Maria Angela Faggin Leite - Paisagem. Natureza. Atitudes Do Homem - Paisagem Ambiente Ensaios n.4 - 1982
Maria Angela Faggin Leite - Paisagem. Natureza. Atitudes Do Homem - Paisagem Ambiente Ensaios n.4 - 1982
Capa
Prof. Dr. Silvio Soares Macedo
Paisagem e ambiente. —São Paulo, FAUUSP, 1982.
195p. : il.; 21 cm. —(Ensaios; 4)
Distribuição
Universidade de São Paulo
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
SEÇÃO DE PUBLICAÇÕES
Rua do Lago, 876, Cidade Universitária
CEP 05508-900 - São Paulo - SP
Fone 8133222 Ramal 3722
APRESENTAÇÃO
4
SUMÁRIO
P R O J E T O E PL A N T A Ç Ã O
FUNDAM ENTOS
A PAISAGEM, A NATUREZA E A NATUREZA DAS ATITUDES
DO HOMEM 45
Maria Angela Faggin Pereira Leite - Bióloga, mestre pela FFLCH-USP,
doutorado FAUUSP, professora e pesquisadora do Grupo de Disciplinas
Paisagem e Ambiente do Departamento de Projeto FAUUSP.
PAISAGEM E HABITAT 89
Mário Ceniquel - Arquiteto, mestre, doutorando pela FAUUSP, pesquisador do
Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, professor de Paisagismo na
Universidade Santa Ursula, Rio de Janeiro.
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CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONCEITUAÇÃO DE ESPAÇOS
PÚBLICOS 113
Fany Cutcher Galender Arquiteta formada pelo Mackenzie, atua com o
arquiteta paisagista e professora de Paisagismo na Faculdade de Belas Artes de
São Paulo, mestrado em andamento pela FAUUSP.
H IS T Ó R IA E P A ISA G E M
6
E S T U D O S A M B IE N T A IS
7
PROJETO E PLANTAÇÃO
A VEGETAÇÃO COMO
ELEMENTO DE PROJETO
11
Cria-se toda uma escola de desenho dos espaços livres públicos, que são den
samente arborizados, muitas vezes cercados por gradis, possuindo fontes, es
culturas e outros elementos decorativos. Os grandes espaços, sejam eles par
ques ou praças, possuem extensos gramados, sempre procurando-se uma
construção cênica de caráter nitidamente romântico, onde a idéia de buco-
lismo é dominante.
Na segunda metade do século, na Paris reformada por Haussmann abrem-se
os grandes "boulevards", avenidas de largas calçadas e densamente arboriza
das, que servem como padrão às outras cidades. No Brasil, na cidade de São
Paulo do fim do século, o mais novo bairro destinado às elites, o Higienó-
polis, tem como codinome "Boulevard Burchard", indicando o caráter de suas
ruas todas largas e arborizadas "tal qual as de Paris" Na mesma época é
aberta também na capital a avenida Paulista (1891), também toda arborizada.
Por toda a cidade, a princípio nos bairros de elite e depois pelos subúrbios
novos destinados às classes médias, a arborização surge como um padrão de
urbanização. Do mesmo modo, no Rio de Janeiro, na segunda década do séc.
XX é aberta a avenida Central, também calçada nos padrões dos boulevards
parisienses e um marco referencial do urbanismo nacional.
Paralelamente, a introdução do plantio de árvores nas ruas se consolida em
um novo modelo de assentamento da residência no lote, isolada em contra
ponto ao padrão colonial de prédios isolados entre si. Surgem dentro do
contexto urbano brasileiro as figuras dos jardins, parques, praças, alamedas,
ruas arborizadas, pocket parks, calçadões, etc. São então estruturas espaciais
que se perpetuam, típicas da cidade contemporânea, e para cada uma delas
pode-se considerar que o seu desenho depende em grande parte da forma
pela qual é utilizada a vegetação e portanto da postura projetual adotada.
Este artigo se propõe então a colocar algumas formas de se elaborar com a
vegetação, quando em processo de projeto de um espaço livre urbano, seja
ele praça, parque, etc., apresentando uma postura desenvolvida, durante o
tempo de nossa prática de ensino de projeto de paisagismo para arquitetos,
dentro da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São
Paulo. Este posicionamento é resultado da adoção do preceito de que a ve
getação é um elemento estruturador de espaços urbanos, podendo defini-los
total ou parcialmente, posição esta que difere de uma visão clássica entre
muitos projetistas de que as plantas, sejam elas árvores, arbustos ou for-
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rações, não passam de meros elementos decorativos, complementares a
qualquer projeto seja ele de espaço livre ou edifício.
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é simplificada dentro do conceito figura-fundo onde o edifício é a figura e a
vegetação, arvoredo ou o gramado se constitui em um cenário de apoio.
14
do espaço livre com uma figura geométrica, no caso o cubo, pois como ele
todo espaço possui paredes, tetos e pisos, isto é vedos, coberturas e pisos.
17
fe y ifo Z
18
O uso de formas diversas de agenciamento só foi introduzido na metade do
séc. XX e ainda não são formas de opções aceitas por todos, especialmente
por falta de conhecimento de tais possibilidades. Estas formas permitem a
criação de múltiplos espaços de estar e circulação, que se contrapõem total
mente às limitadas possibilidades dos padrões tradicionais, aumentando em
muito as alternativas do arquiteto da paisagem no seu ato de projetar.
Estes critérios alternativos podem ser adotados tanto na concepção de uma
praça, como se observa nos esquemas gráficos, como no agenciamento de
canteiros, parques e demais espaços livres.
Se por exemplo desejamos organizar um espaço qualquer, como o campo a
seguir, com árvores de dois diferentes formatos (cilíndricas e tipo ''palmei-
ras") arbustos e relvados, as possibilidades de organização são com certeza
das mais diversas, da mais óbvia e clássica até muitas outras mais.
Todo o trabalho com vegetação na realidade se estrutura na organização de
maciços de árvores ou de arbustos associados entre si ou não, sempre rela
cionados com as situações de relevo e com os pisos, formações ou pavimen
tações. Podem os elementos-indivíduos, árvores ou arbustos, eventualmente,
de acordo com a intenção projetual, encontrarem-se também isolados dentro
do espaço, então colocados como elementos balizadores e escultóricos.
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A SELEÇÃO DO MATERIAL E O PROJETO
Dentro do território brasileiro inúmeras são as formas de associação vegetal
encontradas, da típica Mata Atlântica aos extensos cerrados e coqueirais ca
racterísticos das praias quentes do Nordeste do país e todas estas formações
sugerem muitas alternativas a se adotar, parcial ou totalmente, em um
projeto.
g^TCOTORA H O K X a ê N ^ - cc>9UEl&*r
25
Tem -se que um dos princípios básicos da moderna arquitetura paisagística
brasileira prescreve a adoção exclusiva de espécies nativas do país em todo e
qualquer projeto. São utilizadas freqüentemente espécies oriundas da Mata
Atlântica, muitas delas facilmente adaptáveis às áreas urbanas, do cerrado e
outras vezes espécies advindas da Mata Amazônica. Esta postura que favore
ceu e favorece à criação de um repertório próprio ao país em termos de ele
mentos de desenho dos projetos paisagísticos (no caso os jardins e parques)
foi radicalmente defendida e adequada pelos paisagistas modernos, no pe
ríodo entre os anos 50 e 80, e é atualmente de certo modo criticada em seu
exagero.
Este fato se deve principalmente à percepção que se tem hoje da extrema
adaptabilidade às condições climáticas do país de um sem número de ele
mentos vegetais importados, eucaliptos, pinheiros, coqueiros e muitos mais,
que já foram assimilados pela cultura popular e podem sempre colaborar na
formulação e configuração das áreas livres e da paisagem como um todo.
De qualquer modo, esta posição de se aceitar uma "mistura” de espécies não
pode limitar a pesquisa de novas espécies brasileiras a serem incorporadas ao
repertório do projeto de plantação do Brasil, que deve sempre ser incenti
vada, pois a existência de novas linhas projetuais se favoreceu enormemente
com a adoção preponderante de plantas típicas e suas associações, criando
condição para isso e determinando a formulação de uma identidade própria
do projeto paisagístico brasileiro, antes quase que limitado à cópia de ma
nuais ingleses e franceses.
OS VEDOS - ÁRVORES E ARBUSTOS
A partir, então, da idéia que se pode organizar espaços exclusivamente por
intermédio da vegetação, tem-se que neste universo árvores e arbustos podem
ser considerados os elementos básicos para a constituição dos vedos ou pla
nos verticais. Tanto uns como outros, oferecem diversas possibilidades e for
mas de organização espacial e nestes casos sempre existe a contraposição dos
padrões clássicos aos modernos.
No caso da arborização à tradicional e convencional forma de agenciamento
de árvores isoladas, mais ou menos eqüidistantes umas das outras, ou alinha
das em aléias bem comportadas pode-se contrapor a idéia da criação de pla
nos diversos, que por si só podem definir pátios, clareiras, caminhos, etc.
Esta primeira idéia de arvoredo plantado separado, cada elemento eqüidis-
tante de seu vizinho é facilmente encontrada na maioria dos espaços urbanos
projetados por leigos ou projetistas pouco informados das possibilidades de
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plantio e portanto de criação de planos e espaços com as árvores. Os dese
nhos a seguir mostram algumas possibilidades de arranjo, desde a forma
mais clássica, encontrada inclusive nos jardins da Universidade de São Paulo
e no Parque da Quinta da Boa Vista (Rio de Janeiro). Em muitos casos esta
indicação de adoção de outras formas de organização espacial não implica
necessariamente na exclusão das tradicionais, que devem sempre continuar a
fazer parte de um repertório projetual de qualidade, que quanto maior e mais
diversificado melhor poderá atender às necessidades de cada situação.
VOLUMETRIA
As árvores na concepção de projetos paisagísticos podem ser associadas a al
guns tipos-padrão de volume. Estes caracterizam-se basicamente pela forma
de suas copas que podem ser cilíndricas, cônicas, em leque, etc. e quando as
sociadas entre si oferecem múltiplas possibilidades na criação de ambientes,
ora muito sombreados, ora muito claros, ora muito envolventes ao usuário, e
possibilitam diversas formas de circulação por entre seus troncos.
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DISTANCIAMENTO
O fator distanciamento constitui-se outro elemento fundamental no projeto
com plantas especialmente no tocante às árvores em especial. Geralmente o
projetista iniciante se atém ao projeto da área recoberta pelas suas copas e
esquece que o espaço está sendo construído para pessoas às quais será ofere
cida a alternativa de circular ou não em meio aos seus troncos. Este fato, da
não percepção da importância do distanciamento, se justifica por uma visão
tridimensional limitada do espaço a ser projetado e do produto final dese
jado, pois se projeta "convencionalmente” pensando-se nas árvores como co
bertura, teto, e se minimiza a importância da sua percepção pelo usuário,
sempre um pedestre, sempre em confronto com planos verticais, constituídos
também por troncos!!!
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Quanto mais próximos os troncos, naturalmente mais Hifir.il será o caminhar
e maiores e mais extensas poderão ser, conforme o caso, as áreas de sombra.
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contam no projeto de plantação com vegetação e devem ser constantemente
repensadas como:
1. Adequação ao solo: mesmo que a planta, no caso árvore, arbusto, etc. per
tença a província vegetal correspondente à área em que está localizado o ter
reno, este se estiver empobrecido, ou por exemplo se constituir em cobertura
de um aterro sanitário, terá dificuldades de aceitar um plantio e deve ser
adequadamente tratado para receber qualquer plantação.
2. Formas de associação: possíveis geneticamente, nem todos os vegetais
podem conviver uns com os outros e, sendo que na competição por espaço,
muitos podem ser eliminados por seus oponentes, prejudicando a concepção
original do projeto, de modo que um conhecimento prévio das espécies a se
rem implantadas é indispensável.
3. Orientação solar, como na produção de um projeto de arquitetura é fun
damental em um projeto de plantação o posicionamento dos seus elementos,
especialmente vegetais em relação ao Sol, tanto em questão da sua sobrevida,
pois existem aqueles indivíduos que necessitam da luz solar, ou aqueles que
necessitam de sombreamento total, tanto na criação de espaços mais ou me
nos ensolarados para o usuário (um parque infantil deve por exemplo possuir
muitas áreas de meia sombra de modo a proteger as crianças dos efeitos no
civos da radiação solar em horários de Sol a pino).
ARBUSTOS
No caso do trabalho com arbustos estes se apresentam no imaginário de um
observador comum sempre de uma forma típica, ou como elementos criado
res de cercas vivas ou como elementos balizadores, escultóricos de gramados
e canteiros, pois é desta forma que são utilizados tradicionalmente em nossas
cidades, nos jardins públicos ou privados.
Adotando-se os pressupostos colocados anteriormente, também com arbusto
existe a possibilidade, de por intermédio de outras formas de agenciamento,
da criação de espaços e subespaços diversos.
Esta é uma forma de agenciamento ainda pouco explorada no país, pois so
mente alguns paisagistas tem em sua obra exemplos significativos de uso da
vegetação arbustiva com o objetivo da criação de espaços e subespaço's, como
é a caso de Roberto Burle Marx, Roberto Coelho Cardoso, Benedito Abbud
e outros.
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Como elementos de projeto, os arbustos permitem uma diversificada forma
de uso e apresentam-se volumetricamente em uma infinidade de formas, ta
manhos e cores. Os arbustos mais que as árvores apresentam-se em formas,
cores e volumes diferenciados, alguns se assemelhando a pequenas árvores,
outros se mostram finos e pontiagudos, verdadeiros elementos escultóricos,
outros possuem folhagens de cores diversas e outros se apresentam muito
altos, como os bambus, que em alguns casos chegam a ter mais de 5 metros
de altura, outros ainda permitem ao homem sua modelagem em várias
formas. Este tipo de modelagem é obtido por intermédio de poda constante,
e foi uma forma característica de uso dos arbustos e, muitas vezes, das pró
prias árvores em diversos momentos da história da arquitetura paisagística,
encontrando-se exemplos de tal prática dos jardins e parques do
renascimento, até no arvoredo dos bairros de elite durante o período do
Ecletismo Brasileiro (metade do séc. XIX até os anos 50) e até em modernos
jardins e praças desenhadas sob a égide do pós-modernismo.
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38
trições a um uso contínuo. Este fato pode ser observado claramente nos cam
pos de futebol, onde apesar da alta manutenção apresentada observa-se nas
suas áreas de maior uso por jogadores, uma total falta de cobertura de grama,
caso do meio de campo e das proximidades das traves de gol. Ainda assim são
os gramados de todos os tipos de formação os mais comumente utilizados
sejam em áreas públicas ou privadas, de parques a conjunto habitacionais.
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Como no caso dos arbustos, a utilização de forrações tem sido ainda muito
pouco explorada, pois à exceção de alguns profissionais de renome, que por
um motivo ou outro obtiveram condições ideias de trabalho no tocante a sua
utilização, tanto de manutenção como de custos e de disponibilidade espacial
para sua colocação. Este é outra vez o caso de Roberto Burle Marx que em
alguns de seus melhores projetos explora largamente o potencial das for
mações como material de construção de pisos - verdadeiros tapetes ricamente
desenhados. Como exemplo deve-se notar o Aterro do Flamengo na cidade
do Rio de Janeiro, onde utiliza gramados de tons diversos para construir
pisos em volta do Museu de Arte Moderna (MAM),balho no tocante a sua
utilização, tanto de manutenção como de custos e de disponibilidade espacial
para sua colocação. Este é outra vez o caso de Roberto Burle Marx que em
alguns de seus melhores projetos explora largamente o potencial das for
mações como material de construção de pisos - verdadeiros tapetes ricamente
desenhados. Como exemplo deve-se notar o Aterro do Flamengo na cidade
do Rio de Janeiro, onde utiliza gramados de tons diversos para construir
pisos em volta do Museu de Arte Moderna (MAM), ou parques particulares
de Odete Monteiro e Nininha Magalhães, onde explora a variação de cores
na busca de elementos diversos para a composição de um cenário requintado.
No dia a dia projetual, mesmo no caso de parques públicos, o uso dos grandes
gramados predominam, pois tem sido o material mais indicado devido ao fato
das vantagens, já referidas, de manutenção e resistência, perdendo-se de fato
e portanto contigências reais as condições excepcionais de exploração das for
rações como material de projeto. Como os arbustos, as forrações oferecem
posssibilidades múltiplas de uso, de acordo com os graus de processamento
que se deseja implementar, dos pisos mais processados aos mais rústicos e
podendo ser aplicadas tanto em áreas de sombra ou de sol, de acordo com a
espécie e a linha projetual adotada.
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40
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.41
FUNDAMENTOS
A PAISAGEM, A NATUREZA E A NATUREZA
DAS ATITUDES DO HOMEM
45
A forma pela qual a paisagem é projetada e construída, reflete, de perto,
certos gostos e modas que se baseiam, tanto na observação objetiva do am
biente, quanto em conceitos filosóficos permanentemente em evolução.
Desde que se admita que a paisagem é uma mistura de arte (caracterizada
pela escolha) e ciência (caracterizada por fatos objetivos), é possível compre
ender que suas modificações, a renovação das formas antigas ou a criação de
novas formas que atendam a novos estilos de vida, são dependentes das con
quistas em cada um desses campos, dependentes do valor que é atribuído a
eles em cada momento.
Em resumo, mais importante que as mudanças da noção de paisagem são as
mudanças da nossa capacidade de captar-lhe a essência, de compreender algo
que preexiste a nossa compreensão 4
Até o séc. XVII a distinção entre as artes e as ciências, se era reconhecida,
era muito mal definida. É aceito de maneira geral, que a fundação da Royal
Society, em 1660, constituiu um marco do reconhecimento formal da ciência
como algo diferente das artes5 Infelizmente, essa distinção é a raiz dos
muitos problemas existentes para o entendimento da atração que a paisagem
exerce sobre as pessoas, de muitas formas diferentes. Para que o contato com
a paisagem se dê simultaneamente através de seu conhecimento e interpreta
ção e da experiência individual e coletiva a seu respeito, é necessária uma
aproximação maior entre seu lado artístico e seu lado científico. A paisagem,
ao contrário de outras formas de arte, é efêmera. Seus princípios de organi
zação, assim como os da arquitetura, da pintura, da música e da literatura,
são constantemente questionados e modificados pela evolução da sociedade,
das ciências e das técnicas. Entretanto, essas outras formas de arte possuem
um tipo de registro que permanece através dos tempos, o que não acontece
com a paisagem que, ao assumir novas feições, anula as anteriores ou con
serva delas apenas alguns vestígios.
PAISAGEM DOS OBJETOS
46
das pessoas. A escolha e a disposição dos elementos construídos obedeciam a
princípios filosóficos, religiosos e morais. A contemplação da natureza,
freqüentemente, era uma forma de fugir da monotonia de uma paisagem
fragmentada, composta por uma coleção de objetos dispostos de forma a
melhor atender às necessidades básicas da população.
Os jardins suméricos eram, na verdade, uma praça fechada contra o mundo
hostil, implantados geometricamente, sendo seu conteúdo básico formado por
árvores e canais de irrigação. Esses jardins, objeto de veneração, eram a ex
pressão concreta da filosofia da inevitabilidade que decorria das precárias
condições de uma vida, cuja finalidade era a contemplação de um futuro
eterno e sereno, simbolizado pelo céu 6
A primeira expansão formal da área habitacional, em direção ao ambiente
circundante, surgiu com os parques de caça assírios, decorrência da domesti
cação dos cavalos. Essa idéia de expansão continuou marcando a paisagem
persa: Persépolis foi construída sobre um imenso patamar que se projetava
para dominar visualmente o vale abaixo.
Os assentamentos muçulmanos incorporaram à expansão para o ambiente,
uma maior integração entre o interior e o exterior (a casa e o jardim). Esse
procedimento com relação à continuidade dos espaços livres e edificados, in
fluenciou grandemente a paisagem da Espanha após as invasões muçulmanas.
Na índia mongólica, a paixão intuitiva pela natureza, que os imperadores
mongóis herdaram de seus ancestrais, foi igualada pelas preocupações de in-
tegrar os edifícios com o entorno, herança muçulmana: enquanto a geometria
dos jardins permanecia tradicionalmente monótona, havia a concepção ino
vadora de uma paisagem exterior grandiosa e selvagem7
Na índia antiga, a fertilidade da natureza dava ao povo inclinação, tempo e
condições espirituais para a contemplação metafísica. A maior preocupação
era tornar visível o mundo invisível, onde a espiritualidade humana desem
penhava um papel importantíssimo no significado da vida.
Na China, ao contrário, o código moral de Confúcio, tinha um caráter mais
comportamental do que religioso. A ênfase no culto da solidão, no individual
e não na comunidade, na harmonia interna instintiva e não na aparência exte
rior regrada, levou a uma sensibilidade especial com relação à paisagem: seus
elementos básicos eram as pedras, as montanhas e as águas silenciosas; as
fronteiras entre os espaços foram eliminadas ou ao menos subdimensionadas;
a imaginação, tal como o espírito, devia correr livre em espaços amplos e
abrangentes.
47
Também no Japão, onde a imensidão do céu e do oceano dominavam e até
mesmo oprimiam as ilhas, a relação com a paisagem desenvolveu-se mais
através dos elementos do universo como um todo do que através dos ele
mentos da vida cotidiana.
48
As leis eram a base da administração civil e militar e o senso de obediência e
respeito surgiu da rigorosa disciplina que era imposta aos cidadãos. Entre
tanto, em contraste com os poetas gregos, para os quais a paisagem era algo
épico a ser conquistado9, os poetas romanos tinham uma original e criativa
apreciação da beleza da paisagem10
As civilizações da Antigüidade estiveram tão profundamente impregnadas
pelo sentido de adaptação e sobrevivência humana, que sua paisagem, na
maior parte das vezes, ficou reduzida a uma conseqüência da disposição de
elementos que satisfizessem às necessidades essenciais do corpo ou do espí
rito. Seu conjunto era sempre fragmentado, freqüentemente fechado para o
mundo exterior, com o aspecto técnico dominando ou até mesmo anulando o
aspecto estético.
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trovadores e os escritos da época descrevem a paisagem das florestas como
uma imagem idílica do mundo12.
Entretanto, o sentido de isolamento da comunidade dentro de um mundo
hostil, levou a sociedade a um estado de espírito segundo o qual todos os ob
jetos materiais eram encarados como símbolos de verdades espirituais ou epi
sódios das Sagradas Escrituras13
Os elementos naturais, numa primeira etapa, foram observados individual
mente e simbolizavam qualidades divinas. Numa segunda etapa, sua observa
ção passou a dar-se a partir de um conjunto que pudesse ser abrangido pela
imaginação e que, no seu todo, representasse a perfeição: surge o jardim me
dieval, que tinha como característica comum o espaço fechado, íntimo, empa
redado, fortemente defendido contra o mundo exterior. Todo o espaço dispo
nível era funcionalmente usado para o plantio de alimentos ou ervas medici
nais.
A Idade Média constituiu, de fato, um período histórico de transição, rico no
reexame de antigas idéias, na adaptação de velhas técnicas a novas situações,
uma era de busca de novos caminhos14 No final do período, com o afrouxar
do conflito político, o desenvolvimento do comércio e a acumulação de rique
zas, os jardins, ligados inicialmente a uma paisagem fechada e fortemente
defendida, tornaram-se maiores e mais elaborados, desenhados para o prazer
e não só para a utilidade.
Houve uma mudança filosófica, exigindo um novo sentido de unidade: o ho
mem já não se satisfazia com a reunião de preciosos fragmentos da natureza
num conjunto perfeito; havia uma nova idéia de espaço, onde tudo começava
a ser unido pela luz15
Essa idade de paisagem mais emocional do que intelectual, influenciou o fu
turo de dois modos diferentes: a) como inspiração para o romantismo dos
sécs. XVIII e XIX; b) como um estandarte estético da composição assimé
trica, quando o artesanato, componente essencial desse período, associou-se à
estética renascentista; esta combinação deu início àquilo que Kenneth Clark
define como "civilização"16, inaugurando uma fase na percepção da paisagem
marcada por um novo sentido de espaço.
Existem duas razões que explicam esse momento: a primeira, de ordem so
ciológica, que reconhecia a necessidade de usufruir do caráter real do lugar
onde se desenrolava a vida das pessoas e pelo qual tão recentemente se havia
lutado para conservar; a segunda, de ordem filosófica, expressava a consciên
cia de que o homem era livre para questionar o funcionamento da natureza17
50
Esse período, que teve início na Itália, refletia sinceramente o espírito do seu
tempo: a paisagem era uma composição simples, harmoniosa e unificada e
seu conjunto demonstrava perfeitamente o entendimento dos fatos físicos e
intelectuais que entravam na sua composição, numa inspirada combinação de
conceito e lugar.
A teoria propunha que o jardim fosse fortemente ligado à casa e à paisagem
circundante por terraços, alpendres e outras extensões, recomendadas para
vencer as dificuldades dos terrenos e permitir a vista das colinas e dos -cam
pos. Além disso, os jardins eram concebidos como retiros que promoviam o
encontro de intelectuais, estudantes e artistas, para trabalhar e debater sobre
música, ciência, literatura e arquitetura1 .
Enquanto a Igreja permanecia implacável na defesa da teologia existente, re
sistente às críticas do comportamento moral que levaram à Reforma e alheia
às descobertas astronômicas, os jesuítas, cujo entendimento dos conflitos da
mente humana era muito agudo, iniciaram um processo fundamental de
ruptura com relação à teologia medieval19 A base dessa ruptura era a acei
tação de mudanças nas relações do homem com o universo, garantindo uma
maior influência humana sobre a forma de seu próprio destino.
Isto levou a uma nova concepção de espaço que influenciou todos os campos
do conhecimento, especialmente o Paisagismo e o Planejamento das cida
des20 O novo entendimento da paisagem marcou o fim de uma era, eliminou
o jardim ortodoxo e preparou o caminho para a harmonia da geometria or
ganizada com as formas naturais, que viria a ser a base da revolução inglesa
da paisagem, no séc. XVIII.
No séc. XVII, a França atingiu seu maior período de riqueza e poder e, como
conseqüência, tornou-se o centro difusor do bom gosto na Europa. O desen
volvimento da arte dos canteiros e de uma nova teoria de desenho da paisa
gem, que considerava o homem como o centro do universo, preparou o ter
reno para o celebrado trabalho de André Le Nôtre, em meados do séc.
XVII21
O norte da França, onde o período teve início, é relativamente plano e flo
restado e os jardins, portanto, tendiam a aparecer como clareiras na floresta.
A topografia devia ser tratada com sutileza para possibilitar a diferenciação
de níveis que permitisse a visão do conjunto da paisagem. Além disso, era di
fícil conseguir unidade entre os novos jardins e as construções existentes,
protegidas por fossos e fortificações. Tornou-se óbvio que, apenas cons
51
truindo simultaneamente novos edifícios e jardins, poder-se-ia obter o efeito
de unidade entre os espaços edificados e os não edificados.
O eixo central fortemente definido, a simetria absoluta, as proporções mate
máticas e a perspectiva infinita da paisagem francesa do séc. XVII, refletiam
tanto a riqueza, o poder e a estrutura social rígida da França, quanto o con
ceito emergente da ascendência do homem sobre a natureza e, principal
mente, dos direitos divinos do Homem sobre os homens.
A paisagem barroca era visualmente limitada pela floresta circundante e os
jardins eram desenhados para serem usados por muitas pessoas ao mesmo
tempo; eram o centro do poder, com todas as funções políticas, diplomáticas
e de entretenimento que isso implicava.
A paisagem tornou-se fantástica, teatral, concebida para o desenvolvimento
de um drama, onde as pessoas eram os atores e não mais os filósofos.
A PAISAGEM IDEAL: ALGUNS MARCOS FUNDAMENTAIS DO
SÉC. XVIII
Por volta de 1700, a Igreja tinha perdido o apoio das classes influentes e edu
cadas, que passaram a defender a idéia de que o deus que devia ser cultuado
era a Nação e não o Deus do Testamento.
Essas idéias eram apoiadas por um sonho de "paraíso terrestre", onde a har
monia entre o homem e a natureza, numa simplicidade primitiva, levaria a
uma vida terrena espiritual e materialmente gratificante, dentro dos limites
da nação. A discussão dessas idéias filosóficas, os estímulos das grandes
viagens, a moda de colecionar trabalhos de pintores italianos do séc. XVII,
tudo contribuiu para o surgimento de novas idéias estéticas.
Dentro dessa revolta contra a ordem estabelecida, foi de especial significado
para a paisagem que, para ajudar a preencher o vácuo espiritual que pertur
bava os pensadores do séc. XVIII, Leibnitz e Voltaire passaram a se interes
sar pelos conhecimentos recentemente adquiridos na China. Os escritos de
Confúcio foram traduzidos e estudados, promovendo uma atitude diante da
vida, muito mais moral do que teológica2 . Em oposição a isto, mas sempre a
favor da revolta contra a ordem, colocava-se Rousseau, que defendia o re-
23
torno à natureza
Entretanto, sob toda a dialética e toda a semântica que caracterizaram os
pensadores do séc. XVIII, podia-se encontrar idéias que eram mais realísticas
do que quaisquer outras dos períodos precedentes, porque eram asserções
não somente sobre filosofia da estética, mas sobre a paisagem real, visível.
52
Foi William Gilpin quem, entre 1768 e 1776, pela primeira vez, apresentou
avaliações descritivas de lugares reais, relacionando seus atributos físicos com
a resposta emocional que eles despertavam.
É nesse momento que se encontra, pela primeira vez, uma explosão de entu
siasmo, resultante da efetiva união de duas correntes até então paralelas: o
pensamento filosófico e a experiência prática da paisagem24
A possibilidade de identificar fontes de beleza na natureza, trouxe também a
possibilidade de selecionar apenas o mais belo, eliminando o resto e cons
truindo paisagens mais bonitas. Os líderes desse movimento voltaram-se en
tusiasticamente para os pintores, com a finalidade de descobrir uma escala de
valores que permitisse, dentro do ambiente real, ligar os conceitos abstratos
de beleza ao arranjo das árvores, gramados, pedras e água.
O novo desenho da paisagem foi influenciado pela união de três escolas
opostas de pensamento: 1) o Classicismo Ocidental, originado do barroco
italiano e da grande monarquia francesa, que toda a Europa copiou e dispu
tou; 2) a Escola Inglesa, em revolta contra o classicismo da paisagem (em
bora não da arquitetura) e a favor de uma expressão paisagística totalmente
nova e liberal; 3) a Escola Chinesa, cujos princípios de irregularidade (mas
não de simbolismo) a tal ponto se confundiram com os da Escola Inglesa que
ficaram conhecidos no continente europeu como princípios anglo-chineses
Os três principais paisagistas ingleses do séc. XVIII foram Willian Kent
(1684/1748), Lancelot Brown (1715/1783) e Humphry Repton (1752/1818).
Quando Kent começou a trabalhar profissionalmente, encontrou a moda pai
sagística inteiramente dominada por André Le Nôtre, lider do gosto paisagís
tico na Europa. Os padrões geométricos e regulares dominavam os grandes
parques, como também os jardins menores. A água, usada para fins orna
mentais, era confinada por margens circulares ou retangulares. Avenidas liga
vam um ponto focal a outro. As vistas eram cuidadosamente selecionadas
para transmitir a impressão de regularidade.
Tudo isso foi modificado por Kent, substituído por uma abordagem mais
flexível e fluente. A forma dos caminhos, avenidas e corpos de água tornou-se
curvilínea e irregular. Os agrupamentos de árvores e os espaços abertos, até
então empregados para anular as linhas naturais da paisagem, passaram a ser
desenhados para enfatizá-las.
Ao mesmo tempo, a demanda de matéria-prima, como conseqüência da Re
volução Industrial, começou a dizimar as grandes florestas dos séculos
53
anteriores, reduzindo, assim, o número de animais cuja caça tinha
determinado a criação de parques reais (assírios, persas e mesmo franceses).
Animais menores, particularmente a raposa, tornaram-se o principal alvo dos
caçadores, o que requeria campos mais abertos para a prática desse tipo de
esporte26
Fortemente influenciado por Kent, com quem trabalhou, Brown surgiu como
um dos mais influentes aperfeiçoadores do jardim inglês. Para ele, uma das
funções principais dos jardins era guiar os visitantes no desfrutar das belezas
naturais. Sua atenção e influência, embora tenha consolidado a posição de
Kent, foi também responsável pela destruição de históricos jardins renascen
tistas na Inglaterra.
Repton, sucessor de Brown, foi um inovador especialmente sensível às então
emergentes idéias da Escola Pitoresca. Seu trabalho era, quase todo, baseado
na "associação", palavra encontrada nos escritos da maioria dos filósofos do
séc. XVIII. Em 1790, Archibald Alison publicou "Essays on the nature and
principies of taste", onde destaca como pontos principais da teoria da
associação: a) o prazer estético não provém das quaüdades intrínsecas dos
objetos percebidos, mas das seqüências de idéias que, por associação, eles
sugerem; b) tais seqüências de idéias, devem estar conectadas por algum tipo
de encadeamento, devem ser capazes de produzir emoções e não podem ser
submetidas a análises racionais; c) as quaüdades estéticas dos objetos
percebidos devem ser considerados como sinais ou expressões que, de acordo
com a constituição da natureza individual, podem produzir emoções27
Esses princípios da teoria da associação, combinados aos padrões estéticos
que predominariam no séc. XIX, marcaram o início da visão moderna da pai
sagem28
A PAISAGEM ROMÂNTICA DO SÉC. XIX: O BELO, O SUBLIM E
E O PITORESCO
Ao final do séc. XVIII, a idéia de reconhecer a beleza não apenas na ordem
de uma paisagem "domesticada", mas também nas paisagens "selvagens", es
tava em total sintonia com o início do movimento do Romantismo.
A recolocação dos papéis relativos desempenhados pela razão e pela imagi
nação, a preocupação com a überdade, a ênfase no trabalho como forma de
superar os obstáculos, que impediam a realização dos ideais humanos, en
contraram expressão no envolvimento do homem com os processos naturais e
tornaram-se fundamentais para o desenvolvimento da criatividade que mar
cou o séc. XIX.
54
Anthony Ashley Cooper, Conde de Shaftesbury, filósofo liberal, influenciou
decisivamente o pensamento estético do séc. XIX, ao lançar mão do sublime,
até então um termo apenas literário, como explicação para as emoções des
pertadas pela paisagem. Shaftesbury afirmava que "na tentativa de abraçar o
infinito, nós experimentamos o sublime. O sublime é a experiência que temos
ao contemplar fenômenos naturais muito grandes para serem compreendidos
pelos sentidos ou pela imaginação"
O que dominava a época era um excessivo desejo de escapar, através do ro-
• • 30 •
mance, ao racionalismo opressivo que caracterizou o séc. XVIII As atitu
des da socieade com relação à natureza, tendiam a se afastar do formalismo
para o extremo oposto, o romantismo.
O coração do movimento romântico europeu estava na Alemanha. As escuras
florestas nativas, as montanhas e os vales dos rios de um país que nunca es
teve sob a ocupação romana, foram o cenário perfeito para o desenvolvi
mento do romantismo como uma filosofia "natural". Entretanto, o roman
tismo alemão estava muito mais voltado para a música, a literatura e a filoso-
91
fia do que para a paisagem : Goethe explorou, mais ampla e profundamente
do que ninguém, a mente humana e sua relação com o ambiente, respon
dendo igualmente ao classicismo e ao romantismo; Richard Wagner expres
sou musicalmente o sonho romântico alemão; a paisagem alemã, no entanto,
era, ainda, um resultado de desunião política e econômica que caracterizava o
país.
Na Inglaterra, o romantismo surgiu como reação a um ambiente insuporta
velmente comprometido com a febre da Revolução Industrial. Com a expan
são ferroviária cortando o território, com crescimento incontrolável das cida
des e dos subúrbios, com os interesses nacionais voltados à obtenção de ma
téria-prima, o início do séc. XIX viu a Inglaterra num lamentável estado de
decomposição ambiental, recorrendo ao romantismo, através da visão pito
resca, como um meio de resgatar a paisagem idílica representada pelos pinto
res do séc. XVII.
Mesmo que exista muita controvérsia sobre quando a visão pitoresca da pai
sagem apareceu pela primeira vez, o ano 1794 é um marco da sua aplicação
ao paisagismo, com a publicação do "Essay on the picturesque'', de Uvedale
Price . No mesmo ano, Richard Payne Knight escreveu um poema intitulado
"The landscape", onde exprime em versos os mesmos princípios que Price
exprimiu em prosa.
55
Price, Kmght e Gilpin (que trabalhou no assunto quase trinta anos antes),
diferiam consideravelmente nos detalhes de suas interpretações sobre o pito
resco. Entretanto, eles tinham alguns pontos em comum: a) todos concorda
vam em que as emoções despertadas pela paisagem não se encerravam nas
considerações sobre o belo e o sublime, mas havia uma terceira categoria, o
pitoresco, que evocava as qualidades da pintura paisagística do séc. XVH;
b) todos tinham em comum a crítica a um estilo de paisagismo que considera
vam insípido, monótono, destituído de qualquer excitação, caracterizado por
alguns poucos artifícios estereotipados.
Essa comunhão de interesses foi suficiente para permitir o início da Escola
do Pitoresco , onde se defendia que as qualidades que deveriam ser vistas
numa paisagem eram a textura, a rugosidade, a assimetria, a irregularidade, o
segredo, o inesperado e, sobretudo, a impressão de uma situação natural ao
invés de planos artificialmente construídos.
Em constraste com o belo, que requeria variações realizadas gradualmente,
ou não dramaticamente e com o sublime que exigia o despertar de emoções
fantásticas, as qualidades exaltadas pelos defensores do pitoresco eram a mu
dança súbita e um grau de variação suficientemente amplo para abranger ex
tremos, incorporando aspectos por um lado belos e por outro sublimes.
Na América, o Romantismo encontrava sua maior expressão em Andrew
Downing, cujas teorias paisagísticas incorporavam ao trabalho de Repton os
princípios do pitoresco.
Downing popularizou o Romantismo na América criando paisagens à ma
neira inglesa, mas tendo o cuidado de enfatizar as qualidades características
do ambiente local.
Enquanto a Escola Européia do Pitoresco pôde adotar, quase sem restrições,
a Teoria da Associação, proposta por Alison em 1790, na América, essa dou
trina mostrou-se inaceitável em sua essência, porque sugeria como ideal as
associações com ruínas e relíquias, mitos e lendas, uma condição que dificil
mente poderia ser atingida na paisagem "selvagem" do continente.
56
A adoção de uma associação entre aspectos informais e aspectos arquitetôni
cos num estilo de paisagem que reconhecia as restrições e as potencialidades
de cada lugar, lançou as raízes de uma nova filosofia paisagística fortemente
defendida por Frederick Olmsted. O desenvolvimento dessa filosofia culmi
nou com o entendimento definitivo de cidade e campo como um conjunto
único, numa seqüência fluente de espaços edificados e não edificados.
O plano do Central Park e sua posterior implantação trouxe tanto a consciên
cia da importância de preservar um dos mais preciosos recursos do período
industrial, as áreas não urbanizadas das cidades, como o iniciou o movimento
por um sistema nacional de Parques.
Além do despertar da consciência ambiental, estimulado pelo Movimento
Romântico, um processo que começou, mas não se completou, no séc. XVIII,
a grande contribuição do séc. XIX foi uma profusão de idéias que tornaram
possível a compreensão da paisagem como uma criação de extrema impor
tância no desenrolar da vida das pessoas.
57
dora. Além disso, ocorreram mudanças básicas de estrutura, que deram
forma ao mundo moderno35
No início do século, o centro difusor da cultura ainda era a Europa, e o que
chegava aos outros continentes eram modismos, subprodutos das tendências
que surgiam a partir do contexto político, econômico e social europeu e,
portanto, só ali poderiam se justificar.
Entre 1893 e 1920, a paisagem da América foi inteiramente dominada pelo
classicismo europeu. As maiores cidades da América do Sul, como Rio de Ja
neiro, São Paulo e Buenos Aires, exibem, ainda hoje, importantes obras de
arquitetura que, à época de sua concepção, compunham uma paisagem clás
sica ditada pela Escola de Belas Artes de Paris, árbitro do período para tudo
o que era considerado esteticamente belo.
A mesma observação se aplica ao "City Beautiful Movement", nos Estados
Unidos, cuja ordem rigorosamente clássica fazia contraste violento com o es
quema romântico de Downing.
Entretanto, entre 1918 e 1945, o aparecimento dos Estados Unidos e da
União Soviética como superpotências, a conseqüente alteração de posição da
Europa, o colapso e transformação dos antigos imperialismos (britânico,
francês e holandês), o ressurgimento da Ásia e da África no cenário político
internacional, o reajustamento das relações entre os povos, caracterizou um
período de transição, de tendências confusas e incertas. O aspecto mais signi
ficativo desse período é o seu caráter mundial, conseqüência da industrializa
ção, da vida urbana, da produção de massa, das novas formas de comunica
ção, da civilização tecnológica.
O paisagismo entrou no séc. XX marcado por um legado teórico que era de
espírito essencialmente agrário. Essa abordagem se adaptava muito mal às
novas paisagens de subúrbio da cidade industrial. Na América, entretanto, a
disciplina já estava suficientemente desenvolvida para permitir o surgimento
de várias frentes de avanço, a maioria das quais de fundo pseudo-romântico
que, apesar disso, serviram de inspiração à luta de identificar e humanizar a
paisagem do mundo da produção de massa36
Em 1929, o educador americano John Dewey publicou o livro "Experiência e
Natureza", que, de certo modo, foi a semente do pensamento paisagístico do
séc. XX. O "Naturalismo Americano", como ficou conhecido o movimento
iniciado por Dewey, tinha como mensagem principal a de que a beleza não
está nem nos objetos em si, nem nos olhos do observador, mas deve ser des
coberta na relação entre o indivíduo e o ambiente, no que, em resumo, De
58
wey chamou de "experiência de paisagem". A partir daí, propôs três impor
tantes corolários: 1) desde que a experiência é um contato recíproco entre o
indivíduo e o que ele experimenta, a distinção entre percepção e expressão é
uma distinção sem significado, porque ambas são componentes de uma única
relação, isto é, o indivíduo pode expressar ou não sua experiência, mas a per
cepção sempre existe; 2) desde que há umà variedade infinita de condições
ambientais, existe também a possibilidade da experiência estética tomar inu
meráveis formas; 3) toda experiência se dá através de mecanismos
biológicos37
Naturalmente, Dewey não estendeu suas teorias aos diversos campos do co
nhecimento mais do que o necessário para estabelecer sua validade geral. En
tretanto, sua filosofia era o mais promissor ponto de partida para as pesquisas
na estética do paisagismo. Isso fez com que se tornasse imprescindível traba
lhar em detalhe, a conexão entre a experiência e a paisagem, sendo o
primeiro passo, necessariamente, a aplicação dos princípios gerais da filosofia
estética proposta às situações ambientais reais.
Na Europa, Christopher Tunnard concebeu a teoria funcionalista como res
posta ao absolutismo do "Art Nouveau", que dominava a estética. Essa teoria
tinha três linhas principais: 1) a abordagem funcional, segundo a qual os valo
res estéticos residem na economia dos meios de expressão e no descartar das
"velhas roupas do passado", que são os estilos; 2) a abordagem empática, se
gundo a qual a natureza não deve ser olhada como um refúgio da vida, mas
como um estímulo para o corpo e para a mente, não podendo, portanto, ser
copiada, sentimentalizada ou dominada; 3) a abordagem artística, segundo a
qual a busca sem proveito da beleza decorativa é uma atitude de qualidade
discutível e, portanto, deve ser secundária no processo de criação
Foi após a Segunda Guerra Mundial que as propostas de Dewey e Tunnard
encontraram condições favoráveis à sua aplicação. América e Europa esta-
vam empenhadas em construir e reconstruir suas paisagens dentro dos prin
cípios propostos pelo naturalismo e pelo funcionalismo, o que originou uma
diversidade de frentes de avanço, tão variadas quanto as possíveis interpre
tações dessas teorias.
Entretanto, todos os procedimentos envolviam, pela primeira vez, uma cons
ciência geral do ambiente e de seus problemas de proteção, associada a me
didas específicas que indicavam, finalmente, o cruzamento de fronteiras
interdisciplinares.
59
OQ
Segundo Barraclough , pode-se razoavelmente afirmar que, ao final de 1960,
o longo período de transição entre a idade moderna e a idade contemporânea
estava concluído e o "novo mundo" entrou em órbita. Nesse "novo mundo", as
questões predominantes, das quais não se pode fugir, são os problemas da
pobreza, do atraso e do excesso de população. Além disso, o progresso da
sociologia ensinou que o grupo, e não o indivíduo, constitui a unidade básica
da sociedade. Essas características do "novo mundo" influenciaram, de forma
marcante, os estudos e propostas no campo do Paisagismo.
À medida que o aumento da população, da velocidade dos meios de trans
porte, da eficiência das comunicações, tornaram a vida mais complexa, tam
bém emergiu a consciência de que a paisagem tinha o papel de promover o
encontro entre os grupos sociais, de modo que as atividades humanas se inte
grassem perfeitamente a um dado conjunto de circunstâncias físicas. Os valo
res, os hábitos e os objetivos dos usuários passaram a ditar as normas da pai
sagem.
Em 1955, Thomas Church publicou "Gardens are for People", onde explica,
nas páginas introdutórias, a revolta do paisagismo contra as influências "imi-
tativas", principalmente o ecletismo vitoriano40 Seus projetos exibiam o fun
cionalismo tão eficientemente ensinado pela Bauhaus (1919-1928), associado
a uma influência oriental, especialmente japonesa, em termos de formas, ba
lanço de forças, contrastes, equilíbrio, etc. É natural que esse processo, logo
conhecido como estilo californiano, tenha se originado na Costa Oeste dos
Estados Unidos, região com extensas relações comerciais com o Oriente41
É do início da década de 60 o livro "Landscape Architecture", de John O.
Simonds, que procura considerar as "forças naturais" (sol, vento, temperatura,
etc.) como elementos que, associados à circulação, promovem a organização
dos espaços. A beleza é o resultado desse processo de relações
harmoniosas42
É também do mesmo período, o surgimento da percepção ambiental, um tipo
particular de teoria interdisciplinar, com fortes ligações com a Psicologia. O
conceito básico que apóia esses estudos é o de que o comportamento social é
influenciado pelas atitudes com relação ao meio ambiente, tal como ele é
percebido. O fundamental é a imagem que o homem tem da paisagem e essa
imagem pode ser interpretada de muitas formas diferentes.
Os aspectos psicológicos do movimento das pessoas na paisagem foram estu
dados e discutidos de formas diferentes, por Kevin Lynch, Gordon Cullen e
Lawrence Halprin.
60
Lynch, em 1959, publicou "The Image of the City", com estudos sobre a ma
neira pela qual o morador urbano visualiza seu ambiente. Para os residentes
em um determinado lugar, os marcos, caminhos e limites dos trajetos cotidia
nos têm uma importância muito maior do que as características globais da
paisagem desses lugares que eles, na maioria das vezes, não percebem43
No mesmo ano, Gordon Cullen, no livro "Townscape", afirma que, ao se des
locar pela cidade, as pessoas reagem não às construções isoladamente, mas à
composição do grupo de construções, em síntese, à paisagem resultante do
agrupamento das várias funções urbanas. Essa reação origina-se na sucessão
de surpresas ou revelações súbitas de um determinado trajeto, que ele cha
mou de "visão serial"44
Para Lawrence Halprin, em contraste com o "City Beautiful Movement" ou
com os princípios defendidos pela Escola de Belas Artes de Paris, no começo
do século, o desenho da paisagem atual deve criar espaços para integrar as
pessoas e não apenas os edifícios e, portanto, as pessoas são parte funda
mental do processo de criar uma paisagem45
A forma da paisagem, em determinado momento, possui qualidades que re
sultam da organização de elementos controlados e de elementos não contro
lados ou indeterminados. Nessa última categoria se inclui a criatividade das
pessoas no uso dos espaços públicos e particulares, que é o que confere, em
última instância, a dinâmica social à paisagem.
Mas foi, sem dúvida, o "método ecológico" de McHarg que surgiu como a in
fluência mais persuasiva no desenho da paisagem, nos últimos 20 anos. En
tretanto, o termo "ecológico" é normalmente associado a conotações pré-hu-
manas e pode ser de validade duvidosa num ambiente urbano antropocên-
trico. Além disso, o Movimento Ambiental, que serviu de inspiração à pro
posta de McHarg, questiona as relações homem-ambiente sob a forma de
crítica sócioeconômica do modelo de crescimento dependente, ao qual o mo
vimento atribui os abusos ambientais praticados na atualidade.
A proposta de McHarg, ao privilegiar o aspecto 'natural" da paisagem46, co
loca em plano secundário as complexas relações existentes entre os parâme
tros sociais e a paisagem construída. A coerência entre o projeto de paisa
gismo e sua base ecológica, parece apoiar-se mais no contexto visual do que
nas considerações econômicas. Se é amplamente aceito que os problemas de
atraso, pobreza e superpopulação são manifestações de desequilíbrio da atua
ção de forças sócioeconômicas, então, uma proposta paisagística visual, sem a
61
procura de uma estratégia social de longo prazo, será sempre uma mera de
coração, por mais marcante que possa ser.
Na dinâmica que caracteriza a evolução da paisagem, o fator mais constante
tem sido, sem dúvida, o mecanismo humano de percepção pelos cinco senti
dos, através dos quais todos os estímulos passam para despertar nossas
emoções. Embora esse mecanismo seja bastante estável, a expressão das
emoções despertadas pela paisagem, seja através da ciência, da pintura, da
literatura ou do paisagismo, varia a cada período histórico.
Na literatura, a paisagem, ao ser codificada em palavras pelo escritor e de
codificada em paisagem pelo leitor, apresenta duas oportunidades de enri
quecimento pela imaginação: as paisagens podem ser descritas e compreen
didas em termos exagerados, mas que se admite como pertencentes ao sim
bolismo do mundo real ou do mundo dos sonhos47
Na pintura, a representação da paisagem vai das coisas às impressões, dos
símbolos às interpretações. O pintor ou o observador podem tomar algumas
liberdades de interpretação para representar ou entender uma paisagem tal
como desejam que ela seja vista. Entretanto, a expressão de tudo isso só pode
ser feita a partir de um único ponto de vista espacial48
A intervenção da ciência na paisagem alterou radicalmente o conceito de
natureza. A palavra natureza, entre seus vários significados, pode indicar a
parte do universo não criada pelo homem, apreendida pelos sentidos. Mas,
desde que o telescópio e o microscópio aumentaram imensamente a visão
desse conjunto, a natureza que se pode ver com os sentidos, ampliou-se muito
acima da imaginação.
Esse fato, sem dúvida, deixou suas marcas na paisagem moderna: "a natureza,
não só nos parece simultaneamente maior e menor, como também parece
igualmente ter perdido sua unidade... Nos últimos anos, perdeu-se, inclusive,
a fé na estabilidade daquilo que chamamos ordem natural"49
O processo de emancipação do homem com relação ao ambiente, embora
envolva, lamentavelmente, o empobrecimento e até mesmo a destruição do
simbolismo natural da cultura humana, não é um processo indesejável. Na
verdade, o conceito normal de abrigo para o homem moderno tem a forma
de edifícios e, desde que o homem é de natureza gregária, a aglomeração de
edifícios em diferentes formas urbanas não está em desacordo com o seu
comportamento.
62
A perda progressiva das raízes históricas e regionais das diferentes culturas, a
adoção generalizada dos modismos estéticos, é que permitiram a emergência
de paisagens genuinamente "internacionais" na sua gama de elementos de
composição. A crença de que a cidade é uma entidade separada da natureza,
e mesmo oposta a ela, dominou a forma pela qual a cidade é percebida e
continua a afetar a forma como ela é construída. As cidades parecem forjadas
amplamente pelas forças sociais e econômicas, com a natureza desempe
nhando o pequeno papel de embelezar seus espaços com árvores e parques.
Há um contraste violento, senão mesmo um conflito entre a diversidade de
frentes de estudo da paisagem, surgidas no séc. XX, e a homogeneidade de
soluções paisagísticas decorrentes do isolamento da cidade em relação à na
tureza.
Atualmente, os estudos de paisagismo se apoiam na consciência de que a pai
sagem contemporânea tem o papel de promover o encontro entre os grupos
sociais e isto pode se dar de muitas maneiras diferentes. Nossa vida se desen
volve cada vez mais nos espaços públicos, que devem abrigar tanto os propó
sitos humanos, quanto os processos naturais.
O enriquecimento da vida cotidiana se dá através da possibilidade de deslo
camento pelos dos espaços da paisagem e entre seus edifícios. Isto permite
múltiplas visões do ambiente e a descoberta de emoções e encantos sempre
renovados.
Da mesma forma que a arte, que de acordo com Paul Klee "não reproduz o
que se pode ver, mas torna as coisas visíveis", o paisagismo tem a responsabi
lidade de tornar visíveis as necessidades sociais no uso dos espaços não edifi-
cados. Essa responsabilidade é definida em termos do papel potencial que o
paisagismo representa dentro de um determinado contexto social e ambien
tal. Cabe, portanto, ao paisagismo deste final de século, o papel de tornar vi
sível o valor social da natureza em sua integração perfeita com as cidades, os
subúrbios e os campos.
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64
NOTAS
(1) Appleton, J., 1975, p. 21.
(2) Appleton, J. 1975, p. 1.
(3) Jellicoe, G., 1982, p. 7.
(4) Cerasi, M., 1977, p. 174.
(5) Appleton, J. 1975, p. 2.
(6) Jellicoe, G., 1982, p. 23.
(7) Jellicoe, G., 1982, p. 49.
(8) Tobey Jr., G., 1973, p. X.
(9) "Há muitas maravilhas, mas nenhuma é tão maravilhosa quanto o homem. Ele
atravessa, ousado, o mar grisalho arrebatado pelo vento sul tempestuoso, indiferente
às vagas enormes, na iminência de abismá-lo: e exaure a terra eterna, infatigável deusa
suprema, abrindo-a com arado em sua ida e volta, ano após ano, auxiliado pela espé
cie eqüina ... Soube aprender sozinho ... a proteger-se das nevascas gélidas, duras de
suportar a céu aberto, e das adversas chuvas fustigantes; ocorrem-lhe recursos para
tudo... (Sófocles, Antigona, v. 285 e seguintes).
(10) "Era noite e na terra os corpos fatigados gozavam o plácido repouso; aquietaram-
se as florestas e o mar tempestuoso quando os astros percorreram metade do seu
curso, quando o campo todo silencia; os rebanhos e as aves multicores e os animais
que habitam os límpidos lagos e os que os campos bravios cobertos de sarças têm por
moradia, na silenciosa noite adormecidos, protegidos pelas bênçãos da natureza, ali
viavam os seus cuidados com os corações esquecidos das fadigas." (Virgílio, Eneida,
IV).
(11) Clark, K., 1961, p. 20.
(12) "Centenas de árvores copadas, de troncos curtos, amplos ramos, que haviam pre
senciado, talvez, a majestosa marcha dos soldados romanos, lançavam os braços bon
dosos sobre o espesso tapete do mais delicioso relvado... em outros, afastavam-se,
formando amplas paisagens, em cujo emaranhado a vista se deliciava ao estender-se,
enquanto a imaginação as considerava como caminhos que conduziam a cenários
ainda mais belos, de rústica solidão." (Boccaccio, G.; Decameron, 10a jornada, 3a no
vela).
(13) Clark, K., 1961, p. 21.
(14) Tobey Jr. G., 1973, p. 75.
(15) Clark, K., 1961, p. 35.
(16) Clark, K. 1961, p. 40.
(17) Appleton, J., 1975, p. 50.
(18) Laurie, M., 1978, p. 22.
(19) Jellicoe, G. 1982, p. 154.
(20) Jellicoe, G., 1982, p. 164.
(21) Laurie, M., 1978, p. 25.
(22) Jellicoe, G. 1982, p. 205.
(23) Rousseau, J. J. The new Heloise.
(24) Appleton, J. 1975, p. 26.
(25) Jellicoe, G., 1982, p. 205.
(26) Tobey Jr. G., 1973, p. 128.
65
(27) Appleton, J., 1975, p. 38.
(28) Appleton, J. 1975, p. 39.
(29) Appleton, J. 1975, p. 27.
(30) Clark, K. 1961, p.77.
(31) Jellicoe, G., 1982, p. 251.
(32) Appleton, J. 1975, p. 34.
(33) Appleton, J. 1975, p. 35.
(34) "Os anos decorridos entre 1890, quando Otto Bismarck se retirou da cena polí
tica, e 1961, quando John Kennedy tomou posse como presidente dos Estados Unidos,
constituíram um amplo divisor de águas entre duas épocas: de um lado situa-se a
idade contemporânea, ainda nos seus primórdios, do outro lado alarga-se o vasto pa
norama da idade moderna, com seus píncaros familiares; Renascimento, Iluminismo e
Revolução Francesa.' (Barraclough, G. dl976, p. 12/13).
(35) Barraclough, G. 1976, p. 21.
(36) Jellicoed, G. 1982, p. 307.
(37) Appleton, J. 1975, p. 49/50.
(38) Tobey Jr., G., 1973, p. 200.
(39) Barraclough, G., 1976, p. 29.
(40) Church, Thomas D., 1983, p. 5/6.
(41) Tobey Jr. G., 1973, p. 203.
(42) Simonds, J. 0 . 1961, p. 229.
(43) Lynch, K., 1980.
(44) Cullen, G. 1983,, p. 99/111.
(45) Halprin, L. 1973, p. 190/195.
(46) McHarg, 1969, p. 7 a 19.
(47) Clark, K., 1961, p. 74/176.
(48) Appleton, J. 1975, p. 213.
(49) Appleton, J., 1975, p. 203.
66
PAISAGEM E PROTEÇÃO AMBIENTAL:
ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE CONCEITOS,
DESENHO E GESTÃO DO ESPAÇO
HELENA N A PO LE O N D EG REAS
67
transformando-se então numa situação que se apresenta em constante pro
cesso de recriação, evolução e transformação (Lyle, 1987; Odum, s.d.).
Ao avaliar-se a qualidade ambiental está-se discutindo diretamente a quali
dade das intervenções humanas sobre um suporte físico, relacionando-se os
impactos criados aos graus de inadequação das atitudes e concretizações
humanas sobre um ecossistema.
Neste ponto, o profissional que trabalha com a paisagem alterando-a pelo de
senho ou pelo projeto, deve compreender que por mais abstrata que possa
parecer sua idéia, esta última pressupõe a concretização de uma atitude
premeditada e consciente; projeta-se pensando na recriação de paisagens,
"materialização de um momento da sociedade" (Santos, 1986), acrescentando-
se objetos ou intenções numa situação erroneamente considerada estática e
não na recriação de um ecossistema. Paisagens são como fotos de uma reali
dade (Santos, 1986) e, ambientes passam por uma evolução constante, não
estando jamais parados ou representando uma situação estática no tempo
(Odum, s.d.).
Acrescentar elementos à paisagem significa que esses objetos devem fazer
parte, compor e também auxiliar no processo de recriação de ecossistemas
(lugares com vida). Além de objetos fixos, materiais, a paisagem, enquanto
espaço repleto de funções, também é de intenções políticas, econômicas e
sociais que formam, apesar de características abstratas, um desenho especí
fico no espaço. Sua dimensão se altera; ultrapassa a condição de lugar geo
gráfico ou mero ecossistema, representando uma localização de caráter hu
mano que extrapola os limites ambientais, ecológicos, administrativos ou na
cionais; é um espaço universal.
Organiza-se o espaço social, funcional, etc., o mesmo não ocorrendo quanto
ao ecossistema sobre o qual essas abstrações se concretizam.
A crença de que o fenômeno urbano é uma entidade separada da "natureza" e
de que os seus processos de evolução são sempre catastróficos tem dominado
a maneira pela qual o ecossistema urbano é percebido e construído, sepa
rando-o cada vez mais de suas raízes naturais (Drew). Neste ponto os discur
sos ecológicos entram de maneira crucial quanto à discussão sobre preserva
ção, mas não com o devido enfoque, uma vez que em sua maioria apresentam
uma visão compartimentada da realidade demonstrada através de seu dis
curso e atitudes parciais, que defendem a preservação desta ou daquela espé
cie, como elementos individuais do espaço, sem qualquer tipo de relação com
68
as demais formas vivas; verdadeiros tótens onde o ser humano não deve che
gar ou tocar.
O homem através de seu conhecimento técnico já alcançou todos os espaços
terrestres transformando ecossistemas de características naturais em paisa
gens artificiais, dando-lhes funções. Na sua necessidade quase atávica
(Ab’Saber) de dominação da paisagem natural, ou até de domesticação, des
truiu e alterou praticamente tudo que mantivesse qualquer tipo de seme
lhança agreste ou selvagem, uma vez que não foi capaz de compreender a ló
gica de composição e ordenação do ambiente que ele alterou; e, ainda pior,
não foi capaz de recriar uma situação estável que obedecesse às mesmas or
denações.
Fazendo uma analogia da paisagem ao nosso planeta, temos que a Terra fun
ciona como uma máquina, um sistema gigantesco. Como máquina ela é com
posta por inúmeras partes, milhares de engrenagens, ou subsistemas que tra
balham como uma unidade ligados por fluxos de energia e matéria que a
mantém viva (Odum, 1986).
A paisagem, mais do que expressão visível de objetos, é componente de uma
realidade maior que nem sempre é apreendida com um olhar (Burle Marx,
1986). Das trocas de fluxos e energias dependem inúmeros outros compo
nentes para a sua sobrevivência. A intervenção do homem nos processos na
turais se dá não só nas alterações de formas e objetos (naturais ou artificiais)
de paisagens estáticas ou consideradas como realidades completas, sem
nenhuma relação com o restante de seu entorno, como também, nosso pro
jeto, lei ou plano, influi diretamente nos fluxos de energia e de matéria, alte
rando suas correntes, sua magnitude, ou diminuindo depósitos materiais de
energia.
O maior desafio para quem trabalha com paisagens e ambientes é compreen
der o seu projeto enquanto realidade completa, que tem vida própria, mas
que de sua ligação com a paisagem e o ecossistema que sofreu a intervenção,
depende a sua sobrevivência, sucesso ou fracasso. É preciso intervir numa
realidade dialética, compreendendo seus componentes, estruturas e funcio
namento; deve-se fugir do pensamento e das atitudes que nos levam à
"dominação'' da natureza, alcançando-se a participação racional em seu pro
cesso de criação. Um desenho, obtido por uma delimitação de proteção é
premeditado e previsível, configurando portanto escolhas intencionais e cons
cientes. Nossa criação de ecossistemas tem sempre sido casuística, sem a
compreensão lógica de como os processos naturais ocorrem, e, além do mais,
sem qualquer previsão de como os novos ecossistemas irão trabalhar ou,
69
ainda, sem a compreensão de que eles realmente fazem parte e são um ecos
sistema. Os sistemas naturais são auto-organizáveis e podermos alterá-los e
recriá-los através da compreensão dos princípios com os quais eles traba
lham, para transformar os ecossistemas humanos em ecossistemas sustenta
dos e, portanto, equilibrados (Lyle, 1985).
EVOLUÇÃO DAS POLÍTICAS AMBIENTAIS
A humanidade faz parte da natureza e depende dela para a sua sobrevivência,
mas é a civilização (através de sua postura cultural) que dá a ela o poder de
alterá-la em escala sempre crescente, de maneira adequada ou não. Para
Viola (Toynbee, 1982) o comportamento predatório humano não é novo na
história, tendo através de profundas crises ecológicas feito desaparecer civili
zações inteiras. Estando na 3â fase de nossa história (Drew, 1983), denomi
nada de Fase da Agressão e da Conquista, graças à liberação dos condido-
nantes físicos e limitações da natureza, o que de fato aparece é a escala dos
instrumentos de predação. Conseguimos finalmente, mas não felizmente,
chegar à capacidade de auto-extermínio consciente (armas nucleares) através
de atuações calcadas na previsão da Terra como fonte infinita de recursos
renováveis (Drew, 1983, p. 4).
Neste ponto, a mudança do comportamento humano é possível, uma vez que
alterações nos sistemas espaciais são deliberadas e modeladas para fins de
terminados. A pesquisa entra não só como provedora de dados, informações,
mas seus efeitos influenciam na percepção dos fatos, e por conseqüência na
maneira pela qual a sociedade e, principalmente os governantes vêem o
mundo. "Ela influência o que eles encaram como fato ou ficção, os problemas
que vêem ou não, as interpretações do que eles encaram como plausíveis ou
sem sentido; os julgamentos que fazem de uma política ser potencialmente
efetiva ou irrelevante." (Berry, 1977, p. 2).
Dentro da visão ecossistêmica para a percepção assumida por Berry (1977),
no circuito retroalimentador, os processos são geradores de comportamento
espacial, baseados em contextos ambientais e guiados pela combinação de
necessidades biológicas (sobrevivência, manutenção, reprodução) e impulsos
culturais (necessidades de sucesso construídas dentro do sistema nervoso
central dos indivíduos em sociedades que apresentam progressos econômicos
e tecnológicos através de atitudes e pressões culturais).
Temos ainda, com o mesmo autor, que, o que o homem faz, é determinado
pelo que o homem acredita; a percepção é, então, por sua vez, um produto
das necessidades biológicas, dotes naturais, visão mundial do agente, basea
70
das nos valores de sua cultura e os papéis, esperanças e aspirações impostos
aos seus membros, juntamente com os frutos do aprendizado baseados na
experiência com os resultados de tomadas de decisões e ações anteriores.
Acrescenta que as decisões são apenas traduzidas em ação quando conflitos
com outros agentes tenham sido resolvidos, sendo assim resolvido o novo
conflito e provida a reavaliação do circuito retroaümentador.
Quanto aos governados, estes, através de alguns poucos representantes, co
meçaram a ser ouvidos desde a década de 70, por meio de movimentos eco
lógicos. Época representada pelo despertar da consciência ecológica no
mundo (Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente em Esto
colmo -1972, entre outros).
Viola (1987, p. 6) comenta que é nessa época que os problemas de degrada
ção do ambiente associadas ao crescimento econômico foram percebidos
através de uma perspectiva global que superava as diversas questões pontuais,
discutidas por agências estatais na década de 50 e 60, dos países do Primeiro
Mundo. Ainda de acordo com ele, os movimentos ecológicos são portadores
de valores e interesses universais que ultrapassam as fronteiras de classe,
sexo, raça e idade, tendo a possibilidade de incorporar a grande maioria da
humanidade.
Todos os fatos levam à preocupação com o papel das ideologias e valores na
determinação da natureza dos processos espaciais. Parece então evidente que,
para entrar-se numa nova fase que se projeta no futuro, era de respon
sabilidade e unidade, onde a compreensão é percepção do funcionamento da
natureza é fruto de uma consciência social e uma adaptação sensível das con
dições ambientais (Gutkind, s.d.) a pesquisa proposta por Berry (1977) entra
de maneira crucial, na medida em que o futurólogo, ao tentar evitar um
acontecimento, prevê imagens do futuro indicando uma cadeia de alternativas
que estimula uma marcada mudança no comportamento social, fazendo com
que tenhamos capacidade de discenir o que devemos conseguir ou evitar.
Acrescenta ainda que a mudança social mais importante de nosso tempo é a
difusão da tomada de consciência de que temos capacidade de lutar e delibe
radamente planificar a própria mudança.
Viola (1987, p. 19) coloca que atualmente estamos entrando numa nova fase,
denominda Ecopolítica e que no Brasil, os movimentos ecológicos adquirem
certa relevância. Acrescenta que nos três períodos no movimento ecológico
no Brasil, a primeira fase, chamada de ambientalista desde 1974 até 1981, foi
caracterizada pela denúncia de degradação ambiental nas cidades e nas co
munidades alternativas rurais; uma segunda fase, que chamou de transição,
71
desde 1982 até 1985, foi caracterizada pela confluência parcial e politização
explícita progressiva dos movimentos, além de uma grande expansão qualita
tiva e quantitativa dos mesmos. A terceira fase, que estamos adentrando
chamou de ecopolítica, vem ocorrendo desde 1986. Essa ecologia política faz
do valor de sobrevivência, respeito dos sistemas vivos e resistência à des
truição da vida, o fundamento necessário para a construção e legitimação de
um sistema de valores sóciopolíticos. É nesse momento que a maioria do
movimento ecológico auto-identifica-se como político e decide participar ati
vamente na arena parlamentar (Viola, 1987), estando desta maneira delibe
radamente planificando nossa mudança e partindo, para políticas mais res
ponsáveis.
72
Na década de 20 algumas ações governamentais procuraram ampliar a atua
ção pública sobre as questões ambientais, incluindo medidas relativas à
proteção da fauna aquática do estado de São Paulo. A nível federal, a década
de 30 é o marco inicial da atuação mais decisiva na proteção ambiental com a
promulgação de decretos que estabeleciam medidas de proteção aos animais;
e organizavam a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, através
da criação de alguns parques nacionais.
Acrescentamos que durante a década, a nível internacional, os planos criados
tratavam de assuntos referentes à conservação do solo, gestão de recursos hí
dricos e programas de bacias. Nos anos 40 o enfoque principal das discussões
estava direcionado para o aumento das indústrias químicas e conseqüente
poluição ocasionada pelos produtos tóxicos delas provenientes, embalados
pelas teorias malthusianas, onde pregava-se a finitude dos recursos terrenos.
Diante dessas posições, a nível nacional, nenhuma atitude significativa foi
tomada.
Durante a década de 50 surgem alguns problemas críticos de contaminação
das águas e do ar (graças ao seu desenvolvimento econômico e industrial) em
vários locais do estado de São Paulo, tendo sido desencadeados vários meca
nismos de controle, entre outros, a proibição do lançamento de resíduos que
prejudicassem a qualidade dos cursos d’água. A nível federal, as ações se
concentraram basicamente na criação de áreas florestais protegidas.
Nos anos 60, internacionalmente, os assuntos mais discutidos eram aqueles
que davam maior ênfase na melhoria e manutenção da qualidade ambiental.
Para tanto, criaram-se padrões e regulamentos que controlassem a qualidade
do ar e das águas; que preservassem paisagens naturais e recursos cênicos
(lembrando sempre que a discussão de potenciais não ficava apenas no
padrão cênico, e sim, enquanto valor de paisagem que deveria ser preservado
para o mundo e para a estabilidade ecológica, como meio de se alcançar a
qualidade do meio ambiente - final do século passado/EUA); e preservação
das espécies ameaçadas de extinção.
É interessante observar que os princípios internacionais exercem sobre as or
denações estatais certo grau de influência, obrigando-as a rever posturas
acanhadas que são peculiaridades a cada legislação estatal (Costa, 1981, p.
11). A respeito disso, podemos exemplificar com a década de 70, quando os
efeitos nocivos do crescimento urbano desordenados se fizeram sentir mais
fortemente e mais especificamente à Declaração da Conferência das Nações
Unidas sobre o Ambiente Humano, levado a efeito em Estocolmo, 1972.
73
Com este marco histórico, fica esclarecido que atribuir os problemas do am
biente unicamente às interações entre os componentes biológicos e físicos é,
no mínimo, superficial. Magnoli (1984) ainda acrescenta que foi possível
identificar na época dois níveis distintos de abordagem para as soluções
propostas; o primeiro deles, denominado de Nível das Partes (merístico) que
compreendia ações isoladas para problemas específicos e pontuais, e que
serviria apenas como paliativo; numa segunda abordagem, o Nível da Globa-
lidade (ponto de vista holístico), onde se procuram soluções globais à pro
blemática também global do meio ambiente. Neste último aspecto tornou-se
claro que o conhecimento do meio ambiente requer analisar as vinculações
entre as estruturas sociais e as estruturas naturais.
Por volta desse mesmo período é que se iniciam os esforços para uma política
ambiental mais abrangente no Brasil. Segundo Kazuo (1985) procedeu-se em
1972 um levantamento entre os nove ministérios e uma secretaria de Estado,
de pelo menos 34 organismos públicos que mantinham implicações diretas ou
indiretas com assuntos ambientais. Diante de tal dispersão alguns passos
foram dados, culminando com medidas institucionais básicas. A primeira foi a
criação, em 1973, da SUPREM, Superintendência dos Recursos Naturais,
cujo objetivo entre outros era de tratar de recursos naturais como um todo, o
que era impossível de se atingir diante da multiplicidade de órgãos existentes.
Nos anos 80, no âmbito internacional, tem-se o questionamento sobre a efi
ciência das normas e procedimentos da última década e a exigência, pelas
instituições financeiras, sob a pressão dos ambientalistas, dos relatórios de
impacto ambiental de projetos por ela financiados.
Pelo exposto, temos que as questões ambientais começaram e ainda hoje são
tratadas de forma setorial (ar, solo, fauna...), servindo assim, as soluções,
como paliativos que sequer chegam a uma definição ou estratégia global
sobre essa problemática. Isto levou à criação de vários órgãos e leis que na
maioria dos casos tinham funções superpostas quando não conflitantes.
Embora exista um esforço de se implantar uma política ambiental co
ordenando as ações de vários órgãos ligados à questão, somados ao que efe
tivamente foi realizado no sentido institucional, observa-se que muitos dos
objetivos não foram plenamente atingidos ficando a maior parte apenas nas
delimitações e no papel, sendo alvo de toda sorte de agressão e degradação.
Acrescentamos que isso tem ocorrido principalmente pela forma com que a
questão ambiental tem sido tratada, colocando que a contraposição entre a
questão ambiental e o desenvolvimento econômico tem levado os governantes
(acrescentamos a sociedade também) a optarem pela segunda questão, fi
74
cando o ambiente em plano secundário e considerado como problema. Isto
acaba se revelando, nas carências de recursos financeiros e humanos entre
outras, para que o aparelho do Estado possa realmente conduzir e efetivar
uma política ambiental.
A evolução das políticas ambientais através dos tempos aliada à necessidade
de uma conceituação teórica serviu muito bem para posicionar a questão am
biental no contexto atual de nossa sociedade, verificando-se que essa situação
é completamente correta dentro do ponto histórico em que estamos. Sinteti
zando as idéias de Berry (1975) temos que o que hoje fazemos é determinado
por aquilo que acreditamos. Assim, Estado e Sociedade criam suas paisagens
e seus espaços da maneira que consideram correta e de acordo com o pen
samento reinante. Para explicar os conflitos ecológicos e ambientais promo
vidos por alguns grupos de maneira marcante desde 1970, e que de uma certa
forma "quebram" a tranqüilidade do pensamento reinante, pode-se acrescen
tar algumas idéias de Santos (1985, p. 21):
"A introdução da dimensão temporal no estudo da organização do espaço en
volve considerações numa escala muito ampla, isto é, uma escala mundial. O
comportamento dos subespaços do mundo desenvolvido está geralmente de
terminado pelas necessidades das nações que estão no centro do sistema
mundial..." Revendo algumas posições, temos que no âmbito internacional
questionou-se na década de 80 a eficiência de normas, procedimentos e técni
cas adotadas para alteração de paisagens e ambientes, enquanto a nível na
cional essas questões são tratadas setorialmente e sem definição global; e,
ainda pior, como diz Lyle (1985) sem inclusive percebermos que estamos
atuando sobre um outro sistema, alterando-o de forma irreversível e, apesar
de incorreta, premeditadamente.
"... A dimensão histórica ou temporal é assim necessária para se ir além do
nível de análise ecológica. A situação atual depende, por isso, de influências
impostas... A noção de espaço é assim inseparável da idéia de sistemas de
tempo. A cada momento da história local, regional, nacional ou mundial, a
ação das diversas variáveis depende das condições do correspondente sistema
temporal..." (Santos, 1985, p. 21). Acrescenta, ainda, que o significado de uma
mesma variável muda no decurso do tempo, isto é, na história do lugar; dessa
forma, a mera referência a uma situação histórica ou a busca de explicações
parciais concernentes a um ou outro dos elementos do conjunto não são
suficientes, pois representariam situações atuais como se elas fossem um
resultado de suas próprias condições no passado. O que interessa então é a
sucessão de sistemas e não de elementos isolados.
75
Fatalmente, pelo que foi exposto, estaremos caminhando irremediavelmente
para a ecopolítica a que se refere Viola (1986), embora ela ainda não esti
vesse presente no discurso da Nova República e ainda não possamos avaliar o
que hoje, em 1990, esteja a atual administração federal pretendendo. Ainda
de acordo com o mesmo autor, o que se pregava na administração passada,
estava totalmente concentrado no crescimento econômico e na necessidade
de uma melhor distribuição de renda, sendo esse segundo aspecto secundário
no discurso do regime anterior; quanto à questão ambiental, ela sequer estava
presente. Hoje, o discurso parece o mesmo só que acrescido dessa última
questão. Como, com que meios, instrumentos, programas, para que e para
quem, não somos capazes de dizer; apenas sabemos que (enfim!) a sociedade
começa a perceber que o nível de degradação ambiental aumenta e que algo
tem de ser feito para deter esse processo, quebrando aos poucos a visão bu
cólica de paisagem e ambiente, como retratos de uma realidade idealizada,
perfeita e infinita em riquezas e recursos, sedimentada sobre governantes e
governados. Percebe-se desde a 1- Conferência de Estocolmo, em 1972, que à
abordagem ecológica e auto-sustentada também deveria ser acrescida a visão
sistêmica, transformando, como dizia em 1870 Olmsted (in: Laurie, 1983, p.
88), o ambiente e as paisagens não só em herança, como em patrimônio para
a humanidade. Embora neste país de Terceiro Mundo, completamente endi
vidado, venham-se tentando difundir a idéia de intromissão na soberania fí
sica, política..., ao mencionar-se troca de dívida por conservação de recursos
naturais, podemos dizer que um primeiro passo foi dado na tentativa de que
brar a estrutura ‘pensante’ em vigor. Como diz Santos (1985), a compreensão
da organização espacial, bem como de sua evolução, só se toma possível me
diante a acurada interpretação do processo dialético entre formas, estruturas
e funções através do tempo. Paisagem e ambiente são formados pelos fatos
do passado e do presente. Suas formas podem ser as mesmas; sua estrutura
também; mas sua função hoje é outra e não se restringe egoisticamente a
uma escala local. O patrimônio ambiental não é mais, e por que não dizer,
nunca foi de interesse e atuação circunscritos num limite puramente admi
nistrativo; basta perceber seus limites físicos e sua resposta na manutenção do
equilíbrio natural. Na visão pequena e mesquinha, uma área de proteção
ambiental ou o tombamento, por exemplo, de um bem comum, esbarra em
limites de propriedade e de direitos, respondendo a um nível de equilíbrio in
dividual de uma determinada variante. O esgotamento de um recurso ou o
desmatamento de uma área por exemplo, visto na escala e proporção corre
tas, vai alterar de forma irreversível o equilíbrio da biosfera.
76
Assim esses questionamentos internos, adotados pelos movimentos ecológi
cos brasileiros (e estrangeiros), devem continuar acontecendo; as inovações
por eles apresentadas podem não ser imediatamente aceitas, pois entram em
contraposição à estrutura pensante, atuante e vigente no país. Mas, visto pelo
prisma correto, a estrutura principal encontra-se numa escala muito maior
que a do interesse local ou do "traço e ponto" administrativo. Em nome da
manutenção do equilíbrio da biosfera e portanto de nossas vidas, é que as po
líticas econômicas, financeiras, etc., deveriam ser balizadas.
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77
PAISAGEM: OBJETO DE TRABALHO DO
ARQUITETO PAISAGISTA
W ANTUELFER G O N ÇA LV E S
OS CONCEITOS
O conceito mais antigo e ainda hoje tido entre os leigos relaciona paisagem
com pintura ou com cenas bucólicas (Barsa, 1980), sem reconhecer o dina
mismo natural entre os elementos que a compõem (Klink, 1974).
Além de cenário, o conceito de paisagem tem de estar impregnado de biolo
gia, de participação humana, de evolução. Esses elementos conferem à
porção do espaço denominada paisagem uma instabilidade, apesar de ser o
conjunto indissociável (Bertrand, 1972).
A evolução da paisagem tanto pode acontecer de forma natural, demorada,
como de forma acelerada pela atuação do homem. O homem acelera o pro
cesso evolutivo através de modificações e adaptações do ambiente as suas
79
conveniências. A esse ambiente modificado, e não mais apenas ao cenário, é
dado o nome de paisagem (Magnoli, 1987).
A antropização do espaço tem procurado a sociabilização do ambiente fa
zendo com que a paisagem ganhe, além do valor estético, o valor de uso atra
vés da participação constante do homem no ambiente. Essa antropização
acontece também na forma contemplativa, sendo a paisagem uma função de
quem a observa (Meinig, 1976; Pellegrino, 1990).
Assim, levando em conta a evolução constante, o suporte, a antropização e
não deixando de lado o valor contemplativo, pode-se resumir o conceito de
paisagem como sendo um elemento representado pela fisiografia, fisiologia e
fisionomia do lugar, sendo instável porquanto é histórico e pessoal porque
depende de quem a observa num momento definido (Gonçalves, 1990).
AS PONTUALIDADES
A necessidade de individualização do objeto paisagem para fins de projeto
aponta para o reconhecimento da paisagem como um elemento pontual, vi-
venciando-se uma pontualidade geográfica histórica e antrópica.
A definição de paisagem como sendo o espaço de terreno que se abrange
num lance de vista (Hollanda, 1986) é insuficiente para individualizar o objeto
de estudo, pois um lance de vista pode abranger um espaço geográfico
diferente em função da posição, da estatura, e do próprio órgão ocular de
cada observador (Figura 1).
Fig. 1 Paisagem vista por dois observadores diferentes, seria a mesma paisagem?
80
Essa postura de delimitação geográfica é importante para os efeitos de co
municação. Para a transferência de conhecimento entre duas pessoas é ne
cessário que, tanto a nível de imagem como a nível descritivo, o transmissor e
o receptor tenham mentalizados o mesmo objeto. Para contornar essa difi
culdade Monteiro (1978) tenta definir a paisagem através de um objeto cen
tral (Figura 2). Essa definição ajudou, mas não eliminou as diferenças de ex
tensão do objeto de estudo.
Fig. 2 Paisagem vista por dois observadores diferentes, tendo a árvore como objeto central.
Seria a mesma paisagem?
A paisagem é um elemento pontual geograficamente e a determinação dessa
pontualidade é uma preocupação fundamental para o arquiteto paisagista
(FAUUSP, 1990). Sandeville Jr. (1990) define essa preocupação com a pon
tualidade na medida em que a paisagem seja o instante captado pela per
cepção mecânica-tecnológica: a fotografia. Nessa, como nas outras, as preo
cupações devem ser levadas ao cubo, já que falamos apenas em escala bidi
mensional quando a paisagem é, na verdade, tridimensional.
O instante captado, além de geográfico é temporal. Se o território se torna
paisagem quando tem descritas as suas características fisiográficas (Laurie,
1978), a permanência dessas características se dá numa determinada faixa de
tempo, ou seja, numa pontualidade histórica. E fácil verificar que esse tempo
é variável de acordo com os componentes da paisagem. Enquanto algumas
paisagens conservam suas características por muito tempo, outras têm suas fi
sionomias variáveis em tempo menor. Essas mudanças, no entanto, são uma
necessidade da interação social, exigida pela antropização (Magnoli, 1987), ou
pela variação fisiológica natural dos elementos vivos da paisagem (Figura 3).
81
Fig. 3 Transformações da paisagem: a) antrópica em longo prazo, b) fenológica em curto prazo.
Seria a mesma paisagem?
Fontes: a) Minter (1990). b) Hueck (1972) Desenho sobre foto.
A transformação brusca da paisagem, como a dos aspectos fenológicos,
quanto à estética, pode ser comparada à antropização em um ambiente turís
tico sazonal como temporadas de praia ou estâncias religiosas, onde a paisa
gem do fim de semana é completamente diversa da dos dias comuns. Essa
pontualidade histórica é inclusive relegada a um segundo plano freqüente
mente nos projetos de paisagismo, já que poucas vezes se estuda o impacto de
um aglomerado de pessoas num ambiente, ou de um agrupamento de carros
de várias cores num estacionamento. Reconhecidamente a influência
biológica na paisagem é de difícil manejo devido ao seu caráter fortuito e pas
sageiro (Gonçalves, 1990).
A personalização da leitura da paisagem (Meinig, 1976 e Pellegrino, 1990)
pode ser extrapolada para o valor funcional além do estético, onde a função
da paisagem deve ser direcionada a grupos com personalidade definida como
renda, idade, profissão, etc. Esse usuário, personificado, terá maximizada a
utilização através da exploração biótica e do potencial abiótico conforme
Bertrand (1972). Essa personificação do usuário é importante principalmente
pelas diversas funções e maneiras de leitura da paisagem como especificadas
por Pellegrino (1990). Isso leva a um conceito de pontualidade antrópica
onde a paisagem deve ter sua função especificada para cada tipo de usuário.
82
Além do fator qualidade há que se levar em conta o fator quantidade especi
ficados na literatura (IEF, s/d; Organização Mundial da Saúde, 1965), em
bora esse fator seja de somenos importância quando comparado àquele,
acrescentadas variáveis importantes como localização e distribuição.
A ABORDAGEM GEOMÉTRICA
A paisagem como o espaço de terreno que se abrange num lance de vista é
um conceito simplista demais em termos geográficos para não falar nas inte
rações que ele deixa de abordar. Tricard (1980), apesar de reconhecer essas
interações peca em considerar a paisagem com uma extensão determinada.
Sauer, citado em Pellegrino (1986), reconhece a individualidade da paisagem
em unidades individuais de área, que Klink (1974) caracteriza como ecossis
temas, cartografados por um artifício de representação.
Buscando a origem dessa dificuldade na compreensão do próprio termo
"paisagem" a análise comparativa com as denominações geométricas do ele
mento "reta", talvez possa auxiliar o entendimento e a criação de um termo
mais compreensível.
Os geômetras chamam de reta a uma seqüência de pontos de dimensão li
near, mas sem começo nem fim. À semelhança disso, a paisagem é, também,
uma entidade sem fim nem começo e portanto impossível de ser representada
em sua totalidade (Figura 4).
(?)
Fig. 4 Reta e paisagem possuem conceitos semelhantes.
83
A dificuldade de trabalhar um elemento sem dimensão levou os geômetras à
caracterização de uma porção da reta, ou seja, uma definição do objeto de
estudo destacada do elemento reta a que se denominou "segmento de reta",
aplicável ao elemento paisagem (Figura 5).
_
M TO £>£■ R .€ 7 A
84
gem", "unidade natural", ou qualquer outro termo que o valha, é de somenos
importância perto da caracterização do objeto.
O PROFISSIONALISM O
A origem da arquitetura paisagística, ou simplesmente paisagística, aconteceu
quando o homem sentiu necessidade de modificar o ambiente, adaptando a
natureza para sua conveniência (Barsa, 1980). Essa modificação tem sido in
terpretada de modo diferente, desde o radicalismo em prol de um equilíbrio
ecológico até a complacência de mudanças radicais em favor do homem.
Tanto na quebra do equilíbrio por meio de técnicas apropriadas (Pellegrino,
1986) como na permanência dele, precisa-se reconhecer, como adverte
McHarg (1969), que a natureza oferece oportunidades e restrições à interve-
niência do homem.
A arquitetura paisagística, ao contrário do que muito se pensa à respeito, se
ocupa com a utilidade do sítio além do valor estético e essa ocupação já nor
teava os criadores dos inúmeros jardins renascentistas italianos (Barsa, 1980).
Erroneamente pensa-se que o projeto paisagístico se confunde com um pro
jeto arquitetônico e que a arquitetura paisagística é uma profissão que tem o
cultivo e distribuição da vegetação como fator principal quando, em verdade,
esses fatos são apenas pontos de um contexto mais geral. Ao contrário do ar
quitetônico, o projeto paisagístico não termina com o traçado no papel, le
vando mesmo anos até que se consolide definitivamente.
A ASLA, Sociedade Americana de Arquitetos Paisagísticos vem procurando
definir a profissão e atribuições do arquiteto paisagista desde 1909, quando
definiu arquitetura paisagística como sendo "a arte de adaptar a terra para o
uso humano e diversão".
Em 1950, lembrou-se de acrescentar ao suporte físico, a terra, o que estava
sobre ela e a arquitetura paisagística ficou definida como "a arte de arrumar a
terra e os objetos sobre ela para uso humano e diversão".
Em 1972, além da arte, aplicou a ciência. A adaptação e arrumação são tra
duzidas em planejamento, desenho e administração, mencionando já, como
fator predominante a agricultura. A arquitetura paisagística ficou definida
como sendo "a arte de aplicação de princípios científicos para a terra (seu
planejamento, desenho e administração) para o público, com uso do conceito
de administração agrícola da terra"
Em 1975, a ASLA frisa o uso do natural e do construído, acrescentando à
arte e à ciência os valores culturais e a conservação dos recursos com propó
85
sitos de recreação além da beleza, definindo arquitetura paisagística como "a
arte do desenho, planejamento ou administração da terra, arranjo natural e
artificial de elementos através da aplicação de conhecimentos culturais e
científicos com conservação de recursos e administração agrícola, com finali
dade que resulte em uso e propósitos de recreação".
Alguns anos depois, sem data definida, a arquitetura paisagística é encarada
como profissão e, além dos atributos anteriores, é designada à pesquisa, com
criação de técnicas e conhecimentos políticos, conservando os recursos hu
manos com beleza e segurança e a A SIA a definiu assim: 'arquitetura paisa
gística é a profissão que aplica princípios artísticos e científicos pará a pes
quisa, planejamento, desenho e administração de ambiente natural e cons
truído, criação e técnica, conhecimento cultural e político no arranjo plane
jado de elementos naturais e construídos com conceitos de administração
agrícola e conservação dos recursos humanos, natural e construído, resul
tando em um ambiente com uso estético, seguro e propósitos de recreação".
Em 1983, apesar de rotular de definição, a sociedade se preocupou muito
mais com as atribuições profissionais que propriamente com a definição do
termo. O texto se apresenta mais como um código de ética e uma relação de
atribuições do arquiteto paisagista: "para o propósito de preservação, desen
volvimento e engrandecimento da paisagem inclui (a arquitetura paisagística):
investigação, seleção e alocação da terra e recursos hídricos para usos apro
priados; estudos de probabilidade; formulação de critérios gráficos e de
escrita para planejamento e desenho de programas de construção na terra;
preparação, revisão e análise de planos diretores para uso da terra e desen
volvimento; produção de planos diretores, planos de greides, drenagem, irri
gação, plantio e detalhes de construção; especificações, custos e relatórios;
colaboração no desenho de estradas, pontes e estruturas com respeito e re
quisitos funcionais; observações de campo e inspeção de área construída,
restauração e manutenção"
O que se observa na prática é que a arquitetura paisagística não é uma atri
buição específica dos arquitetos que a dividem, principalmente, com os pro
fissionais da área agronômica. Dada a formação de cada um pode-se perce
ber que os enfoques são diferentes nos projetos, observando-se que os profis
sionais da área agronômica trabalham melhor o vegetal, ao passo que os ar
quitetos trabalham melhor o construído. O curriculum escolar para formação
de um profissional mais completo deve ser feito com as ciências biológicas,
exatas, sociais, além de exigir do aluno eventual tendência para as artes plás
ticas.
86
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88
PAISAGEM E HABITAT
MÁRIO CENIQUEL
Não é de agora que sentimos que uma das maiores dificuldades que apre
sentam as discussões sobre tal conceituação, é o fato da expressão "paisagem"
aceitar tantas acepções, como áreas do conhecimento que por ela apresentem
interesse de estudo.
Ora como designação de um espaço físico, ora como referência a expressões
metafóricas ou virtuais, a noção de paisagem apresenta portanto diversos sig
nificados ou sentidos, dependendo da abordagem que se adote, cujo relacio
namento se dificulta mais ainda quando incluirmos, aos possíveis níveis de
estudo, questões relacionadas às diferentes escalas de análise.
De fato, desde a escala da paisagem urbana, que por sua vez engloba outras
escalas, até a escala regional, territorial, continental e até mundial, o conceito
adquire matrizes diversificadas, tanto na sua leitura, como no estabeleci
mento de possíveis diretrizes de intervenção.
A bem da verdade, além da diversidade de abordagens setoriais, as questões
de escala englobam níveis significativos e diferenciados de informação, cuja
89
complexidade aumenta proporcionalmente à elevação do grau de generali
dade do objeto.
Porém, devemos reconhecer que, hoje em dia, a evolução acelerada de técni
cas sofisticadas de pesquisa e sua facilidade de acesso (antigamente restrita a
órgãos ou entidades oficiais dos países centrais), nos permitem, à margem das
dificuldades antes assinaladas, termos a possibilidade material de atingirmos
um considerável conhecimento do objeto "a paisagem", num razoável período
de tempo.
(a noção de paisagem) ... "é tanto um meio cômodo de definir um espaço or
ganizado, em relação com as atividades humanas, como uma descrição subje
tiva de um meio vivido"2.
90
sociocultural de uma sociedade e que, portanto, somente será compreendido
enquanto inserido num contexto histórico, cultural e econômico, indepen
dente dos elementos físicos que o compõem.
Vale aqui a ressalva de que não se trata de uma atitude extrema de afirmar
que o conceito carece de sentido, e sim de evidenciar a sua validade operativa
antes que a condição de objeto de estudo propriamente dito, o que justificaria
a variedade de categoria de análise conforme as mudanças de finalidade.
Outrossim, seja a partir das variadas óticas setoriais apontadas, que balizam
respectivas finalidades, ou da diversidade de escala, ou ainda da sua condição
de "pré-noção", um outro elemento comum deve ser assinalado enquanto as
conotações da expressão "paisagem": sempre que a esta nos referimos, o fa
zemos a partir da ótica do homem só ou em sociedade, referência sine qua
non de qualquer abordagem.
Segundo esta visão antropocêntrica, a paisagem, enquanto elemento vivido
e/ou percebido, somente aparece como produto de sua compreensão e/ou
fruição real ou potencial pela estrutura social.
Ou seja, esta abordagem privilegia o ponto de vista do homem, a partir do
qual, até uma paisagem dita "natural" ou "selvagem", transforma-se para ele
no espaço no qual pode explorar potencialmente ou de fato todos os recursos
ou materias-primas, necessários para sua idéia de desenvolvimento ou ainda
sua transformação (racional ou não) visando uma determinada finalidade.
Dita finalidade tanto pode ser a organização do tempo livre, conservação de
ecossistemas ou sítios históricos ou por exemplo a utilização econômica da
paisagem.
(...)"em todos os casos, a ação e transformação do meio não são outra coisa
que a expressão das metas e meios que a estrutura social procura no plano fí
sico, assim como uma legislação o faz no plano das instituições..."
(J. Zeitoun).
Estas colocações não fazem mais do que reiterar a interpretação da paisagem
como produto da interação do homem com seu meio (urbano, regional, ter
ritorial, etc.), segundo uma determinada visão desse meio.
E, sob este aspecto, não deixa de ser instigante o fato de considerar que a
paisagem, em tanto que conceito operacional, não é outra coisa que um
"pseudoconceito".
91
Isto é, deixa de ser um objeto, para converter-se na expressão de uma finali
dade, visando a descrição e/ou valorização do meio físico humano (habitat).
Ou seja, em outros termos, haverá tanto Uma concepção arquitetônica da
paisagem, como social, econômica, geográfica, biológica, psicológica, etc.
Resumindo, podemos sintetizar assim as condições da paisagem como 'no
ção / pré-noção/pseudoconceito":
1. Produto de análise/observação da realidade;
2. Resultado da ação do homem sobre seu meio;
3. Conceito operacional antes que objeto (em termos epistemológicos);
4. Expressão de uma finalidade (diversas acepções disciplinares) visando a
descrição e valorização e/ou intervenção do meio físico humano, conceito
este que abrange até aquelas áreas de maior ou menor extensão, tradicional
mente consideradas como "naturais" ou "selvagens".
A NOÇÃO DE HABITAT COMO SÍNTESE DO GRAU DE
ABRANGÊNCIA DO CONCEITO DE PAISAGEM
Referimo-nos anteriormente à qualidade de expressão de uma finalidade, que
a paisagem possui, antes que um objeto, visando a descrição e/ou valorização
do meio ambiente humano.
Dito meio físico constitui a matéria-prima de estudo, da qual partimos para
expressão daquelas finalidades, no que parece representar a porção "real -
concreta" do sistema "paisagem", assim como teria uma existência conceituai
e/ou sensível, no campo do ideal, conseqüência de um processo duplo de
abstração, característico de qualquer representação do mundo real.
Em conseqüência, é de interesse operacional adotar um termo com suficiente
grau de equilíbrio entre generalidade e especificidade, para designar as varia
das nuances epistemológicas do meio físico humano, que possa abranger na
medida do possível todas as acepções da atividade nele envolvida e que possa
agir como complemento da noção de paisagem.
Dois termos desta natureza, pelo menos, existem já de uso corrente: entorno,
tradução não suficientemente expressiva do inglês, environment, e o termo
habitat, palavra que significa "vive".
Embora não cheguemos a considerar ambos os termos como sinônimos, é um
fato que a sua utilização muitas vezes se confunde, segundo a expressão da fi
nalidade que esteja comandando a referência da paisagem.
92
Ambos os termos resultam valiosos e expressivos. O termo entorno já tem
sido reconhecido no campo da arquitetura, como objeto de uma "ciência do
design", pleno desenvolvimento, assim como objeto de estudos profissionais
de várias universidades, como Berkeley, em cujo curriculum, constam vários
cursos sobre a história do entorno -, e várias publicações especializadas; "ins
titucionalização" do termo que não significa, necessariamente, a definição do
seus limites. Em ^verdade o próprio termo se trata de um neologismo: a pri
mitiva tradução de environment é "meio ambiente", e interpretamos que, neste
sentido, liga-se, em forma mais discreta com outra expressão mais ou menos
equivalente de habitat.
O termo habitat provém das ciências biológicas e da antropologia, e, talvez,
da idéia do habitat dos povos primitivos, considerado como um meio am
biente integrado em si e a vida do grupo humano, servindo de base à aplica
ção do conceito para caracterizar o espaço vital do homem moderno.
Resumindo: se tentássemos definir os significados ideológicos de ambos os
termos, "entorno" parece sugerir conotações "tecnológico-objetivas", já habitat
apresenta mais conotações antropológicas e existenciais.
O primeiro é substantivo, "habita" é um verbo em termo ativo, um parece nos
assinalar os elementos que rodeiam o homem, o outro refere-se, mais especi
ficamente a esses elementos enquanto vividos, real ou imaginariamente, pelo
homem.
Ditos conceitos permitem vislumbrar a importância conceituai que, particu
larmente, atribuímos à noção de habitat como conceito operacional de grande
valor para os estudos da paisagem, razão pela qual formulamos algumas con
siderações sobre o mesmo, visando uma conceituação mais geral, com o in
tuito de contribuir com seu esclarecimento conceituai.
CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A FORMAÇÃO DO
CONCEITO D E HABITAT
Diversas são as abordagens disciplinares que, através de várias tentativas e
contribuições, trataram de apreender o modo de inserção do homem e da
coletividade humana no meio físico, e as correlações correspondentes a elas,
gerando a noção de habitat. Não podemos, porém, afirmar que exista uma
precisão epistemológica da referida noção, embora, o reflexo de um certo
tipo de significado interdisciplinar do conceito, somado ao desenvolvimento
de uma prática experimental de ações que pretendem se fundamentar na
apreensão subjacente de seu significado, nos faz entrever uma luz maior na
sua definição.
93
É da interação da praxis do habitat (isto é: ações práticas de implementação)
e os esforços de fornecer uma maior definição ao conceito, que conduzirá à
clareza do seu significado e às suas possibilidades operativas, questões a que
pretendemos contribuir com estas considerações.
94
das coisas se modificam em função de urgências, de coações diversas: impulso
demográfico, impulso da industrialização, afluxo dos interioranos para Paris.
A crise habitacional, confessada, verificada, transforma-se em catástrofe e
corre o risco de agravar a situação política ainda instável As urgências trans
bordam as iniciativas do capitalismo e da empresa privada, a qual aliás não se
interessa pela construção, considerada insuficientemente rendosa. O Estado
não pode mais se contentar com regulamentar os loteamentos e a construção
de conjuntos (blocos de apartamentos), com lutar (mal) contra a especulação
imobiliária. Através de organismos interpostos, toma a seu cargo a cpnstru-
ção de habitações: começa o novo período dos "novos conjuntos" e das "novas
cidades"...
Precisamente seja que, talvez, a importância necessária antes mencionada
que tais disciplinas acabam adquirindo para a arquitetura e urbanismo, resi
disse no caráter "projetual" das mesmas, em termos de conter a possibilidade
de propor ações concretas diante de necessidades emergentes e crescentes.
A geografia, em particular a escola francesa, objetivou precisamente assumir
esse caráter projetual e passa de ciência exclusivamente descritiva, de análise,
de constatação, a uma "ciência de projeto".
O longo caminho percorrido do "conceito de região, espaços e paisagens deri
vadas" de Maximilien Sorre aos estudos de Jean Merlin, sobre o transporte ou
a proposta de Paris no ano 2000 de Jean Bastié, passando pelos estudos de
Pierre George e Jean Tricart, somados à noção de "geografia ativa", marcam
um caminho de tentar adequar os conceitos essenciais às exigências da reali
dade, assumindo a forma de implementação concreta dos novos conceitos.
São estes os exemplos que muitas disciplinas setoriais ainda não compreende
ram: o surgimento de abordagens, com pretensões integradoras, a partir das
chamadas disciplinas do espaço e, reiterando mais uma vez a capacidade
projetual de cada uma delas, tem gerado, implícita ou explicitamente, uma
certa preponderância dos aspectos espaciais, enquanto a definição do con
ceito de habitat, levando a confundir a noção integradora do conceito com um
de seus componentes: entendemos que o conceito de espaço físico, social
e/ou econômico é essencial para a apreensão do conceito de habitat.
O conceito, em relação às ciências sociais, percorreu um caminho similar, em
particular pelas ciências humanas (através da antropologia), sem excluir, po
rém, a sociologia e certos ramos da psicologia.
95
Esta semelhança de processos, que tentaremos verificar no seguimento, atri
bui um certo embasamento filosófico ao conceito de habitat, ao descobrirmos
a preocupação na sua definição em diversas áreas do conhecimento científico,
tornando-se imprescindível, em certos momentos, para o aprofundamento em
certas áreas específicas. O estudo das relações entre homem e comunidade
com o seu meio ambiente (incluindo as formas culturais desta relação) cons
tituem o fundamento básico da moderna antropologia cultural (Levy Strauss,
Levy Bruhl, Margaret Mead).
Provavelmente, pelas próprias características da disciplina, os estudos antro
pológicos foram limitados a comunidades isoladas, em "estado puro": causa
possível de uma certa limitação no aprofundamento das possibilidades pro-
jetuais no uso do instrumental disciplinário, a ciência descritiva, a ciência de
análise, motivos pelos quais não poderiam mesmo atingir os mecanismos
aptos para a formulação de propostas de transformação.
A psicologia social pesquisa, descobre e propõe, no domínio do grau de parti
cipação do espaço construído (edifícios, habitação, cidade) no comporta
mento de indivíduos, famílias e comunidades. Da reflexão sobre os objetos de
estudo, propriamente dito e do significado interno de suas ações e reações,
chega como conseqüência natural a descobrir as possibilidades de interação
entre exterior e interior do indivíduo e o grupo social: coloca em evidência
quais as circunstâncias, aparentemente superiores de acordo com certas pau
tas da vida social, predefinidas por "certos especialistas", não produzem um
"melhoramento" na consciência, na cultura das comunidades, senão que,
muito pelo contrário, são socialmente percebidas como formas regressivas da
vida social.
A disciplina por antonomásia das ciências sociais, isto é, a sociologia, encon
tra-se na necessidade de perfilar o nascimento de especialidades, no campo
da própria disciplina, para poder se aparelhar no tratamento desta temática
em gestação. Pretender uma decisão das argumentações da "sociologia do es
paço" resulta a um mesmo tempo, presumido e ocioso: presumido, pois supo
ria a intenção de sintetizar aquilo que os melhores especialistas não têm con
seguido; pela vasta quantidade de bibliografia sobre sociologia da cidade, o
espaço comunitário, o bairro, etc., que são já de notório conhecimento.
Nesse sentido, o que pode ficar claro na nossa opinião é que, apesar dos
avanços conseguidos, se mantém uma certa confusão nos limites epistemoló-
gicos da própria disciplina, enquanto pretende-se efetivar uma abordagem a
um complexo tema de ações e interações, acentuadamente mediatizadas.
96
Da experiência constante de trabalho entre especialistas das ciências sociais,
economistas e organizadores do espaço, surgiram certos fundamentos con
ceituais que evidenciam a possibilidade de uma atitude projetual por parte de
algumas disciplinas da sociologia (por exemplo: os trabalhos de Manuel Cas-
tells, Raymond Ledrut, etc.).
Henry Lefèbvre, um teórico originário da filosofia, disciplina que cultivou no
começo e que hoje prefere definir-se como sociólogo, embora com uma pro
funda marca filosófica, tem publicado inúmeros trabalhos girando em torno
de dois temas fundamentais: os mecanismos da apropriação do espaço, por
um lado, e o espaço urbano e consciência social, por outro.
Têm sido tentadas as mais variadas formas de interpretação, psicológica e, in
clusive filosófica em relação à noção de espaço e suas relações com os ho
mens, chegando a construir-se um formidável arcabouço teórico-conceitual
em torno desta questão, que propõe novos caminhos do pensamento e de
possibilidades de ação operativa: porém, isto não significa que a noção de ha
bitat, seja uma noção de exclusiva estirpe social.
As ações dos homens, seus relacionamentos à percepção cultural (interna) no
espaço, por parte das comunidades é uma temática essencial à noção de ha
bitat, mas não o seu único aspecto: não há dúvida que as relações entre
espaço e sociedade constituem o tema fundamental de uma definição
conceituai e instrumental da noção de habitat, porém é necessário assinalar
que ditas relações são essencialmente instrumentais, materiais, surgidas de
necessidades de atuação, surgidas de necessidades socias. A imbricação entre
o espaço e a sociedade se define no contexto da utilização que os homens
fazem do espaço.
Da mesma forma como nos temos aproximado a um conceito "partindo" do
estudo do espaço físico, e a outras formas do mesmo conceito a partir da con
sideração das relações sociais e sua dinâmica, a presença e percepção do ho
mem no espaço pode ser verificada também, e pode ser interpretada à luz das
ações intermediárias da utilização do espaço.
À ciência econômica, quantificadora e propulsora de situações de estado puro
(quantitativas) há devido criar especializações como a economia espacial, ou
a economia regional e urbana, como instrumental que permitisse uma corre
lação entre as atividades econômicas e as formas de ocupação do espaço: a
pauta tradicional do "QUANTO" desaparece se não se relaciona com o
"ONDE" e o "QUEM".
97
A última das fontes de formação do conceito de habitat provém das ciências
naturais, e em particular da ecologia: esta disciplina surgida dos estudos bo
tânicos e zoológicos pretende verificar as relações entre seres vivos e entre
estes com o meio natural; como conseqüência natural não demorou muito em
ampliar o campo de considerações à sociedade humana no seu conjunto.
Apesar de certas críticas que possam ser feitas em algum momento de "super-
dimensionamento epistomológico" (alguém já a definiu como a ciência das
interações subsociais), sua contribuição ao esclarecimento do conceito de ha
bitat é de uma singular relevância, enquanto coloca em evidência a unicidade,
o conceito de "globalidade" do sistema de seres vivos, meio ambiente, re
lações e, em particular, a verificação de quais ações sobre alguns dos inte
grantes do sistema alteram o equilíbrio e as formas de funcionamento do
próprio sistema.
Interpretamos que não é, inclusive, desprezível o fato que esta disciplina
tenha contribuído sobremaneira na formação de grandes movimentos de opi
nião (alguns deles transitórios, porém partidos políticos de certa transcedên-
cia) sobre a problemática global do entorno humano.
Desta forma de tomada de consciência surge a possibilidade real de, com
certeza, implementar muitos do que antanho foram visões de esclarecidos.
Desta foram de tomada de consciência social surge a possibilidade de que a
comunidade seja participante ativa de uma transformação ativa e positiva
global das condições de vida, num sentido integral.
98
É objetivo básico propor um marco conceituai e, com o decorrer do tempo e
das sucessivas experiências, um marco metodológico, em cujo contexto as dis
ciplinas envolvidas, o aparecimento necessário de disciplinas novas e as pau
tas de ação, possam obter uma validez de fundamentação.
Dito marco deverá integrar em forma explicativa o espaço: natural ou modifi
cado, construído ou simplesmente "intermediário", em todas as suas escalas
quantitativas; os homens: isolados, em família ou em sociedade, as atividades
materiais destes homens e famílias, realizadas no conjunto de atividades que
desenvolvem na sua vida, assim como a interação entre ditas atividades, e a
marca cultural que ditas ações conduzem para constituir-se em consciência
social.
Visto desta maneira, o habitat será o processo de organização e transforma
ção do espaço (produção e apropriação), concretizado pelos homens e sua
sociedade, no grau que se materializam as atividades políticas, econômicas,
sociais, tecnológicas e culturais, requeridas pelo conteúdo de um momento
histórico concreto, incluindo as interações entre processo material e cons
ciência social.
Achamos conveniente ressalvar, com muita clareza, que interpretamos que a
noção de habitat implica uma certa posição "a-hierárquica" dos seus elemen
tos componentes (homens, atividades, espaço), tanto no sentido conceituai
como no instrumental: não se trata do "espaço organizado pelos homens de
senvolvendo atividades", nem "das atividades desenvolvidas pelos homens no
espaço", nem "dos homens que desenvolvem atividades no espaço", e sim, ao
considerar a relação dialética de uns em relação aos outros, a visão sincrética
de um processo de relações, materializado num produto concreto.
A noção de habitat é uma noção humanista de implementação tecnológica
experimental, mas não é uma tecnologia: inclui conceitos setoriais das disci
plinas envolvidas: o edifício, os conjuntos, as cidades, as formações econômi
cas e sociais, os modos de produção, as taxas de crescimento econômico, tec
nológico e produtivo, a atribuição de recursos, a fixação de prioridades, os in
dicadores do desenvolvimento social, no contexto de um conceito básico: o da
qualidade de vida da população, que nunca poderia ser atingido por uma dis
ciplina setorial. Revitaliza os conceitos que constituem a noção de processo:
crescimento, flexibilidade, controle de mudanças, transformação, custo social.
Este enfoque do conceito de habitat exige uma mudança importante na pró
pria atitude dos profissionais envolvidos, tanto do ponto de vista instrumental
como do ponto de vista de um ética do trabalho: toda forma de messianismo
99
incluída em proverbiais disciplinas, parciais ou setoriais, que pretendem as
sumir a totalidade a partir de uma especialidade, transforma-se em mediação
entre exigências e aspirações sociais frente a possíveis decisões a adotar em
relação ao habitat, sem excluir, é claro, o mais alto grau de idealização, exi
gindo, de forma permanente e crescente, os mais altos níveis de formação,
interpretação e ação disciplinária.
100
AÇÃO SOBRE O HABITAT OU PROJETAÇÃO DO HABITAT ?
No início das presentes considerações, fizemos menção dos caminhos percor
ridos e/ou ensaiados por várias disciplinas com o intuito de atingir um certo
grau de disciplinas projetuais: isto porque interpretamos que, a partir da defi
nição da noção de habitat, assume relevância notável o conceito de projeto.
Basicamente, trata-se de materializar a passagem da interpreta
ção/constatação (estudo dos resultados) à transformação/prospecção (co
nhecimento das causas e interações), constituindo-se num dos problemas cen
trais da proposta de uma realidade diferente, a partir da presente. A ação so
bre o habitat inclui, necessariamente, uma atitude projetual, transformadora,
em todos os níveis da ação: a equipe atuante sobre o habitat tem capacidade,
como condição sine qua non, de elaborar um projeto.
Assim como em algumas disciplinas, que incluem a ação social de transfor
mação da realidade concreta, o conceito de projeto está fortemente impreg
nado pelo conceito de processo, que já tinha sido incluído no próprio conceito
de habitat. Porém, a possibilidade, pelo menos no presente momento, de de
finir uma técnica/metodologia projetual concreta em termos de habitat
constitui-se numa incógnita.
É possível que em determinadas escalas quantitativas do referido conceito
(por exemplo: a cidade, campo das atividades sociais do dia-a-dia) exista já
uma experiência e uma metodologia que permita adotar uma atitude proje
tual e propor uma equipe de trabalho, com objetivos mais ou menos claros. É
sabido, por exemplo, que o conceito de qualidade de vida urbana é estabele
cido em função da quantidade e qualidade dos serviços que a cidade oferece
ao uso da população (ou, em outros termos, a expectativa, possibilidade e
acesso ao consumo, somado ao impacto das modernizações). Claro está que
no conceito de qualidade estão implícitos vários outros: localização, acessibi
lidade, utilização do tempo cotidiano e semanal, tipos de população, etc.
É com esta mínima definição de temas e correlações que poderemos estabe
lecer um ponto de partida para uma ação sobre a cidade inserida numa teoria
sobre o habitat. Porém, quando a escala de ação se amplia, mesmo em nível
simplesmente quantitativo, ao passar a escalas regionais e/ou territoriais,
existe uma escassa experiência metodológica, insuficientemente elaborada e
sistematizada, salvo raras exceções.
Neste aspecto, é necessário uma múltipla precisão: as diferenças entre pro
jeto e forma. Enquanto para arquitetos, engenheiros e outros, a noção de
projeto sugere necessariamente a prefiguração de uma forma determinada (o
101
que, praticamente, acaba transformando os dois termos em sinônimos), para
outras disciplinas (ciências sociais e até as ciências naturais) existe o conceito
de projeto sem que este signifique necessariamente forma (pelo menos não
no sentido mais habitual ou no mesmo sentido).
Quanto mais complexa e crescente é a escala quantitativa da ação, isto é,
quanto mais diversas são as formas de intervenção necessárias para atingir o
maior grau de conseqüência de determinados objetivos, mais indefinido é o
ponto de chegada (a forma) e mais transcendente é o processo, a gestão, de
finida como o conjunto de ações, controles e modificações que otimizam a
referida passagem dos objetivos aos resultados verificáveis.
O anteriormente dito nos conduz a uma conclusão de interesse: a ação sobre
o habitat implica uma hierarquia relativa da GESTÃO em relação ao PRO
JETO.
A ação social, de uso, sobre o habitat, implícita num lento funcionar da cons
ciência comunitária, desempenha um papel delineador, que a atitude proje-
tual pura não está em condições de perceber. Desta consideração, surgem
opções transcendentes para tudo o que se refira à formação de especialistas
adequados para integrar equipes interdisciplinares de ação sobre o habitat.
102
Fundamentalmente, as duas variáveis básicas mencionadas no início, tempo-
ralidade e mutação, tendem a tomar ambígüos o limite do domínio de cada
escala, dado o relacionamento biunívoco múltiplo, sintetizado no que muitos
autores denominam genericamente como "dialética do espaço".
Na medida em que consideremos, a partir de uma abordagem prospectiva, a
paisagem como uma estrutura ambiental, estaremos, de base, supondo a
existência de um grande sistema composto por uma série de subsistemas es
truturados por uma complexa malha de relações, ambas, sistemas e relações,
em permanente mutação dialética, no decorrer de um tempo dado.
Esta movimentação permanente, vetor resultante da combinação das variá
veis mencionadas, nos induz necessariamente a estudar qual a atitude analí
tica e/ou prospectiva mais adequada para tratar da questão ambiental.
Na escala urbana a discussão não é nova, como vimos nas breves referências
anteriores em relação à conceituação de habitat, independentemente do jul
gamento de valor que possamos fazer dos resultados, e que privilegiou a
questão do planejamento (o plano) como forma de apreensão, diagnóstico e
prognóstico do espaço, nas suas diferentes escalas (urbano/ regional/
territorial).
Dita postura surge, em grande parte, da facilidade cada vez mais crescente de
acesso à informação e da possibilidade de controle dos mecanismos de im
plementação (a gestão), muitas vezes estimulado pelo próprio Estado como
forma de exercício do Poder, no processo de apropriação do espaço, por si
nal, é a questão do "controle", que em certo momento se levanta como princi
pal aspecto "legitimador" da ação planificadora, "congelando", por assim dizer,
uma determinada situação projetada (o plano como modelo) materializada
em padrões de apropriação do espaço.
Tempo e mudança, assim, passam a ser elementos nocivos à "eficiência" de
desempenho do plano, a não ser que o primeiro seja congelado e a mudança
"prevista"
A pretensão de controle conduz, assim, ao descontrole total: na medida em
que o espaço (paisagem/habitat) será reflexo das interações do meio físico
como o tecido social, esta relação tende a ficar "descompensada", na tentativa
de "dicotomizar" a dialética espacial.
Como decorrência da radicalização de tal atitude, e a notoriedade que em
todos os níveis acaba alcançando, planejamento, controle, racional ou orga
103
nizado, são palavras que perdem a qualidade substantiva, e passam a adjetivar
atitudes "tecnicamente" corretas de apropriação da paisagem.
Esta atitude "neopositivista", ou a tentação de cair nela, é tanto mais acen
tuada quanto mais nos aproximaremos da macroescala, e entra em crise na
medida em que chegarmos mais perto do cotidiano.
Na medida em que isto acontece, mais se acentua, por outro lado, a "estan-
queidade" das diversas instâncias de decisão no processo da apropriação das
estruturas de poder do Estado.
Assim sendo, a necessária interdisciplinaridade assinalada nas questões da
produção do espaço, poucos resultados conseqüentes obterá por aí só, se des
provida que uma unificação das diferentes instâncias de decisão, em torno da
questão principal de como operacionalizar metodologicamente as mudanças
"pós-planejamento" como elementos da correção do rumo.
Pareceria que, em geral, a produção do espaço esteve tradicionalmente en
tregue aos profissionais mais ligados ao estudo da forma física dos assenta
mentos humanos, materializada no volume construído antes que nos espaços
livres que dele decorrem.
Dita decorrência, que parece expressar uma certa relação "fundo1, (espaço
livre), "figura" (elemento construído), representa nem mais nem menos do
que a dicotomia entre o espaço público (ou de uso comum) e o espaço pri
vado, ou entre espaço regional e territorial, ou, ainda nacional e interna
cional.
Como conseqüência do dito, tal dicotomia é tratada num sentido operacional,
em termos de "densidade de ocupação", e, assim sendo, os interstícios entre o
que não é construído, o "não denso", o "livre", acabam adquirindo um caráter
tipológico "a-crítico".
Áreas agrícolas, áreas industriais, reservas florestais, parques, praças, ruas,
áreas de lazer, áreas verdes, etc. não fazem mais do que representar tipolo
gias determinadas a priori (no sentido dado por Argan) na esfera do plane
jamento, materializado, tecnicamente nos chamados "padrões ambientais".
No campo do urbano por exemplo, só resta ao profissional da paisagem
agir numa área limitada de decisão, restrita, basicamente aos limites do que
não é construído, claramente predeterminados.
Do anteriormente dito, não deve, é claro, deduzir-se que existe uma única
forma de ação e/ou interpretação do conceito de paisagem: seria ilusório
104
propor uma ação intencionada de configuração espacial global, colocando-nos
numa posição, no mínimo discutível, de estarmos lançando uma proposta de
interpretação total e absoluta.
A ação não pode ser outra coisa senão uma seqüência de intervenções deter
minadas, imbricadas no tempo. Seria um erro grave, dos quais o dia-a-dia dá
inúmeros exemplos, não levar em conta as interações entre esta intervenções
e, sobretudo, não ter claros os objetivos projetuais de cada intervenção: a
obtenção de uma melhor qualidade de vida.
Esta interação entre intervenções setoriais determinadas e um contexto unifi-
cador, definido pelas correlações entre "atividades-homem-espaço" constitui a
essência de uma ação prática, tendente a uma requalificação da paisagem e
do habitat humano.
Embora aparentemente óbvio, só o caminho assinalado por esta colocação é
que permitirá, enfim, começar a construir a ponte entre uma teorização con
seqüente sobre a paisagem e a rica contribuição das praxis brasileira na con
figuração do habitat.
BIBLIOGRAFIA
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Central de Venezuela, 1969.
ARHEIM, Rudolph. Atte y Percepcion Visual Psicologia de la Vision Creadora. Buenos
Aires, EUDEBA, 1962.
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1976.
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CULLEN Gordon.^4 Paisagem Urbana. Porto/Lisboa, Edições 70,1983.
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105
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ZEITOUN, Jean. La Noción de Paisage. Cuademos Summa - Vision, Serie El diseno
del Entomo - ano 3, n. 48, abr. 1970.
NOTAS
(1) Jean Zeitoun, La Nocion de paisaje, in Cuademos Summa - Nueva Vision, Buenos
Aires n. 48,1970.
(2) M. Merleau Ponty, in "Phénoménologie de la Perception", Paris, citado por J.
Zeitoun, op. cit.
(3) H. Lefèbvre, Du Rural à L’Urbain, Paris, Éditions Anthropos, 1977.
106
PAISAGEM - CONCEITO
107
negligenciar o todo; mesmo os conjuntos que se encontram em nosso campo
de visão nada mais são do que frações de um todo.
A idéia do belo, da estética, também está vinculada à percepção.
Normalmente buscamos nas paisagens uma beleza ideal, quase sempre
associada à idéia do "edén", do "paraíso" introduzida pelo Cristianismo e
difundida pela "arte e literatura européias dos sécs. XVII, XVIII e XIX, que
invocam imagens romanceadas de uma natureza idealizada"5 e pelos artistas
plásticos (conhecidos como paisagistas), que "representavam em suas telas o
que de mais belo poderia existir numa determinada paisagem"6.
O valor estético, não é constante, podendo variar de acordo com o padrão
cultural de cada sociedade. Um alto valor estético atribuído a uma paisagem
num determinado espaço de tempo, poderá ser alterado em outro momento,
onde os padrões culturais e os valores estéticos sejam diferentes.
Os conceitos estéticos são muito pessoais, variando de indivíduo para
indivíduo, o que pode levar a graus de valorizações atribuídos em função do
gosto de cada um.
"O aspecto estético é cultural, está ligado ao nosso mundo particular de
valores e conhecimentos."7
Os padrões culturais variam com o tempo, que se transforma num fator
importante, pois "é através dele que ocorre o dinamismo da paisagem".
"Considerando um ponto determinado no tempo, uma paisagem representa
diferentes momentos de desenvolvimento de uma sociedade. A paisagem é o
resultado de uma acumulação de tempos."8
Nada em termos de espaço e paisagem pode ser considerado eterno, pois "a
paisagem é dinâmica e de evolução constante"9 Todo espaço e toda paisagem
são passíveis de modificações ao longo do tempo, variando de acordo com as
transformações sociais, econômicas, políticas, culturais, que irão se refletir
diretamente nestes elementos, que sempre estarão em busca de uma
adaptação às diferentes necessidades da sociedade e suas gerações.
Se observarmos a paisagem de uma cidade de origem muito antiga (uma
cidade européia, por exemplo), poderemos verificar as mudanças que esta
cidade sofreu ao longo do tempo, os diferentes estilos de arquitetura que ela
apresentou de acordo com a época, e que foram se modificando e se
acumulando, quando outros modelos ou padrões arquitetônicos foram sendo
instituídos. O mesmo ocorre com paisagens naturais que sofrem diferentes
níveis de modificações de acordo com as mudanças da sociedade, ou
108
modificando-se por processos naturais, decorrentes do tempo de vida útil dos
vegetais que integram esta paisagem, ou ainda por não se adaptarem à
influências negativas do ambiente em que se encontram inseridas, como é o
caso de poluições ambientais e saturações urbanas.
Ocorre um processo contínuo de alteração do espaço e da paisagem em
função das necessidades da sociedade, que em diferentes períodos de tempo
poderá utilizá-los de diferentes maneiras renovando, alterando ou até mesmo
suprimindo-os, dando origem a novas paisagens.
A qualidade visual de um lugar ou paisagem pode se alterar com o tempo e a
sociedade poderá valorizá-los diferentemente. Esta qualidade pode ter um
alto valor em determinado período e, em decorrência de alguma alteração no
entorno e/ou no tipo de uso, poderá em outro período/momento apresentar
esta qualidade reduzida.
Associam-se também à paisagem valores afetivos que serão diferentes para
cada indivíduo e estes valores se associam a fatores psicológicos. Cada um de
nós sempre guarda na memória a imagem de uma paisagem marcante, que
muitas vezes tem um significado afetivo. Sobretudo os indivíduos que se
mudaram de uma região para outra, sempre guardam na memória imagens
da paisagem de sua região de origem.
Ainda considerando o valor psicológico, podemos dizer, subjetivamente, que
através de determinadas paisagens o homem busca o equilíbrio.
Dependendo do contexto em que se encontram inseridas, determinadas
paisagens, sobretudo as paisagens naturais, proporcionam acesso às imagens
visuais que de certo modo transmitem sensações de tranqüilidade e paz ao
homem, que se associam à idéia de equilíbrio. São imagens visuais que,
normalmente, acalmam o olhar, num confronto com o caos visual dominante
nos centros urbanos, onde a confusão de placas, cores, símbolos, formas e a
agitação da vida cotidiana em conjunto transmitem sensações contrárias
àquelas associadas à idéia de equilíbrio.
"Compreende-se que o homem procura o equilíbrio em todas as fases de sua
existência física e mental. O equilíbrio continua sendo a meta final de
qualquer desejo a ser realizado, de qualquer trabalho a ser completado,
qualquer problema a ser solucionado. O equilíbrio que se consegue na
aparência visual é desfrutado pelo homem como uma imagem de suas
aspirações mais amplas"10
109
Talvez esta busca constante explique a idéia que se tem da natureza
equilibrada.
Hoje uma nova corrente científica afirma que "a natureza está num constante
estado de transformação e flutuação. Mais do que constância e equilíbrio a
regra é a mudança e a agitação. E que, ao invés de se insistir que os homens
não devem alterar um ‘suposto’ equilíbrio da natureza, se deveria escolher
qual condição natural promover. E que, algum tipo de equilíbrio pode existir
em certas escalas de tempo e espaço, mas não para sempre"11 Em função
disto, o homem precisa mudar a visão que tem da natureza e a idéia de que
ela tem que ser mantida intocada para continuar no seu equilíbrio constante,
que como já vimos não acontece a nível concreto.
A história da humanidade sempre esteve associada à da natureza, afinal o
homem faz parte dela. "As atitudes do homem para com a natureza/paisagem
tem variado no tempo distinguindo-se três fases: a) A natureza como
sinônimo de Deus, quando devido ao desconhecimento, era temida pelo
homem; b) A natureza encarada como meio. O homem aceita os
condicionantes naturais como fatores limitantes, aprende então a usá-la;
c) Os avanços tecnológicos conquistados pela sociedade não se intimidam
frente aos fatores condicionantes ou limitantes da natureza. O homem
consegue superar, transformar ou minimizar fatores limitantes da natureza."
"A paisagem pode ser considerada como um reflexo direto do dinamismo da
natureza e dos seus sistemas sociais,
10 que se altera constantemente de acordo
com o tempo e o momento social."
"Estas alterações introduzidas pelo homem no ambiente são sempre
procedidas de forma rápida e variada, não permitindo muitas vezes que haja a
recuperação normal da natureza."14
"Todos nós temos bastante experiência de contínuas transformações: desde
que o homem apareceu sobre a terra as transformações da Natureza se
acresceram àquelas produzidas pelas atividades do homem. Há já um século
e especialmente nas últimas décadas, as transformações foram tão rápidas, e
também tão extensas que se tornou extremamente difícil segui-las e
compreendê-las."15
Ao considerar a paisagem, que faz parte da natureza, não podemos deixar de
considerar seus componentes principais que são: "Biótico, compreendendo o
conjunto dos componentes vegetais e animais; Abiótico, agrupando todos os
elementos abióticos (solo e clima) e Intervenção Antrópica, interferindo nos
dois primeiros"16
110
Sendo a paisagem "o suporte físico no qual se estrutura a sociedade,
englobando desde espaços primitivos, sem presença humana, a diferentes
tipos de espaços ou regiões, apropriados de diferentes maneiras pelo
homem". Temos então a paisagem como um resultado de processos naturais
decorrentes da constante transformação da natureza interagindo com os
processos sociais, produzidos pelo homem de modo muito mais acelerado do
que os processos evolutivos naturais.
Retirando da natureza os recursos materiais, visando assegurar sua
sobrevivência, o homem desenvolveu meios de exploração, criando artifícios
capazes de aumentar sua ação dominadora e transformadora da natureza.
Colocando-se como centro principal, as mudanças sempre aconteceram em
função do homem que buscou adequar a natureza as suas necessidades e com
isto foi capaz de promover transformações violentas no meio em que vive,
algumas vezes irrecuperáveis.
Como uma decorrência do esgotamento destes recursos, surge uma
preocupação generalizada pela natureza em todos os níveis e em todas as
regiões do mundo e, hoje, palavras como ecologia, preservação, conservação,
meio-ambiente, passaram a integrar o vocabulário de todos, sobretudo
daqueles interessados pelos problemas relativos à natureza.
Temos que deixar de "tratar a paisagem como uma sucessão de cenas
‘bonitas’ onde se desenrolam alguns momentos da vida humana no meio de
árvores, flores e fontes, mas sim como um conjunto de espaços onde se
desenvolve o cotidiano da vida das populações"17
Para se trabalhar com as paisagens deve-se cultivar o modo de vê-las, que
deverá tentar ser o mais realista possível, considerando as potencialidades do
suporte físico e seu ecossistema, suas características morfológicas, sua
dinâmica, dimensão/escala, identidade, seu valor turístico, potencialidades
paisagísticas e ambientais, suas diversidades e homogeneidades, sua evolução
natural, suas possíveis funções, investigando as relações entre este suporte
ecológico/ambiental, que inclui o conjunto de elementos geográficos e, as
intervenções humanas, que inclui o conjunto de elementos artificiais, levando
em conta fatores como o tempo, a percepção, o sentido, os fatores
psicológicos, com o objetivo final de buscar uma melhor qualidade de vida
para o homem, evitando a produção de paisagens desinteressantes,
monótonas ou de difícil compreensão e tentar suprir a necessidade que o
homem tem destas paisagens.
111
NOTAS
(1) ARNHEIM, Rudolf. Arte Percepção Visual: uma Psicologia da Visão Criadora. São
Paulo. Pioneira. EDUSP, 1986.
(2) LEITE, Maria Angela Faggin Pereira. Uma fundamentação geográfica ao
Paisagismo Regional. Paisagem e Ambiente. Ensaios UI. FAUUSP, São Paulo, 1989.
(3) PELLEGRINO, Paulo Renato Mesquita. A Paisagem Possível. Paisagem e
Ambiente. Ensaios III. FAUUSP, São Paulo, 1989.
(5) MACEDO, Silvio Soares; PELLEGRINO, Paulo Renato Mesquita. Ética e
Estética: o destino do litoral. Paisagem e Ambiente. Ensaios III. FAUUSP, São Paulo,
1989.
(6) DEGREAS, Helena Napoleon. Paisagem e Proteção Ambiental: do Conceito ao
Desenho. São Paulo, 1991. Diss. (Mestr.) - FAUUSP.
(7) ABBUD, Benedito. A Vegetação nos Projetos de Paisagismo. São Paulo. Diss.
(Mestr.) - FAUUSP.
(8) SANTOS, Milton. D a Sociedade à Paisagem: o Significado do Espaço Humano.
s.n.t. (Apostila do Curso de Especialização: Patrimônio Ambiental Urbano. FAUUSP,
1978).
(9) Idem nota 2.
(10) Idem nota 1.
(11) STEVENS, Willian K. Uma nova visão da natureza. Jom al da Tarde, São Paulo,
01 set. 1990.
(12) Idem nota 6.
(13) LAURIE, Michael. Introducción a la Arquitectura del Paisaje. Barcelona, Gustavo
Gilli, 1983.
(14) MOTA, Suetônio. Planejamento Urbano e Preservação Ambiental. Fortaleza.
UFC, 1981.
(15) MAGNOLI, Miranda M. E. M. Território, s.n.t. (Apostila de aula. Curso de
Especialização de Paisagismo. FAUUSP, São Paulo, 02/07/1981.)
(16) Idem nota 6.
(17) MAGNOLI, Miranda M. E. M. Programa e Plano de Ensino. Documento de
aula. fev. 1984.
112
CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONCEITUAÇÃO
DOS ESPAÇOS PÚBLICOS URBANOS
113
medieval (ou mais remotamente, desde a ágora grega e o fórum romano), as
sumindo diversas formas de expressão, porém sempre produto de uma neces
sidade funcional mais ou menos evidente, de caráter civil, militar ou religioso.
É o local de reuniões, notícias e intercâmbios. Convivem o mercado, os tor
neios e competições, as reuniões e as cerimônias públicas.
A ágora é o centro dos negócios e se define espadalmente pela construção
progressiva de edifícios públicos e pórticos. Também o fórum romano é pro
duto típico de uma arquitetura urbana, cercada por monumentos e estátuas,
sendo o local onde se erguem os edifícios públicos mais significativos, agre
gando o mercado e os templos à vida cívica.
Segundo Lewis Munford (A Cidade na História, v. 1), as praças abertas da
Idade Média, em cidades de crescimento orgânico, possuíam configuração
irregular, em forma triangular, linear, oval, dentada, "aparentemente de
forma arbitrária, porque as necessidades das edificações próximas tinham
primazia e determinavam a disposição do espaço aberto" (p. 398). O mer
cado, os torneios e atividades religiosas ocupavam este espaço que, enquanto
escala, se aproximava às dimensões humanas. Isto é, exceto pela catedral e
por alguns edifícios cívicos de maior importância, o gabarito baixo e uma
certa homogeneidade no tratamento das fachadas eram constantes. Na Idade
Média, a praça é a expressão física da urbanização. As áreas vazias espalha
das entre os edifícios extremamente próximos são apropriadas para as ativi
dades coletivas da cidade. Na Renascença, muitas destas atividades passaram
a requerer edifícios especializados como por exemplo: o teatro.
As praças da Renascença caracterizam-se por remodelamentos artísticos das
antigas praças medievais pela nova classe dominante. No entanto, as novas
praças não unificam a cidade como a praça medieval fez, mas introduz um
'enxerto" renascentista na cidade. Praça e estrutura urbana passam a adaptar-
se uma a outra.
A consciência estética sobrepõe-se fortemente sobre o aspecto funcional, de
rivada da tônica humanista do período. Perspectiva, tratamento das fachadas
procurando uma unidade arquitetônica, além de observação estrita de pro
porções entre a praça e volumes do entorno são algumas das intenções for
mais da Renascença.
No Barroco as praças são, inúmeras vezes, produto de planos estabelecidos
por eixos de circulação ou pela intersecção destes eixos, ressaltando nos
pontos focais infinitos caminhos. As formas são geométricas e a escala
114
enorme. A renovação se dá com elementos decorativos como estátuas e
fontes.
Em oposição à tendência da Renascença de incluir as edificações do entorno
na intervenção, as praças barrocas abrem-se espacialmente para a cidade. São
antíteses das praças da Renascença, voltadas para dentro (<enclosed).
No Brasil, segundo Murillo Marx (Cidade Brasileira), a praça "deve sua exis
tência, sobretudo, aos adros das nossas igrejas" (p. 50). Ou seja, somente
diante de capelas, igrejas e conventos foram previstos espaços vazios, ressal
tando as edificações do seu entorno. As funções públicas, via de regra, abri
gadas em edificações alugadas, não contribuíram para o surgimento de pra
ças, ao contrário da ocupação espanhola (Plaza Mayor ou a Plaza de Armas).
Enfim, são poucas as nossas praças cívicas e em menor número ainda as mi
litares, que mantêm tais funções hoje em dia. Mesmo como origem é predo
minante a função religiosa, a presença da igreja ou da catedral na paisagem
urbana.
Suscintamente, podemos perceber que o caráter marcadamente funcional da
praça, que gera o espaço comunitário e por que não, a percepção da cidada
nia, foi evoluindo até o presente, alterando sua morfologia, seu papel na
malha e na paisagem urbana e sua concepção, produto das diferentes postu
ras do urbanismo.
Em contrapartida, passa-se a uma rápida análise de outra possibilidade de
apropriação do espaço público urbano, produto direto de uma nova situação
político-econômica que evidencia uma nova função: o lazer e a recreação, não
como mais uma das atividades humanas, mas como necessidade básica gerada
pela divisão do trabalho e oriunda da industrialização e da urbanização acele
rada de meados do séc. XIX.
Segundo Michael Laurie (An Introduction to Landscape Architecture), os es
paços abertos tradicionais eram os mercados, os locais para a prática de es
portes e cultos religiosos e sagrados, não existindo o espaço público para re
creação não específica.
Somente em ocasiões especiais, quando uma propriedade privada era aberta
ao público, as pessoas tinham oportunidade de ver jardins "plantados"
Na Idade Média, apesar da alta densidade urbana, a proximidade com o
campo e a pequena escala das cidades fazem com que a recreação da popula
ção e as grandes concentrações ocorram nas escadarias das igrejas, nas áreas
de mercados e praças.
115
A partir da Renascença inicia-se a abertura eventual de jardins privados ao
público. A Coroa e Nobreza passam a abrir seus portões ao povo, especial
mente em Londres e grandes capitais européias. De acordo com Jellicoe (The
Oxford Companion to Gardens), além dos espaços abertos acessíveis ao pú
blico, usualmente por graça ou favor real ou aristocrático, outras duas origens
marcaram a criação dos parques: o Volksgarten, que a partir de uma teoria
alemã, preconizava a necessidade de locais onde todas as classes sociais con
vivessem próximas à natureza, com edifícios contendo obras de arte voltadas
à História, e o parque público propriamente, pertencente ao público como
um direito e provido das facilidades que responderiam as solicitações das no
vas cidades em processo de industrialização.
Convém observar a existência de parques específicos (botânicos, horticul
tura), que não serão objeto de estudo devido à sua especificidade funcional
acarretando uso restrito, apesar de reconhecermos a sua contribuição ao
conhecimento científico das espécies, divulgando e consolidando a prática da
jardinagem.
Com o aumento da população urbana, a arquitetura, basicamente palaciana e
eclesiástica, passa a ter novos programas e exigências que despontam com a
consolidação da nova classe burguesa emergente: surgem os teatros, escolas,
óperas e bibliotecas. Esta mudança de programa acompanha a consolidação
do capitalismo industrial.
Uma nova forma de percepção das condições de vida se implanta: noções de
movimento (aumento do volume de circulação de mercadorias e pessoas) e
multidão, alterando a vivência do tempo, da distância e, conseqüentemente
dos espaços.
Surgem as ferrovias e rodovias trazendo novos contornos à Paisagem Urbana,
através das novas edificações que abrigam as estações ferroviárias, as fábri
cas, habitações multifamiliares, além de novas formas de geração de energia.
Um conjunto de novas demandas técnicas, funcionais e culturais associa-se a
uma nova imagem visual para a cidade.
Neste contexto, desenvolvem-se, de maneira mais sistemática, propostas e
movimentos ligados à implantação dos parques públicos. A ruptura com o es
paço da aristocracia (Vilas Italianas), da nobreza (Versailles) e das grandes
propriedades rurais (Inglaterra), traz uma nova adjetivação do espaço aberto
urbano: o caráter público, que face ao aspecto predominantemente privado
que tinha até então, dá novo significado à prática do profissional que atua na
área da produção da Paisagem. É desta época (1840) a distinção entre "jardi
116
neiros"* (landscape gardeners) e o que futuramente seria denominado "arqui
tetos da paisagem" (landscape architects).
No final da década de 60 do século passado, a maioria das grandes cidades da
Inglaterra e França têm seus parques públicos. Inspirada em seu exemplo, a
maior parte dos países europeus (exceto Alemanha), América Latina e algu
mas outras colônias seguem esta atitude, sem, no entanto, oferecer novas so
luções de design.
Somente a partir do início do séc. XX é que o desenho dos parques (park
design) se integra mais firmemente ao planejamento urbano, apesar de nos
EUA, já no séc. XIX, nascer o conceito de Sistema de Parques com o movi
mento dos Parques Americanos (National Park Movement), remetendo aos
nomes de Downing, Olmsted e Vaux.
As grandes áreas nas cidades passam a receber uso específico de recreação
(Central Park/Nova York, Fairmont Park/Filadelfia, Parques de Chicago,
Golden Gate Park, etc.) O início da prática de esportes organizados influi di
retamente no programa de alguns parques.
Amplia-se a escala de intervenção: subúrbios, cidades-jardins, "The City
Beautiful Movement", efetivando-se a integração das intervenções paisagísti
cas ao planejamento urbano, culminando com o sistema de parques suecos,
exemplos em Berlim e Hamburgo na década de 20 e as Novas Cidades Ingle
sas, após a Segunda Guerra Mundial, retomando, em muitos casos, as pre
missas das cidades-jardins.
A conceituação vigente no que se refere à abordagem de praças e parques faz
com que, em realidade, a denominação empregada tenha caráter muitas ve
zes arbitrário e vinculado a uma imagem superada e, portanto, restritiva, na
medida em que limita a leitura de novos fenômenos espaciais que ocorrem
nas cidades. Mais importante ainda, é o impedimento de um aprofundamento
teórico e experimental por parte dos profissionais produtores e críticos dos
espaços de uso coletivo.
O que distingue efetivamente uma praça de um parque? O raio de abrangên
cia (seu caráter local, metropolitano ou regional? Comparar Parque do Ibira-
puera e Praça da Sé, semelhantes neste aspecto); configuração espacial e di
mensões (a reduzida área do Parque Trianon e as grandes dimensões da
mesma Praça da Sé); a porcentagem de área verde face a porcentagem de
área pavimentada e/ou construída, observando-se que alguns órgãos públicos
estabelecem como norma para projeto de praças 20% de área pavimentada e
80% de área que definem os parques como "espaços abertos públicos caracte
117
rizados pela predominância de elementos naturais em sua composição e pela
independência espacial com relação à malha urbana" (Rosa Kliass em "Pla
nejamento dos Espaços Públicos: métodos, técnicas e documentação", Apos
tila ABAP), motivando a discussão sobre a questão da inserção da vegetação,
da água e dos demais elementos naturais em meio urbano.
Ainda no que se refere às funções que abriga, à imagem que este espaço con
solida na Paisagem Urbana e sua origem histórica, inúmeros são os pontos
polêmicos, uma vez que qualquer abordagem que se detenha em alguns pou
cos pontos de análise, tenderá a falhar no estabelecimento de uma conceitua-
ção mais atual, tal a complexidade de situações e soluções que se apresentam.
A leitura detalhada do conjunto destes itens é fundamental para o entendi
mento dos espaços públicos urbanos em suas sutis nuances e variações. A
evolução das cidades e sua configuração atual criaram novas demandas e res
postas para estas questões que, globalmente, acabam por gerar novas paisa
gens e novos espaços que extrapolam o âmbito da mera definição.
A dinâmica da apropriação humana talvez seja um dos aspectos básicos para
a revisão da tradicional caracterização dos espaços livres urbanos, pois a ex
pectativa e a atuação efetiva do usuário reflete-se diretamente sobre o es
paço, juntamente com a acelerada transformação da cidade, apoiando a re
definição dos espaços de uso coletivo.
Como entender La Villete, ou diversos outros parques temáticos, frente à
conceituação de profissionais atuantes na área de paisagismo, como citado
anteriormente. Como analisar que o Memorial da América Latina, onde pre
dominam as edificações e os elementos construídos como o parque francês
citado, agravado, no caso brasileiro, pelo total descaso no tratamento do es
paço aberto. Que conseqüências trazem à paisagem de São Paulo as praças
do metrô, marcas recentes de grandes intervenções espaciais em uma cidade
que não tem controle sobre a produção de seu espaço. Como reduzir a dis
cussão simplesmente a tópicos tais como escala, porte ou dimensões, conside
rando-se a existência dos "Pockets Parks".
118
Cidades tão distintas como São Paulo e Tókio se assemelham através da uni-
cidade técnica, tendendo à unicidade morfológica. A heterogeneidade é,
muitas vezes, dada pelo envelhecimento díspar, já que a internacionalização
do capital vem reduzindo as possibilidades de manifestação regional.
No entanto, este momento histórico, com seus produtos aparentemente defi
nitivos que expressam as evoluções do capitalismo, atravessa um período de
novas propostas formais e novas imagens, onde flexibilidade, mutabilidade e
valorização do espaço (no nosso caso: o espaço livre urbano) são entendidos
a partir da aceitação da cidade como um produto do homem e, portanto, da
natureza, superando o pensamento reducionista que culminou em uma visão
do meio urbano como o resultado mal acabado dos males da era industrial.
119
PARQUE
origem histórica
Função: lazer (ativo e passivo) como contraponto à sociedade industrial
independência espacial com relação à malha urbana
Relação com o Entorno: se isola da cidade (acessibilidade, escala de
abrangência: metropolitano, bairro vizinhança, etc.)
O espaço é contido em si mesmo, envolve mais o indivíduo, enquanto percep
ção espacial global
Imagem Urbana: "ilha" de amenização isolada, fechada para a cidade.
conjunto fragmentado com unidade
predomínio de elementos naturais em sua composição
dimensões: maiores, se comparadas a uma ou algumas praças urbanas.
BIBLIOGRAFIA
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TOBEY, G.B.A History o f Landscape Architecture. The Relationship of People to En
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120
PERCEPÇÃO DO ESPAÇO URBANO:ANÁLISE
DA VALORIZAÇÃO DE PAISAGENS URBANAS
121
vida, do ponto de vista, da hora do dia ou da estação do ano. A continuidade
necessária para a conservação do valor da imagem é o elemento mais impor
tante do mapa mental construído através da percepção da cidade pelos usuá
rios. Esta imagem mental é viva, possui formas e texturas, assim como outros
pormenores abstratos envolvendo estruturas identificadas como ponto refe
rencial. Ainda é Lívia de Oliveira2, quem comenta que a imagem ambiental é
uma parte fundamental de nossos equipamentos para viver, pois permite mo
bilidade, orientação, organização das atividades e particularmente é usada
como quadro de referência.
Geralmente percebemos nossa cidade não como um todo, mas de uma ma
neira fragmentada, ou seja, percebemos partes dela, como os percursos de
nosso cotidiano: o caminho que percorremos até nosso local de trabalho, ou
para irmos ao mercado, ao banco, ou deixar as crianças na escola. Todos nos
sos sentidos estão envolvidos nesta percepção, e a imagem que se resulta é
composta de todos eles, e está repleta de lembranças e significados. Segundo
Tuan : "O espaço construído pelo homem pode aperfeiçoar a sensação e a
percepção humana. É verdade que, mesmo sem forma arquitetônica, as pes
soas são capazes de sentir a diferença entre interior e exterior, fechado e
aberto, escuridão e luz, privado e público. Mas este tipo de conhecimento é
rudimentar. O espaço arquitetônico, até uma simples choça rodeadas por
uma clareira, pode definir estas sensações e transformá-las em algo
concreto".
Mas a cidade não é apenas para ser percebida pelas mais variadas pessoas,
das mais diversas classes sociais e personalidades, e com os mais diversos in
teresses que a habitam. A cidade também deve ser legível. E o que confere
legibilidade à uma cidade? O que a transforma num lugar para seus cida
dãos? A resposta está na paisagem que a estrutura. Esta paisagem que iden
tificamos diariamente, atribuindo significados aos marcos deste sítio urbano,
como as casas, as praças ou os bares e cafés. Segundo Lynch4: "Sobretudo se
o meio ambiente está visivelmente organizado e nitidamente identificado, po
derá então o habitante dá-lo a conhecer, por meio dos seus próprios signifi
cados e relações. Nesse momento tornar-se-á um verdadeiro lugar notável e
inconfundível",
É ainda Lynch5, quem afirma que: "Estruturar e identificar o meio ambiente
é uma atividade vital de todo animal móvel. São muitas as espécies de orien
tação usadas: a sensação visual da cor, da forma, do movimento ou polariza
ção da luz, assim como outros sentidos, tais como o cheiro, o ouvido, o tato, a
122
cinestesia, a noção da gravidade, e talvez as de campos magnéticos ou
elétricos.
E é através da identificação diária desta paisagem edificada que nós nos
orientamos dentro de nossas cidades. Através da verificação dos marcos ur
banos é que criamos uma imagem mental, que faz com que não nos sintamos
perdidos, que nos orienta. Esta imagem é fruto não só de nossa percepção
imediata, mas também de nossa percepção passada, de nossa memória. No
vamente segundo Lynch6: "A necessidade de conhecer e estruturar o nosso
meio é tão importante e tão enraizada no passado que esta imagem tem uma
grande relevância prática e emocional no indivíduo".
A construção desta imagem é um processo bilateral existente entre a paisa
gem urbana e o cidadão, através do qual o cidadão atribui valores a esta pai
sagem, sendo portanto algo extremamente subjetivo e particular. E a paisa
gem, por sua vez, também influencia o cidadão diferentemente. Mas de qual
quer forma, parece existir uma imagem comum entre indivíduos de um
mesmo grupo, e é esta imagem comum que nos interessa preservar, resga-
tando-a de nossa memória e de gerações anteriores, como um instrumento de
identificação, de ligação, entre os cidadãos e sua cidade, pois é justamente
esta que faz com que a cidade assuma uma conotação de LUGAR para seus
moradores. É novamente Lynch7, quem comenta que: "As pessoas criaram
uma forte ligação a tudo isto, a todas estas formas nítidas e diversificadas, li
gações estas que se ligam a um passado histórico ou a sua própria experiência
anterior. Todas as cenas são imediatamente reconhecidas e trazem à memó
ria um conjunto de associações".
Esta é então a Paisagem Urbana que queremos e devemos valorizar e conse
qüentemente preservar, pois o núcleo urbano é um bem cultural composto de
mil e um artefatos relacionados entre si, que vão desde aqueles de uso indivi
dual, passando por outros de utilidade familiar, a começar pelas moradias, até
os demais de interesse coletivo. Assim, constatamos que um conglomerado
urbano se resume num local onde se desenrolam concomitantemente infinitas
atividades exercidas através de infinitos artefatos dispostos no espaço segundo
suas funções ou atribuições.
Dentre nossas cidades, sejam de que idade for, muito poucas ainda podem
nos mostrar as relações originais entre espaços livres e construções da mesma
época.
Espaços livres públicos, logradouros, espaços livres internos ou quintais. Evi
dentemente essas relações são decorrentes de variadas expectativas culturais,
123
então elas têm que ser entendidas tão somente como uma parte remanes
cente de outras articulações mais amplas e hoje desapropriadas e irrecuperá
veis.
Em qualquer uma dessas cidades, é impossível a recuperação em sua totali
dade do que tivesse sido seu conjunto original articulado de bens culturais,
porque a sociedade hoje não é a mesma, e está a fim de usar outros artefatos
em outros programas de necessidades, posto que as condições sociais, eco
nômicas e o momento histórico que determinaram aquele ambiente urbano
são outros. No fundo, resta-nos conservar e valorizar cenários compostos de
fachadas de casas velhas, como tem sido feito. Sim, conservamos alguns cená
rios, mas eles nos são da maior importância, porque foi o pouco que nos res
tou, já que nunca soubemos preservar outros documentos de nossas antigas
populações urbanizadas.
A valorização e preservação dessas visualizações cênicas são de suma
importância, porque nos revelam, nas relações espaciais, até intenções
plásticas, nem sempre compromissadas com a estética oficial das ordenações.
A Paisagem Urbana, assim como a cidade, é algo extremamente dinâmico, e
está constantamente passando por processos de transformação mais ou
menos drásticos. Segundo Toledo8: "A cidade, como todo organismo vivo,
está em permanente mutação. Entre a natureza virgem e a metrópole há uma
sucessão permanente de alterações, de boa ou má qualidade que
caracterizam um ambiente. É o que os ingleses designam por site. O homem
é participante da paisagem. Sua obra testemunha como, ao longo dos séculos,
ele foi se adaptando ao meio ambiente. O patrimônio ambiental urbano,
portanto, é um dos mais eloqüentes testemunhos do que se convencionou
chamar de cultura".
As necessidades presentes no aparecimento de uma cidade, tais como as das
vilas mineradoras surgidas na região das Minas Gerais na época da explora
ção de ouro no Brasil Colônia, ou as das surgidas com o avanço do cultivo do
café no oeste Paulista e posteriormente norte do Paraná, ou ainda aquelas
surgidas mais recentemente com a construção de barragens hidroelétricas, di
recionam e influem a formação e transformação de sua paisagem, determi
nando certa configuração física, que certamente se altera quando as necessi
dades também se alteram. Nesta paisagem, de um momento a outro,
desaparecem muitas das estruturas espaciais, e parte do que se perde, com
certeza poderia e deveria ser preservado. Nem tudo é claro, pois novas e
adequadas estruturas são criadas, mas resta-nos a questão: qual o grau de
limitação das transformações? Precisa-se chegar a mudanças tão
124
abrangentes? Outras mudanças com certeza virão, a cidade, já foi comentado,
é dinâmica, e como lidar com ela, como encaminhá-la valorizando também o
existente, ainda é uma dúvida.
Este processo de transformação urbana é observado em uma escala mais ou
menos intensa na maioria das nossas grandes e médias cidades, onde o pro
cesso de renovação, de mutação, se dá de um modo similar, através da diver
sificação de usos e por vezes da verticalização. Entretanto, é impossível a re
constituição de uma paisagem, principalmente urbana, com absoluta precisão,
posto que ela varia constantemente. Mesmo que fossem mantidas ali suas
edificações primitivas, os jardins se alteram com o crescimento da vegetação
ou até mesmo deixam de existir, vias são alargadas, os espaços livres se mo
dificam de acordo com as alterações de uso que lhes são de certa forma im
postas. Uma praça rodeada por palacetes ecléticos com seus jardins, mostrar-
se-á completamente diferente ao substituí-los por edifícios de apartamento ou
por agências bancárias. É novamente Lynch , quem afirma que: "um novo
objeto pode parecer ter uma forte estrutura ou identidade devido às suas ca
racterísticas físicas que insinuam ou determinam a sua própria estrutura".
Mas na memória, na lembrança das pessoas, sobrevivem imagens, sínteses de
elementos significativos de uma paisagem de seu cotidiano, e que se encon
tram vestígios por vezes diluídos nas novas paisagens. Segundo Benevolo10:
"As cidades brasileiras crescem muito rapidamente, e entre elas, São Paulo
mais do que qualquer outra. A velocidade é tão grande, a ponto de apagar, no
espaço de uma vida humana, o ambiente de uma geração anterior: os jovens
não conhecem a cidade onde, jovens como eles, viveram os adultos. Assim, as
lembranças são mais duradouras que o cenário construído e não encontram
nele um apoio e um reforço",
125
O patrimônio de uma cidade está representado não só nos edifícios, mas
também nos objetos, na paisagem, nos costumes, nas tradições, nas festas.
Enfim, em tudo aquilo onde se reconhece a vida, a história e os valores cultu
rais expressos pelos vários segmentos da população.
É enorme o número de bens que compõem o patrimônio cultural de um
povo, de uma nação, ou mesmo de um pequeno município. E nunca houve, ao
longo de toda história da humanidade, interesses voltados à preservação de
artefatos do povo. Esta questão da memória social, tão dependente da pre
servação do patrimônio cultural, tem sido tratada com seriedade somente
agora, em tempos recentes. Devemos, então, de qualquer maneira, garantir a
compreensão da nossa memória social, preservando o que for significativo
dentro do nosso vasto repertório de elementos componentes do patrimônio
cultural.
Isto é fundamental para a defesa e consolidação dos valores de cidadania das
mesmas. A cultura de um povo, através de suas manifestações sociais, artísti
cas e cotidianas, constituem parte integrante do presente e do futuro de cada
comunidade, singuralizando-a e caracterizando-a dentro das inúmeras diver-
sidades que compõem a sociedade.
A expansão rápida das cidades, principalmente a partir da década de 50, oca
sionou um rompimento da individualidade destas, e conseqüentemente, a
destruição de seu patrimônio cultural, onde edificações representativas e re
levantes para a memória histórico-urbana, são substituídas por outras, aliení
genas ao processo. Esta destruição acarretou sérias conseqüências, como o
comprometimento de uma imagem mental legível para os moradores das ci
dades, o que torna fundamental nos dias de hoje a preocupação com a pre
servação, ou seja, a identidade dos símbolos, dos valores e dos bens culturais
destas comunidades.
A cidade tem que ser encarada como um artefato, como um bem cultural
qualquer de um povo. Mas um artefato que pulsa, que vive, que permanen
temente se transforma, se autodevora e se expande em novos tecidos, recria
dos para atender a outras demandas sucessivas de programas em permanente
renovação. Portanto, preservar e valorizar não significa congelar o passado,
mas possibilitar que a cidade se desenvolva de acordo com suas necessidades
atuais, incorporando as mudanças e ao mesmo tempo guardando suas carac
terísticas particulares.
BIBLIOGRAFIA
BENEVOLO, Leonardo. A Cidade e o Arquiteto. São Paulo, Perspectiva, 1984.
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Geografia Teorética, v. 3, n. 6,1973.
NOTAS
(1) Livia de Oliveira. Contribuição dos estudos cognitivos à percepção geográfica.
Geografia , v. 2, n. 3,1977, p. 68.
(2) Ibid., p. 68.
(3) Tuan, Yi-Fu. Espaço e Lugar. São Paulo, Difel, 1983, p. 114.
(4) Lynch, Kevin. A Imagem da Cidade. São Paulo, Martins Fontes, 1988, p. 103.
(5) Ibid., p. 13.
(6) Ibid., p. 14.
(7) Ibid., p. 104-105.
(8) Toledo, Benedito Lima de."Apresentação" Macedo, Silvio Soares. Higienópolis e
Arredores: Processo de Mutação de Paisagem Urbana. São Paulo, Pini/EDUSP, 1987.
p. 3.
(9) Lynch, Kevin. A Imagem da Cidade. São Paulo, Martins Fontes, 1988, p. 17.
(10) Benevolo, Leonardo. "Apresentação" Toledo, Benedito Lima de. São Paulo: Três
Cidades em um Século. São Paulo, Duas Cidades, 1981, p. 7.
127
HISTÓRIA E PAISAGEM
O PAISAGISMO NO BRASIL -
INTRODUZINDO A QUESTÃO
Foto 1, Largo da Carioca, na cidade do Rio de Janeiro, o desenho orgânico dos pisos se
contrapõe à rigidez da trama urbana, colaborando na estruturação de um dos mais importantes
projetos de Roberto Burle Marx.
131
Neste século, os ricos barões do império nas suas residências apalacetadas,
situadas nos subúrbios rurais do Rio de Janeiro e de São Paulo, erguiam suas
casas em meio a extensos parques inspirados nos arcadianos jardins ingleses e
nos clássicos jardins franceses. Como característica desta época os parques
públicos ou privados e as praças apresentavam, em meio a uma conformação
européia, uma vegetação diversificada, com espécies importadas e nativas
(tropicais).
Desenho 1 / 2 - 0 traçado atual do jardim da luz em São Paulo, da forma como é conhecida hoje
e traçado no final do séc. XIX obedece aos cânones do pitoresco com marcada influencia do
paisagismo francês. (Desenhos: Mauro Fonte e Belmiro dos Santos Rodrigues Neto.)
132
Os trabalhos mais notáveis deste último período são da autoria de Auguste
Marie Frandsque Glaziou, botânico francês e hábil paisagista, trazido por so
licitação do Imperador D. Pedro n , em 1860, para remodelação dos jardins
do Passeio Público.
No início do séc. XX, com a constante urbanização do país nos seus então
dois principais centros, Rio de Janeiro e São Paulo, criou-se condições para o
surgimento de profissionais nacionais, que projetaram ainda sob os canônes
importados, mas utilizando largamente espécies oriundas da luxuriante vege
tação tropical que conviviam lado a lado com as tradicionais plantas de
origem européia.
133
Este é o período do Ecletismo e as linhas projetuais se vinculam à criação de
espaços que conduzam e valorizem o edifício, sendo criados caminhos e pas
seios, que são balizados por fontes, quiosques esculturas e pergolas, sendo
que cada projeto está vinculado a um pseudo-estilo como o gótico, o romano
ou o neodássico.
Foto 4 - Os jardins
particulares dos palacetes e
chalés do início do séc. XX
em São Paulo são ricamente
elaborados, acompanhando
formalmente o estilo das
residências e sempre se
constituindo de caminhos
organizados por entre
canteiros, muitas vezes por
arbustos sujeitos a poda
topiária. (Foto: Sociedade
Comercial e Construtora -
Arquivo Silvio S. Macedo.)
134
O início do século marca ainda um período de intensa criação de espaços pú
blicos urbanos, destacando-se o projeto do cinturão de parques do centro de
São Paulo, o chamado "Plano de Boward", a avenida Central e a avenida
Costeira, atual avenida Beira-Mar e o espaço para a Exposição Internacional
de 1922, derivado do desmonte do Morro do Castelo, todos na cidade do Rio
de Janeiro, e um pouco mais tarde o Parque do Ipiranga, em São Paulo,
elaborado por Dieberguer. A estes se seguem diversos parques em estâncias
balneárias e pelas diversas capitais do país.
Foto 6/Desenho 5 - A foto e o desenho mostram o centro de São Paulo no final dos anos 20 e
o cinturão de parques que envolvia o centro da cidade os parques D. Pedro II e do
Anhangabaú - desenhados por Bouward.
Foto 7 - Parque do Ipiranga em São Paulo - estruturado por Reynaldo Dieberguer em 1922.
(Foto: José Joel de Aquino - Arquivo: O Estado de S. Paulo.)
135
O período pré e pós Segunda Grande Guerra marca uma mudança significa
tiva no urbanismo e na arquitetura brasileira que impõe uma nova linguagem
ao desenho da cidade e todo o estilismo do ecletismo é banido.
Nesta época, Roberto Burle Marx concebe uma série de importantes traba
lhos, na esteira dos modernos projetos de arquitetura e imprime um estilo
próprio ao projeto de paisagismo. Pela primeira vez se valorizam totalmente
as plantas nativas e ele as explora cenicamente na sua postura projetual, den
tro de uma visão de artista plástico que é, criando desenhos, e espaços ade
quados à postura arquitetônica moderna e nacionalista vigente. Trabalha in
tensamente e cria durante o período algumas das suas principais obras como
o jardim do Ministério da Educação e Cultura, MEC, o Parque do Aterro do
Flamengo e o Jardim do Itamaraty em Brasília.
Em São Paulo, no início dos anos 50, dois paisagistas, também vinculados à
nova geração de arquitetos modernos, iniciam suas atividades, Waldemar
Cordeiro (artista plástico) e Roberto Coelho Cardozo. Este último clara
mente influenciado pelos expoentes do paisagismo da Costa Leste Americana
cria uma escola projetual divulgada principalmente por duas discípulas, Rosa
Kliass e Miranda M. M. Magnoli, que apreendem e aperfeiçoam suas
posturas e as transmitem a toda uma nova geração de arquitetos paisagistas.
Surge então o que pode ser chamada uma escola "paulista" ou arquitetônica
de paisagismo.
Esta linha consolida-se, a partir dos anos 70, com a contínua formação de ar
quitetos influenciados por tal escola projetual, que engajados no mercado de
trabalho criam um importante conjunto de obras como os novos grandes par
ques, no período, na cidade de São Paulo e são responsáveis por uma série de
projetos públicos e particulares pelo país, que apesar de utilizarem algumas
posturas projetuais de Burle Marx, como a valorização radical da planta na
tiva e o uso do mosaico português elaborado na forma de pisos complexos,
têm uma identidade própria, distinta da obra do mestre.
A década de 90 traz um impasse ao projeto paisagístico brasileiro. Os mestres
ainda projetam e seus discípulos desenvolvem trabalhos seguindo as linhas
consagradas nos períodos 1940-1960. A cidade brasileira, no entando, é outra,
os modos de utilização dos espaços livres estão se alterando e a forma conti
nua a mesma. A maioria dos paisagistas desenvolvem projetos com esquemas
consagrados e alguns introduzem modestas variações estilistas baseadas no
estilo pós-moderno, existindo hoje uma necessidade, que caberá portanto a
uma nova geração, de renovação, questionamento e revisão dos velhos totens
modernos.
136
Fotos 8 e 9 - Projeto típico de paisagismo dos anos 70 em São Paulo, apresentando um intenso
da vegetação tropical, criando espaços para lazer ao invés de caminhos e uma integração física e
visual dos espaços internos e externos ao lote (rua Cons. Brotero). (Foto: Silvio S. Macedo.)
137
Desenho 7 Esquema geral do Parque do Piqueri, projetado nos anos 70 por uma equipe de
jovens paisagistas para o Depave, Departamento de Parques e Areas Verdes do município de
São Paulo e apresentando um desenho típico do que se pode considerar uma Escola Paulista de
Paisagismo. (Esquema de Mauro Font e Belmiro dos Santos Rodrigues Neto.)
BIBLIOGRAFIA
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CARDOSO, Omar de Almeida. Relatório Final de Pesquisa CNPq - Bolsa de Inicia
ção Científica. "Arquitetura Paisagística e a Cidade, do Ecletismo ao Moderno:
Fundamentos Conceituais e Rebatimentos Espaciais", FAUUSP, 1991.
CASTILHA, Marcos. Relatório Final de Pesquisa CNPq - Bolsa de Iniciação Cientí
fica. "Arquitetura Paisagística e a Cidade, do Ecletismo ao Moderno: Fundamen
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ZIMBER, Germano. Jardins de Hoje. São Paulo, Prefeitura do Município, 1946.
138
SÃO PAULO: PAISAGEM E PAISAGISMO
NA PRIMEIRA REPÚBLICA.
(A INSERÇÃO DO QUADRO URBANÍSTICO)
ELIANE GUARALDO
139
No campo das propostas urbanísticas, discutia-se Camillo Sitte (1889), Ray-
mond Unwin e Ebenezer Howard com sua cidade-jardim e o próprio exem
plo do urbanismo haussmanniano, que inspirará as propostas de Prestes Maia
ainda na década de 30, enquanto Le Corbusier já propunha sua Ville Ra-
dieuse!
Qual o espaço e as limitações reais para o nascer e evoluir do Paisagismo Ur
bano nesse contexto? Que papel ele exerceu no processo?
Decidimos abordar a questão a partir da consideração de dois aspectos que,
embora não sejam estanques, serão tratados em separado, até para uma
maior clareza e metodização dos procedimentos de pesquisa que advirão
desse primeiro estudo. Como se trata de uma aproximação inicial, feita com
material disponível, é colocada quase de maneira linear, expositiva, mas de
verá sofrer algumas alterações.
Figura 1 -
Evolução da
.V mancha urbana
1881 1905 no município de
São Paulo.
(Fonte:
SANTOS,
\ Milton.)
O QUADRO FUNDIÁRIO
Como é sabido, o café trouxe radicais transformações à região paulista, no
sentido em que Pierre Monbeig esclareceu bem, quando discute o avanço das
frentes pioneiras no Estado em seu "Pioneiros e Fazendeiros de São Paulo".
O fundamento da propriedade territorial no Brasil era o sistema sesmarial,
isto é, da terra outorgada pelo governo português, depois pelo governo impe
rial. Toda terra não doada em sesmaria era teoricamente do domínio público
ou terra devoluta. Em 1850, porém, o governo promulgou a chamada Lei de
Terras, que estabelecia a não transferência a partir de doação, mas somente
por compra e venda. Com complementações em 1854, 1895 e 1898, essa lei
introduziu um novo elemento no quadro fundiário: o concessionário passa a
ser proprietário, ou seja, a terra torna-se uma mercadoria. Surge assim uma
nova classe de atividade a partir de 1895 e sobretudo de 1900, que é a de "es
peculadores e homens de leis totalmente estranhos à ocupação produtiva da
terra" (Pierre Monbeig). Introduz-se uma noção de propriedade que antes
não existia, e que permitirá o estabelecimento do sistema de crédito aos fa
zendeiros, em 1873, sob hipoteca da propriedade rural. Diante, porém, do
fato de bancos e entidades creditícias verem-se da noite para o dia proprietá
rios de fazendas falidas, nas quais não havia interesse em investimentos ou
administração, o Presidente da Província, Bernardino de Campos, lançou em
1900 a idéia da hipoteca ser realizada sobre o imóvel urbano. O interesse na
valorização da edificação urbana pressiona, então, constantemente o Poder
Público a investir em obras urbanas de grande envergadura, inclusive com a
ajuda de empréstimos externos para garantir a proteção dos interesses da
aristocracia cafeeira, valorizando cada vez mais, em decorrência disso, terra e
imóvel urbano.
Por outro lado, dentro dos limites do município, continuaram as mesmas
formas de acesso à terra: a concessão de datas de terra (doação) e o afora-
mento (concessão tributada anualmente através do foro); essa duplicidade fa
cilitou uma corrida em direção à posse de terras de forma que já em 1852 a
Câmara pedia autorização ao governo provincial para aforar os terrenos de
seu rocio (terreno dado pela Coroa à Câmara, como seu patrimônio, para uso
público; o rocio ficava nos limites da cidade e servia como pasto e local de
pernoite de animais), com o fim de "facilitar a formação de chácaras" (Janice
Theodoro da Silva, 1984); somente 10 anos mais tarde é que a Câmara deli
mita o raio de 1/2 légua (3.300 m) para precisar os limites do rocio e "infor
mar ao Exmo. Governo sobre as datas que tem concedido nos diversos loga-
res do seu rocio..." (Janice Theodoro da Silva). Tais terrenos que, como di
zem as Atas da Câmara citadas, foram doados e não aforados, formam exa
141
tamente o cinturão de chácaras que na planta da cidade de 1897 (Gomes
Cardim), incorporam a mancha urbana contínua em torno do centro antigo,
formando os bairros de Campos Elíseos, Higienópolis, Paulista, Paraíso,
Aclimação, Cambuci, Moóca, Bráz, Pari e Luz. Além desse raio de aproxi
madamente 3 km encontram-se assentamentos descontínuos como Ipiranga,
V. Prudente, Cerqueira César, entre outros, separados da mancha urbana por
grandes vazios.
Assim, o município foi incorporando a privatização de praticamente todo seu
território, fazendo definir aos poucos a figura da expropriação como única
forma de intervenção do Poder Público na cidade.
S PAULO
19S A
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SEÍ-Olo
fE R lM tT R O CENTRAL
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t— 3 TERRAS CE V(XOTAS
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Figura 2
142
Os parques municipais, Anhangabaú e Carmo (Pedro II), surgiram de esfor
ços de vencer a várzea, o rio, e assim mesmo significaram pesadas desapro
priações (caso do Anhangabaú) ou alienação de parte de sua área total em
favor de particulares (caso do Anhangabaú e do Carmo).
O QUADRO URBANO
"Já em 1914, com pouco menos de 500 mil habitantes, a cidade de São Paulo
ocupa uma área tão grande quanto a de Paris" (J. Wilhem e M. Adélia A. de
Souza in Milton Santos, 1990).
A estruturação de São Paulo vai se dar num processo de contínua expansão
horizontal, apoiada nas suas características geográficas, por um lado, em ele
mentos estruturadores, como foi o caso da ferrovia (fins do séc. XIX), da in
dústria (primeiros decênios do séc. XX) e do transporte coletivo (a partir da
década de 20). Tais fatores, coadunados com a característica expansão por
tentáculos, resultaram nos grandes vazios urbanos tão característicos da ur
banização paulistana e no crescimento que expulsa sempre para mais longe as
classes mais baixas; não é preciso dizer que os serviços de infra-estrutura,
entregues desde a década de 1880 às empresas privadas, como a Cantareira e
Esgotos, a Light and Power, a São Paulo Tramway, a Cia. de Viação Paulista,
Cia. Água e Luz, Pucci e Micheli, Empresa de Limpeza Pública (Janice
Theodoro da Silva) acompanhavam a política de segregação espacial de
operários e emigrantes e atuavam em favor da especulação de terrenos, como
as plantas montadas por Raquel Rolnik bem demonstram.
O discurso sanitarista foi em grande parte a âncora do paisagismo no quadro
urbano em São Paulo. Méritos à parte (inclusive os de substituir através dos
Códigos Sanitários um Código de Edificações, que não existiu até 1934,
quando então foi instituído o Arthur Saboya), esse discurso foi usado para o
confinamento das classes baixas para longe das áreas urbanas, como bem
demonstram as orientações do código Sanitário Estadual (1894) e leis de 1895
e 1896. Aquele código estabelecia, por exemplo, a permissividade de cortiços
somente fora do perímetro central, determinando áreas mínimas e a constru
ção de vilas operárias no subúrbio; as leis de 1895 e 1896, por sua vez permi
tiam a demolição de construções insalubres a critério da Intendência e a su
gestão de vilas operárias nas áreas suburbanas, "ligados por bonds que podem
ser prolongados", como diz o texto da lei.
Já de 1901 a 1908 uma lei municipal que isentava de impostos a construção
desse tipo de moradia, desde que fora do perímetro central, induziu à ação de
grandes investidores, que se organizaram em companhias prediais, mútuas e
143
particulares, lançando-se à lucrativa construção de vilas tipo "padrão munici
pal" (Carlos A. C. Lemos, e Raquel Rolnik).
Nenhum código se atinha às demais formas de habitação, a não ser para de
terminar recuos frontais (Padrão Municipal 1920) e mesmo assim repetindo
leis anteriores que já dispunham sobre tais recuos, como é o caso do bairro
de Higienópolis, talvez o primeiro a receber esse tipo de atenção, obrigando a
um recuo de "6 m, pelo menos, para jardim e arvoredo, e bem assim um es
paço não menor de 2 m em cada lado" (Lei nQ355 de 3-6-1898).
No caso típico dos loteamentos da City, hábil empresa de capital inglês que
adquiriu grandes glebas de terreno ainda no final do século passado, para
aguardar a valorização e loteá-las a partir de 1915, as restrições fixadas
quanto a recuos, volumetria, taxa de aproveitamento e até altura e forma de
gradis de frente, eram mais rígidas que as da Prefeitura, tendo que se sujeitar
a elas qualquer morador, quando da compra do lote. O desenho dos bairros,
inspirado nas cidades-jardinsl, previa grandes áreas livres e arborizadas ao
longo das vias, desenhadas em curvas para obrigar ao trajeto em pequena
velocidade; as áreas internas de insolação, iluminação e uso recreativo foram
suprimidas.
Figura 3 - Planta original do Jardim América, projetado em 1910 por Barry Parker. As áreas
livres no centro das quadras desapareceram quando da venda e ocupação dos lotes. (Fonte:
REALE, Ebe. Brás, Pinheiros, Jardins.)
144
A "febre" do higienismo também favoreceu a forma de ocupação esparra
mada e horizontalizada da cidade (Milton Santos lembra a esse propósito que
em 1970, enquanto o Rio de Janeiro já contava com 3.016 prédios, com mais
de três andares, todo o estado de São Paulo tinha somente 625). O enge
nheiro Victor da Silva Freire, ao falar em 1914 sobre a relação entre
insolação e gabarito urbano, criticava a adoção dos 16 m de largura para ruas
de bairros suburbanos que o Código de Posturas de 1886 previa, explicando
que essa medida fora adotada tomando-se como base a lei parisiense,
incorrendo em grave erro, por serem clima e latitude tão diferentes,
implicando em uma subutilização do terreno urbano e tornando a cidade
mais cara do que o necessário. E em seguida, utilizou como exemplo de bom
agenciamento entre áreas livres e edificações o projeto de retalhamento de
uma área de 80 alqueires, onde haveria "avenidas principais de 24 a 36 m,
dilatadas n’alguns pontos até 39 e 44 m, e ruas que, segundo sua importância
e destino, variam desde 15 a 9,70 m. Proporciona ao público dez praças, um
parque e um grande passeio arborizado, não se cortaram as frondosas árvores
que já existiam, margeando o curso do rio, passeio em cuja parte inferior se
nos depara novo parque. Tem, pois, espaços abertos em abundância e os
quarteirões e perfis de ruas foram cuidadosamente estudados a fim de
alcançar a solução mais comoda e ecônomica (...)".
Pois bem, da superfície total, a parte entregue ao domínio público sob forma
de ruas, avenidas, praças e parques, representa a porcentagem de apenas
33,5% (Victor da Silva Freire. Revista Politécnica).
O exemplo citado pelo engenheiro arquiteto era o projeto que venceu o con
curso do National Conference on City Planning nos E .U A ., ocorrido em
1913, cuja autoria era de uma equipe da qual Frederick Law Olmsted fazia
parte. (Esse fato mostra, aliás, que contrariamente ao que pesquisadores
afirmam, mesmo antes da Primeira Guerra, já havia algum conhecimento e
discussão sobre o que se fazia nos Estados Unidos em Urbanismo e sobre a
importante atuação de Olmsted.)
Os grandes exemplos de Paisagismo, que a cidade não só discutiu, como viu
realizar, foram os dos parques Anhangabaú e Carmo (Pedro II), realizados
em conjunto com o Plano Melhoramentos da capital (1911).
Criou-se, então, um clima de intensa polêmica de que participaram alguns
setores da elite intelectual, acerca das três propostas apresentadas. Foi
quando se chamou o arquiteto Bouvard, antigo colaborador de Alphand na
reforma da capital francesa e diretor dos Serviços de Passeios e Jardins da
145
cidade de Paris, que estava de passagem por São Paulo, voltando de Buenos
Aires onde projetou as reformas urbanas da cidade.
Bouvard fez uma espécie de carta de recomendações, sugerindo, além de al
gumas reformas viárias, a criação de três parques na cidade: os dois
mencionados e a Praça Buenos Aires (portanto não prevista originalmente no
plano de Martinho Burchard e Victor Nothmann, quando mandaram abrir o
bairro aristocrático de Higienópolis).
De escalas menores, porém com grande requinte de arborização e ajardina-
mento, apareceram praças, largos e jardins, de que se encarregava do projeto
à execução e manutenção a Adminsitração dos Jardins, departamento autô
nomo criado pelo Prefeito Antônio Prado e encarregado de tudo o que dis
sesse respeito aos logradouros públicos da cidade, incluindo, por exemplo,
policiamento, licença para instalação de fotógrafos e equipamentos como
bancos, quiosques, etc.
Figura 4 - avenida Paulita, aberta em 1890, e seu primeiro loteamento, com lotes generosos e
arborização ao longo da avenida. (Fonte: TOLEDO, Benedito L. Álbum Iconográfico da
Avenida Paulista.)
146
A leitura dos relatórios de prefeitos durante o período, mostra uma intensa
atividade de arborização, ajardinamento e manutenção dos espaços públicos.
A forma sistemática com que foram arrolados os logradouros, as espécies ve
getais utilizadas, os coroamentos de canteiros e caldeiras de árvores, inclusive
quantificados, mostram o cuidado e o requinte dessa repartição encarregada
de "embelezar" a cidade; fazem perceber, também, à vista das plantas das in
fra-estruturas, que a arborização das vias acompanhava muito de perto o de
senho da iluminação, da água e esgoto, da linha de bonde. Seria a arboriza
ção, em certo sentido, um elemento da infra-estrutura, ou melhor, seria ela
tão necessária à cidade quanto a infra-estrutura de água, esgoto, luz, a ponto
de ser considerada parte dessa infra-estrutura?
Se as maiores novidades urbanísticas e também as melhores oportunidades
de ação na escala do desenho estavam nas mãos da iniciativa privada, por
outro lado o Poder Público Municipal, através da Administração de Jardins,
tinha atribuições que transcendiam o âmbito do trato do chão público. Em
vários relatórios dessa repartição, encontramos entre os servidores, realizados
plantios, ajardinamento, doação de plantas e até manutenção de clubes, enti
dades filantrópicas, igrejas, instituições de caridade e até particulares. Não
será por isso, por essa constante superposição, que notamos nas plantas da
cidade de 1930 e nas fotografias de logradouros, tanta homogeneidade em de
senho e tratamento paisagístico? Finalmente, o paisagismo público, quase
praticamente restrito ao ajardinamento, e a despeito dessa limitação, dotou
os lugares urbanos de uma certa identidade e de um certo significado: o "em
belezamento", a higienização e a valorização dos seus espaços, ainda que vol
tados mais à elite do que ao conjunto da sociedade paulistana.
Figura 5 - Planta de um
trecho da avenida
Paulista, em 1930.
(Fonte: SARA, Brasil.)
147
BIBLIOGRAFIA
BARBOSA, Maria do Carmo Bicudo. Tudo como Dantes no Quartel de Abrantes. São Paulo,
Tese (Dout.) - FAUUSP.
MARX, Murillo. Nosso Chão: do Sagrado ao Profano. São Paulo, EDUSP, 1989.
MONBEIG, Pierre. Pioneiros e Fazendeiros de São Paulo. São Paulo, Hucitec-Polis, 1984.
ROLNIK, Raquel. Cada um no seu Lugar! São Paulo, Início da Industrialização: Geografia do
Poder. São Paulo. Diss. (Mestr.) - FAUUSP.
SANTOS, Milton. Metrópole Corporativa Fragmentada. O Caso de São Paulo. São Paulo,
Nobel, 1990.
SILVA, Janice Theodoro da. Discurso Ideológico e Organização Espacial. São Paulo, 1554-1880.
São Paulo, Moderna, 1984.
148
RELATÓRIOS DA PREFEITURA 1901A 1925
FREIRE, Vitor da Silva, A Cidade Salubre. Revista Politécnica, 1914.
Código Sanitário Estadual 1894.
Código de Posturas 1886.
NOTAS DE AULA
"Apropriação da Terra e Trama Urbana no Brasil" (disciplina cursada em
1989, prof. Murillo Marx).
"Ambiente e Paisagem Metropolitana" Miranda M. E. M. Magnoli, 1990.
NOTAS
(1) O Jardim América, o primeiro bairro aberto pela City, foi desenhado por
Barry Parker, construtor da Ia cidade-jardim, Letchoworth.
149
O MODERNO NA ARQUITETURA
DA PAISAGEM E A OBRA DE
WALDEMAR CORDEIRO
MARCOS CASTILHA
a) - Residências
151
muito tempo um sistema de implantação, dotado de recuos, mas totalmente
tradicional. Mesmo com as modificações a nível de arquitetura, passando pelo
neocolonial e englobando o moderno, teríamos muito forte a forma de im
plantação com a residência alinhada com os eixos do lote, independente das
dimensões grandes ou pequenas deste.
Esta distribuição dos espaços externos correspondia à uma situação típica de
planta e programas internos. Todas as novas introduções na arquitetura fica
vam restritas à decoração interna e externa ou algumas soluções construtivas
diferentes. Porém, quando relativas às novas implantações ou programas,
eram barrados pelo conservadorismo paulistano. Por este motivo, durante
este período transitório vigente até o pós-guerra, a partir de quando houve a
explosão real dos preceitos modernos, os programas das residências perma
neciam muito presos a padrões ainda da São Paulo do Café e do ecletismo: a
mesma hierarquia de espaços, as peças de distribuição interna, o jardim mo
numental à frente, o "vergonhoso" quintal aos fundos. Isto se mantinha quase
que imutável sob um leque de "casas" neocoloniais, chalés, art-déco e até
"modernistas" .
O tratamento dos jardins, traduzido a nível de piso, organização de circula
ção, plantação e equipamentos, durante estes tempos de transição, passou por
um processo de falta de identidade. Os conceitos e regras no traçado dos jar
dins de estilo, com plantas pitorescas e podas complexas, começaram a se in
viabilizar por dificuldades de manutenção ou exigüidade de terreno.
Mas na seqüência não surgiu uma "nova corrente", com uma nova ideologia e
novas "regras", mostrando como deve ser um jardim belo. Isto só viria a ocor
rer quando da afirmação definitiva da arquitetura moderna, ampliando o
campo para os paisagistas modernos, a citar de início Roberto Burle Marx.
A "acefalia" citada traduziu-se por um grande número de jardins sem premis
sas ou ideologias evidentes. Havia uma mistura de elementos, novos e anti
gos, empregados de muitas formas, mas sem uma intenção arrojada. Muitas
vezes havia o descambo para o aleatório.
As plantas exóticas, neste período, já haviam perdido um bom espaço para a
vegetação nativa. Talvez pela popularização do trabalho de Burle Marx, cujos
primeiros jardins datam já da década de 30. De qualquer modo, as folhagens
tropicais, quando consideradas bonitas, viriam bem a calhar pela sua facili
dade de manutenção, em detrimento da poda topiária.
Mas a vegetação tropical ainda não despontou com uma abordagem plástica
moderna. Ainda seriam inseridas em concepções tradicionalistas de jardim.
152
No entanto, conseguiríamos divisar, durante este período, alguns exemplares
cujos espaços configurariam agradáveis. O bom resultado especial seria ob
tido não pela atenção a correntes e teorias, mas pelo emprego da intuição do
próprio paisagista ou "jardineiro".
154
O termo "jardineiro" é bem propício, pois poderíamos notar na concepção
destes jardins, o emprego de conceitos mais próximos do intuitivo, mais liga
dos a tradições rurais do que conceitos ligados a uma análise urbanística ou
então análises socioculturais da paisagem.
Mas a modernidade não tardaria a se efetivar: a evolução econômica, a evo
lução tecnológica, influências externas. Todo um leque de fatores contribuiu
para que cada vez mais se afirmasse uma nova maneira de se conceber a arte,
a arquitetura e também a arquitetura da paisagem.
O pós-guerra, particularmente a década de 50, caracterizou-se pela afirmação
da arquitetura moderna. É uma década que já assumiu um "perfil" bem defi
nido e com poucos remanescentes dos academicismos.
Nomes que muito anteriormente já haviam se manifestado: Artigas, Nieme-
yer, Levi, etc. seriam agora efetivamente os mestres.
Afirmou-se uma corrente moderna também no paisagismo, que poderíamos,
sem ressalva, atribuir em grande parte ao pioneiro Roberto Burle Marx. Uma
corrente que, no âmbito geral, fez a união entre os aspectos ecológicos nacio
nais e relativos ao espírito e à natureza, com uma visão urbanística e socio-
cultural. A importância do jardim e da paisagem em seu caráter cultural e na
qualificação da vida urbana.
No âmbito interno ao lote, a residência propriamente dita, conceitos como o
pátio interno, ou integração espaço interno e externo, foram levados às últi
mas conseqüências. Primeiramente, isto se fez possível com uma grande
renovação nos programas das residências e também na aceitação de novas
formas de implantação. Uma grande alteração foi a incorporação definitiva
da garagem próxima à rua, sem a passagem lateral. Acreditamos que isto se
consolidou também pela popularização do automóvel, trazendo a necessidade
de abrigos mais largos para a acomodação de maior número destes. Mais
inovador ainda seria a localização de áreas de serviço na parte frontal, como
volumes cegos, de grande força formal. Estes liberaram grandes áreas
internas para espaço de lazer.
Houve uma grande quebra com a antiga hierarquia de desvalorização das
áreas de serviço. Quebra tão evidente também, pela eliminação de "compar
timentos" e integração de áreas como cozinhas e sala de jantar e estar. Inte
gração é a palavra de ordem2.
O jardim, de modo geral, passou a buscar uma relação de intimidade e de uso
afetivo com o usuário. Uso de lazer, de estar, de retiro, mas tudo isto sob um
155
caráter mais intenso e próximo. Áreas de pequenas dimensões seriam trata
das de modo a resultarem em espaços intensos. Também os jardins frontais
perderam o caráter "emoldurador" da residência, embora muitos dos arqui
tetos e paisagistas passassem a concebê-los totalmente abertos para a rua.
Estes últimos passariam a ter uma preocupação com o ambiente da rua e cal
çada, o todo maior onde a casa se insere. O realce à edificação se faria por
um caráter "convidativo" e não "monumental".
No tratamento específico dos jardins, particularmente em São Paulo, seriam
eleitas definitivamente as folhagens densas e as parasitas: "Monsteras", "Phi-
lodendron", "Marantas'' "Helicôneas", "Embaúbas". Os jardins das décadas de
50 e 60 seriam marcantes pela densa plantação destas espécies.
Roberto Burle Marx, quando da afirmação do movimento moderno, obteve
com sua produção paisagística uma repercussão equivalente a do trabalho de
Oscar Niemeyer. Ambos foram, e são, aclamados como expoentes oficiais da
arquitetura moderna brasileira.
O trabalho de Burle Marx obviamente repercutiu e influenciou a produção
paisagística moderna paulistana, mas não a ponto desta assumir um "rosto
Burlemarxiano", como no Rio de Janeiro. Isto talvez devido às características
climáticas, sociais ou até 'metafísicas'' da cidade de São Paulo, muito diversas
das do Rio de Janeiro, onde Burle Marx fez germinar sua filosofia e estilo,
vinculados à exuberância da paisagem. A feição do paisagismo moderno
paulistano seria moldada por dois outros expoentes: Roberto Coelho
Cardozo e Waldemar Cordeiro. O nome de Roberto Coelho Cardozo é mais
popular no meio especializado da arquitetura. Iniciou seu trabalho no Brasil
por volta da década de 50, período em que chegou ao Brasil vindo de uma
longa estadia nos Estados Unidos, onde teve sua formação acadêmica.
A leitura do embasamento teórico de Roberto Cardozo feita aos nossos dias,
pode parecer um tanto "sem novidades" Isto acontece porque os preceitos
modernistas hoje são inerentes à maneira de projetar. Mas se contrapostos ao
pano de fundo da São Paulo recém-saída do ecletismo, na década de 50, ve
mos quanto avanço eles representaram.
Falando ainda especificamente dos pressupostos sobre paisagismo, estes po
dem parecer ainda mais conhecidos ou incorporados. E nada seria mais nor
mal, já que Cardozo foi formador de uma geração paulista de paisagistas, que
por sua vez já ensinaram outra geração. Os pressupostos de Cardozo, e por
tabela, de Garret Eckbo, foram em grande parte incorporados no ensino do
paisagismo3
156
d) - Pérgula, pátio interno
157
Quando observamos a origem da obra de Roberto Cardozo, vemos que ela
tem raízes na obra de Garret Eckbo nos Estados Unidos. Cardozo foi em
grande parte um defensor das idéias de Eckbo, empregando-as nas condições
tupiniquins. Tivemos neste aspecto uma das principais diferenças, e também a
principal característica da obra de Waldemar Cordeiro. Este foi o criador de
uma outra linha de Paisagismo, autor que criou desde a conceituação e ideo
logia até as linhas de projeto. Sua corrente foi absolutamente original, não
tendo os traçados ou soluções inspirados em outros traçados e soluções. Os
projetos são fruto puramente de construção sobre um embasamento concei
tuai.
e) - Projeto Garret Eckbo Projeto Paisagístico de Garret Eckbo. (Fonte: Landscape for
Living.)
158
Waldemar Cordeiro chegou ao Brasil em 1946, tendo realizado estudos artís
ticos na Academia de Belas Artes de Roma, conhecedor de história da pin
tura e com desembaraço necessário para realizar aqui, lá pelos idos de 1947,
a pintura da Capela de Santa Rita na Igreja do Bom Jesus, no Bráz. Era já
crítico o suficiente para publicar caricaturas em jornais editados em língua
italiana.
Em 1948 está radicado definitivamente no Brasil. E nesta época, já iniciava
suas pesquisas em função do abandono da arte como "expressão" e da busca
de uma arte "contingente", Cordeiro iniciou sua defesa ferrenha ao abstra-
cionismo nas artes plásticas.
Nos idos de 1949, Cordeiro e um grupo de artistas de São Paulo, como Saci-
lotto, Geraldo de Barros, Kasmer Fejer, Maurício Nogueira Lima e Lothar
Charoux, já pesquisavam conceitos em função da arte concebida racional
mente: a obra como projeto.
159
quantitativo. "Ele germinava as idéias lentamente e por falta de tempo aca
bava fazendo poucas obras."5
O conceito popular da obra de arte gira em torno de algo que "representa" ou
"registra" um momento, uma idéia ou situação. Algo cercado de conceitos
subjetivos como "sentir", "exprimir sensibilidade", etc. Também, este conceito
muitas vezes atribui à obra de arte um valor decorativo. A busca, na produção
de Cordeiro sempre foi antagônica a isto, pois ele buscava a arte como uma
"coisa" interativa e participante na vida, comunicação e sociedade. Alguns
poderiam dizer que esta seria uma comparação grosseira, mas poder-se-ia
dizer que, nas aspirações de Cordeiro, a obra de arte assumiria um papel
"fundamental", semelhante a um pilar de concreto, estrutural, abandonando a
posição de somente algo bonito, sobreposto e de certo modo até bem
dispensável da vida.
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160
O paisagismo foi uma das formas de arte que permitiu a Cordeiro atingir ou
pelo menos chegar mais próximo de seus objetivos. A solução de um jardim
pressupõe também uma série de adequações funcionais e técnicas, mas per
mite maiores liberdades formais e cromáticas. Ou seja, seria um campo ri
quíssimo que Cordeiro saberia aproveitar. Somou ao paisagismo típico, diver
sos gêneros artísticos, como por exemplo os murais.
Cordeiro aborda a paisagem visando uma coerência ideológica com a vida
moderna e o urbano moderno, bem como a toda sua produção artística. Ela
borou toda uma conceituação ampla, abrangendo desde as questões pura
mente formais, a nível do jardim, questões do meio ambiente contrapostas à
cultura e à paisagem urbana.
Pode-se destacar então os seguintes pressupostos:
"A paisagem natural não pode ser considerada como estado florestal primi
tivo a ser meramente conservado; ao contrário, deve ser considerada dinami
camente, como riqueza a ser usufruída pelo homem, que lhe dará o contexto
e o uso mais adequado. Desta forma, toda a paisagem, mesmo quando com
posta apenas por topografia, vegetação, clima e drenagem, será cultural a
partir do momento em que o homem tenciona usufruí-la. É tarefa do paisa
gista procurar manter, na dinâmica das interações, um equilíbrio nessa pai
sagem; esta busca de equilíbrio acarreta soluções diversas; desde a conserva
ção de espécies até a criação de florestas artificiais."6
A arte, englobando o paisagismo, teria um papel fundamental como condi-
cionante do tempo livre. O chamado "tempo livre'' tem fundamental impor
tância nos conceitos de Cordeiro, sendo definido como o tempo em que as
atividades diretamente produtoras cessam. Este tempo livre seria o momento
propício para a qualificação do corpo e do espírito. Um tempo para a produ
ção em um sentido diverso do econômico-industrial.
A arte aplicada como paisagismo, paisagem urbana e recreação, teria como
meta a promoção desta qualificação. Os logradouros ou sistemas para o usu
fruto do tempo livre desenvolveriam as potencialidades e enriqueceriam o in
divíduo. Este conceito é antagônico e a ditadura da "indústria da diversão" e
seus "sistemas", moldando o tempo livre pelo consumo e pelo lucro, com ati-
n
vidades quase sempre reduzidas a 'passatempos"
Podemos observar que o paisagismo de Cordeiro provém não de regras ou
161
intuições, mas de conceitos fortemente científicos. Os jardins foram construí
dos sobre estes conceitos. A construção racional chegaria a atingir aspectos
radicais.
A transposição das artes plásticas para o paisagismo foram evidentes no de
correr de toda a sua produção, mas. ocorrendo de maneiras diferentes nos di
versos momentos por que passou a sua obra. Os trabalhos de sua primeira
fase exploram uma utilização do terreno como um campo gráfico. O terreno
é tratado como uma pintura ou colagem com o emprego dos materiais co
muns como plantas, pisos e etc., o caráter "bidimensional" se torna marcante,
entendendo-se o bidimensional não como desqualificação: mas como uma
forma de tratamento feito basicamente no desenho e na cor e não tanto na
volumetria.
162
Posteriormente, com as incursões em estudos e projetos mais ligados à paisa
gem em macroescala (parques, etc.), os jardins residenciais são tratados com
novas abordagens. Nesta nova fase, a volumetria assume maior importância
nos planos verticais, as linhas retas e brancas da arquitetura moderna são
contrapostos à vegetação, com interessantes jogos de texturas e cores.
i) - Mural R. Honduras Mural em Jardim Residencial: uma das possibilidades para a arte
participante e integrada à arquitetura. (Fonte: Uma Aventura da Razão.)
163
JARDINS DE WALDEMAR CORDEIRO:
j) - Axonométrica da
Residência Keutenedjan.
Residência Ubirajara
Keutenedjan.
Rua Áustria, 95 - Jardim
Europa
- Projeto: Lauro da Costa Lima
- arquiteto
Paisagismo: Waldemar
Cordeiro -1955 (desenho:
Marcos Castilha - fotos: arquivo
Helena Cordeiro).
165
1) Fotos do jardim anterior.
Edifício João Ramalho.
- Rua Ministro Godoy, 360 - Perdizes
- Projeto: Plinio Croce, Roberto Aflalo, Salvador Candia
- Paisagismo: Waldemar Cordeiro - 1963 (desenhos e fotos: Marcos Castilha).
166
m) - Axonométrica do Jardim.
167
O jardim dos fundos é particularmente interessante neste projeto. Cordeiro
deu uma solução revitalizando os tradicionais pátios de recreio e playground
tão comuns aos fundos dos prédios de apartamentos. Aplicou seus conceitos
sobre o tempo livre e estruturação deste, criando uma área de recreio à se
melhança da experiência com o Clube Espéria: os brinquedos tradicionais fo
ram substituídos por elementos que visam estimular o potencial criativo de
cada criança, a exemplo do feixe de cilindros ou do quadro negro. A riqueza
do ambiente se faz também pelo fato da perfeita coerência dos brinquedos
com o espaço geral: a vegetação os canteiros e a grande caixa de areia.
169
NOTAS
(1) Até 1937, os esforços do movimento modernista para romper aquelas limitações
tiveram resultados apenas superficiais: Um tratamento arquitetônico externo de inspi
ração cubista, distribuído com equilíbrio pelas quatro elevações, ocultava, muitas ve
zes, uma estrutura de paredes de tijolos e uma disposição geral tradicional". REIS
FILHO, Nestòr Goulart. Quadro da Arquitetura no Brasil. São Paulo, Perspectiva. 6a
Edição, 1987, p. 76.
(2) "Em alguns projetos foi tentada mesmo a ligação da sala com o local de serviço,
com a conseqüente valorização social e arquitetônica daquela peça que havia sido a
mais rigorosamente desprestigiada pela organização tradicional: a cozinha.' REIS
FILHO, Nestor Goulart, op. cit. p. 93.
(3) Depoimentos de professores da FAUUSP.
(4) Biografia sintética extraída de: BELUZZO, Ana Maria. W aldemar Cordeiro, uma
aventura da razão. Catálogo da exposição sobre o autor - MAC, São Paulo, 1986, p.
15-35.
(5) CORDEIRO, Helena. Revista VEJA, 6 agosto de 1986, p. 139.
(6) WILHEIM, Jorge. Proposta de Conclusões do Seminário. (Texto de conclusões
sobre a paisagem feito pela Comissão do Seminário, da qual Cordeiro participava.)
São Paulo, Arquivo Helena Cordeiro.
(7) CORDEIRO, Waldemar. O Tempo Livre, op.cit. 4.
170
ROBERTO COELHO CARDOZO - A
VANGUARDA DA ARQUITETURA
PAISAGÍSTICA MODERNA PAULISTANA
DE ALMEIDA CARDOSO
171
1927: Construção de casas modernistas em São Paulo por Warchavchick, uma
na rua Santa Cruz, outra no Pacaembu (rua Itápolis, 961) com jardins de
Mina Klabin, que se utiliza de elementos próprios da flora brasileira (influên
cias do manifesto pau-brasil)4
1937: Construção do Ministério da Educação e Saúde no Rio de Janeiro,
estabelecendo definitivamente o "marco das transformações modernistas no
país"5
1945: Final da Segunda Guerra e do regime do Estado Novo (ditadura), ge
rando um clima de liberdade notado nas artes em geral. A partir desta época
a imigração viria gerar um grande impulso à construção, trazendo know how
e mão-de-obra abundante.
Pós 45 Consolidação do período.
Durante este período de transição, modificaram-se também na cidade as re
lações entre edifício e lote. Influenciada pelos palacetes ecléticos, a casa mo
derna vai isolar-se de sua direta vizinhança, estabelecendo-se ao centro do
lote, todavia utilizando seus espaços livres de maneira mais racional, onde
distribuíam-se as áreas de lazer, estares, circulações e serviços.
Entre os bairros novos, aqueles projetados pela Cia. City, são modelados e di
rigidos por normas rígidas de loteamento, impondo ao usuário recuos míni
mos para as construções e farta arborização (bairros-jardins). Os jardins das
residências vão passar a ter um novo significado, colocando a arquitetura pai
sagística como uma peça-chave no projeto da edificação. Mesmo nos edifícios
de apartamentos (a mais nova opção residencial da época), o jardim vai obe
decer a um criterioso programa funcional.
Destacam-se nessa área os paisagistas Roberto Coelho Cardozo e Waldemar
Cordeiro (São Paulo) e Roberto Burle Marx (Rio de Janeiro), que juntos
com outros tantos arquitetos, Levi, Pilon, Warchavchick, Artigas, Reidy
M.M.M. Roberto, L. Costa e Niemeyer, dentre todos, iriam compor a van
guarda da arquitetura moderna, escola de toda uma geração de profissionais
que atuam no campo de projeto e paisagismo nos nossos dias atuais.
SOBRE O PAISAGISTA
Roberto Coelho Cardozo figura-se no campo do paisagismo em São Paulo
como um dos precursores e principais expoentes, deixando além de sua obra
uma verdadeira escola.
172
Em companhia de sua esposa Susan Osborn Coelho Cardozo (ambos gra
duados na Universidade da Califórnia em Berkley), contribui de forma deci
siva, via projetos, via conceitos, para a fixação de uma corrente paisagística
norte-americana, a qual se contrapunha à tradicional adotada até então, de
origem européia.
"Sua obra representa uma transposição das idéias de uma corrente de paisa
gismo americana, que teve início com o paisagista Garret Eckbo6, em termos
• • • 7
de uma realidade brasileira"
O casal Cardozo inicia seus trabalhos projetando para o próprio Garret
Eckbo, destacando-se pelo estilo diferente e inovador. Ao se fixar no Brasil,
adaptam-se à tropicalidade e exuberância de nossa natureza, familiarizando-
173
se rapidamente com as nossas condições climáticas e ambientais, tendo convi
vido inclusive com Roberto Burle Marx, durante uma breve estadia no Rio de
Janeiro.
0 E S T E R E Ó T I P O DO P A I S A G I S M O R E S I D E N C I A L MODERNO:
P R O J E T O DE E C K B O , P A R A U M A R E S I D Ê N C I A N A C A L I F Ó R N I A
174
É em São Paulo, porém, que Cardozo encontra sua afinidade concentrando a
maior parte de sua obra, contida nos seus projetos de jardins e na ideologia
transfigurada em artigos e publicações.
O paisagista define o profissional como: "uma pessoa que procura imediata
mente tornar mais agradável a paisagem, compreendendo as finalidades que
envolvem o círculo de valores culturais que influenciam o projeto local; nestas
bases o planejamento adequado está na uniões de todos fins vagos e indefini
dos"8
Através desses e de outros conceitos publicados em revistas especializadas9,
pode-se sistematizar seu método de projeto afirmando que o trabalho do pai
sagista caracteriza-se principalmente por dois atributos, a história natural e a
reflexão artística10. Tais atributos levam a uma função de adaptação, onde
cada projeto deve ser aplicado e adaptado a um caso particular, e portanto,
não estabelecendo princípios fixos.
Quanto às espécies vegetais, observa-se em seus projetos a simplicidade na
escolha e a cíareza nas linhas. Cardozo leva muito em consideração a árvore
como um elemento vivo (não como uma escultura imóvel), caracterizando-a
como um agente controlador do clima uma vez constatada a atenuação das
bruscas variações de temperatura com o desenvolvimento de vegetais1
Com a divisão do elemento vegetal em três zonas, raízes (agindo sobre a ter
ra), a zona de superfície e, finalmente, a zona superior (contendo tronco e
copa), o paisagista mostra uma sua constante preocupação com a exata
combinação entre espaços vegetados e espaços construídos .
Em seu trabalho, o arquiteto coloca o indivíduo como peça-chave para a ela
boração dos espaços. A escolha do elemento vegetal e do construído está di
retamente ligada ao programa do jardim e ao tipo de usuário que o fre
qüenta, sempre tentando atingir um equilíbrio na solução encontrada. A
questão da posição do sol é de fundamental importância, pois define as áreas
sombreadas. As visuais devem ser sempre enquadradas proporcionando bem-
estar, valorizando ponto de interesse e estabelecendo referências ao indiví-
duo1*
Enfocando principalmente o homem e a natureza, Cardozo tenta sempre
atingir uma interação mútua entre ambas as partes. Em seus projetos (tanto
nos de grande, como nos de pequeno porte), a geometrização é uma caracte
rística marcante, utilizando retas, ângulos e polígonos em meio a semicírculos
e curvas estudadas.
175
AcreUita que o caminho mais curto entre dois pontos nem sempre é uma
reta, mas sim aquele mais agradável e elegante. Pisos, muretas e bancadas se
distribuem ao longo de espaços vegetados, trabalhados sempre em três níveis
de abordagem (forrações, arbustos e árvores), criando uma espécie de jogo
de volumes entre pisos, barreiras e coberturas.
OBRAS CATALOGADAS DE ROBERTO COELHO CARDOZO
Acervo da Biblioteca da FAUUSP:
01. Residência Zacharias.
01a. Igreja Jd. Maracanã, 1969.
02. COSIPA (Cubatão-SP).
03. Edifício D. Pamphilli.
04. Av. 23 de Maio (PMSP).
Rua São Julião e Praça Roosevelt.
05. Ed. Av. Angélica 366 e 382.
Oswaldo Quirino Simões.
06. Parque Jd. Aclimação (PMSP).
07. Escola de Osasco. SENAI (Osasco-SP), 1967.
08. Escola SENAI (São Caetano-SP).
09. Residência Hélio Correa, dez. 1968.
10. Clube de Campo da Associação Paulista de Medicina. 1965.
11. Fazenda Marajó (Campinas-SP), 1967.
12. ECKBO.
13. SENAI - Ipiranga, abr. 1968.
14. Residência lida Zarzur, 1962-63.
15. Projeto MM, out. 1968.
16. Conjunto Pátio Tropical, jun. 1966.
17. Residência Ivo Aruparato, 1969.
18. Negepar - Arquitetura, 1967 Morumbi/SP.
176
19. Chácara Flora, 1962-63.
Cliente: C. Woolsy.
20. Residência Alfred Rosenthal (SP),, jan. e fev. 1952.
21. Residência Jorge Arruda, ago. 1962.
22. Residência Vicente Teixeira.
Av. Morumbi 2740 (Praça Um).
23. Estância Serra Negra, mar. 1962.
24. Residência Nemi Dozman.
Rua Itália 100 (Jd. Europa, SP), 05-09-68.
25. Conjunto Residencial Jd. da Aclimação, jun. 1955.
(Aclimação, SP).
Cliente: Alexandre Marcondes.
26. Fece-Perus (Bassari).
27. Casa de Cláudia.
Rua Nordestinos c/Av. Morumbi.
28. Residência Antonio Costa Neto.
Rua Itapanhan. Pacaembú, SP.
29. Praça Alfredo Issa, out. 1969.
30. Escola SENAI (Guarulhos, SP).
31. Concurso de Estudos para modelação da Praça Coronel Salles
(S. Carlos, SP).
32. Residência Jorge Cunha Lima, ago., 1965.
33. CESP Xavantes - Paisagismo.
Local: Xavantes. 1968-69.
34. Subestação de Botucatu (SP).
Cliente: USELPA Usinas Elétricas do Paranapanema (incorporada à
CESP).
177
NOTAS
(1) LEMOS, Carlos A.C. "Os três Pretensos Abridores de uma Porta Difícil". A sso
ciação Museu L asar Segall, Warchavchick, Pilon, Rino Levi: Três M om entos da A rqui
tetura Paulista. São Paulo, FUNARTE/MUSEU LASAR SEGAL, 1983, p. 3-6.
(2) BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. São Paulo, Perspectiva,
1981, p. 383-384.
(3) XAVIER, Alberto; LEMOS, Carlos; CORONA, Eduardo. Arquitetura M oderna
Paulistana. São Paulo, PINI, 1983, p. 01.
(4) ASSOCIAÇÃO MUSEU LASAR SEGALL, op. cit. p. 3.
(5) REIS FILHO, Nestor G. Quadro da Arquitetura no Brasil. São Paulo, Perspectiva,
1987, 6a ed., p. 88.
(6) De origem califomiana, Garret Eckbo revoluciona o campo do paisagismo, tra
zendo inovações para o uso das áreas livres, seja nos jardins residenciais, nos grandes
espaços públicos ou ainda no planejamento ou desenho urbano. A clareza, simplici
dade e objetividade em seus conceitos básicos são características notadas neste profes
sor e paisagista, que transpôs seu ideal para São Paulo, através da ponte estabelecida
pelo fiel e companheiro aluno, Roberto Coelho Cardozo. ECKBO, Garret. The A r to f
Home Landscaping. New York, Dodge, 1956.
(7) ABBUD, Benedito. Um procedim ento em pesquisa: A Obra do Arquiteto Paisagista
Roberto Coelho Cardozo. São Paulo, FAUUSP, 1974.
(8) CARDOZO, Roberto Coelho. Acrópole, n. 198, p. 284-285, abr. 1955.
(9) Além de conceitos sobre metodologia de trabalho, Cardozo também publica arti
gos comentando várias aplicações, em textos específicos, como por exemplo:
- Uso, aspectos construtivos e manutenção da ardósia. In: A crópole , n. 316, p. 36-37,
abr. 1965.
- Comparação de espaços criados por vegetais "versus” espaços arquitetônicos. In:
A crópole , n. 196, p. 176-177, jan. 1955.
- Paisagismo Industrial - crítica ao espaço externo neste tipo de utilização do solo. In:
A crópole , n. 205, p. 09-11, nov. 1955.
- Áreas de Entrada - aspectos funcionais das áreas semi-públicas. In: A crópole , n. 195,
p. 133-135,1954.
(10) História Natural - "Base que reveste os trabalhos de paisagismo de um cunho
científico". Reflexão Artística - "Em cada projeto, do seu cenário próprio, de suas par
ticularidades naturais e culturais que exigem uma sensibilidade amadurecida". CAR
DOZO, Roberto Coelho. A crópole, n. 198, p. 284-285, abr. 1955.
(11) CARDOZO, Roberto Coelho. Acrópole, n. 196, p. 176-177, jan. 1955.
(12) Problemas construtivos referentes as três zonas citadas:
- Ia zona - caixa de vegetação, encanamentos e fundações;
- 2a zona - pisos e calçamentos;
- 3a zona - coberturas, pérgulas ou similares.
(13) "Considerações sobre Planejamento" por Roberto Coelho Cardozo. In: A crópole ,
n. 204, p. 537-539, out. 1955.
179
EDIFÍCIO SÃO M I G U E L , 1966
PISO PAVIMENTADO
RUA CONSELHEIRO B R O T E R O , 1378
TTTTTTtr PISO PLANTADO HIGIENÓPOLTS
FONTE: ARQUIVO BIBLIOTECA FAUUSP
181
o 10 20 30m
183
Antigo jardim da res. Da.
Veridiana Prado (Vila Maria,
executado por Diebeiger e Cia.,
durante o Ecletismo.
"..Adotado na formação do
parque o stylo do parque francês,
criaram-se extensos gramados.
Estes últimos tendo os grupos de
árvores mais desenvolvidas
permittirão attrahentes
perspectivas sobre o nobre
palácio...”
Contrapondo-se ao jardim
eclético (que emoldura a
edificação), Roberto Coelho
Cardozo propõe estabelecer
planos diferenciados
(construídos e vegetados),
unidos por percurso que os
integra. A casa deixa de ser um
~ ~~ --------- — — elemento focal, tomando-se um
v»i_a hakia v/ vs^ta Portico elemento integrante.
186
ESTUDOS AMBIENTAIS
FLORESTAS: OBJETO OU
INSTRUMENTO DE PRESERVAÇÃO?
WANTUELFER GONÇALVES
189
Figura 1 Locais de vegetação permanente pelo Código Florestal.
190
A Lei nc 4.771 permite a exploração das florestas de domínio privado (art.
16), ressalvadas as situações previstas nos arts. 2Q e 3Q, com algumas res
trições como: preservação de 20% das florestas nativas, primitivas ou regene
rada, em cada propriedade, nas regiões Leste meridional, Sul e na parte sul
da Centro-Oeste (art. 16, alínea A); para a região Norte e parte norte da re
gião Centro-Oeste essa porcentagem é de 50% (art. 44); proibição de derru
bada de florestas primitivas quando para ocupação do solo com culturas e
pastagens, permitindo-se apenas extração de árvores para produção de ma
deira (art. 16, alínea B), permitindo-se instalação de novas propriedades agrí
colas em apenas 50% da área da propriedade; tolerância de exploração so
mente se for controlada para os maciços de pinheiro brasileiro na região Sul
(art. 16, alínea C); e permissão para o corte de árvores nas regiões Nordeste e
Leste setentrional somente com observância de normas técnicas específicas
(art. 16, alínea D).
Essa floresta de preservação exigida e denominada "reserva legal" deve ser de,
no mínimo, 20% da propriedade, devendo ser averbada na margem da inscri
ção de matrícula do imóvel para evitar alterações futuras (art. 16, parágrafo
2e), aceitando-se como parte integrante, nas propriedades com área entre 20
e 50 ha as áreas ocupadas com maciços frutíferos, ornamentais ou industriais
(art. 16, parágrafo 1Q). Para os cerrados a reserva legal é estabelecida em
20% (art. 16, parágrafo 3Q). Essa reserva legal é prevista também nas áreas
loteadas, onde se admite um agrupamento em condomínio (art. 17).
A Lei ns 6.902, de 27 de abril de 1981, dispõe sobre a criação de estações
ecológicas e áreas de proteção ambiental. A Lei nc 6.938, promulgada quatro
meses após, complementa o Código Florestal transformando as florestas de
preservação em estações ecológicas, nos sítios já previstos no código.
Os estados elaboram políticas florestais criando leis que complementam as
federais, chegando a particularidades interessantes com órgãos específicos
como é o Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais e a Política de Re
posição Florestal, implantada pela Secretaria do Meio Ambiente no Estado
de São Paulo, com atuação das associações de Recuperação Florestal (Reso
lução SMA-3, portaria DEPRN-9) (Gonçalves, 1991-a). Além dos estados, o
nível de detalhamento é completado nas leis orgânicas e nos planos diretores
municipais.
PRESERVAR OU CONSERVAR?
A legislação brasileira, no que diz respeito ao meio ambiente e às florestas, é
de conformação mais política do que técnica.
191
Historicamente Viola (1987) identifica três fases no movimento ecológico
brasileiro: uma primeira fase dita "ambientalista com denúncia de degradação
ambiental nas cidades e nas comunidades alternativas rurais"; uma segunda
fase dita "de transição" caracterizada por uma politização explícita progres
siva; e uma terceira fase dita de "opção política", caracterizada por opção
partidária pelos militantes ecológicos. Dentro desse movimento político o
autor ressalta quatro posições: os ecologistas fundamentalistas, os ecologistas
realistas, os ecossocialistas e os ecocapitalistas.
Tecnicamente Gonçalves (1991-b) relaciona uma progressão nos conceitos
ecológicos partindo de uma idéia inicial de preservacionismo, passando pelo
protecionismo e conservacionismo para culminar com a idéia do tecnicismo, a
análise paralela entre as posições políticas e os conceitos técnicos leva a uma
identificação dos conceitos preservacionista e protecionista com os ecologis
tas chamados fundamentalistas, enquanto que os conceitos conservacionista e
tecnicista se identificam com a posição dos ecologistas realistas.
O preservacionismo, início do movimento ecológico, mas ainda hoje presente
em muitos ecologistas, inclusive nos legisladores, é um conceito no qual o
meio ambiente e as florestas devem ser tratados como um objeto intocável,
sem direito a uso. Esse conceito desconhece a interação social, o processo,
que caracteriza o ambiente humano em contraponto "a inércia de um estado
ou de um objeto" (Magnoli, 1987).
O conservacionismo, ao contrário, apoiado no protecionismo, permite a par
ticipação interativa do homem e reconhece o ambiente como um processo
onde mudanças e alterações são às vezes necessárias para acomodação e
bem-estar social. Essas mudanças, quando bruscas ou exageradas, com rom
pimento do processo por inobservância dos conceitos protecionistas, impli
cam na evolução para um conceito tecnicista onde há a criação de tecnologia
específica para solução de problemas ambientais advindos da interação social.
A legislação florestal brasileira é eminentemente preservacionista e contrasta
com a necessidade de evolução dos conceitos técnicos relativos ao meio am
biente.
OBJETO OU INSTRUMENTO?
Detectado o caráter preservacionista da legislação florestal brasileira e defi
nindo "objeto de preservação" como o elemento que deve ser preservado em
contraposição ao "instrumento de preservação" como o elemento que propor
ciona a preservação de outro elemento (Figura 2) passa-se à análise de alguns
artigos da Lei.
192
A Lei nc 4.771, Código Florestal, no seu art. l e, reconhece as florestas como
instrumento de preservação, considerando-as "de utilidade às terras .que re-
vestem1' No seu art. 2Q define as situações onde elas devem ser preservadas,
ou seja, imunes à exploração: às margens e ao longo dos rios; ao redor de la
goas, lagos e reservatórios de água; nas nascentes; no topo de morros, mon
tes, montanhas e serras, nas encostas, nas restingas e mangues, nas bordas de
tabuleiros; em grandes altitudes. Além disso, no art. 3Qespecifica a preserva
ção por destinação: atenuar erosão; fixar dunas, formar faixas de proteção;
auxiliar a defesa nacional; proteger sítios especiais; asilar fauna; assegurar
bem-estar público. Nesses artigos fica clara a função de mero instrumento
quando o objeto de preservação são os sítios, diretamente; os corpos d’água,
indiretamente e as vidas, em primeira instância. Em casos assim caberia o
conceito conservacionista podendo as florestas serem exploradas através de
um manejo sustentado, permanecendo o sítio sempre protegido pelo rema
nescente.
As florestas são reconhecidamente objeto de preservação em outros artigos
da Lei nô 4.771: na criação de parques e florestas, estaduais e municipais para
resguardo de paisagens, de espécimes vegetais ou com propósitos educacio
nais; na autorização para preservação de maciços particulares de interesse
público e nas chamadas reservas legais. Em casos assim o conceito preserva-
cionista tem que ser usado em toda a sua plenitude quando o que interessa é
a preservação da vegetação e não o sítio em que ela se encontra.
193
CONCLUSÕ ES
A análise da Lei nQ4.471, Código Florestal, à luz do pensamento ecológico e
da evolução política e técnica do país, procurando uma posição funcional das
florestas no contexto ambientalista permitiu concluir que:
a) A legislação florestal brasileira é marcadamente preservacionista e as leis
são de conformação mais política do que técnica.
b) Evidenciada uma evolução nos conceitos ambientalistas, partindo de um
preservacionismo para um tecnicismo, as leis não têm acompanhado essa
evolução.
c) O Código Florestal, apesar de reconhecer a floresta como "instrumento'' de
proteção em alguns casos, não diferencia o tratamento de quando ela é "ob
jeto", determinando preservacionismo em todos eles.
Em face disso, acredita-se que seja o momento de uma revisão no Código
Florestal, na procura de uma visão mais moderna para o pensamento ecoló
gico.
BIBLIOGRAFIA
a) Trabalhos:
/
b) Legislação:
Lei n° 4.471, de 15 de setembro de 1965 - Código Florestal.
Lei n° 6.902, de 27 de abril de 1981 - Criação de Estações Ecológicas e Áreas de
Proteção Ambiental.
194
Lei n° 6.938, de 31 de agosto de 1981 - Política Nacional do Meio Ambiente.
Resolução SMA-3, de 6 de fevereiro de 1990 - Normaliza cumprimento de Reposição
Florestal.
Portaria DEPRN-9, de 9 de agosto de 1990 Regula o procedimento da fiscalização
para o transporte de produtos de florestas plantadas.
195
Laboratório de Programação Gráfica
Projeto Gráfico
José Tadeu de Azevedo Maia
Composição e Revisão
Stella Regina A. A. Anjos
José Anastácio de Oliveira
Ivanilda Soares da Silva
Eliane de F. Fermoselle Previde
Fotomecânica e Montagem
Sidney Lanzarotto
Supervisão de Produção
Sócratis Vieira Santos
Impressão
Cosmo Souza Barbosa
Horácio de Paula
José Gomes Pereira
Divino Barbosa
Acabamento
Nadir de Oliveira Soares
Maria Julia Vieira Santos
Ercio Antonio Soares
Sidinei Lindolpho de Britto
Reprografia
Vera Lucia Rodrigues Nascimento
Ana Maria Santana