O QUE ESTÃO FAZENDO
COM A IGREJA
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AUGUSTUS NICODEMUS
O QUE ESTÃO FAZENDO
COM A IGREJA
ASCENSÃO E QUEDA DO MOVIMENTO EVANGÉLICO
BRASILEIRO
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Copyright © 2008 por Augustus Nicodemus Lopes
Os textos das referências bíblicas foram extraídos da Nova Versão
Internacional (NVI) da Sociedade Bíblica Internacional, salvo indicação
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Lopes, Augustus Nicodemus,
O que estão fazendo com a Igreja: Ascensão e queda do movimento evangélico
brasileiro / Augustus Nicodemus Lopes — São Paulo: Mundo Cristão, 2008.
Bibliografia.
ISBN 978-85-7325-546-1
1. Controvérsias teológicas 2. Evangelicalismo 3. Igreja Evangélica - Brasil 4.
Liberalismo (Religião) 5. Seitas cristãs 6. Teologia doutrinal I. Título.
08-05727 CDD-230.04624
Índice para catálogo sistemático:
1. Brasil : Evangelicalismo : Teologia : Doutrina cristã 230.04624
Categoria: Igreja
Edição revisada segundo o Novo Acordo Ortográfico
Publicado no Brasil com todos os direitos reservados por:
Editora Mundo Cristão
Rua Antônio Carlos Tacconi, 79, São Paulo, SP, Brasil, CEP 04810-020
Telefone: (11) 2127-4147
www.mundocristao.com.br
1ª edição: agosto de 2008
18ª reimpressão: 2017
Sumário
Prefácio 7
Introdução 11
Primeira parte: As raízes da crise
Capítulo um: O que aconteceu com os evangélicos no Brasil? 19
Capítulo dois: A alma católica dos evangélicos no Brasil 25
Segunda parte: A falácia liberal
Capítulo três: Não se fazem mais liberais como antes 35
Capítulo quatro: A falta de imaginação dos neoliberais 39
Capítulo cinco: Mitos da pluralidade 43
Capítulo seis: Uma questão de método 49
Capítulo sete: É claro que há mitos na Bíblia! 55
Capítulo oito: A inerrância da Bíblia 61
Capítulo nove: A guerra entre a ciência e o cristianismo 67
Capítulo dez: A incredulidade no púlpito 73
Capítulo onze: Espirituais, místicos e liberais 79
Capítulo doze: Fé e meio ambiente 85
Capítulo treze: A religião dos liberais e esquerdistas 91
Capítulo catorze: Dúvidas que tenho sobre os liberais 97
Capítulo quinze: Liberais levam cano dos católicos 101
Terceira parte: A neo-ortodoxia
Capítulo dezesseis: Barthianismo e neo-ortodoxia 107
Capítulo dezessete: Neo-ortodoxia não ortodoxa 111
Capítulo dezoito: A neo-ortodoxia e a ressurreição de Jesus 117
Capítulo dezenove: Santidade bíblica e neo-ortodoxia 123
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Quarta parte: Os libertinos
Capítulo vinte: Neolibertinos 131
Capítulo vinte e um: “Aquele pastor acredita no casamento...
já vai para o terceiro!” 135
Capítulo vinte e dois: Camisinhas, refrigerantes e doces 139
Capítulo vinte e três: À noite, todos os gatos são pardos... 145
Quinta parte: Os neopentecostais
Capítulo vinte e quatro: Avivamento sem santidade 151
Capítulo vinte e cinco: Carta a um jovem pastor sobre o
grupo de louvor de sua igreja 157
Capítulo vinte e seis: Creio em avivamento 163
Capítulo vinte e sete: Por que as igrejas neopentecostais não
cresceram como eles queriam 169
Capítulo vinte e oito: Carta a um pastor pentecostal que virou
reformado 175
Sexta parte: Fundamentalistas, reformados e puritanos
Capítulo vinte e nove: Fundamentalistas e liberais 183
Capítulo trinta: Puritanos, puritânicos e neopuritanos 187
Capítulo trinta e um: Sempre reformando ou sempre mudando? 193
Capítulo trinta e dois: As igrejas minúsculas dos pastores
conservadores 197
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Prefácio
Sinto-me privilegiado por prefaciar a obra do dr. Augustus Nicodemus
Lopes, O que estão fazendo com a Igreja: Ascensão e queda do mo-
vimento evangélico brasileiro, para os leitores de língua portuguesa.
Nela, Nicodemus traz um alerta sobre a crise teológica e ética que
assola a Igreja Brasileira, acompanhada de uma prática pastoral muitas
vezes ineficaz.
Não é preciso grande dose de perspicácia para constatar que, nas
últimas décadas, muitos evangélicos se distanciaram dos postulados
da Reforma Protestante. Não há preocupação com interpretar corre-
tamente o texto bíblico, com os parâmetros da hermenêutica e com a
ética cristã. Os escândalos se multiplicam e a credibilidade da Igreja
Brasileira esmorece cada vez mais. Há pouco interesse pela educação
teológica. Assim, a Igreja Evangélica no Brasil não consegue mais ser
sal da terra nem luz do mundo. É muito mais influenciada do que in-
fluencia. Os prejuízos têm sido enormes para a evangelização e para o
crescimento espiritual dos fiéis.
Ao reduzir o espaço da teologia em seu modus operandi e sem os
parâmetros da hermenêutica e da exegese bíblica, vários segmentos
evangélicos no Brasil concedem a seus líderes a livre interpretação
do texto bíblico, a multiplicação de novidades doutrinárias, uma cria-
tividade questionável nos levantamentos de recursos financeiros e o
emprego de manipulações na busca por mais adeptos.
Já há vários anos essa crise doutrinária e ética se alastra em gran-
de parte do campo evangélico brasileiro. Nele encontra-se uma igreja
capaz de mobilizar as massas, mas não a mente. Uma igreja muito mais
propensa a sentir que a refletir tende a exceder-se constantemente no
uso dos dons espirituais e no ensino da fé cristã. Uma igreja que já
não se lembra de suas raízes. De fato, o evangelho que se prega hoje
7
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em várias vertentes evangélicas brasileiras está muito distante daquele
registrado nas páginas do Novo Testamento.
Quando se reuniu com os líderes de Éfeso, Paulo os alertou sobre
tais perigos para o rebanho de Deus:
Sei que, depois da minha partida, lobos ferozes penetrarão no meio de
vocês e não pouparão o rebanho. E dentre vocês mesmos se levantarão
homens que torcerão a verdade, a fim de atrair os discípulos. Por isso,
vigiem! Lembrem-se de que durante três anos jamais cessei de advertir
cada um de vocês disso, noite e dia, com lágrimas. Agora, eu os entrego
a Deus e à palavra da sua graça, que pode edificá-los e dar-lhes herança
entre todos os que são santificados.
Atos 20:29-32
Pedro também exorta:
No passado surgiram falsos profetas no meio do povo, como também sur-
girão entre vocês falsos mestres. Estes introduzirão secretamente heresias
destruidoras, chegando a negar o Soberano que os resgatou, trazendo sobre
si mesmos repentina destruição. Muitos seguirão os caminhos vergonhosos
desses homens e, por causa deles, será difamado o caminho da verdade.
2Pedro 2:1-2
O que estão fazendo com a Igreja
Uma das maiores necessidades dos evangélicos brasileiros é o discer-
nimento bíblico e doutrinário, pois nunca uma geração de crentes foi
tão bombardeada com informações como a atual. Os ventos de doutrina
e as distorções bíblicas estão por toda parte. Temas importantes da fé
cristã como justificação pela fé, conversão, pecado, salvação, arrepen-
dimento, graça e parousia já perderam espaço para o canto, a dança,
o show e o entretenimento em muitos púlpitos. Por isso, este livro do
dr. Augustus Nicodemus é bem-vindo e extremamente necessário.
Creio que o autor é uma voz que Deus levantou para falar a esta ge
ração. Sua formação acadêmica e ampla experiência como pesquisador,
8
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escritor e pastor de almas conferem-lhe autoridade mais que suficiente
Prefácio
para alertar a Igreja Brasileira sobre as ameaças da pós-modernidade
no campo das ideias. Como afirma o autor, o perigo está em toda par-
te: nas universidades, nas escolas teológicas, nas igrejas e na mídia
em geral.
Com linguagem clara e, muitas vezes, contundente, o autor trata
de diversos assuntos que causam inquietações e geram controvérsias
nos arraiais evangélicos, como a neo-ortodoxia, o pluralismo religio-
so, a proposta de uma espiritualidade com base na mística medie-
val, questões quanto à autoridade e inerrância da Bíblia Sagrada e o
constante conflito entre o liberalismo teológico e a ortodoxia cristã.
Como doutor em hermenêutica, discorre também sobre os métodos
de interpretação bíblica.
A obra trata do neopentecostalismo, um movimento que fez da teo-
logia da prosperidade sua mola propulsora. Por conhecer bem o campo
religioso brasileiro e interagir com as diferentes denominações, inclu-
sive as pentecostais, o autor comenta com lucidez e paixão pastoral
a tentação que reina entre muitos pregadores tradicionais de imitar a
liturgia e os métodos proselitistas neopentecostais.
Muito acima do chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie,
do doutor em Hermenêutica, do teólogo capaz de analisar e explicar,
com brilhantismo, a história do pensamento cristão, pude conhecer,
através das páginas deste livro, um homem cristão, que ama a Palavra de
Deus e que conhece Jesus Cristo, e isso é o mais importante. Creio que
o clamor por uma volta à Bíblia Sagrada e às verdades defendidas pela
Reforma Protestante será ouvido por muitos após a leitura deste livro.
Paulo Romeiro
Doutor em Ciências da Religião
Professor do programa de pós-graduação em Ciências da Religião
da Universidade Presbiteriana Mackenzie
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Introdução
Um livro como este precisa de uma introdução com várias explicações.
A primeira é quanto a uma de suas ênfases maiores: a falência do
evangelicalismo brasileiro. É minha convicção que o evangelicalismo
brasileiro está chegando a uma etapa que prenuncia seu fim. Com seus
pastores e mestres minados pelo liberalismo teológico presente em se-
minários e escolas de teologia, com seus membros contaminados pelo
pragmatismo e pelo relativismo neopentecostais, pouco tempo lhe res-
ta, pois essa dose dupla é fatal. A menos que um poderoso movimento
de reforma ocorra, os evangélicos vão finalmente sucumbir à agenda de
liberais, neo-ortodoxos, libertinos e neopentecostais, gerando um ou-
tro movimento e uma outra igreja no Brasil, bem distintos da igreja
evangélica que evangelizou o país em tempos idos.
Há vários sintomas que sugerem que não estou exagerando com
essa afirmativa. Vou mencioná-los em conexão com os diversos grupos
que hoje racham a igreja evangélica em muitos pedaços.
Primeiro, é perceptível o recrudescimento do liberalismo teológico
no meio evangélico. Após muitos anos plantando quase imperceptivel-
mente as sementes do liberalismo teológico nas instituições de ensino
seculares e religiosas, os liberais estão colhendo a mancheias o fruto
longamente esperado. Por liberais quero dizer os que adotam em maior
ou menor medida o método histórico-crítico de interpretação da Bíblia
juntamente com os pressupostos teológicos que o acompanham.1 Com o
reconhecimento governamental dos cursos de teologia e de ciências da
religião, há uma corrida desenfreada de pastores, evangelistas, mestres
e professores evangélicos por diplomas reconhecidos pelo Ministério da
1
Para análise do liberalismo teológico e comparação com as doutrinas cristãs veja
J. Gresham Machen, Cristianismo e liberalismo, São Paulo: Os Puritanos, 2001.
11
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Educação obtidos, na maior parte das vezes, em instituições nas quais
os liberais por anos vinham semeando dúvida quanto à autoridade e
à veracidade da Palavra de Deus. Centenas e centenas de evangélicos
vêm se submetendo à doutrinação liberal, chamada de “científica”,
em troca de um carimbo do governo em seu diploma. O resultado não
poderia ser outro: dúvidas quanto aos principais pontos da fé cristã
histórica um dia abraçada e defendida com firmeza, acompanhadas da
rejeição de definições doutrinárias e práticas claras. O evangelicalismo
perdeu a virilidade teológica, o rumo certo, os referenciais confiáveis.
A Palavra de Deus e sua relevância para hoje são questionadas.
Incluo nesse panorama os neo-ortodoxos, embora o grupo proteste.
É verdade que, historicamente, a neo-ortodoxia é um movimento dis-
tinto do liberalismo teológico. Tendo surgido como uma tentativa de
corrigi-lo, não descartou os resultados do liberalismo quanto as Escri-
turas, mas os pressupõe. É por isso que podem ser chamados também
de neoliberais, os novos liberais do presente. Se, antes, eram denomi-
nados neo-ortodoxos por parecer representar um regresso à ortodoxia,
logo ficou evidente que nada mais representavam que uma nova forma
de liberalismo. Assim, neo-ortodoxos — ou, mais propriamente, neo-
-liberais — adotam conceitos aproximados com relação à falibilidade
das Escrituras e usam o mesmo método de interpretação bíblica. Neste
livro uso de modo intercambiável os termos liberais, neo-ortodoxos e
O que estão fazendo com a Igreja
neoliberais com frequência referindo-me ao mesmo grupo. Afinal, eles
têm muito em comum e muitas vezes são indistintos.
Segundo, e em consequência do sintoma anterior, hoje os liber-
tinos têm coragem para assumir publicamente suas posturas. “Liber-
tinos” são aqueles que, mesmo dentro dos arraiais evangélicos, não
veem nada de errado no sexo antes e fora do casamento e nutrem
alguma simpatia pela prática homossexual, por exemplo. A ética dos
libertinos é governada pelo conceito de que o amor e a graça de Deus
nos permitem viver do jeito que quisermos. Percebe-se a infiltração
da libertinagem entre os evangélicos por vários indícios: falta de
valores morais claros, ausência de separação entre igreja e mundo,
12
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assimilação indiscriminada do meio de vida e de lazer de nossa cul-
Introdução
tura por parte dos jovens.
Terceiro, é notório o tremendo crescimento do movimento neopen-
tecostal. Neopentecostais são geralmente identificados por sua ade-
rência à teologia da prosperidade e à batalha espiritual, pela autoridade
que dão às novas revelações e por um modelo eclesiástico episcopal
centrado nos autointitulados bispos e apóstolos. Continuam a crescer
no Brasil, apesar de todos os escândalos, denúncias e processos envol-
vendo seus líderes, noticiados pela mídia e deflagrados pelos órgãos
federais. A cara do evangelicalismo brasileiro é cada vez mais moldada
pela Universal do Reino de Deus, pela Igreja Renascer — agora em
declínio —, e pelas centenas de comunidades relacionadas, muitas
delas consideradas igrejas emergentes. Existe uma certa relação entre
o neopentecostalismo e o liberalismo teológico, perceptível a olho nu,
como a primazia da religiosidade, o consequente relegar das Escrituras
a plano secundário e o interesse pelo aqui e pelo agora em detrimento
da escatologia. Apesar das constantes referências à Bíblia, na prática
os neopentecostais tal como liberais e libertinos, relegam a sua auto-
ridade a plano secundário, embora por motivos diferentes. Há muito a
ser dito sobre o assunto, mas neste livro eu me concentro nos demais
autores do cenário evangélico brasileiro, já que existe ampla literatura
disponível sobre o fenômeno neopentecostal.2
Já procurei uma expressão que pudesse englobar todos esses grupos,
porém não fui bem-sucedido. O mais perto que cheguei foi com “es-
querda teológica”, termo que pensei em utilizar para identificar aque-
les dentre o protestantismo brasileiro cujas crenças e valores morais
parecem afinados com a esquerda política em pontos variados como
evolucionismo, relativismo moral, aborto, eutanásia, homossexualismo
2
Veja, por exemplo, Paulo Romeiro, Decepcionados com a graça: esperanças e frus-
trações no Brasil neopentecostal, São Paulo: Mundo Cristão, 2005; Evangélicos em
crise: decadência doutrinária na Igreja brasileira, São Paulo: Mundo Cristão, 1995;
Supercrentes: o evangelho segundo Kenneth Hagin, Valnice Milhomens e os profetas da
prosperidade, 2ª ed., São Paulo: Mundo Cristão, 2007.
13
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etc. — ou seja, liberais, libertinos e, em menor número, neopentecos-
tais. Sei que os neopentecostais tendem um pouco mais à direita nas
questões apontadas, mas, ao fim, por não se pautarem consistente-
mente pelo referencial exclusivo das Escrituras, acabam acompanhando
liberais e libertinos em questões morais e éticas.
Quando cogitei usar esse termo, não pretendia afirmar que todo
esquerdista político é necessariamente um esquerdista teológico. Co-
nheço vários conservadores teológicos que são de esquerda. O oposto,
todavia, parece-me sempre verdadeiro: a esquerda teológica inevita-
velmente segue a política de esquerda no Brasil. O termo, portanto,
mostrou-se útil para identificar os teólogos que partilham da mesma
atitude relativista e liberal que caracteriza as ideologias esquerdistas
oriundas do marxismo. Serviria para designar todo esse complexo de
ideias e conceitos ideológicos, políticos e teológicos que desconhece
as fronteiras tradicionais entre denominações.
É preciso igualmente esclarecer que, em minha opinião, a “direita
teológica” não se alinha necessariamente com a direita política — até
porque, segundo me informam, nunca houve de fato uma direita polí-
tica por essas bandas. Há, inegavelmente, uma simpatia por parte dos
conservadores teológicos para com a agenda republicana americana na
luta pelos valores familiares, assim como o esforço contra o aborto,
a eutanásia e o homossexualismo, mas não a ponto de identificação
O que estão fazendo com a Igreja
completa com o republicanismo.
De acordo com vários amigos meus, é impossível separar a teologia
esquerdista da política esquerdista, pois todo adepto da teologia da li-
bertação, por exemplo, é necessariamente esquerdista político, embora
nem todo esquerdista político seja adepto da teologia da libertação.
Norma Braga de certa feita me escreveu:
Ora, sabemos que o liberalismo teológico é um cruzamento de secularis-
mo humanista e teologia cristã. Diante disso, não é difícil perceber de
onde vem o embasamento teórico (ou os questionamentos) do libera-
lismo teológico hoje: de todo o amálgama de esquerdismo e relativismo
14
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que banha não só a literatura, mas toda a área de ciências humanas.
Introdução
Assim, tudo aponta mesmo para a existência de uma conexão entre
esquerda e neoliberalismo, que me parece até natural, dado o caráter
relativista da esquerda.
Assim, o alicerce do liberalismo teológico e da esquerda política
parece partilhar essas características em comum: o relativismo e o
materialismo.
Todavia, acabei desistindo da expressão “esquerda teológica” neste
livro, pois muitas explicações seriam necessárias todas as vezes que
ocorresse. Fica somente o registro de que um dia a ideia passou por
minha mente.
Por último, inclui uma parte sobre fundamentalistas, reformados e
puritanos. Pode ser uma surpresa para alguns, mas tenho críticas tam-
bém a esses grupos, embora, certamente, me identifique muito mais
com eles do que com os demais. Tentei ser justo nas minhas análises.
Agora, algumas explicações sobre este livro. Trata-se de uma cole-
tânea editada de posts meus no blog O Tempora, O Mores, que compar-
tilho com meus amigos Solano Portela e Mauro Meister.3 Fundado em
dezembro de 2005, o blog tornou-se um dos difusores na blogosfera
do pensamento cristão conservador sobre temas diversos. A presente
obra é composta de meus posts ali sobre liberalismo, neo-ortodoxia e
libertinos. A guisa de contraponto, inclui igualmente naquele espaço
material sobre conservadores, fundamentalistas e puritanos. Chegamos
a pensar na publicação de todos os posts, inclusive os de Solano e Mau-
ro, o que cobriria uma gama variadíssima de assuntos. Mas eu queria
um livro que tratasse especificamente dos liberais no sentido amplo.
Essas reflexões foram escritas a partir do ponto de vista reformado
e calvinista, o que certamente provocará alguma polêmica e reflexão
em leitores de outras persuasões. Apesar disso, eles poderão, com um
pouco de boa vontade, encontrar aqui muitos pontos de concordância.
3
<http://tempora-mores.blogspot.com>.
15
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Tentei agrupar os capítulos em blocos temáticos. Verifico, todavia,
que nem sempre um capítulo está bem posicionado, pois toca em di-
ferentes áreas ao mesmo tempo, dificultando a decisão sobre o local
apropriado. Espero que isso não dificulte a leitura.
O objetivo deste livro é provocar reflexão e servir como instrumento
de fortalecimento para todos aqueles que desejam seguir a fé bíblica
conforme entendida pelo cristianismo histórico.
São Paulo, abril de 2008
Augustus Nicodemus Lopes
O que estão fazendo com a Igreja
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As raízes da crise
p r i m e i r a p a r t e
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capítulo
um
O que aconteceu com
os evangélicos no Brasil?
Quando Paulo Romeiro escreveu Evangélicos em crise em meados da
década de 1990,1 havia apenas abordado um dos muitos modos pelos
quais o evangelicalismo entrara em colapso no Brasil: sua incapacidade
de deter a proliferação de teologias oriundas de uma visão pragmática
e mercantilista de igreja, no caso, a teologia da prosperidade. Fica cada
vez mais evidente que os evangélicos se encontram, hoje, em meio a
uma crise muito maior, a começar pela dificuldade — para não falar da
impossibilidade — de ao menos se definir o que é ser evangélico.
Até pouco tempo, “evangélico” indicava vagamente aqueles pro-
testantes de todas as denominações — presbiterianos, batistas, me-
todistas, anglicanos, luteranos e pentecostais, entre outros — que
detinham pelo menos três características: consideravam a Bíblia como
Palavra de Deus, autoritativa e infalível; eram conservadores no culto e
nos padrões morais; cultivavam uma visão missionária. Hoje, no Brasil,
o termo não abrange mais tais itens, mas tem sido usado para se referir
a todos os que, no âmbito do cristianismo, não são católicos romanos:
protestantes históricos, pentecostais, neopentecostais, igrejas emer-
gentes, comunidades dos mais variados tipos etc.
Os evangélicos têm tido dificuldade para escolher uma única pala-
vra que os defina, já que “evangélico” praticamente perdeu seu senti-
do original. Quando, para nos identificarmos, precisamos pedir licença
1
São Paulo: Mundo Cristão,1995.
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para tecer longas explicações e depois temos de lançar mão de três
ou quatro atributos, isto é sinal de que a coisa está realmente feia.
“Cristão” inclui católicos e espíritas. “Protestante” inclui também li-
berais. “Reformado” inclui várias linhas e é título predileto dos libe-
rais dentro das igrejas históricas. “Evangélico” é amplo demais e é
preferido dos neopentecostais e da mídia. Só mesmo usando mais de
um adjetivo.
É evidente a crise gigantesca em que os evangélicos se encontram:
indefinição quanto aos rumos teológicos, multiplicidade de teologias
divergentes, falta de liderança com autoridade moral e espiritual, der-
rocada doutrinária e moral de líderes que um dia foram reconhecidos
como referência, ascensão de líderes totalitários que se autodenomi-
nam pastores, bispos e apóstolos, conquista gradual das escolas de
teologia pelo liberalismo teológico, ausência de padrões morais que
pautem ao menos a disciplina eclesiástica, depreciação da doutrina,
mercantilização de várias editoras evangélicas que passaram a publi-
car livros de linha não evangélica, surgimento das chamadas igrejas
emergentes. Como resultado, cada vez mais pessoas procuram igrejas
para se sentir bem, para buscar solução imediata de seus problemas,
sem sequer refletir nas questões mais profundas acerca da existência e
da eternidade, migrando de uma comunidade para outra sem qualquer
compromisso ou engajamento com a vida cristã.
O que estão fazendo com a Igreja
Recentemente, um amigo meu, respeitado professor de teologia,
confessou-me acreditar que o evangelicalismo brasileiro está na UTI.
Concordo com ele. A crise, contudo, tem suas raízes na própria natureza
do evangelicalismo, desde o seu nascedouro. Há opiniões divergentes
sobre a data de nascimento do moderno evangelicalismo. Aqui, adoto
a opinião de que o movimento surgiu entre as décadas de 1950 e 1960
nos Estados Unidos. Era uma ala dentro do movimento fundamentalista
que desejava preservar os pontos básicos da fé (veja o capítulo sobre
Fundamentalismo), mas que não compartilhava do espírito separatista
e exclusivista da primeira geração de fundamentalistas. A princípio
chamado de “neofundamentalismo”, o evangelicalismo entendia que
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