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Livro Estratégias e Procedimentos para Alfabetização

O documento explora a complexidade da escrita como uma criação cultural e seu processo de aquisição, enfatizando a importância da interação e comunicação na alfabetização. Apresenta diferentes concepções de linguagem que influenciam a prática pedagógica e discute a necessidade de adaptação dos professores às diversas formas de aprendizado dos alunos. Além disso, destaca a importância da formação continuada dos educadores e a estruturação adequada do ambiente escolar para um ensino eficaz da escrita.

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Livro Estratégias e Procedimentos para Alfabetização

O documento explora a complexidade da escrita como uma criação cultural e seu processo de aquisição, enfatizando a importância da interação e comunicação na alfabetização. Apresenta diferentes concepções de linguagem que influenciam a prática pedagógica e discute a necessidade de adaptação dos professores às diversas formas de aprendizado dos alunos. Além disso, destaca a importância da formação continuada dos educadores e a estruturação adequada do ambiente escolar para um ensino eficaz da escrita.

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Convite ao estudo

Em algum momento, você já parou para pensar sobre a


invenção da escrita? Como é complexa a natureza do signo
linguístico! A invenção da escrita foi um processo histórico de
elaboração de um sistema de representação. É possível que
alguém pense que, uma vez elaborado, basta que se aprenda
a codificar e decodificar os códigos, mas não é bem assim.
Para aprender, os sujeitos compreendem as suas regras,
reconstruindo esse rico sistema de representação.

Para iniciar os estudos desta unidade sobre esse processo de


aprendizagem, você estudará a linguagem como objeto de
conhecimento, a fim de conhecer as concepções e as funções
dela, para utilizar as diversas perspectivas teóricas na prática
educativa de acordo com o público e o contexto.

Na primeira seção, serão apresentadas as concepções de


linguagem e o processo de aquisição da linguagem escrita. Os
conhecimentos referentes ao tema perpassam a linguagem
escrita como criação cultural estabelecida nas relações
sociais, logo aprenderemos sobre a aquisição da linguagem
escrita desde a primeira infância, antes do processo de
alfabetização; a aquisição da linguagem escrita para além do
contexto escolar e como necessidade da interação e
comunicação; e a linguagem como expressão do pensamento,
instrumento de comunicação e processo de interação.

A segunda seção tratará da linguagem como interação e


prática pedagógica. Aqui, trabalharemos com as funções
cognitiva, comunicativa, interativa e dialógica, assim como
com a prática pedagógica como espaço para o diálogo e para
os elementos de sua vida cotidiana, envolvendo a proposta de
alfabetização crítica e a construção da aprendizagem de
forma coletiva e colaborativa.

Na última seção, falaremos da escola diante das práticas


pedagógicas de alfabetização, pensando sobre a formação
continuada dos professores, o apoio pedagógico para a
alfabetização, a importância dos materiais, do espaço e dos
recursos estruturados para alunos e professores e sobre como
garantir uma proposta para o processo de alfabetização bem
estruturada no PPP.

Praticar para aprender

Durante a sua trajetória escolar, você conheceu e aprendeu


com vários professores. Cada um desses profissionais possuía
conhecimentos teóricos distintos, que fizeram parte da
formação adquirida. Mas, além dos conhecimentos oriundos
do universo acadêmico, os docentes têm compreensões que
partem do conhecimento de mundo e daquilo que
vivenciaram quando eram estudantes. Nesse sentido, muitos
professores alfabetizadores ainda repetem atividades e
metodologias a que foram submetidos. Isso pode ocorrer em
virtude de uma insegurança do profissional sobre quais
seriam os procedimentos adequados, o que de fato fará com
que os alunos dominem a escrita alfabética.

Para transpor essa situação, é necessário que o professor


compreenda que cada aluno apresentará um
desenvolvimento diferente do outro, portanto ele não deve
esperar que todos dominem os conhecimentos ao mesmo
tempo, nem deve utilizar sempre as mesmas atividades.
Assim, atuar na alfabetização demanda que esse profissional
entenda que ela se trata de um processo, um caminho que
cada aluno percorrerá, experimentando desafios e vencendo
obstáculos.

Para atuar como alfabetizador, é essencial conhecer as


concepções de linguagem e o processo de aquisição da
linguagem escrita. Considerando a importância desses
conhecimentos, os estudos desenvolvidos nesta seção partem
da compreensão da linguagem escrita como criação cultural
estabelecida nas relações sociais que está além do contexto
escolar e como necessidade da interação e comunicação.

Partindo dessa ideia, você aprenderá que a aquisição da


linguagem escrita tem início na primeira infância, na
educação infantil, mas entenderá que isso não significa
antecipar atividades do ensino fundamental. Por fim,
conhecerá três concepções de linguagem: como expressão do
pensamento, como instrumento de comunicação e como
processo de interação.
Vanessa é uma professora recém-formada em Pedagogia.
Assim que terminou a graduação, foi aprovada em um
concurso público no município onde mora. Como foi uma das
primeiras colocadas, em pouco tempo foi convocada e já
começará a trabalhar.

Ao se apresentar na escola em que lecionará, a jovem


professora foi informada pela coordenação pedagógica da
instituição que trabalhará com uma turma do primeiro ano do
ensino fundamental. Vanessa está muito feliz e ansiosa para
colocar em prática tudo o que aprendeu na universidade.

Frente ao desafio de alfabetizar, a professora está insegura


quanto aos procedimentos que adotará para conduzir o
processo de alfabetização. Mas, sabe que, inicialmente,
precisa conhecer os estudantes para definir o seu ponto de
partida. Afinal, o que as crianças sabem sobre a escrita? E se
alguma criança já estiver alfabetizada, o que fazer? Essas são
questões que preocupam a docente, então o que ela deve
fazer para definir por onde começar?

Os conhecimentos que compõem esta seção são essenciais


para a atuação do professor alfabetizador em sala de aula.
Lembre-se de que para aprender é necessário
comprometimento e dedicação, e você será sempre um
modelo para os alunos, portanto realize atentamente os
estudos da seção.

Conceito-chave

ESCRITA

A escrita não é uma capacidade inata, ou seja, não nasce com


a criança. Ela é uma criação cultural estabelecida nas
relações sociais, resultado da interação humana com os
membros da mesma espécie. A maioria das pessoas nasce em
locais em que a escrita está presente, pois ela está atrelada à
necessidade de comunicação. Assim, o processo de imersão
no mundo letrado tem início desde a primeira infância, antes
de iniciar as práticas de alfabetização no ambiente escolar.

Luria (1988) evidenciou que a escrita pode ser definida como


uma ação mediada por instrumentos e signos que são
utilizados pela criança antes mesmo de frequentar a escola.
Quando a criança é submetida ao ensino formal, na etapa de
alfabetização, ela já interagiu, elaborou e exercitou técnicas
que servem de base para a aprendizagem da escrita.

[...] se apenas pararmos para pensar na surpreendente rapidez com


que uma criança aprende esta técnica extremamente complexa, que
tem milhares de anos de cultura por traz de si, ficará evidente que
isto só pode acontecer porque durante os primeiros anos de seu
desenvolvimento, antes de atingir a idade escolar, a criança já
aprendeu e assimilou um certo número de técnicas que prepara o
caminho para a escrita, técnicas que a capacitam e que tornam
incomensuravelmente mais fácil de aprender o conceito e a técnica
da escrita.

(LURIA, 1988, p. 143)


Pensando nisso, fica claro que a compreensão da escrita não
acontece da mesma forma para todas as crianças. Cada uma
aprende de acordo com o seu contexto, os materiais que
manipula, os ambientes que frequenta e as pessoas com
quem se relaciona. A partir dessas oportunidades de
aprendizagem, ela compreende que a escrita é um sistema de
signos que possui função instrumental, que é utilizada para
registrar ideias, e essas percepções infantis são validadas
pelas pessoas do seu convívio.

Os rabiscos e as garatujas que a criança produz na primeira


infância são exercícios de imitação da escrita realizada pelos
adultos. Nessa fase de elaboração, os rabiscos são apenas
desejos, não possuem uma finalidade.

As crianças imitavam o formato da escrita do adulto, produzindo


apenas rabiscos mecânicos, sem nenhuma função instrumental, isto
é, sem nenhuma relação com os conteúdos a serem representados.
Obviamente este tipo de grafismo não ajudava a criança em seu
processo de memorização. Ela não era capaz de utilizar sua produção
escrita como suporte para a recuperação da informação a ser
lembrada.

(OLIVEIRA, 2010, p. 71)


Esses sinais primários não possuem valor simbólico, inclusive
a criança pode não lembrar do significado dos registros que
fez, por exemplo, dizendo ora que o registro gráfico é uma
boneca, ora um pássaro. A criança atribuirá significados de
maneira progressiva por meio das vivências, as suas funções
psicológicas superiores se desenvolverão e ocorrerá a
apropriação do uso social da escrita na cultura, isso mesmo
sem que ela conheça a organização da escrita alfabética.

O processo de escrita, segundo Luria (1988), passa por duas


grandes fases: escrita pré-instrumental e escrita instrumental.
Entre essas duas fases há a escrita topográfica.

ESCRITA PRÉ-INSTRUMENTAL

Corresponde a escritas em que os sujeitos não recordam os


significados dos registros realizados.

Na Figura 1.1, a imagem corresponde a uma atividade em


que foi solicitado à criança que escrevesse “Os ratos têm
rabos compridos”. A criança “escreveu” inúmeros rabiscos no
papel.

Figura 1.1 | Exemplo de escrita pré-instrumental

Fonte: Luria (1988, p. 149).

ESCRITA TOPOGRÁFICA

Começa a se transformar em signo auxiliar da memória. Na


Figura 1.2, a criança “anotou” várias sentenças ditadas.

Figura 1.2 | Exemplo de escrita topográfica


Fonte: Luria (1988, p. 158).

ESCRITA PRÉ-INSTRUMENTAL

Corresponde a escritas diferenciadas que levam os sujeitos a


se relacionar com os registros realizados para recordar os
significados anotados.

ESCRITA PICTOGRÁFICA

Na Figura 1.3, vemos que as características que a criança


queria lembrar estavam presentes nas imagens,
possibilitando a lembrança dos significados anotados.

Figura 1.3 | Exemplo de escrita pictográfica

Fonte: Luria (1988, p. 188).


Pouco a pouco, a criança começa a utilizar outras marcas para
representar. Junto ao desenho, ela incorpora o significado e
pode dizer que está escrevendo. Nesse processo, outros
elementos aparecem, como números, cor e letras. Ela dá um
salto qualitativo e, segundo Oliveira (2010), quando percebe a
diferença entre escrever e desenhar, rejeita a escrita
pictográfica e escolhe grafar letras.

Nem todas as crianças passam de forma linear por essas


fases. A maioria delas, que está em contato desde muito cedo
com o mundo letrado, está sujeita a uma interação maior, isso
possibilita a elaboração de muitas percepções sobre a escrita.

A partir dos conhecimentos apresentados, é importante considerar


que a linguagem é um marco no desenvolvimento humano, e a escola
deve considerar os elementos históricos e culturais que permeiam as
percepções infantis sobre a escrita.

Nenhuma prática pedagógica é neutra. Todas estão apoiadas


em teorias, concepções, formas de entender a aprendizagem
e o objeto de conhecimento. Contudo, é importante
considerar que a compreensão sobre determinado objeto de
conhecimento muda com o passar do tempo e com o avançar
dos estudos, e essas mudanças estão relacionadas a múltiplos
fatores, de ordem cultural, social e econômica.

Com as concepções de linguagem não foi diferente. As


concepções ainda coexistem na atualidade e subsidiam a
compreensão de muitos professores.

CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM

As concepções surgiram em períodos distintos, mas, na


atualidade, podem ser percebidas em muitas práticas e
materiais didáticos. Por isso, é tão importante conhecê-las. De
acordo com Geraldi (1984), existem três concepções de
linguagem, conforme veremos a seguir.

LINGUAGEM COMO EXPRESSÃO DO PENSAMENTO

Concepção predominante na tradição gramatical até meados


do século XX, Gonçalves e Baronas (2013, p. 249) afirmam
que, na concepção de linguagem como expressão do
pensamento, a língua é percebida como “exteriorização do
pensamento, traduzido por meio de palavras”. Assim, o
ensino deveria partir da análise das partes para compreender
o todo.

São características dessa concepção:

 Regras do falar e escrever bem.


 Lógica organizacional.
 Língua: homogênea, estática, invariável.
 Domínio do bem falar.
 Quem não utiliza as normas é considerado grosseiro e
incapaz de aprender.

Antes e ainda na década de 1960, essa concepção orientou


muitos professores. Naquele período, os docentes
trabalhavam com práticas focadas na transmissão de
conhecimentos. Consequentemente, cabia ao aluno/leitor
captar o conteúdo apresentado no texto, que é considerado
um produto. O texto é a representação do pensamento do
autor, e, dessa forma, a leitura é o ato de extração dos
sentidos do texto. Na atualidade, podemos identificar
atividades que têm como foco a mecanização do texto e a
ênfase na oratória, por exemplo, algumas atividades que
exigem a leitura em voz alta. Seguindo a lógica proposta na
abordagem da concepção de linguagem como expressão do
pensamento, a pessoa que não se expressa bem não
pensa.

LINGUAGEM COMO INSTRUMENTO DE COMUNICAÇÃO

Essa concepção ganhou relevância de 1916, com o linguista


Saussure, até 1960. Na concepção de linguagem como
instrumento de comunicação, a língua é entendida como um
sistema de códigos que deve ser aprendido pelas pessoas
para que possam se comunicar. O falante deseja transmitir
uma mensagem a um ouvinte; para isso, ele utiliza um
“código (decodificação) e a remete a outro através de um
canal (ondas sonoras e luminosas). O outro recebe os sinais
codificados e os transforma de novo em mensagens
(informações)” (TRAVAGLIA, 1996, p. 22-23).
Note que a linguagem é percebida como uma ferramenta, e
sua utilização não está vinculada ao contexto dos sujeitos,
pois diz respeito apenas ao funcionamento interno da língua.
Portanto, nas atividades de leitura, está presente a ideia de
que, se o aluno decodificar as letras e palavras,
compreenderá o conteúdo de um texto.

Nos livros didáticos, era comum encontrar atividades de


interpretação em que o estudante deveria responder a
questões localizando as informações no texto e realizando a
cópia literal.

Essa concepção de linguagem foi amplamente difundida com a


aprovação da LDB nº 5.692/1971. A normativa estava vinculada à
perspectiva de educação tecnicista. O discurso da época difundia que
a prática da repetição promoveria a aprendizagem, e ainda era forte
a presença do ensino da gramática tradicional.

São características dessa concepção:

 A linguagem é um conjunto de signos que se relacionam.


 Função informativa.
 Possibilita a transmissão de mensagens do emissor ao
receptor, que decodifica a mensagem.
 O código deve ser dominado pelas pessoas para que a
comunicação seja efetiva.

LINGUAGEM COMO PROCESSO DE INTERAÇÃO

Concepção que predomina de 1960 até os dias atuais. A


concepção de linguagem como processo de interação
considera a interação dos indivíduos com o contexto em que
estão inseridos. Nela, a escola deve possibilitar que o aluno
tenha contato com práticas de linguagem presentes na
sociedade. São características dessa concepção:

 Sujeito ativo.
 A linguagem é um lugar de interação humana.
 A linguagem é social, histórica e coletiva.
 A linguagem é heterogênea e dinâmica.
 Interlocutores interagem como sujeitos que ocupam
lugares sociais.
Bakhtin postula que o lócus da linguagem é a interação,
portanto não é um sistema estável. As situações reais, os
diálogos e as interações determinam o que será produzido
pelos sujeitos, que são vistos como agentes sociais.
Diferentemente das concepções de linguagem conhecidas
anteriormente, a importância do ensino reside
em desenvolver a capacidade de reflexão, e não apenas
o conhecimento de regras gramaticais.

O discurso se manifesta por meio dos textos, resultante da


reflexão, análise, interpretação e produção de textos verbais.
Leia o que Bakhtin (1997) apresenta sobre isso:

De fato, o ouvinte que recebe e compreende a significação


(lingüística) de um discurso adota simultaneamente, para com este
discurso, uma atitude responsiva ativa: ele concorda ou discorda
(total ou parcialmente), completa, adapta, apronta-se para executar,
etc., e esta atitude do ouvinte está em elaboração constante durante
todo o processo de audição e de compreensão desde o início do
discurso, às vezes já nas primeiras palavras emitidas pelo locutor.

(BAKHTIN, 1997, p. 290, grifos do original)


Bakhtin (1997) demonstra que o significado de um texto não
está presente no texto em si, tampouco na mente do leitor, já
que os significados são elaborados na interação do leitor com
o texto. A partir dessa concepção, interpretações incorretas
levaram à ideia de que não era correto ensinar gramática.
Porém, Bakhtin deixou claro que o ensino de gramática
deveria ocorrer, mas com atividades que façam sentido para
os estudantes.
Reflita

Você já teve contato com algum material didático para a


alfabetização que apresentava atividades ou frases
totalmente descontextualizadas do universo infantil?

ATIVIDADES COM GÊNEROS TEXTUAIS

O trabalho com gêneros textuais está diretamente articulado


com a compreensão de linguagem como processo de
interação, pois, partindo da premissa do aluno como sujeito
individual que deve desenvolver atividades articuladas ao
contexto histórico, social e afetivo, a escola deve possibilitar
que ele tenha contato com práticas de linguagem presentes
na sociedade.

Muitas vezes, equívocos permeiam o trabalho dos professores


com os gêneros textuais. Isso é percebido quando são
propostas atividades que demandam que o aluno apenas
identifique o gênero a partir de sua estrutura. Para realizar
um bom trabalho com gêneros textuais, é importante garantir
a diversidade deles, pois cada gênero mobiliza diferentes
capacidades de linguagem.

Entretanto, não é necessário trabalhar com todos os gêneros,


pois existem semelhanças entre eles que podem servir como
referência para o desenvolvimento das capacidades. Ao longo
do ano letivo, o professor pode organizar um trabalho com
gêneros que possuem características diferentes e
desencadeiam diferentes aprendizagens e habilidades.

Vamos conhecer alguns exemplos (BRASIL, 2012, p. 8-9):

1. Textos literários ficcionais: contos, lendas, fábulas,


crônicas, obras teatrais, novelas e causos.
2. Textos do patrimônio oral, poemas e letras de
músicas: trava-línguas, parlendas, quadrinhas,
adivinhas e provérbios. Os poemas e as letras de
músicas também fazem parte do segundo agrupamento.
3. Textos com a finalidade de registrar e analisar as
ações humanas individuais e coletivas e contribuir
para que as experiências sejam guardadas na
memória das pessoas: biografias, testemunhos orais e
escritos, obras historiográficas e noticiários.
4. Textos com a finalidade de construir e fazer
circular entre as pessoas o conhecimento
escolar/científico: notas de enciclopédia, verbetes de
dicionário, seminários orais, textos didáticos, relatos de
experiências científicas e textos de divulgação científica.
5. Textos com a finalidade de debater temas que
suscitam pontos de vista diferentes, buscando o
convencimento do outro: cartas de reclamação,
cartas de leitores, artigos de opinião, editoriais, debates
regrados e reportagens são exemplos de textos com tal
finalidade.
6. Textos com a finalidade de divulgar produtos e/ou
serviços e promover campanhas educativas no
setor da publicidade: cartazes educativos, anúncios
publicitários, placas e faixas.
7. Textos com a finalidade de orientar e prescrever
formas de realizar atividades diversas ou formas
de agir: receitas, manuais de uso de eletrodomésticos,
instruções de jogos, instruções de montagem e
regulamentos.
8. Textos com a finalidade de orientar a organização
do tempo e do espaço nas atividades individuais e
coletivas necessárias à vida em sociedade:
agendas, cronogramas, calendários, quadros de
horários, folhinhas e mapas.
9. Textos com a finalidade de mediar as ações
institucionais. São textos que fazem parte,
principalmente, dos espaços de trabalho: requerimentos,
formulários, ofícios, currículos e avisos.
10. Textos epistolares utilizados para as mais
diversas finalidades: cartas pessoais, bilhetes, e-mails
e telegramas medeiam as relações entre as pessoas, em
diferentes tipos de situações de interação.
11. Textos não verbais, que não veiculam a
linguagem verbal, escrita, tendo, portanto, foco na
linguagem não-verbal: histórias em quadrinhos só com
imagens, charges, pinturas, esculturas e algumas placas
de trânsito compõem tal agrupamento.

A BNCC estabelece a centralidade do texto como unidade de


trabalho. De acordo com o documento: “As práticas de
linguagem contemporâneas não só envolvem novos gêneros e
textos cada vez mais multissemióticos e multimidiáticos,
como também novas formas de produzir, de configurar, de
disponibilizar, de replicar e de interagir” (BRASIL, 2017, p.
68).
Por dentro da BNCC

Na educação infantil, por meio de atividades lúdicas, é


possível explorar a oralidade, exercitar o falar e o ouvir, além
de possibilitar o despertar da curiosidade da criança pelos
textos escritos. Na BNCC, isso pode ser percebido no campo
de experiencia escuta, fala, pensamento e imaginação:

Síntese das aprendizagens:


Expressar ideias, desejos e sentimentos em distintas
situações de interação, por diferentes meios.
Argumentar e relatar fatos oralmente, em sequência temporal
e causal, organizando e adequando sua fala ao contexto em
que é produzida.
Ouvir, compreender, contar, recontar e criar narrativas.
Conhecer diferentes gêneros e portadores textuais,
demonstrando compreensão da função social da escrita e
reconhecendo a leitura como fonte de prazer e informação.

(BRASIL, 2017, p. 55)


Essas atividades auxiliam a criança a associar a escrita com a
fala e favorecem o gosto pela leitura, a criatividade e o
desenvolvimento progressivo de hipóteses sobre a escrita.

Nesta seção, você aprendeu que a criança começa a construir


conhecimentos referentes à linguagem escrita desde a
infância. Compreendeu, ainda, que as atividades presentes
nos livros e as abordagens pedagógicas podem estar
amparadas em diferentes concepções de linguagem, as quais
embasam o trabalho do professor em sala de aula,
possibilitando a compreensão da alfabetização como um
processo longo e complexo, que inicia na primeira infância e
está interligado com o uso social da leitura e escrita para uma
prática significativa e inclusiva.

Professor alfabetizador
Para atuar como alfabetizador, é essencial conhecer as concepções de linguagem e o
processo de aquisição da linguagem escrita.
Fonte: Shutterstock.

Deseja ouvir este material?

sem medo de errar

Nesta seção, você conheceu a situação vivenciada pela


professora Vanessa, que vive um momento muito importante:
iniciará sua trajetória profissional trabalhando com uma turma
do 1º ano do ensino fundamental. Entretanto, algumas
questões a preocupam e ela não sabe por onde começar,
justamente por não conhecer o que as crianças dessa turma
sabem sobre a escrita.

De fato, a professora deve se preparar para essa nova etapa,


aprofundando os conhecimentos sobre a alfabetização. Para
isso, poderá retomar as leituras que realizou na graduação,
pesquisar e ler a BNCC e o PPP da escola. Após realizar essas
pesquisas, perceberá que a alfabetização é um processo que
se inicia na primeira infância e que está ligada à percepção
sobre o uso social da leitura e escrita.

Nesse sentido, as percepções das crianças dependem das


oportunidades de interação com a língua escrita. Assim, é
comum que em uma mesma turma tenhamos crianças com
percepções totalmente diferentes, inclusive crianças que já
estão alfabetizadas quando iniciam o ensino fundamental.

Mas como definir por onde começar? A professora Vanessa


pode partir das seguintes situações:

 Promover atividades lúdicas, jogos e brincadeiras,


evitando a ruptura da educação infantil para o ensino
fundamental.
 Organizar atividades que possibilitem a sondagem.
 Prever momentos para a realização de desenhos e
escritas espontâneas.
 Evitar atividades prontas que exigem apenas que a
criança realize pintura ou cópia.
 Estabelecer o diálogo, permitindo que as crianças se
sintam seguras e livres para falar e fazer perguntas.

Além dessas possibilidades, Vanessa teve uma excelente


ideia: conversou sobre as crianças com a professora que
trabalhou com a turma no ano anterior, na educação infantil,
e a partir dessa conversa foi possível se tranquilizar e iniciar o
trabalho sentindo-se segura.
Pesquise mais

Para aprofundar os conhecimentos que você adquiriu nesta


seção sobre o grafismo e a importância do desenho no
processo de compreensão da criança sobre a escrita, consulte
o livro disponível na Biblioteca Virtual:

LOTSCH, V. de O. Alfabetização e letramento – Uma visão


geral. São Paulo: Cengage Learning Edições, 2016.

Alfabetização na perspectiva crítica


A alfabetização na perspectiva crítica pretende garantir o amadurecimento da
consciência por meio da problematização da realidade.
Fonte: Shutterstock.

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Praticar para aprender

O modelo de ensino “tradicional”, em que o professor fala e


os alunos apenas executam a tarefa, já foi amplamente
questionado. O mundo se transformou, existem novas
demandas sociais e os alunos de hoje já nasceram em um
mundo dinâmico, acelerado. Porém, ainda se faz necessário
reforçar o quanto é fundamental para a aprendizagem
valorizar os saberes dos alunos, promovendo discussões e
articulando esses saberes aos conteúdos de forma
contextualizada, crítica e reflexiva.

A escola não pode simplesmente insistir em práticas


engessadas que limitem o pensar e a criatividade desse perfil
de aluno nem pode ignorar toda a diversidade que compõe
uma sala de aula. Certamente, você já teve contato com
diferentes práticas pedagógicas e percebeu que as práticas
significativas estavam vinculadas ao respeito, ao afeto e à
humanidade. De forma similar, quando você se lembra do
conteúdo ensinado pelo professor que trabalhava com
práticas dialógicas, sente acolhimento e gratidão.

A escola deve despertar sentimentos bons como esses, pois, sem a


ação dos sujeitos, ela é meramente um prédio. Os profissionais da
educação são capazes de ressignificar esse espaço e tudo o que ele
representa na vida de uma criança em processo de alfabetização.

A educação, as interações e a linguagem são elementos


articulados que fazem parte da existência humana. Será que
na escola e, em especial, nas práticas desenvolvidas durante
a alfabetização há espaço para o exercício do diálogo, da
expressão e da valorização da linguagem dos alunos?

Nesta seção, você compreenderá a linguagem enquanto


objeto de conhecimento, sua função cognitiva, interativa e
dialógica. Também aprenderá a importância de efetivar
práticas significativas que acolham os elementos da vida
cotidiana dos alunos e conhecerá a proposta de alfabetização
crítica, uma forma muito rica de condução dos processos
formativos.
Vanessa é uma professora recém-formada em Pedagogia.
Assim que terminou a graduação, foi aprovada em um
concurso público no município onde mora. Como foi uma das
primeiras colocadas, em pouco tempo foi convocada e já
começará a trabalhar.

Ao se apresentar na escola em que lecionará, Vanessa foi


informada pela coordenação pedagógica da instituição que
trabalhará com uma turma do primeiro ano do ensino
fundamental. A professora está muito feliz e ansiosa para
colocar em prática tudo o que aprendeu na universidade.

Com o passar dos dias, Vanessa percebe que os


conhecimentos que adquiriu na universidade não são
suficientes para subsidiar a compreensão de todas as
situações conflituosas que permeiam a prática pedagógica.
Percebe que é necessário continuar estudando, pois sua
preocupação é desenvolver o pensamento crítico dos alunos,
mas não sabe como realizar esse trabalho com crianças tão
pequenas. Ajude Vanessa a encontrar meios de desenvolver
esse trabalho com as crianças.

Promover práticas pedagógicas humanizadas e


humanizadoras exige generosidade e acolhimento, por isso
continue ampliando os seus conhecimentos.

conceito-chave

A linguagem humana é resultado das relações sociais e


culturais dos indivíduos. Pode-se dizer que ela é um
instrumento da cognição, de mediação e interação dos
indivíduos com o mundo, e que tem um papel importante na
maneira como as experiências das pessoas são organizadas.
Vamos conhecer o conceito de cognição:

Cognição diz respeito a tudo que possa estar relacionado à aquisição,


manutenção, recuperação e uso de conhecimento. Conhecimento
pode ser entendido como produto mental da interação do indivíduo
com o que lhe é exterior, no meio físico e social. A língua é o principal
meio de interação entre os seres humanos e varia a cada grupo
social. A língua é, pois, um tipo de conhecimento a ser adquirido pela
criança em sua interação com o mundo.

(CORRÊA, 2006, p. 1)
Note que o papel da linguagem modifica a relação humana
com o mundo, e essa é uma característica que difere os
homens das demais espécies. Isso acontece porque o sistema
linguístico não é apenas um instrumento de reprodução de
ideias, é uma espécie de guia para a atividade mental do
indivíduo.

Então, podemos considerar que linguagem e cognição são


conceitos inseparáveis, isto porque a linguagem é um
conhecimento adquirido pelas pessoas a partir de processos
mentais que subsidiam a sua compreensão.
Concomitantemente, os processos mentais executam
atividades que dependem desse conhecimento.

[...] Dissecamos a natureza segundo as diretrizes fixadas por nossas


línguas nativas. As categorias e os tipos que isolamos do mundo dos
fenômenos não os encontramos ali porque saltam à vista de qualquer
observador [...]. Cortamos a natureza em pedaços, organizamo-la em
conceitos e atribuímos significação tal como o fazemos
primordialmente porque somos parte um acordo para organizá-la
dessa maneira, sendo este um acordo válido para toda a nossa
comunidade linguística e que está codificado na estrutura da nossa
língua.

(WHORF apud SOARES, 1989, p. 24)

Em meados dos anos 1950, as relações entre língua e


cognição foram investigadas, aproximando áreas de
conhecimento que culminaram na psicologia cognitiva e na
psicolinguística. Essa aproximação deu origem às ciências
cognitivas, impactando de forma significativa no cenário das
ciências, período também denominado revolução cognitiva.

O PAPEL DA LINGUAGEM E DA INTERAÇÃO VERBAL NO


DESENVOLVIMENTO DE HABILIDADES COGNITIVAS
COMPLEXAS

Nas décadas seguintes, as pesquisas desenvolvidas por


Vygotsky e Leontiev demonstraram, a partir de estudos, o
papel da linguagem e interação verbal no desenvolvimento de
habilidades cognitivas complexas. Os autores consideraram,
em seus experimentos, fatores relacionados à filogênese e à
ontogênese, ou seja, características da espécie e elementos
oriundos da cultura. Para eles, do ponto de vista do
desenvolvimento humano, o desenvolvimento linguístico e
cognitivo teria origens distintas. Entretanto, em determinados
momentos, o domínio da língua atua no desenvolvimento
cognitivo.
Exemplificando

Aproximadamente aos dois anos a criança descobre que cada


objeto tem um nome. Para ela, saber que cada objeto tem um
nome significa conhecê-los. Essa atividade desperta a
curiosidade e resulta no rápido aumento do vocabulário.

Vygotsky ainda evidencia a relação entre linguagem e


cognição quando ocorre a internalização da fala, dando
origem ao pensamento verbal, que serve como suporte para o
planejamento de ações complexas.

Contudo, a linguagem também possui função interativa e


dialógica. Nessa perspectiva, denota-se que a linguagem
verbal estabelece a mediação entre o individual e o social.
Diálogos que acontecem em situações reais de interação
realizada com linguagem verbal e não verbal são dotados de
certo “acabamento”. Entretanto, “dada a tensão dialógica, na
convivência de coincidência e não coincidência entre os
dizeres, prevalece seu caráter de inacabamento e destaca-se
o movimento constitutivo do dialogismo como anteposição de
palavra e contra palavra dos interlocutores” (FERNANDES;
CARVALHO; CAMPOS, 2012, p. 97).
Pesquise mais

Amplie seus conhecimentos realizando a leitura do artigo que


apresenta as abordagens teóricas de Bakhtin e Vygotsky
sobre a questão da interação pela linguagem. Nesse material,
a autora destaca que admitir a linguagem como interação
social é percebê-la como interatividade entre os sujeitos que
com ela praticam ações em seus “diferentes falares”. “Isso
requer um novo paradigma sobre os sujeitos da ação
enunciativa que emitem e organizam vozes buscando efeitos
e significados.” (RADAELLI, 2011, p. 1).

 RADAELLI, M. E. Contribuições de Vygotsky e Bakhtin


para a linguagem: interação no processo de
alfabetização. Thêma et Scientia, Cascavel, v. 1, n. 1,
2011.
A dimensão dialógica constitui as relações sociais, processo
rico no contexto educativo. A mediação estabelecida pela
linguagem acontece via interação de interlocutores, no caso,
professor–aluno. A partir dessa interação, ambos se
constituem, formam e são formados na mediação
estabelecida pela linguagem.

[...] a construção de linguagem, instituída na mediação


educador/educando, é atravessada pela determinação recíproca da
reprodução e da contradição na especificidade constituinte do que é
próprio para a construção dialética, ou dialógica, da educação nos
limites estruturantes da organização da sociedade.

(FERNANDES; CARVALHO; CAMPOS, 2012, p. 100)

Professor e aluno como interlocutores em uma situação de


ensino utilizam a linguagem verbal e não verbal, o que, por
sua vez, os aproxima ou os distancia, constituindo a
experiência do discurso e da ação dos interlocutores. Por
exemplo, pensando na linguagem verbal, isso acontece
quando o professor, para explicar o conteúdo, utiliza palavras
de difícil entendimento para o aluno ou quando o aluno utiliza
gírias que o professor desconhece.

O processo educacional é atravessado pela perspectiva dialógica de


produção de sentidos que acontece mediante a reprodução de
padrões socialmente estabelecidos e suas contradições, abrindo
espaço para a criação, a inovação e o desenvolvimento da autonomia
do aluno.

Contudo, é importante ressaltar que o professor enxerga o


aluno a partir de um lugar e um tempo que determinam a sua
conduta. Essas variáveis são determinantes no tipo de
interação que acontecerá. Como demonstrado por Bakhtin
(2010), o educador, ocupando a posição dialógica de um,
projeta para o educando, na posição dialógica de outro, certo
deslocamento, que o coloca em certa exterioridade: um lugar
fora, uma extralocalidade.

Essa percepção do professor é inerente ao processo


pedagógico, visto que, no ambiente educativo, as percepções
devem sempre ter caráter provisório, imersas na condição de
inacabamento. Essa é uma característica fundamental nos
processos formativos, a dialogicidade que oferece a
possibilidade de aprimoramentos, aprendizagens múltiplas e
contínuas envolvendo professores e alunos. Nada está pronto
e acabado, tudo está em movimento.
Foco na BNCC

Dentre as competências específicas de linguagem para o


ensino fundamental, está prevista a necessidade de produzir
sentidos que levem ao diálogo:

3. Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-


motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e
digital –, para se expressar e partilhar informações,
experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e
produzir sentidos que levem ao diálogo, à resolução de
conflitos e à cooperação. (BRASIL, 2017, p. 65)

DIALOGICIDADE E A PRÁTICA PEDAGÓGICA

A partir dessa ideia, convém adentrarmos no âmbito da


prática pedagógica, a qual é espaço para a promoção do
diálogo e precisa contemplar elementos da vida cotidiana,
considerando que não educamos para a vida, e sim na vida.
As práticas pedagógicas ocorrem no encontro de pessoas,
com o propósito de estabelecer trocas que subsidiam a
elaboração de conhecimentos.

Ao observar algumas salas de aula, infelizmente é comum


constatar um clima de tensão entre professores e alunos.
Obviamente, esse clima não é favorável à aprendizagem. Veja
que, nas condições apresentadas, uma linguagem assertiva é
fundamental para estabelecer o diálogo. De fato, as relações
humanas são permeadas por dificuldades, para que o diálogo
se estabeleça na prática pedagógica é primordial acolher a
diversidade e as singularidades.
Reflita

O professor fez a leitura de uma notícia de jornal sobre os


benefícios da reciclagem para o meio ambiente e perguntou
se a separação do lixo é realizada na residência das crianças.
Por que isso é importante? Você considera que essa situação
favoreceu a comunicação e o diálogo entre o professor e a
turma?
Como ação que envolve sujeitos em um processo formativo,
as práticas pedagógicas são enriquecidas pelos elementos da
vida cotidiana, que dão sentido a todo o processo. A escola, o
professor e os conteúdos não podem estar isolados da
realidade dos estudantes, por isso, na alfabetização, os
conhecimentos prévios são o alicerce para a elaboração das
aprendizagens.

Isso foi evidenciado por Paulo Freire ao tratar da


alfabetização. O autor reforçou o fato de que a leitura de
mundo precede a leitura da palavra, e isso significa que a
leitura de mundo leva à conscientização, e a escola não deve
trabalhar apenas com atividades repetitivas que não
oportunizam ao estudante o exercício do pensar, da reflexão
sobre ele e sobre o objeto de conhecimento e o mundo.

No trabalho que Paulo Freire realizou na alfabetização de


adultos, partiu da realidade concreta dos estudantes, utilizou
temas geradores e palavras que faziam parte do cotidiano
daquelas pessoas e valorizou as vivências culturais, utilizando
práticas dialógicas.

O diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo,


para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu. [...]
Se é dizendo a palavra com que, ‘pronunciando’ o mundo, os homens
o transformam, o diálogo se impõe como caminho pelo qual os
homens ganham significação enquanto homens. Por isto, o diálogo é
uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em que se solidariza
o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados ao mundo a ser
transformado e humanizado, não pode reduzir-se a um ato de
depositar ideias de um sujeito no outro, nem tampouco tornar-se
simples troca das ideias a serem consumidas pelos permutantes.

(FREIRE, 1996b, p. 54)


Exemplificando

A leitura dialógica é uma atividade que pode ser realizada


com as crianças. Nela, a aprendizagem ocorre de forma
coletiva e colaborativa.

Nas salas de aula, muitos centros educacionais superaram


com êxito o binômio professor-aluno, modificando sua
organização tradicional e suas dinâmicas. Por exemplo,
incluíram outras pessoas adultas, além dos professores, com
a finalidade de apoiar a aprendizagem da leitura em grupos
interativos e nas atividades de leitura compartilhada.
Também transformaram suas bibliotecas tradicionais em
bibliotecas tutoradas, tornando esse espaço flexível e
adaptável às necessidades dos alunos e da comunidade.
(AUBERT, 2011, p. 2)

Para o autor, quando a prática dialógica não se realiza, temos


uma relação vertical, na qual o professor se porta como o
detentor de todos os saberes. Estabelece-se um modelo de
“educação bancária”, centrada no saber do professor, o qual
“transfere” esse saber para os alunos. Para ensinar é
necessário o exercício da escuta, pois ela “não diminui em
mim, em nada, a capacidade de exercer o direito de
discordar, de me opor, de me posicionar. Pelo contrário, é
escutando bem que me preparo para melhor me colocar ou
melhor me situar do ponto de vista das idéias” (FREIRE,
1996a, p. 45).

As práticas pedagógicas não dialógicas foram chamadas de


“domesticadoras” por Paulo Freire, por não possibilitarem a atividade
física e cognitiva dos estudantes, inviabilizando o desenvolvimento da
consciência crítica.

Uma proposta de alfabetização crítica parte da análise dos


conflitos e das contradições presentes na realidade vivida,
entretanto Freire reconhece que essa não é uma tarefa
simples, é necessário que haja continuidade no processo
formativo. A conscientização é um conceito central no
processo pedagógico. Ela ocorre por meio de um processo
que passa por etapas que partem da consciência ingênua
para a consciência crítica.

No caso da consciência ingênua, suas principais


características são:

1. Revela uma certa simplicidade, tende a um simplismo, na


interpretação dos problemas, isto é, encara um desafio de maneira
simplista ou com simplicidade. Não se aprofunda na casualidade do
próprio fato. Suas conclusões são apressadas, superficiais. [...]. 6. É
frágil na discussão dos problemas. O ingênuo parte do princípio de
que sabe tudo. Pretende ganhar a discussão com argumentações
frágeis. É polêmico, não pretende esclarecer. Sua discussão é mais
feita de emocionalidades que de criticidades: não procura a verdade;
trata de impô-la e procurar meios históricos para convencer com suas
idéias [...]. Trata de brigar mais para ganhar mais. 7. Tem forte
conteúdo passional. Pode cair no fanatismo ou sectarismo. 8.
Apresenta fortes compreensões mágicas. 9. Diz que a realidade é
estática e não mutável.

(FREIRE, 1983, p. 40)

Já na perspectiva da consciência crítica temos:

1. Anseio de profundidade na análise de problemas. Não se satisfaz


com as aparências. Pode-se reconhecer desprovida de meios para a
análise do problema. 2. Reconhece que a realidade é mutável. 3.
Substitui situações ou explicações mágicas por princípios autênticos
de causalidade. 4. Procura verificar ou testar as descobertas. Está
sempre disposta a revisões. 5. Ao se deparar com um fato, faz o
possível para livrar-se de preconceitos. Não somente na captação,
mas também na análise e na resposta [...]. 8. É indagadora, investiva,
força, choca. 9. Ama o diálogo, nutre-se dele. 10. Face ao novo, não
repele o velho por ser velho, não aceita o novo por ser novo, mas
aceita-os na medida em que são válidos.

(FREIRE, 1983, p. 41)

A alfabetização na perspectiva crítica pretende garantir


o amadurecimento da consciência por meio da
problematização da realidade. O exercício dessa reflexão
crítica, que é realizada através do diálogo, possibilitará que os
estudantes percebam as relações sociais e seu caráter
histórico. Por exemplo, em uma situação cotidiana, o
professor pode questionar os alunos sobre a importância de
não desperdiçar água e não deixar as torneiras abertas
enquanto escovam os dentes. A partir disso, o docente
permite que as crianças falem sobre o assunto e articulem a
questão do papel da coletividade e do cuidado para que as
próximas gerações não sofram com a falta de água potável.
Foco na BNCC

Na BNCC, dentre as competências específicas de linguagens


para o ensino fundamental, está prevista a necessidade de
promover reflexões sobre questões do mundo
contemporâneo:

1. Utilizar diferentes linguagens para defender pontos de vista


que respeitem o outro e promovam os direitos humanos, a
consciência socioambiental e o consumo responsável em
âmbito local, regional e global, atuando criticamente frente a
questões do mundo contemporâneo. (BRASIL, 2017, p. 65)
O professor deve partir do universo cultural dos estudantes
para realizar as produções textuais. Os temas podem ser
sugeridos pelos próprios estudantes, mas o docente tem um
papel muito importante: problematizar e provocar conflitos
que levem à reflexão.

A função social da escrita deve marcar o início dos


processos formais da alfabetização, ou seja, o estudante deve
compreender para que serve a leitura, a escrita e qual lugar
essas atividades ocupam na cultura e nas práticas sociais.

Na perspectiva de alfabetização crítica, a produção de textos com


função social deve ser o centro do trabalho, logo o professor deve
possibilitar a produção de textos argumentativos, narrativos,
informativos etc.

A revisão textual deve ocorrer, verificando a coerência das


ideias e a ortografia. Segundo Leite e Amaral (2000, p. 26)
“em atividades como essas, a criança irá perceber que um
texto verdadeiro exige uma estrutura adequada que permita
a compreensão, primeira condição para uma real
interlocução”. O aluno aprende a norma-padrão durante essa
revisão realizada pelo professor e entende o sistema de
escrita como um sistema de convenções. A professora dos
anos iniciais pode fazer realizar essa etapa fazendo a leitura
do texto individualmente com o aluno.

No entanto, a proposta de alfabetização crítica só será


efetivada por um professor crítico em uma escola que
também seja acolhedora. Esse profissional possui a
capacidade de refletir sobre as suas ações, olha para o
estudante e reconhece a sua capacidade de aprender. É
essencial dar espaço para que os alunos falem, contem sobre
suas famílias, brincadeiras, comidas favoritas, animais de
estimação etc. Quando o professor abre espaço para a criança
falar, os modos de “perceber, de sentir, de viver, de conviver,
de conhecer e de pensar o mundo” vêm à tona, emergem e
se constituem em sala de aula (SMOLKA, 1988, p. 99).

Por meio do contato com os conhecimentos apresentados, em


que buscamos pensar a linguagem como objeto de
conhecimento, você aprendeu que a linguagem possui função
cognitiva, comunicativa, interativa e dialógica. A prática
pedagógica deve propiciar o diálogo e acolher os elementos
da vida cotidiana, aproximando a escola da vida dos
estudantes. Você conheceu a proposta de alfabetização
crítica, que parte da promoção do diálogo para possibilitar a
elaboração do pensamento crítico pelos estudantes.

Como desenvolver o pensamento crítico nos alunos?


Nesta seção, seu desafio é pensar em estratégias de trabalho que sejam capazes de
desenvolver o pensamento crítico de crianças pequenas.
Fonte: Shutterstock.

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sem medo de errar

A professora Vanessa está vivenciando algo muito comum em


professores jovens. Ela sente que precisa estudar mais para
conseguir encaminhar da melhor maneira as situações
conflituosas que permeiam a prática pedagógica. A
preocupação dela é desenvolver atividades que possibilitem a
comunicação do pensamento crítico dos alunos, mas não sabe
como realizar esse trabalho com crianças tão pequenas.

Para isso, é necessário que se estabeleça uma relação de


respeito e confiança entre a professora Vanessa e seus
alunos, para que existam espaços de troca e interação. O
aluno deve sentir-se valorizado enquanto interlocutor, ou seja,
aquele que também é capaz de ensinar e aprender.

As seguintes ações são algumas possibilidades de atividades


que oportunizam a reflexão e a progressiva estruturação do
pensamento crítico em crianças:

 Perceber-se como autor: um aluno produz o texto


ditando para outro aluno que já escreve ou para o
professor, que atua na função de escriba.
 Compartilhar vivências: o aluno tem a possibilidade
de falar sobre si e suas vivências.
 Questionar: os alunos podem levantar
questionamentos sobre a resolução de um problema
apresentado pela professora.
 Contar histórias: a professora organiza momentos em
que os alunos contam histórias e os colegas fazem
perguntas.

O aluno participa ativamente dessas atividades, e isso não


diminui a importância do professor, pois este organiza e
conduz todos esses momentos, fazendo mediações e
articulando as falas das crianças com o objeto de
conhecimento e o objetivo de aprendizagem proposto.

A professora realizou estudos e aprendeu que deveria


possibilitar a interação entre os seus alunos a partir dos
conhecimentos que ela reorganizou em sala de aula. Em
alguns momentos, os alunos desenvolvem atividades em
dupla, grupo ou coletivamente. Ela entendeu que a turma não
precisa estar o tempo todo em silêncio para aprender.

Práticas pedagógicas de alfabetização


Escolas que apresentam bons resultados em práticas pedagógicas de alfabetização têm
como característica a atuação de toda a equipe para garantir materiais, espaços e
recursos estruturados para alunos e professores.
Fonte: Shutterstock.

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Praticar para aprender

A escola é um espaço formativo que nos remete à ideia de


movimento e evolução. De fato, nesse ambiente repleto de
falas, gestos, expressões e afeto, a aprendizagem acontece
para além do planejado, ela brota nas situações simples como
uma conversa entre um funcionário e um aluno e ganha
densidade nas situações vividas em sala de aula. É nesse
espaço de múltiplas relações que os professores se apropriam
das normativas dos sistemas educativos, interpretam e dão
sentido aos conhecimentos pedagógicos, traduzindo-os em
elementos de suporte para sua prática cotidiana.

Você já reparou que em várias atividades nos sentimos mais


seguros quando sabemos que podemos contar com o apoio
de outra pessoa ou de uma equipe? No trabalho dos
professores também é assim. A atuação de toda a equipe é
importante para resolver conflitos, planejar, organizar os
espaços e materiais ou para simplesmente proferir palavras
de apoio.

Nesta seção, você perceberá que diante das práticas


pedagógicas de alfabetização a escola constitui-se como
espaço formativo organizado para que a aprendizagem
aconteça. Essa temática evidencia que todos os profissionais
estão envolvidos na organização das práticas educativas, não
havendo espaço para individualismo, rivalidade entre os
profissionais, tampouco entre a gestão da escola e o corpo
docente.

Para compreender como a organização escolar tem um papel


importante nas práticas de alfabetização, neste estudo você
estudará por que é importante proporcionar formação
continuada aos professores alfabetizadores e oferecer apoio
pedagógico para a alfabetização, assim como materiais,
espaço e recursos estruturados para alunos e professores. Por
fim, entenderá a importância de uma proposta para o
processo de alfabetização bem estruturada no Projeto Político-
Pedagógico.
Você já conhece a professora Vanessa e está a par dos
desafios que ela enfrenta em seu primeiro trabalho com uma
turma de alfabetização. Após um semestre de trabalho com
uma sala de aula com muitos alunos, a professora Vanessa
percebe que, por mais que se esforce, realize pesquisas e
trabalhe com atividades diversificadas, os resultados não são
satisfatórios. Parece que os alunos não estão progredindo, e
ela está aflita. Alguns pais também conversaram com
Vanessa e com a coordenadora da escola sobre a dificuldade
dos filhos frente às atividades que a professora propõe. Como
a coordenadora pedagógica poderá intervir para auxiliá-la?
Seria o caso de realizar uma sondagem?

Aprender sobre a organização da escola diante das práticas


de alfabetização possibilitará a ampliação da sua percepção
sobre a necessidade do envolvimento profissional e da
educação como um projeto social que envolve a coletividade.

conceito-chave

Políticas para alfabetização

A escola é o espaço de materialização das políticas para a


alfabetização engendradas no contexto educacional brasileiro.
Isso acontece por meio das práticas pedagógicas que
caracterizam o trabalho dos professores em sala de aula.
Assim, a organização e o funcionamento da escola diante das
práticas pedagógicas de alfabetização têm como finalidade
possibilitar o avanço das aprendizagens mediante uma
organização pedagógica que subsidie o trabalho do professor
alfabetizador.

Isso significa que as turmas de alfabetização necessitam da


atenção de toda a equipe da escola. As aprendizagens
objetivadas para essa etapa sempre foram uma preocupação
no âmbito das políticas educacionais devido ao grande
número de analfabetos ou analfabetos funcionais, pessoas
que são capazes de codificar e decodificar palavras ou frases
simples, mas não dominam de forma plena a leitura e a
escrita. Por isso, a alfabetização é uma meta do Plano
Nacional de Educação (PNE), e para alcançá-la foram
previstas sete estratégias.
A meta cinco do PNE objetiva que as crianças sejam
alfabetizadas até o terceiro ano do ensino fundamental. Pode-
se dizer que a Base Nacional Comum Curricular
(BNCC) altera essa meta ao prever que a criança seja
alfabetizada até o segundo ano do ensino fundamental. Algo
compatível nos dois documentos é o fato de explicitarem que
o pleno domínio das capacidades de leitura e escrita continua
a ser desenvolvido nos anos seguintes.
Foco na BNCC

De acordo com a BNCC:

Embora, desde que nasce e na Educação Infantil, a criança


esteja cercada e participe de diferentes práticas letradas, é
nos anos iniciais (1º e 2º anos) do Ensino Fundamental que se
espera que ela se alfabetize.
[...]
Esse processo básico (alfabetização) de construção do
conhecimento das relações fonografêmicas em uma língua
específica, que pode se dar em dois anos, é, no entanto,
complementado por outro, bem mais longo, que podemos
chamar de ortografização, que complementará o
conhecimento da ortografia do português do Brasil. (BRASIL,
2017, p. 89-91)

Uma das estratégias para o alcance dessa meta do PNE está


relacionada à formação continuada. A expressão “formação
continuada” é compreendida como uma atualização de
conhecimentos; são formações complementares que
acontecem durante a trajetória profissional. A estratégia do
PNE destaca que é necessário “promover e estimular a
formação inicial e continuada de professores(as) para a
alfabetização de crianças, com o conhecimento de novas
tecnologias educacionais e práticas pedagógicas inovadoras”
(BRASIL, 2014, p. 43). Para isso está prevista a articulação
entre programas de pós-graduação stricto sensu e
ações de formação continuada de professores para a
alfabetização.
Reflita

Cada turma tem uma composição distinta, com alunos


oriundos de contextos diferentes, com conhecimentos
diferentes sobre a leitura e a escrita, portanto não há uma
fórmula que funcione para todos. Isso nos leva a crer que o
professor é desafiado a pesquisar e buscar alternativas para
sanar as dificuldades que surgem no dia a dia da sala de aula.
A formação do professor é um dos fatores que contribuem
para o sucesso do aluno durante o processo de alfabetização?

Na formação inicial, na graduação, o futuro professor tem


contato com todos os conhecimentos necessários para o
exercício da sua função. Porém, durante a jornada
profissional, ele aprende a utilizar esses conhecimentos para
solucionar os desafios que surgem e a definir quais são as
melhores estratégias metodológicas de acordo com cada
contexto e necessidades dos alunos.

As mudanças não param, e o professor precisa estar atento


para acompanhar as novas pesquisas, teorias, tecnologias e
materiais que podem melhorar a qualidade do seu trabalho.
Essa busca por aprimoramento não é apenas da
responsabilidade do profissional. A formação continuada é
considerada um direito previsto na Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB – Lei nº 9.394/1996).
Desse modo, as secretarias de educação e as instituições
privadas devem ofertar momentos de formação continuada
aos professores durante o ano letivo.

A partir dessas informações, note que, além de ser um direito de


todos os docentes, proporcionar formação continuada aos
professores alfabetizadores é um compromisso das escolas que está
articulado ao compromisso com a educação.

As avaliações nacionais, como o Sistema de Avaliação da


Educação Básica (SAEB) e a Prova Brasil, revelam que os
alunos, muitas vezes, chegam ao final do ensino fundamental
sem o domínio adequado da leitura e da escrita. Para reverter
esse quadro, são desenvolvidas pesquisas sobre a
alfabetização, políticas e programas de formação
continuada.
Por dentro da BNCC

Para a implementação da BNCC e a revisão/elaboração dos


currículos, é esperado que as escolas realizem formação
continuada, para que os profissionais que atuam na
alfabetização se apropriem dos saberes previstos no
documento. De acordo com a BNCC, as escolas devem “criar
e disponibilizar materiais de orientação para os professores,
bem como manter processos permanentes de formação
docente que possibilitem contínuo aperfeiçoamento dos
processos de ensino e aprendizagem” (BRASIL, 2017, p. 17).

FORMAÇÃO CONTINUADA

Conheça alguns programas governamentais de formação


continuada para professores alfabetizadores ao longo do
tempo:

 Programa de formação de alfabetizadores PROFA


(2001): foi operacionalizado por meio de conteúdos que
se dividiram em dois grandes temas: 1. Leitura, Escrita e
Processos de Aprendizagem na Alfabetização; 2.
Conhecimento Didático.
 Pró-Letramento (2006): Programa de Formação
Continuada de Professores dos Anos/Séries Iniciais do
Ensino Fundamental, proposto na modalidade
semipresencial, utilizando material impresso, vídeos,
atividades presenciais e a distância e o
acompanhamento de professores.
 Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa –
PNAIC (2013): programa destinado à formação de
professores que atuam na educação infantil, professores
alfabetizadores e a um coordenador pedagógico por
unidade escolar; há a participação de universidades.
 Mais Alfabetização (2018): este programa tem como
objetivo fortalecer e apoiar técnica e financeiramente as
unidades escolares no processo de alfabetização de
estudantes regularmente matriculados nos dois
primeiros anos do ensino fundamental.
 Tempo de Aprender (2019): destinado à pré-escola e
aos 1º e 2º anos do ensino fundamental das redes
públicas estaduais, municipais e distrital. Desenvolvido a
partir das diretrizes da Política Nacional de Alfabetização
(PNA), oferta apoio pedagógico para a alfabetização,
aprimoramento das avaliações da alfabetização,
formação continuada e valorização de profissionais da
alfabetização.

É importante ficar claro que o objetivo da formação


continuada é refletir para melhorar a ação docente.
Como proposta para a implementação da estratégia para a
formação de professores, Schön (1992, p. 93-114) apresenta
três conceitos que contribuem para pensar sobre o professor
e sua prática:

 O “conhecimento na ação”.
 A “reflexão na ação”.
 A “reflexão sobre a ação”.

Portanto, os momentos formativos só fazem sentido quando


articulados ao cotidiano da prática pedagógica. O professor precisa
de momentos para pensar sobre o que ele faz em sala de aula e para
traçar novos caminhos frente aos resultados dos alunos.

Assim, o docente pode, por exemplo, levar atividades dos


alunos ou um relatório ele que fez sobre as atividades para a
formação continuada, possibilitando confrontar teoria e
prática e trocar ideias com os pares.

A formação continuada oportuniza conhecer diferentes


práticas de sucesso e indicar materiais e atividades que
enriquecem o trabalho. Nas formações, é importante contar
com a participação dos coordenadores pedagógicos, os quais
têm a função de ofertar apoio aos professores
alfabetizadores. Os programas governamentais de formação
continuada para os alfabetizadores, em sua maioria,
pressupõem o envolvimento da coordenação
pedagógica, responsabilizando-a pela condução dos
encontros formativos. Além dos programas propostos pelo
Ministério da Educação, a escola tem autonomia para
organizar grupos de estudo, reuniões e
palestras envolvendo toda a comunidade escolar.

Vale ressaltar que o coordenador pedagógico cuida de toda a


articulação da prática pedagógica da instituição escolar. É ele quem
incentiva e promove os momentos reflexivos, como também é figura
central na organização da elaboração do Projeto Político-Pedagógico
(PPP) da escola.

Por exemplo, com a aprovação da BNCC, a coordenação das


escolas precisou organizar momentos para a realização de
estudos com os professores para a elaboração dos currículos.

O PPP é um dos documentos de maior importância na escola, pois diz


respeito à própria organização do trabalho pedagógico que está
intimamente ligada à concepção, realização e avaliação do projeto
educativo. O PPP vai além de um agrupamento de planos de ensino e
atividades, passando a ser uma ação intencional com um
compromisso definido coletivamente, construído e vivenciado em
todos os momentos.

(BORTOLUZZI, 2016, p. 9)
Pesquise mais

A escola, diante das práticas de alfabetização, precisa


promover a organização do espaço e dos materiais
respeitando a especificidade da etapa e o desenvolvimento
das crianças, as quais, após a mudança para o ensino
fundamental de nove anos, são matriculadas aos 6 anos de
idade no primeiro ano. Amplie os conhecimentos sobre o tema
realizando a leitura da página 127 a 140 do seguinte artigo:

 SERODIO, S. C. F.; STEINLE, M. C. B. A importância do


espaço para atender o aluno do 1º ano do ensino
fundamental de nove anos. In: SEMANA DA EDUCAÇÃO,
14., Londrina, 2015. Anais [...]. Londrina, PR: UEL, 2015.

PROPOSTA PARA O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO NO


PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO

A escola deve apresentar uma proposta para o processo de


alfabetização bem estruturada em seu PPP. Essa proposta
precisa contemplar os conteúdos da BNCC, que é a parte
comum, e os conhecimentos oriundos do âmbito da
comunidade local, que são a parte diversificada. Além da
organização curricular, é importante explicitar se o
funcionamento dessa etapa será realizado em ciclos, sem
reprovação nos dois primeiros anos do ensino fundamental ou
com reprovação.

O documento também deve evidenciar a concepção de


sociedade e de homem que se pretende formar,
articulando a tais perspectivas a compreensão de como os
alunos aprendem e se desenvolvem. Para que essas
informações não sejam distantes da realidade concreta da
instituição, é esperado que a elaboração do PPP ocorra de
forma coletiva.
Exemplificando

No período de elaboração ou revisão do PPP, os professores


que trabalham com as turmas de alfabetização,
acompanhados da coordenação pedagógica, podem se reunir
para realizar estudos, definir os conhecimentos e elaborar a
parte do documento referente à alfabetização.

O papel da coordenação pedagógica é apoiar e incentivar o


trabalho dos professores alfabetizadores na realização de
atividades diferenciadas, além de prestar atendimento e
definir ações junto a eles em relação às crianças que estão
com dificuldade de aprendizagem. Segundo Cardoso, Bolzan e
Millani (2017, p. 15148):

[...] é estritamente necessário que o professor participe efetivamente


da organização do trabalho dentro da instituição em que atua,
trocando experiências com seus colegas e, assim, construindo novos
conhecimentos em favor da aprendizagem dos estudantes. As ações
de incentivo à leitura e à escrita na escola também possuem essa
característica, uma vez que se configuram como ações conjuntas de
interdependência entre a gestão escolar e a gestão educacional. A
professora expressa: […] a gente faz projetos na escola, a gente
trabalha os professores, coordenação, direção enfim... todos que
formam a equipe. [...] as vezes uma turma faz uma dramatização, vai
lá e apresenta para todo mundo. […] então envolve toda a escola, é
um projeto que é de toda a escola. Não é só um projeto meu, nem da
coordenação, é todo mundo envolvido (Professora Helena).

Perceba que, na escola, deve existir um trabalho coletivo de


apoio em torno das práticas pedagógicas de alfabetização,
pois isso não é um compromisso exclusivo do professor da
turma. Escolas que apresentam bons resultados têm como
característica a atuação de toda a equipe para garantir
materiais, espaços e recursos estruturados para alunos e
professores.

A atividade docente não é exercida sobre um objeto, sobre um


fenômeno a ser conhecido ou uma obra a ser produzida. Ela é
realizada concretamente numa rede de interações com outras
pessoas, num contexto onde o elemento humano é determinante e
dominante e onde estão presentes símbolos, valores, sentimentos,
atitudes, que são passíveis de interpretação e decisão, interpretação
e decisão que possuem, geralmente, um caráter de urgência. Essas
interações são mediadas por diversos canais: discurso,
comportamentos, maneiras de ser, etc. Elas exigem, portanto, dos
professores, não só um saber sobre o objeto de conhecimento nem
um saber sobre uma prática e destinado principalmente a objetivá-la,
mas a capacidade de se comportarem como sujeitos, como atores e
de serem pessoas em interação com pessoas.

(TARDIF, 2002, p. 49)


MATERIAIS E RECURSOS PARA A ALFABETIZAÇÃO

O contexto escolar deve ser um espaço alfabetizador, que


promove experiências significativas. Para isso, o professor
pode apostar na criatividade, articulando materiais concretos
aos objetos de conhecimento, a fim de desenvolver as
competências e habilidades previstas no seu planejamento.
Exemplificando

Nas salas de aula, é possível disponibilizar uma variedade de


itens:

 Alfabeto.
 Números.
 Calendário.
 Chamadinha.
 Regras da sala.
 Livros de literatura.
 Materiais manipuláveis de livre acesso, como alfabeto
móvel, jogos confeccionados pela professora, tampinhas
de garrafas com letras, etc.

O acesso aos materiais de apoio, permeado de


uma abordagem lúdica realizada pelo professor, é capaz
de despertar o interesse da criança, envolvendo-a nas
atividades de maneira ativa.

Todo e qualquer espaço em que ocorre a prática alfabetizadora é


espaço de múltiplas e diversificadas relações entre a criança e os
objetos portadores da escrita. É, portanto, espaço de mediações entre
as crianças e os objetos culturais. Entendemos, assim, que é
necessário termos na sala de aula: cartaz com os quatro tipos de
alfabetos mais utilizados na escola e fora dela, que deve ser afixado
na altura das crianças, para que possam visualizá-lo e tocá-lo, pois
muitas vezes costumam contornar as letras com os dedos para depois
escrevê-las no caderno; alfabeto móvel; calendário; cartazes de
aniversariantes do mês e de ajudantes do dia; livros de literatura;
papéis de carta, para incentivar a escrita; cartaz com orientações
sobre a convivência na sala de aula; textos trabalhados, que podem
ser afixados na parede; fichas com os nomes das crianças, escritas
com letras cursivas e de forma maiúsculas; materiais como cadernos
e livros, que devem ser identificados com os nomes das crianças; e
outros.

(BRASIL, 2015, p. 16)


Para ampliar esse trabalho com brinquedos e brincadeiras, a
utilização de jogos é uma ótima possibilidade. O jogo é
entendido como uma ação humana, logo é um recurso
didático que pode ser inserido facilmente pelo professor em
sala de aula, possibilitando o trabalho interdisciplinar. Cabe
ao docente inseri-lo em seu planejamento, utilizando-o de
acordo com os objetivos a serem alcançados. Ele pode ser
criado pelo próprio professor ou coletivamente, com a
participação dos alunos.

Figura 1.4 | Jogo da forca

Fonte: Brasil (2015, p. 65).

JOGO DE ALFABETIZAÇÃO TEMÁTICO

Explora, ao mesmo tempo, aspectos gráficos, vocabulário e o


significado das palavras relacionadas a um tema específico. O
jogo é composto por 16 cartões de imagens de brinquedos e
16 cartões com seus respectivos nomes (bola, boneca,
peteca, balança, etc.). Para brincar, as crianças precisam
fazer uso de diferentes estratégias de leitura, com a
finalidade de encontrar o nome correspondente da imagem
sorteada. Algumas fazem a leitura global das palavras,
enquanto outras prestam atenção às sílabas iniciais ou finais.

Figura 1.5 | Jogo de alfabetização temático

Fonte: Brasil (2015, p. 64).

Considerando a importância dos jogos, quando a escola


dispõe de computadores que podem ser utilizados pelos
alunos, pode ser realizado um trabalho com jogos virtuais que
mobilizam as capacidades de compreensão de leitura e
escrita. Essas atividades podem ser orientadas pelo próprio
professor da turma ou desenvolvidas pelo professor
responsável pelo laboratório.

Os jogos virtuais possuem grande caráter lúdico e isso faz com que os
alunos apreciem muito esse tipo de aula. Para vencer o jogo, eles têm
que ouvir, clicar, digitar, olhar a palavra com animação na tela que
brilha, enfim, esses são elementos significativos que permeiam o
contexto multimodal do computador e que contribuem para
aproximar as crianças da palavra, independente do nível de escrita
em que se encontram. Fazem isso com mediação da professora, mas
também com ajuda dos colegas ou sozinhas. Entretanto, ressaltamos
que é preciso encontrar jogos que desafiem as crianças em seus
conhecimentos sobre a escrita e que contribuam para o seu avanço
nos direitos de aprendizagem, mas sem deixá-las tensas.

(BRASIL, 2015, p. 75)

É possível criar um cantinho da leitura, isto é, um espaço


na sala de aula em que os livros são expostos. Na rotina, o
professor pode prever momentos para a leitura de histórias,
assim como os livros devem estar acessíveis aos alunos para
que em determinado momento possam escolher, folhear, ler
ou até mesmo olhar as figuras, no caso de crianças que ainda
não aprenderam a ler.

Alguns materiais oportunizam a interação com a família


durante a alfabetização. Um exemplo é a sacola viajante ou
sacola de leitura. O aluno leva para casa um livro de
literatura dentro da sacola, faz a leitura em casa com o auxílio
da família e depois conta a história para a turma. Essa é uma
maneira de estimular a leitura e de oportunizar a participação
dos familiares nesse processo.

EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Quando se trata de um contexto de alfabetização de jovens e


adultos, os materiais são igualmente importantes, entretanto
é necessário adequá-los à faixa etária da turma, não se deve
trabalhar com os mesmos materiais utilizados com as
crianças, visto que os temas, as atividades, os livros e as
contextualizações realizadas pelo professor devem respeitar a
especificidade da faixa etária. Nesse caso, é importante trazer
elementos do cotidiano, como jornais, revistas, mural, etc.
Fica evidenciado que não basta dispor dos materiais, mas
saber como utilizá-los de maneira adequada, e isso requer
atenção do professor na preparação da aula. Os espaços,
materiais e jogos são importantes, mas não garantem a
aprendizagem dos alunos, é necessário que ocorra a
utilização adequada, atendendo aos objetivos de
aprendizagem. A organização do o trabalho pedagógico
requer atenção do professor em relação ao que os alunos
sabem e precisam aprender.

Chegamos ao fim desta seção. Você aprendeu que a escola,


diante das práticas de alfabetização, deve traduzir-se em
espaço de formação continuada, no qual o professor
alfabetizador se sinta acolhido e apoiado pela equipe gestora.
Nesse ambiente de aprendizagens, os espaços, equipamentos
e materiais devem possibilitar valiosas experiências, a partir
das quais seja possível questionar, pesquisar, manipular
materiais, brincar, se divertir e aprender.

Sondagem
Conheça essa ferramenta fundamental no trabalho do professor alfabetizador.
Fonte: Shutterstock.

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sem medo de errar

Por mais que o professor alfabetizador se esforce, em alguns


momentos ele pode se deparar com situações desafiadoras,
nas quais precise de apoio para redirecionar o seu trabalho. A
professora Vanessa está vivenciando um desses momentos, e
ela percebe que, por mais que se esforce, realize pesquisas e
trabalhe com atividades diversificadas, os resultados não são
satisfatórios após seis meses de trabalho.

Parece que os alunos não estão progredindo e não entendem


como funciona a escrita. Diante disso, a professora está
desesperada e não sabe se deve continuar trabalhando com
as mesmas atividades ou se modifica tudo o que fez até o
momento. Alguns pais também conversaram com a docente e
com a coordenadora da escola sobre a dificuldade dos filhos,
e isso gera mais ansiedade e insegurança na profissional, a
qual, pela primeira vez, atua na alfabetização.

Ciente da situação, a coordenadora pedagógica percebeu que


Vanessa precisa de uma atenção especial, de um
direcionamento. Existem algumas possibilidades de
encaminhamentos para essa situação envolvendo a
professora e a coordenação pedagógica da escola.

A coordenação pedagógica pode analisar as atividades dos


alunos junto à professora responsável pela turma e sugerir
uma sondagem, que é um elemento fundamental no
trabalho do professor alfabetizador. Para realizar a sondagem,
a docente deve organizar atividades em que os alunos sejam
capazes de expressar a sua real compreensão sobre a escrita.
O próximo passo é analisar as atividades. Ao fazer essa
análise, é possível tabular os dados da turma em relação aos
níveis de compreensão da escrita. A partir disso, a
coordenação pode auxiliar a professora na elaboração de um
planejamento que atenderá às necessidades dos estudantes.

Após a análise dos resultados dos alunos e a realização de


leituras, a coordenadora e a professora perceberam que os
alunos estavam evoluindo e descobriram que a maioria
estava na fase silábica. Nessa fase, é comum a criança utilizar
apenas algumas letras para representar o som da sílaba, e
isso significa que o aluno compreende a organização da
escrita. Por exemplo, a palavra formiga pode ser
representada de diferentes formas por alunos no nível
silábico: f – i – a, o – i – a, f – m – g, f – m – a, etc.

Após chegarem a essa conclusão, a coordenadora sugeriu a


realização de uma reunião com os pais, na qual as duas
explicaram que, para compreender a organização da escrita,
as crianças passam por diferentes níveis. Na fase em que se
encontram nesse processo, é normal que utilizem apenas
algumas letras, e isso não é considerado um erro, mas uma
etapa da compreensão.

Avançando na prática

BNC-FORMAÇÃO

O Ministério da Educação (MEC) homologou o Parecer


CNE/CP nº 22/2019, do Conselho Nacional de Educação
(CNE), que atualiza as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Formação Inicial de Professores para a Educação Básica e
institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial
de Professores da Educação Básica, denominada BNC-
Formação.

O documento prevê que é de competência dos sistemas de


ensino da União, dos estados, do Distrito Federal e dos
municípios instituírem políticas e definirem programas
destinados à formação continuada específica para seus
docentes, em consonância com o que está posto na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Tendo por base as
citadas dimensões do Conhecimento, da Prática e do
Engajamento Profissionais, suas competências específicas e
correspondentes habilidades, este Parecer define Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação Continuada de
Professores que atuam nas diferentes etapas e modalidades
da Educação Básica, bem como a instituição da Base Nacional
Comum para a Formação Continuada de Professores da
Educação Básica (BNC-Formação Continuada), a qual deve ser
implementada em todas as ações e modalidades de cursos e
programas destinados à formação continuada dos docentes
desse nível educacional. Frente às competências
estabelecidas aos municípios, como deve ser a atuação das
escolas de ensino fundamental anos iniciais com relação à
formação continuada?

Qual a diferença entre alfabetização e letramento?


A alfabetização é caracterizada pelo processo de aquisição da língua escrita, enquanto
o letramento está relacionado ao desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema
em atividades de leitura e escrita nas práticas sociais que envolvem a língua escrita.

Fonte: Shutterstock.
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Convite ao estudo

Olá, estudante, como vai?

Está tudo pronto para iniciar mais uma jornada de


aprendizagens? Você sabia que os estudos sobre um objeto
de conhecimento implicam a construção de um esquema
conceitual que permita recuperar conhecimentos prévios e
articular novos dados? Assim, na presente unidade,
continuaremos construindo nosso esquema conceitual sobre
as estratégias e os procedimentos para alfabetização, agora,
explorando diretamente o foco da discussão, cujo tema
central é a alfabetização.

Ao prever a abordagem do tema, objetivamos que ao final da


unidade você conheça os diferentes métodos de alfabetização
e concepções para utilizar as diversas perspectivas teóricas
na prática educativa de acordo com o público e o contexto.
Compreendemos aqui a alfabetização como um processo
longo e complexo que se inicia na primeira infância e está
interligado com o uso social da leitura e escrita para uma
prática significativa e inclusiva.

Para isso, os conhecimentos serão explorados em três seções.


A primeira seção tem como tema a compreensão da
alfabetização como processo interdisciplinar, na qual
discutiremos a importância da articulação de diferentes
perspectivas teóricas na análise da alfabetização; a
aprendizagem da leitura e da escrita além da sala de aula –
marcada por variáveis político-econômicas, pelas interações
sociais, pelas experiências culturais; a interdependência da
alfabetização e do letramento; e o uso da língua oral e escrita
em situações reais de comunicação enquanto, ao mesmo
tempo, a representação dos sons da fala em grafia é
apresentada.

Você já notou que as crianças confundem o som de algumas


letras? Você já notou que as crianças têm um percurso parecido
de aquisição do sistema alfabético? Já notou que se fala de
diferentes maneiras a depender do contexto social da fala?
Na segunda seção, vamos explorar as contribuições da
linguística, da psicolinguística e da sociolinguística, conhecendo
sobre o sistema ortográfico, o sistema fonológico, o ponto de
vista semântico na aquisição da linguagem, a maturidade
linguística, o desenvolvimento verbal da criança, a concepção
da criança sobre a escrita, as habilidades metalinguísticas da
criança, a interferência das diferenças culturais e dos dialetos
no processo de aquisição da leitura e da escrita e as relações
entre alfabetização e os usos e funções da língua escrita.

Para finalizar os estudos desta unidade, na terceira seção,


serão apresentados os diferentes métodos de alfabetização:
como e quando utilizá-los, ampliando os conhecimentos sobre
a metodização do ensino da leitura e desmetodização; o
método alfabético ou soletração; o método fônico; o método
silábico; o método de palavração; o método de sentenciação;
o método global; e o construtivismo. Tenho certeza de que
esses conhecimentos serão fundamentais para sua formação
e atuação profissional. Bons estudos!

Praticar para aprender

Você já parou para pensar no fato de que os alunos que estão


hoje nas turmas de alfabetização, no futuro, poderão atuar
em profissões que ainda não foram criadas? A dinamicidade
na produção de conteúdos e novas tecnologias vem
modificando a relação entre os sujeitos, as demandas do
mundo do trabalho e as relações entre as áreas de
conhecimento.

De certa forma, tudo parece estar interligado e, na verdade,


está! Imagine só se, em sala de aula, os conhecimentos ainda
forem tratados de forma compartimentada: ao estudar artes
fechamos a “caixa” da língua portuguesa, em outro momento
fechamos a “caixa” de língua portuguesa e abrimos a “caixa”
da educação física. Nas relações sociais, as áreas de
conhecimento estão articuladas e são compreendidas e
sintetizadas por sujeitos que mobilizam toda essa diversidade
de conhecimento.

Nesse contexto, faz-se necessário dar ênfase às práticas que


fazem parte da cultura dos aprendizes, focando em
estratégias que possibilitem o desenvolvimento do
pensamento crítico e a capacidade de compreender e analisar
situações em diversos contextos. Portanto, as práticas de
letramento não estão condicionadas à entrada da criança no
ensino formal, mas cabe à escola acolher e explorar os
multiletramentos, por contemplarem as tecnologias da
informação e comunicação, a diversidade cultural e as
questões emergentes na sociedade, tudo isso sem subestimar
a necessidades de dominar as normas do sistema alfabético e
ortográfico.

Aprender a ler e escrever oferece aos estudantes algo novo e


surpreendente: amplia suas possibilidades de construir
conhecimentos, por sua inserção na cultura letrada, e de
participar com maior autonomia e protagonismo na vida
social. Considerando a relevância de explorar a aprendizagem
além da sala de aula, como o uso da língua oral e escrita em
situações reais de comunicação, nesta seção você será levado
a refletir sobre a importância de articular perspectivas
teóricas na análise da alfabetização, levando em conta a
interdependência entre alfabetização e letramento.

A fim de exercitarmos os conteúdos a serem aprendidos,


considere a seguinte situação-problema: a secretaria
municipal da cidade de Primavera propôs a construção de um
referencial orientador para as escolas municipais e tal
proposta partiu da iniciativa da equipe gestora de apresentar
às instituições escolares um direcionamento para a
elaboração dos seus currículos. A expectativa da secretaria de
educação é que o documento seja o reflexo de perspectivas,
estudos e decisões tomadas pelos professores de todas as
áreas que ali atuam. Pensando nisso, para elaborar o
documento, foram organizados grandes grupos de estudos
com os professores de toda a rede, os quais foram divididos
por etapa e ano. É importante lembrar que o documento deve
estar articulado aos conhecimentos propostos pela Base
Nacional Comum Curricular, que norteará a elaboração das
propostas pedagógicas de todas as escolas.

Na primeira reunião, a equipe pedagógica da secretaria de


educação apresentou dados referentes ao desempenho dos
estudantes da rede municipal nas últimas avaliações externas
nas turmas de alfabetização. Uma das informações
demonstrou que os alunos sabiam ler, mas não conseguiam
interpretar textos simples. Esse dado gerou discussão sobre o
tema e suscitou a necessidade de aprofundamento teórico
sobre o assunto, além de preocupar os professores.
Para contextualizar sua aprendizagem, imagine que você é
um professor alfabetizador da rede e está participando da
reunião. Pense sobre o problema apresentado e tente
levantar hipóteses para solucioná-lo a partir do seguinte
questionamento: o que os professores alfabetizadores das
escolas municipais de Primavera podem fazer em sala de aula
para que os alunos consigam compreender plenamente os
textos?

Explorando os conhecimentos a serem apresentados você


aprenderá a conduzir o processo de aprendizagem da língua
escrita de forma respeitosa, com conhecimento e segurança
nos planos traçados. Pronto para começar?

conceito-chave

A alfabetização é um fenômeno complexo que requer o


desenvolvimento de um conjunto de habilidades, o que
explica por que profissionais de diversas áreas de
conhecimento se debruçam para estudar o tema. A
compreensão da criança sobre a escrita é um processo que
ocorre na vida cotidiana, ou seja, está situada além da sala de
aula e é marcada por variáveis político-econômicas,
interações sociais e experiências culturais.

Segundo Soares (2020, p. 22), quando chega na escola para


ser alfabetizada, a criança já domina um dialeto da língua
oral: “esse dialeto pode estar mais próximo ou mais distante
da língua escrita convencional, que se baseia em uma norma
padrão”.
Reflita

A natureza do processo de alfabetização de crianças que


convivem com falantes de um dialeto oral mais próximo da
norma padrão e que têm contato com material escrito é
diferente da natureza do processo de alfabetização de
crianças que têm pouco acesso a material escrito?

Quem é responsabilizado quando os resultados não são


satisfatórios? De quem é a responsabilidade quando a
aprendizagem não acontece? O insucesso na alfabetização
necessita de uma análise ampliada, contemplando inclusive
as expectativas do sistema escolar em relação à criança e seu
contexto social. Estudos desenvolvidos sobre fracasso escolar
demonstram que, ao longo da história, as instituições
escolares atribuem à criança diagnósticos como “déficit
linguístico” ou “carência cultural” quando se deparam com o
predomínio de particularidades do dialeto de crianças
oriundas das classes populares, desconsiderando a existência
de diferentes práticas linguísticas (PATTO, 1999). Então,
quando a criança chega na escola, a primeira barreira a ser
ultrapassada é a própria insegurança para se expressar.
Quando ela resolve ter iniciativa, como quando faz alguma
pergunta sobre a lição e inicia a frase com “nóis vai”, muitas
vezes se impõe um outro modo de falar, sem problematizar o
modo como a criança falou.

Em diversas situações, a criança escreve como fala, ou seja,


como aprendeu a falar com sua família ou no meio onde vive.
Nesses casos, a escola não deve censurar a criança e sua
cultura, mas possibilitar que ela tenha contato com a norma
padrão e aprenda que existem outras maneiras de dizer a
mesma coisa e uma forma aceita socialmente que deve ser
utilizada para registrar, isto é, escrever.
Foco na BNCC

Estima-se que mais de 250 línguas são faladas no país –


indígenas, de imigração, de sinais, crioulas e afro-brasileiras,
além do português e de suas variedades. Esse patrimônio
cultural e linguístico é desconhecido por grande parte da
população brasileira.

No Brasil com a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002,


oficializou-se também a Língua Brasileira de Sinais (Libras),
tornando possível, em âmbito nacional, realizar discussões
relacionadas à necessidade do respeito às particularidades
linguísticas da comunidade surda e do uso dessa língua nos
ambientes escolares.

Segundo a BNCC, “é relevante no espaço escolar conhecer e


valorizar as realidades nacionais e internacionais da
diversidade linguística e analisar diferentes situações e
atitudes humanas implicadas nos usos linguísticos, como o
preconceito linguístico” (BRASIL, 2018, p. 70).

Vale pensar em que medida a cultura dominante interfere na


construção de práticas pedagógicas que desconsideram a
diversidade, características regionais e variáveis
socioeconômicas, para que não se propaguem em sala de
aula percepções e condutas que levam a análises excludentes
por parte do professor.

Pensando nisso, se o objetivo do trabalho educativo é a


aprendizagem do estudante, se ele não aprende, significa que
vários elementos não foram mobilizados e articulados de
maneira adequada. Por isso, frente ao insucesso, não é
prudente culpabilizar o contexto social da criança e sua
família.

Cabe questionar: o que pode ser feito para aproximar as expectativas


da escola ao conhecimento das crianças que não têm acesso a
materiais diversos? Uma possibilidade é permitir o uso da língua oral
e escrita em situações reais de comunicação, ao mesmo tempo
proporcionar atividades que exigem a representação dos sons da fala
em grafia. Isso pressupõe reconhecer a interdependência da
alfabetização e do letramento.

Você sabe definir os termos alfabetização e letramento?


Segundo Soares (2020), de certa maneira, a aprendizagem da
língua materna, oral ou escrita, é um processo permanente,
isso porque o seu processo de desenvolvimento não é
interrompido. Porém, a alfabetização é caracterizada pelo
processo de aquisição da língua escrita, enquanto
o letramento está relacionado ao processo de
desenvolvimento e utilização dela. Assim, segundo a autora
“não parece apropriado nem etimológica nem
pedagogicamente que o termo alfabetização designe tanto o
processo de aquisição da língua escrita quanto o seu
desenvolvimento” (SOARES, 2020, p. 16).
Exemplificando

Soares (2020, p. 16) expõe o seguinte:

1. Pedro já sabe ler. Pedro já sabe escrever.


2. Pedro já leu Monteiro Lobato. Pedro escreveu uma redação
sobre Monteiro Lobato.

No exemplo 1. Ler e escrever significam o domínio da


“mecânica” da língua escrita; nessa perspectiva alfabetizar
significa adquirir a habilidade de codificar a língua oral em
língua escrita (escrever) e de decodificar a língua escrita em
língua oral (ler). A alfabetização seria um processo de
representação de fonemas (sons) em grafemas (escrever) e
de grafemas em fonemas (ler).

No exemplo 2. Ler e escrever significam apreensão e


compreensão de significados expressos em língua escrita (ler)
ou expressão de significados por meio da língua escrita
(escrever). Habilidades que continuam em desenvolvimento e
estão articuladas as práticas de letramento.

Por muito tempo, a alfabetização foi definida como um


processo de representação de fonemas em grafemas e de
compreensão/expressão de significados por meio do código
escrito. Porém, em diversos países em um mesmo período
histórico surgiu a necessidade de nomear as práticas sociais
mais complexas de leitura e escrita, assim, no final da década
de 1970, a Organização das Nações Unidas para a Educação,
a Ciência e a Cultura (UNESCO) indicou a ampliação do
conceito, passando de literate para funcyionally literate e
sugeriu que as avaliações internacionais direcionadas à
alfabetização explorassem as habilidades de uso da leitura e
da escrita.

No Brasil, o conceito de letramento surge a partir do


questionamento sobre o conceito de alfabetização, isto
porque no contexto brasileiro esses conceitos se confundiam
e se mesclavam – dado evidenciado nos censos demográficos:
situação em que sujeitos com diferentes habilidades de leitura
e escrita se autodeclaravam alfabetizados, entretanto sem o
pleno domínio das habilidades necessárias para ser
classificados como tal.

A mudança conceitual acerca da língua escrita difundida no


Brasil aproximadamente na década de 1980 colocou em
xeque as práticas existentes até o momento que tinham como
base o uso de métodos sintéticos e analíticos (fônico, silábico,
global etc.). O paradigma cognitivista se difundiu no Brasil por
meio dos estudos sobre a psicogênese da língua escrita
desenvolvidos por Emília Ferreiro e Ana Teberosky. Esses
estudos suscitaram expressivas mudanças para a
alfabetização, por demonstrar que a criança é protagonista no
processo de construção de representação da língua escrita.
Assimile

Como explica Soares (2020, p. 39):


A criança deixa de ser considerada como dependente de
estímulos externos para aprender o sistema de escrita –
concepção presente nos métodos de alfabetização até então
em uso, hoje designados tradicionais – e passa a ser sujeito
ativo capaz de progressivamente (re)construir esse sistema
de representação, interagindo com a língua escrita em seus
usos e práticas sociais, isto é, interagindo com material “para
ler”, não com material artificialmente produzido para
aprender a ler.

A nova maneira de compreender a alfabetização revolucionou


as práticas pedagógicas por direcionar o olhar do professor ao
percurso traçado pela criança em direção ao sistema
alfabético, porém conduziu a equívocos que explicam o
abandono das atividades que exploravam a relação grafema-
fonema e o ensino do sistema alfabético e ortográfico.

Retomando Soares (2020, p. 39), “privilegiando a faceta


psicológica da alfabetização, obscureceu-se sua faceta
linguística – fonética e fonológica”, isto porque a utilização de
um método foi considerada incompatível com o paradigma
psicogenético. Nessa vertente, de forma equivocada,
difundiu-se a ideia de que apenas com o convívio intenso com
material escrito disponibilizado nas práticas sociais a criança
já era capaz de ser alfabetizada. Para Soares (2020, p. 39),
“tinha-se anteriormente um método e nenhuma teoria, com a
mudança de concepção [...], passou-se a ter uma teoria e
nenhum método”.

A partir desses equívocos que direcionaram as estratégias e


os procedimentos de alfabetização e letramento para lados
extremos, ora privilegiando atividades que exigiam a
representação dos sons da fala em grafia, ora as situações
reais de comunicação, na década de 1990 a alfabetização foi
em certa medida obscurecida pelo letramento.

Agora, veja a seguir um exemplo de um tipo de atividade


simples em que é possível explorar diferentes habilidades.
Exemplificando

Atividade realizada no 1º ano

Figura 2.1 | Campanha de vacinação


Fonte: https://bit.ly/2ZwXNBa. Acesso em: 11 fev. 2021.
Explorando:

 Para que serve esse texto?


 Qual é o assunto tratado no texto? (ampliar a discussão)
 Você reconhece alguma palavra do texto? Qual? Aponte
com o dedo o local onde ela se encontra.
 Circule todas as palavras que estão no texto.
 Faça um X nos números presentes no texto.
 Risque as letras do seu nome.

Atividade adaptada de Batista et al. (2006, p. 22).

Para a concepção tradicional de alfabetização, a aquisição do


sistema convencional de escrita precedia o letramento, ou
seja, primeiro o professor deveria realizar a apresentação das
letras, as junções e progressivamente adentrar no trabalho
com textos. Soares (2020, p. 45) aponta que:

Dissociar alfabetização e letramento é um equívoco porque, no


quadro das atuais concepções psicológicas, linguísticas e
psicolinguísticas de leitura e escrita, a entrada da criança (e também
do adulto analfabeto) no mundo da escrita decorre simultaneamente
por esses dois processos: pela aquisição do sistema convencional de
escrita – a alfabetização – e pelo desenvolvimento de habilidades de
uso desse sistema em atividades de leitura e escrita, nas práticas
sociais que envolvem a língua escrita – o letramento.

Como você pode perceber fica claro que privilegiar um tipo de


encaminhamento pedagógico em detrimento do outro pode
ser apontado como uma das causas que levam ao insucesso
durante a alfabetização, pois é necessária a articulação de
diferentes perspectivas teóricas na análise da alfabetização
de acordo com as necessidades evidenciadas pelas crianças.
Foco na BNCC

De acordo com a Base Nacional Comum Curricular:

[...] é preciso que os estudantes conheçam o alfabeto e a


mecânica da escrita/leitura – processos que visam a que
alguém (se) torne alfabetizado, ou seja, consiga “codificar e
decodificar” os sons da língua (fonemas) em material gráfico
(grafemas ou letras), o que envolve o desenvolvimento de
uma consciência fonológica (dos fonemas do português do
Brasil e de sua organização em segmentos sonoros maiores
como sílabas e palavras) e o conhecimento do alfabeto do
português do Brasil em seus vários formatos (letras imprensa
e cursiva, maiúsculas e minúsculas), além do estabelecimento
de relações grafofônicas entre esses dois sistemas de
materialização da língua. (BRASIL, 2018, p. 89-90)

Nesse sentido, deve-se reconhecer que metodologias


diversificadas são necessárias e precisam ser mobilizadas
pelo professor de acordo com as características dos
estudantes e com as competências e habilidades que
pretende explorar, integrando práticas de alfabetização e
letramento em diversas áreas de conhecimento.
Assimile

Batista et al. (2006, p. 31) explicam que:

A ação pedagógica para o letramento (valorizar os usos e as


funções sociais da língua escrita) precisa estar articulada ao
trabalho específico com o sistema de escrita (processo de
codificação e decodificação). Em outras palavras, cuidar da
dimensão linguística, visando a alfabetização, não implica
excluir da sala de aula o trabalho voltado para o letramento.
Consequentemente, as atividades cotidianas
precisam possibilitar o contato com textos escritos, de modo
que as crianças formulem hipóteses sobre sua utilidade, seu
funcionamento e sua configuração.

Soares (2020) identificou um movimento no campo cultural e


teórico que chamou de “reinvenção da alfabetização”. Trata-
se novamente da proposição de uma retomada do ensino
inicial da aquisição da língua escrita focada na aprendizagem
do código, propondo a “volta ao fônico”, essa pauta ressurge
na atualidade suscitando uma discussão já esgotada sobre a
existência de um método ideal.
Reflita

Retomar a defesa de um único método não seria negar os


avanços teóricos sobre a alfabetização?

Portanto, cabe ressaltar que, mesmo na etapa inicial da


aprendizagem da língua escrita, privilegiar um único
procedimento didático-metodológico é desconsiderar a
diversidade dos estudantes e a variedade de conhecimentos a
serem explorados por meio da articulação das práticas de
alfabetização e letramento.

Chegamos ao final desta seção, na qual você aprendeu que a


alfabetização é um processo complexo e sua análise deve
contemplar diferentes perspectivas. Pelo caminho percorrido,
evidenciamos a importância de aproximar o trabalho
pedagógico das situações reais de comunicação enquanto é
realizado um trabalho de representação gráfica. Nesse
sentido, as evidências apontam que as aprendizagens
desenvolvidas nesse período pressupõem letrar alfabetizando
e alfabetizar letrando.

Como contribuir para que os alunos desenvolvam as


habilidades de escrita e leitura?
Para isso, os processos de alfabetização e letramento devem ser integrados e explorados
cotidianamente no contexto de diversas disciplinas.

Fonte: Shutterstock.
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sem medo de errar

Como exposto anteriormente, os dados apresentados


referentes às habilidades dos alunos em processo de
alfabetização das escolas de Primavera demonstraram que as
crianças sabiam ler, mas não conseguiam interpretar textos
simples. Isso gerou preocupação entre os professores e a
necessidade de pensar em mudanças no trabalho que vem
sendo desenvolvido até aquele momento.

A Base Nacional Comum Curricular prevê que, nos dois


primeiros anos do ensino fundamental, a ação pedagógica
deve ter como foco a alfabetização a fim de garantir amplas
oportunidades para que os alunos se apropriem do sistema de
escrita alfabética de modo articulado ao desenvolvimento de
outras habilidades de leitura e de escrita e ao seu
envolvimento em práticas diversificadas de letramentos.

Considerando que o letramento está relacionado à capacidade


de mobilizar as competências leitoras e escritoras a fim de
compreender situações reais, após buscarem alternativas
sobre o problema, os professores da rede de ensino podem
propor atividades que possibilitem o desenvolvimento dessas
competências utilizando notícia, reportagem, entrevista,
artigo de opinião, charge, tirinha, crônica, conto, verbete de
enciclopédia, artigo de divulgação científica, embalagens,
propagandas e mídias digitais.

É possível elaborar um quadro para organizar o trabalho que


será desenvolvido, pois esse tipo de atividade não é pontual,
deve estar presente em todo o planejamento e pode envolver
diferentes disciplinas.

Quadro 2.1 | Frequência do trabalho ao longo da semana

Leitura/compreensão

Antecipar conteúdos de textos a serem lidos em função do reconhecimento de seu suporte, de seu gênero e de su
contextualização (gêneros: histórias, canções e poemas).

Produzir compreensão global do texto lido, unificando e inter-relacionando informações explícitas: contextualizaçã
(gêneros: histórias, canções e poemas).
Leitura/compreensão

Desenvolver disposições favoráveis à leitura.

Oralidade

Participar das interações cotidianas em sala de aula escutando com atenção e compreensão, respondendo às ques
propostas pelo professor.

Cultura escrita

Saber usar objetos de escrita na cultura escolar, desenvolver capacidades específicas para escrever.

Conhecer, utilizar e valorizar os modos de manifestação e circulação da escrita na sociedade.

Produção de texto

Planejar coletivamente um texto escrito considerando o tema central e seus desdobramentos.

Fonte: adaptado de Batista et al. (2006).

Esse momento vivenciado pelos professores alfabetizadores


proporcionou a reflexão sobre as práticas desenvolvidas a
partir de dados reais, permitiu a interação entre os docentes e
a compreensão de que as práticas pedagógicas na
alfabetização ocorrem simultaneamente por dois processos:
pela aquisição do sistema convencional de escrita e pelo
desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema em
atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que
envolvem a língua escrita, o letramento.

Qual é a importância da linguística, psicolinguística e


sociolinguística para a alfabetização?
As contribuições da linguística, psicolinguística e sociolinguística abrangem temas que
permitem elucidar problemáticas da sala de aula e articular as melhores estratégias para
a condução da alfabetização.
Fonte: Shutterstock.

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praticar para aprender

Olá, estudante, seja bem-vindo!

Vamos iniciar mais uma seção de estudos com algumas


perguntas: você já notou que as crianças confundem o som
de algumas letras? E que elas têm um percurso parecido de
aquisição do sistema alfabético? Já notou que se fala de
diferentes maneiras a depender do contexto social em que se
está inserido? Todas essas questões são facilmente
percebidas quando observamos uma turma de alfabetização e
elas representam desafios para as crianças e para os
professores, pois o que deu certo com uma turma pode não
dar certo com outra, o que exige que o professor tenha um
perfil de pesquisador.

Paulo Freire pontuou que a escola é feita por gente, gente que ensina,
aprende, trabalha e a escola é apenas um prédio sem as pessoas.
Retomamos a fala de Freire para destacar a humanidade presente
nas relações educativas e consideramos os professores como seres
que se alegram, choram, sentem dor e medo e também podem
passar por momentos em que se sentem inseguros, principalmente
quando não dominam plenamente determinada área de
conhecimento.

É possível inferir que alguns conhecimentos desta seção ainda


não foram amplamente assimilados por muitos professores
que atuam na alfabetização e em equipes gestoras. Isso é
demonstrado nas falas desses profissionais quando
expressam suas dificuldades para trabalhar ortografia,
fonologia e semântica, por exemplo. As contribuições da
linguística, psicolinguística e sociolinguística abrangem temas
que permitem elucidar problemáticas da sala de aula e
articular as melhores estratégias para a condução da
alfabetização. Você, enquanto estudante, terá a possibilidade
de explorar todos esses temas.

Os conhecimentos foram organizados objetivando que você:

 Entenda o processo de alfabetização de forma ampla.


 Identifique todas as variáveis que interferem na
aquisição e no desenvolvimento da leitura e escrita.
 Saiba selecionar diferentes estratégias e recursos para
um trabalho pedagógico significativo e inclusivo.
 Reconheça as variações linguísticas como parte da
construção social e cultural.

Você já sabe que a secretaria municipal da cidade de


Primavera propôs a construção de um referencial orientador
para as escolas municipais e a proposta partiu da iniciativa da
equipe gestora de apresentar às instituições escolares um
direcionamento para a elaboração dos currículos e propostas
pedagógicas. A partir dessa proposta, a expectativa da
secretaria de educação é que o documento seja o reflexo de
perspectivas, estudos e decisões tomadas pelos professores
de todas as áreas que ali atuam.

Para elaborar o documento foram organizados grandes grupos


de estudos com os professores de toda a rede, os quais foram
divididos por etapa e ano. A intenção é que o documento
esteja articulado aos conhecimentos propostos pela Base
Nacional Comum Curricular, pois ele irá nortear a elaboração
das propostas pedagógicas de todas as escolas.

Durante uma das reuniões, a professora Clara expõe ao grupo


de professores que tem dificuldade em intervir nas situações
em que as crianças trocam letras e apresentou alguns
exemplos de trocas de letras, como: v por f (o aluno
escreve faca no lugar de vaca), d por t (o aluno
escreve tela no lugar de dela), b por p (o aluno
escreve pato no lugar de bato e g por c (o aluno
escreve cata no lugar de gata).

Após exemplificar, Clara relatou que utiliza vários recursos


com os alunos que fazem essas trocas, entretanto, elas
persistem. A professora acredita que pode ser algo
relacionado à metodologia e aos recursos usados, por isso
pede sugestões para os colegas. Se você fosse um dos
professores que está participando desse momento de estudo,
o que iria sugerir a Clara?

Aproveite ao máximo todo o conteúdo, lembre-se de que a


cada seção você desenvolve mais habilidades e constrói
novas competências sobre as estratégias e os procedimentos
para alfabetização.

conceito-chave

Estamos estudando e observando desde o início desta


unidade de ensino as questões que envolvem a alfabetização
a fim de entender o processo de forma ampla, identificando
todas as variáveis que interferem na aquisição e no
desenvolvimento da leitura e da escrita. Pensando nisso, é
fundamental que você conheça as contribuições da
linguística, psicolinguística e sociolinguística. Iniciaremos
conhecendo a natureza linguística do processo de
alfabetização.

Linguística

Conforme Soares (1985, p. 22), “do ponto de vista


propriamente linguístico, o processo de alfabetização é,
fundamentalmente, um processo de transferência da
sequência temporal da fala para a sequência espaço-
direcional da escrita, e de transferência da forma sonora da
fala para a forma gráfica da escrita (cf. Silva, 1981)”.
Assimile

A faceta linguística focaliza a conversão da cadeia sonora da


fala em escrita.

O sistema ortográfico, o sistema fonológico e o ponto de vista


semântico na aquisição da linguagem fazem parte dos
estudos linguísticos. Vamos explorar cada um deles?
Iniciaremos pela ortografia, a qual sistematiza a maneira de
escrever cada palavra, assim elas podem ser pronunciadas de
diversas maneiras, mas com apenas um padrão para a
escrita. A ortografia foi criada para evitar os efeitos da
variação linguística.
Exemplificando

Massini-Cagliari (2001, p. 124) explica que:

Eu posso falar “BAUDGI”, meu vizinho “BAUDI”, um conhecido


“BARDGI”, e um amigo do Sul, “BALDE”, mas todos
escrevemos “BALDE”, não porque essa forma representa uma
pronúncia correta, mas porque houve um consenso na
sociedade, de que todos devem escrever essa palavra assim.
Não adianta ficar se perguntando o porquê de se ter escolhido
esta forma e não outra (por exemplo, “BAUDE”), já que esta
escolha esbarra em questões históricas, que nos escapam
com o passar dos anos.

A fala é atualizada diariamente pelos falantes, que criam


palavras e expressões, o que expande o afastamento entre a
fala e a escrita. A aprendizagem da ortografia conduz a um
trabalho reflexivo sobre a escrita favorecendo uma
aprendizagem consciente sobre a representação gráfica.
Observe a seguir a quantidade de aspectos que estão
envolvidos quando exploramos o trabalho com a ortografia:

 A relação entre letras e sons, ou seja, as letras


representam sons: um som pode ser representado por
uma letra, a mesma letra pode representar vários sons e
um mesmo som pode ser escrito por várias letras;
 A correspondência quantitativa entre letras e sons: cada
palavra se escreve com um certo número de letras [...];
 As variações entre o modo de pronunciar as palavras e a
maneira de escrevê-las;
 A posição de cada letra no espaço gráfico e a direção da
escrita [...];
 A linearidade, que corresponde ao fato de uma letra ser
escrita após a outra;
 A segmentação, que se define pela ocorrência de pausas
ou separações. (ZORZI, 1997, p. 13).
Reflita

É possível que a criança confronte sua própria escrita com


outras escritas e, a partir dessa ação, elabore hipóteses que
modificam a sua escrita?

A criança precisa entender a relação entre letras e sons.


O sistema fonológico representa a construção da
consciência fonológica pela criança, que é definida como a
“capacidade de focalizar os sons das palavras, dissociando-as
de seu significado e de segmentar as palavras nos sons que
as constituem” (SOARES, 2017, p. 166).

Soares (2017) aponta que independente da metodologia


utilizada, o processo de alfabetização que parte da
consciência fonológica influencia a aquisição da leitura e
escrita de maneira positiva. A consciência fonológica possui
níveis de desenvolvimento, iniciando com a aprendizagem de
rimas e aliterações (semelhanças entre os sons de palavras),
na sequência à consciência das sílabas e por fim se
concentrando nos fonemas, esta última é chamada de
consciência fonêmica (SOARES, 2017).
Exemplificando

A percepção e comparação com rimas e aliterações impacta o


início da alfabetização que leva a criança a dirigir atenção
para a cadeia sonora das palavras. Desse modo, o professor
pode explorar atividades que exigem esse tipo de percepção
dos estudantes de forma lúdica, utilizando trava-línguas e
cantigas de roda, por exemplo:

Trava-línguas

 Três pratos de trigo para três tigres tristes.


 O rato roeu a roupa do rei de Roma e a rainha com raiva
resolveu remendar.

Cantigas

Borboletinha tá na cozinha

fazendo chocolate

para a madrinha

Poti, poti

perna de pau

olho de vidro

e nariz de pica-pau pau pau

Como no exemplo apresentado, o trabalho que prevê a


percepção da consciência fonológica pode ser amplamente
explorado pelos professores, integrando ainda outros
aspectos como a oralidade, a interação e a brincadeira, que
são ricas possibilidades de aprendizagem e desenvolvimento.

Quadro 2.2 | Sub-habilidades da consciência fonológica

Consciência de palavras Capacidade de segmentar a frase em palavras.

Consciência de rimas Capacidade de reconhecer a correspondência fonêmica a partir da vogal d

Consciência de aliterações Capacidade de reconhecer a repetição de consoantes ou de sílabas tônicas

Consciência silábica Capacidade de segmentar as palavras em sílabas.

Consciência fonêmica Capacidade de analisar os fonemas que compõem as palavras.

Fonte: elaborado pela autora.

A semântica é a parte da linguística que estuda as


significações. No processo de alfabetização deve-se explorar
com as crianças que as palavras ou conceitos formam teias
temáticas.

Quando se fala em campo semântico [pensa-se na representação de]


conceitos próximos e fortemente relacionados, como ensinamento,
aprendizado e educação. Entende-se que esses conceitos repartem
entre si uma área de conhecimento mais ampla (às vezes chamada
de campo nocional), justapondo-se uns aos outros como numa
espécie de mosaico.

(ILARI, 2014, [s.p.], grifos do autor)


Ditado de palavras

Sobre sondagem utilizando palavras do mesmo campo


semântico, veja o exemplo:

Material escolar:

 Apontador (polissílaba)
 Caderno (trissílaba)
 Régua (dissílaba)
 Giz (monossílaba)

Depois de ditar as palavras, é ditada uma frase utilizando


uma delas:

O meu apontador é muito bom.

Enquanto o professor dita as palavras, ele observa de que


maneira cada estudante opta pela escolha das letras que vai
utilizar.

Psicolinguística

Você já notou que as crianças têm um percurso parecido de


aquisição do sistema alfabético? A psicolinguística está
direcionada a estudar os processos psicológicos por meio dos
quais os sujeitos aprendem a ler e escrever, considerando a
existência de pré-requisitos necessários. De acordo com
Soares (1985), nessa perspectiva considerou-se a relação
entre aspectos neurológicos e psicológicos da alfabetização
que direcionou a adoção das atividades de percepção do
“esquema corporal, discriminação visual e auditiva,
psicomotricidade e estruturação espacial e temporal”
(SOARES, 1985, p. 22).

Essa compreensão inicial relaciona o sucesso ou fracasso na


escrita ao QI ou a ideia de que a criança possui aptidões
específicas que facilitaram esse aprendizado, com isso
realizaram-se testes psicológicos ou de “prontidão”. Além
disso, nessa perspectiva está presente a análise das
“disfunções psiconeurológicas da aprendizagem da leitura e
da escrita, afasia, dislexia, disgrafia, disortografia” etc.
(SOARES, 1985, p. 22).

Posteriormente, o trabalho de Emília Ferreiro evidenciando as


etapas de compreensão da língua escrita, fundamentado na
perspectiva cognitiva, também direcionou a análise para
problemas como a maturidade linguística e demonstrou que
as crianças passam por percursos parecidos durante a
alfabetização. Segundo Poersch (1992), a alfabetização exige
determinado estágio de desenvolvimento global, que ocorre
por volta dos 7 anos, idade que corresponde ao
amadurecimento linguístico e mental. Antes desse período
não é adequado forçar a criança para uma habilidade que ela
ainda não está preparada. Isso indica que os conteúdos
devem ser explorados de forma gradativa.

A descrição e a narrativa exigem da criança o domínio das operações


espaciais, o estágio das operações concretas. A produção de uma
dissertação expositiva e, com maior razão ainda, de uma dissertação
argumentativa, requer que a criança já tenha atingido o nível das
operações formais.

(PIAGET, 1972, p. 47)

Pensando nisso, a organização dos currículos escolares e dos


livros didáticos deve levar em consideração a complexidade
linguística, atendendo ao nível de desenvolvimento mental da
criança. Também é importante mencionar que estudos
desenvolvidos por Vigotski e Luria, citados na obra de Luria
(1979), denotam a relação entre o desenvolvimento da
linguagem e a formação dos processos mentais complexos,
evidenciando grandes mudanças nas estruturas mentais com
o desenvolvimento da linguagem.
Assimile

Segundo Luria (1979, p. 211):


A linguagem não somente permite entrar mais
profundamente nos fenômenos da realidade, nas relações
entre as coisas, ações e qualidades, e possui um sistema de
construções sintáticas que permitem formular ideia, expressar
um julgamento, mas também dispõe de formações mais
complexas que possibilitam o pensamento teórico, o que
permite ao homem sair dos limites da experiência imediata e
tirar conclusões por um caminho abstrato lógico-verbal.

Como você pode notar, a escrita exige o desenvolvimento de


processos mentais específicos e, com base em uma análise
psicolinguística, os problemas relacionados à aprendizagem
na alfabetização podem indicar a necessidade de observar a
maturidade linguística.
Foco na BNCC

De acordo com a BNCC:

[...] sistematiza-se a alfabetização, particularmente nos dois


primeiros anos, e desenvolvem-se, ao longo dos três anos
seguintes, a observação das regularidades e a análise do
funcionamento da língua e de outras linguagens e seus
efeitos nos discursos. (BRASIL, 2018, p. 89)

O desenvolvimento verbal e as demais capacidades humanas


se desenvolvem nas relações humanas e o desenvolvimento
da linguagem é um processo diretamente ligado à maturação
do organismo humano e às interações sociais, por isso a
criança vai, progressivamente, tornando-se capaz de
estabelecer associações simples entre as palavras e os
objetos e situações.

A comunicação do bebê e da criança pequena é situacional.


Isso significa que tem como principal objeto as relações
materiais, imediatas, aquilo que eles podem ver e pegar.
Como resultado da dinâmica da atividade comunicativa, com
o passar do tempo, a criança vai se tornando capaz de
estabelecer relações mediadas pelas palavras:

Os significados das palavras se desenvolvem: a linguagem oral se


complexifica e se torna intelectual. O pensamento torna-se verbal.
Nos três primeiros anos de vida, a atividade comunicativa que a
criança estabelece com os adultos e, também, com outras crianças
tem importância fundamental nesse processo: quanto mais ricas
forem as oportunidades de diálogo com as crianças, tanto maiores
serão as possibilidades de complexificação da linguagem oral e do
pensamento infantis.

(BISSOLI, 2014, p. 839)

Outro aspecto relacionado à psicolinguística são as


habilidades metalinguísticas: você já ouviu falar em
metalinguagem? O termo refere-se à cognição acerca da
linguagem, especificamente à capacidade do indivíduo de
tratar a linguagem como objeto de análise e reflexão e à
capacidade de controlar e planejar seus próprios processos
linguísticos.

Quadro 2.3 | Diferença entre habilidade metacognitiva e metalinguística

Metacognitiva M

Quando o indivíduo analisa e monitora o seu raciocínio de forma consciente. Reflexão consciente sobre a lingua

Fonte: elaborado pela autora.

Será que as habilidades metalinguísticas podem ser


desenvolvidas por meio de atividades que levem à reflexão
sobre a língua? A resposta a essa questão é positiva, uma vez
que as atividades que levam à reflexão são necessárias no
processo de alfabetização. Como exemplo temos as
habilidades para “segmentar a linguagem em palavras,
sílabas e fonemas; para identificar os signos linguísticos
diferenciando significante e significado; para perceber e
identificar sons em palavras diferentes, para apreciar a
coerência sintática e semântica dos enunciados, entre outras”
(SANTOS, 2014, [s.p.]).

Portanto, é importante considerar o papel ativo dos


estudantes, levando-os a pensar sobre a própria
aprendizagem e isso ocorrerá mediante a organização de
atividades desafiadoras. A percepção da criança sobre a
escrita deve ser ampliada pela escola, mesmo que por vezes
a criança já identifique a importância da escrita em outras
situações sociais. No ambiente escolar escrever significa
meramente um ato mecânico de reprodução. Esse fato nos
direciona a explorar as contribuições da sociolinguística para
a alfabetização.

Sociolinguística
Você sabia que a sociolinguística considera que a
alfabetização é um processo relacionado aos usos sociais da
língua? Essa área postula que as crianças quando chegam na
escola dominam um dialeto próprio e quanto mais esse
dialeto se aproxima do padrão formal da língua escrita, mais é
considerado apropriado pela escola. No entanto, deve-se
observar que entre os dialetos orais e a língua escrita há
diferenças relativas ao sistema fonológico e ortográfico, além
de “diferenças de léxico, morfologia e sintaxe” (SOARES,
1985, p. 22).

Essas diferenças repercutem no processo de alfabetização,


principalmente quando não são consideradas as variedades
nos dialetos nas diferentes regiões do país. Os
encaminhamentos pedagógicos devem prever estas
especificidades e a Base Nacional Comum Curricular
possibilita que as características regionais sejam
contempladas, ao reforçar a necessidade de inserção da parte
diversificada no currículo escolar.

A percepção dos estudantes sobre os usos e funções


atribuídos à língua escrita é um fator que também modifica o
desempenho dos estudantes. A língua oral e escrita têm
finalidades distintas e são utilizadas em diferentes situações
de comunicação. De acordo com Soares (1985, p. 22), “as
funções e objetivos atribuídos à leitura e à escrita pelas
classes populares, e a utilização dessas habilidades por estas
classes, são inegavelmente diferentes” e esse aspecto
demonstra que o processo de alfabetização não é neutro em
relação ao contexto cultural e social em que ocorre.
Por dentro da BNCC

Na Base Nacional Comum Curricular, no conteúdo introdutório


referente à língua portuguesa, indica-se que:

O Eixo da Análise Linguística/Semiótica envolve os


procedimentos e estratégias (meta)cognitivas de análise e
avaliação consciente, durante os processos de leitura e de
produção de textos (orais, escritos e multissemióticos), das
materialidades dos textos, responsáveis por seus efeitos de
sentido, seja no que se refere às formas de composição dos
textos, determinadas pelos gêneros (orais, escritos e
multissemióticos) e pela situação de produção, seja no que se
refere aos estilos adotados nos textos, com forte impacto nos
efeitos de sentido. (BRASIL, 2018, p. 80)

Nesse componente, encontram-se, por exemplo, a semântica


e a variação linguística:

Semântica
• Conhecer e perceber os efeitos de sentido nos textos
decorrentes de fenômenos léxico-semânticos, tais como
aumentativo/diminutivo; sinonímia/antonímia; polissemia ou
homonímia; figuras de linguagem; modalizações epistêmicas,
deônticas, apreciativas; modos e aspectos verbais.

Variação linguística
• Conhecer algumas das variedades linguísticas do português
do Brasil e suas diferenças fonológicas, prosódicas, lexicais e
sintáticas, avaliando seus efeitos semânticos.
• Discutir, no fenômeno da variação linguística, variedades
prestigiadas e estigmatizadas e o preconceito linguístico que
as cerca, questionando suas bases de maneira crítica.
(BRASIL, 2018, p. 83)

Após conhecer todas essas contribuições que nos ajudam a


olhar as diferentes naturezas do processo de alfabetização, é
possível reafirmar o quanto é importante que professor
alfabetizador compreenda e mobilize os conhecimentos
relativos à linguística, psicolinguística e sociolinguística para
organizar o ensino, tomando decisões assertivas na condução
da aprendizagem dos estudantes durante a alfabetização.

Como proceder quando as crianças trocam as letras ao


escrever?
Utilize seus conhecimentos sobre o sistema fonológico para solucionar esse desafio.
Fonte: Shutterstock.
Deseja ouvir este material?

SEM MEDO DE ERRAR

Você deve se lembrar que, na situação-problema apresentada


anteriormente, a professora Clara está com dificuldades em
intervir nas situações em que as crianças trocam as letras ao
escrever e pede sugestões aos seus colegas.

O questionamento feito por ela expõe a importância de


realizar um trabalho relacionado à fonologia. Isso porque a
criança precisa entender a relação entre letras e sons: o
sistema fonológico representa a construção da consciência
fonológica pela criança, que é definida como a capacidade de
focalizar os sons das palavras (dissociando-as de seu
significado) e de segmentar as palavras nos sons que as
constituem.

Independentemente da metodologia utilizada pelo professor,


o processo de alfabetização que parte da consciência
fonológica influencia a aquisição da leitura e escrita de
maneira positiva e é bastante “comum a troca de letras para
a produção de sons com o mesmo lugar de articulação.
Geralmente o alfabetizando troca, na escrita, as letras que
representam sons sonoros, por letras que representam sons
surdos com o mesmo lugar de articulação” (ANDRÉ, 2015, p.
41750).

Frente ao problema relatado pela professora, Maria, que


também atua no segundo ano, sugeriu que Clara explore a
consciência fonêmica, capacidade de analisar os fonemas que
compõem as palavras. Ela apresentou os seguintes
encaminhamentos possíveis:

 Recitar o trava-língua O rato:

O rato roeu a roupa do rei de Roma.

A rainha com raiva resolveu remendar.

 Circular a letra R no trava-língua.


 Apresentar desenhos que representem os personagens
ou objetos que aparecem no texto para que a criança
escreva os nomes: rei, roupa, rato etc.
 Brincar com as palavras trocando os sons: \R \ por \P\

O rato roeu a roupa do rei de Roma.

O __ato __oeu a __oupa do __ei de __oma.

A rainha com raiva rasgou o resto.

A __ainha com __aiva __asgou o __esto.

 Escrever palavras com R no início, no meio e no final.

Clara percebeu que não havia realizado atividades em que as


crianças poderiam perceber os sons, ficou grata com as
orientações que recebeu da professora Maria e já está com
muitas ideias para desenvolver com seus alunos.

Quais são os métodos de alfabetização?


Nesta seção, você aprenderá sobre os métodos sintéticos e os métodos analíticos.
Também entenderá quais foram as contribuições do construtivismo para a alfabetização.
Fonte: Shutterstock.

Deseja ouvir este material?

PRATICAR PARA APRENDER

Caro estudante, seja bem-vindo à terceira seção desta


unidade de estudos em que estamos discutindo a
alfabetização. Por meio dos conhecimentos apresentados,
pretende-se que você conheça o processo de alfabetização de
forma ampla, identifique todas as variáveis que interferem na
aquisição e desenvolvimento da leitura e escrita, conheça os
diferentes métodos de alfabetização e saiba utilizá-los de
acordo com o contexto.

Você já viu alguma cartilha para a alfabetização? Durante um


tempo considerável, elas exerceram um papel muito
importante e, de modo geral, elas traziam certo conforto aos
professores. Essas cartilhas estavam organizadas como se o
estudante partisse do zero e ele progredia estudando ponto a
ponto, do mais fácil para o mais difícil, o que passava uma
ideia de organização, facilitando a avaliação, pois bastaria
identificar aquele que não estava conseguindo acompanhar
as atividades da cartilha.

As práticas pedagógicas evoluem em função das circunstâncias e


necessidades sociais. Como as características dos aprendizes são
totalmente diferentes na atualidade, é preciso repensar a escola, as
metodologias e a avaliação. As dificuldades na alfabetização, para
quem ensina e para quem aprende, continuam presentes como um
abismo que separa as pesquisas científicas da sala de aula.

Atualmente, sabe-se muito sobre a alfabetização, mas o que


falta para que todos os aprendizes passem por essa etapa
desenvolvendo as habilidades e competências previstas nas
políticas educacionais para essa fase? É possível afirmar que
a resposta para essa questão não reside em um único fator,
porém existe algo determinante, capaz de transformar esse
percurso: o conhecimento do professor.

Durante os estudos que você fará nesta seção, será possível


conhecer e compreender os métodos de alfabetização e saber
como utilizá-los. Um ponto muito importante nesse estudo é
perceber que a criança tem conhecimento sobre a escrita
antes mesmo de entrar na escola. A relevância dos temas
abordados reside na importância do professor alfabetizador
saber articular teoria e prática, realizando a análise constante
daquilo que é elaborado pelo aprendiz, mobilizando
elementos do contexto social e cultural com temas do
interesse dos alunos, sem deixar de contemplar os aspectos
linguísticos e ortográficos implicados nessa prática.

Nessa dinâmica, cada professor constrói a sua receita, mas


ela é intransferível e personalizada, elaborada
individualmente para cada aprendiz, considerando os
encaminhamentos metodológicos que o professor dispõe e o
que aquele aluno necessita em cada momento da trajetória.

Você tem acompanhado que a secretaria municipal da cidade


de Primavera propôs a construção de um referencial
orientador para as escolas municipais, partindo de uma
proposta da iniciativa da equipe gestora de apresentar às
instituições escolares um direcionamento para a elaboração
dos currículos. A expectativa da secretaria de educação é que
o documento seja o reflexo de perspectivas, estudos e
decisões tomadas pelos professores de todas as áreas que ali
atuam.

Pensando nisso, para elaborar o documento foram


organizados grandes grupos de estudos com os professores
de toda a rede, os quais foram divididos por etapa e ano. É
importante lembrar que o documento deve estar articulado
aos conhecimentos propostos pela Base Nacional Comum
Curricular, pois irá nortear a elaboração das propostas
pedagógicas de todas as escolas

Durante a elaboração do referencial, uma coordenadora


pedagógica sugeriu a definição de um método de
alfabetização que seria utilizado em todas as turmas para
facilitar o trabalho dos professores. Essa sugestão gerou a
seguinte discussão: será que a escolha de um método
considerado eficaz é capaz de garantir que todos os alunos
aprendam?

Novos desafios ampliam horizontes, abrindo portas para a


elaboração de novos conhecimentos. Esta é mais uma
oportunidade para aprender, pensar, questionar e criar,
vamos começar?

conceito-chave

Uma nova proposta metodológica está sempre vinculada às


condições materiais, históricas, culturais e em algumas
situações ela se liga à ruptura com o que é realizado até
aquele momento. Os métodos de alfabetização sempre
estiveram no centro das discussões sobre a alfabetização,
entretanto, mesmo sendo amplamente explorado, na
atualidade, o tema ainda está em pauta. Embora o método
não seja uma receita, o professor alfabetizador precisa
conhecer e saber quando e como utilizá-lo. Você concorda?

Vamos conhecer os métodos de alfabetização, demarcando o


seu predomínio no tempo histórico. Ao retomar os métodos de
alfabetização na história, Mortatti (2006), apresenta a
existência de quatro momentos:

Quadro 2.4 | História dos métodos de alfabetização no Brasil

1º 1876 – A metodização

Antes de 1889: ensino leitura/escrita – transmissão assistemática em

1889: Proclamação da República. Inicia-se a universalização da esco

A partir de 1889: prática organizada nas escolas.

Até final do Império: métodos sintáticos (alfabético e silábico).

1880: método João de Deus – ‘Palavração’.

Funda-se nova tradição: ensino da leitura envolve questão do método


2º 1890 – A institucionalização do método analítico

Método analítico: influência da pedagogia norte-americana – “crianç

Adaptação do ensino à nova concepção de criança.

Ensino começa do TODO para as partes constituintes (TODO = palav


3º 1920-1970 – A alfabetização sob medida

Cartilhas métodos mistos (Caminho Suave em 1948-1990).

Período preparatório: exercícios de discriminação visomotora, auditiv


coordenação motora grossa e fina.
4º 1980 – A desmetodização

A prática e tradição anterior são questionadas.

Introduz-se no Brasil a concepção construtivista (1986).

Nova teoria se apresenta como revolução conceitual, há abandono da


Fonte: adaptado de Mortatti (2006, p. 4).

Nos quatro momentos apresentados por Mortatti (2006),


ocorreu a presença hegemônica de determinada abordagem
metodológica e concepção de aprendizagem, no caso do
construtivismo. O panorama apresentado por Mortatti (2006)
evidencia a mudança na maneira de conceber os
encaminhamentos didático-metodológicos na alfabetização.
Que tal explorar as características dos métodos de
alfabetização para compreender como e por que as práticas
de alfabetização foram da metodização a desmetodização?

Quase no final do Império brasileiro, as aulas régias


aconteciam em ambientes precários, com materiais precários
e turmas multisseriadas. Nesse contexto, a alfabetização era
realizada com as “Cartas de ABC”. As primeiras cartilhas
foram produzidas no final do século XIX, e assim como as
Cartas de ABC, utilizavam método de marcha sintética: de
soletração, fônico e de silabação. Nesse período há o
consenso com relação à importância de seguir o método
presente nas cartilhas.
Assimile

O caminho sintético tem mais de 2000 anos e é considerado o


mais antigo de todos. Obras da avançada civilização grega e
romana apresentam que inicialmente eram ensinados os
nomes das letras, depois as formas, as sílabas e, só então, as
palavras.

Métodos sintéticos

Os métodos de marcha sintética partem da parte para o


todo, ou seja, da letra para a sílaba, da sílaba para a palavra,
da palavra para a frase até chegar no texto. Além disso, a
escrita estava vinculada à caligrafia e ortografia, realização
de exercícios de cópia e ditado. O método alfabético ou
soletração, o método fônico e o método silábico são de
marcha sintética, vamos conhecê-los?

No método alfabético ou soletração, o trabalho é iniciado


apresentando o nome da letra, depois sua forma, valor
sonoro, sílabas e suas modificações e as palavras. Os
estudantes aprendem memorizando as letras do alfabeto e as
combinações possíveis com duas ou três letras usando a
soletração. O foco não está no significado das palavras e, por
isso, o método pode ser cansativo para os estudantes, pelo
fato de as palavras não terem relação com situações
significativas.
O método fônico consiste no ensino da leitura partindo do
som da letra, desse modo aprender a ler obedece às
seguintes etapas: som da letra – representação gráfica –
palavra e frase. A técnica tem início com o ensino do som das
vogais, posteriormente a junção das vogais e logo após a
junção com as consoantes.
Exemplificando

1º) A – E – I – O – U.

2º) Ai, Ei, Oi, Eu.

Existem materiais que relacionam essa apresentação aos


personagens de uma história, por exemplo: Eva segurou a
mão do Urso, juntos fizeram um som, qual foi? EU

Exemplo de atividade de revisão:

Olhem o quadro, vamos dizer o som de cada letra. Agora


vamos completar o quadro, unindo as letras e escrevendo as
sílabas correspondentes:

A E I O U ÃO

Para ensinar as consoantes, o professor apresenta o som da


letra e o repete com os estudantes, por exemplo: o vento faz
v v v v v. Na sequência, é realizada a ligação da consoante
aprendida com cada vogal: va, ve, vi, vo, vu, momento em
que o professor evidencia que se trata da junção de sons e,
posteriormente, ocorre a composição de palavras: viva – vive
– vovó e frases: vovó viu a uva. Depois são realizados os
encontros consonantais e dígrafos.

A silabação ou processo silábico foi criado pelo pedagogo


alemão Samuel de Heinicke, que atuava como professor de
surdos e ensinava leitura labial. Durante esse trabalho,
Heinicke concluiu que seus alunos:

[...] aprendiam mais depressa quando mostrava as sílabas escritas e


ao mesmo tempo as pronunciava, para poderem lê-las nos lábios. A
silabação foi considerada um grande passo no ensino da leitura por
ter a sílaba resistência real na linguagem falada. As sílabas
constituíam unidades sonoras que os ouvidos percebiam e
discriminavam claramente. Esse processo foi aprovado em todas as
crianças, notando-se que se aprendia mais depressa quando se
escrevia a sílaba que seria pronunciada pelo professor e repetida pelo
aluno.

(OLIVEIRA, 1983, p. 68)

As combinações de vogais e consoantes são introduzidas em


atividades separadas e com elas novas palavras são formadas
por meio de exercícios de junção, por exemplo: “ca” de
“casa”, “ma” de “mala” para formar a palavra “cama”. Note
que a ênfase é na mecânica da leitura, a escrita é secundária
e só ocorre após a fixação do vocabulário. Atualmente, a
silabação ainda está presente, não como um método único,
mas em atividades desenvolvidas por professores a fim de
favorecer a sistematização da compreensão da escrita
alfabética pela criança.
Reflita

A utilização exclusiva de métodos de marcha sintética pode


conduzir ao afastamento da realidade social, o que provocaria
o desinteresse da criança pela ênfase na decodificação
automática de palavras?

Retomando a história dos métodos de alfabetização no Brasil,


Mortatti (2006) menciona a institucionalização dos métodos
analíticos. A partir de 1890, o estado de São Paulo
implementou a reforma da instrução pública que serviria
como modelo para os demais estados brasileiros. A base da
reforma estava nos métodos de ensino e as professoras
formadas pela Escola Normal de São Paulo difundiram a nova
proposta metodológica.
Assimile

Mortatti (2006, p. 7) explica que:

Diferentemente dos métodos de marcha sintética até então


utilizados, o método analítico, sob forte influência da
pedagogia norte-americana, baseava-se em princípios
didáticos derivados de uma nova concepção – de caráter
biopsicofisiológico – da criança, cuja forma de apreensão do
mundo era entendida como sincrética. A despeito das
disputas sobre as diferentes formas de processuação do
método analítico, o ponto em comum entre seus defensores
consistia na necessidade de se adaptar o ensino da leitura a
essa nova concepção de criança.

Métodos analíticos

Os métodos analíticos, também conhecidos como métodos


globais, fazem o caminho inverso dos métodos sintéticos,
iniciando do todo para as partes, ou seja, partindo de
unidades maiores para unidades menores.

Quando se quer mostrar um casaco para a criança, não se começa


dizendo e mostrando separadamente a gola, depois os bolsos, os
botões, a manga do casaco. O que se faz é mostrar o casaco para
dizer para a criança: ― isto é um casaco.

(BARBOSA, 1994, p. 50 apud MOREIRA, 2013, p. 35)

Nicolas Adams (1780) foi um dos precursores dessa


metodologia, que em meados do século XVIII traçou as
principais ideias que sustentam a proposição dessa
abordagem. Para ele, a aprendizagem precisava estar
relacionada à realidade dos alunos, pois apresentando
fragmentos “perderia todo o sentido da leitura da palavra.
Porém se mostrasse do todo para as partes, a criança desde o
início assimilaria o sentido, não tornando superficial a
aprendizagem, que se restringia apenas para a decodificação
alfabética” (MOREIRA, 2013, p. 36).

Para explorar os métodos analíticos, vamos conhecer o


método de palavração, o método de sentenciação e o método
Global. O método de palavração consiste na apresentação
de palavras, para isso podem ser utilizados diversos recursos,
desenhos, músicas, histórias, curiosidades. Quando foi criado
apresentava-se apenas a palavra aos estudantes, com a
evolução, englobou-se o processo ideovisual, mostrando
palavras ligadas ao desenho. A palavra é apresentada com a
representação por meio de imagem ou desenho
acompanhado da escrita e os alunos aprendem a reconhecer
pelo formato gráfico.
Exemplificando

1º Apresentação do desenho mais a palavra escrita.

Figura 2.2 | Vaca


VACA

Fonte: Shutterstock.

2º Ensino simultâneo: leitura e escrita da palavra,


reconhecimento gráfico da palavra.

3º Decomposição da palavra em sílabas: as crianças


repetem a palavra para perceber que é formada por
pedacinhos (corte da palavra em sílabas e junção). Isso pode
ser feito com alfabeto móvel, sílabas recortadas de revistas
etc.

4º Reconhecimento de sons (fonemas, vogais,


consoantes): atividades em que o aluno precisa identificar
palavras que comecem ou terminem com o mesmo som.

5º Formação de palavras novas com sílabas já


conhecidas.

Observação: também é possível usar listas de palavras.

No método de sentenciação, o trabalho é iniciado pela


frase, a unidade de pensamento, para isso é importante que
as sentenças apresentadas pelo professor tenham significado,
despertando o interesse da criança. Considerando essa
característica, as frases devem estar relacionadas às
experiências das crianças, adotando um vocabulário familiar,
e não devem ser muito longas, o trabalho segue a lógica: 1º
frase, 2º palavras, 3º sílabas e 4º letras.

Você já ouviu falar sobre o método global de


contos/historietas? Segundo Frade (2007), esse método foi
divulgado por Lucia Casasanta e existem variações quanto
aos encaminhamentos propostos para o método, entretanto,
eles podem ser sintetizados da seguinte maneira:

Quadro 2.5 | Método global

Fase da história Reconhecimento global de um texto (feito juntamente com as crianças ou


e “lido” durante um período.

Fase da sentença Reconhecimento e identificação rápida de sentenças do mesmo texto.

Fase de porção de sentido Reconhecimento de expressões em sentenças conhecidas.

Fase de palavração Reconhecimento de palavras nas sentenças e depois decomposição/recort

Fase da silabação Ocorre quando a criança já fez vários exercícios de observação de semelha

Fonte: adaptado de Frade (2007, p. 21-40).

Construtivismo

A partir de 1980 o foco da alfabetização é direcionado para a


criança, sujeito cognoscente, centro do processo de
aprendizagem. A partir dos estudos construtivistas, as
práticas educacionais são modificadas, porém não se tratava
de um novo método, mas de um aporte teórico que
evidenciou o papel ativo do aprendiz. Com base nos estudos
de Jean Piaget, foi elaborada a psicogênese da língua
escrita, evidenciando a construção de hipóteses e respostas
das crianças a partir de suas experiências com a leitura e a
escrita.

O termo psicogênese pode ser compreendido como origem, gênese


ou história da aquisição de conhecimentos e funções psicológicas de
cada pessoa, processo que ocorre ao longo de todo o
desenvolvimento, desde os anos iniciais da infância, e aplica-se a
qualquer objeto ou campo de conhecimento. No campo da aquisição
da escrita, esta concepção se associa aos estudos psicogenéticos de
Emília Ferreiro, Ana Teberosky e vários colaboradores, originalmente
divulgados em países de língua espanhola, na década de 1970, com
forte impacto no Brasil, a partir da década seguinte, sobretudo na
Educação Infantil e nos anos iniciais destinados à alfabetização.
(BREGUNCI, 2014, [s.p.], grifos da autora)

A psicogênese representou uma revolução para a área da


alfabetização, trazendo à tona a compreensão da trajetória da
criança em direção à escrita alfabética, a interpretação da
criança e a formulação de hipóteses sobre o que é ler e
escrever. Assim, a alfabetização foi classificada pela autora
nos seguintes níveis: pré-silábico, silábico, silábico-alfabético
e alfabético. Como identificar em que nível a criança está?
Vamos conhecer as principais características!

Quadro 2.6 | Níveis de alfabetização de acordo com a psicogênese da língua


escrita

Nível Características

Pré-silábico Não relaciona as letras com o som. Passa pelo nível icônico e garatuja.eleif

Silábico Já inicia uma representação da escrita.

Sem valor sonoro: utiliza uma letra qualquer para cada sílaba.

Com valor sonoro: cada sílaba é representada por uma vogal ou cons
correspondente.
Silábico-alfabético O aprendiz constrói sozinho hipóteses silábicas e compreende a relaç

Alfabético Já está alfabetizado, alguns erros ainda irão aparecer, mas devem ser
Fonte: elaborado pela autora.

No nível pré-silábico, inicialmente, o aprendiz pensa que


pode escrever com desenhos, rabiscos, letras ou outros sinais
gráficos, imaginando que a palavra representa o objeto a que
se refere. Há um avanço quando se percebe que a palavra
escrita não representa o objeto, mas o seu nome. Ao aprender
as letras que compõem o próprio nome, o aprendiz percebe
que se escreve com letras que são diferentes de desenhos.
Entretanto, “mesmo após tomar consciência de que se
escreve com letras, o aprendiz tenderá a grafar um número
de letras, indiscriminado, sem antecipar quantos e quais
caracteres precisará usar para registrar palavras”
(MENDONÇA; MENDONÇA, 2011, p. 40).

No nível silábico, inicialmente, não há valor sonoro, ou seja,


a criança poderá representar uma letra qualquer para cada
sílaba de uma palavra, por exemplo, COPO – AOI. Essa
passagem do nível pré-silábico para o silábico pode ser
explorada com atividades que vinculam a fala com a escrita.
Assim, progressivamente, os alunos descobrem:

[...] que a palavra escrita representa a palavra falada, acredita que


basta grafar uma letra para se poder pronunciar uma sílaba oral, mas
só entrará para o nível silábico, com correspondência sonora, à
medida que seus registros apresentarem esta relação, por exemplo,
para MENINO grafar, MIO (M=me, I=ni, O=no), para GATO, GO (G=ga,
O=to), BEA (B=bo, E=ne, A=ca) para BO-NE-CA, e assim por diante.

(MENDONÇA e MENDONÇA, 2011, p. 40)

É importante destacar que não existe uma ruptura brusca


entre as hipóteses silábicas e alfabéticas, as situações de
erros e sucessivas tentativas conduzem a criança à
compreensão do sistema alfabético. Nesse sentido, as trocas
de letras revelam a compreensão da criança sobre a escrita
naquele momento, fazendo parte do processo, e são
chamados erros construtivos, que possibilitam ao professor
intervir.

No nível silábico alfabético, o aprendiz está em transição


entre níveis psicogenéticos e pode representar sílabas
completas como representações parciais da sílaba por uma só
letra: por exemplo, para bicicleta: BCICETA, BICEA, BIIETA etc.

Quando o aprendiz alcança o nível alfabético, já é capaz de


analisar na palavra suas vogais e consoantes. Acredita que as
palavras escritas devem representar as palavras faladas, com
correspondência absoluta de letras e sons. “Já estão
alfabetizados, porém terão conflitos sérios, ao comparar sua
escrita alfabética e espontânea com a escrita ortográfica, em
que se fala de um jeito e se escreve de outro” (MENDONÇA;
MENDONÇA, 2011, p. 40).
Foco na BNCC

A BNCC não direciona para um método específico. Na


abordagem referente à materialização do currículo, propõe
que cabe ao contexto local:

Selecionar e aplicar metodologias e estratégias didático-


pedagógicas diversificadas, recorrendo a ritmos diferenciados
e a conteúdos complementares, se necessário, para trabalhar
com as necessidades de diferentes grupos de alunos, suas
famílias e cultura de origem, suas comunidades, seus grupos
de socialização etc. (BRASIL, 2018, p. 16)
Observe que cada aluno irá avançar nas hipóteses em um
ritmo próprio e a construção pela criança depende de diversos
fatores como suas interações sociais, seu conhecimento
prévio e as generalizações que ele realiza. Soares (2020)
destaca que se derivou da concepção construtivista uma ideia
equivocada de que seria incompatível com o paradigma
psicogenético o uso de métodos de alfabetização. Isto porque,
quando se fala em método, se relaciona imediatamente aos
modelos considerados tradicionais, de marcha sintética.

O período de expansão da psicogênese da língua escrita,


culminou na chamada “desinvenção da alfabetização”, em
virtude do entendimento equivocado de que não era
necessário um método, pois as práticas de letramento
poderiam garantir que a criança alcançasse a escrita
alfabética, “tinha-se anteriormente, um método e nenhuma
teoria; com a mudança de concepção sobre o processo de
aprendizagem da língua escrita, passou-se a ter uma teoria e
nenhum método”, é preciso não ter medo do método, um
método que seja o resultado de objetivos claros, “numa
perspectiva psicológica, linguística, social e política” (SOARES,
2020, p. 40).

Nesse sentido, Soares (2020) ressalta a necessidade da


reinvenção da alfabetização integrando o letramento, o
trabalho com a consciência fonológica e fonêmica e o
reconhecimento dos processos de codificação e decodificação
da língua. Assim, é necessário reconhecer que existem
“muitas facetas” e a natureza de cada uma, tanto na
alfabetização quanto no letramento, demandam a adoção de
metodologias distintas.
Pesquise mais

Amplie seus conhecimentos sobre a psicogênese da língua


escrita realizando a leitura do seguinte artigo:

MENDONÇA, O. S; MENDONÇA, O. C. Psicogênese da língua


escrita: contribuições, equívocos e consequências para a
alfabetização. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA. Pró-
Reitoria de Graduação.

Caderno de formação: formação de professores: Bloco 02:


Didática dos conteúdos. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011,
v. 2, p. 36-57.
Durante este estudo, você aprendeu que não há um método
ideal para a aprendizagem inicial da língua escrita. Vimos que
existem múltiplos métodos que podem ser mobilizados pelo
professor durante a condução do percurso, considerando a
heterogeneidade da turma, as competências a serem
desenvolvidas e as percepções da criança sobre a escrita em
situações de letramento.
Por dentro da BNCC

A BNCC prevê que ao final do segundo ano a criança tenha


alcançado a escrita alfabética:

Nos dois primeiros anos do Ensino Fundamental, a ação


pedagógica deve ter como foco a alfabetização, a fim de
garantir amplas oportunidades para que os alunos se
apropriem do sistema de escrita alfabética de modo
articulado ao desenvolvimento de outras habilidades de
leitura e de escrita e ao seu envolvimento em práticas
diversificadas de letramentos. Como aponta o Parecer
CNE/CEB nº 11/2010, “os conteúdos dos diversos
componentes curriculares [...], ao descortinarem às crianças o
conhecimento do mundo por meio de novos olhares, lhes
oferecem oportunidades de exercitar a leitura e a escrita de
um modo mais significativo” (BRASIL, 2010). (BRASIL, 2018, p.
59).

Há um método ideal para a alfabetização?


Com base nos conhecimentos adquiridos até o momento, reflita sobre esse
questionamento considerando a realidade das crianças.
Fonte: Shutterstock.

Deseja ouvir este material?

sem medo de errar

Em resposta à situação-problema apresentada, podemos


afirmar que a possibilidade de imposição de um único método
a ser implementado em todas as turmas de alfabetização da
rede de ensino de Primavera é uma proposta equivocada, que
pode, inclusive, piorar os resultados da aprendizagem. Isto
porque as turmas não são homogêneas, pelo contrário, são
compostas por alunos com diferentes conhecimentos acerca
da escrita.

A Base Nacional Comum Curricular não explicita a defesa de


um método, justamente por se tratar de uma particularidade
do trabalho docente. A psicogênese representou uma
revolução para a área da alfabetização, trazendo à tona a
compreensão da trajetória da criança em direção à escrita
alfabética e a interpretação da criança e formulação de
hipóteses sobre o que é ler e escrever. Assim, a alfabetização
foi classificada nos níveis pré-silábico, silábico, silábico-
alfabético e alfabético.

Esses níveis podem ser observados pelo professor durante a


alfabetização, entretanto não há um prazo padrão para que a
criança passe de um nível para outro. Durante o
desenvolvimento das atividades, o professor pode recorrer a
metodologias, projetos, sequências didáticas que possibilitem
à criança generalizar determinadas regras de organização da
escrita.

Como mencionado por Soares (2020), é importante saber o


que pretende e qual será o caminho traçado para chegar ao
objetivo, mas não se deve fugir dos métodos. Se o professor
não determina essa trajetória, é possível que o aluno fique
caminhando em círculos e não supere determinada
dificuldade. Mas o docente deve ter a liberdade para elaborar
propostas metodológicas a partir dos conhecimentos que
possui sobre a teoria e sobre a turma. Frente à necessidade
de mudança, é possível que o docente replaneje a rota, mas
sempre sabendo aonde pretende chegar.

Quando se trabalha com único método, o ensino é direcionado


a um grupo restrito de alunos, isto é, apenas àqueles que
conseguiram compreender a partir desse método. E os
demais? Serão rotulados como estudantes com dificuldade de
aprendizagem? Estarão fadados à reprovação? É fundamental
dar aos estudantes múltiplas possibilidades para aprender,
questionando se em situações de insucesso enfrentamos um
problema na aprendizagem ou na “ensinagem”.

Após a realização de estudos sobre a proposta da


coordenadora em estabelecer o uso de um método único em
todas as turmas de alfabetização, o método fônico, o grupo e
a própria coordenadora concluíram que não era uma proposta
viável, pois certamente algumas crianças teriam dificuldades.
Assim, nesse caso, os professores podem adotar diferentes
percursos metodológicos.

Convite ao estudo

Olá, aluno, seja bem-vindo à terceira unidade!

Até agora você já explorou muitos conhecimentos sobre a


alfabetização. Aliás, diante das reflexões propostas, você
compreendeu que devemos sempre considerar o caráter
processual das aprendizagens, isso porque aprender a ler e
escrever demanda a elaboração de hipóteses. Desse modo,
você concorda que as estratégias e os procedimentos
adotados pelos docentes são fundamentais nesse processo?

Na abordagem dos conhecimentos dessa unidade, trataremos


das estratégias e dos procedimentos para o processo de
alfabetização, buscando compreender a alfabetização como
um processo longo e complexo que inicia na primeira infância
e está interligado com o uso social da leitura e escrita para
uma prática significativa e inclusiva. Nessa perspectiva,
reside a importância da formação inicial e continuada dos
professores para uma prática refletiva e consciente. Também
é fundamental reconhecer as variações linguísticas como
parte da construção social e cultural e selecionar práticas
pedagógicas que considerem estas diferenças.

Iniciaremos os estudos abordando a questão das práticas


pedagógicas e a variedade linguística, explorando a variação
linguística (fonológica, lexical e sintática), a distância entre a
linguagem padrão e a linguagem não padrão, associada ao
fracasso escolar, desfazendo o mito da "deficiência
linguística" das crianças provenientes das classes populares e
as várias formas de linguagem observadas em uma mesma
comunidade linguística e a prática pedagógica em uma
perspectiva inclusiva.

Na sequência, serão retomados os conhecimentos sobre a


psicogênese da língua escrita e, nesse momento, você
conhecerá as características de todos os níveis de elaboração
da escrita evidenciados nos estudos de Emília Ferreiro ao
tratar das hipóteses infantis e as estratégias para aquisição
da leitura e escrita.

Como foi demonstrado em outros momentos, o professor é


extremamente importante nesse processo e, por isso,
finalizaremos a unidade abordando a importância das
intervenções pedagógicas no processo de desenvolvimento
da criança, compreendendo como o professor atua como
mediador. Também serão tratados: a Zona de
Desenvolvimento Proximal de Vygotsky, a abordagem
formativa, Bandura e a autorregulação da aprendizagem,
estratégias cognitivas e metacognitivas.

Vamos começar?

Praticar para aprender

Olá, estudante, como vai?

Nessa seção, vamos refletir sobre as práticas pedagógicas e a


variedade linguística. Nesse contexto, como as práticas
escolares estão organizadas com relação ao aluno que utiliza
uma linguagem diferente da norma culta? Quando temos a
possibilidade de conviver com nossos avós ou ler um livro
antigo, por exemplo, percebemos o quanto a língua se
modifica com o passar do tempo. Por vezes, entramos em
contato com palavras que não fazem parte do nosso
vocabulário e o mesmo acontece quando conversamos com
alguém de outra região do país.

Os comportamentos, as vestimentas, a cultura e a tecnologia


mudam. A língua, não ficaria de fora e, por isso, acompanha
também todas essas mudanças. Vamos, então, propor
algumas reflexões: como isso é compreendido pela escola? A
escola acompanha as mudanças sociais, reconhece a
diversidade e acolhe a variação linguística? Entretanto, é
importante pensar que a escola é simplesmente um prédio
sem a ação das pessoas, assim, nos parece adequado mudar
as perguntas: como isso é compreendido pelos educadores?
Os educadores acompanham as mudanças sociais,
reconhecem a diversidade e acolhem a variação linguística?
Estas e outras questões que conduzem a reflexão sobre a
ação devem permear a formação de professores, pois estes
são os grandes formuladores de propostas e promotores de
práticas que tornam a educação inclusiva. Por isso, a presente
temática objetiva explicitar que todos são capazes de
aprender, mas para que isso ocorra, é fundamental se
desfazer do mito da deficiência linguística das crianças
provenientes das camadas populares.

O domínio dos conhecimentos contemplados nesse material


viabiliza a proposição de um trabalho educacional
emancipador, pautado no saber histórico, que reconhece as
inúmeras possibilidades educativas que se apresentam no
contexto social e cultural de cada aluno, independentemente
de sua classe social. Assim, nos cabe pensar sobre o que é
considerado certo ou errado e reconhecer que todos têm algo
a ensinar e que sempre há algo a ser aprendido.

Imagine se você atuasse em uma turma inteiramente


composta por alunos que enfrentam dificuldades para
aprender? Essa é a realidade da professora Patrícia, que já
trabalhou em diferentes etapas da educação básica e, nesse
ano, está trabalhando com uma turma de reforço escolar, que
funciona no contraturno da turma regular em que os alunos
estão matriculados.

A turma de reforço é frequentada por alunos que estão com


dificuldade em língua portuguesa e matemática. Muitos são
alunos mais velhos que passaram por sucessivas reprovações,
mas como a professora trabalha com um número menor de
alunos, consegue fazer um trabalho mais individualizado.

Patrícia é uma professora muito dedicada, elabora o seu


planejamento pensando sempre em todas as competências e
habilidades que pretende desenvolver com os alunos, dentre
elas a oralidade e o desenvolvimento do pensamento
reflexivo, por isso, procura inserir atividades que explorem a
oralidade.

As aulas sempre começam com uma roda de conversa, as


crianças devem contar alguma novidade, algo que leram ou
uma situação que vivenciaram em casa, porém, alguns alunos
não gostam de participar, não querem falar, e Pedro é um
deles. Certo dia, a professora o questionou e Pedro revelou
que na outra turma as crianças zombaram do seu jeito de
falar. Será que a dificuldade de Pedro com relação à fala teria
ligação com sua reprovação? Como você resolveria essa
situação?

Estudar é fazer acontecer, vá em direção a sua meta!

Preparado? Bons estudos!

conceito-chave

Será que a língua é um código de comunicação pronto que


será ensinado pelo professor e aprendido de forma inalterada
pelos estudantes? A resposta para essa questão é facilmente
observada quando pensamos em palavras ou expressões
muito comuns na atualidade, que não existiam há pouco
tempo, como: stalkear, meme, spoiler, crush, que surgiram
com o advento da utilização da internet.

Isso demonstra o desenvolvimento histórico da atividade


comunicativa dos falantes na interação verbal. Os falantes
agem sobre a língua, “em duas direções: por um lado,
mantêm o sistema e o transmitem às gerações vindouras,
porque isso é necessário à comunicação; por outro lado,
modificam-no e o reconstroem, por exemplo, mudando a
pronúncia de algumas palavras, criando novas palavras e
novos modos de combinar as palavras” (MARINHO, 2006, p.
15).

A língua está a serviço da interação humana e os diferentes


grupos atribuem a ela novos valores sociolinguísticos que
estão ligados aos usos sociais, ou seja, a língua sempre está
passando por mudanças que podem envolver o vocabulário, a
estrutura das sentenças, a pronúncia das palavras e a
utilização dos elementos linguísticos.

[...] vão surgindo usos diferentes no tempo e nos diversos grupos


sociais, o que contribui para a existência, na língua, de falares
diferentes. A sociolinguística contemporânea chama esses falares de
dialetos e considera que eles têm regras e usos próprios, mas se
mantêm muito próximos entre si, de modo que não chegam a ser
considerados línguas diferentes e sim variedades dialetais de uma
mesma língua. Os diferentes dialetos devem ser vistos como
legítimos e devem ser respeitados.

(MARINHO, 2006, p. 15)


Dialeto é o termo adotado para designar um determinado tipo
de variedade linguística, nesse sentido, a língua pode ser
composta por diferentes dialetos. Observe no quadro:

Quadro 3.1 | Tipos de variação linguística


Variação Ocorre em função da região onde os usuários vivem, dos grupos e da classe social a que pe
dialetal grau de escolaridade e ainda da função que exercem na sociedade.
Dimensões:

 Variedades geográficas.
 Variedades sociais.
 Variedades históricas.
 Variedades devidas à idade.
 Variedades devidas ao sexo.
 Variedades devidas ao grau de escolaridade.

Variação de Ocorrem em função do uso que um mesmo falante faz da língua nas diversas situações em
registro Conforme as circunstâncias em que a interação verbal se realiza, o falante buscará a forma
Pode ser formal ou informa.
Fonte: Elaborado pela autora a partir de Marinho (2006).
Os tipos de variação presentes no quadro podem apresentar
características articuladas aos aspectos fonológico, lexical e
sintático. A variação fonética ocorre quando a mesma palavra
é pronunciada de forma diferente, na variação lexical a
mesma palavra é designada por vocábulos diferentes e na
variação sintática são alteradas as regras de estrutura da
frase, que podem afetar, por exemplo, a concordância.
Exemplificando

Variação de natureza fonológica:

Diferenças na pronúncia das palavras.

Tábua – tauba

Problema – pobrema/poblema

Blusa – brusa

Variação de natureza lexical (regional):

O mesmo objeto é reconhecido com nomenclaturas


diferentes.

Guria – Menina - mina


Vina – salsicha

Bergamota – tangerina

Mandioca – aipim – macaxeira

Variação de natureza sintática:

Diferenças nas relações entre os elementos da frase.

Nós vamos – a gente vamos

Eu a vi – eu vi ela

Você percebeu como a variação linguística também reflete a


diversidade do Brasil? O saber linguístico que é produzido nas
mais variadas situações de interlocução permite que o falante
participe de interações sociais criando frases e textos, ao
mesmo tempo tendo a possibilidade de avaliar se o tipo de
comunicação empregada é adequado para aquele contexto.

Então, o que é certo e o que é errado? De acordo com


Marinho (2006, p. 19), “para os seguidores e defensores da
gramática normativa, aquela que considera que falar e
escrever corretamente resultam da obediência às regras da
variedade padrão (escrita ou oral), o erro consiste na
transgressão dessas regras”, dessa forma, a fala utilizada em
situações informais, cotidianas, seria considerada incorreta.
Entretanto, essa é considerada apenas uma forma de
expressão que não coincide com a norma padrão.

Portanto, é esperado que os falantes conheçam a existência


de diferenças linguísticas, compreendo que não é em todas as
situações que se pode utilizar formas de expressão muito
distantes da norma padrão. Observe:
Exemplificando

atividade de produção linguística na escola, o aluno deve


conhecer uma série de alternativas para expressar uma
mesma ideia de modo a melhor se adequar à tarefa
solicitada. Assim, ele poderia, por exemplo, dizer “O poeta
venceu o concurso e pôde assim se casar com a
princesa” ou então “O poeta ganhou o concurso e se
casou com a princesa”, ou ainda “O apaixonado poeta
triunfou no concurso e se uniu à sua amada princesa
em matrimônio”, mas não seria muito apropriado nessa
situação dizer “O cara ganhou o concurso e juntou os trapo
com a princesa”, já que essa situação exige um estilo menos
coloquial.

(MARINHO, 2006, p. 21)


Foco na BNCC

A BNCC, no eixo referente à oralidade, destaca como o


trabalho pedagógico deve contemplar as práticas de
linguagem, considerando as características da oralidade,
sendo necessário:

Estabelecer relação entre fala e escrita, levando-se em conta


o modo como as duas modalidades se articulam em
diferentes gêneros e práticas de linguagem (como jornal de
TV, programa de rádio, apresentação de seminário,
mensagem instantânea etc.), as semelhanças e as diferenças
entre modos de falar e de registrar o escrito e os aspectos
sociodiscursivos, composicionais e linguísticos de cada
modalidade sempre relacionados com os gêneros em questão.
• Oralizar o texto escrito, considerando-se as situações sociais
em que tal tipo de atividade acontece, seus elementos
paralinguísticos e cinésicos, dentre outros. • Refletir sobre as
variedades linguísticas, adequando sua produção a esse
contexto.

(BRASIL, 2018, p. 79)


No contexto educacional, principalmente no contexto das
escolas públicas brasileiras, emerge a distância entre a
linguagem culta e a linguagem das camadas populares
quando, por exemplo, o sotaque do aluno gera uma situação
de bullying por parte dos demais estudantes ou quando esse
“jeito” de falar, próprio da cultura, é corrigido pelo professor,
dando a ideia de que é inadequado. Esse tipo de situação está
associado ao fracasso escolar, conforme se dão os
apontamentos, as piadas e as correções, o aluno alvo, muitas
vezes, prefere não participar das atividades. O fracasso
escolar designa o insucesso do aluno no processo
educacional, assim, fracasso não se configura apenas quando
o aprendiz reprova ou evade da escola, o fracasso também
está presente quando a aprendizagem não acontece.
Reflita
Os resultados da avaliação Nacional pela Alfabetização (ANA)
e da Prova Brasil têm demonstrado o alcance pelas crianças
de menos de 50% das habilidades previstas para língua
portuguesa e matemática. A maneira como a escola acolhe o
contexto cultural dos alunos e o acomoda em suas práticas
teria alguma relação com os resultados apresentados nessas
avaliações?

Pesquisas sobre o fracasso escolar já demonstraram que o


fracasso dos estudantes na escola é consequência de fracasso
da escola, políticas educacionais ineficientes, condições
precárias de trabalho, formação inicial e continuada
insuficiente, dentre outros fatores que inviabilizam o alcance
de competências e habilidades pelos estudantes.

Magda Soares (2020), ao tratar o estigma das variedades


linguísticas, pouco valorizadas do ponto de vista da hierarquia
social presente na sociedade capitalista, descreve a
existência da ideologia do dom, pautada em vertentes da
psicologia que atribui as causas do fracasso ou sucesso às
características dos indivíduos, como a inteligência e o talento,
ou seja, desigualdades naturais, pautadas em características
individuais.

A partir da ideologia do dom surge a ideologia da deficiência


cultural, constatando que as diferenças sociais teriam sua
origem em diferenças de aptidão. Assim, “os mais inteligentes
constituiriam, exatamente por serem possuidores dessas
características, as classes socioeconomicamente favorecidas,
[...] os menos inteligentes constituiriam as camadas
populares” (SOARES, 2020, p. 19). A partir da ideologia da
deficiência cultural é naturalizada a percepção de que os
alunos oriundos das camadas populares tivessem maior
probabilidade de fracasso na escola.
Assimile

Soares (2020, p. 20) constata ainda que:

É obvio que tal concepção não reside à mais elementar


análise social, política ou econômica. Nas sociedades
capitalistas, a divisão de classes é resultado não das
características dos indivíduos, mas de um sistema econômico
em que os meios de produção pertencem, em sua maior
parte, a grupos privados que pagam os trabalhadores pela
produção de bens. Os donos do capital e, por isso, donos
também dos meios de produção, constituem as classes que
gozam de condições de vida privilegiadas; grande parte dos
grupos que vendem sua força de trabalho é composta pelas
classes social e economicamente desfavorecidas, ou seja,
pelas camadas populares.

Será que as desigualdades sociais seriam as verdadeiras


responsáveis pela diferença do desempenho dos alunos? Por
que os alunos provenientes das camadas populares
continuam no topo dos scores quando o assunto é o fracasso
escolar? Os adeptos da explicação de que desigualdades
sociais seriam as verdadeiras responsáveis pela diferença do
desempenho dos alunos desconsideram os antagonismos,
propondo que o fracasso seria, portanto, o resultado da
carência cultural, que faz desse aluno alguém carente,
deficiente.

A ideologia das diferenças culturais reforça que a carência ou


deficiência no sentido de escassez, está relacionada à falta de
cultura, ou que as classes populares possuem uma
subcultura.

A escola, quando inserida em sociedades capitalistas, assume a


valoriza a cultura das classes favorecidas; assim, o aluno proveniente
das camadas populares encontra nela padrões culturais que não são
os seus, e que são apresentados como “certos”, enquanto os seus
próprios padrões são ignorados como inexistentes ou desprezados
como “errados”.

(SOARES, 2020, p. 24)


Você pode presumir o que acontece a partir dessa dinâmica?
O comportamento desse aluno cuja cultura foi ignorada é
avaliado a partir de um modelo presente no campo cultural
das classes favorecidas, passando por um processo de
marginalização, não porque é deficiente, mas porque é
diferente. A teoria da deficiência cultural surgiu nos Estados
Unidos na década de 1960 e chega ao Brasil na década de
1970. Ela parte do argumento que as camadas populares
possuem deficiência linguística e essa característica explicaria
o fracasso das camadas desfavorecidas.
Reflita

Você concorda que a responsabilidade pelo fracasso dos


alunos oriundos das camadas populares é da escola?
A escola trata de forma discriminativa a diversidade cultural?

A ideia de que a criança proveniente das classes populares


possui um vocabulário pobre está relacionada aos erros de
organização da fala, à concordância, pronúncia, elaboração de
frases curtas. A partir desse entendimento, para aqueles que
se alinham a esta teoria, a deficiência linguística é vinculada à
existência de uma deficiência cognitiva, que brotou no
contexto familiar com pouca interação verbal. Afinal, como
desfazer o mito da "deficiência linguística" das crianças
provenientes das classes populares?

Considerando os estudos da antropologia, Soares (2020)


aponta que não se pode considerar uma cultura superior a
outra, tampouco uma língua superior a outra uma vez que as
línguas são apenas diferentes e por isso não deve haver
espaço para o preconceito linguístico nas práticas
pedagógicas.

A fim de valorizar as várias formas de linguagem observadas


em uma mesma comunidade linguística com vistas a
promover uma prática pedagógica na perspectiva inclusiva, a
escola precisa adotar uma prática transformadora,
comprometida com o direito à educação.

Os alunos que chegam à escola falando “nós cheguemu”, “abrido” e


“ele drome”, por exemplo, têm que ser respeitados e ver valorizadas
as suas peculiaridades linguístico-culturais, mas têm o direito
inalienável de aprender as variantes do prestígio dessas expressões.
Não se lhes pode negar esse conhecimento, sob pena de se fecharem
para eles as portas, já estreitas, da ascensão social. O caminho para a
democracia é a distribuição justa de bens culturais, entre os quais a
língua é o mais importante.

(BORTONI-RICARDO, 2005, p. 15 apud GABLER, 2009, p. 46)


Não cabe à escola estigmatizar o aluno ou simplesmente
atribuir-lhe um diagnóstico, mas apresentar-lhe à cultura mais
elaborada, às diferentes formas de expressão, à riqueza
cultural e à norma culta como uma das formas de emprego
oral e escrito da língua a fim de desenvolver a competência
discursiva. Para efetivar esse tipo de abordagem pedagógica,
cabe ao professor lançar mão de atividades diversificadas a
partir de suporte textual que explore gêneros e variedades
linguísticas.
Foco na BNCC
É uma competência específica de língua portuguesa para o
ensino fundamental:

Compreender o fenômeno da variação linguística,


demonstrando atitude respeitosa diante de variedades
linguísticas e rejeitando preconceitos linguísticos. (BRASIL,
2018, p. 87)

Ao trabalhar e reconhecer a riqueza da diversidade, o


professor tem a possibilidade de desenvolver a sensibilidade
no trato com o outro, respeitando o aluno, sua família, cultura
e atuando como um modelo para os estudantes, o que afasta
avaliações subjetivas baseadas em teorias elitistas.

Os conhecimentos apresentados nessa seção demonstraram


que as práticas pedagógicas devem contemplar os
conhecimentos relativos à variedade linguística e o
reconhecimento da diversidade cultural que viabiliza o
respeito à diferença em prol da educação transformadora e a
construção de uma escola plural e inclusiva.

sem medo de errar

Na situação-problema apresentada, você conheceu o trabalho


desenvolvido pela professora Patrícia na turma de reforço
escolar, frequentada por alunos com dificuldade em língua
portuguesa e matemática. Pedro, um dos alunos, já passou
por reprovação e não gosta de participar de atividades em
precisa se expressar oralmente, revelando à professora que,
na outra turma, as crianças zombaram do seu jeito de falar.

A partir desse contexto é possível perceber a importância da


escola em considerar a diversidade linguística e refletir se os
parâmetros utilizados para avaliar o aluno partiram de um
padrão que rejeita e estigmatiza as características linguísticas
e a cultura das camadas populares.

Pensando na superação da dificuldade apresentada pelo


aluno, a professora poderá trabalhar com atividades que
promovam a reflexão sobre a variação linguística, utilizando
charges, músicas, poemas etc. Além de explorar os elementos
próprios da norma padrão e as situações em que deve ser
empregada.
Além desse tipo de prática pedagógica, é importante que a
professora Patrícia compartilhe com os demais professores e
equipe gestora a questão de como a escola recebe a
comunidade, quais são os parâmetros utilizados para avaliar
as crianças, pois, não cabe à escola estigmatizar o aluno ou
simplesmente atribuir-lhe um diagnóstico, mas apresentar-lhe
à cultura mais elaborada, às diferentes formas de expressão,
à riqueza cultural e à norma culta como uma das formas de
emprego oral e escrito da língua.

Praticar para aprender

Olá estudante!

As discussões sobre quando se deve iniciar a alfabetização


são antigas, o que é compreensível, afinal, a sociedade
demorou muito tempo para reconhecer a brincadeira como
eixo estruturante das aprendizagens na educação infantil,
portanto, falar em alfabetização na educação infantil é algo
que provoca grandes discussões. Mas, de que alfabetização
estamos falando? Será que os adultos têm o poder de definir
quando a alfabetização deve iniciar?

Já que a escrita está por toda parte, por que ela não poderia
estar na educação infantil? Estas provocações têm por
objetivo levá-lo a seguinte constatação: as crianças
constroem conhecimento! Ao começar a frequentar os bancos
escolares, as crianças já elaboraram hipóteses sobre a escrita.
Estas hipóteses precisam ser identificadas e consideradas
durante toda a alfabetização.

Assim, retomando a questão, por que a escrita não pode estar


presente na educação infantil? Entendemos que a interação
com os textos e a escrita espontânea pode estar presente na
educação infantil, como um elemento que faz parte da
sociedade, objeto de interação presente na cultura. Sem
cópias obrigatórias e atividades descontextualizadas,
simplesmente pelo prazer de brincar com a escrita.

A psicogênese da língua escrita é uma teoria que demonstrou


que o processo de aquisição passa por etapas/níveis em que a
criança elabora hipóteses sobre como funciona a escrita, são
elas: hipótese pré-silábica, hipótese silábica, hipótese silábico-
alfabética e hipótese alfabética. Nessa seção, você conhecerá
como acontece a evolução da escrita e quais são as
características apresentadas em cada etapa. Nesse material,
você irá compreender cada uma dessas hipóteses. A partir
desses conhecimentos você será capaz de elaborar
estratégias de trabalho favorecendo o desenvolvimento das
hipóteses infantis.

Já pensou se você atuasse em uma turma totalmente


composta por alunos que enfrentaram dificuldades para
aprender? Esse é o contexto de trabalho da professora
Patrícia, que já trabalhou em diferentes etapas da educação
básica e, nesse ano, está trabalhando com uma turma de
reforço escolar, que funciona no contraturno da turma regular
em que os alunos estão matriculados.

A turma de reforço é frequentada por alunos que estão com


dificuldade em língua portuguesa e matemática. Muitos são
alunos mais velhos que passaram por sucessivas
reprovações,mas como a professora trabalha com menos
alunos, consegue fazer um trabalho mais individualizado.

As dificuldades no processo de alfabetização são um dos


principais fatores que direcionam a criança para o
atendimento no contraturno. João é aluno desta turma, todas
as vezes que precisa escrever, ele utiliza poucas letras para
escrever o nome de objetos pequenos e muitas letras para
escrever os nomes de objetos grandes, utiliza letras
aleatórias, mesmo após um árduo trabalho da professora com
atividades de leitura e cópia de sílabas. A professora percebe
que há algo errado e irá encaminhar o aluno para uma
avaliação da equipe multidisciplinar. Será que João possui
algum distúrbio de aprendizagem? Como conduzir essa
situação? Quais conhecimentos a professora poderia mobilizar
para compreender a situação de João?

Todos os pontos desta seção foram organizados pensando em


você. Bons estudos!

conceito-chave

Buscando entender o desenvolvimento da inteligência, Jean


Piaget identificou períodos evolutivos, entretanto, essa
evolução não acorre apenas com o passar dos anos e esses
avanços dependem da construção de esquemas mentais que
se dá a partir da interação da criança com os objetos de
conhecimento, da maturação biológica, das interações e
transmissões sociais resultando em processos de constantes
desequilíbrios e equilibração.

A teoria genética não teve por objetivo repensar as práticas


educacionais, tampouco propor metodologias para a
educação, mas serviu de base para o desenvolvimento de
estudos posteriores, revolucionando as práticas educativas, a
partir da perspectiva que recebeu o nome de construtivista. O
aprendiz mudou de lugar, de sujeito passivo para
protagonista, percebido como sujeito ativo na construção do
conhecimento. A partir desses conhecimentos emerge a
necessidade de revisão das práticas educacionais
“tradicionais” centradas repetição e memorização. As
atividades propostas aos alunos precisam instigar a
curiosidade, lançar desafios, desequilibrar os esquemas
mentais existentes, dando a eles a oportunidade de fazer
novas assimilações e acomodações.

Piaget identificou que todos passam pelos mesmos estágios


de desenvolvimento, períodos em que estão presentes
determinadas características de desenvolvimento, porém, os
estágios não são fixos, uma criança pode demorar um pouco
mais para avançar para o próximo estágio ou antecipar a
entrada no estágio seguinte, isso depende das oportunidades
de exploração e interação com os objetos de conhecimento.
Assimile

Piaget classificou o desenvolvimento da inteligência nos


seguintes estágios:

 Período sensório-motor (0 – 2 anos,


aproximadamente).
 Período pré-operacional (2 – 7 anos,
aproximadamente).
 Período operacional concreto (7 – 11/12 anos).
 Período das operações formais (a partir dos 12
anos).

Em linhas gerais, no período sensório-motor, a criança


empiricamente se percebe no mundo, tendo seu próprio corpo
como eixo central. Ela explora tacitamente os objetos que
estão ao seu redor. No período pré-operacional, a função
simbólica da linguagem surge, o que promove modificações
significativas nos aspectos cognitivos, afetivos e sociais da
criança. No período operacional concreto, a criança começa a
ter a capacidade de se colocar no lugar do outro, desenvolve
o raciocínio logico e operacional. No período das operações
formais, a criança já é capaz de desenvolver operações
formais e se acentuam as capacidades de abstração.

Piaget não pesquisou sobre a construção da escrita, mas


desenvolveu seus estudos no centro de epistemologia em
Genebra, onde reuniu vários pesquisadores, dentre eles,
Emília Ferrero, que decidiu, mais tarde, explorar o
desenvolvimento da escrita em suas pesquisas. Em 1974,
Ferreiro organizou um trabalho experimental em parceria com
Ana Teberosky, Susana Fernándes, Ana Maria Kaufman, Alicia
Lenzi e Liliana Tolchinsky partindo do seguinte
questionamento: “será que no caso da língua escrita essa
criança piagetiana não existe?”

A partir dessa questão, se propôs a verificar a existência ou


não dessa criança piagetiana, que elabora hipóteses sobre o
objeto de conhecimento, que nesse caso, seria a língua
escrita. Para isso, Ferreiro e seus colaboradores utilizaram,
além do referencial piagetiano, os pressupostos da
psicolinguística no que se refere à competência linguística da
criança (SILVA, 2016).

Os estudos avançaram e Ferreiro e Teberosky publicaram o


livro Psicogênese da língua escrita. A proposição dessa teoria
exerceu forte impacto para a educação nos países da América
Latina por apresentar uma mudança radical no entendimento
sobre como a aprendizagem da escrita é construída pela
criança, seus estudos chegaram ao Brasil na década de 1980.

Conforme os princípios da psicogênese da língua escrita, a


aprendizagem se processa mediante a interação do aprendiz
com a escrita, mediada pela ação mental e por
experimentações de ler e escrever. A teoria aponta que, por
meio das interações e experimentações, o aprendiz constrói
hipóteses sobre a escrita, sua natureza e seu funcionamento,
mesmo que ainda não escreva dentro das normas
convencionais naquele momento.
Aquilo que o aprendiz já sabe, o conhecimento prévio, é
importante nas novas aprendizagens, por isso o professor
mapeia esses conhecimentos. Como os conflitos cognitivos
estão sempre presentes, a evolução da escrita não é linear,
podendo haver discrepâncias entre a hipótese da criança e os
desafios do meio que movem as aprendizagens. O foco do
trabalho consiste em possibilitar que o aprendiz pense em
como se escreve e como se lê. Assim, nessa perspectiva, os
erros de construção da escrita fazem parte do processo e
demonstram como a criança está elaborando suas hipóteses.

No processo em questão, de assimilação alfabética e da produção


escrita, a criança, em sua aprendizagem e desenvolvimento dessa
linguagem, elabora sistemas. Sistemas esses que, para Piaget (1977),
agem como esquemas de assimilação. Assim, através desses
sistemas é que as informações serão interpretadas, fazendo com que
a criança atribua sentido à escrita, durante um processo de
desenvolvimento. Esses esquemas serão bases de conhecimentos
para os próximos conhecimentos e aprendizagem que irão surgindo.

(SILVA, 2016, p. 8)
Portanto, a alfabetização não se processa por meio da
repetição mecânica de letras e famílias silábicas, ao contrário,
ela é um processo de construção e representação da
linguagem que pressupõe a atividade cognitiva do aprendiz.
Reflita

Considerando estes conhecimentos, reflita:

Por se tratar de um processo de construção individual, é


possível que os alunos da mesma turma estejam sempre na
mesma etapa de desenvolvimento das hipóteses sobre a
escrita?

Para Ferreiro (1995) a apropriação da escrita passa por três


grandes níveis:

Quadro 3.2 | Divisão geral dos níveis de apropriação da escrita


Primeiro nível Segundo nível
Distinção entre o modo de representação Construção de formas de diferenciação interfigural, Fone
icônica (imagens) ou não icônica (letras, variações qualitativas (variedade de grafias) e quantitativas comp
números, sinais) e diferenciação (quantidade de grafias); nesses dois primeiros níveis, nível
intrafigural. predomina a hipótese pré-silábica. alfab
Fonte: elaborado pela autora a partir de Ferreiro (1995).
Os estudos desenvolvidos por Emília Ferreiro partiram da
análise de textos espontâneos, construções da criança
elaboradas a partir de sua lógica. É importante considerar que
por muito tempo as construções das crianças foram
desconsideradas pela escola, isso porque a análise dessas
produções partia da lógica do adulto e as hipóteses iniciais
eram totalmente desconsideradas, percebidas como simples
desenhos ou rabiscos.

De acordo com Ferreiro e Teberosky (1995), as hipóteses de


desenvolvimento da escrita são: pré-silábica, silábica,
silábico-alfabética e alfabética. Que tal conhecer as
características de cada etapa?

Hipótese pré-silábica

A hipótese pré-silábica é verificada quando o aprendiz ainda


não relaciona as letras aos sons da fala. O desenvolvimento
da escrita já é percebido nessa etapa e passa por três
momentos com características distintas, suas hipóteses
iniciais estão divididas em icônica e não icônica, e neste
momento a hipótese central é a busca na diferenciação entre
desenhar e escrever.

Na hipótese icônica, escrever é o mesmo que desenhar,


assim, as formas dos grafismos devem reproduzir as formas
dos objetos, as escritas são formadas por grafias não
convencionais, garatujas ordenadas e desordenadas. Na
hipótese não icônica, a criança compreende que a escrita é
uma representação linear e não pode ser representada com o
desenho, estão presentes grafismos separados, linhas curvas
e retas, assim como linhas onduladas que representam letra
cursiva.

É importante lembrar que há uma intencionalidade na ação


da criança, portanto é essencial perguntar a ela o que está
escrevendo/representando.

Figura 3.1 | Hipótese icônica


Desenho de Luana interpretado como “mamãe”.

Escrita de Luana interpretada como seu nome.

Fonte: Peterle (2018, p. 45).Figura 3.2 | Garatuja


Menina macaca

Fonte: Peterle (2018, p. 46).


Na figura 3.2, observe que a criança escreveu o nome do
desenho ao lado, demonstrando que, para ela, a
representação da escrita não é mais realizada por meio do
desenho, ou seja, ela compreendeu que escrever é registrar o
nome do objeto e não o próprio objeto.

Ao aprender, por exemplo, as letras que compõem o próprio


nome, o aprendiz começa a utilizar essas letras para escrever,
inicialmente misturando números, e estabelecendo algumas
regras como: a intenção quanto ao significado atribuído à
escrita, existência de uma quantidade mínima de letras para
escrever algo, escritas iguais para palavras diferentes com
significados diferentes, correspondência da escrita com o
tamanho do objeto.

Figura 3.3 | Hipótese pré-silábica


VMAIUAEPX
Leão

UFIL
Borboleta

Fonte: Peterle (2018, p. 46).


Também é possível observar o predomínio da escrita no
formato de imprensa maiúscula, isso ocorre por influência do
meio: o aprendiz utiliza aquilo o que visualiza com mais
frequência. Com o avançar nessa hipótese, a criança
compreende a diferença entre letras e números.
Reflita

Será que as metodologias adotadas em sala de aula


possibilitam que os aprendizes tenham a possibilidade de
testar as suas hipóteses? Quando as hipóteses sobre a escrita
começam a ser construídas?

Pouco a pouco se estabelece um nível intermediário e o


aprendiz começa a antecipar a quantidade de letras que irá
utilizar para escrever. Por exemplo, quando é questionado
sobre quantas vezes abre a boca para pronunciar
determinada palavra, elaborando novas hipóteses e
avançando para o próximo nível de escrita.

Hipótese silábica

Nessa etapa, a criança inicia a representação da grafia


correspondente a cada sílaba da palavra e ocorre a
representação gráfica sem valor sonoro e com valor sonoro.
Quando a hipótese é sem valor sonoro, o aprendiz representa
cada silaba por meio de uma letra qualquer (podem ser
utilizadas letras que não fazem parte da palavra), já na
hipótese silábica com valor sonoro, o aprendiz utiliza para
cada sílaba, vogal ou consoante, que corresponde
diretamente aos sons presentes na palavra, conforme as
seguintes figuras:

Figura 3.4 | Escrita silábica sem valor sonoro


Fonte: Peterle (2018, p. 47).Figura 3.5 | Escrita silábica com valor sonoro
Fonte: Peterle (2018, p. 48).
Estabelecida essa relação, a criança entrará na hipótese
silábico-alfabética, na qual irá representar uma letra (ou mais
de uma) para cada sílaba escrita, “mas dessa vez a letra terá
relação com o som (relação grafema-fonema). A criança
poderá utilizar uma letra para cada fonema, não sendo de
forma avulsa, de forma que realmente tenha o som
semelhante, assim sendo com valor sonoro convencional”
(SILVA, 2016, p. 11).

Hipótese silábico-alfabética

Nessa etapa, a criança já formula hipóteses mais avançadas,


passando a entender que não basta apenas uma letra para
representar cada sílaba, estabelecendo relação entre
grafemas e fonemas. Em alguns momentos irá utilizar uma
letra para representar cada sílaba e em outros as letras
correspondentes a cada som.

Figura 3.6 | Hipótese silábico-alfabética

Fonte: Peterle (2018, p. 48).

Hipótese alfabética

Na hipótese alfabética, há a compreensão de que cada som


(fonema) corresponde a uma letra, que combinadas formam
sílabas e palavras. O aprendiz já é capaz de escrever frases e
textos, porém, embora esta seja a última etapa, ela não
corresponde exatamente ao final da alfabetização, pois ainda
pode não ocorrer o domínio de todas as propriedades da
escrita ortográfica.
Exemplificando
O aprendiz ainda troca letras como ss, ça, lh, ch, rr,
enfrentando problemas ortográficos. Portanto, os erros
apresentados representam oportunidades para trabalhar as
regras com os alunos.

Figura 3.7 | Hipótese alfabética

HOJE É SÁBADO PORISO QUE É UM DIA MUIDO BOM PARA O SUPERGATO


MAS DEREPENTE

NÃO ACREDITO! POLUISÃO

Fonte: Peterle (2018, p. 48).


Perceba que a elaboração das hipóteses tem início na
primeira infância a partir do contato da criança com a cultura
letrada, nesse sentido, as práticas de letramento favorecem a
compreensão da criança sobre a escrita. Portanto, quando
iniciam o primeiro ano do ensino fundamental, mesmo
àquelas que por algum motivo não frequentaram a pré-escola,
possuem algum nível de conhecimento sobre a escrita. Como
sujeitos da própria aprendizagem, suas construções precisam
ser devidamente apreciadas pelo professor, sendo objeto de
reflexão e reformulação pela própria criança.

Características das hipóteses

 Pré-silábica (intermediário): O aprendiz ainda não


relaciona as letras aos sons da fala. Passa pela etapa
icônica e não icônica, Ao aprender, por exemplo, as
letras que compõem o próprio nome, o aprendiz começa
a utilizar essas letras para escrever, inicialmente
misturando números. Quando entra em uma etapa
intermediária, o aprendiz começa a antecipar a
quantidade de letras que irá utilizar para escrever, por
exemplo, quando é questionado sobre quantas vezes
abre a boca para pronunciar determinada palavra,
elaborando novas hipóteses e avançando para o próximo
nível de escrita.
 Silábica: Começa a representar a grafia correspondente
a cada sílaba da palavra, na hipótese silábica ocorre a
representação gráfica sem valor sonoro e com valor
sonoro. Quando a hipótese é sem valor sonoro, o
aprendiz representa cada sílaba por meio de uma letra
qualquer e podem ser utilizadas letras que não fazem
parte da palavra, já na hipótese silábica com valor
sonoro, o aprendiz utiliza para cada sílaba, vogal ou
consoante, que corresponde diretamente aos sons
presentes na palavra.
 Silábico-alfabética: Formula hipóteses mais
avançadas, passando a entender que não basta apenas
uma letra para representar cada sílaba, estabelecendo
relação entre grafemas e fonemas. Em alguns momentos
irá utilizar uma letra para representar cada sílaba e em
outros as letras correspondentes a cada som.
 Alfabética: Compreensão de que cada som (fonema)
corresponde a uma letra, que combinadas formam
sílabas e palavras. O aprendiz já é capaz de escrever
frases e textos. Por meio do trabalho com leitura e
escrita, o aprendiz avança para a escrita ortográfica.
Foco na BNCC

No campo de experiência “Escuta, fala, pensamento e


imaginação” (BRASIL, 2018), presente na BNCC para a
educação infantil, estão previstos os seguintes objetivos de
aprendizagem e desenvolvimento para a pré-escola (Crianças
pequenas - 4 anos a 5 anos e 11 meses):

(EI03EF06) Produzir suas próprias histórias orais e escritas


(escrita espontânea), em situações com função social
significativa.
(EI03EF07) Levantar hipóteses sobre gêneros textuais
veiculados em portadores conhecidos, recorrendo a
estratégias de observação gráfica e/ou de leitura.

(EI03EF09) Levantar hipóteses em relação à linguagem


escrita, realizando registros de palavras e textos, por meio de
escrita espontânea. (BRASIL, 2018, p. 50)

Como saber se o meu aluno está evoluindo? É fundamental


realizar sondagens periódicas a fim de identificar as
hipóteses, melhorando as possibilidades de aprendizagens
ofertadas. Nessa perspectiva, a avaliação realizada pelo
professor está pautada no percurso apresentado por cada
aluno, visto que em uma sala de aula é comum que existam
alunos em diferentes níveis.

A alfabetização não é uma questão de sondar as letras, repetindo-se


mais e mais as mesmas cadeias de letras numa página, ou aplicando
testes de leitura para assegurar-se de que a alfabetização comece
com todas as garantias de sucesso. Com esse entendimento, os
professores começam a pensar de outra maneira e respondem de
maneira diferente às respostas das crianças, às questões das
crianças, às interações das crianças e às produções das crianças. Os
professores passam a descobrir que as crianças são tão inteligentes,
ativas e criativas no campo da escrita/leitura quanto na matemática.

(FERREIRO, 1995, p. 33)


A psicogênese demonstrou que as crianças não são meras
receptoras. Assim, observar as hipóteses dos aprendizes é
algo extremamente motivador, conversar com os alunos e
perceber toda a sua capacidade, inteligência e criatividade,
faz da alfabetização uma das etapas mais ricas da
escolarização. A docência nessa etapa é um verdadeiro
privilégio, a rotina não se faz presente, os desafios e as
conquistas de cada aprendiz são o combustível para o
alfabetizador.

sem medo de errar

Você conheceu a situação-problema vivenciada pela


professora Patrícia, que trabalha em uma turma de
contraturno que atende crianças que apresentam alguma
dificuldade de aprendizagem. Entretanto, Patrícia tem
observado que mesmo com as atividades de alfabetização
que ela desenvolve com João, ele parece não avançar e
considera que o aluno tenha algum transtorno de
aprendizagem sendo necessário passar pela equipe
multidisciplinar para uma avaliação mais apurada.

Entretanto, pela descrição da professora sobre o padrão de


escrita de João é possível perceber que não se trata de uma
dificuldade de aprendizagem. Ele utiliza poucas letras para
escrever o nome de objetos pequenos e muitas letras para
escrever os nomes de objetos grandes, utiliza letras aleatórias
e essas características demonstram que João está elaborando
hipóteses pré-silábicas, ou seja, ele ainda não percebeu que a
escrita representa os sons da fala.

A professora está desenvolvendo um trabalho com leitura e


cópia de famílias silábicas, porém esse não é o melhor
caminho. Existem outras maneiras de conduzir essa situação
favorecendo o avançar das hipóteses pelo aluno, como fazer o
ditado e fazer perguntas para o aluno, levando-o a pensar
sobre aquilo que ele registrou. Esse trabalho também pode
ser feito com brincadeiras cantadas, parlendas, quadrinhas,
trava-línguas e poemas, analisando os aspectos sonoros e
gráficos das palavras.

Situações em que a criança tem a possibilidade de brincar


com os sons das palavras, a partir das rimas, articulando-as
com situações de leitura e de escrita, facilitam a
compreensão do aluno de que as letras representam os sons,
avançando com naturalidade na elaboração de hipóteses da
escrita.

Após conversar com a pedagoga que faz parte da equipe


multidisciplinar e relatar sua preocupação com o aluno João, a
pedagoga orientou a professora Patrícia sugerindo que
retome a leitura sobre a psicogênese da língua escrita, pois
não demonstra ser um caso para encaminhamento
psicopedagógico. Após realizar os estudos, a professora
modificou totalmente a forma como avalia e conduz a
alfabetização de seus alunos.

Praticar para aprender

Olá, estudante.
Até agora você já aprendeu muito sobre a alfabetização,
concorda? Mas, ainda há muito a ser explorado, como os
conhecimentos desenvolvidos no campo da psicologia da
educação e do desenvolvimento que são importantes aliados
do professor alfabetizador no momento de planejar todas as
ações e os encaminhamentos pedagógicos adotados em sala
de aula. Quando o professor está preparado para conduzir
esse processo ofertando as melhores oportunidades de
aprendizagem, a alfabetização se torna um período de
grandes descobertas e de desenvolvimento da criatividade e,
para isso, é importante ter domínio teórico.

O pensamento infantil é fascinante e o segredo da grande


capacidade imaginativa e criativa da criança está em não ter
medo de errar e não se prender aos possíveis julgamentos. No
entanto, convém lembrar que, de certa forma, práticas
pedagógicas inadequadas são capazes de instalar o medo e a
insegurança sobre as nossas criações. Pouco a pouco, vamos
tentando nos encaixar ao modelo de “aluno ideal”, obediente,
silencioso, que não questiona, nem se movimenta na escola.

O conhecimento do professor e as intervenções pedagógicas


adequadas são capazes de modificar esse tipo de
direcionamento e, pensando nisso, os conhecimentos que
serão abordados nesta unidade de estudos objetivam
conduzi-lo ao entendimento do processo de alfabetização de
forma ampla, identificando todas as variáveis que interferem
na aquisição e no desenvolvimento da leitura e escrita,
sabendo selecionar diferentes estratégias e recursos para um
trabalho pedagógico significativo.

Para tratar da importância das intervenções pedagógicas no


processo de desenvolvimento da criança, caminharemos por
uma abordagem formativa, compreendendo o que significa
ser um professor mediador no processo de alfabetização,
você conhecerá um conceito muito importante na teoria
histórico-cultural, a zona de desenvolvimento proximal. Além
disso, você irá compreender o que é autorregulação da
aprendizagem e a utilização de estratégias cognitivas e
metacognitivas.

Imagine se você atuasse em uma turma inteiramente


composta por alunos que enfrentam dificuldades para
aprender. Essa é a realidade da professora Patrícia, que já
trabalhou em diferentes etapas da educação básica e, nesse
ano, está trabalhando com uma turma de reforço escolar, que
funciona no contraturno da turma regular em que os alunos
estão matriculados.

A turma de reforço é frequentada por alunos que estão com


dificuldade em língua portuguesa e matemática. Muitos são
alunos mais velhos que passaram por sucessivas reprovações,
mas como a professora trabalha com menos alunos, consegue
fazer um trabalho mais individualizado.

Na turma do reforço escolar existem crianças com diferentes


níveis de aprendizagem em áreas de conhecimento distintas.
Alguns alunos apresentam desempenho superior aos demais
e isso acaba exigindo que a professora saiba como gerir o
tempo e organizar as atividades adequadas. Mesmo assim,
alguns terminam muito rápido e acabam atrapalhando os
demais. Quais estratégias podem ser utilizadas para organizar
melhor o encaminhamento das atividades, de modo que os
alunos mais adiantados não prejudiquem os demais?

A partir destes conhecimentos você será capaz de promover


intervenções pedagógicas eficazes, para que seus alunos
desenvolvam todas as competências e habilidades
objetivadas, sejam proativos, motivados e felizes. Pronto para
começar?

conceito-chave

Certamente você já ouviu a expressão “professor mediador”,


mas você sabe de fato que faz do professor um mediador? A
teoria histórico-cultural desenvolvida pelo psicólogo Lev
Vygotsky aponta que a humanidade é construída e as pessoas
se tornam humanas mediante interações e mediante a cultura
(internalização dos instrumentos e signos elaborados pelos
homens). Partindo de uma abordagem formativa acerca do
papel da escola e das intervenções pedagógicas para o
processo de desenvolvimento da criança, vamos ampliar os
conhecimentos sobre o professor mediador.

A concepção Vigotskiana pressupõe que a escrita é um


sistema simbólico de representação da realidade e, este fato
está associado a outros conceitos da teoria histórico-cultural,
como o desenvolvimento da linguagem, a mediação simbólica
e o uso de instrumentos.

O comportamento do homem moderno, cultural, não é só produto da


evolução biológica, ou resultado do desenvolvimento infantil, mas
também produto do desenvolvimento histórico. No processo do
desenvolvimento histórico da humanidade, ocorreram mudança e
desenvolvimento não só nas relações externas entre pessoas e no
relacionamento do homem com a natureza; o próprio homem, sua
natureza mesma, mudou e se desenvolveu.

(VYGOTSKY; LURIA, 1996, p. 95)

Para o teórico, a relação dos sujeitos com os objetos do


conhecimento presentes na cultura é uma relação mediada.
Seus pressupostos contribuem para o repensar das práticas
educacionais e o papel do professor, isto porque a prática
docente mediadora é um elemento essencial para que o
estudante tenha pleno acesso à cultura mais elaborada.
Imagine se não existissem as trocas culturais e a interação?
Cada geração teria que inventar tudo novamente!

Por entender que os conhecimentos são elaborados pelos


homens, com e na cultura, Vygotsky considera que para
compreender o desenvolvimento da escrita é necessário
retomar o que acontece com a criança antes de ser
submetida às situações sistemáticas da alfabetização, ou
seja, existe uma pré-história da linguagem escrita que tem
início na primeira infância.
Foco na BNCC

Embora, desde que nasce e na Educação Infantil, a criança


esteja cercada e participe de diferentes práticas letradas, é
nos anos iniciais (1º e 2º anos) do Ensino Fundamental que se
espera que ela se alfabetize. Isso significa que a alfabetização
deve ser o foco da ação pedagógica. (BRASIL, 2018, p. 89)

A prática mediadora é fundamental durante toda a vida


escolar do estudante e sua importância ganha maior destaque
quando consideramos o papel do professor alfabetizador. Por
isto, é importante perceber que a dinâmica das atividades
propostas nas salas de alfabetização necessita de abordagens
que consideram o protagonismo e as características
individuais de cada criança, já que quando adentram o
cenário educacional fazem parte de uma sociedade letrada. Aí
você pode se perguntar: como mediar as aprendizagens dos
meus alunos se cada criança possui particularidades
especificas?

É preciso entender que o aprendizado e o desenvolvimento


estão inter-relacionados desde o nascimento da criança,
sendo que o primeiro impulsiona o segundo. Assim, neste
sentido, o bom ensino é aquele que está à frente do
desenvolvimento. Vamos entender melhor: isso quer dizer
que o professor não deve trabalhar apenas com atividades
que os estudantes conseguem fazer com facilidade, visto que,
desta maneira, a criança não irá avançar. Por outro lado, não
é adequado que o professor elabore atividades que estão
muito além da capacidade da criança, porque devido ao
elevado grau de dificuldade, ela não dispõe de conhecimentos
que sustentam a resolução.

Pois bem, como alfabetizadores, se não podemos trabalhar


com atividades que a criança já realiza com facilidade,
tampouco com atividades excessivamente complexas, o que
deve ser feito? O alfabetizador deve estar apto a reconhecer
quais aprendizagens fazem parte do nível de
desenvolvimento real, aquilo que a criança já consegue fazer
sem ajuda, quais atividades estão no nível de
desenvolvimento potencial, aquilo que a criança é capaz de
aprender, para identificar a zona de desenvolvimento
proximal. A mediação do professor ou de parceiros mais
hábeis, aqueles que já dominam determinado conhecimento,
deve incidir na zona de desenvolvimento proximal. Por
exemplo, uma criança em nível silábico-alfabético
trabalhando em dupla com uma criança que já elabora
hipóteses alfabéticas.

Quadro 3.3 | Zona de desenvolvimento proximal/próximo

Nível de desenvolvimento real Zona de Desenvolvimento proximal

Etapas que a criança já alcançou, conhecimentos A distância entre o nível de desenvolvimento real e o nível de des
que já foram consolidadas por ela. potencial. Envolve a capacidade de desenvolver tarefas com a me

Fonte: elaborado pela autora a partir de Oliveira (1997).


Assimile

As considerações de Vygotsky sobre a escrita possuem muitas


aproximações com a teoria de Emília Ferreiro. O aspecto mais
importante é a consideração da escrita como um processo de
representação da realidade, que acontece mediante o
domínio progressivo do sistema, não pelo domínio mecânico
da correspondência letra-som (OLIVEIRA, 1997).

Portanto, a mediação entre as hipóteses que a criança já


domina sobre a construção da escrita devem ser identificadas
pelo professor que irá organizar intervenções pedagógicas
com mediadores ou com a ação dele como o mediador para
que a criança alcance hipóteses mais avançadas. O trabalho
em duplas ou grupos é capaz de promover a interação entre
crianças em diferentes níveis de aprendizagem e este tipo de
organização possibilita que um colega de turma, como
parceiro mais hábil atue na zona de desenvolvimento
proximal da criança que ainda não consegue realizar
determinada tarefa sem ajuda.

[...] O conceito de zona de desenvolvimento próximo aponta


essencialmente para o trabalho colaborativo entre educador e criança
e entre criança e criança. [...] primeiro porque é a partir das
experiências vividas, social e coletivamente, que a criança forma para
si as ações internas e, em segundo lugar, porque o sujeito que
aprende é ativo no processo: não é ouvinte apenas, nem executor de
tarefas fragmentadas, mas é o sujeito das necessidades de
conhecimento às quais a atividade proposta na escola deve
responder [...].

(MELO, 2010, p. 194)

Fica claro que “como na escola o aprendizado é um resultado


desejável, é o próprio objetivo do processo escolar, a
intervenção é um processo pedagógico privilegiado”
(OLIVEIRA, 1997, p. 62). O professor tem o papel explícito de
inferir na zona de desenvolvimento proximal dos alunos,
provocando avanços que não ocorreriam espontaneamente, o
ponto de partida para as intervenções pedagógicas que o
professor irá realizar é aquilo que a criança já sabe e o ponto
de chegada são os objetivos educacionais previstos nas
diretrizes curriculares, no projeto político pedagógico e no
planejamento do professor.

É importante frisar que quando ocorre a mediação e a criança


alcança o desempenho naquela atividade que anteriormente
conseguia realizar apenas com a ajuda de um parceiro mais
hábil, significa que a aprendizagem desse conhecimento ou
habilidade não está mais no nível de desenvolvimento
potencial, ou seja, já se tornou um conhecimento situado no
nível real, visto que, agora, a criança consegue realizá-lo sem
ajuda. Portanto, cada aluno possui diversos conhecimentos
em níveis diferentes, que demandam diferentes tipos de
intervenção.
Reflita

Considerando a teoria histórico-cultural, o objetivo da


educação formal é promover a aprendizagem e
consequentemente o desenvolvimento humano?

Com a entrada da criança aos seis anos no primeiro ano do


ensino fundamental, dúvidas quanto ao trabalho com os
conceitos científicos surgiram entre os professores: será que
as crianças conseguiriam compreender a estrutura da escrita,
as normas? Com isso, é preciso ter cuidado para não ficar
apenas trabalhando com o conhecimento cotidiano dos
estudantes, é necessário que a escola cumpra o seu papel
contextualizando os conhecimentos prévios e cotidianos,
articulando-os aos conhecimentos científicos.
Exemplificando

O professor na função de mediador do conhecimento precisa


promover intervenções didáticas que levam a criança a
compreender que utilizamos a escrita para representar a
realidade, que a escrita tem uma função social, que
escrevemos para anotar um recado, lemos uma receita para
que possamos preparar um prato de culinária, e assim por
diante. Então é preciso levá-los a descobrir “[...] que se pode
desenhar não somente objetos, mas também a fala. [...]”
(OLIVEIRA, 1997, p. 72).

Além das possibilidades de realização de trabalhos em grupo


ou duplas, outro elemento que incide sobre a zona de
desenvolvimento proximal é o jogo ou a brincadeira, inclusive
o faz de conta. Será que a ludicidade tem espaço nas turmas
de alfabetização?

Essa é uma questão que nos direciona a refletir sobre a


principal linguagem da criança: a brincadeira! As intervenções
pedagógicas na alfabetização precisam contemplar a
expressão da criatividade e o potencial imaginativo da
criança. Portanto, entende-se que não deve ocorrer um
rompimento com o lúdico com o ingresso da criança no ensino
fundamental e aprender a escrever é algo que precisa fazer
sentido para a criança.

Essas reflexões tecidas a partir dos pressupostos da teoria


histórico-cultural demonstram a importância da escola e do
papel do professor como o grande mediador, capaz de
ampliar as oportunidades de aprendizagem e o processo de
humanização, isso pode ocorrer de forma leve e lúdica. Por
exemplo: brincando de jogo da forca ou bingo de palavras, a
criança é capaz de pensar sobre a escrita e o professor faz as
mediações lançando questionamentos e apresentando
modelos. Além disso, é possível perceber o papel ativo do
aluno uma vez que outras teorias da psicologia da
aprendizagem já identificaram que quando o aluno pensa
sobre a sua própria aprendizagem e adota estratégias mais
eficazes os resultados são positivos e em um tempo menor.
Nessa perspectiva, vamos explorar os elementos referentes a
autorregulação da aprendizagem.

Bandura e autorregulação

Albert Bandura é um psicólogo canadense, professor de


psicologia social da Universidade de Stanford. Os seus
trabalhos promoveram contribuições no campo da psicologia
social, cognitiva, psicoterapia e pedagogia. Dentre os estudos
realizados, no campo educacional, a autorregulação da
aprendizagem ganhou destaque pelas evidências
apresentadas quanto ao desempenho dos estudantes.

Segundo Ganda e Boruchovitch (2018, p. 72), nas últimas


décadas, diante do fracasso escolar vivenciado por alunos em
todas as etapas de ensino, “inúmeros pesquisadores das
áreas da Psicologia e Educação têm buscado compreender as
causas desse problema e a propor formas de revertê-lo e
mesmo preveni-lo”. A partir desses fatores, defendem que
estimular o desenvolvimento da autorregulação seria uma
forma eficiente de minimizar parte das dificuldades
enfrentadas por alunos durante sua aprendizagem. Mas o que
significa autorregulação? Vamos explorar esta definição:

A autorregulação da aprendizagem é definida como o processo no


qual o aluno estrutura, monitora e avalia o seu próprio aprendizado.
Esse processo envolve fatores como autoconhecimento,
autorreflexão, controle de pensamentos e domínio emocional, além
de uma mudança comportamental por parte do estudante.

(BEMBENUTTY, 2008; WOLTERS; BENZON, 2013 apud GANDA;


BORUCHOVITCH, 2018, p. 72)

É importante compreender que não nascemos


autorregulados, ou seja, essa não é uma capacidade inata,
mas é possível adquiri-la ao longo da vida a partir de suas
próprias experiências, do ensinamento de outras pessoas e da
interferência do ambiente em que se está inserido. A
autorregulação pressupõe ações conscientes, reflexivas e
proativas, e o estudante autorregulado tem comportamentos,
“crenças pessoais, emoções, orientações motivacionais e
formas de relacionamento interpessoal que favorecem um
aprendizado de maior qualidade, ou seja, com maior domínio
do conteúdo e rendimento acadêmico” (GANDA;
BORUCHOVITCH, 2018, p. 72).
Reflita

Você se considera um estudante autorregulado?

Bandura desenvolveu o primeiro modelo teórico sobre


autorregulação, demonstrando que a autorregulação passa
por três processos de gerenciamento: a auto-observação, o
processo de julgamento e a autorreação.

Quadro 3.4 | Autorregulação da aprendizagem: processos

Auto-observação Processo de julgamento

Monitoramento do indivíduo sobre o seu Momento no qual a pessoa avalia seu desempenho a Envolve as resp
desempenho em aspectos como qualidade, partir de seus padrões e valores pessoais, de suas diante da avalia
ritmo, quantidade, originalidade, experiências prévias, das normas sociais, das ou negativas. A
autenticidade, consequências, desvio e comparações com os outros e das condições na qual autocorreções,
moralidade. executou a atividade. motivacionais e

Fonte: elaborado pela autora a partir de Ganda e Boruchovitch (2018, p.


74).
Assimile

Bandura também abordou as crenças de autoeficácia,


demonstrando que as expectativas de resultado de uma
pessoa dependem dos seus próprios julgamentos, sobre quão
bem eles acreditam que podem realizar uma determinada
tarefa, ou seja, se são autoeficazes. De acordo com
Zimmerman & Schunk (2011), a crença de autoeficácia
exerce um papel fundamental na motivação e no
comportamento diante da aprendizagem, uma vez que alunos
mais autoeficazes são mais motivados e persistentes durante
a realização das tarefas.

Será que o professor alfabetizador pode ensinar os estudantes


a serem alunos autorregulados? Sim! Considerando sempre
as especificidades da faixa etária é possível promover
diálogos auxiliando-os inicialmente na organização da sua
rotina e execução das tarefas propostas, ensinando
estratégias de aprendizagem que desempenham um
importante papel para a autorregulação

Estratégias cognitivas e metacognitivas

Para ser um bom aluno é preciso ter consciência dos seus


próprios processos mentais. Pesquisas relacionadas às
estratégias de aprendizagem sugerem que é possível ajudar
os alunos a refletir sobre a própria aprendizagem. A teoria do
processamento da informação aponta que o objetivo do
ensino é ajudar o estudante a adquirir estratégias para
aprender.

As estratégias de aprendizagem podem estar mais voltadas para


ajudar o aprendiz a organizar, elaborar e integrar a informação
(estratégias cognitivas ou primárias) ou ser mais orientadas para o
planejamento, monitoramento, regulação do próprio pensamento e
manutenção de um estado interno satisfatório que facilite a
aprendizagem (estratégias metacognitivas ou de apoio).

(BORUCHOVITCH, 2001, p. 20)

A aprendizagem autorregulada pressupõe a combinação de


habilidades e estratégias de aprendizagem cognitivas,
metacognitivas e de autocontrole. Ou seja, as estratégias
cognitivas são os procedimentos que podem ser adotados
pelos estudantes, como sublinhar pontos importantes de um
texto, grifar, elaborar resumos, bem como organizar o seu
material para a realização de uma tarefa. Já as estratégias
metacognitivas envolvem planejamento, monitoramento e
controle, a reflexão sobre a ação desempenhada, como
monitorar a compreensão na hora da leitura. Durante a
alfabetização, as crianças já podem aprender como e quando
utilizá-las a partir da orientação frequente do professor.
Exemplificando

Estratégias de compreensão leitora:

Para antes da leitura: antecipação do tema ou ideia


principal a partir de elementos paratextuais, como título,
subtítulo, do exame de imagens, de saliências gráficas,
outros. Levantamento do conhecimento prévio sobre o
assunto; expectativas em função do suporte; expectativas em
função da formatação do gênero; expectativas em função do
autor ou instituição responsável pela publicação.

Atividades durante a leitura: confirmação, rejeição ou


retificação das antecipações ou expectativas criadas antes da
leitura; localização ou construção do tema ou da ideia
principal; esclarecimentos de palavras desconhecidas a partir
da inferência ou consulta do dicionário; formulação de
conclusões implícitas no texto, com base em outras leituras,
experiências de vida, crenças, valores; formulação de
hipóteses a respeito da sequência do enredo; identificação de
palavras-chave; busca de informações complementares;
construção do sentido global do texto; identificação das pistas
que mostram a posição do autor; relação de novas
informações ao conhecimento prévio; identificação de
referências a outros textos.

Atividades para depois da leitura: construção da síntese


semântica do texto; utilização do registro escrito para melhor
compreensão; troca de impressões a respeito do texto lido;
relação de informações para tirar conclusões; avaliação das
informações ou opiniões emitidas no texto; avaliação crítica
do texto (SOLÉ, 1998).

Mais do que ensinar o conteúdo, o professor irá obter


resultados positivos ensinando a criança a estudar,
orientando-a sobre como pode se organizar ou ensinando
ferramentas para que ela consiga resgatar determinada
informação. Pensando nisso, é importante que o professor
também trabalhe para o desenvolvimento da sua capacidade
de autorregulação e aprenda a utilizar as melhores
estratégias de aprendizagem.

Os conhecimentos explorados nessa seção resgatam


diferentes perspectivas de desenvolvimento e aprendizagem
que oferecem subsídios para a realização de intervenções
pedagógicas. Durante os estudos você percebeu quão
importante é a ação do professor para a aprendizagem e o
desenvolvimento da criança, a abordagem formativa deve
orientar o trabalho do professor alfabetizador, direcionando o
seu olhar para a trajetória de cada criança, considerando as
singularidades e necessidades que exigem do professor um
olhar cuidadoso e afetivo.

sem medo de errar

Assim como acorre nas turmas do ensino regular, na turma de


reforço escolar alguns alunos apresentam desempenho
superior aos demais, ou seja, não há um grupo totalmente
homogêneo. Isso exige que o professor saiba como gerir o
tempo e organizar as atividades adequadas. Mesmo assim,
alguns alunos terminam muito rápido suas atividades e
acabam atrapalhando os demais. Quais estratégias podem ser
utilizadas para organizar melhor o encaminhamento das
atividades, de modo que os alunos mais adiantados não
prejudiquem os demais?

Para que os alunos da professora Patrícia possam continuar


avançando, as atividades não podem ser muito fáceis para os
que já alcançaram o pleno domínio da escrita. Pensando
nisso, é importante que a professora conheça as hipóteses de
cada criança sobre a escrita, desse modo, ela saberá qual é o
nível real e o nível potencial para que possa fazer a mediação
correta.

É fundamental que a professora organize momentos de


interação para que as crianças tenham a possibilidade de
realizar trocas durante a realização da atividade. Para que
isso ocorra, a professora pode organizar duplas ou pequenos
grupos de trabalho compostos por crianças com diferentes
níveis de aprendizagem. As crianças mais avançadas irão
atuar como parceiros mais hábeis auxiliando as demais na
compreensão e resolução das tarefas, inclusive em jogos e
demais atividades lúdicas.

Como é um grupo pequeno, a professora também pode


apostar em atividades extras, elaboradas especialmente para
os alunos que já dominam as hipóteses. Quando este aluno
terminar a atividade que foi direcionada a todo o grupo, ele
recebe sua atividade extra. Também é possível reservar esse
momento para a leitura deleite: o aluno que termina primeiro
pode escolher um livro para ler enquanto os demais
continuam realizando a atividade proposta a todos.

Após conhecer estas alternativas, a professora Patrícia


percebeu como a organização do trabalho pedagógico
melhorou e as crianças estão sendo direcionadas dentro das
suas especificidades em uma abordagem formativa, voltada
para a superação das dificuldades. A partir desse trabalho de
adequação das intervenções pedagógicas, a professora já
percebeu que os alunos apresentaram grandes progressos.

Convite ao estudo

Querido aluno,
Chegamos à última unidade de estudos da disciplina
Estratégias e Procedimentos para a Alfabetização. Nesta
unidade, vamos nos dedicar às reflexões inerentes às práticas
relativas a leitura, escrita e literatura, ou seja, buscaremos
identificar a aquisição da leitura e escrita a partir de práticas
pedagógicas que envolvem a brincadeira, os jogos, o uso de
tecnologia digital e a arte como formas de promover
diferentes estratégias para o desenvolvimento dos alunos.
É importante considerar que a seleção da metodologia, das
atividades, da organização da turma, dos materiais e os
procedimentos didáticos são elementos fundamentais para
que os estudantes possam desenvolver todas as habilidades e
competências previstas pela Base Nacional Comum Curricular
durante o ciclo de alfabetização.
Pensando nisso, na primeira seção desta unidade vamos
explorar as práticas de leitura e desenvolvimento de projetos
com a leitura e escrita. Iniciaremos buscando entender o uso
da leitura e da escrita no cotidiano proporcionando a
oportunidade de ouvir histórias e manusear livros, a leitura e
as conversas em torno dos textos como situações férteis para
o desenvolvimento da linguagem, a aprendizagem inicial da
leitura e da escrita a partir das palavras de seus contextos
cultural, social e econômico e projetos interdisciplinares para
aquisição e desenvolvimento da leitura e escrita.
Na sequência, iremos compreender o papel das interações, a
contação de histórias, os jogos e brincadeiras com a leitura e
escrita, observado a riqueza de elementos presentes em
situações didáticas como: a leitura feita em voz alta pelo
professor para a progressiva construção de intimidade com a
cultura escrita, as atividades para a consciência fonológica e o
conhecimento das letras: jogos de linguagem, brincadeiras
cantadas, trabalho com parlendas, quadrinhas, trava-línguas
e poemas, a brincadeira com os sons das palavras,
articulando-as com situações de leitura e de escrita e os jogos
e brincadeiras utilizando tecnologias digitais.
Para finalizar, você é convidado a refletir sobre o ensino da
escrita como uma arte, propiciando o conhecimento da
linguagem que levará à habilidade de decifrar códigos, a
leitura de imagens; análises e conexões; alunos reflexivos e
críticos, a arte possibilitando novos caminhos, novos olhares
para uma nova percepção do mundo e aquisição da
linguagem escrita e a escrita da arte nas imagens e obras;
sistema de representação; símbolos visuais e sensoriais.

praticar para aprender

Olá, estudante, seja bem-vindo!


“A leitura de mundo precede a leitura da palavra”. Você,
provavelmente, conhece essa frase do professor Paulo Freire
e entende que ler o mundo é importante para o aprendizado
da leitura da palavra e ler a palavra é ampliar as
possibilidades de interação com o mundo. No entanto, formar
leitores é um desafio, pois não basta ofertar o acesso aos
livros, é necessário planejar um percurso de trabalho que
possibilite a construção permanente de novos conhecimentos.
Trabalhar com a alfabetização é estar sempre disposto a
aprender, a redefinir a rota, sem perder de vista o que
esperamos que cada um de nossos alunos aprenda,
lembrando sempre que nesse caminho não há competição,
mas cooperação. Nesse processo, a alfabetização e o
letramento são elementos indissociáveis que permitem ao
aprendiz perceber sobre si, sobre a escrita e sobre a relação
dos homens com a escrita na sociedade.
Nesta seção, você irá aprender sobre as práticas de leitura e
desenvolvimento de projetos com a leitura e escrita. Para
isso, iremos explorar o uso da leitura e da escrita no
cotidiano, proporcionando a oportunidade de ouvir histórias e
manusear livros, a leitura e as conversas em torno dos textos
como situações férteis para o desenvolvimento da linguagem,
a aprendizagem inicial da leitura e da escrita a partir das
palavras e de seus contextos cultural, social e econômico e os
projetos interdisciplinares para aquisição e desenvolvimento
da leitura e escrita. A partir desses conhecimentos, você será
capaz de organizar práticas significativas contemplando
amplas experiências de leitura.

A coordenadora pedagógica Mariana atua em uma escola de


ensino fundamental em um bairro periférico. Por atuar há
muito tempo nessa escola, conhece as famílias dos
estudantes e sabe que as crianças não têm no âmbito familiar
o contato com livros, internet, tampouco modelos de
leitores. Frente ao contexto, ela entende a importância de
explorar o trabalho com a leitura na escola.
Pensando nisso, Mariana fez uma reunião com os professores
para tratar da utilização da biblioteca. Entretanto, percebeu
que os alunos não frequentam o espaço e não levam livros
para casa. Para incentivar os estudantes, a escola comprou
muitos livros, ampliou o espaço e conta com a colaboração
dos professores nesse incentivo.
A professora Flávia decidiu levar os alunos do segundo ano à
biblioteca para mostrar o espaço e os novos livros. Após a
visita, contou uma história utilizando fantoches e propôs um
desafio para as crianças: cada um deveria emprestar no
mínimo um livro por semana e aqueles que ainda não
conseguem ler deverão pedir que os pais ou responsáveis
leiam para eles. Na reunião pedagógica, a professora deveria
elaborar argumentos identificando as razões que fazem com
essa atividade seja capaz de auxiliar na alfabetização e
desenvolver a capacidade leitora. Ela também deveria
explorar outras possibilidades para utilizar o espaço da
biblioteca. Vamos ajudar a professora indicando para ela as
potencialidades da atividade e possibilidades de utilização do
espaço da biblioteca.

O professor leitor é um modelo para seus alunos! Amplie seus


conhecimentos por meio da leitura, pronto para começar?

conceito-chave

A leitura está presente no cotidiano das pessoas, desde a


execução de tarefas simples como receber uma
correspondência ou usar um serviço bancário até atividades
mais complexas. Nesse contexto, não basta saber decifrar o
código linguístico, é necessário compreender as informações
e saber quais são as características e finalidades de
determinado gênero textual – por exemplo, não lemos uma
bula de remédio como lemos um poema, certo? As estratégias
que utilizamos para fazer as leituras também foram
aprendidas durante nosso processo formativo.

A leitura é basicamente um processo de representação. Como esse


processo envolve o sentido da visão, ler é, na sua essência, olhar
para uma coisa e ver outra. A leitura não se dá por acesso direto à
realidade, mas por intermediação de outros elementos da realidade.
Nessa triangulação da leitura o elemento intermediário funciona
como um espelho; mostra um segmento do mundo que normalmente
nada tem a ver com sua própria consistência física. Ler é, portanto,
reconhecer o mundo através de espelhos. Como esses espelhos
oferecem imagens fragmentadas do mundo, a verdadeira leitura só é
possível quando se tem um conhecimento prévio desse mundo.

LEFFA, 1996, p. 10.


O uso da leitura e da escrita no cotidiano da sala de aula
proporciona aos estudantes a possibilidade de ouvir histórias
e manipular livros, a oralidade também é um elemento
extremamente rico a ser contemplado desde a educação
infantil. Você concorda que as práticas de desenvolvimento
da competência leitora precisam ser planejadas pelo
professor alfabetizador contemplando a preocupação com a
organização do ambiente, dos recursos e do domínio didático?
Exemplificando

No processo inicial de alfabetização, também trabalhamos


com a produção de textos, orais e escritos, que desencadeiam
atividades de leitura. Estes textos, quando transcritos pelo
professor, podem se transformar em material de leitura e de
análise. Situações em que as crianças produzam textos orais
que podem ser transcritos e relidos pelo professor, no quadro
ou em cartazes, como um jornal mural. Estas são algumas
possibilidades de trabalho:

 As crianças relatam um fato do dia a dia e ditam


para que o professor escreva. A frase ditada será
naturalmente mais curta e organizada que o relato
espontâneo.
 As crianças descrevem uma rotina e ditam uma
lista para que o professor escreva, por exemplo:
o Todos os dias o que eu faço?
o Qual é a nossa rotina em sala de aula?

A partir da lista, a criança elabora, em grupo, um pequeno


texto para a leitura.

 Situações de produção de texto. Registrar no


quadro ou em um mural os acontecimentos do
cotidiano das crianças, tais como:
o Muitas crianças estavam vindo para a escola.
o Angélica encontrou João perto da escola.
o Mário chegou atrasado à escola porque
acordou tarde.

O professor lê as frases com as crianças para que elas


percebam que podem registrar, por meio da escrita, os
acontecimentos da vida diária.

Quando o professor lê para a criança, ele atua como um


modelo, incentivando o gosto pela leitura. Por vezes, o
estudante não tem uma referência de leitor no contexto
familiar e a escola é a porta de entrada para esta
aprendizagem que envolve o campo de elaboração cognitiva,
conceitual e o campo comportamental, com a ressignificação
e apropriação do comportamento leitor pela criança. Segundo
Carvalho (2005, p. 81):

A intervenção inteligente do professor no processo de formação de


leitores passaria por diversos pontos, incluindo a escolha de textos
que reunissem condições de coerência, alto grau de legibilidade e
interesse dos pequenos leitores; o ensino de estratégias de predição
de significados; a adaptação do modo de ler (leitura oral ou
silenciosa, leitura intensiva e detalhada ou leitura superficial, rápida,
etc.) aos objetivos do leitor em determinada ocasião. Neste ponto,
esbarramos no problema, já bastante debatido, da precária formação
do professor, de sua escassa familiaridade com a leitura, da sua
descrença em relação a propostas didáticas que estão na contramão
de sua própria experiência de leitores “escolares”.
Assimile

O ato de ler para a criança pode ser iniciado na educação


infantil, etapa creche (0-3 anos). Os bebês podem manusear
livros confeccionados com material apropriado, inclusive
livros que podem ser manuseados até durante o banho. Veja
alguns exemplos de livros de banho:
Fonte: reprodução.
As experiências com a literatura infantil na educação infantil,
propostas pelo educador, mediador entre os textos e as
crianças, contribuem para o desenvolvimento do gosto pela
leitura, do estímulo à imaginação e da ampliação do
conhecimento de mundo. (BRASIL, 2018, p. 42)

O trabalho com atividades descontextualizadas, mecânicas e


repetitivas se distância da proposta de formação de leitores
competentes, visto que o desenvolvimento das habilidades
leitoras acontece a partir da inserção do aprendiz em
atividades de leitura. Em outras palavras, não se deve
aprender a ler primeiro, mediante uma abordagem
metodológica sintética, para depois ter contato com os livros.
A alfabetização na perspectiva do letramento pressupõe a
leitura de textos interessantes para as crianças desde o início
da alfabetização.

Ler é uma operação inteligente, difícil, exigente, mas gratificante [...]


Ler é procurar ou buscar criar a compreensão do lido [...]. Ler é
engajar-se numa experiência criativa em torno da compreensão. Da
compreensão e da comunicação. E a experiência da compreensão
será tão mais profunda quanto sejamos nela capaz de associar,
jamais dicotomizar, os conceitos emergentes na experiência escolar
aos que resultam do mundo no cotidiano.

FREIRE, 1993, p. 30,


Você sabe contar histórias? Quais são os elementos
necessários para esta prática? Contar uma história não é
simplesmente abrir o livro e fazer a leitura, para que esse
momento desperte a atenção da criança é preciso que o
professor se preocupe com a entonação, fluidez, expressão
corporal e organização na turma. Esses elementos garantem
o envolvimento dos estudantes e um verdadeiro mergulho no
mundo da fantasia e da imaginação.

A leitura em voz alta possibilita aos alunos a memorização da


pronúncia das palavras, a ampliação do vocabulário, a
interpretação das imagens e da história. Assim, ao finalizar a
leitura o professor pode explorar a história a partir de
questões a serem respondidas oralmente pelo grupo, por
exemplo: você gostou do final da história? Este final poderia
ser diferente? Como? Que tal criarmos um desfecho para essa
história? As conversas em torno dos textos são situações
férteis para o desenvolvimento da linguagem.
Assimile

No início da alfabetização, a leitura tem por objetivos (BRASIL,


2007):

 Viver uma experiência prazerosa;


 Interpretar o texto;
 Identificar elementos constituintes do texto;
 Buscar informações; desenvolver habilidades
relativas à atenção e à memória;
 Comparar textos novos com textos já conhecidos;
 Formar leitores críticos;
 Perceber os sons da língua; distinguir alguns sons,
como, por exemplo: t/d, f/v, p/b que são muito
parecidos;
 Estimular a pronúncia clara dos sons;
 Reconhecer as correspondências entre som e
escrita.

Os objetivos apresentados podem ser trabalhados a partir da


diversificação dos encaminhamentos pedagógicos que o
professor organiza, por exemplo, ao trabalhar com a leitura
de um texto curto, um pequeno poema, cantiga ou trava-
língua, o professor pode escrever o texto na lousa, na
cartolina ou projetá-lo e a turma terá a possibilidade de
acompanhar a leitura. O objetivo dessa leitura é levar os
aprendizes a elaborar a correspondência entre a fala e a
escrita, demonstrando inclusive que muitas vezes
pronunciamos as palavras de uma maneira e escrevemos de
outra.
A leitura e as conversas em torno dos textos são situações
férteis para o desenvolvimento da linguagem e pensando
nisso é possível organizar todos os dias um momento bem
prazeroso para ler histórias para as crianças. Mostrando o
livro, as ilustrações, falando do autor e do ilustrador,
elaborando perguntas sobre a história e até pedindo para a
criança recontar. Quando os estudantes já estão alfabetizados
é possível propor que a cada dia um deles seja o responsável
por escolher o livro e contar a história para a turma.
Ouvindo e conversando sobre as histórias lidas pelo professor,
a criança desenvolve muitas habilidades necessárias à
aprendizagem da leitura e da escrita como: atenção
voluntária e a concentração, antecipação de fatos,
curiosidade, compreensão de que a língua escrita pode ser
lida, que podemos ler e reler o mesmo texto identificando
informações e interpretando-o de maneira diferente.
Foco na BNCC

Os processos de alfabetização e ortografização terão impacto


nos textos em gêneros abordados nos anos iniciais. Em que
pese a leitura e a produção compartilhadas com o docente e
os colegas, ainda assim, os gêneros propostos para
leitura/escuta e produção oral, escrita e multissemiótica, nos
primeiros anos iniciais, serão mais simples, tais como listas
(de chamada, de ingredientes, de compras), bilhetes,
convites, fotolegenda, manchetes e lides, listas de regras da
turma etc., pois favorecem um foco maior na grafia,
complexificando-se conforme se avança nos anos iniciais.
Nesse sentido, ganha destaque o campo da vida cotidiana,
em que circulam gêneros mais familiares aos alunos, como as
cantigas de roda, as receitas, as regras de jogo etc. Do
mesmo modo, os conhecimentos e a análise linguística e
multissemiótica avançarão em outros aspectos notacionais da
escrita, como pontuação e acentuação e introdução das
classes morfológicas de palavras a partir do 3º ano. (BRASIL,
2018, p. 93)

No trecho da Base Nacional Comum Curricular que você


acabou de ler é evidenciada a importância de contemplar os
elementos do campo da vida cotidiana e essa perspectiva
pressupõe conduzir a aprendizagem inicial da leitura e da
escrita a partir das palavras do contexto cultural, social e
econômico dos estudantes. Acolher as características e as
expressões próprias do vocabulário do aluno é reconhecê-lo,
aceitá-lo como sujeito e, a partir deste ponto, apresentar
outras formas de expressão e ampliação do vocabulário por
meio das leituras feitas. A norma culta deve ser apresentada
como um elemento importante que deve estar presente em
situações formais.
Reflita
O uso da tecnologia modificou a relação da sociedade com a
leitura?

De modo geral as novas gerações não têm o hábito de


frequentar as bibliotecas públicas como no passado. Porém,
isso não significa que houve um abandono das práticas de
leitura, mas que existem outras formas de acesso, por
exemplo, a leitura de e-books. E por falar em biblioteca, este
é um dos espaços mais importantes da escola para incentivar
a leitura.
As bibliotecas das instituições de educação infantil e ensino
fundamental precisam ser organizadas de modo a se
tornarem ambientes atrativos e aconchegantes para o aluno,
um lugar onde ele gostaria de passar o tempo. Pensando
nisso, a gestão escolar deve investir em acervo, mobiliário
adequado, computadores, projetores, fantoches, fantasias e
cantos temáticos, além de profissionais capacitados para a
organização e manutenção este ambiente.
Segundo Pimentel (2007, 23), a biblioteca “[...] funciona como
um centro de recursos educativos, integrado ao processo de
ensino-aprendizagem, tendo como objetivo primordial
desenvolver e fomentar a leitura e a informação”. O professor
deve apresentar este espaço aos estudantes, demonstrando
que a leitura é tão importante que temos até um lugar
especial, exclusivo, para a sua ampla realização.
Exemplificando

A escola pode organizar uma rotina de horários para que as


crianças de cada turma frequentem a biblioteca, explorem
todo o acervo e escolham livros para emprestar. Além disso, o
profissional responsável pela biblioteca pode desenvolver
atividades de contação de histórias e projetos permanentes
para atrair os estudantes ao longo do ano letivo.
O professor regente ainda pode organizar atividades a serem
desenvolvidas no espaço da biblioteca.

O trabalho pedagógico com a leitura também poderá ser feito


mediante a organização de projetos interdisciplinares para
aquisição e desenvolvimento da leitura e escrita. Mesmo com
objetivos distintos nas diversas áreas de conhecimento, o
trabalho pedagógico não precisa ser compartimentado e seus
objetivos podem estar articulados em torno de uma mesma
temática proporcionando ao aluno maior capacidade de
estabelecer relações, o que leva à aprendizagem significativa.
O trabalho com projetos proposto por Jolibert (1994) e Kaufman e
Rodrigues (1995) consistem em planejamentos que incluem prática
da leitura e escrita de textos reais para destinatários reais com
integração entre diversas áreas de conhecimento. O projeto não só se
mostra apropriado para esse trabalho integrado, mas também possui
características de organização que auxiliam o professor do 1º ano no
atendimento às necessidades das crianças de seis anos de idade.

BRASIL, 2012, p. 13.


O aluno exerce seu protagonismo buscando respostas a
resolução de problemas, assim, o bom projeto é aquele que
possibilita às crianças interagirem entre elas, discutindo,
decidindo, dialogando, resolvendo conflitos e estabelecendo
regras e metas. Por meio de um trabalho com um “currículo
aberto, que abrange qualquer área de conhecimento”
(BRASIL, 2012, p. 14), a criança é levada a perceber e
representar o mundo natural e cultural em que vive.
Você já ouviu falar em sequência didática? Sequência didática
é outro tipo de organização do trabalho diferente do projeto
que também possibilita o trabalho interdisciplinar sendo
amplamente utilizada na alfabetização.

Quadro 4.1 | Elementos caracterizadores do projeto e da sequência didática


Instrumentos de Elementos
trabalho docente caracterizadores Função organizad
Projeto de Aulas centradas nos alunos Por meio desse conjunto de elementos, os PL são capazes
letramento considerar os interesses dos alunos (em relação à sociedad
Desenvolvimento de aprendizagem). Com esse objetivo, os PL podem trazer um
tarefas conhecimento, além de “transformar objetos circulares co
Resolução de problemas ‘ler para aprender a ler’ em ler para compreender e aprend
Interação entre agentes desenvolvimento e a realização do projeto” (KLEIMAN, 2
Aluno como sujeito do
conhecimento
Leitura e escrita como
prática social
Atividades
contextualizadas

Desterritorialização dos
lugares de aprendizagem
Tempo escolar
Distribuição de tarefas

Inserção em uma rede de


comunicação
Sequência Apresentação da situação A partir da apresentação de um problema de comunicação
didática gênero, sua produção e circulação), o professor solicita ao
Produção inicial escrita), com o intuito de verificar os conhecimentos prévi
Instrumentos de Elementos
trabalho docente caracterizadores Função organizad
para aquela turma a respeito do gênero escolhido. Elabora
Módulos de atividades propostas para suprir as dificuldades encontr
assim, a uma boa produção final. Nesta última etapa, há um
Produção final prática os conhecimentos adquiridos ao longo do processo
oportunidade de fazer uma avaliação somativa (DOLZ; NO
Fonte: Adaptado de Félix e Zorindi (2014, p. 514).
Assimile

Independentemente da(s) área(s) de conhecimento que


venha(m) a ser prioritariamente enfocadas(s) no projeto
(Ciências Naturais, Artes, História, Língua Portuguesa etc.), a
leitura de textos de diferentes gêneros está frequentemente
presente em projetos didáticos de qualquer natureza
(BRANDÃO; SELVA; COUTINHO, 2006, p. 117).

A partir da organização didática do projeto, os alunos irão


fazer a leitura de textos para obter informações sobre um
tema que está sendo pesquisado, o professor poderá inserir
gêneros de diferentes esferas sociais – como ciência,
jornalístico, de literatura, dentre outros. A escrita também
será explorada, pois será preciso produzir textos, elaborando
registros de leituras, como esquemas, resumos, tabelas,
gráficos etc.
Foco na BNCC

A BNCC ao tratar da organização curricular evidencia a


necessidade de:

[...] decidir sobre formas de organização interdisciplinar dos


componentes curriculares e fortalecer a competência
pedagógica das equipes escolares para adotar estratégias
mais dinâmicas, interativas e colaborativas em relação à
gestão do ensino e da aprendizagem.

BRASIL, 2018, p. 16.


A partir das características do trabalho com projetos,
finalizamos esta seção compreendendo que este tipo de
organização do trabalho pedagógico possibilita o letramento
na escola, permitindo ainda a estruturação de situações de
ensino que favorecem a apropriação do sistema de escrita
alfabética. Portanto, são contempladas as vertentes do ensino
do componente curricular Língua Portuguesa: o alfabetizar e o
letrar.
sem medo de errar

Você conheceu a professora Flávia que decidiu incentivar a


utilização da biblioteca pelos alunos da sua turma do segundo
ano. Levou os alunos ao espaço, contou uma história
utilizando fantoches e propôs um desafio às crianças: cada
um deve emprestar no mínimo um livro por semana, aqueles
que ainda não conseguem ler deverão pedir que os pais ou
responsáveis leiam para eles. Esta atividade é capaz de
auxiliar na alfabetização e desenvolver a capacidade leitora?
Existem outras possibilidades para explorar este espaço?
A orientação da professora referente ao empréstimo de livros
proporciona um contato maior com o novo acervo e aumenta
a frequência à biblioteca. Assim, a professora pode propor
que as crianças após a leitura do livro recontem a história
para a turma. Essa é uma maneira de trabalhar o
desenvolvimento da oralidade. A professora também poderá
construir uma rotina em que o momento para a leitura faça
parte do dia a dia, por exemplo, em uma turma em que os
alunos já estão alfabetizados, é possível sortear no início da
semana quem fará a leitura diária. A criança escolhe o livro
livremente e faz a leitura para a turma.
O trabalho pedagógico com a leitura também poderá ser
realizado mediante a organização de projetos
interdisciplinares, envolvendo inclusive o profissional
responsável pela biblioteca. Em um trabalho de parceria, a
professora pode, a partir de um problema, articular os
encaminhamentos pedagógicos envolvendo práticas de
leitura que perpassam todas as áreas de conhecimento. As
crianças poderão utilizar a biblioteca para fazer pesquisas
durante as várias etapas de realização do projeto.
Os estudantes não devem sentirem-se forçados a participar
de leituras, mas incentivados e mobilizados pela curiosidade,
atraídos pelo modelo de leitor apresentado pelo professor e
pelas inúmeras possibilidades de acesso à cultura e a
informação que o universo da leitura é capaz de proporcionar.
Tudo isso é construído mediante a organização de atividades
que fazem sentido para os alunos.
Após a primeira semana em que os alunos da professora
Flávia começaram a fazer a leitura semanal, a professora
percebeu que a fluência durante a leitura melhorou, além
disso, as crianças demonstraram avanço na escrita,
ampliação do vocabulário, pontuação e coerência na
organização das ideias durante as produções de texto.
praticar para aprender

Olá estudante, como vai?


É quase impossível falar de infância sem falar do brincar.
Podemos inclusive dizer que esta é uma das principais
linguagens da criança. Contemplando a brincadeira, a escola
respeita a infância e torna mais positivo o vínculo da escola
com a vida. Jogos e brincadeiras são vistos como vitais para o
desenvolvimento global da criança, pois estimulam a
consciência corporal, a concentração e a criatividade e, em
grupo, ensinam a cooperar, assumir responsabilidades, supor
as consequências de uma conduta e respeitar regras.
Os jogos e brincadeiras também são importantes para o
aprendizado da língua. Alguns jogos auxiliam na memorização
do alfabeto, no desenvolvimento da consciência fonológica e
tornam mais claras as relações letra-som. Permitem
mergulhar no interior das palavras, evidenciando a variedade
de letras e de sílabas, a ordem entre elas e suas repetições.
Nessa seção, vamos explorar sobre o papel das interações, a
contação de histórias, jogos e brincadeiras com a leitura e
escrita.
Para percorrer a temática proposta, que tal aprofundar os
conhecimentos acerca das atividades para a consciência
fonológica e o conhecimento das letras? Vamos conhecer a
importância dos jogos de linguagem, brincadeiras cantadas,
trabalho com parlendas, quadrinhas, trava-línguas e poemas.
A brincadeira com os sons das palavras, articulando-as com
situações de leitura e de escrita, jogos e brincadeiras
utilizando tecnologias digitais e a leitura feita em voz alta pelo
professor para a progressiva construção de intimidade com a
cultura escrita.

A coordenadora pedagógica Mariana atua em uma escola de


ensino fundamental em um bairro periférico. Por atuar a
muito tempo nessa escola, conhece as famílias dos
estudantes e sabe que as crianças não têm no âmbito familiar
o contato com livros, internet, tampouco modelos de leitores.
Frente ao contexto, ela entende a importância de explorar o
trabalho com a leitura na escola.
Pensando nisso, Mariana fez uma reunião com os professores
para tratar da utilização da biblioteca. Entretanto, percebeu
que os alunos não frequentam o espaço e não levam livros
para casa. Para incentivar os estudantes, a escola comprou
muitos livros, ampliou o espaço e conta com a colaboração
dos professores nesse incentivo.
A professora Dulce atua há muitos anos nesta escola e,
recentemente, participou de uma formação continuada, cujo
tema tratava da importância da abordagem lúdica para a
aprendizagem. Nesse curso ficou evidente o papel das
interações, jogos e brincadeiras com a leitura para a
ampliação da consciência fonológica.
Atualmente, Dulce é professora do primeiro ano. Após o
incentivo da coordenação, ela está pensando em como utilizar
os novos materiais da biblioteca para tornar mais atraente as
atividades que realiza. Porém, frente a todas as demandas
que precisa dar conta, essa não sido uma tarefa simples e ela
precisa da sua ajuda para pensar em como poderá relacionar
os conhecimentos aprendidos na capacitação sobre ludicidade
com as habilidades e competências previstas para esta etapa,
dentre elas o desenvolvimento da consciência fonológica.
Lembre-se que ela também precisa utilizar o espaço da
biblioteca.
Ah, nada melhor do que possibilitar que a escola se torne um
lugar onde se pode cantar e brincar!

conceito-chave

A consciência fonológica é a capacidade de focalizar os sons


das palavras dissociando-os de seu significado e de
segmentar as palavras nos sons que as constituem (SOARES,
2016, p.166). Mas como desenvolver esta capacidade com os
aprendizes? Brincando com os sons das palavras!
No primeiro ano do ensino fundamental, os estudantes
precisam compreender muitas características do sistema de
escrita alfabética, tais como perceber as palavras,
compreender que há variação na sua ordem, contar
oralmente as sílabas das palavras e compará-las quanto ao
tamanho, perceber as semelhanças sonoras iniciais e finais,
reconhecer que as sílabas variam quanto a sua composição,
além de perceber que as vogais estão presentes em todas as
sílabas.
Durante a leitura em voz alta, feita pelo professor, os
aprendizes já são capazes de estabelecer relações entre a
fala e a escrita, familiarizando-se e construindo uma
progressiva intimidade com as práticas de leitura e escrita.
Entretanto, para que a criança seja alfabetizada, é necessário
explorar a percepção de forma mais ampliada, favorecendo o
desenvolvimento da consciência fonológica.

[...] as habilidades de consciência fonológica se diferenciam não só


quanto ao tipo de operação que o sujeito realiza em sua mente
(separar, contar, comparar quanto ao tamanho ou quanto à
semelhança sonora etc.), mas também quanto ao tipo de segmento
sonoro envolvido (rimas, fonemas, sílabas, segmentos maiores que
um fonema e menores que uma sílaba, segmentos compostos por
mais de uma sílaba – como a sequência final das palavras janela e
panela). E variam, ainda, quanto à posição (início, meio, fim) em que
aquelas “partes sonoras” ocorrem no interior das palavras.

(BRASIL, 2012, p. 20)


Os professores precisam atentar-se para quais habilidades de
consciência fonológica o aprendiz precisa desenvolver à
medida que vai se apropriando do sistema de escrita
alfabética (SEA).
Por dentro da BNCC

Embora, desde que nasce e na Educação Infantil, a criança


esteja cercada e participe de diferentes práticas letradas, é
nos anos iniciais (1º e 2º anos) do Ensino Fundamental que se
espera que ela se alfabetize. Isso significa que a alfabetização
deve ser o foco da ação pedagógica. Nesse processo, é
preciso que os estudantes conheçam o alfabeto e a mecânica
da escrita/leitura – processos que visam a que alguém (se)
torne alfabetizado, ou seja, consiga “codificar e decodificar”
os sons da língua (fonemas) em material gráfico (grafemas ou
letras), o que envolve o desenvolvimento de uma consciência
fonológica (dos fonemas do português do Brasil e de sua
organização em segmentos sonoros maiores como sílabas e
palavras) e o conhecimento do alfabeto do português do
Brasil em seus vários formatos (letras imprensa e cursiva,
maiúsculas e minúsculas), além do estabelecimento de
relações grafofônicas entre esses dois sistemas de
materialização da língua. (BRASIL, 2018, p. 90)

Estudos que acompanharam crianças do último ano da


educação infantil ao primeiro ano do ciclo ensino fundamental
demonstraram que conforme avançavam em direção a uma
hipótese alfabética de escrita, as crianças também tendem a
avançar em suas capacidades de refletir sobre as partes
sonoras das palavras (BRASIL, 2012). Nesse sentido, observe
estas habilidades fonológicas importantes durante o
desenvolvimento das hipóteses:

Quadro 4.2 | Habilidades fonológicas importantes


1 Para chegar a uma hipótese silábica quantitativa (sem valor sonoro), as crianças precisariam ter habilidades de não só
separar e contar as sílabas orais das palavras, mas também de comparar palavras quanto ao tamanho, o que pressupõe
raciocinar apenas sobre a sequência de partes sonoras, esquecendo as características dos objetos a que as palavras se
referem.
2 Para usar uma hipótese silábica qualitativa ou hipóteses silábico-alfabéticas e alfabéticas, as crianças precisam avançar
em suas habilidades de identificar e produzir palavras que começam com a mesma sílaba ou que rimam. Isto fica evidente
quando pensamos que a criança que escreveu A U I para jabuti precisou não só contar as sílabas da palavra, mas, também,
examinar cada sílaba na ordem em que aparece no todo-palavra e analisar “sonzinhos” que aparecem no interior de cada
sílaba.
3 Para escrever segundo uma hipótese alfabética, as crianças precisam identificar palavras que começam com o mesmo
fonema (mesmo que não saibam pronunciá-lo isoladamente).
4 As habilidades de consciência fonológica importantes para uma criança se alfabetizar não aparecem com a maturação
biológica, como parte do desenvolvimento corporal. Elas dependem de oportunidades para refletir sobre as palavras em
sua dimensão sonora e, portanto, a escola tem um papel essencial em fomentar seu desenvolvimento no final da educação
infantil e no começo do ensino fundamental.
Fonte: Adaptado de Brasil (2012, p. 22).
É imprescindível que o professor inicie na educação infantil
atividades envolvendo brincadeiras cantadas, parlendas,
trava-línguas e quadrinhas. Aliás, por meio dessas atividades,
a criança é capaz de identificar e compreender o que é uma
palavra, quantas sílabas a palavra tem e quais são os
fonemas presentes, fazendo a correspondência entre os
fonemas e as letras que os representam (grafemas).
Exemplificando

O professor pode brincar com as palavras com seus alunos,


como no exemplo abaixo:
O professor orienta a criança que ela deve falar uma palavra
que representa o que comprou no mercado.
Iniciando, o professor diz:

1. Fui ao mercado e comprei.... (a criança fala, por


exemplo, BANANA);
2. O professor escreve a palavra BANANA na lousa e
sugere:
– Vamos contar os pedacinhos desta palavra?
3. É possível pedir para que as crianças marquem a
quantidade de “pedacinhos” com os dedos ou
batendo uma palma para cada pedaço da palavra.
4. O professor pode continuar explorando,
perguntando qual é o primeiro pedacinho dessa
palavra? Qual é o segundo e o terceiro? O primeiro
é igual ao segundo?

Exemplos de brincadeiras orientadas pelo professor para


crianças do segundo ano:

1. Nome da brincadeira: Alfândega

A professora começa:
Eu me chamo Natália, fui a Noruega e trouxe um navio.... (a
professora não diz o segredo da brincadeira, que é encontrar
um país, estado ou cidade e um objeto que começa com a
mesma letra do nome da criança). Quem mais viajou?

2. Nome da brincadeira: Trem das silabas

A professora diz:
Eu vou falar uma palavra e a última silaba vai começar a
próxima... (Na sequência, um aluno por vez deve pensar em
palavras que se encaixam na regra estabelecida. Veja os
exemplos:
A professora fala: 1º GATA... o aluno fala 2º TATU... outro
aluno 3º TUCANO... 4º NOVELA... 5º LARANJA...

A consciência fonológica, ou o conhecimento acerca da


estrutura sonora da linguagem, desenvolve-se nas crianças
ouvintes no contato com a linguagem oral de sua
comunidade. É na relação dela com diferentes formas de
expressão oral que essa habilidade se constitui. Diferentes
formas linguísticas a que qualquer criança é exposta dentro
de uma cultura vão formando sua consciência fonológica,
entre elas as músicas, cantigas de roda, poesias, parlendas,
jogos orais, e a fala (BRASIL, 2012).
Por meio destas atividades, o professor pode explorar as sub-
habilidades da consciência fonológica, vamos conhecê-las?
Observe o quadro:

Quadro 4.3 | Sub-habilidades para o desenvolvimento da consciência


fonológica
Consciência de palavras
Consciência silábica
Rimas e aliterações
Consciência fonêmica
Fonte: elaborado pela autora.
A consciência de palavras representa a capacidade de
segmentar a frase em palavras e, além disso, perceber a
relação entre elas e organizá-las numa sequência que dê
sentido (BRASIL, 2013).
A consciência silábica consiste na capacidade de segmentar
as palavras em sílabas. Esta habilidade depende da
capacidade de realizar análise e síntese vocabular. O
professor pode explorar ludicamente utilizando advinhas e
cantigas.
Assimile

Atividades que exploram a consciência silábica:

1. observar que a palavra janela tem 3 pedaços”


(sílabas), que a palavra casa tem 2 “pedaços” e
que, portanto, a primeira palavra é maior;
2. identificar, ao mostrarmos 4 figuras (gato, bode,
galho e mola), que as palavras gato e galho são as
que “começam parecido”, porque começam com
/ga/; - falar cavalo, quando pedimos que diga uma
palavra começada com o mesmo pedaço que
aparece no início da palavra casa;
3. identificar que no interior das palavras serpente e
camaleão há outras palavras (pente, leão, cama);
4. identificar, ao mostrarmos 4 figuras (chupeta,
galinha, panela, varinha), que as palavras galinha e
varinha terminam parecido, isto é, rimam;
5. falar palavras como caminhão ou macarrão,
quando pedimos que diga uma palavra que rime
com feijão;
6. identificar, ao mostrarmos 4 figuras (vestido,
martelo, vampiro, coruja), que as palavras vestido
e vampiro são as que começam parecido, porque
começam “com o mesmo sonzinho”. (BRASIL,
2012, p. 22)

A rima representa a correspondência fonêmica entre duas


palavras a partir da vogal da sílaba tônica. As rimas podem
ser da palavra, da sílaba ou sonoras. Já as aliterações estão
presentes por meio de sons semelhantes, não de letras. De
modo que a aliteração consiste na repetição de consoantes ou
de sílabas, especialmente as sílabas tônicas, em duas (ou
mais) palavras, dentro do mesmo verso, estrofe ou em uma
frase.
Exemplificando

TRAVA-LÍNGUA

TRÊS TIGRES EU VI TRÊS TIGRES TRIGÊMEOS


COM TRÊS PRATINHOS DE TRIGO
E TRÊS CROQUETES DE TRIPA,
TRAGANDO UM POBRE GALETO.
TRÊS TIGRES NUM BANCO BRANCO
DENTRO DE UM BARCO BRANCO DE TRÊS MASTROS,
ATRACADO BEM PERTO DO PORTO PRETO.
Mostrar às crianças que existem várias palavras que
começam com o mesmo som. TRIGÊMEOS – TRIGO – TRIPA –
TRAGANDO – TRÊS ...
Atividades adaptadas de Brasil (2013, p. 19).

Por fim, vamos conhecer a consciência fonêmica. A


correspondência letra-som é a mais complexa, portanto, a
última a ser adquirida pela criança. As atividades que
exploram a consciência fonêmica são desafiadoras, sobretudo
porque quando o professor fala uma palavra, a criança
precisa descobrir quais letras ela precisa utilizar para
escrever.
Exemplificando

1. Brinque com as palavras trocando os sons: \R \


por \P\:

O RATO ROEU A ROUPA DO REI DE ROMA.


O __ATO __OEU A __OUPA DO __EI DE __OMA.
A RAINHA COM RAIVA RASGOU O RESTO.
A __AINHA COM __AIVA __ASGOU O __ESTO.

2. Quais letras posso colocar no início da palavra?

___ATO
(pato, mato, tato etc...)

Todas as atividades exemplificadas são excelentes


alternativas pedagógicas se o professor valoriza as
interações. Esses são momentos em que a criança observa as
contribuições dos demais, percebendo as características das
palavras. Todos os espaços da escola podem ser utilizados
para fazer leituras, jogos e brincadeiras. A diferença do jogo
para a brincadeira é que os jogos possuem regras, muitos
jogos podem ser adquiridos pela instituição ou elaborados
pelo professor, inclusive envolvendo toda a turma.
Esta é a caixa de Jogos do Pacto Nacional pela alfabetização
na idade certa – PNAIC. O PNAIC já foi encerrado, mas os
jogos foram recebidos pelas escolas públicas.

Fonte: https://bit.ly/2Q2DNVY. Acesso em 30 nov. 2020.


Os jogos foram elaborados pelo Centro de estudos em
Educação e Linguagem da Universidade Federal de
Pernambuco (CEEL/UFPE).
A produção do material, desenvolvido com apoio do Ministério
da Educação (MEC), foi um trabalho conjunto entre os
formadores do CEEL/UFPE, os professores dos municípios
atendidos pelos cursos de formação continuada, além de
estudantes da Pós-Graduação em Educação da UFPE.

Na alfabetização os jogos podem ser poderosos aliados para que os


alunos possam refletir sobre o sistema de escrita, sem,
necessariamente, serem obrigados a realizar treinos enfadonhos e
sem sentido. Nos momentos de jogo, as crianças mobilizam saberes
acerca da lógica de funcionamento da escrita, consolidando
aprendizagens já realizadas ou se apropriando de novos
conhecimentos nessa área. Brincando, elas podem compreender os
princípios de funcionamento do sistema alfabético e podem socializar
seus saberes com os colegas.

BRASIL, 2009 p. 8.
Reflita

Além das brincadeiras com cantigas, trava-línguas, parlendas


e os jogos, é possível utilizar jogos que envolvem as
tecnologias digitais?
As práticas de leitura e escrita na tela digital fazem parte da
contemporaneidade, neste contexto da cultura digital,
entende-se por alfabetização digital o domínio das diferentes
técnicas relacionadas ao que se chama de usabilidade, saber
ligar e manusear as máquinas. Ao usar a tela, os alunos ou
usuários da escrita em suporte digital têm de lidar com novos
gestos envolvidos no ato de ler e escrever. Durante as aulas
com os jogos digitais, por exemplo, “eles lidam com desafios
relacionados ao ritmo e uso do tempo que são determinados
pelo próprio jogo e precisam dominar elementos da
usabilidade como clicar, usar mouse ou teclado, por mais
simples que seja o jogo em suporte digital” (FRADE et al.,
2018, p. 22).
O Ministério da Educação lançou no âmbito do programa
Tempo de Aprender, que envolve o último ano da pré-escola e
os dois primeiros anos do ensino fundamental, o aplicativo
GraphoGame, que tem como objetivo ajudar os estudantes da
pré-escola e dos anos iniciais do ensino fundamental a
aprender a ler as primeiras letras, sílabas e palavras. O jogo é
especialmente eficaz para crianças que estão aprendendo as
relações entre letras e sons.
O aplicativo apresenta uma dinâmica de jogo a fim de
desenvolver, por exemplo, a ortografia e as habilidades de
leitura.
Assimile

O aplicativo GraphoGame pode ser utilizado pelos professores


nos laboratórios de informática e bibliotecas das escolas. As
famílias que têm acesso a computador ou smartphone
também podem instalar e a criança irá jogar em casa.
O aplicativo pode ser baixado gratuitamente pelo link:
https://bit.ly/3wKViL4

Outros sites com jogos de alfabetização para jogar


online:
Escola Games, disponível
em: http://www.escolagames.com.br/
Racha Cuca, disponível
em: https://rachacuca.com.br/palavras/
Todos os acessos foram feitos em 22 jan. 2021.

Os jogos utilizando tecnologias digitais são ótimas estratégias


para ampliar as possibilidades de aprendizagem, o professor
pode selecionar jogos relacionados às competências e
habilidades que pretende explorar em determinado momento
do processo de ensino. Além disso, é possível organizar
duplas compostas por crianças em níveis de aprendizagens
distintos, porém próximos, que realizem trocas durante o
jogo.
Chagamos ao final desta seção e, durante a leitura, você
compreendeu como os jogos e as brincadeiras são elementos
essenciais na alfabetização. As interações possibilitam às
crianças conhecer o mundo, lidar com as dificuldades e
construir laços afetivos, tudo isso integrado a aprendizagem
da leitura e da escrita.

sem medo de errar

A professora Dulce pretende relacionar os conhecimentos


aprendidos na capacitação sobre ludicidade com o que
precisa trabalhar com os alunos no que diz respeito às
habilidades e competências previstas para o primeiro ano. É
importante considerar que durante a alfabetização os
professores precisam contemplar diferentes formas de
interação oral e interação com a leitura e a escrita.
A consciência fonológica é uma habilidade essencial para que
os aprendizes dominem o sistema de escrita alfabética e para
desenvolver esta habilidade a professora pode utilizar o
espaço da biblioteca para pesquisar com os alunos livros que
apresentam poemas, advinhas, trava-línguas e para ampliar o
contato da criança com as práticas de leitura. De volta à sala
de aula, a professora poderá explorar a leitura em voz alta e
levar os alunos a pensar sobre os sons das palavras de forma
lúdica por meio de brincadeiras.
Outra possibilidade é organizar um livro de rimas, com as
rimas e os respectivos desenhos elaborados pela turma. Uma
boa prática é deixar um exemplar deste livro na biblioteca
para que toda a escola conheça.
Pensando na preocupação da professora em tornar as
aprendizagens lúdicas, ela poderá utilizar jogos como caça
rimas, troca letras, jogos utilizando tecnologias digitais etc.
para levar a criança a observar que a palavra é composta por
segmentos sonoros e que esses podem se repetir em palavras
diferentes.
A preocupação de Dulce em ofertar as melhores
oportunidades de aprendizagem aos seus alunos foi um
elemento motivador que promoveu a busca por formação
continuada e a pesquisa sobre as aprendizagens essenciais.
Seu comprometimento também possibilitou que ela
construísse jogos com os alunos – o que, além de promover a
aprendizagem da leitura e da escrita, inspirou as outras
professoras da escola.

praticar para aprender

Olá, estudante! Com vai?


Seja bem-vindo à última seção deste material. Nós estamos
quase finalizando os estudos acerca das estratégias e dos
procedimentos para alfabetização. Durante as discussões e
reflexões feitas até aqui, ficou claro que os professores
alfabetizadores precisam direcionar o trabalho durante a
aprendizagem da leitura e da escrita de forma
contextualizada, de modo que a escola esteja integrada à
vida. Até porque a escola não prepara para a vida, pois a vida
já está acontecendo, no aqui e agora dos nossos alunos, nas
vivências possibilitadas no espaço escolar. Na escola temos a
energia vital pulsando, em cada fala, em cada gesto e em
cada olhar.
A arte é uma das principais formas de expressão da
humanidade, promovendo o refinamento das nossas
percepções. E por se tratar de algo tão importante, não
poderíamos deixar de explorar sua relação com a
alfabetização. Nessa seção, vamos tratar sobre o ensino da
escrita como uma arte.
Pensando nisso, vamos estudar sobre a arte propiciando o
conhecimento da linguagem que levará à habilidade de
decifrar códigos, ler imagens, fazer análises e conexões,
encontrar novos caminhos e olhares para uma nova
percepção do mundo e aquisição da linguagem escrita, além
da escrita da arte nas imagens e obras. Objetivamos que ao
finalizar este estudo você seja capaz de planejar ações de
ensino que resultem em efetivas aprendizagens, criando e
sabendo gerir situações de aprendizagem no contexto da
alfabetização.

A coordenadora pedagógica Mariana atua em uma escola de


ensino fundamental em um bairro periférico. Por atuar a
muito tempo nessa escola, conhece as famílias dos
estudantes e sabe que as crianças não têm no âmbito
familiar, o contato com livros, internet, tampouco modelos de
leitores. Frente ao contexto, ela entende a importância de
explorar o trabalho com a leitura na escola.
Pensando nisso, Mariana fez uma reunião com os professores
para tratar da utilização da biblioteca. Entretanto, percebeu
que os alunos não frequentam o espaço e não levam livros
para casa. Para incentivar os estudantes, a escola comprou
muitos livros, ampliou o espaço e conta com a colaboração
dos professores nesse incentivo.
Manuseando o novo acervo da biblioteca, a professora Dulce
encontrou um livro com muitas obras de arte. Ela pensou em
utilizar o material com as crianças, mas não sabe bem como
fazê-lo, então decidiu procurar a coordenação da escola para
pedir sugestões. Seria possível trabalhar com imagens de
obra de arte com uma turma de alfabetização? Imagine que
você leciona na turma da professora Dulce e pense em uma
maneira de conduzir os trabalhos a partir das seguintes
questões: as crianças do primeiro ano seriam capazes de
compreender as obras de arte apresentadas no livro? Essa
atividade será significativa para esta etapa?
O seu conhecimento é um bem precioso. Não somos sempre a
nossa mesma versão e isso é ótimo! Aprender é sempre uma
oportunidade de reconstrução e renascimento.
Bons estudos!

conceito-chave

A arte condensa formas de expressão que de maneira


interdisciplinar pode permear outras áreas de conhecimento.
Assim, qual papel a arte tem ocupado no ensino fundamental?
Seria possível relacionar arte e alfabetização?
Para iniciar essa reflexão, vamos pensar sobre as percepções
infantis.

[...] é na cotidianidade que os conceitos sociais e culturais são


construídos pela criança, por exemplo, os de gostar, desgostar, de
beleza, feiúra, entre outros. Esta elaboração se faz de maneira ativa,
a criança interagindo vivamente com pessoas e sua ambiência.

FERRAZ; FUSARI, 1993, p. 42.

Os sentidos atribuídos a esse universo simbólico, à disposição


das crianças, fazer parte de um ato criador individual e
coletivo. Ao reconstruir os sentidos das experiências para si, a
criança articula as experiências externas às suas
possibilidades de percepção e leitura de mundo. Desse modo,
“não apenas reproduz o que percebe, mas cria outros
sentidos, usa a imaginação para preencher os vazios de sua
leitura de mundo, articulando significados próprios para o que
observa e percebe” (SANTOS; COSTA, 2020, p. 2).
A linguagem artística se faz presente nas práticas cotidianas
da educação infantil, sendo contemplada nas diretrizes, no
currículo e na sala de aula. Entretanto, mesmo com os
direcionamentos legais que preveem a articulação entre a
educação infantil e o ensino fundamental, ainda há uma
ruptura entre essas etapas, incorrendo na adoção de
condutas pedagógicas que se distanciam da ludicidade e da
expressão por meio de múltiplas linguagens. Por vezes, no
ensino fundamental, as práticas pedagógicas limitam-se ao
trabalho com a leitura, escrita e matemática.
Foco na BNCC

Conforme a BNCC:

Tendo em vista o compromisso de assegurar aos alunos o


desenvolvimento das competências relacionadas
à alfabetização e ao letramento, o componente Arte, ao
possibilitar o acesso à leitura, à criação e à produção nas
diversas linguagens artísticas, contribui para o
desenvolvimento de habilidades relacionadas tanto à
linguagem verbal quanto às linguagens não verbais.

BRASIL, 2018, p. 199.


A arte é componente curricular obrigatório previsto pela Base
Nacional Comum Curricular. Nos anos iniciais do ensino
fundamental, o trabalho com a arte objetiva assegurar aos
alunos a possibilidade de se expressar de forma criativa em
seu fazer investigativo, por meio da ludicidade, propiciando
uma experiência de continuidade em relação à educação
infantil. Dessa maneira, é “importante que, nas quatro
linguagens da Arte – integradas pelas seis dimensões do
conhecimento artístico –, as experiências e vivências
artísticas estejam centradas nos interesses das crianças e nas
culturas infantis” (BRASIL, 2018, p. 199).
O componente apresenta as seguintes unidades temáticas:
artes visuais, dança, música, teatro e artes integradas. Cada
uma das unidades mencionadas prevê o desenvolvimento de
habilidades que, de modo geral, propõem o experimentar,
conhecer, descobrir, explorar, perceber, criar e improvisar.
Ações que possibilitam ricas experiências com as linguagens
e com o mundo, essenciais durante a alfabetização.
Assim, de forma simples, já percebemos o quanto é evidente
que a arte pode contribuir de modo efetivo com o processo de
alfabetização. Ao trabalhar com a arte, despertamos nos
alunos a criatividade, a percepção, a observação, entre outros
aspectos relevantes para os indivíduos. Ao ouvir música e
cantar, a criança constrói um repertório amplo e passa a
interessar-se pelo processo de escrita de palavras presentes
nas canções. Ao dançar, os alunos desenvolvem a expressão
e a coordenação motora que será necessária para a escrita.
Ao desenhar, é necessário perceber as semelhanças e
diferenças nas representações visuais e essa habilidade pode
contribuir com a observação presente na aprendizagem da
grafia. Os jogos teatrais podem ajudar os alunos a prestarem
atenção no som das palavras, na interpretação da frase, no
sentido do texto.
Assimile

[...] durante as criações ou fazendo atividades de seu dia a


dia, as crianças vão aprendendo a perceber os atributos
constitutivos dos objetos ou fenômenos à sua volta.
Aprendem a nomear esses objetos, sua utilidade seus
aspectos formais (tais como linha, volume, cor, tamanho,
textura, entre outros) ou qualidades, funções, entre outros...
Para que isso ocorra é necessário a colaboração do outro –
pais, professoras, entre outros – sozinha ela nem sempre
consegue atingir as diferenciações, muitas vezes sua atenção
é dirigida às características não essenciais e sim às mais
destacadas dos objetos ou imagens, como por exemplo, as
mais brilhantes, mais coloridas, mais estranhas...

FERRAZ; FUSARI, 1993, p. 49.


Ao vivenciarem situações de sensibilização e experimentação,
os alunos entram em contato consigo mesmos e aprendem a
lidar com o outro. A arte pode deixar o processo de
alfabetização mais interessante e divertido e, assim, a criança
tem a oportunidade de perceber que aprender é bom. É válido
lembrar que, de forma equivocada, a criança, por vezes é
conduzida a reproduzir modelos estereotipados e a executar
ações que exigem dela apenas a capacidade de cópia e
memorização. O resultado disso são os varais de trabalhos,
todos muito semelhantes em forma e cores, sem aquela
particularidade, aquela força expressiva individual que se
pode perceber nos desenhos anteriores a esta fase de
escolarização. (PILLOTTO; SCHRAMM, 2001).
Reflita

Quais são as características de um bom aluno?


Quais são as oportunidades de aprendizagem ofertadas pelas
instituições escolares?

A capacidade de criação e imaginação de acordo com a teoria


histórico-cultural depende das vivências às quais os sujeitos
foram submetidos. Pensando nisso, e considerando os
desafios da alfabetização para o estudante, é possível concluir
que o acesso às múltiplas linguagens é um elemento
fundamental por ampliar o repertório criativo,
consequentemente, a capacidade para articular ideias,
elaborar hipóteses, realizar análises e conexões em prol da
formação de alunos reflexivos e críticos.
Oliveira e Sopelsa (2011) enfatizam ser fundamental que os
professores percebam que suas representações visuais
influenciam no modo como as crianças produzem sua
visualidade. Portanto, para que as crianças tenham
possibilidades de desenvolverem-se na área expressiva, é
imprescindível que o professor rompa seus próprios
estereótipos, a fim de que consiga realizar intervenções
pedagógicas no sentido de trazer à tona o universo
expressivo infantil.
Assimile

Uma das maneiras de o professor romper com suas


percepções de representações artísticas estereotipadas é
resgatar seu próprio processo expressivo. Nesse sentido, é
importante que as equipes gestoras ofertem aos professores
capacitações voltadas à exploração das diferentes linguagens,
possibilitando a reflexão sobre a prática, a expressão e a
interação entre os docentes.

Articular a alfabetização às artes requer destinar um espaço


na organização do currículo, do planejamento e da rotina da
sala de aula. Segundo Pessoa (2018, [s.p.]), o ensino da arte
propicia o conhecimento da linguagem que levará à
habilidade de decifrar códigos. A autora chama de
alfabetização do olhar o conhecimento que será construído a
cada ano, “aumentando o repertório de informações e a
possibilidade da leitura mais consciente do mundo”. Vamos
explorar alguns caminhos para a alfabetização do olhar na
escola.
Exemplificando

A escrita da arte nas imagens e obras é feita através de um


sistema de representação que utiliza principalmente: cor, luz,
sombra, forma, som, gestos, silêncio, movimento etc., que
são símbolos com os quais o aluno, com alguma intenção, faz
uma leitura e cria uma obra, dando novos significados a todos
estes elementos que foram citados. Ao usar diariamente esta
linguagem para se expressar, o aluno vai iniciando a
alfabetização do seu olhar, construindo e aprimorando um
repertório de símbolos visuais e sensoriais que o ajudará a ler
o mundo que está ao seu redor de forma simbólica.

PESSOA, 2018, [s.p.].


“Uma imagem vale mais do que mil palavras” é uma frase do
senso comum que você, certamente, já ouviu. A leitura de
imagens é uma das possibilidades de trabalho em arte, que
explora a capacidade crítico-reflexiva. É importante lembrar
que desfrutar da experiência visual não significa que os
alunos estejam compreendendo o que está sendo observado,
mas ainda assim, os professores devem apresentar o caminho
para a alfabetização visual por meio da sensibilização e do
contato frequente com as obras.
Ao longo da história, o homem sempre produziu imagens e
essa produção esteve associada à arte através do desenho,
da pintura, da escultura e da arquitetura, mas atualmente
com a criação de outras tecnologias de produção de imagens
como a fotografia, o cinema, a televisão e mais recentemente
o computador, a imagem praticamente substituiu a palavra e
a escrita como meio de comunicação (LIMA, 2008).
Reflita

O suporte visual na escola é utilizado como mera ilustração


do conhecimento sistematicamente explorado pelo professor?

A arte ainda é vista como uma atividade prática pouco


valorizada pelo senso comum, um saber informal. Pensando
no ensino de arte, o termo leitura de imagens começou a ser
utilizado aproximadamente na década de 1970 com a
introdução de novos sistemas audiovisuais. Esta nova
tendência se fundamentou nos estudos da psicologia da
forma Gestalt e da semiótica. A imagem passa a ser
compreendida como signo e é necessário que haja uma
compreensão de seus códigos. Outra corrente está voltada
para aspectos mais estéticos das imagens, “o que mais
favorece o desenvolvimento estético é a familiaridade que o
sujeito tem com as imagens, sejam obras de arte ou imagens
da publicidade por exemplo” (LIMA, 2008, p. 9).
O estudo da leitura de imagens começa a fazer parte dos
currículos no Brasil, principalmente a partir dos anos 1990,
com a Metodologia Triangular por meio da proposta de Ana
Mae Barbosa que influenciou a elaboração dos Parâmetros
Curriculares Nacionais.

O principal objetivo desta proposta não é ler uma imagem


identificando apenas seus elementos formais isoladamente, mas
reconhecer as manifestações e expressões de cada cultura.
Relacionando com outras disciplinas seria o mesmo que, por exemplo,
na Língua Portuguesa compreender e comunicar-se, não só identificar
questões ortográficas. [...] uma aprendizagem voltada para o
desenvolvimento do senso crítico, partindo das imagens que fazem
parte da cultura, da história e do cotidiano dos alunos.

LIMA, 2008, p. 8.

Perceba que a leitura de imagens permite que o alfabetizador


explore a percepção dos seus alunos, o professor deve
explorar a leitura de imagens desde a educação infantil a
partir de diferentes propostas, desde a exploração das
ilustrações de um livro de histórias à exploração de obras de
arte. Ao solicitar que os estudantes descrevam o que estão
observando em uma obra de arte, por exemplo, os alunos
estão na verdade interpretando. Essa interpretação é algo
particular, pois cada um mobiliza seus conhecimentos prévios
para atribuir significado ao que é observado.
De acordo com Pessoa (2018, [s.p.]), a leitura de imagens
pode ser utilizada pelo professor de arte como uma
ferramenta didática, que lhe abre um leque de possibilidades:

Existem muitas formas de conduzir este tipo de trabalho,


apresentamos a seguir um roteiro que poderá ser utilizado, de acordo
com as seguintes etapas:
• Aquecimento: momento no início da aula, onde o professor prepara
seus alunos para a experiência de observar a obra;
• Descrever: perceber a obra e verbalizar todas as características
que serão observadas, fazendo uma lista de tudo que for sendo falado
pelos alunos;
• Analisar: verificar a forma como a obra foi feita e o que pode ser
percebido ao verificar os elementos da composição e as técnicas
utilizadas, as ideias intrínsecas à obra de arte;
• Interpretar: as respostas pessoais e sensoriais à obra; como o aluno
se sente em relação à obra;
• Fundamentar: relacionar o que está se vendo com os dados
históricos da obra e do artista que a produziu;
• Revelar: momento de criação onde os alunos dão um novo
significado a obra que foi analisada em grupo.

PESSOA, 2018, [s.p.].

Na contemporaneidade, saber ler e interpretar imagens é


fundamental uma vez que, as informações são apresentadas
a cada dia de forma mais acelerada a partir de suportes
diversos, exigindo que os leitores façam uma análise rápida,
extraindo as principais informações. Desse modo, um
estudante que vivencia a alfabetização do olhar por meio da
arte terá maior capacidade de identificação de informações,
raciocínio rápido e senso crítico. “A leitura de imagens
durante as aulas, levará os alunos a fazerem mais tarde a
leitura do próprio meio social” (PESSOA, 2018, [s.p.]).
Você deve ter percebido que para contemplar a arte em
trabalhos interdisciplinares não se deve considerá-la como
algo complementar ou secundário, por exemplo, em um
projeto envolvendo geografia, solicitar que ao final os alunos
desenhem um mapa. O trabalho com arte pode ser percebido
como um guarda-chuva que é capaz de integrar as demais
áreas de conhecimento. Ou seja, vivenciando a arte os alunos
aprendem de forma contextualizada e dinâmica.
Agora, vamos nos atentar para o fato de que em algumas
instituições é o professor alfabetizador, regente da turma, que
ministra todos os componentes curriculares, em outras, existe
um professor específico para arte. Nesse caso, para que
acorra a integração entre o trabalho da professora regente
com a professora de arte, é importante que ocorra um
planejamento integrado e o compromisso dos profissionais
com as aprendizagens dos estudantes.
A arte possibilita novos caminhos, novos olhares para uma
nova percepção do mundo e aquisição da linguagem escrita.
A aquisição da linguagem escrita não deve ocorrer por meio
de um processo mecânico, até porque alfabetização e
letramento devem caminhar juntos. Os múltiplos letramentos,
possíveis no contato com a diversidade e pluralidade cultural
dependem da cultura escolar que estrutura as relações dos
sujeitos com os saberes científicos. Assim, mais do que saber
decifrar códigos é preciso saber manifestar-se, interpretar
situações e contextos, habilidades construídas no trabalho
com a arte. Arte é ampliação das experiências humanas.

Todo ser humano é artista, está sempre a criar novas formas para
expressar o mundo e abrindo novos caminhos. Para ele a solução
única, óbvia, não satisfaz. Ele vai usar sua possibilidade natural de
explorar o mundo, o pensamento divergente. Ele necessita marcar
como sua cada ação e está sempre pronto e atento às possibilidades
de renovação, renovando-se a cada instante. É sua forma de
participar do movimento do universo, movendo-se ele próprio e,
muitas vezes, contribuindo para orientar o movimento.

FERRAZ; FUSSARI, 1993, p. 89.

As possibilidades de acesso à arte e a oportunidade de


manifestação artística partem de uma nova compreensão de
educação e de escola. A partir desse novo olhar para a
educação, a criança aprende a admirar suas produções
espontâneas, percebendo-se como sujeito ativo, produtor de
conhecimento, condição essencial para a alfabetização e o
letramento.
Durante os estudos realizados, você percebeu que os espaços
e os fazeres pedagógicos precisam proporcionar aos
estudantes as maiores e melhores possibilidades para a
apropriação do conhecimento. Retomando o título desta
seção: “o ensino da escrita como uma arte”, como se pode
notar, a arte pressupõe a exploração das máximas
elaborações humanas como lócus de experimentação e ponto
de partida para a criação. O ensino da escrita permeado pela
arte favorece um novo olhar do professor para o aprendiz,
neste processo, o professor também é o artista que cria as
mais ricas experiências e oportunidades para a alfabetização
e o desenvolvimento humano.

sem medo de errar

Você foi desafiado a se colocar no lugar da professora Dulce:


ela encontrou um livro que faz parte do novo acervo da
biblioteca da escola. Trata-se de um livro sobre arte, que tem
imagens de muitas obras famosas. Inicialmente, a professora
pensou em utilizar o material com sua turma de alfabetização,
mas está apreensiva. As crianças do primeiro ano seriam
capazes de compreender as obras de arte apresentadas no
livro? Essa atividade será significativa para esta etapa?
A partir dos estudos realizados é esperado que você conclua
que é possível utilizar as obras apresentadas no livro,
ampliando o repertório cultural dos alunos e fazendo a leitura
de imagens que é uma excelente ferramenta pedagógica. Isto
porque, quando exploramos uma imagem com os alunos, eles
estão descrevendo-a a partir da sua interpretação, a partir do
conhecimento de mundo que possuem, não é uma simples
cópia.
Saber ler e interpretar imagens é fundamental: as
informações são apresentadas a cada dia de forma mais
acelerada a partir de suportes diversos, exigindo que os
leitores façam uma análise rápida, extraindo as principais
informações. Um estudante que vivencia a alfabetização do
olhar por meio da arte terá maior capacidade de identificação
de informações, raciocínio rápido e senso crítico. “A leitura de
imagens durante as aulas, levará os alunos a fazerem mais
tarde a leitura do próprio meio social” (PESSOA, 2018, [s.p.]).
Certamente, estas atividades envolvendo arte e leitura de
imagens serão extremamente significativas para os alunos,
favorecendo sua leitura de mundo, interpretação e
pensamento crítico. Após conversar com a coordenadora da
escola, a professora Dulce recebeu orientações e fez um
projeto interdisciplinar em que utilizou diversas obras
apresentadas no livro. Seus alunos participaram ativamente e
demonstraram evolução nas habilidades de leitura e escrita.

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