Título: “O Trono de Cinzas”
Parte IV da Crônica de Tirian Casca Sombria
Ao leste de Velharia, onde os mapas se queimam ao serem desenhados, estende-se o
Deserto de Al-Nareth — um mar de areia negra onde o tempo não se move e os céus
nunca amanhecem. Aqui, os ventos carregam cinzas de guerras tão antigas que nem os
deuses as recordam. Aqui, jaz o Trono de Cinzas, onde aguarda o quarto e último
fragmento do Coração de Raiz.
Tirian Casca Sombria marchava só.
Nira desaparecera ao cruzarem a fronteira do deserto. Uma palavra sussurrada pelo
vento — “traição” — fora tudo que restara dela. O grimório agora pesava mais, como
se resistisse a cada feitiço conjurado. Mesmo as palavras das folhas pareciam menos
claras.
A presença do Trono se fazia sentir a quilômetros — uma dor aguda na mente, como se
alguém cavasse memórias com garras de gelo. Tirian sentia seus pensamentos se
desintegrarem, fragmentando-se em dúvidas. Ele revia rostos antigos: Faeron, o corvo,
caído. O Pastor do Vazio, esquecido. A Serpente, ainda sonhando. E agora... ela.
A voz da Imperatriz da Cinza.
— Você veio como todos os outros. Roubar. Vencer. Salvar.
— Mas o mundo não quer ser salvo. Ele quer esquecer.
No centro do deserto, envolto por colunas de fumaça e chamas que não queimam,
erguia-se o Trono de Cinzas — um monólito de pedra e raízes mortas. Nele, uma
figura aguardava: a Imperatriz. Envolta em véus de fuligem, com uma coroa viva feita
de espinhos e larvas de luz. Ela não era bela, nem terrível. Era inevitável.
— O Coração de Raiz está dentro de mim agora, disse ela. — Pois eu também fui
floresta. Antes de tudo ser ruína.
Tirian avançou. O grimório se abriu em chamas verdes.
— Então, que a floresta te reclame.
A luta que se seguiu não foi feita apenas de magia, mas de vontades.
A Imperatriz não apenas atacava — ela revelava. Mostrou a Tirian um mundo em que a
Floresta Negra jamais existira. Onde ele nunca fora mago. Onde tudo era silêncio, e os
deuses estavam mortos antes de nascerem.
Mostrou-lhe o conforto do fim.
Mas Tirian recusou.
Invocando o Laço da Primeira Raiz, ele amarrou o próprio sangue ao Coração, mesmo
que partido. E, num último ato de resistência, lançou sobre a Imperatriz o Selo de
Memória Eterna — um encantamento proibido que a selaria dentro do próprio nome,
se ela ainda o possuísse.
A terra tremeu. A Imperatriz rugiu.
E desapareceu em estilhaços de fumaça.
O quarto fragmento caiu do céu negro como uma lágrima incandescente. Tirian o
segurou. Os quatro se uniram.
O Coração de Raiz se reconstituiu em sua forma plena — um artefato vivo, pulsando
com a essência de tudo que fora natural, perdido, sagrado. O véu entre os mundos
começou a se costurar novamente.
Mas então... ele apareceu.
De dentro do trono partido, ergueu-se uma figura que não fazia sombra. De olhos vazios
e coroa de vidro negro.
O Primeiro Eco-Senhor. O Vazio-Pai.
Aquele que criara o Sol Impuro. Aquele que viera antes da ruína.
— Obrigado, esquilo. Sem você, o Coração jamais teria sido reunido.
— E agora, com ele inteiro… posso abri-lo novamente.