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Maria Angela Faggin Leite - Paisagem. Natureza. Atitudes Do Homem - Paisagem Ambiente Ensaios n.4 - 1982

O documento apresenta uma discussão sobre a importância dos estudos de Paisagem e Ambiente na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, destacando a necessidade de uma visão mais abrangente e crítica sobre o paisagismo e questões ambientais. O texto é dividido em quatro partes que abordam conceitos de projeto, fundamentos teóricos, história do paisagismo no Brasil e estudos ambientais, refletindo sobre a relação entre a vegetação e o espaço urbano. A obra busca contribuir para uma compreensão mais profunda e integrada do papel da paisagem na qualidade de vida e na interação humana com o meio ambiente.

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Universidade de São Paulo

Reitor Prof. Dr. Roberto Leal Lobo e Silva Filho


Vice-Reitor Prof. Dr. Ruy Laurenti

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo


Diretora Prof3. Dr3. Gilda Collet Bruna
Vice-Diretor Prof. Dr. Geraldo Gomes Serra

Departamento de Projetos- FAUUSP


Chefe Prof3. Dr3. Marlene Picarelli
Vice-Chefe Prof. Dr. Jorge de Rezende Dantas

Grupo de Disciplinas Paisagem e Ambiente


Organização: Prof. Dr. Silvio Soares Macedo
Profa. Catharina Pinheiro Cordeiro dos Santos Lima
Prof. Fábio Mariz Gonçalves
Profa. Klara Kaiser Mori
Profa. Dra. Maria Angela Faggin Pereira Leite
Profa. Maria Assunção Ribeiro Franco
Profa. Titular Dra. Miranda Martinelli Magnolli
Prof. Paulo Renato Mesquita Pellegrino
Prof. Dr. Silvio Soares Macedo
Prof. Vladimir Bartalini
Secretária : Francisca de Souza Lima

Capa
Prof. Dr. Silvio Soares Macedo
Paisagem e ambiente. —São Paulo, FAUUSP, 1982.
195p. : il.; 21 cm. —(Ensaios; 4)

1. Arquitetura paisagística. I. Universidade de São Paulo. Faculdade de


Arquitetura e Urbanismo. Departamento de Projeto. Grupo de Disciplinas Paisagem
e Ambiente, ü. Titulo. III. Série.

Produção gráfica e impressão


Laboratório de Programação Gráfica da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo

Distribuição
Universidade de São Paulo
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
SEÇÃO DE PUBLICAÇÕES
Rua do Lago, 876, Cidade Universitária
CEP 05508-900 - São Paulo - SP
Fone 8133222 Ramal 3722
APRESENTAÇÃO

Os assuntos Paisagem e Ambiente apesar de estarem constantemente em


baila, sejam nas manchetes de jornais e revistas, sejam nas conversas do povo
e no discurso de políticos e governantes, continuam sendo muito pouco
estudados em sua essência e dentro dos centros de estudos de arquitetura e
urbanismo no Brasil são poucos aqueles que possuem grupos de pesquisa
dedicados exclusivamente ao assunto e a FAUUSP é um deles.
O que se observa em geral é uma visão distorcida, onde Paisagem e
Paisagismo são considerados dentro de um contexto parnasiano, como visões
de jardins bucólicos e vistas pitorescas e a questão ambiental é por muitas
vezes apresentada de um modo simplificado como o da proteção de florestas
e animais silvestres e do combate à poluição do ar e da água.
Dentro da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, os professores e
pesquisadores do Grupo de Disciplinas Paisagem e Ambiente têm se
esforçado, por intermédio de suas disciplinas, pesquisas e cursos, em
construir uma visão mais objetiva destes assuntos, de modo que aqueles
indivíduos que participam de suas atividades tenham um ponto de vista
diferenciado desta parte do conhecimento. Paisagismo hoje não pode e nem
deve ser encarado como uma atividade típica de construtores de jardins e o
trabalho com o meio ambiente não pode se limitar à proteção de espécies em
extinção como o mico-leão dourado. Elaborar com a paisagem e o ambiente
significa interferir sobre o espaço do cotidiano humano, seja ele urbano ou
não, e somente uma visão destes espaços e das formas de vida como sistemas
interagentes podem nos indicar caminhos mais adequados para qualquer
ação.
O Paisagismo assume modernamente um significado mais específico como
área de conhecimento e enfoca basicamente as formas, processos e produtos
da ação do homem sobre o território, em especial os espaços livres de urbani­
zação e ou edificação e a questão ambiental perpassa todo este conhecimento
como um quesito base a ser resolvido, o da qualidade de vida dos homens e
de todos os seres vivos e da criação de possibilidades de sobrevida para
todos...
Este quarto número de Paisagem e Ambiente, Ensaios, procura então
apresentar uma parte do trabalho desenvolvido pelos pesquisadores,
professores e alunos do Grupo de Disciplinas Paisagem e Ambiente nos
últimos dois anos e para tanto se divide em quatro partes distintas, cada uma
delas apresentando uma forma ou escala de abordagem sobre os assuntos
Paisagem e Ambiente.
A primeira delas, PROJETO E PLANTAÇÃO, introduz conceitos básicos
sobre o projeto de Paisagismo e os modos diversos de se encarar a questão da
plantação, dando-se um enfoque especial à vegetação como elemento
construtivo do espaço.
A segunda parte, FUNDAMENTOS, possui um viés estritamente teórico,
que se contrapõe ao caráter prático da anterior e traz enfoques diferenciados
sobre os assuntos paisagem e ambiente, apresentando as posições de vários
de nossos pesquisadores, tanto aqueles dedicados à questão da paisagem
urbana, como Ézia Socorro Neves e Fany C. Galanter, tanto os que elaboram
sobre o Planejamento Paisagístico e Ambiental como Maria Angela Faggin
Pereira Leite e Helena N. Degreas ou então a posição de um arquiteto
estudioso do desenho urbano como Mario Ceniquel.
O terceira parte, HISTÓRIA E PAISAGEM, introduz artigos que procuram
trazer à luz, fatos e autores que geraram o paisagismo moderno no Brasil e
em especial em São Paulo. O texto de Eliane Guaraldo, derivado de seus
estudos de mestrado, introduz a questão fundiária, o parcelamento do solo e
o seu rebatimento no surgimento dos espaços livres. Os textos de Marcos
Castilha e Ornar de Almeida Cardoso colocam de um modo claro e incisivo a
importância dos paisagistas, e Waldemar Cordeiro e Roberto Coelho
Cardozo na formulação do moderno Paisagismo Paulista são subprodutos de
uma pesquisa de base recém finalizada denominada "Arquitetura Paisagística
e a Cidade, do Ecletismo ao Moderno: Fundamentos Conceituais e
Rebatimento Espaciais'1
A quarta e última parte, ESTUDOS AMBIENTAIS, apresenta uma análise
precisa da Legislação Florestal Brasileira, o atual Código Florestal e do seu
rebatimento na produção do ambiente antropizado. O código é discutido em
seus itens principais e são apresentadas graficamente as paisagens que
idealmente se pode produzir.

Dr. Silvio Soares Macedo


São Paulo 1992

4
SUMÁRIO
P R O J E T O E PL A N T A Ç Ã O

A VEGETAÇÃO COMO ELEMENTO DE PROJETO 11


Silvio Soares Macedo Arquiteto, especialização em patrimônio ambiental
urbano, mestre e doutor pela FAUUSP, professor e pesquisador do Grupo de
Disciplinas Paisagem e Ambiente do Departamento de Projeto, FAUUSP

FUNDAM ENTOS
A PAISAGEM, A NATUREZA E A NATUREZA DAS ATITUDES
DO HOMEM 45
Maria Angela Faggin Pereira Leite - Bióloga, mestre pela FFLCH-USP,
doutorado FAUUSP, professora e pesquisadora do Grupo de Disciplinas
Paisagem e Ambiente do Departamento de Projeto FAUUSP.

PAISAGEM E PROTEÇÃO AMBIENTAL: ALGUMAS REFLEXÕES


SOBRE CONCEITOS, DESENHOS E GESTÃO DO ESPAÇO 67
Helena Napoleon Degreas Arquiteta, mestre pela FAUUSP, professora de
paisagismo na Universidade São Judas Tadeu, Universidade Paulista,
Universidade Bráz Cubas e Faculdade de Belas Artes.

PAISAGEM OBJETO DE TRABALHO DO ARQUITETO


PAISAGISTA 79
Wantuelfer Gonçalves Eng. Florestal - Faculdade de Engenharia Química
de Lorena - SP, mestre pela Universidade de Viçosa, doutorando FAUUSP, pes­
quisador do Grupo de Disciplinas Paisagem e Ambiente do Departamento de
Projeto - FAUUSP.

PAISAGEM E HABITAT 89
Mário Ceniquel - Arquiteto, mestre, doutorando pela FAUUSP, pesquisador do
Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, professor de Paisagismo na
Universidade Santa Ursula, Rio de Janeiro.

PAISAGEM CONCEITO 107


Ézia Socorro Neves Arquiteta pela Universidade Federal do Pará, mestranda
FAUUSP, pesquisadora do Grupo de Disciplinas Paisagem e Ambiente do
Departamento de Projeto - FAUUSP.

5
CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONCEITUAÇÃO DE ESPAÇOS
PÚBLICOS 113
Fany Cutcher Galender Arquiteta formada pelo Mackenzie, atua com o
arquiteta paisagista e professora de Paisagismo na Faculdade de Belas Artes de
São Paulo, mestrado em andamento pela FAUUSP.

PERCEPÇÃO DO ESPAÇO URBANO: ANÁLISE DA VALORIZA­


ÇÃO DE PAISAGENS URBANAS 121
Paula Landin Goya - Arquiteta FAUUSP, professora na Faculdade de
Arquitetura de Bauru/UNESP.

H IS T Ó R IA E P A ISA G E M

O PAISAGISMO NO BRASIL - INTRODUZINDO A QUESTÃO 131


Silvio Soares Macedo - Arquiteto, especialização em patrimônio ambiental
urbano, mestre e doutor pela FAUUSP, professor e pesquisador do Grupo de
Disciplinas Paisagem e Ambiente, Departamento de Projeto - FAUUSP.

Mario Ceniquel - Arquiteto, mestre, doutorando pela FAUUSP, pesquisador do


Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, professor de Paisagismo na
Universidade Santa Ursula, Rio de Janeiro.

SÃO PAULO - PAISAGEM E PAISAGISMO NA PRIMEIRA


REPÚBLICA: A INSERÇÃO NO QUADRO URBANÍSTICO 139
Eliane Guaraldo Arquiteta e mestranda pela FAUUSP, professora de
paisagismo nas Universidades São Judas Tadeu, Universidade Paulista e
Universidade Bráz Cubas.

O MODERNO NA ARQUITETURA DA PAISAGEM E A OBRA


DE WALDEMAR CORDEIRO 151
Marcos Castilha - Arquiteto, bolsista CNPq - Pesquisa: 'Arquitetura Paisagista e
a Cidade - do Ecletismo ao Modemo fundamentos conceituais e rebatimentos
espaciais (1988-1990) ".

ROBERTO COELHO CARDOZO - A VANGUARDA DA


ARQUITETURA PAISAGÍSTICA MODERNA PAULISTA 171
Ornar de Almeida Cardoso - Arquiteto, bolsista CNPq Pesquisa:
"Arquitetura Paisagística e a Cidade, do Ecletismo ao Modemo: fundamentos
conceituais e rebatimentos espaciais. (1989-1990)".

6
E S T U D O S A M B IE N T A IS

FLORESTAS: OBJETO OU INSTRUMENTO DE PRESERVAÇÃO? 191


Wantuelfer Gonçalves - Eng. Florestal - Faculdade de Engenharia Química
de Lorena - SP, mestre pela Universidade de Viçosa, doutorando FAUUSP, pes­
quisador do Grupo de Disciplinas Paisagem e Ambiente do Departamento de
Projeto - FAUUSP.

7
PROJETO E PLANTAÇÃO
A VEGETAÇÃO COMO
ELEMENTO DE PROJETO

SILVIO SOARES MACEDO


Os anos 80 se caracterizam por constituir parte de uma década
na qual as questões do "verde" e da ecologia passaram a ser
cada vez mais e mais socialmente aceitas, pois existe uma
preocupação geral com a conservação, a preservação e a
manutenção da vegetação, tanto a nível do urbano como no
campo ou nas últimas fronteiras de colonização do planeta.
No meio de todas estas idéias uma série de "fetiches" e "totens" tem sido lan­
çada sobre a "entidade" vegetação e muitos vêem nas selvas, bosques e arvo­
redos a panacéia para a solução de todos os nossos problemas ambientais. Na
realidade toda a estrutura vegetal da Terra é constituída de seres vivos, que
como os humanos, nascem, crescem e morrem e necessitam de ambientes
adequados para se desenvolverem e como eles sofrem as conseqüências da
degradação ambiental causada pela poluição do ar, da água, pelos processos
de exploração das matas e cerrados, enfim pela forma predatória de apro­
priação dos recursos naturais, vigente em grande parte da superfície terrestre.
Dentro do contexto urbano ocidental a vegetação é incorporada a seus espa­
ços livres e da forma que conhecemos hoje, a partir do final do séc. XVIII,
pois, com o crescimento das cidades européias e americanas (USA) o ele­
mento vegetal passa a ter papel estrutural na conformação de seus espaços li­
vres, em especial os parques e as praças.
Este por milênios desempenha um papel restrito nas cidades, concentrado
que foi em quintais e jardins, parques de palácios e pátios de conventos e só
esporadicamente constituíram parte estrutural dos espaços públicos, praças
medievais, "foruns" das cidades romanas, "ágoras" gregas são praticamente
desprovidos de vegetação e esta só adquire um papel de real importância nos
primeiros parques abertos ao público na Inglaterra do séc. XVIII (como o
Hyde Park) e anteriormente pertencentes à Coroa Real.
O séc. XIX é um período de profundas reformulações, de melhorias na ci­
dade e portanto no desenho da paisagem urbana e nesta época os parques e
praças, tal qual os conhecemos hoje, são então incorporados à linguagem da
cidade.

11
Cria-se toda uma escola de desenho dos espaços livres públicos, que são den­
samente arborizados, muitas vezes cercados por gradis, possuindo fontes, es­
culturas e outros elementos decorativos. Os grandes espaços, sejam eles par­
ques ou praças, possuem extensos gramados, sempre procurando-se uma
construção cênica de caráter nitidamente romântico, onde a idéia de buco-
lismo é dominante.
Na segunda metade do século, na Paris reformada por Haussmann abrem-se
os grandes "boulevards", avenidas de largas calçadas e densamente arboriza­
das, que servem como padrão às outras cidades. No Brasil, na cidade de São
Paulo do fim do século, o mais novo bairro destinado às elites, o Higienó-
polis, tem como codinome "Boulevard Burchard", indicando o caráter de suas
ruas todas largas e arborizadas "tal qual as de Paris" Na mesma época é
aberta também na capital a avenida Paulista (1891), também toda arborizada.
Por toda a cidade, a princípio nos bairros de elite e depois pelos subúrbios
novos destinados às classes médias, a arborização surge como um padrão de
urbanização. Do mesmo modo, no Rio de Janeiro, na segunda década do séc.
XX é aberta a avenida Central, também calçada nos padrões dos boulevards
parisienses e um marco referencial do urbanismo nacional.
Paralelamente, a introdução do plantio de árvores nas ruas se consolida em
um novo modelo de assentamento da residência no lote, isolada em contra­
ponto ao padrão colonial de prédios isolados entre si. Surgem dentro do
contexto urbano brasileiro as figuras dos jardins, parques, praças, alamedas,
ruas arborizadas, pocket parks, calçadões, etc. São então estruturas espaciais
que se perpetuam, típicas da cidade contemporânea, e para cada uma delas
pode-se considerar que o seu desenho depende em grande parte da forma
pela qual é utilizada a vegetação e portanto da postura projetual adotada.
Este artigo se propõe então a colocar algumas formas de se elaborar com a
vegetação, quando em processo de projeto de um espaço livre urbano, seja
ele praça, parque, etc., apresentando uma postura desenvolvida, durante o
tempo de nossa prática de ensino de projeto de paisagismo para arquitetos,
dentro da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São
Paulo. Este posicionamento é resultado da adoção do preceito de que a ve­
getação é um elemento estruturador de espaços urbanos, podendo defini-los
total ou parcialmente, posição esta que difere de uma visão clássica entre
muitos projetistas de que as plantas, sejam elas árvores, arbustos ou for-

12
rações, não passam de meros elementos decorativos, complementares a
qualquer projeto seja ele de espaço livre ou edifício.

Esta visão da planta, como elemento de fundo do edifício, como entidade a


ser contida em um plano qualquer ou em um vaso, continua a ser ampla­
mente utilizada com resultados nem sempre adequados à atual realidade
projetual do moderno espaço urbano. Muito desta visão está contida em prin­
cípios estereotipados do urbanismo moderno sobre áreas verdes e que en­
contram sua síntese nas "cidades-jardins" e em especial em Brasília. Nesta
forma de posicionamento a idéia de projeto com planos horizontais e verticais

13
é simplificada dentro do conceito figura-fundo onde o edifício é a figura e a
vegetação, arvoredo ou o gramado se constitui em um cenário de apoio.

A arquitetura paisagista contemporânea, procurando se amoldar às novas


formas e necessidades urbanas que se criam, indica a formulação se possível
de espaços para atividades múltiplas. Utiliza-se então como princípio de pro­
jeto a criação de conjuntos de espaços articulados entre si, que na medida do
possível podem e devem abrigar no evoluir do tempo, atividades diversas.
Naturalmente nem todos os espaços possuem estas características, muitos
deles devendo ainda abrigar funções específicas como o lazer infantil, o play
ground, mas o velho padrão de desenho é definitivamente abandonado dentro
desta nova linha projetual. A figura do jardim não desaparece, muitos dos
espaços livres urbanos devem necessariamente obedecer à conformação
clássica do jardim, moldura do edifício, ou como certa vez afirmou em tom de
galhofa um arquiteto paisagista como ,Jrodapé de prédio". Seriam os casos das
pequenas áreas para plantio de flores ou dos espaços em torno de alguns
tipos de prédios púbücos, como os de Brasília por exemplo, especialmente o
belíssimo jardim do Palácio do Itamaraty de autoria de Roberto Burle Marx.

PENSANDO O ESPAÇO ... E A VEGETAÇÃO


São diversas as formas pelas quais se pode encarar a concepção de um pro­
jeto de espaços livres. De um modo simplificado pode-se fazer uma analogia

14
do espaço livre com uma figura geométrica, no caso o cubo, pois como ele
todo espaço possui paredes, tetos e pisos, isto é vedos, coberturas e pisos.

No caso de uma rua, as paredes, os planos verticais, os chamados vedos são


definidos pelas edificações por muros, por touceiras de arbustos e pela
arborização (os troncos). No caso de uma praça, edifícios e vegetação são
seus elementos definidores e assim por diante.
Os planos horizontais tetos T o d o o e sfA ç o & co n fo ^ to f/a k jq s
e pisos podem ou não ser IHORfZOWTAíS e ligRTTi CA£-
definidos por vegetação,
no caso os tetos seriam as
copas das árvores, ou se
construídos pérgolas, mar­
quises e pórticos. Como
regra, todo e qualquer
plano horizontal superior
no projeto de espaço livre
deve ser pensado como o
céu infinito, como teto já
que este é a 'cobertura"
convencional deste tipo de
espaço.
Quanto aos pisos, planos
horizontais inferiores,
somente em parques e
grandes jardins podem e
devem ser estruturados
totalmente por vegetação,
forração no caso, em geral
sendo definidos nas
cidades por pavimentos.
O PROJETO COM VEGETAÇÃO E SUAS PO SSIBILIDADES
Projetar com vegetação significa trabalhar em cumplicidade direta com seres
vivos que crescem e se desenvolvem com o correr do tempo, criando e re­
criando espaços a cada nova estação. Se as árvores demoram a crescer, a to­
mar corpo, arbustos e forrações, se bem cuidados, crescem e tomam forma
rapidamente, dando um caráter preliminar ao espaço no seu tempo de
plantação e neste momento criando condições mínimas de ocupação. O
arvoredo possui um tempo maior de maturação e só se observa um
amadurecimento de sua estrutura após alguns anos de plantio. Algumas
espécies demoram até dezenas de anos para chegar à fase adulta como as
figueiras (Ficus bejamin) que, por exemplo, demoram cerca de 30 anos para
assumir todo o seu porte, chegando a possuir 15 a 20 m de diâmetro.
Estes fatos nos levam a indicar que se pensé o projeto dos espaços livres em
etapas ou momentos diversos de maturação, de modo que ao se abrir deter­
minado espaço ao uso público este já esteja apto ao desempenho das ativida­
des humanas, independentemente do porte das diversas espécies ali coloca­
das.
Os croquis exemplificam as diversas etapas de amadurecimento de um espaço
totalmente estruturado por vegetação e sugerem no caso as possibilidades cê­
nicas de cada um. No tempo 1 com certeza se apresenta uma situação pobre
em termos cênicos, um campo exposto aos ventos e ao sol onde um pedestre
dificilmente se sentirá a vontade, enquanto nas outras duas situações tempos
2 e 3 os espaços já estão devidamente estruturados e articulados entre $i e
com certeza permitem ao usuário um maior conforto e possibilidade de
orientação.

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17
fe y ifo Z

Certamente espaços paisagisticamente bem estruturados devem apresentar,


desde o seu tempo 1, para o usuário, as melhores condições de usufruto,
tanto a nível funcional ambiental, como cênico. O que se observa, entretanto,
é que muitos dos projetos são concebidos em sua forma final, sem se ater ao
fato das diversas fases de maturação do espaço.
Como com qualquer elemento configurador de espaços, o projeto com plan­
tas oferece infinitas possibilidades de desenho com os mesmos elementos. O
mais clássico partido adotado, derivado dos tradicionais jardins dos períodos
medieval, renascentista e barroco indica como critério-base a colocação de
um elemento mais alto no meio, quase uma escultura, cercado por outros
tàntos mais baixos. Este critério por décadas dirigiu e dirige a concepção da
praça tradicional brasileira, limitando as opções de uso à circulação e ao
sentar em bancos periféricos aos canteiros.

18
O uso de formas diversas de agenciamento só foi introduzido na metade do
séc. XX e ainda não são formas de opções aceitas por todos, especialmente
por falta de conhecimento de tais possibilidades. Estas formas permitem a
criação de múltiplos espaços de estar e circulação, que se contrapõem total­
mente às limitadas possibilidades dos padrões tradicionais, aumentando em
muito as alternativas do arquiteto da paisagem no seu ato de projetar.
Estes critérios alternativos podem ser adotados tanto na concepção de uma
praça, como se observa nos esquemas gráficos, como no agenciamento de
canteiros, parques e demais espaços livres.
Se por exemplo desejamos organizar um espaço qualquer, como o campo a
seguir, com árvores de dois diferentes formatos (cilíndricas e tipo ''palmei-
ras") arbustos e relvados, as possibilidades de organização são com certeza
das mais diversas, da mais óbvia e clássica até muitas outras mais.
Todo o trabalho com vegetação na realidade se estrutura na organização de
maciços de árvores ou de arbustos associados entre si ou não, sempre rela­
cionados com as situações de relevo e com os pisos, formações ou pavimen­
tações. Podem os elementos-indivíduos, árvores ou arbustos, eventualmente,
de acordo com a intenção projetual, encontrarem-se também isolados dentro
do espaço, então colocados como elementos balizadores e escultóricos.

24
A SELEÇÃO DO MATERIAL E O PROJETO
Dentro do território brasileiro inúmeras são as formas de associação vegetal
encontradas, da típica Mata Atlântica aos extensos cerrados e coqueirais ca­
racterísticos das praias quentes do Nordeste do país e todas estas formações
sugerem muitas alternativas a se adotar, parcial ou totalmente, em um
projeto.

g^TCOTORA H O K X a ê N ^ - cc>9UEl&*r

25
Tem -se que um dos princípios básicos da moderna arquitetura paisagística
brasileira prescreve a adoção exclusiva de espécies nativas do país em todo e
qualquer projeto. São utilizadas freqüentemente espécies oriundas da Mata
Atlântica, muitas delas facilmente adaptáveis às áreas urbanas, do cerrado e
outras vezes espécies advindas da Mata Amazônica. Esta postura que favore­
ceu e favorece à criação de um repertório próprio ao país em termos de ele­
mentos de desenho dos projetos paisagísticos (no caso os jardins e parques)
foi radicalmente defendida e adequada pelos paisagistas modernos, no pe­
ríodo entre os anos 50 e 80, e é atualmente de certo modo criticada em seu
exagero.
Este fato se deve principalmente à percepção que se tem hoje da extrema
adaptabilidade às condições climáticas do país de um sem número de ele­
mentos vegetais importados, eucaliptos, pinheiros, coqueiros e muitos mais,
que já foram assimilados pela cultura popular e podem sempre colaborar na
formulação e configuração das áreas livres e da paisagem como um todo.
De qualquer modo, esta posição de se aceitar uma "mistura” de espécies não
pode limitar a pesquisa de novas espécies brasileiras a serem incorporadas ao
repertório do projeto de plantação do Brasil, que deve sempre ser incenti­
vada, pois a existência de novas linhas projetuais se favoreceu enormemente
com a adoção preponderante de plantas típicas e suas associações, criando
condição para isso e determinando a formulação de uma identidade própria
do projeto paisagístico brasileiro, antes quase que limitado à cópia de ma­
nuais ingleses e franceses.
OS VEDOS - ÁRVORES E ARBUSTOS
A partir, então, da idéia que se pode organizar espaços exclusivamente por
intermédio da vegetação, tem-se que neste universo árvores e arbustos podem
ser considerados os elementos básicos para a constituição dos vedos ou pla­
nos verticais. Tanto uns como outros, oferecem diversas possibilidades e for­
mas de organização espacial e nestes casos sempre existe a contraposição dos
padrões clássicos aos modernos.
No caso da arborização à tradicional e convencional forma de agenciamento
de árvores isoladas, mais ou menos eqüidistantes umas das outras, ou alinha­
das em aléias bem comportadas pode-se contrapor a idéia da criação de pla­
nos diversos, que por si só podem definir pátios, clareiras, caminhos, etc.
Esta primeira idéia de arvoredo plantado separado, cada elemento eqüidis-
tante de seu vizinho é facilmente encontrada na maioria dos espaços urbanos
projetados por leigos ou projetistas pouco informados das possibilidades de

26
plantio e portanto de criação de planos e espaços com as árvores. Os dese­
nhos a seguir mostram algumas possibilidades de arranjo, desde a forma
mais clássica, encontrada inclusive nos jardins da Universidade de São Paulo
e no Parque da Quinta da Boa Vista (Rio de Janeiro). Em muitos casos esta
indicação de adoção de outras formas de organização espacial não implica
necessariamente na exclusão das tradicionais, que devem sempre continuar a
fazer parte de um repertório projetual de qualidade, que quanto maior e mais
diversificado melhor poderá atender às necessidades de cada situação.
VOLUMETRIA
As árvores na concepção de projetos paisagísticos podem ser associadas a al­
guns tipos-padrão de volume. Estes caracterizam-se basicamente pela forma
de suas copas que podem ser cilíndricas, cônicas, em leque, etc. e quando as­
sociadas entre si oferecem múltiplas possibilidades na criação de ambientes,
ora muito sombreados, ora muito claros, ora muito envolventes ao usuário, e
possibilitam diversas formas de circulação por entre seus troncos.

Çprc 'Uo&ZCWa l ]
DISTANCIAMENTO
O fator distanciamento constitui-se outro elemento fundamental no projeto
com plantas especialmente no tocante às árvores em especial. Geralmente o
projetista iniciante se atém ao projeto da área recoberta pelas suas copas e
esquece que o espaço está sendo construído para pessoas às quais será ofere­
cida a alternativa de circular ou não em meio aos seus troncos. Este fato, da
não percepção da importância do distanciamento, se justifica por uma visão
tridimensional limitada do espaço a ser projetado e do produto final dese­
jado, pois se projeta "convencionalmente” pensando-se nas árvores como co­
bertura, teto, e se minimiza a importância da sua percepção pelo usuário,
sempre um pedestre, sempre em confronto com planos verticais, constituídos
também por troncos!!!

30
Quanto mais próximos os troncos, naturalmente mais Hifir.il será o caminhar
e maiores e mais extensas poderão ser, conforme o caso, as áreas de sombra.

No caso de coqueirais as possibilidades de circulação e sombreamento serão


sempre amplas devido a própria forma de agenciamento desejável para estas
estruturas, enquanto que em um bosque organizado em estratos diversos, o
caminhar será muito dificultado. Além do distanciamento, outros fatores

32
contam no projeto de plantação com vegetação e devem ser constantemente
repensadas como:

1. Adequação ao solo: mesmo que a planta, no caso árvore, arbusto, etc. per­
tença a província vegetal correspondente à área em que está localizado o ter­
reno, este se estiver empobrecido, ou por exemplo se constituir em cobertura
de um aterro sanitário, terá dificuldades de aceitar um plantio e deve ser
adequadamente tratado para receber qualquer plantação.
2. Formas de associação: possíveis geneticamente, nem todos os vegetais
podem conviver uns com os outros e, sendo que na competição por espaço,
muitos podem ser eliminados por seus oponentes, prejudicando a concepção
original do projeto, de modo que um conhecimento prévio das espécies a se­
rem implantadas é indispensável.
3. Orientação solar, como na produção de um projeto de arquitetura é fun­
damental em um projeto de plantação o posicionamento dos seus elementos,
especialmente vegetais em relação ao Sol, tanto em questão da sua sobrevida,
pois existem aqueles indivíduos que necessitam da luz solar, ou aqueles que
necessitam de sombreamento total, tanto na criação de espaços mais ou me­
nos ensolarados para o usuário (um parque infantil deve por exemplo possuir
muitas áreas de meia sombra de modo a proteger as crianças dos efeitos no­
civos da radiação solar em horários de Sol a pino).

ARBUSTOS
No caso do trabalho com arbustos estes se apresentam no imaginário de um
observador comum sempre de uma forma típica, ou como elementos criado­
res de cercas vivas ou como elementos balizadores, escultóricos de gramados
e canteiros, pois é desta forma que são utilizados tradicionalmente em nossas
cidades, nos jardins públicos ou privados.
Adotando-se os pressupostos colocados anteriormente, também com arbusto
existe a possibilidade, de por intermédio de outras formas de agenciamento,
da criação de espaços e subespaços diversos.
Esta é uma forma de agenciamento ainda pouco explorada no país, pois so­
mente alguns paisagistas tem em sua obra exemplos significativos de uso da
vegetação arbustiva com o objetivo da criação de espaços e subespaço's, como
é a caso de Roberto Burle Marx, Roberto Coelho Cardoso, Benedito Abbud
e outros.

33
Como elementos de projeto, os arbustos permitem uma diversificada forma
de uso e apresentam-se volumetricamente em uma infinidade de formas, ta­
manhos e cores. Os arbustos mais que as árvores apresentam-se em formas,
cores e volumes diferenciados, alguns se assemelhando a pequenas árvores,
outros se mostram finos e pontiagudos, verdadeiros elementos escultóricos,
outros possuem folhagens de cores diversas e outros se apresentam muito
altos, como os bambus, que em alguns casos chegam a ter mais de 5 metros
de altura, outros ainda permitem ao homem sua modelagem em várias
formas. Este tipo de modelagem é obtido por intermédio de poda constante,
e foi uma forma característica de uso dos arbustos e, muitas vezes, das pró­
prias árvores em diversos momentos da história da arquitetura paisagística,
encontrando-se exemplos de tal prática dos jardins e parques do
renascimento, até no arvoredo dos bairros de elite durante o período do
Ecletismo Brasileiro (metade do séc. XIX até os anos 50) e até em modernos
jardins e praças desenhadas sob a égide do pós-modernismo.
íewyoüJiHeNnoK) o s ^ ío .
cEÍÃç^bhg Ç^^pAÇQgT

Esta forma de poda denominada topiária é um processo adequado para mo­


delagem de plantas, produzindo muros, cercas, pórticos e esculturas que pos­
suem muitas vezes a forma de "pitorescas" figuras humanas e de animais.
Esta forma de expressão plástica, foi banida dentro de um espírito naciona­
lista do repertório do paisagismo brasileiro, em detrimento da exploração
plástica da luxuriante flora tropical, que apresenta um rápido crescimento,
aliado a portes significativos e baixa necessidade de manutenção e cujo uso
intensivo caracterizou então a linha projetual do moderno paisagismo
nacional.
OS PISO S, AS FORMAÇÕES, GRAMADOS... ETC.
No projeto de espaços livres urbanos, à exceção de grandes praças e parques
ou ainda em algumas propriedades particulares, a utilização da vegetação, no
caso as formações é limitada, devido principalmente a dois fatores: a exigüi-
dade do espaço disponível e a dificuldade e alto custo de manutenção.
À exceção dos gramados, todos os outros tipos de forração são muito sensí­
veis ao pisoteio e estes mesmos, como seres vivos que são, oferecem res­

38
trições a um uso contínuo. Este fato pode ser observado claramente nos cam­
pos de futebol, onde apesar da alta manutenção apresentada observa-se nas
suas áreas de maior uso por jogadores, uma total falta de cobertura de grama,
caso do meio de campo e das proximidades das traves de gol. Ainda assim são
os gramados de todos os tipos de formação os mais comumente utilizados
sejam em áreas públicas ou privadas, de parques a conjunto habitacionais.

39
Como no caso dos arbustos, a utilização de forrações tem sido ainda muito
pouco explorada, pois à exceção de alguns profissionais de renome, que por
um motivo ou outro obtiveram condições ideias de trabalho no tocante a sua
utilização, tanto de manutenção como de custos e de disponibilidade espacial
para sua colocação. Este é outra vez o caso de Roberto Burle Marx que em
alguns de seus melhores projetos explora largamente o potencial das for­
mações como material de construção de pisos - verdadeiros tapetes ricamente
desenhados. Como exemplo deve-se notar o Aterro do Flamengo na cidade
do Rio de Janeiro, onde utiliza gramados de tons diversos para construir
pisos em volta do Museu de Arte Moderna (MAM),balho no tocante a sua
utilização, tanto de manutenção como de custos e de disponibilidade espacial
para sua colocação. Este é outra vez o caso de Roberto Burle Marx que em
alguns de seus melhores projetos explora largamente o potencial das for­
mações como material de construção de pisos - verdadeiros tapetes ricamente
desenhados. Como exemplo deve-se notar o Aterro do Flamengo na cidade
do Rio de Janeiro, onde utiliza gramados de tons diversos para construir
pisos em volta do Museu de Arte Moderna (MAM), ou parques particulares
de Odete Monteiro e Nininha Magalhães, onde explora a variação de cores
na busca de elementos diversos para a composição de um cenário requintado.
No dia a dia projetual, mesmo no caso de parques públicos, o uso dos grandes
gramados predominam, pois tem sido o material mais indicado devido ao fato
das vantagens, já referidas, de manutenção e resistência, perdendo-se de fato
e portanto contigências reais as condições excepcionais de exploração das for­
rações como material de projeto. Como os arbustos, as forrações oferecem
posssibilidades múltiplas de uso, de acordo com os graus de processamento
que se deseja implementar, dos pisos mais processados aos mais rústicos e
podendo ser aplicadas tanto em áreas de sombra ou de sol, de acordo com a
espécie e a linha projetual adotada.

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reflexões de um arquiteto. São Paulo, 1986. Diss. (Mestr.) - FAUUSP.
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40
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TOLEDO, Benedito Lima. Álbum Iconográfico da Avenida Paulista. São
Paulo, Exilibris, 1987.

.41
FUNDAMENTOS
A PAISAGEM, A NATUREZA E A NATUREZA
DAS ATITUDES DO HOMEM

MARIA ANGELA FAGGINPEREIRA LEITE

A paisagem, como manifestação da criatividade humana,


apresenta uma essência dupla: é um fato físico, objetivo,
categorizável e é um processo criativo contínuo, incapaz de
encontrar um arranjo definitivo, de configurar-se como uma
realidade imóvel, de apresentar uma concepção estática.
Aomesmo tempo que é uma construção espacial coletiva, rica
em detalhes minuciosos, é também capaz de oferecer grandes visões de
conjunto, e talvez seja seu caráter não finito, associado a essa complexidade
qualitativa e dimensional o que torna difícil sua apreensão global, sua leitura
profunda.
Embora a paisagem encerre uma infinidade de fatores e elementos e seja,
portanto, objeto de interesse e estudo de diversos campos de conhecimento,
as idéias envolvidas na sua concepção e na sua "construção", estão relaciona­
das, de um lado, com seu conhecimento e interpretação e, de outro, com a
experiência individual ou coletiva com respeito a ela1
Se é possível, através do conhecimento e interpretação da paisagem, elencar e
até mesmo precisar seus elementos fundamentais, deve-se reconhecer que es­
ses elementos não são duradouros, mas ao contrário, estão em contínua e in­
cessante mutação. Da mesma forma, a experiência individual ou coletiva está,
também ela, sujeita a variações contínuas, a uma dinâmica que deriva do pro­
cesso histórico de qualificação, sobre o qual incidem os fatores mais variados,
caracterizados pela evolução das relações políticas, econômicas, sociais, pelo
desenvolvimento das técnicas, das artes, das religiões da filosofia.
O homem sempre criou ao seu redor um ambiente que é uma projeção de
suas idéias abstratas. Cada momento histórico tem uma paisagem, reflexo da
relação circunstancial entre o homem e a natureza e que pode ser vista como
a ordenação do ambiente, de acordo com uma imagem ideal.
As mudanças nas atitudes do homem com relação à paisagem sempre foram
marcadas por uma poderosa atração pela natureza. Essa atração está pre­
sente, tanto na paisagem submissa dos jardins do mundo clássico 2, quanto no
caráter social da paisagem contemporânea 3

45
A forma pela qual a paisagem é projetada e construída, reflete, de perto,
certos gostos e modas que se baseiam, tanto na observação objetiva do am­
biente, quanto em conceitos filosóficos permanentemente em evolução.
Desde que se admita que a paisagem é uma mistura de arte (caracterizada
pela escolha) e ciência (caracterizada por fatos objetivos), é possível compre­
ender que suas modificações, a renovação das formas antigas ou a criação de
novas formas que atendam a novos estilos de vida, são dependentes das con­
quistas em cada um desses campos, dependentes do valor que é atribuído a
eles em cada momento.
Em resumo, mais importante que as mudanças da noção de paisagem são as
mudanças da nossa capacidade de captar-lhe a essência, de compreender algo
que preexiste a nossa compreensão 4
Até o séc. XVII a distinção entre as artes e as ciências, se era reconhecida,
era muito mal definida. É aceito de maneira geral, que a fundação da Royal
Society, em 1660, constituiu um marco do reconhecimento formal da ciência
como algo diferente das artes5 Infelizmente, essa distinção é a raiz dos
muitos problemas existentes para o entendimento da atração que a paisagem
exerce sobre as pessoas, de muitas formas diferentes. Para que o contato com
a paisagem se dê simultaneamente através de seu conhecimento e interpreta­
ção e da experiência individual e coletiva a seu respeito, é necessária uma
aproximação maior entre seu lado artístico e seu lado científico. A paisagem,
ao contrário de outras formas de arte, é efêmera. Seus princípios de organi­
zação, assim como os da arquitetura, da pintura, da música e da literatura,
são constantemente questionados e modificados pela evolução da sociedade,
das ciências e das técnicas. Entretanto, essas outras formas de arte possuem
um tipo de registro que permanece através dos tempos, o que não acontece
com a paisagem que, ao assumir novas feições, anula as anteriores ou con­
serva delas apenas alguns vestígios.
PAISAGEM DOS OBJETOS

As civilizações do mundo antigo, estabeleceram com o ambiente uma relação


de sobrevivência imediata. Suas preocupações em controlar e embelezar a
paisagem, envolviam, num conjunto solidário, conhecimentos de botânica,
agricultura, engenharia e estética, com a religião desempenhando um papel
maior ou menor na explicação do inexplicável, de acordo com a convivência
mais ou menos harmoniosa dos homens com a natureza. Não havia uma
visão de conjunto, uma vez que as relações com o entorno eram estabelecidas
apenas numa área mais ou menos bem delimitada, onde se desenvolvia a vida

46
das pessoas. A escolha e a disposição dos elementos construídos obedeciam a
princípios filosóficos, religiosos e morais. A contemplação da natureza,
freqüentemente, era uma forma de fugir da monotonia de uma paisagem
fragmentada, composta por uma coleção de objetos dispostos de forma a
melhor atender às necessidades básicas da população.
Os jardins suméricos eram, na verdade, uma praça fechada contra o mundo
hostil, implantados geometricamente, sendo seu conteúdo básico formado por
árvores e canais de irrigação. Esses jardins, objeto de veneração, eram a ex­
pressão concreta da filosofia da inevitabilidade que decorria das precárias
condições de uma vida, cuja finalidade era a contemplação de um futuro
eterno e sereno, simbolizado pelo céu 6
A primeira expansão formal da área habitacional, em direção ao ambiente
circundante, surgiu com os parques de caça assírios, decorrência da domesti­
cação dos cavalos. Essa idéia de expansão continuou marcando a paisagem
persa: Persépolis foi construída sobre um imenso patamar que se projetava
para dominar visualmente o vale abaixo.
Os assentamentos muçulmanos incorporaram à expansão para o ambiente,
uma maior integração entre o interior e o exterior (a casa e o jardim). Esse
procedimento com relação à continuidade dos espaços livres e edificados, in­
fluenciou grandemente a paisagem da Espanha após as invasões muçulmanas.
Na índia mongólica, a paixão intuitiva pela natureza, que os imperadores
mongóis herdaram de seus ancestrais, foi igualada pelas preocupações de in-
tegrar os edifícios com o entorno, herança muçulmana: enquanto a geometria
dos jardins permanecia tradicionalmente monótona, havia a concepção ino­
vadora de uma paisagem exterior grandiosa e selvagem7
Na índia antiga, a fertilidade da natureza dava ao povo inclinação, tempo e
condições espirituais para a contemplação metafísica. A maior preocupação
era tornar visível o mundo invisível, onde a espiritualidade humana desem­
penhava um papel importantíssimo no significado da vida.
Na China, ao contrário, o código moral de Confúcio, tinha um caráter mais
comportamental do que religioso. A ênfase no culto da solidão, no individual
e não na comunidade, na harmonia interna instintiva e não na aparência exte­
rior regrada, levou a uma sensibilidade especial com relação à paisagem: seus
elementos básicos eram as pedras, as montanhas e as águas silenciosas; as
fronteiras entre os espaços foram eliminadas ou ao menos subdimensionadas;
a imaginação, tal como o espírito, devia correr livre em espaços amplos e
abrangentes.

47
Também no Japão, onde a imensidão do céu e do oceano dominavam e até
mesmo oprimiam as ilhas, a relação com a paisagem desenvolveu-se mais
através dos elementos do universo como um todo do que através dos ele­
mentos da vida cotidiana.

Nas civilizações pré-colombianas do México e da América Central, a base da


organização social se apoiava na adoração ao Sol. Os maias e os astecas
construíram enormes centros cerimoniais que dominavam a paisagem, conce­
bida como um microcosmo, ordenado e geometrizado, das montanhas e vales
circundantes. Em contraste com essas civilizações teocráticas, os incas, no
Peru, estavam permanentemente preocupados com a sobrevivência e, por
isso, sua paisagem tinha um terraço de agricultura e as fortificações, ao invés
de para a construção de templos ou monumentos religiosos.
No Egito, a filosofia de vida e morte que imperava tinha como base um am­
biente único em sua constância e dependência. Pela previsibilidade dos
eventos naturais, pela segurança econômica e pela relativa proteção contra
invasões, foi possível projetar o futuro como uma extensão eterna do pre­
sente. A paisagem do Egito dos faraós refletia, de forma clara, a filosofia de
que a vida na terra era apenas uma introdução a uma vida eterna, similar.
A autocontenção econômica de Esparta, dentro de suas montanhas, criou
uma forma de pensamento extremada, defensiva, estéril e pouco liberal. A
paisagem resultante desse modo de vida, expressa bem os progressos do ho­
mem para controlar seu ambiente e seu destino.
Em Atenas, onde o ambiente era simultaneamente perigoso e imprevisível, a
situação era oposta. Contrariando a idéia da auto-suficiência material e arris­
cando tudo na navegação, a sociedade ateniense desafiou o modo de vida da
época: em seu lugar emergiu a filosofia da razão e da unidade de todas as coi­
sas. A essência da construção da paisagem era de que toda arquitetura, fosse
templo, teatro, praça ou habitação, deveria harmonizar-se com o ambiente.

Os gregos foram, provavelmente, o primeiro povo urbano e seus hábitos so­


ciais estavam centrados nas conversas informais, palestras, competições es­
portivas, etc. Na organização de sua paisagem estão as prováveis origens do
parque moderno8

Na sociedade romana os bens coletivos eram os que se referiam à agricultura


e à fertilidade das terras. Os romanos eram homens do campo e, portanto, a
contemplação do crescimento das árvores, do constraste entre as folhagens, o
desfrutar da sensação de paz dos campos e florestas eram fins em si mesmos.

48
As leis eram a base da administração civil e militar e o senso de obediência e
respeito surgiu da rigorosa disciplina que era imposta aos cidadãos. Entre­
tanto, em contraste com os poetas gregos, para os quais a paisagem era algo
épico a ser conquistado9, os poetas romanos tinham uma original e criativa
apreciação da beleza da paisagem10
As civilizações da Antigüidade estiveram tão profundamente impregnadas
pelo sentido de adaptação e sobrevivência humana, que sua paisagem, na
maior parte das vezes, ficou reduzida a uma conseqüência da disposição de
elementos que satisfizessem às necessidades essenciais do corpo ou do espí­
rito. Seu conjunto era sempre fragmentado, freqüentemente fechado para o
mundo exterior, com o aspecto técnico dominando ou até mesmo anulando o
aspecto estético.

OS SÍM BOLOS, OS FATOS, O FANTÁSTICO


A partir da Idade Média, o aparecimento e o desenvolvimento da pintura da
paisagem, registrando as diversas fases da concepção da natureza, foi o pri­
meiro marco de um ciclo no qual o espírito humano começa a se alimentar da
harmonia daquilo que o cerca.
A paisagem, nessa época, era de um desenho mais intuitivo do que consciente
e de um apelo que se apoiava largamente na mensagem do simbolismo. Os
símbolos com os quais a arte medieval representava os objetos naturais não
tinham muita relação com sua real aparência. De certo modo, esses símbolos
eram a base do êxito da filosofia medieval: os iletrados, que, numericamente,
ultrapassavam em muito os letrados, eram ensinados por uma religião inter­
nacional e brilhantemente organizada, que a vida terrena não era mais que
um breve interlúdio e, portanto, o ambiente em que era vivida, não devia ab-
1 "1
sorver excessivamente a atenção Os homens estavam tão preocupados com
a sobrevivência do corpo neste mundo e da alma no próximo, que não po­
diam sofisticar muito a paisagem cotidiana.
Os campos significavam apenas trabalho duro; a costa marítima significava
perigo de tempestades e pirataria. E, para além dessas partes mais ou menos
aproveitáveis da superfície da terra, estendia-se uma área interminável de flo­
restas e pântanos.
A natureza, no seu conjunto, era perturbante, vasta e atemorizante e as vas­
tidões abriam no espírito muitos pensamentos perigosos. Porém, paralela­
mente a essa desconfiança em relação à natureza, desenvolveu-se uma facul­
dade de simbolizar características da mentalidade medieval: as baladas dos

49
trovadores e os escritos da época descrevem a paisagem das florestas como
uma imagem idílica do mundo12.
Entretanto, o sentido de isolamento da comunidade dentro de um mundo
hostil, levou a sociedade a um estado de espírito segundo o qual todos os ob­
jetos materiais eram encarados como símbolos de verdades espirituais ou epi­
sódios das Sagradas Escrituras13
Os elementos naturais, numa primeira etapa, foram observados individual­
mente e simbolizavam qualidades divinas. Numa segunda etapa, sua observa­
ção passou a dar-se a partir de um conjunto que pudesse ser abrangido pela
imaginação e que, no seu todo, representasse a perfeição: surge o jardim me­
dieval, que tinha como característica comum o espaço fechado, íntimo, empa­
redado, fortemente defendido contra o mundo exterior. Todo o espaço dispo­
nível era funcionalmente usado para o plantio de alimentos ou ervas medici­
nais.
A Idade Média constituiu, de fato, um período histórico de transição, rico no
reexame de antigas idéias, na adaptação de velhas técnicas a novas situações,
uma era de busca de novos caminhos14 No final do período, com o afrouxar
do conflito político, o desenvolvimento do comércio e a acumulação de rique­
zas, os jardins, ligados inicialmente a uma paisagem fechada e fortemente
defendida, tornaram-se maiores e mais elaborados, desenhados para o prazer
e não só para a utilidade.
Houve uma mudança filosófica, exigindo um novo sentido de unidade: o ho­
mem já não se satisfazia com a reunião de preciosos fragmentos da natureza
num conjunto perfeito; havia uma nova idéia de espaço, onde tudo começava
a ser unido pela luz15
Essa idade de paisagem mais emocional do que intelectual, influenciou o fu­
turo de dois modos diferentes: a) como inspiração para o romantismo dos
sécs. XVIII e XIX; b) como um estandarte estético da composição assimé­
trica, quando o artesanato, componente essencial desse período, associou-se à
estética renascentista; esta combinação deu início àquilo que Kenneth Clark
define como "civilização"16, inaugurando uma fase na percepção da paisagem
marcada por um novo sentido de espaço.
Existem duas razões que explicam esse momento: a primeira, de ordem so­
ciológica, que reconhecia a necessidade de usufruir do caráter real do lugar
onde se desenrolava a vida das pessoas e pelo qual tão recentemente se havia
lutado para conservar; a segunda, de ordem filosófica, expressava a consciên­
cia de que o homem era livre para questionar o funcionamento da natureza17

50
Esse período, que teve início na Itália, refletia sinceramente o espírito do seu
tempo: a paisagem era uma composição simples, harmoniosa e unificada e
seu conjunto demonstrava perfeitamente o entendimento dos fatos físicos e
intelectuais que entravam na sua composição, numa inspirada combinação de
conceito e lugar.
A teoria propunha que o jardim fosse fortemente ligado à casa e à paisagem
circundante por terraços, alpendres e outras extensões, recomendadas para
vencer as dificuldades dos terrenos e permitir a vista das colinas e dos -cam­
pos. Além disso, os jardins eram concebidos como retiros que promoviam o
encontro de intelectuais, estudantes e artistas, para trabalhar e debater sobre
música, ciência, literatura e arquitetura1 .
Enquanto a Igreja permanecia implacável na defesa da teologia existente, re­
sistente às críticas do comportamento moral que levaram à Reforma e alheia
às descobertas astronômicas, os jesuítas, cujo entendimento dos conflitos da
mente humana era muito agudo, iniciaram um processo fundamental de
ruptura com relação à teologia medieval19 A base dessa ruptura era a acei­
tação de mudanças nas relações do homem com o universo, garantindo uma
maior influência humana sobre a forma de seu próprio destino.
Isto levou a uma nova concepção de espaço que influenciou todos os campos
do conhecimento, especialmente o Paisagismo e o Planejamento das cida­
des20 O novo entendimento da paisagem marcou o fim de uma era, eliminou
o jardim ortodoxo e preparou o caminho para a harmonia da geometria or­
ganizada com as formas naturais, que viria a ser a base da revolução inglesa
da paisagem, no séc. XVIII.
No séc. XVII, a França atingiu seu maior período de riqueza e poder e, como
conseqüência, tornou-se o centro difusor do bom gosto na Europa. O desen­
volvimento da arte dos canteiros e de uma nova teoria de desenho da paisa­
gem, que considerava o homem como o centro do universo, preparou o ter­
reno para o celebrado trabalho de André Le Nôtre, em meados do séc.
XVII21
O norte da França, onde o período teve início, é relativamente plano e flo­
restado e os jardins, portanto, tendiam a aparecer como clareiras na floresta.
A topografia devia ser tratada com sutileza para possibilitar a diferenciação
de níveis que permitisse a visão do conjunto da paisagem. Além disso, era di­
fícil conseguir unidade entre os novos jardins e as construções existentes,
protegidas por fossos e fortificações. Tornou-se óbvio que, apenas cons­

51
truindo simultaneamente novos edifícios e jardins, poder-se-ia obter o efeito
de unidade entre os espaços edificados e os não edificados.
O eixo central fortemente definido, a simetria absoluta, as proporções mate­
máticas e a perspectiva infinita da paisagem francesa do séc. XVII, refletiam
tanto a riqueza, o poder e a estrutura social rígida da França, quanto o con­
ceito emergente da ascendência do homem sobre a natureza e, principal­
mente, dos direitos divinos do Homem sobre os homens.
A paisagem barroca era visualmente limitada pela floresta circundante e os
jardins eram desenhados para serem usados por muitas pessoas ao mesmo
tempo; eram o centro do poder, com todas as funções políticas, diplomáticas
e de entretenimento que isso implicava.
A paisagem tornou-se fantástica, teatral, concebida para o desenvolvimento
de um drama, onde as pessoas eram os atores e não mais os filósofos.
A PAISAGEM IDEAL: ALGUNS MARCOS FUNDAMENTAIS DO
SÉC. XVIII
Por volta de 1700, a Igreja tinha perdido o apoio das classes influentes e edu­
cadas, que passaram a defender a idéia de que o deus que devia ser cultuado
era a Nação e não o Deus do Testamento.
Essas idéias eram apoiadas por um sonho de "paraíso terrestre", onde a har­
monia entre o homem e a natureza, numa simplicidade primitiva, levaria a
uma vida terrena espiritual e materialmente gratificante, dentro dos limites
da nação. A discussão dessas idéias filosóficas, os estímulos das grandes
viagens, a moda de colecionar trabalhos de pintores italianos do séc. XVII,
tudo contribuiu para o surgimento de novas idéias estéticas.
Dentro dessa revolta contra a ordem estabelecida, foi de especial significado
para a paisagem que, para ajudar a preencher o vácuo espiritual que pertur­
bava os pensadores do séc. XVIII, Leibnitz e Voltaire passaram a se interes­
sar pelos conhecimentos recentemente adquiridos na China. Os escritos de
Confúcio foram traduzidos e estudados, promovendo uma atitude diante da
vida, muito mais moral do que teológica2 . Em oposição a isto, mas sempre a
favor da revolta contra a ordem, colocava-se Rousseau, que defendia o re-
23
torno à natureza
Entretanto, sob toda a dialética e toda a semântica que caracterizaram os
pensadores do séc. XVIII, podia-se encontrar idéias que eram mais realísticas
do que quaisquer outras dos períodos precedentes, porque eram asserções
não somente sobre filosofia da estética, mas sobre a paisagem real, visível.

52
Foi William Gilpin quem, entre 1768 e 1776, pela primeira vez, apresentou
avaliações descritivas de lugares reais, relacionando seus atributos físicos com
a resposta emocional que eles despertavam.
É nesse momento que se encontra, pela primeira vez, uma explosão de entu­
siasmo, resultante da efetiva união de duas correntes até então paralelas: o
pensamento filosófico e a experiência prática da paisagem24
A possibilidade de identificar fontes de beleza na natureza, trouxe também a
possibilidade de selecionar apenas o mais belo, eliminando o resto e cons­
truindo paisagens mais bonitas. Os líderes desse movimento voltaram-se en­
tusiasticamente para os pintores, com a finalidade de descobrir uma escala de
valores que permitisse, dentro do ambiente real, ligar os conceitos abstratos
de beleza ao arranjo das árvores, gramados, pedras e água.
O novo desenho da paisagem foi influenciado pela união de três escolas
opostas de pensamento: 1) o Classicismo Ocidental, originado do barroco
italiano e da grande monarquia francesa, que toda a Europa copiou e dispu­
tou; 2) a Escola Inglesa, em revolta contra o classicismo da paisagem (em­
bora não da arquitetura) e a favor de uma expressão paisagística totalmente
nova e liberal; 3) a Escola Chinesa, cujos princípios de irregularidade (mas
não de simbolismo) a tal ponto se confundiram com os da Escola Inglesa que
ficaram conhecidos no continente europeu como princípios anglo-chineses
Os três principais paisagistas ingleses do séc. XVIII foram Willian Kent
(1684/1748), Lancelot Brown (1715/1783) e Humphry Repton (1752/1818).
Quando Kent começou a trabalhar profissionalmente, encontrou a moda pai­
sagística inteiramente dominada por André Le Nôtre, lider do gosto paisagís­
tico na Europa. Os padrões geométricos e regulares dominavam os grandes
parques, como também os jardins menores. A água, usada para fins orna­
mentais, era confinada por margens circulares ou retangulares. Avenidas liga­
vam um ponto focal a outro. As vistas eram cuidadosamente selecionadas
para transmitir a impressão de regularidade.
Tudo isso foi modificado por Kent, substituído por uma abordagem mais
flexível e fluente. A forma dos caminhos, avenidas e corpos de água tornou-se
curvilínea e irregular. Os agrupamentos de árvores e os espaços abertos, até
então empregados para anular as linhas naturais da paisagem, passaram a ser
desenhados para enfatizá-las.
Ao mesmo tempo, a demanda de matéria-prima, como conseqüência da Re­
volução Industrial, começou a dizimar as grandes florestas dos séculos

53
anteriores, reduzindo, assim, o número de animais cuja caça tinha
determinado a criação de parques reais (assírios, persas e mesmo franceses).
Animais menores, particularmente a raposa, tornaram-se o principal alvo dos
caçadores, o que requeria campos mais abertos para a prática desse tipo de
esporte26
Fortemente influenciado por Kent, com quem trabalhou, Brown surgiu como
um dos mais influentes aperfeiçoadores do jardim inglês. Para ele, uma das
funções principais dos jardins era guiar os visitantes no desfrutar das belezas
naturais. Sua atenção e influência, embora tenha consolidado a posição de
Kent, foi também responsável pela destruição de históricos jardins renascen­
tistas na Inglaterra.
Repton, sucessor de Brown, foi um inovador especialmente sensível às então
emergentes idéias da Escola Pitoresca. Seu trabalho era, quase todo, baseado
na "associação", palavra encontrada nos escritos da maioria dos filósofos do
séc. XVIII. Em 1790, Archibald Alison publicou "Essays on the nature and
principies of taste", onde destaca como pontos principais da teoria da
associação: a) o prazer estético não provém das quaüdades intrínsecas dos
objetos percebidos, mas das seqüências de idéias que, por associação, eles
sugerem; b) tais seqüências de idéias, devem estar conectadas por algum tipo
de encadeamento, devem ser capazes de produzir emoções e não podem ser
submetidas a análises racionais; c) as quaüdades estéticas dos objetos
percebidos devem ser considerados como sinais ou expressões que, de acordo
com a constituição da natureza individual, podem produzir emoções27
Esses princípios da teoria da associação, combinados aos padrões estéticos
que predominariam no séc. XIX, marcaram o início da visão moderna da pai­
sagem28
A PAISAGEM ROMÂNTICA DO SÉC. XIX: O BELO, O SUBLIM E
E O PITORESCO
Ao final do séc. XVIII, a idéia de reconhecer a beleza não apenas na ordem
de uma paisagem "domesticada", mas também nas paisagens "selvagens", es­
tava em total sintonia com o início do movimento do Romantismo.
A recolocação dos papéis relativos desempenhados pela razão e pela imagi­
nação, a preocupação com a überdade, a ênfase no trabalho como forma de
superar os obstáculos, que impediam a realização dos ideais humanos, en­
contraram expressão no envolvimento do homem com os processos naturais e
tornaram-se fundamentais para o desenvolvimento da criatividade que mar­
cou o séc. XIX.

54
Anthony Ashley Cooper, Conde de Shaftesbury, filósofo liberal, influenciou
decisivamente o pensamento estético do séc. XIX, ao lançar mão do sublime,
até então um termo apenas literário, como explicação para as emoções des­
pertadas pela paisagem. Shaftesbury afirmava que "na tentativa de abraçar o
infinito, nós experimentamos o sublime. O sublime é a experiência que temos
ao contemplar fenômenos naturais muito grandes para serem compreendidos
pelos sentidos ou pela imaginação"
O que dominava a época era um excessivo desejo de escapar, através do ro-
• • 30 •
mance, ao racionalismo opressivo que caracterizou o séc. XVIII As atitu­
des da socieade com relação à natureza, tendiam a se afastar do formalismo
para o extremo oposto, o romantismo.
O coração do movimento romântico europeu estava na Alemanha. As escuras
florestas nativas, as montanhas e os vales dos rios de um país que nunca es­
teve sob a ocupação romana, foram o cenário perfeito para o desenvolvi­
mento do romantismo como uma filosofia "natural". Entretanto, o roman­
tismo alemão estava muito mais voltado para a música, a literatura e a filoso-
91
fia do que para a paisagem : Goethe explorou, mais ampla e profundamente
do que ninguém, a mente humana e sua relação com o ambiente, respon­
dendo igualmente ao classicismo e ao romantismo; Richard Wagner expres­
sou musicalmente o sonho romântico alemão; a paisagem alemã, no entanto,
era, ainda, um resultado de desunião política e econômica que caracterizava o
país.
Na Inglaterra, o romantismo surgiu como reação a um ambiente insuporta­
velmente comprometido com a febre da Revolução Industrial. Com a expan­
são ferroviária cortando o território, com crescimento incontrolável das cida­
des e dos subúrbios, com os interesses nacionais voltados à obtenção de ma­
téria-prima, o início do séc. XIX viu a Inglaterra num lamentável estado de
decomposição ambiental, recorrendo ao romantismo, através da visão pito­
resca, como um meio de resgatar a paisagem idílica representada pelos pinto­
res do séc. XVII.
Mesmo que exista muita controvérsia sobre quando a visão pitoresca da pai­
sagem apareceu pela primeira vez, o ano 1794 é um marco da sua aplicação
ao paisagismo, com a publicação do "Essay on the picturesque'', de Uvedale
Price . No mesmo ano, Richard Payne Knight escreveu um poema intitulado
"The landscape", onde exprime em versos os mesmos princípios que Price
exprimiu em prosa.

55
Price, Kmght e Gilpin (que trabalhou no assunto quase trinta anos antes),
diferiam consideravelmente nos detalhes de suas interpretações sobre o pito­
resco. Entretanto, eles tinham alguns pontos em comum: a) todos concorda­
vam em que as emoções despertadas pela paisagem não se encerravam nas
considerações sobre o belo e o sublime, mas havia uma terceira categoria, o
pitoresco, que evocava as qualidades da pintura paisagística do séc. XVH;
b) todos tinham em comum a crítica a um estilo de paisagismo que considera­
vam insípido, monótono, destituído de qualquer excitação, caracterizado por
alguns poucos artifícios estereotipados.
Essa comunhão de interesses foi suficiente para permitir o início da Escola
do Pitoresco , onde se defendia que as qualidades que deveriam ser vistas
numa paisagem eram a textura, a rugosidade, a assimetria, a irregularidade, o
segredo, o inesperado e, sobretudo, a impressão de uma situação natural ao
invés de planos artificialmente construídos.
Em constraste com o belo, que requeria variações realizadas gradualmente,
ou não dramaticamente e com o sublime que exigia o despertar de emoções
fantásticas, as qualidades exaltadas pelos defensores do pitoresco eram a mu­
dança súbita e um grau de variação suficientemente amplo para abranger ex­
tremos, incorporando aspectos por um lado belos e por outro sublimes.
Na América, o Romantismo encontrava sua maior expressão em Andrew
Downing, cujas teorias paisagísticas incorporavam ao trabalho de Repton os
princípios do pitoresco.
Downing popularizou o Romantismo na América criando paisagens à ma­
neira inglesa, mas tendo o cuidado de enfatizar as qualidades características
do ambiente local.
Enquanto a Escola Européia do Pitoresco pôde adotar, quase sem restrições,
a Teoria da Associação, proposta por Alison em 1790, na América, essa dou­
trina mostrou-se inaceitável em sua essência, porque sugeria como ideal as
associações com ruínas e relíquias, mitos e lendas, uma condição que dificil­
mente poderia ser atingida na paisagem "selvagem" do continente.

O pensamento paisagístico contemporâneo desse período era basicamente o


pensamento inglês e Downing tornou-se, inevitavelmente, o seguidor dos
princípios de Lancelot Brown. Entretanto, enquanto Brown acreditava que o
mais importante era a paisagem natural e informal, Downing concedia um
papel igualmente importante à "paisagem arquitetônica".

56
A adoção de uma associação entre aspectos informais e aspectos arquitetôni­
cos num estilo de paisagem que reconhecia as restrições e as potencialidades
de cada lugar, lançou as raízes de uma nova filosofia paisagística fortemente
defendida por Frederick Olmsted. O desenvolvimento dessa filosofia culmi­
nou com o entendimento definitivo de cidade e campo como um conjunto
único, numa seqüência fluente de espaços edificados e não edificados.
O plano do Central Park e sua posterior implantação trouxe tanto a consciên­
cia da importância de preservar um dos mais preciosos recursos do período
industrial, as áreas não urbanizadas das cidades, como o iniciou o movimento
por um sistema nacional de Parques.
Além do despertar da consciência ambiental, estimulado pelo Movimento
Romântico, um processo que começou, mas não se completou, no séc. XVIII,
a grande contribuição do séc. XIX foi uma profusão de idéias que tornaram
possível a compreensão da paisagem como uma criação de extrema impor­
tância no desenrolar da vida das pessoas.

SÉC. XX: A EXPERIÊNCIA DA PAISAGEM


Antes do término do séc. XIX, novas forças estavam produzindo mudanças
fundamentais em praticamente todos os níveis e todas as regiões do mundo
habitado.
É nos anos imediatamente anteriores e posteriores a 1890, que a maioria dos
acontecimentos que distinguem o período contemporâneo do período mo­
derno, começam a ficar visíveis pela primeira vez.
Parece fora de dúvida que não é possível estabelecer essa ou qualquer outra
data como linha divisória entre os dois períodos, mas mesmo assim, é nesse
momento que começam a se delinear os contornos de uma nova época34
Quando procuramos identificar as forças que puseram em movimento as no­
vas tendências, os fatores que sobressaem são, de um lado, a Revolução In­
dustrial e a sociedade européia do séc. XIX e, de outro lado, o "novo impe­
rialismo", conseqüência das mudanças do modo de produção.
O fato central, marcando a ruptura entre os dois períodos, foi o colapso da
tradição humanista que dominou o pensamento europeu desde o Renasci­
mento. O motivo principal estava na desilusão provocada pelo descompasso
entre os fundamentos filosóficos do humanismo, principalmente o respeito
pela dignidade e pelo valor do indivíduo, e os resultados práticos observados,
principalmente a despersonalização e a desumanização da classe trabalha­

57
dora. Além disso, ocorreram mudanças básicas de estrutura, que deram
forma ao mundo moderno35
No início do século, o centro difusor da cultura ainda era a Europa, e o que
chegava aos outros continentes eram modismos, subprodutos das tendências
que surgiam a partir do contexto político, econômico e social europeu e,
portanto, só ali poderiam se justificar.
Entre 1893 e 1920, a paisagem da América foi inteiramente dominada pelo
classicismo europeu. As maiores cidades da América do Sul, como Rio de Ja­
neiro, São Paulo e Buenos Aires, exibem, ainda hoje, importantes obras de
arquitetura que, à época de sua concepção, compunham uma paisagem clás­
sica ditada pela Escola de Belas Artes de Paris, árbitro do período para tudo
o que era considerado esteticamente belo.
A mesma observação se aplica ao "City Beautiful Movement", nos Estados
Unidos, cuja ordem rigorosamente clássica fazia contraste violento com o es­
quema romântico de Downing.
Entretanto, entre 1918 e 1945, o aparecimento dos Estados Unidos e da
União Soviética como superpotências, a conseqüente alteração de posição da
Europa, o colapso e transformação dos antigos imperialismos (britânico,
francês e holandês), o ressurgimento da Ásia e da África no cenário político
internacional, o reajustamento das relações entre os povos, caracterizou um
período de transição, de tendências confusas e incertas. O aspecto mais signi­
ficativo desse período é o seu caráter mundial, conseqüência da industrializa­
ção, da vida urbana, da produção de massa, das novas formas de comunica­
ção, da civilização tecnológica.
O paisagismo entrou no séc. XX marcado por um legado teórico que era de
espírito essencialmente agrário. Essa abordagem se adaptava muito mal às
novas paisagens de subúrbio da cidade industrial. Na América, entretanto, a
disciplina já estava suficientemente desenvolvida para permitir o surgimento
de várias frentes de avanço, a maioria das quais de fundo pseudo-romântico
que, apesar disso, serviram de inspiração à luta de identificar e humanizar a
paisagem do mundo da produção de massa36
Em 1929, o educador americano John Dewey publicou o livro "Experiência e
Natureza", que, de certo modo, foi a semente do pensamento paisagístico do
séc. XX. O "Naturalismo Americano", como ficou conhecido o movimento
iniciado por Dewey, tinha como mensagem principal a de que a beleza não
está nem nos objetos em si, nem nos olhos do observador, mas deve ser des­
coberta na relação entre o indivíduo e o ambiente, no que, em resumo, De

58
wey chamou de "experiência de paisagem". A partir daí, propôs três impor­
tantes corolários: 1) desde que a experiência é um contato recíproco entre o
indivíduo e o que ele experimenta, a distinção entre percepção e expressão é
uma distinção sem significado, porque ambas são componentes de uma única
relação, isto é, o indivíduo pode expressar ou não sua experiência, mas a per­
cepção sempre existe; 2) desde que há umà variedade infinita de condições
ambientais, existe também a possibilidade da experiência estética tomar inu­
meráveis formas; 3) toda experiência se dá através de mecanismos
biológicos37
Naturalmente, Dewey não estendeu suas teorias aos diversos campos do co­
nhecimento mais do que o necessário para estabelecer sua validade geral. En­
tretanto, sua filosofia era o mais promissor ponto de partida para as pesquisas
na estética do paisagismo. Isso fez com que se tornasse imprescindível traba­
lhar em detalhe, a conexão entre a experiência e a paisagem, sendo o
primeiro passo, necessariamente, a aplicação dos princípios gerais da filosofia
estética proposta às situações ambientais reais.
Na Europa, Christopher Tunnard concebeu a teoria funcionalista como res­
posta ao absolutismo do "Art Nouveau", que dominava a estética. Essa teoria
tinha três linhas principais: 1) a abordagem funcional, segundo a qual os valo­
res estéticos residem na economia dos meios de expressão e no descartar das
"velhas roupas do passado", que são os estilos; 2) a abordagem empática, se­
gundo a qual a natureza não deve ser olhada como um refúgio da vida, mas
como um estímulo para o corpo e para a mente, não podendo, portanto, ser
copiada, sentimentalizada ou dominada; 3) a abordagem artística, segundo a
qual a busca sem proveito da beleza decorativa é uma atitude de qualidade
discutível e, portanto, deve ser secundária no processo de criação
Foi após a Segunda Guerra Mundial que as propostas de Dewey e Tunnard
encontraram condições favoráveis à sua aplicação. América e Europa esta-
vam empenhadas em construir e reconstruir suas paisagens dentro dos prin­
cípios propostos pelo naturalismo e pelo funcionalismo, o que originou uma
diversidade de frentes de avanço, tão variadas quanto as possíveis interpre­
tações dessas teorias.
Entretanto, todos os procedimentos envolviam, pela primeira vez, uma cons­
ciência geral do ambiente e de seus problemas de proteção, associada a me­
didas específicas que indicavam, finalmente, o cruzamento de fronteiras
interdisciplinares.

59
OQ
Segundo Barraclough , pode-se razoavelmente afirmar que, ao final de 1960,
o longo período de transição entre a idade moderna e a idade contemporânea
estava concluído e o "novo mundo" entrou em órbita. Nesse "novo mundo", as
questões predominantes, das quais não se pode fugir, são os problemas da
pobreza, do atraso e do excesso de população. Além disso, o progresso da
sociologia ensinou que o grupo, e não o indivíduo, constitui a unidade básica
da sociedade. Essas características do "novo mundo" influenciaram, de forma
marcante, os estudos e propostas no campo do Paisagismo.
À medida que o aumento da população, da velocidade dos meios de trans­
porte, da eficiência das comunicações, tornaram a vida mais complexa, tam­
bém emergiu a consciência de que a paisagem tinha o papel de promover o
encontro entre os grupos sociais, de modo que as atividades humanas se inte­
grassem perfeitamente a um dado conjunto de circunstâncias físicas. Os valo­
res, os hábitos e os objetivos dos usuários passaram a ditar as normas da pai­
sagem.
Em 1955, Thomas Church publicou "Gardens are for People", onde explica,
nas páginas introdutórias, a revolta do paisagismo contra as influências "imi-
tativas", principalmente o ecletismo vitoriano40 Seus projetos exibiam o fun­
cionalismo tão eficientemente ensinado pela Bauhaus (1919-1928), associado
a uma influência oriental, especialmente japonesa, em termos de formas, ba­
lanço de forças, contrastes, equilíbrio, etc. É natural que esse processo, logo
conhecido como estilo californiano, tenha se originado na Costa Oeste dos
Estados Unidos, região com extensas relações comerciais com o Oriente41
É do início da década de 60 o livro "Landscape Architecture", de John O.
Simonds, que procura considerar as "forças naturais" (sol, vento, temperatura,
etc.) como elementos que, associados à circulação, promovem a organização
dos espaços. A beleza é o resultado desse processo de relações
harmoniosas42
É também do mesmo período, o surgimento da percepção ambiental, um tipo
particular de teoria interdisciplinar, com fortes ligações com a Psicologia. O
conceito básico que apóia esses estudos é o de que o comportamento social é
influenciado pelas atitudes com relação ao meio ambiente, tal como ele é
percebido. O fundamental é a imagem que o homem tem da paisagem e essa
imagem pode ser interpretada de muitas formas diferentes.
Os aspectos psicológicos do movimento das pessoas na paisagem foram estu­
dados e discutidos de formas diferentes, por Kevin Lynch, Gordon Cullen e
Lawrence Halprin.

60
Lynch, em 1959, publicou "The Image of the City", com estudos sobre a ma­
neira pela qual o morador urbano visualiza seu ambiente. Para os residentes
em um determinado lugar, os marcos, caminhos e limites dos trajetos cotidia­
nos têm uma importância muito maior do que as características globais da
paisagem desses lugares que eles, na maioria das vezes, não percebem43
No mesmo ano, Gordon Cullen, no livro "Townscape", afirma que, ao se des­
locar pela cidade, as pessoas reagem não às construções isoladamente, mas à
composição do grupo de construções, em síntese, à paisagem resultante do
agrupamento das várias funções urbanas. Essa reação origina-se na sucessão
de surpresas ou revelações súbitas de um determinado trajeto, que ele cha­
mou de "visão serial"44
Para Lawrence Halprin, em contraste com o "City Beautiful Movement" ou
com os princípios defendidos pela Escola de Belas Artes de Paris, no começo
do século, o desenho da paisagem atual deve criar espaços para integrar as
pessoas e não apenas os edifícios e, portanto, as pessoas são parte funda­
mental do processo de criar uma paisagem45
A forma da paisagem, em determinado momento, possui qualidades que re­
sultam da organização de elementos controlados e de elementos não contro­
lados ou indeterminados. Nessa última categoria se inclui a criatividade das
pessoas no uso dos espaços públicos e particulares, que é o que confere, em
última instância, a dinâmica social à paisagem.
Mas foi, sem dúvida, o "método ecológico" de McHarg que surgiu como a in­
fluência mais persuasiva no desenho da paisagem, nos últimos 20 anos. En­
tretanto, o termo "ecológico" é normalmente associado a conotações pré-hu-
manas e pode ser de validade duvidosa num ambiente urbano antropocên-
trico. Além disso, o Movimento Ambiental, que serviu de inspiração à pro­
posta de McHarg, questiona as relações homem-ambiente sob a forma de
crítica sócioeconômica do modelo de crescimento dependente, ao qual o mo­
vimento atribui os abusos ambientais praticados na atualidade.
A proposta de McHarg, ao privilegiar o aspecto 'natural" da paisagem46, co­
loca em plano secundário as complexas relações existentes entre os parâme­
tros sociais e a paisagem construída. A coerência entre o projeto de paisa­
gismo e sua base ecológica, parece apoiar-se mais no contexto visual do que
nas considerações econômicas. Se é amplamente aceito que os problemas de
atraso, pobreza e superpopulação são manifestações de desequilíbrio da atua­
ção de forças sócioeconômicas, então, uma proposta paisagística visual, sem a

61
procura de uma estratégia social de longo prazo, será sempre uma mera de­
coração, por mais marcante que possa ser.
Na dinâmica que caracteriza a evolução da paisagem, o fator mais constante
tem sido, sem dúvida, o mecanismo humano de percepção pelos cinco senti­
dos, através dos quais todos os estímulos passam para despertar nossas
emoções. Embora esse mecanismo seja bastante estável, a expressão das
emoções despertadas pela paisagem, seja através da ciência, da pintura, da
literatura ou do paisagismo, varia a cada período histórico.
Na literatura, a paisagem, ao ser codificada em palavras pelo escritor e de­
codificada em paisagem pelo leitor, apresenta duas oportunidades de enri­
quecimento pela imaginação: as paisagens podem ser descritas e compreen­
didas em termos exagerados, mas que se admite como pertencentes ao sim­
bolismo do mundo real ou do mundo dos sonhos47
Na pintura, a representação da paisagem vai das coisas às impressões, dos
símbolos às interpretações. O pintor ou o observador podem tomar algumas
liberdades de interpretação para representar ou entender uma paisagem tal
como desejam que ela seja vista. Entretanto, a expressão de tudo isso só pode
ser feita a partir de um único ponto de vista espacial48
A intervenção da ciência na paisagem alterou radicalmente o conceito de
natureza. A palavra natureza, entre seus vários significados, pode indicar a
parte do universo não criada pelo homem, apreendida pelos sentidos. Mas,
desde que o telescópio e o microscópio aumentaram imensamente a visão
desse conjunto, a natureza que se pode ver com os sentidos, ampliou-se muito
acima da imaginação.
Esse fato, sem dúvida, deixou suas marcas na paisagem moderna: "a natureza,
não só nos parece simultaneamente maior e menor, como também parece
igualmente ter perdido sua unidade... Nos últimos anos, perdeu-se, inclusive,
a fé na estabilidade daquilo que chamamos ordem natural"49
O processo de emancipação do homem com relação ao ambiente, embora
envolva, lamentavelmente, o empobrecimento e até mesmo a destruição do
simbolismo natural da cultura humana, não é um processo indesejável. Na
verdade, o conceito normal de abrigo para o homem moderno tem a forma
de edifícios e, desde que o homem é de natureza gregária, a aglomeração de
edifícios em diferentes formas urbanas não está em desacordo com o seu
comportamento.

62
A perda progressiva das raízes históricas e regionais das diferentes culturas, a
adoção generalizada dos modismos estéticos, é que permitiram a emergência
de paisagens genuinamente "internacionais" na sua gama de elementos de
composição. A crença de que a cidade é uma entidade separada da natureza,
e mesmo oposta a ela, dominou a forma pela qual a cidade é percebida e
continua a afetar a forma como ela é construída. As cidades parecem forjadas
amplamente pelas forças sociais e econômicas, com a natureza desempe­
nhando o pequeno papel de embelezar seus espaços com árvores e parques.
Há um contraste violento, senão mesmo um conflito entre a diversidade de
frentes de estudo da paisagem, surgidas no séc. XX, e a homogeneidade de
soluções paisagísticas decorrentes do isolamento da cidade em relação à na­
tureza.
Atualmente, os estudos de paisagismo se apoiam na consciência de que a pai­
sagem contemporânea tem o papel de promover o encontro entre os grupos
sociais e isto pode se dar de muitas maneiras diferentes. Nossa vida se desen­
volve cada vez mais nos espaços públicos, que devem abrigar tanto os propó­
sitos humanos, quanto os processos naturais.
O enriquecimento da vida cotidiana se dá através da possibilidade de deslo­
camento pelos dos espaços da paisagem e entre seus edifícios. Isto permite
múltiplas visões do ambiente e a descoberta de emoções e encantos sempre
renovados.
Da mesma forma que a arte, que de acordo com Paul Klee "não reproduz o
que se pode ver, mas torna as coisas visíveis", o paisagismo tem a responsabi­
lidade de tornar visíveis as necessidades sociais no uso dos espaços não edifi-
cados. Essa responsabilidade é definida em termos do papel potencial que o
paisagismo representa dentro de um determinado contexto social e ambien­
tal. Cabe, portanto, ao paisagismo deste final de século, o papel de tornar vi­
sível o valor social da natureza em sua integração perfeita com as cidades, os
subúrbios e os campos.

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64
NOTAS
(1) Appleton, J., 1975, p. 21.
(2) Appleton, J. 1975, p. 1.
(3) Jellicoe, G., 1982, p. 7.
(4) Cerasi, M., 1977, p. 174.
(5) Appleton, J. 1975, p. 2.
(6) Jellicoe, G., 1982, p. 23.
(7) Jellicoe, G., 1982, p. 49.
(8) Tobey Jr., G., 1973, p. X.
(9) "Há muitas maravilhas, mas nenhuma é tão maravilhosa quanto o homem. Ele
atravessa, ousado, o mar grisalho arrebatado pelo vento sul tempestuoso, indiferente
às vagas enormes, na iminência de abismá-lo: e exaure a terra eterna, infatigável deusa
suprema, abrindo-a com arado em sua ida e volta, ano após ano, auxiliado pela espé­
cie eqüina ... Soube aprender sozinho ... a proteger-se das nevascas gélidas, duras de
suportar a céu aberto, e das adversas chuvas fustigantes; ocorrem-lhe recursos para
tudo... (Sófocles, Antigona, v. 285 e seguintes).
(10) "Era noite e na terra os corpos fatigados gozavam o plácido repouso; aquietaram-
se as florestas e o mar tempestuoso quando os astros percorreram metade do seu
curso, quando o campo todo silencia; os rebanhos e as aves multicores e os animais
que habitam os límpidos lagos e os que os campos bravios cobertos de sarças têm por
moradia, na silenciosa noite adormecidos, protegidos pelas bênçãos da natureza, ali­
viavam os seus cuidados com os corações esquecidos das fadigas." (Virgílio, Eneida,
IV).
(11) Clark, K., 1961, p. 20.
(12) "Centenas de árvores copadas, de troncos curtos, amplos ramos, que haviam pre­
senciado, talvez, a majestosa marcha dos soldados romanos, lançavam os braços bon­
dosos sobre o espesso tapete do mais delicioso relvado... em outros, afastavam-se,
formando amplas paisagens, em cujo emaranhado a vista se deliciava ao estender-se,
enquanto a imaginação as considerava como caminhos que conduziam a cenários
ainda mais belos, de rústica solidão." (Boccaccio, G.; Decameron, 10a jornada, 3a no­
vela).
(13) Clark, K., 1961, p. 21.
(14) Tobey Jr. G., 1973, p. 75.
(15) Clark, K., 1961, p. 35.
(16) Clark, K. 1961, p. 40.
(17) Appleton, J., 1975, p. 50.
(18) Laurie, M., 1978, p. 22.
(19) Jellicoe, G. 1982, p. 154.
(20) Jellicoe, G., 1982, p. 164.
(21) Laurie, M., 1978, p. 25.
(22) Jellicoe, G. 1982, p. 205.
(23) Rousseau, J. J. The new Heloise.
(24) Appleton, J. 1975, p. 26.
(25) Jellicoe, G., 1982, p. 205.
(26) Tobey Jr. G., 1973, p. 128.

65
(27) Appleton, J., 1975, p. 38.
(28) Appleton, J. 1975, p. 39.
(29) Appleton, J. 1975, p. 27.
(30) Clark, K. 1961, p.77.
(31) Jellicoe, G., 1982, p. 251.
(32) Appleton, J. 1975, p. 34.
(33) Appleton, J. 1975, p. 35.
(34) "Os anos decorridos entre 1890, quando Otto Bismarck se retirou da cena polí­
tica, e 1961, quando John Kennedy tomou posse como presidente dos Estados Unidos,
constituíram um amplo divisor de águas entre duas épocas: de um lado situa-se a
idade contemporânea, ainda nos seus primórdios, do outro lado alarga-se o vasto pa­
norama da idade moderna, com seus píncaros familiares; Renascimento, Iluminismo e
Revolução Francesa.' (Barraclough, G. dl976, p. 12/13).
(35) Barraclough, G. 1976, p. 21.
(36) Jellicoed, G. 1982, p. 307.
(37) Appleton, J. 1975, p. 49/50.
(38) Tobey Jr., G., 1973, p. 200.
(39) Barraclough, G., 1976, p. 29.
(40) Church, Thomas D., 1983, p. 5/6.
(41) Tobey Jr. G., 1973, p. 203.
(42) Simonds, J. 0 . 1961, p. 229.
(43) Lynch, K., 1980.
(44) Cullen, G. 1983,, p. 99/111.
(45) Halprin, L. 1973, p. 190/195.
(46) McHarg, 1969, p. 7 a 19.
(47) Clark, K., 1961, p. 74/176.
(48) Appleton, J. 1975, p. 213.
(49) Appleton, J., 1975, p. 203.

66
PAISAGEM E PROTEÇÃO AMBIENTAL:
ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE CONCEITOS,
DESENHO E GESTÃO DO ESPAÇO

HELENA N A PO LE O N D EG REAS

Água, solo, fauna e flora, compõem os bens naturais mais


preciosos que possui a terra: local onde reside e do qual
também faz parte o homem. Por esta razão, seu planejamento,
proteção, desenho e intervenção devem objetivar a composição
ideal do ambiente humano. A natureza (descrita como aa
situação que não fpi alterada pelo esforço humano) se converte em paisagem
quando nos referimos aos seus componentes naturais, suas peculiaridades
fisiográficas e ambientais; também se transforma, alterando suas
características próprias de acordo com as influências históricas, culturais e
tecnológicas do homem, refletindo, por conseqüência, pelos sistemas
climáticos, naturais e sociais, a materialização de um momento da sociedade.
Composta por uma infinidade de objetos naturais e artificiais, a paisagem re­
presenta uma situação fixa; o acúmulo de objetos mortos sem significado para
a sociedade. Como à vida em sociedade pressupõe uma multiplicidade de
funções, usos e atitudes, a paisagem altera seu significado: do relacionamento
social com os objetos naturais e artificiais tem-se o espaço, organizando-se aí
os lugares de vida da população (Santos, 1986). Inevitavelmente, o enfoque
que é dado ao uso e desenho atual do espaço que ainda conserva
características naturais, estará sempre condicionado à percepção que se tem
da paisagem e à postura ante o ambiente natural, sendo influenciados pelo
local, pela cultura da sociedade e posicionados dentro de um momento histó­
rico.
As palavras planejamento, uso, desenho e função, surgem para o homem (ser
social) numa organização de objetos capazes de satisfazer suas necessidades
biológicas e sociais, pela criação de espaços (Santos, 1986); da adequação do
suporte físico ambiental às necessidades humanas tem-se a arquitetura da
paisagem.
Se paisagem é espaço, quando ocorre o relacionamento social com os ele­
mentos que a compõem, também é ecossistema quando acrescida à vida,

67
transformando-se então numa situação que se apresenta em constante pro­
cesso de recriação, evolução e transformação (Lyle, 1987; Odum, s.d.).
Ao avaliar-se a qualidade ambiental está-se discutindo diretamente a quali­
dade das intervenções humanas sobre um suporte físico, relacionando-se os
impactos criados aos graus de inadequação das atitudes e concretizações
humanas sobre um ecossistema.
Neste ponto, o profissional que trabalha com a paisagem alterando-a pelo de­
senho ou pelo projeto, deve compreender que por mais abstrata que possa
parecer sua idéia, esta última pressupõe a concretização de uma atitude
premeditada e consciente; projeta-se pensando na recriação de paisagens,
"materialização de um momento da sociedade" (Santos, 1986), acrescentando-
se objetos ou intenções numa situação erroneamente considerada estática e
não na recriação de um ecossistema. Paisagens são como fotos de uma reali­
dade (Santos, 1986) e, ambientes passam por uma evolução constante, não
estando jamais parados ou representando uma situação estática no tempo
(Odum, s.d.).
Acrescentar elementos à paisagem significa que esses objetos devem fazer
parte, compor e também auxiliar no processo de recriação de ecossistemas
(lugares com vida). Além de objetos fixos, materiais, a paisagem, enquanto
espaço repleto de funções, também é de intenções políticas, econômicas e
sociais que formam, apesar de características abstratas, um desenho especí­
fico no espaço. Sua dimensão se altera; ultrapassa a condição de lugar geo­
gráfico ou mero ecossistema, representando uma localização de caráter hu­
mano que extrapola os limites ambientais, ecológicos, administrativos ou na­
cionais; é um espaço universal.
Organiza-se o espaço social, funcional, etc., o mesmo não ocorrendo quanto
ao ecossistema sobre o qual essas abstrações se concretizam.
A crença de que o fenômeno urbano é uma entidade separada da "natureza" e
de que os seus processos de evolução são sempre catastróficos tem dominado
a maneira pela qual o ecossistema urbano é percebido e construído, sepa­
rando-o cada vez mais de suas raízes naturais (Drew). Neste ponto os discur­
sos ecológicos entram de maneira crucial quanto à discussão sobre preserva­
ção, mas não com o devido enfoque, uma vez que em sua maioria apresentam
uma visão compartimentada da realidade demonstrada através de seu dis­
curso e atitudes parciais, que defendem a preservação desta ou daquela espé­
cie, como elementos individuais do espaço, sem qualquer tipo de relação com

68
as demais formas vivas; verdadeiros tótens onde o ser humano não deve che­
gar ou tocar.
O homem através de seu conhecimento técnico já alcançou todos os espaços
terrestres transformando ecossistemas de características naturais em paisa­
gens artificiais, dando-lhes funções. Na sua necessidade quase atávica
(Ab’Saber) de dominação da paisagem natural, ou até de domesticação, des­
truiu e alterou praticamente tudo que mantivesse qualquer tipo de seme­
lhança agreste ou selvagem, uma vez que não foi capaz de compreender a ló­
gica de composição e ordenação do ambiente que ele alterou; e, ainda pior,
não foi capaz de recriar uma situação estável que obedecesse às mesmas or­
denações.
Fazendo uma analogia da paisagem ao nosso planeta, temos que a Terra fun­
ciona como uma máquina, um sistema gigantesco. Como máquina ela é com­
posta por inúmeras partes, milhares de engrenagens, ou subsistemas que tra­
balham como uma unidade ligados por fluxos de energia e matéria que a
mantém viva (Odum, 1986).
A paisagem, mais do que expressão visível de objetos, é componente de uma
realidade maior que nem sempre é apreendida com um olhar (Burle Marx,
1986). Das trocas de fluxos e energias dependem inúmeros outros compo­
nentes para a sua sobrevivência. A intervenção do homem nos processos na­
turais se dá não só nas alterações de formas e objetos (naturais ou artificiais)
de paisagens estáticas ou consideradas como realidades completas, sem
nenhuma relação com o restante de seu entorno, como também, nosso pro­
jeto, lei ou plano, influi diretamente nos fluxos de energia e de matéria, alte­
rando suas correntes, sua magnitude, ou diminuindo depósitos materiais de
energia.
O maior desafio para quem trabalha com paisagens e ambientes é compreen­
der o seu projeto enquanto realidade completa, que tem vida própria, mas
que de sua ligação com a paisagem e o ecossistema que sofreu a intervenção,
depende a sua sobrevivência, sucesso ou fracasso. É preciso intervir numa
realidade dialética, compreendendo seus componentes, estruturas e funcio­
namento; deve-se fugir do pensamento e das atitudes que nos levam à
"dominação'' da natureza, alcançando-se a participação racional em seu pro­
cesso de criação. Um desenho, obtido por uma delimitação de proteção é
premeditado e previsível, configurando portanto escolhas intencionais e cons­
cientes. Nossa criação de ecossistemas tem sempre sido casuística, sem a
compreensão lógica de como os processos naturais ocorrem, e, além do mais,
sem qualquer previsão de como os novos ecossistemas irão trabalhar ou,

69
ainda, sem a compreensão de que eles realmente fazem parte e são um ecos­
sistema. Os sistemas naturais são auto-organizáveis e podermos alterá-los e
recriá-los através da compreensão dos princípios com os quais eles traba­
lham, para transformar os ecossistemas humanos em ecossistemas sustenta­
dos e, portanto, equilibrados (Lyle, 1985).
EVOLUÇÃO DAS POLÍTICAS AMBIENTAIS
A humanidade faz parte da natureza e depende dela para a sua sobrevivência,
mas é a civilização (através de sua postura cultural) que dá a ela o poder de
alterá-la em escala sempre crescente, de maneira adequada ou não. Para
Viola (Toynbee, 1982) o comportamento predatório humano não é novo na
história, tendo através de profundas crises ecológicas feito desaparecer civili­
zações inteiras. Estando na 3â fase de nossa história (Drew, 1983), denomi­
nada de Fase da Agressão e da Conquista, graças à liberação dos condido-
nantes físicos e limitações da natureza, o que de fato aparece é a escala dos
instrumentos de predação. Conseguimos finalmente, mas não felizmente,
chegar à capacidade de auto-extermínio consciente (armas nucleares) através
de atuações calcadas na previsão da Terra como fonte infinita de recursos
renováveis (Drew, 1983, p. 4).
Neste ponto, a mudança do comportamento humano é possível, uma vez que
alterações nos sistemas espaciais são deliberadas e modeladas para fins de­
terminados. A pesquisa entra não só como provedora de dados, informações,
mas seus efeitos influenciam na percepção dos fatos, e por conseqüência na
maneira pela qual a sociedade e, principalmente os governantes vêem o
mundo. "Ela influência o que eles encaram como fato ou ficção, os problemas
que vêem ou não, as interpretações do que eles encaram como plausíveis ou
sem sentido; os julgamentos que fazem de uma política ser potencialmente
efetiva ou irrelevante." (Berry, 1977, p. 2).
Dentro da visão ecossistêmica para a percepção assumida por Berry (1977),
no circuito retroalimentador, os processos são geradores de comportamento
espacial, baseados em contextos ambientais e guiados pela combinação de
necessidades biológicas (sobrevivência, manutenção, reprodução) e impulsos
culturais (necessidades de sucesso construídas dentro do sistema nervoso
central dos indivíduos em sociedades que apresentam progressos econômicos
e tecnológicos através de atitudes e pressões culturais).
Temos ainda, com o mesmo autor, que, o que o homem faz, é determinado
pelo que o homem acredita; a percepção é, então, por sua vez, um produto
das necessidades biológicas, dotes naturais, visão mundial do agente, basea­

70
das nos valores de sua cultura e os papéis, esperanças e aspirações impostos
aos seus membros, juntamente com os frutos do aprendizado baseados na
experiência com os resultados de tomadas de decisões e ações anteriores.
Acrescenta que as decisões são apenas traduzidas em ação quando conflitos
com outros agentes tenham sido resolvidos, sendo assim resolvido o novo
conflito e provida a reavaliação do circuito retroaümentador.
Quanto aos governados, estes, através de alguns poucos representantes, co­
meçaram a ser ouvidos desde a década de 70, por meio de movimentos eco­
lógicos. Época representada pelo despertar da consciência ecológica no
mundo (Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente em Esto­
colmo -1972, entre outros).
Viola (1987, p. 6) comenta que é nessa época que os problemas de degrada­
ção do ambiente associadas ao crescimento econômico foram percebidos
através de uma perspectiva global que superava as diversas questões pontuais,
discutidas por agências estatais na década de 50 e 60, dos países do Primeiro
Mundo. Ainda de acordo com ele, os movimentos ecológicos são portadores
de valores e interesses universais que ultrapassam as fronteiras de classe,
sexo, raça e idade, tendo a possibilidade de incorporar a grande maioria da
humanidade.
Todos os fatos levam à preocupação com o papel das ideologias e valores na
determinação da natureza dos processos espaciais. Parece então evidente que,
para entrar-se numa nova fase que se projeta no futuro, era de respon­
sabilidade e unidade, onde a compreensão é percepção do funcionamento da
natureza é fruto de uma consciência social e uma adaptação sensível das con­
dições ambientais (Gutkind, s.d.) a pesquisa proposta por Berry (1977) entra
de maneira crucial, na medida em que o futurólogo, ao tentar evitar um
acontecimento, prevê imagens do futuro indicando uma cadeia de alternativas
que estimula uma marcada mudança no comportamento social, fazendo com
que tenhamos capacidade de discenir o que devemos conseguir ou evitar.
Acrescenta ainda que a mudança social mais importante de nosso tempo é a
difusão da tomada de consciência de que temos capacidade de lutar e delibe­
radamente planificar a própria mudança.
Viola (1987, p. 19) coloca que atualmente estamos entrando numa nova fase,
denominda Ecopolítica e que no Brasil, os movimentos ecológicos adquirem
certa relevância. Acrescenta que nos três períodos no movimento ecológico
no Brasil, a primeira fase, chamada de ambientalista desde 1974 até 1981, foi
caracterizada pela denúncia de degradação ambiental nas cidades e nas co­
munidades alternativas rurais; uma segunda fase, que chamou de transição,

71
desde 1982 até 1985, foi caracterizada pela confluência parcial e politização
explícita progressiva dos movimentos, além de uma grande expansão qualita­
tiva e quantitativa dos mesmos. A terceira fase, que estamos adentrando
chamou de ecopolítica, vem ocorrendo desde 1986. Essa ecologia política faz
do valor de sobrevivência, respeito dos sistemas vivos e resistência à des­
truição da vida, o fundamento necessário para a construção e legitimação de
um sistema de valores sóciopolíticos. É nesse momento que a maioria do
movimento ecológico auto-identifica-se como político e decide participar ati­
vamente na arena parlamentar (Viola, 1987), estando desta maneira delibe­
radamente planificando nossa mudança e partindo, para políticas mais res­
ponsáveis.

A discussão e implementação dessas políticas é um fato novo, tendo vigorado


até pouco tempo, a completa desproteção do ambiente, não existindo ne­
nhuma norma que proibisse a devastação das florestas, assoreamento de rios,
erosão de terras ou a qualquer tipo de ameaça que se fizesse ao delicado
equilíbrio ecológico. A atuação do poder público na proteção do meio am­
biente sempre esbarrava na concepção individualista da propriedade e, tra­
balhar com isso, incorreria numa limitação daquele direito.
Apenas com a multiplicação dos problemas causados pela poluição, ou pelo
efeito de uma atividade que causasse deterioração ambiental, aliado à escas­
sez de recursos, é que houve interesse em criar dispositivos e ações de con­
trole, procurando minimizá-los. Grande parte dessas ações resultaram a
partir de pressões exercidas por entidades profissionais ou pela necessidade
de se manter o sistema produtivo, que por muitas vezes era ameaçado pela
poluição por ele causada.
Nas áreas consideradas "rurais", a ameaça a qualquer tipo de equilíbrio eco­
lógico não era sentida, graças à visão de fartura e abundância de terras e re­
cursos; a conquista de novos territórios e a predominância de uma agricultura
de caráter predatório era permitida pela sociedade quando não incentivada.
Assim foi nas cidades, onde se concentravam as atividades econômicas, con­
centravam-se também os problemas ambientais delas decorrentes e onde ini-
ciaram-se as gestões para minimizar os conflitos que começaram a se inten­
sificar. No final do séc. XIX já tinha sido criado o Serviço Sanitário do Estado
de São Paulo e promulgado o Código Sanitário, onde era estabelecida uma
classificação das indústrias em incômodas, perigosas, insalubres, estipulando-
se ainda regras com vistas à proteção da saúde pública.

72
Na década de 20 algumas ações governamentais procuraram ampliar a atua­
ção pública sobre as questões ambientais, incluindo medidas relativas à
proteção da fauna aquática do estado de São Paulo. A nível federal, a década
de 30 é o marco inicial da atuação mais decisiva na proteção ambiental com a
promulgação de decretos que estabeleciam medidas de proteção aos animais;
e organizavam a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, através
da criação de alguns parques nacionais.
Acrescentamos que durante a década, a nível internacional, os planos criados
tratavam de assuntos referentes à conservação do solo, gestão de recursos hí­
dricos e programas de bacias. Nos anos 40 o enfoque principal das discussões
estava direcionado para o aumento das indústrias químicas e conseqüente
poluição ocasionada pelos produtos tóxicos delas provenientes, embalados
pelas teorias malthusianas, onde pregava-se a finitude dos recursos terrenos.
Diante dessas posições, a nível nacional, nenhuma atitude significativa foi
tomada.
Durante a década de 50 surgem alguns problemas críticos de contaminação
das águas e do ar (graças ao seu desenvolvimento econômico e industrial) em
vários locais do estado de São Paulo, tendo sido desencadeados vários meca­
nismos de controle, entre outros, a proibição do lançamento de resíduos que
prejudicassem a qualidade dos cursos d’água. A nível federal, as ações se
concentraram basicamente na criação de áreas florestais protegidas.
Nos anos 60, internacionalmente, os assuntos mais discutidos eram aqueles
que davam maior ênfase na melhoria e manutenção da qualidade ambiental.
Para tanto, criaram-se padrões e regulamentos que controlassem a qualidade
do ar e das águas; que preservassem paisagens naturais e recursos cênicos
(lembrando sempre que a discussão de potenciais não ficava apenas no
padrão cênico, e sim, enquanto valor de paisagem que deveria ser preservado
para o mundo e para a estabilidade ecológica, como meio de se alcançar a
qualidade do meio ambiente - final do século passado/EUA); e preservação
das espécies ameaçadas de extinção.
É interessante observar que os princípios internacionais exercem sobre as or­
denações estatais certo grau de influência, obrigando-as a rever posturas
acanhadas que são peculiaridades a cada legislação estatal (Costa, 1981, p.
11). A respeito disso, podemos exemplificar com a década de 70, quando os
efeitos nocivos do crescimento urbano desordenados se fizeram sentir mais
fortemente e mais especificamente à Declaração da Conferência das Nações
Unidas sobre o Ambiente Humano, levado a efeito em Estocolmo, 1972.

73
Com este marco histórico, fica esclarecido que atribuir os problemas do am­
biente unicamente às interações entre os componentes biológicos e físicos é,
no mínimo, superficial. Magnoli (1984) ainda acrescenta que foi possível
identificar na época dois níveis distintos de abordagem para as soluções
propostas; o primeiro deles, denominado de Nível das Partes (merístico) que
compreendia ações isoladas para problemas específicos e pontuais, e que
serviria apenas como paliativo; numa segunda abordagem, o Nível da Globa-
lidade (ponto de vista holístico), onde se procuram soluções globais à pro­
blemática também global do meio ambiente. Neste último aspecto tornou-se
claro que o conhecimento do meio ambiente requer analisar as vinculações
entre as estruturas sociais e as estruturas naturais.
Por volta desse mesmo período é que se iniciam os esforços para uma política
ambiental mais abrangente no Brasil. Segundo Kazuo (1985) procedeu-se em
1972 um levantamento entre os nove ministérios e uma secretaria de Estado,
de pelo menos 34 organismos públicos que mantinham implicações diretas ou
indiretas com assuntos ambientais. Diante de tal dispersão alguns passos
foram dados, culminando com medidas institucionais básicas. A primeira foi a
criação, em 1973, da SUPREM, Superintendência dos Recursos Naturais,
cujo objetivo entre outros era de tratar de recursos naturais como um todo, o
que era impossível de se atingir diante da multiplicidade de órgãos existentes.
Nos anos 80, no âmbito internacional, tem-se o questionamento sobre a efi­
ciência das normas e procedimentos da última década e a exigência, pelas
instituições financeiras, sob a pressão dos ambientalistas, dos relatórios de
impacto ambiental de projetos por ela financiados.
Pelo exposto, temos que as questões ambientais começaram e ainda hoje são
tratadas de forma setorial (ar, solo, fauna...), servindo assim, as soluções,
como paliativos que sequer chegam a uma definição ou estratégia global
sobre essa problemática. Isto levou à criação de vários órgãos e leis que na
maioria dos casos tinham funções superpostas quando não conflitantes.
Embora exista um esforço de se implantar uma política ambiental co­
ordenando as ações de vários órgãos ligados à questão, somados ao que efe­
tivamente foi realizado no sentido institucional, observa-se que muitos dos
objetivos não foram plenamente atingidos ficando a maior parte apenas nas
delimitações e no papel, sendo alvo de toda sorte de agressão e degradação.
Acrescentamos que isso tem ocorrido principalmente pela forma com que a
questão ambiental tem sido tratada, colocando que a contraposição entre a
questão ambiental e o desenvolvimento econômico tem levado os governantes
(acrescentamos a sociedade também) a optarem pela segunda questão, fi­

74
cando o ambiente em plano secundário e considerado como problema. Isto
acaba se revelando, nas carências de recursos financeiros e humanos entre
outras, para que o aparelho do Estado possa realmente conduzir e efetivar
uma política ambiental.
A evolução das políticas ambientais através dos tempos aliada à necessidade
de uma conceituação teórica serviu muito bem para posicionar a questão am­
biental no contexto atual de nossa sociedade, verificando-se que essa situação
é completamente correta dentro do ponto histórico em que estamos. Sinteti­
zando as idéias de Berry (1975) temos que o que hoje fazemos é determinado
por aquilo que acreditamos. Assim, Estado e Sociedade criam suas paisagens
e seus espaços da maneira que consideram correta e de acordo com o pen­
samento reinante. Para explicar os conflitos ecológicos e ambientais promo­
vidos por alguns grupos de maneira marcante desde 1970, e que de uma certa
forma "quebram" a tranqüilidade do pensamento reinante, pode-se acrescen­
tar algumas idéias de Santos (1985, p. 21):
"A introdução da dimensão temporal no estudo da organização do espaço en­
volve considerações numa escala muito ampla, isto é, uma escala mundial. O
comportamento dos subespaços do mundo desenvolvido está geralmente de­
terminado pelas necessidades das nações que estão no centro do sistema
mundial..." Revendo algumas posições, temos que no âmbito internacional
questionou-se na década de 80 a eficiência de normas, procedimentos e técni­
cas adotadas para alteração de paisagens e ambientes, enquanto a nível na­
cional essas questões são tratadas setorialmente e sem definição global; e,
ainda pior, como diz Lyle (1985) sem inclusive percebermos que estamos
atuando sobre um outro sistema, alterando-o de forma irreversível e, apesar
de incorreta, premeditadamente.
"... A dimensão histórica ou temporal é assim necessária para se ir além do
nível de análise ecológica. A situação atual depende, por isso, de influências
impostas... A noção de espaço é assim inseparável da idéia de sistemas de
tempo. A cada momento da história local, regional, nacional ou mundial, a
ação das diversas variáveis depende das condições do correspondente sistema
temporal..." (Santos, 1985, p. 21). Acrescenta, ainda, que o significado de uma
mesma variável muda no decurso do tempo, isto é, na história do lugar; dessa
forma, a mera referência a uma situação histórica ou a busca de explicações
parciais concernentes a um ou outro dos elementos do conjunto não são
suficientes, pois representariam situações atuais como se elas fossem um
resultado de suas próprias condições no passado. O que interessa então é a
sucessão de sistemas e não de elementos isolados.

75
Fatalmente, pelo que foi exposto, estaremos caminhando irremediavelmente
para a ecopolítica a que se refere Viola (1986), embora ela ainda não esti­
vesse presente no discurso da Nova República e ainda não possamos avaliar o
que hoje, em 1990, esteja a atual administração federal pretendendo. Ainda
de acordo com o mesmo autor, o que se pregava na administração passada,
estava totalmente concentrado no crescimento econômico e na necessidade
de uma melhor distribuição de renda, sendo esse segundo aspecto secundário
no discurso do regime anterior; quanto à questão ambiental, ela sequer estava
presente. Hoje, o discurso parece o mesmo só que acrescido dessa última
questão. Como, com que meios, instrumentos, programas, para que e para
quem, não somos capazes de dizer; apenas sabemos que (enfim!) a sociedade
começa a perceber que o nível de degradação ambiental aumenta e que algo
tem de ser feito para deter esse processo, quebrando aos poucos a visão bu­
cólica de paisagem e ambiente, como retratos de uma realidade idealizada,
perfeita e infinita em riquezas e recursos, sedimentada sobre governantes e
governados. Percebe-se desde a 1- Conferência de Estocolmo, em 1972, que à
abordagem ecológica e auto-sustentada também deveria ser acrescida a visão
sistêmica, transformando, como dizia em 1870 Olmsted (in: Laurie, 1983, p.
88), o ambiente e as paisagens não só em herança, como em patrimônio para
a humanidade. Embora neste país de Terceiro Mundo, completamente endi­
vidado, venham-se tentando difundir a idéia de intromissão na soberania fí­
sica, política..., ao mencionar-se troca de dívida por conservação de recursos
naturais, podemos dizer que um primeiro passo foi dado na tentativa de que­
brar a estrutura ‘pensante’ em vigor. Como diz Santos (1985), a compreensão
da organização espacial, bem como de sua evolução, só se toma possível me­
diante a acurada interpretação do processo dialético entre formas, estruturas
e funções através do tempo. Paisagem e ambiente são formados pelos fatos
do passado e do presente. Suas formas podem ser as mesmas; sua estrutura
também; mas sua função hoje é outra e não se restringe egoisticamente a
uma escala local. O patrimônio ambiental não é mais, e por que não dizer,
nunca foi de interesse e atuação circunscritos num limite puramente admi­
nistrativo; basta perceber seus limites físicos e sua resposta na manutenção do
equilíbrio natural. Na visão pequena e mesquinha, uma área de proteção
ambiental ou o tombamento, por exemplo, de um bem comum, esbarra em
limites de propriedade e de direitos, respondendo a um nível de equilíbrio in­
dividual de uma determinada variante. O esgotamento de um recurso ou o
desmatamento de uma área por exemplo, visto na escala e proporção corre­
tas, vai alterar de forma irreversível o equilíbrio da biosfera.

76
Assim esses questionamentos internos, adotados pelos movimentos ecológi­
cos brasileiros (e estrangeiros), devem continuar acontecendo; as inovações
por eles apresentadas podem não ser imediatamente aceitas, pois entram em
contraposição à estrutura pensante, atuante e vigente no país. Mas, visto pelo
prisma correto, a estrutura principal encontra-se numa escala muito maior
que a do interesse local ou do "traço e ponto" administrativo. Em nome da
manutenção do equilíbrio da biosfera e portanto de nossas vidas, é que as po­
líticas econômicas, financeiras, etc., deveriam ser balizadas.
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77
PAISAGEM: OBJETO DE TRABALHO DO
ARQUITETO PAISAGISTA

W ANTUELFER G O N ÇA LV E S

O projeto paisagístico, além de um desenho em papel vegetal,


de algumas árvores e bancos de jardim, ou de uma figura bonita
para um cartão postal é, para o profissional, uma necessidade
de conhecimentos sociais, biológicos e estruturais. Mais ainda,
precisa a compreensão do objeto de estudo como um todo e da
sua subdivisão para a escala de trabalho. Visto como um espaço a ser traba­
lhado e preenchida a necessidade de dividí-lo é patente (Santos, 1985). A pai­
sagem, no entanto, não é apenas um elemento espacial, mas um sistema es­
pacial ou um geossistema, como querem alguns, ou um ecossistema, como
querem outros, com todas as interações possíveis, incluindo a antropização.
Dividir esse ecossistema é, então, uma tarefa mais difícil ainda, mas que pre­
cisa ser feita para determinação e caracterização de um objeto em uma escala
que possa ser trabalhável. Essa divisão é possível porque cada parte é uma
unidade dinâmica do todo (Sotchava, 1977).
O arquiteto paisagista tem encontrado dificuldade em caracterizar o objeto
de trabalho na escala menor, mas essa dificuldade pode estar embutida na
definição do objeto como um todo e na definição do objeto como parte divi­
sível desse todo.

OS CONCEITOS
O conceito mais antigo e ainda hoje tido entre os leigos relaciona paisagem
com pintura ou com cenas bucólicas (Barsa, 1980), sem reconhecer o dina­
mismo natural entre os elementos que a compõem (Klink, 1974).
Além de cenário, o conceito de paisagem tem de estar impregnado de biolo­
gia, de participação humana, de evolução. Esses elementos conferem à
porção do espaço denominada paisagem uma instabilidade, apesar de ser o
conjunto indissociável (Bertrand, 1972).
A evolução da paisagem tanto pode acontecer de forma natural, demorada,
como de forma acelerada pela atuação do homem. O homem acelera o pro­
cesso evolutivo através de modificações e adaptações do ambiente as suas

79
conveniências. A esse ambiente modificado, e não mais apenas ao cenário, é
dado o nome de paisagem (Magnoli, 1987).
A antropização do espaço tem procurado a sociabilização do ambiente fa­
zendo com que a paisagem ganhe, além do valor estético, o valor de uso atra­
vés da participação constante do homem no ambiente. Essa antropização
acontece também na forma contemplativa, sendo a paisagem uma função de
quem a observa (Meinig, 1976; Pellegrino, 1990).
Assim, levando em conta a evolução constante, o suporte, a antropização e
não deixando de lado o valor contemplativo, pode-se resumir o conceito de
paisagem como sendo um elemento representado pela fisiografia, fisiologia e
fisionomia do lugar, sendo instável porquanto é histórico e pessoal porque
depende de quem a observa num momento definido (Gonçalves, 1990).
AS PONTUALIDADES
A necessidade de individualização do objeto paisagem para fins de projeto
aponta para o reconhecimento da paisagem como um elemento pontual, vi-
venciando-se uma pontualidade geográfica histórica e antrópica.
A definição de paisagem como sendo o espaço de terreno que se abrange
num lance de vista (Hollanda, 1986) é insuficiente para individualizar o objeto
de estudo, pois um lance de vista pode abranger um espaço geográfico
diferente em função da posição, da estatura, e do próprio órgão ocular de
cada observador (Figura 1).

Fig. 1 Paisagem vista por dois observadores diferentes, seria a mesma paisagem?

80
Essa postura de delimitação geográfica é importante para os efeitos de co­
municação. Para a transferência de conhecimento entre duas pessoas é ne­
cessário que, tanto a nível de imagem como a nível descritivo, o transmissor e
o receptor tenham mentalizados o mesmo objeto. Para contornar essa difi­
culdade Monteiro (1978) tenta definir a paisagem através de um objeto cen­
tral (Figura 2). Essa definição ajudou, mas não eliminou as diferenças de ex­
tensão do objeto de estudo.

Fig. 2 Paisagem vista por dois observadores diferentes, tendo a árvore como objeto central.
Seria a mesma paisagem?
A paisagem é um elemento pontual geograficamente e a determinação dessa
pontualidade é uma preocupação fundamental para o arquiteto paisagista
(FAUUSP, 1990). Sandeville Jr. (1990) define essa preocupação com a pon­
tualidade na medida em que a paisagem seja o instante captado pela per­
cepção mecânica-tecnológica: a fotografia. Nessa, como nas outras, as preo­
cupações devem ser levadas ao cubo, já que falamos apenas em escala bidi­
mensional quando a paisagem é, na verdade, tridimensional.
O instante captado, além de geográfico é temporal. Se o território se torna
paisagem quando tem descritas as suas características fisiográficas (Laurie,
1978), a permanência dessas características se dá numa determinada faixa de
tempo, ou seja, numa pontualidade histórica. E fácil verificar que esse tempo
é variável de acordo com os componentes da paisagem. Enquanto algumas
paisagens conservam suas características por muito tempo, outras têm suas fi­
sionomias variáveis em tempo menor. Essas mudanças, no entanto, são uma
necessidade da interação social, exigida pela antropização (Magnoli, 1987), ou
pela variação fisiológica natural dos elementos vivos da paisagem (Figura 3).

81
Fig. 3 Transformações da paisagem: a) antrópica em longo prazo, b) fenológica em curto prazo.
Seria a mesma paisagem?
Fontes: a) Minter (1990). b) Hueck (1972) Desenho sobre foto.
A transformação brusca da paisagem, como a dos aspectos fenológicos,
quanto à estética, pode ser comparada à antropização em um ambiente turís­
tico sazonal como temporadas de praia ou estâncias religiosas, onde a paisa­
gem do fim de semana é completamente diversa da dos dias comuns. Essa
pontualidade histórica é inclusive relegada a um segundo plano freqüente­
mente nos projetos de paisagismo, já que poucas vezes se estuda o impacto de
um aglomerado de pessoas num ambiente, ou de um agrupamento de carros
de várias cores num estacionamento. Reconhecidamente a influência
biológica na paisagem é de difícil manejo devido ao seu caráter fortuito e pas­
sageiro (Gonçalves, 1990).
A personalização da leitura da paisagem (Meinig, 1976 e Pellegrino, 1990)
pode ser extrapolada para o valor funcional além do estético, onde a função
da paisagem deve ser direcionada a grupos com personalidade definida como
renda, idade, profissão, etc. Esse usuário, personificado, terá maximizada a
utilização através da exploração biótica e do potencial abiótico conforme
Bertrand (1972). Essa personificação do usuário é importante principalmente
pelas diversas funções e maneiras de leitura da paisagem como especificadas
por Pellegrino (1990). Isso leva a um conceito de pontualidade antrópica
onde a paisagem deve ter sua função especificada para cada tipo de usuário.

82
Além do fator qualidade há que se levar em conta o fator quantidade especi­
ficados na literatura (IEF, s/d; Organização Mundial da Saúde, 1965), em­
bora esse fator seja de somenos importância quando comparado àquele,
acrescentadas variáveis importantes como localização e distribuição.
A ABORDAGEM GEOMÉTRICA
A paisagem como o espaço de terreno que se abrange num lance de vista é
um conceito simplista demais em termos geográficos para não falar nas inte­
rações que ele deixa de abordar. Tricard (1980), apesar de reconhecer essas
interações peca em considerar a paisagem com uma extensão determinada.
Sauer, citado em Pellegrino (1986), reconhece a individualidade da paisagem
em unidades individuais de área, que Klink (1974) caracteriza como ecossis­
temas, cartografados por um artifício de representação.
Buscando a origem dessa dificuldade na compreensão do próprio termo
"paisagem" a análise comparativa com as denominações geométricas do ele­
mento "reta", talvez possa auxiliar o entendimento e a criação de um termo
mais compreensível.
Os geômetras chamam de reta a uma seqüência de pontos de dimensão li­
near, mas sem começo nem fim. À semelhança disso, a paisagem é, também,
uma entidade sem fim nem começo e portanto impossível de ser representada
em sua totalidade (Figura 4).

(?)
Fig. 4 Reta e paisagem possuem conceitos semelhantes.

83
A dificuldade de trabalhar um elemento sem dimensão levou os geômetras à
caracterização de uma porção da reta, ou seja, uma definição do objeto de
estudo destacada do elemento reta a que se denominou "segmento de reta",
aplicável ao elemento paisagem (Figura 5).

_
M TO £>£■ R .€ 7 A

Fig. 5 Definição do objeto em estudo.


S E ^ M E tJ T o 0 € P A IS b Ç e A t ( ? )

O simplismo do elemento geométrico deve ser acrescido, é claro, de todas as


variáveis outras a que está sujeita a paisagem como: tridimensionalidade, in­
terações, associações, etc., isto eqüivale à introdução do conceito de unidade
elementar de paisagem (Delpoux, 1974), excluindo qualquer critério de di­
mensão, mas completado com a idéia de dinâmica funcional. Essa idéia é re­
tomada por Klink (1981) onde a regionalização natural leva em consideração
a massa e balanço de energia, com proposição da divisão da paisagem em
unidades naturais.
O estudo de semelhança com a geometria não ajuda em nada a divisão física
da paisagem, mas a adoção de um termo diferente pode facilitar a comuni­
cação e a compreensão entre os profissionais, na necessidade existente de se
referir ao "instante" em que se estuda (trabalha) e que é caracterizado por
uma pontualidade geográfica, histórica e antrópica. Assim, a denominação de
"segmento de paisagem1', "recorte de paisagem", "unidade elementar de paisa­

84
gem", "unidade natural", ou qualquer outro termo que o valha, é de somenos
importância perto da caracterização do objeto.

O PROFISSIONALISM O
A origem da arquitetura paisagística, ou simplesmente paisagística, aconteceu
quando o homem sentiu necessidade de modificar o ambiente, adaptando a
natureza para sua conveniência (Barsa, 1980). Essa modificação tem sido in­
terpretada de modo diferente, desde o radicalismo em prol de um equilíbrio
ecológico até a complacência de mudanças radicais em favor do homem.
Tanto na quebra do equilíbrio por meio de técnicas apropriadas (Pellegrino,
1986) como na permanência dele, precisa-se reconhecer, como adverte
McHarg (1969), que a natureza oferece oportunidades e restrições à interve-
niência do homem.
A arquitetura paisagística, ao contrário do que muito se pensa à respeito, se
ocupa com a utilidade do sítio além do valor estético e essa ocupação já nor­
teava os criadores dos inúmeros jardins renascentistas italianos (Barsa, 1980).
Erroneamente pensa-se que o projeto paisagístico se confunde com um pro­
jeto arquitetônico e que a arquitetura paisagística é uma profissão que tem o
cultivo e distribuição da vegetação como fator principal quando, em verdade,
esses fatos são apenas pontos de um contexto mais geral. Ao contrário do ar­
quitetônico, o projeto paisagístico não termina com o traçado no papel, le­
vando mesmo anos até que se consolide definitivamente.
A ASLA, Sociedade Americana de Arquitetos Paisagísticos vem procurando
definir a profissão e atribuições do arquiteto paisagista desde 1909, quando
definiu arquitetura paisagística como sendo "a arte de adaptar a terra para o
uso humano e diversão".
Em 1950, lembrou-se de acrescentar ao suporte físico, a terra, o que estava
sobre ela e a arquitetura paisagística ficou definida como "a arte de arrumar a
terra e os objetos sobre ela para uso humano e diversão".
Em 1972, além da arte, aplicou a ciência. A adaptação e arrumação são tra­
duzidas em planejamento, desenho e administração, mencionando já, como
fator predominante a agricultura. A arquitetura paisagística ficou definida
como sendo "a arte de aplicação de princípios científicos para a terra (seu
planejamento, desenho e administração) para o público, com uso do conceito
de administração agrícola da terra"
Em 1975, a ASLA frisa o uso do natural e do construído, acrescentando à
arte e à ciência os valores culturais e a conservação dos recursos com propó­

85
sitos de recreação além da beleza, definindo arquitetura paisagística como "a
arte do desenho, planejamento ou administração da terra, arranjo natural e
artificial de elementos através da aplicação de conhecimentos culturais e
científicos com conservação de recursos e administração agrícola, com finali­
dade que resulte em uso e propósitos de recreação".
Alguns anos depois, sem data definida, a arquitetura paisagística é encarada
como profissão e, além dos atributos anteriores, é designada à pesquisa, com
criação de técnicas e conhecimentos políticos, conservando os recursos hu­
manos com beleza e segurança e a A SIA a definiu assim: 'arquitetura paisa­
gística é a profissão que aplica princípios artísticos e científicos pará a pes­
quisa, planejamento, desenho e administração de ambiente natural e cons­
truído, criação e técnica, conhecimento cultural e político no arranjo plane­
jado de elementos naturais e construídos com conceitos de administração
agrícola e conservação dos recursos humanos, natural e construído, resul­
tando em um ambiente com uso estético, seguro e propósitos de recreação".
Em 1983, apesar de rotular de definição, a sociedade se preocupou muito
mais com as atribuições profissionais que propriamente com a definição do
termo. O texto se apresenta mais como um código de ética e uma relação de
atribuições do arquiteto paisagista: "para o propósito de preservação, desen­
volvimento e engrandecimento da paisagem inclui (a arquitetura paisagística):
investigação, seleção e alocação da terra e recursos hídricos para usos apro­
priados; estudos de probabilidade; formulação de critérios gráficos e de
escrita para planejamento e desenho de programas de construção na terra;
preparação, revisão e análise de planos diretores para uso da terra e desen­
volvimento; produção de planos diretores, planos de greides, drenagem, irri­
gação, plantio e detalhes de construção; especificações, custos e relatórios;
colaboração no desenho de estradas, pontes e estruturas com respeito e re­
quisitos funcionais; observações de campo e inspeção de área construída,
restauração e manutenção"
O que se observa na prática é que a arquitetura paisagística não é uma atri­
buição específica dos arquitetos que a dividem, principalmente, com os pro­
fissionais da área agronômica. Dada a formação de cada um pode-se perce­
ber que os enfoques são diferentes nos projetos, observando-se que os profis­
sionais da área agronômica trabalham melhor o vegetal, ao passo que os ar­
quitetos trabalham melhor o construído. O curriculum escolar para formação
de um profissional mais completo deve ser feito com as ciências biológicas,
exatas, sociais, além de exigir do aluno eventual tendência para as artes plás­
ticas.

86
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88
PAISAGEM E HABITAT

MÁRIO CENIQUEL

Os assuntos aqui colocados abrangem, na maior parte, algumas


reflexões que surgiram da discussão acadêmica, que maior
interesse pessoal representam para nós, centradas na
conceituação da paisagem e do habitat, assim como da ação
conseqüente na configuração do espaço externo. Também, em
grande parte, representam ditas questões nossas dúvidas e algumas poucas
certezas, que decorrem de nossa vivência e sofrimento pessoal na gestão
pública, no ensino acadêmico e de convívio com uma das cidades do mundo
que mais íntimo relacionamento mantém ainda hoje com o meio natural: Rio
de Janeiro.
Representam, também, a visão de um profissional, com formação e militância
marcadamente ligadas ao projeto de edificações e ao desenho urbano, o que,
em alguns momentos, permea o conteúdo do texto.

SOBRE O CONCEITO DE PAISAGEM

Não é de agora que sentimos que uma das maiores dificuldades que apre­
sentam as discussões sobre tal conceituação, é o fato da expressão "paisagem"
aceitar tantas acepções, como áreas do conhecimento que por ela apresentem
interesse de estudo.
Ora como designação de um espaço físico, ora como referência a expressões
metafóricas ou virtuais, a noção de paisagem apresenta portanto diversos sig­
nificados ou sentidos, dependendo da abordagem que se adote, cujo relacio­
namento se dificulta mais ainda quando incluirmos, aos possíveis níveis de
estudo, questões relacionadas às diferentes escalas de análise.
De fato, desde a escala da paisagem urbana, que por sua vez engloba outras
escalas, até a escala regional, territorial, continental e até mundial, o conceito
adquire matrizes diversificadas, tanto na sua leitura, como no estabeleci­
mento de possíveis diretrizes de intervenção.
A bem da verdade, além da diversidade de abordagens setoriais, as questões
de escala englobam níveis significativos e diferenciados de informação, cuja

89
complexidade aumenta proporcionalmente à elevação do grau de generali­
dade do objeto.
Porém, devemos reconhecer que, hoje em dia, a evolução acelerada de técni­
cas sofisticadas de pesquisa e sua facilidade de acesso (antigamente restrita a
órgãos ou entidades oficiais dos países centrais), nos permitem, à margem das
dificuldades antes assinaladas, termos a possibilidade material de atingirmos
um considerável conhecimento do objeto "a paisagem", num razoável período
de tempo.

A par destas questões e voltando às dificuldades antes assinaladas (relaciona­


das com a diversidade de abordagens setoriais) um fato inquietante, segundo
a expressão de Jean Zeitoun1, é a percepção da relativa ambigüidade que a
definição do conceito de paisagem apresenta, enquanto objeto de estudo,
quando analisado à luz da mencionada diversidade: desde a lei experimental
científica ao nível imaginário/visual/sensorial.

A partir das digressões de J. Zeitoun, podemos induzir, com razoável segu­


rança, que o único ponto de sustentação ou fundamentação que introduz um
denominador comum em torno da "constelação de fatores que definem a
paisagem"... é o sentido de finalidade ou objetivo que dita noção costuma ter,
segundo o campo do conhecimento e o ponto de vista considerado.

(...) "o primeiro problema a ser colocado é o da realidade e existência da


paisagem. Como veremos ... não é necessário que o objeto definido seja real,
porém, o uso que dele possa ser feito, difere segundo seja sua existência con­
creta ou não ..." (J. Zeitoun, op. cit.)

É a partir deste raciocínio, que o mencionado autor coloca a questão da "pré-


noção", expressão esta usada no sentido de ... "noção emanada de conceitos
admitidos a priori (ou "pré-conceitos") carentes de uma análise crítico-sistê-
mica mais apurada...".

(a noção de paisagem) ... "é tanto um meio cômodo de definir um espaço or­
ganizado, em relação com as atividades humanas, como uma descrição subje­
tiva de um meio vivido"2.

Assim, concluímos que o conceito de paisagem enquanto "pré-noção" ou "pré-


conceito", é fundamentalmente um objeto construído dentro de um marco

90
sociocultural de uma sociedade e que, portanto, somente será compreendido
enquanto inserido num contexto histórico, cultural e econômico, indepen­
dente dos elementos físicos que o compõem.
Vale aqui a ressalva de que não se trata de uma atitude extrema de afirmar
que o conceito carece de sentido, e sim de evidenciar a sua validade operativa
antes que a condição de objeto de estudo propriamente dito, o que justificaria
a variedade de categoria de análise conforme as mudanças de finalidade.
Outrossim, seja a partir das variadas óticas setoriais apontadas, que balizam
respectivas finalidades, ou da diversidade de escala, ou ainda da sua condição
de "pré-noção", um outro elemento comum deve ser assinalado enquanto as
conotações da expressão "paisagem": sempre que a esta nos referimos, o fa­
zemos a partir da ótica do homem só ou em sociedade, referência sine qua
non de qualquer abordagem.
Segundo esta visão antropocêntrica, a paisagem, enquanto elemento vivido
e/ou percebido, somente aparece como produto de sua compreensão e/ou
fruição real ou potencial pela estrutura social.
Ou seja, esta abordagem privilegia o ponto de vista do homem, a partir do
qual, até uma paisagem dita "natural" ou "selvagem", transforma-se para ele
no espaço no qual pode explorar potencialmente ou de fato todos os recursos
ou materias-primas, necessários para sua idéia de desenvolvimento ou ainda
sua transformação (racional ou não) visando uma determinada finalidade.
Dita finalidade tanto pode ser a organização do tempo livre, conservação de
ecossistemas ou sítios históricos ou por exemplo a utilização econômica da
paisagem.
(...)"em todos os casos, a ação e transformação do meio não são outra coisa
que a expressão das metas e meios que a estrutura social procura no plano fí­
sico, assim como uma legislação o faz no plano das instituições..."
(J. Zeitoun).
Estas colocações não fazem mais do que reiterar a interpretação da paisagem
como produto da interação do homem com seu meio (urbano, regional, ter­
ritorial, etc.), segundo uma determinada visão desse meio.
E, sob este aspecto, não deixa de ser instigante o fato de considerar que a
paisagem, em tanto que conceito operacional, não é outra coisa que um
"pseudoconceito".

91
Isto é, deixa de ser um objeto, para converter-se na expressão de uma finali­
dade, visando a descrição e/ou valorização do meio físico humano (habitat).
Ou seja, em outros termos, haverá tanto Uma concepção arquitetônica da
paisagem, como social, econômica, geográfica, biológica, psicológica, etc.
Resumindo, podemos sintetizar assim as condições da paisagem como 'no­
ção / pré-noção/pseudoconceito":
1. Produto de análise/observação da realidade;
2. Resultado da ação do homem sobre seu meio;
3. Conceito operacional antes que objeto (em termos epistemológicos);
4. Expressão de uma finalidade (diversas acepções disciplinares) visando a
descrição e valorização e/ou intervenção do meio físico humano, conceito
este que abrange até aquelas áreas de maior ou menor extensão, tradicional­
mente consideradas como "naturais" ou "selvagens".
A NOÇÃO DE HABITAT COMO SÍNTESE DO GRAU DE
ABRANGÊNCIA DO CONCEITO DE PAISAGEM
Referimo-nos anteriormente à qualidade de expressão de uma finalidade, que
a paisagem possui, antes que um objeto, visando a descrição e/ou valorização
do meio ambiente humano.
Dito meio físico constitui a matéria-prima de estudo, da qual partimos para
expressão daquelas finalidades, no que parece representar a porção "real -
concreta" do sistema "paisagem", assim como teria uma existência conceituai
e/ou sensível, no campo do ideal, conseqüência de um processo duplo de
abstração, característico de qualquer representação do mundo real.
Em conseqüência, é de interesse operacional adotar um termo com suficiente
grau de equilíbrio entre generalidade e especificidade, para designar as varia­
das nuances epistemológicas do meio físico humano, que possa abranger na
medida do possível todas as acepções da atividade nele envolvida e que possa
agir como complemento da noção de paisagem.
Dois termos desta natureza, pelo menos, existem já de uso corrente: entorno,
tradução não suficientemente expressiva do inglês, environment, e o termo
habitat, palavra que significa "vive".
Embora não cheguemos a considerar ambos os termos como sinônimos, é um
fato que a sua utilização muitas vezes se confunde, segundo a expressão da fi­
nalidade que esteja comandando a referência da paisagem.

92
Ambos os termos resultam valiosos e expressivos. O termo entorno já tem
sido reconhecido no campo da arquitetura, como objeto de uma "ciência do
design", pleno desenvolvimento, assim como objeto de estudos profissionais
de várias universidades, como Berkeley, em cujo curriculum, constam vários
cursos sobre a história do entorno -, e várias publicações especializadas; "ins­
titucionalização" do termo que não significa, necessariamente, a definição do
seus limites. Em ^verdade o próprio termo se trata de um neologismo: a pri­
mitiva tradução de environment é "meio ambiente", e interpretamos que, neste
sentido, liga-se, em forma mais discreta com outra expressão mais ou menos
equivalente de habitat.
O termo habitat provém das ciências biológicas e da antropologia, e, talvez,
da idéia do habitat dos povos primitivos, considerado como um meio am­
biente integrado em si e a vida do grupo humano, servindo de base à aplica­
ção do conceito para caracterizar o espaço vital do homem moderno.
Resumindo: se tentássemos definir os significados ideológicos de ambos os
termos, "entorno" parece sugerir conotações "tecnológico-objetivas", já habitat
apresenta mais conotações antropológicas e existenciais.
O primeiro é substantivo, "habita" é um verbo em termo ativo, um parece nos
assinalar os elementos que rodeiam o homem, o outro refere-se, mais especi­
ficamente a esses elementos enquanto vividos, real ou imaginariamente, pelo
homem.
Ditos conceitos permitem vislumbrar a importância conceituai que, particu­
larmente, atribuímos à noção de habitat como conceito operacional de grande
valor para os estudos da paisagem, razão pela qual formulamos algumas con­
siderações sobre o mesmo, visando uma conceituação mais geral, com o in­
tuito de contribuir com seu esclarecimento conceituai.
CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A FORMAÇÃO DO
CONCEITO D E HABITAT
Diversas são as abordagens disciplinares que, através de várias tentativas e
contribuições, trataram de apreender o modo de inserção do homem e da
coletividade humana no meio físico, e as correlações correspondentes a elas,
gerando a noção de habitat. Não podemos, porém, afirmar que exista uma
precisão epistemológica da referida noção, embora, o reflexo de um certo
tipo de significado interdisciplinar do conceito, somado ao desenvolvimento
de uma prática experimental de ações que pretendem se fundamentar na
apreensão subjacente de seu significado, nos faz entrever uma luz maior na
sua definição.

93
É da interação da praxis do habitat (isto é: ações práticas de implementação)
e os esforços de fornecer uma maior definição ao conceito, que conduzirá à
clareza do seu significado e às suas possibilidades operativas, questões a que
pretendemos contribuir com estas considerações.

O CONCEITO EM RELAÇÃO ÀS DISCIPLINAS DO ESPAÇO


Podemos afirmar, sem muita margem de erro, que as genericamente chama­
das disciplinas do espaço, tem se transformado, a partir do seu desenvolvi­
mento e experimentação, numa notável fonte da definição do conceito, e
como uma extensão mesma, sem grandes alterações no conteúdo das próprias
disciplinas: a arquitetura e o urbanismo tiveram a sua relevância neste pro­
cesso. Na "Carta de Atenas" (1933), os arquitetos tomam consciência da exis­
tência de um nível de integração superior da sua própria atividade e do pro­
duto dela, definindo a cidade e a região (ou a cidade e o seu "Hinterland")
como a unidade essencial em que deveriam se fundamentar as preocupações
e os "projetos" dos arquitetos, e que, entendendo a vida da comunidade como
uma unidade, esta devia constituir-se na referência e conteúdo dessa ativi­
dade projetual.
Posteriormente, o grau de abrangência do conceito foi aumentando: a inte­
gração regional, a própria nação, os continentes, foram aparecendo com es­
paços de controle e de ação possíveis, em forma unitária, numa atitude de
"expansão" constante dos espaços que acolhiam as comunidades humanas em
todas as escalas: vale como exemplo o "mapa da integração européia" formu­
lado por Le Corbusier em 1943, por encargo do Ascoral, exemplo assinalado
não para tratar de analisar a validade da proposta (por sinal de uma certa
coerência) e sim para tentar evidenciar a tentativa de superar o campo
disciplinário, sem verificar possíveis mudanças de qualidade no espaço.
A arquitetura e o urbanismo, na década de 30 e, posteriormente a geografia,
após a Segunda Guerra, assumiram uma forte consciência dos limites dos
seus próprios campos e a necessidade imperiosa de alargá-los: a destruição, a
necessidade de reconstrução, as profundas transformações na consciência
universal surgidas da própria guerra, transformaram aquelas disciplinas em
"necessárias".
Henri Lefèbvre , em seu livro O Direito da Cidade, no capítulo sobre "In­
dustrialização e Urbanização", refere-se com clareza meridiana aos efeitos
destas transformações... "Após a última guerra, todos sentem que o quadro

94
das coisas se modificam em função de urgências, de coações diversas: impulso
demográfico, impulso da industrialização, afluxo dos interioranos para Paris.
A crise habitacional, confessada, verificada, transforma-se em catástrofe e
corre o risco de agravar a situação política ainda instável As urgências trans­
bordam as iniciativas do capitalismo e da empresa privada, a qual aliás não se
interessa pela construção, considerada insuficientemente rendosa. O Estado
não pode mais se contentar com regulamentar os loteamentos e a construção
de conjuntos (blocos de apartamentos), com lutar (mal) contra a especulação
imobiliária. Através de organismos interpostos, toma a seu cargo a cpnstru-
ção de habitações: começa o novo período dos "novos conjuntos" e das "novas
cidades"...
Precisamente seja que, talvez, a importância necessária antes mencionada
que tais disciplinas acabam adquirindo para a arquitetura e urbanismo, resi­
disse no caráter "projetual" das mesmas, em termos de conter a possibilidade
de propor ações concretas diante de necessidades emergentes e crescentes.
A geografia, em particular a escola francesa, objetivou precisamente assumir
esse caráter projetual e passa de ciência exclusivamente descritiva, de análise,
de constatação, a uma "ciência de projeto".
O longo caminho percorrido do "conceito de região, espaços e paisagens deri­
vadas" de Maximilien Sorre aos estudos de Jean Merlin, sobre o transporte ou
a proposta de Paris no ano 2000 de Jean Bastié, passando pelos estudos de
Pierre George e Jean Tricart, somados à noção de "geografia ativa", marcam
um caminho de tentar adequar os conceitos essenciais às exigências da reali­
dade, assumindo a forma de implementação concreta dos novos conceitos.
São estes os exemplos que muitas disciplinas setoriais ainda não compreende­
ram: o surgimento de abordagens, com pretensões integradoras, a partir das
chamadas disciplinas do espaço e, reiterando mais uma vez a capacidade
projetual de cada uma delas, tem gerado, implícita ou explicitamente, uma
certa preponderância dos aspectos espaciais, enquanto a definição do con­
ceito de habitat, levando a confundir a noção integradora do conceito com um
de seus componentes: entendemos que o conceito de espaço físico, social
e/ou econômico é essencial para a apreensão do conceito de habitat.
O conceito, em relação às ciências sociais, percorreu um caminho similar, em
particular pelas ciências humanas (através da antropologia), sem excluir, po­
rém, a sociologia e certos ramos da psicologia.

95
Esta semelhança de processos, que tentaremos verificar no seguimento, atri­
bui um certo embasamento filosófico ao conceito de habitat, ao descobrirmos
a preocupação na sua definição em diversas áreas do conhecimento científico,
tornando-se imprescindível, em certos momentos, para o aprofundamento em
certas áreas específicas. O estudo das relações entre homem e comunidade
com o seu meio ambiente (incluindo as formas culturais desta relação) cons­
tituem o fundamento básico da moderna antropologia cultural (Levy Strauss,
Levy Bruhl, Margaret Mead).
Provavelmente, pelas próprias características da disciplina, os estudos antro­
pológicos foram limitados a comunidades isoladas, em "estado puro": causa
possível de uma certa limitação no aprofundamento das possibilidades pro-
jetuais no uso do instrumental disciplinário, a ciência descritiva, a ciência de
análise, motivos pelos quais não poderiam mesmo atingir os mecanismos
aptos para a formulação de propostas de transformação.
A psicologia social pesquisa, descobre e propõe, no domínio do grau de parti­
cipação do espaço construído (edifícios, habitação, cidade) no comporta­
mento de indivíduos, famílias e comunidades. Da reflexão sobre os objetos de
estudo, propriamente dito e do significado interno de suas ações e reações,
chega como conseqüência natural a descobrir as possibilidades de interação
entre exterior e interior do indivíduo e o grupo social: coloca em evidência
quais as circunstâncias, aparentemente superiores de acordo com certas pau­
tas da vida social, predefinidas por "certos especialistas", não produzem um
"melhoramento" na consciência, na cultura das comunidades, senão que,
muito pelo contrário, são socialmente percebidas como formas regressivas da
vida social.
A disciplina por antonomásia das ciências sociais, isto é, a sociologia, encon­
tra-se na necessidade de perfilar o nascimento de especialidades, no campo
da própria disciplina, para poder se aparelhar no tratamento desta temática
em gestação. Pretender uma decisão das argumentações da "sociologia do es­
paço" resulta a um mesmo tempo, presumido e ocioso: presumido, pois supo­
ria a intenção de sintetizar aquilo que os melhores especialistas não têm con­
seguido; pela vasta quantidade de bibliografia sobre sociologia da cidade, o
espaço comunitário, o bairro, etc., que são já de notório conhecimento.
Nesse sentido, o que pode ficar claro na nossa opinião é que, apesar dos
avanços conseguidos, se mantém uma certa confusão nos limites epistemoló-
gicos da própria disciplina, enquanto pretende-se efetivar uma abordagem a
um complexo tema de ações e interações, acentuadamente mediatizadas.

96
Da experiência constante de trabalho entre especialistas das ciências sociais,
economistas e organizadores do espaço, surgiram certos fundamentos con­
ceituais que evidenciam a possibilidade de uma atitude projetual por parte de
algumas disciplinas da sociologia (por exemplo: os trabalhos de Manuel Cas-
tells, Raymond Ledrut, etc.).
Henry Lefèbvre, um teórico originário da filosofia, disciplina que cultivou no
começo e que hoje prefere definir-se como sociólogo, embora com uma pro­
funda marca filosófica, tem publicado inúmeros trabalhos girando em torno
de dois temas fundamentais: os mecanismos da apropriação do espaço, por
um lado, e o espaço urbano e consciência social, por outro.
Têm sido tentadas as mais variadas formas de interpretação, psicológica e, in­
clusive filosófica em relação à noção de espaço e suas relações com os ho­
mens, chegando a construir-se um formidável arcabouço teórico-conceitual
em torno desta questão, que propõe novos caminhos do pensamento e de
possibilidades de ação operativa: porém, isto não significa que a noção de ha­
bitat, seja uma noção de exclusiva estirpe social.
As ações dos homens, seus relacionamentos à percepção cultural (interna) no
espaço, por parte das comunidades é uma temática essencial à noção de ha­
bitat, mas não o seu único aspecto: não há dúvida que as relações entre
espaço e sociedade constituem o tema fundamental de uma definição
conceituai e instrumental da noção de habitat, porém é necessário assinalar
que ditas relações são essencialmente instrumentais, materiais, surgidas de
necessidades de atuação, surgidas de necessidades socias. A imbricação entre
o espaço e a sociedade se define no contexto da utilização que os homens
fazem do espaço.
Da mesma forma como nos temos aproximado a um conceito "partindo" do
estudo do espaço físico, e a outras formas do mesmo conceito a partir da con­
sideração das relações sociais e sua dinâmica, a presença e percepção do ho­
mem no espaço pode ser verificada também, e pode ser interpretada à luz das
ações intermediárias da utilização do espaço.
À ciência econômica, quantificadora e propulsora de situações de estado puro
(quantitativas) há devido criar especializações como a economia espacial, ou
a economia regional e urbana, como instrumental que permitisse uma corre­
lação entre as atividades econômicas e as formas de ocupação do espaço: a
pauta tradicional do "QUANTO" desaparece se não se relaciona com o
"ONDE" e o "QUEM".

97
A última das fontes de formação do conceito de habitat provém das ciências
naturais, e em particular da ecologia: esta disciplina surgida dos estudos bo­
tânicos e zoológicos pretende verificar as relações entre seres vivos e entre
estes com o meio natural; como conseqüência natural não demorou muito em
ampliar o campo de considerações à sociedade humana no seu conjunto.
Apesar de certas críticas que possam ser feitas em algum momento de "super-
dimensionamento epistomológico" (alguém já a definiu como a ciência das
interações subsociais), sua contribuição ao esclarecimento do conceito de ha­
bitat é de uma singular relevância, enquanto coloca em evidência a unicidade,
o conceito de "globalidade" do sistema de seres vivos, meio ambiente, re­
lações e, em particular, a verificação de quais ações sobre alguns dos inte­
grantes do sistema alteram o equilíbrio e as formas de funcionamento do
próprio sistema.
Interpretamos que não é, inclusive, desprezível o fato que esta disciplina
tenha contribuído sobremaneira na formação de grandes movimentos de opi­
nião (alguns deles transitórios, porém partidos políticos de certa transcedên-
cia) sobre a problemática global do entorno humano.
Desta forma de tomada de consciência surge a possibilidade real de, com
certeza, implementar muitos do que antanho foram visões de esclarecidos.
Desta foram de tomada de consciência social surge a possibilidade de que a
comunidade seja participante ativa de uma transformação ativa e positiva
global das condições de vida, num sentido integral.

O CONCEITO INTEGRADOR DE HABITAT


Ao formular o precedente histórico das diversas fontes, a partir das conside­
rações sobre os caminhos da formação do conceito, a despeito das dificulda­
des que possam surgir na definição instrumental do mesmo (o que não signi­
fica por em dúvida sua realidade e o seu valor), permite-nos tentar a
definição dos seus elementos componentes, iniciando formas experimentais
de verificação das suas correlações.
Pelo contrário, significa outorgar ao conceito toda a sua transcedência totali-
zadora, uma espécie de noção de "segundo grau", que deve gerir as reali­
zações de toda ordem e grau de importância: conceituais, projetuais, de ges­
tão, setoriais ou integrais que, em forma direta e/ou indireta, digam das re­
lações entre indivíduo, sociedade, meio ambiente natural e/ou modificado, os
processos econômicos, políticos e tecnológicos da dita modificação.

98
É objetivo básico propor um marco conceituai e, com o decorrer do tempo e
das sucessivas experiências, um marco metodológico, em cujo contexto as dis­
ciplinas envolvidas, o aparecimento necessário de disciplinas novas e as pau­
tas de ação, possam obter uma validez de fundamentação.
Dito marco deverá integrar em forma explicativa o espaço: natural ou modifi­
cado, construído ou simplesmente "intermediário", em todas as suas escalas
quantitativas; os homens: isolados, em família ou em sociedade, as atividades
materiais destes homens e famílias, realizadas no conjunto de atividades que
desenvolvem na sua vida, assim como a interação entre ditas atividades, e a
marca cultural que ditas ações conduzem para constituir-se em consciência
social.
Visto desta maneira, o habitat será o processo de organização e transforma­
ção do espaço (produção e apropriação), concretizado pelos homens e sua
sociedade, no grau que se materializam as atividades políticas, econômicas,
sociais, tecnológicas e culturais, requeridas pelo conteúdo de um momento
histórico concreto, incluindo as interações entre processo material e cons­
ciência social.
Achamos conveniente ressalvar, com muita clareza, que interpretamos que a
noção de habitat implica uma certa posição "a-hierárquica" dos seus elemen­
tos componentes (homens, atividades, espaço), tanto no sentido conceituai
como no instrumental: não se trata do "espaço organizado pelos homens de­
senvolvendo atividades", nem "das atividades desenvolvidas pelos homens no
espaço", nem "dos homens que desenvolvem atividades no espaço", e sim, ao
considerar a relação dialética de uns em relação aos outros, a visão sincrética
de um processo de relações, materializado num produto concreto.
A noção de habitat é uma noção humanista de implementação tecnológica
experimental, mas não é uma tecnologia: inclui conceitos setoriais das disci­
plinas envolvidas: o edifício, os conjuntos, as cidades, as formações econômi­
cas e sociais, os modos de produção, as taxas de crescimento econômico, tec­
nológico e produtivo, a atribuição de recursos, a fixação de prioridades, os in­
dicadores do desenvolvimento social, no contexto de um conceito básico: o da
qualidade de vida da população, que nunca poderia ser atingido por uma dis­
ciplina setorial. Revitaliza os conceitos que constituem a noção de processo:
crescimento, flexibilidade, controle de mudanças, transformação, custo social.
Este enfoque do conceito de habitat exige uma mudança importante na pró­
pria atitude dos profissionais envolvidos, tanto do ponto de vista instrumental
como do ponto de vista de um ética do trabalho: toda forma de messianismo

99
incluída em proverbiais disciplinas, parciais ou setoriais, que pretendem as­
sumir a totalidade a partir de uma especialidade, transforma-se em mediação
entre exigências e aspirações sociais frente a possíveis decisões a adotar em
relação ao habitat, sem excluir, é claro, o mais alto grau de idealização, exi­
gindo, de forma permanente e crescente, os mais altos níveis de formação,
interpretação e ação disciplinária.

SOBRE A QUESTÃO DA INTERDISCIPLINARIEDADE


No grau em que estejamos atribuindo um crédito intelectual ao conceito de
habitat, conforme proposto anteriormente, estaremos afirmando que o aper­
feiçoamento do mesmo, a aproximação a suas formas instrumentais para
formulação de uma teoria e a prática das ações concretas, deve-se assentar na
aproximação conceituai e metodológica de diversas disciplinas: das disciplinas
do espaço (geografia, arquitetura, em sua conceituação mais global, planeja­
mento urbano e regional, geologia, etc.); das disciplinas dos homens e sua so­
ciedade (sociologia, antropologia, psicologia social, medicina, etc.) das disci­
plinas das atividades (economia, engenharia, em todas as suas áreas, etc.) de
tecnologias particulares (informática, modelística, etc.).
O anteriormente dito não se produz numa espécie de convergência aditiva,
isto é: como simples somatório ou compêndio de informações e/ou conheci­
mentos, processados ulteriormente pelo "diretor da orquestra" (freqüente­
mente o(s) especialista(s) na organização do espaço), e sim delinear um
corpo de trabalho novo e qualitativamente diferente: a equipe interdisciplinar
agindo sobre a totalidade do problema e sobre todos e cada uma das instân­
cias metodologicamente apreensíveis: coleta de informações (análise), reco­
nhecimento de tendência (diagnóstico), avaliação/julgamento de valor (crí­
tica/síntese) da tendência, ações de aceleração/estímulo ou modificação da
tendência (proposta/projeto), gestão, ação sobre a consciência social, atua­
ção, verificação, modificação e reinicio.
A concepção da prática interdisciplinar não constitui uma simples atitude in­
telectual: é uma exigência em termos de habitat, essencial na definição do
tema e objeto da ação. A definição de objetivos (interpretação de conteúdos
sociais), a adoção de uma estratégia e de um mecanismo de prioridades (de­
finição de uma política) a interpretação do conceito de qualidade de vida,
constituem o contexto indispensável para uma ação concreta, que representa
a necessidade de uma consciência social ativa, de democracia política.

100
AÇÃO SOBRE O HABITAT OU PROJETAÇÃO DO HABITAT ?
No início das presentes considerações, fizemos menção dos caminhos percor­
ridos e/ou ensaiados por várias disciplinas com o intuito de atingir um certo
grau de disciplinas projetuais: isto porque interpretamos que, a partir da defi­
nição da noção de habitat, assume relevância notável o conceito de projeto.
Basicamente, trata-se de materializar a passagem da interpreta­
ção/constatação (estudo dos resultados) à transformação/prospecção (co­
nhecimento das causas e interações), constituindo-se num dos problemas cen­
trais da proposta de uma realidade diferente, a partir da presente. A ação so­
bre o habitat inclui, necessariamente, uma atitude projetual, transformadora,
em todos os níveis da ação: a equipe atuante sobre o habitat tem capacidade,
como condição sine qua non, de elaborar um projeto.
Assim como em algumas disciplinas, que incluem a ação social de transfor­
mação da realidade concreta, o conceito de projeto está fortemente impreg­
nado pelo conceito de processo, que já tinha sido incluído no próprio conceito
de habitat. Porém, a possibilidade, pelo menos no presente momento, de de­
finir uma técnica/metodologia projetual concreta em termos de habitat
constitui-se numa incógnita.
É possível que em determinadas escalas quantitativas do referido conceito
(por exemplo: a cidade, campo das atividades sociais do dia-a-dia) exista já
uma experiência e uma metodologia que permita adotar uma atitude proje­
tual e propor uma equipe de trabalho, com objetivos mais ou menos claros. É
sabido, por exemplo, que o conceito de qualidade de vida urbana é estabele­
cido em função da quantidade e qualidade dos serviços que a cidade oferece
ao uso da população (ou, em outros termos, a expectativa, possibilidade e
acesso ao consumo, somado ao impacto das modernizações). Claro está que
no conceito de qualidade estão implícitos vários outros: localização, acessibi­
lidade, utilização do tempo cotidiano e semanal, tipos de população, etc.
É com esta mínima definição de temas e correlações que poderemos estabe­
lecer um ponto de partida para uma ação sobre a cidade inserida numa teoria
sobre o habitat. Porém, quando a escala de ação se amplia, mesmo em nível
simplesmente quantitativo, ao passar a escalas regionais e/ou territoriais,
existe uma escassa experiência metodológica, insuficientemente elaborada e
sistematizada, salvo raras exceções.
Neste aspecto, é necessário uma múltipla precisão: as diferenças entre pro­
jeto e forma. Enquanto para arquitetos, engenheiros e outros, a noção de
projeto sugere necessariamente a prefiguração de uma forma determinada (o

101
que, praticamente, acaba transformando os dois termos em sinônimos), para
outras disciplinas (ciências sociais e até as ciências naturais) existe o conceito
de projeto sem que este signifique necessariamente forma (pelo menos não
no sentido mais habitual ou no mesmo sentido).
Quanto mais complexa e crescente é a escala quantitativa da ação, isto é,
quanto mais diversas são as formas de intervenção necessárias para atingir o
maior grau de conseqüência de determinados objetivos, mais indefinido é o
ponto de chegada (a forma) e mais transcendente é o processo, a gestão, de­
finida como o conjunto de ações, controles e modificações que otimizam a
referida passagem dos objetivos aos resultados verificáveis.
O anteriormente dito nos conduz a uma conclusão de interesse: a ação sobre
o habitat implica uma hierarquia relativa da GESTÃO em relação ao PRO­
JETO.
A ação social, de uso, sobre o habitat, implícita num lento funcionar da cons­
ciência comunitária, desempenha um papel delineador, que a atitude proje-
tual pura não está em condições de perceber. Desta consideração, surgem
opções transcendentes para tudo o que se refira à formação de especialistas
adequados para integrar equipes interdisciplinares de ação sobre o habitat.

PAISAGEM E HABITAT: ESPAÇO, TEM PO E MUTAÇÃO


O presente quadro conceituai geral não estaria completo se além dos assun­
tos tratados até agora não se tratasse de duas condições básicas da paisagem:
a "temporalidade" e a "mutação" permanente.
Na verdade, talvez seja este o assunto mais importante, devido que à luz des­
tes parâmetros, a questão da gestão, do processo, do plano ou, ainda, do
projeto, adquirem um grau de questionamento que nem sempre são fáceis ou
cômodos de colocar.
Como dizíamos anteriormente, na medida em que aumenta o grau de abran­
gência de nossa ótica (escala), diminui a percepção do detalhe: a bidimensio-
nalidade (o plano) se sobrepõe à tridimensionalidade (o espaço); a informa­
ção (o quantitativo) se impõe ao cotidiano sensível (o qualitativo).
Talvez em forma um tanto genérica, as dicotomias antes mencionadas estão
claramente presentes quando tratamos das questões de escala, principal­
mente quando o objetivo destas digressões é o de tentar esboçar idéias sobre
possíveis formas de intervenção (desenho) na paisagem.

102
Fundamentalmente, as duas variáveis básicas mencionadas no início, tempo-
ralidade e mutação, tendem a tomar ambígüos o limite do domínio de cada
escala, dado o relacionamento biunívoco múltiplo, sintetizado no que muitos
autores denominam genericamente como "dialética do espaço".
Na medida em que consideremos, a partir de uma abordagem prospectiva, a
paisagem como uma estrutura ambiental, estaremos, de base, supondo a
existência de um grande sistema composto por uma série de subsistemas es­
truturados por uma complexa malha de relações, ambas, sistemas e relações,
em permanente mutação dialética, no decorrer de um tempo dado.
Esta movimentação permanente, vetor resultante da combinação das variá­
veis mencionadas, nos induz necessariamente a estudar qual a atitude analí­
tica e/ou prospectiva mais adequada para tratar da questão ambiental.
Na escala urbana a discussão não é nova, como vimos nas breves referências
anteriores em relação à conceituação de habitat, independentemente do jul­
gamento de valor que possamos fazer dos resultados, e que privilegiou a
questão do planejamento (o plano) como forma de apreensão, diagnóstico e
prognóstico do espaço, nas suas diferentes escalas (urbano/ regional/
territorial).
Dita postura surge, em grande parte, da facilidade cada vez mais crescente de
acesso à informação e da possibilidade de controle dos mecanismos de im­
plementação (a gestão), muitas vezes estimulado pelo próprio Estado como
forma de exercício do Poder, no processo de apropriação do espaço, por si­
nal, é a questão do "controle", que em certo momento se levanta como princi­
pal aspecto "legitimador" da ação planificadora, "congelando", por assim dizer,
uma determinada situação projetada (o plano como modelo) materializada
em padrões de apropriação do espaço.
Tempo e mudança, assim, passam a ser elementos nocivos à "eficiência" de
desempenho do plano, a não ser que o primeiro seja congelado e a mudança
"prevista"
A pretensão de controle conduz, assim, ao descontrole total: na medida em
que o espaço (paisagem/habitat) será reflexo das interações do meio físico
como o tecido social, esta relação tende a ficar "descompensada", na tentativa
de "dicotomizar" a dialética espacial.
Como decorrência da radicalização de tal atitude, e a notoriedade que em
todos os níveis acaba alcançando, planejamento, controle, racional ou orga­

103
nizado, são palavras que perdem a qualidade substantiva, e passam a adjetivar
atitudes "tecnicamente" corretas de apropriação da paisagem.
Esta atitude "neopositivista", ou a tentação de cair nela, é tanto mais acen­
tuada quanto mais nos aproximaremos da macroescala, e entra em crise na
medida em que chegarmos mais perto do cotidiano.
Na medida em que isto acontece, mais se acentua, por outro lado, a "estan-
queidade" das diversas instâncias de decisão no processo da apropriação das
estruturas de poder do Estado.
Assim sendo, a necessária interdisciplinaridade assinalada nas questões da
produção do espaço, poucos resultados conseqüentes obterá por aí só, se des­
provida que uma unificação das diferentes instâncias de decisão, em torno da
questão principal de como operacionalizar metodologicamente as mudanças
"pós-planejamento" como elementos da correção do rumo.
Pareceria que, em geral, a produção do espaço esteve tradicionalmente en­
tregue aos profissionais mais ligados ao estudo da forma física dos assenta­
mentos humanos, materializada no volume construído antes que nos espaços
livres que dele decorrem.
Dita decorrência, que parece expressar uma certa relação "fundo1, (espaço
livre), "figura" (elemento construído), representa nem mais nem menos do
que a dicotomia entre o espaço público (ou de uso comum) e o espaço pri­
vado, ou entre espaço regional e territorial, ou, ainda nacional e interna
cional.
Como conseqüência do dito, tal dicotomia é tratada num sentido operacional,
em termos de "densidade de ocupação", e, assim sendo, os interstícios entre o
que não é construído, o "não denso", o "livre", acabam adquirindo um caráter
tipológico "a-crítico".
Áreas agrícolas, áreas industriais, reservas florestais, parques, praças, ruas,
áreas de lazer, áreas verdes, etc. não fazem mais do que representar tipolo­
gias determinadas a priori (no sentido dado por Argan) na esfera do plane­
jamento, materializado, tecnicamente nos chamados "padrões ambientais".
No campo do urbano por exemplo, só resta ao profissional da paisagem
agir numa área limitada de decisão, restrita, basicamente aos limites do que
não é construído, claramente predeterminados.
Do anteriormente dito, não deve, é claro, deduzir-se que existe uma única
forma de ação e/ou interpretação do conceito de paisagem: seria ilusório

104
propor uma ação intencionada de configuração espacial global, colocando-nos
numa posição, no mínimo discutível, de estarmos lançando uma proposta de
interpretação total e absoluta.
A ação não pode ser outra coisa senão uma seqüência de intervenções deter­
minadas, imbricadas no tempo. Seria um erro grave, dos quais o dia-a-dia dá
inúmeros exemplos, não levar em conta as interações entre esta intervenções
e, sobretudo, não ter claros os objetivos projetuais de cada intervenção: a
obtenção de uma melhor qualidade de vida.
Esta interação entre intervenções setoriais determinadas e um contexto unifi-
cador, definido pelas correlações entre "atividades-homem-espaço" constitui a
essência de uma ação prática, tendente a uma requalificação da paisagem e
do habitat humano.
Embora aparentemente óbvio, só o caminho assinalado por esta colocação é
que permitirá, enfim, começar a construir a ponte entre uma teorização con­
seqüente sobre a paisagem e a rica contribuição das praxis brasileira na con­
figuração do habitat.

BIBLIOGRAFIA
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Central de Venezuela, 1969.
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1976.
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CULLEN Gordon.^4 Paisagem Urbana. Porto/Lisboa, Edições 70,1983.
HERNANDEZ, R.; MORCHKOSSIKY, R. Teoria dei Entorno Humano. Buenos Ai­
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LEFEBVRE, Henri. Du Rural à LV rbain. Paris, Éditions Anthropos, 1977.
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105
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ZEITOUN, Jean. La Noción de Paisage. Cuademos Summa - Vision, Serie El diseno
del Entomo - ano 3, n. 48, abr. 1970.
NOTAS
(1) Jean Zeitoun, La Nocion de paisaje, in Cuademos Summa - Nueva Vision, Buenos
Aires n. 48,1970.
(2) M. Merleau Ponty, in "Phénoménologie de la Perception", Paris, citado por J.
Zeitoun, op. cit.
(3) H. Lefèbvre, Du Rural à L’Urbain, Paris, Éditions Anthropos, 1977.

106
PAISAGEM - CONCEITO

ÉZIA SOCORRO NEVES

De olhos fechados todos vemos a mesma coisa, ou seja, uma


escuridão total. Ao abrirmos os olhos veremos imagens que vão
nos sensibilizar e nos farão perceber formas, cores, texturas,
luzes, levando à compreensão ou interpretação do "algo" que
vemos diferenciadamente, em virtude de nossa personalidade
individual, que nos conduz a diferentes formas de percepção. Segundo Rudolf
Arnheim1, a percepção realiza ao nível sensorial o que no domínio do
raciocínio se conhece como entendimento. O ver é compreender e a
experiência visual é dinâmica.
A percepção é um fator de extrema importância a considerar para a definição
de um conceito sobre paisagem, pois "as paisagens revelam-se diferentemente
a cada observador, de acordo com diferentes graus de percepção e
interesse"2
"O conceito de paisagem envolve o conceito de imagem. Meining (1978) diz
que as paisagens se mostram diferentes em função de quem as observa, dada
a carga cultural, maneira e freqüência da observação. Qualquer paisagem é
composta não apenas pelo que se estende defronte dos olhos, mas pelo que se
encontra dentro das mentes, ou seja, somos capazes de ver aquilo que conse­
guimos interpretar."3
Pode-se dizer que a visão da paisagem dependerá do que, como e quando
vemos, pois esta visão poderá variar em função de deslocamentos diferentes
(visão serial) e em função da luminosidade nos diferentes períodos do dia,
sendo portanto uma constante descoberta.
Formada por um conjunto de elementos naturais (produzidos pela natureza)
e/ou de elementos artificiais (produzidos pelo homem), a paisagem se
apresenta de forma fragmentada a cada observador. A paisagem que vemos
deriva de uma dimensão maior e dependendo da escala nem sempre
conseguimos visualizar sua totalidade com um olhar.
"Diante de uma paisagem, a nossa vontade de apreendê-la se exerce sobre
conjuntos que nos falam à maneira de cartões postais, ou então nosso olhar
volta-se para objetos isolados. De um modo ou de outro temos a tendência de

107
negligenciar o todo; mesmo os conjuntos que se encontram em nosso campo
de visão nada mais são do que frações de um todo.
A idéia do belo, da estética, também está vinculada à percepção.
Normalmente buscamos nas paisagens uma beleza ideal, quase sempre
associada à idéia do "edén", do "paraíso" introduzida pelo Cristianismo e
difundida pela "arte e literatura européias dos sécs. XVII, XVIII e XIX, que
invocam imagens romanceadas de uma natureza idealizada"5 e pelos artistas
plásticos (conhecidos como paisagistas), que "representavam em suas telas o
que de mais belo poderia existir numa determinada paisagem"6.
O valor estético, não é constante, podendo variar de acordo com o padrão
cultural de cada sociedade. Um alto valor estético atribuído a uma paisagem
num determinado espaço de tempo, poderá ser alterado em outro momento,
onde os padrões culturais e os valores estéticos sejam diferentes.
Os conceitos estéticos são muito pessoais, variando de indivíduo para
indivíduo, o que pode levar a graus de valorizações atribuídos em função do
gosto de cada um.
"O aspecto estético é cultural, está ligado ao nosso mundo particular de
valores e conhecimentos."7
Os padrões culturais variam com o tempo, que se transforma num fator
importante, pois "é através dele que ocorre o dinamismo da paisagem".
"Considerando um ponto determinado no tempo, uma paisagem representa
diferentes momentos de desenvolvimento de uma sociedade. A paisagem é o
resultado de uma acumulação de tempos."8
Nada em termos de espaço e paisagem pode ser considerado eterno, pois "a
paisagem é dinâmica e de evolução constante"9 Todo espaço e toda paisagem
são passíveis de modificações ao longo do tempo, variando de acordo com as
transformações sociais, econômicas, políticas, culturais, que irão se refletir
diretamente nestes elementos, que sempre estarão em busca de uma
adaptação às diferentes necessidades da sociedade e suas gerações.
Se observarmos a paisagem de uma cidade de origem muito antiga (uma
cidade européia, por exemplo), poderemos verificar as mudanças que esta
cidade sofreu ao longo do tempo, os diferentes estilos de arquitetura que ela
apresentou de acordo com a época, e que foram se modificando e se
acumulando, quando outros modelos ou padrões arquitetônicos foram sendo
instituídos. O mesmo ocorre com paisagens naturais que sofrem diferentes
níveis de modificações de acordo com as mudanças da sociedade, ou

108
modificando-se por processos naturais, decorrentes do tempo de vida útil dos
vegetais que integram esta paisagem, ou ainda por não se adaptarem à
influências negativas do ambiente em que se encontram inseridas, como é o
caso de poluições ambientais e saturações urbanas.
Ocorre um processo contínuo de alteração do espaço e da paisagem em
função das necessidades da sociedade, que em diferentes períodos de tempo
poderá utilizá-los de diferentes maneiras renovando, alterando ou até mesmo
suprimindo-os, dando origem a novas paisagens.
A qualidade visual de um lugar ou paisagem pode se alterar com o tempo e a
sociedade poderá valorizá-los diferentemente. Esta qualidade pode ter um
alto valor em determinado período e, em decorrência de alguma alteração no
entorno e/ou no tipo de uso, poderá em outro período/momento apresentar
esta qualidade reduzida.
Associam-se também à paisagem valores afetivos que serão diferentes para
cada indivíduo e estes valores se associam a fatores psicológicos. Cada um de
nós sempre guarda na memória a imagem de uma paisagem marcante, que
muitas vezes tem um significado afetivo. Sobretudo os indivíduos que se
mudaram de uma região para outra, sempre guardam na memória imagens
da paisagem de sua região de origem.
Ainda considerando o valor psicológico, podemos dizer, subjetivamente, que
através de determinadas paisagens o homem busca o equilíbrio.
Dependendo do contexto em que se encontram inseridas, determinadas
paisagens, sobretudo as paisagens naturais, proporcionam acesso às imagens
visuais que de certo modo transmitem sensações de tranqüilidade e paz ao
homem, que se associam à idéia de equilíbrio. São imagens visuais que,
normalmente, acalmam o olhar, num confronto com o caos visual dominante
nos centros urbanos, onde a confusão de placas, cores, símbolos, formas e a
agitação da vida cotidiana em conjunto transmitem sensações contrárias
àquelas associadas à idéia de equilíbrio.
"Compreende-se que o homem procura o equilíbrio em todas as fases de sua
existência física e mental. O equilíbrio continua sendo a meta final de
qualquer desejo a ser realizado, de qualquer trabalho a ser completado,
qualquer problema a ser solucionado. O equilíbrio que se consegue na
aparência visual é desfrutado pelo homem como uma imagem de suas
aspirações mais amplas"10

109
Talvez esta busca constante explique a idéia que se tem da natureza
equilibrada.
Hoje uma nova corrente científica afirma que "a natureza está num constante
estado de transformação e flutuação. Mais do que constância e equilíbrio a
regra é a mudança e a agitação. E que, ao invés de se insistir que os homens
não devem alterar um ‘suposto’ equilíbrio da natureza, se deveria escolher
qual condição natural promover. E que, algum tipo de equilíbrio pode existir
em certas escalas de tempo e espaço, mas não para sempre"11 Em função
disto, o homem precisa mudar a visão que tem da natureza e a idéia de que
ela tem que ser mantida intocada para continuar no seu equilíbrio constante,
que como já vimos não acontece a nível concreto.
A história da humanidade sempre esteve associada à da natureza, afinal o
homem faz parte dela. "As atitudes do homem para com a natureza/paisagem
tem variado no tempo distinguindo-se três fases: a) A natureza como
sinônimo de Deus, quando devido ao desconhecimento, era temida pelo
homem; b) A natureza encarada como meio. O homem aceita os
condicionantes naturais como fatores limitantes, aprende então a usá-la;
c) Os avanços tecnológicos conquistados pela sociedade não se intimidam
frente aos fatores condicionantes ou limitantes da natureza. O homem
consegue superar, transformar ou minimizar fatores limitantes da natureza."
"A paisagem pode ser considerada como um reflexo direto do dinamismo da
natureza e dos seus sistemas sociais,
10 que se altera constantemente de acordo
com o tempo e o momento social."
"Estas alterações introduzidas pelo homem no ambiente são sempre
procedidas de forma rápida e variada, não permitindo muitas vezes que haja a
recuperação normal da natureza."14
"Todos nós temos bastante experiência de contínuas transformações: desde
que o homem apareceu sobre a terra as transformações da Natureza se
acresceram àquelas produzidas pelas atividades do homem. Há já um século
e especialmente nas últimas décadas, as transformações foram tão rápidas, e
também tão extensas que se tornou extremamente difícil segui-las e
compreendê-las."15
Ao considerar a paisagem, que faz parte da natureza, não podemos deixar de
considerar seus componentes principais que são: "Biótico, compreendendo o
conjunto dos componentes vegetais e animais; Abiótico, agrupando todos os
elementos abióticos (solo e clima) e Intervenção Antrópica, interferindo nos
dois primeiros"16

110
Sendo a paisagem "o suporte físico no qual se estrutura a sociedade,
englobando desde espaços primitivos, sem presença humana, a diferentes
tipos de espaços ou regiões, apropriados de diferentes maneiras pelo
homem". Temos então a paisagem como um resultado de processos naturais
decorrentes da constante transformação da natureza interagindo com os
processos sociais, produzidos pelo homem de modo muito mais acelerado do
que os processos evolutivos naturais.
Retirando da natureza os recursos materiais, visando assegurar sua
sobrevivência, o homem desenvolveu meios de exploração, criando artifícios
capazes de aumentar sua ação dominadora e transformadora da natureza.
Colocando-se como centro principal, as mudanças sempre aconteceram em
função do homem que buscou adequar a natureza as suas necessidades e com
isto foi capaz de promover transformações violentas no meio em que vive,
algumas vezes irrecuperáveis.
Como uma decorrência do esgotamento destes recursos, surge uma
preocupação generalizada pela natureza em todos os níveis e em todas as
regiões do mundo e, hoje, palavras como ecologia, preservação, conservação,
meio-ambiente, passaram a integrar o vocabulário de todos, sobretudo
daqueles interessados pelos problemas relativos à natureza.
Temos que deixar de "tratar a paisagem como uma sucessão de cenas
‘bonitas’ onde se desenrolam alguns momentos da vida humana no meio de
árvores, flores e fontes, mas sim como um conjunto de espaços onde se
desenvolve o cotidiano da vida das populações"17
Para se trabalhar com as paisagens deve-se cultivar o modo de vê-las, que
deverá tentar ser o mais realista possível, considerando as potencialidades do
suporte físico e seu ecossistema, suas características morfológicas, sua
dinâmica, dimensão/escala, identidade, seu valor turístico, potencialidades
paisagísticas e ambientais, suas diversidades e homogeneidades, sua evolução
natural, suas possíveis funções, investigando as relações entre este suporte
ecológico/ambiental, que inclui o conjunto de elementos geográficos e, as
intervenções humanas, que inclui o conjunto de elementos artificiais, levando
em conta fatores como o tempo, a percepção, o sentido, os fatores
psicológicos, com o objetivo final de buscar uma melhor qualidade de vida
para o homem, evitando a produção de paisagens desinteressantes,
monótonas ou de difícil compreensão e tentar suprir a necessidade que o
homem tem destas paisagens.

111
NOTAS
(1) ARNHEIM, Rudolf. Arte Percepção Visual: uma Psicologia da Visão Criadora. São
Paulo. Pioneira. EDUSP, 1986.
(2) LEITE, Maria Angela Faggin Pereira. Uma fundamentação geográfica ao
Paisagismo Regional. Paisagem e Ambiente. Ensaios UI. FAUUSP, São Paulo, 1989.
(3) PELLEGRINO, Paulo Renato Mesquita. A Paisagem Possível. Paisagem e
Ambiente. Ensaios III. FAUUSP, São Paulo, 1989.
(5) MACEDO, Silvio Soares; PELLEGRINO, Paulo Renato Mesquita. Ética e
Estética: o destino do litoral. Paisagem e Ambiente. Ensaios III. FAUUSP, São Paulo,
1989.
(6) DEGREAS, Helena Napoleon. Paisagem e Proteção Ambiental: do Conceito ao
Desenho. São Paulo, 1991. Diss. (Mestr.) - FAUUSP.
(7) ABBUD, Benedito. A Vegetação nos Projetos de Paisagismo. São Paulo. Diss.
(Mestr.) - FAUUSP.
(8) SANTOS, Milton. D a Sociedade à Paisagem: o Significado do Espaço Humano.
s.n.t. (Apostila do Curso de Especialização: Patrimônio Ambiental Urbano. FAUUSP,
1978).
(9) Idem nota 2.
(10) Idem nota 1.
(11) STEVENS, Willian K. Uma nova visão da natureza. Jom al da Tarde, São Paulo,
01 set. 1990.
(12) Idem nota 6.
(13) LAURIE, Michael. Introducción a la Arquitectura del Paisaje. Barcelona, Gustavo
Gilli, 1983.
(14) MOTA, Suetônio. Planejamento Urbano e Preservação Ambiental. Fortaleza.
UFC, 1981.
(15) MAGNOLI, Miranda M. E. M. Território, s.n.t. (Apostila de aula. Curso de
Especialização de Paisagismo. FAUUSP, São Paulo, 02/07/1981.)
(16) Idem nota 6.
(17) MAGNOLI, Miranda M. E. M. Programa e Plano de Ensino. Documento de
aula. fev. 1984.

112
CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONCEITUAÇÃO
DOS ESPAÇOS PÚBLICOS URBANOS

FANY CUTCHER GALENDER

O presente trabalho pretende, a partir da análise de duas


modalidades de espaços públicos urbanos (a praça e o parque),
discutir a evolução dos espaços abertos de uso coletivo nas
cidades. O ponto de partida foi a necessidade de compreensão
do significado de ambos os conceitos, já que, gradativamente,
vem se tornando bastante difícil a caracterização dos espaços públicos
urbanos, devido à multiplicidade de expressões formais e espaciais das novas
propostas, que permitem uma percepção sensorial bastante variada e muitas
vezes original.
Não se buscam definições definitivas, mas a análise de situações onde se mes­
clam referências, que, isoladamente, não permitem o entendimento global
destes espaços. Vale lembrar, ainda, que a questão vem sendo tratada de ma­
neira simplista, que remete a concepções limitadoras e ultrapassadas.
Assim sendo, considerarmos que a abordagem da questão só poderá se iniciar
frente à leitura simultânea dos seguintes aspectos: o papel urbano do espaço
analisado, sua relação com o entorno e com a estrutura espacial da cidade;
sua inserção na paisagem que o gerou e sobre a qual atua; histórico e forma­
ção, com ênfase no aspecto funcional e formal, além de aspectos propria­
mente físicos tais como: porte, configuração espacial, localização e disposição,
relação com o sistema viário, área de abrangência, relação entre escalas verti­
cais e horizontais, visuais internas e externas.
Talvez a somatória destes itens nos permita entender os espaços existentes,
fornecendo subsídios às discussões ligadas ao planejamento de novas estrutu­
ras espaciais urbanas, pois, como é freqüente, o estudo de aspectos isolados
(isto é, somente, a evolução histórica ou físico-formal ou outros quaisquer),
não tem possibilitado o aprofundamento conceituai do assunto, denotando
uma defasagem entre teoria e prática, dada a velocidade com que esta última
vem propondo novas soluções, ainda pouco compreendidas.
A praça poderia ser caracterizada fisicamente como uma manifestação espa­
cial resultante da malha urbana e tradicionalmente presente desde a cidade

113
medieval (ou mais remotamente, desde a ágora grega e o fórum romano), as­
sumindo diversas formas de expressão, porém sempre produto de uma neces­
sidade funcional mais ou menos evidente, de caráter civil, militar ou religioso.
É o local de reuniões, notícias e intercâmbios. Convivem o mercado, os tor­
neios e competições, as reuniões e as cerimônias públicas.
A ágora é o centro dos negócios e se define espadalmente pela construção
progressiva de edifícios públicos e pórticos. Também o fórum romano é pro­
duto típico de uma arquitetura urbana, cercada por monumentos e estátuas,
sendo o local onde se erguem os edifícios públicos mais significativos, agre­
gando o mercado e os templos à vida cívica.
Segundo Lewis Munford (A Cidade na História, v. 1), as praças abertas da
Idade Média, em cidades de crescimento orgânico, possuíam configuração
irregular, em forma triangular, linear, oval, dentada, "aparentemente de
forma arbitrária, porque as necessidades das edificações próximas tinham
primazia e determinavam a disposição do espaço aberto" (p. 398). O mer­
cado, os torneios e atividades religiosas ocupavam este espaço que, enquanto
escala, se aproximava às dimensões humanas. Isto é, exceto pela catedral e
por alguns edifícios cívicos de maior importância, o gabarito baixo e uma
certa homogeneidade no tratamento das fachadas eram constantes. Na Idade
Média, a praça é a expressão física da urbanização. As áreas vazias espalha­
das entre os edifícios extremamente próximos são apropriadas para as ativi­
dades coletivas da cidade. Na Renascença, muitas destas atividades passaram
a requerer edifícios especializados como por exemplo: o teatro.
As praças da Renascença caracterizam-se por remodelamentos artísticos das
antigas praças medievais pela nova classe dominante. No entanto, as novas
praças não unificam a cidade como a praça medieval fez, mas introduz um
'enxerto" renascentista na cidade. Praça e estrutura urbana passam a adaptar-
se uma a outra.
A consciência estética sobrepõe-se fortemente sobre o aspecto funcional, de­
rivada da tônica humanista do período. Perspectiva, tratamento das fachadas
procurando uma unidade arquitetônica, além de observação estrita de pro­
porções entre a praça e volumes do entorno são algumas das intenções for­
mais da Renascença.
No Barroco as praças são, inúmeras vezes, produto de planos estabelecidos
por eixos de circulação ou pela intersecção destes eixos, ressaltando nos
pontos focais infinitos caminhos. As formas são geométricas e a escala

114
enorme. A renovação se dá com elementos decorativos como estátuas e
fontes.
Em oposição à tendência da Renascença de incluir as edificações do entorno
na intervenção, as praças barrocas abrem-se espacialmente para a cidade. São
antíteses das praças da Renascença, voltadas para dentro (<enclosed).
No Brasil, segundo Murillo Marx (Cidade Brasileira), a praça "deve sua exis­
tência, sobretudo, aos adros das nossas igrejas" (p. 50). Ou seja, somente
diante de capelas, igrejas e conventos foram previstos espaços vazios, ressal­
tando as edificações do seu entorno. As funções públicas, via de regra, abri­
gadas em edificações alugadas, não contribuíram para o surgimento de pra­
ças, ao contrário da ocupação espanhola (Plaza Mayor ou a Plaza de Armas).
Enfim, são poucas as nossas praças cívicas e em menor número ainda as mi­
litares, que mantêm tais funções hoje em dia. Mesmo como origem é predo­
minante a função religiosa, a presença da igreja ou da catedral na paisagem
urbana.
Suscintamente, podemos perceber que o caráter marcadamente funcional da
praça, que gera o espaço comunitário e por que não, a percepção da cidada­
nia, foi evoluindo até o presente, alterando sua morfologia, seu papel na
malha e na paisagem urbana e sua concepção, produto das diferentes postu­
ras do urbanismo.
Em contrapartida, passa-se a uma rápida análise de outra possibilidade de
apropriação do espaço público urbano, produto direto de uma nova situação
político-econômica que evidencia uma nova função: o lazer e a recreação, não
como mais uma das atividades humanas, mas como necessidade básica gerada
pela divisão do trabalho e oriunda da industrialização e da urbanização acele­
rada de meados do séc. XIX.
Segundo Michael Laurie (An Introduction to Landscape Architecture), os es­
paços abertos tradicionais eram os mercados, os locais para a prática de es­
portes e cultos religiosos e sagrados, não existindo o espaço público para re­
creação não específica.
Somente em ocasiões especiais, quando uma propriedade privada era aberta
ao público, as pessoas tinham oportunidade de ver jardins "plantados"
Na Idade Média, apesar da alta densidade urbana, a proximidade com o
campo e a pequena escala das cidades fazem com que a recreação da popula­
ção e as grandes concentrações ocorram nas escadarias das igrejas, nas áreas
de mercados e praças.

115
A partir da Renascença inicia-se a abertura eventual de jardins privados ao
público. A Coroa e Nobreza passam a abrir seus portões ao povo, especial­
mente em Londres e grandes capitais européias. De acordo com Jellicoe (The
Oxford Companion to Gardens), além dos espaços abertos acessíveis ao pú­
blico, usualmente por graça ou favor real ou aristocrático, outras duas origens
marcaram a criação dos parques: o Volksgarten, que a partir de uma teoria
alemã, preconizava a necessidade de locais onde todas as classes sociais con­
vivessem próximas à natureza, com edifícios contendo obras de arte voltadas
à História, e o parque público propriamente, pertencente ao público como
um direito e provido das facilidades que responderiam as solicitações das no­
vas cidades em processo de industrialização.
Convém observar a existência de parques específicos (botânicos, horticul­
tura), que não serão objeto de estudo devido à sua especificidade funcional
acarretando uso restrito, apesar de reconhecermos a sua contribuição ao
conhecimento científico das espécies, divulgando e consolidando a prática da
jardinagem.
Com o aumento da população urbana, a arquitetura, basicamente palaciana e
eclesiástica, passa a ter novos programas e exigências que despontam com a
consolidação da nova classe burguesa emergente: surgem os teatros, escolas,
óperas e bibliotecas. Esta mudança de programa acompanha a consolidação
do capitalismo industrial.
Uma nova forma de percepção das condições de vida se implanta: noções de
movimento (aumento do volume de circulação de mercadorias e pessoas) e
multidão, alterando a vivência do tempo, da distância e, conseqüentemente
dos espaços.
Surgem as ferrovias e rodovias trazendo novos contornos à Paisagem Urbana,
através das novas edificações que abrigam as estações ferroviárias, as fábri­
cas, habitações multifamiliares, além de novas formas de geração de energia.
Um conjunto de novas demandas técnicas, funcionais e culturais associa-se a
uma nova imagem visual para a cidade.
Neste contexto, desenvolvem-se, de maneira mais sistemática, propostas e
movimentos ligados à implantação dos parques públicos. A ruptura com o es­
paço da aristocracia (Vilas Italianas), da nobreza (Versailles) e das grandes
propriedades rurais (Inglaterra), traz uma nova adjetivação do espaço aberto
urbano: o caráter público, que face ao aspecto predominantemente privado
que tinha até então, dá novo significado à prática do profissional que atua na
área da produção da Paisagem. É desta época (1840) a distinção entre "jardi­

116
neiros"* (landscape gardeners) e o que futuramente seria denominado "arqui­
tetos da paisagem" (landscape architects).
No final da década de 60 do século passado, a maioria das grandes cidades da
Inglaterra e França têm seus parques públicos. Inspirada em seu exemplo, a
maior parte dos países europeus (exceto Alemanha), América Latina e algu­
mas outras colônias seguem esta atitude, sem, no entanto, oferecer novas so­
luções de design.
Somente a partir do início do séc. XX é que o desenho dos parques (park
design) se integra mais firmemente ao planejamento urbano, apesar de nos
EUA, já no séc. XIX, nascer o conceito de Sistema de Parques com o movi­
mento dos Parques Americanos (National Park Movement), remetendo aos
nomes de Downing, Olmsted e Vaux.
As grandes áreas nas cidades passam a receber uso específico de recreação
(Central Park/Nova York, Fairmont Park/Filadelfia, Parques de Chicago,
Golden Gate Park, etc.) O início da prática de esportes organizados influi di­
retamente no programa de alguns parques.
Amplia-se a escala de intervenção: subúrbios, cidades-jardins, "The City
Beautiful Movement", efetivando-se a integração das intervenções paisagísti­
cas ao planejamento urbano, culminando com o sistema de parques suecos,
exemplos em Berlim e Hamburgo na década de 20 e as Novas Cidades Ingle­
sas, após a Segunda Guerra Mundial, retomando, em muitos casos, as pre­
missas das cidades-jardins.
A conceituação vigente no que se refere à abordagem de praças e parques faz
com que, em realidade, a denominação empregada tenha caráter muitas ve­
zes arbitrário e vinculado a uma imagem superada e, portanto, restritiva, na
medida em que limita a leitura de novos fenômenos espaciais que ocorrem
nas cidades. Mais importante ainda, é o impedimento de um aprofundamento
teórico e experimental por parte dos profissionais produtores e críticos dos
espaços de uso coletivo.
O que distingue efetivamente uma praça de um parque? O raio de abrangên­
cia (seu caráter local, metropolitano ou regional? Comparar Parque do Ibira-
puera e Praça da Sé, semelhantes neste aspecto); configuração espacial e di­
mensões (a reduzida área do Parque Trianon e as grandes dimensões da
mesma Praça da Sé); a porcentagem de área verde face a porcentagem de
área pavimentada e/ou construída, observando-se que alguns órgãos públicos
estabelecem como norma para projeto de praças 20% de área pavimentada e
80% de área que definem os parques como "espaços abertos públicos caracte­

117
rizados pela predominância de elementos naturais em sua composição e pela
independência espacial com relação à malha urbana" (Rosa Kliass em "Pla­
nejamento dos Espaços Públicos: métodos, técnicas e documentação", Apos­
tila ABAP), motivando a discussão sobre a questão da inserção da vegetação,
da água e dos demais elementos naturais em meio urbano.
Ainda no que se refere às funções que abriga, à imagem que este espaço con­
solida na Paisagem Urbana e sua origem histórica, inúmeros são os pontos
polêmicos, uma vez que qualquer abordagem que se detenha em alguns pou­
cos pontos de análise, tenderá a falhar no estabelecimento de uma conceitua-
ção mais atual, tal a complexidade de situações e soluções que se apresentam.
A leitura detalhada do conjunto destes itens é fundamental para o entendi­
mento dos espaços públicos urbanos em suas sutis nuances e variações. A
evolução das cidades e sua configuração atual criaram novas demandas e res­
postas para estas questões que, globalmente, acabam por gerar novas paisa­
gens e novos espaços que extrapolam o âmbito da mera definição.
A dinâmica da apropriação humana talvez seja um dos aspectos básicos para
a revisão da tradicional caracterização dos espaços livres urbanos, pois a ex­
pectativa e a atuação efetiva do usuário reflete-se diretamente sobre o es­
paço, juntamente com a acelerada transformação da cidade, apoiando a re­
definição dos espaços de uso coletivo.
Como entender La Villete, ou diversos outros parques temáticos, frente à
conceituação de profissionais atuantes na área de paisagismo, como citado
anteriormente. Como analisar que o Memorial da América Latina, onde pre­
dominam as edificações e os elementos construídos como o parque francês
citado, agravado, no caso brasileiro, pelo total descaso no tratamento do es­
paço aberto. Que conseqüências trazem à paisagem de São Paulo as praças
do metrô, marcas recentes de grandes intervenções espaciais em uma cidade
que não tem controle sobre a produção de seu espaço. Como reduzir a dis­
cussão simplesmente a tópicos tais como escala, porte ou dimensões, conside­
rando-se a existência dos "Pockets Parks".

Face às novas soluções espaciais que estão ocorrendo, acreditamos que a


abordagem deva rever os pontos acima levantados (e outros mais), chegando-
se eventualmente a uma (ou diversas) modalidade de espaço público urbano,
buscando-se sempre a compreensão global deste espaço no contexto da ci­
dade que o abriga, superando-se pré-conceitos (e preconceitos) qualitativos e
quantitativos que não têm servido à real situação que se apresenta.

118
Cidades tão distintas como São Paulo e Tókio se assemelham através da uni-
cidade técnica, tendendo à unicidade morfológica. A heterogeneidade é,
muitas vezes, dada pelo envelhecimento díspar, já que a internacionalização
do capital vem reduzindo as possibilidades de manifestação regional.
No entanto, este momento histórico, com seus produtos aparentemente defi­
nitivos que expressam as evoluções do capitalismo, atravessa um período de
novas propostas formais e novas imagens, onde flexibilidade, mutabilidade e
valorização do espaço (no nosso caso: o espaço livre urbano) são entendidos
a partir da aceitação da cidade como um produto do homem e, portanto, da
natureza, superando o pensamento reducionista que culminou em uma visão
do meio urbano como o resultado mal acabado dos males da era industrial.

SU BSÍD IO S PARA ANÁLISE:


Elenco de alguns aspectos, conceitos e preconceitos que usualmente norteiam
as discussões sobre o assunto.
PRAÇA
origem histórica
Funções:
mercado
culto (sagrado)
esporte (corridas, torneios)
político (cidadania)
manifestações espacial resultante da malha urbana;
dependência funcional
Relação com o Entorno:
se insere na cidade; é definida morfologicamente pelas
edificações.
O espaço se abre para a cidade; relaciona-se com o urbano,
constituindo-se um fato urbano.
Imagem Urbana:
espaço gerado pela cidade, aberto e inserido na mesma
continuidade espacial
predomínio do piso construído/pavimentação
Dimensões:
menores se comparadas a um parque

119
PARQUE
origem histórica
Função: lazer (ativo e passivo) como contraponto à sociedade industrial
independência espacial com relação à malha urbana
Relação com o Entorno: se isola da cidade (acessibilidade, escala de
abrangência: metropolitano, bairro vizinhança, etc.)
O espaço é contido em si mesmo, envolve mais o indivíduo, enquanto percep­
ção espacial global
Imagem Urbana: "ilha" de amenização isolada, fechada para a cidade.
conjunto fragmentado com unidade
predomínio de elementos naturais em sua composição
dimensões: maiores, se comparadas a uma ou algumas praças urbanas.
BIBLIOGRAFIA
HARBERMAS, Juergen. Arquitetura Moderna e Pós-Modema. Novos Estudos Ce-
brasp. São Paulo, set. 1987, n. 18.
JELLICOE, Sir Geoffren and Susan; Goode, P., Lancaster, M. The Oxford Compa­
nion to Gardens. . New York. Oxford University Press, 1986.
LAURIE, Michael. An Introduction to Landscape Architecture. U.SA., Pitman Publis­
hing Limited., 1976.
MARX, Murillo. Cidade Brasileira. São Paulo, EDUSP/Melhoramentos, 1980.
MUNFORD, Lewis. A Cidade na História. Belo Horizonte, Itatiaia Ltda., 1965. v. 1.
TOBEY, G.B.A History o f Landscape Architecture. The Relationship of People to En­
vironment. New York, American Elsevier Publisching Company, INC., 1973.

120
PERCEPÇÃO DO ESPAÇO URBANO:ANÁLISE
DA VALORIZAÇÃO DE PAISAGENS URBANAS

PAULA LANDIN GOYA

O presente texto é extraído da monografia elaborada como


resultado final da disciplina "Percepção de Paisagens e
Geografia", cursada a nível de mestrado, no curso de Pós-
Graduação em Geografia, da UNESP-Rio Claro. Este trabalho
pretende, baseando-se na obra de Kevin Lynch "A Imagem da
Cidade", discorrer teoricamente sobre como as pessoas percebem e se
orientam dentro de seu espaço/ambiente urbano, e também quais são os
elementos valorizados na paisagem urbana.
A percepção do meio ambiente se preocupa com os processos, mediante os
quais as pessoas atribuem significado ao seu meio ambiente. Já a percepção
do espaço urbano é resultante da assimilação e organização de um esquema
perceptivo da paisagem urbana.
Assim, quando procuramos estudar como as cidades são percebidas, somos
obrigados a nos referir aos trabalhos de Lynch.
Segundo Lívia de Oliveira1: "A obra de Lynch (1960) contém valiosa infor­
mação sobre como desenvolver uma metodologia para estudar a forma visual
em uma escala urbana. Este trabalho considera a qualidade visual de várias
cidades americanas, estudando os mecanismos de construção da imagem
mental de uma cidade"
Kevin Lynch preocupou-se fundamentalmente com a questão da forma como
"são vistas" e qual a importância que têm as imagens para o desenho da ci­
dade.
Para Lynch, os elementos mais importantes da imagem mental são orienta­
ção, descoberta de rotas e facilidade de movimentação (legibilidade/ima-
ginabilidade). Paralelamente, espera que um meio ambiente claramente
imaginável dê uma segurança emocional ao indivíduo. Segundo ele, o
mistério, combinado com a coerência, são os aspectos do nosso prazer no
meio ambiente urbano.
A cidade pode ser entendida como um conjunto de imagens que se inter-rela-
cionam. Essas imagens podem ser modificadas pela escolha da área envol­

121
vida, do ponto de vista, da hora do dia ou da estação do ano. A continuidade
necessária para a conservação do valor da imagem é o elemento mais impor­
tante do mapa mental construído através da percepção da cidade pelos usuá­
rios. Esta imagem mental é viva, possui formas e texturas, assim como outros
pormenores abstratos envolvendo estruturas identificadas como ponto refe­
rencial. Ainda é Lívia de Oliveira2, quem comenta que a imagem ambiental é
uma parte fundamental de nossos equipamentos para viver, pois permite mo­
bilidade, orientação, organização das atividades e particularmente é usada
como quadro de referência.
Geralmente percebemos nossa cidade não como um todo, mas de uma ma­
neira fragmentada, ou seja, percebemos partes dela, como os percursos de
nosso cotidiano: o caminho que percorremos até nosso local de trabalho, ou
para irmos ao mercado, ao banco, ou deixar as crianças na escola. Todos nos­
sos sentidos estão envolvidos nesta percepção, e a imagem que se resulta é
composta de todos eles, e está repleta de lembranças e significados. Segundo
Tuan : "O espaço construído pelo homem pode aperfeiçoar a sensação e a
percepção humana. É verdade que, mesmo sem forma arquitetônica, as pes­
soas são capazes de sentir a diferença entre interior e exterior, fechado e
aberto, escuridão e luz, privado e público. Mas este tipo de conhecimento é
rudimentar. O espaço arquitetônico, até uma simples choça rodeadas por
uma clareira, pode definir estas sensações e transformá-las em algo
concreto".
Mas a cidade não é apenas para ser percebida pelas mais variadas pessoas,
das mais diversas classes sociais e personalidades, e com os mais diversos in­
teresses que a habitam. A cidade também deve ser legível. E o que confere
legibilidade à uma cidade? O que a transforma num lugar para seus cida­
dãos? A resposta está na paisagem que a estrutura. Esta paisagem que iden­
tificamos diariamente, atribuindo significados aos marcos deste sítio urbano,
como as casas, as praças ou os bares e cafés. Segundo Lynch4: "Sobretudo se
o meio ambiente está visivelmente organizado e nitidamente identificado, po­
derá então o habitante dá-lo a conhecer, por meio dos seus próprios signifi­
cados e relações. Nesse momento tornar-se-á um verdadeiro lugar notável e
inconfundível",
É ainda Lynch5, quem afirma que: "Estruturar e identificar o meio ambiente
é uma atividade vital de todo animal móvel. São muitas as espécies de orien­
tação usadas: a sensação visual da cor, da forma, do movimento ou polariza­
ção da luz, assim como outros sentidos, tais como o cheiro, o ouvido, o tato, a

122
cinestesia, a noção da gravidade, e talvez as de campos magnéticos ou
elétricos.
E é através da identificação diária desta paisagem edificada que nós nos
orientamos dentro de nossas cidades. Através da verificação dos marcos ur­
banos é que criamos uma imagem mental, que faz com que não nos sintamos
perdidos, que nos orienta. Esta imagem é fruto não só de nossa percepção
imediata, mas também de nossa percepção passada, de nossa memória. No­
vamente segundo Lynch6: "A necessidade de conhecer e estruturar o nosso
meio é tão importante e tão enraizada no passado que esta imagem tem uma
grande relevância prática e emocional no indivíduo".
A construção desta imagem é um processo bilateral existente entre a paisa­
gem urbana e o cidadão, através do qual o cidadão atribui valores a esta pai­
sagem, sendo portanto algo extremamente subjetivo e particular. E a paisa­
gem, por sua vez, também influencia o cidadão diferentemente. Mas de qual­
quer forma, parece existir uma imagem comum entre indivíduos de um
mesmo grupo, e é esta imagem comum que nos interessa preservar, resga-
tando-a de nossa memória e de gerações anteriores, como um instrumento de
identificação, de ligação, entre os cidadãos e sua cidade, pois é justamente
esta que faz com que a cidade assuma uma conotação de LUGAR para seus
moradores. É novamente Lynch7, quem comenta que: "As pessoas criaram
uma forte ligação a tudo isto, a todas estas formas nítidas e diversificadas, li­
gações estas que se ligam a um passado histórico ou a sua própria experiência
anterior. Todas as cenas são imediatamente reconhecidas e trazem à memó­
ria um conjunto de associações".
Esta é então a Paisagem Urbana que queremos e devemos valorizar e conse­
qüentemente preservar, pois o núcleo urbano é um bem cultural composto de
mil e um artefatos relacionados entre si, que vão desde aqueles de uso indivi­
dual, passando por outros de utilidade familiar, a começar pelas moradias, até
os demais de interesse coletivo. Assim, constatamos que um conglomerado
urbano se resume num local onde se desenrolam concomitantemente infinitas
atividades exercidas através de infinitos artefatos dispostos no espaço segundo
suas funções ou atribuições.
Dentre nossas cidades, sejam de que idade for, muito poucas ainda podem
nos mostrar as relações originais entre espaços livres e construções da mesma
época.
Espaços livres públicos, logradouros, espaços livres internos ou quintais. Evi­
dentemente essas relações são decorrentes de variadas expectativas culturais,

123
então elas têm que ser entendidas tão somente como uma parte remanes­
cente de outras articulações mais amplas e hoje desapropriadas e irrecuperá­
veis.
Em qualquer uma dessas cidades, é impossível a recuperação em sua totali­
dade do que tivesse sido seu conjunto original articulado de bens culturais,
porque a sociedade hoje não é a mesma, e está a fim de usar outros artefatos
em outros programas de necessidades, posto que as condições sociais, eco­
nômicas e o momento histórico que determinaram aquele ambiente urbano
são outros. No fundo, resta-nos conservar e valorizar cenários compostos de
fachadas de casas velhas, como tem sido feito. Sim, conservamos alguns cená­
rios, mas eles nos são da maior importância, porque foi o pouco que nos res­
tou, já que nunca soubemos preservar outros documentos de nossas antigas
populações urbanizadas.
A valorização e preservação dessas visualizações cênicas são de suma
importância, porque nos revelam, nas relações espaciais, até intenções
plásticas, nem sempre compromissadas com a estética oficial das ordenações.
A Paisagem Urbana, assim como a cidade, é algo extremamente dinâmico, e
está constantamente passando por processos de transformação mais ou
menos drásticos. Segundo Toledo8: "A cidade, como todo organismo vivo,
está em permanente mutação. Entre a natureza virgem e a metrópole há uma
sucessão permanente de alterações, de boa ou má qualidade que
caracterizam um ambiente. É o que os ingleses designam por site. O homem
é participante da paisagem. Sua obra testemunha como, ao longo dos séculos,
ele foi se adaptando ao meio ambiente. O patrimônio ambiental urbano,
portanto, é um dos mais eloqüentes testemunhos do que se convencionou
chamar de cultura".
As necessidades presentes no aparecimento de uma cidade, tais como as das
vilas mineradoras surgidas na região das Minas Gerais na época da explora­
ção de ouro no Brasil Colônia, ou as das surgidas com o avanço do cultivo do
café no oeste Paulista e posteriormente norte do Paraná, ou ainda aquelas
surgidas mais recentemente com a construção de barragens hidroelétricas, di­
recionam e influem a formação e transformação de sua paisagem, determi­
nando certa configuração física, que certamente se altera quando as necessi­
dades também se alteram. Nesta paisagem, de um momento a outro,
desaparecem muitas das estruturas espaciais, e parte do que se perde, com
certeza poderia e deveria ser preservado. Nem tudo é claro, pois novas e
adequadas estruturas são criadas, mas resta-nos a questão: qual o grau de
limitação das transformações? Precisa-se chegar a mudanças tão

124
abrangentes? Outras mudanças com certeza virão, a cidade, já foi comentado,
é dinâmica, e como lidar com ela, como encaminhá-la valorizando também o
existente, ainda é uma dúvida.
Este processo de transformação urbana é observado em uma escala mais ou
menos intensa na maioria das nossas grandes e médias cidades, onde o pro­
cesso de renovação, de mutação, se dá de um modo similar, através da diver­
sificação de usos e por vezes da verticalização. Entretanto, é impossível a re­
constituição de uma paisagem, principalmente urbana, com absoluta precisão,
posto que ela varia constantemente. Mesmo que fossem mantidas ali suas
edificações primitivas, os jardins se alteram com o crescimento da vegetação
ou até mesmo deixam de existir, vias são alargadas, os espaços livres se mo­
dificam de acordo com as alterações de uso que lhes são de certa forma im­
postas. Uma praça rodeada por palacetes ecléticos com seus jardins, mostrar-
se-á completamente diferente ao substituí-los por edifícios de apartamento ou
por agências bancárias. É novamente Lynch , quem afirma que: "um novo
objeto pode parecer ter uma forte estrutura ou identidade devido às suas ca­
racterísticas físicas que insinuam ou determinam a sua própria estrutura".
Mas na memória, na lembrança das pessoas, sobrevivem imagens, sínteses de
elementos significativos de uma paisagem de seu cotidiano, e que se encon­
tram vestígios por vezes diluídos nas novas paisagens. Segundo Benevolo10:
"As cidades brasileiras crescem muito rapidamente, e entre elas, São Paulo
mais do que qualquer outra. A velocidade é tão grande, a ponto de apagar, no
espaço de uma vida humana, o ambiente de uma geração anterior: os jovens
não conhecem a cidade onde, jovens como eles, viveram os adultos. Assim, as
lembranças são mais duradouras que o cenário construído e não encontram
nele um apoio e um reforço",

A noção de patrimônio cultural (ou patrimônio histórico) envolve questões


tais como memória, tempo, origens, valor artístico e outras. Discorrer sobre
patrimônio cultural ou bem cultural é discorrer sobre memória. Porém nor­
malmente associa-se a memória apenas ao passado. Ora, sem a memória não
há presente para o homem. A memória se refere a uma relação entre passado
e presente. Ela gira em torno de um dado básico humano: a mudança. Sem
memória ficamos privados de uma plataforma de referências, e cada ato
nosso seria uma reação mecânica, mergulhar de um vazio para outro. A me­
mória social funciona como um instrumento de identidade, de desenvolvi­
mento e de perpetuação. Sem ela a mudança será fator de alienação e desa­
gregação.

125
O patrimônio de uma cidade está representado não só nos edifícios, mas
também nos objetos, na paisagem, nos costumes, nas tradições, nas festas.
Enfim, em tudo aquilo onde se reconhece a vida, a história e os valores cultu­
rais expressos pelos vários segmentos da população.
É enorme o número de bens que compõem o patrimônio cultural de um
povo, de uma nação, ou mesmo de um pequeno município. E nunca houve, ao
longo de toda história da humanidade, interesses voltados à preservação de
artefatos do povo. Esta questão da memória social, tão dependente da pre­
servação do patrimônio cultural, tem sido tratada com seriedade somente
agora, em tempos recentes. Devemos, então, de qualquer maneira, garantir a
compreensão da nossa memória social, preservando o que for significativo
dentro do nosso vasto repertório de elementos componentes do patrimônio
cultural.
Isto é fundamental para a defesa e consolidação dos valores de cidadania das
mesmas. A cultura de um povo, através de suas manifestações sociais, artísti­
cas e cotidianas, constituem parte integrante do presente e do futuro de cada
comunidade, singuralizando-a e caracterizando-a dentro das inúmeras diver-
sidades que compõem a sociedade.
A expansão rápida das cidades, principalmente a partir da década de 50, oca­
sionou um rompimento da individualidade destas, e conseqüentemente, a
destruição de seu patrimônio cultural, onde edificações representativas e re­
levantes para a memória histórico-urbana, são substituídas por outras, aliení­
genas ao processo. Esta destruição acarretou sérias conseqüências, como o
comprometimento de uma imagem mental legível para os moradores das ci­
dades, o que torna fundamental nos dias de hoje a preocupação com a pre­
servação, ou seja, a identidade dos símbolos, dos valores e dos bens culturais
destas comunidades.
A cidade tem que ser encarada como um artefato, como um bem cultural
qualquer de um povo. Mas um artefato que pulsa, que vive, que permanen­
temente se transforma, se autodevora e se expande em novos tecidos, recria­
dos para atender a outras demandas sucessivas de programas em permanente
renovação. Portanto, preservar e valorizar não significa congelar o passado,
mas possibilitar que a cidade se desenvolva de acordo com suas necessidades
atuais, incorporando as mudanças e ao mesmo tempo guardando suas carac­
terísticas particulares.
BIBLIOGRAFIA
BENEVOLO, Leonardo. A Cidade e o Arquiteto. São Paulo, Perspectiva, 1984.

126
CULLEN, Gordon. Paisagem Urbana. São Paulo, Martins Fontes, 1988.
FITCH, James. Preservação do Patrimônio Arquitetônico. São Paulo, FAUUSP,
1981.
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nito, 1974.
GOODEY, Brian; Gold, John. Environmental perception: the relationship with urban
design. Progress in Human Geography, v. 11, n. 1,1987.
LEMOS, Carlos A. C. O que é Patrimônio Histórico. Coleção Primeiros Passos,
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LYNCH, Kevin. A Imagem da Cidade. São Paulo, Martins Fontes, 1988.
MACEDO, Silvio Soares. Higienópolis e Arredores: Processo de Mutação de
Paisagem Urbana. São Paulo, Pini/EDUSP, 1987.
OLIVEIRA, Lívia de. Contribuição dos estudos cognitivos à percepção geográfica.
Geografia, w. 2, n. 3,1977.
TOLEDO, Benedito Lima de. São Paulo: Três Cidades em um Século. São Paulo,
Duas Cidades, 1981.
TUAN, Yi-Fu. Espaço e Lugar. São Paulo, Difel, 1983.
______ . Topofília. São Paulo, Difel, 1980.
SCHIFF, Myra. Considerações Teóricas sobre a Percepção e a Atitude. Boletim de
Geografia Teorética, v. 3, n. 6,1973.
NOTAS
(1) Livia de Oliveira. Contribuição dos estudos cognitivos à percepção geográfica.
Geografia , v. 2, n. 3,1977, p. 68.
(2) Ibid., p. 68.
(3) Tuan, Yi-Fu. Espaço e Lugar. São Paulo, Difel, 1983, p. 114.
(4) Lynch, Kevin. A Imagem da Cidade. São Paulo, Martins Fontes, 1988, p. 103.
(5) Ibid., p. 13.
(6) Ibid., p. 14.
(7) Ibid., p. 104-105.
(8) Toledo, Benedito Lima de."Apresentação" Macedo, Silvio Soares. Higienópolis e
Arredores: Processo de Mutação de Paisagem Urbana. São Paulo, Pini/EDUSP, 1987.
p. 3.
(9) Lynch, Kevin. A Imagem da Cidade. São Paulo, Martins Fontes, 1988, p. 17.
(10) Benevolo, Leonardo. "Apresentação" Toledo, Benedito Lima de. São Paulo: Três
Cidades em um Século. São Paulo, Duas Cidades, 1981, p. 7.

127
HISTÓRIA E PAISAGEM
O PAISAGISMO NO BRASIL -
INTRODUZINDO A QUESTÃO

SILVIO SOARES MACEDO E MARIO CENIQUEL

Ao contrário do que muitos possam pensar, o paisagismo bra­


sileiro não se limita à pessoa de Roberto Burle Marx. Esta fi­
gura que parece isolada no cenário brasileiro é sem dúvida um
dos expoentes da arquitetura paisagística internacional. Ele é,
com certeza, um dos princípios influenciadores do nosso mo­
derno paisagismo e até hoje se constitui em sua figura máxima, mas não se
encontra sozinho, no Brasil, nesta atividade.

Foto 1, Largo da Carioca, na cidade do Rio de Janeiro, o desenho orgânico dos pisos se
contrapõe à rigidez da trama urbana, colaborando na estruturação de um dos mais importantes
projetos de Roberto Burle Marx.

Foto: Silvio S. Macedo, 1990 - Acervo Projeto MUBE.

O primeiro trabalho de paisagismo executado no país surge no Rio de


Janeiro, o Passeio Público de Mestre Valentim (Valentim da Fonseca e Silva,
1745/1812), em grande parte inspirado em um espaço similar existente em
Lisboa e que foi construído em 1769. Logo após surgem o Jardim Botânico
do Rio de Janeiro e de São Paulo (início do séc. XIX) e no meio deste século
os grandes parques particulares das quintas e chácaras dos bairros de
Laranjeiras, Cosme Velho, São Cristóvão e Botafogo.

131
Neste século, os ricos barões do império nas suas residências apalacetadas,
situadas nos subúrbios rurais do Rio de Janeiro e de São Paulo, erguiam suas
casas em meio a extensos parques inspirados nos arcadianos jardins ingleses e
nos clássicos jardins franceses. Como característica desta época os parques
públicos ou privados e as praças apresentavam, em meio a uma conformação
européia, uma vegetação diversificada, com espécies importadas e nativas
(tropicais).

Desenho 1 / 2 - 0 traçado atual do jardim da luz em São Paulo, da forma como é conhecida hoje
e traçado no final do séc. XIX obedece aos cânones do pitoresco com marcada influencia do
paisagismo francês. (Desenhos: Mauro Fonte e Belmiro dos Santos Rodrigues Neto.)

132
Os trabalhos mais notáveis deste último período são da autoria de Auguste
Marie Frandsque Glaziou, botânico francês e hábil paisagista, trazido por so­
licitação do Imperador D. Pedro n , em 1860, para remodelação dos jardins
do Passeio Público.

Desenho 3 - 0 campo de Santana e o passeio público no Rio de Janeiro, apresentam caminhos


sinuosos e uma conformação tridimensional bucólica, obra típica do paisagista Glaziou.
(Esquemas extraídos: da planta de 1910 do tenente Francisco Jaguaribe Gomes Mattos, em "A
Cidade do Rio de Janeiro", Coleção de Mapas.)

No início do séc. XX, com a constante urbanização do país nos seus então
dois principais centros, Rio de Janeiro e São Paulo, criou-se condições para o
surgimento de profissionais nacionais, que projetaram ainda sob os canônes
importados, mas utilizando largamente espécies oriundas da luxuriante vege­
tação tropical que conviviam lado a lado com as tradicionais plantas de
origem européia.

Desenho 4 - Este desenho, recompondo um trecho da avenida Higienópolis em São Paulo,


mostra o cuidado do tratamento tanto dos espaços livres públicos, no caso a rua totalmente
arborizada com platanos e dos espaços livres particulares com jardins muito elaborados,
dispensado no início do século nos bairros das elites paulistanas. (Desenhos extraídos da
pesquisa Mutação e Paisagem Urbana - o bairro de Higienópolis e arredores.)

133
Este é o período do Ecletismo e as linhas projetuais se vinculam à criação de
espaços que conduzam e valorizem o edifício, sendo criados caminhos e pas­
seios, que são balizados por fontes, quiosques esculturas e pergolas, sendo
que cada projeto está vinculado a um pseudo-estilo como o gótico, o romano
ou o neodássico.

Foto 4 - Os jardins
particulares dos palacetes e
chalés do início do séc. XX
em São Paulo são ricamente
elaborados, acompanhando
formalmente o estilo das
residências e sempre se
constituindo de caminhos
organizados por entre
canteiros, muitas vezes por
arbustos sujeitos a poda
topiária. (Foto: Sociedade
Comercial e Construtora -
Arquivo Silvio S. Macedo.)

Foto 5 - Na cidade de São


Paulo do início do século a
maioria dos grandes jardins
foi assinada por Reynaldo
Dieberguer ou Germano
Zimber. A foto mostra uma
ala lateral de um projeto de
Dieberguer, na av. Angélica,
em estilo neocolonial. (Foto:
Arte e Jardim - Arquivo:
Silvio S. Macedo.)

134
O início do século marca ainda um período de intensa criação de espaços pú­
blicos urbanos, destacando-se o projeto do cinturão de parques do centro de
São Paulo, o chamado "Plano de Boward", a avenida Central e a avenida
Costeira, atual avenida Beira-Mar e o espaço para a Exposição Internacional
de 1922, derivado do desmonte do Morro do Castelo, todos na cidade do Rio
de Janeiro, e um pouco mais tarde o Parque do Ipiranga, em São Paulo,
elaborado por Dieberguer. A estes se seguem diversos parques em estâncias
balneárias e pelas diversas capitais do país.

Foto 6/Desenho 5 - A foto e o desenho mostram o centro de São Paulo no final dos anos 20 e
o cinturão de parques que envolvia o centro da cidade os parques D. Pedro II e do
Anhangabaú - desenhados por Bouward.

Foto 7 - Parque do Ipiranga em São Paulo - estruturado por Reynaldo Dieberguer em 1922.
(Foto: José Joel de Aquino - Arquivo: O Estado de S. Paulo.)

135
O período pré e pós Segunda Grande Guerra marca uma mudança significa­
tiva no urbanismo e na arquitetura brasileira que impõe uma nova linguagem
ao desenho da cidade e todo o estilismo do ecletismo é banido.
Nesta época, Roberto Burle Marx concebe uma série de importantes traba­
lhos, na esteira dos modernos projetos de arquitetura e imprime um estilo
próprio ao projeto de paisagismo. Pela primeira vez se valorizam totalmente
as plantas nativas e ele as explora cenicamente na sua postura projetual, den­
tro de uma visão de artista plástico que é, criando desenhos, e espaços ade­
quados à postura arquitetônica moderna e nacionalista vigente. Trabalha in­
tensamente e cria durante o período algumas das suas principais obras como
o jardim do Ministério da Educação e Cultura, MEC, o Parque do Aterro do
Flamengo e o Jardim do Itamaraty em Brasília.
Em São Paulo, no início dos anos 50, dois paisagistas, também vinculados à
nova geração de arquitetos modernos, iniciam suas atividades, Waldemar
Cordeiro (artista plástico) e Roberto Coelho Cardozo. Este último clara­
mente influenciado pelos expoentes do paisagismo da Costa Leste Americana
cria uma escola projetual divulgada principalmente por duas discípulas, Rosa
Kliass e Miranda M. M. Magnoli, que apreendem e aperfeiçoam suas
posturas e as transmitem a toda uma nova geração de arquitetos paisagistas.
Surge então o que pode ser chamada uma escola "paulista" ou arquitetônica
de paisagismo.

Esta linha consolida-se, a partir dos anos 70, com a contínua formação de ar­
quitetos influenciados por tal escola projetual, que engajados no mercado de
trabalho criam um importante conjunto de obras como os novos grandes par­
ques, no período, na cidade de São Paulo e são responsáveis por uma série de
projetos públicos e particulares pelo país, que apesar de utilizarem algumas
posturas projetuais de Burle Marx, como a valorização radical da planta na­
tiva e o uso do mosaico português elaborado na forma de pisos complexos,
têm uma identidade própria, distinta da obra do mestre.
A década de 90 traz um impasse ao projeto paisagístico brasileiro. Os mestres
ainda projetam e seus discípulos desenvolvem trabalhos seguindo as linhas
consagradas nos períodos 1940-1960. A cidade brasileira, no entando, é outra,
os modos de utilização dos espaços livres estão se alterando e a forma conti­
nua a mesma. A maioria dos paisagistas desenvolvem projetos com esquemas
consagrados e alguns introduzem modestas variações estilistas baseadas no
estilo pós-moderno, existindo hoje uma necessidade, que caberá portanto a
uma nova geração, de renovação, questionamento e revisão dos velhos totens
modernos.

136
Fotos 8 e 9 - Projeto típico de paisagismo dos anos 70 em São Paulo, apresentando um intenso
da vegetação tropical, criando espaços para lazer ao invés de caminhos e uma integração física e
visual dos espaços internos e externos ao lote (rua Cons. Brotero). (Foto: Silvio S. Macedo.)

137
Desenho 7 Esquema geral do Parque do Piqueri, projetado nos anos 70 por uma equipe de
jovens paisagistas para o Depave, Departamento de Parques e Areas Verdes do município de
São Paulo e apresentando um desenho típico do que se pode considerar uma Escola Paulista de
Paisagismo. (Esquema de Mauro Font e Belmiro dos Santos Rodrigues Neto.)

BIBLIOGRAFIA
BARDI, Pietro M. Tropical Gardens o f Burle Marx.
CARDOSO, Omar de Almeida. Relatório Final de Pesquisa CNPq - Bolsa de Inicia­
ção Científica. "Arquitetura Paisagística e a Cidade, do Ecletismo ao Moderno:
Fundamentos Conceituais e Rebatimentos Espaciais", FAUUSP, 1991.
CASTILHA, Marcos. Relatório Final de Pesquisa CNPq - Bolsa de Iniciação Cientí­
fica. "Arquitetura Paisagística e a Cidade, do Ecletismo ao Moderno: Fundamen­
tos Conceituais e Rebatimentos Espaciais", FAUUSP, 1991.
DIEBERGUER, R. & Cia. Arte e Jardim. São Paulo, s.ed. 1928.
MACEDO, Silvio Soares. O Bairro de Higienópolis e Arredores. São Paulo, Pini, 1987.
MOTTA, Flávio Lara. Roberto Burle Marx e a Nova Visão da Paisagem. São Paulo,
Nobel, 1884.
REIS, Nestor Goulart. Quadro da Arquitetura no Brasil. São Paulo, Perspectiva, 1970.
ZIMBER, Germano. Jardins de Hoje. São Paulo, Prefeitura do Município, 1946.

138
SÃO PAULO: PAISAGEM E PAISAGISMO
NA PRIMEIRA REPÚBLICA.
(A INSERÇÃO DO QUADRO URBANÍSTICO)

ELIANE GUARALDO

O período de 1890-1930, que corresponde a Primeira República,


marca uma fase de grande importância para a inclusão do país
nas relações capitalistas internacionais. Com o estado de São
Paulo gozando de grande autonomia política, será montado
todo um aparato de proteção à classe dos cafeicultores, política
de imigração, de crédito, etc. refletindo-se na forma com que foi conduzido
o crescimento da capital em direção à metropolização, passando de sede do
capital comercial à sede do capital industrial.
Assim, num momento em que a ordem capitalista internacional passava por
um processo de mudanças, a partir de avanços tecnológicos indiscutíveis, o
Brasil foi compelido a participar desse processo como produtor de um artigo
de exportação supérfluo - o café -, como consumidor de bens manufaturados
e como cliente de capital estrangeiro a juros incontrolados. A internalização
das relações capitalistas de produção fez transformar-se a terra em mercado­
ria, passível, portanto, de propriedade e de negociação. No âmbito urbano, o
fenômeno se repete, através das constantes intervenções na cidade, que visam
a sua valorização e especulação. Outro não é o motivo pelo qual, e sobretudo
nesse período, a cidade se reconstruía sobre si mesma várias vezes, num
ritmo por vezes mais rápido que o espaço de uma vida humana.
É fato que o germe do Paisagismo Urbano em São Paulo se situa nesse pe­
ríodo, não só possível graças ao enriquecimento da cidade, mas também de­
vido à "atmosfera” propícia, surgida com as discussões em torno da salubri-
dade, do sanitarismo do ambiente urbano e das próprias conquistas do Paisa­
gismo no mundo: os parques abertos ao público e a infinidade de squares
criados na Inglaterra, a partir do final do séc. XVIII, o Movimento de
Parques Americanos iniciado com Olmsted, o Central Park (1858) e as obras
de Paris sob Haussmann, criando Boulogne, Vincennes e toda uma
hierarquia de parques/jardins na capital francesa, que foram aliás inspiração
direta para os exemplos paulistanos.

139
No campo das propostas urbanísticas, discutia-se Camillo Sitte (1889), Ray-
mond Unwin e Ebenezer Howard com sua cidade-jardim e o próprio exem­
plo do urbanismo haussmanniano, que inspirará as propostas de Prestes Maia
ainda na década de 30, enquanto Le Corbusier já propunha sua Ville Ra-
dieuse!
Qual o espaço e as limitações reais para o nascer e evoluir do Paisagismo Ur­
bano nesse contexto? Que papel ele exerceu no processo?
Decidimos abordar a questão a partir da consideração de dois aspectos que,
embora não sejam estanques, serão tratados em separado, até para uma
maior clareza e metodização dos procedimentos de pesquisa que advirão
desse primeiro estudo. Como se trata de uma aproximação inicial, feita com
material disponível, é colocada quase de maneira linear, expositiva, mas de­
verá sofrer algumas alterações.
Figura 1 -
Evolução da
.V mancha urbana
1881 1905 no município de
São Paulo.
(Fonte:
SANTOS,
\ Milton.)
O QUADRO FUNDIÁRIO
Como é sabido, o café trouxe radicais transformações à região paulista, no
sentido em que Pierre Monbeig esclareceu bem, quando discute o avanço das
frentes pioneiras no Estado em seu "Pioneiros e Fazendeiros de São Paulo".
O fundamento da propriedade territorial no Brasil era o sistema sesmarial,
isto é, da terra outorgada pelo governo português, depois pelo governo impe­
rial. Toda terra não doada em sesmaria era teoricamente do domínio público
ou terra devoluta. Em 1850, porém, o governo promulgou a chamada Lei de
Terras, que estabelecia a não transferência a partir de doação, mas somente
por compra e venda. Com complementações em 1854, 1895 e 1898, essa lei
introduziu um novo elemento no quadro fundiário: o concessionário passa a
ser proprietário, ou seja, a terra torna-se uma mercadoria. Surge assim uma
nova classe de atividade a partir de 1895 e sobretudo de 1900, que é a de "es­
peculadores e homens de leis totalmente estranhos à ocupação produtiva da
terra" (Pierre Monbeig). Introduz-se uma noção de propriedade que antes
não existia, e que permitirá o estabelecimento do sistema de crédito aos fa­
zendeiros, em 1873, sob hipoteca da propriedade rural. Diante, porém, do
fato de bancos e entidades creditícias verem-se da noite para o dia proprietá­
rios de fazendas falidas, nas quais não havia interesse em investimentos ou
administração, o Presidente da Província, Bernardino de Campos, lançou em
1900 a idéia da hipoteca ser realizada sobre o imóvel urbano. O interesse na
valorização da edificação urbana pressiona, então, constantemente o Poder
Público a investir em obras urbanas de grande envergadura, inclusive com a
ajuda de empréstimos externos para garantir a proteção dos interesses da
aristocracia cafeeira, valorizando cada vez mais, em decorrência disso, terra e
imóvel urbano.
Por outro lado, dentro dos limites do município, continuaram as mesmas
formas de acesso à terra: a concessão de datas de terra (doação) e o afora-
mento (concessão tributada anualmente através do foro); essa duplicidade fa­
cilitou uma corrida em direção à posse de terras de forma que já em 1852 a
Câmara pedia autorização ao governo provincial para aforar os terrenos de
seu rocio (terreno dado pela Coroa à Câmara, como seu patrimônio, para uso
público; o rocio ficava nos limites da cidade e servia como pasto e local de
pernoite de animais), com o fim de "facilitar a formação de chácaras" (Janice
Theodoro da Silva, 1984); somente 10 anos mais tarde é que a Câmara deli­
mita o raio de 1/2 légua (3.300 m) para precisar os limites do rocio e "infor­
mar ao Exmo. Governo sobre as datas que tem concedido nos diversos loga-
res do seu rocio..." (Janice Theodoro da Silva). Tais terrenos que, como di­
zem as Atas da Câmara citadas, foram doados e não aforados, formam exa­

141
tamente o cinturão de chácaras que na planta da cidade de 1897 (Gomes
Cardim), incorporam a mancha urbana contínua em torno do centro antigo,
formando os bairros de Campos Elíseos, Higienópolis, Paulista, Paraíso,
Aclimação, Cambuci, Moóca, Bráz, Pari e Luz. Além desse raio de aproxi­
madamente 3 km encontram-se assentamentos descontínuos como Ipiranga,
V. Prudente, Cerqueira César, entre outros, separados da mancha urbana por
grandes vazios.
Assim, o município foi incorporando a privatização de praticamente todo seu
território, fazendo definir aos poucos a figura da expropriação como única
forma de intervenção do Poder Público na cidade.

S PAULO
19S A
• Í_OrEAMENTC5 DO |N |C |0 DO
SEÍ-Olo
fE R lM tT R O CENTRAL

p e rím e tro u rb a n c

PERIHETR C S .oe-O «*A »J0

t— 3 TERRAS CE V(XOTAS

d ) MANCh A UR8AMA

Figura 2

Parece então compreensível que as áreas livres públicas de iniciativa munici­


pal tenham sido tão poucas; a maioria das praças são os mesmos largos e pá­
tios do período colonial, só que agora "laicizados" (Murillo Marx), vão rece­
ber tratamento e arborização. Quanto aos parques, embora tenham sido re­
lativamente numerosos, a maioria se fez sob iniciativa de particulares, como o
Antártica, Saúde, Aclimação, Villon (Trianon, Siqueira Campos), ou estadual,
anexos a instituições, como o Ipiranga, a Água Branca, o Butantã, o Parque
do Estado, o Parque da Cantareira.

142
Os parques municipais, Anhangabaú e Carmo (Pedro II), surgiram de esfor­
ços de vencer a várzea, o rio, e assim mesmo significaram pesadas desapro­
priações (caso do Anhangabaú) ou alienação de parte de sua área total em
favor de particulares (caso do Anhangabaú e do Carmo).
O QUADRO URBANO
"Já em 1914, com pouco menos de 500 mil habitantes, a cidade de São Paulo
ocupa uma área tão grande quanto a de Paris" (J. Wilhem e M. Adélia A. de
Souza in Milton Santos, 1990).
A estruturação de São Paulo vai se dar num processo de contínua expansão
horizontal, apoiada nas suas características geográficas, por um lado, em ele­
mentos estruturadores, como foi o caso da ferrovia (fins do séc. XIX), da in­
dústria (primeiros decênios do séc. XX) e do transporte coletivo (a partir da
década de 20). Tais fatores, coadunados com a característica expansão por
tentáculos, resultaram nos grandes vazios urbanos tão característicos da ur­
banização paulistana e no crescimento que expulsa sempre para mais longe as
classes mais baixas; não é preciso dizer que os serviços de infra-estrutura,
entregues desde a década de 1880 às empresas privadas, como a Cantareira e
Esgotos, a Light and Power, a São Paulo Tramway, a Cia. de Viação Paulista,
Cia. Água e Luz, Pucci e Micheli, Empresa de Limpeza Pública (Janice
Theodoro da Silva) acompanhavam a política de segregação espacial de
operários e emigrantes e atuavam em favor da especulação de terrenos, como
as plantas montadas por Raquel Rolnik bem demonstram.
O discurso sanitarista foi em grande parte a âncora do paisagismo no quadro
urbano em São Paulo. Méritos à parte (inclusive os de substituir através dos
Códigos Sanitários um Código de Edificações, que não existiu até 1934,
quando então foi instituído o Arthur Saboya), esse discurso foi usado para o
confinamento das classes baixas para longe das áreas urbanas, como bem
demonstram as orientações do código Sanitário Estadual (1894) e leis de 1895
e 1896. Aquele código estabelecia, por exemplo, a permissividade de cortiços
somente fora do perímetro central, determinando áreas mínimas e a constru­
ção de vilas operárias no subúrbio; as leis de 1895 e 1896, por sua vez permi­
tiam a demolição de construções insalubres a critério da Intendência e a su­
gestão de vilas operárias nas áreas suburbanas, "ligados por bonds que podem
ser prolongados", como diz o texto da lei.
Já de 1901 a 1908 uma lei municipal que isentava de impostos a construção
desse tipo de moradia, desde que fora do perímetro central, induziu à ação de
grandes investidores, que se organizaram em companhias prediais, mútuas e

143
particulares, lançando-se à lucrativa construção de vilas tipo "padrão munici­
pal" (Carlos A. C. Lemos, e Raquel Rolnik).
Nenhum código se atinha às demais formas de habitação, a não ser para de­
terminar recuos frontais (Padrão Municipal 1920) e mesmo assim repetindo
leis anteriores que já dispunham sobre tais recuos, como é o caso do bairro
de Higienópolis, talvez o primeiro a receber esse tipo de atenção, obrigando a
um recuo de "6 m, pelo menos, para jardim e arvoredo, e bem assim um es­
paço não menor de 2 m em cada lado" (Lei nQ355 de 3-6-1898).
No caso típico dos loteamentos da City, hábil empresa de capital inglês que
adquiriu grandes glebas de terreno ainda no final do século passado, para
aguardar a valorização e loteá-las a partir de 1915, as restrições fixadas
quanto a recuos, volumetria, taxa de aproveitamento e até altura e forma de
gradis de frente, eram mais rígidas que as da Prefeitura, tendo que se sujeitar
a elas qualquer morador, quando da compra do lote. O desenho dos bairros,
inspirado nas cidades-jardinsl, previa grandes áreas livres e arborizadas ao
longo das vias, desenhadas em curvas para obrigar ao trajeto em pequena
velocidade; as áreas internas de insolação, iluminação e uso recreativo foram
suprimidas.

Figura 3 - Planta original do Jardim América, projetado em 1910 por Barry Parker. As áreas
livres no centro das quadras desapareceram quando da venda e ocupação dos lotes. (Fonte:
REALE, Ebe. Brás, Pinheiros, Jardins.)

144
A "febre" do higienismo também favoreceu a forma de ocupação esparra­
mada e horizontalizada da cidade (Milton Santos lembra a esse propósito que
em 1970, enquanto o Rio de Janeiro já contava com 3.016 prédios, com mais
de três andares, todo o estado de São Paulo tinha somente 625). O enge­
nheiro Victor da Silva Freire, ao falar em 1914 sobre a relação entre
insolação e gabarito urbano, criticava a adoção dos 16 m de largura para ruas
de bairros suburbanos que o Código de Posturas de 1886 previa, explicando
que essa medida fora adotada tomando-se como base a lei parisiense,
incorrendo em grave erro, por serem clima e latitude tão diferentes,
implicando em uma subutilização do terreno urbano e tornando a cidade
mais cara do que o necessário. E em seguida, utilizou como exemplo de bom
agenciamento entre áreas livres e edificações o projeto de retalhamento de
uma área de 80 alqueires, onde haveria "avenidas principais de 24 a 36 m,
dilatadas n’alguns pontos até 39 e 44 m, e ruas que, segundo sua importância
e destino, variam desde 15 a 9,70 m. Proporciona ao público dez praças, um
parque e um grande passeio arborizado, não se cortaram as frondosas árvores
que já existiam, margeando o curso do rio, passeio em cuja parte inferior se
nos depara novo parque. Tem, pois, espaços abertos em abundância e os
quarteirões e perfis de ruas foram cuidadosamente estudados a fim de
alcançar a solução mais comoda e ecônomica (...)".
Pois bem, da superfície total, a parte entregue ao domínio público sob forma
de ruas, avenidas, praças e parques, representa a porcentagem de apenas
33,5% (Victor da Silva Freire. Revista Politécnica).
O exemplo citado pelo engenheiro arquiteto era o projeto que venceu o con­
curso do National Conference on City Planning nos E .U A ., ocorrido em
1913, cuja autoria era de uma equipe da qual Frederick Law Olmsted fazia
parte. (Esse fato mostra, aliás, que contrariamente ao que pesquisadores
afirmam, mesmo antes da Primeira Guerra, já havia algum conhecimento e
discussão sobre o que se fazia nos Estados Unidos em Urbanismo e sobre a
importante atuação de Olmsted.)
Os grandes exemplos de Paisagismo, que a cidade não só discutiu, como viu
realizar, foram os dos parques Anhangabaú e Carmo (Pedro II), realizados
em conjunto com o Plano Melhoramentos da capital (1911).
Criou-se, então, um clima de intensa polêmica de que participaram alguns
setores da elite intelectual, acerca das três propostas apresentadas. Foi
quando se chamou o arquiteto Bouvard, antigo colaborador de Alphand na
reforma da capital francesa e diretor dos Serviços de Passeios e Jardins da

145
cidade de Paris, que estava de passagem por São Paulo, voltando de Buenos
Aires onde projetou as reformas urbanas da cidade.
Bouvard fez uma espécie de carta de recomendações, sugerindo, além de al­
gumas reformas viárias, a criação de três parques na cidade: os dois
mencionados e a Praça Buenos Aires (portanto não prevista originalmente no
plano de Martinho Burchard e Victor Nothmann, quando mandaram abrir o
bairro aristocrático de Higienópolis).
De escalas menores, porém com grande requinte de arborização e ajardina-
mento, apareceram praças, largos e jardins, de que se encarregava do projeto
à execução e manutenção a Adminsitração dos Jardins, departamento autô­
nomo criado pelo Prefeito Antônio Prado e encarregado de tudo o que dis­
sesse respeito aos logradouros públicos da cidade, incluindo, por exemplo,
policiamento, licença para instalação de fotógrafos e equipamentos como
bancos, quiosques, etc.

Figura 4 - avenida Paulita, aberta em 1890, e seu primeiro loteamento, com lotes generosos e
arborização ao longo da avenida. (Fonte: TOLEDO, Benedito L. Álbum Iconográfico da
Avenida Paulista.)

146
A leitura dos relatórios de prefeitos durante o período, mostra uma intensa
atividade de arborização, ajardinamento e manutenção dos espaços públicos.
A forma sistemática com que foram arrolados os logradouros, as espécies ve­
getais utilizadas, os coroamentos de canteiros e caldeiras de árvores, inclusive
quantificados, mostram o cuidado e o requinte dessa repartição encarregada
de "embelezar" a cidade; fazem perceber, também, à vista das plantas das in­
fra-estruturas, que a arborização das vias acompanhava muito de perto o de­
senho da iluminação, da água e esgoto, da linha de bonde. Seria a arboriza­
ção, em certo sentido, um elemento da infra-estrutura, ou melhor, seria ela
tão necessária à cidade quanto a infra-estrutura de água, esgoto, luz, a ponto
de ser considerada parte dessa infra-estrutura?
Se as maiores novidades urbanísticas e também as melhores oportunidades
de ação na escala do desenho estavam nas mãos da iniciativa privada, por
outro lado o Poder Público Municipal, através da Administração de Jardins,
tinha atribuições que transcendiam o âmbito do trato do chão público. Em
vários relatórios dessa repartição, encontramos entre os servidores, realizados
plantios, ajardinamento, doação de plantas e até manutenção de clubes, enti­
dades filantrópicas, igrejas, instituições de caridade e até particulares. Não
será por isso, por essa constante superposição, que notamos nas plantas da
cidade de 1930 e nas fotografias de logradouros, tanta homogeneidade em de­
senho e tratamento paisagístico? Finalmente, o paisagismo público, quase
praticamente restrito ao ajardinamento, e a despeito dessa limitação, dotou
os lugares urbanos de uma certa identidade e de um certo significado: o "em­
belezamento", a higienização e a valorização dos seus espaços, ainda que vol­
tados mais à elite do que ao conjunto da sociedade paulistana.

Figura 5 - Planta de um
trecho da avenida
Paulista, em 1930.
(Fonte: SARA, Brasil.)

147
BIBLIOGRAFIA
BARBOSA, Maria do Carmo Bicudo. Tudo como Dantes no Quartel de Abrantes. São Paulo,
Tese (Dout.) - FAUUSP.

LEMOS, A.C. Alvenaria Burguesa. São Paulo, Nobel, 1985.

MARX, Murillo. Nosso Chão: do Sagrado ao Profano. São Paulo, EDUSP, 1989.

MONBEIG, Pierre. Pioneiros e Fazendeiros de São Paulo. São Paulo, Hucitec-Polis, 1984.

OLIVEIRA, Francisco. O Estado e o Urbano no Brasil.

PEREIRA, Paulo César Xavier. Processos e Problemas na Urbanização Dependente. Simpósio


a Metrópole e a Crise, fev. 1985.

ROLNIK, Raquel. Cada um no seu Lugar! São Paulo, Início da Industrialização: Geografia do
Poder. São Paulo. Diss. (Mestr.) - FAUUSP.

SANTOS, Milton. Metrópole Corporativa Fragmentada. O Caso de São Paulo. São Paulo,
Nobel, 1990.

SILVA, Janice Theodoro da. Discurso Ideológico e Organização Espacial. São Paulo, 1554-1880.
São Paulo, Moderna, 1984.

PLANTAS DE SÃO PAULO


SÃO PAULO, (Cidade). Planta da cidade de São Paulo, pela Cia. Cantareira
e Esgotos, São Paulo, 1881.
SÃO PAULO, (Cidade). Planta da cidade de São Paulo e seu arrabaldes, por
Jules Martin, 1890.
SÃO PAULO, (Cidade). Planta da cidade de São Paulo em 1895. Editor Ugo
Bonvicini.
SÃO PAULO, (Cidade). Planta da cidade de São Paulo por, Gomes Cardim.
São Paulo, 1897.
SÃO PAULO, (Cidade). São Paulo. Mappa Topographico do Município.
Sara Brasil, 1930.
Plantas de São Paulo em 1900,1914 e 1928 tomadas dos trabalhos de Raquel
Rolnik e Maria do Carmo Bicudo Barbosa.

148
RELATÓRIOS DA PREFEITURA 1901A 1925
FREIRE, Vitor da Silva, A Cidade Salubre. Revista Politécnica, 1914.
Código Sanitário Estadual 1894.
Código de Posturas 1886.
NOTAS DE AULA
"Apropriação da Terra e Trama Urbana no Brasil" (disciplina cursada em
1989, prof. Murillo Marx).
"Ambiente e Paisagem Metropolitana" Miranda M. E. M. Magnoli, 1990.
NOTAS
(1) O Jardim América, o primeiro bairro aberto pela City, foi desenhado por
Barry Parker, construtor da Ia cidade-jardim, Letchoworth.

149
O MODERNO NA ARQUITETURA
DA PAISAGEM E A OBRA DE
WALDEMAR CORDEIRO

MARCOS CASTILHA

O texto subseqüente se constitui em uma síntese de alguns as­


pectos contidos no relatório final de bolsa de iniciação científica,
intitulado "A arquitetura Paisagística e a Cidade, do Ecletismo
ao Moderno: fundamentos conceituais e rebatimentos espa­
ciais", trabalho este desenvolvido no período de 1988 a 1990. O
referido relatório aborda a evolução urbana e a arquitetura da paisagem,
praticada na cidade de São Paulo, no período de 1920 até fim da déca­
da de 60.
Como tema central deste texto síntese, optamos por um panorama sintético
da produção do artista plástico e paisagista Waldemar Cordeiro, produção
esta de grande riqueza e que merece maior divulgação.

a) - Residências

As alterações verificadas durante o período da São Paulo, "Cidade do Café",


instituíram o espaço livre na residência. Com recuos em todos os limites do
lote, nas residências maiores ou, pelo menos, o recuo frontal e de fundos, na
versão mais simples. Em todas as tipologias, tornou-se inerente a presença da
área verde, "jardim", por menor que fosse.
Na transição e afirmação do moderno, o jardim já tido como um elemento
essencial, ganhou progressivamente novas formas de abordagem. No entanto,
com a mesma força com que permaneceu quase imutável o sistema estrutural
urbano, baseado no lote, quase sempre retangular, também perdurou durante

151
muito tempo um sistema de implantação, dotado de recuos, mas totalmente
tradicional. Mesmo com as modificações a nível de arquitetura, passando pelo
neocolonial e englobando o moderno, teríamos muito forte a forma de im­
plantação com a residência alinhada com os eixos do lote, independente das
dimensões grandes ou pequenas deste.
Esta distribuição dos espaços externos correspondia à uma situação típica de
planta e programas internos. Todas as novas introduções na arquitetura fica­
vam restritas à decoração interna e externa ou algumas soluções construtivas
diferentes. Porém, quando relativas às novas implantações ou programas,
eram barrados pelo conservadorismo paulistano. Por este motivo, durante
este período transitório vigente até o pós-guerra, a partir de quando houve a
explosão real dos preceitos modernos, os programas das residências perma­
neciam muito presos a padrões ainda da São Paulo do Café e do ecletismo: a
mesma hierarquia de espaços, as peças de distribuição interna, o jardim mo­
numental à frente, o "vergonhoso" quintal aos fundos. Isto se mantinha quase
que imutável sob um leque de "casas" neocoloniais, chalés, art-déco e até
"modernistas" .
O tratamento dos jardins, traduzido a nível de piso, organização de circula­
ção, plantação e equipamentos, durante estes tempos de transição, passou por
um processo de falta de identidade. Os conceitos e regras no traçado dos jar­
dins de estilo, com plantas pitorescas e podas complexas, começaram a se in­
viabilizar por dificuldades de manutenção ou exigüidade de terreno.
Mas na seqüência não surgiu uma "nova corrente", com uma nova ideologia e
novas "regras", mostrando como deve ser um jardim belo. Isto só viria a ocor­
rer quando da afirmação definitiva da arquitetura moderna, ampliando o
campo para os paisagistas modernos, a citar de início Roberto Burle Marx.
A "acefalia" citada traduziu-se por um grande número de jardins sem premis­
sas ou ideologias evidentes. Havia uma mistura de elementos, novos e anti­
gos, empregados de muitas formas, mas sem uma intenção arrojada. Muitas
vezes havia o descambo para o aleatório.
As plantas exóticas, neste período, já haviam perdido um bom espaço para a
vegetação nativa. Talvez pela popularização do trabalho de Burle Marx, cujos
primeiros jardins datam já da década de 30. De qualquer modo, as folhagens
tropicais, quando consideradas bonitas, viriam bem a calhar pela sua facili­
dade de manutenção, em detrimento da poda topiária.
Mas a vegetação tropical ainda não despontou com uma abordagem plástica
moderna. Ainda seriam inseridas em concepções tradicionalistas de jardim.

152
No entanto, conseguiríamos divisar, durante este período, alguns exemplares
cujos espaços configurariam agradáveis. O bom resultado especial seria ob­
tido não pela atenção a correntes e teorias, mas pelo emprego da intuição do
próprio paisagista ou "jardineiro".

c) Ilustração - Salada Estilística

154
O termo "jardineiro" é bem propício, pois poderíamos notar na concepção
destes jardins, o emprego de conceitos mais próximos do intuitivo, mais liga­
dos a tradições rurais do que conceitos ligados a uma análise urbanística ou
então análises socioculturais da paisagem.
Mas a modernidade não tardaria a se efetivar: a evolução econômica, a evo­
lução tecnológica, influências externas. Todo um leque de fatores contribuiu
para que cada vez mais se afirmasse uma nova maneira de se conceber a arte,
a arquitetura e também a arquitetura da paisagem.
O pós-guerra, particularmente a década de 50, caracterizou-se pela afirmação
da arquitetura moderna. É uma década que já assumiu um "perfil" bem defi­
nido e com poucos remanescentes dos academicismos.
Nomes que muito anteriormente já haviam se manifestado: Artigas, Nieme-
yer, Levi, etc. seriam agora efetivamente os mestres.
Afirmou-se uma corrente moderna também no paisagismo, que poderíamos,
sem ressalva, atribuir em grande parte ao pioneiro Roberto Burle Marx. Uma
corrente que, no âmbito geral, fez a união entre os aspectos ecológicos nacio­
nais e relativos ao espírito e à natureza, com uma visão urbanística e socio-
cultural. A importância do jardim e da paisagem em seu caráter cultural e na
qualificação da vida urbana.
No âmbito interno ao lote, a residência propriamente dita, conceitos como o
pátio interno, ou integração espaço interno e externo, foram levados às últi­
mas conseqüências. Primeiramente, isto se fez possível com uma grande
renovação nos programas das residências e também na aceitação de novas
formas de implantação. Uma grande alteração foi a incorporação definitiva
da garagem próxima à rua, sem a passagem lateral. Acreditamos que isto se
consolidou também pela popularização do automóvel, trazendo a necessidade
de abrigos mais largos para a acomodação de maior número destes. Mais
inovador ainda seria a localização de áreas de serviço na parte frontal, como
volumes cegos, de grande força formal. Estes liberaram grandes áreas
internas para espaço de lazer.
Houve uma grande quebra com a antiga hierarquia de desvalorização das
áreas de serviço. Quebra tão evidente também, pela eliminação de "compar­
timentos" e integração de áreas como cozinhas e sala de jantar e estar. Inte­
gração é a palavra de ordem2.
O jardim, de modo geral, passou a buscar uma relação de intimidade e de uso
afetivo com o usuário. Uso de lazer, de estar, de retiro, mas tudo isto sob um

155
caráter mais intenso e próximo. Áreas de pequenas dimensões seriam trata­
das de modo a resultarem em espaços intensos. Também os jardins frontais
perderam o caráter "emoldurador" da residência, embora muitos dos arqui­
tetos e paisagistas passassem a concebê-los totalmente abertos para a rua.
Estes últimos passariam a ter uma preocupação com o ambiente da rua e cal­
çada, o todo maior onde a casa se insere. O realce à edificação se faria por
um caráter "convidativo" e não "monumental".
No tratamento específico dos jardins, particularmente em São Paulo, seriam
eleitas definitivamente as folhagens densas e as parasitas: "Monsteras", "Phi-
lodendron", "Marantas'' "Helicôneas", "Embaúbas". Os jardins das décadas de
50 e 60 seriam marcantes pela densa plantação destas espécies.
Roberto Burle Marx, quando da afirmação do movimento moderno, obteve
com sua produção paisagística uma repercussão equivalente a do trabalho de
Oscar Niemeyer. Ambos foram, e são, aclamados como expoentes oficiais da
arquitetura moderna brasileira.
O trabalho de Burle Marx obviamente repercutiu e influenciou a produção
paisagística moderna paulistana, mas não a ponto desta assumir um "rosto
Burlemarxiano", como no Rio de Janeiro. Isto talvez devido às características
climáticas, sociais ou até 'metafísicas'' da cidade de São Paulo, muito diversas
das do Rio de Janeiro, onde Burle Marx fez germinar sua filosofia e estilo,
vinculados à exuberância da paisagem. A feição do paisagismo moderno
paulistano seria moldada por dois outros expoentes: Roberto Coelho
Cardozo e Waldemar Cordeiro. O nome de Roberto Coelho Cardozo é mais
popular no meio especializado da arquitetura. Iniciou seu trabalho no Brasil
por volta da década de 50, período em que chegou ao Brasil vindo de uma
longa estadia nos Estados Unidos, onde teve sua formação acadêmica.
A leitura do embasamento teórico de Roberto Cardozo feita aos nossos dias,
pode parecer um tanto "sem novidades" Isto acontece porque os preceitos
modernistas hoje são inerentes à maneira de projetar. Mas se contrapostos ao
pano de fundo da São Paulo recém-saída do ecletismo, na década de 50, ve­
mos quanto avanço eles representaram.
Falando ainda especificamente dos pressupostos sobre paisagismo, estes po­
dem parecer ainda mais conhecidos ou incorporados. E nada seria mais nor­
mal, já que Cardozo foi formador de uma geração paulista de paisagistas, que
por sua vez já ensinaram outra geração. Os pressupostos de Cardozo, e por
tabela, de Garret Eckbo, foram em grande parte incorporados no ensino do
paisagismo3

156
d) - Pérgula, pátio interno

157
Quando observamos a origem da obra de Roberto Cardozo, vemos que ela
tem raízes na obra de Garret Eckbo nos Estados Unidos. Cardozo foi em
grande parte um defensor das idéias de Eckbo, empregando-as nas condições
tupiniquins. Tivemos neste aspecto uma das principais diferenças, e também a
principal característica da obra de Waldemar Cordeiro. Este foi o criador de
uma outra linha de Paisagismo, autor que criou desde a conceituação e ideo­
logia até as linhas de projeto. Sua corrente foi absolutamente original, não
tendo os traçados ou soluções inspirados em outros traçados e soluções. Os
projetos são fruto puramente de construção sobre um embasamento concei­
tuai.

e) - Projeto Garret Eckbo Projeto Paisagístico de Garret Eckbo. (Fonte: Landscape for
Living.)

158
Waldemar Cordeiro chegou ao Brasil em 1946, tendo realizado estudos artís­
ticos na Academia de Belas Artes de Roma, conhecedor de história da pin­
tura e com desembaraço necessário para realizar aqui, lá pelos idos de 1947,
a pintura da Capela de Santa Rita na Igreja do Bom Jesus, no Bráz. Era já
crítico o suficiente para publicar caricaturas em jornais editados em língua
italiana.
Em 1948 está radicado definitivamente no Brasil. E nesta época, já iniciava
suas pesquisas em função do abandono da arte como "expressão" e da busca
de uma arte "contingente", Cordeiro iniciou sua defesa ferrenha ao abstra-
cionismo nas artes plásticas.
Nos idos de 1949, Cordeiro e um grupo de artistas de São Paulo, como Saci-
lotto, Geraldo de Barros, Kasmer Fejer, Maurício Nogueira Lima e Lothar
Charoux, já pesquisavam conceitos em função da arte concebida racional­
mente: a obra como projeto.

O início da década de 50 marcou o primeiro contato de Cordeiro com o pai­


sagismo. Embora sendo descendente de gerações de seringalistas e filho de
agrônomo, Cordeiro se iniciou nesta atividade por sugestão de Villanova Ar-
tigas. O trabalho mais antigo que se conhece de Cordeiro corresponde a um
projeto em parceria com Artigas.
A partir daí realizou cerca de 200 projetos até o seu falecimento em 1973.
Paralelo a esta atividade, prosseguiram suas atividades de artista plástico e
crítico, sendo o principal "cabeça1, de manifestos como o "Ruptura" de 52, que
reuniu artistas abstratos e concretos, também participou e promoveu expo­
sições como a 1- Exposição Nacional de Arte Concreta.
Suas últimas pesquisas foram em torno da Arte por computador, um pionei-
rismo, desenvolvido no equipamento da Unicamp. O Circuito Eletrônico se­
ria uma forma de se ultrapassar o limite do circuito das galerias de arte, bem
como as distâncias urbanas e descontinuidades espaciais da cidade4
Cordeiro foi líder e teórico do movimento concretista nas artes plásticas em
São Paulo. Talvez não fosse exagero afirmar que as artes plásticas, no sentido
tradicional da palavra, fossem sua verdadeira paixão. O paisagismo surgiu na
vida de Waldemar Cordeiro inicialmente como um meio de subsistência, uma
forma de sustentar o artista plástico. Polêmico e sempre na posição de van­
guarda, preocupava-se intensamente com o conceito, a coerência e o papel de
seus trabalhos. Devido a isto não chegou a produzir tanto sob o ponto de vista

159
quantitativo. "Ele germinava as idéias lentamente e por falta de tempo aca­
bava fazendo poucas obras."5
O conceito popular da obra de arte gira em torno de algo que "representa" ou
"registra" um momento, uma idéia ou situação. Algo cercado de conceitos
subjetivos como "sentir", "exprimir sensibilidade", etc. Também, este conceito
muitas vezes atribui à obra de arte um valor decorativo. A busca, na produção
de Cordeiro sempre foi antagônica a isto, pois ele buscava a arte como uma
"coisa" interativa e participante na vida, comunicação e sociedade. Alguns
poderiam dizer que esta seria uma comparação grosseira, mas poder-se-ia
dizer que, nas aspirações de Cordeiro, a obra de arte assumiria um papel
"fundamental", semelhante a um pilar de concreto, estrutural, abandonando a
posição de somente algo bonito, sobreposto e de certo modo até bem
dispensável da vida.

1^
1 VA V A _ !vA !

A
k^
n VA VA

I’S e m T í t u l o " 1958, e s m a l t e s o b r e c o m p e n s a d o 5í x 51 cm. 0 l


l em p r e g o d o c o n t r a s t e p o s i t i v o n e g a t i v o e d a equivalência i
I f u n d o - f i g u r a . F O N T E : UNA AVENTURA DA RAZÃO |

160
O paisagismo foi uma das formas de arte que permitiu a Cordeiro atingir ou
pelo menos chegar mais próximo de seus objetivos. A solução de um jardim
pressupõe também uma série de adequações funcionais e técnicas, mas per­
mite maiores liberdades formais e cromáticas. Ou seja, seria um campo ri­
quíssimo que Cordeiro saberia aproveitar. Somou ao paisagismo típico, diver­
sos gêneros artísticos, como por exemplo os murais.
Cordeiro aborda a paisagem visando uma coerência ideológica com a vida
moderna e o urbano moderno, bem como a toda sua produção artística. Ela­
borou toda uma conceituação ampla, abrangendo desde as questões pura­
mente formais, a nível do jardim, questões do meio ambiente contrapostas à
cultura e à paisagem urbana.
Pode-se destacar então os seguintes pressupostos:
"A paisagem natural não pode ser considerada como estado florestal primi­
tivo a ser meramente conservado; ao contrário, deve ser considerada dinami­
camente, como riqueza a ser usufruída pelo homem, que lhe dará o contexto
e o uso mais adequado. Desta forma, toda a paisagem, mesmo quando com­
posta apenas por topografia, vegetação, clima e drenagem, será cultural a
partir do momento em que o homem tenciona usufruí-la. É tarefa do paisa­
gista procurar manter, na dinâmica das interações, um equilíbrio nessa pai­
sagem; esta busca de equilíbrio acarreta soluções diversas; desde a conserva­
ção de espécies até a criação de florestas artificiais."6
A arte, englobando o paisagismo, teria um papel fundamental como condi-
cionante do tempo livre. O chamado "tempo livre'' tem fundamental impor­
tância nos conceitos de Cordeiro, sendo definido como o tempo em que as
atividades diretamente produtoras cessam. Este tempo livre seria o momento
propício para a qualificação do corpo e do espírito. Um tempo para a produ­
ção em um sentido diverso do econômico-industrial.
A arte aplicada como paisagismo, paisagem urbana e recreação, teria como
meta a promoção desta qualificação. Os logradouros ou sistemas para o usu­
fruto do tempo livre desenvolveriam as potencialidades e enriqueceriam o in­
divíduo. Este conceito é antagônico e a ditadura da "indústria da diversão" e
seus "sistemas", moldando o tempo livre pelo consumo e pelo lucro, com ati-
n
vidades quase sempre reduzidas a 'passatempos"
Podemos observar que o paisagismo de Cordeiro provém não de regras ou

161
intuições, mas de conceitos fortemente científicos. Os jardins foram construí­
dos sobre estes conceitos. A construção racional chegaria a atingir aspectos
radicais.
A transposição das artes plásticas para o paisagismo foram evidentes no de­
correr de toda a sua produção, mas. ocorrendo de maneiras diferentes nos di­
versos momentos por que passou a sua obra. Os trabalhos de sua primeira
fase exploram uma utilização do terreno como um campo gráfico. O terreno
é tratado como uma pintura ou colagem com o emprego dos materiais co­
muns como plantas, pisos e etc., o caráter "bidimensional" se torna marcante,
entendendo-se o bidimensional não como desqualificação: mas como uma
forma de tratamento feito basicamente no desenho e na cor e não tanto na
volumetria.

h) - 3 Fotos diversas Jardins de Waldemar


Cordeiro: O terreno como um campo gráfico
e os jogos de positivo e negativo. (Fonte:
Arquivo Helena Cordeiro.)

162
Posteriormente, com as incursões em estudos e projetos mais ligados à paisa­
gem em macroescala (parques, etc.), os jardins residenciais são tratados com
novas abordagens. Nesta nova fase, a volumetria assume maior importância
nos planos verticais, as linhas retas e brancas da arquitetura moderna são
contrapostos à vegetação, com interessantes jogos de texturas e cores.

i) - Mural R. Honduras Mural em Jardim Residencial: uma das possibilidades para a arte
participante e integrada à arquitetura. (Fonte: Uma Aventura da Razão.)

163
JARDINS DE WALDEMAR CORDEIRO:

j) - Axonométrica da
Residência Keutenedjan.
Residência Ubirajara
Keutenedjan.
Rua Áustria, 95 - Jardim
Europa
- Projeto: Lauro da Costa Lima
- arquiteto
Paisagismo: Waldemar
Cordeiro -1955 (desenho:
Marcos Castilha - fotos: arquivo
Helena Cordeiro).

Este é um projeto marcadamente pertencente a primeira fase do trabalho de


Waldemar Cordeiro. Pode-se observar nitidamente as transposições do pintor
ao paisagista.
164
A qualidade do espaço, que é tridimensional, é configurada em grande parte
por elementos "bidimensionais". Cordeiro dispõe pisos e plantas baixas em
curvas e deslocamentos geométricos, muito semelhantes às suas experiências
com a pintura.

"Desenvolvimento ótico da espiral de Arquimedes", 1952. Esmalte sobre compensado 71 x 60,5.


Reparem na solução gráfica muito semelhante ao jardim interno da residência Keutenedjan.
(Fonte: Uma Aventura da Razão.)

165
1) Fotos do jardim anterior.
Edifício João Ramalho.
- Rua Ministro Godoy, 360 - Perdizes
- Projeto: Plinio Croce, Roberto Aflalo, Salvador Candia
- Paisagismo: Waldemar Cordeiro - 1963 (desenhos e fotos: Marcos Castilha).

166
m) - Axonométrica do Jardim.

É um belo exemplo da evolução do trabalho de Waldemar Cordeiro, poste­


rior às construções gráficas do gênero do Jardim da Residência Keutenedjan,
embora permaneçam os canteiros e manchas vegetais de limites ortogonais, o
jardim é fundamentalmente estruturado pelos contrastes volumétricos e de
texturas.
Ocorrem jogos cromáticos entre a grama comum (verde clara) e a grama ja­
ponesa (escura). São jogos não tão drásticos quanto o positivo-negativo de
projetos anteriores. Adentrando o espaço, surgem os momentos de estar, com
canteiros de vegetação sortida.
Estes enquadram um eixo de aspecto ameno, dado pela sombra leve de qua­
tro Sibipirunas.
Volumétrico, no térreo, o jardim progressivamente assume um caráter de
campo gráfico quando da sua observação dos pavimentos superiores.

167
O jardim dos fundos é particularmente interessante neste projeto. Cordeiro
deu uma solução revitalizando os tradicionais pátios de recreio e playground
tão comuns aos fundos dos prédios de apartamentos. Aplicou seus conceitos
sobre o tempo livre e estruturação deste, criando uma área de recreio à se­
melhança da experiência com o Clube Espéria: os brinquedos tradicionais fo­
ram substituídos por elementos que visam estimular o potencial criativo de
cada criança, a exemplo do feixe de cilindros ou do quadro negro. A riqueza
do ambiente se faz também pelo fato da perfeita coerência dos brinquedos
com o espaço geral: a vegetação os canteiros e a grande caixa de areia.

169
NOTAS
(1) Até 1937, os esforços do movimento modernista para romper aquelas limitações
tiveram resultados apenas superficiais: Um tratamento arquitetônico externo de inspi­
ração cubista, distribuído com equilíbrio pelas quatro elevações, ocultava, muitas ve­
zes, uma estrutura de paredes de tijolos e uma disposição geral tradicional". REIS
FILHO, Nestòr Goulart. Quadro da Arquitetura no Brasil. São Paulo, Perspectiva. 6a
Edição, 1987, p. 76.
(2) "Em alguns projetos foi tentada mesmo a ligação da sala com o local de serviço,
com a conseqüente valorização social e arquitetônica daquela peça que havia sido a
mais rigorosamente desprestigiada pela organização tradicional: a cozinha.' REIS
FILHO, Nestor Goulart, op. cit. p. 93.
(3) Depoimentos de professores da FAUUSP.
(4) Biografia sintética extraída de: BELUZZO, Ana Maria. W aldemar Cordeiro, uma
aventura da razão. Catálogo da exposição sobre o autor - MAC, São Paulo, 1986, p.
15-35.
(5) CORDEIRO, Helena. Revista VEJA, 6 agosto de 1986, p. 139.
(6) WILHEIM, Jorge. Proposta de Conclusões do Seminário. (Texto de conclusões
sobre a paisagem feito pela Comissão do Seminário, da qual Cordeiro participava.)
São Paulo, Arquivo Helena Cordeiro.
(7) CORDEIRO, Waldemar. O Tempo Livre, op.cit. 4.

170
ROBERTO COELHO CARDOZO - A
VANGUARDA DA ARQUITETURA
PAISAGÍSTICA MODERNA PAULISTANA

DE ALMEIDA CARDOSO

A exemplo das artes em geral, a arquitetura acompanhou uma


série de modificações conceituais, formais e estruturais, que o
modernismo instaurou. Mais do que uma simples transição,
estas transformações formaram, na realidade, uma somatória de
acontecimentos que pouco a pouco marcaram todo um processo
de renovação. Na arquitetura paulistana, especificamente, o modernismo
desencadeou-se lentamente até se consolidar ao término da Segunda Grande
Guerra, após uma série de experiências locais e nacionais, sendo as mais
significativas:
1918: Ricardo Severo expõe o movimento neocolonial, como uma "saída
moderna para a arquitetura do pós-guerra", pregando um movimento racio-
'nalista1.
1922: (11 a 18 de fevereiro) Semana de Arte Moderna no Teatro Municipal
de São Paulo. Movimento de influência nas artes plásticas e literatura princi­
palmente, contando com a participação dos arquitetos A. Moya e George
Przyrembel.
1925: É publicado no Correio da Manhã, no dia 1Qde novembro, o manifesto
de Gregory Warchavchick sobre a Arquitetura Moderna. O artigo tratava os
seguintes pontos:
Tecnologia: seu progresso implica em um novo modo de vida,racionalidade
da construção e beleza de formas e linhas; Casa: máquina habitacional; Ar­
quiteto: não deve se ater ao fachadismo e sim pensar com maior intensidade,
dominar a técnica e exibi-la explicitamente; Homem: não deve viver em meio
a estilos antiquados; Arquitetura: racional e funcional, baseada no estilo do
nosso tempo2
1927: Construção de edifício de apartamentos à avenida Angélica, 172, por
Júlio de Abreu Jr. É atribuído à obra "o pioneirismo de uma excelente arqui-
tetura, que deve ser encarada como a primeira construção moderna da cidade
de São Paulo (ao contrário do que normalmente se afirma)"

171
1927: Construção de casas modernistas em São Paulo por Warchavchick, uma
na rua Santa Cruz, outra no Pacaembu (rua Itápolis, 961) com jardins de
Mina Klabin, que se utiliza de elementos próprios da flora brasileira (influên­
cias do manifesto pau-brasil)4
1937: Construção do Ministério da Educação e Saúde no Rio de Janeiro,
estabelecendo definitivamente o "marco das transformações modernistas no
país"5
1945: Final da Segunda Guerra e do regime do Estado Novo (ditadura), ge­
rando um clima de liberdade notado nas artes em geral. A partir desta época
a imigração viria gerar um grande impulso à construção, trazendo know how
e mão-de-obra abundante.
Pós 45 Consolidação do período.
Durante este período de transição, modificaram-se também na cidade as re­
lações entre edifício e lote. Influenciada pelos palacetes ecléticos, a casa mo­
derna vai isolar-se de sua direta vizinhança, estabelecendo-se ao centro do
lote, todavia utilizando seus espaços livres de maneira mais racional, onde
distribuíam-se as áreas de lazer, estares, circulações e serviços.
Entre os bairros novos, aqueles projetados pela Cia. City, são modelados e di­
rigidos por normas rígidas de loteamento, impondo ao usuário recuos míni­
mos para as construções e farta arborização (bairros-jardins). Os jardins das
residências vão passar a ter um novo significado, colocando a arquitetura pai­
sagística como uma peça-chave no projeto da edificação. Mesmo nos edifícios
de apartamentos (a mais nova opção residencial da época), o jardim vai obe­
decer a um criterioso programa funcional.
Destacam-se nessa área os paisagistas Roberto Coelho Cardozo e Waldemar
Cordeiro (São Paulo) e Roberto Burle Marx (Rio de Janeiro), que juntos
com outros tantos arquitetos, Levi, Pilon, Warchavchick, Artigas, Reidy
M.M.M. Roberto, L. Costa e Niemeyer, dentre todos, iriam compor a van­
guarda da arquitetura moderna, escola de toda uma geração de profissionais
que atuam no campo de projeto e paisagismo nos nossos dias atuais.

SOBRE O PAISAGISTA
Roberto Coelho Cardozo figura-se no campo do paisagismo em São Paulo
como um dos precursores e principais expoentes, deixando além de sua obra
uma verdadeira escola.

172
Em companhia de sua esposa Susan Osborn Coelho Cardozo (ambos gra­
duados na Universidade da Califórnia em Berkley), contribui de forma deci­
siva, via projetos, via conceitos, para a fixação de uma corrente paisagística
norte-americana, a qual se contrapunha à tradicional adotada até então, de
origem européia.
"Sua obra representa uma transposição das idéias de uma corrente de paisa­
gismo americana, que teve início com o paisagista Garret Eckbo6, em termos
• • • 7
de uma realidade brasileira"
O casal Cardozo inicia seus trabalhos projetando para o próprio Garret
Eckbo, destacando-se pelo estilo diferente e inovador. Ao se fixar no Brasil,
adaptam-se à tropicalidade e exuberância de nossa natureza, familiarizando-

173
se rapidamente com as nossas condições climáticas e ambientais, tendo convi­
vido inclusive com Roberto Burle Marx, durante uma breve estadia no Rio de
Janeiro.

0 E S T E R E Ó T I P O DO P A I S A G I S M O R E S I D E N C I A L MODERNO:
P R O J E T O DE E C K B O , P A R A U M A R E S I D Ê N C I A N A C A L I F Ó R N I A

FONTE: L A U R I E . M i c h a e l ; I n t r o d u c i ó n a la A r q q i t e c t u r a dei Paisage, p73.

174
É em São Paulo, porém, que Cardozo encontra sua afinidade concentrando a
maior parte de sua obra, contida nos seus projetos de jardins e na ideologia
transfigurada em artigos e publicações.
O paisagista define o profissional como: "uma pessoa que procura imediata­
mente tornar mais agradável a paisagem, compreendendo as finalidades que
envolvem o círculo de valores culturais que influenciam o projeto local; nestas
bases o planejamento adequado está na uniões de todos fins vagos e indefini­
dos"8
Através desses e de outros conceitos publicados em revistas especializadas9,
pode-se sistematizar seu método de projeto afirmando que o trabalho do pai­
sagista caracteriza-se principalmente por dois atributos, a história natural e a
reflexão artística10. Tais atributos levam a uma função de adaptação, onde
cada projeto deve ser aplicado e adaptado a um caso particular, e portanto,
não estabelecendo princípios fixos.
Quanto às espécies vegetais, observa-se em seus projetos a simplicidade na
escolha e a cíareza nas linhas. Cardozo leva muito em consideração a árvore
como um elemento vivo (não como uma escultura imóvel), caracterizando-a
como um agente controlador do clima uma vez constatada a atenuação das
bruscas variações de temperatura com o desenvolvimento de vegetais1
Com a divisão do elemento vegetal em três zonas, raízes (agindo sobre a ter­
ra), a zona de superfície e, finalmente, a zona superior (contendo tronco e
copa), o paisagista mostra uma sua constante preocupação com a exata
combinação entre espaços vegetados e espaços construídos .
Em seu trabalho, o arquiteto coloca o indivíduo como peça-chave para a ela­
boração dos espaços. A escolha do elemento vegetal e do construído está di­
retamente ligada ao programa do jardim e ao tipo de usuário que o fre­
qüenta, sempre tentando atingir um equilíbrio na solução encontrada. A
questão da posição do sol é de fundamental importância, pois define as áreas
sombreadas. As visuais devem ser sempre enquadradas proporcionando bem-
estar, valorizando ponto de interesse e estabelecendo referências ao indiví-
duo1*
Enfocando principalmente o homem e a natureza, Cardozo tenta sempre
atingir uma interação mútua entre ambas as partes. Em seus projetos (tanto
nos de grande, como nos de pequeno porte), a geometrização é uma caracte­
rística marcante, utilizando retas, ângulos e polígonos em meio a semicírculos
e curvas estudadas.

175
AcreUita que o caminho mais curto entre dois pontos nem sempre é uma
reta, mas sim aquele mais agradável e elegante. Pisos, muretas e bancadas se
distribuem ao longo de espaços vegetados, trabalhados sempre em três níveis
de abordagem (forrações, arbustos e árvores), criando uma espécie de jogo
de volumes entre pisos, barreiras e coberturas.
OBRAS CATALOGADAS DE ROBERTO COELHO CARDOZO
Acervo da Biblioteca da FAUUSP:
01. Residência Zacharias.
01a. Igreja Jd. Maracanã, 1969.
02. COSIPA (Cubatão-SP).
03. Edifício D. Pamphilli.
04. Av. 23 de Maio (PMSP).
Rua São Julião e Praça Roosevelt.
05. Ed. Av. Angélica 366 e 382.
Oswaldo Quirino Simões.
06. Parque Jd. Aclimação (PMSP).
07. Escola de Osasco. SENAI (Osasco-SP), 1967.
08. Escola SENAI (São Caetano-SP).
09. Residência Hélio Correa, dez. 1968.
10. Clube de Campo da Associação Paulista de Medicina. 1965.
11. Fazenda Marajó (Campinas-SP), 1967.
12. ECKBO.
13. SENAI - Ipiranga, abr. 1968.
14. Residência lida Zarzur, 1962-63.
15. Projeto MM, out. 1968.
16. Conjunto Pátio Tropical, jun. 1966.
17. Residência Ivo Aruparato, 1969.
18. Negepar - Arquitetura, 1967 Morumbi/SP.

176
19. Chácara Flora, 1962-63.
Cliente: C. Woolsy.
20. Residência Alfred Rosenthal (SP),, jan. e fev. 1952.
21. Residência Jorge Arruda, ago. 1962.
22. Residência Vicente Teixeira.
Av. Morumbi 2740 (Praça Um).
23. Estância Serra Negra, mar. 1962.
24. Residência Nemi Dozman.
Rua Itália 100 (Jd. Europa, SP), 05-09-68.
25. Conjunto Residencial Jd. da Aclimação, jun. 1955.
(Aclimação, SP).
Cliente: Alexandre Marcondes.
26. Fece-Perus (Bassari).
27. Casa de Cláudia.
Rua Nordestinos c/Av. Morumbi.
28. Residência Antonio Costa Neto.
Rua Itapanhan. Pacaembú, SP.
29. Praça Alfredo Issa, out. 1969.
30. Escola SENAI (Guarulhos, SP).
31. Concurso de Estudos para modelação da Praça Coronel Salles
(S. Carlos, SP).
32. Residência Jorge Cunha Lima, ago., 1965.
33. CESP Xavantes - Paisagismo.
Local: Xavantes. 1968-69.
34. Subestação de Botucatu (SP).
Cliente: USELPA Usinas Elétricas do Paranapanema (incorporada à
CESP).

177
NOTAS
(1) LEMOS, Carlos A.C. "Os três Pretensos Abridores de uma Porta Difícil". A sso­
ciação Museu L asar Segall, Warchavchick, Pilon, Rino Levi: Três M om entos da A rqui­
tetura Paulista. São Paulo, FUNARTE/MUSEU LASAR SEGAL, 1983, p. 3-6.
(2) BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo, Perspectiva,
1981, p. 383-384.
(3) XAVIER, Alberto; LEMOS, Carlos; CORONA, Eduardo. Arquitetura M oderna
Paulistana. São Paulo, PINI, 1983, p. 01.
(4) ASSOCIAÇÃO MUSEU LASAR SEGALL, op. cit. p. 3.
(5) REIS FILHO, Nestor G. Quadro da Arquitetura no Brasil. São Paulo, Perspectiva,
1987, 6a ed., p. 88.
(6) De origem califomiana, Garret Eckbo revoluciona o campo do paisagismo, tra­
zendo inovações para o uso das áreas livres, seja nos jardins residenciais, nos grandes
espaços públicos ou ainda no planejamento ou desenho urbano. A clareza, simplici­
dade e objetividade em seus conceitos básicos são características notadas neste profes­
sor e paisagista, que transpôs seu ideal para São Paulo, através da ponte estabelecida
pelo fiel e companheiro aluno, Roberto Coelho Cardozo. ECKBO, Garret. The A r to f
Home Landscaping. New York, Dodge, 1956.
(7) ABBUD, Benedito. Um procedim ento em pesquisa: A Obra do Arquiteto Paisagista
Roberto Coelho Cardozo. São Paulo, FAUUSP, 1974.
(8) CARDOZO, Roberto Coelho. Acrópole, n. 198, p. 284-285, abr. 1955.
(9) Além de conceitos sobre metodologia de trabalho, Cardozo também publica arti­
gos comentando várias aplicações, em textos específicos, como por exemplo:
- Uso, aspectos construtivos e manutenção da ardósia. In: A crópole , n. 316, p. 36-37,
abr. 1965.
- Comparação de espaços criados por vegetais "versus” espaços arquitetônicos. In:
A crópole , n. 196, p. 176-177, jan. 1955.
- Paisagismo Industrial - crítica ao espaço externo neste tipo de utilização do solo. In:
A crópole , n. 205, p. 09-11, nov. 1955.
- Áreas de Entrada - aspectos funcionais das áreas semi-públicas. In: A crópole , n. 195,
p. 133-135,1954.
(10) História Natural - "Base que reveste os trabalhos de paisagismo de um cunho
científico". Reflexão Artística - "Em cada projeto, do seu cenário próprio, de suas par­
ticularidades naturais e culturais que exigem uma sensibilidade amadurecida". CAR­
DOZO, Roberto Coelho. A crópole, n. 198, p. 284-285, abr. 1955.
(11) CARDOZO, Roberto Coelho. Acrópole, n. 196, p. 176-177, jan. 1955.
(12) Problemas construtivos referentes as três zonas citadas:
- Ia zona - caixa de vegetação, encanamentos e fundações;
- 2a zona - pisos e calçamentos;
- 3a zona - coberturas, pérgulas ou similares.
(13) "Considerações sobre Planejamento" por Roberto Coelho Cardozo. In: A crópole ,
n. 204, p. 537-539, out. 1955.

179
EDIFÍCIO SÃO M I G U E L , 1966
PISO PAVIMENTADO
RUA CONSELHEIRO B R O T E R O , 1378
TTTTTTtr PISO PLANTADO HIGIENÓPOLTS
FONTE: ARQUIVO BIBLIOTECA FAUUSP

181
o 10 20 30m

SEDE SOCIAL SÃO PAULO CLUBE


(ANTIGA RES. DA. VE R T D I A N A PRADO
A VENIDA H I G I E N Ó P O L I S , 18
HIGI E N Ó P O L I S
FONTE: AEROFOTOS, FOTOS DO L O C A L ,
E L E V A N T A M E N T O "IN LOCO"

183
Antigo jardim da res. Da.
Veridiana Prado (Vila Maria,
executado por Diebeiger e Cia.,
durante o Ecletismo.

Desenho obtido a partir de fotos


da época (Arte e Jardim, p. 21),
apontamento sobre a residência
(Silvio S. Macedo. In:
Higienópolis e Arredores, p. 51-
153 e levantamento
aerofotogramétrico.

"..Adotado na formação do
parque o stylo do parque francês,
criaram-se extensos gramados.
Estes últimos tendo os grupos de
árvores mais desenvolvidas
permittirão attrahentes
perspectivas sobre o nobre
palácio...”

DEBRBERGER E CIA In: Arte


Jardim, apud. MACEDO, S. c it., v » l.a i*iaaiA V i^t-a r» m r i
p. 151.
...COMPARADO AO
MODERNO, EXECUTADO
NO MESMO LOCAL.

Contrapondo-se ao jardim
eclético (que emoldura a
edificação), Roberto Coelho
Cardozo propõe estabelecer
planos diferenciados
(construídos e vegetados),
unidos por percurso que os
integra. A casa deixa de ser um
~ ~~ --------- — — elemento focal, tomando-se um
v»i_a hakia v/ vs^ta Portico elemento integrante.

186
ESTUDOS AMBIENTAIS
FLORESTAS: OBJETO OU
INSTRUMENTO DE PRESERVAÇÃO?

WANTUELFER GONÇALVES

Do que se pode apreciar das leis existentes no Brasil, verifica-se


que o país é pródigo em leis ambientais, ainda que elas sejam
redundantes e deficientes em alguns casos. O Código Florestal é
a lei maior no tocante à preservação de sítios e de florestas, mas
peca por inverter o sentido de preservação, tratando a floresta
como o objeto, quando em muitos casos ela é, na realidade, o instrumento de
proteção.
Defende-se uma revisão do Código Florestal para acompanhamento da evo­
lução do pensamento ecológico, onde o preservacionismo tem evoluído para
um tecnicismo no tratamento dos problemas ambientais.
A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
Um estudo acurado das leis ambientais e florestais no Brasil pode revelar que
o país é pródigo em leis de conservação, ou pelo menos não existe falta de
leis (Swioklo, 1990), ainda que elas sejam redundantes e deficientes em al­
guns casos.
A Constituição Federal é genericamente superficial e filosófica ficando a efe­
tividade das leis por conta de outras leis federais, estaduais e municipais. Nela
é reconhecido o direito ao meio ambiente equilibrado, impondo ao poder pú­
blico o dever de defesa e preservação (Capítulo VI, art. 225). Para efetivação
desse direito ela exige a criação de espaços territoriais de proteção (art. 225,
parágrafo 1Q, inciso III) e os estudos de impacto ambiental para instalações
(inciso IV), obrigando à recuperação do ambiente minerado (art. 225, pará­
grafo 2Q). A política para o ambiente urbano tem seus primeiros traços na
Constituição (art. 182), mostrando o caminho para isso: o plano diretor mu­
nicipal (art. 182, parágrafos l e e 2Ô).
A primeira lei de caráter ecológico e ambientalista, no entanto, foi a Lei ne
23.793, de 23 de janeiro de 1934, revogada em 15 de setembro de 1965 pela
Lei nQ4.771 e alterada em 18 de julho de 1989 pela Lei nQ7.803, atualmente
em vigor e conhecida como Código Florestal.

189
Figura 1 Locais de vegetação permanente pelo Código Florestal.

O Código Florestal versa sobre preservação de florestas (art. l ô) e, indireta­


mente, indica as características paisagísticas e as áreas com aptidão para
áreas verdes e de lazer nos municípios. O art. 2Q(Figura 1) especifica os lo­
cais onde a vegetação natural, supostamente existente, deve ser preservada: às
margens e ao longo dos rios (alínea A; incisos 1 a 5); margens de lagoas,
lagos e reservatórios de água (alínea B); nascentes (alínea C); topos de
morros, montes, montanhas e serras (alínea D); encostas (alíneas E e G);
restingas e mangues (alínea F); e em altitudes elevadas (alínea H).
Além das especificações locais a preservação é estabelecida no código para as
florestas e demais formas de vegetação com destinação específica (art. 3Q)
como: atenuação de erosão (alínea A); fixação de dunas (alínea B); proteção
de rodovias e ferrovias (alínea C); defesa do território nacional (alínea D);
proteção de sítios especiais (alínea E); proteção de fauna e flora (alínea F e
G); e asseguração do bem-estar público (alínea H).
Saindo da passividade do "já existente" para a ativação do "mandar fazer1, o
Código Florestal estabelece a criação (art. 5S) de parques nacionais, esta­
duais, municipais e reservas biológicas (alínea A) e de florestas nacionais,
estaduais e municipais (alínea B). A preservação espontânea de florestas fora
dos termos desta lei encontra apoio no art. 62 que assegura o direito de per-
petuidade para as florestas particulares consideradas de interesse público.

190
A Lei nc 4.771 permite a exploração das florestas de domínio privado (art.
16), ressalvadas as situações previstas nos arts. 2Q e 3Q, com algumas res­
trições como: preservação de 20% das florestas nativas, primitivas ou regene­
rada, em cada propriedade, nas regiões Leste meridional, Sul e na parte sul
da Centro-Oeste (art. 16, alínea A); para a região Norte e parte norte da re­
gião Centro-Oeste essa porcentagem é de 50% (art. 44); proibição de derru­
bada de florestas primitivas quando para ocupação do solo com culturas e
pastagens, permitindo-se apenas extração de árvores para produção de ma­
deira (art. 16, alínea B), permitindo-se instalação de novas propriedades agrí­
colas em apenas 50% da área da propriedade; tolerância de exploração so­
mente se for controlada para os maciços de pinheiro brasileiro na região Sul
(art. 16, alínea C); e permissão para o corte de árvores nas regiões Nordeste e
Leste setentrional somente com observância de normas técnicas específicas
(art. 16, alínea D).
Essa floresta de preservação exigida e denominada "reserva legal" deve ser de,
no mínimo, 20% da propriedade, devendo ser averbada na margem da inscri­
ção de matrícula do imóvel para evitar alterações futuras (art. 16, parágrafo
2e), aceitando-se como parte integrante, nas propriedades com área entre 20
e 50 ha as áreas ocupadas com maciços frutíferos, ornamentais ou industriais
(art. 16, parágrafo 1Q). Para os cerrados a reserva legal é estabelecida em
20% (art. 16, parágrafo 3Q). Essa reserva legal é prevista também nas áreas
loteadas, onde se admite um agrupamento em condomínio (art. 17).
A Lei ns 6.902, de 27 de abril de 1981, dispõe sobre a criação de estações
ecológicas e áreas de proteção ambiental. A Lei nc 6.938, promulgada quatro
meses após, complementa o Código Florestal transformando as florestas de
preservação em estações ecológicas, nos sítios já previstos no código.
Os estados elaboram políticas florestais criando leis que complementam as
federais, chegando a particularidades interessantes com órgãos específicos
como é o Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais e a Política de Re­
posição Florestal, implantada pela Secretaria do Meio Ambiente no Estado
de São Paulo, com atuação das associações de Recuperação Florestal (Reso­
lução SMA-3, portaria DEPRN-9) (Gonçalves, 1991-a). Além dos estados, o
nível de detalhamento é completado nas leis orgânicas e nos planos diretores
municipais.
PRESERVAR OU CONSERVAR?
A legislação brasileira, no que diz respeito ao meio ambiente e às florestas, é
de conformação mais política do que técnica.

191
Historicamente Viola (1987) identifica três fases no movimento ecológico
brasileiro: uma primeira fase dita "ambientalista com denúncia de degradação
ambiental nas cidades e nas comunidades alternativas rurais"; uma segunda
fase dita "de transição" caracterizada por uma politização explícita progres­
siva; e uma terceira fase dita de "opção política", caracterizada por opção
partidária pelos militantes ecológicos. Dentro desse movimento político o
autor ressalta quatro posições: os ecologistas fundamentalistas, os ecologistas
realistas, os ecossocialistas e os ecocapitalistas.
Tecnicamente Gonçalves (1991-b) relaciona uma progressão nos conceitos
ecológicos partindo de uma idéia inicial de preservacionismo, passando pelo
protecionismo e conservacionismo para culminar com a idéia do tecnicismo, a
análise paralela entre as posições políticas e os conceitos técnicos leva a uma
identificação dos conceitos preservacionista e protecionista com os ecologis­
tas chamados fundamentalistas, enquanto que os conceitos conservacionista e
tecnicista se identificam com a posição dos ecologistas realistas.
O preservacionismo, início do movimento ecológico, mas ainda hoje presente
em muitos ecologistas, inclusive nos legisladores, é um conceito no qual o
meio ambiente e as florestas devem ser tratados como um objeto intocável,
sem direito a uso. Esse conceito desconhece a interação social, o processo,
que caracteriza o ambiente humano em contraponto "a inércia de um estado
ou de um objeto" (Magnoli, 1987).
O conservacionismo, ao contrário, apoiado no protecionismo, permite a par­
ticipação interativa do homem e reconhece o ambiente como um processo
onde mudanças e alterações são às vezes necessárias para acomodação e
bem-estar social. Essas mudanças, quando bruscas ou exageradas, com rom­
pimento do processo por inobservância dos conceitos protecionistas, impli­
cam na evolução para um conceito tecnicista onde há a criação de tecnologia
específica para solução de problemas ambientais advindos da interação social.
A legislação florestal brasileira é eminentemente preservacionista e contrasta
com a necessidade de evolução dos conceitos técnicos relativos ao meio am­
biente.
OBJETO OU INSTRUMENTO?
Detectado o caráter preservacionista da legislação florestal brasileira e defi­
nindo "objeto de preservação" como o elemento que deve ser preservado em
contraposição ao "instrumento de preservação" como o elemento que propor­
ciona a preservação de outro elemento (Figura 2) passa-se à análise de alguns
artigos da Lei.

192
A Lei nc 4.771, Código Florestal, no seu art. l e, reconhece as florestas como
instrumento de preservação, considerando-as "de utilidade às terras .que re-
vestem1' No seu art. 2Q define as situações onde elas devem ser preservadas,
ou seja, imunes à exploração: às margens e ao longo dos rios; ao redor de la­
goas, lagos e reservatórios de água; nas nascentes; no topo de morros, mon­
tes, montanhas e serras, nas encostas, nas restingas e mangues, nas bordas de
tabuleiros; em grandes altitudes. Além disso, no art. 3Qespecifica a preserva­
ção por destinação: atenuar erosão; fixar dunas, formar faixas de proteção;
auxiliar a defesa nacional; proteger sítios especiais; asilar fauna; assegurar
bem-estar público. Nesses artigos fica clara a função de mero instrumento
quando o objeto de preservação são os sítios, diretamente; os corpos d’água,
indiretamente e as vidas, em primeira instância. Em casos assim caberia o
conceito conservacionista podendo as florestas serem exploradas através de
um manejo sustentado, permanecendo o sítio sempre protegido pelo rema­
nescente.
As florestas são reconhecidamente objeto de preservação em outros artigos
da Lei nô 4.771: na criação de parques e florestas, estaduais e municipais para
resguardo de paisagens, de espécimes vegetais ou com propósitos educacio­
nais; na autorização para preservação de maciços particulares de interesse
público e nas chamadas reservas legais. Em casos assim o conceito preserva-
cionista tem que ser usado em toda a sua plenitude quando o que interessa é
a preservação da vegetação e não o sítio em que ela se encontra.

Figura 2 - Florestas como objeto e como instrumento da preservação. Adaptado de Gonçalves


(1991).

193
CONCLUSÕ ES
A análise da Lei nQ4.471, Código Florestal, à luz do pensamento ecológico e
da evolução política e técnica do país, procurando uma posição funcional das
florestas no contexto ambientalista permitiu concluir que:
a) A legislação florestal brasileira é marcadamente preservacionista e as leis
são de conformação mais política do que técnica.
b) Evidenciada uma evolução nos conceitos ambientalistas, partindo de um
preservacionismo para um tecnicismo, as leis não têm acompanhado essa
evolução.
c) O Código Florestal, apesar de reconhecer a floresta como "instrumento'' de
proteção em alguns casos, não diferencia o tratamento de quando ela é "ob­
jeto", determinando preservacionismo em todos eles.
Em face disso, acredita-se que seja o momento de uma revisão no Código
Florestal, na procura de uma visão mais moderna para o pensamento ecoló­
gico.
BIBLIOGRAFIA

a) Trabalhos:
/

GONÇALVES, W. A Legislação Florestal e as Areas Verdes Urbanas. São Paulo,


FAUUSP, 1991, 42 p.
_______. Am biente e Urbanização: uma revisão de conceitos. São Paulo, FAUUSP,
1991, 31 p.
MAGNOLI, M. M. Recursos humanos e meio ambiente. In: Paisagem e Am biente
Ensaios II. São Paulo, FAUUSP, 1987.
SWIOKLO, M. T. Legislação Florestal; Evolução e Avaliação. In: CONGRESSO
FLORESTAL BRASILEIRO, 6o, Campos do Jordão, 1990. A nais. Campos do
Jordão, SBS/SBEF, v. 3.1990, p. 53-58.
VIOLA, E. J. O m ovim ento ecológico no Brasil (1974 1986): D o A m bientalism o à
Ecopolítica. 1987.

b) Legislação:
Lei n° 4.471, de 15 de setembro de 1965 - Código Florestal.
Lei n° 6.902, de 27 de abril de 1981 - Criação de Estações Ecológicas e Áreas de
Proteção Ambiental.

194
Lei n° 6.938, de 31 de agosto de 1981 - Política Nacional do Meio Ambiente.
Resolução SMA-3, de 6 de fevereiro de 1990 - Normaliza cumprimento de Reposição
Florestal.
Portaria DEPRN-9, de 9 de agosto de 1990 Regula o procedimento da fiscalização
para o transporte de produtos de florestas plantadas.

195
Laboratório de Programação Gráfica

Coordenadora de Projeto e Produção Gráfica


Márcia M aria Signorini

Projeto Gráfico
José Tadeu de Azevedo Maia

Diagramação e Arte Final


Vicente Lemes Cardoso
André Luiz Ferreira
Robson Brás Teixeira

Composição e Revisão
Stella Regina A. A. Anjos
José Anastácio de Oliveira
Ivanilda Soares da Silva
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Fotomecânica e Montagem
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Supervisão de Produção
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Impressão
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Horácio de Paula
José Gomes Pereira
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Acabamento
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Maria Julia Vieira Santos
Ercio Antonio Soares
Sidinei Lindolpho de Britto

Reprografia
Vera Lucia Rodrigues Nascimento
Ana Maria Santana

Composição, fotolitos e impressão ofsete


Laboratório de Programação Gráfica da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo
Composição em microcomputador sobre filme de poliéster Laserfilm
Matrizes Times Roman medium, italic nos corpos 10, 12 e 14
para o texto e Times Roman bold nos corpos 10, 12 para os subtítulos
Papel Magnum Super Print linha d’água - Ripasa 75 g/m para o miolo e
lcterprint - Pirahi 240 g/m para a capa
Lorilleux
500 exc olares - Setembro 1992.

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