

51
casar em outra freguesia e o assento do sacramento foi também reproduzido no local de
residência do noivo.
É provável que a Paróquia da Candelária tenha estabelecido uma rígida política
de controle sobre o registro dos seus fregueses que contraíram matrimônio fora dos seus
limites. A Candelária como uma freguesia importante possuía a figura do coadjutor, o que
provavelmente facilitava o acompanhamento desses registros. Quando recortamos, por
exemplo, apenas o tempo em que o padre Sebastião dos Reis Saraiva atuou como
coadjutor na Matriz da Candelária (1818 a 1834)70, 319 casamentos foram registrados
como tendo sido realizados na Freguesia e 288 em outras diferentes localidades. O dito
padre foi coadjutor71 de seu antecessor, Luiz Mendes de Vasconcellos Pinto e Menezes
e, com o falecimento deste, em 1834, passou a ser o colado72 da paróquia até o fim da
vida, em 185773. Dentre os lugares de cerimônia encontrados nesse período temos
freguesias próximas como Santana, Sacramento e São José e localidades mais distantes
como Engenho Velho, Niterói e Magé.
Desse modo, percebemos que um determinado espaço ou uma dada localidade não
podem ser definidos apenas como um pedaço de território estabelecido e delimitado por
decisões de natureza político-administrativa. Devemos compreender que um território, ou
neste caso uma Freguesia, é formado a partir da interação de atores sociais, em um espaço
geográfico dado, onde o sentimento de pertencimento dos agentes locais e suas
identidades são constantemente construídos e reconstruídos ao longo dos processos
históricos.74
A estabilidade e solidez dos vínculos está intimamente relacionada à estabilidade
na permanência em um determinado lugar. Não por acaso nas Ordenações Filipinas estão
previstas considerações sobre o que é necessário para definir um morador de uma
determinada localidade como vizinho. Dentre os critérios utilizados, o tempo de
permanência e moradia em um mesmo lugar são considerados fundamentais. No título 56

70
ACMRJ - Registros de Matrimônio Freguesia de Nossa Senhora da Candelária. Livros 6, 7, 8, 9 e 10
(1750 a 1866).
71
Sacerdote nomeado para auxiliar e, eventualmente, substituir o padre no exercício de suas funções.
72
Sacerdote que assumia permanentemente as atividades paroquias em decorrência de concurso público,
em função da instituição do Padroado. Era considerado funcionário público do Estado e, além disso, recebia
um salário (côngrua) derivado do dízimo.
73
SANTOS, Antônio Alves Ferreira dos. A Archidiocese de S. Sebastião do Rio de Janeiro: subsídio para
a História eclesiástica do Rio de Janeiro, capital do Brasil. Rio de Janeiro: Typografia Leuzinger. 1914,
p.138.
74
PECQUEUR, B., 1987. De l’espace fonctionnel à l’espace-territoire: essai sur le développement local.
Grenoble, Université des Sciences Sociales, Thèse de doctorat, 475 p.

52
do Livro 2 das “Ordenações” dedicado a definir de que “modo e tempo se faz alguém
vizinho, para gozar dos privilégios de vizinho”, consta que

1. Seja tambem qualquer, natural, ou não natural de nossos


Reinos, havido por visinho da Villa, ou lugar, em que casar com
mulher da terra, enquanto hi morar, ou onde tiver maior parte de
seus bens, com tenção e vontade de ali moral. E se dahi se partir,
e fòr morar a outra parte com sua mulher, casa e fazenda, com
tenção de mudar o domicilio, e depois tornar a morar ao dito
lugar, onde assi casou, não será havido por visinho, salvo
morando hi per quatro annos continuadamenle com sua mulher,
filhos, e fazenda, os quaes acabados, queremos, que seja havido
por visinho.
2. E se algum se mudar com sua mulher, e com toda sua fazenda,
ou a maior parle della do lugar, onde era visinho, para outro
lugar, não será havido por visinho do lugar, para onde novamente
se for viver, até nelle morar com sua mulher, e toda sua fazenda,
ou a maior parle della continuadamente outros quatro annos, os
quaes acabados, será havido por visinho, e de outra alguma
maneira fóra dos casos declarados nesta Lei, nenhum poderá ser
havido por visinho, nem gozar do privile- gios e liberdades de
visinho, quando a ser exempro de pagar os Direitos Reaes, de que
per bem de alguns Foraes e privilegios, dados a alguns lugares,
os visinhos são exemplos.75

Tamar Herzog também demonstra que, para o mundo espanhol, o conceito de


vecino era utilizado para designar aqueles que passavam a ter o reconhecimento da
comunidade mediante sua permanência e criação de raízes locais. Os vecinos passavam a
ter um conjunto de direitos – embora a ideia de privilégios seja mais afeita à cultura
política do Antigo Regime – podendo participar da escolha política de líderes nos
conselhos, partilhar de privilégios comerciais, mas também devendo submeter-se aos
costumes e às autoridades locais.76
Talvez por isso, no caso da Candelária, a dinâmica em torno dos locais das
cerimônias nos mostra que o local de moradia era utilizado, por seus moradores, como
referencial para diversas ações coletivas onde relações e laços de sociabilidade são
criados e reforçados, inclusive na determinação das escolhas das testemunhas. Por maior
que fosse o cotidiano de mobilidade espacial dos habitantes da urbe carioca entre meados
do século XVIII e XIX, o lugar de residência foi fundamental como elemento organizador
e definidor de suas vivências e práticas. Pertencer a uma paróquia na condição de freguês

75
ORDENAÇÕES FILIPINAS. Livro II, Título 86, Edição de Cândido Mendes de Almeida, Rio de Janeiro
de 1870. Título LVI, Livro 2. pp. 490-491.
76
HERZOG, Tamar. Defining nations: immigrants and citizens in early modern Spain and Spanish
America. Londres: Yale University Press, 2003, p. 1-16.

53
gerava uma forte influência sobre o cotidiano de seus moradores, mesmo em freguesias
como a Candelária cuja natureza comercial gerava uma constante movimentação de
mercadorias e pessoas.
Das Freguesias da cidade do Rio de Janeiro, a da Candelária era considerada,
segundo Nireu Cavalcante, aquela cujas caraterísticas eram as mais tipicamente urbanas.
Apesar de seu tamanho reduzido, ela possuía no século XVIII a maior taxa de ocupação
da cidade. Segundo o autor, desde o setecentos, “a possibilidade de crescimento predial
só poderia ocorrer por meio de verticalização, seja por acréscimo às construções
existentes, seja com demolições, em cujos espaços se ergueriam novos prédios com vários
pavimentos”.77
A Freguesia da Candelária foi criada em 1569 a partir do desmembramento
daquela que era, até esse momento, a primeira e única freguesia da cidade, a da Sé.
Segundo Antônio Santos, a data precisa de seu estabelecimento como Paróquia é ignorada
e, desse modo, convencionou-se admitir o ano de 1634 como marco de sua fundação, o
mesmo ano de início dos primeiros registros de batismos da Igreja.78 José Victorino de
Souza em seu livro “A história da Igreja da Candelária”, publicado em 1889, afirma que
a Igreja teve origem em uma pequena capela construída na várzea da cidade do Rio de
Janeiro, fruto do pagamento de uma promessa feita pelo capitão Antônio Martins de
Palma e Leonor Gonçalves por ocasião de uma forte tempestade enfrentada pelo casal no
trajeto entre a Europa e as “Índias de Espanha”. José Victorino de Souza confirma o ano
de 1634 como marco temporal para o estabelecimento da Freguesia e para a elevação da
Capela de Nossa Senhora da Candelária à categoria de Igreja Paroquial.79 Segundo o
autor, desgostosos com a perda de autoridade e com as prerrogativas assumidas pelo
Pároco, o casal doa a igreja, em 1639, à Santa Casa de Misericórdia. As primeiras
reformas nas instalações da igreja só aconteceram em 1710, e foram custeadas pela
Irmandade do Santíssimo criada desde 1648. Com o tempo, a deterioração física do
templo ensejou a construção de uma nova igreja cuja obra, iniciada em 1775, foi levada
a cabo também pela Irmandade. A partir desse momento, a igreja passou por diversos

77
CAVALCANTI, Nireu. O Rio de Janeiro setecentista: a vida e a construção da cidade da invasão francesa
até a chegada da corte. Rio de Janeiro: Zahar, 2004, p. 262
78
SANTOS, Antônio Alves Ferreira dos. A Archidiocese de S. Sebastião do Rio de Janeiro: subsídio para
a História eclesiástica do Rio de Janeiro, capital do Brasil. Rio de Janeiro: Typografia Leuzinger. 1914,
p.137.
79
SOUZA, José Victorino de. A Igreja da Candelária desde sua fundação. Rio de Janeiro: Ed. DebreT,
1998, p.13.

54
períodos de intervenções arquitetônicas que a transformaram no prédio monumental que
encontramos ainda hoje ao final da Avenida Presidente Vargas.
Mais tarde em, 1749, da freguesia da Candelária, foram desmembradas as
freguesias de Santa Rita e São José e a partir da cartografia da época é possível vislumbrar
o espaço geográfico a que nos referimos. 80 No mapa a seguir, produzido em meados do
século XVIII, podemos observar um detalhe de parte da cidade do Rio de Janeiro banhada
pela Baia de Guanabara e nele vemos indicadas, com cores distintas, da esquerda para a
direita, às freguesias de Santa Rita, Candelária e São José.

Mapa 1 – “Planta da cidade do Rio de Janeiro” (1767)

Fonte: Acervo da mapoteca do Arquivo Histórico do Exército (Rio de Janeiro, Brasil)

Desse modo, a partir da segunda metade do século XVIII, os limites da Candelária


foram demarcados por um lado entre a Rua dos Ourives (atual Miguel Couto81) e o mar
e, por outro, entre a Rua do Cano (atual Sete de Setembro) e a Rua das Violas (atual
Theophilo Ottoni).82 Noronha Santos é ainda mais preciso na descrição do espaço da

80
CAVALCANTI, Nireu. O Rio de Janeiro setecentista: a vida e a construção da cidade da invasão francesa
até a chegada da corte. Rio de Janeiro: Zahar, 2004, p. 26o
81
Boa parte da Rua dos Ourives foi destruída com a abertura da Av. Presidente Vargas. Porém, no início
da via, uma parte do que restou do traçado original dela teve o nome alterado para Miguel Couto, e outra
parte localizada no final da rua foi renomeada como Rodrigo Silva.
82
SANTOS, Antônio Alves Ferreira dos. A Archidiocese de S. Sebastião do Rio de Janeiro: subsídio para
a História eclesiástica do Rio de Janeiro, capital do Brasil. Rio de Janeiro: Typografia Leuzinger. 1914,
p.136.

55
Freguesia e esmiúça algumas das ruas contidas nesse ambiente: São Pedro, Rua do Sabão
(General Câmara a partir do século XIX), Alfândega, Hospício (atual Buenos Aires),
Rosário, Ouvidor e Rua da Vala (atual Uruguaiana). De acordo com o mapa, podemos
acrescentar a essa lista a Rua do Sabão (extinta com a abertura da Av. Presidente Vargas),
parte da Rua da Vala (atual Uruguaiana) e parte da Rua Direita (hoje, Primeiro de Março).
Esse último logradouro, aliás, recebeu destaque nos relatos de John Lucoock e foi
denominada por ele como a mais importante e ampla rua da cidade.83 O jornalista Brasil
Gerson em seu livro “História das Ruas do Rio de Janeiro” também enfatizou o prestígio
da dita rua comparando-a com vizinha Rua do Ouvidor. Segundo ele era
“muito comum dizer-se da Rua do Ouvidor que ela foi a rua líder
do Rio antes da abertura da Avenida Rio Branco. Mas desse
privilégio ela só desfrutou na segunda metade do século XIX e
nos primeiros decênios do XX. Até então. E desde o século
XVIII, a principal fora a Rua Direita.” 84

A região que englobava as Rua Direita e Alfândega era a que mais vivia a
efervescência das atividades relacionadas ao porto da cidade referentes, sobretudo, ao
comércio de importação e exportação dos mais diversos gêneros e produtos. No entorno
da região portuária havia uma ebulição de atividades envolvendo diferentes extratos
sociais e os escravos ocupavam em grande medida as atividades no porto. Escravos
urbanos se misturavam com escravos rurais que chegavam trazendo produtos para serem
comercializados na cidade; mulheres quituteiras, escravas e forras, exibiam e ofereciam
seus pratos e iguarias àqueles que pudessem pagar por eles; escravos carregadores se
achavam a disposição para os mais variados serviços.
“Eram os escravos que remavam até a praia, carregavam cargas
sobre suas cabeças e ombros ou punham-nas em carroça.
Carregavam a até mesmo os passageiros dos barcos pequenos até
a praia. Ao voltar levavam sacos de café, açúcar e outros
produtos de exportação do Brasil para os navios. Ajudavam
também no desembarque de outra carga: os novos africanos, a
caminho do armazém do Valongo.”85

Localizar e abordar o espaço geográfico escolhido por diversos homens e


mulheres para celebrar seus enlaces matrimoniais ajuda a perceber e definir melhor o
campo em que esses personagens estão inseridos. Não podemos esquecer o fato de que

83
LUCCOCK, John. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia; São
Paulo, Ed. Da Universidade de São Paulo, 1975, p. 25.
84
GERSON, Brasil. “Histórias das Ruas do Rio de Janeiro”. Rio de Janeiro: Bem-te-vi, 2015, p. 28
85
KARASCH, Mary C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo: Companhia das
Letras, 2000, p.102.

56
tal espaço também é fruto de processos históricos e deve ser compreendido como síntese
de relações sociais e da correlação de forças travadas nele. Sua disposição espacial e
funções socioeconômicas são definidas e construídas historicamente de modo que as
interações sociais travadas aqui ao mesmo tempo em que influenciam o espaço são
influenciadas por ela.86

2.1. A cidade e a rua como espaço da festa e da religiosidade

Na colônia, um modo muito comum de ocupação do espaço urbano eram os


festejos. Uma tradição trazida de Portugal, por exemplo, foram os festejos de natureza
política como as celebrações dinásticas, as de aclamação ou mesmo aqueles em
comemoração ao nascimento ou casamento de personalidades políticas. A cidade do Rio
de Janeiro experimentou vários dias de festejos por ocasião do recebimento da notícia do
nascimento do príncipe D. José. As comemorações foram iniciadas com um tríduo de
missas rezadas pelo bispo e, na tarde do terceiro dia, foi preparada uma procissão que
teve como cenário as fachadas das casas ornadas e iluminadas, e contou com a presença
de todas as ordens e confrarias da cidade.
“Depois vieram os espetáculos: touradas e jogos de argolinhas,
no curro especialmente construído para a ocasião. Antes de
começarem os jogos, houve apresentação de ‘muitas invenções
festivas’: danças de ciganas, contradança de cajadinhos, dos
alfaiates, e desfiles de três carros trunfais, feitos,
respectivamente, pelas corporações dos ourives, carpinteiros e
sapateiros. Num dos dias os homens pardos da cidade
apresentaram uma farsa, imitando a corte do rei dos congos e, em
um teatro construído na praça em frente ao palácio, foram
encenadas três óperas, financiadas pelos homens de negócio.”87

Foi assim também em 1786 nas comemorações planejadas para o casamento de


D. João com a princesa Carlota Joaquina. Na ocasião foi preparada uma programação
festiva para o Passeio Público e um desfile de carros alegóricos projetados e
ornamentados especialmente para o evento. Tudo isso não antes de rezar-se o tradicional
tríduo de missas na Igreja de São Bento.88

86
SANTOS, M. Por uma Geografia Nova. São Paulo: Hucitec, Edusp, 1978.
87
ALGRANTI, Leila Mezan. “Famílias e vida doméstica”. In: SOUZA, Laura de Mello e. História da vida
privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras,
1997, p. 69
88
ALGRANTI, Leila Mezan. “Famílias e vida doméstica”. In: SOUZA, Laura de Mello e. História da vida
privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras,
1997, p. 67-76.

57
É bem verdade que não devemos perder de vista o fato de tais festejos ligados a
governança serem parte de uma estratégia política. Funcionários régios, membros da
justiça e da administração local, nobreza da terra e famílias de fortuna, além do corpo
eclesiástico nessas ocasiões estavam expostos ao lado do restante dos colonos como parte
do corpo e da hierarquia social. Cada festa tornava-se um bom ensejo para que as elites
reafirmassem seu domínio e status frente a seus subalternos, ao mesmo tempo em que se
prestava como excelente ocasião para a monarquia ostentar seu poder para com seus
funcionários e súditos. Tais festejos podiam contribuir para reforçar e criar vínculos de
solidariedade, amizade e afeto, mas também podiam ser momentos propícios para
revigorar laços de subordinação, serviço e clientela.
Desse modo, as Igrejas e Capelas bem como as ruas, praças e mercados eram os
espaços privilegiados de encontro e socialização. Sobretudo para os escravos, o ambiente
público era o lugar não só para trabalhar e ganhar dinheiro, mas para se reunir, divertir e
reforçar laços de amizade, solidariedade e afeto. Nesse sentido, o espaço urbano do Rio
de Janeiro era um espaço repleto de pontos de reunião e encontro para os mais diversos
grupos e estratos sociais. Em uma cidade portuária, como o Rio de Janeiro, mercados,
praças, fontes, quitandas e templos religiosos serviam de ambiente para todo tipo de
interação, que podiam ir dos mais impessoais e frios como aqueles de natureza mercantil
envolvendo trocas e negociações, até aqueles mais pessoais e íntimos como os encontros
amorosos, que eventualmente se convertiam em enlaces matrimoniais.89
Leila Algranti chama atenção para o fato de que não havia uma precisão na
distinção entre o ambiente público e o privado no período colonial e, além disso, a
sociabilidade vivida pelos colonos era eminentemente externa principalmente em se
tratando de atos de fé e devoção. O ambiente público e o espaço da rua eram os lugares
das festas dos santos, da semana santa e das procissões que, por sua vez, eram também a
ocasião privilegiada para a diversão.90
“No mundo americano, durante os primeiros séculos da
colonização, o espaço da sociabilidade para a maior parte da
população se encontrava fora dos domicílios, fosse ele na rua ou

89
Conforme a abordagem adotada no presente trabalho, o casamento é entendido sobretudo como ocasião
privilegiada para a construção e consolidação de alianças e estratégias no contexto do Antigo Regime.
Desse modo, não se trata aqui de adotar uma visão romântica do casamento típica da segunda metade do
século XIX mas, tão somente, de vislumbrar o espaço da cidade como ambiente de encontros entre homens
e mulheres cuja dimensão do afeto e seus desdobramentos matrimoniais não precisam ser desconsiderados
de forma absoluta.
90
ALGRANTI, Leila Mezan. “Famílias e vida doméstica”. In: SOUZA, Laura de Mello e. História da vida
privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras,
1997.

58
na igreja uma vez que os grandes momentos de interação social
eram as festas religiosas comemoradas com procissões, missas e
te-déuns.”91

No catolicismo barroco e festivo experimentado na colônia, a religião estava


imbricada na vida do devoto, mas não era vivenciada exclusivamente em seu ambiente
doméstico, muito pelo contrário. Era muito importante a participação dos fiéis nos rituais
públicos
“Assim, a missa obrigatória aos domingos e dias santos de guarda
– um total de 98 feriados!-, a obrigação da desobriga pascal
(atestado assinado pelo vigário que o freguês confessou-se e
comungou ao menos uma vez por ocasião da Páscoa da
Ressurreição) a indispensabilidade da frequência aos
sacramentos, são algumas das práticas religiosas amalgamadoras
do corpo místico no Brasil de antanho”92

Além de suas práticas e exercícios individuais e da participação nas missas, o fiel


era incentivado e aconselhado, como vemos, a manifestar publicamente sua religiosidade
dentro e fora dos templos religiosos por meio da participação em um sem fim de
atividades: procissões, bênçãos do Santíssimo, novenas, e tríduos dedicados aos santos,
as romarias e as celebrações da Semana Santa. Esse modelo de experiência e prática
devocional era um traço da cultura religiosa portuguesa desde o início do período
moderno.
“Quase toda semana em Portugal seiscentista os fiéis deviam
passar horas seguidas reunidos na igreja, capelas ou ermidas,
rezando cantando, ouvindo sermões ou assistindo a
representações religiosas, como presépios, autos de fé,
lausperenes, vias sacras etc., não apenas em sua própria vila ou
cidade, mas também nas terras circunvizinhas”.93

Não por acaso, a dinâmica da religiosidade católica na colônia, com seus festejos
e manifestações públicas, imprimiam efeitos na cidade que extrapolavam o ambiente e os
aspectos devocionais. Em 1813, enquanto ainda residia no Rio de Janeiro John Luccock

91
ALGRANTI, Leila Mezan. “Famílias e vida doméstica”. In: SOUZA, Laura de Mello e. História da vida
privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras,
1997, p.113.
92
MOTT, Luiz. “Cotidiano e vivência religiosa: entre a capela e calundu”. In: SOUZA, Laura de Mello e.
História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia
das Letras, 1997, p.159.
93
MOTT, Luiz. “Cotidiano e vivência religiosa: entre a capela e calundu”. In: SOUZA, Laura de Mello e.
História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia
das Letras, 1997, p.160.

59
observou as mudanças duradouras ocorridas na cidade e nas pessoas em decorrência das
cerimônias e festas religiosas:
“Às mulheres, com exceção única das de alta categoria, o paço
era vedado, como vedado lhes era penetrarem na plateia do
teatro. Mas a Igreja é aberta a todos e suas práticas interessam
igualmente a ambos os sexos; por isso, pais e maridos se viram
compelidos, sob a nova ordem de coisas, a afrouxar a disciplina
caseira e abrir as portas dos seus haréns. (...) Tinha-se que visitar
umas tantas capelas, as concessões por que ansiavam as damas
tinham que ser imploradas sobre os altares, as promessas tinham
que ser pagas aos santos padroeiros em dias e locais mais
especialmente consagrados a semelhantes intentos. E assim se
ressuscitou e multiplicou um misto de religiosidade e
divertimento, algo parecido com as nossas festas religiosas de
aldeia dos tempos antigos. O clima delicioso do Brasil e a lua
cheia resplandecente prestaram sua ajuda no animar tais
encontros e prolongar seus prazeres. Tinha-se ali uma grata
ocasião de ser visto e admirado; cultivava-se ali o amor dos trajes
e da exibição e essa atenção ao apuro, que é de valor
infinitamente maior.”94

Conforme vemos, o viajante inglês foi astuto em perceber o fato de que para os
homens e, principalmente, para as mulheres na colônia os eventos religiosos eram
também ocasião de confraternização, divertimento e socialização. A Igreja Católica, com
seu intenso calendário religioso anual, lançava frequentemente seus fiéis ao espaço
público, cumprindo um importante papel na promoção da interação e da sociabilidade dos
moradores das cidades, vilas e arraiás.95
Para dar um exemplo: embora as festividades em homenagem à padroeira da
Freguesia da Candelária e de sua matriz aconteçam no dia 2 de fevereiro de cada ano,
especialmente em 1811 o mês de setembro foi repleto de celebrações e festas em função
do término da primeira etapa na construção do novo templo iniciado em 1755. Em oito
de setembro foi celebrada a primeira missa na nova Igreja, já no dia 18 foi feita, em
procissão por diversas ruas da cidade, a transladação do Santíssimo, da imagem da
padroeira e de diversos outros santos. Tal procissão foi acompanhada pelo bispo
Diocesano e pelo de Moçambique e, além disso, contou a guarda do batalhão de milícias
da Candelária e com a participação de diversas irmandades existentes na Freguesia e na
cidade como a do Santíssimo Sacramento da Sé, Santíssimo de São José, Mãe dos

94
LUCCOCK, John. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia; São
Paulo, Ed. Da Universidade de São Paulo, 1975, p. 165.
95
ALGRANTI, Leila Mezan. “Famílias e vida doméstica”. In: SOUZA, Laura de Mello e. História da vida
privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras,
1997, p. 114.

60
Homens, Lapa dos Mercadores, entre outras. Além da missa e da procissão, no dia
seguinte, 19, foi realizada a primeira festividade do Santíssimo Sacramento. Como se não
bastasse os três dias de atividades para os dias 20 e 21 foi planejado um tríduo e, por fim,
no dia 22, uma festa para a padroeira.96
O espaço da rua era o locus da relação e da interação por excelência. Se o
domicílio foi o espaço de convivência da intimidade, as ruas da freguesia foram o espaço
para o estabelecimento de conexões e vínculos. No período colonial, “a cidade e suas
dependências se tornavam, assim, palco para formas de sociabilidade.”97 Nesse sentido,
o espaço público pode ser entendido como o campo principal para onde o pesquisador
deve lançar seu olhar para observar as relações dos atores sociais.
“Entre os séculos XVI e XVIII, falar de uma vida privada na
Colônia pode levar a certos equívocos. Nos núcleos urbanos, o
que se nota é uma sociabilidade que ocorre de modo
predominante fora da casa, pautada por um mundo em que todos
se conhecem, e em que se identificam socialmente pelas suas
vestes, pelos ofícios. Sabe-se, inclusive, quem é escravo de
quem.”98

O espaço da rua era vivido de forma tão constante e possuía uma dimensão tão
marcante no cotidiano da população que não era apenas o ambiente impessoal do
transeunte, mas, para muitos, o local do morador e do frequentador que davam ao espaço
público da rua uma dimensão pessoal e, por vezes, quase afetiva. Não por acaso Algranti
afirma que
“nas vilas e cidades as ruas não tinham muitas vezes nomes ou
números, e os logradouros eram identificados por algum sinal
evidente, espécie de código que todos identificavam. ´A ladeira
que desce da casa de fulano´, ´a rua atrás da venda de beltrano´,
ou até de forma mais evidente: ´rua dos ferreiros´, ´de fronte da
casa do falecido tal´, são formas utilizadas nos documentos
oficiais para identificar moradias e moradores.”99 (p.152)

96
SOUZA, José Victorino de. A Igreja da Candelária desde sua fundação. Rio de Janeiro: Ed. DebreT,
1998, p.21.
97
ALGRANTI, Leila Mezan. “Famílias e vida doméstica”. In: SOUZA, Laura de Mello e. História da vida
privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras,
1997, p. 113.
98
ALGRANTI, Leila Mezan. “Famílias e vida doméstica”. In: SOUZA, Laura de Mello e. História da vida
privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras,
1997, p. 152.
99
ALGRANTI, Leila Mezan. “Famílias e vida doméstica”. In: SOUZA, Laura de Mello e. História da vida
privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras,
1997, p. 113.

61
As moradias típicas de cidades como o Rio de Janeiro, e em especial de Freguesias
como a da Candelária fortemente verticalizada, eram os sobrados com dois ou três
pavimentos onde o andar térreo destinava-se, não raras vezes, a abertura de uma loja.
Segundo Luccock, nessas casas “o pavimento inferior é, em geral, ocupado pela loja ou
armazém; o segundo e terceiro, quando este existe, pelos aposentos da família, para cujo
acesso existem corredores estreitos e compridos, tirados do andar térreo e comunicando
com a rua.”100 Os encontros, acordos, reuniões brigas e fuxicos tinham ponto específico
e apropriado para acontecer: as vendas, as lojas, as quitandas coloniais. John Lucoock faz
uma primorosa descrição desse ambiente tão popular no período colonial:
“Em geral a loja ocupa a frente toda do prédio, salvo nos casos
em que há um corredor que leva aos demais aposentos. Muitos
deles medem dezoito pés e possuem duas portas, aberturas únicas
pelas quais se admita o ar e que nunca são fechadas senão por
breve espaço à hora do jantar e, depois, durante a noite. A parte
dianteira da loja forma um espaço vazio para os fregueses; o
balcão vai sempre de uma parede a outra, paralelamente a rua.
Por trás do balcão vê-se uma robusta mesa velha sobre a qual por
vezes se empilham os artigos a venda; noutras ocasiões serve
para que nela se depositemos artigos que tem que ser arrumados
em seus lugares respectivos, uma vez servido o freguês. As
paredes da loja até a altura de três pés são, no geral, munidas de
gaveteiras e, por cima destas, com armários envidraçados,
faustosamente pintados. Este é um dos poucos fins para o qual se
usa vidraça no Brasil.”101

Johan Moritiz Rugendas, em seu quadro “Venda no Recife” nos dá a rara


possibilidade de vislumbrar aspectos não só físicos como sociológicos desse espaço que
transcendia a finalidade comercial da compra e venda de produtos e adentrava a esfera
das relações sociais e até afetivas.

100
LUCCOCK, John. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia; São
Paulo, Ed. Da Universidade de São Paulo, 1975, p. 25.
101
LUCCOCK, John. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia; São
Paulo, Ed. Da Universidade de São Paulo, 1975, p. 72.

62
Figura 2 – Uma venda na cidade

Fonte: “A Venda no Recife”. RUGENDAS, João Maurício. Viagem Pitoresca Através do Brasil.
São Paulo: Martins/Ed. Universidade de São Paulo, 1972. Prancha 77

Este quadro, embora retrate a cidade do Recife, nos traz uma imagem que poderia
perfeitamente ser encontrada em qualquer cidade colonial. Conforme descrito acima, de
acordo ao relato de Luccock sobre uma venda no Rio de Janeiro podemos conferir
inúmeras semelhanças com a tela pintada por Rugendas: vemos uma casa cujo pavimento
térreo é destinado a loja que, nesse caso, embora não ocupe a frente toda do prédio, ocupa
boa parte da lateral do edifício; em consonância com o relato do viajante, a loja do retrato
possui duas portas que de fato parecem ser as únicas aberturas para a passagem da
ventilação; na parte dianteira dessa loja também observamos um espaço para a circulação
dos fregueses com a presença ao fundo de uma balcão paralelo à rua; por trás do balcão,
de fato conforme aponta Luccock, vemos uma pilha de sacos com artigos secos para
serem comercializados; e nas paredes embora não vejamos gaveteiros, observamos
prateleiras com inúmeros artigos empilhados ou pendurados para a venda. Porém, o que
chama a atenção logo no primeiro plano da cena retratada neste quadro é uma profusão
de gentes das mais variadas estirpes, cores e idades em animada interação. Alguns com
uma postura indicativa de certa demora no ambiente, outros com um posicionamento
corporal mais próximo de quem está em trânsito, mas todos em momento de encontro e
interação.

63
2.2. A cidade e a freguesia: espaços em mudança

Noronha Santos, em seu livro “As Freguesias do Rio Antigo”, assinala o fato de a
Candelária estar situada na zona comercial da cidade e de nela podermos encontrar
inúmeros estabelecimentos públicos e particulares que ajudaram a consolidar a freguesia
como um importante espaço da colônia, e mais tarde do império, do ponto de vista
socioeconômico.102 As instalações da Alfândega, ocupando o lugar da antiga Praça do
Comercio a partir de 1824103 e a Repartição Geral dos Telégrafos de 1864 eram vizinhos
a inúmeros consulados, bancos nacionais e estrangeiros, companhias de navegação
nacionais e estrangeiras e muitos outros estabelecimentos.104 Noronha Santos, também
ressalta o fato de a Candelária possuir importante comércio importador e exportador de
fazendas, fumos, café, algodão e, além disso, grande número de casas comerciais como
bazares, drogarias, cafés, quitandas, tipografias, loterias, lojas de corretores de navios, de
livros, de moda etc.105 Não por acaso, o porto da cidade do Rio de Janeiro tornou-se, em
meados do século XVIII, o mais importante de todo o Império Português, superando em
prestígio inclusive o da praça mercantil de Lisboa.106
Depois da descoberta de ouro e diamante nas Gerais no final do século XVII e da
consequente abertura do chamado Caminho Novo no início do século XVIII ligando
Minas ao Rio de forma mais ligeira, a atividade portuária e a cidade do Rio de Janeiro
experimentaram um crescimento vertiginoso em relação a períodos anteriores. Em finais
do setecentos, o Porto carioca já era o maior da colônia, ultrapassando em importância o
da Bahia e o de Pernambuco.107 Segundo Eulalia Lobo, após o crescimento da atividade
mineradora,
“o Rio de Janeiro foi o maior beneficiado com essa nova
atividade econômica ao se converter no principal escoadouro dos
metais e pedras preciosas para a Europa e centro da zona
abastecedora da região mineira. A capitania do Rio de Janeiro
exportava escravos, sal, farinha de mandioca, instrumentos de
ferro e gêneros a alimentícios produzidos na própria área.”108

102
SANTOS, Noronha. As Freguesias do Rio Antigo. Rio de Janeiro: Ed. O Cruzeiro, 1965.
103
Hoje o prédio abriga a chamada Casa França-Brasil.
104
FILHO, Adolfo Morales de Los Rios. O Rio de Janeiro Imperial. Rio de Janeiro: Editora Univercidade,
2000; KARASCH, Mary C. Op. cit.; SANTOS, Noronha. Op. cit.;
105
SANTOS, Noronha. As Freguesias do Rio Antigo. Rio de Janeiro: Ed. O Cruzeiro, 1965, p.18.
106
FRAGOSO, João. “A noção de economia colonial tardia no Rio de Janeiro e as conexões econômicas
do Império Português: 1790-1820”. In. FRAGOSO, João, BICALHO, Maria Fernanda Bicalho, GOUVÊA,
Maria de Fátima, (Orgs.) O antigo regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-
XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
107
CRUZ, Maria Cecília Velasco e. “O porto do Rio de Janeiro no século XIX: uma realidade de muitas
faces”, In: Tempo. Revista do Departamento de História da UFF, nº 8, Agosto de 1999, p. 2.
108
LOBO, Eulalia Maria Lahmeyer. História do Rio de Janeiro colonial: do capital comercial, ao capital

64
Entre as décadas de 50 e 70 do século XVIII, segundo Eulalia Lobo, o comércio do
Rio enfrentou uma fase difícil em função das políticas pombalinas, da crise da mineração
e da guerra entre as coroas ibéricas. Segundo a autora, a política mercantil nesse período
“se caracterizou pela proteção ao grande comerciante do Reino em detrimento do pequeno
comerciante da metrópole e da colônia.”109 É bem verdade que Antônio Carlos Jucá,
relativiza o impacto e a responsabilidade da política econômica pombalina pela crise. O
autor aponta o limite nocivo de tais políticas sobretudo em função da dependência do
sucesso destas à fatores não controlados pela Coroa como a instabilidade da conjuntura
europeia e a safra de produtos agrícolas coloniais. Além disso, Jucá destaca que já em
finais do setecentos o comércio experimentou uma fase de recuperação decorrente do
impacto da Revolução Haitiana no comércio internacional do açúcar que voltou a
demandar o produto brasileiro.110
De todo modo, apesar da conjuntura, a vocação comercial da Freguesia refletia a
função mercantil da cidade como um todo. Sendo assim, a Candelária se tonou, ao longo
do tempo, um ponto nevrálgico na articulação que Rio de Janeiro exercia entre o setor
produtivo da colônia, os comerciantes e a burocracia metropolitana e, não por acaso, sua
estrutura social foi sendo constituída de modo a cumprir tal função. 111 Os comerciantes
gozavam de grande prestígio na cidade e estavam presentes nela de forma maciça,
especialmente na Freguesia da Candelária habitada por muitos portugueses.112 Segundo
Nireu Cavalcante, além da freguesia abrigar os logradouros e os prédios comerciais mais
importantes da cidade, alojava os grandes estabelecimentos comerciais atacadistas de
exportação e importação dos mais notáveis negociantes da cidade. 113 A partir da
observação do Almanaque de 1794 produzido por Antônio Duarte Nunes, o autor destaca
que dos 127 homens de negócio do Rio, 114 tinham suas casas comerciais na Freguesia
da Candelária e, mais especificamente na Rua Direita. O restante se espalhava pelas ruas
do Sabão, de São Pedro e outras.

industrial e financeiro. Rio de Janeiro, IBMEC, 1978, p. 28.


109
LOBO, Eulalia Maria Lahmeyer. História do Rio de Janeiro colonial: do capital comercial, ao capital
industrial e financeiro. Rio de Janeiro, IBMEC, 1978, p. 39.
110
SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. “A economia do Império português no período pombalino”. In:
FALCON, Francisco, RODRIGUES, Cláudia. (Orgs.) A época pombalina no mundo luso brasileiro. Rio
de Janeiro: Ed. FGV, 2015.
111
LOBO, Eulalia Maria Lahmeyer. História do Rio de Janeiro colonial: do capital comercial, ao capital
industrial e financeiro. Rio de Janeiro, IBMEC, 1978.
112
SANTOS, Noronha. As Freguesias do Rio Antigo. Rio de Janeiro: Ed. O Cruzeiro, 1965, p.18.
113
CAVALCANTI, Nireu. O Rio de Janeiro setecentista: a vida e a construção da cidade da invasão
francesa até a chegada da corte. Rio de Janeiro: Zahar, 2004, p. 267.

65
Não por acaso John Luccock, viajante inglês chegado ao Brasil em meados de
1808, descreveu em suas “Notas sobre o Rio de Janeiro” parte do dia-a-dia desses
comerciantes na cidade:
“À hora matutina das sete, costumavam os mercadores visitar
aqueles que lhes traziam os gêneros. Uma vez examinadas as
partidas dos estrangeiros e feitas suas compras, voltavam para
casa a tomar a primeira refeição; passavam o resto da manhã a
flanar, negociando ligeiramente e, após um repasto apressado e
sem cerimônia, pelo meio-dia, retiravam-se para fazer a sesta tal
como todos os demais no Brasil. Em doce e voluptuoso abandono
deixavam transcorrer a parte mais cálida do dia, voltando, à tarde,
às suas visitas e outras diversões, de espíritos refeitos e nervos
retemperados.”114

Luccock, aliás, foi morador da Freguesia da Candelária na época em que aqui


esteve. Em função disso nos deixou um relato do cotidiano de seus vizinhos comerciantes
na famosa e movimentada Rua do Ouvidor:
“A primeira residência que tive no Rio fêz-me vizinho de uma
classe numerosa e importante dos seus habitantes. Era na esquina
da Rua do Ouvidor com a Rua da Quitanda; pois justamente
nesse canto, pela manhã de cada dia útil, os advogados junto com
os meirinhos se juntavam para tratar de seus negócios. Era então,
creio eu, o único lugar em que os homens de profissão ou do
comércio se reuniam para tal fim, e, por isso, a reunião tornava-
se objeto da atenção particular dos estrangeiros.”115

A Rua da Quitanda, ponto de referência do comércio varejista da cidade, também


mereceu destaque nos registros de viagem de Luccock. Comerciante por ocupação,
conseguiu habilmente mapear a geografia do comércio da cidade, em função, claro, de
seu interesse particular pelo tema.
“Durante nossa caminhada, observamos que as lojas varejistas se
limitavam ao comércio da cidade, sendo que a maior parte delas
a uma rua só, a Rua da Quitanda, enquanto que as atacadistas
ficavam situadas entre essa rua e o mar. As primeiras eram
pequenas, mas passavelmente bem fornidas com artefatos de
algodão e lã, alguns deles de fabricação inglesa e que pareciam
estar de há muito expostos à venda. (...) Os armazéns atacadistas
eram em geral constituídos por galpões longos e abertos,
prolongando-se até muito para trás das ruas.”116

114
LUCCOCK, John. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia; São
Paulo, Ed. Da Universidade de São Paulo, 1975, p. 71.
115
LUCCOCK, John. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia; São
Paulo, Ed. Da Universidade de São Paulo, 1975, p. 70.
116
LUCCOCK, John. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia; São
Paulo, Ed. Da Universidade de São Paulo, 1975, p. 26.

66
Iniciado o século XIX a cidade passou por agudas modificações em função da
chegada e instalação da corte portuguesa. O Rio de Janeiro torna-se o centro do império
português. Adolfo Morales de los Rios em seu livro “O Rio de Janeiro imperial” afirma,
referindo-se ao comércio urbano nessa época, que “a partir de 1808 aumentou o comércio,
montaram-se lojas e comércios, chegaram mais mercadores e toda sorte de vendedores,
circulou mais dinheiro, modificaram-se os costumes, alteraram-se as convenções”.117 Na
sequência da instalação da Corte, o Rio de Janeiro viveu do ponto de vista urbanístico,
um surto de saneamento e embelezamento experimentando abertura de novas ruas,
melhoramento de calçadas e a execução de novo nivelamento e pavimentação em
logradouros antigos. Além disso, a cidade avançou territorialmente tanto para oeste, em
direção ao Campo de Santana, quanto para o sul, rumo a Botafogo, de modo que, segundo
Morales de Los Rios, “tudo quanto ficava entre o mar e aquele campo foi denominado de
cidade velha”. 118
Transformada em centro político, administrativo e financeiro a cidade sofre um
forte impacto em sua dinâmica econômica e a medida tomada por D. João no sentido da
abertura dos portos às nações amigas teve forte responsabilidade nesse processo. Segundo
Morales de Los Rios, “o ato que abriu os portos ao comércio estrangeiro, que também
pode ser considerado como o primeiro realizado no sentido da emancipação política,
provocou como era natural, a vinda de maior número de navios ao porto do Rio de
Janeiro.”119 Houve, desse modo, um crescimento considerável das atividades portuárias
nesse período o que acabou ensejando a necessidade de mudanças na estrutura portuária.
O viajante inglês John Luccock permaneceu aqui, apesar de algumas interrupções, até
1818. Viveu, portanto, o impacto e as consequências para a economia e para a vida
cotidiana da cidade trazida pela chegada da família Real e pela abertura dos portos.
Segundo ele
“Entre os melhoramentos do comércio, devem citar-se o aumento
dos edifícios adjacentes à Alfândega, a regulamentação dos
trapiches públicos e a licença de depositar gêneros nas docas
particulares, debaixo de determinadas restrições. Os processos de
visitar e desembarcar os navios também mudaram para melhor,
aceitando-se ‘fiadores’ e ‘assinantes’ em lugar do pagamento
imediato dos direitos. Introduziram-se nos negócios maior

117
FILHO, Adolfo Morales de Los Rios. O Rio de Janeiro Imperial. Rio de Janeiro: Editora Univercidade,
2000, p.273.
118
FILHO, Adolfo Morales de Los Rios. O Rio de Janeiro Imperial. Rio de Janeiro: Editora Univercidade,
2000, p.36.
119
FILHO, Adolfo Morales de Los Rios. O Rio de Janeiro Imperial. Rio de Janeiro: Editora Univercidade,
2000, p.286.

67
presteza e ordem mais perfeita, vendo-se já mais raramente
homens que, sob o pretexto de andarem a cata de contrabandos,
batiam as carteiras dos varejistas.”120

A área geográfica ocupada pelo porto é expandida e os trapiches e depósitos


privados se proliferam na orla marítima de modo a atender a necessidade de agilizar os
despachos de navios que se amontoavam no porto e precisavam ser descarregados com
mais presteza.121

Mapa 2 – Planta da cidade do Rio de Janeiro (1817) 122

Fonte: Acervo da Fundação Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro Brasil)

Ao transformar-se na capital do império português e depois do Império do Brasil, a


cidade viu alterada sua população que cresceu significativamente entre os anos de 1808
e 1838. A vinda não só da nobreza e da burocracia lusa, mas também de mercadores,
camponeses e artistas, fez crescer a demanda por escravos, já incrementada

120
LUCCOCK, John. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia; São
Paulo, Ed. Da Universidade de São Paulo, 1975, p. 168.
121
CRUZ, Maria Cecília Velasco e. “O porto do Rio de Janeiro no século XIX: uma realidade de muitas
faces”, In: Tempo. Revista do Departamento de História da UFF, nº 8, Agosto de 1999.
122
“Planta da cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro. Levantada por ordem de sua Alteza Real o Príncipe
Regente Nosso Senhor no anno de 1808, feliz e memorável época de sua chegada à dita cidade. Na imprensa
Régia 1812”.

68
periodicamente pela dinâmica agroexportadora. Se em 1799 a cidade tinha 43.376
habitantes, em 1821 atinge a marca 79.321 e, em 1838 passa a ter 79.109 moradores.123
Quando observamos somente a evolução da população escrava no Rio de Janeiro
verificamos que eram 14.986 em 1799, chegam a 36.182 em 1821 e 28.913 em 1838. Tais
números são reflexos de uma lógica empresarial que buscou atender o aumento da
demanda por mão de obra gerada pelas rápidas mudanças econômicas e políticas vividas
pela cidade e pela colônia, com o incremento na importação de cativos oriundos da
África.124 Houve então uma expansão do tráfico e um aumento da quantidade de africanos
na cidade que, aliado ao número de imigrantes, fez crescer o número de estrangeiros,
dobrar a população escrava e transformar os homens e mulheres de cor em dois terços da
população. 125 Segundo Manolo Florentino, conforme vemos no Gráfico a seguir, o tráfico
realizado através do porto do Rio de Janeiro crescia em um ritmo de 5% ao ano com um
número de entradas de navios negreiros que saltou de uma média anual de 27 navios entre
1796 e 1808, para 47 no período entre 1809-25, e para 94 entre 1826-30.126

Gráfico 2 - Flutuações das entradas de navios negreiros no porto do Rio de Janeiro


(1796-1830)
140

120

100

80

60

40

20

0
1803

1805
1796
1797
1798
1799
1800
1801
1802

1804

1806
1807
1808
1809
1810
1811
1812
1813
1814
1815
1816
1817
1818
1819
1820
1821
1822
1823
1824
1825
1826
1827
1828
1829
1830

Fonte: FLORENTINO, Manolo. Em costas Negras: uma história do tráfico de escravos entre a
África e o Rio de Janeiro – séculos XVIII e XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p.46.

123
KARASCH, Mary C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo: Companhia das
Letras, 2000, p.109-111.
124
João Fragoso e Manolo Florentino elaboram uma abordagem inovadora e contundente a propósito da
estrutura e dinâmica própria da economia e da produção colonial neste período e sobre como tal dinâmica
foi geradora de um mercado de homens e de alimentos em circuitos internos de acumulação que se
desenvolveram para além do comércio com a Europa. Cf. FRAGOSO, João e FLORENTINO, Manolo. O
arcaísmo como projeto: mercado atlântico, sociedade agrária e elite mercantil no Rio de Janeiro, c, 1790-
c.1840. Rio de Janeiro: Diadorim, 1993.
125
KARASCH, Mary C. Op. cit. p.106.
126
FLORENTINO, Manolo. Em costas Negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio
de Janeiro – séculos XVIII e XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p.46.

69
Embora a escravidão e, sobretudo, a vida dos cativos tenham assumido
características específicas na urbe, o Rio de Janeiro e, especialmente a Candelária entre
meados do século XVIII e XIX, vivia basicamente do trabalho escravo que se constituiu
em presença marcante tanto no campo como nas cidades. As transformações ocorridas
após a chegada da família real em 1808 incrementaram ainda mais a necessidade de mão-
de-obra, que logo foi atendida por braços escravos oriundos do tráfico Atlântico. Além
dos cativos transportados de outras regiões da América portuguesa, a cidade recorria ao
tráfico direto da África que abastecia o Rio de Janeiro de braços africanos através de
firmas estabelecidas no mercado do Valongo, dos traficantes independentes e das casas
leiloeiras.
O número de escravos por senhor nas cidades era reduzido por conta principalmente
do tipo do trabalho que estes exerceriam e do espaço físico limitado das casas, contudo,
era grande o número de proprietários. Aqueles senhores que possuíam mais escravos que
o necessário para as tarefas domésticas podiam lançar mão do sistema de aluguel de
escravos a terceiros e com isso aumentar sua renda. Outra forma de trabalho amplamente
utilizada que se desenvolveu nas cidades foi o sistema de ganho. Exclusividade do meio
urbano, essa forma de trabalho permitia que os escravos fossem para as ruas fazer biscates
ou empreitadas à terceiros, e exigia que ao final de um determinado período entregassem
aos seus senhores uma soma previamente estabelecida. Alguns “escravos de ganho”
conseguiam ficar com a diferença entre o que arrecadavam e o que acordavam com seu
senhor e acumulavam, assim, algum pecúlio. No entanto, as quantias diárias ou semanais
a serem pagas podiam ser altas, o que fazia com que os escravos por vezes sequer
atingissem a soma exigida. 127
Muitos escravos urbanos se dedicavam às tarefas domésticas, alguns eram
obrigados a realização de serviços manuais considerados desqualificados e degradantes,
e um grande o número deles se dedicava a serviços especializados e podiam ser sapateiros,
ferreiros, alfaiates, carpinteiros, carregadores e vendedores, o que, com muita frequência,
levava os escravos a passarem boa parte do tempo fora da casa do senhor e, portanto,
longe de seu controle. É importante lembrar que Roberto Guedes destaca o papel do
trabalho também como veículo de mobilidade social ascendente. No caso dos escravos
com ofícios e alguma qualificação, havia uma diferenciação social clara em relação aos
demais cativos e entre os setores subalternos em geral, mas sobretudo entre os forros, tal

127
ALGRANTI, Leila Mezan. O Feitor Ausente: Estudo sobre escravidão urbana no Rio de Janeiro.
Petrópolis: Vozes, 1988.

70
qualificação era mais um signo de distinção e mobilidade. É bem verdade que o trabalho
tendia a ser depreciado em uma sociedade do Antigo Regime e, desse modo, um liberto
traria consigo o estigma do “defeito” mecânico e do rebaixamento social deixado pelo
tempo na escravidão. No entanto, o autor faz questão de lembrar que essa concepção
depreciativa do trabalho e do trabalhador variava no tempo e que, apesar disso, não
inviabilizava a mobilidade social ascendente de escravos e forros. Na verdade, Guedes
vai além e aposta na ideia de que o trabalho gerava espaços de autonomia e ascensão
social para os egressos do cativeiro, tanto do ponto de vista material quanto simbólico e
podia até ser percebido de forma positiva.128
O fato é que a presença dos homens de cor cativos ou não era uma marca da cidade
do Rio de Janeiro e não era diferente na Freguesia da Candelária. E, nesse ambiente, a
mobilidade espacial usufruída pelo escravo urbano lhe permitia inclusive misturar-se a
população negra livre e com muita facilidade serem confundidos com ela.
“(...) As camadas inferiores da população do Rio provavelmente
gozavam, a poder de hábito, de um repouso sólido durante a
noite. Antes das dez da manhã quando o sol começava a subir
alto e as sombras das casas se encurtavam, os homens brancos se
faziam raros pelas ruas e viam-se então os escravos madraceando
à vontade, ou sentados à soleira das portas, fiando, fazendo meias
ou tecendo uma espécie de erva, com que fabricam cestos e
chapéus. Outros, entre os quais provavelmente haviam alguns
pretos forros, prosseguiam nos seus trabalhos de entregadores,
saíam a recados ou levavam à venda, sobre pequenos tabuleiros,
frutas, doces, armarinhos, algodõezinhos estampados e uns
poucos outros gêneros. Todos eles eram pretos, tanto homens
como mulheres, e um estrangeiro que acontecesse de atravessar
a cidade pelo meio do dia quase que poderia supor-se
transplantado para o coração da África.”129

A lógica comercial desta freguesia estava fortemente entrelaçada à economia não


só da cidade, como também de toda a Colônia. Utilizando os censos populacionais
disponíveis, realizados na época, podemos perceber que a Freguesia da Candelária
também refletia as transformações sofridas pela população da cidade nesse período.
Enquanto na cidade do Rio de Janeiro, em 1821 havia 46% de moradores escravos, na
Freguesia da Candelária, no mesmo período, a presença de cativos representava 57% do
total.

128
GUEDES, Roberto. Egressos do cativeiro: trabalho, família aliança e mobilidade social (Porto Feliz,
São Paulo, c.1798-c.1850) Rio de Janeiro: Mauad X: FAPERJ, 2008.
129
LUCCOCK, John. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia; São
Paulo, Ed. Da Universidade de São Paulo, 1975, p. 74.

71
Tabela 1 - Número de habitantes na Cidade do Rio de Janeiro, Escravos na Cidade do
Rio de Janeiro e na Freguesia da Candelária nos anos de 1799, 1821, 1838 e 1849

Cidade do Rio de Janeiro Freguesia da Candelária


Ano Nº total de Nº total de % de Nº total de Nº total de % de
habitantes escravos escravos habitantes escravos escravos
1799 43.376 14.986 35% 9.488 4.636 49%
1821 79.321 36.182 46% 12.445 7.040 57%
1838 79.109 28.913 37% 10.113 4.297 42%
1849 92.081 58.256 63% 18.683 8.540 46%
Fonte: KARASCH, Mary C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo:
Companhia das Letras, 2000. p.109 a 112.130

A explicação para essa configuração passa também pelo medo que muitos tinham
do fim do tráfico, que levou ao investimento, por parte dos senhores, em escravos
africanos, e a consequente inundação de pretos no Rio de Janeiro durante a década de
1820.
Ao final da década de 1840 a população escrava na Cidade tendeu a diminuir
percentualmente em relação aos livres, por conta de uma volumosa imigração europeia,
cujos imigrantes começam inclusive a assumir trabalhos que antes eram restritos aos
escravos. Em 1838 os cativos eram 37% da população total, mas tornaram a subir na
década seguinte, mais que dobrando de volume, chegando a 63%, com a expectativa do
fim do tráfico de escravos.131
Na Candelária, podemos perceber que os escravos nunca representaram menos de
40% da população total da freguesia, o que reflete seu perfil comercial e a necessidade
constante de mão de obra escrava. Vale lembrar que o número de homens e mulheres
negras na Candelária devia exceder, e muito, esse percentual pois sabemos que no interior
da população não cativa encontramos também os descendentes de escravos e africanos.
O que só confirma o perfil marcadamente negro não só da Freguesia com também da
cidade.
Quando distribuímos os casamentos realizados dentro e fora da Freguesia da
Candelária ao longo do período que vai de 1750 a 1866, conforme vemos no Gráfico
abaixo, podemos ter uma perspectiva melhor sobre tais práticas a partir dos impactos

130
A autora utilizou dados de Maria Yedda Linhares para 1799, de Mary C. Karasch para 1821 e 1838 e
Hermann Burmeister para 1849.
131
KARASCH, Mary C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo: Companhia das
Letras, 2000. p.109 a 112.

72
gerados pela dinâmica demográfica no comportamento dos casais.

Gráfico 3 – Distribuição do n° de casamentos dentro e fora da Freguesia da Candelária


por décadas (1750-1866)
600

500

400

300

200

100

0
1750- 1760- 1770- 1780- 1790- 1800- 1810- 1820- 1830- 1840- 1850- 1860-
1759 1769 1779 1789 1799 1809 1819 1829 1839 1849 1859 1869
DENTRO 387 358 328 386 385 306 363 235 138 118 130 68
FORA 28 55 38 42 63 119 84 115 135 133 166 100
NI 13 21 17 41 49 33 42 51 91 110 107 33
Total Geral 428 434 383 469 497 458 489 401 364 361 403 201

Fonte: ACMRJ - Registros de Matrimônio Freguesia de Nossa Senhora da Candelária. Livros 6,


7, 8, 9 e 10 (1750 a 1866).

Logo de início verificamos, no volume total de casamentos, certa estabilidade desde


o início da série até 1810 quando, em seguida, é nítido, um movimento de queda. No
entanto, quando observamos o comportamento em separado dos matrimônios realizados
dentro e fora da freguesia observamos que as cerimônias feitas dentro experimentam uma
queda acentuada a partir da década de 1820, justamente quando a população total e
escrava, tanto da Cidade quanto da Freguesia, aumentaram muito de volume. Tal perfil
se mantem até o final da série e os casamentos não recuperam o volume experimentado
anteriormente. Ao mesmo tempo, é possível perceber que os casamentos realizados fora
da Candelária, ao contrário, apresentaram uma trajetória de crescimento, ultrapassando,
na década de 30, os casamentos de dentro, e mantendo esse movimento até a década de
60 do século XIX. Em 1830, encontramos o vértice que marca a inversão de trajetórias
entre o volume de casamentos dentro e fora.
Diante disso, talvez seja mais acertado dividir o comportamento dos casamentos
dentro e fora da freguesia em três períodos distintos: aquele que vai de 1750 até 1799,
quando a estabilidade é um marca nos dois tipos de locais; o que está situado entre 1800
e 1829 como uma espécie de fase transitória de instabilidade com uma queda dos
casamentos dentro e um aumento dos casamentos fora; e uma terceira e última fase,

73
compreendida entre 1830 e 1866 quando os matrimônio voltam a um período de
estabilidade cujo comportamento confirma a tendência apontada no período anterior, ou
seja, os casamentos de fora se mantem em níveis acima dos de dentro até o final da série.
Frente ao exposto, importa destacar aqui o fato dos casamentos cuja informação
acerca do local da cerimônia não foi informado, (NI), passaram a ter um volume mais
expressivo justamente a partir de 1820 o que pode ter incidido nos números apresentados
e na visível queda de casamentos “dentro” a partir daí. Por displicência de quem assentou
o registro ou pelo fato de naturalizar o local das cerimônias como equivalente ao lugar
dos assentos, o fato é que os registros sem identificação explícita acerca do local saltaram
de 50 na década de 1820 para 110 na década de 1840. De todo modo, tal comportamento
de “Não Informados” não atenua a contundência da queda experimentada pelos
casamentos realizados dentro da Freguesia a partir da década de 10 do século XIX. O
movimento demográfico experimentado pela cidade, e consequentemente pela Freguesia
da Candelária, em função das mudanças econômicas e políticas sofridas a partir do final
do século XVIII e início do XIX podem ser uma chave possível para o entendimento de
tal comportamento.
Conforme vimos anteriormente, o Rio de Janeiro sofreu um processo massivo de
incremento populacional, sobretudo em decorrência da elevação da cidade à categoria de
centro político e administrativo do império português após a chegada da família Real. A
recuperação econômica e o incremento do comercio gerou impactos imediatos do ponto
de vista demográfico em uma freguesia urbana e comercial como a Candelária, ponto
estratégico de entrada e saída de mercadorias por meio do porto. A cidade passou a
receber não só portugueses, mas estrangeiros de várias partes do mundo e também
migrantes de diversas localidades da própria colônia. Além disso, conforme mostramos
acima, o Tráfico Atlântico de escravos foi fortemente incrementado para atender ao
aumento da demanda por mão de obra e, consequentemente, derramou constantemente
um imenso contingente de africanos na cidade. Há, portanto, um crescente processo de
estrangeirização da cidade e também da Freguesia. O contingente de outsiders
socialmente desarraigados aumentou consideravelmente a partir do início do século e isso
impactou diretamente o processo de sociabilidade vivida entre seus moradores e a
população em geral. Tal impacto parece ter ocorrido de forma negativa, sobretudo nos
casamentos, na medida em que, a partir dos oitocentos, a formação de vínculos, sobretudo
os afetivos demandam mais tempo para serem construídos e consolidados. Antes dessa
avalanche de estrangeiros e de pessoas de outras províncias em geral, os vínculos entre

74
os moradores da cidade e dos paroquianos nas freguesias era favorecido pela estabilidade
do fluxo demográfico ao longo do tempo. Laços de parentesco não consanguíneos, para
serem efetivados e consolidados na forma de casamento, por exemplo, não conseguem
prescindir do tempo necessário para transformar o amigo ou vizinho em amante ou
parente. A ocasião do casamento é o momento da consolidação de laços construídos
algum tempo antes da cerimônia.
Quando acrescentamos nesta análise os dados trazidos pelo gráfico acima,
percebemos que a queda dos casamentos ocorridos “dentro” e o aumento dos realizados
“fora”, pode ter ocorrido em função de um fenômeno massivo, de parte dessa população
de origem estrangeira à colônia e à cidade, pelo retorno à terra natal na ocasião do
casamento. Vimos anteriormente que diversos casamentos foram registrados na
Candelária embora as cerimônias tenham ocorrido fora dela. Demostramos, a partir daí,
que o elemento determinante para a decisão acerca do local onde o enlace seria registrado
estava diretamente relacionado com a freguesia onde residia um dos noivos. Nesse
sentido, parece que as pessoas que chegaram à cidade no início do século XIX, embora
tenham encontrado um par para casar, este não era natural da Freguesia. Além disso,
parece não ter havido tempo ou condições de estabilidade suficiente para criarem laços
afetivos com a cidade e seus moradores. Desse modo, a opção adotada por esses fregueses
da Candelária foi se deslocar para casar em função da dificuldade de contrair matrimônio
dentro da freguesia. Daí a importância de analisar os matrimônios realizados na Freguesia
da Candelária, levando em consideração a dinâmica sócio econômica própria da cidade,
pois, ainda que o grosso da produção se concentrasse no meio rural, os centros urbanos
eram o suporte e uma extensão da economia agrícola e sofriam diretamente o impacto das
mudanças e variações conjunturais ensejadas por ela.
Mais adiante, depois do delineamento mais preciso sobre o perfil das testemunhas
de casamento e dos noivos relacionados a elas e após a distinção dos períodos de atuação
de cada uma delas, observaremos em que medida tais mudanças experimentadas pela
cidade e pela freguesia tiveram impacto sobre a presença desses personagens e sobre a
escolha dos noivos.

2.3. A geografia religiosa: o local das cerimônias de casamento

No Rio de Janeiro, sobretudo no período colonial, a paisagem do meio urbano


esteve intimamente relacionada à presença da Igreja Católica e de religiosos. As ordens,

75
confrarias e irmandades desempenharam um papel crucial na configuração espacial da
cidade e, nesse espaço, foi marcante o domínio territorial e imobiliário dessas instituições.
132
A doação de terrenos para a edificação de templos fora dos limites urbanizados da
cidade levou a um processo de expansão na medida em que os fiéis se empenhavam em
melhorar o acesso a suas igrejas de devoção e construir morada ao redor dessas
construções. Tal fenômeno ocorreu com diversas irmandades como São Domingos e
Lampadosa.133
Se pensarmos a cidade e a Freguesia como espaços geográficos organizados pelos
homens e mulheres que nela habitavam, mas que, ao mesmo tempo, organizavam e
definiam suas vidas e relações é oportuno elencarmos então, não só os elementos e
ambientes relevantes do ponto de vista econômico, social e cultural para a freguesia da
Candelária como também seus espaços religiosos e de devoção. Assim, entenderemos
melhor os modos de sociabilidade revelados pelo uso dos diferentes atores sociais
presentes nesses espaços religiosos e perceber a relação entre a as instalações religiosas
ou lugares de culto com as relações sociais ensejadas com sua utilização.

2.3.1. As Irmandades e o Santíssimo Sacramento da Candelária

O núcleo urbano da cidade do Rio de Janeiro, ainda no século XVI, foi deslocado
do Morro do Castelo para a várzea do território. Em seguida, com a ocupação do que se
tornou o centro da cidade, no século seguinte, terras foram doadas tanto para os nobres
quanto para ordens religiosas e irmandades. Ao longo do tempo, paulatinamente, o
patrimônio fundiário foi se transformando em imobiliário em função dos legados pios,
das doações de devotos e da construção de casas pertencentes aos religiosos no entorno
das igrejas que foram com o passar do tempo sendo alugadas. Aos poucos, ordens e
confrarias foram se tornando responsáveis por modelar o espaço urbano colonial como
verdadeiros agentes imobiliários. Nesse sentido, Fania Fridman nos lembra do quanto o
solo de cidades como o Rio de Janeiro e seu uso acabaram se transformando, ao longo de
sua ocupação, em foco de disputas entre diversos agentes sociais no território. 134

132
A obra “Os leigos e o poder” de Caio Boschi se mantem como obra seminal para o entendimento da
importância do papel das Irmandades Leigas na administração colonial, na vida eclesiástica e no cotidiano
da sociedade mineira. Cf. BOSCHI, Caio Cesar. Os Leigos e o poder: irmandades leigas e política
colonizadora em Minas Gerais. São Paulo: Ática, 1986.
133
CAVALCANTI, Nireu. O Rio de Janeiro setecentista: a vida e a construção da cidade da invasão
francesa até a chegada da corte. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. p. 206
134
FRIDMAN, Fânia. Donos do Rio em nome do rei: uma História fundiária da cidade do Rio de Janeiro.

76
As inúmeras associações de homens leigos criadas em solo colonial seguiam o
modelo das organizações fraternais espalhadas por toda a Europa desde a Idade Média.
Segundo Celia Borges, dentre as instituições desse tipo eram comuns às confrarias,
criadas com fins caritativos e pios a fim de prestar assistência aos irmãos, bem como as
guildas e as corporações de oficio, que reuniam membros com a mesma origem
profissional responsabilizarem-se pela organização do trabalho e do lazer de seus
membros. 135 O período medieval foi propício para a profusão dessas associações em
função, sobretudo, das altas taxas de mortalidade e do aumento da instabilidade
decorrente do medo de epidemias e fome gerados pela crise do século XVII europeu.
Nesse contexto, houve uma busca maior por grupos de auxílio ao próximo e solidariedade
mútua. 136
Tais instituições tinham em comum o fato de serem consideradas associações de
leigos reunidas para o culto a um santo, no entanto elas possuíam diferenças no que tange
às suas legislações e organizações internas. As Ordens Terceiras, por exemplo, eram
associações de leigos dependentes da autorização concedida por uma Ordem Primeira, os
terceiros por essa ligação com os regulares contraiam votos simples para tornarem-se
aptos a praticar a devoção e a caridade. O ingresso nesse tipo de instituição era regulado
por critérios socioeconômicos bastante rígidos e exigia-se não só a “limpeza de sangue”
como um elevado status socioeconômico de seus membros.
As Irmandades, por sua vez, embora se constituíssem enquanto verdadeiros
organismos devocionais destinados não só ao culto católico como a proteção e assistência
de seus membros e, além disso, obrigassem seus associados a seguir regras e normas
prescritas, também possuíam clivagens internas. Aquelas conhecidas como “Irmandades
de Devoção” eram isentas de ato formal e reuniam membros com um compromisso
estritamente devocional. Já as chamadas “Irmandades de Obrigação” eram reconhecidas
pelas autoridades e submetidas à jurisdição eclesiástica e secular. Nelas encontramos,
necessariamente, uma estrutura administrativa consolidada com a presença de mesa
diretora, Estatuto e Livro de registro cotidiano. Desse modo era possível estabelecer um
maior controle dessas irmandades por parte do poder temporal. Com a concessão do
Padroado à Coroa, era permitida a ingerência sobre assuntos do âmbito religioso como

Rio de Janeiro: Jorge Zahar, Ed. Garamond, 2014.


135
BORGES, Célia Maria. Escravos e libertos nas Irmandades do Rosário: devoção e solidariedade em
Minas Gerais – séculos XVIII e XIX. Juiz de Fora: Editora da UFJF, 2005, pp. 43-44.
136
Sobre esse tema Cf. DELUMEAU, Jean. História do medo no Ocidente. 1300-1800. São Paulo:
Companhia das Letras, 1993.

77
edificação de estabelecimentos religiosos ou provimento de ministros eclesiásticos, e
também a influência nas associações edificadas por leigos. Desse modo, não só a
validação da associação estava subordinada ao reconhecimento das autoridades temporais
como era exigida, por exemplo, a confecção e manutenção de livros de receitas e despesas
que pudessem ser periodicamente inspecionados por elas.
Não por acaso as Irmandades tornaram-se fonte riquíssima de produção de
documentos históricos. Nos Compromissos encontramos não só os dispositivos
reguladores da instituição como a dinâmica interna dessas organizações. Além disso, os
Livros de Despesas e as Atas nos permitem um acesso minucioso ao seu funcionamento
cotidiano bem como aos nomes e ocupações de seus membros.
É inegável a importância que as irmandades religiosas desempenharam na
expansão católica em toda a América Portuguesa na medida em que não só prestavam
serviços de ajuda mútua como promoção de cerimônias de enterro e auxílio aos irmãos
necessitados, como foram responsáveis pelo incremento das devoções católicas a partir
da promoção das procissões e festas, marcadas pela grandiosidade das manifestações
exteriores da fé.
Entre os séculos XVII e XIX, essas associações foram uma presença marcante em
toda a América portuguesa. Por recomendação eclesiástica, por exemplo, as Irmandades
dedicadas a promoção do culto ao Santíssimo Sacramento deveriam ser erigidas em todas
as igrejas. Tal instrução expressa nas “Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia”
fazia o seguinte apelo:
(...) Nós com tudo para mais os animar, lhes rogamos, e
encomendamos muito, que tratem desta devoção das confrarias,
e de servirem, e venerarem nelas os Santos; principalmente a do
Santíssimo Sacramento, e do Nome de Jesus, á de Nossa
Senhora, e das Almas do Purgatório, quando for possível, e a
capacidade dos fregueses o permitir, porque estas Confrarias é
bem as haja em todas as Igrejas.137

A devoção ao Santíssimo também remonta à Idade Média e teve sua origem na


prática de veneração dos fiéis à exposição pública do Santíssimo Sacramento. Segundo
Sérgio Chahon, o fundamento de tal culto se explica pela necessidade de conservação da
eucaristia nos sacrários de paróquias e igrejas durante todo o ano de modo a permitir a
pronta condução do viático às residências dos enfermos.138 Na América portuguesa,

137
VIDE, D. Sebastião Monteiro da. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. São Paulo:
Typografhia 2 de Dezembro, 1853, Livro 4°, tit. 60, §869.
138
CHAHON, Sérgio. Os convidados para a Ceia do Senhor: as missas e a vivência leiga do catolicismo

78
segundo o autor havia também nas “Constituições” a prescrição de exposição da
eucaristia na quinta-feira santa em “todas as igrejas dotadas de sacrário e abastecidas de
recursos suficientes para fazê-lo”.139 Desse modo, encargo financeiro para a manutenção
e custeio da devoção ao Santíssimo acabava tornando-se alta na medida em que havia
uma prescrição eclesiástica para que ao sacrário se mantivesse aceso permanentemente
enquanto a eucaristia lá estivesse o que gerava uma despesa altíssima com o custo da cera
necessária para a manutenção de velas dia e noite. Além disso, outra determinação dizia
respeito a estrutura do abrigo da eucaristia: dourado e forrado em seu interior com tecido
fino carmesim, de modo a dar dignidade ao local de guarda do Corpo de Deus.
A instituição da festa de Corpus Christi, por seu turno, ocorreu no século XIII por
meio de uma bula papal de Urbano IV, que prescrevia ao menos uma celebração anual
em memória do Santíssimo. O cunho festivo da tal devoção foi adotado em um momento
em que, segundo Beatriz Catão, “a Igreja considerava as festas e seus ofícios uma maneira
de fortalecer a fé, como também destacar o lugar das práticas religiosas e, em particular,
da festa de Corpus Christi na instituição igreja e desta no mundo, no domínio secular.”140
A partir do século XIV a procissão passou a fazer parte desta celebração e, aos
poucos, por influência da cultura barroca, tanto no Reino como na sociedade colonial, as
procissões de “Corpus Christi” passam a ter um caráter de espetáculo. Aos poucos, tanto
no Reino quanto na América, ela passou a ser e foi se consolidando um padrão festivo
para a procissão que incluía todo um conjunto de elementos e aparatos cênicos como
arcos e carros alegóricos que, do ponto de vista financeiro, também tornava o custo da
festa bastante alto.141 Além disso, em Portugal e nas regiões colonizadas por eles, tal festa
foi sendo apropriada pela Monarquia a ponto de se tornar uma festividade
simultaneamente da Igreja e da Coroa. Não por acaso, a participação da procissão dos
fiéis e dos súditos era recomendada tanto pelo Concílio de Trento quanto pelas leis do
Reino.
O Título XVI do livro 3° das “Constituições”, referente a procissão de Corpus
Christi, a considerava como a principal procissão dentre as demais, e a classificava como

na cidade do Rio de Janeiro e arredores (1750-1820). São Paulo: Ed. Da Universidade de São Paulo, 2008,
p. 343.
139
CHAHON, Sérgio. Os convidados para a Ceia do Senhor: as missas e a vivência leiga do catolicismo
na cidade do Rio de Janeiro e arredores (1750-1820). São Paulo: Ed. Da Universidade de São Paulo, 2008,
p. 346.
140
SANTOS, Beatriz Catão Cruz. O corpo de Deus na América: a festa de Corpus Christi nas cidades da
América Portuguesa – Séc. XVIII. São Paulo: Annablume, 2005, p. 26.
141
SANTOS, Beatriz Catão Cruz. O corpo de Deus na América: a festa de Corpus Christi nas cidades da
América Portuguesa – Séc. XVIII. São Paulo: Annablume, 2005, p. 23-55.

79
um grande festival solene. De acordo as prescrições sinodais tal cortejo deveria acontecer
uma vez ao ano, na quinta feira “depois do domingo da Trindade”, e todos os religiosos
presentes na cidade, bem como todos os leigos deveriam participar, sob pena de
excomunhão e multa pecuniária. 142
E sob a mesma pena de excomunhão, que neste caso pomos como
Delegados da Santa Sé Apostólica, mandamos a todos os
Religiosos das Religiões, que costumão no nosso Reino de
Portugal acompanhar esta Procissão que assim nesta Cidade,
como nas Villas, e Lugares de nosso Arcebispado, (...) a
acompanhem no dito dia em corpo de Communidade com cruz
diante, da Igreja d`onde sahir até se recolher. E o nosso Provisor
nesta Cidade mandará mandará dous dias antes fixar um edital
nas portas da nossa Sé, porque mande às pessoas, que a isso são
obrigadas, se achem na tal Procissão, declarando-lhes que se
assim o não cumprirem incorrem nas ditas penas de excomunhão,
e dinheiro.143

Não por acaso tal Irmandade do Santíssimo Sacramento também esteve, e ainda
está, presente na Igreja de N. S da Candelária. Desde o início da história da Matriz a
Irmandade do Santíssimo Sacramento tomou para si o protagonismo na reconstrução da
Igreja frente ao estado de ruína do antigo templo e desde 1775, assumiu sua reconstrução
e, posteriormente, o culto paroquial e sua administração.144 Desse modo, podemos
perceber a centralidade da Irmandade na manutenção do templo e no cotidiano da
paróquia.
Segundo Sergio Chahon, a primeira vez que o Corpo de Deus foi exposto nesta
matriz foi em 1742 por ocasião da festa dedicada à Santa Rita.145 No entanto, data de
quase cinquenta anos antes a fundação da Irmandade. Segundo Manuel da Costa
Honorato, em obra publicada ainda no século XIX sobre a Igreja da Candelária, o
primeiro Compromisso da Irmandade data de 1699, porém tal documentação, segundo o
autor, se perdeu no tempo.146 Sendo assim, a documentação mais antiga que se tem
disponível acerca da Irmandade data de 1744 e é o resultado do acréscimo de normas

142
SANTOS, Beatriz Catão Cruz. O corpo de Deus na América: a festa de Corpus Christi nas cidades da
América Portuguesa – Séc. XVIII. São Paulo: Annablume, 2005, p. 64.
143
VIDE, D. Sebastião Monteiro da. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. São Paulo:
Typografhia 2 de Dezembro, 1853. Livro 3°, tit. 16, §500.
144
SOUZA, José Victorino de. A Igreja da Candelária desde sua fundação. Rio de Janeiro: Ed. DebreT,
1998. p. 15.
145
CHAHON, Sérgio. Os convidados para a Ceia do Senhor: as missas e a vivência leiga do catolicismo
na cidade do Rio de Janeiro e arredores (1750-1820). São Paulo: Ed. Da Universidade de São Paulo, 2008,
p. 313.
146
HONORATO, Manuel da Costa. Memória Histórica da Igreja de Nossa Senhora da Candelária desta
Corte. Revista do IHGB, v.39, 1ª parte, 1876.

80
regulamentares, estatuídas pelas Mesas Administrativas, em forma de resoluções e
acórdãos reunidas em dois livros. 147
No Compromisso de 1757, disponível no Arquivo da Irmandade, em seu Capítulo
IX, estão descritas uma série de obrigações aos irmãos referentes à prática devocional.
Serão obrigados todos os Irmãos desta Irmandade, não estando
doentes, ou legitimamente impedidos, por zelo, e serviço do
Santíssimo Sacramento, a concorrer para todos os atos precisos,
e Festividades com suas opas encarnadas vestidas, e nas ocasiões
do Santíssimo por Viático aos enfermos, enterros Procissões
costumadas, e na Quaresma assistir às Mesas da Sagrada
Comunhão, Solenidades da Semana Santa, e Quinta feira Maior,
assistindo também ao Santíssimo Sacramento na hora que lhe for
determinada, assim como aos Sagrados Lausperenes, e mais
jubileus: e também serão obrigados na véspera do dia em que cair
o Corpo de Deus desta Freguesia pelas três horas da tarde,
quando ouvirem tocar o sino grande, e a campainha acharem-se
no Consistório da Irmandade para darem o seu voto na Eleição
do Provedor, e mais Oficiais, que no tal dia se há de fazer, e
também serão obrigados a carregar os Irmãos defuntos, que esta
Irmandade tem obrigação de carregar, quando da parte do
Provedor, ou de quem em seu lugar presidir forem nomeados: e
da mesma forma obedecerão a quem governar as Procissões
ocupando os lugares que lhes forem encarregados.148

Além das obrigações pias e religiosas havia a exigência do pagamento “de


entrada” no valor de 1$280 e outro valor anual à ser definido por resolução da Mesa.149
Especialmente para ocupar o cargo de Provedor, por exemplo, além dos atributos
piedosos, ter cabedal era um dos requisitos exigidos para admissão do irmão. Segundo o
documento, o candidato ao posto deveria
(...) ser de bons costumes, benévolo para o tratamento dos mais
irmãos, zelozo para assistir e procurar o aumento dos bens da
irmandade, e caritativo para se inclinar ao bem das almas dos
irmãos defuntos, mandando-lhes fazer os sufrágios devidos, e ao
remédio dos pobres enfermos da caridade, de que esta irmandade
é também administradora desde a sua criação; será também
preciso que tenha cabedal para que no seu ano faça algum gasto
em benefício da irmandade.150
147
PINHEIRO, Francisco Batista Marques. Irmandade do Santíssimo Sacramento da Freguesia de Nossa
Senhora da Candelária e suas repartições, coro, caridade e hospital dos Lázaros. Rio de Janeiro, Typog.
Jornal do Commecio, 1930. 2V. p.12-27.
148
IRMANDADE DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO DA CANDELÁRIA. Compromisso da Irmandade
do Santíssimo Sacramento da Freguesia da Candelária: novamente reformado, assim do antigo, como dos
Acórdãos das Mesas, e Juntas deste ano de 1756, para o de 1757. Cap. IX, §57.
149
IRMANDADE DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO DA CANDELÁRIA. Compromisso da Irmandade
do Santíssimo Sacramento da Freguesia da Candelária: novamente reformado, assim do antigo, como dos
Acórdãos das Mesas, e Juntas deste ano de 1756, para o de 1757. Cap. IX, §55.
150
IRMANDADE DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO DA CANDELÁRIA. Compromisso da Irmandade
do Santíssimo Sacramento da Freguesia da Candelária: novamente reformado, assim do antigo, como dos
Acórdãos das Mesas, e Juntas deste ano de 1756, para o de 1757. Ref. 102. C. 00419. s/p. Cap. IX.

81
De acordo ao Compromisso, aos irmãos era exigido que arcassem com a obrigação
de pagar as “emolas da Mesa” bem como os “anuais”, ao mesmo tempo em que lhes era
garantido, caso não fosse inadimplente, o recebimento de esmola se, por ventura, viesse
a cair em pobreza ou adoecesse. Se viesse a falecer pobre e com dívida, estas seriam
perdoadas e lhes seriam concedidas missas custeadas pela Irmandade.151
De modo geral a existência e a adesão à vida fraternal era norteada pela
necessidade de congregar-se em torno da devoção de um padroeiro e, além disso, de modo
a trabalhar em benefício da coletividade especialmente os demais irmãos. Embora
voltados para os valores católicos, as práticas devocionais de tais instituições expressas
em seus compromissos são reveladores da necessidade desses fiéis em tornar público os
papéis definidos na hierarquia socioeconômica e política vigente em sua época. As
irmandades, desse modo, podiam ser palco de disputas étnicas e políticas bem como de
reafirmação de hierarquias e status socioeconômico.
Na irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária não foi diferente. Essa
instituição presente na Matriz de uma das freguesias mais comerciais do Rio de Janeiro,
tinha entre os ocupantes dos cargos de maior prestígio da instituição justamente alguns
membros da elite carioca. Verificamos tal perfil a partir do acesso direto à documentação
da Irmandade. De posse do livro denominado “Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa
Administrativa da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária” tivemos acesso
a todos os nomes dos membros dos mais altos cargos da Irmandade desde 1683 até 2009.
Nesse documento os irmãos são identificados com os respectivos cargos que ocupavam:
Provedor, Tesoureiro, Escrivão, Procurador ou irmão da Mesa. Além disso, tal relação
registra o período em que os irmãos assumiram tais cargos e ainda, em alguns casos,
informa suas ocupações e títulos. Observados todos os irmãos ocupantes do cargo de
Provedor da dita irmandade entre os anos de interesse desse trabalho, 1750 a 1866, e
identificados seus nomes, pudemos buscar mais informações sobre esses personagens de
modo a preencher as lacunas de informações deixadas pelo documento original. Feito
isso, elaboramos a tabela a seguir contabilizando e distinguindo as ocupações dos
provedores da irmandade nesse período.

151
IRMANDADE DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO DA CANDELÁRIA. Compromisso da Irmandade
do Santíssimo Sacramento da Freguesia da Candelária: novamente reformado, assim do antigo, como dos
Acórdãos das Mesas, e Juntas deste ano de 1756, para o de 1757. Cap. IX, §56.

82
Tabela 2 – Classificação da ocupação/título dos Provedores da Freguesia da Candelária,
1750 a 1866152

Classificação Quantidade %
Título/patente¹ 44 40%
Negociante 12 11%
Título/patente e Negociante 23 21%
Comerciante 11 10%
Não Encontrado 20 18%
Total 110 100%
Fonte: AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da Irmandade
do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009).
¹ Para a classificação de Título/patente, foram considerados os Comendadores, Capitães,
Sargentos, Tenentes, Coronéis, Bispos, Padres, entre outros.

Conforme vemos, dos 110 provedores do período analisado, 40% deles possuíam
algum tipo de título como Comendador, ou patente militar como Capitão, e outros 11%
eram negociantes. Como se não bastasse, outros 21% foram identificados de ambas as
formas, ou seja, acumulavam um título/patente e eram negociantes. Se somarmos os
provedores designados com estas três classificações teremos 79 casos (72%) de homens
com alto prestígio ocupando a provedoria da Irmandade ao longo do tempo observado.
Desse modo, não resta dívida sobre o perfil elitizado dos membros da cúpula da
Irmandade do Saníssimo Sacramento da Candelária e do poder que tal irmandade gozava
não só perante à Igreja como também na cidade. Esse resultado coaduna perfeitamente
com os resultados obtidos por Monalisa Pavonne em sua tese de doutorado sobre a
Irmandade do Santíssimo Sacramento da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar de Ouro
Preto.153 Guardadas aqui as devidas proporções em termos das diferenças de nossos
objetos de pesquisa, pois o presente trabalho não se dedica exclusivamente ao estudo da
Irmandade da Candelária, percebemos que também lá, a mesa possuía em sua composição
um número considerável de homens de negócio ou ligados à mineração. Além disso, a
autora foi além e percebeu a inserção desses membros nas instâncias políticas e
administrativas da cidade.
Segundo Nireu Cavalcante, a presença em irmandade no Rio de Janeiro era uma
das formas dos senhores do poder político e econômico dominarem a cidade. A maioria

152
A tabela completa com todos os nomes, ocupações e títulos desses provedores, bem como as demais
fontes consultas para a identificação de tais informações encontra-se no Anexo 1.
153
OLIVEIRA, Monalisa Pavonne. Fé e distinção: um estudo da dinâmica interna e do perfil de irmãos da
Irmandade do Santíssimo Sacramento da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto (século
XVIII). Tese de Doutorado, Universidade Federal de Juiz de Fora, 2016.

83
das irmandades pertenciam a brancos mas é importantes lembrar que pardos e pretos
também contavam com diversas instituições como essas. Dentre as de pardos podemos
citar a da Boa Morte e de negros as do Rosário, Santa Efigênia e Santo Elesbão,
Lampadosa e São Domingos. Enfim, de todo modo, em todas elas a definição dos
atributos exigidos para o ingresso eram estabelecidos em seus Compromissos. No caso
da Candelária, o “corte” se dava, conforme vimos, por critérios de prestígio o que a
transformou em uma Irmandade composta por brancos negociantes. Desse modo,
podemos perceber que, ao mesmo tempo em que tais instituições eram espaços de
associação para pessoas com as mesmas crenças e devoções, eram também um locus de
reforço das hierarquias e diferenças. A importância das Irmandades reside, portanto, não
apenas no fato de serem valiosos espaços de práticas religiosas mas também de
sociabilidade em geral.

2.3.2. A Matriz, as Capelas e os oratórios

Por toda a parte as Igrejas preenchiam o espaço urbano e o culto católico era
celebrado não só na matriz das Freguesias como também em diversos templos e oratórios
das cidades. Segundo Morales de Los Rios
“A construção de capelas e ermidas teve a sua origem no
cumprimento de promessas, na transplantação de uma devoção
lusitana, no desejo de cultuar uma lembrança religiosa ou na
execução de um mandato de legado. Os terrenos em que as
mesmas foram erguidas provieram quase sempre de doação de
um senhor de engenho, de um rico negociante, de senhora que
herdara fortuna de um marido abastado, da vaidade de alguém ou
da religiosidade de não poucos.”154

É importante lembrar que a Matriz é a igreja-mãe de uma freguesia de forma que


todos os outros templos presentes em seu limite são considerados subsidiários.
“No Rio de Janeiro e seus arredores, como em todo o orbe
católico, a criação de igrejas matrizes tinha um significado
particular, pois representava o surgimento de toda uma
circunscrição territorial e administrativa, ou seja, uma nova
paróquia ou freguesia, contribuindo para apertar um pouco mais
a malha paroquial, sempre tão frouxa em terras de ultramar.”155

154
FILHO, Adolfo Morales de Los Rios. O Rio de Janeiro Imperial. Rio de Janeiro: Editora Univercidade,
2000, p.485.
155
CHAHON, Sérgio. Os convidados para a Ceia do Senhor: as missas e a vivência leiga do catolicismo na
cidade do Rio de Janeiro e arredores (1750-1820). São Paulo: Ed. Da Universidade de São Paulo, 2008, p.
132.

84
Vale lembrar que o erguimento de igrejas, e, principalmente, capelas e oratórios
também demarcavam espaços hierárquicos e de prestígio.
Na Candelária não era diferente. A movimentada Freguesia possuía em seu entorno
sete igrejas que ajudavam a compor a estrutura de sua geografia religiosa: Mãe dos
Homens, São Pedro, Hospício (N. S. da Conceição e Boa Morte), Santa Cruz dos Militares
e N. S. da Lapa dos Mercadores, a Igreja da Ordem do Carmo, e Ordem Terceira do
Carmo. Além dessas, havia por óbvio, a Igreja da Candelária que, segundo Luccock era
“(...) uma nobre mole arquitetônica, o melhor espécime de bom
gosto e magnificência de que se pode gabar o Rio. Está por acabar
ainda; como porém, se acha próxima do centro da cidade, há de
vir a ser, provavelmente, mais frequentada que qualquer outra
igreja. Possue dois campanários e uma fachada ricamente
ornamentada, formando uma belíssima vista do mar.”156 (p.40)

Com a ajuda não só da cartografia como também dos relatos de viajantes e dos
cronistas de época é possível discernir não só as ruas, mas também quais templos faziam
parte da Freguesia da Candelária e, consequentemente, esboçar melhor qual era o locus e
o espaço ocupado por aqueles que optaram por casar “dentro” dela.
Noronha Santos nos dá a localização precisa de cada uma das Igrejas que compunha
a dita Freguesia157 e John Lucock a descrição: A Mãe dos Homens na Rua da Alfândega:
“uma bela construção que, como todas as igrejas modernas se eleva de dois ou três
degraus acima da rua. A arquitetura é sólida e bonita, mas fica num lugar muito
apertado”.158 A do Hospício na Rua do Rosário (quase esquina com Rio branco): onde se
achava o “Hospício com sua capela. É esta a casa a que recorrem os religiosos quando
em viagem, que não possuam nenhum amigo particular na cidade e nem sejam de
importância bastante para conseguirem um convite de alguns dos conventos”.159 A de São
Pedro, situada na esquina da Rua dos Ourives (atual Miguel Couto) com a extinta Rua de
São Pedro, foi demolida em 1942 para a construção da Av. Presidente Vargas: “pequenina
igreja consagrada a esse apóstolo. É também coberta com uma cúpula, e possui uma
plataforma alta na frente. Por fora é notavelmente singela; do interior nada posso dizer,
pois que nunca a vi aberta”.160 Santa Cruz dos Militares na Rua Direita, esquina com Rua

156
LUCCOCK, John. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia; São
Paulo, Ed. Da Universidade de São Paulo, 1975, p. 40.
157
SANTOS, Noronha. As Freguesias do Rio Antigo. Rio de Janeiro: Ed. O Cruzeiro, 1965, p.30.
158
LUCCOCK, John. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia; São
Paulo, Ed. Da Universidade de São Paulo, 1975, p. 41.
159
LUCCOCK, John. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia; São
Paulo, Ed. Da Universidade de São Paulo, 1975, p. 44.
160
LUCCOCK, John. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia; São

85
do Ouvidor: “Tem uma fachada bela e proporcionada, ornada com as imagens da Fé, da
Esperança e da Caridade. Foi inteiramente construída por militares sendo destinada ao
uso deles.”161 Lapa dos Mercadores na Rua do Ouvidor, esquina com a Travessa do
Comércio: “é uma construção pequena e quadrada, com um zimbório coberto de telhas
holandesas de azul e branco. Suas proporções não são nada boas, estando situada no meio
de vielas e caminhos estreitos”.162 Por fim A do Carmo, na Rua do Cano (atual Sete de
Setembro), esquina com a Rua Direita (atual 1° de Março): foi a antiga Sé e a Capela real
e gozava, “apesar de sua denominação modesta, de muitas das dignidades e privilégios
de uma catedral, como também pelo seu esplendor, frequentadores principescos e
multidões de todas as classes”.163 E a da Ordem Terceira do Carmo, na Rua Direita: “de
dimensões semelhantes à sua vizinha, mas muito menos rica. É, contudo, respeitável pela
sua arquitetura e ornamentações”.164
A partir das informações concernentes aqueles nubentes cujo local da cerimônia
e estatuto jurídico foram revelados pelo registro de matrimônio, pudemos distribuí-los de
acordo com as igrejas em que tais casamentos ocorreram. Conforme apresentamos na
Tabela a seguir, percebemos que a maior parte deles se casou, independente do estatuto
jurídico, na matriz da Candelária. Tal indistinção se explica pelo fato de que,
independentemente da condição jurídica, a distribuição dos sacramentos é direito do fiel
e uma obrigação paroquial. Porém, é gritante o fato de que o espaço das demais Igrejas
foi majoritariamente utilizado pelos livres, pouquíssimas vezes por forros e raramente por
escravos.

Paulo, Ed. Da Universidade de São Paulo, 1975, p. 41


161
LUCCOCK, John. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia; São
Paulo, Ed. Da Universidade de São Paulo, 1975, p. 41
162
LUCCOCK, John. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia; São
Paulo, Ed. Da Universidade de São Paulo, 1975, p. 41
163
LUCCOCK, John. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia; São
Paulo, Ed. Da Universidade de São Paulo, 1975, p. 42.
164
LUCCOCK, John. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia; São
Paulo, Ed. Da Universidade de São Paulo, 1975, p. 43.

86
Tabela 3 - Situação jurídica dos noivos que tiveram Igrejas como local de cerimônia -
Freguesia da Candelária (1750-1866)
Igreja de Igreja da Igreja de N. Igreja Igreja de
Matriz de N. Igreja
Situação Igreja do N. Sra. Ordem Sra. da Lapa Santa Cruz N. Sra. do
Sra. da de S. Total
Jurídica Hospício Mãe dos Terceira dos dos Monte do
Candelária Pedro
Homens do Carmo Mercadores Militares Carmo
Livre 1.065 115 116 38 22 25 18 8 1.407
Forro 786 25 10 - 4 1 - 1 827
Escravo 736 1 1 1 2 - - 1 742
Total 2.587 141 127 39 28 26 18 10 2.976
% do total 87% 5% 4% 1% 1% 1% 1% 0% 100%
Fonte: ACMRJ - Registros de Matrimônio Freguesia de Nossa Senhora da Candelária. Livros 6,
7, 8, 9 e 10 (1750 a 1866).
Obs.: Foram retirados NI (1.752 noivos não informados sua condição).

Para ser mais precisa, nesses um pouco mais de 100 anos de registros de
matrimônio tabulados, dos 827 forros dos quais sabemos a localização de sua cerimônia
de casamento, apenas 46 realizaram seus enlaces fora da Matriz. Do total de 742 escravos
dos quais temos as informações sobre seu local de casamento, apenas 6 se casaram fora
da matriz da Candelária. Aliás, cinco deles desses enlaces ocorreu com noivos forros.
Mesmo entre os livres o número de casamentos realizados na matriz é absolutamente
superior em relação àqueles efetuados nas Igrejas.
Na medida em que a Lapa dos Mercadores e a Mãe dos Homens abrigam
irmandades de comerciantes, tal distribuição de noivos com a pouca participação de forros
e escassez de escravos expressa claramente a distinção embutida nesses espaços.
Podemos destacar aqui o caso de casamento entre dois escravos ocorrido na igreja de São
Pedro. De acordo com o livro 7 de registros de casamentos da Freguesia da Candelária,
em fevereiro de 1779, na Igreja de São Pedro, o escravo Antônio Congo, pertencente a
Irmandade da dita igreja, casou-se com a escrava Joanna Benguela cuja dona era Quitéria
da Silva. Além dessas informações consta apenas que o casal teve como testemunhas
Antônio Duarte Filgueira e André Lopes de Carvalho, ambos padres. Nenhuma outra
informação sobre os personagens envolvidos nessa cerimônia foi revelada pelo assento
do matrimônio. No entanto, buscando os envolvidos nessa cerimônia no próprio banco de
dados, encontramos a ocasião em que Quitéria da Silva aparece no casamento da própria
filha oito anos antes do enlace de sua escrava. Nesse novo registro consta que Maria
Quitéria é preta forra e que seu ex-dono, bem como de sua filha, foi o capitão Baltezar da
Fonseca Homem. Nenhuma outra informação foi encontrada sobre essas pessoas, a não
ser o fato de que um dos noivos pertencia à Irmandade da referida igreja. Isso nos ajuda

87
a entender o motivo pelo qual o casamento dos dois escravos tenha ocorrido na Igreja de
São Pedro. Esta era uma irmandade de padres que agregava também setores da elite, o
fato desses dois escravos terem casado lá só foi possível, provavelmente em função do
patrocínio dos padres da irmandade que inclusive são suas testemunhas. A raridade do
caso confirma tratar-se aqui da concessão de um privilégio concedido a tais escravos com
vistas ao reforço de relações clientelares e paternalistas.
Outro caso raro de casamento envolvendo noivos escravos em uma igreja da
Freguesia foi o de Narciza Maria da Conceição e o crioulo Luiz, realizado na Igreja da
Ordem Terceira do Carmo, em maio de 1804. Nele, a conexão entre os noivos e a Igreja
fica clara diante da informação presente no próprio registro de que a noiva, cujo estatuto
jurídico não é mencionado, é filha da forra Ignácia, ex-escrava “dos religiosos do Carmo”.
Mas não só por isso. De acordo com um registro de compra de chão listado no banco de
dados de Maurício de Abreu, Luiz Antônio Ferreira, dono do noivo, além de ser capitão
e negociante da Praça do Rio de Janeiro foi procurador da Ordem Terceira de Nossa
Senhora do Carmo.165 Mas não só ele. De acordo com outra escritura de chão,
descobrimos que as duas testemunhas desse casamento eram irmãos do dono do noivo e
um deles, João José Ferreira, também foi negociante e procurador do prior da Ordem
Terceira de Nossa Senhora do Carmo.166 Aqui, novamente, as testemunhas, todas ligadas
à Ordem Terceira parecem ter servido como uma espécie de patrocinadoras do casamento
desses escravos e forros que destoam do perfil dos casais usuários desses espaços
reservados à elite.
Para além dos templos havia também outro componente importante na
composição da geografia religiosa das freguesias coloniais: os oratórios públicos
espalhados pelas ruas e os oratórios privados presentes em diversas casas. Segundo
Morales de Los Rios
“a construção de templos e capelas não satisfazia à devoção. Por
isso houve bastantes oratórios, eretos em diversos lugares, de
natureza privada. (...) Entretanto, não bastavam os oratórios de
cada casa, nem os dos nichos das varandas de certos solares. Os
moradores de cada rua desejavam ter, também, sua devoção
plasmada em imagem santa. Por isso, surgem os oratórios das
esquinas das vielas e das ruas, os altares colocados ao meio dos
quarteirões e os nichos das fronteiras das casas entradas de
conventos ou portais de ordens terceiras.”167

165
AN, 40N, 128, p.163.
166
AN, 20N, 144, p.174v.
167
FILHO, Adolfo Morales de Los Rios. O Rio de Janeiro Imperial. Rio de Janeiro: Editora Univercidade,
2000, p.486-487.

88
Em inúmeros pontos das ruas da cidade, segundo Lucoock, havia nichos
construídos para acolher imagens e estátuas de santos, por vezes protegidos por cortinas
ou portas envidraçadas. Esses oratórios públicos, localizados no exterior das casas e
prédios, eram criados e mantidos por iniciativa dos moradores, mas disponível para os
transeuntes em geral.168 Morales de Los Rios chega a afirmar que “(...) se Roma era
considerada a cidade dos tabernacoli, outra coisa não se podia dizer da cidade do Rio de
Janeiro nos séculos XVIII e XIX, pois nela chegou a haver uma centena.” 169
O autor
também conta da crença generalizada entre os moradores da cidade a respeito dos motivos
para tantos oratórios na cidade: “afugentar os fantasmas, espíritos e gênios maus que
rondavam a cidade e que atacavam e assustavam os raros notívagos que se recolhiam a
desoras aos seus penates”.170 Luiz Edmundo também se refere a presença constante do
oratório no cotidiano dos moradores da cidade ao longo do dia:
“Antes de sair para ir à missa, vai ainda ao oratório. Na rua, por
igreja ou capela que passe, uma entradinha para o minuto
devoção, dois dedos de água benta, um Padre-nossozinho, uma
Ave Maria e, quando calha, um terço de rosário ou ainda mais.
Quando volta da rua, de novo, oratório. Loas aos Céus por terem
preservado, para bem dos homens em geral e da Igreja em
particular, aquele pecadorzinho elegante e generoso que, se traz
em inobservância os mandamentos da lei de Deus, em troca dá
públicas mostras de almas cristianíssimas, enchendo de sonoros
cruzados a pátena das esmolas, pelas sacristias por onde
passa”.171

É bom lembrar que, nem todo oratório tinha a função de altar na medida em que
este é, por excelência, o local consagrado para a liturgia católica por meio da ação de um
sacerdote. Já o oratório funcionava apenas como lugar de congregação de devotos para o
exercício de suas práticas piedosas e não necessitava de um membro da hierarquia
eclesiástica para funcionar.172 A necessidade de manter e ostentar um espaço mais restrito
e particularizado para a devoção tornou-se tão comum que Luiz Mott chega a mencionar

168
LUCCOCK, John. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia; São
Paulo, Ed. Da Universidade de São Paulo, 1975, p. 44.
169
FILHO, Adolfo Morales de Los Rios. O Rio de Janeiro Imperial. Rio de Janeiro: Editora Univercidade,
2000, p. 487.
170
FILHO, Adolfo Morales de Los Rios. O Rio de Janeiro Imperial. Rio de Janeiro: Editora Univercidade,
2000, p. 487.
171
Edmundo, Luís. O Rio de Janeiro no tempo dos Vice-Reis (1763-1808). Brasília: Senado Federal,
Conselho Editorial, 2000, p. 247-248.
172
CHAHON, Sérgio. Os convidados para a Ceia do Senhor: as missas e a vivência leiga do catolicismo na
cidade do Rio de Janeiro e arredores (1750-1820). São Paulo: Ed. Da Universidade de São Paulo, 2008, p.
43.

89
a existência de uma verdadeira indústria de oratórios confeccionados de diversos matérias
com diferentes tamanhos:
“(...) desenvolveu-se enormemente a indústria de pequeninos
oratórios, de um a dois palmos de altura, que reproduzia, em
miniaturas de pedra-sabão, terracota (´paulistinhas´) ou madeira,
a mesma estrutura dos altares de igrejas barrocas, tendo sempre
no topo a cena da crucificação, com a Virgem das Dores, São
João e Maria Madalena ao pé da Cruz, ladeados dos santos da
predileção do proprietário da casa. (...) Apesar de os oratórios e
santos de casa serem bentos e abençoados pelo vigário ou
missionário em suas visitas residenciais, nem sempre a relação
dos moradores com tais simulacros seguia as normas permitidas
pela ortodoxia católica”. 173

Alguns oratórios particulares poderiam ser constituídos de “altares de missa”


desde que seus proprietários reivindicassem e recebessem a licença necessária para tal,
mediante o recebimento de uma provisão episcopal do Bispo ou de um breve apostólico
da Santa Sé. Tais licenças poderiam ter um prazo de validade para vigorar, no entanto,
segundo Sergio Chahon, alguns poderiam durar décadas ou até a morte do proprietário.174
É importante dizer que a concessão de tal licença era acompanhada de certo o receio por
parte da Igreja de que a obtenção de tais privilégios deixasse de ser um recurso para a
propagação da fé e se transformasse em um mero privilégio concedido a fiéis excêntricos
e caprichosos, desejosos de se abster da presença na missa da igreja paroquial e de garantir
a obtenção dos sacramentos sem a necessidade do convívio com os demais fregueses.
“tradicional expressão de devoção do povo católico, a exemplo
da simples cruz, os oratórios, confinado no interior da casa nas
habitações urbanas, eram alojados junto às varandas das casas-
grandes de fazendas e engenhos, dando ensejo, assim a formas
de sociabilidade religiosa capazes de se espraiar para além do
núcleo familiar mais restrito, abrangendo também os escravos e
agregados que se vinham reunir diante dele para a reza
cotidiana.”175

Não era comum que altares domésticos estivessem habilitados para a


administração de um leque muito variado de sacramentos. O mais comum eram a

173
MOTT, Luiz. “Cotidiano e vivência religiosa: entre a capela e calundu”. In: SOUZA, Laura de Mello e.
História da vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia
das Letras, 1997, p. 166-167.
174
CHAHON, Sérgio. Os convidados para a Ceia do Senhor: as missas e a vivência leiga do catolicismo na
cidade do Rio de Janeiro e arredores (1750-1820). São Paulo: Ed. Da Universidade de São Paulo, 2008, p.
50-56.
175
CHAHON, Sérgio. Os convidados para a Ceia do Senhor: as missas e a vivência leiga do catolicismo na
cidade do Rio de Janeiro e arredores (1750-1820). São Paulo: Ed. Da Universidade de São Paulo, 2008,
p.41.

90
administração da penitência e da comunhão, embora a frequência de batismo e casamento
176
não fosse pouca. A partir dos registros de casamento da Freguesia da Candelária é
possível observar, conforme demonstrado na Tabela a seguir, que embora o grosso dos
casamentos tenha ocorrido na Igreja Matriz, os oratórios também aparecem como local
de vários deles.

Tabela 4 – Número de noivos distribuídos de acordo ao local de casamentos realizados


dentro da Freguesia

Matriz de N. Sra.
Situação Jurídica Capelas Oratórios Total
Candelária
Livre 1.130 352 117 1.599
Escravo 736 6 2 744
Forro 721 31 0 752
Total 2.587 389 119 3.095
Fonte: ACMRJ - Registros de Matrimônio Freguesia de Nossa Senhora da Candelária. Livros 6,
7, 8, 9 e 10 (1750 a 1866).
Obs.: Foram retirados NI (1429 Paróquia e matriz de Nossa Senhora da Candelária, 325 em
capelas e 35 em oratórios)

No universo total dos casais cujo local da cerimônia foi informado nos registros,
dos 3.095 noivos, 2.587, ou seja, 84% deles casaram-se na matriz da Freguesia. Um
número bem menor de casais teve seus sacramentos celebrados em capelas e oratórios.
Foram 13% e 4% respectivamente. Quando observamos distintamente os locais das
cerimônias daqueles nubentes que tiveram seus estatutos jurídicos revelados pelos
assentos podemos cruzar com as informações anteriores e observar que 71% dos livres
casou-se na Matriz enquanto 22% nas capelas e 7% em oratórios. Entre os escravos o
volume de noivos na Matriz é absolutamente superior aos demais espaços. 99% deles se
casou na Igreja da Candelária, ao passo que na capela apenas seis pessoas e em oratório
apenas duas, o que não chega a somar 1%. Quanto aos forros, o comportamento foi
semelhante aos dos escravos, entre eles 96% se casou na matriz e o restante em capelas.
A partir desse quadro podemos perceber que a matriz concentrou a maioria dos
casamentos e que esse foi o local frequentado majoritariamente por noivos de todos os
estatutos jurídicos. As capelas e oratórios, ao contrário, apresentaram um perfil mais
restrito e acolheu, predominantemente, noivos livres. Porém, vale destacar, que uma

176
CHAHON, Sérgio. Os convidados para a Ceia do Senhor: as missas e a vivência leiga do catolicismo na
cidade do Rio de Janeiro e arredores (1750-1820). São Paulo: Ed. Da Universidade de São Paulo, 2008, p.
85-86.

91
parcela muito pequena de cativos e libertos acessou o espaço das capelas para casar, e
que, além disso, um número menor ainda desse grupo fez uso de oratórios para suas
celebrações.
Chama muita atenção, nesse cenário, os dois cativos que contrariaram o perfil
majoritário de enlaces de casais livres presentes em oratórios. Ao observar mais
detidamente o registro referente a esse casamento, vemos que ele ocorreu em 15 de
dezembro de 1772 envolvendo os escravos Jozeph Pereira e Barbara Angélica. O casal
celebrou seu enlace no “oratório das casas de vivenda” de Joao Carlos Correia Lemos,
senhor de ambos. Na busca por mais informações sobre os personagens envolvidos nessa
cerimônia, pudemos descobrir no material digital disponibilizado pelo Projeto Resgate
que o senhor desses escravos e dono do oratório onde o casamento ocorreu era uma figura
com certo de prestígio: escrivão da Junta da Fazenda Real do Rio de Janeiro. Talvez isso
explique o fato do casal ter como testemunhas o Capitão e antigo provedor da Irmandade
da Candelária, Antônio de Oliveira Durão, e nada mais nada menos, que Joaquim
Francisco de Seixas Souto Maior, Tesoureiro Geral do Erário Régio à época.
Mesmo quando observamos o universo de todos os noivos que se casaram em
oratório, incluindo os de fora da Freguesia, só encontramos outros cinco casamentos de
não livres, sendo nove nubentes escravos e um forro. Dois desses matrimônios ocorreram,
como no caso citado anteriormente, em oratórios localizados na residência dos senhores
desses cativos. Embora nos outros três casamentos, os donos dos escravos não fossem os
proprietários do espaço de celebração, outros personagens participantes da cerimônia o
eram: um convidado eclesiástico e uma testemunha. Neste último caso, a testemunha a
que nos referimos foi Anacleto Elias da Fonseca, um capitão mor e um dos maiores
negociantes da Praça do Rio de Janeiro. A cerimônia celebrava o casamento do escravo
pardo Severino da Fonseca e da escrava parda Hyacinta Maria, ambos pertencentes a
Joaquim José da Fonseca, homem de negócio e irmão de Anacleto Elias da Fonseca.
A prerrogativa de zelar e fazer uso de oratório particular estava, indubitavelmente,
franqueado aos mais altos círculos de poder na colônia, ao mesmo tempo em que foi signo
177
de grande distinção para aqueles que o possuíam. Embora os breves apostólicos,
pesquisados por Sergio Chahon, apresentem, por parte dos requerentes à transformação
de seus oratórios em altar, alegações concernentes à “consolação espiritual” ou a

177
CHAHON, Sérgio. Os convidados para a Ceia do Senhor: as missas e a vivência leiga do catolicismo na
cidade do Rio de Janeiro e arredores (1750-1820). São Paulo: Ed. Da Universidade de São Paulo, 2008, p.
41-42.

92
dificuldades de locomoção, tal postura piedosa provavelmente escamoteava o desejo de
evitar o contato cotidiano com pessoas e grupos sociais subalternos indesejados e,
portanto, o anseio por distinção social.178
Nos casos apresentados acima, estamos diante de cerimônias envolvendo
escravos, em um ambiente praticamente reservado aos enlaces de pessoas livres, e que
contaram com a presença de figuras de alto prestígio social na condição de senhores dos
noivos, testemunhas ou espectadores da cerimônia. Nesses episódios, a presença de
cativos em tais espaços ocorreu em função da prerrogativa de uso e posse de figuras
socialmente ilustres e economicamente abastadas que mantinham uma relação direta ou
indireta com os mesmos, o que tornou possível a utilização de tais espaços privativos para
realização de cultos e devoções religiosas. Nesse sentido, estamos diante de dois grupos
sociais distintos que, interagindo na ocasião do enlace de seus membros, aproveitam para
operar estratégias de sociabilidade por meio dos diferentes recursos que dispõe.
Se por um lado, observamos a dependência desses escravos frente a seus senhores
para o acesso a ambientes privilegiados no momento de seus casamentos, também
podemos inferir o tanto de prestígio social ensejado por tal circunstância aos noivos frente
a seus pares e à sua comunidade. Por outro lado, por parte dos senhores, ao mesmo tempo
em que acolhem homens e mulheres dos mais baixos estratos sociais em seus ambientes
particulares e exclusivos, aproveitam para, de forma perspicaz, dar amplitude à sua rede
clientelar, diversificando sua rede relacional em direção aos subalternos. Desse modo,
importa frisar que em tais episódios, o oratório e seus donos não são colocados em
condição de desprestígio em função da presença e protagonismo de cativos já que tem seu
lugar social já bastante consolidado, mas, ao contrário, tornam-se veículo de projeção e
mobilidade para os noivos. Tal cenário deve ser entendido, portanto, no contexto de uma
sociedade altamente hierarquizada e desigual como a colonial, cujos vínculos sociais
ensejados ou reforçados pelo sistema religioso e seus lugares de prática podem ser um
poderoso meio de mobilidade social e, ao mesmo tempo, de reforço da subordinação e
das diferenças.
Enfim, a desconfiança de que as testemunhas de casamento cumpriam um papel
social que ia muito além de uma mera formalidade burocrática, fez transbordar uma série
de nomes que precisam ser investigados para que as questões suscitadas até aqui possam,

178
CHAHON, Sérgio. Os convidados para a Ceia do Senhor: as missas e a vivência leiga do catolicismo na
cidade do Rio de Janeiro e arredores (1750-1820). São Paulo: Ed. Da Universidade de São Paulo, 2008, p.
65.

93
ao menos em parte, ser elucidadas com maior nitidez. Desse modo, tomando como
princípio que os registros de casamentos também nos deixam vestígios de laços de
solidariedade e reciprocidade, será inevitável seguir o rastro das recentes pesquisas em
História social e operar, na medida do possível, a reconstrução das trajetórias de vida de
alguns desses personagens, tanto testemunhas como nubentes. Tal tarefa só se
concretizará a partir do cruzamento das informações já coletadas acerca desses
personagens com outras tantas fontes de natureza as mais diversas possíveis. Segue o
desafio.

94
Capítulo 3 - A testemunha e o ato de testemunhar

A figura da testemunha, na condição de elemento de prova tanto em processos


cíveis quanto criminais, é presença inerente às relações jurídicas, desde que o homem
concebeu e ordenou o Direito. As concepções de prova testemunhal bem como a definição
de suas funções e obrigações estão presentes na História desde o Tribunal de Osíris, no
Egito Antigo. No entanto, ao longo do tempo as mudanças concernentes ao papel da
testemunha e, o próprio ato de testemunhar, refletem as transformações ocorridas no seio
das coletividades que formulam e vivem seus ordenamentos jurídicos.
Neste capítulo buscaremos, portanto, entender em diferentes legislações as
atribuições conferidas à testemunha, bem como as diversas concepções de prova
testemunhal elaboradas ao longo do tempo, sobretudo na Europa Moderna onde
encontraremos as bases para o entendimento do ato de testemunhar, como também na
América portuguesa. Além disso, buscaremos dar contornos mais claros a esses
personagens a partir, especificamente, das testemunhas de casamento encontradas na
Freguesia da Candelária entre a segunda metade do século XVIII e primeira metade do
século XIX.
O Jurista Jayme de Altavila em seu livro “A testemunha no Direito e na Historia”
afirma que ao longo do tempo a testemunha foi se consolidando como um elemento
indispensável na engrenagem de processos de naturezas diversas, de modo que mesmo
“com suas vericidades e os seus vícios, será sempre a argamassa das construções
processuais: idôneas ou inescrupulosas continuará infalivelmente prestando os seus
depoimentos”.179 Nesta obra o autor analisa vários ordenamentos jurídicos que vigoraram
em diversas partes do mundo e em diferentes épocas, mantendo, no entanto, um eixo de
análise: o papel da testemunha.
Uma das mais antigas ordenações, segundo Altavila, é o Código de Manu,
compendiado na Índia durante o período Bramânico e considerada uma das leis mais
punitivas que se tem notícia. Suas disposições podiam ser terríveis em um ambiente onde
os homens e mulheres temiam ser privados da salvação espiritual, na medida em que as
leis e suas sanções estendiam-se para a vida eterna. Dos 746 artigos referentes à legislação
civil e criminal que o compunham, 50 eram dispositivos especiais relacionados somente

179
ALTAVILA, Jayme de. A testemunha na História e no Direito. São Paulo: Ed. Melhoramentos, 1967.
p. 156.

95
à prova testemunhal.180 Desse modo, além de contemplar o modo processual em geral, o
Código prescrevia os atributos exigidos para a testemunha, indicando tanto os que
estariam aptos – homens, donos de casa, de todas as classes, dignos de confiança e isentos
de cobiça - quanto aqueles considerados interditados para exercer tal função – aqueles de
má fé reconhecida, com interesses pecuniários, amigos ou inimigos, criados, doentes ou
culpados de crime.
Era exigida da testemunha hindu uma vida virtuosa, dentro da lei, da moral e da
religião e àquela sobre quem pesava a acusação de falhar em seus deveres religiosos e
cívicos eram destinados pesados castigos.181 O falso testemunho, por exemplo, era um
crime equiparado ao de furtar e a penalidade prevista nesses casos era ser precipitado com
a cabeça para baixo “nos abismos mais tenebrosos do inferno”.182 No entanto, o Código
de Manu não era tão implacável em relação as testemunhas brâmanes que cometiam
crimes e, nesse sentido, refletia a supremacia desse grupo no interior da sociedade de
castas Indiano. Em alguns casos, para que um brâmane nessa condição fosse perdoado
bastava entoar um hino, recitar orações e dedicar uma oferenda à um dos deuses do
panteão hindu.
Em Atenas as testemunhas desempenhavam um papel essencial ao longo de todo
o processo judicial. Depois de realizada a denúncia do fato criminoso, era exigida a
apresentação das provas que incluíam tanto indícios quanto testemunhas, e para estas era
determinado obrigatoriamente o comparecimento sob pena de multa e castigo. No dia
definido para a apreciação do caso, acusador e acusado apresentavam e faziam ouvir suas
testemunhas cujos depoimentos podiam ser retomados sempre que houvesse necessidade.
Jayme de Altavila nos lembra da importância da oralidade nesse contexto e “a
exuberância de provas que se faziam, na maioria testemunhal, em face das dificuldades
dos escritos, que eram redigidos em pequenas tábuas, ou raramente em pergaminhos”.183
O valor dado à palavra e à prova testemunhal era proporcional à preocupação com a
nocividade de alguns oradores e com a severidade da punição ao falso testemunho.

180
ALTAVILA, Jayme de. A testemunha na História e no Direito. São Paulo: Ed. Melhoramentos, 1967.
p.36.
181
ALTAVILA, Jayme de. A testemunha na História e no Direito. São Paulo: Ed. Melhoramentos, 1967.
p.50.
182
ALTAVILA, Jayme de. A testemunha na História e no Direito. São Paulo: Ed. Melhoramentos, 1967.
p.40.
183
ALTAVILA, Jayme de. A testemunha na História e no Direito. São Paulo: Ed. Melhoramentos, 1967.
p.47.

96
Tal como em Atenas, em Roma o documento escrito não tinha a supremacia frente
à palavra. No entanto, isso acabou por gerar um domínio pernicioso do orador,
responsável por instruir as testemunhas, na ação judicial. Segundo Altavila, “a eloquência
desvirtuou o testemunho nos tribunais, ocasionando o definhamento e o descrédito do
edifício legal principalmente nos meandros da processualística”.184
Inicialmente, embora a testemunha, na prática, fosse indispensável nas relações
econômicas e nos processos criminais de Roma, o Direito Romano não se preocupou em
estabelecer sua normatização jurídica.
“Antes de Justiniano corporalizar o Direito Romano, conquanto
a função testemunhal fosse de relevância, não se encontram
dispositivos esclarecedores da espécie. Certamente as regras
estavam sedimentados nos costumes e a tradição supria a
ausência de qualquer texto.”185

O autor nos lembra que, antes das Leis justinianas, Roma teve inúmeras Leis e
Códigos: as Leis das XII Tábuas, os Fragmentos de Gaius, o Código Gregoriano, o
Código Hermogeniano, os Fragmentos de Ulpiano e as Sentenças de Paulo. Tal matéria
começa a ser fixada em função das faturas testamentárias que necessitavam do
estabelecimento das garantias “daqueles que testavam perante o povo reunido em
assembleia e da venda da propriedade, denominada mancipium, no Fórum.”186 Foram
definidos o número de cinco testemunhas tanto para testamento público quanto privado
e, além disso, determinado que “ninguém pode ser obrigado a testemunhar contra seus
parentes ou amigos; de que o pai, a mãe e os filhos não podem ser testemunhas uns contra
os outros. No entanto, segundo o autor, existem poucas referências a atuação das
testemunhas até o período da Roma republicana.
A partir do Código Justiniano ficou estabelecido que todos os que estavam aptos
a testar também poderiam cumprir o papel de testemunha exceto as mulheres, os escravos,
os loucos, os surdos e os homens que ainda não haviam chegado a puberdade. 187 As
principais referências às testemunhas são encontradas no Título V do Livro XXII e
definem também que: as leis proíbem a todos a faculdade de prestar depoimento em causa

184
ALTAVILA, Jayme de. A testemunha na História e no Direito. São Paulo: Ed. Melhoramentos, 1967.
p. 66.
185
ALTAVILA, Jayme de. A testemunha na História e no Direito. São Paulo: Ed. Melhoramentos, 1967.
p. 59.
186
ALTAVILA, Jayme de. A testemunha na História e no Direito. São Paulo: Ed. Melhoramentos, 1967.
p. 61.
187
ALTAVILA, Jayme de. A testemunha na História e no Direito. São Paulo: Ed. Melhoramentos, 1967.
p. 62.

97
própria; a testemunha falsa num depoimento, em nenhum outro merece fé; não se deve
aferir o valor da prova testemunhal ao grande número de depoimentos, mas sim à sua
fidelidade; as testemunhas falsas são piores que ladrões.188 Vale ressaltar que a instituição
da prática do juramento na legislação romana ocorreu na tentativa de evitar a fraude
testemunhal.
Ao longo da Idade Média a jurisprudência romana subsistiu de certa forma por
meio do direito eclesiástico, uma vez que a Igreja se desenvolveu à sombra e sob a
influência do antigo Império Romano. Nesse período, segundo John Gilissem em seu
livro “Introdução histórica ao Direito”, assim como o poder real estava desmembrado, o
poder judicial também se deslocou das mãos do rei para as de seus grandes vassalos. Aos
poucos, o Direito Romano e os escritos jurídicos foram desaparecendo da Europa
ocidental e, ao mesmo tempo, o costume foi tomando o lugar da lei como fonte
privilegiada do direito laico e a justiça feita muitas vezes apelando-se para Deus.189 Ainda
segundo o autor, “os contratos tão numerosos que estão na base dos laços de dependência
de homem para homem (vassalagem, servidão) e dos direitos sobre a terra (feudos, foros,
etc.) raramente eram reduzidos a escrito.”190
O único direito escrito neste período, segundo Gilissen, foi o Código do Direito
Canônico, conjunto de normas (cânones) que orienta a disciplina eclesiástica, define a
hierarquia administrativa e delimita os direitos e deveres, os sacramentos e as sanções por
transgressão dos fiéis católicos.191 O Código teve origem no Concílio de Basiléia,
realizado entre 1431 e 1443, que promoveu a compilação dos decretos de Graciliano,
Gregório IX e João XXII em um único corpus documental denominado Corpus Iuris
Canonici. Paolo Prodi em seu livro “Uma história da justiça” ressalta que já havia nos
séculos anteriores a presença de uma atividade normativa e de um direito canônico. O que
a Igreja fez nesse momento foi elaborar um Código com características de “organicidade
e de auto-referencialidade” concedendo-lhe atributos de um ordenamento jurídico.192
Desse modo, os métodos e os princípios do direito civil são assimilados e o direito
eclesiástico se seculariza. Não por acaso, o autor afirma que:

188
ALTAVILA, Jayme de. A testemunha na História e no Direito. São Paulo: Ed. Melhoramentos, 1967.
p. 63.
189
GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1979, p.
190.
190
GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1979, p.191.
191
GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1979, p.134.
192
PRODI, Paolo. Uma história da justiça: do pluralismo dos foros ao dualismo moderno entre consciência
e direito. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.63.

98
“(...) o direito canônico nasce revestido de direito romano, ou
melhor dizendo, tendo o direito romano como esqueleto, nos seus
princípios, na sua lógica interna, nas soluções relativas aos
grandes temas; é o direito romano-cristão no Oriente que é feito
justamente pela Roma pontifícia junto com as insígnias e as
prerrogativas da autoridade imperial reivindicadas pelo papado
gregoriano (...)”.193

É importante destacar que embora o costume tenha sido uma das principais fontes
do Direito na Europa Ocidental no período Feudal, o Direito Canônico contribuiu
valiosamente para a formação do Direito Medieval. Aliás, o que caracteriza o ambiente
jurídico nesse período é o que Paolo Prodi denomina de “pluralismo de ordenamentos”194,
pois junto com os direitos consuetudinários da Idade Média, o Direito germânico e o
Romano, o Direito Canônico está na base de todo o Direito Civil Ocidental.195 No entanto,
segundo José Reinaldo Lopes em seu livro O direito na História, “é no campo da
jurisdição e do processo que a influência do Direito Canônico torna-se determinante. É
certo que há uma influência quanto a disciplina do matrimônio e dos contratos, bem como
na formulação da teoria da personalidade jurídica.”196
Nos tribunais eclesiásticos nasce o processo romano-canônico que, em virtude de
sua minuciosa prescrição de todo processo penal, se espalha por toda a Europa e acaba
por constituir-se na base do processo moderno. Apesar de não estabelecer uma distinção
clara entre as matérias cíveis, penais e canônicas na construção do processo, esse modelo
passa a ser largamente adotado em várias cortes comunais e em diversos tribunais
seculares das monarquias emergentes e, até o século XIV, delitos eclesiásticos e laicos
têm jurisdições interligadas tanto em nível processual como em relação às penas.197
Vale realçar que as mudanças engendradas por essa legislação, no que tange a
aceitabilidade das provas tais como os princípios da probabilidade, relevância e
materialidade, influenciaram diretamente a concepção de prova testemunhal. Os
canonistas introduziram a ideia de que era preciso desconsiderar
“provas supérfluas (o que já se sabia ou já estava provado no
processo), as provas impertinentes (que não diziam respeito ao
que se discutia), obscuras (chamadas de inconclusivas, das quais

193
PRODI, Paolo. Uma história da justiça: do pluralismo dos foros ao dualismo moderno entre consciência
e direito. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 65.
194
PRODI, Paolo. Uma história da justiça: do pluralismo dos foros ao dualismo moderno entre consciência
e direito. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p.113.
195
TAVARES, Osvalo Hamilton. “A influência do Direito Canônico no Código Civil Brasileiro”. In:
Justitia, São Paulo, 47 (132): 49-56, out./dez. 1985, pp. 49-50.
196
LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na História. São Paulo: Atlas, 2011, p.84.
197
PRODI, Paolo. Uma história da justiça: do pluralismo dos foros ao dualismo moderno entre consciência
e direito. São Paulo: Martins Fontes, 2005, pp.140-144.

99
nada se poderia com segurança deduzir), excessivamente gerais
(que seriam também inconclusivas), ou inacreditáveis e
antinaturais. A finalidade da prova era a descoberta da verdade e
o juiz era guardião desta busca da verdade, dispondo de poderes
para investigar, de modo a gerar o perfil inquisitorial do processo
europeu continental, em oposição ao caráter adversarial do
processo inglês”.198

O Código Canônico promove, então, uma espécie de racionalização e


formalização da ideia de prova com vistas a uma uniformização do sistema legal, mas ao
mesmo tempo, provoca uma hierarquização das provas e desvalorização da oralidade.
Desse modo, o testemunho oral perde prestígio, ao mesmo tempo em que cresce o poder
do juiz:
“No sistema da prova legal nasce uma certa magia do escrito (...)
Chegou-se a ponto de os juízes não ouvirem as partes nem as
testemunhas somente ler os autos sendo os depoimentos
redigidos pelos secretários dos tribunais. As provas começam a
ser pesadas e medidas, não ponderadas ou valoradas: duas
testemunhas oculares ou auriculares provavam um fato, uma
notificação judicial provava tanto quanto duas testemunhas, o
testemunho de uma mulher ou de um vilão nem sempre valia o
mesmo que o testemunho de um homem e precisava ser
complementado.”199

3.1. A testemunha no Período Moderno

No final da Idade Média a Europa vive, sobretudo a partir do século XIII, uma
espécie de renascimento das leis. Ainda que muitas vezes algumas delas fossem nada
mais que a redação de normas de direito já existente com vistas a uma maior segurança
jurídica, muitas outras estabeleciam novos regulamentos e instituições ou revogavam
costumes antigos. A partir dos séculos XV e XVI, pari passu a formação dos Estados
Modernos, o Direito Romano passou a ser, junto com o Direito Canônico, considerado o
Código “letrado” em contraposição ao Direito Consuetudinário em vigor em várias partes
da Europa. Segundo Paolo Prodi:
“A influência do direito canônico permaneceu forte e chegou a
aumentar (...), deixando sua marca em todo o direito privado da
Idade Moderna, sobretudo em questões matrimoniais, familiares,

198
PRODI, Paolo. Uma história da justiça: do pluralismo dos foros ao dualismo moderno entre consciência
e direito. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 89.
199
PRODI, Paolo. Uma história da justiça: do pluralismo dos foros ao dualismo moderno entre consciência
e direito. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.90.

100
contratuais e, com controvérsias seculares, de empréstimo e
juro.”200

Nesse contexto, os juristas com formação acadêmica passaram a tentar


monopolizar, em disputa com os juízes populares, a prática da advocacia na defesa de
direitos.201 Na medida em que a justiça vai se reestruturando de modo a consolidar uma
única fonte normativa em contraposição a multiplicidade de ordenamentos, há uma
valorização do poder interpretativo dos juízes no cotidiano judicial, sobretudo nos casos
não previstos na legislação.202
Vale lembrar, no entanto, que uma norma positiva, definitivamente estabelecida
como monopólio estatal, só se tornará uma realidade no final do Período Moderno. Desse
modo, é preciso deixar claro que, nesse momento, houve várias formas de recepção do
Direito Romano e que o avanço do direito positivo foi um processo lento ocorrido, não
raras vezes, em paralelo com outros códigos. Segundo Paolo Prodi:
“Se há um fenômeno que, nos século XIV e XVI, caracteriza a
administração da justiça na sociedade europeia em seu conjunto,
creio que se possa dizer que consiste na afirmação gradual da
norma positiva, escrita por um lado, em relação ao direito divino-
natural e, por outro, do direito consuetudinário-oral”.203

No ordenamento jurídico Moderno não havia, na prática, incompatibilidade entre


normas jurídicas gerais e estatutos legais particulares e autônomos. Ao contrário, por
vezes os últimos podiam até prevalecer sobre os primeiros. Não por acaso, o discurso
jurídico desse período era manejado tendo como base princípios doutrinais não
definitivos, de modo a manter uma grande capacidade de se adaptar a situações concretas.
Desse modo, na medida em que a ordem jurídica era entendida como fruto da ordem
social e caudatária da tradição, cabia ao jurista “mais do que criar o Direito, encontrar o
Direito (...) através do uso adequado da razão.”204
As raízes do Direito Moderno estão na cultura e na teologia, tanto da Idade Média
quanto no início da Idade Moderna e ocupavam, em sua origem, “apenas uma pequena

200
PRODI, Paolo. Uma história da justiça: do pluralismo dos foros ao dualismo moderno entre consciência
e direito. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.116.
201
GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1979, p.18.
202
LEVI, Giovanni. “Reciprocidade mediterrânea”. In: OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de. ALMEIDA, Carla
Maria Carvalho de. (Orgs.) Exercícios de micro-história. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009, p.75.
203
PRODI, Paolo. Uma história da justiça: do pluralismo dos foros ao dualismo moderno entre consciência
e direito. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.165.
204
HESPANHA, Antônio Manuel. Poder e Instituições na Europa do Antigo Regime. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, s/d, p. 85.

101
parte do universo jurídico e participava, compartilhando-o, de um universo jurídico
normativo muito mais amplo, moral e religioso.”205 Desse modo, conforme dissemos
anteriormente, o Direito com raízes no Estado e criador de uma esfera pública, na qual
até os direitos privados e individuais são regulados, nasceu de forma lenta e gradual da
confluência dos ordenamentos que o precedeu. O pluralismo, portanto, vigorou por um
longo tempo na Europa Moderna, e somente a partir do século XVII começa a se
desenvolver uma ideia de Direito conforme o conhecemos.206
Na prática, com frequência, vivia-se a supremacia da lei costumeira sobre o
Direito escrito e não era incomum vigorar, no exercício do Direito, a lógica de que as
normas legais eram obsoletas e precisavam ser revogadas pelo costume. Por outro lado,
o princípio da tradição, como interprete da lei, gerava a necessidade de se instituir
requisitos de validade para tais costumes. Desse modo, há uma exigência maior em
relação a verificação da duração do costume, de sua conformidade com o bem comum e,
além disso, uma forte preocupação com a prova e, consequentemente, com o
testemunho.207
Para o período Moderno vale a pena resgatar a definição de Rafael Bluteau em
seu Dicionário da língua portuguesa de 1712, no qual a testemunha era, segundo ele,
aquele homem ou mulher que testificava e dava fé do que viu ou ouviu.208 Por seu turno,
o testemunho, para o mesmo autor, fazia referência tanto à ação quanto ao conteúdo
daquele que depõe com a finalidade de “mostrar, dar finaes, dar provas”. 209 Sabemos que
a função inerente a um dicionário é definir o significado das palavras e sua ortografia,
contribuindo, assim, para uniformizar e manter a unidade de uma determinada língua. No
entanto, podemos acrescentar outro papel importante para um Glossário, o de documento
histórico. Na medida em que revela muito sobre os códigos aceitos e compartilhados por
uma sociedade, um dicionário pode nos ajudar a entender o significado de certas
categorias, conceitos, procedimentos e atributos socialmente tolerados, e até esperados,
pelos homens e mulheres de um determinado momento histórico.

205
PRODI, Paolo. Uma história da justiça: do pluralismo dos foros ao dualismo moderno entre consciência
e direito. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 189.
206
PRODI, Paolo. Uma história da justiça: do pluralismo dos foros ao dualismo moderno entre consciência
e direito. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.113.
207
HESPANHA, Antônio Manuel. Imbecillitas: as bem-aventuranças da inferioridade nas sociedades de
Antigo Regime. São Paulo: Annablume, 2010, pp. 174.
208
BLUTEAU, Rafael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico ... Coimbra:
Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712 - 1728. 8 v. p. 135.
209
BLUTEAU, Rafael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico ... Coimbra:
Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712 - 1728. 8 v. p.137

102
É interessante perceber que o Dicionário de Bluteau não nos apresenta apenas
aquilo que era definido e esperado de uma testemunha no século XVIII. Seu vocabulário
expõe também o seu oposto, pois ao mesmo tempo em que se preocupa em expor de forma
detalhada as nuances de seu significado, expõe também seus antagonismos. Nesse
sentido, o autor enumera logo após a afirmação curta e categórica acerca do significado
da palavra “testemunha” presente na primeira frase do verbete, uma série de tipos
possíveis de testemunhas: diobulares, reprobatórias, singulares, contestes, clássicas,
mercenárias e etc. Em seguida, Bluteau dá destaque primeiro ao falso testemunho,
praticado pelas testemunhas diobulares, preocupando-se inclusive em expor o que seria
uma inclinação dos homens a tal prática, trazendo para o texto citações de exemplos
bíblicos que reforçariam tal ideia. Logo depois, o autor faz questão de expor a definição
do que seriam as chamadas “testemunhas clássicas”, consideradas “pessoas nobres, que
se ocupavam só em afinar testamentos, e últimas vontades”210 e cujos depoimento seriam
dignos de “muito crédito”. 211
Portanto, logo no início, o verbete explicita tanto a norma quanto o desvio de
comportamento não tolerado para uma testemunha que, apresentados em sequência, mais
parecem duas faces de uma mesma moeda. Aliás, a preocupação do dicionarista talvez
revele uma frequência de falsos testemunhos muito maior do que podemos supor. Por
fim, o dicionário acaba por escancarar às distinções sociais do período, citando as
restrições presentes no Livro III das Ordenações Filipinas quanto àqueles que poderiam
ser testemunha212: “Testemunhas não podem ser o irmão, pay, máy, escravo, judeo,
mouro, doudo, menor de quatorze anos de idade, inimigo, ou preso, e o que é recusado
por causa legítima.”213
Como vemos, subjacente à distinção entre quem pode ou não testemunhar, há uma
diferenciação de qualidade e, por conseguinte, de credibilidade e autoridade, presentes no
código social daquele período. Em uma sociedade altamente hierarquizada cujos
membros têm plena ciência das suas diferenças sociais e buscam mantê-las, a justiça é
exercida em meio à desigualdade e, na maioria das vezes, também tem como função

210
BLUTEAU, Rafael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico ... Coimbra:
Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712 - 1728. 8 v. p.135
211
BLUTEAU, Rafael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico ... Coimbra:
Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712 - 1728. 8 v.
212
BLUTEAU, Rafael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico ... Coimbra:
Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712 - 1728. 8 v.
213
BLUTEAU, Rafael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico ... Coimbra:
Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712 - 1728. 8 v.

103
conservá-la. No período Moderno, embora a noção de equidade estivesse presente ela
assumia um caráter bastante especifico tendo em vista a rígida diferenciação e
hierarquização social. O que prevalece é a ideia de igualdade com respeito às diferenças.
Não por acaso, Giovanni Levi nos lembra que a especificidade do conceito de equidade,
nesse período, tem uma relação direta com os sistemas jurídicos que ele chama de “direito
débil”, ou seja, sistemas jurídicos nos quais predomina a jurisprudência sobre a lei. 214
Operava-se o Direito de modo a imprimir a justiça de forma proporcional, com vistas as
diferenças e as especificidades dos casos particulares. Desse modo, segundo Levi:
“Os arquivos dos tribunais do Ancien Régime estão cheios de
procedimentos nos quais os protagonistas fazem seu jogo
intersticial mediante a reivindicação de diferentes
pertencimentos para gozar de diferentes privilégios; ou se
inscrevem em classes impróprias pela exigência de ingressar no
esquema classificatório requerido para gozar do mesmo
privilégio de existência jurídica.”215

A definição de testemunha no dicionário de Bluteau mantem estreita ligação com


as definições presentes, sobre o mesmo tema, nas Ordenações Filipinas, código legal
português resultado da reforma do Código Manuelino. As Ordenações regularam a vida
não só dos portugueses, mas também dos habitantes do ultramar incluindo a América
portuguesa, formando uma das bases do Direito ao longo de todo período colonial e
Imperial também no Brasil. Desde o século XV já havia em Portugal diversas leis
oriundas da combinação do Direito romano e eclesiástico, no entanto tal legislação carecia
de unidade jurídica. As contradições geradas por essa multiplicidade de normas jurídicas
motivaram um esforço de sistematização do direito régio em torno das Ordenações
portuguesas, em que um dos desafios, por exemplo, era definir com clareza as fronteiras
entre o Direito Canônico e o Romano. Segundo Gilmar Alves Montagnoli em seu artigo
“As Ordenações Filipinas e a organização da sociedade portuguesa do século XVII”:
“A estreita relação percebida entre as transformações que
marcam o período com as mudanças na legislação são
percebidas, também, na substituição de uma Ordenação por
outra. As primeiras, denominadas Ordenações Afonsinas, foram
concluídas em 1446 após longo período de preparação. Em
virtude de limitações técnicas da época, essas Ordenações não
foram amplamente difundidas e tiveram vida curta. Revisada e
impressa, as Ordenações Manuelinas foram publicadas em 1521,
vigorando até 1603 quando, já no reinado de Felipe III da

214
LEVI, Giovanni. “Reciprocidade mediterrânea”. In: OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de. ALMEIDA, Carla
Maria Carvalho de. (Orgs.) Exercícios de micro-história. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009, pp.51-52.
215
LEVI, Giovanni. “Reciprocidade mediterrânea”. In: OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de. ALMEIDA, Carla
Maria Carvalho de. (Orgs.) Exercícios de micro-história. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009, p.64.

104
Espanha (Felipe II de Portugal), foram substituídas pelas
Ordenações Filipinas.”216

Publicado pela primeira vez em 1603, o Código Filipino é composto por cinco
livros, divididos internamente por títulos e parágrafos, e que versam sobre diferentes
matérias e aspectos da organização social, política e administrativa lusa. O Livro I trata
do Direito Administrativo e da Organização Judiciária, definindo as atribuições, direitos
e deveres dos magistrados e oficiais da Justiça; o II aborda o Direito dos Eclesiásticos,
Rei, Fidalgos e Estrangeiros - definindo as relações entre o Estado e a Igreja; o III incide
sobre o Processo Civil tratando das ações cíveis e criminais; o IV recai sobre o Direito
Civil e Direito Comercial, determinando o direito das coisas e das pessoas, estabelecendo,
por exemplo, as regras para contratos e testamentos; por fim, o V trata do Direito e
Processo Penal - estipulando os crimes e suas respectivas penas.
Vale lembrar que a partir da Independência do Brasil, em 1822, os textos das
Ordenações Filipinas foram, aos poucos, revogados no Brasil. Em 1830 surgiu o Código
Criminal do Império, que substituiu o Livro V; em seguida, em 1832, foi promulgado o
Código de Processo Criminal, que reformou o processo e a magistratura; em 1850
surgiram os Regulamentos para o processo civil e para o Código Comercial. As normas
relativas ao direito civil só foram definitivamente revogadas com a publicação do Código
Civil de 1916.
Em consonância com os ordenamentos jurídicos típicos do período Moderno, as
Ordenações também conferiam supremacia do Direito local sobre o Direito comum.
Aliás, segundo Antônio Manuel Hespanha, embora as posturas locais devessem respeitar
a forma da lei, era exigido que seu conteúdo estivesse apenas de acordo com “os interesses
dos povos e o bem comum” e, portanto, deveriam ser respeitadas pelos corregedores e
poderosos e poderiam se sobrepor inclusive ao direito régio.217
Conforme dissemos anteriormente, no Período Moderno a prática do Direito era
claramente favorável ao costume e, consequentemente, a prova e especialmente o
testemunho, ganham força em um processo. Desse modo, Jayme de Altavila destaca que
logo no Livro I das Ordenações Filipinas, em seu Título 9, é encontrada a especificação

216
MONTAGNOLI, Gilmar Alves. “As Ordenações Filipinas e a organização da sociedade portuguesa do
século XVII”. In: Revista Urutágua academica multidisciplinar – DCS/UEM. N° 24 –
maio/junho/julho/agosto de 2011, ISSN – 1519- 6178.
217
HESPANHA, Antônio Manuel. Imbecillitas: as bem-aventuranças da inferioridade nas sociedades de
Antigo Regime. São Paulo: Annablume, 2010, pp. 173.

105
de que uma denunciação sem juramento ou sem testemunha podia ser considerada nula.218
Mais adiante no Título 86 do mesmo livro, que trata das atribuições dos inquiridores,
encontra-se instruções precisas sobre a responsabilidade do escrivão na ocasião do
testemunho:
“E todo que disserem, façam escrever, fazendo-lhes todas as
outras perguntas que lhes parecem necessárias, per que melhor e
mais claramente se possa saber a verdade. E atentem bem com
que aspecto e constância falam, e se variam, ou vacilam, ou
mudam de cor, ou se torvam a fala, em maneira que lhe pareçam
se são falsas ou suspeitas.”219

Porém, o volume maior de referências à figura da testemunha e ao ato de


testemunhar são encontradas no Livro III, que trata, como vimos, das ações cíveis e
criminais, em seus Títulos 55, 56, 57 e 58. No Título 55 desse Livro, reservado para a
definição do que haveria de ser perguntado à testemunha, fica curiosamente estabelecido,
logo no segundo parágrafo, não o que será inquirido pelo escrivão, mas quantas pessoas
podem ser nomeadas como depoentes. Nesse caso, as Ordenações estabelecem um
número considerável de testemunhas: quinze a vinte, a depender do número de artigos do
processo. No entanto, nos casos referentes à injúria sem prova documental, a legislação
propõe um número mais reduzido: sete testemunhas.
No Título 56 desse mesmo Livro, cujo objetivo era definir “Que pessoas não
podem ser testemunhas”, encontramos em sua frase inicial a afirmação de que “todo
homem pode geralmente ser testemunha”, no entanto, na sequência do mesmo Título e
naqueles que se seguem, o código enumera várias proibições legais quanto àquele que
fosse intimado a exercer tal função, apontando onze casos de impedimentos. As restrições
aos parentes, aos escravos, aos desmemoriados e aos menores de quatorze anos são
semelhantes às presentes no Direito Romano, porém ainda são acrescentados o
cerceamento aos presos, e os impedimentos de caráter religioso imputados também aos
judeus e aos mouros, considerados de sangue infecto.
No título seguinte seguem as proibições impostas às testemunhas arroladas em um
processo previstas nas Ordenações, e nele estava contida aquela que impedia uma das
partes interessadas de falar com a testemunha até o momento do depoimento, sob pena de
multa pecuniária ou impugnação da mesma.

218
ALTAVILA, Jayme de. A testemunha na História e no Direito. São Paulo: Ed. Melhoramentos, 1967.
p. 96.
219
Ordenações Filipinas, Livro I Título 86; Edição de Cândido Mendes de Almeida, Rio de Janeiro de 1870,
p.204.

106
Diante dessa retomada de importância da prova testemunhal, a preocupação com
o falso testemunho, ou com os que corrompessem testemunhas, também esteve presente
nas Ordenações e foi tratado, tanto do Título 58 do Livro III quanto no Título 54 do Livro
V. Neste último encontramos a prescrição de castigos que vão do degredo à pena capital.
“A pessoa que testemunhar falso em qualquer caso que seja,
morra por isso morte natural, e perca todos seus bens para a
Corôa de nossos Reynos. E essa mesma pena haverá o que
induzir e corromper alguma testemunha, fanzendo-lhe
testemunhar falso em feito crime de morte, ora seja para absolver
ora seja para condenar (...). E se for em outros crimes, que não
sejam de morte, e assi nos cíveis, será degredado para sempre
para o Brazil, e perderá sua fazenda, se descendentes, ou
ascendentes legítimos não tiver.”220

Conforme vimos até aqui, as disposições Filipinas referentes às testemunhas e ao


ato de testemunhar deixam evidente um forte cuidado com o tratamento dado à prova
testemunhal, e uma nítida recuperação do valor dado a ela quando comparado com
Códigos e legislações anteriores. Jayme de Altavila reforça essa impressão afirmando
que:
“(...) nos casos de contratos, testamentos, arrendamentos, etc., a
prova testemunhal era rigorosa e imprescindível. Temos a
impressão, em face dos dispositivos das Ordenações que, onde
não havia a palavra testemunha, estava implicitamente escrita a
palavra nulidade.”221

A preocupação com a validade e a limpidez processual estava presente nas


Ordenações e a vemos refletida no número de testemunhas possíveis de serem arroladas,
na acuidade das instruções estabelecidas ao escrivão acerca do que deveria ser interrogado
ao depoente, e na atenção sobre como deveria ser conduzida a inquirição. Quando
observamos aqueles que estão excluídos do rol das possíveis testemunhas vemos ecoar,
por exemplo, as questões religiosas e culturais em relação aos judeus. Do mesmo modo,
a interdição do escravo e o privilégio dos homens, apesar da não proibição explicita das
mulheres, nos fazem lembrar que as Ordenações fizeram parte do sistema Jurídico do
Antigo Regime e, portanto, estavam integradas a uma ordem social e política dominada
por um sistema de privilégios e hierarquias sociais.

220
Ordenações Filipinas, Livro I Título 86; Edição de Cândido Mendes de Almeida, Rio de Janeiro de 1870,
p. 1204.
221
ALTAVILA, Jayme de. A testemunha na História e no Direito. São Paulo: Ed. Melhoramentos, 1967.
p. 97.

107
3.2. A Prática do Testemunhar

O frequente desencontro entre o Direito legislado e o Direito efetivamente


praticado por juízes e tabeliões foi uma marca do Período Moderno. No entanto, segundo
Antônio Manuel Hespanha, a historiografia do Direito tende a privilegiar o estudo da
doutrina, da estrutura da ordem legal e das instituições jurídicas centrais e, pouco ou nada
tem se dedicado a investigação acerca das decisões judiciais, dos atos notariais e da
prática jurídica local. Segundo o autor, o panorama da produção historiográfica acerca do
Direito praticado como tema é desolador e tais pesquisas ainda estão por ser feitas. 222 O
descompasso entre o que previa a legislação e a prática acerca do ato de testemunhar
também merece nossa atenção, tendo em vista, a força do costume e da casuística na
pratica da justiça no Período Moderno.
Embora também sejam escassos os trabalhos referentes a prática de testemunhar
tanto na Europa quanto na América lusa, Fernanda Olival em seu artigo “Testemunhar e
ser testemunha em processos de habilitação (Portugal, século XVIII)” analisa o
recrutamento de testemunhas arroladas em habilitações ao Santo Ofício em diferentes
localidades do território luso.223 Nesse trabalho a autora enfatiza a relevância e o lugar
privilegiado que o testemunho verbal tinha nas instituições cujos processos para o
ingresso buscavam avaliar a qualidade de sangue dos habilitandos. Segundo a autora,
provas documentais e materiais só eram exigidas posteriormente a audição das
testemunhas e, ainda assim, nos casos onde alguma controvérsia fosse instaurada.
A autora identifica que houve testemunhas requeridas reiteradas vezes para depor
nessas habilitações e o mais interessante é que, a partir dos dados presentes nos inúmeros
processos analisados, consegue traçar um perfil de tais testemunhas, demostrando que
eram majoritariamente do sexo masculino, cristãos velhos e idosos e em alguns casos,
antigos moradores da localidade. Segundo a autora, a idade da testemunha era na prática
um elemento importante, pois “ajudava a credibilizar e a incutir veracidade ao
testemunho”224 Porém, um outro critério precioso na escolha das testemunhas era sua

222
HESPANHA, Antônio Manuel. Poder e Instituições na Europa do Antigo Regime. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, s/d, pp. 16-17.
223
OLIVAL, Fernanda; GARCIA, Leonor Dias; LOPES, Bruno; SEQUEIRA, Ofélia, “Testemunhar e ser
testemunha em processos de habilitação (Portugal, século XVIII)”. In: OLIVAL, Fernanda; FIGUEIRÔA-
REGO, João. Honra e Sociedade no mundo ibérico e ultramarino: Inquisições e Ordens Militares - séculos
XVI-XIX. Lisboa: Caleidoscópio, 2013.
224
OLIVAL, Fernanda. “Testemunhar e ser testemunha em processos de habilitação (Portugal, século
XVIII)”. In: SALAZAR, Ana Isabel López; OLIVAL, Fernanda; FIGUEIRÔA-REGO, João. Honra e
Sociedade no mundo ibérico e ultramarino: Inquisições e Ordens Militares - séculos XVI-XIX. Lisboa:
Caleidoscópio, 2013. p. 338.

108
qualidade e estatuto social, pois, segundo a autora, tinha-se a percepção de que tal
característica, além de aumentar a credibilidade de sua declaração, ampliava o alcance
informativo do depoimento.225
Olival percebe também que a inquisição precisava de indivíduos que conhecessem
a população local para indicar as pessoas a serem interrogadas. A partir daí, o clero local
acabava influenciando na escolha das testemunhas na medida em que a inquisição
acabava recorrendo a ele como fontes privilegiadas de informação para tais indicações.226
Os vigários, então, acabavam por acionar suas próprias redes de contato para atuar nos
depoimentos. Nesse sentido, o trabalho de Fernanda Olival é precioso, pois destaca os
critérios socialmente construídos, e não apenas positivos, que norteavam a escolha desses
personagens.
Na prática cotidiana da América Portuguesa, testemunhas podiam ser requeridas
nos mais variados ambientes e situações. No âmbito público estavam implicadas tanto a
processos cíveis e cartoriais – inventários, transmissão de bens – como em processos
criminais. Porém, fora da esfera do Direito secular, como vimos, a Igreja também
estrutura seu próprio Direito tomando uma base substancial do seu congênere Romano.
A partir de Trento, houve um esforço por parte da Igreja de sistematização e normatização
das práticas católicas em um contexto em que a regulação da vida social passava a ser
uma prerrogativa das monarquias. As Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia
pretendiam, dentro dessa lógica, contemplar tanto as questões referentes à fé, como o
comportamento dos fiéis, estabelecendo as sanções determinadas pelo descumprimento
de suas orientações. Desse modo, a instituição optou por transferir sua jurisdição para o
foro íntimo, exercendo seu controle sob os comportamentos e as consciências. Sendo
assim, no domínio eclesiástico as testemunhas eram peças indispensáveis para a prática e
validação de casamentos, testamentos, habilitações sacerdotais e do Santo Ofício.
No que diz respeito à testemunha nas cerimônias de matrimônio da América lusa,
a legislação eclesiástica, representada pelas Constituições Primeiras do Arcebispado da
Bahia, também estabelece uma série de prescrições quanto ao ato testemunhal e àqueles

225
OLIVAL, Fernanda. “Testemunhar e ser testemunha em processos de habilitação (Portugal, século
XVIII)”. In: SALAZAR, Ana Isabel López; OLIVAL, Fernanda; FIGUEIRÔA-REGO, João. Honra e
Sociedade no mundo ibérico e ultramarino: Inquisições e Ordens Militares - séculos XVI-XIX. Lisboa:
Caleidoscópio, 2013. p. 232-235.
226
OLIVAL, Fernanda. “Testemunhar e ser testemunha em processos de habilitação (Portugal, século
XVIII)”. In: SALAZAR, Ana Isabel López; OLIVAL, Fernanda; FIGUEIRÔA-REGO, João. Honra e
Sociedade no mundo ibérico e ultramarino: Inquisições e Ordens Militares - séculos XVI-XIX. Lisboa:
Caleidoscópio, 2013. p. 345-347.

109
que podem cumprir tal função. No Título 67, referente aos “Impedimentos do
Matrimônio”, a Igreja é taxativa e não deixa dúvidas quanto a importância da testemunha
na imposição do sacramento do Matrimônio: ele é considerado nulo com sua ausência.
Ao mesmo tempo, pesa sobre essa figura a responsabilidade de não dar validade a uniões
que sabidamente possuíssem algum tipo de impedimento diante das normas eclesiásticas.
Desse modo, em casos de desconfiança de fraude e conluio entre noivos e testemunhas
na tentativa de burlar as exigências que o casal deveria cumprir para estar apto ao
sacramento, tal ato era considerado falso testemunho. Nesses casos, o castigo poderia ir
da excomunhão até pena de prisão e degredo. Além disso, se o falso testemunho fosse
dado mediante recebimento de dinheiro, acrescentava-se à pena o pagamento pecuniário.
Vale lembrar que no âmbito das práticas e do ato de testemunhar os banhos
matrimonias que antecediam o ato sacramental também arrolavam um conjunto de
testemunhas, pois para que o casamento fosse levado a cabo, era exigido que os noivos
comprovassem seu livre consentimento e demonstrassem que nada impedia ou se opunha
ao matrimônio. Desse modo, era realizada a abertura de um processo de habilitação
matrimonial na paróquia em que o enlace seria realizado e, posteriormente, requerida a
declaração dos próprios nubentes com a presença de testemunhas. A verificação da
ausência de impedimentos passava também pela publicação de tais Banhos por meio de
sua fixação no ambiente da Igreja por dois domingos seguidos. Os membros e
frequentadores da paróquia deviam comunicar ao Pároco se soubessem de alguma razão
para adiar ou impedir o casamento publicado e desse modo, era possível averiguar se
algum dos noivos já era casado, se havia algum grau de parentesco consanguíneo entre
os nubentes ou qualquer outro tipo de impedimento para sua realização.
Uma testemunha poderia também ser convocada, por exemplo, para comprovar o
batismo exigido aos nubentes, caso estes não pudessem apresentar suas respectivas
certidões, na ocasião da realização do casamento. Segundo Maria Beatriz Nizza: “para o
casamento poder ser celebrado era preciso, além de outros papéis, uma certidão de
batismo; e, porque esta nem sempre podia ser passada por incúria dos párocos, que não
registravam todos os batizados como deviam, havia quem justificasse o batismo por meio
de testemunhas”227 Sheila de Castro Faria chega a afirmar que, no que tange aos trâmites
burocráticos das práticas sacramentais, recorria-se com frequência a averbação de
testemunhas para dirimir as mais variadas dificuldades. Segundo a autora:

227
SILVA, Maria Beatriz Nizza. Sistema de casamento no Brasil Colonial. São Paulo, Ed. da Universidade
de São Paulo, 1984. p. 116

110
“A solução para inúmeros problemas foi, grosso modo, a de
apelar para testemunhas, tidas como fidedignas e residentes, e
para fianças monetárias, no caso dos mais ricos. Para tudo
chamavam-se testemunhas: comprovar batismos, casamentos ou
falecimento de cônjuges do pretendente ao matrimônio; atestar
seu estado de solteiro ou ‘livre desimpedido’: comprovar ser a
pessoa a mesma que afirmava ser (principalmente para migrantes
recentes) etc.”228

Testemunhas também deveriam ser requeridas, por exemplo, no decorrer dos


processos que precediam a aquisição do sacramento da Ordem. A necessidade de atestar
a origem, os costumes e o patrimônio do candidato ao sacerdócio exigia, conforme as
Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, o depoimento de testemunhas “antigas,
fidedignas e cristãs velhas” como base de sustentação desses processos. 229 Anderson
Oliveira nos lembra de que tais trâmites reforçam uma cultura jurídica assentada em boa
medida na oralidade, na qual a credibilidade e a qualidade dos depoentes corroboravam
o valor e autoridade da prova testemunhal para a época. Não por acaso, o autor destaca o
fato de que, “em sociedades profundamente hierarquizadas os fatores a influenciar a
autoridade do argumento repousavam no status social dos depoentes e na relação
estabelecida entre estes e os habilitandos”.230
Nos casos em que o processo de habilitação sacerdotal envolvia um habilitando
de cor, a concessão da Ordem poderia ser indeferida pela Igreja, sob alegação do chamado
“defeito de cor”. Contudo, tal interdição se transformou ao longo do tempo em inúmeros
processos de “pedidos de dispensa de impedimento” por parte dos habilitandos junto a
Câmara Eclesiástica da Diocese. Anderson de Oliveira, em seu já citado artigo “Dispensa
da cor e clero nativo”, afirma que, embora As Constituições Primeiras não fizessem uma
menção explícita ao referido “defeito”, ele em geral era respaldado pela noção de “defeito
de origem” atribuído aos escravos.231 No entanto, como a figura da dispensa concedida

228
FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, p.59.
229
OLIVEIRA, Anderson José Machado de. “Os processos de habilitação sacerdotal dos homens de cor:
perspectivas metodológicas para uma História Social do catolicismo na América portuguesa” In:
FRAGOSO, João, GUEDES, Roberto e SAMPAIO, Antônio Carlos (orgs.). Arquivos paroquiais e História
social na América Lusa, séculos XVII e XVIII: métodos e técnicas de pesquisa na reinvenção de um corpus
documental. Rio de Janeiro: Mauad X, 2014.
230
OLIVEIRA, Anderson José Machado de. “Os processos de habilitação sacerdotal dos homens de cor:
perspectivas metodológicas para uma História Social do catolicismo na América portuguesa” In:
FRAGOSO, João, GUEDES, Roberto e SAMPAIO, Antônio Carlos (orgs.). Arquivos paroquiais e História
social na América Lusa, séculos XVII e XVIII: métodos e técnicas de pesquisa na reinvenção de um corpus
documental. Rio de Janeiro: Mauad X, 2014, p.335.
231
OLIVEIRA, Anderson José Machado de. “Dispensa da cor e clero nativo: poder eclesiástico e sociedade
católica na América portuguesa”. In: Dimensões do catolicismo no império português (séculos XVI-XIX).
Rio de Janeiro: Gramond, 2014. p.202.

111
pelo Papa e pelos Bispos também estava prevista na legislação eclesiástica, ela acabou se
transformando em prática comum desde o século XVII no que se referia a dispensa da
chamada “falta de qualidade”. Aliás, o autor ressalta que a instituição da dispensa era uma
característica estruturante das sociedades do Antigo Regime e estava associada em grande
parte a figura do Rei. Do mesmo modo, as dispensas concedidas no âmbito da Igreja, de
tão comuns, acabavam por reforçar a própria hierarquia eclesiástica, na medida em que
denotavam a concessão de privilégio gerido pela cúpula da instituição.232 Nesse sentido,
a dinâmica de dispensação do “defeito de cor”, deixa latente a flexibilidade com que a
legislação canônica é aplicada frente a costumes e práticas arraigadas.
Em recente pesquisa sobre o clero de origem negra na América Portuguesa, entre
o final do século XVIII e início do século XIX, Anderson Oliveira estabelece o
cruzamento da documentação da Irmandade de São Pedro dos Clérigos com processos de
habilitação sacerdotal. Neste trabalho, o autor confirma a ideia de que a mobilidade que
conduzia homens de cor ao sacerdócio e aos quadros da irmandade de São Pedro, não era
uma conquista individual, mas representava a culminância de uma estratégia familiar e
geracional de mobilidade ascendente. A partir dos depoimentos presentes nos processos,
é possível também dimensionar a preocupação com a qualidade dos depoentes arrolados
pelos habilitandos na ocasião do recurso gerado pelo pedido de dispensa de cor. Depor
significava não só declarar apoio ao habilitando, mas também colocar-se à disposição do
projeto do futuro sacerdote a reputação de quem depõe. Além disso, segundo o autor tal
prática era uma via de mão dupla na medida em que
“a solidariedade, manifesta com o apoio, traduzia o caráter
significativo que se dava ao bem simbólico em vias de aquisição
e como a comunidade relacional também se via beneficiada pelo
mesmo.”233

Sendo assim, investir em testemunhas com certo cabedal era uma estratégia
importante de convencimento da veracidade do depoimento e da necessidade da dispensa.
No entanto, é curioso o manifesto laço de parentesco presente entre algumas
testemunhas arroladas e os habilitandos, na medida em que tal relação era expressamente

232
OLIVEIRA, Anderson José Machado de. “Dispensa da cor e clero nativo: poder eclesiástico e sociedade
católica na América portuguesa”. In: Dimensões do catolicismo no império português (séculos XVI-XIX).
Rio de Janeiro: Gramond, 2014. p.202. p. 215.
233
OLIVEIRA, Anderson José Machado de. “A Irmandade de São Pedro dos Clérigos do Rio de Janeiro:
reforma do clero, distinções e hierarquias sociais (c. 1790-c. 1820) In: AYROLO”, Valentina. OLIVEIRA,
Anderson José Machado de. (Orgs). Historia de clérigos y religiosas en las Américas: conexiones entre
Argentina y Brasil (siglos XVIII y XIX). Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Teseo, 2016, p.181.

112
vedada pela legislação. Porém, em nenhum dos casos o processo fora anulado em função
de tal irregularidade. Desse modo, fica claro nesses casos o relaxamento da norma na
prática jurídica eclesiástica e a amplitude das interpretações possíveis dos códigos legais
nas sociedades de Antigo Regime. Não por acaso, ao longo da época Moderna a Igreja
Católica passou a desenvolver um modelo de teologia fundada na casuística, cuja
principal característica era a ênfase na prática e na moral. Desse modo:
“Normas de comportamento foram definidas para a
administração de todos os sacramentos e tais regras disciplinares
compunham um conjunto de decisões que tinha em Roma o
centro da resolução de todos os problemas individuais. Estes
problemas eram analisados de acordo com as circunstâncias
produzindo uma casuística que permanecia sob segredo em
função das proibições de glosas, comentários e de uma
jurisprudência interpretativa imposta pelo Papa Pio IV (1559-
1565)”234

Enfim, não parece exagero afirmar, a partir do exposto até aqui, que a função e o
ato de testemunhar extrapolavam, e muito, a ação de atender à uma intimação judicial e
“dar provas do que viu”. Tal afirmação não implica em minimizar a importância da
determinação legal discriminada pelo ordenamento jurídico, tampouco em atenuar a
responsabilidade de exercer tal função, ela apenas enseja que não podemos nos limitar
aos preceitos legais. As disposições do Direito positivo, secular ou eclesiástico, foram, na
prática, frequentemente suplantados pelo costume e pela lógica da reciprocidade inerente
às relações sociais.
A análise da prática do ato de testemunhar na América lusa, sobretudo no
ambiente eclesiástico, nos revela que escolher alguém para emitir um testemunho, antes
de tudo, significava confiar nela. Os laços pretéritos estabelecidos, não só entre as
testemunhas e as partes, como também entre aquelas e as próprias autoridades,
influenciavam diretamente o desenrolar e o desfecho dos processos. Desse modo, para
além das definições estabelecidas pela lei escrita, os atributos para que uma testemunha
fosse escolhida eram, como vimos, norteados por critérios socialmente construídos para
tal eleição. Além disso, escolher e ser escolhido para dar um testemunho podia significar,
mais que tudo, apoio político e social entre as partes e, nesse sentido criar ou reforçar
laços sociais.

OLIVEIRA, Anderson. “Dispensa de cor e clero nativo: poder eclesiástico e sociedade católica na
234

América portuguesa”. In: OLIVEIRA, Anderson. MARTINS; Willian de Souza (Orgs.) Dimensões do
catolicismo no império português (séculos XVI-XIX). Rio de Janeiro: Gramond, 2014, p. 216.

113
3.3. As testemunhas de casamento na Freguesia da Candelária

O ato de testemunhar parece ter sido uma prática recorrente no Antigo Regime e
a testemunha provavelmente uma figura comum nesse período. Apesar das inúmeras
restrições legais para o cumprimento de tal ato, os ordenamentos jurídicos do Período
Moderno acabavam gerando a necessidade de recorrer a um depoente, nas mais variadas
situações e nos mais diferentes espaços da vida social e religiosa.
No caso especifico dos casamentos ocorridos na Freguesia da Candelária entre os
anos de 1750 e 1866, os assentos apresentam, conforme dissemos anteriormente, a
assinatura das testemunhas presentes na cerimônia. De posse, então, de 4.895 registros
matrimoniais, foi possível identificar a partir da análise da variável “Testemunha”, o
número de testemunhas presentes em cada um dos casamentos. Desse modo, o Gráfico 4
intitulado “Número de casamentos por faixas de testemunhas” apresenta tal distribuição.

Gráfico 4 – Número de Casamentos por faixa de Testemunhas na Freguesia da


Candelária (1750 a 1866)

6 Testemunhas 1; 0,02%

5 Testemunhas 3; 0,06%

4 Testemunhas 13; 0,27%

3 Testemunhas 130; 2,66%

2 Testemunhas 4599; 93,97%

1 Testemunha 76; 1,55%

Nenhuma testemunha 72; 1,47%

Fonte: ACMRJ - Registros de Matrimônio Freguesia de Nossa Senhora da Candelária.


Livros 6, 7, 8 e 9 (1750-1866).

Na Candelária, os registros de casamento continham no máximo seis assinaturas


de testemunhas para cada assento, mas, como vemos, a maior parte dos casamentos teve
a presença de até duas testemunhas o que, aliás, é o número previsto pelas Constituições
Primeiras do Arcebispado da Bahia. Só nesta faixa encontramos 4.599 assentos,
representando cerca de 94% dos casamentos.
Por outro lado, cabe destacar aqui que embora a presença de testemunhas na
cerimônia e sua assinatura nas atas também fosse uma exigência canônica, 72 registros
(1,47% do total) não contou com ninguém cumprindo tal papel. Aliás, segundo as
114
Constituições Primeiras no Título LXXIII do Livro I, havia a previsão de pagamento de
multa ao pároco que não cumprisse devidamente as normas referentes aos assentos de
matrimônio e o casamento poderia ser inclusive cancelado diante da ausência delas.
Desse modo, uma pergunta vem à tona: se a presença da testemunha é importante,
quem são estes que se casam sem elas? Estes noivos seriam aqueles que não conseguiram
inserir-se em qualquer tipo de relação e não puderam contar sequer com uma testemunha
na ocasião de seus enlaces? Pois bem, destacando apenas os registros em que as
testemunhas estiveram ausentes, temos um total de 72 assentos. Nestes, temos a maioria,
35 casamentos, envolvendo nubentes livres e, logo após, 11 casamentos de escravos e 4
na situação de forros (o restante, 22, não foi informado). Poderíamos então pensar na
possibilidade de serem homens livres pobres e, por algum motivo, tão desarraigados
socialmente quanto os demais. No entanto, nos casos onde a documentação forneceu
informações mais completas, verificamos a presença de portugueses casados com
mulheres com o título de “dona” e cujas ocupações são doutor, capitão, sargento mor de
artilharia e alferes. Desse modo, a hipótese de desarraigo social do casal como explicação
para a ausência de testemunhas nos casamentos parece não se confirmar, pois foram
encontrados noivos com certo prestígio social.
A título de exemplo, podemos citar o caso de Theodoro Ferreira da Silva,
português e procedente da freguesia de São Pedro da Ilha da Madeira, casando-se com a
Dona Lourença Roza de Freitas, também portuguesa da mesma freguesia. Ou ainda o caso
do Capitão Geraldo de Beléns, português da Cidade de Porto, filho de um doutor,
casando-se com a Dona Maria Jozefa Carneira da Costa, procedente da Freguesia da
Candelária, filha do Capitão Brás Carneiro Leão.
Outra explicação possível recai sobre a provável falta de acuidade do padre
responsável pelo assento do sacramento posteriormente a cerimônia. Com frequência, a
tarefa de registrar os matrimônios realizados em um determinado período não recaia sobre
o pároco celebrante do casamento, mas para um coadjutor ou outro sacerdote da paróquia.
Sendo assim, é interessante perceber que dos 72 casamentos sem testemunha, 70
fornecem a informação de quem os registrou, e neles o assento foi feito por um coadjutor
ou sacerdotes distinto daquele responsável pela celebração. Além disso, o local da
cerimônia de 17 desses casamentos não foi a matriz da Candelária, mas capelas ou
oratórios, o que pode ter gerado perda de informação na ocasião da transcrição do assento.
Bem, fato é que não há nenhuma observação quanto a nulidade do matrimônio em função
da ausência de testemunhas. Deste modo, fica latente a influência da acuidade do vigário

115
na ocasião do assentamento dos dados e a completude dos registros. Além disso, a
dificuldade encontrada pela Igreja Católica, especialmente na América portuguesa, de
implementar as normas tridentinas pode ter perdurado até o limiar do século XIX e gerado
tais discrepâncias.
Além disso, também vemos no Gráfico 4 que 147 cerimônias de casamentos
contaram com a presença de três ou mais testemunhas, chegando ao caso de 1 casamento
com 6 testemunhas. Na tentativa de explicar tal fato, poderíamos seguir a lógica
apresentada no item anterior onde a historiografia afirma que, em geral, apenas os
assentos matrimoniais referentes a pessoas de posição social elevada tendiam a ter maior
completude. A consequência disso seria inferir que, uma cerimônia com mais
testemunhas do que o exigido, poderia ser signo de importância e distinção social dos
noivos e, além disso, quanto maior a distinção maior o número de testemunhas. Porém,
quando encontramos informações sobre a procedência dos noivos, encontramos 7 casais
de nubentes escravos, sendo 5 deles de origem africana.
Como exemplo, podemos citar o caso do escravo africano Miguel Congo que se
casou com a também escrava africana Jozefa Rebolo, ambos pertencente ao Sr. Estevão
da Silva Monteiro, e que tiveram como testemunhas 4 pessoas. Dentre os casais livres,
encontramos 96 assentos e, 84 deles não possuíam a designação da ocupação ou titulação
dos noivos. Portanto, nestes casos, ter a presença de uma testemunha de casamento além
do recomendado, não revelou um sinal de distinção dos noivos.
É importante destacar aqui, conforme vimos no início desse capítulo, que
independentemente do número de testemunhos dado por uma pessoa nas mais diversas
circunstâncias, inclusive em cerimônias de casamento, testemunhar era, e ainda é, um ato
relativamente simples, mas que implicava um alto grau de compromisso. Aceitar cumprir
tal papel demandava um mínimo de conhecimento quanto a história de quem o solicita e
clareza sobre a responsabilidade imputada ao ato, ao mesmo tempo em que fazer tal
convite para que alguém se prestasse a esse papel, pressupunha algum tipo de relação
com o futuro depoente e um mínimo de confiança em sua índole.
No caso específico das testemunhas de casamento - embora durante a cerimônia
estes personagens apenas assinassem o acento matrimonial e não pronunciassem uma só
palavra – elas cumpriam, provavelmente, um papel que extrapolava o ambiente religioso,
cuja importância não pode ser mensurada apenas com os atributos conferidos a elas por
lei. Sendo assim, para além do entendimento de como a norma jurídica abordou o tema

116
do testemunho ou da investigação sobre a prática de testemunhar em circunstâncias
específicas, é urgente a investigação acerca do perfil social desses personagens.
Em um ambiente colonial fortemente moldado e assentado na classificação e
hierarquização social, as diferenças entre os agentes sociais eram valorizadas e expressas
de diferentes maneiras. Ascendência social, origem familiar, étnica e religiosa ou
ocupação profissional eram formas de marcar qualidades sociais e garantir distinção.235
Desse modo, a qualidade dessas testemunhas, chamadas diversas vezes à igreja, pode ter
orientado a escolha dos noivos por esses personagens, do mesmo modo que a reiteração
no cumprimento desse papel provavelmente reforçou a qualidade deles. Sendo assim,
buscar entender o ato de testemunhar casamentos e averiguar quem foram as pessoas que
exerceram tal papel na cerimônia permanece um bom caminho de investigação.
Algumas informações acerca das três testemunhas já citadas no capítulo anterior
em função de suas presenças recorrentes nos casamentos da Candelária nos dão algumas
pistas sobre a qualidade social desses personagens e da relevância de suas qualificações
para explicar tal reincidência. Sobre Antônio Luiz de Andrade, Cesário José da Silva e
Mathias Gonçalves Ferreira fizemos uma busca no Almanaque da Corte do Rio de
Janeiro. Nesses pequenos livros editados em vários números da Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, encontramos, dentre outras informações, a lista de
funcionários da corte, inclusive os eclesiásticos, nos anos de 1811, 1816, 1817, 1824 e
1825.
Para nossa surpresa, descobrimos, dos anos de 1824 a 1825 no item intitulado
“Pessoas empregadas - Criados Particulares – Porteiros da Câmara de cavallo do
número”, uma lista de tais empregados e nela o nome de Cesário José da Silva figurando
entre eles.236 Ao lado de seu nome havia a inscrição “Rua do Sabão”. Segundo Noronha
Santos,237 e Morales de los Rios238 a referida rua, hoje desaparecida por conta da abertura
da Avenida Presidente Vargas, abrigou o primeiro edifício do Paço Municipal de 1817 a
1873. E não é de se espantar que ficasse localizada uma parte na Freguesia de Santana, e
outra na Freguesia da Candelária.

235
Eduardo França Paiva faz uma boa discussão em torno do conceito de “qualidade” na Ibero-América
moderna. cf. PAIVA, Eduardo França. Dar nome ao novo: uma história lexical da Ibero-América entre os
séculos XVI e XVIII (as dinâmicas de mestiçagem e o mundo do trabalho). Belo Horizonte: Autêntica
Editora, 2015.
236
IHGB. “Almanaque da corte do Rio de Janeiro de 1825”. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro. Rio de Janeiro: Impressão Régia, 1826, p. 260.
237
SANTOS, Noronha. As freguesias do Rio Antigo. Rio de Janeiro: Ed. O Cruzeiro, 1965, p.108.
238
FILHO, Adolfo Morales de Los Rios. O Rio de Janeiro Imperial. Rio de Janeiro: Editora Univercidade,
2000, p.204.

117
A profissão de Cesário indicada no Almanaque da Corte nos revela que ele
ocupava um dos cargos do Passo Imperial subordinado à Casa Real, lugar onde segundo
Giovana Castro, eram estabelecidas muitas das relações de serviço prestadas diretamente
ao monarca. Segundo a autora,
“os ofícios disponíveis na Casa eram divididos em dois polos: os
oficiais-mores (ou maiores) e os oficiais menores. No primeiro
grupo, os cargos eram ocupados por membros da alta nobreza do
reino, muitos deles titulares (duques, marqueses, condes,
viscondes, barões). No outro, os ocupantes poderiam ser desde
membros destacados na sociedade até plebeus, entendidos como
aqueles que se dedicavam a ofícios mecânicos.”239

O Registro Geral de Mercê, disponível no Arquivo Digital da Torre do Tombo,


nos revela que tais ofícios mencionados pela autora estavam subordinados a Mordomia
Mor e só eram concedidos por meio de mercê. Nesse corpus documental encontramos
inúmeros Alvarás requerendo mercê para tal serviço e em um deles encontramos o
seguinte conteúdo: “Alvará de mercê do ofício de porteiro da Câmara de Cavalo do
número com 500 réis de moradia por mês e 3 quartas de cevada por dia, concedido a
Gaspar Ribeiro Cirne.”240
No caso português citado acima, vemos que a aquisição da mercê referente ao
ofício podia vir acompanhada de privilégios que certamente geravam alguma distinção.
Embora possamos imaginar que tal ocupação não gozava de grande distinção entre os
demais empregados do Paço, porém, entre seus pares certamente era um signo de
diferenciação social em função, sobretudo, da proximidade, ainda que indireta e
tangencial, com o poder. Giovana Castro cita uma notícia sobre a morte de D. Maria,
publicada na Gazeta do Rio de Janeiro em 1816 que registra a presença de vários
domésticos da Casa Real e dentre eles um empregado com o mesmo ofício de Cesário:
“Por toda a madrugada D. Maria foi velada por diversos oficiais,
tanto da Casa da Rainha - Mordomo-Mor, Estribeiro-Mor,
Damas do Paço - como da Casa Real - Moços da Câmara,
Porteiros da Câmara de Cavalo do Número e Clérigos da Capela
Real. (Gazeta do Rio de Janeiro, 1816).”241

239
CASTRO, Giovanna Milanez de. “Servir em vida, ritualizar a morte: a Casa Real Portuguesa e as
exéquias da Rainha D. Maria I no Rio de Janeiro do período Joanino”. In: Anais do XVI Encontro Regional
de História da Anpuh-Rio: Saberes e práticas científicas. 2014 - ISBN 978-85-65957-03-8
239
FURTADO, Junia Ferreira. “Testamentos e inventários: a morte como testemunho da vida”. In:
PINSKY, Carla. O Historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 2009, p.2
240
ATT. Registo Geral de Mercês, Mercês de D. Pedro II, liv. 1, f. 91v.
241
CASTRO, Giovanna Milanez de. “Servir em vida, ritualizar a morte: a Casa Real Portuguesa e as
exéquias da Rainha D. Maria I no Rio de Janeiro do período Joanino”. In: Anais do XVI Encontro Regional
de História da Anpuh-Rio: Saberes e práticas científicas. 2014 - ISBN 978-85-65957-03-8. p.8.

118
A busca por informações acerca desses personagens continuou em direção,
sobretudo, a uma fonte específicas: os Inventários Post Mortem, em uma perspectiva de
investigação cada vez mais qualitativa. Esse tipo de documentação pode, portanto, nos
revelar segredos e detalhes da vida não só do testador, mas também de uma gama de
pessoas que o cercavam. Não por acaso, Junia Furtado em seu artigo - “Testamentos e
inventários: a morte como testemunho da vida” - expõe com detalhes as principais
características e potencialidades dessas fontes cartorárias.242 Segundo a autora, embora
essa documentação seja produzida no contexto da morte de uma pessoa, o historiador
pode transforma-las em fontes de informação privilegiadas sobre vários aspectos da vida
material e espiritual do morto e da sociedade em que ele viveu. No período moderno
tanto em Portugal como na América portuguesa, eram as Ordenações Filipinas que regiam
as formas de testamento, partilha e inventário dos bens. Embora o testamento fosse
produzido nos momentos que antecediam a morte e o inventário, por seu turno, após o
falecimento, esses documentos se relacionam entre si, na medida em que se o morto
deixasse testamento ele deveria ser respeitado e transcrito logo na abertura do inventário.
Michel Bertrand denomina os testamentos como fontes preciosas para a
reconstituição de estratégias relacionais e familiares quando cruzados com cartas de
dotes, registros de óbito e contratos matrimoniais. Na medida em que a intensidade das
relações de parentesco, amizade e inimizade tem caráter variável no tempo, capturar os
atores sociais em diversas etapas da vida possibilitaria deduzir a natureza e, sobretudo, a
qualidade dos vínculos estabelecidos em espaços e momentos diversos.243 Bertrand
ressalta que os vínculos estabelecidos a partir do compadrio, por exemplo, conferem uma
dimensão espiritual na relação entre os atores e, por isso, dão uma garantia de solidez e
fidelidade a esse tipo de interação ao longo do tempo. Segundo ele, portanto, a utilização
de uma massa documental diversificada quanto a sua natureza permite ao pesquisador
perceber como uma pessoa atua em um determinado círculo social e, além disso, como
ela mantém e ativa diferentes vínculos em diferentes situações.
O Inventário de Antônio Luiz de Andrade foi fundamental na pesquisa na medida
em que o testamento contido nele nos revelou a presença de Cesário José da Silva.244 Nele

242
FURTADO, Junia Ferreira. “Testamentos e inventários: a morte como testemunho da vida”. In:
PINSKY, Carla. O Historiador e suas fontes. São Paulo: Contexto, 2009.
243
BERTRAND, Michel. “De la família a la red de sociabilidade”. In.: Revista Mexicana de Sociologia.
México: vol.61, núm. 2 abril-junio, 1999, p.127.
244
AN - Inventários Post Mortem: Antônio Luiz de Andrade – Juizo de Órfãos Ausentes - ZN, N° 3857/ Cx
912/ Galeria A/ Ano 1837.

119
descobrimos que Cesário foi testamenteiro de Antônio, era padrinho de suas duas
primeiras filhas, havia dado a uma delas uma escrava de presente e, além disso, ficou
incumbido da função de tutor dos outros dois filhos mais novos. Com essas informações,
além de nos certificarmos que não se tratava da documentação de um homônimo do
Antônio que procurávamos, fica evidente a proximidade e o laço afetivo entre esses dois
personagens. Aliás, o testamento nos revela também que tal proximidade era também
espacial. Ao final do testamento o tabelião registra a passagem pela casa de Antônio, a
fim de atestar a sanidade do testador e, assim, registra seu endereço: Rua do Sabão, local
onde trabalhava Cesário José.
Além do Inventário de Antônio Luiz de Andrade, encontramos sua Habilitação
Matrimonial245, seu registro de casamento246 e de óbito.247
A documentação matrimonial que encontramos diz respeito ao segundo
casamento de Antônio, viúvo de Dona Eufrázia Zeferina de Queirós com quem teve duas
filhas, e revela que ele se casou novamente em 1837 com Dona Salvianna Carolina Alves
de Andrade, com quem teve mais dois filhos. Sabemos também, a partir desses registros,
que Antônio era filho natural de pais incógnitos já falecidos na ocasião, que era natural
do Rio de Janeiro e havia sido batizado na Freguesia da Sé.
Já no registro de óbito de Antônio, datado de 1837, consta que morreu na
Freguesia da Candelária e foi “amortalhado em hábito preto” e sua alma foi encomendada
e sepultada por quinze sacerdotes juntamente com a Irmandade da Candelária e de Nossa
Senhora Mãe dos Homens.248 Essas informações sobre Antônio Luiz nos dão conta de
alguma distinção social, sobretudo porque a Irmandade da Candelária é
reconhecidamente frequentada por ricos comerciantes. Tamanha distinção na ocasião de
sua morte e a presença da Irmandade em seu sepultamento foi o ensejo para iniciarmos
novas buscas sobre Antônio na documentação da Irmandade da Candelária.
Além das fontes descritas anteriormente, os Registros das Atas da Irmandade do
Santíssimo Sacramento da Candelária, depositadas na sede da irmandade em atividade
até hoje foi uma grata surpresa. Tal documentação no revelou que a partir de 1818,
Antônio Luiz de Andrade foi o Andador da Irmandade.249 Antes que possamos duvidar

245
HM - Antônio Luís de Andrade: Doc. 68376/Cx. 2895.
246
ACMRJ – Antônio Luís de Andrade – Registros de Matrimônio Freguesia de Nossa Senhora da
Candelária, Livro 9, p.130v
247
ACMRJ - Óbito: Antônio Luiz de Andrade – Livro de Óbitos N° 15, 1809-1838, p. 240v;
248
ACMRJ - Óbito: Antônio Luiz de Andrade – Livro de Óbitos N° 15, 1809-1838, p. 240v;
249
AFBMP. ISSC. Atas da Mesa Administrativa da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Freguesia de
N. S. da Candelária – 1775 (junho 03 – 1834 (outubro 28), Vol. 1 e 2. p.153.

120
do prestígio de tal função, os requisitos e obrigações detalhadamente descritos no
Compromisso da mesma Irmandade apontam para um evidente destaque das atividades
do Andador.
Ao andador cabia uma variedade de funções. Na esfera religiosa era ele que ia
adiante do ostensório nas ocasiões de procissão ou em qualquer outra atividade da
irmandade e, nos enterros, era responsável por levar a cruz da Irmandade. Ao mesmo
tempo, no âmbito público e secular, era responsável pela cobrança de aluguel das casas
pertencentes a Irmandade e deveria estar disponível para as atividades que o provedor lhe
solicitasse executar. Tudo isso, aliás, mediante um pagamento estipulado e lavrado no
próprio compromisso da Irmandade.
Vale lembrar que a Irmandade da Candelária era dona, e ainda é, de vários imóveis
em diversos pontos da cidade. Desse modo, não é difícil supor que Antônio gozava de
considerável prestígio entre seus pares e vizinhos não só por ser um funcionário da
Irmandade, mas também pela imensa capilaridade social que suas funções fora da
irmandade lhe davam. Ele provavelmente era um dos rostos mais públicos da Irmandade
frente tanto à Freguesia como à cidade. Aliás, a distinção dispensada a Antônio na ocasião
de seu sepultamento nos dá conta disso e, talvez, o fato de ter sido convidado tantas vezes
a testemunhar casamentos também.
As Atas da Irmandade ainda revelaram que, a partir de 1826, Mathias Gonçalves
Ferreira também foi admitido pela Irmandade como Andador. Tais documentos revelam
que o próprio Antônio Luiz de Andrade fez essa solicitação alegando excesso de trabalho,
do que foi prontamente atendido pela Mesa.250 É interessante que, imediatamente após a
admissão de Mathias, nas atas subsequentes, Antônio começa a ser referido como
primeiro Andador e Mathias, segundo. A partir da contratação de Mathias uma hierarquia,
antes inexistente passa a vigorar, refletida, inclusive na diferença de ordenado.
Seguindo a busca por Inventários, o de Cesário José também foi encontrado e
revela que, na ocasião de sua morte, deixou Miquelina Maria de Jesus como viúva e
inventariante, e três filhos maiores de idade. Os bens que deixa são relativamente fartos:
além de mobília louças e roupas, deixou quatro escravos, duas casas e nenhuma dívida.
Nesse sentido seu Inventário confirma o relativo prestígio de sua profissão.251

250
AFBMP. ISSC. Atas da Mesa Administrativa da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Freguesia de
Nossa Senhora da Candelária. jun.1775-out.1834, vol.2. p.153.
251
AN. Inventário Post Mortem de Cesário José da Silva - Vara Cível do Rio de Janeiro, 1/N° 8147/Maço
422/ Ano 1845.

121
Contudo o Inventário de Cesário revela um pouco mais. Encontramos nessa
documentação um caderno avulso onde consta o endereço dos imóveis deixados por
Cesário e neles encontramos as seguintes referências: uma casa térrea na Rua do Príncipe,
número 37 e uma casa de dois sobrados na Rua do Sabão, número 19.252 Já sabemos que
esta era a Rua onde morava Antônio Luiz de Andrade. No entanto, de posse das “Guias
de pagamento da Décima adicional e décima urbana”, referentes aos imóveis da
Irmandade da Candelária e depositados em sua sede, encontramos a guia referente a casa
número 19 deixada por Cesário em seu Inventário. Portanto, Cesário José da Silva muito
provavelmente, morava em uma casa cujo imposto da décima era devido à Irmandade
onde Antônio Luiz e Mathias Gonçalves trabalhavam.
Não restam dúvidas de que Antônio Luiz de Andrade, Cesário José da Silva e
Mathias Gonçalves Ferreira se conheciam. Além de morarem próximos, Cesário José da
Silva foi compadre, testamenteiro e tutor de uma das filhas de Antônio Luiz de Andrade
e este, por sua vez, foi quem indicou Mathias Gonçalves Ferreira como seu companheiro
de trabalho. Aliás, seja pelos bens deixados por Cesário na ocasião de sua morte, seja pela
pompa com que Antônio Luiz de Andrade foi sepultado, ou ainda pelo cargo exercido por
cada um deles, podemos inferir que esses personagens ocupavam, de fato, uma posição
social relativamente prestigiosa na ocasião em que foram convocados como testemunhas
de casamento.
Enfim, a partir dos casos apresentados, podemos inferir que a recorrência da
assinatura de alguns nomes nos registros de matrimônio da Candelária, na condição de
testemunha, não significa que estas pessoas foram pinçadas aleatoriamente pelos casais
para cumprir uma mera formalidade, mas, cumpriam um papel que ia além da mera
validação burocrática da cerimônia. É provável que tenham sido escolhias
cuidadosamente pelos noivos em função de sua qualidade social e prestigio.
No próximo capítulo seguiremos adiante no processo de descortinar mais
informações acerca das testemunhas que se repetiram na freguesia da Candelária, porém
de forma mais ampliada no tempo, entre 1750 e 1866 e abarcando todo conjunto das
testemunhas mais recorrentes, relacionando-os aos noivos que os escolheram.

252
AN - Inventário Post Mortem de Cesário José da Silva - Vara Cível do Rio de Janeiro, 1/N° 8147/Maço
422/ Ano 1845.

122
Capítulo 4 - Alianças e escolhas: o perfil das testemunhas recorrentes e seus casais

Cientes do fato de que alguns personagens assumiram repetidas vezes o papel de


testemunha de casamento ao longo das primeiras décadas do século XIX, conforme vimos
nos capítulos anteriores, o esforço de investigação aqui recairá sobre a identificação e
reconhecimento desses personagens e seus respectivos noivos registrados nos assentos de
casamento da Freguesia da Candelária entre os anos de 1750 e 1866.
A partir dos nomes das testemunhas presentes em cada um dos registros foi
possível contabilizar o número de vezes em que cumpriram esse papel. Além disso,
conforme a informação presente no registro quanto a natureza coletiva ou não das
cerimônias, também foi possível distinguir para cada uma das testemunhas o número de
participações em cerimônias simples, onde apenas um casal e suas respectivas
testemunhas comparecem à igreja, ou cerimônias coletivas, em que mais de um casal
recebeu o sacramento compartilhando a (as) testemunha (as). Desse modo, pretendemos
caracterizar melhor o comportamento reiterado desses personagens que estiveram
presentes em inúmeras cerimônias em diversos momentos com diferentes casais. Além
disso, identificados os nomes, daremos os passos seguintes em direção à aplicação do
método onomástico proposto por Carlo Ginzburg253 percorrendo novas fontes e
recorrendo, sobretudo, a inventários e registros de compra e venda de terras para, enfim,
começar a desvendar as identidades e os perfis de tais personagens.

4.1. Em torno da repetição

O Capitão, e mais tarde coronel, Antônio Gomes Barrozo, foi chamado por 53
anos a ser testemunha em 10 cerimônias distintas de casamento entre os anos de 1776 e
1829. A cada cinco anos, Antônio Barrozo foi chamado por um casal para estar presente
em sua cerimônia, emprestar-lhes a assinatura e validar seu casamento. Em um período
mais curto, entre os anos 1751 a 1775, o alferes e sacristão Antônio Pereira da Costa,
compareceu ao todo em 28 enlaces matrimoniais, sendo 21 cerimônias simples e 7
coletivas. Isso significa que ao longo de 24 anos repetiu o gesto de assinar os papeis que
sacramentaram o casamento de vários casais praticamente uma vez ao ano.

253
GINZBURG, Carlo. “O nome e o como: troca desigual e mercado historiográfico”. In: GINZBURG,
Carlo; CASTELNUOVO, Enrico; PONI, Carlo. A micro-história e outros ensaios. Lisboa: Difel, 1989. p.
174-178.

123
Entre os anos de 1750 e 1866, ou seja, ao longo de mais de um século,
encontramos um total de 4.895 matrimônios assentados na Freguesia da Candelária.
Nesse universo, encontramos um imenso número de personagens que repetiram o gesto
de testemunhar enlaces matrimoniais, assim como fizeram os personagens descritos
acima.
De antemão é importante fazer algumas considerações de cunho metodológico
que nortearam a elaboração do perfil de tais testemunhas recorrentes: quando tabulados
os nomes das testemunhas em relação ao número de vezes em que apareceram nas
cerimônias assumindo tal papel, foi encontrada uma grande quantidade de homens e
mulheres sem sobrenomes arrolados diversas vezes como testemunha; em função da
ausência de tal informação é impossível saber se, quando se repetem, estamos diante das
mesmas pessoas ou de homônimos.
Vale ressaltar que o uso do nome como instrumento metodológico de identificação
dos indivíduos nas fontes documentais é um ponto comum entre a análise demográfica
serial, a micro-história e os estudos de trajetórias. No entanto, a aplicação do método
onomástico para as populações da América portuguesa nesse período é um verdadeiro
desafio. Ana Silvia Volpi Scott e Dario Scott são precisos no diagnóstico dos problemas
encontrados pelos pesquisadores quanto ao uso dos nomes e sobrenomes em suas
investigações e análises. Segundo os autores a norma era a
“Falta de regras para transmissão dos nomes de família, alteração
e/ou inversão de nomes e sobrenomes, ausência de nomes de
família para a maioria da população feminina, concentração na
escolha de alguns nomes de batismo – tanto para homens como
para mulheres – alto índice de homônimos”.254

Sabemos, portanto, que havia uma ampla variação dos critérios de escolha dos
sobrenomes no período colonial e a sua incorporação não obedecia às regras adotadas
posteriormente nos registros civis. Um forro, por exemplo, poderia incorporar, como sinal
de prestígio, o sobrenome de seu antigo senhor e, mesmo em famílias de elite, por vezes,
se optava por incorporar o sobrenome de um dos ramos mais poderosos, ou de um
antepassado com mais prestígio.
Desse modo, se o trabalho de pesquisa com personagem com nome e sobrenome
já requer uma série de cuidados, aqueles cujo sobrenome inexiste ou não foi registrado

254
SCOTT, Ana Silvia Volpi; SCOTT, Dario. “Análise quantitativa de fontes paroquiais e indicadores
sociais através de dados coletados para sociedades do Antigo Regime”. Mediações, Londrina, v. 18, n. 1,
p. 106-124, jan./jul. 2013.

124
torna a pesquisa praticamente inviável. Sendo assim, as testemunhas sem sobrenomes
foram excluídas da análise e consideradas apenas aquelas cujo registro forneceu um nome
acompanhado de um ou mais sobrenomes.
Ainda assim, o volume de casos de repetição de testemunhas permaneceu alto.
Desta forma, foi preciso recortar apenas as testemunhas que compareceram em 5 ou mais
casamentos, a fim de reduzir o universo de observação, o que gerou uma lista com um
total de 178 pessoas. Embora, aparentemente, esse seja um volume revelador acerca de
uma prática muito mais corriqueira do que até agora considerou a historiografia, também
nos pareceu um número amplo demais para garantir uma boa qualidade da análise. Além
disso, a partir desse critério de corte - cinco casamentos ou mais -, estaríamos colocando
no mesmo patamar de relevância aqueles que foram registrados muitas vezes em função
da participação em algumas cerimônias coletivas, e aqueles cuja participação ocorreu
inúmeras vezes a partir de convites singulares.
A aposta na redução do escopo da pesquisa para um grupo mais restrito coaduna
com a proposta da análise microsocial, pois “ao limitar o campo de observação, fazemos
surgir dados não apenas mais numerosos, mais finos, mas que, além disso, se organizam
segundo configurações inéditas e fazem aparecer outra cartografia do social.”255 O
contorno dado momentaneamente ao nosso objeto de análise não significa o abandono da
abordagem “multiscópica”. Ao contrário, ele ratifica a certeza da necessidade no manejo
de diferentes níveis de escalas de observação para o entendimento dos fenômenos
sociais.256
Desse modo, alteramos o critério de seleção e mantivemos na lista apenas aquelas
pessoas que testemunharam ao menos 10 casamentos simples. Ou seja, aquelas que
compareceram no mínimo 10 vezes na igreja cumprindo essa função, em dias e
cerimonias distintas. Dessa forma, houve uma redução drástica no volume de casos e
passamos então de 178 para 28 testemunhas arroladas. A partir dessa mudança
metodológica é possível garantir, então, não só um bom nível de análise qualitativa como
também assegurar que estamos diante daqueles personagens que foram seletivamente
convidados por diversos casais.

255
REVEL, Jacques. “Microanálise e construção social”. In: Jogos de Escalas: a experiência da
microanálise. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1998, p. 32.
256
REVEL, Jacques. “Microanálise e construção social”. In: Jogos de Escalas: a experiência da
microanálise. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1998, p. 32.

125
A possibilidade da realização de inúmeros enlaces em uma mesma cerimônia foi
uma prática comum no período colonial. Embora bastante documentado nos registros
paroquias, os casamentos coletivos foram pouco abordados ou problematizados pela
historiografia. Em geral, os casamentos simples, ou seja, celebrado por um único casal,
eram realizados por casais de todos os estatutos jurídicos. Porém àqueles de tipo coletivo
envolveram, em geral, homens e mulheres escravos e forros. É comum associar uma
maior frequência de casamentos coletivos envolvendo escravos e forros a uma tentativa
dos mesmos em diminuir o impacto das despesas geradas pelas exigências burocráticas
que poderiam tornar o processo matrimonial lento e dispendioso caso fossem cobradas
taxas por eventuais certidões e dispensas. Essa é, de fato, uma possibilidade, na medida
em que os noivos poderiam optar por uma socialização das despesas, porém tal explicação
ainda encontra-se no campo das inferências.
Robert Slenes quando trata da dinâmica dos casamentos entre cativos em
Campinas no século XIX afirma que “os grandes fazendeiros comumente esperavam até
ter uma ‘safra’ de batismos e casamentos para serem celebrados todos juntos: uma
maneira de tornar o uso do tempo mais eficiente”.257 Desse modo, o autor relaciona a
realização de possíveis casamentos coletivos ao esforço dos senhores em tentar minimizar
a perda das horas de trabalho cativo, consumidas pela celebração do enlace nos casos em
que os matrimônios não ocorriam em momentos de folga dos escravos. Outro elemento
explicativo que podemos acrescentar aqui, àquele usado pelo autor, diz respeito a
frequente ausência de vigários nas igrejas e capelas rurais cujos membros aguardavam as
visitas de tais autoridades religiosas para realizar, de tempo em tempos, de uma única vez,
um conjunto de sacramentos.
É bem verdade que não podemos esquecer que a análise de Slenes retrata um
comportamento ambientado em uma freguesia rural. Nós, ao contrário, estamos tratando,
aqui, de casamentos celebrados em uma freguesia urbana, cuja dinâmica religiosa guarda
inúmeras diferenças com aquelas localizadas no meio rural. Seja pela possibilidade de
contato frequente com os templos religiosos em função das dimensões mais reduzidas das
freguesias, seja em função da maior oferta na provisão de padres ou, ainda, pela maior
capacidade de mobilidade. O fato é que a dinâmica da vida na cidade possuía suas
especificidades, tanto entre os livres quanto entre os cativos. Porém, ainda assim, talvez
seja importante destacar no argumento de Slenes, a questão do “tempo” enquanto

257
SLENES, Robert W. Na senzala uma flor: esperanças e recordações na formação da família escrava,
Brasil Sudeste, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 93.

126
elemento norteador da estratégia dos senhores para minimizar os “danos” gerados pela
atividade religiosa do escravo em dias de trabalho. Mesmo na cidade, é provável que
houvesse um ‘cálculo’, tanto de senhores quanto de escravos, quanto ao tempo dispensado
para a atividade religiosa que não viesse a causar transtorno na atividade laboral.
Embora a historiografia já tenha discutido e consolidado a ideia de que havia,
nesse período, um empenho por parte da Igreja em incentivar o casamento da população
em geral, e que, dos senhores esperava-se esforço semelhante, a análise dos dias da
semana e do horário dos casamentos nessa mesma Freguesia nos mostra uma dinâmica
onde o interesse dos senhores em garantir o máximo de horas trabalhadas de seus cativos
prevaleceu em relação à escolha para a realização dos sacramentos dos mesmos.258 O dia
da semana preferido para a realização de casamentos entre escravos foi o domingo, pouco
antes das 18h, ou seja, o dia de folga no horário imediatamente anterior ao da missa. Já o
dia preferido dos forros foi o sábado no meio da tarde ou pela manhã, o mesmo dia de
preferência dos livres, porém em horários distintos. Sendo assim, vários escravos
pressionados pela “razão senhorial” poderiam usar como estratégia o casamento coletivo,
dividindo as despesas da cerimônia em dias e horários avaliados por todos como menos
conflituosos com a dinâmica do trabalho.
As testemunhas aqui analisadas participaram de casamentos coletivos, no entanto
estiveram presentes recorrentemente em cerimônias simples. Na Tabela abaixo dispomos,
os nomes das ditas testemunhas acompanhadas dos respectivos números de enlaces em
que estiveram presentes, tomando o cuidado de estabelecer a distinção entre o número de
vezes em que compareceram a casamentos celebrados em cerimônias coletivas e simples.
Além disso, alocamos esses personagens em grupos distintos conforme o período em que
exerceram tal função. Sendo assim, temos um primeiro grupo de testemunhas no período
que vai de 1750 a 1800 e o outro no recorte entre os anos de 1801 e 1866. A opção por
tal arranjo da Tabela se deu, sobretudo, pelo fato de possibilitar o discernimento quanto
a influência das distintas conjunturas econômicas e religiosas presentes no final do século
XVIII e início do século XIX nos comportamentos dos agentes sociais envolvidos em
nossa análise.

258
LOPES, Janaína Christina Perrayon. Casamentos de escravos nas freguesias da Candelária, São
Francisco Xavier e Jacarepaguá: contribuições aos padrões de sociabilidade matrimonial no Rio de Janeiro
(c.1800-c.1850). 121 f. Dissertação (Mestrado em História Social) – Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.

127
Tabela 5 – Número de casamentos relacionados as testemunhas mais frequentes -
Freguesia da Candelária (1750 a 1866)

Nº de Casamentos
Período Nome das Testemunhas
Simples Coletivo Total
Antônio Pereira da Costa 21 7 28
Luis Antônio Ferreira259 26 26
260
Joze Dias da Cruz 23 23
Manoel de Figueiredo Chaves Coimbra 20 20
261
Braz Carneiro Leão 19 19
Antônio de Mello 17 17
Ignacio de Oliveira Maciel 17 17
Alexandre Fidele de Araujo 16 16
1750-1800 João da Costa Pinheiro 16 16
Manoel Luis França 16 16
Anacleto Elias da Fonseca 12 12
Felippe Lopes dos Santos 12 12
Antônio Joze Coelho262 11 11
Pedro Martins Duarte 8 3 11
Antônio Gomes Barrozo263 10 10
Bento Rodrigues Pereira 10 10
Joze Dias de Oliveira 8 2 10
Antônio Luiz de Andrade 29 29
Ignacio Manoel da Silva 20 20
Mathias Gonçalves Ferreira 19 19
João de Medeiros Augusto 9 4 13
264
Joze Antônio da Cunha 13 13
1801-1866 Antônio Jose Alves Souto 12 12
Fernando Carneiro Leão 11 11
Joaquim Marianno do Amaral Campos 9 2 11
Cezario Joze da Silva 10 10
Manoel Machado Coelho 10 10
Manoel Moreira da Silva265 10 10
Fonte: ACMRJ - Registros de Matrimônio Freguesia de Nossa Senhora da Candelária. Livros 6,
7, 8, 9 e 10 (1750 a 1866).

Logo de início chama atenção o fato de alguns personagens se destacarem bastante


dos demais quanto ao número de vezes em que foram chamados, pois, embora tenhamos

259
Luis Antônio Ferreira também compareceu a cinco casamentos no século XIX (1801,1802(2), 1803,
1806).
260
Joze Dias Da Cruz também compareceu a sete casamentos no século XIX (1801, 1802, 1806(2), 1807,
1808, 1810).
261
Braz Carneiro Leão também compareceu a cinco casamentos no século XIX (1801(3), 1803, 1806).
262
Antônio Joze Coelho também compareceu a um casamento no século XIX (1809).
263
Antônio Gomes Barrozo também compareceu a três casamentos no século XIX (1807, 1819, 1829).
264
Joze Antônio Da Cunha também compareceu em três casamentos no século XVIII (1795, 1798, 1800).
265
Manoel Moreira Da Silva também compareceu a um casamento no século XVIII (1798).

128
selecionado apenas aqueles com mais de 10 presenças em enlaces simples, vemos alguns
assumindo a função de testemunha duas ou até quase três vezes mais que isso.
No período entre 1750 a 1800 ganha destaque o caso de Antônio Pereira da Costa,
testemunha de 28 casamentos, 21 vezes em cerimônias simples e 7 em celebrações
coletivas (neste caso mais precisamente em 3 cerimônias coletivas: duas com dois casais
e uma com três). Outras três testemunhas também se sobressaem, não só pelo volume de
enlaces em que estiveram presentes como pelo fato de nenhum deles ter sido coletivo: foi
o caso de José Dias da Cruz, com 23 testemunhos, Luiz Antônio Ferreira, com 26, e
Manoel de Figueiredo Chaves Coimbra, com 20. Todas essas três pessoas foram
convidadas por dezenas de homens e mulheres diferentes, em diversos dias para
testemunhar unicamente seus enlaces. Entre os anos de 1801 e 1866 também foram vários
os casos de testemunhas convidadas repetidas vezes para assumir tal papel, porém o caso
de Antônio Luiz de Andrade é emblemático. Ele foi chamado por 29 casais diferentes e
todos para testemunhar cerimônias únicas.
A partir da Tabela 5 percebemos que as testemunhas analisadas aqui estiveram
presentes majoritariamente em cerimônias de tipo simples, ou seja, aquelas envolvendo
apenas um casal. Sendo assim, o número de casamentos relacionados a cada uma das
testemunhas não diz respeito a presença em poucas cerimônias coletivas geradoras de
diversos registros mas, ao contrário, revelam uma efetiva recorrência em diferentes e
inúmeras cerimônias.
Do ponto de vista das testemunhas, o convite para estar presente em casamentos
simples ou coletivos talvez não fizesse grande diferença, ainda mais se levarmos em
consideração o provável interesse desses personagens em compor ou reforçar sua
clientela com diversos extratos sociais. Não podemos esquecer que estes homens e
mulheres, na condição de testemunhas ou casais, estavam imersos em um ambiente social
cuja lógica exaltava o mais profundo respeito à hierarquia e à distinção, ao mesmo tempo
em que reiterava uma dinâmica constante de favores entre desiguais. Nesse cenário,
partindo do princípio vigente da reciprocidade, quanto mais propenso estava um sujeito
a dispor de seu cabedal, mais prestígio ele acumulava.266 Tal dinâmica, impressa na

266
XAVIER, Â. B. & HESPANHA, A. M. “As redes clientelares”. In: HESPANHA, Antonio Manuel
(Org.). História de Portugal: o Antigo Regime. Lisboa: Estampa, 1998; LEVI, Giovanni. “Reciprocidade
mediterrânea”. In: Exercícios de micro-história. OLIVEIRA, Mônica Ribeiro de Oliveira (Org.). Rio de
Janeiro: Ed. FGV, 2009; VENÂNCIO, Renato Pinto. “O compadre governador: redes de compadrio em
Vila Rica de fins do século XVIII”. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, v.26, n° 52. 2006.

129
relação entre testemunhas e casais, certamente se tornará mais clara na medida em que
desvendarmos o perfil e “qualidade” desses personagens.

4.2. Em torno das ocupações

Na medida em que intentamos desvendar a ocupação ou função que exerciam para


além da esfera legal, dando ênfase, sobretudo, na relevância que tinham no âmbito das
relações sociais, a identificação dessas pessoas passa a ser um desafio. Um passo nessa
direção já pode ser dado em função das informações contidas no próprio registro de
matrimônio, pois, além das assinaturas das testemunhas ao final do assento, por vezes, os
registros de casamento trazem também alguns outros dados sobre elas, como por exemplo
sua ocupação ou titulação. Porém, a busca por novos dados acerca desses personagens
nos forçou ao cruzamento com outras fontes, conservando seus nomes como elemento
norteador.
Desse modo, alguns testamentos encontrados foram preciosos e, além deles, os
registros referentes à Irmandade da Candelária, citados anteriormente, também trouxeram
informações importantes. Porém, o corpus documental que gerou o maior número de
informações, perdendo apenas para os próprios registros de matrimônio, foi o banco de
dados disponibilizado pelo geógrafo Maurício de Abreu. Nele, a partir de uma busca que
pode ser nominal, encontramos todos os registros de compra e venda de imóveis e terrenos
realizados no Rio de Janeiro ao longo do século XVII, XVIII e início do XIX. A partir
dele encontramos informações sobre quem vendia, comprava ou, eventualmente estava,
de forma direta ou indireta, envolvido ou servindo de referência para tal transação. Ali
descobrimos várias de nossas testemunhas e tomamos conhecimento de inúmeras
informações sobre esses personagens, inclusive suas ocupações e titulações.
A partir daí conseguimos compor um quadro de ocupações e tornar possível a
identificação, no período de 1750 a 1800, da presença de vários padres entre as
testemunhas mais solicitadas pelos noivos da Candelária. Infelizmente não foi possível
encontrar seus respectivos Inventários, mas de acordo com as Habilitações sacerdotais
encontradas de Alexandre Fidele de Araujo, Antônio de Mello e José Maciel, não houve
registro ou testemunha que fizesse menção a qualquer outro tipo de atividade exercida
por eles, a não ser as funções religiosas.267 Desse modo, parece que, de fato estamos diante
de padres de missa como se dizia na época.

267
ACMRJ. HS, Alexandre Fidele de Araujo, notação 140, 1766; HS, Antônio de Mello, notação 298, 1807

130
Tabela 6 – Nome e ocupação relacionadas as testemunhas mais frequentes - Freguesia
da Candelária (1750 a 1866)

Total de
Período Nome das Testemunhas Ocupação/Titulação
Casamentos
Antônio Pereira da Costa Alferes/Sacristão 28
Luis Antônio Ferreira Capitão/Licenciado 26
Tenente/Alferes/Provedor da Irmandade da
Joze Dias da Cruz 23
Candelária
Manoel de Figueiredo
Andador da Irmandade da Candelária 20
Chaves Coimbra
Capitão/Coronel/Tenente/Negociante/Provedor da
Braz Carneiro Leão 19
Irmandade da Candelária
Antônio de Mello Padre 17
Ignacio de Oliveira Maciel Padre 17
Alexandre Fidele de Dom/Coadjutor/Padre/ Irmão da Irmandade de S.
16
1750-1800 Araujo Pedro dos Cléricos
João da Costa Pinheiro Capitão/Negociante 16
Manoel Luis França Padre 16
Capitão Mor/Sargento Mor/Negociante/Provedor da
Anacleto Elias da Fonseca 12
Irmandade da Candelária
Felippe Lopes dos Santos Não foi encontrada referência 12
Antônio Joze Coelho Padre/Provedor da Irmandade da Candelária 11
Pedro Martins Duarte Capitão 11
Capitão/Coronel/Negociante/Provedor da Irmandade
Antônio Gomes Barrozo 10
da Candelária
Bento Rodrigues Pereira Tenente 10
Joze Dias de Oliveira Capitão/Sargento Mor 10
Antônio Luiz de Andrade Andador da Irmandade da Candelária 29
Ignacio Manoel da Silva Alferes/Ferreiro/Encadernador 20
Mathias Gonçalves
2°Andador da Irmandade da Candelária 19
Ferreira
João de Medeiros Augusto Andador da Irmandade da Candelária 13
Joze Antônio da Cunha Andador da Irmandade da Candelária 13
Antônio Jose Alves Souto Comendador 12
Capitão/Comendador/Ten. Coronel/Provedor e
Fernando Carneiro Leão 11
Procurador da Irmandade da Candelária
1801-1866 Joaquim Marianno do
Andador da Irmandade da Candelária 11
Amaral Campos
Porteiro do Cavallo do Número/Mesário da
Cezario Joze da Silva 10
Irmandade da Candelária
Comendador/Segueiro/Moedeiro do
Manoel Machado Coelho Número/Provedor e Escrivão da Irmandade da 10
Candelária
Capitão/Irmão da Irmandade Mãe dos
Manoel Moreira da Silva Homens/Marceneiro/Procurador da Irmandade da 10
Candelária
Fonte: ACMRJ - Registros de Matrimônio Freguesia de Nossa Senhora da Candelária. Livros 6,
7, 8, 9 e 10 (1750 a 1866).

e HS, José Maciel, notação 3.529, 1766.

131
Entre 1750 e 1800, portanto, Alexandre Fidele de Araujo, Antônio de Mello,
Antônio Joze Coelho, Ignácio de Oliveira Maciel, Manoel Luiz de França eram membros
da hierarquia da Igreja Católica e foram chamados para testemunhar inúmeros
casamentos. Nesse grupo, ainda podemos incluir Antônio Pereira da Costa, um sacristão
que, embora leigo, provavelmente tinha uma vida cotidiana constante na paróquia.268
Com esses casos fica evidente o papel que a Igreja cumpria enquanto instituição
estruturante daquele tipo de sociedade, uma monarquia católica de Antigo Regime, na
qual os espaços e chancelas da Igreja tinham um papel de construir inserção para os atores
sociais. Além de pertencerem à hierarquia da Igreja, muitas das testemunhas como vemos
possuiam ligação com instituições religiosas como a Irmandade do Santíssimo
Sacramento da Candelária, associação leiga na sua gestão, mas religiosa nos seus
propósitos: devoção ao padroeiro, sepultamento dos irmãos, representação dos irmãos no
espaço urbano via insígnias religiosas (católicas). O culto ao Santíssimo era devoção
obrigatória em todo Império Português e fator de associação entre a majestade divina e a
majestade temporal, portanto, um culto “cívico”. Desse modo, embora estejamos a
enfatizar a dimensão social do ato de testemunhar, não podemos esvaziar totalmente seu
caráter religioso pois, desse modo, estaríamos negligenciando o peso e a força da religião
católica daquela sociedade.
No entanto, temos de levar em consideração que no mesmo período (segunda
metade do século XVIII) outros 11 personagens não são membros da hierarquia da Igreja
e, além disso, no período posterior, entre os anos de 1801 e 1866, nenhuma das outras 11
testemunhas foram identificadas nos assentos como padre, vigário, sacristão, ou algo
parecido. O mais próximo disso foram os andadores como Antônio Luiz de Andrade,
nosso recordista em participações como testemunha. Vale lembrar que tal cargo, embora
ligado não só a Confraria, mas também a vida cotidiana paroquial, era um serviço
realizado por leigos, embora isso não esvaziasse sua dimensão religiosa. Portanto, todos
no segundo período (1801 a 1866), não eram membros da Igreja e foram chamados
reiteradas vezes a assumir a condição de testemunha. Desse modo, ser funcionário ou

268
O título XXXVII do Livro Terceiro das Constituições Primeiras dos Arcebispado da Bahia versa sobre
a função de sacristão. Segundo o documento, não havia a necessidade de serem sacerdotes, mas precisavam
ser escolhidos entres pessoas limpas de sangue, de boa vida e costumes.

132
membro da hierarquia da Igreja não parece ter sido a condição para ser convocado a
testemunhar casamentos repetidas vezes.
O número significativo de sacerdotes entre as testemunhas que se repetem no
primeiro período, e a ausência de personagens com tal designação no segundo, pode ter
alguma relação com o impacto das políticas pombalinas levadas a cabo a partir da segunda
metade do século XVIII na América portuguesa. A expulsão dos jesuítas foi o ponto
culminante, e bastante simbólico, de um projeto político que tinha como objetivo a
submissão da Igreja ao Estado e a diminuição cada vez mais acentuada do peso do clero
regular na sociedade portuguesa.269
“Dessa maneira, as décadas que precederam a chegada da corte
portuguesa ao Rio de Janeiro, em 1808, ficaram marcadas por um
acentuado regalismo, que procurou transformar os sacerdotes
seculares em autênticos funcionários da coroa, ao privilegiá-los
para a função de párocos, entre outras”.270

Como consequência de tal conjuntura, o clero secular acabou por ocupar um papel
de maior proeminência no meio eclesiástico, o que os tornou mais atuantes e presentes na
vida dos fiéis. Desse modo, diferente do segundo período que vai de 1801 a 1866, no
primeiro período compreendido entre 1750 e 1800 a presença marcante de padres
compondo o conjunto de testemunhas recorrentes talvez seja consequência desse maior
domínio do clero secular no cotidiano paroquial. Um ofício do Vice Rei, Conde da Cunha,
ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar, depositado no Arquivo Histórico
Ultramarino, datado de 1766, refere-se, dentro de outros assuntos, a uma relação de todos
os clérigos seculares existentes no bispado do Rio de Janeiro. No documento consta a
relação do número de padres por freguesia à época: Candelária com 64 eclesiásticos, São
José com 60, Sé com 57 e Santa Rita com 26.271 O maior número de sacerdotes presentes
na Candelária pode ter sido proporcional a presença e relevância destes homens na vida
cotidiana da Freguesia e dos fiéis. Os recursos de mediação social disponíveis a esses
homens devia lhes render um consequente prestígio que os tornavam alvos preferenciais
de certas práticas e escolhas rituais como o testemunho de casamento.

269
SOUZA, Everton Sales. “Igreja e Estado no período pombalino”. In: FALCON, Francisco,
RODRIGUES, Claudia. (orgs.) A ‘Época pombalina’ no mundo luso-brasileiro. Rio de Janeiro: Editora
FGV, 2015.
270
NEVES, Guilherme Pereira das. “A religião do Império e a Igreja”. In: GRINBERG, Keila; SALLES,
Ricardo. O Brasil imperial, vol. I: 1808-1831. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014.
271
AHU. Ofício do Vice Rei, Conde da Cunha, ao secretário de Estado da Marinha e Ultramar. 1766, cx.
77, doc. nº 6940.

133
Após o período pombalino, esse cenário mudou consideravelmente. Segundo
Guilherme Pereira das Neves à época da Independência a “fisionomia religiosa” no Brasil
era bastante peculiar: tínhamos em torno de 600 paróquias e uma população que
ultrapassava quatro milhões de pessoas, o que gerava uma média de sete mil fiéis por
pároco.272 Não por acaso, eram comuns as solicitações dirigidas à Mesa de Consciência
e Ordens, por parte dos moradores, suplicando à ereção de novas capelas e até mesmo
freguesias com vistas à um melhor serviço do pasto espiritual. Porém, ainda que, em geral,
a Mesa fosse favorável à súplica dos fiéis para o desmembramento de freguesias e à
criação de paróquias, a falta de padres que pudesse prover as necessidades espirituais do
rebanho era uma realidade. 273 Soma-se a isso as mudanças ocorridas na Freguesia, no
início do século XIX, no que diz respeito a dinâmica econômica e os impactos gerados
pela chegada da família real. O crescimento do prestígio da cidade, no contexto colonial
e imperial e o incremento do comércio interno e externo, gerou um, proporcional,
aumento do protagonismo dos negociantes na urbe carioca, sobretudo na Freguesia mais
comercial da cidade, a Candelária.
Antes de tudo vale lembrar que havia uma deficiência na capacidade de formação
do clero tanto do ponto de vista quantitativo como qualitativo. Ainda segundo Neves,
“embora os jesuítas e – sobretudo posteriormente à sua expulsão – outras ordens tenham
mantido seminários, a política tridentina de estabelecimento dessas instituições foi
colocada em prática de maneira muito tíbia e irregular no Brasil”.274 Os primeiros
seminários diocesanos datam do século XVIII, porém sua existência era, em geral,
precária e poucos eram os sacerdotes que passavam pelo ensino formal nessas
instituições. Segundo o autor, os esforços de formação chegavam a envolver os próprios
bispos que por vezes ministravam lições de teologia moral e cerimônias eclesiásticas.
Diante dos inúmeros pedidos para a formação de novas capelas e freguesias, uma
preocupação frequente, por parte dos membros da Mesa, estava na falta de condições
financeiras que propiciassem um sustento digno aos párocos, na medida em que eram
conhecidas as condições de vida precárias do clero paroquial da maioria das freguesias.
Vale lembra que eram bastante escassos os recursos destinados pelo padroado à

272
NEVES, Guilherme Pereira das. “A religião do Império e a Igreja”. In: GRINBERG, Keila; SALLES,
Ricardo. O Brasil imperial, vol. I: 1808-1831. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014, p. 384.
273
NEVES, Guilherme Pereira das. E receberá mercê: a Mesa da Consciência e Ordens e o clero secular
no Brasil. Rio de Janeiro Arquivo Nacional, 1997, p.268.
274
NEVES, Guilherme Pereira das. E receberá mercê: a Mesa da Consciência e Ordens e o clero secular
no Brasil. Rio de Janeiro Arquivo Nacional, 1997, p. 197.

134
manutenção de toda a estrutura eclesiástica. Desse modo, o aumento das despesas
resultantes desses desmembramentos era também um elemento levado em consideração
na ocasião da deliberação de tais pedidos. 275
É importante destacar, no entanto, que passado o primeiro quartel do século XIX
o Brasil caminhava em direção a uma crescente secularização. Embora o país tenha se
mantido declaradamente católico e conservado vivo o sentimento religioso, crescia a ideia
de que a religião não deveria ser entendida como a definição da própria sociedade mas
um conjunto de crenças.276
Não por coincidência, entre os anos 1801 e 1866 os padres desaparecem do quadro
das testemunhas repetidas conforme vimos na Tabela 6. Porém, tal comportamento não
significa, necessariamente, a ausência completa de sacerdotes testemunhando cerimônias,
ainda que de forma isolada. Tanto assim que, de acordo com o banco de dados, foi
possível identificar nesse período, dentre os registros que continham a ocupação das
testemunhas, 136 casamentos onde padres ocupavam tal função. Um número que
representa 5% do total de cerimônias. No período anterior, 1750 a 1866, já diagnosticado
com um bom número de eclesiásticos se repetindo como testemunha, foram encontrados
218 padres testemunhando casamentos, o que representa 10% do total de cerimônias. Ou
seja, os padres não chegaram a perder, a partir do século XIX, seu poder de inserção e
relevância na vida cotidiana dos fiéis. O que provavelmente ocorreu na virada de um
século para o outro foi um aumento gradativo da importância e influência dos
comerciantes, diretamente proporcional a sua maior presença e notoriedade na cidade, e
consequentemente na Freguesia da Candelária. Tal mudança acabou por gerar uma
diminuição proporcional no número de sacerdotes testemunhando casamentos e,
sobretudo, desempenhando repetidamente essa função
Nesse período os únicos personagens que tangenciam o clero e fazem parte de
alguma instituição eclesiástica são Manoel de Figueiredo Chaves Coimbra, João de
Medeiros Augusto, Joaquim Marianno do Amaral Campos, Joze Antônio da Cunha,
Antônio Luiz de Andrade e Mathias Gonçalves Ferreira, andadores da Irmandade da
Candelária.277 No mais, reiteramos, nenhuma das testemunhas foi identificada como
membro da hierarquia eclesiástica.

275
NEVES, Guilherme Pereira das. E receberá mercê: a Mesa da Consciência e Ordens e o clero secular
no Brasil. Rio de Janeiro Arquivo Nacional, 1997, pp. 192-244.
276
NEVES, Guilherme Pereira das. “A religião do Império e a Igreja”. In: GRINBERG, Keila; SALLES,
Ricardo. O Brasil imperial, vol. I: 1808-1831. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014, p.419.
277
AFBMP. ISSC. Atas da Mesa Administrativa da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Freguesia de

135
Dentre as testemunhas não reconhecidas como sacerdotes podemos distinguir
prontamente dois importantes personagens não só para a cidade Rio de Janeiro como para
toda a Colônia: Antônio Gomes Barroso e Braz Carneiro Leão. O primeiro, Antônio
Gomes Barroso, fazia parte, segundo Manolo Florentino, de uma das dezessete maiores
famílias de traficantes de escravos do Rio de Janeiro.278 Já o segundo, Braz Carneiro
Leão era, segundo João Fragoso, um dos grandes comerciantes da Cidade.279 Ao traçar o
perfil desses que eram considerados “negociantes de grosso trato”, Fragoso acaba por
citar justamente a família de nossos dois personagens:
Na América lusa, alguns daqueles comerciantes surgiam também
como arrematantes de impostos, a exemplo dos Gomes Barroso
e dos Pereira de Almeida. Famílias que durante vários anos, na
passagem do século XVIII para o XIX, possuíram os contratos
do Rio Grande do Sul (charque e couro); combinando esta
atividade com aquilo que sabiam fazer de melhor, controlar o
mercado. Aliás, o Rio Grande do Sul tinha como principal
parceiro o Rio de Janeiro. De fato, para estes grandes
negociantes, eram frágeis as fronteiras entre o comércio feito no
interior da América portuguesa daquele realizado fora dela. Os
mesmos Pereira de Almeida e Gomes Barroso também faziam
parte do seleto grupo de empresários que controlava, por
exemplo, o tráfico atlântico de escravos. (...) Além disso, eram
eles que dominavam o crédito regional, possuíam companhias de
seguro etc. Alguns tinham ainda grandes plantations de açúcar,
com mais de duzentos cativos, como os Carneiro Leão e os
Velho. Em outras palavras, eles eram comerciantes de grosso-
trato com base nas rotas do império luso, no mercado colonial
interno e alguns com posses no agro. Era por estarem
simultaneamente em diferentes setores do mercado que se
transformavam em negociantes de grosso-trato.280

Vale lembrar que a partir da segunda metade do século XVIII até a chegada do
século XIX o comércio da cidade do Rio de Janeiro já se caracterizava como atividade
extremante concentrada nas mãos de poucas famílias. Por exemplo, “apenas quinze
famílias de negociantes cariocas detinham 27% do tráfico atlântico de escravos (1811-
30), 29% do transporte de mercadorias da cidade para Portugal (década de 1820) e 26%

N. S. da Candelária – 1775 (junho 03 – 1834 (outubro 28), Vol. 1 e 2 e AFBMP. ISSC. Relação dos
Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária
(1683-2009), junho de 2009).
278
FLORENTINO, Manolo. Em Costas Negras. 2. ed. São Paulo: Cia. das Letras, 1997.
279
FRAGOSO, João. Homens de grossa aventura: 1790-1830. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1998.
280
FRAGOSO, João. “Mercados e negociantes imperiais: um ensaio sobre a economia do império
português (séculos XVII E XIX)”. In: História: questões & debates. Curitiba, n. 36, p. 99-127, 2002.
Editora UFPR.

136
do comércio do Rio com Goa.”281 Antônio Gomes Barroso e Braz Carneiro Leão,
testemunhas frequentes nos casamentos da Freguesia da Candelária, ocupavam o topo da
hierarquia comercial na qual se encontravam os grandes atacadistas responsáveis diretos
pela compra e venda de mercadorias com províncias distantes da colônia e pelo comércio
exterior. Conforme caracterizou Fragoso, eram negociantes típicos, pois diversificavam
sua área de atuação, atuando no abastecimento, na exportação e importação, na rede de
créditos públicos e privados e ainda na arrematação de impostos. Desse modo, são
homens que tem o controle de setores chaves da economia, atuando tanto na atividade
comercial e na produção escravista, como nas manufaturas, nas casas bancárias,
companhias de seguro e bancos. 282 Esses personagens além de refletirem o perfil da
própria freguesia e seus membros, evidenciam que a prática do testemunho recorrente,
em se tratando de casamentos, não esteve restrita a uma única camada social ou qualidade
de pessoas e, além disso, era uma prática comum e disseminada.
A partir da informação referente à data em que os enlaces ocorreram, foi possível
também apontar outro aspecto acerca da participação das testemunhas de casamento
observadas: o exato período de tempo em que atuaram cumprindo tal papel. A Tabela
abaixo nos permite observar quando essas testemunhas foram chamadas pela primeira e
pela última vez e por quantos anos tais convites ocorreram ao menos no âmbito da
Freguesia da Candelária. Nela podemos notar que esses personagens não tiveram uma
passagem célere pelo ambiente religioso e paroquial. Alguns se apresentaram em diversos
casamentos ao longo de 20, 30, 40 e até 50 anos, espaço de tempo mais que suficiente
para constituí-los ou consolidá-los como personagens de prestígio, não só do ponto de
vista religioso, mas, sobretudo, social.
Dentre as testemunhas mais perenes, Antônio Gomes Barrozo foi um dos
personagens que recebeu convites para testemunhar casamentos por mais tempo. No
período de 53 anos, esteve presente em 10 casamentos diferentes. No primeiro deles, em
1776, ainda recebia o título de capitão e, a partir de 1819, começa a ser intitulado de
Coronel e segue assim até sua última aparição como testemunha, em 1829. Outro caso
interessante é o de Coronel Braz Carneiro Leão, cujo período de participação em
cerimônias de casamento na cidade chegou a quatro décadas, começando em 1765 e

281
FRAGOSO, João. Homens de grossa aventura: 1790-1830. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1998, p.320.
282
LOBARINHAS, Théo. “A política dos negociantes e o porto do Rio de Janeiro no século XIX.” In:
Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH. São Paulo, julho 2011.

137
terminando em 1806. Dois anos depois, em 1808, mesmo ano de sua morte, seu filho,
Fernando Carneiro Leão começa a aparecer como testemunha, sendo designado como
capitão. Assim este segue nos assentos paroquiais até 1818, quando passa a ser
identificado como comendador até 1825, último ano de sua aparição.
Conforme vemos na tabela abaixo, são vários os casos de personagens que operam
tal prática por períodos longos de mais de 25 anos e, portanto, por uma ou mais gerações.
Nesses casos poderíamos estar diante de funcionários eclesiásticos que, por força das
características inerentes ao cargo, tendem a permanecer por extensos períodos de tempo
no serviço paroquial e, portanto, estariam mais disponíveis para socorrer noivos carentes
de testemunhas por uma longa temporada. No entanto, não é isso que vemos expresso
quando levamos em consideração as ocupações dessas testemunhas mais presentes ao
longo do tempo. Daquelas cuja participação avançou a partir dos 25 anos, 8 eram leigos
e 2 eram padres, em um total de 10.

138
Tabela 7 - Período em que ocorreram os casamentos envolvidos com as testemunhas
mais recorrentes - Freguesia da Candelária (1750 a 1866)

N° de anos entre
Período dos
Período Nome das Testemunhas 1° e o último
casamentos
casamento
Antônio Joze Coelho 1754 A 1809 55
Antônio Gomes Barrozo 1776 A 1829 53
Anacleto Elias da Fonseca 1759 A 1800 41
Braz Carneiro Leão 1765 A 1806 41
Joze Dias da Cruz 1769 A 1810 41
Manoel Luis França 1758 A 1798 40
Luis Antônio Ferreira 1774 A 1806 32
João da Costa Pinheiro 1767 A 1792 25
1750-1800 Antônio Pereira da Costa 1751 A 1775 24
Joze Dias de Oliveira 1757 A 1781 24
Ignacio de Oliveira Maciel 1769 A 1787 18
Alexandre Fidele de Araujo 1770 A 1785 15
Pedro Martins Duarte 1757 A 1772 15
Bento Rodrigues Pereira 1769 A 1783 14
Manoel de Figueiredo Chaves Coimbra 1783 A 1797 14
Antônio de Mello 1752 A 1761 9
Felippe Lopes dos Santos 1769 A 1777 8
Manoel Machado Coelho 1815 A 1856 41
Antônio Luiz de Andrade 1815 A 1854 39
Manoel Moreira da Silva 1798 A 1819 21
Cezario Joze da Silva 1812 A 1832 20
Fernando Carneiro Leão 1825 A 1808 17
1801-1866 Joze Antônio da Cunha 1795 A 1812 17
Antônio Jose Alves Souto 1847 A 1861 14
João de Medeiros Augusto 1840 A 1854 14
Joaquim Marianno do Amaral Campos 1838 A 1848 10
Ignacio Manoel da Silva 1818 A 1810 8
Mathias Gonçalves Ferreira 1818 A 1825 7
Fonte: ACMRJ - Registros de Matrimônio Freguesia de Nossa Senhora da Candelária. Livros 6,
7, 8, 9 e 10 (1750 a 1866).

Coronéis, negociantes, alferes e comendadores são alguns títulos e ocupações das


testemunhas leigas desse grupo. Ou seja, conforme já verificamos, a presença reiterada
em casamentos na condição de testemunha, além de não ser um ato praticado
exclusivamente por eclesiásticos ou pessoas vinculadas a Igreja, foi executada por
pessoas de “qualidade” e prestígio elevado.
Além disso, parece que a relevância desses personagens não está expressa apenas
em suas patentes e ocupações, ou no número de vezes em que foram convocados a
testemunhar os enlaces, mas também no longo período de tempo em que esses convites

139
ocorreram. A reiteração de tais práticas relacionadas a essas testemunhas provavelmente
ocorreu em função do reconhecimento, por parte dos noivos, do nível de prestígio e
proeminência desses personagens. Porém, ao mesmo tempo, pode ter ajudado a construir
ou consolidar suas trajetórias de mobilidade e ascensão e, por conseguinte, solidificar sua
importância e influência. Até aqui parece claro que o estabelecimento dessas testemunhas
em seu ambiente cotidiano como referência para os noivos que os escolheram, foi fruto
de um processo que exigiu tempo. Ser chamado dezenas de vezes durante décadas para
assumir um papel importante em cerimônias religiosas que coroaram e ratificaram,
publica e oficialmente, o enlace de inúmeros casais, nos faz refletir sobre todos os laços
e relações estabelecidas não só a partir da cerimônia mas também anteriormente à ela.
Desse modo, tais convites provavelmente foram precedidos pela construção e reiteração
de vínculos de todo tipo entre consortes e testemunhas: amizade, trabalho, clientela,
pertença à irmandade.

4.3. As testemunhas em par

Outro dado curioso advindo dos registros de matrimônio da Candelária em relação


às testemunhas é o fato de que várias delas foram identificadas formando pares entre si.
Quando observamos, conforme a Tabela abaixo, apenas o grupo de testemunhas que se
repetiam e suas ocupações, percebemos que boa parte dos pares formados entre elas
envolvia pessoas com o mesmo título. Portanto, além de ficar evidente que algumas delas
se conheciam, é provável que houvesse, inclusive, um convívio e até certa afinidade,
anteriores a cerimônia.

140
Tabela 8 - N° de vezes em que as testemunhas recorrentes formaram par entre si -
Freguesia da Candelária (1750 a 1866)

N° de
Nome das Testemunhas Ocupação/Título Nome das Testemunhas Ocupação/Título Casam
entos
Andador da Irmandade da Mathias Gonçalves 2°Andador da
Antônio Luiz De Andrade 6
Candelária Ferreira Irmandade da Candelária
Dom/Coadjutor/Padre/ Irmão
Alexandre Fidele de Felippe Lopes dos
da Irmandade de S. Pedro dos Não foi encontrado 4
Araujo Santos
Cléricos

João da Costa Pinheiro Capitão/Negociante Luis Antônio Ferreira Capitão/Licenciado 3

Antônio de Mello Padre Manoel Luis França Padre 2

Antônio Pereira Da
Antônio de Mello Padre Alferes/Sacristão 1
Costa
Antônio de Mello Padre Pedro Martins Duarte Capitão 1
Capitão Mor/Sargento
Anacleto Elias da Fonseca Mor/Negociante/Provedor da João da Costa Pinheiro Capitão/Negociante 1
Irmandade da Candelária
Capitão/Coronel/Negociante/Pr
Antônio Gomes Barrozo ovedor da Irmandade da João da Costa Pinheiro Capitão/Negociante 1
Candelária
Andador da Irmandade da Ignacio Manoel Da Alferes/Ferreiro/Encader
Antônio Luiz De Andrade 1
Candelária Silva nador
Capitão Mor/Sargento
Capitão/Coronel/Tenente/Nego
Anacleto Elias Da Mor/Negociante/Proved
Braz Carneiro Leão ciante/Provedor da Irmandade 1
Fonseca or da Irmandade da
da Candelária
Candelária
Capitão/Coronel/Tenente/Nego Capitão/Coronel/Negoci
Antônio Gomes
Braz Carneiro Leão ciante/Provedor da Irmandade ante/Provedor da 1
Barrozo
da Candelária Irmandade da Candelária
Capitão/Coronel/Tenente/Nego
Braz Carneiro Leão ciante/Provedor da Irmandade Luis Antônio Ferreira Capitão/Licenciado 1
da Candelária
Porteiro do Cavallo do
Ignacio Manoel Da Alferes/Ferreiro/Encader
Cezario Joze Da Silva Número/Mesário da Irmandade 1
Silva nador
da Candelária
Ignacio De Oliveira
Felippe Lopes Dos Santos Não foi encontrado Padre 1
Maciel
Manoel De Figueiredo Andador da Irmandade da Ignacio De Oliveira
Padre 1
Chaves Coimbra Candelária Maciel
Manoel De Figueiredo Andador da Irmandade
Manoel Luis França Padre 1
Chaves Coimbra da Candelária
Fonte: ACMRJ - Registros de Matrimônio Freguesia de Nossa Senhora da Candelária. Livros 6,
7, 8, 9 e 10 (1750 a 1866).

Para além dos padres que formaram par com outros sacerdotes, temos os pares das
únicas testemunhas cuja ocupação também advém do cotidiano religioso, os andadores.
Antônio Luiz de Andrade, Andador da Irmandade da Candelária, quando formou par

141
recorrente com alguém o fez por 6 vezes com Mathias Gonçalves Ferreira, também
andador da mesma confraria e seu contemporâneo, e apenas 1 vez com Ignácio Manoel
da Silva cuja ocupação não foi possível conhecer. Chama atenção, igualmente, o número
de pares envolvendo testemunhas com patentes militares e negociantes. No caso,
novamente de Brás Carneiro Leão, Capitão e negociante, que formou par por três vezes
com outros homens de mesma qualidade.
Portanto, a tese do caráter aleatório e fortuito da escolha dessas testemunhas
parece fazer cada vez menos sentido na medida em que, quando olhamos seus perfis de
comportamento, encontramos personagens que, como vimos, não apenas se conhecem
como retornam aos locais da cerimônia inúmeras vezes ao longo de anos seguidos,
inclusive com companheiros de trabalho ou ocupação.

4.4. A repetição das testemunhas e o perfil dos noivos

Quando nos indagamos sobre o perfil dos noivos envolvidos com essas
testemunhas mais repetidas, percebemos que, do ponto de vista do estatuto jurídico,
existiu a presença tanto de escravos, quanto de forros e livres.
No entanto, antes de avançar em nossa análise, é fundamental mais um adendo
metodológico. Tendo em vista que os registros de casamento utilizados nesse trabalho
estavam assentados em livros mistos, no que diz respeito ao estatuto jurídico dos noivos,
todos aqueles nomeados como “escravo” e “forro”, também foram assinalados da mesma
forma no banco de dados. Entretanto, foi muito difícil encontrar alguém designado como
“livre” nas fontes, posto que a não designação significava que socialmente essas pessoas
eram livres, independentemente de sua origem. Desse modo, ficaria muito difícil
estabelecer um termo de comparação em relação aos comportamentos dos escravos e
forros nas diversas dimensões aqui realizadas. Sendo assim, tomamos a seguinte conduta:
todas as pistas quanto a naturalidade e procedência dos cônjuges presentes nos registros
foram utilizadas como indício de situação jurídica. Portanto, todos os noivos cuja
procedência foi explicitamente descrita como europeia foi considerada livre.
Dito isso, observando a Tabela abaixo referente a situação jurídica dos noivos
envolvidos com as testemunhas recorrentes, salta aos olhos o fato das testemunhas com
patentes de Tenente, Capitão ou Coronel estarem envolvidas, majoritariamente, com
casais de noivos livres. Dos 24 noivos em que o Capitão Anacleto Elias da Fonseca foi
testemunha, metade foi com livres; algo parecido ocorreu com o Capitão Luiz Antônio

142
Ferreira em que, em seus 52 nubentes, 26 eram livres, apenas dois forros e o restante não
informado. No entanto, vale lembrar que o capitão Pedro Martins Duarte, testemunha de
22 noivos, compareceu diante de 10 escravos (sendo quatro africanos) e apenas 5 livres.
Já o Coronel Antônio Barrozo, o Tenente Bento Rodrigues, Brás Carneiro Leão, João da
Costa Pinheiro, Fernando Carneiro Leão e Manoel Moreira da Silva, não testemunharam
nenhum casamento de nubente escravo ou forro. Aqui percebemos que embora não tenha
havido uma exclusividade de casais livres com testemunhas de alta patente, este foi o
padrão mais comum.

Tabela 9 - Situação jurídica dos noivos (homens e mulheres) envolvidos com as


testemunhas recorrentes - Freguesia da Candelária (1750 a 1866)

Total
Período Nome das Testemunhas Escravo Forro Livre NI*
Geral
Antônio Pereira da Costa 37 11 5 3 56
Luis Antônio Ferreira 2 26 24 52
Joze Dias da Cruz 6 16 24 46
Manoel de Figueiredo Chaves
Coimbra 9 17 4 10 40
Braz Carneiro Leão 21 17 38
Antônio de Mello 24 10 34
Ignacio de Oliveira Maciel 11 10 5 8 34
1750-1800
Alexandre Fidele de Araujo 13 7 4 8 32
João da Costa Pinheiro 10 22 32
Manoel Luis França 11 8 2 11 32
Anacleto Elias da Fonseca 2 2 12 8 24
Felippe Lopes dos Santos 10 6 4 4 24
Antônio Joze Coelho 4 10 8 22
Antônio Gomes Barrozo 8 12 20
Bento Rodrigues Pereira 9 11 20
Antônio Luiz de Andrade 30 10 11 7 58
Ignacio Manoel da Silva 22 6 9 3 40
Mathias Gonçalves Ferreira 18 12 8 38
Joze Antônio da Cunha 4 9 7 6 26
1801-1866 Antônio Jose Alves Souto 21 3 24
Fernando Carneiro Leão 16 6 22
Cezario Joze da Silva 10 2 4 4 20
Manoel Machado Coelho 2 16 2 20
Manoel Moreira da Silva 12 8 20
* Não Informado
Fonte: ACMRJ - Registros de Matrimônio Freguesia de Nossa Senhora da Candelária. Livros 6,
7, 8, 9 e 10 (1750 a 1866).

Já entre as “testemunhas padres” houve uma presença maior de noivos escravos e


forros, porém também não de forma unânime. Antônio Luiz de Andrade, por exemplo,
143
embora tenha participado do casamento de 30 noivos escravos, todos africanos, e 10
forros, também esteve presente no enlace de 11 livres, em sua maioria de portugueses.
Ou seja, a maioria dos noivos foram escravos e se somarmos a esses o número de forros
temos 40 noivos que tiveram alguma relação com o universo da escravidão.
Quando observamos o perfil geral da situação jurídica dos nubentes, relacionados
exclusivamente com testemunhas mais recorrentes, presente no Gráfico 5, em princípio,
chama a atenção o percentual de livres quase equivalente ao de escravos no primeiro
período (1750-1800). No segundo período (1801-1850) o número de livres cresce e seu
percentual quase dobra, enquanto que o percentual de escravos permanece o mesmo.
Nesse caso é preciso relativizar também a categoria dos livres encontrada aqui, pois
muitos dos que nesse momento encontravam-se em tal condição podem ser descendentes
de cativos ou forros. Desse modo, pessoas cuja vida não está distante no tempo do
universo e do estigma da escravidão.

Gráfico 5 - Situação jurídica dos noivos relacionadas às testemunhas escolhidas que se


casaram na Freg. Candelária

Escravo Forro Livre NI


40%

30%
27% 26% 27%
21%
17%
12%

1750-1800 1801-1866
Fonte: ACMRJ - Registros de Matrimônio Freguesia de Nossa Senhora da Candelária. Livros 6,
7, 8, 9 e 10 (1750 a 1866).

Porém, quando observamos de forma mais cuidadosa, percebemos que se


somarmos o volume de escravos e forros chegamos a um percentual de 44%, ou seja, o
número de pessoas relacionadas com o universo da escravidão supera o número de livres
que é de 26%. Quando operamos o mesmo cálculo com o número de noivos do segundo
período o volume de escravos e forros chega a 39% e, portanto, praticamente se equipara
com o de livres 40%.

144
Já no Gráfico abaixo podemos observar também que o volume de escravos e forros
entre os noivos em geral é equilibrado em ambos os períodos, pois vemos que os cativos
são 15% e os forros 16% entre 1750 e 1800 e entre os anos de 1801 e 1866, embora
tenham caído, permanecem equilibrados com 8% de escravos e 6% de libertos.

Gráfico 6 - Situação jurídica dos noivos na população total que se casou na Freg.
Candelária

Escravo Forro Livre NI

58%

38%
31%
28%

15% 16%
8% 6%

1750-1800 1801-1866
Fonte: ACMRJ - Registros de Matrimônio Freguesia de Nossa Senhora da Candelária. Livros 6,
7, 8, 9 e 10 (1750 a 1866).

Porém, o que chama mais atenção no perfil da população geral que buscou as
bênçãos eclesiásticas para seus enlaces na freguesia é o número livres. No primeiro
período o percentual deles se equipara a soma de escravos e forros. Já no período seguinte
o percentual dessa população dispara para 58%, enquanto escravos e forros caem.
Um elemento que deve ser levado em consideração aqui é o peso percentual dos
livres na população geral da Candelária. É verdade que entre aqueles noivos envolvidos
apenas com as testemunhas repetidas os livres estavam em número menor quando
comparados com os africanos e crioulos. Porém, no conjunto total dos homens e mulheres
que casaram na freguesia eles são maioria quando comparados com os africanos e com
os crioulos em separado. Nesse sentido, não podemos esquecer que estamos lidando,
como afirma Noronha Santos, com uma população de homens e mulheres imersos em
uma freguesia ocupada majoritariamente “por muitos estrangeiros, em sua maioria
portugueses”.283 Um ambiente, portanto, de homens livres cujas atividades, muito
provavelmente, acompanhavam o caráter urbano e comercial da freguesia. Aliás já

283
SANTOS, Noronha. As freguesias do Rio antigo. Rio de Janeiro: Ed. O Cruzeiro, 1965, p.18

145
mencionamos a presença da Irmandade de comerciantes presente na Igreja da Candelária,
o que só corrobora o perfil não só da Freguesia como também de seus moradores.
Quando nos indagamos sobre a naturalidade dos noivos envolvidos com essas
testemunhas que mais se repetiram é fundamental outro adendo metodológico.
Nos registros de casamento utilizados nesse trabalho todos os noivos que foram
alocados na categoria “crioulo” no banco de dados estavam nomeados como tal nos
registros. Entretanto, foi muito difícil encontrar alguém designado como africano,
português ou qualquer outra naturalidade nas fontes. Do mesmo modo, então, como
ocorreu com a análise do Estatuto Jurídico dos noivos, ficaria muito difícil estabelecer
um termo de comparação em relação aos comportamentos dos crioulos nas diversas
dimensões aqui observadas. Sendo assim, tomamos o seguinte procedimento: todas as
pistas quanto à origem dos cônjuges presentes nos registros foram utilizadas como indício
para alocá-los em diferentes naturalidades. Portanto, todos os noivos cuja procedência foi
descrita em alguma parte do registro como europeia entrou na categoria “estrangeira”. De
igual maneira, todos os escravos ou forros cuja procedência fazia referência a alguma
parte da América portuguesa, foram considerados crioulos, bem como todos aqueles cuja
origem mencionava alguma parte da África entraram na categoria “africano”. Dessa
maneira estabelecemos a distinção clara entre aquilo que a fonte efetivamente diz, e as
inferências que fazemos a partir das informações contidas no interior dos registros.
Ainda analisando os dados sobre os casamentos, é possível perceber que alguns
capitães estiveram presentes, como testemunhas, apenas em casamentos de portugueses.
Não por acaso, os mesmos militares que não testemunharam nenhum casamento de
escravos e forros, são os mesmos que foram chamados apenas por nubentes lusos. Vale
ressaltar que testemunhas que participaram do enlace de estrangeiros também estiveram
presentes em casamentos de africanos. O Tenente José Dias da Cruz testemunhou o
casamento de 6 noivos africanos, 8 portugueses e mais um estrangeiro; Cezário José da
Silva, embora tivesse envolvido em universo mais ligado à escravidão, pois foi
testemunha de 12 noivos cativos, também esteve presente no casamento de um português
e outro estrangeiro. Ou seja, testemunhar majoritariamente casamentos de africanos não
exclui a possibilidade de ser convidado como testemunha por livres estrangeiros.
Por fim, assim como verificamos com a análise do estatuto jurídico, do ponto de
vista da naturalidade as testemunhas identificas, os padres estão envolvidos
principalmente com africanos. Nesses casos talvez seja possível inferir que a presença
desses padres nos enlaces de noivos africanos seja parte de um processo de conversão

146
iniciado tempos antes. A adesão à fé católica pode ter se consubstanciado na opção por
referendar suas uniões a partir da celebração do casamento religioso sob as bênçãos da
instituição, tendo como testemunha o vetor da conversão. De todo modo, os sacerdotes
cumprem um importante papel de intermediador cultural entre os valores e a cosmovisão
luso-brasileira e a africana. Não se pode esquecer que as Constituições instruíam os
padres que antes de ministrar os sacramentos aos escravos, os mesmos deveriam instruí-
los nos mistérios da fé.

Tabela 10 - Naturalidade dos noivos envolvidos com as testemunhas recorrentes -


Freguesia da Candelária (1750 a 1866)

Naturalidade dos Noivos


Período Nome das Testemunhas Total
Af Cr Br Port Estr. Ni
Geral
Antônio Pereira da Costa 39 3 5 9 56
Luis Antônio Ferreira 2 18 32 52
Joze Dias da Cruz 6 8 1 31 46
Manoel de Figueiredo
Chaves Coimbra 13 2 2 23 40
Braz Carneiro Leão 1 10 27 38
Antônio de Mello 24 4 6 34
Ignacio de Oliveira Maciel 18 2 3 11 34
1750-1800 João da Costa Pinheiro 7 25 32
Alexandre Fidele de
Araujo 13 3 3 13 32
Manoel Luis França 11 4 17 32
Anacleto Elias da Fonseca 2 5 17 24
Felippe Lopes dos Santos 9 3 3 9 24
Antônio Joze Coelho 2 6 14 22
Bento Rodrigues Pereira 9 11 20
Antônio Gomes Barrozo 6 14 20
Antônio Luiz de Andrade 31 3 7 17 58
Ignacio Manoel da Silva 21 3 6 10 40
Mathias Gonçalves
Ferreira 24 2 12 38
Joze Antônio da Cunha 7 8 11 26
1801-1866
Antônio Jose Alves Souto 11 13 24
Fernando Carneiro Leão 4 2 16 22
Cezario Joze da Silva 12 1 1 6 20
Manoel Machado Coelho 1 8 11 20
Manoel Moreira da Silva 9 11 20
Fonte: ACMRJ - Registros de Matrimônio Freguesia de Nossa Senhora da Candelária. Livros 6,
7, 8, 9 e 10 (1750 a 1866).
Obs.: Af. = Africano; Cr. = Crioulo; Br. = Brasileiro; Port. = Português; Estr. = Estrangeiro; NI
= Não Informado

147
O perfil de escolhas e presenças exposto até aqui nos permite reforçar a ideia de
que estamos diante de estratégias múltiplas de ambos os atores, noivos e testemunhas. Os
“coronéis” mantêm e consolidam seu status ao se envolverem majoritariamente com
livres e estrangeiros. Estes por sua vez, com poucas ou nenhuma testemunha
compartilhada com noivos de status inferior, consolidam certo poder de influência todas
as vezes que têm um convite aceito por um personagem de prestígio. Do mesmo modo,
vimos que a maioria dos noivos escravos, africanos ou crioulos, tomou por testemunha
um grande número de padres. No entanto, eventualmente alguns escravos, acabaram por
compartilhar testemunhas de certo prestígio e status com noivos livres, o que também
pode ser signo de algum prestígio de tais cativos, em pleno processo de mobilidade
ascendente. Nesse caso o enlace coroado com a presença de homens livres e de prestígio
pode ser entendido como parte de um processo de ascensão para os setores subalternos,
mas também parte da consolidação da posição das testemunhas por meio da formação de
clientelas.
Do ponto de vista da naturalidade é interessante observar o perfil geral dos
cônjuges implicados apenas com testemunhas mais frequentes sem fazer distinção de seus
nomes e ocupações, conforme vemos no Gráfico 7.

Gráfico 7 - Naturalidade dos noivos relacionados às testemunhas mais frequentes –


Freguesia da Candelária (1750 a 1866)

Africana Criola Port Estrangeiros NI


47%
43%

32%
29%

18% 19%

6%
4%
0% 2%

1750-1800 1801-1866
Fonte: ACMRJ - Registros de Matrimônio Freguesia de Nossa Senhora da Candelária. Livros 6,
7, 8, 9 e 10 (1750 a 1866).

Em ambos os períodos, quando retiramos os casos não informados, percebemos


majoritariamente a presença de nubentes africanos. Ou seja, entre 1750 e 1800, 29% dos

148
noivos que buscaram esses personagens para testemunhar seus casamentos, eram
africanos, e entre 1801 e 1866, 32% tinham tal procedência. O número de não
informados, infelizmente, é grande em ambos os períodos, porém, informações referentes
às demais categorias não devem ser descartadas em função disso.
Já os noivos crioulos envolvidos com as testemunhas recorrentes, tem a mesma
presença, quando comparados com os de mesma origem presentes na população total de
noivos, conforme o Gráfico abaixo. Em ambos os casos os números percentuais de
crioulos são o mesmo: 6% no primeiro período e 2% no segundo.

Gráfico 8 - Naturalidade dos noivos na população total de escravos e forros que se


casaram na Freguesia da Candelária (1750 a 1866)

Africana Criola Port Estrangeiros NI


53% 54%

29%
23%
17%
9%
6% 5%
1% 2%

1750-1800 1801-1866
Fonte: ACMRJ - Registros de Matrimônio Freguesia de Nossa Senhora da Candelária. Livros 6,
7, 8, 9 e 10 (1750 a 1866).

Embora o predomínio de nubentes africanos tenha sido uma característica dos


casamentos envolvidos apenas com as testemunhas que se repetem, quando olhamos o
total da população de escravos e forros que se casaram na Candelária, em ambos os
períodos, percebemos que os africanos não foram a maioria, tanto para o período de 1750
a 1800, 17%, quanto para segundo período de 1801 a 1866, 9%.
Vale levar em consideração que, entre 1801 e 1866, a cidade experimentou uma
série de fatores que contribuíram, em muito, com sua oscilação populacional. Na primeira
década do século XIX o Rio de Janeiro viveu os reflexos da transferência da Corte e o
aumento vertiginoso da presença de homens livres e estrangeiros na cidade. Ao mesmo
tempo, tal evento gerou consequências diretas no comércio, com a abertura dos portos, e
no tráfico de escravos que viu sua média de entrada de negreiros dobrar entre 1809 e
1825. Em seguida, o tráfico experimenta novo incremento nos anos posteriores à

149
independência em função dos rumores do fim do tráfico precedentes a 1831, ano da
proibição de importação de escravos para o Brasil.284
É interessante perceber que apesar do aumento da população africana na cidade
nesse período - que passa a representar ¾ dos cativos da urbe – o perfil geral dos noivos
da Candelária, conforme vimos, não refletem tal mudança. Os africanos, mesmo somados
com os crioulos, não são maioria. A Freguesia, considerando os registros de casamento,
se manteve majoritariamente livre apesar da conjuntura de incremento do tráfico atlântico
de escravos. Quando comparamos os dados presentes no Gráfico 7 referente a
naturalidade daqueles noivos envolvidos com as testemunhas repetidas, com o Gráfico 8
que expõe a naturalidade de todos os registros coletados, constatamos que o percentual
de africanos cai de 29% para 17% no primeiro período e de 32% para 9% no segundo.
Conforme vimos até aqui, a ocasião do enlace pode ter servido como via de mão
dupla, ou seja, como ocasião da escolha dos casais por personagens com certo grau de
prestígio e, ao mesmo tempo, momento de recriação ou consolidação de laços entre as
próprias testemunhas. Um paralelo com os trabalhos sobre compadrio escravo e forro
talvez possa ajudar no entendimento do comportamento desses personagens apreendidos
até o momento. A maioria das pesquisas dedicadas à discussão em torno do batismo
apontam algumas características típicas daqueles escolhidos como padrinhos como, por
exemplo, o status superior destes em relação ao dos pais do batizado. Embora o termo
“padrinho de casamento” não apareça nos registros de matrimônio aqui analisados, por
vezes, essas testemunhas me parecem cumprir as mesmas funções sociais dos compadres
de batismo.
A historiografia que vem se dedicando ao tema da sociabilidade tem dado especial
atenção ao compadrio, na medida em que, a partir desse sacramento, estabeleciam-se
entre padrinhos, afilhados e suas respectivas famílias, laços não só espirituais como
também sociais. Segundo Stuart Schwartz em seu livro Escravos, roceiros e rebeldes:
“Tais laços também tinham uma dimensão social fora da
estrutura da igreja. Podiam ser usados para reforçar laços de
parentesco já existentes, ou solidificar relações com pessoas de
classe social semelhante, ou estabelecer laços verticais entre
indivíduos socialmente desiguais”285.

O autor, comentando a respeito de certos padrões na escolha de padrinhos de


batismo nas lavouras do recôncavo baiano, nos diz que:

284
FLORENTINO, Manolo. Em Costas Negras. 2. ed. São Paulo: Cia. das Letras, 1997, p. 46-47.
285
SCHWARTZ, Stuart B. Escravos, roceiros e rebeldes. Bauru, SP: EDUSP, 2001, p.265.

150
“Os escravos quase nunca serviam de padrinhos de crianças
nascidas livres ou de filhos de escravos libertos, mas, pelo
contrário, os filhos de escravos tinham padrinhos livres, libertos
e escravos. Havia uma espécie de categoria de compadrio que
reproduzia a hierarquia de status e cor da sociedade, e os brancos,
quase sempre, tinham padrinhos brancos; a maioria de filhos de
pardos tinham padrinhos branco (...)”286.

É bem verdade que o próprio autor admite poder tratar-se de padrões de compadrio
específicos da Bahia no final do século XVIII, cuja economia estava intimamente ligada
ao tráfico de escravos e a exportação de açúcar. Segundo ele, as duas paróquias rurais
analisadas eram zonas produtoras de açúcar cuja produção havia se expandido naquele
momento. No intuito de estabelecer uma comparação, Stuart Schwartz resolveu então
examinar os padrões de compadrios de escravos em Curitiba no mesmo período, logo,
uma outra região e uma área não tão intimamente ligada à economia de exportação e ao
tráfico internacional de escravos. O estudo dos dados Curitibanos confirmou muitas das
descobertas da Bahia do século XVIII, dentre elas a escolha de um padrinho e de uma
madrinha livres no compadrio de filhos de escravos. O autor conclui então que os padrões
de Curitiba indicam que os dados baianos não eram excepcionais, e mais, que “para os
escravos, esses padrões indicam a aceitação das circunstâncias e a tentativa de usar a
instituição do compadrio para melhorar a própria situação ou fortalecer laços de
família”.287
Na esteira dos trabalhos de Schwartz sobre compadrio, outros autores
desenvolveram pesquisas em outras regiões, ressaltando a importância das relações de
compadrio em suas análises e tomando como referência o trabalho do autor. Silvia
Brügger em seu livro Minas patriarcal: família e sociedade288, já no início, propõe uma
reflexão sobre o conceito de patriarcalismo e, a partir daí, deixa claro que o entende como
um sistema de valores onde a família está no centro da ação social e política e não como
um mero sinônimo de família extensa. Para a autora, na estrutura da sociedade patriarcal
mineira entre os séculos XVIII e XIX os vínculos familiares eram de extrema
importância, não só em termos culturais como também políticos e econômicos. A partir
de registros paroquiais de batismo e casamento, e de fontes cartorárias como inventários
post-mortem e testamentos, a autora consegue identificar determinadas estratégias entre
algumas famílias mineiras de São João Del Rei ao longo da segunda metade do século

286
SCHWARTZ, Stuart B. Escravos, roceiros e rebeldes. Bauru, SP: EDUSP, 2001, p. 272.
287
SCHWARTZ, Stuart B. Escravos, roceiros e rebeldes. Bauru, SP: EDUSP, 2001, p.285.
288
BRÜGGER, Silvia Maria Jardim. Minas patriarcal: família e sociedade. (São João Del Rei - Séculos
XVIII e XIX). São Paulo: Annablume, 2007.

151
XVIII e primeira metade do XIX. Ter parentes com inserção política nas mais variadas
instituições como a Câmara Municipal ou como o Juizado de Paz podia fazer parte não
de uma estratégia pessoal, mas familiar de poder. Desse modo, as alianças matrimoniais,
as relações entre pais e filhos e o compadrio podiam estar intimamente ligados a negócios,
sociedades, empréstimos e arranjos políticos. As pessoas consideradas importantes na
região eram, justamente, as que tinham maior número de afilhados. Silvia Brügger
percebe, então, que a valorização dessas famílias esteve intimamente relacionada com seu
tempo de permanência na região e com o grau de inserção social que atingiram, isso
significa que, quanto mais elas eram socialmente reconhecidas como “tradicionais”, mais
reforçavam os valores patriarcais.
Já Roberto Guedes em seu livro Egressos do cativeiro: trabalho, família aliança
e mobilidade social289, analisa a trajetória de cinco famílias da Vila de Porto Feliz,
província de São Paulo que, no século XVIII, uma região ligada às áreas mineradoras do
Mato Grosso e onde os escravos representavam metade da população. Utilizando fontes
de natureza diversa como listas nominativas de habitantes, registros paroquias de batismo,
casamento e óbito, inventários post-mortem, licenças comerciais e processos crime, o
autor mescla o uso de informações agregadas em grandes bancos de dados com a técnica
do cruzamento onomástico. Ao observar as estratégias de mobilidade social de escravos
e seus descendentes que conseguem sair do cativeiro por meio da alforria, o autor percebe
que havia uma busca por estabilidade familiar e inserção em redes de sociabilidade. Desse
modo, essas famílias utilizavam como recurso nesse processo, o parentesco, o compadrio,
as amizades e as relações clientelares e de vizinhança. Percorrendo o caminho trilhado
pelos forros e seus descendentes depois da concessão da alforria, Guedes destaca que a
mobilidade social resulta da interação entre senhores, escravos, forros e livres e deve ser
analisada no âmbito familiar e de forma geracional.
Por fim, Cacilda Machado em seu livro A trama das vontades: negros, pardos e
brancos na construção da hierarquia social no Brasil escravista290 faz uma análise
socioeconômica e demográfica na cidade paranaense de São José dos Pinhais no início
do século XIX. A partir do uso de listas nominativas cruzadas com registros paroquiais
de batismo, casamento e óbito, a autora tenta entender o caminho por meio do qual as

289
GUEDES, Roberto. Egressos do cativeiro: trabalho, família aliança e mobilidade social (Porto Feliz,
São Paulo, c.1798-c.1850) Rio de Janeiro: Mauad X: FAPERJ, 2008.
290
MACHADO, Cacilda. A trama das vontades: negros, pardos e brancos na construção da hierarquia
social no Brasil escravista. Rio de Janeiro: Apicuri, 2008.

152
posições raciais e sociais foram construídas em uma região marcada pela escassez de
cativos, predomínio de pequenas escravarias e preponderância de domicílios com famílias
compostas de brancos e pardos pobres sem escravos. A autora percebeu a prevalência de
laços de compadrio com pessoas livres, por parte dos escravos que buscavam batizar seus
filhos. Tal apadrinhamento se dava, sobretudo, não com os senhores de tais escravos, mas
com seus parentes. Para Cacilda Machado, se tratava de uma estratégia que buscava o
estreitamento dos laços com as casas senhoriais em que os amigos desses escravos viviam
como cativos ou agregados. Daí a percepção de que esse era, na realidade, um mecanismo
de manutenção e de ampliação de uma comunidade de negros e pardos.
Conforme vimos até agora, os laços estabelecidos por meio do matrimônio
excedem, em muito, aqueles constituídos apenas entre os noivos. Nessa diversidade de
relações nos deparamos, a partir dos registros, com laços que unem noivos às testemunhas
além de conexões entre as próprias testemunhas. Na esteira desses últimos trabalhos sobre
família escrava, e aproveitando os resultados das pesquisas mais recentes que dão
destaque ao compadrio como mecanismo de sociabilidade, podemos pensar na
possibilidade de interpretar o casamento com ocasião privilegiada para o estabelecimento
de alianças parecidas com as ensejadas pelo apadrinhamento e, portanto, percebido
igualmente como elemento importante de múltiplas estratégias de mobilidade social.

153
Capítulo 5 - Enlaces e nós: as testemunhas de casamento como meio de interação,
vínculo e sociabilidade

Rafael Bluteau em seu “Vocabulário Português e Latino” definiu de forma objetiva


e sucinta o ato de casar como uma ação interessada em “unir duas pessoas com vínculo do
matrimônio”.291 De fato, vincular-se está no cerne de tal ato e, mais que isso, pressupõe o
reforço de um laço interpessoal anterior ao próprio casamento que ganha força mediante
uma chancela governamental ou religiosa, ou a um reconhecimento público comunitário.
No que diz respeito ao matrimônio entendido e vivido na esfera religiosa como sacramento
cristão, a Igreja Católica, desde o período moderno, achou por bem definir claramente seus
atributos bem como os princípios normativos básicos a serem observados em sua prática.
As Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia definiram o matrimônio como
O último sacramento dos sete instituídos por Christo nosso Senhor
é o do Matrimônio. E sendo ao princípio um contrato com vínculo
perpétuo, e indissolúvel, pelo qual o homem, e a mulher se
entregão (sic) um ao outro, o mesmo Christo Senhor nosso o
levantou com a excellência do Sacramento, significando a união,
que ha entre o mesmo Senhor, e a sua Igreja, por cuja razão confere
graça aos que dignamente o recebem. A matéria deste sacramento
é o domínio dos corpos, que mutuamente fazem os casados,
quando se recebem, explicado por palavras, ou signaes, que
declarem o consentimento mutuo que de presente tem. A forma são
as palavras, ou signaes do consentimento, em quanto significão a
mutua aceitação. Os ministros são os mesmos contraentes. Foi o
matrimônio ordenado principalmente para tres fins, e são três bens,
que nelle se encerrão. O primeiro é o da propagação humana,
ordenada para o culto, e honra de Deos. O segundo é a da fé, e
lealdade, que os casados devem guardar mutuamente. O terceiro é
o da inseparabilidade dos mesmos casados, significativa da união
de Christo Senhor Nosso com a Igreja Catholica. Alem desses fins
é também remédio da concupiscência, e assim São Paulo o
aconselha como tal aos que não podem ser continentes.292

Podemos observar, de acordo ao texto sinodal, que tal sacramento foi, e ainda é,
definido como um “vínculo perpétuo e indissolúvel”, ou seja, a ele é imputada uma
condição temporal no sentido da sua perenidade ao mesmo tempo em que é reforçado seu
caráter imutável. Comparado ao vínculo que enlaça Deus e a Igreja, o casamento tem,
dentre outras finalidades a “inseparabilidade dos casados”, ou seja, designa um caráter de
estabilidade ao vínculo estabelecido por seu ato. Essa espécie de contrato, oficial ou

291
BLUTEAU, Raphael, Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico... Coimbra,
Collegio das Artes da Companhia de Jesu, 1712 – 1728 (8 volumes), vol. 4, p. 241.
292
VIDE, D. Sebastião Monteiro da. Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. São Paulo:
Typografhia 2 de Dezembro, 1853. p. 107.

154
costumeiro, sinônimo de coabitação ou não, era gerador de vínculos entre os noivos que,
em tempos coloniais, a Igreja presumia e desejava sólido e durável. Não por acaso, de
acordo para o sociólogo Mark Granovetter o casamento pode ser considerado um tipo de
interação possuidora de vínculos fortes na medida em que tal força pode ser mensurada por
meio de uma combinação de tempo, intensidade emocional, intimidade e dos serviços
recíprocos que caracterizam tal ligação. Ainda que cada um desses aspectos seja
independente um do outro, seu conjunto está inter-relacionado.293
No entanto, o casamento tem uma peculiaridade: ele é um vínculo naturalmente
gerador de outros múltiplos vínculos. Essa é uma característica intrínseca a esse tipo de
relação. A conexão entre um casal enseja a geração ou reforço de seus laços com a parentela
de ambos além do parentesco consanguíneo criado com eventuais filhos. A natureza
religiosa do vínculo gerado pelo sacramento do matrimônio não limita ou define a natureza
dos demais vínculos gerados por ele, nem tão pouco é reveladora do tipo de vínculo que o
originou. É impossível definir, peremptoriamente e de forma atemporal o que leva a união
entre um homem e uma mulher, porém é certo que este é um tipo de vínculo que pode ser
engendrado por conexões realizadas antes dele e, ao mesmo tempo, com uma altíssima
capacidade de gerar novas conexões. Mark Granovetter afirma que múltiplas interações de
um mesmo indivíduo ou de um grupo podem gerar uma rede de relações composta por
294
diversas partes com diferentes densidades. Ou seja, o vínculo forte gerado entre um
casal em função do casamento é capaz de engendrar inúmeras outras interações de menor
intensidade, ou vínculos mais frágeis como, por exemplo, àqueles produzidos com as
testemunhas.
Nos casos de casamento sancionado pela Igreja Católica, atualmente, há os vínculos
dos noivos com aqueles escolhidos para seus respectivos padrinhos que acabam
acumulando o papel religioso, social e burocrático, na condição de testemunha. No entanto,
quando tratamos do período colonial tal figura não era nomeada como tal, ao menos na
legislação canônica existente. O que encontramos são as figuras das testemunhas cujos
vínculos, como já pudemos observar, são múltiplos. Relacionam-se com os noivos e,
sobretudo, com outras testemunhas de modo reiterado no espaço e no tempo. Conforme já
dissemos, não é possível equiparar a densidade do vínculo estabelecido entre um casal e

293
GRANOVETTER, Mark S. “La fuerza de los vínculos débiles”. In: Política y Sociedad. 33, Madrid, 2000,
p.42.
294
GRANOVETTER, Mark S. “La fuerza de los vínculos débiles”. In: Política y Sociedad. 33, Madrid, 2000,
p.48.

155
entre estes e suas testemunhas. As interações geradas com as testemunhas e a partir delas
são muito mais frágeis se levarmos em consideração suas implicações e desdobramentos
sociais e religiosos. Romper uma relação conjugal não é o mesmo que romper uma relação
com um padrinho ou testemunha de casamento. Porém, embora possamos argumentar que
vínculo estabelecido entre os noivos e sua testemunha, em princípio, são gerados em função
apenas de uma exigência canônica é preciso observar tais relações de forma mais cuidadosa
levando em conta, sobretudo, sua capacidade de gerar novas conexões e servir como
estratégia de sociabilidade. Segundo Granovetter, enquanto os vínculos fortes estão
concentrados em grupos particulares, os vínculos frágeis geralmente unem membros de
diferentes grupos pequenos. O lugar de origem mais comum de vínculos frágeis são as
organizações sociais formais como igrejas, sindicatos e associações, e os postos de
trabalho. Nesse sentido, tais vínculos seriam importantes para a análise sociológica não por
sua intensidade, mas por sua capacidade de construir pontes com outros grupos.295
Conforme vimos ao longo desse trabalho, as testemunhas entre si mantém muito
mais regularidade relacional do que poderíamos supor. Embora sejam vínculos frágeis, se
comparados aos laços entre os casais, as conexões entre testemunhas e entre estas e seus
noivos devem ser observadas, sobretudo por sua capacidade de vincular pessoas e grupos
distintos e de consolidar estruturas sociais mais amplas. Levando em consideração de que
só há indivíduo na sociedade e que a sociedade nada mais é que um conjunto de relações
em processo constante é fundamental, conforme afirma George Simmel, empreender a
observação de tais vínculos no tempo.
Tais relações são sempre relações em processo, isto é: elas se
fazem e desfazem, se constroem, se destroem, se reconstroem, são
e deixam de ser, podem se refazer ou não, se rearticular ou não. As
relações nunca são sólidas e petrificadas; a cada instante ou elas se
atualizam, ou se esgarçam, ou se fortificam, ou se mantêm, ou se
enfraquecem. Mas, como quer que seja, há a cada instante algo
vivo, em processo.296

Estabelecendo uma analogia com as ciências biológicas, Simmel defende a ideia de


que a sociologia deve estar atenta às relações sociais em nível microscópico na medida em
que o movimento das interações entre os homens no tempo correspondem ao que o autor
chama de vínculos entre os átomos da sociedade. Segundo ele, assumindo tal procedimento

295
GRANOVETTER, Mark S. “La fuerza de los vínculos débiles”. In: Política y Sociedad. 33, Madrid, 2000,
p.51.
296
SIMMEL, Georg. Sociologia. 1908, apud: WAIZBORT, Leopoldo. “Elias e Simmel”. In: WAIZBORT,
Leopoldo (org.) Dossiê Norbert Elias. São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo, 1999, p.92.

156
“talvez se consiga para a ciência da sociedade a partir desse
conhecimento o mesmo que para a ciência da vida orgânica
significou o início da microscopia. Se até então a investigação
estava restrita aos grandes órgãos corporais, tratados
separadamente, cujas diversidades de forma e função se
apresentavam sem mais, só agora o processo vital mostrou-se em
sua combinação de seus suportes menores, as células, e em sua
identidade com as numerosas e incessantes interações entre
estas”.297

Assim, Simmel deixa claro que avalia como um equívoco privilegiar a análise onde
as forças de interação já se encontram cristalizadas enquanto parte de grandes órgãos ou
sistemas como, por exemplo, o Estado, a família e os sindicatos, apesar de reconhecer sua
importância e abrangência. O autor defende um olhar voltado para as formas periféricas de
interação na medida em que estas ocorrem e se movem justamente por entre as estruturas
amplas e já consolidadas socialmente e são, ao mesmo tempo, fundamentais para o seu
funcionamento. Segundo Simmel, “as diligências imensamente pequenas estabelecem o
nexo da unidade histórica, assim como as interações aparentemente menores de pessoa a
pessoa estabelecem o nexo da unidade social”.298 O procedimento metodológico sugerido
pelo autor é revelador de sua concepção de sociedade que, segundo ele, nada mais é que
um conjunto de interações singulares que se reiteram no tempo e ajudam a dar suporte às
grandes formações.
“(...) a sociologia limitou-se, de fato, àqueles fenômenos sociais
nos quais as forças de interação já estão cristalizadas desde seus
suportes imediatos ao menos em unidades ideais. (...) Além
daqueles fenômenos perceptíveis de longe, que se impõe por toda
a parte devido a sua abrangência e importância externa, há um
número imenso de formas menores de relação e de modos de
interação entre os homens, em casos similares aparentemente
insignificantes, mas que são representados por esses casos
singulares em uma medida nem um pouco desprezível, e que, na
medida em que elas se movem por entre amplas formações sociais,
por assim dizer oficiais, realizam na verdade a sociedade, tal como
nós a conhecemos”.299

Tais relações, ainda que mínimas, são por sua vez “formas formadoras da
sociedade” e elementos indispensáveis para a socialização em geral, pois, ainda segundo
Simmel, “a socialização entre os homens se ata, desata e se ata mais uma vez

297
SIMMEL, Georg. Sociologia. 1908, apud: WAIZBORT, Leopoldo. “Elias e Simmel”. In: WAIZBORT,
Leopoldo (org.) Dossiê Norbert Elias. São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo, 1999, p.95.
298
SIMMEL, Georg. Sociologia. 1908, apud: WAIZBORT, Leopoldo. “Elias e Simmel”. In: WAIZBORT,
Leopoldo (org.) Dossiê Norbert Elias. São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo, 1999, p.95
299
SIMMEL, Georg. Sociologia. 1908, apud: WAIZBORT, Leopoldo. “Elias e Simmel”. In: WAIZBORT,
Leopoldo (org.) Dossiê Norbert Elias. São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo, 1999, p.93.

157
continuamente, como um correr e pulsar eterno que encadeia os indivíduos, até mesmo
onde isso não se eleva a organizações próprias”.300 O que se desenvolve, a partir daí, é uma
teia social que se tece continuamente, gerada por meio de redes múltiplas de interação que
se estendem no tempo em um processo contínuo.
É bem verdade que Michel Bertrand admite que frequentemente os pesquisadores
só consigam identificar e recuperar fragmentos de redes, na medida em que estas são
demasiado vastas para serem reconstituídas a partir das fontes que temos disponíveis.301
Tais fragmentos de rede seriam, na verdade, círculos sociais ou de sociabilidade cujas
relações possuiriam densidades e qualidades diferentes. Esses círculos, segundo o autor,
podem ser identificados a partir de procedimentos quantitativos e qualitativos ao longo do
tempo contabilizando a frequência das interações e identificando vínculos mais fortes que
outros. A partir da distinção qualitativa desses laços podemos, então, identificar sujeitos
que ocupam um lugar mais ou menos preponderante nesse sistema relacional e destacar
aqueles indivíduos que cumprem uma função de destaque em relação ao grupo. Esses
seriam uma espécie de mediadores, responsáveis pela criação de pontes entre diferentes
círculos sociais.
Neste capítulo, portanto, buscamos identificar a sociabilidade revelada pelos
registros de matrimônio da Candelária a partir dos vínculos gerados com as testemunhas
de casamento ou a partir delas. Sendo assim, extrapolaremos as informações encontradas
nas atas de casamento e ampliaremos a observação para as relações cotidianas reveladas
pelos vestígios deixados por esses agentes históricos em diferentes documentos ao longo
de quase cem anos. O objetivo é desvelar os fragmentos de redes gerados pelas inúmeras
interações dessas testemunhas levando em conta tanto a frequência quanto a regularidade
dos vínculos gerados em lugares e tempos distintos. Conforme o sociólogo Espanhol
Narciso Pizarro, para a correta observação de regularidades relacionais é necessário
observar e classificar as dimensões temporais dos tipos de conexões analisadas (acidental,
esporádica, regular), sua durabilidade (instante ou intervalo) e sua frequência
(indeterminada, variável, fixa).
“Uma estrutura social é mais que conjunto de nexos entre pares de
atores individuais ou coletivos. (...) O que caracteriza as relações
sociais é que a existência de um nexo entre dois nós dados
pertencentes à rede, incide sobre os nexos existentes com nós

300
SIMMEL, Georg. Sociologia. 1908, apud: WAIZBORT, Leopoldo. “Elias e Simmel”. In: WAIZBORT,
Leopoldo (org.) Dossiê Norbert Elias. São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo, 1999, p.94.
301
BERTRAND, Michel. “De la família a la red de sociabilidade”. In.: Revista Mexicana de Sociologia.
México: vol.61, núm. 2 abril-junio, 1999, p.121.

158
distintos. Quer dizer: os nexos que estão vinculados entre si: esta
vinculação dos nexos é o que os transforma em relações sociais, e
a rede em estrutura social”.302

Para observarmos melhor o conjunto dos vínculos estabelecidos entre as


testemunhas mais frequentes nos casamentos realizados na Fregesia da Candelária entre os
anos de 1750 e 1866 elaboramos um mapa das conexões desses peronagens. O objetivo
desta ilustração, a seguir, é oferecer um panorama mais geral das conexões existentes entre
as pessoas que participaram como maridos e como testemunhas de um subconjunto de 416
casamentos daqueles 4.895 ocorridos na freguesia. Dentre o total de casamentos, foram
mantidos apenas aqueles que contaram com a participação de pelo menos uma dentre as 28
testemunhas previamente selecionadas como as mais recorrentes dentro do universo de
6.702 testemunhas diferentes registradas no total de casamentos. Como consiste em um
mapa de conexões, o gráfico se baseia centralmente em uma combinação de vértices e
linhas (neste caso, setas).
Antes da análise do que o mapa nos revela do ponto de vista da sociabilidade dos
personagens envolvidos, é importante que façamos alguns adendos metodológicos sobre
os mesmos. Os vértices são o conjunto de pessoas que participaram de pelo menos um
destes 416 casamentos analisados, seja na posição de marido, de testemunha ou em ambas.
As linhas indicam quem participou no casamento de quem, saindo do vértice de quem foi
testemunha e chegando ao vértice de quem foi marido em um mesmo enlace. Como cada
cerimônia pode ter até três testemunhas, cada vértice de marido pode receber até três setas.
Caso receba um número maior que este, isso significa que a pessoa participou de mais de
um casamento. 303

302
PIZZARRO, Narcizo. “Regularidad relacional: redes de lugares y reproducción social”. In: Política e
Sociedad, 33: Madrid, 2000, p. 169.
303
O número de setas que aparecem no mapa foi elaborado da seguinte forma: primeiro, criamos as setas das
pessoas que foram “testemunha 1” para os maridos. Foram um total de 416 setas, o que indica que nenhuma
pessoa do subconjunto em análise se casou sem ao menos a presença da primeira testemunha. Em seguida,
as setas das pessoas que foram “testemunha 2” para os maridos. Com um total de 410 setas, isso indica que
apenas 6 casamentos ocorreram sem a presença de uma segunda testemunha. Por fim, as setas das pessoas
que foram “testemunha 3” para os maridos. Neste caso foram apenas 13 setas, demonstrando que apenas 13
casamentos tiveram a presença da “testemunha 3”. Isso culmina em um total de 839 setas ilustradas. O
número de vértices foi calculado a partir do número de setas: todos que apareceram como maridos (416
pessoas, na medida em que são 416 casamentos) e todos que apareceram como testemunhas (374 pessoas,
um número menor que 416 na medida em que uma mesma pessoa pode ser testemunha mais de uma vez)
constituem vértices, totalizando 790 pessoas. Entretanto, o número de vértices é de 774. Isso porque 32 dos
790 nomes correspondem a apenas 16 pessoas, que aparecem em duplicata porque constam nos registros
tanto como maridos quanto como testemunhas.

159
Gráfico 9 - Relações e frequencias entre as testemunhas de casamento mais recorrentes - Freguesia da Candelária (1750-1866)

Fonte: ACMRJ - Registros de Matrimônio Freguesia de Nossa Senhora da Candelária. Livros 6, 7, 8, 9 e 10 (1750 a 1866).

160
Um ajuste adicional precisou ser feito na base de dados em função do cálculo dos
vértices e das setas. Alguns maridos aparecem nos registros com um único nome simples,
por exemplo, como “João”. Isso gera a impressão de estarmos diante da mesma pessoa
várias vezes. Mesmo que possa haver dentre estes casos uma mesma pessoa se casando
mais de uma vez, para efeito de trabalho com os dados optou-se pela adaptação de seus
nomes para diferenciá-los. Assim, o nome de cada marido com a designação simples, sem
sobrenome e repetido foi adaptado para Nome + Registro Chave do casamento, uma
espécie de código numérico único designado para cada nome.
Os vértices foram desenhados para expressar três características adicionais: o
número de vezes que cada pessoa foi testemunha e sua situação jurídica. A primeira
informação foi introduzida como critério para a variação do tamanho do vértice (quanto
mais vezes a pessoa foi testemunha, maior o seu vértice). A situação jurídica foi
diferenciada por meio da variação da cor do vértice. Em geral, testemunhas não têm
informações explicitas sobre a situação jurídica. Desse modo, para que não se confundisse
a identificação de maridos sem identificação com as testemunhas, estas últimas foram
registradas não como “NI” (não informado), mas como “Testemunhas” na definição das
cores. Além disso, as nacionalidades denominadas “espanhol”, “francês”, “inglês”,
“italiano” e “suíço” foram agregadas como “europeus” para facilitar a visualização.
Conforme vemos no Gráfico 9 acima, buscamos identificar os principais
personagens/vértices de modo a destacar suas ocupações e titulações. Como já percebemos
o pertencimento à Irmandade é uma característica comum de praticamente todas as
testemunhas recorrentes. Embora tais personagens possuíssem origens, ocupações e
titulações distintas, fazer parte da Irmandade parece ter sido um fator fundamental para a
projeção social que esses homens tiveram entre seus contemporâneos e companheiros de
religião. Provedores, andadores, mesários, procuradores e irmãos foram convocados
inúmeras vezes para cumprir o papel de testemunha no casamento de homens e mulheres
de diferentes estratos sociais. Definitivamente o pertencimento à Irmandade do Santíssimo
Sacramento da Candelária deve ser considerado tanto como um elemento aglutinador e de
prestígio como fator significante para formação dos pares de testemunha e para a atração
que tais personagens geraram entre os noivos.
No entanto, a partir da visualização do mesmo Gráfico, chama nossa atenção dois
diferentes grupos que aglutinaram numerosas interações em torno de personagens que se
tornam vértices robustos e cuja característica comum foi, além da ocupação de diversos
cargos na Irmandade da Candelária, a semelhança de seus perfis socioeconômico e

161
ocupacional. Estabelecemos desse modo, cores distintas, azul e vermelha, para cada um
dos grupos de interação levando em conta as características comuns em torno de suas
titulações e atividades ocupacionais. Porém, antes de seguir a análise, cabe aqui uma
observação importante em função da presença no referido Gráfico de, na verdade, três
manchas de interação: uma azul e duas vermelhas. Isso se deve a amplitude temporal dos
registros geradores do gráfico. As duas manchas vermelhas referem-se a interações
vinculadas a personagens de mesmo perfil, ou seja, andadores e membros da Irmandade,
porém se distinguem e, portanto, se distanciam espacialmente no Gráfico em função da
diferença temporal de atuação. O grupo vermelho do quadrante superior interagiu entre as
décadas de 40 e 60 do século XIX, e o localizado na parte inferior estabeleceu suas relações
no início do século, entre as décadas de 10 e 30.

5.1. As testemunhas em perspectiva relacional: o grupo dos negociantes.

Diferente das manchas vermelhas, a de cor azul possui entre seus principais
vértices, negociantes que interagiram ao longo da segunda metade do século XVIII.
Embora quase todas as testemunhas recorrentes presentes nesse grupo também tenham
ocupado cargos na Irmandade, de seis, quatro foram provedores, e tinham o título de
capitão, todos os demais foram negociantes na cidade do Rio de Janeiro, com exceção de
João Maciel de Araújo que foi um padre. Aliás, estamos diante de grandes negociantes!
Anacleto Elias da Fonseca, Antônio Gomes Barroso e Braz Carneiro Leão fizeram parte
desse grupo e figuravam entre os mais importantes homens de negócio da praça comercial
do Rio de Janeiro em finais do século XVIII. Homens portugueses poderosos, de grande
cabedal e ligados ao comércio de importação e exportação, esses comerciantes, que se
interconectam na condição de testemunhas de casamentos na Freguesia da Candelária,
foram capazes de estabelecer uma rede de ligações comerciais transcontinentais que
açambarcava contatos não só com outras partes da América portuguesa como também com
a Europa e a África.
Conforme nos lembra Antônio Carlos Jucá, somente a partir do final do século XVII
torna-se mais clara a distinção entre a figura do mercador e a do homem de negócio. Aos
poucos o comércio de “grosso trato” vai sendo identificado aos negociantes e a “praça” se
tornando sinônimo de comunidade mercantil e o locus de ação desses personagens.304

304
SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. Na encruzilhada do Império: hierarquias sociais e conjunturas
econômicas no Rio de Janeiro (c 1650 – c. 1750). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003. pp. 79-80.

162
Embora os grandes homens de negócio só venham a assumir um papel de maior relevância
na capital fluminense a partir do século XVIII, desde o final dos seiscentos já se encontra
consolidada a ideia de que a eles estava reservado o comércio de “grosso trato”, as
transações comerciais que alcançam as dimensões do império português e a participação
como membros da chamada elite colonial”305
Braz Carneiro Leão e seus descendentes compõe esse seleto grupo de operadores
das atividades mercantis. Conforme afirma Nireu Cavalcanti
Muitos negociantes de grosso trato estendiam seu raio de
influência por uma vasta região, fornecendo dinheiro a juros a
vários pequenos comerciantes. O negociante Brás Carneiro Leão,
o mais rico de todos, por exemplo, era um deles. Administrava
diversos negócios ligados à importação e exportação, possuía
engenhos, navios e numerosos imóveis urbanos de grande valor.
Natural do Porto mantinha ligações comerciais no Reino, com as
cidades de Lisboa e sua cidade natal, além de Angola, Benguela,
na África. No Brasil, atuava no Rio de Janeiro, Salvador, Recife,
Vila Rica, Sabará e Serro do Frio, entre outras localidades. 306

O Jornalista e cronista Luiz Edmundo também cita Brás Carneiro Leão como um
dos “notáveis” do comércio em sua obra O Rio de Janeiro nos tempos dos Vice-Reis.
Segundo ele
No governo do Conde de Resende são notáveis do comércio que
floresce, entre outros, Brás Carneiro Leão, Manuel da Costa
Cardoso e José Caetano Alves. É a aristocracia analfabeta do
atacado e do varejo. Cada um deles vale o que pesa, quinhentos
vezes, mil vezes em ouro. Quando não pesa mais. Comércio do
Brasil – negócio da China. Rendimento espantoso, certo; cento por
cento, duzentos por cento, quando calha, trezentos!307

De tão poderosos e articulados internacionalmente, acabaram por estabelecer uma


espécie de cartel no preço dos produtos importados pela cidade, pois ao vincularem-se com
outros negociantes metropolitanos formavam uma “sólida rede que lhes garantia o
privilégio de estabelecer o preço dos produtos vendidos do Rio de Janeiro num patamar
que lhes interessava”.308 O ilustre comerciante não só zelava pela amplitude geográfica de
seus negócios como também pela diversidade de seus investimentos. O setor imobiliário

305
SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. Na encruzilhada do Império: hierarquias sociais e conjunturas
econômicas no Rio de Janeiro (c 1650 – c. 1750). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003. p. 80.
306
CAVALCANTI, Nireu. O Rio de Janeiro setecentista: a vida e a construção da cidade da invasão francesa
até a chegada da Côrte. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. p. 76
307
EDMUNDO, Luís. O Rio de Janeiro no tempo dos Vice-Reis – 1763-1808. Brasília: Senado Federal,
Conselho Editorial, 2000. p. 44
308
CAVALCANTI, Nireu. O Rio de Janeiro setecentista: a vida e a construção da cidade da invasão francesa
até a chegada da Côrte. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. p. 77

163
também contou com parte da fortuna de Brás Carneiro Leão. Um setor, aliás, altamente
concentrado, onde 3,4% do total de proprietários individuais possuíam 20,7% do total de
imóveis urbanos da cidade. Para termos uma ideia, a receita anual proveniente dos aluguéis
referentes aos imóveis desses proprietários, segundo Nireu Cavalcante alcançava a marca
de 131.863$873rs, o equivalente a 42,2% da receita da Alfandega da capitania do Rio de
Janeiro. Brás Carneiro Leão era um desses proprietários. Segundo o autor, o mais bem
sucedido negociante de “grosso trato” a investir no setor. Possuía oito imóveis alugados
que lhes rendiam 2.374$400rs anualmente: uma chácara dotada de palacete na Glória, três
sobrados com dois andares cada e quatro sobrados na Rua Direita, do Sabão, do Rosário e
de trás do Hospício. Todos bem localizados, de ótima qualidade e a maioria na Freguesia
da Candelária.309
A capacidade de um comerciante em diversificar seus investimentos e a sua atuação
comercial no setor de abastecimento e no de importação e exportação, deve ser, segundo
João Fragoso, um atributo fundamental para designá-lo corretamente como um Negociante.
Não por acaso Manolo Florentino destaca entre as trinta e seis maiores fortunas da praça
carioca a presença de sete envolvidas direta ou indiretamente com o tráfico Atlântico de
escravos. Sem nenhuma surpresa vemos figurar dentre as fortunas traficantes citadas pelo
autor a de Brás Carneiro Leão, cujo filho, que também encontramos entre as testemunhas
da Freguesia da Candelária no início do século XIX, atuara no tráfico com a região Congo
– Angola na década de 1810.310
Como vemos, Carneiro Leão, além de importante homem de negócio era também
um dos grandes donos de imóveis da cidade, localizados, aliás, majoritariamente na
Freguesia da Candelária. Mas não só isso. O abastado negociante percorre uma trajetória
exitosa em direção a altíssimas posições de prestígio social por meio da aquisição de
honrarias. Nascido em Portugal em 1723, Carneiro Leão, oriundo de uma família de
lavradores, emigra em 1739 para o Rio de Janeiro e estabelece uma casa de consignações
de importação e exportação. Em 1799 o comerciante é arrolado pelo vice-rei entre os 36
negociantes mais importantes da Praça do Rio de Janeiro e ao morrer, em 1808, possuía as
honrarias de cavaleiro da Ordem de Cristo, fidalgo cavaleiro da Casa Real e Coronel das

309
CAVALCANTI, Nireu. O Rio de Janeiro setecentista: a vida e a construção da cidade da invasão francesa
até a chegada da Côrte. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. p. 276.
310
Florentino também destaca como traço característico da elite traficante carioca a forte participação no
setor imobiliário urbano como forma de diversificar seus investimentos e, desse modo, garantir a segurança
de suas aplicações e auferir maiores taxas de lucro. Cf. FLORENTINO, Manolo. Em costas negras: uma
história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro: séculos XVIII e XIX. São Paulo: Companhia
das Letras, 1977. p.177- 208.

164
Milícias da Freguesia da Candelária. A trajetória de prestigio é delineada também por sua
família, pois sua esposa tornou-se, em 1812, Baronesa de São Salvador de Campos dos
Goitacases, por concessão de D. João VI, e de seus oito filhos, quatro tiveram título de
nobreza e de seus 21 netos, 11 também conquistaram títulos honoríficos.311 Segundo João
Fragoso, seus genros e netos conseguiram figurar entre a elite política nacional, ocupando
cargos de Comendador, Desembargador do Paço, Ministro de Negócios e Conselheiro de
Estado.312
Agia assim, em diversas esferas da vida social, não apenas em função de uma
estratégia puramente econômica e financista com vistas a ampliação e diversificação de
seus investimentos e negócios, mas a partir de uma lógica cuja racionalidade econômica
passava pela estratégia sócio-política de ampliação de influência e clientela. Nesse sentido,
ser um negociante de grosso trato, possuir títulos e honrarias, ocupar cargos de liderança
no interior da Irmandade da Candelária e, ao mesmo tempo, pertencer ao quadro das
testemunhas de casamento mais requisitadas da mesma Freguesia, parece ter sido parte de
uma estratégia ampla de consolidação de sua figura como homem de grande influência,
prestígio e poder.
Antônio Gomes Barroso, outro vértice notável desse grupo, além de figurar entre
os grandes negociantes da praça mercantil carioca era também um dos maiores traficantes
de escravos da cidade. Manolo Florentino demonstra a participação de vários membros da
família Gomez Barroso na condição de sócio aparentado nas expedições negreiras nas
primeiras décadas do século XIX e afirma que das dezesseis maiores empresas
responsáveis por viagens à África, oito era formada por parentes.
Como forma de atender às altas exigências do investimento inicial
para o tráfico, de não dispensar as fortunas e, por fim, de responder
a um mercado onde as operações se baseavam sobretudo na
confiança mútua as grandes empresas eram geridas por parentes –
irmãos e sobrinhos como os Gomes Barrozo (...)313

O autor destaca a natureza familiar da gestão dos negócios dos comerciantes de


almas da cidade do Rio de Janeiro e demonstra o quanto a relação entre os traficantes
extrapolava a dimensão econômica das transações comerciais e se estendiam para o campo

311
FRAGOSO, João Luiz Ribeiro. Homens de Grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil
do Rio de Janeiro (1790-1830). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. p. 354-355.
312
FRAGOSO, João Luiz Ribeiro. Homens de Grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil
do Rio de Janeiro (1790-1830). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. p. 355.
313
FLORENTINO, Manolo. Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de
Janeiro: séculos XVIII e XIX. São Paulo: Companhia das Letras, 1977, p.205. Dissertação (Mestrado em
História) Universidade Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro.

165
pessoal e afetivo. Além das alianças matrimoniais, a trajetória dessas famílias também
demonstra, segundo Florentino, as alianças políticas estabelecidas e a forte ligação com o
Estado como estratégia de sociabilidade. Desse modo, famílias como as de Antônio Gomes
Barroso, ampliavam suas fortunas, se seu raio de ação, influência e prestígio a partir da
proximidade com o poder.
A trajetória de Antônio Gomes Barroso demostra bem tal estratégia: nascido em
Portugal em 1740, vem para o Brasil em 1756, onde já está estabelecido seu tio Pedro
Gomes Barroso. Em 1775 casa-se com D. Ana Clara Rosa de Souza, natural do Rio de
Janeiro, mais especificamente da Freguesia da Candelária, e filha de Francisco Lopes de
Souza, negociante por atacado, e de Clara Rosa Caetana de Faria. Em 1806 adquire o
imenso Engenho de Itaguaí e em 1808 é nomeado Alcaide-Mor da Vila de Itaguay.314 Foi
Provedor da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro entre os anos de 1807 e 1812 e
sucedido, em seguida, por seu irmão João Gomes Barroso. Ainda em 1810, já Coronel de
milícias da Corte, recebeu a comenda da Ordem de Cristo e tornou-se, inclusive, amigo do
Príncipe Regente. Já em 1810 adquiriu o foro de Fidalgo Cavaleiro e em 1811 Antônio
Gomes Barroso foi matriculado como negociante da Praça do Rio de Janeiro e tornou-se
acionista da Companhia de Seguros Dias Barboza, Silva, e Companhia. Entre 1810 e 1814,
consegue a arrematação de 1,5% do contrato dos dízimos da capitania do Rio Grande e São
Pedro do Sul, em parceria com os traficantes de escravos Elias Antônio Lopes, Miguel
Ferreira Gomes e Francisco Xavier Pires.315
Conforme destaca João Fragoso, havia uma forte preocupação por parte dos grandes
negociantes com a conquista de poder e prestígio social que apenas a participação na
atividade mercantil não era capaz de consolidar. Desse modo, a estratégia por parte desses
atores era, por um lado, a busca por aquisição de títulos e, por outro, a inserção no setor
agrário-escravagista. Segundo Fragoso, estamos diante de
(...) comerciantes que, membros de uma elite de negócios,
detinham o monopólio do tráfico e a liquidez da Praça do Rio de
Janeiro. Isto é de empresários que montaram suas fortunas
valendo-se de práticas monopolistas e especulativas, conseguindo
com isso a hegemonia sobre a economia. Em um dado momento,
contudo, revertem parte de suas acumulações mercantis em
fazendas.316
314
MOREIRA, Gustavo Alves Cardoso. Uma família no Império do Brasil: os Cardoso de Itaguaí (um estudo
sobre economia e poder). 2005. Dissertação (Mestrado em História) Universidade Federal Fluminense,
Niterói, Rio de Janeiro.
315
Genealogia feita por António Júlio Limpo Trigueiros link: https://geneall.net/en/forum/160601/familia-
de-manuel-gomes-barroso-e-domingas-da-fonseca-em-torno-de-1740/. Último acesso dia 21/11/2019.
316
FRAGOSO, João Luiz Ribeiro. Homens de Grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil
do Rio de Janeiro (1790-1830). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. p. 362

166
Em uma sociedade onde a estratificação social tinha como base o prestígio e as
relações de poder se transmutavam em relações de produção, o que se pretendia era,
segundo o autor, adquirir status e, ao mesmo tempo, fortalecer suas posições de negócios.
Para além da opção pelo lucro, frente a instabilidade do mercado havia a busca por
aplicações seguras como terra e escravos, base do sistema econômico e das relações sociais
coloniais. Para exemplificar tal comportamento Fragoso cita justamente o caso de Braz
Carneiro Leão e Antônio Gomes Barroso que ao longo de suas trajetórias individuais e
familiares reforçaram e ampliaram seu poder econômico e político usando exatamente tal
expediente.317
O terceiro personagem que vale destacar aqui é Anacleto Elias da Fonseca, natural
de Lisboa, comerciante de grosso trato da Praça Mercantil carioca, era filho de Bernardo
da Fonseca, mercador de fazendas com companhias de negócios no Rio e Janeiro e em
Pernambuco, e sobrinho do negociante Caetano da Costa Fonseca. Não é de se espantar
que tenha iniciado suas atividades mercantis em 1743, ainda em sua terra natal, como
comissário de fazendas. Em 1744 veio para o Rio de Janeiro e, em 1745, casou-se com D.
Joana Maria de Seixas, bisneta do senhor de engenho Sebastião Coelho Amim, descendente
do conquistador Pedro Espinha. Dede o início manteve relações societárias com José da
Costa Pereira, um dos Familiares do Santo Ofício da Colônia de Sacramento. Talvez por
isso, ao longo do tempo, Anacleto tenha se formado como um comerciante de grosso trato
com interesses e vínculos comerciais na região de Sacramento e Rio Grande de São Pedro.
Aliás, sua rede de contatos com outros comerciantes que se tornaram importantes nessa
região é anterior a sua chegada ao Brasil. Quando ainda residia em Lisboa, em 1742, se
habilitou a Familiar do Santo Ofício e dentre as testemunhas arroladas em seu Processo de
Habilitação consta Antônio da Silva Leque, homem também com negócios na Colônia de
Sacramento. Porém, seu contato mais íntimo com Sacramento era com Joaquim José da
Fonseca, seu irmão mais novo, comerciante, morador daquela Praça mercantil e também
familiar do Santo Ofício desde 1753.318
Renato Franco em seu artigo “O privilégio da caridade: comerciantes na Santa Casa
de Misericórdia do Rio de Janeiro” revela que em 1790, Anacleto Elias da Fonseca e Braz
Carneiro Leão, juntos, como irmãos da Misericórdia, arremataram o contrato real de

317
FRAGOSO, João Luiz Ribeiro. Homens de Grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil
do Rio de Janeiro (1790-1830). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. pp. 352-369.
318
PESAVENTO, Fábio. Um pouco antes da corte: a economia do Rio de Janeiro na segunda metade do
Setecentos. Niterói: tese de doutoramento, 2009.

167
dízimos do Rio de Janeiro. A intensa participação dos dois negociantes na Santa Casa
coincide com o aumento da participação do número de negociantes nos principais postos
de mando da instituição identificados pelo autor. Segundo Renato Franco, tal cenário é
revelador da disputa por privilégios na irmandade empreendida por esses homens de
negócio e denota, principalmente, a busca pela consolidação do protagonismo da caridade
institucional na cidade. 319
Anacleto foi mordomo dos presos da Misericórdia320 entre 1780 e 1781, Provedor
entre 1781 e 1790 e definidor do primeiro foro em 1805 e 1806. Braz Carneiro Leão foi
eleitor em 1772, 1783 e 1802, Conselheiro de primeiro foro entre 1774 e 1779 e definidor
de primeiro foro entre 1802-1803 e 1805-1807. Além deles, Antônio Gomes Barroso
também buscou figurar entre os mais ilustres da Santa Casa. Segundo Rento Franco foi
eleitor, conselheiro tesoureiro e provedor entre o final do século XVIII e início do XIX.321
Conforme vimos, a historiografia já analisou um vasto acervo documental acerca
das redes de relações comerciais e familiares empreendidas por esses grandes homens de
negócios do Rio de Janeiro, bem como suas estratégias de negócio vinculadas a tais redes.
Porém, ao que parece, o poder e a influência desses negociantes alcançavam também a
esfera religiosa e cotidiana da cidade de modo que além de estarem bem situados na
hierarquia social, ocupavam cargos de prestígio na Santa Casa de Misericórdia e Irmandade
de N. S. da Candelária e figuravam entre as testemunhas de casamento mais requeridas da
Freguesia. A presença em diversas esferas nos dá a dimensão da amplitude estratégica de
poder desses homens. Diversificar a presença e a atuação ocupacional e institucional, bem
como alargar os círculos de relação social parece ter sido fundamental tanto para a
estratégia de sociabilidade como também de negócios desses personagens. A presença
desses comerciantes na Irmandade na condição de provedor dá bem o tom do prestígio
social que gozavam ao mesmo tempo em que tal posição devia servir como reforço de sua
influência, importância e cabedal. Antônio Gomes Barroso, Braz Carneiro Leão e Anacleto

319
FRANCO, Renato. “O privilégio da caridade: comerciantes na Santa Casa de Misericórdia do Rio de
Janeiro (1750-1822)” In.: SANGLARD, Gisele (et. al) Filantropos da nação: sociedade, saúde e assistência
no Brasil e em Portugal. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2015. pp. 34-37.
320
“Os Mordomos dos presos eram os irmãos da Misericórdia responsáveis pela seleção dos prisioneiros que
poderiam ser socorridos pela instituição. Eles deveriam confirmar o estado de pobreza e desamparo em que
se encontrava o preso e julgar o requerimento daqueles que se dirigiam à Mesa da Santa Casa em busca de
ajuda. O requerente deveria se encontrar há mais de um mês na cadeia e a sua acusação não poderia ser por
dívidas.” Cf. Dicionário Histórico-Biográfico das Ciências da Saúde no Brasil (1832-1930) Casa de Oswaldo
Cruz / Fiocruz – (http://www.dichistoriasaude.coc.fiocruz.br)
321
FRANCO, Renato. “O privilégio da caridade: comerciantes na Santa Casa de Misericórdia do Rio de
Janeiro (1750-1822)” In.: SANGLARD, Gisele (et. al) Filantropos da nação: sociedade, saúde e assistência
no Brasil e em Portugal. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2015. p. 35.

168
da Fonseca foram ao mesmo tempo negociantes de grosso trato, lideranças máximas da
Irmandade da Candelária e, em parceria, testemunhas de dezenas de casamentos celebrados
na mesma Freguesia.
Esses homens, além de exercerem as mesmas ocupações e possuírem as mesmas
patentes, traçaram estratégias pessoais e de negócios muito parecidas e, talvez por isso,
ocuparam, ao longo da vida, praticamente os mesmos espaços de sociabilidade e poder.
Não por acaso se encontraram no espaço eclesiástico da Freguesia da Candelária para
celebração de cerimônias de casamento exercendo a função de testemunhas de alguns
noivos em comum. A mancha azul delimitada no Gráfico 9 acima é mais uma evidência da
proximidade desses homens. Na verdade, parece que tal afinidade no âmbito religioso é
parte integrante e, ao mesmo tempo, coerente com as estratégias de sociabilidade
empreendidas por esses sujeitos.
Ao observarmos a cronologia na aquisição de prestígio, títulos e horarias em suas
trajetórias de mobilidade ascendente ao longo da vida, percebemos que o exercício da
função de testemunha de casamento está presente em distintos momentos. Ou seja, ser
chamado recorrentemente por diversos noivos para cumprir tal função não parece ter sido
um efeito de sua importância e influência, mas parte da estratégia de aquisição e
consolidação permanente de prestígio.
Os registros de matrimônio revelam uma propensão à sociabilidade entre iguais
geradora de um círculo de amizade e de um conjunto de relações de parentesco que precisa
ser levado em consideração. Antônio Gomes Barroso, por exemplo, foi testemunha de
casamento com outros capitães como ele. Seu sogro Francisco Lopes de Souza negociante
e capitão, por exemplo, foi testemunha, em 1775, do casamento do próprio Antônio Gomes
Barroso e, depois, formou par com ele mais outras duas vezes. De acordo com uma
escritura presente no banco de Dados de Maurício de Abreu, Gomes Barroso manteve
contato comercial com Francisco Lopes a partir da venda que este último fez ao primeiro
de uma morada de casas na Rua de São Pedro em 1776.322 Importante destacar também
que, segundo uma escritura do mesmo banco de dados, Francisco Lopes de Souza, assim
com Gomes Barroso, tinha a comenda da Ordem de Cristo.323

322
Escritura do 3º Ofício 1796-06-28 “Escritura de venda de uma morada de casas que faz o Capitão
Francisco Lopes de Souza, como testamenteiro de Dona Rosa Clara de Faria Lemos, ao Capitão Antônio
Gomes Barroso - de sobrado, sita na rua de São Pedro, partindo de uma banda com casas das Religiosas do
Convento de Nossa Senhora da Conceição da Ajuda e da outra com casas do Capitão Custódio José Soares.”
AHU, RJ-Avulsos, Caixa 205, Nº 4.
323
“Escritura de cessão e trespasse de uma morada de casas que faz o Capitão Francisco Lopes de Souza,
professo na Ordem de Cristo, ao Capitão João Álvares da Cunha – térrea, sita no beco dos Quartéis, comprada

169
Já no início do século seguinte, no dia 21 de janeiro de 1801, no Oratório da casa
de Barroso, localizada no bairro do Rio Comprido, ocorreu o casamento da filha de Barroso
com o filho de Francisco Lopes de Souza, um doutor e desembargador, cujas testemunhas
foram, nada mais, nada menos, que José Luís de Castro, o Conde de Resende, e seu filho,
José Benedito de Castro.
Francisco Lopes de Souza não mantinha contato apenas com Antônio Gomes
Barroso, mas também com Braz Carneiro Leão. Em 1775, no casamento do Alferes
português José da Costa Dias com Caterina Maria da Conceição, Francisco Lopes e
Carneiro Leão participaram como testemunha.324
Como testemunha de casamento Antônio Barroso e Braz Carneiro Leão se
encontram em 1784, formando par como testemunha no casamento de José Carlos Pereira
de Souza com Rita de Jesus Vasques de Mendonça. Embora o registro seja muito escasso
de informação não permitindo identificar a patente, a ocupação ou os parentes dos noivos,
tal ocasião é o vestígio que temos do encontro entre esses dois grandes negociantes que,
por sua vez trazem consigo inúmeros outros vínculos com outros pares.
Braz Carneiro Leão por sua vez também encontra com nosso outro grande homem
de negócios: Anacleto Elias da Fonseca. Em 1796, na capela da casa do Capitão Carneiro
Leão, localizada na Freguesia da Glória, o mesmo foi testemunha juntamente com Anacleto
Elias da Fonseca, à época Sargento Mor, no casamento Francisco José de Araújo com Rita
Carneiro da Silva. Um ano depois, encontramos no banco de dados de Maurício de Abreu
uma escritura de cessão de morada de casas na Rua do Rosário feita por Carneiro Leão ao
mesmo Francisco José de Araújo.325 O interessante é que o dito Francisco é genro de um
tenente chamado Possidônio Carneiro, cujo casamento aconteceu quase vinte anos antes e
teve como testemunha o Capitão Braz Carneiro Leão.
O envolvimento com pessoas de mesma qualidade e status que caracterizou esse
grupo pode ser melhor visualizado nos Gráficos a seguir, onde apresentamos esses três

por 366$400 à Santa Casa da Misericórdia, por escritura de 12/12/1799”. AN, 4ON, 116, p. 57
324
Segundo o banco de dados de Maurício de Abreu, o noivo consta em uma “Escritura de composição”
como Alferes. AN, 3ON, 163, p. 144
325
“Escritura de cessão e trespasse de uma morada de casas que fazem o Capitão Brás Carneiro Leão, professo
na Ordem de Cristo, negociante desta praça, e sua mulher Dona Ana Francisca Maciel da Costa aos herdeiros
do Tenente Possidônio Carneiro da Silva, Francisco José de Araújo, por cabeça de sua mulher Dona Rita
Carneiro da Silva, e como tutor do menor Antônio Carneiro da Silva, e como procurador do Tenente Valério
Cordeiro de Oliveira, por cabeça de sua mulher Dona Ana Cordeiro da Silva, Guilherme José Botemar, como
procurador de José Carneiro da Silva, Dona Sebânia(?) Cardoso da Silva, solteira, maior de 14 anos, a
Possidônio Carneiro da Silva – de sobrado, sita na rua do Rosário, comprada ao Doutor Domingos de Freitas
Rangel em 27/3/1789 [3º Ofício].” AN, 2ON, 133, p. 113v - 1797-07-08

170
negociantes na condição de testemunha associados a seus respectivos pares de testemunha
e noivos com a indicação do estatuto jurídico desses últimos. Da esquerda para a direita
observamos o nome da testemunha de referência (Carneiro Leão, Anacleto ou Gomes
Barroso) e, partindo dele, vemos as setas que os vinculam primeiramente ao seu par de
testemunha e, na sequência, ao noivo.

Gráfico 10 - Os noivos e as testemunhas de casamento vinculadas a Braz Carneiro Leão


– Freguesia da Candelária (1750-1866)

Fonte: ACMRJ - Registros de Matrimônio Freguesia de Nossa Senhora da Candelária. Livros 6, 7,


8, 9 e 10 (1750 a 1866).

171
Gráfico 11 - Os noivos e as testemunhas de casamento vinculadas a Antônio Gomes
Barroso – Freguesia da Candelária (1750-1866)

Fonte: ACMRJ - Registros de Matrimônio Freguesia de Nossa Senhora da Candelária. Livros 6, 7,


8, 9 e 10 (1750 a 1866).

Gráfico 12 - Os noivos e as testemunhas de casamento vinculadas a Anacleto Elias da


Fonseca – Freguesia da Candelária (1750-1866)

Fonte: ACMRJ - Registros de Matrimônio Freguesia de Nossa Senhora da Candelária. Livros 6, 7,


8, 9 e 10 (1750 a 1866).

172
Conforme observamos, a preponderância é de vínculos com homens livres por parte
dos três personagens. No entanto, Braz Carneiro Leão e Antônio Gomes Barroso mantêm
conexões exclusivamente com livres. Anacleto Elias da Fonseca, ao contrário, é mais
plural. No gráfico referente a ele observamos que Anacleto foi testemunha de um noivo
forro e de outro escravo. Na verdade, o primeiro casamento em que Anacleto aparece como
testemunha nos registros de casamento da Freguesia da Candelária, ocorreu no oratório de
sua chácara, em dezembro de 1759, por ocasião do casamento de um casal de escravos. Os
cativos, Severino da Fonseca e Hyacinta Maria pertenciam a seu irmão mais novo, Joaquim
Jose da Fonseca. O registro não revela a procedência dos noivos, porém, manifesta a
herança do sobrenome Fonseca adquirida de seu senhor. A presença no casamento de forros
ocorreu alguns anos mais tarde, em 1799 no enlace de Antônio da Luz, ex escravo de
Manoel da Luz Tralharão, e Maria da Conceição, ex escrava de Antônio de Oliveira Braga,
ambos de nação Guiné. Interessante é o fato de Antônio de Oliveira Braga, ex dono da
noiva, ser filho do Capitão e provedor da Irmandade da Candelária Antônio de Oliveira
Durão. O vínculo entre os noivos e a testemunha certamente aconteceu mediado pelo ex
dono da noiva na medida em que Anacleto e Antônio de Oliveira Braga tem a mesma
patente e são membros da mesma irmandade. Além disso, os registros de casamento da
Candelária revelam que anos mais tarde, o filho de Anacleto participa como testemunha do
casamento de outros escravos de Antônio de Oliveira Braga.
Conforme nos lembra João Fragoso, desde o início do período colonial nossas elites
reelaboraram a ideia de “casa” senhorial por meio das práticas costumeiras engendradas na
América. Segundo o autor, para além do poder doméstico exercido pelo do pai de família
sobre sua mulher, filhos e parentela, havia também a prática do apadrinhamento dos
subalternos que os aproximavam e incluíam na unidade doméstica, obrigando-os “às
fidelidades, deveres, mas também aos benefícios que essa inclusão comporta”.326 O
expediente de tal prática consistia no compadrio entre senzalas cujos senhores já haviam
consolidado alianças pretéritas, formando uma “geografia parental” forjada pelo
parentesco ritual entre senhores, clientes e escravos. O produto dessas práticas ao longo do
tempo era a formação de uma “casa” estratificada, porém unida pelo parentesco tanto

326
FRAGOSO, João Luiz Ribeiro, ALMEIDA, Carla Maria de Carvalho, SAMPAIO, Antônio Carlo Jucá.
Conquistadores e negociantes: histórias de elites no Antigo Regime nos Trópicos. América lusa, séculos XVI
e XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 15.

173
consanguíneo quanto fictício entre diferentes atores sociais ciosos de seus deveres e
obrigações de proteção e serviço. 327
No caso da dinâmica na Candelária, a prática do testemunho de casamento pode ter
cumprido o mesmo papel semelhante ao compadrio no sentido observado por Fragoso, na
medida em foi um veículo de diversificação e ampliação de relação entre diferentes estratos
sociais e, ao mesmo tempo de reforço de hierarquias. Conforme vimos, a prática de
testemunhar levou homens de grande cabedal como Anacleto Elias da Fonseca ao contato
direto com homens e mulheres localizados nos níveis sociais mais baixos da hierarquias
social, ao mesmo tempo em que permitiu a esses subalternos acessarem homens de
prestígio e seus espaços de convivência e sociabilidade privada.
Dessa forma se estabelecia um relação clara de reciprocidade ainda que tenhamos
clareza da assimetria dessa interação. Os recursos disponíveis para cada um desses atores
não são equivalentes, no entanto, ambos jogam com os elementos de que dispõe. Para os
escravos e forros que casaram tendo como testemunha um membro da elite carioca fica
reservado um lugar de extremo prestígio frente a seus pares o que lhes permitiu acessar
novos espaços de atuação social e sobretudo criar ou reforçar hierarquias. Já para os
membros da elite que participaram e testemunharam um casamento entre subalternos era
uma excelente oportunidade de reforçar laços de dependências a partir de uma cadeia de
favores e sentimento de gratidão entre os vários atores envolvidos na cerimônia de
casamento e que se estendiam no tempo e no espaço. Podemos dizer, por exemplo, que as
relações de Anacleto Elias da Fonseca e suas redes eram tão vastas em tamanho quanto em
profundidade, pois ao mesmo tempo em que atravessavam o Atlântico alcançavam as
profundezas da hierarquia social. Desse modo, o que se experimentava era o reforço de
toda a lógica própria do Antigo Regime no sentido do reforço das hierarquias e
desigualdade.

5.2. Fragmentos e nós de rede: Antônio Luiz de Andrade e os andadores

Assim como no grupo dos grandes negociantes, a participação na Irmandade da


Candelária, foi uma marca nos outros dois grupos de testemunhas assinalados no Gráfico
9 exposto no início desse capítulo. No entanto, diferente da mancha azul que enquadra
Carneiro Leão, Anacleto e Gomes Barros, nas manchas vermelhas figuram exclusivamente

327
FRAGOSO, João Luiz Ribeiro, ALMEIDA, Carla Maria de Carvalho, SAMPAIO, Antônio Carlo Jucá.
Conquistadores e negociantes: histórias de elites no Antigo Regime nos Trópicos. América lusa, séculos XVI
e XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 111.

174
membros ou trabalhadores da dita Irmandade. Com maior precisão, vemos que dos sete
personagens presentes nesses grupos cinco ocupavam o cargo de Andador. Podemos dizer,
então, que o segundo grande grupo de interação foi o de Andadores.328
A partir daí, foram identificados dois grupos distintos: uma mancha de andadores
na parte superior do Mapa envolvendo João Augusto, Joaquim Campos e Antônio da Costa,
e outro na porção inferior englobando Jozé Cunha, Antônio Luiz de Andrade, Mathias
Ferreira e Cezário José da Silva. Essa distância espacial no gráfico se explica em função
das atuações distintas do ponto de vista temporal dos personagens presentes nelas. O
primeiro grupo atuou entre as décadas de 40 e 60 do século XIX, e o outro mais antigo
entre as décadas de 10 e 30.
Seguiremos nossa análise dando enfoque àqueles personagens sobre os quais foi
possível colher o maior número de informações e rastrear uma quantidade considerável de
vestígios acerca de sua trajetória de vida em corpus documentais que extrapolassem os
registros de casamento coletados. Embora a busca nominal por diversos personagens
ligados a testemunhas investigadas tenha se mostrado frutífera, a partir do próprio banco
de dados de assentos de matrimônio da Candelária, outras fontes foram necessárias para a
captura de mais informações sobre esses sujeitos e seus grupos de relação. Além dos
Banhos de casamento, Inventários Post Morten e Registros de Batismo das testemuhas
outros três conjuntos de documentos foram fundamentais nessa etapa da pesquisa: as atas
e o Compromisso da irmandade de Nossa Senhora da Candelária, o Almanak Laemmert e
os diversos registros de compra e venda de imóveis presentes no Banco dedados da
Estrutura fundiária do Recôncavo da Guanabara entre os século XVII e XVIII construido
e disopnibilizado por Maurício de Abreu.
Ainda assim, sobre a nova geração de andadores da década de quarenta do século
XIX, por exemplo, não foi possível coletar informações robustas sobre a totalidade de seus
“membros”. Sobre Joaquim Campos e Antônio P. da Costa sabemos pouco. No entanto,
sobre João de Medeiros Augusto conseguimos recolher alguns dados que merecem
destaque. Morador da Rua Senhor dos Passos, foi, segundo o Almanak Laemert, além de

328
Ainda poderíamos destacar um quarto grupo formado por padres assíduos atuando em conjunto na
condição de testemunha na segunda metade do XVIII, por vezes tendo como parceiros militares e outros
membros da Igreja. Porém, segundo Antônio Alves Ferreira dos Santos, em seu livro sore a História da
Arquidiocese, nenhum deles exerceu o serviço clerical na Igreja da Candelária entre os séculos XVIII e XIX
e manteve conexões mais amplas e regulares com outros personagens recorrentes presente no banco de dados.
É provável que tenham sido chamados em função de seu cargo e da facilidade do convívio diário com os fiéis
gerado pela natureza do trabalho sacerdotal. No entanto, as atividades pastorais e as interações com os fiéis
daí recorrentes não tiveram como palco, a Igreja da Candelária, mas, talvez, templos de freguesias vizinhas.

175
andador da Candelária, sacristão e escriturário da Igreja de São José, cobrador da Confraria
dos Mártires de São Gonçalo e São José e presidente da Sociedade Protetora dos
Empregados de Igreja na Igreja Senhor dos Passos. Além dele temos também Joaquim
Mariano do Amaral Campos que também foi andador da Candelária, mas, além disso,
provedor da Santa Casa de Misericórdia, consultor na Sociedade Protetora dos Empregados
de Igreja do Rio de Janeiro e aspirante da escola de Marinha do Largo da Prainha.
No grupo mais antigo atuante no início do século XIX temos Antônio Luiz de
Andrade, Mathias Ferreira e José Cunha como andadores e Cesário José da Silva como
irmão e mesário da Irmandade. Dentre esses personagens estão justamente os três homens
que ensejaram boa parte dos questionamentos e curiosidades desse trabalho. Especialmente
Antônio Luiz de Andrade e, em seguida, Mathias e Cesário, foram responsáveis pela
identificação original de que havia algumas pessoas que se repetiam no papel de
testemunha de casamento. A descoberta quanto ao cargo que ocupavam na agremiação só
ocorreu após o acesso ao Arquivo da Irmandade no qual as “Atas” e o “Compromisso” da
mesma estão depositados. O cargo de Andador, em geral, não tem merecido grande
destaque da historiografia se compararmos a atenção que os pesquisadores dão aos
Provedores, tesoureiros e mesários em função do prestígio social associado a tais
ocupações. Porém, ao longo da pesquisa foram se tornando cada vez mais claras as
atribuições do cargo bem como suas dimensões religiosas e sociais.
O livro de “Compromissos e Estatutos da Irmandade do Santíssimo Sacramento da
Candelária”, datado de 1756 e zelosamente transcrito, encadernado e depositado no
Arquivo F.B. Marques Pinheiro da mesma irmandade, traz em seu Capítulo VIII as
informações referentes aos requisitos, atribuições e ao lugar ocupado pelo andador na
agremiação.329 Segundo o documento, esse é um cargo remunerado, subordinado ao
Provedor e à Mesa como um todo e, além disso, franqueado apenas aos irmãos da dita
Irmandade. Como funcionário, o andador, deveria atender a tudo que lhe fosse mandado,
seja pelo provedor ou por qualquer outro membro da Mesa e, fora isso, seu espaço de
atuação e afazeres não se restringiam ao ambiente interno à instituição mas, ao contrário,
iam além de seus limites físicos. De acordo ao Compromisso em seus artigos 52 e 54 do
referido capítulo
O andador desta irmandade deve ser irmão dela, zeloso, e diligente,
deve estar pronto todas as vezes que for Nosso Senhor fora pra ir

329
Arquivo Francisco Batista Marques Pinheiro (AFBMP). Irmandade do Santíssimo Sacramento da
Candelária (ISSC). Compromisso e Estatutos da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária: 1756-
2004.

176
tocar a campainha, e o mesmo para quando houver enterro ou
Procissões, ou outras quaisquer funções da Irmandade, e assistir a
todas para executar tudo que lhe for mandado pelo Provedor, ou
outro qualquer Oficial da Mesa pertencente a dita Irmandade,
assim como procurar a cobrança dos aluguéis das Casas, juros do
dinheiro pertencente não só a Irmandade do Santíssimo, como
também deve ser de conhecida verdade . (...)
O seu lugar quando a Irmandade sair fora, será adiante da Mesa,
imediato ao último irmão dela para estar pronto quando pelo
Provedor ou outro qualquer Oficial for chamado, e nos enterros
levará a Cruz da Irmandade, e nas mais ocasiões que lhe for
determinado pela Mesa, e nesta estará pronto em parte que possa
acudir ao toque da campainha para o que lhe for determinado. 330

Como vemos, a ele cabia tocar o sino a frente da procissão por ocasião das saídas
do Santíssimo e demais procissões litúrgicas, nos enterros era responsável por carregar a
cruz da Irmandade e, pelo visto se esperava que estivesse presente em quaisquer atividades
públicas que contasse com a participação da instituição. Luiz Edmundo descreve com
detalhes uma procissão do Santíssimo Sacramento e faz referência à figura do andador logo
à frente do cortejo cumprindo suas funções.

“Acompanhando a multidão bulhenta, desencabrestada e feliz,


dobramos a Rua de S. Pedro para esperar, no canto da Candelária,
o Santo Viático que marcha. Acompanha-o uma multidão enorme
e respeitosa em massa de muitos metros. À frente do bando está o
andador da irmandade, de opa, e tocha na mão esquerda, noutra a
campainha colossal erguida no ar tranqüilo em toques ritmados.
Blem...Blem...Blem... A seguir vem o cruciferário alçando a cruz
na fieira, seguido de quatro laterneiros com as suas varas de prata,
formados a dois de fundo e, logo, o irmão do turíbulo e os irmãos
do Santíssimo: um, com a sua toalha branca de linho e renda presa
às costas, outro conduzindo a âmbula sagrada com os santos óleos
e a hóstia. Vem então o pálio, e, sob o seu panejamento de seda e
ouro faiscando ao sol, um sacerdote de sobrepeliz e estola branca.
E logo os acólitos e erguendo, um, a caldeirinha de água benta,
outro o vaso da extrema-unção; e as músicas e os soldados das
milícias da terra, por fim, fechando o préstito. Cantam os que vão
marchando, bem como todos que estão pela rua piedosamente de
joelhos e mãos postas, orando por aquela alma que sofre e que vai
desencarnar”.331

Além disso, talvez para fazer jus ao nome do cargo, figuravam entre suas
atribuições, atividades não religiosas como a cobrança de juros e de aluguéis dos inúmeros

330
AFBMP. ISSC. Compromisso e Estatutos da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária: 1756-
2004, CAP. VIII, §52-54.
331
EDMUNDO, Luís. O Rio de Janeiro no tempo dos Vice-Reis – 1763-1808. Brasília: Senado Federal,
Conselho Editorial, 2000, p. 46.

177
imóveis pertencentes à Irmandade em toda a cidade, o que provavelmente lhe rendia boas
e longas caminhadas periódicas. É, portanto, uma figura de destaque nos rituais públicos
da Irmandade e, embora não seja um cargo da cúpula da instituição, talvez seja o
personagem de maior evidência perante o público em geral e não religioso. O cargo lhe
confere uma um trânsito constante entre a população em geral e uma notoriedade,
sobretudo no ambiente não eclesiástico.
Willian de Souza Martins em seu livro “Membros do Corpo Místico” sobre as
Ordens Terceiras no Rio de Janeiro ao longo dos séculos XVIII e XIX menciona, dentre os
diversos cargos previstos no Estatuto da Ordem de 1657, a função de andador.332 Segundo
o autor, no interior da associação carmelita, o ocupante de tal função era o único
funcionário assalariado e recrutado fora dos quadros internos da associação. Assim como
o ocupante do mesmo cargo na Candelária, ele desempenhava uma série de atividades:
além da obrigação de preparar a cerimônia dos enterros de irmãos sepultados na capela da
Ordem, “ele tinha a incumbência de informar a todos os irmãos sobre o funeral de algum
membro da Ordem ou da Religião do Carmo, e sobre os exercícios espirituais de preceito,
de modo que todos comparecessem às cerimônias”333. O que chama atenção no caso dos
andadores da Ordem Terceira é o fato de o sujeito ocupante de tal cargo estar
exclusivamente voltado para as atividades internas à associação, diferente do que ocorria
com esses mesmos funcionários na Candelária, sua congênere vizinha. Além disso, tal
empregado era recrutado na Ordem, segundo o autor, a partir do seguinte requisito: ser
homem cristão-velho, “limpo de geração”. No caso da Candelária não há uma referência
explicita a condições dessa natureza.
Esses personagens têm seu espaço de vivência e atuação ocupacional absolutamente
circunscrito ao ambiente religioso. A exceção do Almanak Laemmert, todas as informações
coletadas sobre eles tiveram origem nos próprios registros de casamento e da Irmandade
ou em documentos pessoais como Registro de Óbito ou inventário. E, além disso, em
nenhum desses documentos houve referência à alguma outra atividade ocupacional
exercida por eles que não fosse a de Andador.
Do ponto de vista do estatuto jurídico dos noivos com quem Antônio esteve
envolvido o perfil foi bastante eclético. Encontramos desde livres portugueses, passando

332
MARTINS, Willian de Souza. Membros do Corpo Místico: Ordens Terceiras no Rio de Janeiro (c.1700-
1822). São Paulo: editora da Universidade de São Paulo, 2009. pp. 149-152.
333
MARTINS, Willian de Souza. Membros do Corpo Místico: Ordens Terceiras no Rio de Janeiro (c.1700-
1822). São Paulo: editora da Universidade de São Paulo, 2009. p.150.

178
por forros e escravos. Observando o Gráfico a seguir, vemos o quanto as setas que partem
de Antônio chegam a casais com estatuto jurídico muito mais diversos se o comparamos
com os negociantes observados anteriormente.

Gráfico 13 - Os noivos e as testemunhas de casamento vinculadas a Antônio Luiz de


Andrade – Freguesia da Candelária (1750-1866)

Fonte: ACMRJ - Registros de Matrimônio Freguesia de Nossa Senhora da Candelária. Livros 6, 7,


8, 9 e 10 (1750 a 1866).

Antônio Luiz de Andrade aparece pela primeira vez no banco de dados dos
casamentos na Candelária em abril de 1761, sendo testemunha do matrimônio de um
escravo com uma forra. Só aparecerá no banco de dados novamente em setembro de 1779,
18 anos depois, como testemunha de casamento de um português com uma moradora da
Freguesia da Candelária. O interessante neste caso é que o enlace acontece na capela das
casas do reverendo doutor vigário geral – segunda pessoas após o bispo – e juiz dos
casamentos Francisco Gomes Vilas Boas, que também estava presente ao casamento. A
outra testemunha também é um importante padre que reaparece celebrando vários outros
casamentos: Alexandre Fidele de Araujo.334

334
ACMRJ. Registros de Matrimônio Freguesia de Nossa Senhora da Candelária, Livro 8.

179
Em outubro de 1815 Antônio Luiz de Andrade reaparece em dois casamentos, um
no dia 01 e outro no dia 19. No primeiro tratava-se do casamento de dois escravos, ambos
de nação cabinda, pertencentes ao mesmo dono. Nesta cerimônia Antônio Luiz de Andrade
teve como par a testemunha Manuel José da Costa que, nos documentos da Irmandade,
aparece como ex-procurador em 1800. No outro casamento neste mesmo ano, os noivos
pertenciam a outra ponta da escala social: envolvendo dois portugueses, Dona Carlota
Joana de Castro e Augusto José de Carvalho, “moço da câmara do príncipe regente e
primeiro tenente da armada real”. O casamento ocorreu na Rua do Ouvidor no oratório da
casa do pai da noiva, o português e chefe da esquadra, Bernardino José de Castro. Aqui
cabe uma observação de que o pai da noiva e dono da casa, o dito Bernardino, foi par com
Antônio Luiz de Andrade como testemunha da cerimônia.335
Porém no período anterior que vai de 1817 a 1820, Antônio participou
majoritariamente de casamentos envolvendo casais de escravos sem, no entanto, manter
regularidade com nenhuma outra testemunha. Em 1820, Antônio serve como testemunha
de um casamento entre forros cujo ex-proprietário da noiva foi Antônio José Serra, que
consta na documentação da Irmandade da Candelária como seu membro entre 1807 e
1808.336
O que chama atenção nesses casos é o fato dos noivos, todos africanos, em cada
uma das cerimônias, pertencerem aos mesmos donos, todos homens de prestígio. O
Tenente Coronel José Caetano Marques, o Capitão de Fragata José Pedro Marcelino e o
doutor Francisco Joaquim de Azeredo. Sobre esse último há um artigo publicado na Revista
do IHGB dedicado exclusivamente a sua pessoa. De acordo com o artigo, o doutor
Francisco Joaquim de Azeredo ocupou o cargo de “médico da Câmara Real” e depois da
“câmara Imperial” e dispensou cuidados médicos com inúmeros membros da família
real.337 Vemos, portanto, que embora Antônio Luiz de Andrade na condição de testemunha
tenha participado de enlaces envolvendo noivos dos mais diversos estratos sociais, manteve

335
ACMRJ. Registros de Matrimônio Freguesia de Nossa Senhora da Candelária, Livro 9.
336
ACMRJ. Registros de Matrimônio Freguesia de Nossa Senhora da Candelária, Livro 9.
337
“Decorridos cerca de dois anos após a transferência da corte portuguesa para o Brasil, o então Príncipe
Regente e futuro Rei D. João VI nomeia-o, por Alvará de 20 de dezembro de 1809, médico efetivo da Real
Câmara. (...) Um documento manuscrito, existente no Arquivo Histórico do Museu Imperial, em Petrópolis,
elenca Francisco Joaquim de Azeredo como médico efetivo da Imperial Câmara no reinado de D. Pedro I e
médico honorário no reinado de D. Pedro II (Lacerda, 1888; Vasconcelos, 1964). O pouco que se conhece
relativamente à atividade de Azeredo como médico e ‘clínico de cabeceira’ reporta-se essencialmente ao
período do Primeiro Reinado (1822-1831). Nesse âmbito, convive no paço com a família imperial e na corte
relaciona-se com proeminentes membros da aristocracia, do governo e das elites.” Cf.: COSTA, Júlio Manuel
Rodrigues. Um esculápio brasileiro ignorado: contributo para um itinerário biográfico de Francisco Joaquim
de Azeredo (1768-1855) Revista IHGB, Rio de Janeiro, a. 178(477): 15-44, maio/ago. 2018, pp.26-27.

180
de alguma forma recorrente contato com pessoas prestigiosas, fosse através das demais
testemunhas que o acompanharam, fosse na figura dos noivos e seus parentes ou, no caso
de nubentes escravos e forros através de relações com seus donos ou ex donos.
Em um casamento ocorrido especificamente em junho de 1818, envolvendo os
escravos João Cassange e Maria Carozá, Mathias Gonçalves Ferreira, um de nossos
personagens andadores, aparece pela primeira vez como seu parceiro na condição de
testemunha o que, aliás, irá se repetir por mais seis vezes. Porém, antes de mergulharmos
nos registros em que Antônio e Mathias ocuparam juntos a função de testemunhas, vale
destacar quem era o dono desse casal de escravos cuja cerimônia contou com a presença
dos dois juntos pela primeira vez: João Prestes de Mello. Esse homem também não fazia
parte da irmandade, mas, segundo um registro presente na Revista do IHGB, foi um mestre
escrivão dos armazéns reais. Em despacho de 31 de Julho de 1788 João Prestes de Mello
assina requisitado por Bernardino José de Castro, este último chefe de esquadra citado
anteriormente como pai de uma noiva e testemunha de um casamento frequentado por
Antônio Luz de Andrade.338
Entre 1819 e 1820, Antônio serve como testemunha no enlace de cinco casais de
forros. Dos ex donos desses casais conseguimos recolher informações que se tratava de um
pequeno comerciante, Manoel da Costa Vieira lojista de fazenda seca na Rua da Lapa até
1784339; o outro era o já citado membro da Irmandade da Candelária, Antônio José Serra,
constante na documentação da Irmandade da Candelária como membro entre 1807 e 1808.
Mas o curioso é que dentre as testemunhas envolvidas nesses cinco casamentos, além do
próprio Antônio Luiz de Andrade, em um tivemos um padre, Joaquim José Soares, e em
outros dois um membro da Irmandade, o nosso personagem Mathias Gonçalves Ferreira.
Entre 1821 e 1824, Antônio Luiz de Andrade testemunha outros nove casamentos. No
primeiro deles, envolvendo um casal de livres, Antônio também tem Mathias Gonçalves
Ferreira como seu par. O segundo envolve novamente um casal de escravos, o terceiro de
portugueses, cujo noivo era filho de capitão e já em 1823, dentre os casamentos que
Antônio participa um deles envolve um casal de forros, cuja dupla de testemunha foi,
novamente, Mathias Gonçalves Ferreira.

338
Revista trimestral de História e Geografia ou Jornal do Instituto Histórico e Geográfico brasileiro. N°9
Primeiro Trimestre de 1848, p.238.
339
“Escritura de composição, ajuste e distrato de sociedade que faz João Carneiro da Silva com Manoel da
Costa Vieira - sociedade de fazenda seca em uma loja que tem na rua de Nossa Senhora da Lapa” - 1784-10-
08 - AN, 2ON, 115, p. 19v.

181
Conforme vimos até aqui, Antônio circula por diversas camadas e estratos sociais,
porém, os casamentos com os quais esteve implicado como testemunha envolveram
frequentemente membros da Igreja ou da Irmandade. Nesse sentido, estamos diante de um
personagem que embora provavelmente frequentasse os diversos cantos da freguesia e da
cidade em função de sua ocupação, forjava suas relações preferencialmente com membros
direta ou indiretamente vinculados à Igreja. Talvez isso se desse pelo fato de que, embora
ele fosse um assalariado da Irmandade, a sua ocupação não era eminentemente secular.
Mesmo quando não executava funções estritamente religiosas, ele atuava representando a
irmandade que era uma associação religiosa.
Em 1818, ano em que Antônio Luiz de Andrade e Mathias Gonçalves Ferreira se
cruzaram pela primeira vez como testemunha de casamento, Antônio já era funcionário da
Irmandade da Candelária, mas Mathias ainda não. O primeiro documento que faz menção
ao nome de Antônio Luiz de Andrade na dita irmandade é o livro de Atas com um
requerimento de 20 de outubro de 1818 do próprio Antônio, já na condição de sacristão,
solicitando que fosse admitido como Capelão da mesma irmandade.340 Bluteau em seu
vocabulário português e latino traz na parte complementar de A-L, a origem do termo
capelão. Segundo o autor esse era um título secular atribuído àquele que tinha a guarda dos
bens da capela. Depois, a partir do século VI, tal denominação passa a ser dada aos
sacerdotes e acaba tornando-se quase que exclusivo destes. 341 Desse modo, é provável que
a Irmandade tenha criado cargos honoríficos para distinguir seus membros no
acompanhamento do Santíssimo chamando-os de Capelão no sentido original da palavra
para distinguir aqueles que guardavam os interesses da capela, notadamente os seus bens.
Tal situação reforça o prestígio de Antônio Luiz de Andrade junto à instituição e amplia
nossa percepção acerca dos recursos dos quais ele podia lançar mão em suas relações.Não
foi possível identificar desde quando Antônio ocupava o cargo de sacristão, mas o fato é
que sua solicitação foi aceita e daí por diante ele seguiu até o fim da vida servindo a
Irmandade evoluindo em uma trajetória ascendente em termos de mobilidade ocupacional.
Mathias Gonçalves Ferreira por sua vez só foi contratado pela Irmandade como
sacristão em 1825,342 ano em que Antônio deixou de ser capelão e assumiu a função de

340
AFBMP. ISSC. Atas da Mesa Administrativa da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Freguesia de
Nossa Senhora da Candelária. jun.1775-out.1834, vol.2. p. 124.
341
BLUTEAU, Rafael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico, architectonico ... Coimbra:
Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712 - 1728. 8 v.
342
AFBMP. ISSC. Atas da Mesa Administrativa da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Freguesia de
Nossa Senhora da Candelária. jun.1775-out.1834, vol.2. p. 161 e 169

182
andador.343 No entanto, conforme vimos, desde 1818 ambos já se conheciam, pois foram
testemunhas juntos e, desde então, puderam reforçar seus vínculos reiterando, nos anos
subsequentes, a presença em parceria em inúmeros casamentos. Não por acaso, oito anos
depois de se cruzarem pela primeira vez como testemunha, em 1826, Antônio Luiz de
Andrade, após pedir aumento de ordenado,344 sugere a contratação de mais um andador
para lhe auxiliar nas tarefas exigidas pela Irmandade e propõe o nome de Mathias para
cumprir tal função.345 Conforme exposto no capítulo 2, a solicitação de Antônio é
prontamente aceita e a partir desse ano Mathias deixa de ser sacristão e passa a figurar na
documentação como 2° Andador enquanto Antônio é nomeado como 1°. 346
O Gráfico 14, a seguir, nos mostra que Mathias participa como testemunha de
cerimônias de casamento envolvendo majoritariamente casais escravos e forros.347

Gráfico 14 - Os noivos e as testemunhas de casamento vinculadas a Mathias Gonçalves


Ferreira– Freguesia da Candelária (1750-1866)

Fonte: ACMRJ - Registros de Matrimônio Freguesia de Nossa Senhora da Candelária. Livros 6, 7,


8, 9 e 10 (1750 a 1866).

343
AFBMP. ISSC. Atas da Mesa Administrativa da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Freguesia de
Nossa Senhora da Candelária. jun.1775-out.1834, vol.2. p.153.
344
AFBMP. ISSC. Atas da Mesa Administrativa da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Freguesia de
Nossa Senhora da Candelária. jun.1775-out.1834, vol.2. p.153.
345
AFBMP. ISSC. Atas da Mesa Administrativa da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Freguesia de
Nossa Senhora da Candelária. jun.1775-out.1834, vol.2. p. 169.
346
AFBMP. ISSC. Atas da Mesa Administrativa da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Freguesia de
Nossa Senhora da Candelária. jun.1775-out.1834, vol.2. pp.185v-186v.
347
Os casais informados como NI em função da presença de até dois sobrenomes em seus nomes, são
provavelmente, livres.

183
Conforme podemos averiguar a partir de seu Inventário, Mathias casou-se com Rita
Jaoquina de Souza Ferreira e com ela teve oito filhos. Antes da morte, já viúvo, nomeou
seu filho mais velho como inventariante, porém este não conseguiu dar prosseguimento ao
Inventário após a morte do pai em 1864, em função da ausência de um de seus filhos,
Mathias Gonçalves Ferreira Junior. Por esse motivo, boa parte do inventário é composto
pelo material resultante de declarações de testemunhas que atestam a ausência de seu filho.
O que chama atenção nesse caso é que todos são identificados como comerciantes e se
referem ao filho de Mathias como negociante também.348
De todo modo, de acordo às informações que temos disponíveis, tanto Antônio
quanto Mathias começaram a testemunhar casamentos de forma reiterada antes de suas
respectivas contratações por parte da irmandade. Sendo assim, parece não haver uma
relação causal entre ser andador e, em seguida, passar a ser solicitado como testemunha de
casamento. Na verdade parece que ser testemunha recorrente foi parte de um processo mais
amplo de mobilidade social que teve como locus principal o espaço da Irmandade e os
vínculos e relações sociais forjadas em seu interior e por meio dela.
Em 1824, um ano antes de ser contratado como Andador, mas já capelão, Antônio
Luiz de Andrade participa como testemunha do casamento de outro personagem recorrente
em nosso grupo de Andadores: Cesário José da Silva. O registro da cerimônia nos mostra
que o pai de Cesário foi Thomé Jozé da Silva, e os registros da Irmandade, por sua vez, nos
revelam que Thomé foi “Administrador da Obra” na Irmandade durante vários anos, de
1794 a 1796.349 Porém, o mais interessante da relação entre ambos só é plenamente
revelado a partir das informações contidas no Inventário de Antônio Luiz de Andrade, do
ano de 1837, no qual encontramos o translado de seu testamento.350 Nele Cesário José da
Silva é identificado como compadre de Antônio e indicado como tutor de suas duas filhas
mais novas, fruto de seu primeiro casamento. As duas meninas de nome Rita Josefina e
Luiza Antônio tem, respectivamente, treze e doze anos. Logo, fazendo a conta retroativa,
da diferença entre a idade das crianças e o ano da morte de Antônio, Cesário foi padrinho
de batismo de sua filha mais velha em 1824. Nesse ano, Antônio participava como
testemunha do casamento de Cesário.

348
AN. Inventários Post Mortem: Mathias Gonçalves Ferreira – Juizo de Órfãos Ausentes - ZN, N° 04/Cx
3639/Ano 1864.
349
AFBMP. ISSC. Atas da Mesa Administrativa da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Freguesia de
Nossa Senhora da Candelária. jun.1775-out.1834, vol.1 e 2. Atas nº 39, 41, 43, 45 e 46.
350
AN. Inventários Post Mortem: Antônio Luiz de Andrade – Juizo de Órfãos Ausentes - ZN, N° 3857/ Cx.
912/ Galeria A/ Ano 1837.

184
Ao morrer, em 1845, Cesário deixou três filhos naturais de uma mulher com quem
se relacionou antes de casar com Miquelina Maria de Jesus, sua inventariante.351 Também
deixou como bens quatro escravos, farta mobília, roupa e louças, além de uma casa térrea
na Rua do Príncipe, n° 37 e uma casa de dois sobrados com três portas, sendo uma delas
mais larga para a loja, na Rua do Sabão n°19. Desse modo, tudo indica que se tornou um
freguês e pequeno comerciante da Freguesia da Candelária. Não foi possível precisar desde
quando Cesário possuía loja ou se efetivamente trabalhava nela. De acordo aos registros da
Irmandade atuou na agremiação entre os anos de 1825 e 1826352 e, a partir de nossos
registros de casamento sabemos que participou como testemunha até 1830. Caso tenha se
tornado dono de venda no centro comercial do Rio de Janeiro ao longo desse período, pôde
usufruir da visibilidade que o comércio dá e, ao mesmo tempo, ampliar e consolidar seu
prestígio frente a sua clientela.
O período em que Antônio e Mathias foram testemunhas juntos em inúmeros
casamentos talvez deva ser entendido como o meio de um processo longo de tessitura de
laços e relações. Os vínculos começaram a ser construídos antes da “temporada” de
parceria de casamentos, se iniciaram a partir de laços de amizade e compadrio,
consolidaram-se no ambiente da irmandade e tornaram-se públicos nos casamentos.
Ao recompor, em parte, a trajetória familiar de Antônio Luiz de Andrade a partir
das informações contidas em seu registro de casamento e óbito353, bem como dos registros
equivalentes de sua mãe, e avós, a proximidade com o ambiente religioso torna-se nítida.
Antônio foi neto de Ana Maria Joaquina354 e do licenciado Cirurgião José Luiz Marmeleiro
e teve um tio avô religioso franciscano chamado Francisco de Santa Eulália. Por volta de
1790, segundo uma escritura publicada no Banco de Dados de Maurício de Abreu, seus
avós participam de uma permuta de uma morada de casas na Rua de São Pedro com a
Irmandade da Candelária, o que já mostra algum nível de interação com a instituição.355

351
AN. Inventário Post Mortem de Cesário José da Silva - Vara Cível do Rio de Janeiro, 1/N° 8147/Maço
422/ Ano 1845.
352
AFBMP. ISSC. Atas da Mesa Administrativa da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Freguesia de
Nossa Senhora da Candelária. jun.1775-out.1834, vol. 2. Atas nº 214-220 e 225-226.
353
Óbito: Antônio Luiz de Andrade – Livro de Óbitos N° 15, 1809-1838, p. 240v.
354
ACMRJ. Óbito: Ana Maria Joaquina – Livros de Óbitos AP 0157, 1790-1797, p. 116
355
“Escritura de permuta de duas moradas de casas que fazem a Irmandade do Santíssimo Sacramento de
Nossa Senhora da Candelária com o reverendo cônego Doutor João Pinto Rodrigues – A Irmandade troca
uma morada de casas sita na rua da Alfândega [entre a rua dos Ourives e a da Vala], comprada a Ana Maria
Joaquina, viúva de José Luiz Marmeleiro, em 21/2/1790 por uma morada de casas sita [na rua de São Pedro,
esquina de ...]. Os dois prédios são trocados pelo mesmo valor: 1:208$500 [Escritura original do 3º Ofício] -
1790-06-05 - Marques Pinheiro, A irmandade do Santíssimo Sacramento de N. S. da Candelária, pp. 81-82
- Banco de dados Maurício de Abreu.

185
Sua mãe, Theodora Joaquina Angélica se autodeclarou solteira em seu testamento.356
Moradora da Rua da Vala era natural e foi batizada na Freguesia da Candelária. Ao morrer,
a mãe de Antônio deixa bens que são herdados por ele: “huma morada de cazas terreas de
duas portas forradas e assualhadas sitas na rua da Valla (...) assim mais dois escravos de
nome Julianno, e Narciza ambos crioulos e Irmãos”.357
Em seu óbito consta que foi encomendada de Licença, amortalhada em hábito de
Santo Antônio, e sepultada na Igreja do Convento do mesmo Santo. Tais informações
demonstram não só uma proximidade geográfica com a Freguesia da Candelária como um
vínculo e um prestígio social pela forma como foi sepultada.
Para Antônio Luiz de Andrade, portanto, a Irmandade no contexto de sua história
familiar tinha uma dupla dimensão, era uma das faces do ambiente religioso já bastante
familiar, cuja família já transitava há pelo menos duas gerações, e era também o lugar das
múltiplas possibilidades de relações externas por conta do contato com os demais membros
e em função das atribuições inerentes aos cargos que assumiram.

356
ACMRJ. Óbito: Theodora Joaquina Angélica – Livro de Óbitos Freguesia de Sacramento, N° (?), 1797,
pp. 181-182
357
ACMRJ. Óbito: Theodora Joaquina Angélica – Livro de Óbitos Freguesia de Sacramento, N° (?), 1797,
pp. 181-182

186
Figura 3 - Árvore Genealógica de Antônio Luiz de Andrade

187
A partir do exposto podemos afirmar que Antônio Luiz de Andrade, Mathias
Gonçalves Ferreira e Cesário José da Silva bem com Braz Carneiro Leão, Anacleto Elias
da Fonseca e Antônio Gomes Barroso foram homens que desempenharam, ao logo de suas
vidas, diversos papéis sociais nos diferentes grupos com os quais conviveram e, a partir
das interações que estabeleceram, passaram a ter contato com diversas cadeias de
interdependência. Sabemos que alguns indivíduos, dependendo da posição social que
ocupam nos diferentes espaços em que atuam, acabam se tornando pontos de interseção
relacional em meio aos inúmeros fios do tecido social gerados pelas várias conexões,
reciprocidades e entrelaçamentos que deles partem e que, ao mesmo tempo, a eles chega.
Por isso também podemos inferir que estamos diante de personagens que estiveram
constantemente situados em pontos de cruzamento dos círculos sociais e, desse modo,
cumpriram o papel de um nó ou de um entroncamento entre diferentes fragmentos de redes
relacionais.
Como andadores, Antônio Luiz de Andrade e Mathias Ferreira provavelmente
tiveram uma forte participação no dia-a-dia da Freguesia da Candelária em função das
atribuições inerentes ao cargo. Não por acaso, vimos, de acordo com o que nos revelam os
registros de casamento da dita freguesia, como esses personagens viveram de forma
igualmente intensa e reiterada o cotidiano paroquial na condição de testemunha de
casamento, sobretudo Antônio. O cargo da irmandade os aproximava do mercado
imobiliário da freguesia na condição de cobradores de aluguéis. Como demonstramos no
capítulo 3, Cesário José possuía uma casa na Rua do Sabão 19 que devia décima urbana à
Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária. O entrecruzamento de direitos que a
irmandade tinha sobre os imóveis da freguesia poderia ter levado Antônio e Mathias a
pleitearem favores à irmandade em nome de seus próximos. Se levarmos em consideração
o crescimento da população da cidade a partir de 1808, a demanda por imóveis de habitação
deve ter se ampliado, o que para os setores mais subalternos a que ambos serviram como
testemunhas pode ter representado um importante capital relacional na busca por moradia,
ao mesmo tempo que aumentava o poder de influência dos andadores.
Não restam dúvidas de que um elemento está relacionado ao outro, ou seja, a
natureza do cargo de andador da Irmandade e as atividades inerentes a ela geraram
visibilidade e prestígio para esses homens ao mesmo tempo em que os tornaram acessíveis
a uma parcela da população mais pobre. Além disso, a cada recorrência do convite para
testemunhar, o que esses personagens experimentavam era a reiteração de sua visibilidade
e prestígio.

188
O fato desses andadores pertencerem a um grupo “intermediário” do ponto de vista
socioeconômico também os aproximaria mais de escravos e forros e, portanto, as relações
construídas a partir dos casamentos seriam vantajosas e possíveis para ambos os lados. Por
parte dos noivos, convidar esses personagens para compor o quadro de testemunhas de seus
casamentos os inseria ou confirmava suas posições em uma malha relacional da qual talvez
não tivessem acesso cotidianamente. A escolha dessas testemunhas, talvez indique a
necessidade que esses noivos tinham de criar vínculos e solidariedades e, sobretudo, a
percepção de que a escolha de determinadas pessoas cumprindo essa função poderia ser
uma forma privilegiada para inserção numa rede social que, até então, ainda não lhes estava
disponível. Esses homens e mulheres talvez estivessem diante da primeira oportunidade de
conseguir, por meio do casamento, mais um “parente” além do cônjuge. A testemunha,
portanto, poderia ser uma terceira pessoa potencialmente capaz de lançá-los para o interior
de uma malha muito maior que a formada por um casal com pouco ou nenhum parente,
exercendo uma função agregadora e de socialização.
Tanto nos casos dos andadores como dos comerciantes, o comportamento revelado
pelo convite e pela pratica do testemunho de casamentos deve ser entendido no contexto
de uma sociedade altamente desigual e estratificada, na qual a posição hierárquica ocupada
pelos sujeitos dependia diretamente das práticas costumeiras relacionadas a formação de
redes clientelares, geradas pelo acúmulo de vínculos sociais e parentais. Estabelecer
relações de reciprocidade com os estratos subalternos como lavradores, escravos, forros e
índios, tinha como objetivo a ampliação das redes clientelares, a cumplicidade de outros
estratos socais e, por conseguinte, o aumento da capacidade de mando desses grupos e a
legitimação da própria hierarquia social. 358
A lógica de criação de clientela por meio da construção de vínculos parentais
putativos estava disseminada pelo tecido social. Sendo assim, mesmo na condição de
homem livre com alguma distinção social – Negociante, provedor e andador da Irmandade,
Padre ou empregado da corte – poderia ser interessante aceitar cumprir a função de
testemunha nas cerimônias de casamento de inúmeros subalternos, tendo em vista a
possível criação de clientes que, em última instância estariam reforçando seu prestígio
social.

358
FRAGOSO, João. “Fidalgos e parentes de pretos: notas sobre a nobreza principal da terra do Rio de Janeiro
(1600-1750). In: FRAGOSO, João. ALMEIDA, Carla. SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. (Orgs.)
Conquistadores e negociantes: histórias de elites no Antigo Regime nos trópicos. América lusa, séculos XVI
a XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p.69.

189
O que antes eram simples repetições de homens ocupando recorrentemente a função
de testemunha se transformou, conforme vimos nesse capítulo, em um mapa onde
buscamos abordar e visualizar tais recorrências em uma perspectiva relacional. Em uma
sociedade onde impera a lógica da reciprocidade e, ao mesmo tempo está profundamente
arraigada à necessidade de reiteração e respeito à hierarquia e as diferenças, reina uma
espécie de economia de favores entre iguais e desiguais. Nesse sentido, o prestígio social
está vinculado ao status e a capacidade de dispor de recursos não necessariamente
monetários, e desse modo, ter a capacidade de conectar e vincular pessoas e grupos em
uma cadeia de interdependência é de grande valor.
De alguma forma, tanto o grupo dos negociantes quanto o dos andadores,
cumpriram a função de intermediários sociais e, para ambos os grupos fazer parte da
irmandade foi um fator de projeção que, aliado à ocupação e a qualidade dos casais,
proprietários ou testemunhas com quem estavam envolvidos, ampliou a visibilidade e a
procura por eles. A reiteração cumprindo o papel de testemunha acabou por reforçar e até
ampliar o prestígio desses personagens.

190
Conclusão

Esperamos que o esforço de investigação empreendido nesse trabalho, ao longo de


alguns anos de pesquisas, tenha contribuído para trazer à tona, para o primeiro plano da
pesquisa histórica acerca da sociabilidade das comunidades do passado, a figura das
testemunhas.
Aos poucos, a investigação debruçada sobre a simples repetições de homens
ocupando recorrentemente a função de testemunha de casamento gerou, após a
identificação dos diversos laços que chegavam e partiam desses personagens, um mapa de
conexões. É importante frisar que os Registros paroquiais e especialmente os de casamento
utilizados como base do trabalho, mostraram-se preciosos depositórios de informação
acerca dos atores sociais envolvidos e, além disso, um rico ponto de partida para uma
sequência de novas pesquisas não apenas sobre os noivos, mas também sobre seus
familiares, senhores, ex-senhores, testemunhas e até celebrantes.
Para abordar e visualizar tais vínculos e recorrências em uma perspectiva relacional,
a atuação da pesquisa foi orientada em dois sentidos: o primeiro em direção ao
levantamento do maior número de informações possíveis sobre esses personagens de forma
a traçar um perfil socioeconômico dos mesmos; o segundo sentido, complementar e
dependente do primeiro, seguiu em direção a apuração das diversas conexões dessas
testemunhas de forma a identificar os tipos, frequência e intensidade dos laços
estabelecidos por eles. Um procedimento fundamental, nesse sentido, foi o cruzamento das
primeiras informações garimpadas nos próprios registros de casamento com outras fontes
paroquiais e cartorárias o que permitiu reconstituir minimamente parte das histórias de vida
de alguns desses personagens.
A investigação desses personagens a partir de seus nomes mostrou um perfil
variado do ponto de vista socioeconômico. Para nossa surpresa encontramos padres,
capitães, grandes negociantes e membros da Irmandade do Santíssimo Sacramento da
Candelária situados em diversos pontos da hierarquia da instituição. Mas, quando
observados em relação aos casamentos com os quais estiveram envolvidos, foi interessante
perceber o perfil dos noivos vinculados a elas. Quando se tratava de testemunhas com
status social elevado, a maioria dos seus noivos eram livres, embora não exclusivamente.
Por outro lado, as testemunhas cujas ocupações e perfil sócio econômico designavam
pessoas de status intermediário, o perfil dos noivos era mais diversificado e abarcava desde
livres até escravos.

191
O perfil dos noivos relacionados às testemunhas nos permitiu inferir que estávamos
diante de estratégias múltiplas de ambos os atores. Os homens de prestígio mantêm e
consolidam seu status e seu poder de influência todas as vezes que se envolveram
majoritariamente com livres e estrangeiros. No entanto, quando identificamos alguns
noivos escravos contando com testemunhas livres acreditamos estar diante de cativos com
a algum prestígio e em pleno processo de mobilidade ascendente. Nesse caso o enlace
coroado com a presença de homens livres e de prestígio pode ser entendido como parte de
um processo de ascensão para os setores subalternos, mas também parte da consolidação
da posição das testemunhas livres por meio da formação de clientelas.
Em um ambiente colonial fortemente moldado e assentado na classificação e
hierarquização social, as diferenças entre os agentes sociais eram valorizadas e expressas
de diferentes maneiras. Ascendência social, origem familiar, étnica e religiosa ou ocupação
profissional eram formas de marcar qualidades sociais e garantir distinção. Desse modo, a
qualidade dessas testemunhas, chamadas diversas vezes à igreja, pode ter orientado a
escolha dos noivos por esses personagens, do mesmo modo que a reiteração no
cumprimento desse papel provavelmente reforçou a qualidade deles.
Esse padrão de comportamento também foi verificado no momento em que
rastreamos os locais onde os casamentos foram realizados no interior da geografia religiosa
da Freguesia. Quando identificados os números de cerimônias realizadas em diferentes
espaços como a Matriz, as capelas e os oratórios particulares percebemos que as hierarquias
sociais também se manifestaram por meio dos diferentes perfis de usuários desses espaços.
Os oratórios foram palco majoritariamente de matrimônios de membros da elite embora,
também, não exclusivamente. Alguns escravos também usufruíram do prestígio de casar
nesses espaços. Nesses casos, observamos a dependência desses escravos frente a seus
senhores para o acesso a ambientes privilegiados no momento de seus casamentos, no
entanto não é improvável inferir o tanto de prestígio social gozado por esses noivos
ensejado por tal circunstância frente a seus pares e à sua comunidade. Por outro lado, por
parte dos senhores, permitir o acesso de homens e mulheres dos mais baixos estratos sociais
em seus ambientes particulares e exclusivos é ocasião privilegiada para dar amplitude à sua
rede clientelar e diversificar sua rede relacional em direção aos subalternos. De novo,
ressaltamos que tal cenário deve ser compreendido no contexto de uma sociedade altamente
hierarquizada e desigual como a colonial, cujos vínculos sociais ensejados ou reforçados
pelo sistema religioso e seus lugares de prática podem ser um poderoso meio de mobilidade
social e, ao mesmo tempo, de reforço da subordinação e das diferenças.

192
A opção por um período longo de análise foi também, sem dúvida acertado, pois
permitiu observar os efeitos das mudanças conjunturais econômicas e políticas
experimentados pela cidade do Rio de Janeiro entre meados do século XVIII e a primeira
metade do século XIX. Primeiro, ficou claro que o processo de estrangeirização vivido no
início dos oitocentos pela cidade e também pela Freguesia alterou seu perfil demográfico,
aumentando, e muito, o contingente de outsiders socialmente desarraigados o que impactou
diretamente o processo de sociabilidade vivida entre seus moradores e a população em
geral. Tal impacto parece ter ocorrido de forma negativa, sobretudo nos casamentos, na
medida em que, a partir início do século XIX, a formação de vínculos, sobretudo os afetivos
demandaram mais tempo para serem construídos e consolidados. Sendo assim, percebemos
que o total de casamentos caiu a partir de 1810, bem como os matrimônios registrados na
Matriz da Candelária também acompanham a mesma tendência. Antes dessa avalanche de
estrangeiros e de pessoas de outras províncias em geral, os vínculos entre os moradores da
cidade e dos paroquianos nas freguesias era favorecido pela estabilidade do fluxo
demográfico ao longo do tempo. Além disso, com as transformações econômicas ocorridas
em função da transferência da corte, a abertura do caminho novo para as Minas e o aumento
da importância do Porto do Rio de Janeiro para todo o Império, o perfil das testemunhas
repetidas se alterou de um século para o outro. Ocorreu um aumento gradativo da presença
e influência dos comerciantes entre as testemunhas repetidas, diretamente proporcional a
sua maior presença e notoriedade na cidade e, consequentemente, na Freguesia da
Candelária.
Um elemento chave para a compreensão do papel social desempenhado por essas
testemunhas, da dimensão e alcance dos laços e conexões estabelecidos por elas, foi a
Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária. De posse do Compromisso e,
sobretudo das Atas da Instituição, descobrimos em diversas testemunhas um elemento
comum: eram membros da dita Irmandade. Nesse sentido, ela foi se definindo como o
grande espaço de projeção e ação dessas testemunhas. Um grande centro aglutinador e um
local não só de práticas devocionais e religiosas, mas também de sociabilidades em geral.
A descoberta da importância da Irmandade para essas testemunhas e seus noivos reitera o
papel da Igreja Católica como uma instituição estruturante dessa sociedade.
Essas testemunhas ao mesmo tempo que se utilizaram desse espaço privilegiado das
irmandades como palco de projeção social, viam reforçado seu prestígio a cada
reincidência como testemunha. Havia um caminho de mão dupla na prática de testemunhar,
pois quanto mais esses personagens eram convocados a comparecer em cerimônias

193
diversas, mais eles reforçavam seu status e prestígio. Ao mesmo tempo, mais ainda eram
reconhecidos como mediadores sociais e veículo de conexões entre seus pares ou entre
subalternos. A própria ocasião do enlace tornou-se, ao mesmo tempo ocasião da escolha
dos casais por personagens com certo grau de prestígio e momento de recriação ou
consolidação de laços entre as próprias testemunhas.
Pudemos perceber, portanto, o quanto as testemunhas recorrentes de casamento
observadas pela pesquisa foram figuras que ocuparam um lugar central em relação a seus
grupos de origem. Ficou clara a responsabilidade que tiveram na criação de pontes entre
grupos que poderiam não se comunicar. Desse modo, a posição social ocupada por essas
testemunhas lhes conferia um papel de mediadores e um prestígio social e político
considerável, reiterado pela continuidade dos convites para testemunhar casamentos.
Descobrir que Antônio Gomes Barroso, Braz Carneiro Leão e Anacleto da Fonseca
negociantes de grosso trato da cidade do Rio de janeiro, foram ao mesmo tempo lideranças
máximas da Irmandade da Candelária e, em parceria, testemunhas de dezenas de
casamentos celebrados na Freguesia da Candelária, foi surpreendente e ao mesmo tempo
desafiador. A historiografia já analisou um vasto acervo documental acerca das redes de
relações comerciais e familiares empreendidas por esses homens, bem como suas
estratégias de negócio vinculadas a essas vastas redes. Porém, ao que parece, o poder e a
influência desses negociantes alcançavam também a esfera religiosa e cotidiana da cidade
de modo que além de estarem bem situados na hierarquia social, ocupavam cargos de
prestígio na Santa Casa de Misericórdia e Irmandade de N. S. da Candelária e figuravam
entre as testemunhas de casamento mais requeridas da Freguesia. A presença em diversas
esferas nos dá a dimensão da amplitude estratégica de poder desses homens. Diversificar a
presença e a atuação ocupacional e institucional, bem como alargar os círculos de relação
social parece ter sido fundamental tanto para a estratégia de sociabilidade como também
de negócios desses personagens. A presença desses comerciantes na Irmandade na
condição de provedor dá bem o tom do prestígio social que gozavam ao mesmo tempo em
que tal posição servia como reforço de sua influência, importância e cabedal.
Esses homens, testemunhas recorrentes de casamento, além de exercerem as
mesmas ocupações e possuírem as mesmas patentes, traçaram estratégias pessoais e de
negócios muito parecidas e, talvez por isso, ocuparam, ao longo da vida, praticamente os
mesmos espaços de sociabilidade e poder. Não por acaso se encontraram no espaço
eclesiástico da Freguesia da Candelária para celebração de cerimônias de casamento
exercendo a função de testemunhas de alguns noivos em comum.

194
Por fim, a partir da observação da prática e dinâmica do testemunho de casamento,
na Candelária, chegamos à conclusão de que as testemunhas, especialmente as que mais se
repetiam, podem ter cumprido um papel semelhante à dos compadres de batismo. Foi um
veículo de diversificação e ampliação de relação entre diferentes estratos sociais e, ao
mesmo tempo de reforço de hierarquias. Conforme vimos, a prática de testemunhar levou
homens de grande cabedal ao contato direto com homens e mulheres localizados nos níveis
sociais mais baixos da hierarquias social, ao mesmo tempo em que permitiu a esses
subalternos acessarem homens de prestígio e seus espaços de convivência e sociabilidade
privada. Dessa forma se estabelecia uma relação clara de reciprocidade, ainda que
tenhamos clareza da assimetria dessa interação. Os recursos disponíveis para cada um
desses atores não são equivalentes, no entanto, ambos jogam com os elementos de que
dispõe. Para os escravos e forros que casaram tendo como testemunha um membro da elite
carioca fica reservado um lugar de extremo prestígio frente a seus pares, o que lhes permite
acessar novos espaços de atuação social e, sobretudo, criar ou reforçar hierarquias. Já para
os membros da elite que participaram e testemunharam um casamento entre subalternos
era uma excelente oportunidade de reforçar laços de dependências a partir de uma cadeia
de favores e sentimento de gratidão entre os vários atores envolvidos na cerimônia de
casamento e que se estendiam no tempo e no espaço.
As trajetórias das testemunhas Antônio Luiz de Andrade, Mathias Gonçalves
Ferreira e Cesário José da Silva bem com Braz Carneiro Leão, Anacleto Elias da Fonseca
e Antônio Gomes Barroso nos revelaram exemplos de homens que desempenharam, ao
logo de suas vidas, diversos papéis sociais nos diferentes grupos com os quais conviveram
e, a partir das interações que estabeleceram, passaram a ter contato com diversas cadeias
de interdependência. Tais indivíduos acabaram se tornando pontos de interseção relacional
em meio aos inúmeros fios do tecido social gerados pelas várias conexões, reciprocidades
e entrelaçamentos que deles partiram e que, ao mesmo tempo, a eles chegava. Por isso
também podemos inferir que estamos diante de personagens que estiveram constantemente
situados em pontos de cruzamento dos círculos sociais e, desse modo, cumpriram o papel
de um nó ou de um entroncamento entre diferentes fragmentos de redes relacionais.
A análise detida no comportamento, perfil e relações estabelecias especialmente
pelas testemunhas, ao menos no caso da Candelária, revelou a debilidade do argumento de
que, em princípio, qualquer um dentre uma multidão de fiéis que por ventura estivesse
assistindo a missa, por exemplo, poderia ser uma testemunha em potencial, ou ainda de que
sua escolha não era fruto de uma cuidadosa seleção orientada por critérios religiosos,

195
sociais ou até econômicos. Os casos emblemáticos de Antônio Luiz de Andrade, Mathias
Gonçalves Ferreira e Cesário José da Silva nos permitiu inferir que a recorrência da
assinatura de alguns nomes nos registros de matrimônio da Candelária, na condição de
testemunha, não significa que estas pessoas foram pinçadas aleatoriamente pelos casais
com os quais se envolveram para cumprir uma mera formalidade, mas, cumpriam um papel
que ia além da mera validação burocrática da cerimônia. É provável que tenham sido
escolhidos cuidadosamente pelos noivos em função de sua qualidade social e prestigio.
Em uma sociedade onde imperava a lógica da reciprocidade e, ao mesmo tempo
estava profundamente arraigada à necessidade de reiteração e respeito à hierarquia e as
diferenças, reinava uma espécie de economia de favores entre iguais e desiguais. Nesse
sentido, o prestígio social estava vinculado ao status e a capacidade de dispor de recursos
não necessariamente monetários, e desse modo, ter a capacidade de conectar e vincular
pessoas e grupos em uma cadeia de interdependência era de grande valor. As testemunhas
que investigamos tinham essa capacidade e, por isso tornaram-se, ao longo da vida a partir
das interações que estabeleceram, grandes mediadores sociais.
Esperamos que esta pesquisa tenha fornecido os elementos e as indagações iniciais
necessárias para futuras investigações no âmbito da História Social e que, tenham as
Testemunhas em geral e as de casamento especificamente como objeto de análise. Caso
isso ocorra já terá valido muito o esforço da pesquisa!

196
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Banco de dados da estrutura fundiária do Recôncavo da Guanabara Sécs. XVII e


XVII - Maurício de Abreu

AN, 40N, 128, p.163.

AN, 20N, 144, p.174v.

Escritura do 3º Ofício 1796-06-28 “Escritura de venda de uma morada de casas que faz o
Capitão Francisco Lopes de Souza, como testamenteiro de Dona Rosa Clara de Faria
Lemos, ao Capitão Antônio Gomes Barroso - de sobrado, sita na rua de São Pedro, partindo
de uma banda com casas das Religiosas do Convento de Nossa Senhora da Conceição da

198
Ajuda e da outra com casas do Capitão Custódio José Soares.” AHU, RJ-Avulsos, Caixa
205, Nº 4.

“Escritura de cessão e trespasse de uma morada de casas que faz o Capitão Francisco Lopes
de Souza, professo na Ordem de Cristo, ao Capitão João Álvares da Cunha – térrea, sita no
beco dos Quartéis, comprada por 366$400 à Santa Casa da Misericórdia, por escritura de
12/12/1799”. AN, 4ON, 116, p. 57

Segundo o banco de dados de Maurício de Abreu, o noivo consta em uma “Escritura de


composição” como Alferes. AN, 3ON, 163, p. 144

“Escritura de cessão e trespasse de uma morada de casas que fazem o Capitão Brás Carneiro
Leão, professo na Ordem de Cristo, negociante desta praça, e sua mulher Dona Ana
Francisca Maciel da Costa aos herdeiros do Tenente Possidônio Carneiro da Silva,
Francisco José de Araújo, por cabeça de sua mulher Dona Rita Carneiro da Silva, e como
tutor do menor Antônio Carneiro da Silva, e como procurador do Tenente Valério Cordeiro
de Oliveira, por cabeça de sua mulher Dona Ana Cordeiro da Silva, Guilherme José
Botemar, como procurador de José Carneiro da Silva, Dona Sebânia(?) Cardoso da Silva,
solteira, maior de 14 anos, a Possidônio Carneiro da Silva – de sobrado, sita na rua do
Rosário, comprada ao Doutor Domingos de Freitas Rangel em 27/3/1789 [3º Ofício].” AN,
2ON, 133, p. 113v - 1797-07-08

“Escritura de composição, ajuste e distrato de sociedade que faz João Carneiro da Silva
com Manoel da Costa Vieira - sociedade de fazenda seca em uma loja que tem na rua de
Nossa Senhora da Lapa” - 1784-10-08 - AN, 2ON, 115, p. 19v.

“Escritura de permuta de duas moradas de casas que fazem a Irmandade do Santíssimo


Sacramento de Nossa Senhora da Candelária com o reverendo cônego Doutor João Pinto
Rodrigues – A Irmandade troca uma morada de casas sita na rua da Alfândega [entre a rua
dos Ourives e a da Vala], comprada a Ana Maria Joaquina, viúva de José Luiz Marmeleiro,
em 21/2/1790 por uma morada de casas sita [na rua de São Pedro, esquina de ...]. Os dois
prédios são trocados pelo mesmo valor: 1:208$500 [Escritura original do 3º Ofício] - 1790-
06-05 - Marques Pinheiro, A irmandade do Santíssimo Sacramento de N. S. da Candelária,
pp. 81-82 - Banco de dados Maurício de Abreu.

199
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Registo Geral de Mercês, Mercês de D. Pedro II, liv. 1, f. 91v.

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Genealogia feita por António Júlio Limpo Trigueiros link:


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211
Anexo

Anexo 1 - Informações sobre Provedores da Irmandade da Freguesia da Candelária, entre 1750 e 1866, suas ocupações e/ou títulos e respectivas fontes
pesquisadas

Legenda: em preto - informações como estavam no documento original da Irmandade; em vermelho – informações pesquisadas em outras fontes; em verde –
não foram encontradas informações sobre a pessoa
Período/Da
Nº Nome dos Provedores Ocupação/Título Fonte
ta
Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da
1 1750-1751 José Ferreira de Brito Capitão Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho de 2009
Fonte: SAMPAIO, Antônio C. J. de “A família Almeida Jordão na formação da
comunidade mercantil carioca (c.1690-c.1750)” In. ALMEIDA, C. M.C de e OLIVEIRA,
M. R. de Org. Nomes e números: alternativas metodológicas para a história econômica e
2 1751-1752 Inácio de Almeida Jordão Homem de Negócio social. – Juiz de Fora: Ed. UFJF, 2006

Cavaleiro da Ordem de Cristo e proprietário do


3 1752-1753 Francisco Rodrigues da Silva ofício de escrivão da Alfândega desta cidade Maurício de Abreu, AN, 1ON, 113
4 1753-1754 Miguel Rodrigues Botelho
5 1754-1755 Antônio Fernandes Maciel Capitão Maurício de Abreu, AN, 2ON, 96, p.42
Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da
6 1755-1756 José Rodrigues Nunes Capitão Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho de 2009
7 1756-1757 Manuel da Costa Mourão
Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da
8 1757-1758 Marcos Gomes Ribeiro Padre Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho de 2009
9 1758-1759 João Rodrigues da Cunha
Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da
10 1759-1760 Antônio Lopes da Costa Capitão Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho de 2009
Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da
11 1760-1762 Antônio Pinto de Miranda Capitão Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho de 2009
Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da
12 1762-1763 Antônio de Oliveira Durão Capitão Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho de 2009

212
Fonte. BASSO, Alana Thais. Contrabando de escravizados entre Rio de Janeiro e Colônia
Comerciante e dono de escravos do Sacramento: Um estudo de caso (1737-1752). In. ANPUH, 30º Simpósio Nacional de
13 1763-1764 Agostinho de Faria Monteiro contrabandeados para Colônia do Sacramento História, Recife, 2019.
14 1764-1765 Manuel da Costa Cardoso
15 1765-1766 Pedro Pinto da Costa
16 1766-1767 Manuel Rodrigues Ferreira
17 1767-1768 Belchior Soares de Aguiar
Homem de Negócio e Procurador do Capitão
18 1768-1769 Domingos Rabelo Pereira Luiz Gomes Braga Maurício de Abreu, AN, 1ON, 137, p. 143

Francisco José Ferreira Guimarães (Fonte: Almanak Administrativo Mercantil e Industrial


19 1769-1770 Francisco Ferreira Guimarães Barbeiro do Rio de Janeiro, 1847, quarto ano, publicado por Eduardo e Henrique Laemmert, p.372)
Fonte. Oliveira, Lucimeire da Silva. Para Além da praça mercantil: notas sobre loços de
parentesco e alianças matrimoniais dos homens de negócio da praça do Rio de Janeiro
Setecentista. In. FRAGOSO, João; GUEDES, Roberto; SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá
(orgs.). Arquivos paroquiais e História Social na América Lusa, séculos XVII e XVIII:
métodos e técnicas de pesquisa na reinvenção de um corpus documental. Rio de Janeiro:
20 1770-1771 Lourenço Fernandes Viana Homem de Negócio Mauad X, 2014. p. 275
21 1771-1772 Manuel dos Santos Borges
22 1772-1773 José Francisco dos Santos Traficante de escravos Fonte: FLORENTINO, Manolo. Em Costas Negras. p.256
Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da
23 1773-1774 José Alves Esteves Capitão Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho de 2009
José Joaquim Justiniano Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da
24 1774-1775 Mascarenhas Castelo Branco Bispo Diocesano Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho de 2009
Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da
Sargento-Mór e Capitão Mor/Sargento Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho de 2009 e Capitão
25 1776-1777 Anacleto Elias da Fonseca Mor/Negociante Mor/Sargento Mor/Negociante ver na tese
26 1777-1778 Manuel da Luz Taralhão
27 1778-1779 Antônio da Cruz Ferreira
Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da
28 1779-1780 Manuel Rodrigues de Barros Capitão Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho de 2009

213
Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da
29 1780-1782 Luis Antônio de Miranda Capitão Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho de 2009
30 1782-1783 Antônio José Coelho Capitão e Padre Maurício de Abreu, AN, 4ON, 112, p. 280 e Padre ver na tese

Comerciante e dono de botica (1772) e (1772) Maurício de Abreu, AN, 4ON, 82, p. 71v AN, 20N, 120, p.128 (1780) Maurício de
31 1783-1784 José Rodrigues de Carvalho Reverendo Doutor do Juízo Eclesiástico (1780) Abreu, AN, 40N, 99, p.22
Professo na Ordem de Cristo (Maurício de Abreu, AN, 4ON, 104, p. 16v) e negociante
(Fonte. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Tomo XXI, Rio de Janeiro,
32 1784-1785 Francisco Pinheiro Guimarães Professo na Ordem de Cristo/Negociante Typographia Brasiliense de Maximiano Gomes Ribeiro, 1858. P,168)
33 1785-1786 Brás Carneiro Leão Capitão/Coronel/Tenente/Negociante Ver na tese
Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da
34 1786-1787 João Antunes de Araújo Lima Capitão Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho de 2009
Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da
35 1787-1788 Luís Manuel Pinto Capitão Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho de 2009
Francisco Xavier de Macedo Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da
36 1788-1789 Pereira Tenente-general Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho de 2009
Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da
37 1789-1791 Joaquim da Silva Lisboa Capitão Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho de 2009
Capitão (Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa
Administrativa da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho
de 2009), negociante (Fonte. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Tomo
38 1791-1792 Manuel de Sousa Meireles Capitão/negociante XXI, Rio de Janeiro, Typographia Brasiliense de Maximiano Gomes Ribeiro, 1858. P,169)
Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da
39 1792-1793 Cláudio José Pereira da Silva Capitão Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho de 2009
Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da
Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho de 2009 e Alferes
40 1793-1794 José Dias da Cruz Tenente e Alferes ver na tese
Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da
Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho de 2009 e
41 1794-1795 Antônio Gomes Barroso Capitão/Coronel/Negociante Coronel/Negociante ver na tese
Capitão (Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa
Administrativa da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho
de 2009), negociante (Fonte. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Tomo
42 1795-1796 Luiz Antônio Ferreira Capitão/negociante XXI, Rio de Janeiro, Typographia Brasiliense de Maximiano Gomes Ribeiro, 1858. P,169)

214
Capitã (Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa
Administrativa da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho
de 2009), negociante (Fonte. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Tomo
43 1796-1797 João José Coelho Capitão/negociante XXI, Rio de Janeiro, Typographia Brasiliense de Maximiano Gomes Ribeiro, 1858. P,168)
Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da
44 1797-1798 Manuel Velho da Silva Capitão Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho de 2009
Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da
45 1798-1799 Joaquim Gesteira Passos Capitão Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho de 2009
Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da
46 1799-1800 José Ferreira Pires Capitão Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho de 2009
Capitão (Maurício de Abreu, AN, 2ON, 137, p. 158) e negociante (Fonte. Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Tomo XXI, Rio de Janeiro, Typographia
47 1800-1801 Francisco da Cunha Pinheiro Capitão e negociante desta praça Brasiliense de Maximiano Gomes Ribeiro, 1858. P,168)
48 1801-1803 João Cerqueira da Costa homem de negócio Maurício de Abreu, AN, 4ON, 95, p. 14
Capitão (Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa
Administrativa da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho
de 2009), negociante (Fonte. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Tomo
49 1803-1804 Elias Antônio Lopes Capitão/negociante XXI, Rio de Janeiro, Typographia Brasiliense de Maximiano Gomes Ribeiro, 1858. P,168)
Tenente (Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa
Administrativa da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho
de 2009), negociante (Fonte. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Tomo
50 1804-1805 João Fernandes Vianna Tenente/Negociante XXI, Rio de Janeiro, Typographia Brasiliense de Maximiano Gomes Ribeiro, 1858. P,169)
Capitão (Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa
Administrativa da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho
de 2009), negociante (Fonte. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Tomo
51 1805-1806 Francisco Xavier Pires Capitão/negociante XXI, Rio de Janeiro, Typographia Brasiliense de Maximiano Gomes Ribeiro, 1858. P,168)
Capitão (Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa
Administrativa da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho
de 2009), negociante (Fonte. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Tomo
52 1806-1807 João Gomes Barroso Capitão/negociante XXI, Rio de Janeiro, Typographia Brasiliense de Maximiano Gomes Ribeiro, 1858. P,168)
Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da
53 1807-1808 Manuel Pereira de Mesquita Capitão Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho de 2009
Capitão (Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa
Administrativa da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho
de 2009) e negociante (Fonte. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Tomo
54 1808-1809 Bento Antônio Moreira Capitão/negociante XXI, Rio de Janeiro, Typographia Brasiliense de Maximiano Gomes Ribeiro, 1858. p,167)

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Capitão (Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa
Administrativa da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho
de 2009) e negociante (Fonte. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Tomo
55 1809-1810 Custódio Moreira Maia Capitão/negociante XXI, Rio de Janeiro, Typographia Brasiliense de Maximiano Gomes Ribeiro, 1858. p,168)
Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da
Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho de 2009 e
negociante (Fonte. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Tomo XXI, Rio
56 1810-1811 Domingos Antônio Guimarães Tenente/negociante de Janeiro, Typographia Brasiliense de Maximiano Gomes Ribeiro, 1858. p,497)
Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da
57 1811-1812 Francisco José Rodrigues Capitão Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho de 2009
Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da
58 1812-1813 Manuel Gonçalves de Carvalho Capitão Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho de 2009
Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da
Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho de 2009 e
59 1813-1814 Fernando Carneiro Leão Tenente-Coronel/Capitão/Comendador Capitão/Comendador ver na tese
Fontes. Almanach do Anno de 1805. Lisboa, na impressão régia. p.499; e na Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Tomo XXI, Rio de Janeiro, Typographia
60 1814-1815 Manuel Ferreira Codeço Negociantes Brasiliense de Maximiano Gomes Ribeiro, 1858. p,169
Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da
61 1815-1816 José da Costa de Araujo Barros Sargento-Mór Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho de 2009
Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da
62 1816-1817 José Luiz Alves Capitão Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho de 2009
Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da
63 1817-1818 Joaquim Antônio Alves Capitão Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho de 2009
Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da
64 1818-1819 Manuel Pinheiro Guimarães Capitão Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho de 2009
Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da
65 1819-1820 Antônio Ferreira da Rocha Comendador Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho de 2009
66 1820-1821 José Marques Pereira Capitão Maurício de Abreu, AN, 1ON, 209, p. 99
Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da
67 1821-1822 Custódio José da Silva Sargento-Mór Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho de 2009
João Alves de Souza Dono de Loja de Ferragens na Rua da Fonte. Almanak Administrativo Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1847, quarto ano,
68 1822-1823 Guimarães Direita,97 publicado por Eduardo e Henrique Laemmert, p.335
Protetor da devoção de Nossa Senhora da Cabo Fonte: Almanak Administrativo Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1847, quarto ano,
69 1823-1824 Henrique José de Araújo da Boa Esperança publicado por Eduardo e Henrique Laemmert, p.277
70 1824-1825 Francisco Lopes de Araujo

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Negociante/Alferes/Procurador do hospital da Negociante (Maurício de Abreu, AN, 4ON, 111, p. 45)/ Alferes (Maurício de Abreu, AN,
Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora 4ON, 112, p. 48)/ procurador do hospital da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora
71 1825-1826 Antônio Francisco Leite do Carmo do Carmo (Maurício de Abreu, AN, 40N, 122, p.24v)
Proprietário de Armazém de Viveres, seccos e Fonte: Almanak Administrativo Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1847, quarto ano,
72 1826-1827 Manuel Ferreira Gomes molhados na Rua D. Manoel, 22 publicado por Eduardo e Henrique Laemmert, p.324
73 1827-1828 José Joaquim Guimarães Negociante (negociante) Maurício de Abreu, AN, 1ON, 187, p. 29v
Negociante (Maurício de Abreu, AN, 1ON, 209, p. 62)/ Negociantes Nacionaes (Fonte:
Almanak Administrativo Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1847, quarto ano,
74 1828-1829 Domingos Carvalho de Sá Negociante/Negociantes Nacionaes publicado por Eduardo e Henrique Laemmert, p.299)
75 1829-1830 Manuel José de Oliveira
Cavaleiro da Ordem de Cristo, negociante desta
76 1830-1831 Francisco José Guimarães praça Maurício de Abreu, AN, 4ON, 151, p. 24
77 1831-1832 Antônio da Silva Henrique
Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da
78 1832-1833 Manuel Moreira Lírio Coronel Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho de 2009
Leandro José Marques Franco Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da
79 1833-1834 de Carvalho Coronel Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho de 2009
80 1834-1835 Luís Gomes dos Santos
81 1835-1836 Constantino Dias Pinheiro Proprietário de loja de ferragem Maurício de Abreu, AN, 3ON, 163, p. 62v
José Joaquim de Almeida
82 1836-1837 Regadas
83 1837-1838 João Francisco de Pinho
84 1838-1839 Manuel José Gomes de Morais
Fonte: Almanak Administrativo Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1847, quarto ano,
85 1839-1840 Luís Francisco Braga Proprietário de loja de Fazendas publicado por Eduardo e Henrique Laemmert, p.334
Membro Adjunto do Monte Pio dos Servidores Fonte: Membro Adjunto do Monte Pio dos Servidores do Estado (Almanak Administrativo
do Estado/Negociante/Sócio Benemerito e Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1847, quarto ano, publicado por Eduardo e
Bemfeitor da Imperial Sociedade Amante da Henrique Laemmert, (p.202), negociantes nacionales (p.300)/(Sócio Benemerito e
Instrucção/Definidor da Santa Casa de Bemfeitor da Imperial Sociedade Amante da Instrucção (p.241)/ Definidor da Santa Casa
86 1840-1841 João Pedro da Veiga Misericórdia/Proprietário de Livraria de Misericórdia (p.252)/ (Proprietário de Livraria (p.310)
87 1841-1842 Manuel Machado Coelho Comendador/Segueiro/Moedeiro do Número Ver na tese

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Negociante/Protetor da devoção de Nossa
Senhora da Cabo da Boa Esperança/Sub-
delegado do Chefe de Polícia/Tesoureiro da Fonte: Almanak Administrativo Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1847, quarto ano,
88 1842-1843 João Bernardes Machado Santa Casa de Misericórdia publicado por Eduardo e Henrique Laemmert, p.300, p.277, p.96, p.251
Fonte: Almanak Administrativo Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1847, quarto ano,
89 1843-1844 Manuel José Duarte Proprietário de loja de Fazendas publicado por Eduardo e Henrique Laemmert, p.334
Vice Ministro da Ordem Terceira de S. Fonte: Almanak Administrativo Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1847, quarto ano,
90 1844-1845 Fernando José de Sousa Francisco da Penitência publicado por Eduardo e Henrique Laemmert, p.262
Síndico da Ordem Terceira de S. Francisco da
Penitência/ Definidor da Ordem Terceira de
Jerônimo Francisco de Freitas Nossa Senhora da Conceição e Boa Morte/ Fonte: Almanak Administrativo Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1847, quarto ano,
91 1845-1846 Caldas Escrivão do Hospital dos Lázaros/Negociante publicado por Eduardo e Henrique Laemmert, p.262, 275, 279, 300
Conde de Itamarati (Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa
Administrativa da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho
de 2009) e Tesoureiro da Santa Casa da Misericórdia (Fonte: Almanak Administrativo
Conde de Itamarati/Tesoureiro da Santa Casa Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1847, quarto ano, publicado por Eduardo e
92 1846-1847 Francisco José da Rocha Filho da Misericórdia Henrique Laemmert, p.253)
Membro Adjunto do Monte Pio dos Servidores Fonte: Membro Adjunto do Monte Pio dos Servidores do Estado (Almanak Administrativo
do Estado/Negociante/Sócio Benemerito e Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1847, quarto ano, publicado por Eduardo e
Bemfeitor da Imperial Sociedade Amante da Henrique Laemmert, (p.202), negociantes nacionales (p.300)/(Sócio Benemerito e
Instrucção/Definidor da Santa Casa de Bemfeitor da Imperial Sociedade Amante da Instrucção (p.241)/ Definidor da Santa Casa
93 1847-1848 João Pedro da Veiga Misericórdia/Proprietário de Livraria de Misericórdia (p.252)/ (Proprietário de Livraria (p.310)
Proprietário de loja de ferragem/Definidor por
devoção da Ordem Terceira de Nossa Senhora Fonte: Almanak Administrativo Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1847, quarto ano,
94 1848-1849 Manuel Martins Vieira da Conceição e Boa Morte publicado por Eduardo e Henrique Laemmert, p.336, 275,
Fonte: Almanak Administrativo Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1847, quarto ano,
95 1849-1850 João Teixeira Bastos Proprietário de loja de ferragem publicado por Eduardo e Henrique Laemmert, p.335
96 1850-1851 João Antônio de Castro Leite
Comendador (Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa
Comendador/Juiz de paz da Freguesia da Administrativa da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho
Candelária/Prior e Enfermeiro-Mor da Ordem de 2009) e Fonte: Almanak Administrativo Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1847,
97 1851-1852 João Baptista Lopes Gonçalves Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo quarto ano, publicado por Eduardo e Henrique Laemmert, p.208, p.268 e 270
98 1852-1853 José Carlos Mayrink

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Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da
99 1853-1854 Manuel Antônio Airosa Comendador/Barão de Sapucaia Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho de 2009
Membro Adjunto do Monte Pio dos Servidores Fonte: Membro Adjunto do Monte Pio dos Servidores do Estado (Almanak Administrativo
do Estado/Negociante/Sócio Benemerito e Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1847, quarto ano, publicado por Eduardo e
Bemfeitor da Imperial Sociedade Amante da Henrique Laemmert, (p.202), negociantes nacionales (p.300) / (Sócio Benemerito e
Instrucção/Definidor da Santa Casa de Bemfeitor da Imperial Sociedade Amante da Instrucção (p.241)/ Definidor da Santa Casa
100 1854-1855 João Pedro da Veiga Misericórdia/Proprietário de Livraria de Misericórdia (p.252)/ (Proprietário de Livraria (p.310)
Proprietário de Armazém de
Ferros/Negociante/Corrector da Ordem
Terceira do Senhor Bom Jesus do Calvário e Fonte: Almanak Administrativo Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1847, quarto ano,
101 1855-1856 Antônio Alves da Silva Pinto Via-sacra publicado por Eduardo e Henrique Laemmert, p.314, 297, 271,
Negociante/ Inspector do 6º Quarteirão da Fonte: Almanak Administrativo Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1847, quarto ano,
102 1856-1857 Manuel Monteiro da Luz Freguesia da Candelária publicado por Eduardo e Henrique Laemmert, p.302, 213,
Comendador (Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa
Comendador/Juiz de paz da Freguesia da Administrativa da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho
Candelária/Prior e Enfermeiro-Mor da Ordem de 2009) e Fonte: Almanak Administrativo Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1847,
103 1857-1858 João Batista Lopes Gonçalves Terceira de Nossa Senhora do Monte do Carmo quarto ano, publicado por Eduardo e Henrique Laemmert, p.208, p.268 e 270
Fonte: Almanak Administrativo Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1847, quarto ano,
104 1858-1859 Felippe de Barros Correia Negociante/ publicado por Eduardo e Henrique Laemmert, p.299
Fonte: Almanak Administrativo Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1847, quarto ano,
105 1859-1860 José Vicente Cordeiro Proprietário de Loja de Chá (da China) publicado por Eduardo e Henrique Laemmert, p.329,
Proprietário de Loja de couros e outras
quinquilharias/ Proprietário de loja de papel e
objetos de escritório/ Definidor por devoção do Maurício de Abreu, AN, 1ON, 209, p. 186 e Fonte: Almanak Administrativo Mercantil e
Hospital da Ordem Terceira de S. Francisco de Industrial do Rio de Janeiro, 1847, quarto ano, publicado por Eduardo e Henrique
106 1860-1861 Francisco José Gonçalves Agra Paula/ Procurador do Hospital dos Lazaros Laemmert, p.340, 260, 279
Joaquim José de Castro Araújo
107 1861-1862 Sampaio
Fonte: Almanak Administrativo Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1847, quarto ano,
108 1862-1863 José Pereira da Rocha Paranhos Negociante publicado por Eduardo e Henrique Laemmert, p.301
Definidor por devoção do Hospital da Ordem Fonte: Almanak Administrativo Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, 1847, quarto ano,
109 1863-1864 José Rafael de Azevedo Terceira de S. Francisco de Paula publicado por Eduardo e Henrique Laemmert, p.260
Original - AFBMP. ISSC. Relação dos Ocupantes de Cargos da Mesa Administrativa da
110 1864-1870 Guilherme Pinto de Magalhães Comendador Irmandade do Santíssimo Sacramento da Candelária (1683-2009), junho de 2009

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