0% acharam este documento útil (0 voto)
32 visualizações4 páginas

Os Salgueiros

O narrador e seu amigo, o Sueco, enfrentam um intenso terror em uma situação de grande tensão, onde o medo e a superstição os dominam. Após um momento de alívio ao lembrar de coisas cotidianas, eles se deparam com um espectro aterrorizante que os faz entrar em pânico. A dor e a confusão os salvam de serem capturados, levando-os a um riso histérico e à decisão de se protegerem para a noite.

Enviado por

ericadalila1307
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
Formatos disponíveis
Baixe no formato PDF, TXT ou leia on-line no Scribd
0% acharam este documento útil (0 voto)
32 visualizações4 páginas

Os Salgueiros

O narrador e seu amigo, o Sueco, enfrentam um intenso terror em uma situação de grande tensão, onde o medo e a superstição os dominam. Após um momento de alívio ao lembrar de coisas cotidianas, eles se deparam com um espectro aterrorizante que os faz entrar em pânico. A dor e a confusão os salvam de serem capturados, levando-os a um riso histérico e à decisão de se protegerem para a noite.

Enviado por

ericadalila1307
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
Formatos disponíveis
Baixe no formato PDF, TXT ou leia on-line no Scribd
Você está na página 1/ 4

— Não!

— gritou ele, deixando o sussurro de lado, tamanha era sua


agitação. — Eu não ouso, simplesmente não ouso, transformar esses
pensamentos em palavras. Se você ainda não adivinhou, melhor. Não tente fazê-
lo. Foram eles que colocaram a explicação em minha mente; tente evitar que
façam o mesmo com você.
Sua voz voltou a ser um sussurro antes mesmo que terminasse a frase e não
tentei forçá-lo a dar mais explicações. Já tínhamos horror demais com que lidar.
A conversa acabou ali e fumamos nossos cachimbos mergulhados em silêncio.
Até que algo aconteceu, algo aparentemente sem importância, como
acontece quando estamos em estado de grande tensão nervosa, mas que me deu
um ponto de vista totalmente diferente da situação. Por acaso olhei para meus
sapatos — próprios de navegação — e, ao mirar um buraco no lugar do dedo
maior, de repente me lembrei da loja onde o comprara, em Londres, e de como
o vendedor tivera dificuldade em encontrar um que coubesse em mim, assim
como de outros detalhes daquela operação prática e sem o menor interesse. No
mesmo instante, por associação de ideias, comecei a pensar no mundo moderno
e cético ao qual estava acostumado em minha cidade. Pensei em rosbife e
cerveja, em automóveis, policiais, em orquestras e em dezenas de outras coisas
simples e úteis da vida. E o efeito que aquilo teve sobre mim foi imediato e
surpreendente. Psicologicamente, acho, era uma reação rápida e violenta aos
acontecimentos que vinha vivendo, àquela atmosfera que para a consciência
comum seria impossível e incrível. Mas, fosse o que fosse, o fato é que, por um
momento, pensar em coisas corriqueiras aliviou meu coração, deixando, pelo
curto espaço de um minuto, minha mente inteiramente livre e sem medo.
Olhei para meu amigo.
— Seu velho pagão! — gritei, rindo alto, na cara dele. — Sonhador idiota!
Supersticioso!
Seu...
Mas parei no meio da frase, novamente tomado pelo antigo pavor. Tentei
sufocar o som de minha própria voz, que me pareceu sacrilégio. O Sueco, é
claro, também ouvira aquele estranho grito que rompera a escuridão — um
subido deslocamento de ar, como se alguma coisa tivesse chegado mais perto.
Seu rosto ficara da cor das cinzas. Erguera-se de um salto diante da
fogueira e, muito ereto, me olhava.
— Depois disso — falou, com um tom urgente e desesperançado —, temos
que sair daqui! Não podemos ficar mais! Vamos até a barca pegar nossas coisas e
descer o rio!
Falava sem pensar, as palavras sendo ditadas pelo mais abjeto terror — o
terror ao qual eu próprio vinha resistindo havia tanto tempo e que agora o
tomava por completo.
— No escuro? — exclamei, sentindo um tremor histérico sacudir todo meu
corpo, mas ainda tentando controlar a situação. — Isso é loucura! O rio está em
cheia e só temos um remo. Além disso, só estaríamos entrando ainda mais na
terra deles. Não há nada pela frente a não ser quilômetros e quilômetros de
salgueiros, salgueiros e salgueiros!!
Ele voltou a sentar-se, parecendo à beira de um colapso. Por uma daquelas
transformações típicas da natureza, as posições se tinham invertido e o controle
passara às minhas mãos. Sua mente afinal começava a fraquejar.
— Que diabo deu em você para fazer uma coisa daquelas? — perguntou
baixinho, o rosto e a voz marcados pelo mais genuíno pânico.
Dei a volta na fogueira e fui até junto dele. Segurei-lhe as mãos, ajoelhando-
me a seu lado e olhando-o nos olhos.
— Vamos avivar o fogo mais uma vez — disse, com firmeza. — Depois,
vamos entrar e dormir. Assim que o sol nascer, saímos para Komorn. Agora,
controle-se e lembre-se do seu próprio conselho sobre não pensar no medo!
Ele não disse nada e vi que concordava e obedeceria. De certa forma, foi
um alívio levantar e enfrentar a escuridão em busca de mais lenha. Ficamos
juntos todo o tempo, quase roçando um no outro, tateando no escuro por entre
os arbustos e junto à margem do rio. O soar do gongo acima de nós não cessava
nunca, parecendo mesmo aumentar de intensidade à medida que nós
embrenhávamos na mata, distanciando-nos do fogo. Era uma tarefa de arrepiar
os cabelos!
Estávamos dentro de uma moita mais fechada de salgueiros, apanhando
toras de madeira que se tinham emaranhado dos galhos, remanescentes de uma
enchente anterior, quando senti no braço um aperto tão forte que quase fui ao
chão. Era o Sueco. Ele caíra em cima de mim e se agarrava a meu braço em
busca de apoio. Ouvi sua respiração entrecortada.
— Olhe!! Pela minha alma, olhe! — sibilou.
E pela primeira vez em toda minha vida soube o que era uma voz
transformada no som do terror. Ele apontava para a fogueira, a uns quinze
metros dali. Segui a direção de seu dedo e juro que meu coração parou de bater.
Ali, banhado pela luz do fogo que morria, um espectro se movia.
Eu o via com olhos turvos, como se toldados por aquelas cortinas finas de
gaze que no teatro cobrem o fundo dos palcos — em meio à penumbra. Não era
humano, nem animal. Deu-me a estranha impressão de ser do tamanho de
vários animais juntos, como cavalos, dois ou três, movendo-se lentamente. O
Sueco também pareceu achar o mesmo, embora expressasse isso de maneira
diferente, porque a ele lhe pareceu ter a forma e o tamanho de uma moita de
salgueiros, arredondada no alto, de superfície trêmula, “subindo ao céu em
espiral, como fumaça”, como diria depois.
— Vi quando surgiu de dentro da mata — soluçou, entre dentes. — Olhe,
pelo amor de Deus! Está vindo na nossa direção!!
E num grito agudo como um silvo, completou: — Eles nos encontraram!
Olhei aterrorizado e mal pude ver que o espectro oscilante se aproximara
de nós, pois caí para trás, em meio aos galhos. Eles, com certeza, não tinham
suportado meu peso e, com o Sueco agarrado a mim, desabamos os dois na
areia. Eu mal podia compreender o que estava acontecendo.
Lembro-me apenas da sensação que me tomou, como se meus nervos
expostos fossem retorcidos, batidos e depois reimplantados, tiritando. Meus
olhos estavam bem fechados; alguma coisa estrangulava minha garganta; e
havia a sensação de que minha consciência expandia, mergulhando no espaço,
até que aos poucos senti que ela se enfraquecia — e começava a morrer.
Mas um espasmo de dor aguda me trespassava e eu estava consciente de
que era o Sueco que me agarrava com força indescritível, machucando-me. Era
a maneira como ele se segurara em mim quando caímos.
Mas foi essa dor, ele diria depois, que me salvou: ela me fez esquecer deles,
desviou meu pensamento no instante exato em que iam me pegar. A dor
manteve minha mente distante no momento da descoberta, justamente a
tempo de evitar que me levassem. Ele próprio, o Sueco, desmaiou naquele
instante e foi também o que o salvou. Sei apenas que mais tarde, se pouco ou
muito tempo depois não poderia dizer, dei por mim tentando escapar aos galhos
dos salgueiros, enquanto meu amigo, à minha frente, estendia a mão para me
ajudar. Olhei-o, confuso, esfregando o braço que ele agarrara. E nada disse.
— Acho que desmaiei — ouvi-o dizer. — Isso me salvou. Porque parei de
pensar.
— Você quase quebrou meu braço — falei, pois era a única coisa que me
passava pela cabeça. Estava completamente zonzo.
— Foi isso que salvou você! — disse ele. — Cá entre nós, conseguimos
despista-los. O barulho parou. Foram embora. Pelo menos por enquanto.
Uma onda de riso histérico voltou a tomar conta de mim, dessa vez
estendendo-se a meu amigo também. Caímos os dois num riso descontrolado,
que nos trouxe enorme sensação de alívio.
Voltamos para junto do fogo e o avivamos com a lenha que havíamos
catado. Só então vimos que a barraca tinha desabado e que a lona era um
emaranhado no chão.
Começamos a rearmá-la e, enquanto o fazíamos, tropeçamos várias vezes.
— São os buracos na areia — disse o Sueco, assim que a barraca estava de
novo no lugar e a fogueira renovada iluminava vários metros a nossa volta. —
Olhe só o tamanho deles agora!
Em torno da tenda e perto do fogo, onde tínhamos visto o espectro, havia
grandes crateras em formas de funil, semelhantes às que víramos antes pela ilha,
mas muito maiores e mais profundas, e, em alguns casos, grandes o suficiente
para engolir nosso pé e nossa perna.
Nenhum de nós dois falou mais nada. Sabíamos que dormir era a coisa mais
segura a fazer e, assim, logo formos para a cama, depois de apagar o fogo com
areia e de levar para a barraca o saco de provisões e o remo. A canoa também
foi arrastada por nós até junto à tenda e colocada a nossos pés, de forma que ao
menor movimento dela seríamos acordados.
Pelas dúvidas, dormimos de roupa, prontos para sair correndo ante qualquer
sinal de alarme.

Você também pode gostar