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Artigo - Manejo Florestal Sustentável

O documento discute o manejo florestal sustentável em áreas protegidas de uso comunitário na Amazônia, destacando a importância das comunidades tradicionais na gestão e proteção dos recursos naturais. Apresenta dados sobre as Unidades de Conservação (UCs) e a necessidade de políticas públicas que reconheçam o papel dessas comunidades na exploração e conservação da floresta. O trabalho visa garantir o uso sustentável da biodiversidade e a manutenção das populações tradicionais no território brasileiro.
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Artigo - Manejo Florestal Sustentável

O documento discute o manejo florestal sustentável em áreas protegidas de uso comunitário na Amazônia, destacando a importância das comunidades tradicionais na gestão e proteção dos recursos naturais. Apresenta dados sobre as Unidades de Conservação (UCs) e a necessidade de políticas públicas que reconheçam o papel dessas comunidades na exploração e conservação da floresta. O trabalho visa garantir o uso sustentável da biodiversidade e a manutenção das populações tradicionais no território brasileiro.
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DOI: 10.

14393/SN-v32-2020-51621
Recebido: 19 Novembro 2019 |Aceito: 10 Setembro 2020

Artigos

Manejo Florestal Sustentável em Áreas


Protegidas de uso comunitário na Amazônia
Sustainable Forest Management in Community Use Protected Areas in the
Amazon

Katiuscia Fernandes Miranda1


Manuel Amaral Neto2
Romier da Paixão Sousa3
Roberta de Fátima Coelho4

Palavras-Chaves: Resumo
Comunidades tradicionais Historicamente, o uso dos bens ou recursos naturais pelos povos e
Gestão de recursos naturais comunidades tradicionais, apresentam algumas características
Manejo florestal sustentável comuns, a partir de modos de vida específicos, marcado pela
intensa simbiose e relativa harmonia com o meio ambiente em que
vivem, desenvolvendo técnicas de baixo impacto ambiental, baixa
articulação com o mercado, intenso conhecimento da
biodiversidade que os cerca e modo de produção baseado na mão
de obra familiar Na atualidade, a discussão sobre o uso desses
recursos adquiriu grande relevância em decorrência do seu uso
excessivo. Impulsionados pelo debate e mobilização em torno da
importância dos povos e comunidades tradicionais no manejo e
proteção dos recursos naturais, o Estado promove políticas
públicas que reconhece e evidencia o papel das comunidades
tradicionais sobre o direito de explorar a floresta, como também na
proteção dos recursos naturais em geral. Nesse sentido, este
trabalho tem como objetivo apresentar dados atualizados do
potencial de manejo sustentável em áreas protegidas de uso
comunitário na Amazônia, responsável por garantir o uso
sustentável da biodiversidade e a manutenção dos povos e
populações tradicionais que habitam no território Brasileiro.

Keywords: Abstract
Traditional communities The use of natural assets or resources by traditional peoples and
Natural resources management communities have some common characteristics, due to specific
Sustainable forest management ways of life, marked by intense symbiosis and relative harmony
with the environment in which they live, developing techniques of
low environmental impact, low articulation with the market,

1 Instituto Internacional de Educação do Brasil, Brasil. [email protected]


2 Instituto Internacional de Educação do Brasil, Brasil. [email protected]
3 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará, Brasil. [email protected]
4 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará, Brasil. [email protected]

Soc. Nat. | Uberlândia, MG | v.32 | p.778-792 | 2020 | ISSN 1982-4513 778


MIRANDA et al. Manejo Florestal Sustentável em Unidades de Conservação de uso comunitário

intense knowledge of the surrounding biodiversity and production


method based on family labor. At present, the discussion about the
use of these resources has acquired great relevance because of
their excessive use. Driven by debate and mobilization around the
importance of traditional peoples and communities in the
management and protection of natural resources, the State
promotes public policies that recognize and highlight the role of
traditional communities in the right to exploit the forest, as well
as in the protection of natural resources in general. In that regard,
this paper has the purpose of presenting updated data on the
potential for sustainable management in protected areas used by
communities in the Amazon, to ensure the sustainable use of
biodiversity and the maintenance of traditional peoples and
populations that live in the Brazilian territory.

INTRODUÇÃO garantir o acesso a todos. Como por exemplo, as


apresentadas por Ostrom (1998), as quais
fundamenta-se na necessidade de se estabelecer
O uso dos recursos naturais pelos povos e regras e normas, criadas a partir de instituições,
comunidades tradicionais, apresentam algumas que servem para coibir ou aplicar sanções aos
características comuns, a partir de modos de vida indivíduos do grupo, como uma espécie de modelo
específicos, marcado pela intensa simbiose e de comportamento social pré-estabelecido.
relativa harmonia com o meio ambiente em que Trazendo essas reflexões para a realidade
vivem, desenvolvendo técnicas de baixo impacto Amazônica, pode-se afirmar que o modelo de
ambiental, baixa articulação com o mercado, desenvolvimento pensado para o uso dos bens
intenso conhecimento da biodiversidade que os comuns da natureza foi fundamentalmente
cerca e modo de produção baseado na mão de obra pautado na extração à exaustão e na
familiar (CAÑETE; VOYNER, 2010). transformação dos ecossistemas em monocultivos,
Na atualidade, a discussão sobre o uso desses em detrimento do uso racional, sendo esse um
recursos adquiriu grande relevância, modelo falido e que precisa ser ressignificado
principalmente por conta do nível de degradação (LOUREIRO, 2012).
em que se encontram, em decorrência do seu uso Impulsionados por esse debate, o Estado
excessivo. Essa teoria de uso excessivo dos promove algumas políticas públicas que
recursos naturais foi discutida por Hardin (1968), reconhecem e evidenciam o papel das
quando apresentou as formulações em torno do comunidades tradicionais sobre o direito de
dilema dos comuns e os questionamentos acerca explorar a floresta, como também na proteção dos
da racionalização individual como contraponto à recursos naturais em geral. Como exemplo de
racionalização coletiva, no uso dos bens comuns política pública, destaca-se a criação e
da natureza. Segundo Hardin (1968), os bens de consolidação de Áreas Protegidas, do tipo
uso comum, como a atmosfera, os rios, os parques Unidades de Conservação (UCs), regulamentada
e os oceanos, estariam sentenciados a exaustão, pelo Sistema Nacional de Unidades de
por consequência do livre acesso aos mesmos, em Conservação (Snuc), o qual surge com o objetivo
decorrência de uma falta de regras para o seu uso. de garantir o uso sustentável da biodiversidade e
Assim, entre agricultores, pescadores e a manutenção dos povos e populações tradicionais
extrativistas, que utilizam os recursos pelo livre que habitam no território Brasileiro (BRASIL,
acesso, haveria a maximização do uso e, como 2000).
consequência, a degradação do mesmo. Para Contudo, os modelos predominantes de
evitar esta situação limite, Hardin então propõe a desenvolvimento caracterizados por Loureiro
privatização dos recursos ou a transformação dos (2012), tem ocasionado o que McCay e Acheson
recursos comuns em bens públicos, em que o (1987) denominam de “tragédia dos
direito de regulação caberia às instituições comunitários”, que se contrapões aos postulados
geridas pelo Estado. de Hardin (1968). Ou seja, o modelo imposto tem
Outras contribuições teóricas, aprofundaram como consequência a expropriação do
o debate sobre o uso de recursos naturais campesinato de territórios comunitários em
posteriores às de Hardin (1968) e demonstraram consequência da hegemonia exercida pela grande
alternativas na gestão coletiva de bens comuns, a propriedade privada, da propriedade pública e dos
partir da elaboração de regras, de forma a grandes projetos de desenvolvimento.

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MIRANDA et al. Manejo Florestal Sustentável em Unidades de Conservação de uso comunitário

Nesse sentido, o presente trabalho tem como AMAZÔNIA LEGAL


objetivo apresentar dados atualizados do
potencial de manejo sustentável em áreas
protegidas de uso comunitário na Amazônia, Como estratégia de garantir o uso sustentável da
responsável por garantir o uso sustentável da biodiversidade e a manutenção dos povos e
biodiversidade e a manutenção dos povos e comunidades tradicionais, a partir de um processo
populações tradicionais que habitam no território histórico de lutas e reivindicações, o governo
Brasileiro. brasileiro precisou ordenar o uso e ocupação das
florestas públicas do grande território amazônico
(Figura 1).
ÁREAS PROTEGIDAS, USO E GESTÃO NA

Figura 1 – Mapa das Florestas Públicas na Amazônia Legal em 2017

Fonte: Org. de Katiuscia Miranda, 2018.

Até dezembro de 2018, existiam na Amazônia ecossistemas sem as alterações causadas por
Legal, 339 UCs, totalizando 1.286.927 km², o que interferência humana, admitido apenas o uso
corresponde a 25,7% desse território. Desse total, indireto dos seus atributos naturais (Tabela 1).
220 são da categoria de Uso Sustentável - a qual A maioria das UCs, tanto na esfera federal
têm como objetivo compatibilizar a conservação quanto na estadual, são da categoria de Uso
da natureza com o uso sustentável dos bens Sustentável (63,5%), o que reforça a importância
comuns para geração de renda, conciliando a de se pensar estratégias que garantam o uso e
presença humana nas áreas protegidas; e 119 são gestão dos recursos naturais existentes nesses
da categoria de Proteção Integral - a qual tem territórios pelos povos e comunidades tradicionais
como objetivo principal a manutenção dos que ali habitam.

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Tabela 1 – Números (absoluto e percentual) da quantidade de unidades de conservação na Amazônia


Legal Brasileira por categoria de uso.
% da Área em
% da Área em relação à área
Qtd
Categorias de UCs Área (km²) relação à área total da
e
total de UCs Amazônia
legal
Proteção Integral 119 469.420 36,5% 9,4%
Estação Ecológica (Esec) 26 120.333 9,4% 2,4%
Monumento Natural (Monat) 3 327 0,0% 0,0%
Parque Estadual (PES) 43 71.033 5,5% 1,4%
Parque Nacional (Parna) 26 223.305 17,4% 4,4%
Refúgio de Vida Silvestre (RVS) 5 1.107 0,1% 0,0%
Reserva Biológica (Rebio) 16 53.315 4,1% 1,1%
Uso Sustentável 220 817.507 63,5% 16,3%
Área de Proteção Ambiental (Apa) 47 236.944 18,4% 4,7%
Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie) 4 459 0,0% 0,0%
Floresta Estadual (FES) 19 132.588 10,3% 2,6%
Floresta Estadual de Rendimento Sustentado
10 2.675 0,2% 0,1%
(FERS)
Floresta Extrativista (Florex) 1 10.550 0,8% 0,2%
Floresta Nacional (Flona) 34 170.777 13,3% 3,4%
Reserva de Desenvolvimento Sustentável
26 112.147 8,7% 2,2%
(RDS)
Reserva de Fauna (RFAU) 1 105 0,0% 0,0%
Reserva Extrativista (Resex)) 78 151.264 11,8% 3,0%
Total Geral 339 1.286.927 100,0% 25,7%
Fonte: Org. dos autores, a partir de dados do ISA (2018) e SFB (2018).

Contudo, a consolidação de demandas sociais 98.897, de 30 de janeiro de 1990, e somente no ano


por qualidade ambiental e a organização de 2000, as reservas extrativistas passam a ser
cidadãos para reivindicá-la enquanto direito, fez reconhecidas como UCs integrantes do Snuc
com que, para a maioria dos especialistas em (BRASIL, 1990; 2000). “As Resex permitiram o
conservação e algumas Organizações não atendimento de demandas de comunidades
governamentais (ONGs), a floresta e os quanto ao acesso à terra, garantindo sua
ecossistemas a elas associadas fossem permanência no campo. Elas foram a ‘reforma
consideradas como elemento central de agraria’ dos seringueiros” (SAWYER, 2011, p.
reivindicação política. Exemplo disso foi o 365).
processo de criação das Reservas Extrativistas Estudo recente de análises e avaliação da
(Resex’s), as quais surgiram em 1987, com base na gestão de UCs apontou que os maiores desafios
Portaria nº 627, de 30 de julho de 1987 para conservação da biodiversidade no Brasil
regulamentada pelo Instituto Nacional de estão na administração, na inclusão da sociedade
Reforma Agrária (Incra) (BRASIL, 1987). na gestão participativa e integrada e no manejo
Esse processo de constituição das Resex na sustentável das UCs (IBAMA; WWF, 2007).
Amazônia foi sistematizado por diversos autores Por conta disso, torna-se necessário ampliar o
(ALMEIDA, 2004; ALEGRETTI, 2008; CUNHA, debate em torno do manejo sustentável da
2010) e seu início data da década de 1980, no Biodiversidade nas UCs, promovendo uma maior
estado do Acre, como resultado da luta dos integração entre as práticas “extrativistas”,
seringueiros organizados em suas organizações baseados nos saberes tradicionais produzidos de
representativas. Segundo Allegretti (2008) a forma coletiva, e a agricultura familiar associadas
proposta das Resex’s era nova e não encontrava à reprodução física e cultural dos povos e
amparo na legislação brasileira atinente ao meio comunidades tradicionais. “A síntese entre
ambiente e à regularização fundiária, sendo agricultura familiar e extração pode viabilizar a
importante para a estratégia de reorganização do permanência da produção familiar no campo”
espaço e diminuição dos conflitos. (SAWYER, 2011, p.373).
Esses territórios só foram reconhecidos como Sendo fundamentais para o fortalecimento de
UCs em 1990, por intermédio do Decreto nº ações estratégicas em torno da segurança e

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soberania alimentar nesses territórios, conforme da implementação de projetos pilotos.” (AMARAL


apresentado por Kanashiro (2014, p.423) NETO et al, 2008, p.233).
Amaral Neto et al. (2008), ressalta que os
o uso e a conservação das florestas e de debates coletivos foram importantes para
seus recursos genéticos, além de seus alavancar um processo de articulação
produtos e serviços ecossistêmicos, [...], interinstitucional, o qual impulsionou uma
contribuem também à segurança expansão das iniciativas de MFC na Amazônia
alimentar. Isso corrobora a visão legal. No início dos anos 2002, por meio de
crescente de sua multifuncionalidade, a pressões das organizações da sociedade civil, uma
exemplo do que ocorre com a agricultura. série de formulação de políticas públicas foram
(KANASHIRO, 2014, p.423) iniciadas, como os processos de revisão de
procedimentos para regulamentação da atividade
de MFCF junto aos órgãos de controle e
MANEJO FLORESTAL COMUNITÁRIO E fiscalização ambiental.
FAMILIAR DE USO MÚLTIPLO Essa articulação resultou na assinatura do
Decreto nº 6.874, de 05 de junho de 2009, o qual
cria o Programa Federal de Manejo Florestal
Dentre os modelos de práticas sustentáveis que Comunitário e Familiar (PFMCF), com o objetivo
vem ganhando relevância como alternativa para a de “coordenar as ações de gestão e fomento ao
conservação e geração de emprego e renda no manejo florestal sustentável voltadas para os
cenário amazônico é o Manejo Florestal povos, comunidades tradicionais e agricultores
Comunitário e Familiar (MFCF). O qual familiares que tiram sua subsistência das
representa a diversidade de modalidades e florestas brasileiras” (BRASIL, 2009).
escalas de manejo praticadas em florestas Apesar do avanço com a criação do Programa,
comunitárias por comunidades indígenas, conferindo-lhe uma estratégia política e de
ribeirinhas, seringueiros, colonos, produtores governança, sua implementação tem deixado
familiares agroextrativistas em geral, de forma muito a desejar. Desde 2013 não são constituídas
coletiva e individual (AMARAL NETO, 2002). políticas voltadas para o fortalecimento dos povos
Essa prática possui uma característica que o e comunidades tradicionais (Figura 2).
diferencia dos demais tipos de manejo florestal, O cenário junto aos povos e comunidades
pois os protagonistas da ação – as comunidades – envolvidas na implementação de MFCF só não foi
“dependem diretamente das florestas e pior porque as mesmas constituíram uma vasta
relacionam-se com esses recursos a partir de rede de articulação interinstitucional com ONGs
diferentes perspectivas” (AMARAL; AMARAL e instituições de ensino e pesquisa as quais, com
NETO ,2005, p.15). recursos oriundos de fundos de cooperação
Sabogal et al (2008, p.42) afirma que somente nacional e internacional, conseguiram dar
na década de 80 “o manejo florestal comunitário continuidade ao apoio necessário para o
passa a ser visto como uma alternativa fortalecimento das iniciativas.
promissora de gestão dos recursos florestais”.
Primeiramente implementados a partir de
programas e projetos desenvolvidos por ONGs POTENCIAL DO MANEJO FLORESTAL
junto às comunidades, com financiamentos COMUNITÁRIO E FAMILIAR EM
oriundos da cooperação internacional. Somente UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NA
na metade da década de 90, quando aumenta no AMAZÔNIA LEGAL
mundo a preocupação em torno da necessidade de
pensar estratégias e programas de redução da
pobreza, é que os governos internalizam em suas O manejo florestal está previsto no Código
estruturas ações de fortalecimento técnicos, Florestal (Art. 15º da Lei nº 4.771, de 15 de
sociais e institucionais com vistas ao aumento das setembro de 1965), como instrumento necessário,
capacidades locais para o MFCF. para a exploração de florestas primitivas na bacia
Em 1996, por exemplo, o Governo federal amazônica e regulamentado através do Decreto nº
constitui o Programa Nacional de Fortalecimento 5.975, de 30 de novembro de 2006 (BRASIL, 1965;
da Agricultura Familiar (Pronaf) como uma das 2006). Compreende a administração da floresta
principais fontes de crédito para custeio e para a obtenção de benefícios econômicos, sociais
investimento para a produção (BRASIL, 1996). É e ambientais, respeitando-se os mecanismos de
também nesse período que “surgem na Amazônia sustentação do ecossistema objeto do manejo, e
as primeiras tentativas de se formalizar Plano de considerando-se, cumulativa ou
Manejo Florestal Sustentável (PMFS), por meio alternativamente, a utilização de múltiplas

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espécies madeireiras, de múltiplos produtos e florestal, conforme previsto no Item VI do Art. 3º


subprodutos não madeireiros bem como a da Lei nº 11.284, de 2 de março de 2006 (BRASIL,
utilização de outros bens e serviços de natureza 2006).

Figura 2 – Linha do tempo de legislação voltada para povos e comunidades tradicionais na Amazônia.

Fonte: Org. de Katiuscia Miranda, a partir de consultas à base de informações sobre legislação.

As UCs de uso sustentável são áreas florestal, sendo não onerosa para os beneficiários
destinadas ao uso comunitário, e é permitida a (ou seja, não envolve pagamentos ao governo pelo
extração de madeira por meio do manejo florestal uso dos recursos). No entanto, a destinação não
sustentável, conforme previsto na Lei nº 11.284, prevê o repasse do direito de posse da terra
de 2 de março de 2006, a qual dispõe sobre a pública para tais comunidades, ela se dá por meio
gestão de florestas públicas para a produção do Contrato de Concessão de Direito Real de Uso
sustentável. Conforme previsto no artigo 4º da firmado entre a associação comunitária e o poder
referida Lei, as florestas públicas podem ser público em áreas de Resex, RDS, Projeto de
destinadas para produção sustentável por meio de Assentamento Florestal (PAF), Projeto de
três modelos: a criação de florestas nacionais, Desenvolvimento Sustentável (PDS), Projeto de
estaduais e municipais, e sua gestão direta; a Assentamento Agroextrativista (PAE) ou
destinação de florestas públicas às comunidades modalidades similares nos Estados e nos
locais residentes nestas florestas; e por meio de municípios.
concessão florestal em florestas públicas naturais O terceiro modelo é a concessão florestal, onde
ou plantadas, compreendendo as unidades de se estabelece um contrato formal para a
manejo florestal em UCs de florestas nacionais, realização do manejo de produtos e de serviços
estaduais ou municipais (BRASIL, 2006). florestais, entre o governo e uma pessoa jurídica
No modelo de gestão direta, é permitido ao (previamente selecionada por licitação pública),
poder público realizar diretamente a gestão das sendo necessário o pagamento pelos produtos e
florestas públicas (especificamente as UCs do tipo pelos serviços florestais que serão acessados pelo
floresta nacional, estadual ou municipal). concessionário.
O modelo de destinação de florestas públicas Independente do modelo adotado, o manejo
às comunidades locais prevalece sobre a concessão florestal sustentável em UCs para beneficiamento

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MIRANDA et al. Manejo Florestal Sustentável em Unidades de Conservação de uso comunitário

de madeira deve ser implementado mediante a crescimento e regeneração das árvores


elaboração do PMFS, regulamentado pela remanescentes. Esses cuidados reduzem os danos
Instrução Normativa nº 16, de 4 de agosto de 2011 ambientais causados durante a derruba e
(BRASIL, 2011), e seguindo as técnicas de aumenta a eficiência da ação como o retorno
Exploração de Impacto Reduzido (EIR), os quais financeiro (SHULZE, GROGAN, VIDAL, 2008, p.
devem ser implementados de forma integrada às 175) (Figura 3).
práticas silviculturas e atento aos cuidados de

Figura 3 – Etapas operacionais do Manejo Florestal Sustentável.

Fonte: Org. pelos autores, 2019.

Os três modelos de destinação de florestas apresentado na Tabela 2, adotar-se-á os seguintes


públicas podem ser implementados em UCs de percentuais de áreas disponíveis ou habilitadas
uso sustentável que ocupam, atualmente, para a produção florestal: (i) 50% da área de UCs
aproximadamente 15,7%, ou 817.507 km², da na categoria de Resex, RDS e Refau, destinados a
Amazônia Legal Brasileira (Tabela 2), sendo a produção comunitária; (ii) nas demais categorias
maioria da categoria de APA (29%) seguida das de UCs, onde é permitido as concessões onerosas
categorias de Flona (21%) e Resex (19%). a empresas, considera-se então 20% para uso
Para os cálculos de projeção do potencial de comunitário e 50% para uso empresarial.
área para o MFCF em UCs, vamos considerar os Podemos afirmar que aproximadamente
modelos de destinação de florestas públicas 242.556 mil km2 de áreas em UCs de uso
apresentados anteriormente e as normas sustentável na Amazônia estariam habilitadas
previstas no código florestal para proteção da para a produção florestal comunitária. O restante,
vegetação nativa em áreas de preservação cerca de 276.996 mil km2, estariam destinadas ao
permanente, reserva legal, uso restrito e manejo empresarial (Tabela 2).
exploração florestal. A partir daí, conforme

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MIRANDA et al. Manejo Florestal Sustentável em Unidades de Conservação de uso comunitário

Tabela 2 – Número estimado da área (km²) com potencial florestal em unidades de conservação de uso
sustentável Amazônia Legal.
Área (km²)
Categoria Concessão Comunidades % % da AL
Área Total
florestal locais
Apa 236.944,14 118.472,07 47.388,83 (50% - 20%) 4,5%
Arie 458,64 229,32 91,73 (50% - 20%) 0,0%
Fers 2.674,94 1.337,47 534,99 (50% - 20%) 0,1%
Fes 132.587,58 66.293,79 26.517,52 (50% - 20%) 2,5%
Flona 170.776,56 85.388,28 34.155,31 (50% - 20%) 3,3%
Florex 10.550,00 5.275,00 2.110,00 (50% - 20%) 0,2%
RDS 112.146,92 56.073,46 50% 2,1%
Resex 151.263,63 75.631,82 50% 2,9%
RFAU 104,63 52,32 50% 0,0%
TOTAL 817.507,04 276.995,93 242.555,96 15,7%
Fonte: Org. dos autores, a partir de dados do ISA (2019) e MMA (2019).

Para o cálculo do volume potencial de maneira em tora do Brasil em 2017 foi de


explorada nessas áreas, foi considerado o previsto aproximadamente 12 milhões de m³ de madeira
na Instrução Normativa nº 5, de 11 de dezembro em tora, segundo dados consolidados pelo
de 2006, o qual estabelece, em seu artigo 5º do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Capitulo III, que as intensidades máximas de (IBGE, 2017) o potencial de volume produzido em
corte a serem autorizadas pelo órgão ambiental áreas de florestas comunitárias seriam o
competente será de 30 m³/ha para o PMFS Pleno suficiente para atender à demanda de produção.
com ciclo de corte inicial de 35 anos e de 10 m³/ha Contudo, esse potencial ainda tem sido pouco
para o PMFS de Baixa Intensidade com ciclo de aproveitado. Segundo informações do ICMBio
corte inicial de 10 anos (BRASIL, 2006). (2020), existem 15 iniciativas de MFCF em
Nesse caso, apesar dos PMFS realizado em implementação nas UCs de uso sustentável, as
UCs de uso sustentável na Amazônia quais, juntas, totalizam uma área de
normalmente serem implementados na categoria aproximadamente 268,10 km² de florestas
Plena, ou seja, com uso de maquinários pesados, manejadas, responsável pela oferta de 590.948 m³
por limitações técnicas e organizacionais, não de madeira em tora legalizada no mercado entre
atingem a intensidade máxima de corte prevista. 2005 e 2020 (Tabela 3).
Nesse sentido, adotaremos o aproveitamento Essas iniciativas estão em oito UCs
médio de 10m³/ha em um ciclo de corte de 30 anos, localizadas nos estados do Pará, Amazonas e Acre,
o que geraria uma estimativa de produção de 24 as quais juntas somam o equivalente a 46.999
milhões de metros cúbicos de madeira em tora/ano km², ou seja, representam em torno de 6% do total
oriundo de florestas públicas comunitárias. de área de UCs de Uso Sustentável na Amazônia
Considerando que a produção anual de madeira (Figura 4).

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MIRANDA et al. Manejo Florestal Sustentável em Unidades de Conservação de uso comunitário

Tabela 3 – Números de Área (km²) e Volume (m³) dos Plano de manejo florestal sustentável em unidades
de conservação na Amazônia Legal entre 2005 e 2020
Volume
Área Área total
total
Estado UC UC Instituição detentora autorizada
autorizado
(km²) (km²)
(m³)
1. Flona
5.821 Cooperativa Mista da Flona Tapajós 133,01 338.001
Tapajós
2. Resex
Cooperativa Mista Agroextrativista do
Tapajós 6.476 24,83 61.400
Rio Inambú
Arapiuns
3. Resex Cooperativa Agroextrativista dos Rios
945 2,70 2.659
Mapuá Mapuá e Aramã
4.Resex
Associação dos Moradores da Reserva
Arioca- 834 - -
Extrativista Arióca Pruanã
Pruanã
Cooperativa Mista Agroextrativista
Nossa Senhora do Perpétuo Socorro do 16,70 37.082
Rio Arimum
Pará

Associação de Desenvolvimento
Sustentável dos Produtores
14,77 28.645
Agroextrativistas da comunidade
Itapéua
5. Resex Associação de Desenvolvimento
Verde 1,41 2.640
12.887 Agroextrativista do Baixo Acari
para
Associação Comunitária
Sempre 4,14 8.330
Agroextrativista do Rio Curuminim
Associação Comunitária São Benedito
1,95 3.241
do Ynumbi
Associação Comunitária Deus Proverá 6,95 13.320
Associação da Comunidade Belém de
7,99 13.459
Porto de Moz
Associação da Comunidade de Ipanela - -
Associação dos produtores
6. Resex
Amazonas

7.769 Agroextrativistas da Assembleia de 17,36 41.603


Ituxi
Deus do Rio Ituxi.
7. Flona Cooperativa Agroextrativista Mista do
2.560 2,66 2.177
Purus Mapiá e Médio Purus
8. Resex
Associação dos Moradores da Resex
Acre

Chico 9.706 33,62 38.392


Chico Mendes em Xapuri.
Mendes
TOTAIS 46.999 268,10 590.948
Fonte: Org. por Katiuscia Miranda a partir de dados do ICMBio, 2020.

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Figura 4 – Unidades de conservação com planos de manejo florestal sustentável executados por
comunidades na Amazônia legal.

Fonte: Org. de Katiuscia Miranda, 2020.

A figura 5 apresenta o histórico de oferta aproximadamente 3 mil m³ de madeira em tora


anual de madeira em tora oriunda dos PMFSs nas manejado. Entre 2019 e 2020, a área de manejo
oito UCs ao longo dos últimos 15 anos. O primeiro florestal autorizada em UCs de uso Sustentável
plano de manejo em UC foi aprovado em 2005, na na Amazônia soma 89,46 km² e um volume
Flona do Tapajós, disponibilizando uma área de 1 aproximado de 190.782,12 m³ de volume de
km² naquele ano e um volume de madeira em tora manejado (ICMBio, 2020).

Figura 5 – Oferta anual volume de madeira (m³) e Área (km²) dos planos de manejo florestal sustentável
comunitários em unidades de conservação na Amazônia.

Fonte: ICMBio, 2020.

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Ao analisar esses números efetivos de categoria abrangente que recobre todos os


produção observa-se que apenas 2,5% do potencial instrumentos de planejamento e gestão territorial
de produção de 24,2 milhões de metros cúbicos formalmente reconhecidos pelo atual marco
apresentados na tabela 2 estão sendo produzidos regulatório (acordos de gestão, planos de uso,
de forma sustentável pelas UCs. Esses dados planos de manejo, etc).
mostram também que das 220 UCs de Uso Considerando que a maioria desses acordos e
Sustentável existentes na Amazônia, apenas oito atividades não possuem obrigatoriedade de
possuem iniciativas de manejo madeireiro licenciamento ambiental, torna-se mais
licenciadas, ou seja, o governo e as organizações complicado encontrar informações consolidadas e
locais precisam investir mais esforços para sistematizadas do potencial de produção desses
alavancar e aumentar o protagonismo das produtos.
comunidades na economia florestal e na gestão e A Instrução Normativa nº 05, de 11 de
uso dos recursos florestais madeireiros nesses dezembro de 2006, especifica no capítulo sobre o
territórios. PMFS de produtos florestais não-madeireiros,
Já o MFCF de produtos não madeireiros composto por um artigo e um parágrafo, onde
exerce grande importância para os povos e esses produtos não necessitam de autorização de
comunidades tradicionais, contribuindo para a transporte, necessitando apenas que o
ocupação da mão de obra, distribuição de renda e proprietário informe anualmente ao órgão
segurança alimentar. ambiental as atividades realizadas (espécies,
As comunidades tradicionais, os povos produtos e quantidades). A outra exigência é que
indígenas e muitos colonos de assentamentos já os produtores se cadastrem no Cadastro Técnico
conhecem o potencial (e fazem uso efetivo) dos Federal (BRASIL, 2006).
recursos que a floresta dispõe. A utilização destes Dados consolidados por ICMBio (2019),
implica em impacto mínimo ao meio ambiente mapeou 62 iniciativas de empreendimentos
quando manejados adequadamente. Melo, comunitários que desenvolvem ações de
Almeida e Dantas (2011, p.7) apresentam que: aproveitamento de produtos da
sociobiovidersidade em UCs, localizadas em 33
[...]. Portanto, aliar o saber tradicional ao UCs da Amazônia Legal Brasileira, sendo que os
saber científico no conhecimento dos estados com maior número de iniciativas
produtos não madeireiros [...] contribuirá catalogada são o Pará, com 29 e o Amazonas com
para o desenvolvimento econômico, para a 15 organizações (Figura 6). Das quais, 87% são de
manutenção dos valores culturais, para a associações e 13% de cooperativas responsáveis
conservação das florestas e, finalmente, por gerenciar projetos coletivos de manejo de
para a integração destas dimensões num produtos florestais como Euterpe oleracea (Açaí),
processo equilibrado (MELO, ALMEIDA; Bertholletia excelsa (Castanha do Pará), Attalea
DANTAS, 2011, p.7). speciosa (Babaçu), Theobroma cacao (Cacau),
Pesca, Artesanatos, Óleos vegetais, dentre outros.
Para a realização da atividade, um conjunto O MFCF não madeireiro implementados por
de regras e práticas de uso dos recursos naturais essas 62 iniciativas, beneficiam um número de
são pactuados, resguardando princípios do 12.691 famílias com alternativas de geração de
manejo sustentável, e formalizados por meio dos renda sustentável. (Tabela 4).
‘Planos de Uso Sustentável dos Recursos Naturais
e dos Territórios’ das comunidades locais -

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Figura 1 – Mapa das unidades de conservações com iniciativas de manejo florestal comunitário e
familiar de produtos da sociobiodiversidade na Amazônia Legal.

Fonte: Org. Katiuscia Miranda, 2019.

Tabela 2 – Número de iniciativas e de famílias envolvidas no manejo florestal comunitário e familiar de


produtos não madeireiros em unidades de conservação na Amazônia.
UCs Nº de

Estado Organiza
famílias
ções
Flona de Macauã, Resex Cazumbá Iracema, Resex Chico Mendes,
AC 10 1.109
Resex do Alto Tarauacá, Resex Riozinho da Liberdade
Flona de Tefé, Flona do Purus, Resex Arapixi, Resex Auatí-Paraná,
AM Resex do Baixo Juruá, Resex do Lago do Capanã Grande, Resex do 15 2.797
Médio Purus, Resex Ituxi, Resex Médio Juruá, Resex Rio Unini
AP Flona do Amapá, Resex do Rio Cajari 3 273
Flona do Tapajós, Flona de Carajàs, RDS Itatupã, Baquiá, Resex
Arioca Pruanã, Resex Marinha de Gurupi-Piriá, Resex Marinha de
PA Soure, Resex Marinha de Tracuateua, Resex Marinha Mãe Grande 29 7.816
de Curuçá, Resex Rio Iriri, Resex Rio Xingu, Resex Riozinho do
Anfrísio, Resex Tapajós Arapiuns, Resex Verde Para Sempre
RO Resex do Lago do Cuniã, Resex do Rio Ouro Preto 4 466
TO Resex do Extremo Norte do Estado do Tocantins 1 230
TOTAL 62 12.691
Fonte: Org. pelos autores, a partir de dados do ICMBio, 2019.

tem pautado, ao longo dos anos, os modelos de


CONCLUSÕES desenvolvimento econômico das sociedades. Na
Amazônia, duas questões centrais têm pautado
essas discussões: o protagonismo dos povos,
A evolução dos debates sobre sustentabilidade comunidades tradicionais, e agricultores

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familiares no manejo dos recursos naturais - preocupações e compromissos mundiais


assegurando ou melhorando o bem-estar dos assumidos pelo governo de combate à fome e
mesmos em seus territórios - e a contribuição para pobreza, no caso especifico de produtos dos grupos
a conservação das florestas assegurando a alimentícios, os avanços no marco regulatório
continuidade do fornecimento de serviços foram maiores e permitiram a formulação de um
ambientais essenciais para a população mundial. conjunto de políticas públicas, como as que
Porém, a conjuntura política Brasileira atual regulam e orientam o acesso ao mercado
está desfavorável para a manutenção e institucional. Apesar dos riscos ocasionados pela
permanência desses modelos mais sustentáveis, conjuntura política brasileira, o reforço dessas
baseados em benefícios ambientais e de melhoria práticas de uso e comercialização na esfera local-
da qualidade de vida das populações locais. Por regional podem impulsionar modelos sustentáveis
outro lado, essa ameaça externa pode se constituir na gestão de territórios comunitários com forte
em oportunidade de reafirmação de direitos protagonismo de comunidades rurais. Além da
comunitários na construção de legitimidade de dimensão ambiental, a diversificação como práxis
arranjos para gestão de seus territórios. dos povos e comunidades tradicionais fortalece a
Nesse sentido, observa-se que as comunidades reprodução social desses grupos que habitam as
que desenvolvem o MFCF de uso múltiplo buscam UCs na Amazônia.
exatamente atuar nessa conjuntura desfavorável,
a partir do incremento econômico das famílias,
garantindo melhores condições de vida e REFERÊNCIAS
segurança alimentar, e do fortalecimento de suas
organizações na defesa de seus territórios. Uma
vez que as relações estabelecidas por esses povos ALLEGRETTI, M. H. A construção social de
e comunidades tradicionais com a floresta é de políticas públicas. Chico Mendes e o movimento
completo pertencimento e integração. dos seringueiros. Desenvolvimento e Meio
Essas iniciativas de MFCF têm se Ambiente, nº 18, p.39-59, jul./dez. 2008.
multiplicado na região e, para que consigam Editora UFPR.
operar nas lógicas do mercado, constituem os https://doi.org/10.5380/dma.v18i0.13423
empreendimentos florestais comunitários – ALMEIDA, M. B. W. Direitos à floresta e
cooperativas ou associações – responsáveis pela ambientalismo: seringueiros e suas lutas. São
gestão e implementação dos projetos produtivos. Paulo: Revista Brasileira de Ciências
Porém, sobretudo no caso do manejo florestal Sociais. Vol. 19, Nº 55. 2004.
madeireiro – essas atividades acabam sendo foco https://doi.org/10.1590/S0102-
de disputa com grandes empresas, em função da 69092004000200003
importância do produto para o mercado e da AMARAL NETO, M.; AMARAL, P.; MIRANDA,
concentração do potencial de produção em áreas K.; ARMSTRONG, G. A expansão do Manejo
de florestas comunitárias. Já que Florestal Comunitário na Amazônia brasileira:
aproximadamente 60% das áreas de florestas oportunidades e limites. In: BENSUSAN, Nurit;
disponíveis para o manejo florestal sustentável na ARMSTRONG, Gordon (Org). O manejo da
Amazônia estão em áreas de florestas públicas paisagem e a paisagem do manejo. Brasília:
comunitárias (SFB, 2018). Instituto Internacional de Educação do Brasil -
Portanto, cabe ao governo brasileiro garantir IEB. 2008. p.231 a 245.
a efetividade das políticas públicas que promovem AMARAL, M. Manejo Florestal Comunitário
o MFC, especialmente em áreas de florestas na Amazônia Brasileira: Análise da
públicas comunitária, como nas UCs de Uso participação e valorização de saberes de grupos
Sustentável. Ao invés disso, verifica-se no órgão locais na implementação de três projetos pilotos.
responsável pela gestão dessas UCs focos de 2002.Dissertação (Mestrado em Agriculturas
resistência em relação a essa modalidade de Familiares). Núcleo de Estudos Integrados
manejo. Em trabalho clássico de Diegues (1993) Sobre Agricultura Familiar. Universidade
as razões da “natureza intocada” são fruto de uma Federal do Pará – UFPA, 2002.
imagem idealizada de auto-regulação AMARAL, P.; AMARAL NETO, M. Manejo
ecossistêmica, consolidando um viés Florestal Comunitário: processos e
preservacionista que exerce forte influência sobre aprendizagens na Amazônia Brasileira e na
técnicos do ICMBio inviabilizando o América Latina. Belém: IEB-IMAZON, 2005.
aproveitamento de territórios comunitários para o BENSUSAN, N. Diversidade e Unidade: Um
manejo florestal madeireiro. dilema constante. In: BENSUSAN. Nurit;
A mesma premissa é válida para o manejo de PRATES. A. P. (ORG). A Diversidade cabe na
produtos não madeireiros. Contudo, por conta das unidade?: áreas protegidas no Brasil. Brasília:

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MIRANDA et al. Manejo Florestal Sustentável em Unidades de Conservação de uso comunitário

IEB, 2014. p. 30 – 81. de 2008, que dispõe sobre as infrações e sanções


BRASIL. Lei nº 4.771, de 15 de setembro de administrativas ao meio ambiente e estabelece
1965. Institui o novo Código Florestal. o processo administrativo federal para apuração
BRASIL. Portaria nº 627, de 30 de julho de destas infrações.
1987. Cria a modalidade de Projeto de CAÑETE, T. M.; VOYNER, C. R: Populações
Assentamento Extrativistya e dá outras Tradicionais Amazônicas: revisando
providências. conceitos. In: V Encontro da Associação
BRASIL. Decreto no 98.897, de 30 de janeiro Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
de 1990. Dispõe sobre as reservas extrativistas Ambiente e Sociedade (ANPPAS), 2010,
e dá outras providências. Florianópolis. Disponível em:
BRASIL. Decreto nº 1.946, de 28 de junho de <http://www.anppas.org.br/encontro5/cd/artigo
1996. Cria o Programa Nacional de s/GT10-29-1009-20100904055930.pdf.> Acesso
Fortalecimento da Agricultura Familiar - em: 18 fevereiro, 2019.
PRONAF, e dá outras providências. CUNHA, C. C. Reservas extrativistas:
BRASIL. Decreto nº 5.975 de 30 de novembro institucionalização e implementação no Estado
de 2006. Regulamenta os arts. 12, parte final, brasileiro dos anos 1990. 2010. 308 f. Tese
15, 16, 19, 20 e 21 da Lei no 4.771, de 15 de (Doutorado em Psicossociologia de
setembro de 1965, o art. 4o, inciso III, da Lei no Comunidades e Ecologia Social). Instituto de
6.938, de 31 de agosto de 1981, o art. 2o da Lei Psicologia, Universidade Federal do Rio de
no 10.650, de 16 de abril de 2003, altera e Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.
acrescenta dispositivos aos Decretos nos 3.179, DIEGUES, C. Populações tradicionais em
de 21 de setembro de 1999, e 3.420, de 20 de unidades de conservação: o mito da natureza
abril de 2000, e dá outras providências. intocada. In: VIEIRA, P. F. e MAIMON, D.
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Regulamenta o Art. 225, §1º, incisos I, II, III e Ambiental: rumo à interdicciplinaridade.
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