Livro O Cão - Política de Lei Comum - Lançamento Final
Livro O Cão - Política de Lei Comum - Lançamento Final
Marcusvinicius de Oliveira
AAAA
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vale. Aqueles que se definem “do bem” apenas querem dizer como a única vontade de potência. É essa vontade de potên-
que a sua moral é elevada e tem a capacidade de deprimir cia que não existe nos mais fracos. Querer romper aquilo
o mal. Na realidade todos pensam assim. Todos precisam que você é pode ser novidade para quem vive de escuridão.
de uma moral elevada para obter a certeza de superiori- Ser aquilo que não é, é como derrubar o líder. Torna-se ver-
dade. Porém a moral do pobre somente consegue falir seus dade tudo aquilo que vem de uma ação. Para melhor enten-
semelhantes. A moral do pobre não deprime em hipótese der esse esquema, pode-se pensar em um desportista que
alguma a superioridade dos ditos ricos. Por isso nem sem- busca a derrota como forma de protesto. É como desviar
pre vale a pena se distinguir do mal para tentar cercar-se de daquilo que os outros esperam; isso é ser contra tudo. Todos
plumas. O que é considerado como mal não é ser um assas- esperam glória e flores, mas para isso é melhor ser contra
sino estuprador, mas ser um “assassino estuprador de seus tudo e todos. É como desentender a perfeição das coisas
inimigos”, pois eles também se cercam da confiabilidade da que os homens entendem, pois os homens esperam apenas
moral cívica dos homens. A malícia precisa estar presente o esperado. Por isso o desportista virtuoso, quando quer a
nos bons. Alguns vícios precisam ser testados: um pouco derrota, pode muito bem subverter o pensamento lógico dos
de maldade para o bondoso, um pouco de injustiça para o participantes. Muitos temem a derrota e é isso que pode tor-
justo, um pouco de covardia para o corajoso — é assim que nar o espírito fragilizado: não é a derrota que agride, e sim
é definida a meta pela superioridade dos seres. Aquele que o medo, por ser uma paixão. Um dia, saia de casa e procure
busca ser regido somente por virtudes corre o risco de qua- avistar alguns indivíduos que a sociedade qualifica como
lificar-se demais, e assim tornar-se um idiota. Qualificar-se derrotados, os mendigos por exemplo. Eles parecem não
demais é querer dar o rosto para o tapa; é aquele que precisa ligar para a situação em que vivem — é você que projeta o
ter alguma semelhança com o Modus Dei. Ora, isso não medo de estar sujeito a esse desfortúnio. Já para o mendigo
pode existir para ninguém, pois o ser qualifica-se como um a vida está normal como sempre foi.
defensor do nada, já que são quase inexistentes as virtu- Os adeptos do bem devem primeiramente ter a certeza da
des absolutas entre os seres. Ninguém se fere usando o pró- vitória, pois sem a certeza da vitória o bem não se realiza.
prio escudo. A razão existente entre os homens é a própria Todos enxergam somente a vitória como sendo o bem maior.
depressão entre todos eles. O remédio para o mal é o bem, É que de nada adianta cercar-se do bem e estar derrotado, a
assim como o remédio para o bem é o mal. não ser que você seja uma pessoa fria ao ponto de subverter
Existe uma certa confiança das pessoas de que o bem é a derrota em vitória. Nesse caso, pouco tem importância
quem supera todas as leis. Mas a vontade sensual somente o pensamento dos outros; é por isso que um pensamento
pode ser satisfeita através de uma espécie de vontade maligno pode ser bastante aconchegante para um espírito
maligna; e para o derradeiro espírito realizado, a vontade bondoso, ou seja, definir quem são seus inimigos também
sensual pode ser o catalisador de destinos. Entender o mal faz parte de ter ao menos um pensamento maligno. Todos
é como entender a própria individualidade. O jogo do poder precisam de ao menos um pensamento malicioso. Levar
está presente em quase todos os espíritos; em alguns, o raio somente o bem para todos pode fazer o espírito adoecer,
de luz parece brilhar mais, pois esses se cercam do poder pois às vezes o eu precisa ganhar para ter a ciência do seu
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poder. Quando se está contra tudo e contra todos, o princí- amizade é o que menos deve ser considerado. Deve-se per-
pio do eu torna-se carregado de uma força excessivamente der o medo da distância do próximo.
pujante. Às vezes o amor enfraquece, enquanto a raiva for- Nem sempre o outro vai concordar contigo, sendo assim
talece. É por isso que o eu precisa de um pouco de egoísmo; é mais fácil um ser contra o outro do que os dois concorda-
despir-se de tudo é como perder a espada. Ninguém vence rem. A premissa é elevar tua própria concorrência. Quanto
uma batalha usando somente escudo. Ser um pouco egoísta, mais rivais um indivíduo tem, maiores são as chances de
além de aconchegar o espírito, também pode ser realizador. ser admirado pelos outros — pois os outros, mesmo sendo
E pode ter certeza, você sempre encontrará alguém muito dóceis, têm seus rivais. A verdade capitalista está com aquele
mais egoísta do que você. Pois você, sendo um espírito ilu- que tem o maior número possível de rivais, já que todo
minado pelo bem, quase sempre encontrará dificuldades aquele que é desprezado por muitos, na maioria das vezes,
para ser egoísta, enquanto outros já possuem uma ciência é admirado por um maior número de indivíduos. Sendo
infalível para tanto. contra todos, existe a possibilidade de ser visto como alguém
Eliminar algumas características benignas do espírito corajoso. A raiva pode desencadear uma série de possibi-
pode fazer com que a vontade seja mais satisfeita. Aquele lidades de vitória. Enraivecer-se contra aqueles que estão
que precisa enxergar além também precisa desacostumar o muito distantes de ti não faz gerar potência, mas enraive-
espírito do prazer de estar com os outros. Deve-se afirmar cer-se contra os presentes pode servir como força para pró-
para si mesmo que os outros são somente os outros. O amor ximas possibilidades. Por exemplo, os amigos somente são
pelas pessoas tolhe a capacidade de guerra pelo espírito. amigos nas horas fáceis. Por que então não declarar guerra?
Verdadeiramente, o pensamento capitalista somente con- Essas pessoas ao redor somente se servem de nossas utilida-
segue gerar competição e, sendo assim, todos ao teu redor des. Tente ao menos entender a substância do capitalismo.
competem contigo. Amabilidade pouco existe num sistema Nem tudo o que eu quero eu tenho, mas existem outros que
capitalista. E se o indivíduo se encontra nesse sistema, deve- tudo o que querem têm. Declare essa guerra no íntimo da
-se preparar para o egocentrismo. Não existe outro caminho verdade do espírito e logo perceberá que a falha não é tua,
num sistema que escolhe a dedo somente aqueles que serão mas sim do sistema que ensina algo e realiza totalmente o
beneficiados por toda a vida. Existe uma verdade, de que contrário do que foi ensinado. Devolver ao sistema o que
somente o indivíduo é que precisa se adaptar ao sistema e ele arremessa contra ti é a chance de estabelecer igualdade
não o contrário. O jogador tem que se adaptar às regras do diante das forças contrárias: o sistema te humilha, então
jogo e ao esquema tático do técnico; somente assim para humilhe o sistema. Como? Faça apenas aquilo que quer, e
alcançar o tento. Essa é a regra capitalista. Não tenha tanta que tem a certeza de que não será punido. Um exemplo mais
amabilidade com o outro, pois hoje até mesmo um cônjuge claro: tua filha morre diante de um atendimento negado por
pode passar a perna no outro. Deixar para trás faz parte do um determinado hospital — logo, você possui toda a moral
entendimento racional. Aqueles que parecem fiéis, somente para pichar a fachada desse hospital. Lembre-se, você terá a
são assim quando pensam que estão ganhando algo a mais. moral do teu lado, mas não terá a lei. Quase todos concorda-
Quem joga o jogo capitalista deve logo aprender que a rão com teu gesto, apenas a lei estará contra ti. E a política,
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razoavelmente, pode ser feita assim. A moral dos homens é o racional existe, logo as fraquezas vindas das paixões huma-
que importa no viés capitalista; se você possui toda a moral nas são tidas como espetáculos animais. A razão, por ser
a seu favor, logo o problema é da lei. Voltando ao exemplo fria, tende a julgar a todos, por isso às vezes é preciso aceitar
dado, está na lei que todos têm direito a um serviço de saúde a vontade de mais julgar do que ser julgado. Aqueles que
de qualidade. Então o problema passa a ser político, pois sua são julgados se movem de acordo com o impulso passional.
filha não foi atendida no hospital público. Devolva, então, Ser mau sem deixar de ser bom é o que faz a razão. E para
a estupidez da sociedade. Há uma linha tênue entre amar ter razão deve-se concentrar o poder diante dos outros. Um
ao próximo e temer o próximo. Você não precisa amar a feirante pode ter razão diante de um político corrupto e dis-
ninguém, deve apenas o respeito aos outros. Tenha contigo tante, mas não consegue ter razão diante de outro feirante. O
uma raiva espiritual, que é a mesma raiva que te faz acordar importante do surgimento de poder está em ter razão diante
cedo para o trabalho todas as manhãs. Ou seja, tenha um do semelhante. De nada adianta discursar contra políticos se
espírito que descobre que a vida entre os homens somente teus semelhantes te pormenorizam. Agora, se estiver numa
é aceita através da “guerra”. posição contra todos, a sua verdade está içada e ninguém
As pessoas precisam matar dentro de si a excessiva ama- conseguirá derrubá-la, pois o direito existe para estar contra
bilidade que reúne o conjunto. Quando as pessoas adqui- todos. As leis são apenas indicadores para aqueles que estão
rem o aspecto da amabilidade, elas perdem a confiança de contra todos. Não há mal nenhum em estar contra todos; o
atacante, mas qualquer tipo de vitória somente vem com o conjunto da sociedade, às vezes, é hipócrita e medíocre. As
ataque. Muitos aprendem a desprezar a felicidade alheia; isso leis são condutoras para os espíritos enérgicos, pois estes
pode ser realizado se você deixar de assistir televisão, pois sabem se valer dela para estar contra todos. Percebe-se que
a TV somente mostra pessoas felizes e realizadas. Ora, isso a sociedade somente dá razão para aquele que se serve de
não faz parte do mundo em que vivemos — assim, despreze uma virtude, ou seja, para pichar o hospital o sujeito dei-
os felizes e a TV. Essa mídia consegue apenas distanciar de xou de ser bom para ser valente. Logo, a razão está com ele.
você o poder que sempre esteve em sua consciência. A sociedade seria uma espécie de bicho noturno: quando
Primeiro, precisa-se estar contra os arredores. Não digo há luz foge de tudo, preferindo a escuridão como proveito.
da forma como realizaria um meliante, mas da forma como Aquele que está contra todos tem facilidade para se desen-
realizaria um espírito enérgico. Você não precisa ficar volver no meio da sociedade dita urbana. Pois, na verdade,
sabendo sobre os outros. Pensar em si mesmo renova o na cidade todos estão contra todos, mas somente alguns
espírito para novas esperanças. Se o que envolve a todos é a têm essa clareza de percepção. Já os outros não conseguem
paixão humana, então deve ficar claro que para isso alguns enxergar essa fatalidade do capitalismo. Por que você tem
vícios da alma são necessários. Ou você prefere a si mesmo que ir à festa de aniversário do filho de um amigo teu? Em
ou prefere declarar submissão diante de todos. É possível pouco tempo, o garoto já estará eclipsando um pensamento
que, descortinando a própria vontade, acabe encontrando teu. Entender a saciedade do espírito faz enxergar a fatali-
um espírito que não seja tão virtuoso assim. Que fique claro dade da morte. Compreenda que somente alguns tornam-se
que os homens se assemelham com os animais em alguns verdadeiros cães selvagens, sem dono que os possa segurar
pontos, porém os homens possuem a razão. Se o pensamento pela coleira. Ninguém consegue fugir de um objetivo, todos
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devem assumir suas próprias vontades. Às vezes pode-se A condição de estar contra todos pode mudar e muito a
derrubar alguém poderoso em seus conceitos, simplesmente visão de como se enxerga o mundo. Se estou contra todos, é
com o fato de declarar guerra a todos. Todos os músicos porque preciso considerar o meu espírito mais importante.
são ruins, todos os escritores também, como todos os meus Aquele que venera os ídolos demasiadamente parece uma
diretos concorrentes. O mundo capitalista prima pela força foca que bate palma para qualquer idiotice — e o sistema
e não pelo ato de amabilidade. Veja o lado ruim das pessoas capitalista forja uma porção deles. Tudo mera fantasia dos
antes de pensar em fazer um elogio. felizes para a quantidade do povo.
Quem considera demais o excesso dos outros não con- O que é o homem diante do povo? Se ele buscar “ser do
segue realizar nada de importante para si. Você é o único povo”, ele sempre será do povo, guardará as palavras do
que pode derrubar os teus ídolos. Eles não servem para povo, considerará sempre os ideais do povo, repetirá sem-
nada mesmo; não são eles que pagam a tua conta. Por isso pre as vontades do povo. Talvez desligando-se das palavras,
você tem o direito de derrubar todos os teus ídolos. Muitos dos ideais e das vontades do povo, o homem possa suportar
indivíduos têm o raro prazer de falar dos outros. Isso não a vida com menos amargura. Pois a vontade do povo é voraz,
garante nada, apenas confirma que teus pensamentos estão mas as atitudes deixam a desejar. E estar contra o povo!? Isso
carregados da percepção espiritual dos outros. faz parte do arrefecimento do espírito amadurecido, pois
os jovens carregam em demasia a vanglória de se segurar a
bandeira popular. Por isso, para se sentir velho e maduro,
a noese popular deve estar distante dos anseios. Quando
REFLEXÃO: jovem, amar ao próximo parece ser o melindre para vislum-
brar o poder, mas somente quando se entende que o poder
É da piedade que alguém precisa, ou da lógica do já está em suas mãos é que chega a idade adulta. O povo é
próprio príncipe? O nascimento do absoluto pode somente uma vanglória da qual ninguém quer participar;
ser a frase que faz desmaiar as mulheres que nunca
amaram. O verso é a água que falta quase sempre por conseguinte, o povo é sempre a última opção. É por isso
no espírito abaixo da tradição. que, desligando-se de todos, percebe-se mais claramente a
Todos são soldados e todos são inimigos do teu idade adulta.
espírito. Por isso, é melhor vigiar a utopia na voca- O que entende-se como povo? Povo pode ser o conjunto
ção mais sagrada da vontade. Tente ser vilão ao que opera num sistema democrático, ou pode também ser
menos uma vez e entenderá que a alegria do vilão considerado como os excluídos. Sabe-se que num sistema
é ver o mocinho derrotado. democrático somente a força do poder consegue atrair o
Às vezes parece que a Bíblia mentiu. Parece que
Deus disse: Odeie uns aos outros como eu vos detes- poder. Assim, o povo são os excluídos. Aceitar o sorriso em
tei. Essa parece ser a lógica da pedra fundamental demasia quase sempre faz incluir o povo nessa condição. O
que ninguém conseguiu ainda enxergar. sorriso não foi feito para homens; quem somente enxerga
A varinha de condão para os espíritos precisa ser as cores do mundo são as crianças. Arrefecer o sorriso te
ora azul, ora vermelha. exclui da vontade de ser povo. Aqueles que sorriem demais
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ainda não amadureceram, como o povo que também nunca adulta é a mais bruta de todas, pois todas as ilusões já se
quer amadurecer. foram, restando agora apenas os números. Os homens vivem
Ser o cão é morder o povo e a elite. O verdadeiro cão sabe de números. Não é possível estabelecer a completa harmo-
que ninguém é feliz o bastante para se defender da cólera. nia porque os homens precisam de números. A educação
Todos abdicam de algo para se sentar na mesa da glória. Já que estabelece o amor ao próximo se esquece da condição
o cão julga isso com desprezo. O cão é quem bate o martelo: de temer ao próximo. Precisa-se agora é de uma educação
todos são culpados pela minha morte. Deve-se contra ata- espartana. A ira do mundo é a quantidade. Trará muito mais
car todos. Os garotos são cultivados desde cedo pela cultura aprendizado se um professor chegar na frente de todos e
do amor, até descobrir que deveriam ser cultivados na cul- dizer: “temam a todos!” No futuro, muitos dirão: “eu poderia
tura da “guerra”, uma vez que nesse mundo todos encerram ter ouvido as palavras daquele professor”. Pois a selvageria
todos. A paz e o amor que fiquem nas palavras da igreja ou do capitalismo ordena que sejamos realmente assim, ver-
nas palavras de um casal de alta classe. dadeiros cães coléricos. Entretanto, como o professor diz
O cão precisa morder a todos que estão à sua volta, pre- “amem a todos”, o discurso fica vazio, dentro de uma lógica
cisa valer seu poder de cólera. Todos se fazem de amigos de outro mundo. É como dizer: “ame teu inimigo”. Não
apenas para poder suportar a vanglória. Declarar guerra a quero dizer aqui que devemos nos matar, mas sim enfatizar
todos faz com que o espírito se fortaleça, pois ele não pode que, na lógica do mundo, devemos sim ser rivais uns dos
perder para ninguém. outros. O problema é que o socialismo, que tinha uma forte
As escolas ensinam a todo instante a cultura do amor ao tendência de humanidade com seus ideais igualitários, hoje
próximo, respeito ao próximo e fraternidade ao próximo. parece incrivelmente derrotado na consciência contempo-
Sendo assim, as crianças crescem inocentes diante de um rânea, ou seja, o homem prefere sempre o instinto da raiva
conjunto capitalista em que os adultos já estão estabeleci- colérica. Precisa-se rapidamente de uma inversão dos valo-
dos. O que nunca é ensinado nas escolas é que a força que res para potencializar a capacidade dos mais jovens, pois
move o capital precisa às vezes de pensamentos menores, amando a todos eles se tornam inocentes diante daqueles
como medo, covardia, ignorância, injustiça… Os professo- que já possuem a malícia de sair ganhando em tudo.
res se esquecem de que o mundo não é um sistema per- Os jovens precisam se desvincular do povo. Não existe
feito e na maioria das vezes os virtuosos acabam perdendo. estrela ao bater no peito: “sou do povo!” Pois é esse povo que
Não se deve ensinar a um garoto como ele deve agir diante encerra os sonhos juvenis. O verdadeiro eu precisa ser um
do mundo, porque verdadeiramente o mundo não possui pouco mesquinho, e todos têm um pouco desse verdadeiro
regras. E, muitas vezes, quem possui o espírito cão é quem eu. Não se pode pensar que existe alguém perfeito e excessi-
recorta melhor a vida. O que dizer sobre a honestidade, vamente belo e bom. Alguns pensamentos menores sempre
enquanto um partido político desvia milhões? Todos nós fizeram parte da rotina humana. Portanto, para aqueles de
que preferimos a fé na honestidade somos passados para espírito mais honroso e verdadeiro, é preciso ensiná-los a
trás constantemente. A sociedade se esforça para provar que deixar fluir pensamentos menores.
é melhor ser desonesto. O que interessa dizer é que a fase O povo de vez em quando é uma quantidade do mal. Se
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você estabelece o povo como um conceito da sua fraterni-
dade, você pode estar sendo reduzido por esse povo. O povo
não tem educação e é malicioso por si mesmo. Para sair da
condição de povo, basta apenas estar ciente da guerra de REFLEXÃO:
uns contra os outros. No mundo capital não existe amizade,
existe apenas cordialidade. Todos se respeitam somente pela O bom precisa aprender a ser vilão para o zero
frente, pois pelas costas há um conflito. Esse pensamento deixar de ser sua arte. Assim como o dia vira noite,
contemporâneo existe porque a quantidade da pessoa é que o bom também precisa ser vilão. A palavra é agu-
dita as normas sobre a sobrevivência. lha somente quando o aquário está vazio. O antigo
A maturidade somente vem quando se descobre que todos sempre foi ajudar, enquanto o novo é a primavera
estão contra todos. Essa é a razão capitalista. Tente observar do verso, é a chance de destruir todos os rivais. O
o mundo ao redor e logo descobrirá que não há apelos de vidro quebra quando a totalidade torna-se pedra.
fraternidade. A maioria está na lógica capital da matéria. A Escolha um dia para ser mau e logo descobrirá
que no final desse dia você foi bastante bondoso
Igreja diz: “deixe tudo para louvar a Deus”. Mas qual o sig- diante dos teus rivais.
nificado disso, se todos querem louvar a própria vida? Bem O subjetivo não precisa da saudade de ninguém
lá no fundo a existência divina está longe de nossas percep- e muito menos precisa do quádruplo da esperança
ções. É por isso que a maioria procura viver da própria fan- de todos. O subjetivo é que pune a quantidade de
tasia e precisa de uma solução concreta e existente, precisa todos ao seu redor. O subjetivo é aquele que nin-
dos desejos, dos prazeres da existência suprema da própria guém conhece verdadeiramente.
vida. Não existe reciprocidade igualitária no amor. Ou você
ama mais ou você ama menos.
Não estou dizendo que a razão para a vida seja o con- Uma das dificuldades dos virtuosos é estar diante da inveja
fronto. Como todos, também preferiria um mundo de mais da maioria. O virtuoso pode perder a qualquer instante, pois
amor e paz; o problema é que a lógica capitalista torna todos os maliciosos se unem contra ele. Não há muito prazer em
rivais de todos. Não há como ser o bonzinho da história e ser um paladino, pois esse pode ser derrotado a qualquer
sair vitorioso. No capitalismo os números são muito mais momento — é que todos conseguem enxergar apenas seus
importantes do que se possa imaginar. Prevalece aquele que defeitos. Um paladino é sempre bastante invejado e, quando
tem mais riqueza, aquele que tem mais conhecidos, aquele erra pela primeira vez, seu erro é sempre considerado maior
que tem mais facilidade no acesso ao poder. Dessa maneira, do que seus acertos. Por isso o mais importante é preservar
somente os números é que valem. a si do que tentar preservar os outros. Às vezes isso pode
Os bons, portanto, sempre estarão cercados por raposas. ser considerado como egocentrismo, mas a rudeza desse
Por isso o bom tem de aprender a ser malicioso em alguns supercapitalismo exige que nós cuidemos de nós mesmos.
momentos da vida, pois quando se sabe que esse é bom, Procure entender os teus instintos e anseios diante da vida
todos buscam escurecer sua luz. que você entenderá os outros. Deve-se entender que estamos
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despertos sempre para a possibilidade de satisfação. É nisso de perdão, pois senão todos tripudiarão diante da sua quali-
que o paladino peca, pela sede de ditar o que é certo sobre a dade de bem comum. Todos ao redor devem descobrir ape-
vida. Só que na vida não há grandes certezas. Um juiz, por nas a face guerreira, pois assim há o temor diante do fronte.
exemplo, pode considerar demais o fato de lutar contra as Use apenas a consciência da própria necessidade.
injustiças dos mais ricos, mas ele se esquece de considerar Um passo importante para adquirir a qualidade da raiva
que ele também faz parte da sutileza dos mais ricos. Ele não no bem comum é despertar diante dos amigos, conhecidos
pode se esquecer de que também é rico, e às vezes um filho e rivais, ou seja, despertar diante de todos. Aquele que não
seu pode cometer os mesmos erros de quem ele condena. consegue enxergar inimizade diante de um amigo pode ser
Condenar os pobres também não é a solução. A razão mais considerado tolo. A lógica da tolice está no furor do mundo
aceitável é achar uma solução no meio termo: não se tornar capital.
paladino de coisa alguma e muito menos se tornar um vilão Dos amigos, deve-se apenas pensar no modo de uso. Os
medieval. Deve-se entender que existe sempre, para cada amigos existem para serem usados. Pense no amigo apenas
um, um dia em que haverá um julgamento de suas atitudes. como ferramenta canalizada para o objetivo — e não deixe
Não digo um julgamento divino, mas um julgamento espi- de canalizar a raiva à distância. Queira dos amigos apenas
ritual onde a vida pode se encarregar da condenação. respostas. Dizendo assim, talvez haja um pensamento de
Trazer à tona a ira dos outros pode ser considerado o interesse. É claro que usar um amigo é algo falso e pequeno,
primeiro passo para o fracasso. A ira, quando velada, pode mas a lógica do capital normatiza a todos para serem assim.
retirar as pétalas da boa aventurança de alguém. Muitos vão Por mais que se acredite que a boa moral eleva o espírito,
conspirar contra as tuas aspirações, mas o importante é não para os tempos modernos talvez não seja tão simples assim.
temer nada, pois todo aquele que sonha em demasia sem- A quantidade é sempre levada mais em conta do que a qua-
pre terá muitos rivais; no entanto, esses rivais podem pecar lidade, e é por isso que os amigos existem. De um amigo
pela falta de qualidade, pois aqueles que sonham verdadei- queira apenas as vantagens. A amizade pode ser compa-
ramente tornam seus rivais fracos de moral. É que a moral rada a uma troca de vantagens e quem não age dessa forma
da inveja torna-se apenas corruptora da vontade do ser. Para parece não acreditar na dureza dos homens.
isso, a raiva deve estar enraizada como força dinâmica de Muitas vezes o amor pode ser confundido com a possibi-
proteção. Amar não é a solução contra os rivais: esses são lidade de prazer; por isso, quando o amor traz pensamen-
pequenos e covardes, precisam sempre derrubar apenas pelo tos pesados, deve-se acreditar numa outra possibilidade. É
prazer de ver o tombo. É por isso que a raiva alavanca a von- assim que ele está enraizado no costume, como algo que dá
tade de força. O ser nunca será o bem maciço e por com- prazer e algo que traz vantagens sobre o outro. É importante
pleto, por isso é mais fácil acreditar ser o próprio mal sobre realizar a moral da realidade atual. Aquele que conhece o
a Terra, pois buscando ser o mal, você verá que também seu tempo tem mais facilidade de acreditar em si mesmo.
ninguém consegue ser o mal por completo. A dinâmica da ordem do tempo obriga que os mais fortes
Não se pode deixar que ninguém descubra tua essência estejam prontos para fazer o uso de suas forças — e no uso
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de suas forças às vezes surgem pequenas oportunidades para rivais, verdadeiramente, acostumou-se com a sobrevivência:
os outros. Por isso deve-se ficar atento ao que acontece ao então de algum modo ele visa o bem, pois lutar pela sobrevi-
redor. Deve-se antecipar todas as correntes de pensamento vência é uma vontade comum aos homens. Aqueles que têm
de seu tempo, pois elas são importantes para a busca de uma muitos rivais são, por todos eles, considerados como gran-
verdade do próprio pensamento. Deve-se entender sempre des adversários; portanto, é indiscutível a necessidade de
sobre o que você admira e o que os outros também admi- enfrentamento para impor a condição de certeza. Os amigos
ram. As coisas existem no mundo para agradar aos sentidos. podem, verdadeiramente, tornarem-se risco de inimizade.
Entender a lógica da quantidade. O amor não percorre a extensão da vida sem o risco do ina-
Na política a lógica da quantidade também se faz pre- balável. Não se pode confiar na condição plena de amizade,
sente. Quanto maior o número de admiradores, maiores são pois toda confiança possui seus riscos.
as forças políticas. É por isso que aquele que se enraivece Se a tua verticalidade divina (espírito) seguir inabalável,
diante de tudo é mais considerado, porque a maioria sem- nada poderá tirar a certeza da tua própria moral. Muitas
pre verá defeitos na sociedade estabelecida. Aquele que se vezes o amor consegue derrubar a verticalidade do espírito,
enraivece diante de tudo terá a simpatia de muitos, pois cada ou seja, somente o amor consegue transformar o bem em
um também não suporta os desvios comuns da sociedade. mal. A negação do amor por parte de quem se ama traz ao
Por exemplo, fulano não gosta de televisão, beltrano não espírito algumas chagas, que às vezes fazem o que foi rejei-
suporta a desigualdade social e sicrano tem medo da vio- tado acreditar na maldição. Nunca se deve deixar de acre-
lência. Portanto, aquele que se declara contra tudo isso será ditar que o inferno são os outros. Para uma espiritualidade
bem recebido por todos. Lutar contra tudo o que existe no forte é necessário ter alguma juventude de espírito. Deve-se
mundo contemporâneo é estar presente na verdade de cada acreditar sempre que o teu eu é mais forte do que todos. É
um. É fazer o uso do estado permanente de vigilância por isso que muitos se apegam a Deus.
Há uma condição imposta de que todos visam ou o mal,
ou o bem. Se todos visam o mal, então você visa o bem, mas
se todos visam o bem, então você visa o mal. É preciso con-
centrar esforços para a vitória, mesmo visando o mal ou o
bem. Ninguém quer acreditar que visa o mal, mas é preciso
REFLEXÃO:
acreditar na vitória da individualidade, pois esta traz mais
acertos do que a vitória da multiplicidade. Dizem que toda O espírito matutino vence as nuances da prin-
cesa da lógica. Quem abraça o nítido esquece que
unanimidade é cega. na verdade não existe piedade; é como esperar os
Se a vida te empurrou na condição de visar o mal, tente passarinhos morrerem com a força das possibilida-
acreditar que ninguém consegue ser mal na essência da des. Aprenda com o anoitecer que o mal surge, mas
palavra. A fortaleza é fundamental para o poder. Muitos que ele nunca poderá existir como sendo verdade.
acreditam que aquele que não segue os padrões da maioria é Espere sempre a vanguarda da madrugada. É dela
um indolente, mas não é bem assim. Aquele que tem muitos que a agonia absoluta seja aflição para os rivais.
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Energizar-se contra tudo faz bem para o espírito daquele lembrança. Concentre-se sempre no presente e no futuro.
que atinge rumos mais distantes que os demais. Não se Esqueça o passado e tente rumar para o horizonte convicto
pode viver do infortúnio daqueles que sorveram o passado. de que tudo o que foi feito, foi feito corretamente. Olhar para
Deve-se haver a distância. É como numa maratona, você não o passado e entender que tudo foi feito corretamente faz ale-
deve esperar o adversário para ter alguma certeza sobre seu grar os instantes para o futuro. Lembre-se, sempre buscamos
rendimento. Você deve correr bastante e nunca olhar para antes acertar do que errar, e assim perceberá que o passado
trás. Os acomodados esperam sempre ser levantados. Mas foi feito de mais acertos do que de erros.
aquele que preza pelo próprio contentamento, prefere o azar
de todos e a sorte para si.
A chance que você com esmerada paciência conseguiu
nunca será vista com bons olhos pelos outros. A rivalidade REFLEXÃO:
entre todos é o que faz do capitalismo uma ordem quase pri-
mitiva. Ajudar serve apenas como ordem espiritual; porém, Se a razão é semiescura, então o coração tam-
peça ajuda e verá o quão sórdido é o espírito humano. A bém é. A totalidade é a palavra alada. O total é
ordem capitalista sugere que a culpa de qualquer mazela sempre o momento correto. O zero não faz parte
humana seja do Estado. Deixe que o Estado cuide dos que da alma de ninguém. Aprenda com o vento, que
se perderam, pois a maioria precisa te encerrar na mesma leva as folhas a enormes distâncias. Aproveitar o
fatalidade. vento é agradecer a todos. E sobreviver faz parte
da utopia do soldado.
Uma vez que teu espírito se iluminar, não volte sua aten- Nós somos os vilões, pois os mocinhos somente
ção aos outros, pois esses precisam te escurecer. Eles espe- vencem nos contos de fada. O que é antigo deixe
ram os iluminados para sorverem suas luzes. Deixe a luz para os antigos, e o que é contemporâneo, lute para
alcançar o próprio coração, mas não espere que todos sejam que seja todo teu.
feitos de luzes. O amor pode ser uma fatalidade que derruba
o firmamento daquele que considera a verdade a primazia
do mundo. Lembre-se sempre de que um dia você também O passado é como fantasmas que não deixam o pensa-
foi cego. mento em paz. É difícil esquecer o passado por completo.
Não procure o passado, pois você terá tristes constatações Ele faz parte da vida. Deve-se entender que o passado fre-
sobre o quão é vil o espírito humano. O passado é sem- quentemente traz à tona somente maus pensamentos, ou
pre parte de uma fraqueza. Por ser demasiadamente difícil más lembranças. Se conseguíssemos adentrar por todo
esquecer o passado, entende-se o quanto ele pode fazer mal. nosso passado, veríamos que há mais lembranças boas do
Derrubar o passado é de uma grande felicidade para o con- que más; é que a imperfeição do homem acaba esbarrando
quistador, que se esquece do passado com muita facilidade, na perfeição do que a vida entende como perfeição. Ou seja,
pois ele sempre precisará conquistar o novo. um indivíduo que se cerca de outros indivíduos terá sempre
O passado sempre guarda consigo alguma triste uma tendência de sentir a superficialidade dos outros, e a
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superficialidade é quase sempre perfeita: é por isso que sem- futuro assassina o passado e torna o presente real diante das
pre enxergamos o outro feliz, porque somente enxergamos dificuldades maiores. Ter a raiva no pensamento é saber que
a superficialidade. A superficialidade é como propaganda sempre houve a astúcia sobre o que é certo para o eu íntimo.
barata de um produto. Se você olhar para o mundo que o Pois sempre, desde a infância, o indivíduo busca fazer o que
cerca, talvez terá uma tendência a pensar que todos estão é certo e prazeroso para si. Entende-se isso como uma rea-
felizes. Mesmo que entendamos que a vida não é assim, sem- lização da perfeição; na maioria das vezes todos acertam, o
pre haverá uma tendência a exagerar a percepção do bem na problema é que alguns acertam e, mesmo acertando, pare-
vida dos outros. Exagera-se porque, verdadeiramente, pen- cem se arrepender. Inutilizando o amor como ferramenta é
sa-se que a própria vida não é tão doce assim. Certamente mais fácil acreditar na possibilidade do futuro. Realiza-se o
haverá um outro que pensa que você está exageradamente verdadeiro amadurecimento quando encontramos a raiva
satisfeito. A vida, portanto, é feita de aparências, por isso o interna como ferramenta.
teu passado já está morto através dos outros e somente você Em toda consciência há ao menos um pouco de atenção.
consegue enxergá-lo vivo. É que o homem tem uma tendên- É ela quem nos torna prudentes. Aquele que usa de dema-
cia à perfeição, é demasiadamente exigente consigo mesmo. siada atenção para tudo, às vezes quase pode prever o futuro.
Se o redor está passível de contentamento, logo o eu também O mais atento sabe julgar o passado a fim de obter as res-
precisa representar o próprio contentamento. As imperfei- postas para o presente.
ções do eu íntimo nascem dos distúrbios exageradamente A atenção sabe refletir sobre todos os acontecimentos
refeitos pelo passado. com vontade da verdade. Ela guarda e calcula o passado e
Por isso deve-se entender o quanto o passado está morto. sabe encontrar a verdade na mentira e a mentira na verdade.
Ele já não existe mais, porque todos estão em frequente Por isso os espíritos atentos são mais prudentes, conseguem
mudança. O ar que se respira há tempos atrás não é mais o aliciar suas escolhas e suas vontades.
mesmo. Não existe solução para os tormentos do passado: Agora, o quanto vale a atenção no mundo? Deve-se ter
a única solução está na busca do futuro. Pode-se perceber o atenção sobre todos os que o cercam, o que é bastante válido
quanto se aprende e o quanto se amadurece. Nessa percep- para a sabedoria da vida e para a temperança dos prazeres.
ção, veremos que o número de amigos diminui. É por isso A raiva capitalista faz surgir nos espíritos mais atentos uma
que a raiva interna é como uma chama que incinera o sur- espécie de prudência diante do amanhã. Ou seja, a atenção
gimento do mal dentro de si; deve-se enraivecer-se contra busca a liberdade! Ela pode realizar uma pequena parte do
tudo, até o bem quisto passado. Muitas tormentas, às vezes, que chamamos raiva capitalista. O atencioso não ama da
surgem de um passado desventuroso. Deve-se saborear a mesma forma que o desatencioso ama: o atencioso busca
todo instante o futuro vindouro. regras para o futuro, já o desatencioso tenta esquecê-las. A
Para viver o futuro deve-se matar o passado, pois o futuro raiva tem a mania de fazer valer apenas as vontades do eu
somente existe e aparece quando o passado está morto. íntimo, assim como a atenção também o faz. A atenção no
Como é bastante difícil realizar a morte do passado através momento de compras no supermercado faz valer a raiva
da consciência atual, deve-se pensar somente no futuro. Só o contra toda aquela necessidade. O desatencioso compra sem
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pensar muito no uso de cada mercadoria no futuro, ou seja, alegres e leves quase nunca vêm à tona, porém os fatos tristes
quem ganha são os outros, menos ele. É assim que o capita- e pesados estão sempre a perturbar o consciente dos indi-
lismo faz surgir em muitos uma aguçada atenção. Portanto, víduos. Lembramos sempre os fatos tristes e pesados, pois
aquele que usa muito a atenção, busca quase sempre um são eles que nos afastam da perfeição humana, são os fardos
futuro agradável. que cada um carrega. Por isso às vezes o indivíduo pode se
tornar triste, pois as más lembranças ocasionam o peso da
alma; entretanto, muitas vezes são esses fardos que fazem o
indivíduo amadurecer espiritualmente. Ou seja, precisa-se
REFLEXÃO: da perfeição a todo instante, porém esses fardos determinam
que essa perfeição é impossível. É essa impossibilidade que
O ardente pode esquecer o segredo do talvez para se articula no ser para que ele aprenda que para a felicidade
encontrar o próprio sopro. É como negar o arco de há diversas armadilhas. Não é fácil ficar desejando o impos-
flores por causa das armas. Tenha o espaço como sível. Por isso, muitas vezes, os indivíduos precisam aban-
capacidade da rapacidade na natureza. Pois aquele donar velhos desejos e vontades. O fardo consegue tornar
que diz “amem” para fora, diz “éter” para dentro.
Não o éter que embriaga, mas o éter que nunca a sensibilidade algo duro e pesado. Continuar com o fardo
soube perdoar. Esse sim, está no argumento da ima- sem queixar-se é um sinal de equilíbrio espiritual. Saber
ginação da riqueza e do amor áspero. que nem tudo o homem pode é conhecer a própria reali-
Quem armazena o produto nas frases dos anjos, dade sem fantasias ou delírios; é assim que as percepções se
esquece que a loucura é monossílabo que corta. abrem com mais prudência e transformam a capacidade do
Tente refazer a palavra alada e descobrirá que o indivíduo de viver os acontecimentos do mundo.
agora pode ser agonia, mas o amanhã é água de O fardo de um passado é determinado pela memória, e
primavera. Por isso às vezes precisamos do rugoso,
do ruim, do sem rumo da brisa. Porém, a manhã quase toda memória atribui maior relevância aos fatos tris-
será tão livre que terá proximidade com o anoitecer tes. É por isso que nem sempre o indivíduo consegue sonhar
apaixonante. sem se articular com os poderes do fardo, pois são eles quem
seguram o homem junto ao chão. Por que a memória con-
sidera sempre mais relevantes os acontecimentos tristes?
A memória também faz parte da dinâmica da consciên- Porque são esses acontecimentos que impedem o surgi-
cia. Ela é importantíssima para o ritmo da vida. É a memória mento de uma realidade doce. O passado sempre alcança
que transforma a história de cada um. A memória é quem nossos objetivos e depois os estraga. É por isso que o homem
percebe os rivais, é ela quem remonta os juízos. Um indiví- sonha, para execrar os maus agouros.
duo de boa memória consegue se situar entre os vazios que Busque na memória bons acontecimentos. Existem
a vida reivindica. vários, porém relembramos poucos. É que os bons aconte-
A memória consegue relembrar fatos alegres e leves, como cimentos fazem parte da nossa perfeição humana, ou seja,
também consegue relembrar fatos tristes e pesados. Os fatos aconteceram num momento de plena satisfação; logo, essas
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lembranças são determinadas como o ápice do que vem a escolha. É preciso sempre estar atento, pois numa sociedade
ser a plenitude humana. É por isso que não relembramos os capitalista todos estão contra todos. O raciocínio articula a
bons fatos, pois eles existem na plenitude; ora, nós nascemos lógica necessária para uma boa vida. Deve-se entender que
para viver a plenitude, é disso que o ego sempre necessita. o tempo de todos os santos está na Idade Média. Sem racio-
Assim, esquecemos facilmente dos bons acontecimentos, cinar você perde pela conduta da sobrevivência; e o mais
pois eles são fáceis de serem alcançados, enquanto os maus sincero no capitalismo é que todos estão contra todos. Não
acontecimentos surgem de uma fraqueza que não podemos há comunhão entre os indivíduos.
aceitar como sendo fraqueza. É necessário pensar, pois a lógica da quantidade exerce
É próprio do ser humano nunca se lembrar das próprias sobre os indivíduos inúmeros erros e possibilidades. É possí-
conquistas: é sempre mais fácil acusar seus erros e derrotas. vel que o raciocínio consiga desfazer os erros e enganos. Por
Porque o erro torna o homem imperfeito, mas a verdadeira isso aquele que pensa mais erra menos, pois os confrontos
vontade é a perfeição. A memória deve pesar para a espe- da vida são desígnios da razão. E a vontade pode às vezes
rança sempre os fatos de bons agouros. Nem sempre os erros ser tolhida, mas há sempre uma outra verdade para garan-
são maiores do que as conquistas. Perceba um suicida, por tir a boa vida. Quem raciocina consegue realizar melhor
exemplo. Ele acredita fatalmente que os erros são maiores. sua vontade, não pelo apreço aos bons sentimentos, mas
Ninguém pode ser o último na fila da busca pela felicidade. pela probabilidade de servir-se do maior bem, o prazer do
O raciocínio é outro agente preponderante da consciên- espírito e da matéria. Muitas vezes não há como negar que
cia. É ele quem calcula as ideias e os fatos. Precisa-se de o espírito e a matéria caminham juntos.
raciocínio para quase tudo. É assim que se alcança o futuro.
É raciocinando que podemos encontrar a liberdade, pois é
tolhido de liberdade que o raciocínio busca a boa vida.
O raciocínio também pode ser uma pedra de fundamento REFLEXÃO:
na lógica capitalista, já que é com ele que nascem as novas
e grandes ideias. O contemporâneo vive apenas para pen- Existe a anunciação dos anjos sobre os homens.
sar um novo mundo. Àqueles que não querem pensar está O que falta para alguns é a imaginação universal,
reservado o menor pedaço da terra. e o que falta para outros é a utopia pelo produto.
Há no raciocínio uma espécie de escolha do firmamento. Abaixo do mundo apenas as armas que tornam o
Em muitos casos é preciso pensar sobre escolher entre o sereno em sabre, e a palavra sem juízo em sopro
excelente ou o péssimo destino — e, claro, quase todos pre- sagrado.
Tente entender o mundo: se alguns buscam a
ferem o excelente destino. Mas, e quando aquele que escolhe matéria, outros buscam a proximidade do espírito.
o péssimo destino consegue gozar mais dos prazeres huma- Já o soldado sobrenatural busca a matéria e o pró-
nos? É uma questão sempre presente na ética dos homens. prio espírito.
Por isso às vezes o raciocínio consegue enxergar muito
além, pois deve-se raciocinar sempre, até diante de uma má
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A imaginação é um fator importante dentro da cons- perigoso para os outros homens.
ciência. Muitas vezes a consciência é determinada pela A paz somente é conquistada através da guerra. Imagine
razão, porém a imaginação consegue elevar o pensamento a desgraça entre duas vertentes políticas: a paixão conduz
consciente. essas duas vertentes, pois ninguém quer a paz para o outro.
Quando alguém imagina alguma coisa, está revelando A moral é uma fortaleza fácil de ser mantida pelos ricos
para si a capacidade de obter o novo, ou aquilo que nunca e poderosos, por isso é importante para os mais humildes
existiu. A imaginação é a mais longínqua dançarina no alto a condição de não se perder nas boas práticas da razão,
do pensamento. Imaginar é alcançar o inalcançável, e quem pois a moral é um elemento bastante relevante para a
imagina tem mais facilidade para entrar no mundo espiri- bem-aventurança.
tual. Aquele que imagina tem ideias revolucionárias hoje. Quando surge um indivíduo humilde que tenta se apro-
Aquele que imagina consegue ser o melhor em tudo, pois o ximar das estratégias de risco dos mais ricos, ou seja, pra-
que ninguém vê, ele vê. Mas deve-se tomar cuidado quando ticar o mal de vez em quando e ainda assim continuar com
a imaginação torna-se loucura. Ela está numa linha muito a moral elevada, este pode se perder pelas estratégias da
tênue entre a alma e o espírito, e é por isso que às vezes um vida, pois a moral prende-se ao fio da meada. A intenção é o
indivíduo muito sonhador torna-se louco: é que a maio- primeiro pensamento para destacar a conduta. A consciên-
ria pode não compreendê-lo. Aquele que imagina somente cia parte dessa conduta, enquanto a intenção conduz para
consegue elevar o espírito quando a imaginação torna-se a moral entre os homens, pois até o bandido não quer ser
realidade. visto por todos com o sinal do desprezo. Ninguém quer ser
A imaginação pode ser uma terra muito fértil para o desprezado por todos. Com a intenção sobre a boa moral,
poder, pois é na imaginação que estão escondidos os maio- sempre haverá esperança.
res sonhos dos homens. Contudo, tenha cuidado: tenha uma Agora, se o indivíduo humilde revela-se próximo da con-
imaginação desperta, mas sem vaidade e sem vanglória, pois duta da má moral, sua chance de se estabelecer diante dos
existe o medo da loucura. A imaginação é perigosa, porque outros é diminuída. Porque a moral existe para cada um
ela é o novo da humanidade. como uma terra fértil ou estéril — logo, aquele que recebeu
A imaginação possui nuances de esperança e é por isso uma terra estéril e não trabalhou dia após dia não poderá
que aquele que imagina pode tornar-se um sonhador, pois colher os frutos. É que a relação do perde e ganha para os
ele espera aquilo que ninguém até hoje esperou. Ser sonha- mais humildes é sempre desvantajosa. Por isso, às vezes,
dor pode determinar alguma fraqueza na razão pessoal, mas pode-se tornar a escória da sociedade por considerar a con-
é somente sonhando que se pode alcançar o terno abraço da duta da má moral. Muitos dos mais simples consideram a
esperança. Então tente atingir o meio termo entre sonhar e moral algo bastante relevante para tudo. Às vezes pode-se
realizar. É que a realidade, às vezes, torna-se dura demais até perder todos os bens materiais, mas nunca pode-se per-
para aquele que precisa de esperança. der a boa moral.
Imaginar faz parte da consciência humana. Imaginar é da
concretude do estado primário para ser feliz, por isso é tão
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dos mais jovens. Os burgueses temem a aventura política e
o inesperado.
O capitalismo é uma maneira de o indivíduo dominar o
mundo. Faz parte da cultura ocidental e parece não haver
REFLEXÃO: armas que o derrotem. Consolidou-se através de teorias
modernas. Foi a chance divina para derrotar os nobres: o
A aparição da consciência é como nuances de capital então surgiu, levantando a bandeira de que todos
um pensamento unicolor. Para isso é preciso vencer poderiam ter um lugar ao sol. O que acontece é que essa
o “nhenhenhém” do poder para ser o próprio prín- chance de um lugar ao sol é quase inexistente. É a cultura
cipe do espaço. Tornar-se maciço de boa moral até de favorecer a quem tem mais. O mundo moderno precisa
o fim dos dias, porém também tornar-se maciço de
boa moral contra seus rivais, pois eles te rejeitam ruir diante da força do trabalho, senão a riqueza será a única
na antemanhã e no pré-romantismo. Faça da prin- moral do mundo. Ninguém suporta mais os remendos polí-
cesa produto do desmaio sem partes. É que a ima- ticos. Um pouco de caos é sempre bem vindo quando se
ginação serve apenas para o negativo. Abençoando torna uma necessidade para a sobrevivência. Vamos com-
a unidade apaixonante da arte, consegue-se vender prar produtos contrabandeados. Prefira produtos da mão
ilusões no verso, na noite e no sobrenatural. do vendedor ambulante. Esqueça qualquer tipo de marca
Uma vez que a alma estiver ardente, pense em tradicional. Não frequente shoppings. Precisamos que a hip-
como queimar ainda mais.
Quando as armas são somente águas, então tor- nose acabe.
na-se urgente a totalidade do pensamento do sol- Existe no sistema capitalista uma força que separa a
dado que não recua. A pedra torna-se serena para liberdade de cada um. O que eu posso não é o que o outro
o sobreceleste limpo. pode. Então nos encontramos com a liberdade tolhida e a
democracia ainda é um objeto de busca. Enquanto a demo-
cracia continuar sendo um objeto de busca, a liberdade da
A especulação e a corrupção desenvolvem o capitalismo. maioria continuará tolhida, tal qual o poder engendrado
Por mais que fechemos os corações para o pensamento libe- na Idade Média. A nobreza tinha uma liberdade, e o povo
ral, não há como escapar da selvageria. A única façanha con- outra. Acontece o mesmo no sistema burguês: os burgueses
tra o capital é a união dos homens. Mas como o individua- possuem um tipo de liberdade diferente da do povo. Vamos
lismo é o mais importante para a condição do sistema e do degradar as fontes do capitalismo. Ainda estamos concen-
indivíduo, a união pode articular uma desgraça. É através trados no estilo de vida dos estadunidenses da década de
da engrenagem do individualismo que o capitalismo se sus- 1950.
tenta. Ou você se preocupa consigo mesmo ou se preocupa
com todos. O protesto tem um clima de fim de mundo e de
união, e a rotina quase sempre consegue vencer o discurso
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popular. A hipnose de um bom desenho (logomarca), de um
produto bem acabado, parece ser a garantia do sucesso. Sim,
há uma hipnose que bloqueia alguns sentidos de rejeição.
REFLEXÃO: Uns dizem que estamos vivendo na era do conhecimento,
na era da informação, mas provavelmente é também a era da
A liberdade somente existe se ela for ardente. É hipnose. Veja como os adultos de hoje ainda sentem a mesma
como arejar o obscuro e tornar-se letal para a pro- simpatia pelos heróis e desenhos animados de quando era
cura da rapacidade. criança. Mesmo sendo adultos, ainda desenvolvem compor-
Viajar na constelação pode ser mais sagrado do tamentos de criança. O videogame ainda é um grande atra-
que vender o anoitecer para o rival. O agora pode tivo para alguns adultos de hoje. É a propaganda das cores,
ser mais importante do que a aparição das armas.
Venda a arte, mas nunca venda a imaginação, pois dos desenhos e dos sons. A hipnose. Estamos vivendo numa
a razão de soprar a saudade para bem longe pode era de hipnose coletiva. O mundo parece que está ficando
ser a vontade de uma primavera cheia de arcos colorido demais. Parece não haver mais tempo para uma
de flores. Entenda, a mulher amada nunca sente conversa à toa na porta de casa como nos tempos dos nos-
saudades. sos avós.
As armas são a imaginação que o homem possui
para enfrentar o amor lógico da princesa. É a reve-
lação que a consciência espera sem procurar por
mudanças. A piedade é um absurdo dos tiranos. É
por isso que hoje existem mais reis do que na som- REFLEXÃO:
bria Idade Média. O número nunca sai da cabeça.
Umas são mais princesas do que outras.
A hipnose parece ser o único argumento ou nosso
único arco de flores. É a anunciação de uma chuva
É de comum acordo que a publicidade e a propaganda são sem vento. A missa é misturar os papéis. O sopro
agora está no silêncio do pensamento de cada um.
ferramentas dos grandes trustes capitalistas. A propaganda As notas musicais estão mais próximas do deses-
serve de força para realçar um produto. Se o produto é ruim pero e da agonia do agora. Pois o futuro tornou-se
torna-se razoável, se o produto é razoável torna-se ótimo e água para quem quer beber no presente. As rimas
se o produto é ótimo torna-se excelente. É isso o que a pro- tornaram-se tosse de uma quantidade de primavera.
paganda tenta comunicar. Mas hoje, a oferta é tanta que a Às vezes, parece que essa primavera desapareceu.
qualidade dos produtos estão se equilibrando. Parece não
haver mais aquela espécie de bobo no mundo pós-moderno.
A publicidade parece que conseguiu hipnotizar para sem- É notório que a América Latina nunca teve sua ordem
pre, pois hoje existem marcas que nem precisam mais de pública. Enquanto a camada mais pobre é consumida pelo
propaganda. São aquelas marcas que já estão no imaginário medo do poder do tráfico (o poder verdadeiro nas favelas), a
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camada mais rica se preserva. As instituições públicas pare-
cem falir: os hospitais, as escolas, as polícias… Ou seja, tudo
aquilo que é considerado como essência de uma boa vida REFLEXÃO:
social parece estar danificado e corroído. Então qual foi a
prioridade dos europeus quando vieram habitar a América A anunciação do protesto do mundo é o que
Latina? Destruir!? Aniquilar!? Até hoje!? Pois até hoje não torna a verdade prazerosa. O sobrenatural pode
conseguiram fundamentar o básico do bem público. Já se ser a primavera, que significa a vocação para a
passaram mais de quinhentos anos e suas instituições públi- brisa. Até quando o amor será a lógica do verso
cas ainda não conseguiram a ordem e muito menos a fun- totalitário? Quem transpira, também respira os
cionalidade. Penso que ainda precisamos continuar do zero. vernais de uma primavera carregada de saudade.
Até quando a vaidade será a maior constelação que
Talvez assim seja mais fácil organizar e elevar o bem público. o amor pode aprender?
Precisamos acertar alguma vez. O que parece existir hoje é a
vontade de remendar o que já existe — com uma boa quan-
tidade de propaganda para continuar a hipnose. As pessoas não querem mais ser tratadas como povo —
A escravocracia ainda continua de geração em geração. o conceito está longe da dignidade tão sonhada. A comu-
Da Lei Áurea até hoje, há apenas uma liberdade entre aspas, nicação fácil do nosso tempo transformou a atividade dos
pois somente o capital propicia liberdade. É a pós-moderni- tiranos. Eles se multiplicaram. O Brasil é um país em que
dade idealizando o novo escravo do novo mundo. E o pior astúcia política é confundida com corrupção. A riqueza é a
é que antes o senhor de escravos temia perder algum por principal virtude, e quando a riqueza é a principal virtude, a
falta de saúde, pois os escravos do século 19 valiam muito moral dos bons vale muito pouco. Trabalhar e ganhar pouco
dinheiro. Hoje, morrem dentro de um hospital público parece ser para os idiotas. E nunca se esqueça que a polícia
enquanto a sociedade está de costas viradas. é a palmatória do mundo.
Há as praias de rico e as praias de pobre. Há as festas de
rico e as festas de pobre. Há os objetos de rico e os objetos de
pobre. Não existe muito vínculo entre os dois mundos, mas REFLEXÃO:
a mídia encena todos os dias que todos são iguais e livres.
Deve-se fingir que todos são iguais e livres. Enquanto isso, as Pegamos nas armas quando protestamos, e pega-
bestas estão soltas: a besta política, a besta artística, a besta mos nos utensílios de trabalho quando somos feli-
aristocrática e a besta midiática. O caos parece ser a chance zes. Ninguém consegue escolher trabalho provo-
de uma revolta, a chance de ser ouvido. Às vezes parece que cando o risco e tornando-se silêncio. O descanso
o caos traz união. é o melhor argumento, e precisamos descansar no
exato momento da guerra.
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Lídia, atual Turquia. Surgiu da necessidade de se facilitar as A ilusão da riqueza, para muitos, tornou-se como uma
trocas de mercadorias. esperança, ou seja, a esperança do mundo é a espera da
A força da riqueza facilita o surgimento do conhecimento, riqueza. A quantidade de riqueza parece ser a quantidade
o domínio do homem sobre a natureza. As pessoas buscam a de felicidade de cada um — e talvez seja a felicidade algo
vontade do bem material. Parece haver uma lei que diz que inatingível, pois uma ilusão é necessariamente algo que não
somente a riqueza traz o próprio bem para si. O dinheiro existe. A ilusão da riqueza nos torna impotentes e fracassa-
parece ser tão importante no mundo moderno que as reli- dos, porque é somente uma ilusão. Nenhuma ilusão pode ser
giões ou o amaldiçoam ou o consagram. Como exemplo comparada com a realidade. Quanto à inesquecível vontade
temos o protestantismo, que sempre procurou uma forma de ser amado, as pessoas parecem entender que somente
de encontrar virtude no ato de lucrar. Para os protestantes, através da riqueza material é que se pode ser amado. Mas
ganhar dinheiro é uma maneira de elevar o espírito diante de deve-se entender que também existe a riqueza espiritual, e
Deus, coisa que os norte-americanos fazem com excelência, essa deve ser mais respeitada ainda. Um homem rico espiri-
pois foi com esses preceitos que se tornaram a maior potên- tualmente vence o império do homem rico materialmente,
cia contemporânea. Vale dizer que a riqueza traz domina- pois não precisa de nada do outro. Não precisa do dinheiro,
ção. Para muitos, de nada adianta ser belo, bondoso, forte, da mulher e muito menos das amizades que venham do
corajoso, justo e prudente se acaso não for rico. As igrejas outro, pois ele é soberano de si.
evangélicas também parecem dizer isso a todo instante. A fantasia da matéria é vencer o espírito daquele que é ilu-
Mas houve um tempo, na Grécia Antiga, em que o minado espiritualmente. Ele não precisa da ilusão de riqueza
dinheiro era valorizado somente pelos piores. O grego e não tem medo de perder, pois já conhece o sabor amargo
daquele tempo tinha um maior apego às virtudes, à sabedo- da derrota. A vitória para ele é a celebração do melhor, e a
ria e à vida pública. O ato de enriquecer era visto com maus derrota é a capacidade de tornar-se melhor.
olhos. Acumular riqueza era somente para os escravos, era
uma vida de escravo.
O budismo, por exemplo, condena a concupiscência (ape-
tite sexual e material), pois isso está reservado aos nossos REFLEXÃO:
instintos primários.
Entretanto, há razões maiores para o dinheiro ser con- A imaginação existe para ser usada, para ser o
siderado um perigo constante para a sociedade: a falta de mármore da mudança. O espaço da imaginação é
compaixão e fraternidade da maioria. Estamos perdendo a loucura de quem ama. Anoitece quando se res-
o sentido de comunidade. Todos se esquecem de todos. O pira a primavera, e amanhece quando se inspira a
individualismo parece ser a chave da liberdade. A partir da tradição da utopia.
valorização do dinheiro surge a eterna destruição da natu- Somente aquele que possui o espírito de soldado
reza e de seus recursos. O rio morre porque todos estão sabe que a guerra não tem fim, por isso somente
consegue descansar numa guerra.
dispostos a tudo pelo capital, e assim também acontece com
uma floresta ou uma espécie animal.
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E o novo mundo quer escravizar aquele que é rico espi- pessoas querem a felicidade agora. Assim, o sonho se acaba
ritualmente. É a força que move o novo mundo: precisam e tudo torna-se realidade. A sociedade deixaria de sonhar.
escravizá-lo para a glória. A nova ordem tem uma vontade
insuperável de escravizar e ainda assim dizer que todos
são livres. Os sonhos são estimulados até serem vencidos. REFLEXÃO:
A nova ordem estimula a cobiça dos mais pobres e estes,
sem saber o que fazer, acabam vivendo de fantasias. A nova A hipnose parece ser o único argumento ou nossa
ordem estimula os sonhos através da mídia, da política, anunciação como aparição do arco de flores. Não
das artes e da tecnologia. E somente a nova ordem rea- há arrependimento quando a lógica torna-se prin-
liza. Parece ser impossível o sonho de igualdade em algum cesa do amor. Por isso ajudar a palavra é a vontade
apaixonante do artista. Nunca julgue que o interior
momento da história. É somente certo que alguns são real- possa valer menos do que as armas. A polícia pode
mente livres e outros não. A camada mais vil da sociedade até articular, mas é o trabalhador que areja a pro-
agora é a camada dos trabalhadores. As diferenças tornam porção do sagrado e da constelação.
impossível dizer que esse tempo é mais humano do que os Livre-se da palavra pesada do tirano e afine a
outros tempos. vontade absolutista do povo. Em qualquer tempo
O capitalismo somente seria um pouco mais humano se deve-se aprender a usar a aquarela. Ela é o abraço
tudo fosse grátis. E essa utopia poderia ser possível se todos do áspero na política. Ela é a parte da mudança
continuassem trabalhando… para eliminar a vaidade. Para pesada dos absurdos e das mazelas do amor legítimo.
eliminar a inveja.
O que aconteceria se tudo fosse gratuito? Normalmente, Priorizando a educação, consegue-se uma melhor quali-
poderia haver uma corrida para o que é de maior valor. dade de vida, consegue-se a formação de cidadãos politiza-
Mas para derrubar essa corrida, bastaria propor metas de dos (aqueles que querem transformar) e consegue-se dimi-
aquisição. Algo do tipo, “cada um teria direito a somente nuir o número de jovens marginalizados. Mas a prioridade
um automóvel ou uma casa”. Mas para isso acontecer, todos parece ser o desenvolvimento através da infraestrutura.
deveriam continuar trabalhando. Todo produto deveria ser Investir em infraestrutura é devolver os impostos para os
gratuito; é uma lógica do pensamento dos direitos huma- mais ricos. Quando se quer que os impostos sejam devolvi-
nos. Não haveria mais o risco da fome ou de outras mazelas. dos para os mais pobres, precisa-se então investir naquilo
Qual a utilidade do roubo de um produto que todos podem que garanta realmente o desenvolvimento dos mais pobres.
ter? Essa vontade humana é possível desde que todos con- A educação é um ótimo princípio para a boa vida. É inves-
tinuem trabalhando. Pode ser um pensamento socialista, tindo em educação que a segurança é poupada de outros
porém parece ser urgente. Às vezes, a moeda precariza nossa esforços. Esquecer por um momento as grandes estradas, os
vontade humana. grandes viadutos e as grandes usinas. Ninguém mais quer
Da revolução industrial para os tempos atuais, a felicidade viver num lugar cheio de contrastes, mazelas, desigual-
vem se transformando em produto, em objeto, em algo. E as dades, e muito menos num lugar violento. A educação é
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declaradamente de importância capital para a funcionali- estruturados. Arrumar a casa primeiro é importante para
dade da boa vida. depois se aventurar no mercado internacional.
Outra função importante do Estado é garantir a saúde Não existe condição de prosperidade para a maioria da
da maioria da população. Quando os indivíduos gozam de população se todo arranjo político privilegia uma minoria
completa saúde, a autorrealização e a satisfação interagem rica. Sendo assim, o Estado parece querer proteger os mais
para a melhoria da cidade. Deve-se confundir modernidade ricos. Às vezes é preciso ter um pensamento mais determi-
com garantia de saúde também. É assim que a base da socie- nante e social para que haja um maior equilíbrio nas estrutu-
dade torna-se pronta para o desenvolvimento. ras sociais. O Estado liberal, num país de extrema desigual-
Para países que não conseguem regular os fundamen- dade, pode ruir diante de uma maioria pobre que procura
tos da boa vida, como garantir uma boa educação, uma libertar o caos, impedindo que os mais ricos levem vanta-
boa segurança e uma boa saúde, talvez a melhor maneira gem na justiça, no mercado, na cultura, na política e em toda
seja fechar a economia, planificando-a, assim como fez o busca de liberdade. As políticas sociais são importantes para
Paraguai antes da Guerra do Paraguai. Deve-se mencionar o nivelamento social. Um Estado liberal somente funciona
que aquele Paraguai, quando fechou sua economia, conse- se há dentro da sociedade alguma espécie de nivelamento. Já
guiu erradicar a fome e o analfabetismo já no século 19. num país de extrema desigualdade, o Estado liberal somente
Chegou até a fazer frente com a temida Inglaterra dos tem- piora o que já existe de pior.
pos áureos de Revolução Industrial. Fechar a economia é Pode-se considerar que num futuro não tão distante, as
como buscar arrumar primeiro a casa para depois receber máquinas possam ser mais relevantes do que os homens…
as visitas. É como tentar equilibrar as contas para florescer Há algumas virtudes que a máquina pode possuir e os seres
uma maior igualdade entre os cidadãos. Buscar o equilíbrio humanos não. Um exemplo: a máquina não se corrompe.
é muito importante para uma sociedade, pois as condições Será que podemos visualizar a máquina como sendo sobe-
da boa vida são fundamentais para um país que pretende rana entre os Três Poderes? Ela trabalharia no Executivo.
considerar-se moderno. É somente com a garantia da boa Imaginemos uma máquina capaz de ponderar os prós e os
vida que o desenvolvimento passa pelas oportunidades de contras de todo o Estado. Imaginemos uma máquina capaz
todos. O Brasil é um exemplo de um país rico, porém extre- de encontrar as faltas e os erros de cada ser humano, ou as
mamente desigual, ou seja, quase nunca todos prosperam. sobras e os acertos de cada um. Precisamos pensar que cada
E mesmo com tamanha riqueza não consegue desenvolver tempo tem suas revoluções — talvez um pacto social com
os fundamentos de uma boa vida. as máquinas, o que aliás poderia poupar recursos diante
Fechar a economia, assim como também fez a China no da enorme propaganda política. O trabalho político seria
século 20, é a oportunidade de desenvolver em primeiro incansável e eficiente.
lugar o mercado interno. Assim o Estado consegue visua-
lizar o futuro com uma melhor garantia de segurança na
economia, pois o mercado interno e os fundamentos que
consolidam a boa vida de seus cidadãos estão fortemente
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derrota. Tudo isso faz parte daquele que entende que o espí-
rito humano somente é aceito quando guarda dentro de si
as suas próprias derrotas. Aceite-as, pois há ainda o pre-
sente e o futuro diante de todos. Ninguém possui o espírito
REFLEXÃO: pleno de satisfação, pois nada fica acima de todos por muito
tempo. Nem sempre aquele que perde várias batalhas perde
Quem assina a vontade do povo pode às vezes a guerra.
assinar a vontade das armas, pois o povo é beli- Muitos ficam loucos por não aceitarem que a infelicidade
gerante. É uma aparição da imaginação de tentar
alcançar o sublime. Muitos querem a nuvem, mas também existe. Pois quando exigimos ser felizes, nós con-
poucos querem aprender a voar. É por isso que vencemos o espírito de que não existe vida na tristeza. Sim,
existe o impossível, pra dizer que pouquíssimos existe vida na tristeza. A vida, por ser vida, já guarda consigo
sabem propagar o príncipe que existe em cada um. uma vitória.
O arrependimento só existe quando o amor é América Latina, a noiva de todos os tiranos. Lugar onde
maior do que a razão. E assim a asa se levanta todos já se acostumaram com a desgraça dos outros no coti-
diante da espada e do juízo apaixonante. É assim diano trágico de suas cidades.
que podemos sentir o sopro da verdade e da alegria Tenta-se transformar as ideias católicas dos brasileiros
na Terra. Dessa tirania somente se valem os gran-
des homens, porque os pequenos sempre se valem mais pobres em ideias protestantes. Ou seja, uma quase
do propósito do sistema. Talvez alguém, algum dia, ganância como fator de realização pessoal. Nesse contexto,
consiga ser verdadeiramente vitorioso. Cristo pode ser exaltado através da busca pela riqueza. Não
há mais o conformismo dos católicos rurais. Os indiví-
duos parecem querer estar livres para buscar a riqueza sem
Estamos diante de uma fase da história em que todos que- nenhuma culpa de consciência.
rem realizar suas vontades e seus sonhos. Parece não haver
mais a acomodação: todos se sentem capazes de realizar. É
uma lei do capitalismo, exercer sobre as pessoas uma infi-
nidade de vontades e desejos. A loucura desses tempos está REFLEXÃO:
deflagrando a nossa incapacidade diante do que queremos.
O amor, hoje, precisa ser acompanhado de sucesso profissio- A armadura de cada um precisa ser a defesa da
nal, de beleza física e psíquica, de um montante número de voz interior, das artes, do sopro e da punição do
amigos, mas também precisa ser acompanhado de satisfação raciocínio frio. Proporcionar para a alma alguma
material. Hoje, o homem ocidental não tem tempo a perder. sobrecarga de ideias, pois o amor é um ideal valioso.
Ninguém aceita mais as dores. A loucura de não se acei- Aquele que silencia deixa o tirano se apropriar de
tar mais as dores. Às vezes aceitar o mal comum é melhor seus pensamentos e de suas imaginações. A asa é
do que tentar impor a própria moral. Aceitar que somos aquilo que faz voar e que também faz proteger.
frágeis, aceitar que nascemos para ser infelizes, aceitar a
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Grande parte dos brasileiros sonham com as culturas
inglesas, francesas, alemãs, italianas e estadunidenses. É
como se ainda estivessem colonizando a América. Portanto,
esse poder europeu surge como supremacia na cultura, nas REFLEXÃO:
artes, nos negócios, na política, na economia… A mídia,
como caixa de ressonância, multiplica a vontade do modelo
O interior da alma pode ser a asa que falta para
europeu. Entretanto, a metade da população não se reco- o pensamento de luz. Aquele que não amadurece o
nhece nesse padrão colonizador. É importante para um país próprio pensamento terá que se vender aos absur-
encontrar a sua identidade. dos da vida. O melhor é aquele que revela o pri-
Não se pode acreditar que o significado de educação seja maveril. É como medir o tamanho da flor e da
dinheiro. Educação significa uma elevação do pensamento, mensagem.
uma consciência de participação política. O poder econô- Tente encontrar o soldado do espírito, e ele te
mico, sem educação, possui uma tendência de ser vaidade. revelará que a sua força é ainda maior do que você
A facilidade de comunicação entre os povos do mundo, pensa. De nada adiantam rimas se o coração ainda
está em silêncio consigo mesmo. As rimas somente
hoje, torna a cultura homogeneizada. Aspectos que nunca valem quando você descansa com o tempo. Isso é a
haveria no Oriente ou no Ocidente, atualmente, são comuns totalidade da alma.
tanto lá quanto cá. Essa homogeneização ocorre na política,
na economia, na cultura, na música e no cotidiano. É fácil
encontrar um descendente de italianos vendendo comida O que deveria haver é uma vontade da Esquerda de gover-
japonesa, por exemplo. Está havendo um enorme intercâm- nar para ser o melhor. Assim, o pensamento socialista ou
bio de culturas. A facilidade da mídia, do transporte, da comunista seria o mais radiante. Nunca governar com o
internet e de todos os outros meios de comunicação gera mesmo populismo da Direita. Governar para ser o melhor
uma aglutinação do pensamento. Parece que a verdade tor- é demonstrar a todos que a Direita não terá mais chances.
nou-se múltipla. O ideal ainda está vivo em muitos jovens e senhores: pre-
cisamos de ao menos um resquício de esperança diante do
aquecimento global, do consumismo, da poluição visual e
sonora, do desmatamento, do racismo… Ora, não podemos
baixar a cabeça. E a hipermodernidade parece estabelecer
um pacto para a promoção do caos. Ninguém quer ser mais
explorado. Precisa-se pensar na igualdade hoje, para ama-
nhã tornar-se realidade e direito.
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com educação, pois o longo prazo já chegou. No Brasil, o
neoliberalismo reina com vontade: em pouco tempo tere-
mos um Estado somente policial.
REFLEXÃO: Isto é supercapitalismo! Não há médicos. Não há enfer-
meiros. Não há equipamentos. Não há remédios.
Empreender esforços para obter o lucro, e desse lucro
Deve-se arejar os pensamentos áridos. Ninguém
precisa do capital para tornar-se escravo. Precisa-se gerar a riqueza pra si. É a competição que torna a riqueza
de artilharia de vontade e de antemanhã. Nascer viável somente para alguns. Não seria isso superegoísmo?
como nasce a prudência, buscar como se buscam o Então as formigas e as abelhas são mais humanas do que
risco e a revelação. Quem não tem nenhum pensa- nós mesmos, já que a riqueza produzida por elas é mais bem
mento socialista precisa morar sozinho numa ilha. repartida? A Esquerda deveria fazer o contrário da Direita,
deveria estatizar tudo o que estivesse ao seu alcance.
O mundo está tão hipermoderno que chegará um dia que
Desigualdade social, altos índices de criminalidade, nenhum chefe de Estado terá poder de transformação…
extrema pobreza, trabalho escravo, jovens entorpecidos, Precisamos estatizar tudo, antes que o Estado torne-se uma
inchamento populacional nas grandes cidades, poluição empresa vendida e privada.
sonora e visual, ou seja, supercapitalismo.
Atualmente, dentro da educação nacional estão surgindo
os colégios militares. Claro, a disciplina é importante para
uma boa educação, mas uma disciplina que venha de den- REFLEXÃO:
tro para fora, do aluno para a escola, e não da escola para
o aluno. E nem somente de conhecimento vive o jovem, a O ardente da vida é vencer o áspero, vencer o
naturalidade da mudança também é importante. O jovem árido, vencer o assassino. Aventura azul é a busca
precisa querer mudar o estabelecido, é essa pulsão que regula pela água para matar a sede. Deixe a antiguidade
a vida: os mais velhos são conservadores e os mais jovens, ser a bailarina de seus sonhos. Quando erramos,
revolucionários. Parece um tanto perigoso educar os jovens algo parece nos dizer que acertamos no futuro. O
para que sejam jovens conservadores, aqueles que respeitam amor é arte e o agora é zero. Porém ainda temos
todas as hierarquias da velha sociedade. A mudança é papel vários agoras enquanto o amor for arte.
Deixe a vontade para os outros, e o interior deixe
fundamental de transformação. consigo, mas nunca abandone a armadura que a
É do conhecimento de muitos que violência combate-se infância te ensinou.
com polícia a curto prazo e educação a longo prazo, mas pre-
cisamos sempre da perfeição do curto prazo. Não podemos
aceitar a paciência como esperança… Já estamos vivendo Estatizar é possível como uma revolução socialista silen-
em uma era em que não dá mais para combater a violência ciosa dentro do livre mercado.
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REFLEXÃO: REFLEXÃO:
Quem possui artilharia pesada, possui uma A alma navegante consegue atravessar todas as
novidade do sobrenatural. A saudade precisa ser tempestades, não pelo fato de navegar, mas pelo
vendida. Antes que caia a desgraça do pensamento fato de viver uma doce aventura. A possibilidade
sagrado. Viva a quantidade do coração amado, pois da mudança é o que faz o sorriso soprar a alma
um coração pode ser maior do que uma constelação. navegante. Há sorriso na lógica e na princesa. Pedir
Ninguém sabe exatamente se a verdade é realmente piedade é como ser fraco duas vezes. É como perder
verdade, ou se a mentira é realmente mentira. a guerra da espada e do coração. Há vários núme-
A única possibilidade da vida é perdoar o bem, ros na cabeça dos outros, mas há vários sonhos em
pois quando se perdoa o mal, a desgraça pode ser o nossos corações. E o inimigo é aquele que te pede
mal, e isso quase ninguém consegue perdoar. piedade.
Há também os riquíssimos e os paupérrimos: os primei- Todos precisam ficar indignados com a corrupção, pois
ros não enxergam nada em cima, e os segundos não enxer- ela é nossa colheita de tristeza. O descaso torna a vida polí-
gam nada embaixo. Estão ao sabor do vento. Às vezes parece tica orientada para a corrupção. Parece fazer parte da nossa
que qualquer ação da população ou do Estado aumenta cultura: a corrupção dos mais velhos ensina aos mais novos
a riqueza dos riquíssimos. Parece que tudo foi feito para que somente o errado torna a vida prazerosa. É um mal que
enriquecê-los. A disputa sempre lhes favorece. Já para os pode ser pior ainda no futuro. Já está tão difícil alguém acre-
paupérrimos acontece o mesmo, porém de forma contrária ditar em alguém... A corrupção parece ser a fada madrinha
— qualquer ação da população ou do Estado parece empo- de muitos políticos. O Brasil já é um país de poucas oportu-
brecê-los ainda mais. nidades e há muitos jovens sonhando com o exterior.
Dentro da política, quais as vantagens da corrupção? A
oportunidade de alisar o poder econômico, já que com ele
você pode traçar um plano para assumir posturas de chefia
dentro do próprio grupo. Pode conseguir a perpétua cadeira
do poder, um projeto que ganha liberdade de tempo com a
corrupção. Adquirir o bem público para se manter, prima-
zia de ditadura. Você consegue vender seu ideal. O poder
deve sempre estar alinhado com a força econômica, somente
assim consegue realizar o ego e a ânsia política.
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REFLEXÃO:
REFLEXÃO:
Quem quer articular precisa saber que o arre-
pendimento é a dura derrota dos próprios sonhos. O azul marinho é a cor daquele que está livre
A única defesa é encontrar liberdade no peso do para pensar, daquele que adora a esperança,
sagrado. Aquele que é sagrado muitas vezes esquece daquele que não se entrega. Podemos encontrar
que a ausência do poder é a ausência do espírito. muitos caminhos para a derrota, e um desses cami-
Pois o poder é interior, é lógico e primavera da arte. nhos é deixar de ser aquilo que a espada deseja.
Amanhecer é para todos, mas anoitecer é para A defesa do próprio espírito é fazer mal ao mal.
poucos. Aquele que anoitece o pensamento sabe que Mas ninguém é mal — e isso é um engano, pois
o mal é muito maior do que imaginamos. Anoiteça nossos inimigos são. A extensão do nosso amor ter-
o pensamento e as palavras para ser armadura do mina quando eles aparecem.
tempo.
Na maioria das vezes, é fácil dizer que as classes mais Todo e qualquer tipo de riqueza nos faz sorrir. A riqueza
baixas são mais honestas. Talvez seja assim em muitas par- torna nossa vida bem aventurada. Não digo que se deva abdi-
tes do mundo. A classe trabalhadora parece persistir numa car da riqueza, mas sim, que ela faça parte da vida de todos.
moral que lhe nega a condição da desonestidade. Se muitas Isso seria utopia se não houvesse a qualidade de equilibrar as
vezes a classe trabalhadora é honesta, talvez seja pelo fato riquezas de cada um. Sim, todos nós sorrimos quando nos
de encontrar dificuldades em burlar a lei, algo que as classes vemos de frente com a riqueza, pois ela parece acompanhar
mais altas conseguem fazer sem muito barulho. As classes a vontade do coração. É por isso que o país também precisa
mais altas deveriam fazer prevalecer a ideia de honestidade, ser rico, para que assim todos sorriam quando ouvirem o
porém honestidade tem um significado malicioso de bobo, nome: Brasil. A saudade do Brasil nos tempos de infância.
de tolo, de ingênuo, de inocente… É a ojeriza à prudência. Quando somos jovens, sempre sorrimos e nos alegramos
ao ouvir o nome de nossa pátria. O que não acontece na
vida adulta, pois neste tempo somente sentimos desgostos
e imperfeições. O Brasil da vida adulta é tão contrário ao
Brasil de nossa infância!
Assim, abriremos o sorriso sempre para os outros ao invés
de um sorriso geral. Parece que precisamos realmente cho-
rar em conjunto. A desilusão está presente em toda verdade
que é roubada para o destino de alguns, ou seja, parece que
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precisamos sonhar somente com a felicidade dos outros, já e o ladrão havia levado o seu relógio. Em apenas uma hora
que a riqueza faz abrir sorrisos. Enquanto alguns se presen- a polícia encontrou o ladrão, e o jogador teve seu relógio
teiam de alegria, a maioria apenas surge como fortaleza das de volta. Em contraponto, veja a infinidade de assassinatos
alegrias dos outros. Pois não é uma alegria compartilhada: na periferia que são deixados de lado. Ninguém investiga e
é a alegria de poder ver o outro na desgraça. Parece que a ninguém quer saber de nada; a vida parece ter pouco valor.
diversão de um homem é o inferno do outro. O dinheiro, a fama, o sucesso, o status; parece que precisa-
É quase impossível alguém sorrir assistindo a pobreza. mos de tudo isso para obter a cidadania. O sonho neoliberal:
É por isso que o Estado deve atender o coletivo, principal- Estado enxuto é aquele que cuida somente de polícia. Um
mente os mais pobres. Mas muitas vezes o Estado parece Estado que despreza a saúde e a educação, onde a segurança
atender a demanda individual e atendendo-se a demanda somente funciona para os mais ricos.
individual, torna-se claro que a maioria empobrece. E por Em muitos lugares presenciamos apenas a injustiça, e um
isso é tão difícil sorrir ao ouvir: Brasil. Se fosse pela gran- país injusto é um país que prefere a vontade do poder, como
diosidade da natureza, sim, ainda há motivos para sorrir; se o poder fosse feito para o exercício da liberdade, como se
agora, se olharmos para como essa riqueza é distribuída, o poder fosse feito para o exercício da maldade, da incon-
então estamos vendo um país pobre. Não é tapando o sol tinência, da covardia, da mentira, da ignorância… Sim, no
com a peneira que encontraremos um país tão rico assim. Brasil esse tipo de poder é comum, e também aceito pela
maioria porque “sempre foi assim”.
REFLEXÃO:
REFLEXÃO:
O soldado está atravessando a batalha; ele pre-
cisa saber que pode morrer, pois assim defenderá ao Estamos na beira da estrada, sem defesa, sem a
menos um outro soldado de sua tropa. O número única asa que pode nos levar ao sonho das artes,
zero nunca faz parte do nosso espírito, pois quem aos sonhos da perfeição. É a anunciação da der-
tem um espírito também tem outros números. É rota do nosso interior, usado quase sempre para
como aprender que o verso levanta a honra do arejar a nossa baderna. Quem quer ser ardente pre-
último decaído. Se iremos à luta, então iremos cisa saber que o bicho-homem vendeu tudo o que
armados: se a vitória não for possível, logo a der- é sobrenatural e sagrado. Precisamos agora assas-
rota também se tornará impossível. sinar nossos sonhos para que desça a verdade de
uma benção sem vaidade. O que é o carnaval senão
apenas vaidade?
No Brasil, ter cidadania é ter status. Há tempos atrás, um
jogador da seleção brasileira de futebol havia sido roubado A preferência do mundo pela virtude material faz com
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que todas as outras virtudes sejam postas de lado. E a riqueza
não é tão boa assim, como muitos economistas gostam de
dizer, pois é ela quem engendra a destruição do planeta. A
interminável busca pela riqueza gera a escassez de recursos REFLEXÃO:
naturais. Quando há tanta riqueza e tanta pobreza fica evi-
dente a luta de classes, e surgem os conflitos urbanos onde É tarde pensar em utopia, mas nunca é tarde
os dois lados se rejeitam. Por isso é tão difícil de ver um para se tornar parte dela. O agora é vender a tradi-
Brasil como realmente deveria ser. Há uma infinidade de ção do que já é vendido. Mas o amanhã é do abraço
mazelas borbulhando todos os dias: a miséria, a fome, as do dia realmente perfeito.
drogas, a corrupção, o racismo, o descaso… Parece que o
Brasil é o lugar perfeito da desumanidade. Todas as dispu-
tas que envolvem a capacidade da busca pela riqueza fazem E como se desenvolve a virtude da bondade entre os brasi-
enfraquecer a moral da maioria da população. E assim as leis leiros? É claro que num lugar onde há muitos pobres a com-
tornam-se frágeis, nascendo o famoso “jeitinho brasileiro”, paixão floresce normalmente. E entre os pobres há alguma
quase que uma ostentação daquilo que é errado. espécie de união: veja que normalmente são os pobres que
Qualquer desequilíbrio de aplicação da lei e da boa moral ajudam outros pobres. Também faz parte da identidade do
(quase sempre vinda do cristianismo) faz com que alguns brasileiro ajudar.
vícios também sejam intencionados pela maioria. Um exem- Entre a maioria dos trabalhadores há uma maior signi-
plo: eu quero um diamante, mas na loja o preço é caríssimo; ficância em fazer o bem. Mas há aqueles que dizem: ajudar
de outro lado, roubar esse diamante da loja é um pecado pra quê? Amanhã ele estará na mesma situação, e você per-
extremo. Resolvo tudo isso comprando através de um preço derá o pouco que tem. Sim, existe um pouco da bondade
em conta de um ladrão de diamantes — ou seja, eu não rou- entre os mais pobres, pois eles se valem da união, mas não
bei. O meu pecado é menor (jeitinho brasileiro), logo não poderíamos estabelecer isso como sendo uma regra própria
posso ser chamado de ladrão. É assim que se resolve a moral do brasileiro. As classes mais altas pouco participam desse
brasileira. E a tradição passa de pai para filho, de irmão para empreendimento da virtude da bondade. Às vezes confun-
irmão, e de amigo para amigo. E existe um estímulo ainda de-se bondade com não fazer mal ao outro.
maior para se agir de maneira errada: o indivíduo corre o A bondade é mais determinada pelos pares. Não existe
risco de ser chamado de idiota, caso não prevaleça seu ins- uma quantidade homogênea, e muitas vezes acontece o con-
tinto individual. Isso é corriqueiro entre políticos, profissio- trário, pois há alguma espécie de raiva na luta de classes.
nais e empresários, mas também entre a população em geral. Veja bem, a bondade entre os mais pobres é até relevante,
o que a torna instável é a desigualdade social. É difícil ser
bondoso quando você vê seu filho assassinado pela polícia
e nada acontece.
Entretanto, o discurso caracteriza a virtude da coragem
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entre os brasileiros. Está aí uma virtude que o nosso povo adversidades que basta estar vivo para ser considerado cora-
tem em demasia. Não é fácil para quem está na linha da joso. Aquele que consegue ser bom diante de um espetáculo
pobreza acordar cedo para empurrar o sonho dos outros. de mazelas já é considerado corajoso. É aquele policial que
Ou seja, joga-se fora os próprios sonhos e ideais de vida para mais uma vez chegou vivo em casa. É aquele jovem negro
satisfazer os sonhos das classes mais altas. É preciso muita que conseguiu sair ileso da antidemocracia racial.
coragem para abdicar daquilo que a vida tem de melhor: a O que acontece aqui parece não acontecer em nenhum
esperança. É necessário coragem de cada um para continuar outro lugar no mundo, e em muito a diversidade pode con-
firme diante da violência. A morte tornou-se espetáculo. tribuir para algumas imperfeições: diversidade cultural, reli-
O povo brasileiro não é de abandonar a luta. No Brasil, giosa, racial, política e social. Às vezes penso que o Brasil
para sobreviver, é indispensável ter coragem. Coragem para é aquele lugar da casa de Deus que Ele menos se preocupa
cruzar a cidade dentro de um ônibus lotado. Coragem diante em reformar. São tantas as diversidades — e nem todos res-
do patrão. Coragem para conseguir dignidade. Coragem peitam essas diversidades — que se pode pensar num con-
para enfrentar a violência nas ruas. Engolir o orgulho tam- flito não declarado. A cidadania somente parece vir com
bém faz parte da coragem. uma identidade superior de renda. Claro, quem vive num
A coragem dos mais ricos é a exploração dos mais pobres, lugar assim, facilmente pode ser considerado uma pessoa
e a coragem dos mais pobres é enfrentar o desprezo dos corajosa. Muitas vezes a nossa diversidade é autodestrutiva,
mais ricos. Esse desequilíbrio remonta à raiva enraizada. É porque não existem maneiras de uniformizar o pensamento.
que aqui o indivíduo não nasce digno, ele precisa adquirir E diante de tanta diversidade é que a riqueza torna-se a prin-
a própria dignidade diante dos outros. O valor da riqueza cipal virtude. Aqui há muitas disputas culturais, religiosas,
às vezes torna o indigno em digno, e o digno em indigno. raciais, políticas e sociais. Em contraponto, vejamos o exem-
plo do Japão: tem uma cultura única, religião única, raça
única, uma política social uniforme.
A coragem é a virtude mais esperada diante da disputa.
REFLEXÃO: Coragem e união podem transformar a vontade política em
afirmação. Sim, o brasileiro é corajoso, e sabe que qualquer
forma de poder está contra ele. O capitalismo está contra
O bailarino é aquele que sabe dançar diante de
qualquer circunstância, pois para a dança é preciso ele: é a força do poder econômico que varre os mais pobres.
música e vontade da própria alma. E a luta pela igualdade segue. Os interesses parecem ter a
É o arranjo do bicho-homem, a luz somente vontade única de massacrar, mas o único interesse do povo
é enxergada para aquele que está na escuridão. é sobreviver. E mesmo assim, a coragem enfrenta as desilu-
Quem está na luz não consegue sentir sua falta. sões, pois ninguém consegue subtrair a esperança da alma.
Às vezes penso que o povo brasileiro está tão desiludido com
a política que parece preferir o milagre de Jesus nas igre-
A coragem já está no sangue do brasileiro, pois são tantas jas; talvez por isso elas nunca estiveram tão lotadas quanto
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agora. Dizem que o poder cega, realmente cega. não é o certo. Por isso às vezes pode-se analisar que os mais
Precisa-se de todos para que haja mudanças verdadei- ricos possuem virtudes materiais, enquanto os mais pobres,
ras não somente no Estado democrático, mas também no virtudes espirituais. É por isso que os mais pobres precisam
pensamento vanguardista. Aliás, não existe mais um pen- ter mais fortaleza, mais coragem, mais disciplina…
samento de vanguarda, as mídias destroem isso facilmente.
Hoje a vanguarda dura poucos minutos.
REFLEXÃO:
REFLEXÃO:
O espírito navegante consegue ser melhor nas
tempestades do que aquele espírito reto e injusto.
A natureza do homem é buscar o ardente da Aquele que sabe navegar sobre a própria vida
força, porém a natureza do universo é destruir o não conhece o espaço da morte. Já o espírito reto
odor do homem. Quem luta livre sabe que a nuvem conhece somente o prazer próprio.
é verdadeira, mais verdadeira do que aquele que Todos estão à procura da verdade própria, mas
não quer lutar. Isso é a frequência da graça, pois é a verdade própria pode também ser chamada de
com coragem que sentimos o prazer pela mudança. fortaleza. Se todos te chamam de fraco, então há
Podemos marchar pelos nossos sonhos que mesmo somente você para afirmar que é forte.
assim chegará um dia em que todos se encontram.
Precisamos respirar ao menos um choro na vida
para se obter coragem.
Os pobres têm o direito de serem justos? Se acaso ele for
honesto, todos os seus atos são de justiça. Pois perdendo
Agora, falemos sobre a justiça. Sob a justiça do Estado, para todos não há como julgar alguém; você acaba reali-
todos supõem que o poder recai sobre os mais fracos. Mas, zando aquilo que lhe cabe. Já a justiça com os seus é pura
e o brasileiro!? Ele é justo? Normalmente, deve-se falar sobre amizade.
a justiça dos mais ricos e a justiça dos mais pobres, pois no Há nesse novo século um excessivo fortalecimento das
Brasil não há uma união sincera entre essas partes. E, às polícias militares, ou seja, pode-se perder em educação e
vezes, o brasileiro perde a referência, pois os mais ricos são em saúde, mas nunca em segurança. É a verdade da lei e
considerados justos diante do Estado, mas injustos aos olhos do pensamento ultraliberal. A polícia militar parece servir
dos pequenos. A corrupção dos mais ricos é comum, pois como uma espécie de varredura de excluídos sociais. E para
eles são dados a disputas políticas. Um exemplo de diferença isso os governos precisam legitimar o poder conferido pelos
sobre a justiça: a natureza fez um indivíduo normal, com cidadãos.
dois braços, e outro com apenas um braço. Aquele que nas- O pobre não consegue ser justo porque vive injustiçado.
ceu com um braço, tem para quem reclamar? Veja bem, isso E quando dizem ser ele injusto, parece apenas devolver a
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raiva do sistema. Um sistema que faz prevalecer a melhor Precisamos sempre da alma alegre, mesmo quando o espí-
vontade dos mais ricos, calar os trabalhadores e esmagar os rito se entristece. Nos servimos da palavra e da riqueza do
excluídos. outro. Sim, é verdade que pior do que a pobreza material,
A morte está rondando o panorama da sociedade somente a pobreza espiritual, mas para ser rico espiritual-
brasileira. mente não precisamos ser felizes. Muitos dizem que rir faz
A justiça parece ser apenas matéria, é o que se pode pen- bem ao espírito; pelo contrário, quando alguém ri do outro,
sar. Mas a justiça deveria ser o oposto, deveria ser parte do é porque muitas vezes se considera perfeito e hábil para a
espírito do Estado, pois deve-se julgar o espírito e não a vida. Rir é uma fraqueza do espírito. Da mesma maneira que
matéria. Todos estão cansados da justiça da matéria. Até rir não é bom, chorar também não é. São os opostos mais
quando o humilde vai se servir da Igreja para se sentir frequentes nas crianças, porque foram pouco testadas pela
melhor? O melhor é o espírito que carrega esperança, e esse vida e riem ou choram com mais frequência. Precisa-se da
nunca será julgado, nem nos Céus e nem na Terra. Justiça harmonia da seriedade.
é apenas parte do espírito, e para ter um espírito leve, cer- A verdade é uma virtude um pouco escassa em qualquer
tamente precisa ser justo. Saber o que é meu, isso é para os sociedade. No Brasil existe a figura do homem político
ricos. Saber o que é seu, isso é para o pobres. É por isso que polido entre o discurso e a trapaça, e muitos querem ser
um espírito leve percebe essa diferença somente nos outros, como ele. É ensinado que para se chegar ao poder é neces-
pois ele quer saber o que é de todos. sário usar de bastante mentira e ilusão. Se o exemplo que
Mata-se o espírito justo para dar razão à matéria. vem do poder não é virtuoso, então nas camadas populares
A verdade faz parte do que é ser brasileiro? Qualquer o exemplo é pior ainda, porque muitos querem aparentar-se
patriota diria que sim, mas basta perceber os arranjos sociais como próximos do poder. Para isso precisam se igualar à
para entender o quanto o brasileiro falta com a verdade. figura pública. E desde já muitos dizem saber que a verdade
É porque aquele que confere com a verdade pode ser cha- é somente para os idiotas.
mado de louco, pois na política se faz muito uso da men- O brasileiro gosta de mentir, talvez pela necessidade de
tira. A carta social que o povo aceitou para representá-lo provar aos outros que também pertence a alguma espécie de
tenta demonstrar que a verdade deveria ser o princípio de Olimpo. As mentiras seguem sufocando uns aos outros em
tudo — mas, na política, a mentira é um recurso estratégico. busca da riqueza: o vizinho mente dizendo que o filho traba-
Estamos sempre mascarando algum tipo de infelicidade, e lha numa excelente empresa do exterior; o outro se desilude,
para isso o recurso da mentira nos serve muito bem. Parece e assim pensa que o próprio filho é um fracassado. É inegá-
que para ser brasileiro somente existe a alternativa de ser vel que a mentira traz dor, mas o brasileiro encontrou essa
feliz. Ainda não adquirimos a sabedoria de que a infelici- solução para fantasiar a vida. A mentira transforma as ideias
dade existe, e ela é natural. instáveis em vontade de potência para todos — e todos estão
Algumas vezes parece que o brasileiro precisa extrair feli- em busca da riqueza e farão qualquer coisa por ela. A única
cidade da pobreza, precisa dizer que é virtuoso e bem aven- vontade do mentiroso é de mentir, pois todos precisam estar
turado. É um pouco da ilusão que o carnaval proporciona. no padrão do que todos idealizam como felicidade.
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A verdade precisa se sobrepor diante do nosso precon- precisa da humilhação do outro. Compartilhamos as fra-
ceito do que é a felicidade. quezas e assim nos tornamos fracos. Por exemplo: “Fulano
é excelente advogado”; isso é algo que nós não conseguimos
compartilhar. Mas se “fulano gosta de travestis”, isso parece
ser maravilhoso para ser compartilhado.
REFLEXÃO: Usa-se a verdade somente para subjugar o próximo.
Se buscamos a igualdade, precisamos então que a verdade
A verdade é o milagre que o pensamento ofensivo da alma seja única para alcançar a verdade do espírito. É
mais busca. As armas não podem ser feitas de fra- importante a relação com as pessoas e não com os obje-
ses e abraços. A única arma existente é o absoluto tos; sendo assim, a verdade torna-se a riqueza material. Tal
do ideal de cada um. Perder a verdade e o ideal é riqueza consegue apenas fascinar, ela não consegue ensinar.
perder a antemanhã da alegria lógica, ou do amor
em demasia. A verdade está num labirinto e não O fascínio pode ser considerado uma espécie de hipnose. O
vai conseguir sair nunca. outro te hipnotiza com coisas e objetos. E aquele que hip-
notiza através da coragem, da fortaleza, da bondade, da jus-
tiça… esse consegue representar o ideal do que verdadeira-
A verdade pode estar colocada numa extremidade oposta mente precisamos ser.
aos nossos sonhos, ou seja, queremos atingir nossos sonhos Levantar a verdade para a união, isso parece não existir
para que se tornem verdade. Há também aqueles que se can- mais.
sam da verdade e tornam-se loucos. A verdade é sempre
mais dura e áspera do que os sonhos e os ideais. Porém a
verdade é libertadora, ela é serenidade e descanso. Ninguém
precisa de uma verdade pura, pois sendo assim ninguém REFLEXÃO:
haveria de ter esperança. São as nuances da verdade que
podem libertar. Aquele que tem como base a lei da verdade O dia está mais bege do que azul, é por isso que
simples já consegue amadurecer seus ideais. E o que é a ver- a benção é articular o pior que existe em cada um.
dade simples? É a verdade do que existe ao redor. É como Tente ser um anticristo de vez em quando. E as
a verdade da alma, a verdade que compartilhamos normal- princesas adoram o século morto.
mente com os outros. E há também a verdade do espírito,
que é a verdade que existe entre você e Deus.
Normalmente, todos compartilham a verdade do espírito Sobre a humildade, é algo que aparentemente o brasi-
e ocultam a verdade da alma. Por isso, muitas vezes com- leiro possui com muita propriedade. Talvez muitos não
partilhamos as fraquezas de cada um, o que cabe somente sejam humildes, e sim pobres. Pois o pobre não tem outra
a Deus, e ocultamos a potência de cada um. Assim, presen- alternativa na vida do que ser humilde. Mas se ele alcança
ciamos uma verdadeira selva de fraquezas, onde cada um a riqueza por alguns instantes, perceberá o quanto sonha
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com a soberba. O antigo sonho nacional, subjugar o outro a televisão, quando reclama da insegurança; logo os coman-
pelo poder. Há uma distância entre a humildade plena e a dantes mandam prender à revelia para mostrar resultados
humildade comum. Na humildade plena, o indivíduo preza do trabalho da polícia.
por ela até mesmo através da fortuna, o que é mais difícil O que se estabeleceu aqui é tão somente o caos; a humil-
de existir. Já a humildade comum existe entre aqueles que dade é somente a máscara para tornarem possíveis a riqueza
são pobres materialmente e espiritualmente, e isso é mais e o poder. O brasileiro não é verdadeiramente humilde, mas
comum no dia a dia. A esperança no azul anil do nosso céu a todo instante precisa provar para todos e a si mesmo que é.
é a riqueza e o poder. É por isso que o número de evangé- O brasileiro somente torna-se humilde quando na pre-
licos aumenta a cada dia, pois há tempos atrás, riqueza e sença de uma personalidade importante: diante de um juiz,
poder eram somente conferidos aos católicos mais ricos. É a diante de um médico, diante de um político, diante de um
riqueza espiritual que afirma a presença da humildade plena. empresário... Com quem ele deveria ser realmente humilde
E a riqueza espiritual não é somente conhecer a palavra de ele não é. O brasileiro respeita e muito as castas sociais. É
Cristo, e sim ser o eterno aprendiz, aquele eterno aluno que por isso que muitas vezes uma revolução socialista é quase
repetiu vários anos e mesmo assim não deixou a escola. impossível. Temos uma educação baseada na ordem das
A fortuna revela a ambição de cada um, e é por isso que às igrejas, onde a pessoa se torna dócil diante da casta superior
vezes não há como afirmar que o brasileiro seja humilde. Ele e raivosa diante de seus pares; é uma humildade falsa, que
abandona a escola logo cedo, pois está certo de que estudo aceita todo e qualquer tipo de dominação pré-estabelecida.
não traz dinheiro. Usam como modelo alguns milionários Em primeiro lugar, quando um homem tem um ideal, ele
que se enriqueceram através de seus próprios esforços. não aceita nenhuma imposição que o faça regredir diante
O brasileiro se serve da humildade para garantir a sobre- dos mais fortes.
vivência, mas na primeira oportunidade de ter superiori- É preciso parar de ser o grande puxa-saco. Se é com
dade não pensa duas vezes antes de derrubar o outro. Às essa humildade servil que tentamos acender a chama da
vezes o Brasil se parece com o velho garimpo, onde todos mudança, verdadeiramente podemos fracassar sempre.
são lobos de todos. Somente se é cordeiro quando a neces- Pois para haver essa mudança, toda essa humildade (diante
sidade revela o dever de ser cordeiro. Isso existe bastante somente dos ricos) é imprestável.
na polícia brasileira: a face do lobo somente é revelada para Deixe a humildade para os conservadores. Ninguém
a camada mais baixa da sociedade. É a vontade do poder. quer pertencer ao Terceiro Milênio sendo escravo do
Aquele eu posso matar, naquele eu posso bater e contra Novo Mundo. Às vezes penso que deveríamos quebrar o
aquele eu não posso nada. É assim que muitas vezes se rege país inteiro pela necessidade e a vontade de sermos iguais
a conduta da polícia militar. Claro, a polícia nunca deveria perante a justiça e perante todos. Até quando precisaremos
ser humilde, porém é ela quem precisa pôr em prática a de dominadores e dominados? Rasgue essa fraca humildade
legislação. As leis escritas deveriam ser verdadeiramente o diante dos ricos. É ela quem nos transforma em cães amis-
poder do Estado, mas aqui todos precisam burlar ao menos tosos e dóceis. Fuja dos amigos e conhecidos que são ricos,
um pouco para obter alguns benefícios. Um exemplo disso é pois no futuro eles serão seus inimigos mesmo. Deixemos
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de ser a subcategoria do Brasil, aqueles que servem somente internet foi um verdadeiro tiro no pé das classes estabeleci-
para votar. Precisamos ser inteligentes o bastante para deixar das. Pois a internet é feita pela maioria, não é como a televi-
de ser uma peça sem uso. Façamos alguma revolução, seja são que se serve do pensamento de poucos sobre muitos. Ela
para a anarquia ou para a igualdade. Precisamos acreditar é uma mídia pronta, feita para cada um e, pela necessidade
que é possível a mudança. Deve-se entender que o capita- de interação, congrega e reúne. Ora, precisamos continuar a
lismo não tem nenhum projeto para nós, os excluídos do nossa busca pela constante humanidade para realizar a paz
pensamento moral e cívico. da maioria (a igualdade). Vinguemos a vitória da igualdade,
Deixe a humildade de férias, pelo menos pelos próximos façamos manifestações até o fim dos nossos dias. Somente
anos. Devemos derrubar a riqueza do seu posto de virtude. assim os que mandam ficarão sob o fio da navalha e qual-
Devemos esquecer a televisão com seus heróis e personalida- quer governador saberá que a população estará vociferando
des. São celebridades que nunca existirão no nosso mundo. contra os desvios sociais. Isso! Manter as manifestações para
Sonhemos com o caos. Isso, o caos! Qual é o milionário que sempre, sejamos ouvidos ou não.
se sente brasileiro? Brasileiros somos nós. Precisamos nos O Brasil parece ser um país feito para os vícios humanos. É
lembrar sempre de que somos defensores do sonho latino- que a covardia, a injustiça, a maldade, a mentira, a fraqueza,
-americano. Até quando a América do Norte será o nosso a arrogância… fazem parte do nosso cotidiano. É facilmente
Céu? perceptível que o brasileiro precisa ao menos de cada um
As manifestações surgidas de 2013 pra cá provam que desses vícios para sobreviver. Aqui existe solo fecundo para
a maioria está entendendo essa hipermodernidade. A fácil plantar nossos próprios erros. Por que o brasileiro precisa da
comunicação popular está reunindo as pessoas de mesmo covardia? Dentro de sua casta social, ele precisa mostrar-se
ideal. Naquele junho de 2013, o povo brasileiro estava com grande para não ser desprezado, então quando surge uma
a faca e o queijo na mão. Havia até governador fazendo ora- oportunidade de dominação, ele não perde tempo; ou seja,
ções na Igreja para pedir proteção. Ora, ao menos uma vez é servil diante do mandatário e arrogante diante dos mais
na vida, eles precisam pedir a proteção divina, já que estão humildes. Encontramos isso em toda atividade humana, seja
sempre cercados e protegidos pelas armas militares. Naquele no trabalho, na escola, na igreja ou na política. Parece que
ano o povo brasileiro poderia revolucionar se quisesse. o Brasil foi concebido para ser um país de cabeça pra baixo.
Porém o poder midiático fazia a lavagem cerebral: somos Por que o brasileiro precisa da injustiça? Para sair impune
contra manifestações violentas. Isso se reproduziu tanto no diante dos erros comuns. A injustiça perdoa a persistente
país que em pouco tempo apaziguaram a vontade popular. busca pelo prazer. Muitas vezes, o brasileiro precisa ser ao
É necessário aprender que numa batalha, quando o inimigo menos um pouco injusto. É a injustiça permanente em todas
recua, deve-se atacar até a rendição. O que aconteceu então? as classes. Ninguém pode passar a vida inteira como um
O ímpeto da maioria foi voltando à normalidade, e hoje em bondoso cristão; é o mesmo que ser chamado de idiota duas
dia o país está pior do que antes. vezes. É que, ao fechar os olhos, você pode perder o que é
Mas ainda resta esperança. De tempos em tempos, surge ser alguém. A existência do carnaval prova que, mesmo num
uma nova manifestação nas ruas. Às vezes penso que a país cristão, precisamos ser imperfeitos, fracos e maliciosos.
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Qualquer um passa por cima do outro, desde que seja em assim viver nos meios celebrados pelos ricos. Ele precisa se
nome do capital. Veja o quão injustos somos com o povo achar virtuoso também. Isso é muito comum, pois numa
e o quanto somos injustos com a nossa própria liberdade, sociedade desigual muitos precisam se considerar especiais;
ou com nossos ideais. A nossa espiritualidade parece valer e nada como a mentira para fazer a alma se sentir um pouco
apenas o surgimento das nossas imperfeições. privilegiada.
Por que o brasileiro precisa da maldade? Sem ela não há O brasileiro sempre precisou do recurso da mentira para
dominação, não há o prazer de dominar. Desejamos a mal- fantasiar a própria existência. A verdade sólida, às vezes,
dade até para os nossos. A maldade parece ser o recurso mais pode desgraçar bem mais do que a mentira. É por isso que
comum para a vontade de prazer. A bondade parece ser feita o Brasil é como uma panela no fogo, pois as imperfeições
para o uso dos tolos. No país dos espertos, ninguém pode vão engrossando o caldo até não haver mais saída. Muito
ser considerado tolo. É que a vontade única de ser esperto de uma crise surge assim. E o brasileiro não tem outra saída
desencadeia a maldade como força simbólica da nossa des- a não ser mentir, pois a fantasia parece ser melhor do que
virtude. Somos conhecidos como um povo trapaceiro. a realidade. É essa dureza da realidade do brasileiro que o
torna apto para a mentira: ela parece ser a única saída.
Imagine uma pirâmide, onde quanto mais próximo se
está do topo, mais próximo se está dos prazeres da alma e
do corpo. É através de qualquer tipo de sorte que o brasi-
REFLEXÃO: leiro tenta escalar essa pirâmide; assim, o país consegue ser
marcado como um lugar onde o homem é lobo do homem.
A borboleta da bondade pousa somente em flores, Aqui sim, há todas as possibilidades de sorte ou azar. Tanto
em espaços auribrancos. A nossa verdade é sempre é assim, que a maioria não preza tanto pela educação, pre-
acreditar no bicho-homem. Precisamos acreditar fere trabalhar logo cedo. Quanto mais cedo, mais fácil para
também na boa-fé.
Aquele que beija a bailarina sabe que a aven- aprender o jogo da sobrevivência pelo capitalismo extra
tura não é se arrepender da arte. É a proximidade selvagem.
da bailarina que torna o romance mais verdadeiro. Muitas vezes o indivíduo sucumbe à fraqueza, pois a fúria
Quando precisamos de paz é quando enlouquece- da disputa entre os homens torna alguns cansados. Desistem
mos, pois a natureza deixa vestígios. de sonhos, projetos e ideais. Logo, a vida virtuosa parece
ficar cada vez mais distante. Por mais que muitos provem o
contrário, o brasileiro tem sim um pouco de fraqueza. Não
Por que o brasileiro precisa da mentira? Porque somente digo fraqueza diante do trabalho, nisso o brasileiro é muito
a mentira ilumina os cegos. Para aquele indivíduo que forte. Digo da fraqueza das desvirtudes de cada um diante
não consegue mais enxergar a luz, a mentira passa a ser a dos ideais. O brasileiro é conformado. A maioria que diz
única fonte de virtuosismo. Um exemplo disso é o indiví- não gostar de política é a mesma maioria que não acredita
duo falso, que usa da mentira para ser considerado rico e em mudança.
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e bastante comum nas cidades brasileiras, é a famosa “car-
teirada”; é quando a igualdade é posta de lado. Muitos poli-
ciais seguem esse requisito, agindo de maneira desigual. Se
REFLEXÃO: o meliante é filho de uma faxineira, ele é tratado de modo
covarde; mas quando o meliante é filho de deputado, ele é
O arranjo já está feito, agora precisamos de tratado de um modo em que seus direitos são preservados.
armas e argumentos diante do arco da chuva. Muitos diriam que isso vem do despreparo da polícia brasi-
Precisamos luzir nossas próprias esperanças. Até
quando aceitaremos ser os piores? É por isso que leira. Não, isso vem do nosso infeliz costume de bajular os
precisamos lavar as consciências e derramar as mais ricos e poderosos.
mazelas em algum inferno escondido. Ou é assim,
ou os absurdos sempre serão como peixes vivos.
REFLEXÃO:
E por que o brasileiro precisa ser arrogante? Muitas vezes é De bege é a cor da baderna, beijamos apenas o
necessário demonstrar poder diante da casta. É-se obrigado sonho capital. É por isso que a bonança é absurda.
a demarcar o território, já que ninguém pode sobrelevar a Afinal, quem é áspero e feito de nhenhenhém? E o
virtude material. Estão todos condenados a viver somente bailarino baila nas possibilidades da antiga ver-
o que a dura realidade impõe. Se alguém é excessivamente dade. Precisa-se ainda saber qual o verso verda-
corajoso e justo, uma parte da sociedade nunca aceitará tais deiro, o verso aprendiz ou o verso mestre?
virtudes se postas diante do rico, pois no Brasil, corajoso e
justo é somente o rico. A riqueza é a única virtude do pen-
samento. Assim, estamos demarcando a parte de cada um, E por que o brasileiro precisa ser também humilde? Para
e aquele que tem mais precisa ser arrogante para realizar a não ser esmagado pela força corruptora. Mas para não ser
capacidade e o poder da virtude material. esmagado ele precisa ao menos ter o mínimo — e a neces-
O brasileiro consagra a arrogância somente ao poder sidade da ajuda do governo já produz sua fraqueza. Aquele
dos mais ricos e poderosos. Ou seja, sendo rico e poderoso, que não tem o mínimo é colocado à parte, e precisa aprender
pode-se ser arrogante. Não se vive num lugar onde a igual- a viver com o medo da morte, seja o medo do extermínio
dade é promovida e celebrada, pois essa igualdade pertence de moradores de rua, seja o medo da morte como bandido
somente ao consciente coletivo, enquanto o poder de alguns pobre, seja o medo da guerra do tráfico. Ser pobre no Brasil
pertence ao subconsciente coletivo. Há um ditado popular é possuir o atestado de quem não possui cidadania, garan-
para isso: manda quem pode, obedece quem tem juízo. Isso tia e nem direitos; e mesmo sendo humilde, pode ser que
quer dizer que o subconsciente surge quando a utilidade do encontre todos os infortúnios da vida. Ser pobre é sempre
poder é oportuna. Nesse momento, o poder de casta emerge, depender da compaixão dos outros. Mas o pobre precisa ser
e a igualdade cai em abismo profundo. Um exemplo disso, humilde para ao menos ser honesto, palavra às vezes que
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não possui o sabor de honra. Parece que precisamos encon- quer ostentar a pobreza. É por isso que ser professor é sinô-
trar uma lei flutuante entre os homens. nimo de ser quem tenta qualificar a pobreza, já que os ideais
Talvez a nossa falsa humildade tenha sido ensinada atra- de Esquerda estão todos soterrados. O fundamental para
vés da tradição católica. Se perguntássemos aos brasileiros, o brasileiro é depender de algo ou de alguém, e para isso,
todos responderiam que a humildade é uma linda virtude. ser um contemplador da sabedoria é como dizer: sou inte-
Entretanto, dizemos ao mundo que somos humildes, mas ligente, mas ganho menos do que você. Afinal, em nosso
nunca perdemos a chance de ser arrogantes. pensamento primário, inteligente é aquele que ganha mais.
Há em muitos um descontrole da sabedoria: ser humilde Há aqueles ainda que enxergam luz na ignorância. São
diante dos mais fortes e arrogante diante dos mais fracos. aqueles que legitimam o lucro, e sempre ganham mais do
Parece ser assim a nossa velha tradição de trapaceiros. Mas que os outros. Deixam a escola logo cedo para cumprir a
existe uma razão para isso, e ela é permanente: é a razão promessa do trabalho e em pouco tempo já estão diante
pela virtude material. Reverenciamos o aspecto lúdico que a do pensamento evangélico. O único pensamento é lucrar e
riqueza traz aos nossos sentidos, por isso quando nos depa- seguir as vontades de Jesus. Ou seja, o pensamento cristão
ramos com os mais fortes, sabiamente nos derrotamos. nunca pode ser questionado, mas a busca da riqueza é con-
tínua e merecedora da salvação.
Ser ignorante é cultivar somente a riqueza. Ser ignorante
é dizer o que todos sabem — e o brasileiro louva essa con-
REFLEXÃO: dição. Para ele, a sabedoria é uma mistura de Cristo, carna-
val, automóvel, futebol e música popular. Todo brasileiro
A imaginação precisa ser a mudança do erro é erudito sobre essas ideias. Cristo é o salvador. Carnaval
romântico, precisa ser o espaço auribranco de nos- é mulher. Automóvel é poder. Futebol é paixão. E música
sas consciências. Afinal, quem conseguiu ser sol- popular é alegria. Verdadeiramente, essa parece ser a sabedo-
dado da própria mudança? Como é pueril a nossa ria brasileira; não há como fugir desse pensamento fechado.
vontade tratante! Devemos esperar sempre a pri- Cabe dizer que a ignorância do povo é bastante impor-
mavera, ou devemos esperar a brisa fria serenar tante para aqueles que se utilizam da política. E os ignoran-
a nossa vontade ardida? Usar a roupagem do per- tes aceitam o conforto da ignorância. Quanto mais disperso
dão tem valor de paz de alma. Assim, sublime
mesmo é a geometria material do nosso argumento diante de seus ideais, mais distante está de qualquer palavra
escondido. que consiga acertar a verdade. Se a verdade realmente existe,
sem os nossos ideais não podemos atingir qualquer verdade
nessa vida.
Por que o brasileiro precisa ser ignorante? Para não impor Certamente o brasileiro precisa ser ignorante para cultivar
qualquer tipo de força aos mais ricos. Aqui, sabedoria sem suas próprias correntes que o seguram ao chão. Precisamos
cristianismo é vista como uma espécie de vaidade vã. Parece sonhar apenas com o veículo zero quilômetro. É assim que
que se quer ser aquilo que não se pode ser. Parece que se pensamos diante do eu eterno. Parece que ninguém pode
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desejar um mundo menos autodestrutivo que logo passa a conseguiu ter algumas empresas desse porte, como é o caso
ser o idiota do novo século. dos Correios e da Petrobrás. Ser de Esquerda não há a obri-
gatoriedade de somente estatizar empresas privadas, basta
criar novas empresas estatais, mas que sejam lucrativas, que
REFLEXÃO: sejam empresas de vanguarda financeira, pois com essas
empresas se poderia empregar mais trabalhadores e gerar
O sobreceleste existe para os antinaturais, aqueles mais lucros e dividendos para o Estado.
que tingem as cores da valsa. Aflição não é a água
turva, aflição é deixar de amanhecer a música: logo
perceberá que ela é feita do amor anterior…
REFLEXÃO:
Antes do governo FHC, o Brasil era um pouquinho O arranjo da benção é buscar o azul de baixo
comunista. A base da indústria nacional até então era estatal. para cima. Pois todos querem o azul, que seja o
Havia a Vale e outras… O brasileiro de classe média baixa azul da baderna ou o azul áspero. Não se pode
sonhava naquele tempo em trabalhar para o governo; hoje, arrepender de se tentar buscar a perfeição. O tirano
somente existe quando todos querem ser tiranos.
ao sair da universidade, o jovem precisa empreender seu Nunca existiu o zero na bondade e nem na justiça.
pequeno negócio. Parece que realmente aceitamos o neoli- Quando o sobreceleste está alto demais, precisa-
beralismo e a louca hipermodernidade. E parece não haver mos ao menos sonhar em voar. Primeiro precisa-
outra saída; ou se empreende um pequeno negócio, ou se mos sonhar, para depois voar.
aceita trabalhar para os outros por muito pouco. O que para
muitos era considerado a chance de o Brasil deixar a lou-
cura neoliberal, hoje parece acender ainda mais a chama. Por que o brasileiro precisa ser desonesto? A desonesti-
Os anos Lula foram os anos mais divinos para os grandes dade é um tipo de pecado que a maioria considera como um
empresários: o Brasil chegou a crescer 4% ao ano. Lula, mal necessário. Porém, é o pecado chave dos nossos costu-
que era considerado a maior chama da Esquerda até então, mes. Ela vem de baixo pra cima e de cima pra baixo. Quero
somente incrementou as condições dos grandes empresários dizer que o brasileiro da classe baixa comete esse pecado
e banqueiros, enquanto suspendia um pouco os mais pobres, por acreditar que para alcançar o sucesso é preciso ter um
reduzindo a distância da classe média com a classe baixa. pouco de desonestidade. Já o brasileiro da classe alta, que
Mas a distância dos mais pobres com os mais ricos apenas na maioria das vezes é considerado educado, percebe que o
cresceu vertiginosamente. país é um grande lamaçal, e por isso também comete esse
O PT deveria tentar colocar o ideal esquerdista em prá- pecado. Ambos assumem essa postura para competir em
tica. Sim, o Estado Nacional está pesado, mas há possibili- igualdade com seus concorrentes, pois sempre que alguém
dades de se gerar empresas estatais lucrativas. O Brasil já se mostra melhor do que nós, provavelmente pensamos: ele
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é desonesto. Às vezes, o capitalismo engendra na sociedade
uma capacidade fora do comum diante da desonestidade.
O pensamento determinante do capitalismo é passar por
cima do outro, ou seja, é preciso levar vantagem em tudo, REFLEXÃO:
como bestas-feras que se alimentam de tristeza: Se o outro
está mal, então eu estou bem. Isso parece que faz parte do Parece que na mira da nossa artilharia, acerta-
cotidiano. Alimenta-se a rivalidade para o poder. Parece que mos apenas nossas asas.
não possuímos a condição do crescimento material ligado
ao espiritual e que aos poucos deixamos de ser nação, talvez
pelas nossas eternas rivalidades. Por que o brasileiro precisa ser maldito? A condição de
Ser desonesto é degradante para qualquer espírito; ima- possuir um espírito maligno se faz presente sempre quando
gine uma sociedade que se auto intitula desonesta. É como a desordem está estabelecida, porque quando praticamos o
se todos nós estivéssemos no caldeirão da bruxa malvada, mal e não há nenhum tipo de punição, a maldade parece ser
pois uma sociedade desonesta não tem a mínima capacidade uma condição flutuante para se obter uma espécie de prazer
de ser considerada nação, e muito menos consegue se orgu- ou vantagem. Na verdade o mal é uma fuga da realidade,
lhar verdadeiramente ao ouvir o hino com sua bandeira has- pois todos aqueles que se utilizam do mal, quase sempre
teada. É que nesse caso não somos patriotas, e sim ufanistas. estão querendo negar a própria realidade. Mas num país em
Tente lembrar, caso tenha mais de dezesseis anos, o que vem que a desigualdade parece ser uma efígie da justiça, mui-
à mente ao celebrar o hino e a bandeira brasileira. Todas as tos não suportam o peso de uma realidade dura e muitas
mazelas que conhecemos vêm à mente e, mais ainda, para vezes a fuga parece vir com o descanso, e vem como des-
não nos sentirmos diminuídos diante do mundo, tentamos canso porque o espírito é espancado em todos os instan-
maquiar nosso orgulho, seja através do futebol ou das nossas tes. Não há momento para enxergar o outro num ponto de
riquíssimas belezas naturais. Agora, sobre nós como povo e igualdade. Assim, uma luta de classes gera uma raiva que
como nação, quase não há orgulho, restando apenas as difi- impede o estabelecimento da ordem. E como a classe mais
culdades de um povo que segue lutando diante da derrota. E, baixa vai admitir qualquer tipo de ordem se ela está sendo
certamente, nos esquecemos de como o mundo nos enxerga. lesada constantemente? Pois diante de um compromisso
Um país de extremos contrastes sociais e uma riqueza incal- social, as leis precisam ser verdadeiras, porém favorecem
culável repartida por poucos. Somando-se a esse palco de somente um lado. Nisso, muitos precisam negar a ordem,
iniquidades, celebramos em todo fevereiro uma festa pro- porque se a ordem (o compromisso social) é lesar aqueles
fana que não existe em lugar algum. É assim que o mundo tidos como bons, logo não há lei. Então vivemos num país
realmente nos enxerga. sem leis, onde a vida torna-se um jogo para ser jogado ape-
nas pelos mais ricos. E cada vez mais o espírito maligno
começa a usar uma roupagem de virtude: é muito comum
entre os brasileiros a vontade de ser considerado malandro.
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E o malandro, no Brasil, tem dois conceitos: é aquele indiví- Para um Estado ser comunista, ele precisa ser composto
duo que tem muitos amigos e é respeitado por todos. Mas o somente por empresas estatais, ou seja, tudo que a população
malandro também tem a característica, principalmente para consome vem das estatais; e o Brasil, até mesmo nos anos
a polícia, de ser um bandido. Assim surge o pensamento do da ditadura, tinha alguns destes aspectos. Havia a Petrobrás,
tipo maligno: se sou um indivíduo que possui muitos ami- os Correios, as empresas telefônicas, as empresas de ener-
gos e sou respeitado por todos, necessariamente, também gia elétrica, as empresas de água e esgoto, as siderúrgicas,
posso ser um bandido. E num país governado através de a Vale do Rio Doce e muitas outras… Podemos notar que
um Estado Mínimo, o sonho da Direita (Estado composto boa parte da classe média daqueles tempos trabalhava nes-
apenas pela Segurança), dessa maneira, é que quase todos sas estatais. O jovem que ingressava nessas empresas era
os brasileiros serão tidos como bandidos. Assim pode haver tido como motivo de orgulho pela família e pela sociedade.
uma transcendência do espírito maligno entre o povo brasi- Com o início da era FHC, esse sonho de ser funcionário
leiro, ou uma constante revolta contra a república. Portanto, público foi se acabando, pois o neoliberalismo tornou-se
haveria uma declaração de desordem do Estado contra o a palavra de ordem. Para haver possibilidades de ascensão
povo e as leis não teriam valor suficiente. social o jovem passou a empreender o próprio negócio,
mas a facilidade dessa ascensão tornou-se um processo de
grande risco. Como a economia do país está aberta para
REFLEXÃO: negócios do resto do mundo, a disputa de mercado entre as
empresas iniciou um processo de acirramento social: como
O sagrado pode até atingir a asa, mas aquele as pequenas empresas quase não desenvolvem grandes
que defende a asa é aquele que precisa voar, voar negócios, o desemprego foi se tornando frequente, restando
não para lugar nenhum, mas voar para o próprio para a classe mais baixa o trabalho na economia informal.
coração. Com isso, aquele jovem de classe média baixa que poderia
As armas existem, mas nenhuma aflição poderá ao menos almejar um lugar no funcionalismo público, hoje
impedir a chegada da primavera. Podemos anoi- trabalha para pequenas empresas ou trabalha na economia
tecer nossos escrúpulos, e amanhecer a nossa van-
guarda. Se o Brasil possui um sabre, esse sabre é a informal. Dessa maneira, é mais fácil entender que a classe
nossa realidade mais verdadeira, a nossa realidade média aumentou de número, mas baixou em renda.
tão senhora esquecida. Busquemos então voar até Quando veio o governo petista, houve poucas mudanças
com asas machucadas. na estrutura política e socioeconômica. O governo petista
navegava com os ventos do neoliberalismo no mundo e
quase não havia chances para alterar a máquina do Estado.
Antes do governo Collor, o Estado brasileiro tinha alguns Ou seja, todo esse governo de Esquerda, durante mais de
poucos aspectos comunistas. Basta ver algumas de suas esta- uma década, era apenas um governo neoliberal comedido,
tais, que inclusive eram empresas com grande capacidade um governo que era neoliberal mas sem vestir a camisa do
de retorno. neoliberalismo. Não havia dentro das lideranças petistas
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um projeto comunista — e é por isso que foi surgindo uma socialismo no Brasil — e seria importante comprar empre-
desesperança na Esquerda latino-americana: mesmo alcan- sas com capacidade de lucro, para responder a Direita à
çando o poder, não havia como impor sobre o país uma altura. Comprar indústrias de base seria decisivo para pro-
política verdadeiramente comunista, uma política que con- jetos de infraestrutura no território nacional, mantendo o
trariasse as vontades neoliberais. foco no Segundo Setor da economia, uma fraqueza que pre-
E como deveria ser essa política comunista? Ora, se a cisa ser restaurada. Privilegiando os esforços de estatização
Direita quer privatizar, a Esquerda deveria querer estatizar. no Segundo Setor, poder-se-ia aprimorar a concorrência das
Para estatizar, você não precisa de soldados para fechar a indústrias, pois com indústrias fortes seria possível pensar
empresa do capitalista. Caso ele coloque a empresa à venda, na exportação de produtos com valor agregado (tecnologia
o governo de Esquerda precisa apenas comprar. Ora, sabe- e pesquisa). Qualquer país que se diz desenvolvido possui
-se que num governo dito comunista o Estado é composto uma indústria nacional forte. Não se conquista o desenvol-
de somente empresas estatais. Sendo assim, comprando vimento sem uma indústria forte, que agregue valor e renda,
as empresas privadas na condição de democracia (na lei aumentando o número de emprego formal.
do livre mercado), pode-se almejar o tão sonhado comu- Deve-se pensar num projeto político de Esquerda que
nismo. Parodiando o antigo ditado, é de grão em grão que realmente alavanque o sonho dos esquerdistas. A Esquerda
a galinha enche o papo. Logo, existe uma possibilidade de precisa ter uma cara no jogo político, sem depender do caos
o Estado tornar-se comunista ou socialista, mesmo den- ou de revoltas populares. Pois quando a sede dos esquerdis-
tro do jogo capitalista, democrático e republicano. Ou seja, tas não é saciada pode haver revoltas, assim trazendo a des-
quando a Esquerda tomasse o poder novamente pelo jogo construção das conquistas feitas até aqui (uma democracia
democrático, bastaria apenas, com o dinheiro público, com- com uma Constituição baseada nos Direitos Humanos). E
prar empresas privadas que fossem postas à venda. Desta o que representa essa desconstrução? Ela nos mostra que
maneira, poderíamos encontrar uma luz para a Esquerda a Esquerda não suporta a própria vitória: aquilo que ela
latino-americana. Claro, o socialismo não viria da noite para lutou durante anos para conquistar, parece ela mesma que-
o dia como muitos desejam, mas haveria ao menos um pro- rer destruir, ocasionando novamente a possibilidade de um
jeto político dentro de seus ideais, e possivelmente legal. governo ditatorial ou militarista. A linha do poder é bastante
Uma definição clara aqui seria que ter a Esquerda no sensível, pois aquilo pelo que se lutou durante anos parece
poder é igual à estatização; já a Direita no poder é igual ao querer ruir diante das nossas próprias mãos. Atualmente,
velho neoliberalismo, vendendo todo o Estado. Como o PT por causa das Redes Sociais, de vez em quando surge alguma
é mais forte entre as camadas mais populares do país, pro- revolta popular. Parece que estamos “de saco cheio” de nós
vavelmente a estatização seria melhor aceita pela sociedade. mesmos, então conclui-se que a própria sociedade civil fra-
Haveria um apoio popular, juntamente com seus parceiros cassou; assim, o fantasma da ditadura, a cada eleição, começa
políticos: CUT, UNE, MST e outros. Nota-se que a estatiza- a assombrar. Não estou dizendo que teremos outro governo
ção dificilmente chegaria perto dos 100%, mas se chegasse a ditatorial, o que deixo registrado aqui é que essas revoltas
20% de grandes empresas, já seria uma luz para o futuro do populares podem desestruturar a capacidade de preservação
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do pacto social de 1988. A Esquerda política do país precisa das pessoas de tornarem-se ricas está cada vez mais distante.
desenvolver um projeto comunista de poder, e para isso pre-
cisa estatizar os grandes capitalistas.
Mas muitos afirmam que até indústrias nacionais reco-
nhecidas no mercado, como a Petrobrás, em vários momen- REFLEXÃO:
tos acarretam apenas dívidas. Nessas horas é preciso acredi-
tar e acompanhar as mudanças. Muitas empresas europeias, Mesmo quando a verdade torna-se nula, ainda é
quando fecham suas portas para um negócio, é porque real- possível almejar o espaço branco, aquele espaço que
mente esse tipo de negócio ruiu; não dá mais para ganhar é somente meu. A possibilidade de mudança surge
dinheiro com ele. E o que fazem então? Mudam para um com a própria vontade de mudar. A bondade não é
um boneco que eu uso somente para a minha apa-
outro negócio, que muitas vezes não tem nada a ver com rição, ela precisa estar sempre presente. Até quando
o negócio anterior. Para exemplificar essa situação, pode- o voo se tornará cansativo e áspero?
-se pensar em uma empresa que fabrica fogões industriais Deixe o boato da boa-fé espalhar-se pelo mundo,
e que passa a trabalhar no ramo da informática. Claro, não e assim encontraremos armas para a paz.
há a menor compatibilidade entre um ramo e o outro, mas
o que importa aqui é a visão, é a capacidade de enxergar
onde a empresa pode ir mais longe. Nesses tempos de hiper- Como o comunismo não conseguiu se reinventar nesse
modernidade não estar sensível ao caminho do lucro e dos início de milênio, ele parece ser mais desejado ainda. Deve-se
dividendos pode ser uma completa ruína. esclarecer que a verve do comunismo não ficou para ama-
Atualmente assistimos a uma excessiva vontade do con- durecer como amadureceu o capitalismo. Por que então o
sumo e para consumir precisamos de produtos que, na comunismo ainda é muito desejado? Principalmente na
lógica capitalista, sempre estão à disposição. Mas existe uma América Latina, onde o capitalismo selvagem é mais engen-
parcela da sociedade que não consome, apenas sobrevive. drado, os moldes do socialismo parecem ser a única solução
É essa parte da sociedade que precisamos conhecer, e para para a enorme desigualdade alcançada; é que o capitalismo,
isso é preciso que ela ascenda a uma escala social mais alta, aqui, apenas celebra as enormes distorções sociais e políti-
ascensão que já não existe tão facilmente como nos anos cas. A juventude daqui nunca acreditou e parece que nunca
70, 80 e 90. Parece que houve no Brasil uma considerável vai acreditar na lei do mercado, sendo o socialismo a única
estagnação nas camadas sociais; de quase nada vale ascen- medida possível que pode ser acreditada. A lei do mercado,
der da classe baixa para a classe média baixa, pois o ritmo em campos de capitalismo selvagem, apenas aumenta a dis-
de consumo é praticamente o mesmo. Quase não ouvimos tância entre ricos e pobres. Acredita-se ainda no socialismo
mais falar sobre aquele que ficou rico (trabalhando hones- porque ele foi pouco testado durante a história. Talvez aqui
tamente). Sim, sabemos daquele que comprou um carro ou ele pudesse se revelar mais fértil do que em qualquer outro
uma casa, mas não daquele que ficou rico em pouco tempo. lugar. Essa é a crença.
A ascensão parece mesmo estagnada. O sonho da maioria Já do sonho liberal não dá para se esperar mais nada. Esse
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jogo somente pode ser jogado por quem sabe jogar. Não
dá para esperar do sonho liberal qualquer tipo de humani-
dade. Nesse sonho, o capital é o amor, logo o capital é tudo. REFLEXÃO:
Aqueles que ainda sonham com o socialismo, é por espe-
rarem a novidade da igualdade pela primeira vez. O socia- A aparição de um anjo vale pelo boato da bon-
lismo busca equilibrar o nosso Leviatã. dade, mas a aparição de um demônio vale pelo
O que existe no sonho liberal para os mais pobres? Nada. boato do medo. Avante, para espíritos corajosos!
E todos sabem por quê? Porque o povo não é dono de nada. Defendam, para espíritos de abrigo! É quase ruim
O povo não exerce soberania sobre nada. Há apenas o indi- sentir o gosto da punição. Isso acontece quando não
vidualismo! Sendo assim, não há educação, transporte ou conseguimos mais soprar a nossa vida. Parece que
saúde. Há somente a segurança lutando contra o próprio queremos proteger a rocha da rosa. É somente com
povo. rimas que conseguimos escapar da nossa sorte mais
sólida.
Veja o quão triste é a nossa ignorância. Veja o número Acompanhe o vendaval e descobrirá que o antigo
de eleitores pobres que votam nos liberais de Direita. Ora, ajuda apenas na hora da agonia, pois o tigre tem a
votar nos liberais é apenas para os capitalistas empreende- força do que é novo. E a vanguarda é a totalidade
dores. É como votar no patrão; e parece que todos ainda dos tigres.
não conhecem o Estado Mínimo dos liberais. Resume-se
apenas a segurança, e se não houver um fortalecimento da
Esquerda, em pouco tempo o Brasil será apenas uma Força O Produto Interno Bruto (PIB) em 2011 da Região Norte
de Guarda Nacional. É preciso acreditar num Estado que representava 5,4% do nacional, assim distribuído: Pará:
faça parte da nossa história. 2,1 %; Amazonas: 1,6%; Rondônia: 0,7%; Tocantins: 0,4%;
Amapá: 0,2%; Acre: 0,2%; Roraima: 0,2%.
Na agricultura da Região Norte tem crescido muito
as plantações de soja, além de outras culturas comuns: o
arroz, o guaraná, a mandioca, o cacau, o cupuaçu, o coco e
o maracujá.
O estado de Rondônia atualmente se destaca na produção
de café (maior produtor da Região Norte), além de cacau,
feijão, milho, soja, arroz e mandioca.
As culturas que vêm sendo cultivadas em outras regiões
também estão sendo adquiridas pelos produtores do Norte.
O que faz parte da agricultura de exportação, todos aqueles
itens exigidos para a exportação também ganham menção
entre os nortistas. Ou seja, produz-se aquilo que sempre
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vende mais. Não há uma agricultura para visar o abasteci- subsídios para quem vai plantar soja para o resto do mundo.
mento interno, o que faria os preços de gêneros alimentícios Um estudo analisou as dez áreas mais protegidas em
baixarem consideravelmente. Um exemplo é a plantação da alerta de desmatamento. Verificou-se, em todas elas, ocu-
soja, usada como principal item de exportação e produzida pantes ilegais e ausência de plano de gestão. Em todas essas
apenas para o grande capital — isso para não mencionar áreas há ameaças de expansão ou melhoria de infraestrutura.
que é na produção da soja onde mais se provoca o desma- Isso atrai imigrantes e torna o desmatamento mais atrativo
tamento da Floresta Amazônica. Na busca determinante de economicamente.
produzir e vender suas comodities, o Brasil apela para qual- A atração de imigrantes pode fazer ruir qualquer política
quer proeza. Parece que precisamos vender o país a qual- de proteção. Não se pode mais querer asfaltar o mundo. Mas
quer custo. Esquecemos dia após dia do desmatamento da nas condições com que o governo dos estados amazônicos
Amazônia, porque precisamos vender nossa soja. Será que tratam sua política de imigração, leva-se a um enorme con-
nossa soja é tão valiosa assim? Precisamos chegar ao ponto tingente de pessoas a procurar a Amazônia como parte de
de desmatar nossa maior riqueza? A soja não pode ser tão seus futuros modos de vida (enriquecimento). Imigrantes
importante assim. vêm chegando de toda parte com o sonho de prosperar, e
É fundamental organizar e defender o território da para prosperar você tem que retirar ou alterar o sistema flo-
Floresta. A Amazônia é a nossa principal riqueza, e quando restal à sua volta — ou seja, quanto mais gente, mais des-
percebermos a importância da sua existência, provavel- truição. Às vezes, uma família chega a um determinado chão
mente estará acabada. Algum dia um governo deverá lançar amazônico e logo precisa derrubar algumas árvores, ou até
mão dessa economia de comodities. Esquecer um pouco do mesmo desmatar indiscriminadamente, pois logo precisa
setor agropecuário da economia, pois até parece que somos colocar a própria terra em conformidade com uma cul-
uma espécie de país africano ou uma grande fazenda em que tura que enriqueça a capacidade de prosperar. Aumentar o
é preciso plantar e colher para sobreviver. Algum governo número da população local é como querer destruir a floresta
ainda acordará para a importância do Segundo Setor, porque também, afinal todos, seja nas cidades ou nos campos, têm
é somente ele que realmente destaca a riqueza, é somente sua parcela de culpa no desmatamento. Hoje chegou um
ele que caracteriza o desenvolvimento do país, é somente pequeno camponês que pretende apenas colher os frutos
ele que garante qualidade de vida. Mesmo o Brasil desse da floresta. Amanhã, chega um grande fazendeiro que pre-
século sendo notadamente um país urbano, há ainda aqueles tende colocar tudo abaixo para plantar soja para o mercado
que cerceiam essa vontade urbana e classificam o Brasil ape- externo. O homem branco e sua civilização vêm chegando
nas com base em pequenos produtos da economia. A soja e destruindo ao mesmo tempo.
somente tem valor hoje, mas depois poderão encontrar uma Nessas regiões é preciso empreender a ideia de que o des-
soja melhor em outro país periférico. Somos isso, a peri- matamento deve ser zero, pois somente assim preservaremos
feria do mundo! A soja não possui valor algum agregado. uma floresta de importância fundamental para a existência
Precisamos ser desenvolvimentistas e pouco nos importar- do verde no futuro, garantindo também o modus vivendi
mos com o preço da soja no mercado mundial. Chega de de diversas nações indígenas e garantindo a vida (fauna e
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flora). A falha do sistema e a não fiscalização dessas regiões eólica e a energia solar, como também a energia da biomassa.
podem levar ao fim precoce da Amazônia. O que seria esse Em todo o mundo atual está havendo uma Revolução
fim precoce? É o que quase vivemos hoje — a ganância Energética (limpa e sustentável, com base nos recursos dis-
transformando a floresta em dinheiro. Deve-se entender que poníveis de tecnologias atuais). É uma necessidade atual,
a busca por capitais tem um limite, e esse limite é a Floresta desenvolver o futuro da energia para o país e conciliar cres-
Amazônica. Um exemplo desse fim precoce está na maneira cimento econômico com preservação ambiental. Deve-se
como o governo federal enxerga a dureza do capitalismo na adaptar o uso racional de energia em edifícios, indústrias
região. A título de propaganda, o governo anuncia sistemas e meios de transporte. Em pouco tempo, será parte pre-
para a preservação da floresta, porém o uso ganancioso pre- dominante de qualquer crescimento econômico o uso de
cisa do crescimento econômico como desculpa, e com isso uma energia limpa e renovável. Algo que faz a superpotên-
constrói-se uma usina hidrelétrica na Bacia do Tapajós. É cia atual (EUA) torcer o nariz diante dessa premissa: todo
evidente que essa usina será o estopim para o falso desenvol- desenvolvimento deve ser sustentável.
vimento da Amazônia, como também será o estopim para o Desmatamento é a conversão de áreas florestais em áreas
desmatamento. Quando chega a civilização é o início do fim não-florestais. A proteção da Amazônia somente estará real-
da biodiversidade. Não precisamos desenvolver a Amazônia, mente vinculada aos esforços da Federação se esta entender
pois ela, assim como é, é muito mais desenvolvida do que que a ocupação humana pode ser prejudicial. Na Floresta
nossa arquitetura humana. Amazônica, as principais fontes de desmatamento são os
Uma simples solução de ideias: os povos e as populações assentamentos humanos e o desenvolvimento da terra. É
amazônicas precisam ser soldados da mata. Todos precisam perceptível que, antes da década de 1960, a floresta perma-
fiscalizar qualquer distúrbio que possa vir a acontecer, ou o neceu intacta devido ao acesso restrito. Foi, portanto, depois
fim daquilo que nem conhecemos pode estar próximo. da década de 1960 que houve um maior número de des-
Se quiser, o Brasil pode ter sua matriz energética limpa até matamentos. Parecia que os governos precisavam ocupar a
2050. A participação em fontes renováveis pode ser maior Região Norte a todo custo.
do que a projetada pelo atual governo. Isso depende muito Os assentamentos humanos nasceram da necessidade do
de qual sistema se deve pensar para a produção energética. homem pela terra. Houve uma política de retirar o homem
Apesar de as usinas hidrelétricas arruinarem o ambiente das regiões Centro-Sul para ocupar a Região Norte. Essas
natural, elas conseguem ser fontes de energia limpa — esse políticas corroboram a facilidade da destruição do homem.
talvez tenha sido o único salto que o Brasil fez diante das Parecia que a Amazônia ainda não era nossa, tal qual um
grandes potências no século 20, que sempre deram um valor Uti Possidetis.
excessivo ao carvão e ao petróleo. Ao menos nesse enten-
dimento o Brasil conseguiu ser vanguarda. A nossa energia
elétrica é bastante limpa. E podemos explorar ainda mais
esse potencial, fazendo surgir uma econecessidade, pois
ainda não produzimos a atenção necessária para a energia
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surgindo assim alguns distúrbios. Entre eles, estão dificul-
dades na agricultura e com as águas que abastecem os rios
e as usinas de energia.
REFLEXÃO: Muito se fala da redução do Efeito Estufa, que atualmente
é um dos problemas mais graves da ecologia mundial, mas,
A penumbra procura o alívio da luz do dia. É até hoje, não se encontrou uma maneira mais barata e efi-
preciso encontrar a imaginação de ser homem e
de ser menino. O homem quer ganhar enquanto ciente para diminuir esse perigo, a não ser impedindo o des-
o menino quer viver. Se alguém precisa de espaço matamento florestal. Toda floresta possui o recurso de fazer
branco é por que ainda não nasceu. Pois qualquer o planeta respirar. Entretanto, de nada adianta essa cons-
um que está vivo precisa da natureza e do artificial. cientização ecológica nos grandes centros, se nas florestas
a ganância é a língua dos grandes agricultores e madeirei-
ros. Quem precisa fiscalizar? Penso eu que ninguém mais.
Além de contribuir para o aquecimento global, o desma- Estamos vivendo na Idade do Caos, ou Quarta Revolução
tamento da Amazônia traz consequências para as estações Industrial, onde o sabor do dinheiro vale mais do que qual-
de chuvas na América do Sul. Com essa parcial destruição quer tipo de conscientização. Esperamos daqui pra frente
da floresta podem ocorrer mudanças nas ocasiões de chuva somente o caos. Como expandir a economia sem destruir
em determinadas regiões, prejudicando a agricultura e o for- a natureza? Sobretudo na região Amazônica, onde o agro-
necimento de água para energia. negócio mais cresce no Brasil. Esses grandes produtores de
O Brasil pode não ser o maior poluidor do mundo (aque- soja e outras comodities abençoam o tamanho da região.
les que lançam gases tóxicos na atmosfera), porém com o Quando prosperam, precisam adentrar nos limites da flo-
desmatamento desenfreado de suas florestas consegue ser resta. Sendo assim, quanto mais agricultores, pior. Tanto o
capaz de figurar entre os países que menos conduzem sua grande latifundiário quanto o pequeno latifundiário respon-
política ecológica de maneira transparente. Toda essa desor- dem pelo desmatamento da região. O grande consegue des-
dem serve para desequilibrar as funções reguladoras do meio matar bem mais, porém o pequeno, mesmo em pequenas
ambiente: todo ecossistema possui uma função de equilíbrio, quantidades, também faz um enorme estrago na floresta.
e com a Amazônia não seria diferente. A poluição existente A solução é somente uma: impedir o cultivo do agrone-
aqui é a desordem que o desmatamento agrava para o bem gócio na Região Amazônica, pois em pouco tempo corre-se
comum, seja do meio ambiente, seja da vida humana. Um o risco de vermos o fim de um enorme e poderoso ecossis-
exemplo disso é a mudança brusca nos períodos conhecidos tema, também chamado de pulmão do mundo. Corre-se
como de seca e de chuva. Quando é pra chover, não chove, o risco, num futuro distante, de assistirmos a Amazônia
e quando não é pra chover, chove. Esse desequilíbrio pode pavimentada. Mas, pelo conforto financeiro, escolhere-
afetar diretamente a saúde ambiental, como também a saúde mos o caos; o dinheiro é o único que realmente transforma.
econômica de uma região. Se não chove, a floresta deixa de Riqueza econômica é verdadeiramente o nosso maior guia
respirar e o ciclo natural de evolução é ligeiramente afetado, espiritual.
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Sabe-se que a agropecuária e o extrativismo são as duas destruir o nosso jardim para construir uma garagem. Agora,
maiores atividades econômicas da Amazônia. Agora, anali- em meados do século 21, qualquer político que represente a
semos o setor secundário dessa importante região brasileira. Amazônia, assim como no restante do país, deseja o cresci-
Em toda Região Norte se encontra em Manaus (Zona Franca mento econômico da região. Os ruralistas querem derrubar
de Manaus) uma isenção de impostos para produtos indus- a floresta para que ela se torne pastagem. Qual é a chance
trializados, beneficiando cerca de 500 indústrias. Todas as dessa tão querida floresta sobreviver? O crescimento econô-
indústrias geram um significativo número de empregos mico surge apenas para o asfaltamento das paisagens natu-
para a mão-de-obra local. Recentemente foi criado o Polo rais. E não digo tanto para os moradores da cidade; basta
de Biotecnologia para explorar o potencial das matérias-pri- dizer que a principal fonte de economia do país vem do setor
mas da região, tentando-se assim encontrar “o segredo” da agrário.
Amazônia. Já é do conhecimento de todos que a Amazônia é um dos
Pertencente ao núcleo de empresas que firmaram entrada ecossistemas mais importantes do planeta. Por mais que o
na Zona Franca de Manaus estão filiais de grandes indús- poder do capital sustente a vontade de destruição, chegará o
trias eletrônicas de capitais transnacionais. Pela Zona Franca momento em que o homem terá que recuar diante da natu-
produzem motocicletas, aparelhos eletrônicos, relógios, CDs reza. Não sabemos ao certo qual será esse tempo. Algumas
e DVDs, suprimentos de informática e outros, fabricados potências econômicas já sinalizam para esse recuo. Por isso
quase sempre com componentes de regiões internacionais. precisamos ser vanguarda em algum assunto. Se houver cui-
A Zona Franca de Manaus foi criada em 1967 pelo pre- dado com a nossa Amazônia, seremos daqui a algum tempo,
sidente Castelo Branco com o intuito de atrair novos inves- no futuro, vanguarda entre os países que protegem seus ecos-
timentos para a região e diminuir o custo de vida local. Era sistemas. E o que vemos, atualmente, é necessariamente o
uma forma de se pensar num porto onde as importações contrário. Devido ao nosso eterno progresso, e também aos
fossem permitidas. E pela Zona Franca, o resto do país nossos valorizados produtos agrícolas (carne, milho, soja e
adquiria os equipamentos mais modernos das nações mais outros) que pesam bastante na nossa balança comercial. Há
industrializadas do mundo. Foi a chance de Manaus substi- uma tendência em desvalorizar os nossos ecossistemas. Mas
tuir o apreço pela extração da borracha do século 19. chegará o dia em que a concorrência mercadológica interna-
Manaus, que no século retrasado figurou entre as cinco cional será mais acirrada devido a um fator que nós negli-
cidades mais ricas do mundo, hoje desperta bem mais genciamos: o produto ecoviável. Há algumas empresas, e já
modesta. são várias, que somente trabalham com produtos ecoviáveis.
Às vezes é melhor pensar na Amazônia como uma floresta Isso pode ser percebido através de alguns selos que repre-
intocável. Se a Holanda, tão pequena territorialmente, con- sentam a postura da empresa diante da ecologia, o que é
segue ser tão rica, por que então não vivemos como socie- muito comum nesses tempos. Não cito somente a produção
dade somente no Centro-Sul? Deveria haver uma chance industrializada, mas também a importância que o Estado
para a Amazônia ser uma floresta intocável. Porém, para precisa dar para a proteção de seus ecossistemas. Um exem-
estimular a urbanização dessa região faz-se de tudo, esque- plo disso é que poderá haver, se já não há, um selo que define
cendo da importância desse jardim. Parece que queremos a postura de um Estado diante de suas economias agrárias
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(as mais importantes da economia brasileira), ou seja, para Um ecossistema preservado é a garantia do bom fun-
aqueles fazendeiros que desmatam a floresta para fazer pas- cionamento da vida (também para o homem). É por isso
tagens, poderiam dificultar as exportações como um todo. que muitos ecologistas abraçam a causa de defender a Mata
Dessa maneira, um selo impediria as exportações brasileiras Atlântica, o Cerrado, o Pantanal, a Floresta Amazônica…
por causa de meia dúzia de fazendeiros negligentes. Esses ecossistemas são de uma importância vital para o bom
O cuidado que se deve ter com a ecologia não é necessa- funcionamento da vida aqui no Brasil. E ao passo que os
riamente mera proteção ambiental; é também, e os países do destruímos, aos poucos aparecem os descontroles do meio
hemisfério norte parecem sinalizar para isso, competência ambiente, como pequenos terremotos no sul do Brasil, algo
e disputa de mercado entre aqueles países que produzem e nunca antes pensado.
menos danificam seus ecossistemas. Num futuro próximo, Devemos considerar que qualquer tipo de destruição do
serão certamente líderes de mercado, líderes na vanguarda meio ambiente, em qualquer parte do mundo, pode interfe-
ecológica e do bem-estar. Possivelmente poderá haver uma rir, interagir ou até afetar outras partes do planeta. Por isso
disputa imperialista para dominar países negligentes diante cada país tem sua parcela de culpa na destruição da Terra;
de seus ecossistemas. É que acredita-se que no futuro haverá e a cada dia nossa morada está ameaçada. É importante
escassez de fauna, de flora, de água e de toda quantidade saber que a nossa agressão parece ser contra nós mesmos.
de algo natural (sem intervenção do homem). Algum orga- Países de enorme extensão territorial (como Brasil, Estados
nismo como a ONU poderia autorizar a ocupação militar de Unidos, Canadá e China) deveriam ser controlados, pois
um país negligente e poluidor, pois a vida estaria em risco. abusam da própria grandeza. O Brasil, por exemplo, tão
ganancioso, está fazendo sumir do mapa a Mata Atlântica.
Deveriam ao menos ser intocáveis, como se fossem santuá-
rios, os ecossistemas e suas ligações (um ecossistema encon-
REFLEXÃO: trando o outro). Mas se aqui no Brasil não respeitamos os
ecossistemas, o que dizer das ligações entre eles? Alguns ani-
A vida é o pulo do gato. Viver é punir ao contrá- mais precisam destas ligações para migrarem, e é somente
rio. A vida tem muitas rimas; às vezes rima com respeitando qualquer tipo de vida que conseguiremos res-
morte, mas o sonho maior é romper com o raciocí-
nio do qua-qua-quá. O soberano de si é natural. E peitar a raça humana.
o que é natural vive para proteger. Precisa-se prote- Tragédias ecológicas como a de Mariana, em Minas
ger a rosa, o sobreceleste e o tempo vindouro. Gerais, deveriam ser punidas com extremo rigor, e mais,
Avançamos bailando, ou de joelhos? O machado a entidade responsável deveria sanar todo o problema que
é maciço em nossas mãos e vácuo em nossos pensa- envolve esse rio até desaguar no mar. Porém, estamos no
mentos. Precisamos do machado das mãos ou dos Brasil, e muito pouco será feito. Damos tão pouca importân-
pensamentos? Existe sim uma maneira de se fazer cia para os nossos rios (nenhum país tem tanta água doce)
riqueza sem destruir o planeta. É que ainda não
pensamos nisso. que o Brasil está entre os primeiros onde se vê faltar água.
Damos valor demais às construções: muitos vão ao Cristo
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Redentor para ver a escultura e não a bela vista que se tem nortistas. Certamente nesses municípios não há qualquer
do alto. tipo de oposição. A disputa política é feita como se houvesse
E os mares que banham a nossa costeira? Percebe-se o um absolutista feudal que distribuísse as benesses entre os
quão sujos estão os mares das grandes cidades litorâneas. parceiros.
Alguns se parecem com esgoto. Sim, um enorme esgoto. A disputa política é acirrada entre grandes produtores
Parece que seremos os primeiros a matar o Oceano Atlântico, rurais. São eles que estabelecem as leis locais e onde os
ao menos a nossa parcela de responsabilidade parece ser a recursos serão empregados. Cabe à maioria da população
maior. No Brasil há tanta água (onde há água tem alegria) obedecer ou vestir a camisa de tal político. Nessas distantes
que o brasileiro vê isso como problema. Se chove, todos cidades, aqueles que obedecem à disputa são a oposição, e os
reclamam das enchentes (que acontecem mais pelo nosso tais puxa-sacos são os representantes do mandatário local.
descaso de asfaltar tudo, não deixando a terra respirar) e
parece que às vezes nos esquecemos da enorme importância
da chuva para dar vida aos rios.
REFLEXÃO:
O desmaio da dor é aproximar-se de algum bem
REFLEXÃO: lógico. A política, quando está de luto, muitos a
chamam de revolução. Quando se está cansado de
ser ferido pela língua dos outros, é necessário ferir
Bondade é fazer baderna somente com os nossos também os outros com a própria língua.
próprios erros, e não fazer baderna com os erros
dos outros. A enchente é o nosso erro, porém faze-
mos baderna, dizendo que o erro é da Natureza.
Limpe seu ataque para a sua defesa triunfar com a A Região Norte já foi uma coisa só: a capitania hereditária
verdade do próprio ser interior. do Grão-Pará, e às vezes ainda se parece com isso, tama-
nha a facilidade que poucos políticos têm de tornarem-se
soberanos nessa região. A maior floresta tropical do mundo,
Note-se o quanto os recursos da União são cultuados no Brasil Império, depois foi separada em duas províncias,
— são aproximadamente 50% de quase todos os impostos o Amazonas e o Pará. O Tocantins se uniu à região bem
cobrados no país. E como as mídias dessas regiões são come- depois, em 1989. Até a chegada do golpe militar, emergiram
didas, às vezes manipuladas ou outras vezes comportadas alguns políticos predominantes, como é o caso de Jarbas
diante da disputa política local, acontece uma vontade de Passarinho e Alacid Nunes.
burlar as leis e desviar o dinheiro público. Se nas prefeitu- Antes do ciclo da borracha, que trouxe riqueza ao norte
ras do estado paulista, que parecem ser mais vigiadas pela brasileiro, a região era quase esquecida, tanto pelo fator eco-
mídia, há os tais desvios, imagine nas prefeituras dos estados nômico quanto pelo fator político. Esse esquecimento é uma
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das causas da nossa leviandade política. Quando uma parte nortista, uma política de início do século 20 que perdura
fica esquecida, o todo adoece e vira palco de vale-tudo nas até hoje.
disputas pelo poder.
É comum, entre os brasileiros, achar que a Amazônia
ainda é um jardim intocado. A Amazônia está morrendo, POLÍTICA DO ACRE
e uma das causas disso é nosso esquecimento político.
Ninguém das grandes cidades quer se preocupar com os O Acre somente foi alçado à condição de estado em 1962.
assuntos políticos do Norte. E o que acontece? Políticos de No século 20, esse estado sempre esteve esquecido dentro
maior prestígio nacional (do Centro-Sul) não se detém nos da história política do país. Antes pertencente à Bolívia e ao
problemas do Norte. Ficam semeando o “cada macaco no Peru, essa região começou a ser colonizada por brasileiros
seu galho”. É que políticos do Sudeste quase não conhecem que adentravam a floresta em busca de seringueiras. Houve
o Norte e pouco se preocupam em conhecer. Logo, as ques- conflitos pela disputa da região: uma tropa composta por
tões agrárias são resolvidas entre compadres e coronéis — e nordestinos, sulistas e indígenas contra os bolivianos culmi-
a nossa imensa floresta tropical nas mãos de poucos sobe- nou na Revolução Acreana. Essa disputa terminou em 1903
ranos. E esses poucos soberanos, grandes proprietários de através do então Barão do Rio Branco. A partir do Tratado
terra (exportadores), visam aumentar seus lucros, e para isso de Petrópolis, o Acre foi incorporado ao Brasil.
precisam derrubar a floresta em benefício de seus interesses Nessa Revolução Acreana pode-se destacar o quão desin-
econômicos. teressado é o brasileiro a respeito das diferenças raciais, que
Portanto, é preciso que se dê uma maior importância à em outros países é um assunto bastante relevante. Deve-se
política que conduz os estados do Norte. Não se pode dei- buscar um entendimento sobre isso. Nota-se que em esta-
xar a Amazônia no puro esquecimento, como sempre foi. dos como o Acre há uma eterna mistura de raças e etnias.
Esquece-se a floresta de tal maneira que nos anos 60; pensá- E o brasileiro possui dois domínios de razão: no consciente
vamos que era a maior riqueza desse país; e nos anos 80 tam- somos todos iguais, somos todos irmãos, católicos ou evan-
bém foi assim. Já hoje, a maior floresta tropical do mundo gélicos; mas no subconsciente há alguns tipos de rivalidades.
está tentando sobreviver. Isso acontece pela distância com No Acre tivemos índios, nordestinos e sulistas brigando pela
os grandes centros e pelo completo esquecimento político. mesma causa. É isso que torna o Brasil um dos países mais
Se o assunto em São Paulo é dinheiro, certamente em místicos do mundo. Luta-se pela mesma causa, porém há os
todo o Brasil, também; e muitos fazem de tudo e um pouco espaços para rivalidades socioeconômicas, ou seja, depois da
mais pela virtuosa riqueza. Agora, imagine a sociedade do união através de uma guerra externa, vem a separação num
Norte, onde a grande maioria não possui condições ideais conflito interno, envolvendo sociedade, economia e política.
de trabalho e de educação. Ali, a dominação coronelista Parece às vezes que a nossa união está encerrada através
parece ser a única saída e salvação. O pobre sabe que vai de máscaras. Sim, usamos máscaras. O negro é bem aceito
morrer pobre, e para não morrer hoje é preferível lamber desde que seja empregado, e o índio, desde que esteja longe.
as botas dos coronéis. Não há outro destino favorável; essa Guerras, quase não as temos, porém os conflitos inter-
é uma política ainda bastante enraizada no pensamento do nos são os nossos desvarios sociais, econômicos, políticos
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e raciais. Assim como todo o Brasil, o Acre também possui de território do Rio Branco foi elevado à categoria de estado
essas rivalidades. através da Constituição de 1988.
O território acreano possui uma das mais baixas densi- Um dos líderes mais conhecidos de Roraima é o senador
dades demográficas do país (4,5 habitantes por quilôme- Romero Jucá. Já foi governador e ex-ministro no governo
tro quadrado). Foi somente com o aparecimento de Chico Lula.
Mendes que o distante Acre começou a merecer a atenção Normalmente os líderes do Norte são poucos, mas arre-
dos brasileiros e suas mídias. Ele era um líder que surgiu em banham muita gente. São tão influentes em suas regiões que
meio aos seringalistas, lutava pela preservação da floresta e acabam se destacando na política nacional.
pelos direitos das populações nativas — e morreu por essas Roraima também é conhecida por sua enorme riqueza
causas. É por isso que se deve abrir uma comunicação direta em pedras preciosas. Mas de uns tempos pra cá, os garim-
entre o Centro-Sul e o Norte, pois as disputas políticas nessa peiros foram se transformando em agricultores, surgindo
região sempre são finalizadas através da morte dos mais des- conflitos de disputas de terras com os índios. Uma dessas
providos. A luta de Chico Mendes foi tão marcante, que disputas é pela Reserva Raposa Serra do Sol, entre os índios
muitos dos líderes políticos de hoje no Acre tiveram alguma e os arrozeiros.
ligação com o líder seringalista. Lugares como Roraima são palco de encontro entre vários
aventureiros de todas as regiões brasileiras. Muitos largam
tudo para viver nesse estado em busca de enriquecimento
fácil. Assim, conflitos por qualquer tipo de domínio tor-
REFLEXÃO: nam-se argumento fácil para a pistolagem e muitos outros
crimes. O fluxo de gente que migra para Roraima é deter-
Aquele que vive, vive mais do que aquele que quer minado pela “má sorte” no estado natal. São indivíduos com
viver. Não há bondade na bonança, então deve-se pouca escolaridade ou formação técnica.
ser ardente do início até o fim. Quem nunca entrou Esse é um dos problemas das pequenas migrações para
numa batalha nunca saberá se o espírito é forte ou o Norte. Enquanto os melhores do país se enfrentam pelo
fraco. capital do Centro-Sul, os “derrotados” rumam para lá numa
confiança exagerada pelo enriquecimento. Sem contar que
os melhores profissionais do Norte também rumam para o
Centro-Sul; deveria ser o contrário, porém o capital é deter-
minante e decisivo.
POLÍTICA DE RORAIMA O comunismo ou socialismo seria bem-vindo para essas
regiões. Afinal, os melhores profissionais somente não aban-
Mais de dois terços do território de Roraima é ocupado donam as grandes cidades e seus reveses (mendicância, vio-
por indígenas. Também é o estado menos populoso do lência, poluição sonora, poluição visual…) devido ao poder
Brasil (tem 400 mil habitantes). O que antes era chamado determinante do capital. Talvez um médico, sabendo que em
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Roraima teria o mesmo ganho que em São Paulo, provavel- transformou-se em estado em 1988.
mente migraria para regiões mais longínquas. Colonizado por habitantes de Minas Gerais, Goiás, Pará e
Como o capitalismo desumaniza nossos sonhos de vida! do nordeste brasileiro, seu principal líder político é o mara-
nhense e ex-presidente José Sarney, que se elegeu senador
pelo Amapá.
REFLEXÃO: Os estados menores do Norte vivem de sonhadores e
exploradores, pessoas que incrementam seus sonhos atra-
vés do pouco desenvolvimento da região. E o Amapá é um
Aquele que significa sonho deve sonhar além
de todos. E esse sonho precisa ser comunitário. É desses lugares em que a cobiça é maior do que a coragem.
como proteger a todos, e transformar a utopia em Aproveitando a fama como ex-presidente, José Sarney
realidade de abraço sem abandono. O próximo somente encontrou possibilidades políticas no Amapá.
não é tão semiescuro assim, é que você ainda não Como essas regiões são sem dono e sem lei, muitos tentam
quebrou a rocha do improvável. explorar uma certa capacidade política que têm.
POLÍTICA DO TOCANTINS
POLÍTICA DE RONDÔNIA O mais novo de todos os estados brasileiros fazia parte de
Goiás até 1989. O norte (atual Tocantins) sempre reivindi-
Antes chamada de território do Guaporé, Rondônia se cou ao governo estadual algum tipo de relevância, pois este
transformou em estado em 1982. E, assim, sua economia era sempre se importou com o sul, na região mais próxima da
baseada no extrativismo da madeira, de minérios e de bor- capital goiana.
racha. Nessa época houve uma certa migração de habitan- Quando a capital Palmas surgiu, houve um tipo de migra-
tes de todo país para lá. Na época da construção da Estrada ção um pouco diferente da do restante de estados da região.
de Ferro Madeira-Mamoré, muitos se aventuraram em Muita gente, acreditando no sonho da nova capital, partiu
construir Rondônia. Logo, houve um sonho de progresso com esperanças mais nobres. E por ser o estado da Região
naquela região. Norte mais próximo do Centro-Sul, acabou agregando indi-
O nome do estado homenageia o marechal Rondon. víduos e famílias do Sudeste e também do Sul.
Na política, não é tão diferente do estado a que pertencia.
Os mandatários surgem entre os maiores produtores agro-
POLÍTICA DO AMAPÁ pecuários, característica presente desde os tempos de Goiás.
Nota-se que as Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste
O território foi disputado por portugueses, ingleses, fran- possuem uma característica de centralizar o poder entre os
ceses e holandeses. A região pertenceu ao Pará até 1943 e produtores rurais (exportadores de produtos agropecuários).
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Um país tão grande quanto uma Região Norte imensa, e sua
característica política ainda está presa ao tempo do corone- CULTURA DA REGIÃO NORTE
lismo. Não existe a alternativa de um pensamento contrário
prosperar, e é somente com um pensamento contrário que A população da Região Norte é composta por indígenas
se consegue desenvolver tanto a capacidade material quanto e imigrantes: gaúchos, paranaenses, paulistas, nordestinos,
a espiritual de um povo. Precisamos reconhecer e aceitar as africanos, europeus e asiáticos. Toda essa diversidade de
diferenças. raças e etnias serve para incrementar a pluralidade da cul-
tura nortista, composta por diversas danças, crenças, comi-
das, festas e músicas.
POLÍTICA DO AMAZONAS Se observarmos de um ponto, certamente veríamos uma
profusão da cultura. Muitos especialistas brasileiros acre-
É o maior estado brasileiro em território e já fez parte do ditam que essa pluralidade é bem-vinda. Porém, no íntimo
Pará, até 1850. Com o ciclo da borracha, a região tornou-se dessa diversidade de raças e credos não há a aceitação um
uma das mais ricas da época, em meados de 1900. Houve do outro. Há somente uma porta entreaberta da cultura de
muitos benefícios com o dinheiro da extração da borracha, um povo ao outro. O branco, da boca para fora, diz gos-
como o serviço de bondes elétricos, um sistema de telefonia, tar da cultura indígena, porém não se identifica com ela, e
eletricidade e água encanada. tampouco quer adotar o costume de vida dos índios. Isso
Também é um estado marcado pelo centralismo, onde as também acontece com o povo indígena, porém como con-
ideias estão sempre abaixo do chefe político. dição de resistência, pois é considerado o povo dominado.
O branco se obtusa na condição de ter que aceitar a cultura
indígena, pois é dito entre a maioria que isso é o Brasil, isso
POLÍTICA DO PARÁ é o Norte do Brasil. O branco pode até se relacionar com os
índios através de crenças, comidas e festas; mas não adota
O palco da política paraense da década de 1960 para cá de maneira alguma o estilo de vida do índio.
sempre foi marcado pela divisão entre dois típicos coronéis Às vezes, seria de se pensar que tal pluralidade cultural
da política brasileira: Jarbas Passarinho e Alacid Nunes reve- tem o dom de que um povo destrua aos poucos a identidade
zavam-se no posto de comando do Estado. cultural de outro povo. Parece que os europeus ainda estão
O risco do coronelismo agrava um mal bem maior para tentando conquistar as Américas e os povos negros, mesti-
a população: o mal da escassez de ideias. Pois nesse movi- ços e índios tentam resistir. Esse contato de culturas tende
mento político, o centralismo e o populismo são feitos a despersonalizar as raças e etnias indígenas. E por haver
desordenadamente, apenas com intuito eleitoreiro. Ou seja, conflitos entre os costumes há uma tendência de o índio não
faz-se apenas aquilo que dá voto. O voto é o motivo maior; ser tão bem aceito pela sociedade branca.
educação, segurança e saúde quase sempre são desprezados. O que acontece na Região Norte e no Brasil às vezes pode
ser considerado como conflito interior, ou seja, o indivíduo
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contra todos. Não há essa união de brancos, negros e índios, lugar. E assim dizemos que o Carimbó é um ritmo de raiz
como também não há união de brancos com brancos ou porque seus músicos, que compõem a camada mais baixa
de negros com negros; há apenas a união de costumes dos da sociedade, são negros ou ameríndios, como também são
índios. Dessa maneira, o capitalismo selvagem parece ser a negros e ameríndios os dançarinos. E os ritmos, no Brasil,
solução da individualidade de todos contra todos. parecem surgir devido à necessidade de alegria e festa nas
A nossa cultura expressa mais individualidade do que um camadas populares. A unificação desse ritmo para ser rotu-
pensamento comum. Há uma enorme quantidade de ele- lado como ritmo típico do lugar muitas vezes precisa passar
mentos culturais que se dissolvem diante da individualidade. pelo crivo de uma espécie de representante do lugar, alguma
personalidade ilustre que desenvolve essa parte mais comer-
cial da cultura. E quando parte dessa cultura tipicamente
ameríndia ou negra passa a ser representada por um cau-
REFLEXÃO: casiano, muitos dizem tratar-se de música pop, ou seja, o
que antes era múltiplo e plural diante dos ameríndios e dos
Aquele que significa sonho deve sonhar além da negros e conservado como música de raiz, agora com um
imaginação. A cultura está próxima da realidade representante branco passa a ser unificado, pois a camada
e da imaginação. Se sou sincero com o raciocínio, alta da sociedade aceitou definir aquele ritmo como ritmo
então sou sincero comigo mesmo. Devo protestar
com as palavras vindas do coração e aceitas pela do lugar. É nesse momento que surge o conflito entre música
mente. Rimas sem provas é como dizer psiu para pop ou música de raiz. Logo, o branco se apodera do que
ninguém, pois elas nascem do coração, mas preci- chamamos de música de raiz para comercializar a cultura.
sam ser aceitas pela razão. Quando isso acontece, Os índios realizam vários rituais, e muitas de suas crenças
acontece também o sobrevoo livre diante do sobre- são divididas entre várias tribos. Existe uma base de tradi-
natural. O sopro traz descanso somente para aquele ção cultural e várias diferenças de elementos de crença. Mas
que tem propósito. quanto mais a civilização se aproxima, mais difícil se torna
a manutenção da transparência cultural ameríndia.
No Norte há estados que possuem como maioria da popu-
Quando a individualidade se sobressai diante da multi- lação os ameríndios, que é o caso de Roraima. Como há um
plicidade e da pluralidade há uma tendência de unificação, certo desprezo dos ditos cristãos perante aceitar as tradições
seja na cultura ou em outras atividades humanas. A maioria e as crenças dos ameríndios, há uma parte dessa sociedade
começa a considerar a individualidade como se fosse o todo que tenta dominar através do Evangelho. Nota-se que nesses
do lugar. É por isso que muitas vezes a cultura que marca lugares, como Roraima, a cultura ameríndia aos poucos tor-
os estados do Norte e do Nordeste é a cultura ameríndia ou na-se sufocada, pois busca se defender contra o surgimento
negra, pois nesses lugares quase sempre sobressai o cancio- do representante caucasiano, seja na cultura ou na religião.
neiro popular de descendência ameríndia ou negra. O can- O Círio de Nazaré é uma das maiores manifestações reli-
cioneiro é aquele que representa a música de determinado giosas do mundo, chegando a reunir mais de dois milhões
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de fiéis. É uma manifestação religiosa da fé católica, bastante
cultivada em Belém do Pará.
Outra festa cultural da Região Norte é a Festa do Divino,
em Rondônia, que tem sua origem em Portugal e foi esta- REFLEXÃO:
belecida pela rainha Isabel, casada com o rei D. Diniz, por
volta das primeiras décadas do século 14. Nessa festa, um Medir o tamanho do bem é esquecer que o mal
grupo de pessoas pede e recebe auxílio de toda e qualquer existe. Por isso, procure destruir qualquer corrente
maneira. São músicos e cantores com a Bandeira do Divino, de pensamento contínuo de um mal escondido.
ilustrada com a pomba simbólica. Quando medimos o mal que fazemos é que o nosso
Jerusalém da Amazônia é a segunda maior cidade ceno- espírito bendito é bem maior. Se você tenta esconder
gráfica do mundo, onde se encena a Paixão de Cristo durante o bem é que o desamor parece ser legítimo.
a Semana Santa. É outro evento cultural de enorme impor- O que é sublime para muitos é oculto para outros.
Veja como a graça existe para todos, porém não a
tância na Região Norte. alcançamos por medo de que a bondade seja menor
Deve-se garantir à religião o nosso grande número de do que a malícia.
eventos culturais. Toda essa religiosidade católica penetra
a fé do brasileiro.
A Semana Santa parece que existe para que se tema o
mundo. Parece que crucificamos o nosso Deus guardião O povo tem uma enorme paixão pelas revoltas e pelas
todos os anos. Parece que adoramos ver e rever o sofrimento revoluções, seja quando se está sob um domínio socia-
da via-crúcis, e há uma razão para isso: nunca aprendemos lista ou um domínio capitalista. É a sede pela mudança.
o que realmente importa, as palavras perdão, humildade Quando tudo parece ruir, muitos parecem sentir vontade
e compaixão. O certo mesmo é que ninguém, ou poucos de mudar o estabelecido, pois muitos acreditam conhecer a
ainda, aprenderam os ensinamentos. Todas as igrejas estão raiz do problema. Sabe-se que os dois sistemas são falhos;
lotadas todos os dias muito mais para pedir do que neces- uns sabem produzir o pão e outros sabem produzir o circo.
sariamente para aprender. Ora, o povo sempre reagirá com a falta tanto do pão quanto
O que é a espera de Cristo? A anarquia, o caos, a desor- do circo. A falha de qualquer governo é produzir a opor-
dem. É por isso que os mais ricos precisam governar de tunidade da revolta ou da revolução, pois o povo precisa
modo prudente, para que não surjam revoltas ou revolu- disso para fazer sorrir o espírito. Aqui no Brasil, a corrup-
ções. A governança deve se adequar aos anseios da maioria ção tornou-se um princípio comum do dia a dia. Esse é um
de modo que a palavra confiança esteja no Céu e nos cora- mote antigo, mas o brasileiro, sempre humilde em demasia,
ções de todos. nunca se revolucionou com tal desgosto, talvez mais pelo
aspecto de saber conviver com a dureza do que propria-
mente por respeito pelas instituições. E atualmente, com a
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velocidade das informações, o povo parece querer mudança subjugada por ser inexpressiva. A facilidade da comunica-
a todo instante. Assim, se ainda desejamos segurar a nossa ção entre as classes sociais fez com que surgisse uma con-
tão sonhada democracia, parece que devemos deixá-la ao tínua variedade de protestos. Parece haver uma revolução
sabor do vento e das vontades de nossos governos. Pois se mundial contra esse supercapitalismo. Junto à imensidão de
os dirigentes não são justos, ao menos deveriam ser éticos; protestos, a América Latina ainda tem que conviver com a
agora, se não são éticos, deveriam ao menos não ser maldi- guerra urbana do tráfico de drogas.
tos. É o que se proclama a todo instante na boca de cada um. O mundo está indo às ruas. Se os chineses não suportam
O que se entende dos salões do poder é que eles sempre têm o comunismo, os ocidentais também parecem perder a fé na
preferência pelo ditador. É claro, se adormece a tão sonhada lei do livre mercado. O supercapitalismo parece surpreender
democracia, irrompe a tão temida ditadura. Os oligarcas pela própria necessidade que causa de fazer surgir a anar-
parecem não perceber que são o melhor que temos. Grande quia. Hoje ficou bem mais fácil realizar manifestações em
parte da população brasileira confia em todos eles. Agora, todo o país ao mesmo tempo, graças às Redes Sociais. Como
se surge a desconfiança, surgem também o caos, a anarquia, isso está se tornando febre, não há outra saída para o gover-
a bagunça… E para ser o melhor, não é preciso ser o maior, nante; tem que governar para ser o melhor. Mas isso sempre
e sim o melhor. está em desuso entre os governantes latino-americanos.
Deve-se ter um cuidado excessivo com esse país, pois ele é A facilidade com que os partidos políticos engendram
um considerável caldeirão de conflitos e desgostos: Os ricos seus projetos de poder é a raiz do distúrbio. Aqui no Brasil
contra os pobres. A polícia contra o bandido. O branco con- é fácil se utilizar de Cristo tanto para a Direita conservadora
tra o negro. O culto contra o ignorante. O ruralista contra quanto para a Direita liberal, pois humildade e compaixão
o sem-terra. O evangélico contra os cultos de terreiro. Os são palavras hipnóticas no subconsciente. Tanto a Direita
machistas contra os feministas. Os conservadores contra os conservadora quanto a Direita liberal usam o peso do capital
liberais. Os antiquados contra os drogados. A mídia contra para o povo perceber que é humilde, e sendo humilde deve
o povo. Os católicos contra os evangélicos… A diferença abençoar todas as ordens que vêm de cima. O povo brasi-
daqui para com os outros países é que aqui, no Brasil, todos leiro já se acostumou a ser humilde, aquela típica humildade
esses conflitos estão misturados como se estivessem num de fraco, esperando a hora de ser visto de cima para baixo.
liquidificador. Eles não assumem uma postura comum, Às vezes, nota-se que tanto o catolicismo quanto o protes-
como estabelecido em alguns países, onde tudo se resume a tantismo (evangélicos) são os únicos governantes do país,
Direita e Esquerda. pois eles são as únicas armas contra os corações utópicos;
O que está acontecendo nessa hipermodernidade é uma a igualdade política sempre perdeu para a igualdade dita
generalização do protesto. Há protesto para tudo e os diri- cristã.
gentes continuam com a ultrapassada política de totalita-
rismo e desigualdade. Hoje, muitos sabem muito. Não é
mais como há tempos atrás, quando a vontade popular era
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cavaleiros, juntamente com a entrega das lanças. Essa festa
é a representação de uma batalha religiosa entre mouros e
cristãos, na qual estes últimos acabam vencendo, ocorrendo
REFLEXÃO: a submissão dos mouros ao cristianismo.
O que entende-se dessa festa é que ela representa uma
Onde está a bondade do povo? No contenta- guerra santa. Os cristãos da península Ibérica contra os
mento da vida!? E onde está a bondade dos burgue- povos muçulmanos do norte da África. Trata-se de uma tra-
ses? Na vontade de serem idealizados pelo povo!? dição portuguesa que foi introduzida no Brasil. Entretanto,
Nessa disputa, amor é uma mera borboleta que voa nessa festa há no final a vitória dos cristãos, e assim os mou-
sem ser percebida. ros se rendem; ora, numa guerra santa nunca há uma vitó-
ria encerrada, pois os derrotados tornam-se submissos, mas
nunca perdem as suas crenças. Pois para haver uma guerra
Outra manifestação cultural da Região Norte é a Folia santa é necessário que haja conflitos na sabedoria espiritual
de Reis. Nessa folia se comemora o nascimento do menino de cada um, o que significa dizer que um não aceita o que o
Deus, encenando a visita dos Três Reis Magos à gruta do outro é. Ele não aceita a determinação do ser. Um exemplo:
menino Jesus. Agora, soma-se uma percepção: por que um acredita que a riqueza é virtude e o outro não. Ou ainda:
existe no brasileiro essa vontade de transformar tudo em um diz que o amor é compaixão, e o outro diz que o amor é
carnaval? Existe uma contradição. Então o nascimento Dele concupiscência. Desse modo um sempre rejeitará o conceito
traz tanta alegria que logo começamos a comemorar? Mas de sabedoria do outro. É por isso que numa guerra santa
comemorar ao ritmo do carnaval? Está claro que existe uma não há a vitória definitiva: o derrotado pode render-se à luta
contradição espiritual, e é de se esperar, tratando-se de um armada, mas nunca declinará o espírito diante do outro. É o
país com enormes diferenças em todos os aspectos da vida mesmo que dizer: deixe de amar tua mãe para louvar meu
humana. Há a mania do carnaval, mas também há o res- pai. Eu posso, diante de uma fraqueza armada, me render e
peito pela Semana Santa. Torna-se razoável pensar que esse fingir que louvo teu pai, porém minha força espiritual sem-
país está dividido em sua espiritualidade, ou seja, o mesmo pre desejará amar a minha mãe.
que pula o carnaval com tamanha alegria e desprendimento, Outra manifestação cultural da Região Norte é o Congo
também é o fiel da religiosidade cristã. E às vezes pode ocor- ou Congada, de origem africana. É popular em toda Região
rer nenhum e nem o outro, pois um fiel cristão condenaria Norte do Brasil. A Congada é a representação da coroação
veementemente a festa da carne. O que surge ao primeiro do rei e da rainha, eleitos pelos escravos.
instante é que o brasileiro precisa viver os prazeres terrenos Já o Boi-Bumbá é uma vertente do Bumba Meu Boi, muito
e, mesmo assim ser considerado como aquele de vida santa. praticado no Brasil. É uma das mais antigas formas de dis-
No sul do estado do Tocantins, na cidade de Taguatinga, tração popular. O Festival de Parintins é um dos maiores
as Cavalhadas acontecem durante a festa de Nossa Senhora responsáveis pela divulgação cultural do Boi-Bumbá.
da Abadia. O ritual inicia-se com a benção do sacerdote aos
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pensamento de comuna. Um honrado esquerdista que, para
POLÍTICA DO NORDESTE se ajoelhar diante de ideias contrárias, somente arrancan-
do-lhe as pernas. Imagine o que era ser um esquerdista no
O Nordeste sempre foi protagonista da história política Nordeste em plenos anos sessenta; mesmo assim foi mar-
do país, desde os tempos da colonização. Começou a per- cado como um político vitorioso, e seus ideais nunca se can-
der sua hegemonia quando a economia brasileira começou saram. Um oásis na insólita disputa entre coronéis.
a absorver os campos roxos do Sudeste. Na maioria das O que falta hoje ao comunismo brasileiro sobrava em
vezes, seus famosos coronéis desempenhavam seus pode- Miguel Arraes, aquele político combativo diante da der-
res somente em suas divisas regionais. Poucos alcançaram rota iminente. Hoje, sem ele, parece que a Esquerda está se
prestígio nacional. envergonhando de ser Esquerda. Aprender a governar seria
um passo importante aos anseios de comuna. Dar cara para
um governo esquerdista.
POLÍTICA DE PERNAMBUCO
Pernambuco possui uma peculiar diferença do restante do REFLEXÃO:
Brasil. Por algum tempo os pernambucanos foram coloniza-
dos pelos holandeses, que trouxeram uma espécie de colo-
A principal armadura do interior é a bondade
nialismo esclarecido. Foi um tempo em que Pernambuco ardente, pois ninguém se arrepende de fazer o
se destacou na cultura e nas artes. De alguma maneira o bem. A queixa somente existe para aquele que tem
Nordeste se destaca como uma região em que a política se o coração frio diante da terminação. A bondade
assemelha à política do Norte. Os coronéis de cada muni- sempre será triunfante seja aqui ou além, pois a
cípio desenvolvem seus poderes diante da sociedade de união é sempre desejo dos bons e dos fortes.
forma inescrupulosa e elitizada. Há muita semelhança entre
a política feita no Norte e a feita no Nordeste. Porém, foi em
Pernambuco que surgiu o patriarca do único clã de esquerda
da política republicana brasileira, Arraes. Em seu primeiro
governo, estendeu o pagamento de salário-mínimo para os POLÍTICA DO SERGIPE
trabalhadores rurais, apoiou a criação de sindicatos e outros
movimentos de Esquerda. Foi um exímio militante e polí- Desmembrado da Bahia em 1823, o território do
tico esquerdista. Ele fez desabrochar no Nordeste uma linha, Sergipe passou a ser estado somente com a proclamação da
antes nunca pensada, de políticos de esquerda — logo no República. Durante o regime militar, o comando do estado
Nordeste, onde a política direitista dos coronéis sempre foi passou para a mão dos Franco, família tradicional de senho-
o pensamento comum do povo nordestino. Ele represen- res de engenho.
tou uma vontade popular de que nem todo mal pertence ao Uma família ruralista passa a ser dirigente de um pequeno
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estado facilmente, pois aqui a terra sempre foi o sonho de
todos. Se a Esquerda busca uma espécie de revolução, ela
devia concentrar mais os seus esforços na Reforma Agrária.
Essa reforma é quase uma revolução socialista no Brasil,
REFLEXÃO:
porque a enorme quantidade de terra concentrada nas
mãos de poucos torna a agricultura no Brasil inviável para O azul pode ser teoria se na prática amamos o
vermelho. É a ausência da aventura que torna a
os padrões modernos de comércio agropecuário. É como se vida um pouco amarga. Se no teu ideal a igualdade
o Brasil fosse um enorme latifúndio para poucos, como se é a maior das princesas, então são princesas lindas.
ainda vivêssemos num país feudal. O Japão fez sua reforma A senhora da razão diria que isso é loucura, mas
agrária e isso expandiu o comércio e outras atividades. Aqui a senhora da loucura diria que isso é pura razão.
a terra é tão venerada que quem a possui, possui também
a grandeza para mandar. Basta frequentar os rincões brasi-
leiros e se perceberá que a maioria dos prefeitos é avaliada
pela quantidade de terra que possui. O Brasil também pode
ser considerado a união de todas as cidadezinhas e municí- POLÍTICA DE ALAGOAS
pios. Nesses lugares quem manda é quem tem mais terra, ou
seja, uma Reforma Agrária no Brasil é quase uma revolução Alagoas é um dos menores estados brasileiros. Berço de
socialista devido à grandeza do seu território. alguns dos mais poderosos militares do país, nasceu ali o
Como os grandes proprietários rurais dominam esses rin- primeiro chefe de governo depois da queda do imperador
cões! E o patriarca é aquele quem dá as cartas nessas regiões. em 1889. Embora fosse monarquista, o marechal Deodoro
Penso eu que, pela frágil educação do povo, a grande maio- da Fonseca experimentou o golpe militar que proclamou a
ria nunca assume o seu eu histórico, ou seja, nunca quer par- República.
ticipar das grandes decisões, deixando para alguns essa von- Como em todo o Brasil, Alagoas tem um lado rico pun-
tade avassaladora. É importante reconhecer o semelhante, gente e um lado pobre assombroso, o que nos faz pensar:
aquele que mais se parece com você, e não digo material- o que acontece para um país ter na maioria de seus habi-
mente, mas também espiritualmente. Participar da cidada- tantes uma chama socialista tão crepitante, e na prática o
nia não é somente votar; pode ser adequar o trabalho para o mais vil do capitalismo selvagem? Devemos aceitar, somos
bem comum. No dia em que esses coronéis regionais decaí- falsos; a verdade é uma virtude que não apreciamos muito.
rem será a chance de uma conquista impossível, deixar de Da boca para fora somos socialistas, pois até aqueles que
acreditar no mais forte para acreditar em si mesmo, pois as não se dizem socialistas, desejam uma menor desigualdade
ideologias estão morrendo e tornando-se todas iguais na na sociedade brasileira. Agora da boca pra dentro, somos
prática. Estamos nos tornando homens mortos e sem ideais, capitalistas tenazes e até sorrateiros. Trapaceamos como se
e a conquista do capital parece ser a conquista da vida. fosse uma lei de concordância comum, ou seja, negamos o
nosso espírito para a nossa alma. O espírito (comunhão com
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Deus) é capitalista, e a alma (comunhão com os outros) é poder Getúlio Vargas.
socialista. Temos uma tendência a negar nossos ideais. Dizia combater as oligarquias da região, mesmo perten-
Filho de Arnon de Mello, senador alagoano do período cendo a um grupo oligarca. Isso é típico da formação ética
militar, Fernando Collor de Mello foi o primeiro presidente do brasileiro: o inferno é para os outros! Todos dizem com-
eleito pelo voto direto depois da ditadura. Acusado de crime bater a corrupção, porém ela está no cotidiano de cada um.
de responsabilidade por ligações com um esquema de cor- O brasileiro é sempre o primeiro a apontar o dedo. Somos
rupção, renunciou ao cargo em 1992 diante de um processo um povo de liberdade débil, pois nossa liberdade funciona
de impeachment. apenas para acusar quem quer que seja. Veja, na política, o
A ascensão de Collor demonstra o quão contraditória quão infiéis somos aos nossos ideais e pensamentos. O que
é a política nacional. Anos de luta contra a ditadura dos vale mesmo é derrotar a todos, e não importa como. Aqui a
militares e, quando a sociedade civil assume o poder nova- mulher é machista, o gay é homofóbico e o político honesto
mente, ao invés de romper com o passado, elege um filho é corrupto. Parece que o poder é sorteado, e não alcançado
da política militarista da ditadura. O conservadorismo do por méritos. No Brasil ninguém é melhor do que ninguém,
brasileiro é contra até a sua própria revolução. O brasileiro porém um é sempre melhor do que todos.
escolheu, através do voto, o que era pior ainda: um presi- Os grupos oligarcas do Nordeste parecem relembrar uma
dente alinhado com o pensamento político anterior. Collor pequena Europa medieval, onde o coronel é o rei, ou seja,
representou a nossa debilidade política. Mesmo vencendo ele é melhor do que todos. Até a Igreja assume sua postura
os militares, parece que queremos realmente perder. Muitos de desenvolver o poder do coronelismo.
culpam a fraqueza do sistema educacional e a propaganda
midiática, porém todos lutavam para o fim do militarismo.
Quer dizer, todos sabiam realmente o que representava o POLÍTICA DO PIAUÍ
governo Collor. Se antes o sonho do socialismo estava dis-
tante, com Collor ficou mais longe ainda. Ele sentenciou o Sem grande expressão na política brasileira, o Piauí tem
Brasil ao neoliberalismo. A luta das esquerdas, desde então, como uma de suas figuras de maior destaque o governador
tornou-se vã. Petrônio Portela. Eleito em 1963, estava no governo quando
eclodiu o golpe militar de 1964. Ele teve papel de destaque
durante o novo regime. Foi presidente do Senado em 1977,
POLÍTICA DA PARAÍBA durante a chamada missão Portela, destinada a escolher os
governadores mais adequados para o processo de abertura
Eleito em 1919, o paraibano Epitácio Pessoa foi o pri- política, lenta, gradual e segura idealizada pelo presidente
meiro nordestino a assumir a presidência pelo voto direto. Ernesto Geisel.
Seu sobrinho, João Pessoa, também foi político e o seu assas- O Piauí, por ser um dos estados mais pobres da federação,
sinato em Recife é considerado uma das causas da Revolução pode ser considerado região primeira para o surgimento
de 1930, que depôs o presidente Washington Luís e levou ao de lideranças autoritárias e oligarcas. Quando um lugar é
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bastante pobre, sabe-se que há uma pequena minoria bas- lugar, dois coronéis disputam o controle da cidade, sendo
tante rica, que consegue manipular o pensamento do povo que um compõe a parte conservadora e outro a parte revolu-
com desenvoltura. A riqueza em lugares assim é a principal cionária. Lembre-se que o interior brasileiro é formado por
virtude de um homem; logo, todos são capazes de tudo pela incalculáveis municípios. Assim, quando surge a revolução
tão sonhada riqueza material. Pois se em lugares do Centro- diante do poder federal, ela também influencia os outros
Sul outras virtudes são necessárias para o poder, em regiões pequenos municípios. Logo, aquele coronel que apoia as for-
como no Piauí bastam somente a riqueza e a fortuna. Nisso ças revolucionárias assumiria o poder em sua cidade. Desse
um dirigente piauiense sofre menos agruras para chegar ao modo, o coronelismo não deixaria de existir assim tão facil-
poder. mente, pois nessa imensa quantidade de municípios a for-
tuna sempre terá o peso mais relevante. Nesses municípios
o povo estaria fora do controle da cidade e novamente a
oligarquia, em pouco tempo, estabeleceria as rédeas do jogo
REFLEXÃO: político.
Notadamente, essa rivalidade do coronelismo nos rin-
A bússola de cada um deve ser a bondade, para cões brasileiros estende-se para o governo estadual e, pos-
que o mal não atinja a superfície do brilho de sivelmente, para o governo federal, pois qualquer governo
sua alma. A bondade é uma rasteira em qualquer
malfeitor. é sustentado pelas suas bases políticas. Então, quando um
coronel encontra-se rival de outro no seu município, a vitó-
ria e a fama estendem-se em determinada região. Por isso
às vezes é mais fácil encontrar um político notável nascido
numa pequena cidade do que na capital de seu estado. É que
POLÍTICA DO CEARÁ ele percebe o poder, e como esse se processa, numa propor-
ção menor: seria como cursar o ensino fundamental antes
O governador Virgílio Fernandes Távora compôs com do ensino médio. Já um indivíduo nascido numa capital,
os também governadores César Cals e Adauto Bezerra a precisa cursar o ensino médio (estado) sem antes cursar o
trinca de coronéis que dominou a política cearense durante ensino fundamental (município). Afinal, ser prefeito numa
o regime militar. capital exige a mesma popularidade de um governador. E
Deve-se observar que depois de qualquer tipo de revolta assim um filho oligarca de uma pequena cidade prepara-se
ou revolução a possibilidade daquele indivíduo mais forte com maior vigor para as disputas acirradas da política. Surge
e rico da parte vitoriosa assumir o poder é exageradamente assim, em cada estado, o poder das oligarquias, o poder dos
maior. Principalmente em estados mais carentes do ponto coronéis ou ruralistas. É que esse jovem oligarca já nasce
de vista econômico, a fortuna consegue hipnotizar os sonhos como uma grande personalidade do município, e na maio-
da maioria; é por isso que uma revolução no Brasil apenas ria das vezes possui o mesmo grau de instrução dos jovens
forçaria a troca de líderes. É quase assim: num determinado nascidos na capital.
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Sendo assim, entende-se que o tempo dos militares fez no país, e para isso haveria obras de construção por toda
florescer essa política oligarca, mais rigidamente composta parte, o que beneficiaria somente as cartas marcadas, os
para enfrentar os jovens comunistas da capital, tidos como grandes construtores do país, como Andrade Gutierrez,
sonhadores, às vezes mais pelo fato da distância existente OAS e Odebrecht. Estas empresas construtoras se benefi-
para se chegar ao poder do que necessariamente por serem ciavam da política governista, havendo até escândalos de
idealistas de algo perfeito. corrupção. Todo aquele processo de obras públicas girava
em torno de três empresas apenas. Quando poucos ganham,
percebe-se que o governo, mesmo considerado democrático,
POLÍTICA DA BAHIA torna-se um oportunista. Assim, o governo repassava de
maneira viciada o dinheiro público para megaempresários.
Interventor federal na Bahia de 1931 a 1937 e governador E de uma maneira ou de outra, fortalecia a imensa distância
do estado de 1959 a 1963, Juracy Magalhães dominou a polí- entre ricos e pobres.
tica regional por mais de 30 anos. Foi o padrinho político de No Brasil, o poder parece ser flutuante, e por que não
um dos personagens mais importantes da história política dizer teocrático? Da classe média para baixo, ninguém
brasileira: Antônio Carlos Magalhães. Desde o governo de sente algum benefício a não ser vindo do próprio trabalho.
Juscelino Kubitschek, de quem era amigo, ACM fez com- Enquanto a classe dominante é vista como uma espécie de
panhia a quase todos os presidentes da República até sua deus da riqueza e da prosperidade, que parece nunca cessar,
morte, em 2007. mesmo com um governo ou outro. Ela está lá, sempre vene-
O apadrinhamento é outra maneira comum de se fazer rada, e recebendo suas oferendas e ofertas.
política no Brasil. Velhas raposas asseguram e apoiam os Esse apadrinhamento político é visto com maus olhos
novos políticos de mesmo interesse. Dessa maneira, a dis- porque estabelece a perpetuação de um grupo apenas, ali-
puta política torna-se viciada, estabelecendo um grupo ou nhando o poder aos interesses sociais e econômicos de uma
uma geração no poder durante muito tempo. Veja o caso do classe.
apadrinhamento de ACM por Juracy Magalhães: o mesmo Em governos oligárquicos a circulação do dinheiro
grupo político dominou a Bahia durante quase todo o século público é viciada. Aos poucos, um grupo político transforma
20. O apadrinhamento faz a máquina do Estado funcionar o ganho público em ganho pessoal, enquanto a maioria da
apenas para um grupo político ou oligárquico. Os virtuo- sociedade é penalizada com serviços públicos precários.
sos ficam cada vez mais distantes do poder, enfraquecendo Agora, imagine isso em cada município brasileiro. Imagine
a democracia, pois o que era para ser governo da maioria quantas prefeituras não alijam o dinheiro da sociedade. Se
passa a ser governo de poucos. O governo da maioria, no no governo federal há tamanhas mazelas, mesmo sendo
caso do Brasil, parece ser um sonho distante e perdido. vigiado por uma imprensa nacional e internacional, ima-
Consideremos o caso do governo petista na presidên- gine nas pequenas prefeituras do país — e são essas prefei-
cia. Dizia-se, como sempre, e havia até um slogan para isso: turas que formam os principais grupos oligárquicos de cada
Brasil, governo de todos. Ao chegar ao poder, o governo cidade.
petista iniciou uma estratégia de realização da infraestrutura O auge da influência política de ACM surgiu durante o
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regime militar. Ele foi duas vezes deputado federal, três vezes oligárquicos que sustentam a política nordestina há muito
governador da Bahia, ministro das Comunicações e senador. tempo. Essa é a forte condição política do Nordeste desde
O risco do apadrinhamento na política é que se há o cres- o Brasil Colônia, desde quando a economia brasileira era
cimento de uma oligarquia em cada região brasileira, haverá sustentada pelos engenhos de açúcar. Instaurou-se, assim, a
a condição necessária para o desenvolvimento de um dita- forte conduta da política econômica, ou seja, quem tem mais
dor na presidência. Sabe-se que ainda existem as lembran- pode mais. Logo, o Nordeste passou a ser palco de disputas
ças do regime militar, bem como existem os filhos e netos políticas entre as principais famílias oligárquicas.
desse antigo regime; portanto, algo que nasceu na década de O apoio desses políticos nordestinos era a face daqueles
1930 ainda exerce influência na política nacional. Pode-se poucos que detinham o poder. A oligarquia já estava ins-
dividir o pensamento político no Brasil entre conservadores taurada há anos no Nordeste — e a aliança dessa oligarquia
e revolucionários, diferentemente da Europa e da América com o governo militar apenas fez fortalecer os mandos e
do Norte. Aqui e na América Latina a Esquerda não possui desmandos dos coronéis da região.
um ideal tido como liberal, ela é revolucionária, socialista,
comunista e às vezes anárquica. Então, os netos e bisnetos
da revolução de 30 conseguem maior status político não REFLEXÃO:
somente pela tradição familiar, como também pela condição
do conservadorismo brasileiro. É por isso que esses netos
e bisnetos da revolução de 30 encontram a disputa ainda Se alguns querem o poder, outros querem a bús-
sola. Se todos querem o poder, então alguns pre-
muito bem estruturada para liderar as elites socioeconô- cisam da boa-fé na defesa de uma anunciação.
micas. Enquanto isso, os filhos e netos da Esquerda revo- Enquanto a asa artística precisa da totalidade do
lucionária que atuavam contra o regime militar tentaram trabalho, o vento político precisa da totalidade que
estruturar um poder político de Esquerda no Brasil através possui o vândalo.
do lulopetismo. A Esquerda deveria estar atenta para a con- Todos são antigos como uma palavra apaixo-
dição de que atingiram parcialmente esse poder, já que as nante, porém poucos conhecem o brilho do anoite-
bases parlamentares ainda se estruturam diante da hegemo- cer. Pode ser um verso de primavera, como também
pode ser a aquarela do aprendiz, que aprende a
nia dos conservadores. Muitas vezes o fortalecimento parla- soprar uma brisa de saudade no próprio coração.
mentar é tão importante quanto o poder presidencial, mas Da minha chaminé não sairão apenas rimas.
um exerce influência sobre o outro. E não se pode esquecer
que a Direita liberal não é Esquerda, pois na política nacio-
nal há a Direita conservadora e a Direita liberal (mesmo Na agonia de Fernando Collor, ACM foi um dos governa-
pensamento de costumes e culturas da Esquerda, mas a polí- dores que continuaram a apoiar o presidente. A explicação
tica econômica privilegia o neoliberalismo). do próprio ACM para o episódio foi a liberação de verba
A maioria dos políticos ilustres do Nordeste apoiava para a construção da rodovia que liga o litoral baiano ao de
o governo militar, talvez pela presença dos coronéis Sergipe.
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Esse é um costume social de políticos oligárquicos, sem- estados considerados atrasados sempre fez parte do projeto
pre estão prestes a fazer alianças de todo o tipo para obter de ascensão de muitos políticos. Hoje, passados mais de 50
vantagens em suas governabilidades. Não são do tipo que anos, há ainda aqueles que transitam por esses caminhos;
fazem oposição, principalmente contra o governo federal, é como se aproveitar do alheio para objetivos pessoais e
pois sempre temem as desvantagens de ser oposição, como políticos. Estados que possuem alguns bolsões de miséria
também temem qualquer tipo de anonimato midiático. É têm uma capacidade sensível de produzir políticos essen-
que políticos oligárquicos parecem preferir o poder a qual- cialmente populistas, políticos que enxergam o povo como
quer custo e as alianças são estratégias definidas quando há filhos. É como se houvesse uma lágrima eterna e absoluta
alguma percepção de perda. Nota-se essa estratégia quando diante desse estado atrasado, e somente aquele que conhece
o PMDB, conhecido reduto oligárquico, fez alianças com o as agruras do povo é que conseguirá enxugá-la. Esse é um
lulopetismo. Se não há possibilidades de se lambuzar, então pensamento corriqueiro, e no Brasil existe uma forma de
que haja possibilidade de ao menos experimentar o doce abraçá-lo, como maneira de demonstrar compaixão. Pois
mel. A medalha de prata é sempre bem-vinda, uma garantia os pobres são carentes, e muitos políticos se utilizam dessa
de fogo para futuramente almejar a medalha de ouro. carência; porém, enxergar somente essa carência material e
É assim que a oligarquia nordestina chegou ao poder tentar resolvê-la, é de certa maneira uma tentativa de criar
regional e nacional: desde a revolução de 30, fazendo alian- uma servidão, uma espécie de suserania sobre as carências
ças de todo tipo, com pouquíssima identidade ideológica populares. Um exemplo disso: quando falta alimento nas
— às vezes Direita conservadora e outras vezes Direita libe- pequenas cidades, basta falar com o coronel ou o dirigente
ral. Fincaram as bases da política brasileira e têm a maioria dessa cidade, e logo o nosso salva-vidas aparece com uma
parlamentar no Congresso. Assim, surgem as dificuldades cesta básica. O que fica evidente nessa situação é que esse
de governabilidade federal sem as alianças com o poder oli- representante político precisa da pobreza daquele que pede.
gárquico das regiões distantes dos grandes centros. Sei que esse discurso é antigo, porém é ainda um discurso
que rege o interior do país. Esse tipo de política parece ilu-
minar as nossas ignorâncias e produzir uma espécie de
POLÍTICA DO MARANHÃO melindre diante dos mais pobres: parece que sempre pre-
cisaremos deles da maneira como estão. Parece-se obstruir
Uma das estrelas ascendentes do cinema nacional, Glauber a necessidade de uma nação em que todos, no mínimo,
Rocha registrou, em 1965, o discurso de posse de um gover- possuem algum tipo de riqueza espiritual, pois não existe
nador que prometia acabar com as oligarquias regionais e maneira alguma de riqueza espiritual sem algum tipo de
modernizar o Estado. No filme, as falas do recém-eleito José riqueza material. Parece que precisamos dos pobres para a
Sarney são alternadas com imagens da miséria crônica da nossa elevação, para a nossa superioridade e para o nosso
região. Passados 55 anos, o documentário comprova que o enriquecimento, ou seja, parece que desejamos que o país
Maranhão continua essencialmente o mesmo. seja pobre. Devemos perceber que os ideais de um país,
Esse tipo de engajamento político contra a miséria de numa democracia, deveriam ser os ideais da maioria; ora,
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se nossa maioria tem como ideal esperar o pai dos pobres, menos nessas regiões distantes dos grandes centros, pare-
então o brasileiro tem como esperança ser pobre, fazendo cem defender a tese da alegria do pão e do circo.
surgir a moral da pobreza. E, às vezes, essa é a moral que a A educação no país, até o governo dos militares, sem-
maioria abraça, pois o futuro não será tão enriquecedor. Um pre foi considerada de ótimo nível por importantes intelec-
exemplo da moral dos pobres em nosso país é o valor que a tuais. Hoje, há um certo desprezo pela educação pública, o
sociedade dá para a escola da vida. Os brasileiros de todas que leva a classe média a educar seus filhos através de uma
as classes sociais valorizam aquele que passou pela chamada educação privada. Um dos fatores dessa hiper competiti-
escola da vida, onde o sofrimento é a disciplina principal. vidade pode ser o inchaço das principais cidades. O pen-
Depois, sofre-se tanto que quando vence começa a bater, o samento intelectual dos mais jovens acaba suprimido pelo
que é um dos ingredientes do nosso capitalismo selvagem. gigantismo da população ignorante e das forças midiáticas.
Jornalista, Sarney pertenceu à chamada “geração dos Pense comigo: qual foi o último grande poeta brasileiro? Da
poetas” que iniciou o movimento de resistência ao senador década de 1960, existem centenas. Hoje, ninguém percebe
Vitorino Freire, ligado ao presidente Eurico Gaspar Dutra, um jovem poeta de tenra idade; se surgir, parece que será
que dominou o Maranhão de 45 a 65. “Éramos uma turma facilmente consumido pela ignorância e pelo gigantismo
de jovens que emergiu repentinamente na vida cultural de midiático. A riqueza poética na música popular parece que
São Luís, escrevendo poemas, contos, publicando revistas travou diante dos anos 2000 para cá, não fazendo surgir
e debatendo ideias”, lembra o poeta e jornalista Ferreira mais aquele tipo de poeta que bate de frente com o establish-
Gullar. ment, aquele poeta que direciona o pensamento político e
Nota-se que a partir do surgimento de Sarney na política socioeconômico dos mais jovens.
do Maranhão há a condição para o pensamento intelectual Apesar de conservador, Sarney surgiu de lideranças inte-
sobrepor-se ao poder da época. Assim, torno a demonstrar lectuais de sua época, o que fez sobrepor uma geração sobre
que o caminho mais curto para o poder está mais próximo a outra — e nesse gigantismo midiático e ignorante tremula
daqueles que vivem distantes dos grandes centros. Sarney um pensamento idealizado por gerações anteriores. O que
está alinhado com o pensamento intelectual de São Luís, de mais sério existe na atual cultura jovem é o posiciona-
porém demasiadamente desenvolvido diante da sua cidade mento político da cultura afro-brasileira urbana. Daí, per-
natal. Logo, de jornalista atuante com seus pares, ele surge cebe-se a distância de Sarney diante dos jovens dessa nova
como liderança política do Maranhão e até do país. cultura: apesar de tal liderança política ter participado do
Talvez a debilidade do povo diante das teorias e dos pen- pensamento intelectual da sua juventude, esse pensamento
samentos vanguardistas realmente o constitua como povo. está tão distante da juventude atual, que um sussurro do
Aquele que está ali apenas para fazer número, apenas para Sarney é um pavoroso grito para a população. Já um pavo-
obter comida, apenas para trabalhar e receber salário. Às roso grito da atual juventude é um leve sopro para os ouvi-
vezes, tentar estimular a educação, o desprendimento para dos dos principais governantes.
o conhecimento, seria como desenvolver a ignorância, pois A partir de 1991, quando a filha mais velha de Sarney,
verdadeiramente o povo parece gostar de ser povo. Ao Roseana, assumiu sua carreira política, o patriarca do clã
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passou a candidatar-se pelo Amapá, deixando o estado natal projeto de governo. A famosa promessa de campanha ainda
nas mãos da filha. Em 1995, Roseana foi eleita a primeira é bastante usada sem ao menos ser discutida. Aqui existe
mulher a governar um estado brasileiro. mais um ideal de poder do que um ideal político. Por isso é
É desse modo que as políticas são feitas no Norte-Nordeste. tão importante a educação, para sistematizar um ideal polí-
Há sempre uma família para concentrar o poder político tico, e assim sangrar a enorme quantidade de partidos, pois
nas mãos. O importante é a disputa, e pouco importam as esses partidos nunca se alinham com os pensamentos polí-
consequências. Todos os três filhos de Sarney são grandes ticos, e sim com os ideais de poder. O eleitor, muitas vezes
políticos no cenário maranhense. Nota-se que para a ascen- analfabeto, nunca enxerga as diferenças políticas, e assim
são da filha ao governo do Maranhão, José Sarney encontra vota em candidatos ou partidos. Isso perdurou por muito
caminhos no Amapá, e como ex-presidente facilmente fecha tempo, tanto que até o ideologismo esquerdista está se mate-
suas alianças no Norte. O que se percebe nas disputas do rializando com o neoliberalismo da Direita.
Norte-Nordeste é a forte tendência ao surgimento de clãs.
E, provavelmente, quando surge um político novato para
ameaçar o antigo clã, esse também parece querer conduzir a POLÍTICA DO RIO GRANDE DO NORTE
família rumo ao poder na região. Essa imagem de um Brasil
feudal existe pela influência da política nordestina; daí a difi- O Rio Grande do Norte é um dos estados brasileiros com
culdade para modernizar a democracia. Não há rotação ou a maior quantidade de clãs (oligarquia), alguns dos quais
mudança de poder: um grupo oligárquico nessa região pode continuam protagonistas da política regional. Durante todo
dominar o pensamento político por mais de cinquenta anos. o século 20, enquanto os Maia e os Alves dominaram a capi-
Assim como fazia Vitorino Freire, rival político de Sarney, tal, os Rosado permaneceram em Mossoró.
os métodos de dominação política dos Sarney incluem a Esses clãs normalmente surgem em regiões atrasadas e
fraude, a intimidação de prefeitos e eleitores, e controle de empobrecidas, onde se estabelecem as oligarquias. Há uma
distribuição das verbas federais. José Sarney acabou criando necessidade no Norte-Nordeste de uma espécie de “família
uma oligarquia ainda mais poderosa do que aquela que real”, pois os pobres dessa região não conseguem sobreviver
jurou combater. sem o amparo de algum líder político. Foi o que a astúcia
O exemplo da política maranhense surgiu como jornalista, do governo petista enxergou através do seu Bolsa-Família.
escritor e intelectual de sua época. Ao conquistar o poder, as Nas décadas de 1980 e 1990 a Esquerda não detinha grandes
promessas e os ideais ficaram para trás, pois tentando acabar privilégios no Norte-Nordeste, mas hoje essa parece ser sua
com as políticas oligárquicas de Vitorino Freire, ele formou melhor base aliada. O lulopetismo soube abraçar os pobres
uma das maiores famílias oligarcas do Nordeste. do Norte-Nordeste com a mesma visão das oligarquias da
Parece que há um comum acordo na política brasileira, região, ou seja, fez o que a Esquerda brasileira sempre con-
de que ao se chegar ao poder, tudo o que foi dito no passado denou em seus adversários. Rigorosamente, a política popu-
foi dito para ser esquecido. Isso está enraizado na política do lista dos rivais.
Brasil. Dessa maneira, não é preciso ser discutido qualquer Mas, para abraçar o Brasil, o problema é bem mais
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profundo do que se imagina. Parece não haver outra maneira aos mais carentes.
de se governar o país com o aval popular, sem haver qualquer
tipo de política populista, o que talvez aconteça pela imensa
territorialidade e a enorme quantidade de pobres abaixo da ECONOMIA DA REGIÃO NORDESTE
linha da miséria. O lulopetismo se defendia dizendo que o
povo não pode esperar tanto tempo para saciar sua fome; O Nordeste possui a terceira maior economia do país,
assim, o Bolsa-Família caiu nas graças populares, tanto que atrás do Sudeste e do Sul. Foi a economia que apresentou
nenhum adversário se arrisca em ser contra esse “salário da o maior crescimento nos últimos anos. É uma economia
miséria”. Portanto, não se pode pensar em governar o país baseada na agricultura, no extrativismo vegetal e mineral,
dentro de uma visão hipermoderna; deixemos isso para as na indústria e nas atividades turísticas.
vanguardas europeias. O que o lulopetismo fez foi errado, Parece que o Nordeste incrementou o mesmo crescimento
porém um erro predestinado a todo governante federal. brasileiro durante o governo petista. Alguns podem atribuir
Aqui, precisa-se saciar a ganância dos grandes empresá- esse crescimento à injeção do Bolsa-Família no mercado.
rios, saciar a inconformidade da classe média e, por fim, Mas o comércio não é um indicador de uma economia forte,
saciar literalmente a fome dos mais pobres. Não há maneira ele apenas sugere índices um pouco superficiais. Muitos ser-
de governar o Brasil sem apostar no assistencialismo dessa viços e negócios também surgiram diante das novas tecno-
maioria, que é vista sempre como o grande rebanho a ser logias; um exemplo é aquela lan house de uma pequena e
conduzido. Ela não parece existir por si mesma. Às vezes, pacata cidadezinha. O Bolsa-Família nada mais é do que
um cidadão de uma grande cidade brasileira pode pensar uma injeção de recursos federais em regiões consideradas
que o país já alcançou sua hipermodernidade, pois pode-se distantes do emprego do capital. Uma espécie de floresci-
encontrar os melhores produtos do mundo virando a pró- mento parco, que mesmo assim dinamiza o capitalismo em
xima esquina à direita. Em muitos casos essa abertura da municípios esquecidos pelos governos estaduais. Ou seja,
economia somente fez acender a loucura do desejo pelas mantendo-se as proporções, aquele capitalismo das metró-
coisas e objetos, coisas que muitas vezes são dispensáveis. poles também está sendo engendrado nessas pequenas cida-
Com a ganância desperta nas grandes cidades, e a fome pai- dezinhas. São municípios que muitas vezes possuem apenas
rando nas longínquas cidadezinhas interioranas, o que resta pequenos comércios, e esses pequenos comerciantes estão
mesmo parece ser a política direitista assistencialista e a polí- de olho no Bolsa-Família de cidadãos esquecidos. Assim,
tica esquerdista, também assistencialista. Pois o número de inicia-se o giro do capitalismo extrasselvagem, pois esses
pobres nesse país é tão grande quanto sua imensa territoria- pequenos comerciantes crescem enquanto a população tor-
lidade. Queremos entrar na hipermodernidade, mas há uma na-se inativa e estática.
corrente que nos prende ao chão. Pensando assim, o lulope- Na Região Nordeste, desenvolve-se a agricultura da cana-
tismo apenas fez o dever de casa. Somou-se à ganância dos -de-açúcar para a produção de açúcar e etanol. Ela é muito
grandes empresários, tentou apagar a chama da inconfor- praticada na Zona da Mata, região da faixa litorânea nordes-
midade da classe média e praticou a distribuição de esmolas tina, região que já foi a mais importante área produtora de
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cana-de-açúcar do mundo, e a principal região econômica Deve-se considerar que muitas vezes esses selos podem ser
do Brasil nos séculos 16 e 17. orquestrados para eventuais processos de exportação do
Logo a cana-de-açúcar, produto tão glorificado no Brasil produto, ou seja, previne-se um risco ambiental aqui ou ali,
Colônia, volta a ser uma das principais matérias-primas do e logo o produto já está certificado para a exportação, pois
país com o estabelecimento do etanol no comércio de com- na hipermodernidade, tempo é dinheiro. É preciso vender
bustíveis, correspondendo ao uso de 40% dos veículos leves. agora pois amanhã pode-se perder o negócio, e assim a cer-
Como energia renovada, o etanol brasileiro é oito vezes tificação sai de qualquer jeito.
superior ao etanol estadunidense. Para os países industriali- Tentar teorizar a chamada cadeia produtiva do etanol bra-
zados, comprometidos com as metas do Protocolo de Kyoto, sileiro pode ser como encontrar o vazio. Vende-se o pro-
o uso de biocombustíveis representa, diante de um mercado duto como 100% eficiente diante de impactos ecológicos,
acessível, uma das maneiras mais efetivas de se reduzir as mas na produção da cana-de-açúcar há relevantes proble-
emissões de gases do efeito estufa. mas ambientais e ecológicos: parece que quando se ganha
No Brasil o biocombustível da cana-de-açúcar, a partir de um lado, perde-se do outro. É preciso enxergar o impacto
das políticas do governo petista, desenvolveu quase a metade ecológico do produto não apenas no uso ou no descarte,
do mercado e do comércio de combustíveis para automo- mas também em todo seu ciclo de vida. A questão ambien-
tores. A produção brasileira de etanol atingiu o recorde de tal de um produto deve ser analisada desde a obtenção da
30 bilhões de litros. Já podemos dizer que o mercado de matéria-prima, da transformação do produto, do uso até o
biocombustível no Brasil é um mercado estabilizado; não descarte final, e finalmente, a sua reciclagem. O que pode ser
é um mercado que possa ruir ou ser surpreendido repen- temido, mesmo diante de uma certificação desse processo, é
tinamente. E a Zona da Mata é a segunda região de maior a negligência ou o descaso. E assim, por ordem econômica
produção dessa cana-de-açúcar cultivada para atender ao o certificado sai, porém o processo real pode ser alienado.
mercado de etanol (a primeira é o interior paulista).
No aspecto econômico, o etanol brasileiro é uma reali-
dade, e dentro dessa realidade a sua eficiência como ener- ECONOMIA DA BAHIA
gia não-poluidora é quase indiscutível diante do petróleo.
Porém, existe uma capacidade de degradação ambiental de A economia da Bahia é composta por agropecuária,
enorme risco na produção. Há impactos ambientais relevan- indústria, mineração, turismo e serviços. A Bahia detém
tes nessas áreas de cultivo da cana-de-açúcar, tanto impac- 36% do PIB do Nordeste e mais da metade das exportações
tos ecológicos como impactos socioeconômicos. Os princi- da região. Dentre os estados brasileiros conta com o oitavo
pais aspectos ambientais envolvidos no sistema produtivo maior PIB.
da cana são desmatamento, erosão, assoreamento de corpo É de comum acordo que regiões mais industrializadas são
d’água, escoamento de águas superficiais e poluição da água regiões mais fortes economicamente, e é o que acontece com
e do solo. Já existe em São Paulo um selo, chamado Selo a Bahia diante dos outros estados do Nordeste. Percebe-se a
Verde, para a certificação da produção nas usinas de etanol. industrialização como fonte de desenvolvimento político e
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econômico, mas na outra extremidade dessa percepção, há e cana-de-açúcar.
o vínculo da industrialização com a degradação ambien- O cacau há mais de 20 anos não competia no mercado
tal e ecológica. Assim, culpamos a indústria, e somente a mundial por causa da vassoura-de-bruxa. E há algum tempo,
indústria, por tamanho descaso. Por isso, para haver um em 2015, retomou as exportações desse produto.
melhor aproveitamento das fontes ambientais, todos pre- Verificamos na agropecuária baiana o que existe em todos
cisam assumir uma espécie de compromisso ambiental. O os estados brasileiros, uma farta produção de inúmeros pro-
agricultor que planta e colhe a matéria-prima, o industrial dutos alimentícios. O que sempre foi dito é que tais produtos
que transforma essa matéria em produto, o comerciante que são reiteradamente voltados para a exportação, e assim a
revende o produto, o consumidor no uso e o Estado no reco- mesa do brasileiro torna-se uma mesa de alto custo. Mas de
lhimento do descarte desse produto, até chegar à empresa 20 anos pra cá o acesso a todo tipo de alimentação não está
que reciclará o material — todos precisam estar envolvidos tão distante assim. Verifica-se até que o brasileiro está almo-
no processo da cadeia produtiva para ao menos amenizar çando mais em restaurantes do que na década de 1970 ou
os impactos ambientais. Às vezes nos esquecemos de que 1980, tempo em que a mãe de família era chamada de dona
todas as coisas da cidade saem do meio ambiente, de uma de casa e preocupava-se somente com os trabalhos domés-
biodiversidade dentro de um ecossistema. ticos, e preparar o almoço do marido e dos filhos era um
A Bahia é o estado mais industrializado do Nordeste. deles. Enganam-se aqueles que pensam que a alimentação
Talvez seja um orgulho dos baianos, pois às vezes parecer nos países desenvolvidos tem um custo mínimo e irrisório;
ser industrializado é como assemelhar-se com países ricos é justamente nesses países que a alimentação é algo oneroso
e desenvolvidos. Isso pode parecer uma vantagem sobre para as despesas do trabalhador comum.
os demais estados, porém ser industrializado, como todos A Bahia ocupa o 4° lugar na produção de bens mine-
sabem, não é ser desenvolvido. Ser desenvolvido envolve rais. Possui reservas consideráveis de minério e de petróleo.
riqueza material e espiritual, e quando digo espiritual, estou Pode-se pensar num estado forte e concorrente no setor pri-
dizendo que deve haver uma harmonia entre a industrializa- mário da economia. Uma agropecuária rica, como também
ção e o meio ambiente. O homem deve estar inserido num é rica a mineração.
conjunto em que todas as partes saem ganhando, inclusive a Incentivando uma maior concorrência nesse setor primá-
biodiversidade. Se ainda não se consegue enxergar essa luz, rio baiano poderia verificar-se uma maior oferta dos produ-
deve-se ao menos procurá-la; esse deve ser o pensamento tos agrícolas. A riqueza da comida baiana, pela introdução
vanguardista da economia atual. da cultura dos escravos, é o motivo da variedade. Existem
Na agropecuária, a Bahia é o primeiro produtor nacio- mais e diversos produtos a serem comercializados; contudo,
nal de cacau, sisal, mamona, coco, feijão e mandioca, sendo talvez pela rigidez do mercado, ainda não tenha havido um
os dois últimos mais voltados para a subsistência do que melhor aproveitamento de uma produção que penetre os
para a comercialização. Além de ser o principal produtor outros estados. Não vender somente para outros países, mas
de cacau, é também o principal exportador de cacau do também para os outros estados do país.
Brasil. Possui também bons índices na produção de milho A indústria na Bahia tem forte participação econômica no
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Estado, voltada para os setores da química, petroquímica, mínimo, combatendo os excessos da degradação ambiental.
agroindústria, informática e automobilística. Com a atração de novos empreendimentos para a Bahia,
Na Bahia, a política de intervenção promovida pela Sudene o Polo Industrial de Camaçari experimenta um novo ciclo
(Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste), levou de expansão, gerando mais oportunidades de emprego e de
à criação do Polo Petroquímico de Camaçari, onde estão a renda para o Nordeste.
Refinaria Landulpho Alves e o Centro Industrial de Aratu,
na região metropolitana de Salvador.
O Polo Petroquímico de Camaçari é o maior complexo
industrial integrado do hemisfério Sul. Fica localizado REFLEXÃO:
no município de Camaçari, na região metropolitana de
Salvador. Abriga diversas indústrias químicas, petroquími- O artista torna-se artístico quando o ideal é de
cas e de outros ramos de atividade como a indústria auto- bronze, o sonho é de prata, e a luta é de ouro. É a
motiva, de celulose, metalurgia, de cobre, têxtil, bebidas e bondade de ser verdadeiro diante da boa-fé inimiga.
serviços. O polo iniciou suas operações em 1978, sendo o Sim, precisamos encontrar a defesa da rosa
branca e a batalha contra a borboleta bruxa. E isso
primeiro complexo petroquímico planejado do país. virá somente com uma harmonia em que a natu-
A ideia de um complexo industrial (indústrias de base) reza ganha ao mesmo instante em que a riqueza
numa determinada região, sem haver dissidências (as indús- faça parte do sonho de cada um. Ou seja, quanto
trias de um estado espalhadas por várias localidades), é uma mais rico o ser humano, mais rica também será a
ideia que combina a satisfação de integrar todas as partes floresta. Isso é ser antinatural, enriquecer com o
da fabricação de um produto somente numa determinada crescimento da Mãe-Natureza.
região. Assim, se precisamos fabricar um tênis, por exemplo,
teremos nessa mesma região a borracha, o couro, o plástico e
o tecido, facilitando o transporte, o custo e a procura e resul- A ideia do complexo industrial, uma integração das
tando num produto de baixo custo e com valor agregado. indústrias de base numa determinada localidade de uma
Mesmo que haja uma degradação ambiental nessa região, região do estado, normalmente em cidadezinhas vizinhas
seria uma degradação de menor porte, pois estaria sendo das capitais: como uma variante do pensamento esquerdista
produzida somente numa localidade — e haveria maiores (socialismo), isso serviria como uma espécie de bloco pro-
possibilidades de diminuição dos riscos do impacto ambien- dutivo, onde o trabalhador estaria conjugado com os meios
tal, porque o Estado poderia regular com maior rigor nessa de produção. Logo, aquela região do complexo industrial
determinada localidade. Quando as indústrias estão espa- seria uma região dos trabalhadores, com possibilidade de
lhadas por todas as regiões de um estado, o custo da manu- greve sempre iminente. Sim, estamos diante de uma ordem
tenção para regular tais atividades industriais torna-se mais capitalista, mas pensar no complexo industrial para os
oneroso. Ou seja, o Estado pode implantar nessa região uma esquerdistas seria determinante pela capacidade de reu-
polícia reguladora que intensifique a vistoria das fábricas, no nião dos trabalhadores nessa região, o que não aconteceria
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se houvesse pequeníssimos núcleos industriais espalhados Além da Ilha de Itaparica e do Morro de São Paulo, há um
pelo estado, pois regimentar um determinado espaço é mais grande número de praias entre Ilhéus e Porto Seguro, na
fácil do que tentar regimentar as partes distantes umas das costa sudeste, e no litoral norte da área de Salvador, esti-
outras. cando para a orla com Sergipe, que transformou-se em um
Para o pensamento neoburguês o complexo industrial é destino turístico importante, o qual ficou conhecido como
facilitador dos lucros individuais, pois como dono dos meios Linha Verde.
de produção, nessa região existe uma capacidade conjunta Um estado como a Bahia, com uma riquíssima variedade
das partes para diminuição de custo e maior valor agregado. de pontos turísticos — e quase todos esses pontos são de
No caso do Polo de Camaçari, a proximidade com o porto riqueza natural — deve manter-se sempre alerta para qual-
de Aratu e vias facilita o transporte para o mercado interna- quer tipo de degradação ambiental. É notória e do conhe-
cional. Nesses complexos a comunicação entre os materiais cimento de todos a beleza natural de suas praias e ilhas. Se
(papel, polímeros, vidros, metais), ou seja, tudo aquilo que acaso um indivíduo não conhece a Bahia de perto, ao menos
encontramos em todos os produtos industriais estão conju- já ouviu falar da beleza natural de suas praias e ilhas. Faz
gados numa região, como também o trabalho especializado parte da comunicação verbal entre brasileiros o falar bem da
de diversas atividades industriais. Não se pode desprezar a Bahia. Sempre, no diz que me disse, o litoral baiano é algo
capacidade da região para greves. de maravilhoso e paradisíaco.
Entretanto, em tempos de pesado lixo industrial, seja ele
vindo da indústria, das residências ou do consumidor, o
risco de degradação das praias torna-se constante — assim,
REFLEXÃO: aquilo que o brasileiro acostumou-se a dizer desde o Brasil
Colônia sobre o litoral baiano pode não ser mais uma rea-
O azul capital existe como também existe o ver- lidade tão paradisíaca assim. A economia baiana, ao pen-
melho comunista. Devemos apenas humanizar esse sar em investimentos na área de turismo, também deveria
azul celeste para tornar possível a humanidade investir em proteção ambiental e de recursos naturais, pois o
socialista, desde que nunca matemos uns aos outros turismo da Bahia somente existe devido às belezas naturais
por isso. E avançar para a vitória com bandeira de suas praias e ilhas. Sem alguma proteção ambiental, essa
branca. qualidade na economia baiana, o turismo, pode arrefecer.
Acima dos homens apenas o céu e abaixo apenas 60% do esgoto de Salvador é lançado no mar. Por enquanto,
a Terra. Sem o inferno acima ou abaixo, e que a
bondade esteja no lugar da atual política corrupta. a única alternativa é o esgoto tratado, ou seja, transformá-
-lo no mais próximo possível de água. Sem essa transfor-
mação os capitais de investimento no turismo tornam-se
A Bahia é singular quando citamos a diversidade de pai- ineficientes, pois ninguém quer passar as férias numa praia
sagens e de riqueza natural. Esse estado é potencialmente que recebe o esgoto da cidade. E assim o marketing popu-
dono de um rico portfólio de possíveis produtos turísticos. lar sobre as praias de Salvador pode fazer o efeito contrário,
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anulando a vontade dos outros de conhecerem a cidade. sustentabilidade, ela está mais bem integrada à economia do
Num litoral como o baiano, torna-se indispensável o novo século. Muitos estados reconhecidamente industriali-
investimento em proteção ambiental, pois sua economia zados possuem uma dificuldade de abandonar o antigo para
tem um forte vínculo com o turismo. Sem esse cuidado adotar o novo, pois muitas vezes essa transformação exige
duplo, parte desse capital pode se desfazer, bem como mui- um alto custo. Priorizando a instalação de empresas e ser-
tos outros negócios. viços de desenvolvimento sustentável inicia-se um processo
Já existem alguns pontos mortos no litoral baiano, princi- de integração com a economia do século 21.
palmente em Salvador: praias que já são reconhecidamente No Brasil há uma tendência, assim como em Sergipe,
esgotos. Não há outra alternativa a não ser priorizar ciência de fortalecimento do Terceiro Setor (comércio e serviços).
e tecnologia para salvar o futuro dessas praias. Cruzar os Deve-se buscar, contudo, como em qualquer economia sau-
braços é como querer morrer hoje. Pois alguns pontos mor- dável, um maior equilíbrio entre os três setores, que preci-
tos nas praias de Salvador podem se encontrar com outros sam se comunicar com fluência para haver uma economia
pontos mortos (esgoto), transformando o mar da capital mais real e justa, sem a dependência de capitais externos
baiana em algo diferente, e que possivelmente não possa ou de produtos e serviços de outras regiões do Brasil e do
ser considerado como mar. mundo. O Estado precisa favorecer, seja direta ou indireta-
mente, esse equilíbrio; no caso de Sergipe, fortalecer a agro-
pecuária sustentável parece ser um fator importante.
ECONOMIA DO SERGIPE Nessa nova economia de século 21 há uma frente liberal
que prega que o Estado não pode intervir em nada. Mas
Os dados de 2008 do governo apontam que a economia encontrar um meio termo pode ser uma saída gradual para
do estado de Sergipe tem participação de 0,6% no produto um país que precisa respirar ao menos um capitalismo mais
interno bruto nacional. A composição do produto interno saudável. Pois aqui, se o Estado abandona seu poder regula-
bruto está dividida em: Agropecuária, que corresponde a tório, nossa economia se torna um pouco aleijada, surgindo
5,2%; Indústria, 33%; e Serviços, 61% do total no estado. uma explosão no setor de comércio e serviços, já que sem
Existe a possibilidade de Sergipe integrar-se ao mercado produção alguma, o que resta é apenas levantar lojas para a
nacional como uma economia de vanguarda internacio- venda de produtos de outras regiões e países.
nal. Como ainda não há uma industrialização pesada nos
moldes do século passado, pode-se enxergar além, favo-
recendo a sustentabilidade — ou seja, aquilo que o estado
quase não tem, pode ter, e melhor do que um estado tipica-
mente industrializado. Basear o desenvolvimento do estado
para uma economia sustentável pode ser melhor, e esque-
cendo de vez os erros de industrialização do século 20. Por
exemplo, se a economia de uma cidade está voltada para a
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nos países tipicamente industrializados. Ciência e tecnologia
precisam fazer parte da política de qualquer grande empresa:
“Vou fabricar suco de laranja, então no que o meu suco de
REFLEXÃO: laranja é melhor?” Na qualidade, na naturalidade, em quí-
micas de benefícios à saúde, na facilidade de reciclagem
Novo século é não querer ser sobrenatural, é não da embalagem, na extrema necessidade de risco mínimo
querer ser o antigo transpirar do vento. Soprar a da fábrica diante do meio ambiente, na política verde da
saída da brisa pela quantidade da sobrevivência. O empresa, no comprometimento do bem estar social de seus
azul marinho é o arranjo das flores brasileiras, bra- empregados, na dinâmica da logística ecológica da produção
dando o branco bondade da mulher. Sem a aven- da laranja até chegar ao porto para a exportação. Qual con-
tura, o risco é assinar o bronze dos nossos sonhos. tribuição ao meio ambiente existe na produção desse suco?
A principal atividade agrícola do Sergipe é o cultivo de
cana-de-açúcar. Além da cana, são cultivados mandioca,
Os principais produtos exportados pelo Sergipe são: suco laranja e coco.
de laranja (33%), cimento (17%), açúcar (14%), outros sucos Ao contrário de muitos estados brasileiros, a criação de
de fruta (13%), calçados (13%) e outros (10%). gado não é muito importante. Uma pequena indústria de
Mesmo Sergipe não sendo considerado como um estado couro também existe.
brasileiro tipicamente industrializado, nota-se que seus pro- Às vezes, pensa-se mais no impacto ambiental de uma
dutos passaram por algum tipo de transformação, caso do indústria do que no impacto ambiental de uma atividade
suco de laranja e do cimento. Tiveram, portanto, que pas- agrícola. Deve-se entender que não somente os grupos, mas
sar por algum arranjo de máquinas e técnicas — e isso está também os indivíduos, causam algum impacto ambiental.
acontecendo muito rapidamente em todo o Brasil, foi um Pense na cultura da cana em larga escala no Sergipe; pro-
processo que se iniciou na abertura da economia no governo vavelmente, encontraremos enormes desvios na harmonia
Collor. Também é possível perceber que seus produtos con- do meio ambiente. Às vezes, impactos ambientais graves e
seguem competir no mercado; porém, há um risco de médio seríssimos.
a longo prazo, caso estas indústrias fiquem comprometidas
com o desenvolvimentismo de século 20. Esse tipo de cadeia
de produção já está sendo considerado obsoleto diante dos
produtores europeus. A política verde de sustentabilidade
já é uma realidade em muitos países. Precisa-se de ciência
e inovação, não para ser adquirida, mas sim para ser ideali-
zada e usada. Deve-se esquecer que o novo surge apenas na
América do Norte e na Europa. A política verde, que poderia
ser a nossa grande vedete, hoje já parece tão distante quanto
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e tecnologia pode-se alcançar tal excelência na reciclagem
de outros materiais. Apesar de os plásticos terem uma capa-
REFLEXÃO: cidade finita, ciência e pesquisa podem solucionar questões
importantes para a ecologia de materiais. Deve-se seguir
para um horizonte de reciclagem se o país quer de fato ser
A benção do bélico é anterior à cruz e à espada. uma economia forte e de vanguarda nesse século.
Se fôssemos viver livres, possivelmente encontra-
ríamos o luto da consciência. E essa consciência é
parte do desmaio diante da procura. Nossas von-
tades pueris e nossos partidos absolutos. Enquanto ECONOMIA DE ALAGOAS
enxergamos apenas o superficial dos outros, enxer-
gamos apenas o superficial de nós mesmos. Por isso Alagoas contribui, aproximadamente, com apenas 0,7%
é tão profundo viver quanto tão profunda é a culpa. para o PIB brasileiro. Conforme dados do IBGE, a compo-
sição do PIB de Alagoas é a seguinte: Agropecuária (6,8%),
Indústria (24,5%) e Serviços (68,7%).
A exploração de recursos minerais é uma atividade muito Hoje, dados como o PIB possuem pouca relevância para
importante para o estado, sendo explorados o petróleo, gás uma economia moderna, pois ele revela os capitais de
natural, calcário e potássio. A Petrobrás explora campos retorno da produção, esquecendo-se de informar a quali-
de petróleo e gás natural no estado, tanto em terra como dade desses capitais de produção. Qualquer tipo de riqueza
no mar. Já a Vale S.A explora a maior mina de potássio do gerada no país tem influência sobre as necessidades sociais,
Hemisfério Sul, localizada no município de Rosário do econômicas, políticas, ambientais e culturais; não se pode
Catete. pensar que somente o crescimento econômico gera quali-
A mineração sempre foi uma atividade muito importante dade de vida. Muitas vezes tal crescimento gera ainda mais
para a economia de qualquer estado, mas de alguns anos pra distorções sociais, fraquezas econômicas, disputas políticas
cá, ela vem sendo um verdadeiro obstáculo para uma econo- acirradas, impactos ambientais nocivos e debilidades cultu-
mia sustentável, devido ao grande estrago que causa sobre o rais. Tomemos como exemplo um trabalhador rural do cul-
meio ambiente e a biodiversidade. Qualquer minério exige tivo do abacaxi. Devemos nos perguntar: No que o cultivo
uma modificação no meio ambiente da região para a sua do abacaxi transforma a realidade social daquele trabalha-
retirada, e muitas vezes, explora-se ao máximo para obter dor? Há uma função social para ele? Uma função econô-
tudo que a terra tem a oferecer. mica? Uma função política? Uma função ambiental? Uma
Para se pensar em desenvolvimento sustentável deve-se função cultural? Ou trabalhar no cultivo do abacaxi serve
abdicar da mineração para aproveitar os recursos da reci- apenas para se obter uma renda no final do mês? O que real-
clagem. O aproveitamento contínuo do material precisa mente existe ao redor, mesmo havendo um crescimento do
ser a prioridade de aproveitamento infinito no mercado, PIB, é o aumento da violência, o crescimento da distância
como o alumínio, o cobre e o vidro. Claro que com ciência entre ricos e pobres, o consumo desenfreado e alienado, e
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uma educação cada vez mais debilitada. Muitos desacredi- produção de petróleo e gás natural, recursos dos quais
tam no poder educacional para acreditar somente no poder Alagoas possui importantes reservas.
econômico como base de vida social, o que é um equívoco. Deveria haver um cuidado maior de cada estado bra-
A agropecuária, desenvolvida numa região que se estende sileiro para que houvesse uma secretaria ou pasta para o
do litoral à Zona da Mata, é um componente essencial para comércio exterior, porque muitas regiões do Brasil possuem
a economia estadual. Alagoas é o quinto maior produtor particularidades na agricultura, na indústria, no comércio e
nacional de cana-de-açúcar. Outros importantes cultivos no turismo, particularidades que muitas vezes desaparecem
são o arroz, feijão, mandioca, milho, banana, abacaxi, coco, quando se usa a capacidade do comércio exterior da fede-
laranja, algodão e fumo. O estado também possui rebanhos ração. O estado regional precisa conhecer o seu potencial
bovinos, equinos, caprinos e ovinos. diante do comércio internacional e não ficar na dependên-
Há no Brasil uma grande variedade de produtos rurais e cia de que a Federação descubra uma particularidade sua
alimentícios. E muitas vezes, por ordem econômica, exige- para conquistar um possível mercado. Às vezes, pensando
-se o cultivo de um produto apenas, caso da cana-de-açúcar em ser mais autônomos, tais estados poderiam abrir mais
para abastecer as usinas que fabricam o etanol brasileiro. portas para o mercado externo brasileiro. Afinal de contas
Muitos produtores rurais concentram esforços nessa cul- Alagoas, mesmo sendo um pequeno estado, possui uma ter-
tura para o retorno financeiro fácil, pois a produção é ven- ritorialidade quase igual à da Bélgica; por isso torna-se difí-
dida continuamente, sem muitas interrupções. O mercado cil para a Federação estimular fontes de mercado em toda
do etanol já é quase a metade do mercado de combustíveis dimensão do seu território. Às vezes, o que aparentemente
no Brasil. é irrelevante para o Brasil pode ser uma fonte de mercado
Para não haver essa dependência do cultivo da cana-de- e emprego para uma simples cidadezinha de Alagoas. Um
-açúcar, ou de um mercado apenas, seria importante buscar determinado produto dessa cidadezinha, se alcançasse exce-
novos mercados para outros produtos agrícolas. Talvez pela lência de mercado, poderia gerar emprego e renda de uma
grande variedade de produtos, estimular novos mercados importância capital, e um potencial que o Estado Federativo
poderia ser uma solução. Um exemplo é a qualidade pro- nunca descobriria se tivesse que monitorar todo o território.
teica e nutricional da mesa típica do brasileiro: temos aqui a O turismo é o principal componente do setor de ser-
comida típica dos japoneses, dos chineses, dos americanos, viços, além de ser a atividade que mais cresce no estado.
dos italianos… poderíamos tentar estimular a variedade dos Alagoas possui 40 municípios com potencial turístico,
nossos pratos típicos e regionais em outros países. Também onde os visitantes podem desfrutar de belas praias, rios e
intercambiar esses produtos entre as regiões do Brasil, o de cidades históricas. Entre as belas praias estão as da Região
que já acontece com o churrasco gaúcho, o feijão tropeiro Metropolitana de Maceió, como a Praia do Francês (prin-
mineiro e o açaí do Pará, entre outros. cipal destino dos turistas), a Praia do Gunga e a Praia de
O setor industrial, que responde por 24,5% da economia Paripueira. Marechal Deodoro, antiga capital de Alagoas,
do estado, atua nos seguintes segmentos: alimentício, açúcar, preserva as construções do período colonial. Outra impor-
álcool, têxtil, químico, cloroquímico, cimento, mineração, tante atração é o rio São Francisco.
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Pode-se comparar o turismo a uma obra artística. Ele um produto agrícola conhecido e reconhecido internacio-
ganha força e admiradores através da propaganda de boca nalmente, extinguindo-se, assim, plantas nativas. No caso
a boca. Um diz que é lindo, outro diz que é interessante, e de Pernambuco, o umbuzeiro entrou na lista de plantas em
assim se passa de indivíduo para indivíduo a notoriedade extinção. Na maioria das vezes são plantas que possuem um
daquele lugar. Dependendo da admiração, as maravilhas potencial econômico de dar inveja a muitos pesquisadores
daquele lugar atravessam o tempo, recebem propaganda da de outros países. O umbuzeiro, por exemplo, possui uma
mídia e permanecem ostentadas, assim como uma bela obra raiz produtora de uma batata de sabor doce, agradável e
artística de renome. Porém, diferentemente da obra artís- comestível, que sacia a fome do sertanejo na época seca.
tica, o turismo de um determinado lugar pode acabar sendo A água dessa batata é utilizada em medicina caseira como
desinteressante; é o que pode acontecer com mares e praias, vermífugo e antidiarreica. Além disso, da raiz seca, extrai-
poluídos com o tempo. A atração turística daquele lugar -se uma farinha comestível. As folhas, verdes e frescas, são
começa a perder valor, pois os mares estão sujos pelo esgoto consumidas por animais domésticos (bovinos, caprinos,
da cidade, a praia está com a areia contaminada, a estátua de ovinos). Em forma de saladas ou refogados, essas folhas são
uma cidade está danificada, o centro histórico está degra- utilizadas na alimentação do homem. Nota-se que a falta
dado, o rio está sujo e poluído: assim, a propaganda de boca do umbuzeiro afeta diretamente animais de médio porte no
a boca faz um efeito inverso, espantando turistas e admira- ecossistema, como é o caso do veado. O fruto do umbuzeiro,
dores. Em algum tempo haverá pouca visitação, e a econo- o umbu, é agridoce, e quando maduro sua polpa é quase
mia gerada pelo turismo também se dissipará, levando mui- líquida. Pode ser consumido ao natural, como também pode
tos comerciantes a abandonarem seus negócios. Os hotéis servir na produção de itens tão diversos quanto refrescos,
passam a ser pouco frequentados, assim como os bares, sucos, sorvetes, doces, geleias, vinho, vinagre e acetona; a
os restaurantes e tudo aquilo que a economia do turismo casca pode servir de pasta.
envolve (a cadeia de comércio e serviços). Na economia é a necessidade do produto que ainda o
mantém vivo: se acaso surgisse uma demanda importante
do mercado para um xarope de umbu, muitos produtores
ECONOMIA DE PERNAMBUCO rurais poderiam deixar seus atuais agronegócios para valori-
zar o seu cultivo. Ele precisa ser um negócio lucrativo. Desse
Entre os principais produtos agrícolas de Pernambuco modo, poderíamos desenvolver algum tipo de sustentabili-
encontram-se a cana-de-açúcar, o algodão, a banana, o fei- dade. O enriquecimento do homem (economia) e o enrique-
jão, a cebola, a mandioca, o milho, o tomate, a graviola, o cimento do ecossistema (caatinga), preservariam as gerações
caju, a goiaba, o melão, a melancia, a acerola, a manga e a futuras do desaparecimento do umbuzeiro.
uva. Um pequeno produtor da Caatinga disse: Não conheço
Um erro que acontece em quase todas as regiões brasi- seca pra matar um pé de umbu. O umbuzeiro é o verde
leiras é que às vezes, por causa de um mercado existente que resiste nas secas da Caatinga. São essas plantas nativas
há anos, devasta-se parte do ecossistema para a cultura de que precisam ser cultivadas em seus ecossistemas, porque
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são elas que fazem florescer a fauna e a flora, são elas que ora, o Estado não consegue tributar essa maioria, o que faci-
reproduzem a qualidade primeira e a preservação natural lita o sonho dourado de viver nas capitais, mas aumenta as
da região. consequências da má distribuição de renda.
Deve-se pensar com maior cuidado em pesquisa e tecno-
logia para desenvolver excelência diante dos produtos que
o umbuzeiro dá, fazendo surgir uma necessidade natural ECONOMIA DA PARAÍBA
do mercado nacional e internacional para algum produto
derivado dele. Com isso, logo os produtores rurais dessa A cana-de-açúcar é um dos principais produtos agrícolas
região teriam um cuidado maior em cultivar essa espécie desse estado: a Paraíba é o seu terceiro maior produtor no
de planta nativa. Nordeste. É importante destacar também o plantio de algo-
A produção industrial pernambucana está entre as maio- dão, que têm uma grande importância no estado. O caju e o
res do Norte-Nordeste. Destacam-se as indústrias naval, abacaxi são as frutas que a Paraíba mais produz.
automobilística, química, metalúrgica, de vidros planos, ele- Apesar da importância da cana-de-açúcar para a produ-
troeletrônica, de minerais não-metálicos, têxtil e alimentícia. ção agrícola no Nordeste, deve-se incentivar outros pro-
Em 1978 uma lei estadual criou o Complexo Industrial e dutos para não haver qualquer dependência do mercado
Portuário de Suape, na Região Metropolitana do Recife. Esse atual. Hoje as tecnologias estão em constante evolução; é por
Complexo Industrial e Portuário é o mais completo para a isso que no cenário atual, tecnologia e pesquisa são as pala-
localização de negócios industriais e portuários da Região vras-chave para o aparecimento de um novo mercado. Um
Nordeste. exemplo disso é o caso do açaí na Amazônia, que despertou
Como todo estado brasileiro, Pernambuco possui o interesse no mercado nacional e internacional a partir dos
comum desequilíbrio dos setores da economia: agropecuá- anos 2000. Um fruto que antes era somente conhecido na
ria (4,8%), indústria (21,9%) e serviços (73,3%). Esse dese- própria região, hoje faz parte da dieta de muitos brasileiros
quilíbrio acentuado no setor de serviços é devido ao inchaço e já é um produto tipo exportação. Deve-se gerar a necessi-
populacional das grandes cidades — o que antes no período dade de tais produtos típicos de cada região.
colonial do Brasil existia nas cidades mineradoras, agora A seca no sertão paraibano continua sendo o principal
acontece nas grandes capitais. Naquele tempo, as cidades entrave na produção agrícola, o que leva vários produto-
mineradoras, como por exemplo Ouro Preto e Diamantina, res rurais a abandonarem tudo para viverem nos grandes
eram o sonho dourado da população. Era onde todos se centros.
reuniam para gerar riqueza, e os comércios se destacavam A Paraíba conta hoje com vários distritos industriais, em
nessas cidades. Porém, da metade do século 20 para cá a várias cidades. Os principais tipos de indústria do estado
população aglomerou-se nas grandes cidades; logo, o setor são as de calçados, minerais não metálicos, metalurgia, ali-
de serviços também aumentou, gerando esse considerável mentícias e de bebidas.
desequilíbrio. Isso para não dizer que nesse setor da econo- Um grave erro da indústria brasileira, e que hoje pode ser
mia há uma quantidade imensa de vendedores ambulantes; considerado um erro gravíssimo, é a tentativa de produzir
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produtos similares ao dos grandes mercados internacio- fazendo ocorrer uma leve deflação. Acontecendo o inves-
nais. Essa política industrial do século 20 está perdendo timento no Setor Secundário (indústrias) há um aumento
força devido às rápidas transformações tecnológicas. O expressivo no número de negócios no Setor Terciário
Brasil precisa pensar o novo, sempre. Um exemplo: vá para (comércio e serviços). No Brasil as classes mais baixas,
o Nordeste, ou para qualquer outra região brasileira, pro- quando investem na própria empresa, estão investindo nor-
cure um refrigerante da indústria local, e você encontrará os malmente em comércio e serviços. É interessante crer que
mesmos sabores: laranja, limão, cola, uva e guaraná. Assim, aqui, quando investimos em indústrias, o efeito dominó
vira-se as costas para o novo. Com a enorme quantidade de desenvolve o setor de comércio e serviços, muitas vezes
frutas típicas brasileiras, deve-se ao menos tentar encontrar pela dificuldade que as indústrias brasileiras possuem para
um novo nicho de mercado. Estamos precisando de soluções o negócio da exportação. Em pouco tempo, o produto pro-
rápidas e criativas para as novas mudanças. duzido aqui também é consumido aqui, o que generaliza e
vulgariza a qualidade do setor de comércio e serviços. É fla-
grante que a indústria brasileira não quer ou não consegue
competir no mercado internacional; logo seus produtos para
REFLEXÃO: venda precisam ser consumidos na própria região. Isso sem
dizer da dificuldade logística para a exportação. Às vezes,
As frases do amanhecer são partes de sonhos de pouco pensamos em produzir para uma excelência no mer-
uma neta. São os espaços brancos do brilho da boa- cado, e sim para ganhos pouco expressivos.
-fé. São como as asas das artes e das milícias. A
bondade sempre funciona amanhã e nunca hoje.
Arrepender-se apenas do que não fez, pois a bruxa- ECONOMIA DO RIO
ria brinca de te levar aos céus da perfeição. Vamos
armazenar nossos corações áridos sempre. GRANDE DO NORTE
A economia do Rio Grande do Norte é a décima oitava
O principal setor da atividade econômica da Paraíba é maior do país. De acordo com dados relativos a 2010, o
o de serviços, representando 74% da economia. De 2013 Produto Interno Bruto desse estado é 0,9% do PIB nacional.
para 2014 houve uma aumento de 7% no Setor Terciário. No setor primário, Mossoró é o maior destaque na agro-
Isso ocorre quando várias indústrias se instalam na região, pecuária com fruticultura irrigada, sendo o melão o prin-
e assim precisam concorrer com os produtos já existentes cipal produto destinado às exportações. Em outras cidades
no mercado, baixando os preços para aumentar o número há o cultivo do abacaxi, cana-de-açúcar, mandioca, mamão
de vendas. e manga. Há também a produção de mel de abelha, leite,
Isso ocorre no Brasil e não somente no Nordeste; quando abacate, algodão, banana, castanha-de-caju, coco-da-baía,
algumas indústrias se instalam em determinada região, logo goiaba, laranja, limão, maracujá, sisal, tangerina, arroz, bata-
precisam vender para compensar os custos de investimento, ta-doce, cebola, feijão, fumo, girassol, mamona, melancia,
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milho, sorgo e tomate. O Rio Grande do Norte é um exemplo de que a liderança
O Produto Interno Bruto do setor primário (agricultura da produção em qualquer atividade industrial não repre-
e pecuária), em 2010, era o equivalente a 4,2% do PIB do senta destaque econômico algum diante de seus estados
estado. vizinhos. O Rio Grande do Norte é líder na produção de
Um importante segmento econômico no Rio Grande do sal há séculos, mas isso pouco modificou a realidade poti-
Norte é a energia eólica, em que o estado desponta como a guar diante dos demais estados nordestinos. O que parece
maior matriz deste tipo de energia no país. ser mais importante para o alcance de uma regularidade
O clima seco e os solos improdutivos do estado desenvol- econômica é desenvolver um certo equilíbrio entre os três
veram a economia potiguar em torno da criação de gado e setores da economia.
da produção de sal marinho. Porém, foi a cultura da irri- O setor terciário representa 74% do PIB do Rio Grande
gação que fez florescer a agropecuária no Rio Grande do do Norte. Esse inchaço do terceiro setor na economia bra-
Norte. A produção de fruta acentuou-se ao ponto de ele ser sileira nos remete aos tempos do Brasil Colonial. Parece
um dos exportadores do Nordeste; uma chance que surgiu ser o nosso legado de tradição escravista. Cidades coloniais
para salvar o interior potiguar. como Ouro Preto, Diamantina e Goiás Velho eram levan-
O setor secundário é o segundo mais importante para a tadas ao redor do garimpo e vários comerciantes se estabe-
economia do estado, representando 21,5% das riquezas pro- leciam nesses lugares para lucrar com a extração do ouro.
duzidas no Rio Grande do Norte. As indústrias mais abun- Atualmente, o sonho de riqueza está nas grandes cidades
dantes no estado são a extrativa mineral (com destaque para e metrópoles, e com isso há o inchaço do terceiro setor: os
a produção de petróleo, gás natural, sal marinho e lâmpa- indivíduos precisam ganhar dinheiro rápido, e logo mon-
das) e a de construção civil, e estão concentradas principal- tam seus pequenos comércios. De alguma maneira, o Estado
mente na Região Metropolitana de Natal e em Mossoró. É o precisa incrementar uma mão invisível que aponte para os
maior estado produtor de sal do país, respondendo por mais campos e as pequenas cidades, o que deveria ser a chance da
de 30% da produção salineira. maioria. Precisa haver um fluxo contrário. O campo precisa
Dentro do desenvolvimento industrial do Rio Grande do voltar a ser o sonho tranquilo dos pequenos trabalhadores,
Norte, a produção de petróleo e a produção de sal são as e essa oportunidade talvez chegue com a Reforma Agrária.
principais atividades econômicas do estado. Em Mossoró, Precisa-se pensar o campo, em como adequar as novas exi-
o petróleo é um dos grandes responsáveis pelo crescimento gências da ecologia à produção. Finalmente, um maior equi-
do município. São 3,5 mil empregos gerados somente na líbrio entre os três setores precisa ser ao menos a meta a ser
Petrobrás, sem levar em conta os postos indiretos. atingida, pois do contrário as grandes cidades do país nada
Mas os trinta anos de exploração do petróleo em terra mais serão do que cidades de nova força-escrava, onde se
não são nada se comparados aos mais de dois séculos de aglomeram os indivíduos e suas ganâncias.
produção de sal. É uma das principais atividades da região
e emprega cerca de 20 a 25 mil postos de trabalhos diretos
e indiretos.
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se humanizar e a Esquerda precisa evoluir, deixar de ter o
ECONOMIA DO CEARÁ controle de tudo e deixar de fechar os olhos para o futuro.
É possível que um maior intercâmbio de produtos e pro-
A economia cearense nasceu com os produtores de açúcar dução nacional entre os estados federativos pudesse desen-
no período do Brasil Colonial. Além disso, durante séculos, volver novos negócios e mercados. Alguns estados poderiam
produziu o couro com a criação de gado e a produção de se beneficiar de uma comunicação de mercado. Existem as
carne. tecnologias de produção, como também uma infinidade de
A partir dos anos 80 houve uma progressiva industria- matéria-prima nas regiões mais distantes dos grandes cen-
lização do estado, bastante relevante nesses anos. Hoje, o tros. A economia brasileira precisa se integrar. A tecnologia
Ceará não é mais um estado inteiramente dedicado à ativi- paulista não está tão distante do resto do mundo e pode-
dade agropecuária, mesmo sendo parte de uma economia ria desenvolver novos mercados diante da originalidade de
subindustrializada. E, como em qualquer região brasileira, matérias-primas do Norte-Nordeste e do Centro-Oeste. Na
a economia urbana é predominantemente do setor terciário semente de camboatã pode estar a solução da inovação.
(comércio, serviços e turismo). Destacam-se na produção do setor primário: feijão,
O que houve nos anos 60 foi a progressiva queda na pro- milho, arroz, algodão herbáceo, algodão arbóreo, casta-
dução rural diante da industrialização nacional e interna- nha-de-caju, cana-de-açúcar, mandioca, mamona, tomate,
cional. O modus vivendi capitalista seduzia grande parte da banana, laranja, coco e, mais recentemente, a uva.
população rural, que migrava em busca de melhores con- O Ceará conta com dois portos por onde escoam sua
dições de vida e de renda. O que nos anos 60 fazia parte exportação e importação: o porto do Pecém e o porto de
da propaganda governista dos militares (industrialização Mucuripe.
e urbanização), hoje parece ser a essência de um sistema Como já foi dito, o cultivo de plantas nativas seria bem-
urbano falido dos grandes centros. A industrialização tar- -vindo para a economia, à medida em que estimulassem a
dia sempre nos acomodou diante das vanguardas europeias: criação de novos mercados, e para a preservação do ecos-
a corrida imperialista para dominar mercados externos já sistema. Porém, para isso, é preciso que surjam esses novos
estava sendo realizada no final do século 19, fato para o qual mercados. Precisa-se potencializar a pesquisa científica para
os militares despertaram na metade do século 20 para cá. o uso dessas plantas nativas. Já sabemos da importância da
Parece que o pensamento político nacional está sempre com sustentabilidade nos modos de produção, mas ainda existe
o relógio atrasado pois enquanto nos anos 60 iniciávamos uma necessidade de força de trabalho no campo. Dos anos
a industrialização e urbanização desmedidas, a Europa já 60 para cá, a sociedade migrou do meio rural para o meio
estava pensando em sustentabilidade e precaução diante dos urbano. Precisamos fazer uma inversão disso com urgência,
modos de produção. para diminuir a violência nas grandes cidades, para fortale-
Muitas vezes, parte dessa lentidão do pensamento polí- cer a economia agrária e para diminuir a população urbana.
tico no Brasil é causada pela falta de gerência ou comunica- É importante que haja uma política constante de retorno ao
ção entre as direitas e entre as esquerdas. A Direita precisa meio rural; deve-se pensar numa política que estabeleça esse
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retorno do homem ao campo. A Reforma Agrária é a prin- e médios produtores agrícolas. Já estes são ativos na socie-
cipal exigência para a modernização do trabalho agrário. dade e não estão sob o risco do desemprego. São ativos de
A economia cearense é a terceira mais forte do Nordeste. um nível médio de renda e alcance político, até um nível
No Ceará, o setor de serviços possui 70% do PIB. alto de renda e alto alcance político. Estou descartando os
O comércio cearense liderou o corte de empregos nos grandes, pois nessa estrutura sua participação na produção
sete primeiros meses de 2015, com 10.000 vagas a menos. é de apenas decidir sobre capitais, inclusive sobre o rumo
O desemprego é uma constante dentro do setor terciário, dos capitais da maioria.
ainda mais quando esse setor participa com 70% do PIB Nessa sociedade hipermoderna, as metrópoles já não
estadual. Normalmente, cada estabelecimento comercial estão conseguindo sustentar as estruturas societárias e de
emprega poucos trabalhadores, porém o número de esta- produção há quase 20 anos, o que demanda para a base da
belecimentos é infinitamente grande. Deve-se pensar no sociedade de produção apenas um sentido ou rumo para
quanto o comércio é importante para a sobrevivência a curto não diluir-se ou estagnar-se. Às vezes pode ser melhor dei-
prazo da cidade. Por exemplo: sempre precisamos cortar o xar de ser um pequeno comerciante numa metrópole e tor-
cabelo; sempre precisamos de comida; sempre precisamos nar-se um grande comerciante num pequeno município:
de roupas — e, para se fazer isso, todos precisam de dinheiro. rumar para as pequenas cidades pode ser a solução para
Ora, para haver dinheiro é preciso haver trabalho. É por isso muitos. Talvez integrar-se ao pequeno possa ser de melhor
que a importância da indústria é decisiva para a circulação valia do que uma integração desprezível ao que é grande.
do capital: se a força monetária ficar girando somente no
setor de comércio e serviços, o acúmulo de alguns resul-
tará no desemprego de outros, e assim essa força começa
a girar mais lentamente. Basta perceber o que acontece em REFLEXÃO:
pequenos municípios; há comércios que duram longos anos,
enquanto outros por pouco não surgem. Como normal- A lógica não é a praça, a lógica é amanhecer no
mente os desempregados são aqueles de pouca qualifica- perdão e derrubar a culpa. Aquele que caça lebres
pode ser a medição do que é vazio se todos caçam
ção, logo percebe-se que são ou ex-empregados de comércio lebres. Agora, aquele que caça lobos pode ser o mar-
ou aspirantes ao próprio negócio. Podemos, assim, dividir telo da primavera. Nunca deixe de confrontar os
a sociedade de produção em duas vertentes. Numa linha absurdos diante das frases daqueles de imaginação
flutuam os empregados de comércio, empregados do setor baixa ou daqueles que trocam de bondade repeti-
informal, empregados da base da produção da indústria e das vezes.
pequenos comerciantes ou microempresários. Estes estão
mais alinhados e propensos ao desemprego, ativos de até
um nível médio de renda. Na outra linha da sociedade de
produção flutuam os empregados com excelente qualifica-
ção, médios empresários, profissionais liberais de alta classe
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ideias a seu favor, já que é por essas portas que os poderosos
ECONOMIA DO PIAUÍ têm medo e vergonha de serem rejeitados.
Política natural é entender a disputa com seus inimigos,
A economia do estado é baseada no setor de comércio saber onde eles têm mais força e onde eles pouco a têm.
e serviços, que chega a representar 80% do PIB estadual. Desprezar o tempo também faz parte da política natural,
Veja o quanto isso é preocupante para o país. Normalmente, bem como desprezar a contínua disputa da Direita. Entender
áreas afastadas da grande infraestrutura são reconhecidas que num país onde a riqueza material é a principal virtude,
como regiões atrasadas, e é nestes locais onde a ganância ou seja, o poder econômico é a maior valia, passa por reali-
pelo jogo do vale tudo influencia a população mais jovem. zar que nem sempre um amigo é o melhor aliado, que quase
Em regiões como o Sertão Nordestino, a permanente preo- nunca a palavra amor é a palavra certa e, muitas vezes, que
cupação com a miséria e a fome faz com que os jovens ou seus sonhos estão no lixo da cidade. E qual é a maior potên-
exerçam a política local ou procurem grandes cidades para cia dos ideais?
tentar uma vida melhor. Quando se está próximo da fome e A leitura continua sendo a melhor arma, principalmente
da miséria, aprender na escola da vida é um meio de sobre- em regiões como no Sertão Nordestino. Enxerga-se qual
vivência. O homem se torna lobo do homem, aprendendo a meta do adversário da Direita, pois o Sertão é feito de
na escola da vida que a riqueza é a mais apreciada de todas dúvidas e de abraços dos sonhos idealizados dos outros.
as virtudes. Assim, muitas das outras virtudes desandam Conhecer a política natural é o sonho realizado da alma
ao menos um pouco: justiça, honestidade, bondade, tempe- hoje. E abraça-se o espírito pelo simples fato de que, por
rança… Os jovens acabam embrutecendo o caráter antes do mais que haja deuses, até eles precisam de um pouco de
tempo, especializando-se em ganhar sempre. Isso sem men- igualdade.
cionar os conflitos do Sertão Nordestino entre os famosos A economia do estado é baseada no setor de comércio e
“coronéis” ou entre famílias rurais na disputa pelo poder. serviços, na agricultura (soja, algodão, arroz, cana-de-açú-
Estamos precisando de um mundo mais virtuoso nessa car, mandioca) e na pecuária extensiva. Ainda merecem
entrada de milênio, e o que acontece no país selvagem são destaque a produção de mel, o caju e a produção de biodie-
todos os tipos de mazelas incuráveis. As coisas, os bens, os sel através da mamona em Floriano. A pauta de exportação
objetos valem mais. Delimitamos o poder não para o melhor, baseia-se na soja (64%), cereais (21%), algodão cru (4%),
mas para aquele que tem mais, aquele que ganha sempre. mel (2%) e alcaloides vegetais (1,8%).
Em regiões assim é necessário que o aprendizado das A soja é o principal produto da economia agrícola
ciências humanas seja essencial. Por isso é importante o piauiense, favorecendo a altura do posto brasileiro de um
ensino da escrita e da leitura, pois antes de tudo a cultura dos maiores produtores mundiais. Mesmo assim, os produ-
da leitura precisa estar enraizada para haver a noção das tores possuem ainda algumas dificuldades, como escoar a
distorções das disputas políticas. É preciso haver um com- safra. Devido às fraquezas econômicas do estado piauiense,
prometimento com a razão, com as virtudes, com as ideias com medo de novos impostos, os agricultores criticam a
e com as artes. O povo precisa entender a usar a cultura das falta de investimento do governo estadual na infraestrutura,
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que acaba custeada por eles próprios. Um exemplo da Uma economia que baseia o ciclo de vida entre Estado e
falta de cuidado com o escoamento da safra é a rodovia comércio pode ser declarada como uma economia do século
Transcerrados (PI-397), que corta o estado de norte a sul, 19. A cidade parece pulsar o desenvolvimento através dos
e por onde passa quase toda a produção de grãos do Piauí. gastos dos funcionários públicos. É por isso que produzir
A estrada tem 340 Km, mas apenas 50Km são asfaltados: o sempre foi considerada a chave do desenvolvimentismo do
restante é estrada de terra em condições ruins. Os produto- século 20; e hoje, produzir com sustentabilidade já passou a
res calculam que só com os impostos pagos em duas safras ser uma ideia prática em muitos países. Mas se ainda existe
já seria possível terminar a obra de custo estimado em qui- tal forma de economia para o fortalecimento do comércio,
nhentos milhões de reais. estamos fadados a ficar sonhando com o século 20.
Privilegiar o item principal do sustentáculo econômico
deveria ser uma regra na economia do estado. Se a soja é o
principal produto na pauta das exportações do Piauí, logo, ECONOMIA DO MARANHÃO
tudo o que envolve a logística e conduz a economia desse
produto deve ser levado em conta como principal fator de A contribuição maranhense para o Produto Interno
infraestrutura do estado. É uma pena que tanto dinheiro não Bruto é baixíssima, apenas 1,3%. Isso se deve ao isolamento,
tenha a capacidade de desenvolver algum tipo de sustenta- durante muitas décadas, do restante dos estados brasilei-
bilidade; pois, a curto prazo, a necessidade dessa estrada ros com relação ao Maranhão. Porém, a partir dos anos
envolve empregos, insumos, técnicas, trabalhadores, pesqui- 60 e 70 foram desenvolvidos projetos de infraestrutura e
sadores, empresas, comércios, transportadores e vendedo- houve a construção de linhas férreas e rodovias. Finalmente,
res. É por essa estrada que se gera a maior riqueza do Piauí. o estado tinha sido ligado às outras regiões do Brasil, fato
A economia do Piauí é dependente do setor público. que proporcionou o escoamento da produção e consequente
Segundo os dados do PIB 2009, 28% da economia do estado desenvolvimento econômico.
é sustentada pelo setor público. Isso é preocupante porque Hoje, nota-se uma facilidade para a comunicação. Não
mostra uma realidade de dependência com o funciona- importa muito bem onde você esteja; mesmo assim há uma
lismo público, pois este não participa da cadeia de produ- facilidade de comunicação. Quer dizer que o fluxo de ideias
ção (presta serviços comunitários). Assim, o dinheiro que e pensamentos gira pelo mundo com um desprendimento
entra na economia do comércio piauiense é gerada através nunca visto antes. Nisso, possuímos as melhores ideias, mas
do serviço público, ou seja, uma economia que já é enfra- não possuímos as melhores práticas. Para melhor se desen-
quecida pelo fato de privilegiar o setor de comércio e ser- volverem as melhores práticas, precisamos da mesma faci-
viços, empresas que apenas compram e vendem, que não lidade do corpo físico no espaço físico; para isso, precisa-
produzem e somente são abastecidas com o dinheiro do mos lidar com o transporte do corpo físico numa sociedade
funcionalismo público. Contudo, o dinheiro do estado vem gerada a partir das construções. Se o ritmo das construções
através de impostos, e muitas vezes impostos sobre a econo- seguir o ritmo do fluxo de ideias da atualidade, em algum
mia das empresas, tornando esse recurso num ciclo único. tempo a paisagem natural deverá ser a minoria no planeta. E
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a força da economia é que gera essa permitida desgraça, por O Maranhão é um caso peculiar do chamado “Dois Brasis”.
isso que a sustentabilidade aparece como força minimiza- Uma terra bastante produtiva na agropecuária, na pesca,
dora desses atuais problemas. Como o passo do atraso sem- no extrativismo mineral e vegetal, possui rebanhos bovi-
pre foi o nosso, e somos cientes dessa condição, escolhemos nos, suínos, bubalinos, caprinos, equinos, asininos, muares
sempre o princípio mais perturbador das vanguardas. Ao e aves. Na pesca, o Maranhão encontra-se entre os grandes
invés de hidrovias, ou ferrovias, estamos sempre precisando pescadores nacionais. Todos os municípios costeiros prati-
da fatalidade das rodovias. cam a pesca. Já no extrativismo mineral podem-se desta-
É notório que para a sustentação da economia precisa-se car o calcário, gipsita, ouro, cobre, diamante, opala, urânio,
ligar os espaços físicos, pois os produtos precisam se loco- água mineral, granito, mármore, argila, petróleo, enxofre,
mover do produtor para o consumidor final. E para esse sal marinho, manganês e ferro. O extrativismo vegetal des-
intercâmbio de produtos no espaço físico a melhor alterna- taca-se no cenário nacional pela quantidade e variedade de
tiva continua sendo as ferrovias, também pelo fato de causar produtos, como o babaçu, o jaborandi ou a arruda, madeira
uma menor degradação ambiental. Privilegiar as rodovias é em tora, carvão vegetal, lenha, cera de carnaúba, fibra de
retomar um processo inacabado do progresso brasileiro do carnaúba, fibra de buriti, açaí, castanha-de-caju e pequi.
final do século 19. Parece que queremos dar um passo maior Nota-se a variedade e a quantidade de produtos natu-
do que a perna quando alguma potência capitalista aparece rais que a terra maranhense produz, e mesmo assim há
com alguma novidade. E é preciso privilegiar sempre as liga- uma vasta parcela da população que vive na quase pobreza,
ções comerciais importantes para a economia desses esta- tendo que migrar para outros estados brasileiros em busca
dos, pois muitas vezes constroem-se estradas para promover de emprego e trabalho. Parece haver uma busca pela vida
uma indústria A, ou um produto B, ou um comerciante C, nas metrópoles, ao passo que os habitantes das metrópo-
ou um produtor D. Deve-se considerar motivo para a cons- les buscam a tranquilidade do campo. O sonho de viver o
trução de alguma rota comercial a necessidade econômica estilo de vida metropolitana engendra a raiz da miséria nas
de uma maioria dependente de algum produto agrícola ou grandes cidades. E se enxergássemos mais longe, percebería-
industrial. mos que os habitantes metropolitanos que buscam viver nos
campos, na maioria das vezes, possuem uma escolaridade
de alto nível, enquanto os trabalhadores rurais do interior
maranhense possuem uma baixa escolaridade, o que facilita
REFLEXÃO: a migração de um e dificulta a migração do outro.
A política atual parece querer essa migração de trabalha-
O secreto é a possibilidade de premonição diante dores rurais do Norte-Nordeste para o Centro-Sul, muitas
dos positivos e dos negativos. A lógica do brilho da vezes para arrochar o salário dos trabalhadores dos gran-
boa-fé pode ser o melhor arranjo de alguma bata- des centros urbanos, pois com a diminuição da oferta de
lha. Não se deve esperar que a antiguidade seja a emprego e o aumento da procura, há a possibilidade de dimi-
nossa melhor aventura vilã.
nuição do teto e do piso salarial de trabalhadores de base,
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havendo, assim, um maior ganho nos lucros dos empresá- pois os grandes trustes estão engolindo tudo o que veem
rios. Acrescente-se a isso a possibilidade de aumento do pela frente.
consumo de produtos da classe baixa, como também uma Com a decadência têxtil nos meados do século passado,
maior facilidade para arrebanhar o voto popular. a industrialização maranhense passa para a de gêneros ali-
Dessa maneira, o conflito da disputa de interesses políticos mentícios de extração vegetal, principalmente dos produtos
pode resultar num profundo caos político, econômico, poli- oriundos da agropecuária.
cial, cultural, urbano e social, já que chega o tempo em que Mesmo que a indústria alimentícia seja uma força rele-
a cidade não consegue autossustentar-se, pois sua riqueza vante do produto nacional, é preciso tentar desbancar o pro-
não consegue mais ser repartida entre a população atual e a duto concorrente internacional. A indústria de alimentos
vindoura. No Brasil, o caos sempre foi percebido nas gran- no Brasil possui uma base sólida pela cultura agropecuá-
des cidades dos anos 60 pra cá. Mas o que está acontecendo ria desenvolvida aqui há séculos. Assim, o produto nacio-
hoje é que também nas consideradas pequenas cidades está nal torna-se mais facilmente aceito pelo consumidor por
havendo a aglomeração das mazelas. Guardando as propor- causa da tradição. Entretanto, é uma indústria que pouco
ções, nas pequenas cidades também estão acontecendo dis- arrisca diante da diversidade de produtos alimentícios da
túrbios políticos, econômicos, policiais, culturais, urbanos e cultura brasileira. Há muitos produtos agropecuários que
sociais. Hoje, qualquer governante brasileiro sabe que gover- o brasileiro já se acostumou a consumir e que a indústria
nar é fazer remendos e tapar o sol com a peneira. Chega-se nunca produziu; isso sempre foi uma reivindicação popu-
a pensar que a tal América Latina é a região do Ocidente lar, mas o nosso desprendimento e compromisso sempre
onde podemos praticar livremente nossos vícios humanos, foram atender às necessidades já aprovadas pelo mercado
ou seja, é onde podemos praticar a maldade, a injustiça, a internacional.
covardia, a ignorância, a desonestidade, a fraqueza, a men- Iniciando um processo de infraestrutura na década de
tira, e outros vícios adquiridos pela nossa necessidade mate- 1960 com a construção de portos do Itaqui e da hidrelé-
rial e pela nossa malícia espiritual. trica de Boa Esperança, o Maranhão não esperava por sua
O Maranhão está passando por uma profunda transfor- vocação industrial, despontando depois como um dos mais
mação da era da industrialização da enxada para a indústria importantes polos industriais do Brasil. Tal vocação foi ali-
pesada. mentada na década de 1980 com a construção da estrada
Em vários estados brasileiros, com a liberalização da de ferro Carajás, do terminal da Companhia Vale do Rio
economia, está havendo uma industrialização parcial — é Doce e do complexo de produção de Alumina e Alumínio
como se tivéssemos tido pequenos lampejos que deveriam do Consórcio Alumar.
iluminar o século 20. Nem sempre pensar grande é pensar Pode-se comprovar que foi na década de 1960 que surgi-
em grandes indústrias: o melhor, talvez, seja estar alinhado ram os primeiros Complexos Industriais no Brasil. Enquanto
com as vanguardas econômicas e industriais, tendo uma a América do Norte, Europa e Japão preparavam-se para o
pequena empresa que concorra com outras empresas e que imperialismo econômico, o Brasil partia para o desenvolvi-
esteja no padrão de desenvolvimento da atualidade. Essa mentismo típico de Segunda Grande Guerra. Somos pouco
pode ser a garantia de sobrevivência nos anos vindouros, cautelosos, pois numa sociedade de enormes distúrbios
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sociais, ainda alavancamos o desenvolvimento atrasado exemplo disso é o aumento da violência urbana: se houve
que fez inchar as populações nas grandes cidades. Hoje, um aumento de renda, por outro lado a ganância alavan-
viver numa metrópole não é mais sinônimo de status ou cou o número de crimes. Há trinta anos atrás, a maioria
de riqueza; muitas vezes, pode mesmo ser considerado o da população conseguia viver tranquilamente sem o uso do
oposto. A classe média parece sonhar com a boa vida, boa automóvel, que não era uma necessidade básica de todos.
vida que não se pode encontrar numa grande cidade. Ela Hoje, quase ninguém consegue viver sem o uso do automó-
parece buscar saúde num lugar onde a poluição sonora, a vel no perímetro urbano.
poluição visual e a poluição atmosférica são constituintes É preciso que algumas políticas públicas desenvolvam
do arranjo da metrópole, ou do arranjo natural da cidade. possíveis microempreendedores de pequenos municípios
Atualmente, em todo o mundo, está havendo o processo para que a ociosidade possa se tornar uma vontade contínua
de terceirização da economia, que nada mais é do que o de trabalho, ou uma possibilidade de gerar riqueza, renda e
crescimento da oferta proporcional de empregos no setor impostos ao governo. Já que estamos aceitando aos poucos a
terciário em relação aos demais setores. Na economia bra- funcionalidade do capitalismo, poderíamos também aceitar
sileira, é possível notar uma evolução na década de 1950, um arranjo mais descomplicado, em que abrir uma empresa
quando cerca de 26% dos trabalhadores eram desse setor, seja tão simples quanto pagar uma conta de água e de luz.
número que se elevou para 39% na década de 1970, e para
mais de 60% nos últimos anos, muito embora sua partici-
pação no PIB ainda esteja em torno de 50%.
Apesar de uma industrialização moderna, a Europa e a
América do Norte também dependem do setor de comér- REFLEXÃO:
cio de suas economias, que muitas vezes é um setor quase
que determinante para o aumento da oferta de empregos. O branco e as artes encontraram a fraqueza
Com o aumento da população mundial, ter seu comércio como ideal, e nem sempre a utopia é necessária,
local parece ser a saída para a possibilidade de um maior fazendo valer uma distopia em que a sidra é sem-
poder econômico. Por mais que muitos possam enxergar a -vergonha e sem-razão e afirmando que somente
luz dessa maneira, trabalhar em troca de salário ainda pode a aflição é a condição para se abraçar o impossível.
ser a maneira mais razoável para se ter poucas obrigações e
deveres. Tornar-se pessoa jurídica, dependendo da quanti-
dade de empregados, pode ser uma maneira de escravizar-
-se diante do próprio sonho. Percebemos que dos anos 60
para cá aumentou significativamente o número de empre- CULTURA DA BAHIA
sas e comércios no Brasil, aumentando também a possibi-
lidade de oferta de empregos. Porém, nem sempre pode- O estado da Bahia apresenta uma grande riqueza em
mos garantir qualidade de vida com aumento de renda. Um multiculturas miscigenadas. No campo da música popular,
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forneceu grandes nomes para a música brasileira a partir
de meados do século 20. Com uma enorme quantidade de CULTURA DO SERGIPE
artistas, toda a música popular da Bahia gravita em torno
da música negra, sendo que dos anos 90 para cá, a instru- Sergipe guarda em sua história e tradição muito das cul-
mentalização dessa música passou a adotar os instrumentos turas portuguesa e negra, e um dos mais ricos folclores do
elétricos típicos da música pop mundial. Houve até uma Brasil. São inúmeras as manifestações culturais que nos
modernização do trio elétrico, que foi criado no Carnaval remetem ao passado e garantem, no presente, uma perma-
de Salvador de 1951 e logo se espalhou pelo Brasil com o nente interação entre as mais diversas comunidades respon-
nome de Micareta. Em todas as épocas ou modas musicais sáveis pela continuidade do nosso folclore.
brasileiras, a Bahia sempre está presente com sua cultura No Sergipe, o Cacumbi é um grupo que se apresenta na
predominantemente miscigenada. Muitas vezes são artis- Procissão de Bom Jesus dos Navegantes e no Dia de Reis,
tas brancos modelando uma forma de popularizar a música quando a dança é realizada em homenagem a São Benedito
negra na classe média branca. A presença do samba é fun- e a Nossa Senhora do Rosário. Pela manhã, os integrantes do
damental na criação artística de quase todos os grandes grupo assistem à missa na igreja, onde cantam e dançam em
nomes da música baiana. Assim, existe uma gama de possi- homenagem aos santos padroeiros. Depois das louvações,
bilidades e tendências ao redor do samba da Bahia. Dorival o grupo sai às ruas cantando músicas profanas e, à tarde,
Caymmi apresenta aquele samba radiofônico de voz mar- acompanham a procissão pelas ruas da cidade.
cante e empostada. João Gilberto, o sereno suave da bossa A Festa de Cangaceiros é outra festa cultural do Sergipe.
nova. Tom Zé, Caetano e Gil, a instrumentalização elétrica Em 1980, Azulão, um dos homens de Lampião, formou um
no samba. Novos Baianos, o rock hippie ao redor do samba. grupo composto de 17 homens e 2 mulheres vestidos de can-
Daniela Mercury, Carlinhos Brown, Ivete Sangalo, Chiclete gaceiros e, com eles, saiu cantando e dançando em ritmo de
com Banana, Asa de Águia, o estouro da “axé music” no iní- forró pelas ruas de Lagarto, costume vivo até hoje, revivendo
cio dos anos noventa. Em todas as fases da música popular as estórias de Lampião cantadas em verso e prosa.
brasileira, a Bahia sempre esteve presente demonstrando as A Chegança é uma dança da cultura sergipana que repre-
várias diferenças e tendências da música negra e do samba. senta em sua evolução a luta dos cristãos pelo batismo dos
Talvez pela concentração da música baiana ao redor do mouros. A apresentação sempre acontece na porta das igre-
samba, possivelmente esse ritmo pode ter nascido baiano. jas. A predominância de cores é o azul e o branco; o padre,
No carnaval baiano exibem-se tradicionais blocos de rua, o rei e os mouros utilizam outras tonalidades.
como o Olodum, o Ilê Aiyê e os Filhos de Gandhi. Esses Há outras festas culturais sergipanas como Guerreiro,
blocos fazem sua apresentação reforçando a cultura negra Lambe-Sujo, Caboclinho e Maracatu, que são festas em que
na Bahia. É permanente, de tempos em tempos, a revitaliza- predominam o engenho da cultura indígena e da cultura
ção da cultura negra; na música, no artesanato, nas comidas afro-brasileira.
típicas e no sincretismo religioso.
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CULTURA DE ALAGOAS CULTURA DE PERNAMBUCO
Quilombo é uma dança de tendência negra e indígena. O Frevo, um dos principais gêneros musicais e dan-
É uma dança dramática popular de origem alagoana, cujas ças do estado é símbolo do Carnaval de Recife e Olinda.
primeiras notícias remontam à primeira metade do século Caracteriza-se pelo ritmo acelerado e pelos passos que lem-
19. Seu registro mais remoto é datado de 1839, numa pos- bram a capoeira, expressão cultural que tem em Pernambuco
tura municipal da cidade de Marechal Deodoro, Alagoas. um de seus berços. Esse gênero já revelou e influenciou gran-
Porém, existe um outro registro, de autor anônimo, datado des músicos brasileiros. Em cerimônia realizada na cidade
de 1844, da dança praticada na então Vila da Imperatriz, de Paris, na França, no ano de 2012, a UNESCO anunciou
atual cidade de União dos Palmares, localizada nas proxi- que o Frevo foi eleito Patrimônio Cultural Imaterial da
midades da Serra da Barriga, onde provavelmente situava-se Humanidade, o que foi aprovado por unanimidade pelos
Macaco, a capital do Quilombo dos Palmares. votantes.
A Vaquejada é outra atividade cultural de Alagoas, na Surgido em Pernambuco no fim do século 19, o frevo era
qual dois vaqueiros montados a cavalo têm que derrubar um muito executado durante o carnaval, quando eram comuns
boi, puxando-o pelo rabo, entre duas faixas de cal do parque conflitos entre blocos de frevo, em que capoeiristas saíam à
da vaquejada. Muito popular na segunda metade do século frente dos seus blocos para intimidar blocos rivais e proteger
20, passou a ser questionada a partir da década de 2010 por seu estandarte.
ativistas dos direitos dos animais em virtude dos possíveis
maus-tratos aos bois.
As vaquejadas modernas tornaram-se um negócio. Em CULTURA DA PARAÍBA
2013, movimentaram cerca de cinquenta milhões de reais
por ano, entre premiações, espetáculos e publicidade, A festa junina de Campina Grande na Paraíba é conhe-
envolvendo mil e quinhentos empregos diretos e cinco mil cida por ser o maior São João do mundo. É um grandioso
indiretos. evento que tem sido um verdadeiro sucesso e motivo de
Em Alagoas, há aproximadamente quinhentas pistas des- orgulho para os habitantes dessa região. O evento atrai uma
tinadas a treinamentos e competições, e cerca de cento e média de cem mil pessoas por noite e conta com mais de
cinquenta vaquejadas são realizadas anualmente, gerando trezentas barracas, bares e restaurantes, além de seis grandes
11 mil empregos diretos e movimentando cinco milhões palcos montados para shows e para dançar forró.
de reais. A Assembleia Legislativa reconheceu a vaquejada A Festa de São João, hoje conhecida como a mais brasileira
como atividade esportiva, o que a torna patrimônio cultural das festas, não nasceu em solo nacional. Sua origem remonta
imaterial do estado. às celebrações pagãs, anteriores ao Cristianismo, realizadas
em junho no verão do Hemisfério Norte, momento em que
se comemorava a colheita. Com a expansão do Império
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Romano e a consequente disseminação do Cristianismo, que reúnem, de forma geral, as danças folclóricas. Os prin-
as celebrações pagãs foram revestidas pelo manto da Igreja cipais autos são o Boi dos Reis, Boi Calemba, Fandango,
Católica, tornando-se festas de santos. A Festa de São João congos, caboclinhos, lapinha e pastoril. O Boi dos Reis, o
teve início no Brasil como um evento privado; os senhores tradicional Bumba meu Boi, é uma representação festiva
de engenho montavam a festa e convidavam amigos e agre- anual realizada diante de qualquer igreja, a fim de que todos
gados. As celebrações foram crescendo: de uma comemo- os que estão presentes sejam abençoados por Deus; quando
ração familiar passou a ser da comunidade, até se tornarem possível, eles também podem ser apresentados em frente aos
públicas. palanques e às residências. O Boi Calemba é realizado em
O calendário nacional é recheado de festas e comemora- folguedos, seja de praia, seja do sertão; pertence e é realizado
ções. Muitas destas festas estão relacionadas ao catolicismo em épocas natalinas; para esse auto, não existe um modelo
português que se ambienta no Brasil revestido com as cren- fixo. O fandango tem uma grande influência dos portugue-
ças e culturas indígenas e africanas. Com o rigor do trabalho ses, muito observado em danças, expressões, jornadas; seu
escravo, as festas santas se tornaram tempos de alegria e de principal foco gira em torno de uma tradição contada sobre
celebrações. Como é notável na cultura africana a caracte- um navio, que durante uma semana ficou perdido em alto
rística da festa e da alegria, os escravos aproveitavam essas mar, causando à tripulação ameaças de tempestades e incên-
datas como momento de liberdade do espírito. dio. Os tradicionais Congos são de herança africana e con-
tam a luta entre um rei e uma rainha.
De todas essas festas e manifestações culturais, a mais
CULTURA DO RIO GRANDE DO NORTE abrangente é o Carnaval, considerado como a maior festa
cultural brasileira. Tornou-se bastante popular no início
O estado do Rio Grande do Norte possui uma cultura do século 20, quando era uma festa puramente realizada
rica e diversificada, sendo sede de várias entidades culturais, pelo povo mais simples, que aos poucos foi conquistando
além de possuir diversos monumentos tombados, dentre os a simpatia dos mais jovens. Chega a reunir hoje milhões
quais o mais importante é a Fortaleza dos Reis Magos, con- em torno da festa realizada no Nordeste e no Brasil. Dessa
siderada marco inicial da ocupação do território norte-rio- aglutinação de povos, crenças e culturas, há uma espécie
-grandense. Entre os principais eventos, que normalmente de roubo da festa de um povo para o outro, de uma crença
vêm acompanhados de manifestações populares, destacam- para outra e de uma cultura para outra. No carnaval brasi-
-se o Carnaval, Festa do Caju, Festa do Boi, Mossoró Cidade leiro acontece o mesmo. Muitos criticam o carnaval, porque
Junina e as festas de padroeiro de Mossoró (Santa Luzia), há anos deixou de ser uma festa puramente popular. Desse
Caicó (Santa Ana), Nossa Senhora da Apresentação e Santos modo, também entram na questão as convicções políticas
Reis (ambas em Natal). e sociais. Aqui no Brasil, onde a sociedade preza pela posi-
O estado possui um folclore diversificado, sendo dividido ção social e pelo poder econômico, o carnaval da década
em dois grupos: os autos, reunindo uma mistura de espetá- de 1980 para cá passou a ser dividido, e a festa hoje parece
culos teatrais (auto), o mais importante; e as manifestações, ser mais comemorada pelas classes mais altas. As posições
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sócio-político-econômicas foram afastando uma espécie de Toda cultura do sertão nordestino envolve a presença do
unidade cultural entre brancos, negros e mestiços que exis- banditismo de Lampião, o eterno rei do cangaço. As indu-
tia nos primórdios da festa. Hoje, há os locais mais popu- mentárias invocam as características do semiárido nordes-
lares e os locais das altas sociedades onde se celebra a festa, tino. Considerado um rei por muitos, Lampião trouxe à tona
havendo uma espécie de separação social na penumbra. diversas características culturais e é idolatrado pelo seu povo
através de muita música, muita dança, muita poesia e festa.
Um aspecto relevante na cultura atual nordestina é a
CULTURA DO CEARÁ famosa Micareta, carnaval celebrado fora de época. Essa
festa é comum em todos os grandes centros nordestinos,
A cultura cearense é de base essencialmente europeia e e no Ceará não poderia ser diferente: o Fortal é a principal
ameríndia, com algumas influências afro-brasileiras, assim micareta da capital cearense. Hoje, nas principais cidades do
como em todo o sertão nordestino. país existe a celebração da Micareta, festa que é mais cele-
Em diversas áreas do interior cearense os cordéis, assim brada pelo envolvimento de empresas de evento, que prezam
como os repentistas e poetas populares, especialistas no pelo retorno financeiro. Os foliões, na maioria jovens, parti-
improviso de rimas, ainda estão presentes e ativos, seguindo cipam apenas pela busca do prazer social, uma maneira de
uma tradição que remonta aos trovadores e poetas popula- celebrar a vida, o que é normalmente aceito pela sociedade.
res da Idade Média lusitana. Outra forte influência portu- Essa festa ganhou muita força e vitalidade nos anos noventa
guesa se encontra na grande importância das festas religio- e, de alguma forma, passou a ser vista como sinal de status
sas nas cidades de todo o interior, particularmente as festas para o participante. Já hoje, as principais micaretas populari-
de padroeiro, que estão entre as principais festividades da zaram-se, e a população das camadas mais simples da socie-
cultura cearense, abarcando não só cerimônias religiosas, dade também aderiu à festa, que antes era dominada pela
mas também danças, músicas e outras formas de entrete- classe média alta. Já se pode perceber sinais da rusticidade
nimento, numa complexa mistura de aspectos sagrados e popular na Micareta, que se tornou palco de confrontos, de
profanos. disputas e de disseminação de drogas.
A literatura de cordel no Ceará também é conhecida no No Brasil as festas populares têm o poder de misturar
Brasil como folheto: é um gênero literário popular escrito as classes sociais, mesmo que haja inúmeras rivalidades e
frequentemente na forma rimada, e depois impresso em disputas políticas. As pessoas celebram com alegria a festa
folhetos. Alguns poemas são ilustrados com xilogravuras, dançante dentro de um possível caldeirão de ódio pela pre-
também usadas nas capas. As estrofes mais comuns são as sença da luta de classes. Na mesma passarela há o patrão e
de dez, oito ou seis versos. Os autores, ou cordelistas, reci- o empregado; a rivalidade entre Direita e Esquerda torna-se
tam esses versos de forma melodiosa e cadenciada, acom- oculta diante de inúmeros sorrisos por causa da alegria das
panhados de viola, como também fazem leituras ou decla- músicas.
mações muito empolgadas e arrimadas para conquistar os Esse estado de coisas favorece o caos e o mingau cultural;
admiradores. por mais que muitos enfatizem que as misturas musicais
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tendem a elevar o espírito para algo novo, parece bem claro denegrir a imagem do outro. Crer em Deus para muitos é
que o país é feito de um mingau ou de uma sopa em que como acreditar em si próprio, o que muitas vezes se torna
nada se parece com nada. Há uma falta de unidade na cul- necessário devido a inúmeras disputas sociais, econômicas,
tura, que transforma o pensamento nacional numa irradia- políticas, religiosas, culturais e esportivas.
ção de pensamentos para todas as direções, e isso desagrupa A nossa determinação de atirar para todos os lados pode
e desune, pois ninguém quer pensar como o outro pensa. O ser representada por aquele soldado acuado, que sem per-
caos parece ser a necessidade dos mais jovens, que mesmo ceber alguma chance de vitória, começa a disparar sua arma
diante de tanta alucinação artística não conseguem organi- em todas as direções. Os nossos inúmeros confrontos inter-
zar um resultado político ou social disso tudo. Não há a tão nos nos impelem a ser, ao mesmo tempo, socialistas e capi-
sonhada ruptura de uma vanguarda contra a ordem política talistas; nos impelem a buscar uma salvação espiritual em
e econômica. E isso somente pode ser desenvolvido através inúmeras doutrinas; nos motivam a buscar a riqueza mate-
de organização política, social e estética. rial numa mistura com a riqueza espiritual.
Ao alcançar o poder, a juventude dos anos sessenta apenas Porém, se alcançássemos nossas raízes e se tentássemos
fez evaporar o sonho distante, e uma das causas dessa eva- sistematizar nossos pensamentos ideológicos, percebería-
poração é a falta de organização de um pensamento político, mos, através da primeira missa, celebrada por Henrique de
social e artístico. Sem a unidade destes senhores, antes quase Coimbra na praia da Coroa Vermelha, no litoral sul da Bahia
todos revolucionários esquerdistas, o caos novamente pre- em 26 de abril de 1500, a nossa tendência ao socialismo por
domina. É preciso que haja um projeto político de Esquerda, causa das palavras de Cristo: bondade e humildade. Porém,
um projeto definitivamente esquerdista para haver unidade muitos ideólogos socialistas repelem o cristianismo, ou seja,
na democracia. Novamente tudo deságua, e todos voltam temos por instinto um pensamento cristão, porém sempre
a ser sonhadores do ideal. Voltamos a ser aquilo que não negaremos tal pensamento, pois parece que não queremos
podemos mais ser. ser o que somos. Parece que ao enxergar a Cruz e Cristo nos
identificamos como humildes, o que parece péssimo para o
ego. Parece que nos identificamos mais com a aparência da
CULTURA DO PIAUÍ riqueza do que com a verdade de ser humilde. Precisa-se
sempre entender que a humildade do ensinamento cristão
Segundo o IBGE, o estado do Piauí é majoritariamente serve para o homem como escudo diante de tantas verdades
cristão, com 85% de católicos e 10% de evangélicos. Sim, é existentes no mundo. De nada adianta autodenominar-se
claro que existe uma necessidade de se crer em Deus, tanto cristão se o indivíduo não conhece o outro como a si mesmo.
no Piauí como no Brasil. Mas essa necessidade é um aspecto Portanto, a interiorização, aquele guardião diante das pró-
de interiorização, é como se fosse necessário ter um guar- prias aflições, somente surge com os ensinamentos do Deus
dião espiritual diante dos meus erros e desacertos, para da terra; no caso do Brasil, Cristo. Ser humilde é como estar
defender-me de ataques de todas as direções. Pois é dito preparado para uma guerra. Não digo uma humildade servil,
por aí que diante das disputas da sociedade muitos preferem mas uma humildade soberana. Por exemplo: você sempre foi
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um funcionário dedicado de seu patrão, até que um dia ele pobre. Logo, não há uma característica determinada para o
o demitiu. O que fazer? Em muitos casos, o indivíduo clama estabelecimento de uma paz harmônica em nossos espíritos.
por piedade: isso é uma humildade servil. Entretanto, se o Pense bem, reflita! Por mais que a virtude na democracia
indivíduo aceita a demissão e parte para ser melhor do que esteja com o povo, se algum indivíduo, considerado parte
antes, isso podemos conceituar como humildade soberana. do povo brasileiro, fosse premiado com o poder, pense no
E alguns podem perguntar: o que isso tem de relação com quão difícil seria para ele escolher entre ser corajoso (para
a cultura do Piauí? É que quase a totalidade da população a vitória da virtude popular) e ser covarde (para a vitória
piauiense é cristã, e o Piauí sempre foi reconhecido como da classe dominante). Pois, se de um lado, ele está garan-
um dos estados mais pobres do país, o que pode dar a enten- tindo que o povo brasileiro é bom, forte e corajoso, desse
der que o estado é pobre por ser cristão. Porém toda essa mesmo lado ele pode tornar-se uma espécie de mártir (para
simplicidade pode ser qualificada como uma elevação de um muitos, considerado aquele que luta em vão), e no final de
pensamento baseado na humildade servil. tudo é lembrado apenas depois da morte. Já do outro lado,
Na cultura piauiense, apesar de todo catolicismo e protes- se ele escolhe ser um covarde, ou seja, praticante daquele
tantismo, predomina a cultura profana herdada do tempo velho jeitinho brasileiro, ou trair o povo para o ganho pró-
do Brasil Colonial. Isso é uma espécie de quebra-cabeças prio, ele pode enriquecer materialmente (o sonho da maio-
que a sociedade precisa desvendar. Muitas vezes, existe uma ria), satisfazendo seus prazeres terrenos. Porém, escolhendo
tendência natural de dissociar religião de cultura. Porém, para o próprio ego, ele pode desiludir toda uma nação que
se considerarmos baixar os olhos sobre nossa cultura, per- acreditava nele como uma espécie de Salvador da Pátria, e
ceberíamos o quanto o profano e o divino estão integrados novamente o ideal da maioria cairia por terra, desgraçando
em nossos pensamentos e ideias. Veja o caso do Piauí e do completamente os ideais e os iguais.
Nordeste. As duas personalidades mais cultuadas são Padre Assim chega-se à conclusão de que ainda não sabemos
Cícero e Lampião; um é a prova da fé e do milagre do serta- escolher entre o bem e o mal, entre Deus e o diabo, entre o
nejo nordestino, o outro é reverenciado como uma espécie divino e o profano. Essa indecisão, muitas vezes, acontece
de rei da morte. Mas tanto um como o outro são amados e pelo estabelecimento da cultura popular brasileira de privi-
idolatrados pela maioria dos nordestinos. Então, se desen- legiar somente o pensamento profano. Logo nos esquece-
volvermos nossos pensamentos sobre o significado da ado- mos de um velho dito dos nossos costumes católicos e cris-
ração dessa dualidade, chegaríamos ao resultado comum tãos: Jesus Cristo morreu na cruz para nos salvar. Portanto,
de que nós reverenciamos Deus e o diabo, o bem e o mal, o para aquele que acredita que a religião também é parte fun-
divino e o profano. Para tentar obter um resultado comum damental e integrante da cultura, deve-se escolher Deus, o
de nossas ideias, nós não sabemos escolher, no primeiro ins- bem e o divino, ou seja, deve-se ser corajoso. Deus pode
tante, entre bondade e maldade, o que transparece em todas ser maravilhoso para aquele que tem humildade e fortaleza
as classes sociais. A classe dominante não sabe escolher entre no coração; mas mesmo sabendo desse velho pensamento
bondade e maldade, assim como a classe média e a classe cristão, muitos temem serem corajosos para não beneficiar
trabalhadora. Parece que titubeamos quando nos julgamos os outros com o próprio sofrimento.
uns aos outros: o rico é bom e mau, assim como também é o
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Ninguém nunca para pra pensar no quanto o brasileiro
CULTURA DO MARANHÃO idealiza ser cantor. Mas não se precisa mais de música; pre-
cisamos de silêncio. Sempre há, de tempos em tempos, uma
Acredita-se tanto na cultura brasileira que ela se torna preocupação de quem é o melhor cantor. E, na maioria das
verdadeiramente o nosso espírito (a relação vertical com vezes, canta-se a tristeza, a desilusão, o orgulho, a solidão,
uma superioridade). Tentar se distanciar da cultura profana o sofrimento, o desamor… Há um consenso de que o poeta
parece ser declarar algo do tipo: “sou um idiota”. Nunca para- precisa ser triste para ser amado. E esquece-se de que o
mos para pensar no quanto a risada, a gargalhada e a zom- poeta é o maior dentre os homens da terra.
baria condenam a nós mesmos. A cultura da alegria propaga O povo maranhense expressa a mais autêntica cultura bra-
ao mundo que nós, brasileiros, não somos honestos, e muito sileira, um casamento entre as três raças que engendra o que
menos deveríamos ser levados a sério. Quando o poeta dos é chamado de povo brasileiro. Politicamente, o Maranhão
anos 80, Renato Russo, canta: “Já que também podemos faz parte do Nordeste, que antes era o Meio-Norte.
celebrar a estupidez de quem cantou essa canção” ele está se O que é comum no Maranhão, como em todo o Nordeste,
autocondenando, ou seja, ele também é um inimigo. O que é a debilidade nas estruturas que formam uma sociedade. Na
está posto é que ele não tem mais fé nele mesmo, porque ele religião predomina o cristianismo, mais pelo fato da tradi-
não acredita no próprio espírito. Ele está declarando: “sou ção ou da herança cultural das igrejas, do que pelas palavras
um maldito, assim como todos”. E, mesmo assim, acredita- cristãs; afinal, por mais que o maranhense seja humilde, isso
-se que há vida em nossos pensamentos. Pois se um poeta, é mais devido às ordens econômicas e políticas do que ao
aquele que deveria declarar o amor à vida, declara ódio a arrependimento religioso, ou seja, usam da humildade até
ele mesmo, é porque a cultura profana venceu o caráter do uma possível elevação individual de ordem econômica ou
espírito e do idealismo. Lutar contra o profano não é lutar política. Age-se assim como o diabo faz nas fábulas: se está
contra o poder político, é lutar a favor do poder político. É por baixo, torna-se humilde e amistoso, porém quando se
saber que o conjunto de nossas ideias e pensamentos estabe- arvora diante dos outros, torna-se ímpio e desgraçadamente
leceu tal ordem. Essa ordem é o resultado de todas as nossas arrogante e vil. Muitas vezes, pode-se pensar que os ensina-
buscas e esperanças. Porém, existe uma vigência em nossos mentos cristãos servem apenas para diminuir os sonhos da
espíritos que explora a destruição, o ódio e o poder. maioria. A alegria diante da mentira é a base da esperança
Pense: se o teu ídolo, o poeta Renato Russo, condena a de ser palmatória do mundo. Já a alegria diante da covar-
ele mesmo, então ele não tem espírito; logo, você também dia é a chance de somar-se ao poder regulatório. A pala-
perdeu a tua espiritualidade. É por isso que o poder político vra “amor” costuma aparecer nas canções populares muito
deve ser visto como algo o mais próximo possível de um mais como representação circense do que algo próximo ao
espírito, a verticalidade com Deus. Porém aqui o que rege é cuidado com as virtudes da família. Infelizmente, inúmeras
o espírito da destruição, da adoração ao profano. Quando disputas mesquinhas são finalizadas com mortes demasia-
pensamos em política, a ideia traz a imagem da discórdia e damente estúpidas.
do estupro. A festa, a dança, o teatro, a arte, a religiosidade; ritmo e
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emoção definem o Bumba meu Boi (Patrimônio Cultural do cultura, na própria religião, na própria política, na própria
Brasil), a maior e mais representativa tradição cultural do economia. De uma forma ou de outra, nunca conseguimos
Maranhão, verdadeira expressão da alma brasileira e da for- respeitar nada. Se não respeitamos a nossa própria fé, o que
mação de seu povo. O estado tem ainda um carnaval autên- se dirá das leis, das condutas, das éticas políticas e até do res-
tico, com variadas e ricas manifestações da cultura popular, peito próprio? Qual é o sentido dessa riqueza cultural diante
passando pelas escolas e turmas de samba, blocos tradicio- de um povo falso consigo, e indivíduos também falsos uns
nais, blocos organizados, blocos alternativos, tribos de índio com os outros? É preferível matar a si mesmo, desde que o
e o tambor de crioula (Patrimônio Cultural do Brasil). O outro também morra. Somos uma união de brancos, negros
Carnaval de rua de São Luís começa em janeiro e é consi- e índios em que todos viram as costas para todos. Os mais
derado o terceiro maior e melhor do país. pobres são assassinados por motivos cada vez mais torpes
Todas as multidireções de fé enganam facilmente as nos- e a classe burguesa está sempre indiferente, até mesmo ao
sas percepções. Como parece não haver espírito, logo não próprio espírito ou ao próprio egoísmo. A classe política,
há o respeito entre as partes das variadas ideologias: é um vista como uma espécie de Oligarquia, sonha com o poder
jogo de poder simplesmente pelo poder. Logo isso é trans- da autopromoção, porém não consegue enxergar o brilho
formado num caldeirão de fé e ódio multidirecionado. É do ódio popular.
comum entre os brasileiros aceitar-se a morte como fato Em qualquer país sério, ou que ao menos se diz sério, seu
consumado, como uma espécie de banquete da vida. Em dirigente político maior é visto como o melhor diante dos
quase todas as mídias ouve-se que há mais mortes no trân- homens. Mas para o brasileiro seu presidente republicano
sito do que em muitos conflitos e guerras pelo mundo. E é sempre o pior dentre os homens, e isso é realmente muito
apesar de haver uma vontade para ao menos diminuir o natural entre todos nós. A nossa fatalidade é pensar que o
descalabro, as multidireções de fé e ideologias políticas tor- nosso governante é uma espécie de escravo de todos nós.
nam a capacidade de união em torno de algum problema A liberalidade e a libertinagem da classe burguesa do iní-
quase inútil. Os brasileiros parecem ser almas que vagam cio dos anos 90 pra cá trouxe um desarranjo no pensamento
sem qualquer tipo de espírito franco ou verdadeiro, o que é político do brasileiro. Não vivemos num país tão maravi-
mais facilmente percebido entre as classes dominantes. lhoso assim, e todos sabem disso; todas essas multidireções
A capital, São Luís, que constitui o primeiro assentamento políticas somente serviram para causar uma profunda desu-
europeu às portas da Amazônia, é patrimônio da humani- nião e morte.
dade, tanto pela sua riqueza cultural quanto por possuir o Às vezes penso que no país do Carnaval, quando D. Pedro
maior acervo arquitetônico colonial português de origem I gritou “Independência ou Morte!”, todos, em uníssono,
civil no mundo. gritaram: “Morte!” O brasileiro tem uma mania mística de
Às vezes é mais fácil pensar que a ONU possui algum tipo não respeitar nada e nem a ninguém.
de piedade ou compaixão pelo Brasil, ao invés de imaginar Vive-se de aparências, muito mais por não se crer em
que se trata de uma simples tentativa de dignificá-lo como nada — isso em um país que deixa exposto na vitrine que
patrimônio da humanidade. Compaixão diante do nosso fra- Cristo é mais amado aqui do que em qualquer outro lugar.
casso como nação, da nossa derrota interminável na própria
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capital respira somente diante das nuances do governo fede-
POLÍTICA DO DISTRITO FEDERAL ral. Pode-se dizer que dentro do território há uma espécie
de governo paralelo, pois mesmo com a obrigatoriedade do
A organização política no Distrito Federal possui um governo distrital com o cuidado do território e suas influên-
caráter único. No mesmo eixo geográfico funcionam as ins- cias (política, sociedade, economia, educação, segurança,
tâncias local e nacional: o governo distrital e a capital da saúde…), há uma determinação na política da capital de que
República. o poder regulatório da região é estabelecido pelo governo
A construção da capital federal no Centro-Oeste brasi- federal, pela justiça federal e pela legislação federal, ou seja,
leiro objetivou a ocupação do oeste do território nacional, quem vive em Brasília precisa pensar mais no Brasil e menos
pois garantiria a ocupação de terras quase despovoadas e no Distrito Federal. O orgulho do brasiliense é uma espé-
proporcionaria novas possibilidades de desenvolvimento cie de cetro centralizador do poder no Brasil. É em Brasília
econômico na região, que possui a característica de ser onde tudo realmente acontece, é onde as leis surgem, é onde
menos vulnerável a ataques externos. O Distrito Federal está o poder econômico somente existe a partir do poder polí-
localizado dentro da área do Estado de Goiás. tico. Uma arquitetura nobre que eleva as virtudes deterio-
Desde a inauguração de Brasília houve um aumento sig- radas da população e da sociedade.
nificativo na população da região e o fluxo migratório para Existe no brasileiro em geral um significativo orgulho de
esse território intensificou-se da década de 1960 para cá. Brasília, que se deve muito ao que a cidade representa para
Brasília sempre foi vista como símbolo do Brasil Novo: no o país, sua geopolítica e sua localização. Por estar situada
final da década de 1950, o país passava por rápidas trans- no centro territorial do Brasil, muitos dizem que a capi-
formações. O Plano de Metas do governo JK abriu a eco- tal se define como uma espécie de coração do país. Por ser
nomia ao capital estrangeiro, e a entrada em larga escala de estratégica, como uma posição de defesa diante de outras
empresas multinacionais fez com que o país passasse pela nações num possível confronto, a mudança da capital para
suposta modernização, ou seja, deixava de ser rural para o Centro-Oeste foi bastante elogiada; contudo, o principal
tornar-se predominantemente urbano-industrial. A cidade confronto no território nacional é feito de seus conflitos
foi planejada para não ter engarrafamentos, pobres e muito internos, ou seja, conflitos sociais, econômicos, políticos,
menos mendigos. Seria a capital da equidade social, com religiosos, culturais e militares, mas adentrar no Centro-
boa qualidade de vida. Oeste não foi uma ideia tão formidável assim, pois o inte-
Parte do planejamento não vingou, e o hoje o Distrito rior brasileiro é muito mais sensível aos conflitos sócio-po-
Federal não foge à regra das demais cidades brasileiras, lítico-econômicos do que qualquer outro lugar. Pode-se
sendo um espaço geográfico que apresenta os mesmos pro- dizer que as populações interioranas são muito mais rudes
blemas dos grandes centros urbanos como a periferização, diante das inúmeras classes sociais que surgiram da inau-
falta de infraestrutura, desemprego, violência e degradação guração de Brasília para cá. Classes que são definidas não
do meio ambiente. por uma ordem acadêmica, mas às vezes pela posse de um
Por mais que exista em Brasília um governo distrital, a determinado objeto que o outro não tem. Um automóvel
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30% mais valioso financeiramente torna-se motivo especial América Latina. A massa de excluídos do país também migra
para se estar numa classe social mais privilegiada e, às vezes, para a cidade do futuro nacional. Aglomera-se ao redor dela,
um quarto a mais no apartamento pode dignificar alguém acumulando todas as mazelas e misérias humanas: violência,
diante do outro, bem como ter um salário de 300 reais a pobreza, tráfico e uso de drogas, desemprego, analfabetismo
mais é uma maneira fácil da autovalorização. O espírito inte- primário, luta de classes e uma constante mobilização polí-
riorano valoriza em demasia a quantidade de objetos e de tica de sindicatos e entidades não governamentais. Da sua
riquezas: é o famoso recalque do caipira. O tamanho do inauguração até esses meados do século 21, Brasília tornou-
espírito no interior brasileiro é mais definido pelas posses, -se o caldeirão do confronto sócio-político-militar, e isso
e muito pouco pelo caráter ou por algum tipo de virtude. aconteceu por um motivo de objetivo contrário: a centrali-
Logo, Brasília está cercada por esse tipo de espírito, tornan- zação territorial facilitou que a massa de excluídos e indig-
do-se facilmente vendida em algum tempo. nados da sociedade brasileira (a maioria da Região Norte-
Note-se que no interior do Brasil há o maior número de Nordeste) pudesse migrar e estabelecer-se como subcidadão
mortes por motivos torpes, fúteis e banais. Muitas vezes, do Distrito. Às vezes, parece que a fogueira está no centro
mata-se por cinco reais ou até menos, o que dirá assassinatos (Congresso Nacional) e os brasileiros estão dançando como
por motivos envolvendo os poderes centrais republicanos. índios ao redor dela.
Mata-se porque alguém olhou de um modo diferente para Hoje, com o agravamento social no país, quase não há
a mulher do outro. Não é à toa que a periferia de Brasília, mais jovens que almejem uma qualidade de vida e um futuro
suas cidades satélites, é considerada um dos lugares mais profissional dentro dos limites das fronteiras. Tornou-se
perigosos e violentos da América Latina. comum, da classe média até a classe mais alta, matricular
Uma cidade que foi projetada para ser a vanguarda da seus filhos em escolas norte-americanas ou europeias. Entre
arquitetura e do urbanismo no mundo, em meados do iní- os mais jovens parece não haver tanta esperança de viver na
cio do processo de urbanização no Brasil, estava edificada pátria mãe; a maioria parte para os grandes centros urbanos
numa região historicamente conhecida como uma região de do mundo.
garimpo, lugar onde ter sempre valeu mais do que ser, lugar Acostumou-se durante muito tempo com os nossos
onde o ouro é a vida, espaço onde a diversão de um homem graves conflitos sociais, a tal ponto que não se considera
é o inferno do outro, lugar onde se pode comprar tudo, até que estamos sob nenhum sinal de alerta diante de tantos
a alma… É muito comum entre os brasileiros desconsidera- acontecimentos trágicos por motivos torpes ou conflitos
rem as escadas para o Céu, muitas vezes devido à cultura de armados em quase todas as regiões do planeta e do país.
garimpo, onde quanto mais se desce para o Inferno maior Na América Latina, onde a estupidez humana está melhor
é a fama e a glória, maior é o prazer e a riqueza, maior é a edificada parece não haver problema algum. Ou a mídia
fortuna e o poder. está nos protegendo, esfriando nossos impulsos diante das
O aumento da população no Distrito Federal aos poucos contínuas tragédias, ou está amedrontada diante da rea-
vem transformando o projeto vanguardista de Niemeyer ção popular no Brasil. Talvez pensem assim: Você escolhe!
num dos mais graves problemas urbanísticos e sociais da Quer sonhar em viver em uma fantasia? Assista às novelas.
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Quer sentir-se inconformado diante dos distúrbios sociais? informal é aceito como se fosse uma lei comum entre os
Assista aos programas policiais, os nacionais e os regionais. habitantes da cidade, porém em lei redigida pelo Estado o
E assim viramos as costas para o mundo, sendo que dife- comércio informal é ilegal e pode ser devidamente punido.
rentemente de um conflito mundial, nossos soldados não Através desse exemplo podemos perceber a distância entre
defendem o território contra tropas estrangeiras, mas pre- o Estado e a população.
cisam atenuar as perturbações sociais do país. Penso que Na América Latina, o Estado não consegue o equilíbrio
a tão temida Terceira Guerra Mundial já está acontecendo de ser constituído por todos, muitas vezes pelas distân-
no Brasil há bastante tempo: é o enfrentamento da Direita cias sociais e pelas superpopulações. Nem todos os gru-
liberal econômica contra a população esquerdista. Forças pos sociais pensam em fazer parte do Estado Cívico ou do
que ainda são bastante contrárias em todo o mundo civili- Estado Político. Por exemplo, nas cidades interioranas e
zado, mas que aqui ainda possuem uma quimera quente e nas periferias dos grandes centros, pode-se encontrar uma
crepitante. quantidade exagerada de gente que não possui qualquer tipo
Brasília está sendo dominada aos poucos pelo próprio de documentação registrada pelo Estado, e muito menos
povo, que diante do capitalismo selvagem do século 20, está contribui com pagamento de impostos ou tributos; são os
arrefecendo o juízo e transformando a razão na emoção do considerados excluídos.
caos desequilibrado, maníaco e autodestrutivo. A política totalitária serve apenas para excluir, ou seja,
Ao longo dos anos 70 e 80 novas invasões surgiram no DF, aquele que é amparado pelo Estado sofre mais pressão de
ocasiões em que foi usada a mesma estratégia de remoção exclusão do que aquele que não é amparado. Em poucas
pelo governador Joaquim Domingos Roriz: as invasões eram palavras, é mais fácil falir do que ascender socialmente.
transferidas para periferia, surgindo assim os assentamen- Afinal, para gerar a inclusão social é necessária a ruptura
tos, que são uma consequência da falta de política habita- total de conflitos centenários, como as diferenças sociais,
cional no DF, somada a interesses eleitoreiros. étnicas, econômicas, políticas, religiosas e culturais. Um
A migração do interior norte-nordestino para o Distrito exemplo: um mulato nordestino sente normalmente a difi-
Federal vem de uma necessidade natural dos povos do culdade de ser aceito como cidadão, pois não há condições
Norte-Nordeste de lutar pela sobrevivência. Com a nascente para ser considerado educado o bastante devido aos pre-
burguesia burocrática da Federação, há uma quantidade de conceitos e aos moralismos existentes no país. É como se
acúmulo do capital que faz surgir uma pequena esperança um europeu quisesse ser incluído numa tribo canibal afri-
ou uma chance de uma nova vida para o norte-nordestino. cana. Por mais que haja respeito, não há uma vontade indi-
Essa é a esperança de milhões, hoje considerados microem- vidual na inclusão. Ou esquecemos que o nosso capitalismo
presários: o vendedor de água de coco, de sorvete, de CD’s e é extrasselvagem!?
DVD’s piratas, de roupas de camelô, de alimentos típicos em Talvez por uma lei harmônica da natureza e da sobrevi-
geral, de caldo de cana, de água mineral, aparelhos eletrôni- vência, o Estado aos poucos enxuga o número de cidadãos
cos contrabandeados, enfim, uma infinita gama de produtos para a prática da vida cívica. Mesmo que o Estado Totalitário
para o comércio informal. Entretanto, no Brasil, o comércio busque a qualquer preço abraçar a todos, isso parece ser algo
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impossível tanto no Brasil como na América Latina. de banco, assassinatos de toda origem (passional, feminicí-
Essa cultura contínua dos estados latinos de permanece- dio), inimizades, rivalidades de toda espécie, conflitos reli-
rem sempre totalitários pode ser considerada uma megalo- giosos, políticos, sociais e econômicos. E não há prioridade
mania frequente, uma espécie de poder paranoico de querer para a declaração de um estado de sítio, pois isso pioraria
resolver os problemas e as dificuldades de tudo e de todos. ainda mais as disputas políticas envolvendo essa zona de
Às vezes, enxergar o principal sintoma (ao meu ver a fra- conflito. Se o medo assola uma quantidade mínima das clas-
queza da educação) do sistema sócio-político-econômico ses mais altas de Brasília hoje, amanhã, ou em pouco tempo,
pode ser a base e o alicerce para uma construção sólida que esses conflitos sociais poderão abraçar e associarem-se aos
deveria ser estabelecida entre todos os estados, pois com- conflitos de interesses públicos e gerais, o que realmente já
partilha-se dos mesmos erros e das mesmas agruras sociais. pode estar acontecendo.
Os danos sociais de Alagoas são quase idênticos aos do Peru O assentamento e o aparecimento dessas novas cidades
ou do Paraguai, por exemplo. Existe um nivelamento nas são como transformar a ordem e o progresso em morte da
desigualdades sociais em quase todos esses países. Portanto, capital Brasília; pois tais cidades, assim como servem para
havendo alguma concordância nas leis, seria possível facili- abrigar pequenos trabalhadores, também servem para fazer
tar o trânsito e a troca de ideias e mercadorias nessas regiões. brotar os conflitos e as mazelas de uma sociedade dividida
Pois assim como no caso do Distrito Federal, há inúmeros entre ricos e pobres. A morte se torna comum a cada dia,
ciclos de migrações entre os estados federativos do país, e pois onde o poder se estabelece, é onde surge o recanto dos
também na América Espanhola. sonhos dos homens.
Os anos 70 e 80 do governo de Roriz no Distrito Federal Somente em 1990 o DF teve seu primeiro governador
acarretaram a criação de novas cidades-satélite: Samambaia, eleito e também seus primeiros deputados distritais. Sua
Recanto das Emas, Riacho Fundo I e II, Paranoá, São autonomia política tornou-se realidade em 1991, com a
Sebastião, Santa Maria e Itapuã, que não passam de uma instalação da Câmara Legislativa. Em poucos anos, trans-
expansão de várias cidades que já existiam. Os problemas formou-se em uma verdadeira caixa de ressonância das rei-
sociais e de infraestrutura como desemprego e falta de vindicações dos habitantes de Brasília e das cidades-satélite.
saneamento se agravaram. Outro agravamento de ordem pública é a instalação buro-
A constante migração norte-nordestina para a região do crática do Distrito, pois qualquer desordem do governador
Distrito Federal precisa ser contida, pois os arredores do distrital pode desenvolver manifestações e distúrbios para
Congresso e do Palácio do Planalto já podem ser conside- o governo federal. Por exemplo, se o governador distrital
rados como uma zona de conflito digna de uma Terceira rivaliza com o presidente ou o Congresso, ele pode quase
Guerra Mundial, mesmo não havendo qualquer tipo de que diretamente incendiar manifestações políticas dentro
demonstração ou de manifestação política. É uma zona da capital federal. Se acaso ele não acerta o pagamento de
de conflito que envolve todas as mazelas humanas: tráfico funcionários públicos, como professores, médicos e poli-
intenso de drogas e de mercadorias contrabandeadas, dis- ciais, por exemplo, de alguma maneira ele está influenciando
puta pelo domínio do tráfico, banditismo e roubo de caixas distúrbios políticos e sociais também para a Federação.
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Portanto, há uma linha tênue quando dois líderes políti- da sequência histórica de disputas e revoluções é bastante
cos se servem do mesmo território. Ou seja, a população significativa para a compreensão do processo de divisão do
indaga: afinal, quem manda em Brasília? O presidente ou o estado, que se efetivaria algumas décadas depois.
governador? Todas as disputas e revoluções no Mato Grosso têm algum
Joaquim Roriz foi governador distrital por quatro man- tipo de envolvimento com o que podemos chamar, ainda,
datos. Foi responsável por várias obras em Brasília e pela de as entradas e conquistas do Oeste. Ou seja, as reminis-
fundação de muitas cidades-satélite. É tido por seus alia- cências das disputas entre os índios e os colonos, e, hoje, os
dos como um grande tocador de obras. Seus adversários produtores rurais vindos de outros estados. Se pudéssemos
e a classe média brasiliense o acusam de ter favelizado o paralisar o tempo, e escolher uma passagem para represen-
Distrito Federal, com a distribuição de terras nas cidades- tar o que está acontecendo hoje, ao evidenciar o século 18
-satélite, incentivando a forte migração de pessoas de baixa ou 19, estaria muito bem representado. Os índios não tole-
renda e aumentando a população do Distrito Federal em ram a tomada de terra pelos produtores rurais, e com toda
mais de um milhão de habitantes. razão, considerando os novos pactos sociais entre sociedade
Os governos de Roriz no Distrito Federal seguiram o brasileira e os indígenas.
desenvolvimentismo do século 20, na qual a prioridade é Em meados da ditadura de Geisel, os imperativos de segu-
desenvolver construções e urbanizações. Construir a pai- rança nacional foram decisivos para a divisão do estado de
sagem urbana sempre foi a prioridade do mundo no século Mato Grosso, que somente se concretizou no ano de 1977,
20. A ideia da sustentabilidade surgiu no início da década de uma decisão do presidente imposta ao conjunto da popula-
1970, porém, nem mesmo hoje as grandes nações respeitam ção. A efetivação do estado de Mato Grosso do Sul deu-se
esse pensamento vanguardista. Mas a diferença do Brasil em acertos de gabinetes, concretizados nos subterrâneos da
com outras potências é que há uma nítida separação social ditadura militar, ou seja, a instituição do Mato Grosso do
entre cidadãos, trabalhadores e a sociedade, diferença que Sul foi algo autoritário e imposto, uma decisão de cima para
interrompe a capacidade de idealizar a riqueza verde. baixo.
Durante as Bandeiras, uma expedição chegou ao Rio de
Piranhas em busca dos índios coxiponés e logo descobriram
POLÍTICA DO MATO GROSSO ouro em suas margens, alterando assim o objetivo da expe-
dição. Em 1719 foi fundado o Arraial da Forquilha, às mar-
Desde a independência do Brasil houve a preocupação gens do rio Coxipó, formando o primeiro grupo de popula-
da Assembleia Constituinte com os vazios demográficos do ção organizada na região (atual cidade de Cuiabá).
Império, principalmente nas regiões do Pará, Amazonas Há um sentimento natural nas populações dos gran-
e Mato Grosso. A redivisão do território nacional é uma des centros do país, de que o sistema de vida do europeu
ideia secular, que tem sua origem na aurora do Brasil já está consolidado, e isso muitas vezes arrefece disputas
independente. entre brancos e índios nos interiores do Mato Grosso. Os
Nos primórdios da República em Mato Grosso, a análise índios buscam preservar sua cultura, e para isso precisam
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conscientizar os índios mais jovens, o que com o tempo e nome do agronegócio. Inicialmente, ele partiu para o con-
com as parafernálias do mundo civilizado torna-se uma fronto, criticando órgãos ambientais como o IBAMA. Essa
tarefa difícil. Pensar que a rivalidade dos bandeirantes junto determinação o levou a receber, como forma de protesto, o
aos índios é uma história do passado, mostra desconheci- prêmio Motosserra de Ouro por parte do Greenpeace.
mento sobre a estupidez de alguns produtores rurais, pois os Na Região Central do Brasil, todo grande proprietário
índios acabam sendo uma espécie de obstáculo para o sonho de terras é um fortíssimo candidato ao poder da sua região,
lucrativo deles. Nossa cultura imediatista de mídia parece da sua cidade ou município. Não que o poder político ou
cultuar uma integração amistosa entre brancos e índios, o o poder social sejam desconsiderados, porém há um valor
que quase sempre não é verdade. Se o branco não oprime maior para o poder econômico, pois dizem que ele compra
com os ataques de fazendeiros, o branco oprime através de tudo, até os homens. De pouco adianta ser o melhor ora-
doenças e do processo óbvio de aculturação das sociedades dor, ou o melhor administrador, ou o mais consciente, pois
indígenas, como se fosse claro que até aqueles que pouco a inteligência é uma virtude aceita somente para aqueles
conhecem a civilização precisam se adequar à nova ordem que sabem ganhar. Talvez esse costume de valorizar o poder
econômica do mundo. Os produtores rurais que rivalizam econômico esteja enraizado nos tempos de garimpo. Goiás,
com os índios no Mato Grosso, muitas vezes, conseguem Mato Grosso e Mato Grosso do Sul surgiram e foram edifica-
influenciar a população da capital para seus interesses. dos através das forças econômicas dos tempos do garimpo,
Alguns cuiabanos até se expressam dessa maneira: Você nos séculos 18 e 19.
pensa que índio é anjo!? Essa é uma maneira fácil de con-
quistar o direito de rivalizar com a cultura indígena, e assim
a sociedade local passa a validar o ataque covarde e a acul- POLÍTICA DO MATO GROSSO DO SUL
turação dos povos indígenas. Afinal, a verdadeira ganância
para lucrar com novas terras é o propósito absoluto. A fundação do Mato Grosso do Sul, realizada durante o
Atualmente, se não bastasse o recrudescimento diante dos regime militar no Brasil, foi sancionada em 1977 e buscou
índios, a população mato-grossense tem sofrido com a falta promover um melhor desenvolvimento regional.
de estrutura em hospitais, e as greves fazem parte do coti- Com o processo de divisão do estado do Mato Grosso
diano, o que ocorre constantemente em outros estados tam- em duas unidades federativas, surgiu a fundação do Mato
bém. A chamada dívida dos estados se acumulou, e como Grosso do Sul. Esse processo aconteceu em 11 de outubro
são eles os responsáveis pela maioria dos hospitais públicos de 1977 com o presidente em exercício na época, Ernesto
e escolas públicas, à primeira vista vem surgindo uma crise Geisel, comandante da ditadura militar desde 1964.
dos estados compartilhada com a União. Não houve nenhum tipo de consulta popular e os moti-
O ex-governador do estado do Mato Grosso, Blairo vos considerados para tal divisão foram o desenvolvimento
Maggi, ficou conhecido para o grande público por confron- regional e ocupação territorial, além do fortalecimento das
tar os interesses dos ambientalistas, que sempre o acusaram fronteiras com a Bolívia e o Paraguai.
de promover o desmatamento da Floresta Amazônica em Essas divisões de território de unidades da federação,
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como foi o caso do Mato Grosso do Sul e Tocantins, por vezes, bastam um livro e muito pouco de outros objetos.
mais que traga o desenvolvimento urbano — que atual- Educação é aprender a duvidar. Mas consideramos a edu-
mente, em meados de século 21, de pouco vale — possui cação como um pensamento fechado e estabelecido: se um
tendência a valorizar o agrupamento de aventureiros (sem jovem estudou numa escola de alto poder aquisitivo e apren-
compromissos com o lugar) que se estabelecem no poder deu que um mais um é igual a dois, então ele foi muito bem
local, seja pelo viés do medo ou da enganação. educado. Mas educação não é isso. Então, se um mais um é
Na década de 1980, o governo estadual procurou voltar-se igual a dois, assim sempre será? A história do homem sem-
para os problemas sociais, como a educação e a saúde. Foi pre revelará que um mais um é igual a dois? Ou pode ser
instalada a primeira companhia de Polícia Florestal, incum- possível que algum dia essa regra mude? A educação é a
bida de reduzir as ações predatórias no Pantanal, área degra- única esperança que o homem tem para uma vida melhor.
dada por empresas pesqueiras e por caçadores. Implantou-se Quando no sistema de ensino há um pensamento de cien-
também o Grupo de Operações de Fronteira para reprimir tificidade no espírito dos estudantes, todos pensam e agem
o tráfico de drogas, o contrabando e a caça ilegal de animais para o desenvolvimento da sociedade, tanto no desenvol-
silvestres. vimento humano como no desenvolvimento técnico-artís-
O combate ao tráfico de drogas, ao contrabando e à caça tico. Por exemplo, se for ensinado aos alunos que o sistema
ilegal também pode ser feito através da educação. Um grave democrático com três poderes é o melhor sistema, isso acaba
erro da sociedade é considerar excessivamente a educação também fazendo parte do pensamento político da sociedade.
como se fosse um item feito para desmarginalizar as crianças Há no pensamento político da maioria a vontade primeira e
e os adolescentes. A educação é vista aqui como um mero a ação que melhor convém, que é culpar governantes, culpar
ingrediente que afasta os jovens do uso de drogas e da vadia- juízes, culpar legisladores e militares. Então, como não há
gem, ou seja, ela possui um caráter remediador, como se esse pensamento de cientificidade na educação, todos nunca
fosse tapar o sol com a peneira; são pequenos remendos aprendem a buscar a melhoria. Logo, se foi ensinado que um
que todo e qualquer governante precisa fazer ao assumir o mais um é igual a dois, ninguém protesta ante tal verdade.
posto de chefe do Estado. Entretanto, a educação é muito O que acontece? Parece que esperamos o avanço científico
mais do que isso. Educação não é ditar as fórmulas esta- humano dos europeus, dos norte-americanos ou asiáticos,
belecidas para tornarem-se regras imutáveis. A educação, para nos informar que um mais um não é mais igual a dois.
quando surgiu com o antigo grego Aristóteles, despontou Mas não se trata de contestar e destruir — é contestar e
como possibilidade de conhecer o novo, como alternativa construir a solução, encontrar a solução por vontade pró-
de desenvolvimento para a perfeição ou como alternativa de pria e única, e ao menos fundamentando essa ideia ou solu-
melhorar o pior. A falência do sistema educacional no Brasil ção para o benefício da sociedade. É possível encontrar essa
é mais devida ao sistema político que o envolve do que à solução em cada atividade profissional e humana, naquelas
falta de meros recursos econômicos. O estadista está longe dedicadas às ciências humanas, às ciências exatas, às ciências
da sala de aula porque consideramos sempre boa educa- médicas ou biológicas, às ciências agrárias e às artes.
ção aquela feita com excelentes recursos financeiros. Muitas Wilson Barbosa Martins foi o primeiro governador do
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Mato Grosso do Sul eleito pelo sufrágio universal, em 1983. ilegais de extração mineral e apoiando diversos programas
No começo, enfrentou o desafio de superar o desequilíbrio de pesquisas científicas.
das contas públicas, com folhas de pagamentos funcionais e Há na cultura burocrática dos estados uma espécie de
contratos atrasados, sendo obrigado a contrair empréstimos permanência da eficiência do serviço, o que também parece
e a renegociar dívidas com a União. acontecer nos serviços privados. A Polícia Militar Ambiental
Por mais que a democracia seja vista como o melhor sis- atua, sim, ela atua: são dez mil homens, aproximadamente,
tema pela maioria, ela às vezes retrocede o desenvolvimento para tomar conta de um território colossal. Logo, para aquele
humano, técnico e econômico da região por um dado ins- que vive na civilização urbana, parece haver um domínio
tante; é o que acontece com um governante eleito que tem total e regulado pelo Estado sobre os ecossistemas do país,
como certa a sua saída no próximo mandato. Muitas vezes, pois sempre há a propaganda estatal que propaga a eficiência
ele pode ter sido aquele que melhor cuidou do estado, dos da Polícia. É como se eu tomasse uma folha em branco de
serviços públicos, da economia, da saúde, da segurança e da papel A3 e deixasse um ponto escrito a lápis; esse ponto seria
educação, porém torna-se ciumento e rancoroso ao ter que a eficiência diante do que seria impossível de se fazer a mais.
sair, pois acostumou-se com o poder, acostumou-se com a Parece que está se acumulando a propaganda de Estado
bajulação e com o carinho popular. Entretanto, ao ter que do século 20 em quase todos os governos e prefeituras do
deixar o governo, percebe que o povo não é tão carinhoso país. A propaganda estatal já possui uma função integrante
assim. Nesse caso, ao ter de deixar o governo, normalmente em qualquer tipo de governo, e às vezes parece acalmar a
ele gasta o dinheiro público em excesso e em demasia, como população diante dos incômodos sociais, como também
se aquela casa não fosse mais sua e os recursos e despe- espalhar a eficiência do Estado, como se fosse uma espécie
sas não fossem mais do seu cuidado, endividando as contas de hipnose. Por exemplo, às vezes pode-se encontrar um
públicas para o seu sucessor. morador que não tenha para seu filho uma escola no bairro,
Marcelo Miranda Soares, em 15 de março de 1987, assu- o que se resolve com uma propaganda em mídia da cons-
miu novamente o governo, período em que estava sendo trução de tal escola. Basta somente a propaganda para acal-
criada a Polícia Florestal, encarregada de defender princi- mar os ânimos desse morador e da população; é que para
palmente o Pantanal. Houve a instalação de indústria esma- o entendimento da razão humana, parece que algo vai ser
gadora de soja, destacando-se também a implantação de feito. Durante um governo há várias necessidades imediatas,
rodovias e a construção de algumas centenas de salas de e a comunicação do Estado com a população diariamente
aula. estagna a possibilidade de que ela sinta falta de providências
A Polícia Militar Ambiental atua em diversos ecossiste- que sejam tomadas. E, assim, a população acaba preterindo
mas do país, contribuindo para a redução do contrabando os desejos para o cotidiano e para o dia a dia, o que desa-
e do comércio ilegal de animais silvestres, controlando o tualiza os compromissos governamentais e os compromissos
desmatamento da Mata Atlântica, controlando a caça ilegal democráticos diante da agenda de um pacto federativo.
do jacaré no Pantanal, implantando a execução de diver- Mesmo havendo uma real necessidade de uma impulsão
sos programas de educação ambiental, controlando as ações da sustentabilidade, o Brasil parece ainda aliançado com
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o desenvolvimentismo de século 20 e suas propagandas Os governos esquerdistas na América do Sul possuem
governamentais. O progresso ainda não foi alcançado sub- uma tendência ao populismo, por dificuldade de operarem
jetivamente: foi como tapar os furos do balde d’água com os a máquina do Estado, sempre disposta aos governos totali-
dedos. A ordem ainda é construir, sendo que a degradação tários. Não há ainda uma cultura de esquerda no gerencia-
social oriunda desse desenvolvimentismo parece multiplicar mento do Estado. No discurso esquerdista há uma preo-
as mazelas impossíveis de serem resolvidas a curto prazo, ou cupação excessiva com a educação e as escolas, ou seja, a
seja, parece que estamos construindo para ninguém uma base para o desenvolvimento social, porém há nos estados
cidade fantasma. distantes dos grandes centros uma despreocupação com a
O governador Pedro Pedrossian foi criador não apenas educação, que vem da ostentação pelo poder econômico.
da Universidade Estadual, mas também da Universidade Aqui é comum um cientista social ser menos valorizado do
Federal do Mato Grosso e a do Mato Grosso do Sul. Sua que qualquer comerciante, desde que tal comerciante acu-
meta sempre foi priorizar a educação no Estado. mule um maior poder de renda. Muitas vezes as famílias
Ele também era visto como um político populista, porém, primam pela necessidade do acúmulo de capital, ou seja,
por mais que tal alcunha represente uma fraqueza diante de muitas vezes os pais ensinam aos seus filhos que o poder
algum conceito moderno de política, aqui, entre políticos econômico é tudo diante das estruturas sociais, e assim, já
nacionais, essa maneira de empreender o Estado sempre foi muito cedo, o rapaz começa a trabalhar depois de aprender
mais funcional pela forma e pelo tamanho dos estados fede- a ler, escrever e fazer contas matemáticas.
rativos. Chega-se a um ponto em que o poder regulatório do Para a comunidade popular, a educação é uma necessi-
Estado somente funciona a partir de uma política totalitária, dade ou a educação é uma vaidade ilusória? Pois se os pais
já que muitas vezes a possibilidade de trânsito das ideias é não querem que seus filhos estudem, tampouco seus filhos
desvalorizada. quererão estudar. Sabe-se que na família patriarcal brasileira
Em 1998, Zeca do PT se elegeu governador do Mato a última palavra é a do pai; logo, de que adianta a construção
Grosso do Sul e foi reeleito em 2002. No governo, Zeca do de inúmeras escolas de ensino fundamental e médio, se não
PT implantou uma série de programas e projetos que trans- há a necessidade e nem o cuidado com o conhecimento para
formaram Mato Grosso do Sul. A industrialização do estado, o presente e nem para o futuro? Afinal o conhecimento é
aliada à reestruturação da máquina pública, elevou a arre- uma necessidade do espírito e não do corpo, mas a excessiva
cadação em 288%. Com esses novos recursos foi implan- ostentação do poder econômico visa garantir que o conhe-
tado o Fundo de Investimento Social, que permitiu que o cimento e a sabedoria possuem uma utilidade vazia diante
governo do estado consolidasse um grande movimento pelo dos valores dos objetos e dos prazeres materiais. Às vezes
resgate da cidadania, com os programas sociais Bolsa Escola a sociedade se esquece da importância dos valores espiri-
e Segurança Alimentar, que em conjunto com a construção tuais, que podem ser mais dominantes do que a capacidade
de moradias populares, hospitais, escolas e a valorização dos prazeres materiais, pois um espírito forte é muito mais
do servidor público, elevaram a qualidade de vida do povo importante do que qualquer riqueza mundana de um espí-
sul-mato-grossense. rito fraco.
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Muitos governantes prezam pela infraestrutura do Estado, um serviço cada vez mais oneroso, sendo causa, inclusive, de
seus espaços e corpos físicos. Dessa maneira, prezam pela conflitos mundiais entre alguns países. Para haver o avanço
construção de escolas públicas, hospitais, rodovias, prédios de técnicas de captação da energia solar é preciso haver um
administrativos e outros. Contudo, nem sempre uma exce- comércio desenvolvido e amadurecido de produtos para a
lente infraestrutura física qualifica a capacidade técnica da captação de tal energia. Mas o que há é uma propaganda de
escola. Os melhores materiais de uma escola ainda conti- mídia somente, divulgando algumas construções, porém em
nuam sendo ótimos professores e excelentes livros; o que quase todas as metrópoles a energia captada ainda continua
surge a mais são puros adornos técnicos. sendo a mesma utilizada no século passado. Às vezes, parece
O povo não tem um pensamento único sobre determi- que precisamos comprar a fórmula da sustentabilidade de
nada divergência e na maioria das vezes possui o pensa- algum país do Primeiro Mundo.
mento libertino de usar o sim e o não apenas por pura capa- Embora grave, a situação agrária no Mato Grosso do Sul
cidade de oposição ao sistema. não tem sensibilizado a opinião pública, da mesma forma
Entre as principais realizações do governo de André como a de indígenas afetados por obras de infraestrutura na
Puccinelli estão a pavimentação de centenas de bairros, a Amazônia. Aqui, eles vivem numa fronteira já muito dete-
construção de escolas e postos de saúde, o estabelecimento riorada do ponto de vista da preservação do próprio terri-
de salas de informática em praticamente todas as unidades tório, uma área de muita disputa, mas é como se houvesse
da rede de ensino, além da implantação de parques e ave- um silêncio em torno deles.
nidas em todas as regiões da cidade. No jargão da política Outro agravante é a proximidade com a fronteira agrí-
brasileira, ele é considerado um mestre de obras. cola e o baixo controle do poder público sobre os interesses
A excessiva preocupação do político brasileiro com a privados (representados em diversas instâncias do poder,
infraestrutura das cidades, além de fazer girar o capital enquanto a população indígena segue sub-representada
nacional entre as classes mais altas das principais cidades do politicamente).
país, também provoca o aumento da oferta diante das cons- O Brasil possui um sistema político que gera um padrão
truções. O tamanho atual dos grandes centros já ultrapassou de representação deficitária, que não garante a presença de
o que seria antinatural. Essa tendência da política nacional diferentes populações.
de favorecer a infraestrutura física das cidades, vias e portos, Uma outra dificuldade, segundo um pesquisador da
além de transformar o velho em novo, também desfavorece a Anistia Internacional, é a baixa participação desses povos
composição da infraestrutura de materiais e técnicas de van- na definição das políticas voltadas para eles e também a falta
guarda do desenvolvimento sustentável. Logo, tudo o que é de acesso ao sistema de Justiça. A situação do Mato Grosso
novo dentro da metrópole parece ser do século 20. Por mais do Sul não é difícil de resolver, pois as áreas indígenas são
fácil que seja captar a energia solar no Brasil, por exemplo, pequenas em relação às outras, como a Raposa Serra do Sol.
essa técnica é ainda hoje quase inexistente por aqui, ou seja, É uma população pequena e ameaçada pela violência e pela
a principal preocupação do mundo hoje é quase que total- pobreza devido ao impacto da indústria da cana-de-açú-
mente desprezada por nós. Pois a energia está se tornando car, que os tira da terra e ainda os empurra a trabalhar nas
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plantações em condições degradantes. distribuição de questionários para a população sugerir o
Essas contínuas e eternas disputas agrícolas no Centro- plano de governo.
Oeste desencadeiam conflitos que aos poucos vão se À frente do governo de Goiás, Santillo direcionou a gestão
somando às mazelas urbanas e transformando o espaço ao desenvolvimento social, quando implantou as maiores
territorial. Pois existe a necessidade da ocupação das popu- redes de saúde pública e de saneamento básico de que se
lações rurais, como também existe por direito primordial a teve notícia no estado. Embora tenha herdado uma dívida
ocupação dos povos indígenas por suas terras. É importante praticamente impagável, com bancos estaduais na mira de
assinalar que atualmente, no Brasil, as ocupações de terras liquidações, funcionalismo em greve por mais de três meses
não estão sob garantia de um poder judicial, pois não há de salários atrasados e arrecadação insuficiente, Henrique
um poder militar tão exemplar para determinar a posse de Santillo empenhou-se em sanear as finanças públicas,
terras. Um exemplo disso é que se uma determinada família negociou democraticamente com os servidores e fez ampla
oligarca possui um latifúndio, ou até um minifúndio, porém reforma administrativa para modernizar as estruturas que
se esse território, mesmo demarcado por lei, não estiver datavam do começo da década de 1960. Ainda como resul-
sendo ocupado, pode muito bem ser invadido; e deveria tante das sugestões do povo, desenvolveu uma gestão demo-
haver uma lei que garantisse essa invasão como maneira de crática, sobretudo na saúde pública, área de maior relevo e
favorecer a Reforma Agrária. Mas o que vale nessas regiões é que foi apontada pelo Ministério da Saúde como modelo
o poder de militarização, o que equivale a dizer que a socie- para outros estados. Essa rede de saúde começava nos CAIS
dade rural pode não aceitar o direito primordial dos índios. (Centros de Atenção Integrada à Saúde), que funcionavam
Por isso é devido a essas disputas que ainda existem desde 24 horas, todos os dias da semana, com laboratório, far-
o período colonial que a sociedade civil precisa se organi- mácia popular e atendimento em especialidades médicas.
zar em espaços precisamente civilizados, como no caso das Treze hospitais regionais, em cidades estrategicamente esco-
médias e grandes cidades. lhidas, contemplavam a população interiorana. A área social
Mas naturalmente vem se desenhando no país uma ocu- também foi marcada por programas como a cesta básica
pação territorial multidirecional, pois todas as pequenas para famílias carentes, por núcleos de apoio à comunidade,
cidades também vêm crescendo desordenadamente. construídos pelo Estado e entregues às associações de mora-
dores, escolas profissionalizantes e ações pontuais de apoio
à mulher, idoso e criança carente. Durante seu mandato,
POLÍTICA DE GOIÁS Santillo enfrentaria graves adversidades decorrentes de
vários planos econômicos que fracassaram na luta contra a
No período da redemocratização, o ano de 1986 encon- inflação e o acidente radioativo com o césio 137, em Goiânia.
trou um candidato natural do seu partido ao governo de O governo Santillo priorizou a saúde pública além dos
Goiás, quando inovou as práticas políticas a partir da cam- itens comuns à boa vida, como segurança, educação e tam-
panha eleitoral: Henrique Santillo, com a realização de bém transporte. Porém, em um novo cenário desenvol-
caminhadas diárias e de 13 encontros regionais, além da vido dos anos 90 pra cá, o neocapitalismo parece priorizar
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somente a segurança. Configura-se que para os anos vin- povo para satisfazer as necessidades da maioria da popula-
douros a saúde pública e a educação pública não estarão ção. Hoje, com esse cenário de neocapitalismo econômico,
mais na pauta dos governadores estaduais. O estado de quase todos os governantes parecem buscar o idealismo
Goiás, que nos anos oitenta tinha um excesso de cuidado popular como armadura da verdade. Assim, eles assumem
com essas atividades sociais de Estado, hoje não apresenta o compromisso de idealizar o funcionamento estatal para
mais condições de sociabilidade, pois quadrilhas, aos pou- atingir uma perfeição em todas as atividades humanas, o
cos, vêm dominando o território goiano. Vários municípios, que normalmente é aceito pela população como mera poli-
em pouco tempo, vêm dobrando o número da população. ticagem. Parece que tais governantes precisam assumir o
Parece ser o triste fim de um tempo em que se sonhava com compromisso de excelência na saúde (administração de hos-
os melhores tempos. O Estado Militar é a razão pela qual a pitais), na educação (administração de escolas), na segu-
classe dominante sucumbiu diante do acolhimento de um rança (comando geral da polícia militar) e na edificação da
neocapitalismo que apenas faz ressurgir um supercapita- infraestrutura das cidades (ruas, praças, rodovias, prédios
lismo selvagem. Infelizmente, numa região em que o res- públicos, casas populares, centros de convenção e outros).
peito e a dignidade tinham valores aproximados da honra, E como cada governo acaba assumindo um compromisso
hoje a morte tornou-se uma rotina mais comum do que de oposição ao governo anterior, muito do projeto anterior
antes. acaba sendo transformado para o uso propagandista do
Em outubro de 1990, Íris Rezende voltou a disputar o governo atual, modificando o que antes já estava estabe-
governo de Goiás, derrotando o candidato Roberto Cunha, lecido e funcionando regularmente, e em pouco tempo, o
do Partido Democrata Cristão. Tomou posse pela segunda que funcionava nas estruturas governamentais, hoje já não
vez no governo goiano em março de 1991. Foi indiscuti- funciona mais. Tudo o que foi realizado em oito anos de
velmente um dos maiores líderes do estado de Goiás. À governo é alterado, às vezes, começando do zero para idea-
frente do governo, esta gestão talvez seja uma das maio- lizar um novo sonho de Estado. É como se tentássemos edi-
res marcas de sua carreira. Com as experiências passadas, ficar uma casa, e quando tudo já estivesse quase pronto, pre-
tanto na prefeitura da capital como no governo do estado, cisássemos derrubá-la devido a um erro de projeto.
Íris instituiu os famosos mutirões, nos quais se juntava a O surgimento da globalização parece impor aos novos
população para a construção de casas populares. Devido à governantes a necessidade de mostrar ao mundo que seus
grande repercussão da sua administração, no início de car- estados funcionam perfeitamente de acordo com os modos
reira, Íris teve seus direitos políticos cassados por dez anos da sustentabilidade do século 21. Para isso, preocupa-se em
pelo Ato Institucional n°5. Com um estilo populista, pró- demasia com a fachada à mostra, mais do que com as verda-
ximo ao povo, foi um dos governadores com maior índice de deiras raízes proliferadas entre a população e suas distâncias
aprovação, o que consolidou sua posição política no cenário diante das altas classes sociais. Até a década de 1990, exis-
nacional. tiam apenas três classes sociais no Brasil (classe de baixa
Existe na política nacional um pensamento populista renda, classe média e classe alta). A partir da década de
sobre o surgimento de um governo adorado e aclamado pelo 1990, surgiram duas novas classes sociais: a classe média
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alta e a classe média baixa — e de meados dos anos dois que o então governador tentou demitir a metade dos servi-
mil para cá, a classe alta também se dividiu entre classe A, dores públicos do Estado. Fazendo assim, ele pode até acu-
classe AA, classe AAA. Isso, em um país que sempre discutiu mular algumas considerações populares, porém pode amar-
sobre as desigualdades sociais, é como tentar carregar uma gar alianças políticas representativas. Afinal, se o governante
fardo mais pesado ainda. Ou seja, talvez ainda sejamos ter- intenciona fazer com que a classe mais popular subjugue
ceiro-mundistas, pois o surgimento de novas classes sociais a classe média, ele está teorizando uma espécie de levante
pode intuir o surgimento de castas sociais, assim como popular.
existe em demasia na Índia hinduísta e budista. Quando há Populismo e modernização, atualmente, já são duas gran-
num determinado lugar várias classificações sociais, é que dezas inversas. Quanto mais populista é o Estado, menos
aí, na maioria, repercute o ódio; é uma espécie de sociedade moderno ele consegue ser. É por isso que para se alcançar
vaidosa e enciumada. alguma excelência de política moderna, deve-se abdicar do
Maguito Vilela tomou posse do governo de Goiás em 1° populismo enraizado nos discursos dos líderes do governo
de janeiro de 1995 e uma de suas primeiras medidas foi lan- dos estados. Porém, há de ser considerado que esse tipo de
çar o Programa de Apoio às Famílias Carentes, que con- atitude é como uma luta interior de qualquer governante
sistia, em essência, na distribuição de cestas básicas para a brasileiro. Ele busca e precisa ser considerado moderni-
população. zador, porém não há como governar sobre o Estado sem
Em agosto de 1995, ele discordou da economia salarial a aliança e o apego das camadas populares. Sendo assim,
entre os servidores públicos federais e estaduais, e consi- mesmo na América Latina, o populismo sempre será parte
derou pouco ousada a questão do fim da estabilidade dos fundamental e integrante do governo de qualquer líder.
servidores, declarando a sua intenção de demitir cerca de Dos anos dois mil para cá, o governo de Goiás é marcado
45% do funcionalismo goiano. pela administração do peessedebista Marconi Perillo. Em
Também alavancou um programa estadual de distribui- suas duas primeiras administrações, priorizou-se a chamada
ção de lotes a famílias de baixa renda. rede de proteção social, com a criação e o aprimoramento de
Existe no Brasil uma espécie de debilidade política. No programas sociais como o Renda Cidadã, o Salário Escola,
mesmo instante em que a maioria de seus políticos intencio- o Cheque Moradia, o Bolsa Universitária, o Banco do Povo
nam e buscam uma espécie de modernização dos serviços e o Restaurante Cidadão.
da máquina estatal, da logística da produção econômica e O surgimento do Estado passa pela condição de regu-
do liberalismo de vanguarda, eles precisam e somente con- lar a vida cívica e as prioridades e interesses coletivos. Por
seguem governar a partir dos princípios do populismo. isso, muitas vezes, o destino dos recursos públicos deve-
Nota-se no governo de Maguito Vilela nos anos noventa ria ser para a maioria que, segundo as premissas da socie-
a integração populista entre o governante e o povo. Quase dade, está excluída de algum bem ou de algum tipo de boa
todos os governantes precisam ter a intuição de nunca des- vida. Vários programas sociais dos governos são chamados
considerar a grande massa popular, pois é somente assim de ações populistas, porém essas ações são parte integrante
que se consegue governar, através do aval popular. Nota-se da conduta do Estado. No Brasil, pela extrema necessidade
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dos mais pobres, sempre surgem novas ações para garan- Instaurar a França no Brasil é como querer declarar guerra
tir um mínimo de qualidade de vida que precisa ser distri- de todos contra todos. Se na França a ordem dos três pode-
buída diante de uma superpopulação carente, perturbada e res é ainda bastante discutível, o que dirá do nosso presente
desesperançada. terceiro-mundismo e suas incontáveis disputas religiosas,
As políticas vanguardistas adotadas na Europa ou na políticas, sociais, econômicas, culturais, étnico-raciais e
América do Norte são difíceis de serem praticadas aqui militares? E apesar de todos esses confrontos, o populismo
devido aos complexos distúrbios sociais. Porém, são de uma possui uma tendência a agrupar e reunir algumas dessas
enorme exigência das classes mais altas, temerárias diante inúmeras diferenças.
dos conflitos urbanos, das rivalidades revanchistas, das O governo Marconi Perillo implantou o Vapt-Vupt, uma
regras sobre o empregador, do isolamento social, do escru- ideia que surgiu para desburocratizar o serviço público do
tínio público pela preferência por uma cultura europeizada. estado, facilitando a vida de milhares de pessoas. Todos os
Marca-se, assim, que a disputa política na América Latina órgãos estaduais atendem em guichês num mesmo espaço,
está entre a esquerda trabalhadora e a direita burguesa. A onde, em minutos, consegue-se a emissão de documentos,
esquerda trabalhadora prevalece politicamente devido ao guias médicas, carteira de habilitação e vários outros ser-
confronto sobre as regras, que amiúde são quebradas pela viços, sem fila de espera e sem a demasiada burocracia dos
direita burguesa (que às vezes assume ideais esquerdistas anos oitenta e noventa.
para o ganho próprio), sem que se esqueça da fraqueza Desburocratizar o Estado cumpre uma condição do libe-
oculta que os burgueses assumem com a propaganda de ralismo moderno, e tempos atrás poderia ser posto como
superestimar os valores de seus bens de consumo. Sendo força antagônica ao populismo. Porém, apesar das diferen-
assim, deve prevalecer para a harmonia do conjunto social ças marcantes de renda, a dita classe média baixa e a classe
o que na teoria caracteriza o estabelecimento do Estado, ou de base estão tendo ao mesmo instante os mesmos objetivos
seja, todo e qualquer tipo de recurso público precisa ser des- econômicos, políticos e sociais. Portanto, se desburocratizar
tinado à maioria enfraquecida em poder econômico, polí- o Estado fosse uma forte tendência ao liberalismo moderno
tico e social. A excelência do estadista está em priorizar a nos anos oitenta, hoje possui uma inclinação ao populismo.
transformação da pirâmide social numa espécie de cubo A vida cívica, que era uma aptidão da classe média e da
social. classe alta, hoje está envolvendo um grande número de bra-
Por mais que a sociedade burguesa sonhe com o idea- sileiros das classes de base.
lismo da separação do convívio e da presença física das ditas Mas se interrogarmos cidadãos das classes mais altas
classes mais desfavorecidas, aqui na América do Sul não (aqueles que são o exemplo), ainda perceberíamos que o
existe a possibilidade de governar sem um pouco da con- Estado possui demasiada burocracia em seus serviços. Essa
duta política do populismo. Pois o convívio social entre os é uma ideia de empresários empregadores. Portanto, às
burgueses somente existe com a presença da classe traba- vezes, pela exigência comum entre os brasileiros, é natural
lhadora, sem alienar também a presença militar para sal- entre nós algum tipo de populismo, muitas vezes por causa
vaguardar tal convívio, que muitas vezes pode ser frugal. do esporte, da música e da religião. Somente há alguma
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espécie de modernização quando é para o benefício popular, Como é natural entre os brasileiros o pensamento direi-
ou seja, quebram-se as regras que protegem o trabalhador, tista e esquerdista ao mesmo instante, pode-se perceber
alegando aumentar os números de postos de trabalho. Se que assim como nos partidos costumeiramente conhecidos
prestarmos atenção, a política pública no Brasil é feita para como direitistas e também esquerdistas, sempre há alguma
alimentar o sonho popular, desde que as classes dominantes prioridade excessiva na infraestrutura das cidades. E tor-
não percam nada. Um exemplo é o atual estádio de futebol na-se bastante evidente nos jornais locais e nacionais que
do Corinthians Paulista. Por mais que haja a tendência de essa excessiva prioridade na infraestrutura deve-se às gran-
valorizar um pensamento racional para o destino daquela des construtoras, que se beneficiam com a licença estatal
verba pública, nunca conseguiríamos barrar o poder passio- no uso de seus serviços. Ou seja, essas grandes construtoras
nal e emocional de sonhar com um estádio moderno para não param de trabalhar nunca, pois sempre há uma obra
o Corinthians Paulista. E isso acontece com o mesmo vigor governamental dos estados ou da federação a ser realizada.
quando o assunto é a educação: por mais que haja a tendên- Muitas vezes a realização dessas obras governamentais ficam
cia de valorizar um pensamento autêntico sobre a educação monopolizadas por quatro ou cinco construtoras. Logo, ao
pública, estudar não é um sonho popular, e muito menos primeiro entendimento, o desenvolvimentismo nacional
há um poder passional para tal disposição. Logo, se o povo está engendrado numa espécie de sistema de interesses liga-
não quer estudar (e não é porque o povo não quer estudar, dos ao poder econômico entre políticos e empresários. Não
é porque as classes dominantes ostentam a riqueza como a é difícil afirmar que torna-se fácil e compensador para o
principal virtude da vida), não há como surgir um empenho governante priorizar o progresso, o desenvolvimentismo e
conjunto e nacional para a valorização da educação pública. o avanço tecnológico das cidades e dos estados, pois a reali-
Ou seja, a educação sempre valerá menos do que o robusto zação dessas obras de infraestrutura gera diversos interesses
“ganhar dinheiro fácil!” O que as classes dominantes osten- econômicos de diversas áreas da atividade humana.
tam é: “estudar pra quê, se eu ganho dinheiro fácil?” Em No entanto, nesses meados de século 21, sob a necessi-
muitos casos, no Brasil, e isso é comum entre empresários, dade de uma possível sustentabilidade, às vezes pode-se che-
são os pais que buscam tirar os filhos da escola. Aprender o gar à conclusão de que tamanho crescimento acelerado na
famoso bê-á-bá e as operações básicas da matemática já são infraestrutura das cidades produz distúrbios nocivos contrá-
considerados o suficiente para muitos pais brasileiros con- rios aos objetivos comuns da sociedade. O aumento exces-
cluírem que seus filhos já estão prontos para a vida futura. É sivo de construções residenciais nas metrópoles pode ser
a completa supremacia do poder econômico sobre os mais percebido como desnecessário e um desperdício da ordem
pobres. Afinal, é comum que se diga no Brasil: “estudar pra econômica. Há uma quantidade considerável de prédios resi-
quê, se eu ganho dinheiro fácil!” denciais e comerciais sem moradores e sem qualquer tipo de
A continuação do governo Marconi Perillo busca a prio- uso conveniente, tornando a paisagem urbana em algumas
ridade na infraestrutura. Até o fim do último mandato, o localidades uma espécie de bairro ou cidade fantasma.
governo estadual espera investir mais de três bilhões de reais As inúmeras construções de rodovias através do viés da
na recuperação, construção e conservação da malha viária ordem econômica aceleram outras inúmeras construções
em Goiás. desnecessárias também para o viés da ordem econômica
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(apenas marketing do establishment econômico local). A tempos atuais, em que a ordem econômica sempre regula
facilitação da comunicação viária das cidades e entre as a vontade primordial. Um exemplo é o caso das rodovias.
cidades engendra um espetáculo do anonimato da vida em Devem ser usadas até o ponto de estagnação ou de satura-
sociedade, algo como “ninguém conhece ninguém”, fazendo ção, até quando o uso tornar-se inviável. E, se possível, deve
surgir nas cidades grupos criminosos que arregimentam a ocorrer uma espécie de manutenção sempre que houver a
população mais carente para defender seus interesses econô- possibilidade.
micos (tráfico de drogas, de mercadorias e até de pessoas). O Pois assim como os usuários das estradas, deve-se fazer
fluxo de migração também se torna acelerado com essa tal a manutenção dos problemas atuais. E a reconstrução com-
multiplicação da malha viária entre as cidades e os estados. pleta de alguma estrada deve ocorrer assim como se rege a
Ao mesmo tempo em que facilita o trabalho formal, também lei dos motoristas e usuários, quando precisam adquirir um
facilita o trabalho informal; esse último aliás, aqui no Brasil, veículo novo e mais moderno, adequando as possibilidades
está mais ligado à nova ordem econômica neocapitalista do de uso às da economia.
que ao costumeiro mercado formal empregador e pagador Portanto, qualquer pavimentação deve ser usada até o
de impostos. fim, usando a regra da funcionalidade da arquitetura alemã.
Sobre as agências da administração estadual do programa Tudo o que é idealizado e construído deve ser usado o
de governo de Marconi Perillo, a AGETOP é uma gerência máximo que lhe é permitido. Muitas vezes nos esquecemos
de comunicação pública que regularmente noticia as condi- de que uma infraestrutura como uma rodovia tem sempre
ções das estradas. O órgão é responsável por todas as obras uma utilidade superior e também uma inferior: ela pode
de construção e conservação executadas nas rodovias do ser usada para o comércio formal, como para o comércio
estado de Goiás, reconstruindo a malha viária. O programa informal. Ela facilita a dinâmica policial como também a
Rodovida Construção atua na pavimentação de rodovias dinâmica marginal. A saturação do uso das estradas também
através de investimentos de convênio entre o governo do é bem vindo para regular o uso indevido dos recursos natu-
Estado e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico rais, como também a partir do uso contínuo por um longo
e Social — BNDES. Também realiza atividades de constru- período de tempo pode-se determinar a chegada de uma
ção rotineira e periódica, sendo responsável pela manuten- tecnologia de vanguarda para a desconstrução ou constru-
ção de pontes, bueiros, sinalização e adequação de rodovias ção de novas estradas, e assim preservar os recursos naturais
não pavimentadas. de um ecossistema.
As obras de infraestrutura dos estados normalmente são É especialmente importante, até para uma possível sus-
de custos elevadíssimos, dependendo ainda da necessidade tentabilidade, o uso indeterminado e contínuo até um
modernizante do governo. Por isso, em muitos casos, há um ponto de saturação em que a estrada perca o valor que lhe é
desperdício exagerado da verba pública para a construção da devido, para assim interromper um progresso tão calculado
infraestrutura física do desenvolvimentismo de um governo. no desenvolvimentismo do século passado. Construir com
Assim como em qualquer propriedade privada, devemos utilidade, sem exageros e o menos possível.
continuar usando produtos, móveis, eletrodomésticos e Criada pelo governo Marconi Perillo, a Agência Goiana
espaços que ainda estejam funcionando, principalmente nos de Habitação S/A (AGEHAB) é responsável em Goiás pela
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elaboração e implementação das políticas públicas de habi- com um único objetivo: humilhar a classe trabalhadora para
tação voltadas para o desenvolvimento urbano, com o obje- dizer que todos são muitíssimos ricos e que somente com
tivo de promover o acesso universal à moradia digna. A o trabalho nunca se alcançará tamanha riqueza material na
AGEHAB é uma empresa do estado de Goiás que atua como Terra.
construtora de unidades habitacionais de interesse social. Logo, para entrar em comum acordo com os trabalhado-
É responsabilidade do Estado propiciar à classe trabalha- res, deve-se privilegiar o Estado forte. É que na maioria das
dora a chance de obter sua moradia através do próprio tra- vezes nossas fraquezas emocionais, e até mesmo espirituais,
balho, e assim consolidar a honestidade como uma virtude surgem da capacidade burguesa de centralizar o egoísmo
que deve ser considerada sempre para aqueles que também dentre a nossa solidariedade de uns com os outros, pois tra-
privilegiam a paz de espírito. Pois diante da escolha entre balhar juntos e unidos sempre foi uma espécie de domina-
a honestidade da sociedade burguesa e a honestidade do ção da classe trabalhadora diante da classe burguesa, que
Estado, prefira sempre a rigidez dos alicerces do Estado. sempre privilegiou a superioridade de uns diante dos outros.
Pois este, apesar de toda a propaganda midiática da socie- É que a união diante do trabalho pacifica os nossos espíritos,
dade burguesa contrária ao poder estatal, é construído dia- e assim podemos vislumbrar a possibilidade de amar ao pró-
riamente com a força de trabalho de milhares de goianos ximo, para distanciar a maldade de uns para com os outros.
honestos e dedicados, tanto entre educadores, professores,
médicos atuantes na área da saúde, como também entre os
policiais militares, que apesar da propaganda burguesa con- REFLEXÃO:
trária, quando vestem a farda, sentem que estão honrando
as forças do bem. Pois há algum tempo atrás, o que existia
A bondade surge da existência do assassino
transformou-se pelo “ganhar é tudo” dos burgueses. Nisso, com aparição diante da artilharia dos homens.
a sociedade atual firmou compromisso mental para a busca Precisa-se da bondade, mesmo que distante dos
a qualquer custo da riqueza material. argumentos. Fazer romper e provocar a proximi-
O sonho da casa própria, quando alcançado através de dade da noite com o dia, da morte com a vida, do
honestidade e trabalho, é uma forma de garantir para sua feminino com o masculino, da escuridão com a luz,
família honra diante da especulação burguesa. Pois por mais do preto com o branco, do vazio com o cheio, do
simples e pequena que seja a tua casa, ela é tua e te protege ódio com o amor. Nem sempre é provável que a
diante da escravização material e espiritual dos burgueses, sobrecarga sejamos nós mesmos, às vezes a sobre-
carga é o inimigo principal, às vezes a sobrecarga
pois estes, ao se renderem para o sistema, adquirem casas é a distância da antiguidade e a agonia diante da
com toda espécie de desonestidade. E somente o Estado benção. A boca pode ser o romance, a romã e o
pode conferir-lhe a oportunidade de ter a tão sonhada casa Romeu, como também pode ser o transcendental e
própria, sem ter de humilhar-se diante dos ditos mais ricos a tradição da verdade soberana diante do soldado
da cidade. e da guerra.
Há ainda em qualquer grande cidade brasileira uma quan-
tidade considerável de apartamentos de luxo sem uso algum,
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No primeiro governo Marconi Perillo com a antiga A economia de Brasília está dominada por dois setores:
AGEPEL (Agência Goiana de Cultura Pedro Ludovico serviços e indústrias. Nas telecomunicações, encontra-se ali
Teixeira) foram criados o FICA (Festival Internacional de o quartel geral da companhia Brasil Telecom, estações públi-
Cinema e Vídeo Ambiental, na cidade de Goiás), o Canto cas e privadas de televisão, incluindo-se oficinas regionais,
da Primavera em Pirenópolis e o Festival de Teatro em como as da Rede Globo, Rede Bandeirantes, Rede Record,
Porangatu. Rede TV e as principais oficinas da TV Câmara, TV Senado
Já em seu segundo governo (2003-2006), tirou do papel e Justiça. Nas finanças, Brasília é a sede do Banco do Brasil,
o Centro Cultural Oscar Niemeyer, projetado pelo próprio Caixa Econômica Federal, Banco Central do Brasil, Banco
arquiteto. Rural e Banco de Brasília, entre outros.
Sempre passou despercebido diante de governadores e do Às vezes, devido ao gigantismo territorial e populacional
Estado o verdadeiro valor da cultura para a fragmentação e dos estados do Sul-Sudeste, muitos brasileiros centralizam
desfragmentação de ideias. Assim como a religião, a cultura o poder econômico do país nas principais cidades dessa
torna notável o que existe no pensamento da maioria hoje. região, esquecendo-se levianamente do poderio econômico
E sem a cultura, a religião não consegue estabelecer víncu- da capital federal. E torna-se notório que a base de qualquer
los e agrupamentos humanos para idealizar uma existência poder financeiro e econômico surge a partir de um poder
superior. O que torna alguns povos místicos é a facilidade político diverso e às vezes consagrado.
surpreendente com que vinculam a cultura com a religião. Essa premissa é tão evidente que em quase 60 anos Brasília,
É por isso que o Estado precisa adquirir um valor esté- surgida do nada em pleno cerrado do Planalto Central, tor-
tico para os ideais tanto da sociedade goiana como para a nou-se a terceira maior cidade brasileira em poder eco-
sociedade brasileira. Valores que precisam tornar-se rígidos nômico. Ela perde apenas para São Paulo, com seus nada
e imbatíveis diante da promiscuidade e da profanação do modestos 468 anos e para o Rio de Janeiro, também com
que é santo, do que é verdadeiro e do que é justo e miseri- seus nada desprezíveis 457 anos de existência. Sem dizer
cordioso. Pois uma sociedade que valoriza o profano tam- ainda que a capital da República possui a maior renda per
bém valoriza o principal inimigo, o bandido. Ou seja, de capita do país: é por isso que se tornou uma das cidades que
tanto idealizar e exaltar os valores do esperto, acaba refém mais crescem na América do Sul. Apresentando-se como
de bandidos de uma classe superior, como também de uma polo de atração para desde mini comerciantes até mega cor-
classe inferior. porações de capital privado e público, um oásis no Centro-
Oeste, a meca da vanguarda financeira e econômica do país.
Os ditames da política nacional redistribuem invariavel-
ECONOMIA DO DISTRITO FEDERAL mente as especulações diante de futuros negócios e garan-
tias rentáveis. As possibilidades de lucro diante das ligações
A capital brasileira é a terceira cidade com o maior políticas e econômicas fazem ressurgir o sonho da ascensão
Produto Interno Bruto (PIB) do país, superada apenas por social ou até mesmo o sonho da supremacia econômica. A
São Paulo e Rio de Janeiro. Representa, isoladamente, 3,76% facilidade com que Brasília reúne e agrupa políticos, comer-
de todo o PIB brasileiro, de acordo com o IBGE. ciantes, empresários, executivos, profissionais e produtores
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rurais, tanto do Brasil como do resto do mundo, parece abrir O Distrito Federal apresenta o maior PIB per capita do
um infinito horizonte para incontáveis negócios, desde o país, ultrapassando o dobro do PIB de São Paulo, que apa-
mini mercado ao mega mercado marginal ou institucional rece na segunda colocação. Os números são promissores e
— empreendimentos e negócios multidirecionais, transfor- representam a estabilidade e a expansão da economia local,
mando a ambição humana na mais regrada e natural das sustentada pela alta renda do funcionalismo público federal,
ações do homem na Terra. movimentando os setores de serviço e comércio, que con-
centram cerca de 93% da economia do distrito.
Estudos socioeconômicos do DIEESE sempre realizam
uma pesquisa de emprego e desemprego no Distrito Federal.
REFLEXÃO: Os dados indicam que em vinte anos os maiores salários
se concentravam no setor público federal, assim deixando
A sombra da busca subjetiva quando o vento para o segmento de serviços a responsabilidade de contra-
faz anoitecer o vale do tirano soberano: é necessá- tar grande parte da massa de trabalhadores urbanos, por
rio aprender a obedecer, a ser pior ou bem pior do salários menores diante do burocratismo da federação. Em
que o rabo do dianho consagrado. A utopia pode pouco tempo, o número de empregados mais que dobrou
ser impossível, porém a distopia não é tão possível no setor de serviços, passando de 330 mil em 1991 para 703
assim, por isso prefira o sincero ao avesso, prefira mil trabalhadores em 2011.
o silêncio doce ao silêncio azedo e amargo. A vai- A administração pública é sem dúvida o maior compo-
dade não vale nada para quem a possui, mas vale nente do PIB da cidade, mesmo com avanços significativos
o sorriso da alegria dos arrependidos que sabem
agradecer ao leão justo e verdadeiro. em outras áreas econômicas. Até mesmo por sua origem,
O amor nunca existiu porque, em nossas escolhas Brasília se concentra em torno dos centros administrati-
mais profundas, preferimos sempre ser o mais forte vos e de serviço público do Plano Piloto, mas já é possível
do que o mais fraco. Aquele que sempre odiamos observar que a cidade esconde outras possibilidades, como
nas nossas profundezas é aquele que encontra a a grande representatividade da indústria farmacêutica e de
traição para depois conhecer o vendaval da prima- fabricação de móveis. Os serviços de comunicação também
vera. Como se tornam pueris nossos sonhos de dar são muito importantes para a economia do distrito, uma
significado à dor do abençoado! Como tornar-nos
superficiais à nossa mesmice de absurdos contra vez que os acontecimentos que repercutem por todo o país,
a verdade maciça de toda antemanhã? Pois o que normalmente, têm início ali.
existe, parece que lutamos para que nunca existisse, É inegável a potência econômica do serviço público fede-
e nós que quase nunca existimos, parece que real- ral para fazer girar a ordem econômica do Distrito, pois é
mente lutamos para existir de uma maneira pior. com o dinheiro do funcionalismo que o comércio de Brasília
Se não quero ser perdoado é porque não sei per- e das cidades-satélite ganha a sua sobrevida. O palco do
doar… é que nosso cinismo sempre ostenta a glória comércio somente existe devido à presença do capital buro-
de Deus-Pai e a desgraça completa de Deus-Filho. crata multidirecional, que muitas vezes pode alimentar o
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crime organizado. E normalmente tal crime organizado pos-
sui suas ramificações no burocratismo federal, consolidando ECONOMIA DO MATO GROSSO
a disputa política entre vários representantes partidários.
A disputa ideológica no Brasil tornou-se enfadonha e um Durante o período colonial do Brasil, a capitania de São
pouco imbecilizada. A Esquerda possui as mesmas raízes Paulo (atualmente Mato Grosso) destinava o comércio local
vergonhosas diante do crime e da miséria que a Direita tam- para o monopólio da capitania para a metrópole, Portugal.
bém possui; é a mesma vontade de abraçar os pobres, com o Os principais sistemas produtivos eram a mineração, cana-
tradicional paternalismo e populismo da Direita. Porém se -de-açúcar, erva-mate, borracha e pecuária.
esquecem de que numa democracia os atores estão na mira A mineração foi o principal motivo do sustento dos habi-
da população, que sempre a lamentar suas correntes, nunca tantes na região durante as expedições Bandeirantes no
deixa de reivindicar e de mudar a lógica do sistema. século 18. A mão de obra era de escravos negros e índios, e a
O Distrito Federal é um lugar de contrastes e extremos. fiscalização, muito rígida, ordenada pela coroa em Portugal.
Ao mesmo tempo em que tem uma das populações mais A pirâmide social baseava-se somente em mineradores e
bem qualificadas do Brasil, graças aos muitos e disputados escravos no Mato Grosso colonial.
concursos públicos, é também um dos que menos atendem A escolha do tipo de colonização no Brasil foi determi-
ao Plano Nacional de Educação e continua mantendo as nante para o tipo de sociedade enraizada desde o século 18
crianças fora da pré-escola. Em que pese o fato de a qua- até os tempos atuais. Foi escolhida a colonização de explora-
lidade de vida ser a maior do país e uma das mais altas do ção, ou seja, todos que vieram viver nessas terras sul-ameri-
mundo, aspectos essenciais para ganhar esse título ainda canas vinham determinados ao lucro e à usura, garantindo
não estão acessíveis a toda população. A falta de acesso ao ao poder econômico como que uma nova ordem mundial.
saneamento básico, eletricidade, escolas públicas, lazer e Não há entre nós, brasileiros, uma espécie de conduta rival à
segurança são motivos de vergonha para o brasiliense que nova ordem. Pode haver uma conduta de aparências; porém,
vive e respira o poder. parece mais haver entre todos um comum acordo de que
O descontentamento do brasileiro diante de qualquer tipo o dinheiro traz felicidade, mesmo que nas aparências esse
de governabilidade é o que o torna varonil; a qualidade de pensamento torne-se adverso. Se um empresário internacio-
fazer parte do povo parece alimentar seus braços fortes de nal se instalasse fisicamente em território brasileiro, com a
operário trabalhador. O brasileiro parece nunca aceitar fazer conduta direta e perfeita para perder dinheiro e poder eco-
parte da classe dominante, e mesmo assim gosta de evoluir nômico, encontraria a satisfação da ordem econômica no
uma igualdade que muitas vezes deixa cair a máscara para Brasil. Foi o que o empresário mineiro Eike Batista percebeu
refletir a superficialidade de uma sociedade de aparências. ao se tornar em pouquíssimo tempo num dos homens mais
ricos do mundo, sendo até chamado de Midas do novíssimo
século.
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Todos os que chegavam para a integração de uma socie- tais populações rurais continuam a abandonar o trabalho no
dade garimpeira vinham com a obstinação pelo ouro e pelo campo para as aventuras sociais das grandes cidades. Para
lucro do comércio. Logo, do século das revoluções para cá, haver duas possibilidades de destino do poder econômico
todas as gerações são regimentadas pelo sonho do eldorado. gerado nesses latifúndios, ou essas grandes fazendas são do
A América Latina pode perfeitamente ser rotulada como Estado, até mesmo para facilitar o ganho de novos mercados
uma sociedade de bandidos. É até comum o uso de expres- internacionais, ou há algum tipo de enriquecimento ava-
sões do tipo: “malandro é malandro, mané é mané”; porém rento, no qual existe um acúmulo econômico que nunca é
o malandro é visto como o herói benfeitor e o mané como repartido ou escoado. Afinal, todo capital precisa girar den-
o idiota tacanha, tal qual uma cruz de cabeça para baixo. tro da economia das populações da cidade, senão é provável
Pois mesmo o malandro sendo o herói da maioria, há um o movimento inflacionário.
pensamento exato de que ele é o esperto. E sabe-se que a Várias propriedades rurais do Mato Grosso são dotadas
esperteza pode ser qualidade maliciosa de alguma entidade de aparatos tecnológicos que aumentam a produtividade
espiritual capaz de todos os males do mundo. Torna-se facil- e reduzem os custos: consequentemente, há uma grande
mente perceptível um pouco de satanismo na adoração da lucratividade.
riqueza material. Pode-se dizer que tais propriedades rurais que possuem
O Mato Grosso tem a economia baseada na agropecuária, recursos tecnológicos de ponta para uma produtividade
principalmente na produção de soja e na criação de gado. de larga escala são regimentadas através do poder econô-
A região Centro-Oeste tem sua economia baseada no setor mico do Estado, pois há sempre crédito para os grandes
da agricultura. Nesse segmento há o cultivo de milho, man- produtores.
dioca, abóbora, feijão e arroz. Além disso, os grãos que eram O estado do Mato Grosso também é conhecido como
plantados nas regiões Sul e Sudeste também chegaram ao o celeiro do país, já que é campeão na produção de soja,
Centro- Oeste, que são o café, o trigo e a soja. milho, algodão e de rebanho bovino. Com o crescimento de
A soja é o principal cultivo e produto das exportações, produtos chineses no PIB brasileiro, o estado resolveu diver-
sendo que o Brasil é o segundo maior produtor do mundo. sificar sua carta de produtos agrícolas para o intercâmbio
Há algum tipo de desatenção diante das forças econômi- do comércio exterior. A nova estratégia visa agregar valor a
cas geradas a partir do setor primário da economia (agro- tudo o que é produzido em terras mato-grossenses.
negócio). Vários países africanos conseguem sustentar sua Em pouco mais de uma década, o PIB estadual passou de
economia com apenas um produto agropecuário. No caso 12 bilhões em 1999 para 80 bilhões em 2012. Grande parte
do Brasil há uma enorme variedade de produtos agropecuá- desse desempenho positivo veio do campo. De acordo com
rios que lideram as exportações internacionais, porém esse o Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária, o
retorno financeiro quase não pode ser percebido pelas popu- agronegócio representa 50% do PIB do estado.
lações rurais. Chega-se a pensar que tais latifúndios produ- Um agravante de ser conhecido como uma espécie de
tivos são beneficiados pelos cofres públicos dos estados. E estado fazendeiro, ou seja, ser reconhecido como uma
novamente, pela necessidade de realizar o sonho econômico, grande fazenda do comércio internacional é a imensa culpa
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diante da destruição dos recursos naturais, ou das partes do que nessas terras há a maior quantidade de água natural e
ecossistema que preservam a dinâmica sócio-político-cultu- mineral do planeta, sem dizer que nossos rios são a base
ral da região. Como a produção em massa visa abastecer a fundamental da energia consumida nas grandes cidades. A
população mundial, precisa haver alguma espécie de medida riqueza natural do Brasil sempre foi sua marca registrada
entre a proporção das reservas naturais existentes e as terras como um país encantador e maravilhoso. Padronizar tal
cultivadas para a agricultura. É que muitas vezes tal solo já riqueza é como industrializar nossas matas, rios, animais e
estava determinado pelas leis naturais da Terra a cultivar mares para transformá-los numa gigantesca fábrica de pro-
uma espécie de vegetal que preservava outras espécies ani- dução alimentícia e farmacêutica. Deve-se ao menos prezar
mais, pois queiram ou não cada espécie possui uma iden- pela moderação em tal desmedida. Às vezes, a produção em
tidade própria para a preservação do planeta. Ao erradicar larga escala gera um desconforto nos próprios animais.
tais espécies para o cultivo de outras que foram determina- Durante a colonização, Mato Grosso foi erigido pela busca
das para outras regiões, de alguma forma elimina-se algu- do ouro e hoje é um mercado potencial para a fabricação de
mas características, ou até mesmo potencialidades humanas joias e semijoias a partir de pedras preciosas. Além de ser
e naturais. o maior produtor de diamante do Brasil, com 88% do total
Além dos grãos, Mato Grosso também é o maior produtor da produção brasileira, o estado também se destaca pelas
de pescado de água doce do país, responsável por 20% da pedras coradas, como a ametista, o quartzo rosa, a ágata e
produção do Brasil, com mais de 75 mil toneladas, um mer- a turmalina.
cado ainda promissor e com características de crescimento. A atividade mineral no estado é histórica. Não há como
O potencial está na abundância de rios e lagos em território falar da povoação do Mato Grosso sem falar na extração do
mato-grossense. ouro e do diamante. Era 1719, quando o ouro foi descoberto
Muito do que sempre foi considerado como parte da evo- por bandeirantes do Rio Coxipó. Já o diamante começou
lução e sobrevivência natural está sendo padronizado pelo a ser explorado no fim do século 18 nas regiões de Coité,
homem; um exemplo disso é a piscicultura, ou a criação de Poxoréu e Diamantino.
peixes. A contínua mudança do habitat natural dos alevinos Através dos tempos, encontraremos sempre alguma rela-
para serem padronizados para o consumo pode desvincular ção entre joias, semijoias e pedras preciosas com o amor, a
uma regra dentro de um determinado rio ou até mesmo de união entre um homem e uma mulher. Quão dignificadas
um ecossistema. A desmedida competição de mercado não são, pelas mulheres, as joias recebidas de presente de seus
freia e nem desacelera o ritmo dessa mudança. Muitas espé- amantes, namorados ou maridos! Pode haver uma ligação de
cies são indispensáveis para a regulação do meio ambiente tais joias com o tipo de consideração recebida do parceiro:
no qual estão inseridas. Espécies como o pacu, o tambacu é que a utilidade verdadeiramente final das joias ou pedras
e a tambatinga constituem a base da diversidade dos rios preciosas é embelezar ou encantar os olhos e a imaginação
em transição na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal. A de alguém, de algum objeto ou dos outros. Já é parte da
diversidade de espécies de peixes no Brasil é o constituinte cultura do casamento significar a união com uma aliança
essencial da riqueza natural dos rios brasileiros. E sabe-se de ouro.
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Mesmo em tempos de desamor e de desunião, torna-se
difícil uma mulher desprezar uma joia recebida de presente. ECONOMIA DO MATO GROSSO DO SUL
Mesmo que não haja alguma relação tão íntima, uma mulher
não é capaz de desconsiderar o presente simbólico. Talvez O estado do Mato Grosso do Sul contribuiu em 2008 com
o objeto simbolize em seu interior alguma espécie de con- 1,1% para o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. A com-
sideração ou de sentimento que a faça perceber que ainda posição do PIB de Mato Grosso do Sul é a seguinte: agrope-
possivelmente seja amada. cuária (15,8%), indústria (16,7%) e serviços (67,5%).
Nota-se que em datas especiais comemorativas com rela- A agropecuária é um elemento de fundamental importân-
ção à união, amor e religião há uma tentativa de redesco- cia para a economia estadual, pois ela impulsiona os setores
berta do poder, fascínio e encantamento pelo uso do ouro, industrial e de serviços. A agricultura se baseia nos culti-
joias e pedras preciosas. Se estivéssemos no Brasil Colônia vos de arroz, café, trigo, milho, feijão, mandioca, algodão,
do século 18, perceberíamos que em tais datas, como dia amendoim, cana-de-açúcar e, principalmente, soja, produto
das mães, dos namorados, dos pais e natal haveria um cres- do qual o estado é um dos maiores produtores do Brasil.
cimento na busca pelo ouro. Os povos latinos costumam Na pecuária, Mato Grosso do Sul detém o maior rebanho
valorizar a riqueza material como uma forma de dignifi- bovino do país. Atualmente, o estado é o segundo maior
car o amor entre seus semelhantes, pois para esses povos o exportador de carne bovina do Brasil.
poder e a glória somente podem ser alcançados através da Mato Grosso do Sul também possui significativas jazidas
riqueza material que o ouro proporcionava. É que o tipo de de ferro, manganês, calcário, mármore e estanho, com des-
amor mais sonhado entre os homens, no jogo das aparên- taque para o maciço de Urucum, em que há uma expressiva
cias, é bastante estimado entre a maioria por fazer parte da jazida de minério de ferro e manganês.
riqueza material e exclusiva dos homens. Ou seja, para eles, O estado vem apresentando um intensivo processo de
não há amor sem ouro, e nem ouro sem amor, os maiores industrialização. Os principais segmentos são o alimentí-
objetivos a serem alcançados diante do poder e da glória no cio, têxtil, siderúrgico e químico, que estão instalados em
tempo do Brasil Colônia. Perceba, sempre quando há uma quatro grandes polos industriais:
data comemorativa relacionada ao amor, ou a símbolos reli- Campo Grande: onde se destacam os frigoríficos, curtu-
giosos para destacar o poder, sempre há alguma espécie de mes, laticínios e indústrias de móveis.
valorização do uso do ouro. Por exemplo, a aliança de ouro Dourados: apresenta indústrias de farelo, álcool, açúcar
no casamento, o pingente de cruz em ouro para simboli- e têxtil.
zar a devoção por Deus, a medalha de ouro para represen- Corumbá: polo industrial de minérios e calcário, cimento
tar a conquista do vencedor. Mesmo que o ouro signifique e os estaleiros.
alguma superioridade diante dos ensinamentos de Cristo, a Três Lagoas: destaque para as cerâmicas, curtumes, lati-
humildade e a fortaleza, os homens sempre celebrarão o uso cínios e bebidas.
do ouro. É frequente na América Latina o uso da expressão Dos anos noventa para cá, está havendo um ritmo ace-
“capitalismo selvagem”, pois possuindo ou não o espírito do lerado de industrialização em todo o país. Com o Brasil
amor, quanto mais ódio, mais capitalismo.
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adotando a economia de mercado como parte estratégica da contrária à superprodução e ao superconsumismo, uma
sua política econômica, iniciou-se a instalação de indústrias força que potencialize a sustentabilidade, pois caso não haja
internacionais e nacionais. O fundamento da chamada era um cuidado excessivo com os materiais agressivos ao meio
da globalização visa trabalhar tanto com o mercado interno ambiente, o desenvolvimentismo atual ainda seria o desen-
quanto com o mercado externo; assim, o Brasil passa a volvimentismo de século 20. Um exemplo: uma indústria
valorizar alguns de seus produtos para a exportação. Em que também privilegie a pesquisa, para haver uma logística
pouco tempo, várias cidades interioranas aderiram a esse no descarte e na reciclagem dos materiais do lixo, em uma
movimento econômico, que pareceu transformar as anti- busca significativa de uma espécie de “lixo limpo”.
gas fazendas ou propriedades rurais em parte da logística Um erro da indústria nacional que considero grave é ava-
dessas novas indústrias, como: frigoríficos, curtumes, lati- liar o mercado apenas para aquilo que é consagrado. Deve-se
cínios, indústrias de farelo, álcool, açúcar, têxtil, cerâmicas às vezes arriscar novas possibilidades para o surgimento de
e bebidas. As antigas fazendas passaram a se modernizar um novo negócio ou de um novo mercado. Um exemplo: o
para que pudessem adaptar-se a essa nova lei de economia consumo de Coca-Cola já está estagnado em uma região,
de mercado, uma produção em larga escala. e o consumo do refrigerante de guaraná em outra região.
Ainda vem crescendo em ritmo acelerado a produção de Assim, um novo sabor (acerola, jabuticaba ou melancia)
novos gêneros alimentícios, talvez pela riqueza da culinária poderia alcançar parte do mercado onde a Coca-Cola não
local e pela quantidade de fazendas. Porém, mesmo diante vende mais, ou parte do mercado onde o guaraná também
de uma engenharia de alimentos, também deveria haver ao não vende mais. Uma pesquisa de mercado poderia ser útil
menos uma nova ramificação dentro dessa cadeia produtiva, para a idealização de um projeto dessa espécie. Nunca se
que seria a pesquisa. A pesquisa científica consegue valori- pode abdicar totalmente do que é novo e de uma possível
zar parte das riquezas naturais, atuando, por exemplo, na vanguarda. Afinal, por mais que o brasileiro seja um pouco
indústria farmacêutica, química e até mesmo nas empresas conservador, de algumas décadas para cá ele está mudando
agropecuárias. A pesquisa poderia valer como uma espécie um pouco os seus hábitos e costumes de vida.
de catalisador de produtos e negócios com potencial acu- Através do desperdício e do consumismo inútil pode-se
mulativo dentro da cadeia produtiva já existente, podendo, perceber uma falta de comunicação entre a produção real e
inclusive, aumentar significativamente a pesquisa diante da o consumo. Deve-se aprender a usar sempre mais números
nova economia sustentável, que precisa gerar riqueza sem exatos de produção e consumo para não haver desperdí-
consumir ou degradar os ecossistemas naturais do país. cio de capital, de produção, de produtos e acúmulo de lixo
Seria possível até mesmo potencializar a criação de indús- industrial, comercial e residencial. Muitas vezes, produz-se
trias destinadas à preservação do meio ambiente. Esse tipo dentro de uma linha exageradamente fadada ao desperdí-
de indústria desenvolveria processos novos para a chamada cio, produtos que nunca serão consumidos. Certamente,
economia sustentável, que aos poucos parece ser inevitável tais produtos são produzidos exageradamente para elevar a
diante do superconsumismo mundial e do surgimento de grandeza da capacidade de produção de determinada indús-
novas áreas urbanas. Deveria haver uma espécie de força tria, para superar a grandeza da capacidade de produção de
uma indústria rival.
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Como o Brasil entrou definitivamente para a lei comum
do mercado, seria importante uma integração do Mato
Grosso do Sul com seus países de fronteira, principalmente
REFLEXÃO: o Paraguai. Mesmo que a maioria dos produtos paraguaios
seja de origem de contrabando e falsificação, é importante
O brilho que poucas vezes avança sobre a terra que sejam integrados à economia brasileira, num esforço
pode ser um brilho bastardo ou de batalha cons- frequente de reter a inflação do mercado, já que os preços
tante. Não se pode crer no ajuste final como tam- de tais produtos tendem a segurar a alta de preços do mer-
bém não se pode crer na derradeira morte. Bonito cado formal. Portanto, é necessário que haja uma espécie de
não é aquele que tem e nem aquele que é, bonito é mediania, ou um aliviamento da repressão policial dentro
aquele que foi. Onde surgem as vinganças eternas?
Elas podem surgir entre uma guerra do bem contra do estado do Mato Grosso do Sul, para que o escoamento
o mal. O mal nunca reivindicará a necessidade de desses produtos tidos como de menor qualidade seja pos-
ser o bem, assim como o bem nunca aceitará perder sível, ao menos para conter a ganância da indústria e do
para o mal. Quem nunca avançou sobre a defesa comércio formal. A entrada desses produtos na economia
do eterno, também poderia nunca avançar sobre brasileira serve, muitas vezes, como fator indispensável para
a defesa do efêmero, pois de uma extremidade a o fluxo comum da economia. Além de diminuir a tensão
outra há uma verdade consumada e eterna. sobre a inflação, também consegue ao menos arrendar ou
qualificar aqueles que foram marginalizados pela sociedade,
muitos que não conseguem mais adentrar ou possibilitar sua
A região onde o Mato Grosso do Sul está localizado con- permanência no mercado de trabalho tido como formal.
tribui muito para o seu desenvolvimento econômico, pois é Apesar dos distúrbios sociais advindos dos produtos de con-
vizinho dos grandes centros produtores e consumidores do trabando e falsificação, há nas principais e grandes cidades
Brasil: Minas Gerais, São Paulo e Paraná, além de fazer fron- brasileiras uma aceitação dessa tal lei comum do mercado.
teira com dois países sul-americanos (Bolívia e Paraguai), Já há o costume enraizado na sociedade de consumir tais
uma vez que se situa na rota de mercados potenciais de toda produtos de contrabando e falsificação; seria algo como uma
a zona ocidental da América do Sul e comunica-se com a doença tida como de menor grau que impede o aumento de
Argentina através da Bacia do Rio da Prata, dando também uma outra doença de maior grau, ou seja, ainda parece ser
acesso ao Oceano Atlântico e ao Pacífico através dos países um mal necessário.
andinos, como Bolívia e Chile. Devia-se aliviar ao menos um pouco a proteção alfande-
No estado, 44,7% da população residente compõe a popu- gária da fronteira do Paraguai com o Mato Grosso do Sul,
lação economicamente ativa (PEA). Quanto ao rendimento para que haja até uma circulação e comunicação da produ-
médio, 56% da população tem como renda média mensal ção e da venda de mercadorias. Muitas vezes, de tanto prio-
até um salário-mínimo. Do total do ICMS arrecadado pelo rizar a reprodução de produtos de primeira linha, em muitos
estado do Mato Grosso do Sul, 89,7% provêm do comércio. casos o Paraguai consegue até uma espécie de excelência
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na produção; ora, uma possível comunicação de segredos Como já é determinado como um bem comum a mistura
industriais poderia fazer surgir um novo aspecto na produ- das culturas (arte, culinária, música, moda, literatura, filo-
ção das indústrias nacionais. Hoje a China é reconhecida sofia e religião) dentro da cultura brasileira, a fácil comuni-
como liderança na capacidade de reproduzir produtos de cação de povos de linguagens diferentes, através da música
excelência de mercado, com tanta capacidade e qualidade e das artes, mesmo que para o alcance artístico europeu,
que consegue firmar o respeito e o contrato na produção de estabelecido no Brasil como uma cultura rígida e erudita; a
marcas líderes no mercado internacional. transição, a composição e a comunicação cultural de algu-
Na política, isso serviria para fazer ressurgirem lideran- mas regiões determinadas por alguns povos da cultura indí-
ças na salvaguarda do mercado informal que, atualmente, gena facilitaria mapear as diferenças sempre existentes nas
transborda em quase todas as cidades e pequenos municí- rupturas sociais entre brancos, índios, mestiços e negros (a
pios do país. O mercado informal de mercadorias, por mais composição racial e étnica da América do Sul). Por exem-
que seja tido como um mercado de menor grau, parece ser plo: do transporte de alguma mercadoria do Paraguai até a
a baliza ou a base do sistema econômico do comércio nacio- capital de São Paulo poderia ser percebida a rota determi-
nal. Hoje, muitos, ou a maioria dos comerciantes formais, se nante e estabelecida nas camadas mais populares do Mato
utilizam e trabalham com os mesmos produtos vendidos no Grosso do Sul até a Grande São Paulo. Pois um produto que
comércio informal; é a condição que o capitalismo impõe à sai do Paraguai com destino à capital paulista normalmente
sociedade de produção, a contínua necessidade de encontrar estará na posse de indivíduos, se não pertencentes às cama-
o melhor custo e benefício. das mais populares, que possuem algum vínculo financeiro
Sem dizer que, em tempos atuais, os trabalhadores fica- ou comercial com a parte mais popular da cidade. Assim
ram divididos entre o emprego formal e o emprego infor- seria possível desmilitarizar essas áreas de extremos confli-
mal, surgindo assim uma nova diferenciação entre a classe tos raciais e sociais.
trabalhadora, pois os trabalhadores do mercado formal
possuem um maior poder econômico e um maior equilí-
brio financeiro, além de um maior poder político, devido ECONOMIA DE GOIÁS
à uma representação partidária mais direta aliada às bases
sindicais; não se esquecendo de que têm também um maior A agropecuária é a atividade mais explorada no estado
poder social ao usufruir de uma educação e de uma cul- e uma das principais responsáveis pelo rápido processo de
tura de nível superior. Além disso, contam ainda com uma agroindustrialização. Privilegiado com terras férteis, água
pequena parcela de poder militar, pois aos serem pagadores abundante, clima favorável e um amplo domínio na tecno-
de suas contas públicas e impostos podem usufruir da defesa logia de produção, o estado é um dos grandes exportadores
da polícia militar. Tais trabalhadores do mercado formal de grãos, além de possuir um dos maiores rebanhos do país.
podem ser encontrados na atual classe média alta ou classe Pelo fato de a capital fazer parte do eixo econômico
média baixa, o que antes, em meados dos anos oitenta, era Goiânia — Anápolis — Brasília e de estar localizada num
determinado como uma classe média urbana única. ponto estratégico, numa das maiores áreas agropecuárias do
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mundo, formou uma economia bastante dinâmica. A par- salgados, recheios, doces de milho, suco de milho, farinha
tir do final da década de 1960 houve uma redefinição das de milho, canjica e muitos outros.
relações entre a agricultura e a manufatura, dando origem A cooperativa nos pequenos municípios serve como um
a um novo padrão de produção agrícola; assim, a unidade indutor de mercado e de novos negócios. A prefeitura ou
do Ministério da Agricultura sediada em Goiânia formou o Estado participam como idealizador ou qualificador do
parcerias entre pecuaristas que tinham conhecimento, fer- projeto ao custo de recursos econômicos. É uma forma de
ramentas e área para produção de sementes melhoradas. garantir trabalho a curto prazo ou, possivelmente, a longo
Um dos pioneiros na produção desta denominada semente prazo. O que muitas vezes pode acontecer é que um novo
selecionada de arroz foi Adolf Schwabacher, e com anuência governante pode deixar de custear alguma cooperativa, ou
da Cooperativa Rural. desabastecer sua base econômica, fazendo assim ruir um
Atualmente, o estado de Goiás enfrenta um grande desa- trabalho já reconhecido há anos. Contudo, tais cooperati-
fio: tentar conciliar a expansão da agroindústria e da pecuá- vas devem ser vistas com esmero e cuidado durante longos
ria com a preservação do Cerrado, considerado uma das períodos ou décadas, pois quando tal cultura desenvolve
regiões mais ricas do planeta em biodiversidade. uma excelência de mercado, os negócios dentro e fora do
Uma das melhores soluções para o mercado agropecuá- município são realizados frequentemente, podendo fazer
rio em Goiás e no Brasil foi o cooperativismo, que é uma surgir mais parcerias e mais novos negócios. Do milho
espécie de união entre trabalhadores rurais para desenvolver pode-se alcançar números ilimitados de mercado para o pri-
algum tipo de economia para pequenos municípios, afasta- meiro setor, para o segundo setor e para a distribuição de
dos das principais cidades do estado. Esse tipo de empresa, novos comércios locais, nacionais e, possivelmente, também
com uma nova divisão do trabalho, consegue desenvolver mercados internacionais. Porém, é claro que há outras cul-
maiores possibilidades de ganho para todos os trabalhadores turas dentro do município, mas essas novas culturas devem
de um pequeno município, como também eleva as possibili- ser privilegiadas pela ordem econômica de mercado.
dades para a conquista de um novo mercado. Muitas vezes, Em Anápolis foi criado um polo farmoquímico respon-
quando a cooperativa do município desenvolve a cultura de sável pela produção de matérias-primas para a indústria
um gênero alimentício já desenvolvido na região, abrem- de medicamentos com a instalação dos novos laboratórios
-se maiores possibilidades de ganho entre os trabalhadores, farmoquímicos, compostos de oito laboratórios farma-
empresários e comerciantes. O comércio participa da dis- cêuticos de médio e grande porte já instalados no Distrito
tribuição dos produtos, como também se passa como um Agroindustrial da cidade.
representante comercial da marca da cooperativa. Ao redor Goiás também tem se tornado um importante polo auto-
dessa cultura, sem contar com a própria indústria da coo- motivo. Nos últimos anos o estado tem atraído a instalação
perativa, podem surgir novas pequenas, médias ou até gran- de novas montadoras de automóveis no Brasil; já possui duas
des indústrias, pois com um gênero somente pode haver montadoras instaladas, a japonesa Mitsubishi na cidade de
inúmeros produtos derivados dessa cultura. Um exemplo Catalão e a sul coreana Hyundai em Anápolis.
é o milho, que pode produzir o curau, a pamonha, doces, Como as disputas políticas no país são acirradas, muitas
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vezes o jogo econômico possui uma tendência a uma rápida Nova Ordem da Era da Globalização.
liberalização do mercado interno, e quando a política está Mesmo que a classe trabalhadora exija leis trabalhistas
sendo feita pelos neoliberais há anos, também pode ocorrer mais rígidas diante dos empresários, o governo, ao ter que
uma espécie de desaceleração do mercado. lembrar a abertura decisiva dos mercados no início dos
O jogo político atualmente possui uma tendência de bipo- anos noventa, nada consegue remediar quanto ao escanca-
larizar as disputas entre o PSDB e o PT. O PSDB surge como ramento da economia nacional. Ou seja, aos poucos, esta-
uma força direitista, enquanto o PT assume uma posição mos vendendo nosso país para os capitalistas do Primeiro
esquerdista. O que ocorre é que, quando a Direita assume o Mundo. Parece ser a tendência do mercado internacional
governo, há uma exagerada aceleração para abrir o mercado no Brasil, sermos apenas mão de obra trabalhadora e pouco
interno, deixando que as próprias leis invisíveis, tanto do intelectiva, pois a robotização nas indústrias já é uma rea-
mercado interno como do externo, regulem as forças macro lidade. E aqueles que sempre sonharam com o país esta-
e microeconômicas. Mesmo que para os ideais neocapita- belecendo regras nas leis do mercado internacional nada
listas o próprio mercado seja a lei, muitas vezes, e inclu- têm a fazer a não ser calar-se diante da desventura brasileira
sive no Brasil, as máximas do mercado tornam as disputas de nunca considerar a vontade da maioria no jogo político
econômicas enraizadas num capitalismo super brutal, pois nacional. Pois com a completa abertura do mercado brasi-
são poucos os que assumem motivo de subordinação diante leiro pouco adiantará qualquer exigência dos trabalhado-
dos impostos estatais. Sendo assim, com a super exposição res, como também pouco servirá de remédio qualquer regra
do mercado, surgem também seus defeitos comuns, como estabelecida do poder legislativo; é que ao abrir as portas
o aumento do número de crimes. Afinal, quando o capital do mercado nacional, as empresas internacionais em pouco
representa o espírito humano, nada é mais banal do que a tempo conseguem ditar as regras devido às nuances de uma
vida do outro, o que quer dizer que é mais necessário o capi- lei comum e natural: toda empresa precisa e deve buscar o
tal do que a presença do concorrente. lucro. Assim, qualquer empreendimento internacional, ao
O mercado é como uma verdadeira Torre de Babel em vincular sua economia ao mercado brasileiro, prima essen-
que todos se desencontram e se rivalizam. Portanto, a ten- cialmente pela virtude principal do capitalismo: o lucro.
dência da Esquerda ao assumir o governo nada tem como Uma palavra tão estúpida, mas tão bem aceita pelos nos-
óbvio, e é desacelerar a abertura dos mercados dos Estados sos ouvidos e pelos ouvidos dos mais jovens. Pois o lucro
e da Federação. É que no Brasil, desde as dívidas do Império naturalmente delineia em nossos pensamentos internos a
para com a Inglaterra no século 18 até os nossos dias, não vitória do mais esperto, aquele que trapaceia e faz de tudo
houve como aderir ao desejo da economia planificada do para considerar a malícia como algo superior. Logo, natural-
marxismo. E assim, naturalmente, o capitalismo foi se esta- mente aceitamos a tal palavra, “lucro”, em nosso cotidiano,
belecendo, e com ele a subordinação diante das economias ou seja, vence o mais esperto, e não o protetor.
inglesa e norte-americana. Assim, nada mais resta na polí- Pois essa tal mundialização está se estabelecendo aqui em
tica e na economia nacional, além de graduar a natural ace- nosso país, muito rapidamente; e com o tempo, o lugar passa
leração da abertura de mercados, como está estabelecido na a ser regido sem nenhuma regra ou lei, porque onde vigora a
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lei natural do mercado e do lucro tudo pode, e tudo é possí- do dia, sua percepção auditiva torna-se sensível diante do
vel. Ou seja, vale tudo para se obter o lucro. Na América do menor ruído, que muitas vezes combina-se com outros ruí-
Sul, um exemplo de uma terra sem lei seriam os garimpos, dos, transformando o que deveria ser paz de espírito em
principalmente no século 18, quando a vida tinha menor caos criador da morte.
valor do que o ouro. E na América do Norte, outro exem- Esse espaço denominado de centro urbano de qualquer
plo de uma terra sem lei seriam as cidades do reconhecido cidade grande já pode ser caracterizado como local para
Velho Oeste americano. a livre transição de mercadorias e ideias, ou local predo-
E não seria nem um pouco ingênuo, aquele que disser minante para o uso do comércio, para a funcionalidade de
que o fenômeno da terra sem lei já ocorre nas principais comércio e serviços. Aqueles que se encontram nesse espaço
cidades brasileiras, e até nos pequenos municípios. A vio- estão ali para produzir, vender, trocar, conspirar, guardar,
lência urbana, com seus assassinatos, latrocínios, infanticí- proteger ou eliminar… produtos, objetos, serviços e ideias.
dios, duelos passionais, roubos, assaltos, suicídios e crimes Necessariamente, o uso do centro urbano das principais
de toda espécie, já está institucionalizada, já faz parte da cidades para convívio, lazer, descanso, estudo ou outro tipo
realidade e da paisagem. E a degeneração social parece cres- de normatização social, está em completo declínio, pois está
cer de ano em ano: basta perceber o aumento no número de se tornando um aglomerado de gente, muitas vezes de dife-
crimes em quase todas as cidades brasileiras. rentes regiões do país, sempre em busca de uma melhor
Hoje, nas principais cidades brasileiras, as áreas urbanas qualidade de vida. E muitas vezes pode-se morrer por muito
conhecidas como centro, não estão suportando mais a capa- pouco. Esses centros urbanos já podem ser considerados
cidade do convívio social ou residencial, ou seja, são áreas subúrbios que se formaram através do tempo e da livre dis-
insuportáveis para se morar e conviver harmoniosamente puta dos comércios.
com outros moradores ou vizinhos, áreas em que o ruído
ou o barulho do caos urbano torna-se frequente. Nelas,
não existe possibilidade alguma de ao menos se sentir um CULTURA DO DISTRITO FEDERAL
mínimo de silêncio da natureza, silêncio que parece fun-
damental para o descanso contemplativo que poderíamos Um setor cultural em que Brasília conseguiu se destacar
chamar de paz. O excesso de poluição sonora nesses grandes muito bem foi na música jovem, mais especificamente, no
centros perturba a capacidade de raciocínio, de intuição, cenário do chamado rock nacional dos anos 1980. Grande
de percepção e até mesmo de emoção. Parece que estamos parte das bandas mais famosas do Brasil nesse período
diante do vácuo dos ruídos e dos barulhos. Já se pode consi- foram formadas em Brasília, como a Legião Urbana, a Plebe
derar que muitos jovens dessa tal hipermodernidade nunca Rude e o Capital Inicial. O impacto das bandas de Brasília
ouviram ou souberam da percepção do silêncio cósmico, no rock nacional foi tão forte que, até hoje, a cidade detém
ou o silêncio da natureza, sem haver ali instrumentos, ser- o título informal de capital nacional do rock.
viços, transportes, conversações ou qualquer tipo de ruído Foi a partir dos anos oitenta que os filhos da burocracia
ou barulho que os homens produzam. Em vários instantes da capital nacional puderam validar algum tipo de cultura
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jovem relevante para o país. Sempre foi um sonho da juven- burocrática estatal do Rio de Janeiro e de outros estados.
tude brasileira adaptar o ritmo inglês para as terras tropicais. Agora, há um contínuo fluxo migratório do Norte-Nordeste
Surgiu como movimento contestador. Havia alguns motivos do país que soma-se às periferias da capital federal, havendo
de ideais militares, às vezes pelo determinismo esquerdista um desprendimento esquerdista da cultura branca com as
e marxista dos anos oitenta, bem como pela formação do culturas afro e indígenas, e um embrutecimento do entorno
Partido dos Trabalhadores. de Brasília através do rap contestador diante da marginali-
Se datássemos a explosão da cultura jovem a partir da zação das periferias.
introdução da televisão nos anos cinquenta, perceberíamos
que o rock nacional acompanhou o surgimento de uma cul-
tura jovem mais militarista que já pertencia a quase todos os REFLEXÃO:
países de cultura ocidental. Era a divisão feita na chamada
Guerra Fria, ou Terceira Guerra Mundial: a divisão entre os
Etecetera cultural de nuvens quase dominantes,
países do bloco capitalista e do bloco socialista. Mesmo que de brancas perguntas sem possibilidades sobre o
ainda persista essa divisão no pensamento jovem mundial, oculto e o ofensivo. As frases da passagem para o
naquele período essa disputa era bem mais conflitante. avanço da defesa da alma sem qualquer aventura
O Brasil estava buscando a sua redemocratização, e assim sobrenatural. O trabalho é parte vilã do silêncio, e
também tentando estabelecer uma cultura pop, que sempre a punição é a ausência da arte pueril, ou da arte
pareceu rumar para diversos horizontes ou nuances cultu- da totalidade dourada na vanguarda da primavera
rais. Foi nesse momento que toda a cultura mundial perten- e do outono, pois a natureza não é a gramínea e
nem o ruído da água; é que a natureza pode ser a
cia aos brasileiros, e todos os brasileiros também pertenciam tradição do protesto.
à cultura mundial. Ao avistar a quantidade do bronze no boato da
O que se construiu em Brasília e reforçou-se a partir da boa-fé, a rocha possui a propriedade da antemanhã
década de 1980 foi uma cultura estritamente urbana. E, para ao som dos passarinhos entre as passagens vazias.
tal, a influência do rock inglês ou punk rock foi a essên- A música quase sempre na penumbra do elogio e do
cia para adequar o pensamento do jovem de classe média arrependimento. A paz navegante consigo é a paz
branca do Brasil ao do jovem de classe média branca da do perdão pós-romântico. Pode até faltar alguma
Europa, assim como seus ideais políticos e socioeconômicos. permissão diante da vaidade, porém as rimas estão
em ímpar, e ímpar é a qualidade da guerra com
Essa estrutura cultural do rock nacional forjou-se e refor- asas, ímpar é a qualidade do palhaço assassino,
çou-se na década de 1990. Porém, nessa próxima década, ímpar também pode ser o bailarino prudente em
alguns elementos das culturas afro e indígena, da já cons- eterno descanso com a música e com a dança. Pois
tituída Música Popular Brasileira, foram sendo absorvidos de tanto sonhar com o vermelho do cruor ardente,
pelo caldo de mistura desse novo rock nacional com a clás- parece que alcançamos o azul frio do sereno na
sica MPB dos anos 60. Portanto, é o que realmente acontece semana.
na Brasília de hoje, que antes estava sendo regida pela classe
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Até o início do século 21, os poucos eventos culturais o engenheiro e o operário; ocorre assim em determinadas
no Distrito Federal resumiam-se a exposições de arte nas épocas uma frustração geral, pois aqueles de ofício e tra-
embaixadas brasileiras. Hoje, com a inauguração do Centro balho considerados pela maioria como subalterno, muitas
Cultural Banco do Brasil, da Biblioteca Nacional Leonel de vezes serão esquecidos como pessoas, ou até como seres
Moura Brizola e do Museu Nacional Honestino Guimarães humanos. Pois é fato que cada indivíduo da sociedade bur-
no Conjunto Cultural da República, o setor cultural na capi- guesa considera ele para ele, ou ele para o dominante. Sendo
tal tornou-se mais efervescente e abrangente. assim, a maioria poderá encontrar a completude da frustra-
Por ser uma capital federal, Brasília tornou-se parte da ção de ser dominado, não podendo diante da vida encontrar
rota das artes plásticas no mundo. A facilidade de trânsito e algum tipo de elevação social, política, econômica, cultu-
comunicação entre as embaixadas de outros países com os ral ou espiritual, tudo isso devido à escassez de trabalho e
produtores culturais do Brasil fez transformar ou aglutinar, emprego.
ou ainda, misturar os elementos artísticos de várias outras A sociedade burguesa, como Nova Ordem Econômica,
regiões do planeta. A cultura em Brasília abre bem os bra- ao dizer através dos tempos que as estruturas sociais, ou
ços para vários costumes e artes de povos de outros países. camadas sociais, estão de acordo com o declínio diante de
Mas há de ser enfatizado o aspecto europeizado através do um equilíbrio natural, estão ditando que o capitalismo é a
qual a cultura mundial parece estar sendo administrada e solução para aqueles de baixa sociedade encontrarem algum
exposta. Da maneira como as obras de arte são apresentadas, tipo de elevação material e espiritual. Dessa maneira, os
centralizadas apenas para um determinado tipo de público, confrontos e as disputas que antes poderiam ser relevadas,
parece incluir a classe média alta urbana dentro de um pro- hoje são determinantes para o aumento da condição de ódio
pósito socioeconômico. Ao primeiro instante parece fazer entre todos os indivíduos. Se antes dois indivíduos possuíam
surgir uma classe social diante de outras classes sociais do algum tipo de inimizade por causa da disputa esportiva entre
planeta, ou seja, ao abrir os mercados econômicos, os paí- Corinthians e São Paulo, hoje são inimigos tenazes porque
ses constituintes da Nova Ordem Capitalista criaram uma um é considerado rico e o outro é considerado pobre diante
pirâmide social do mundo. Parece estar havendo uma deter- das classes sociais. Mesmo que na teoria capitalista haja a
minada busca pelo equilíbrio nessa tal pirâmide social do tal mobilidade entre essas estruturas, a vontade de um é a
mundo. E ao encontrar esse equilíbrio os indivíduos, pela mesma vontade do outro, ou seja, se aquele que é conside-
lógica, estarão fadados a determinar que tanto seus filhos, rado pobre se esforça para encontrar elevação social, aquele
como os filhos de seus filhos, serão sempre o mesmo artí- que é considerado rico também se esforça para alcançar uma
fice, ou o mesmo tipo de dominante ou dominado. Às vezes distância de elevação maior ainda. O que acontece verda-
pode haver regras bem sedimentadas para que a estrutura deiramente é um acúmulo de ódio, pois o constante atrito
da pirâmide seja a mesma através dos tempos. Um exem- entre os indivíduos pela busca e pela necessidade da riqueza
plo: um político sempre será político e terá filhos políti- pode terminar em frustração ou desprezo, ou até mesmo em
cos. Um comerciante também deverá se apresentar dessa vanglória. Em um sistema político denominado democracia
maneira, como também o professor, o policial, o advogado, há um constante pulsar de pensamento determinando que
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todos os indivíduos são iguais perante a lei. Logo o vence- território onde estejam. O objetivo é a sua preservação para
dor termina em vanglória, e o perdedor em frustração, pois as futuras gerações.
todos são iguais diante de todos. E no alvorecer da manhã, Ela foi reconhecida como patrimônio por conta da sua
há o acúmulo do ódio para a conquista do lucro sagrado. concepção modernista, baseada nas ideias de Lúcio Costa,
A arte e o esporte deveriam ser vistos apenas como habi- que integravam a escala monumental dos grandes espaços e
lidades determinantes de um possível poder social. Mas construções à intenção bucólica de convivência ao redor das
a desventura da elevação espiritual consegue transformá- áreas verdes. Oscar Niemeyer projetou grandes monumen-
-los em mitos do poder social, político e econômico, ou tos que se integravam ao plano urbanístico, com o melhor
seja, o melhor artista ou o melhor esportista determina o da expressão arquitetônica integrada à arte.
que alguém precisa ser para ser respeitado. Nisso, quando É por esse motivo que a cultura de Brasília também se
a arte é comercializada e divulgada somente para as Altas mistura à sua história, à história de sua construção e à arqui-
Sociedades, há uma espécie de informação oculta para as tetura e ao urbanismo.
Baixas Sociedades, assim determinando a falência da demo- Nas primeiras décadas depois da inauguração da capi-
cracia, que também determina o acúmulo de ódio nas tal federal havia uma esperança sobre o futuro e o destino
Baixas Sociedades. Pois se o grande artista somente pode do país. Brasília parecia ser um novo mundo, cercada pelas
ser nascido na Alta Sociedade, então ninguém da Baixa matas do Cerrado e pelos animais silvestres do Centro-
Sociedade pode ser respeitado, forte ou rico. Sem dizer que Oeste. Havia uma expectativa em excesso diante da sua
a competição capitalista consegue também estratificar a Alta formação. As famílias dirigidas pela burocracia federal ali
Sociedade, categorizando o conceito de ser rico em milioná- firmaram seus compromissos com o Novo Mundo, ou a
rio, bilionário e assim por diante. Creio que no Brasil, onde o Nova Ordem, estabelecendo alguns conceitos de convívio
conceito de humildade dos ditos mais pobres está enraizado humano, tentando harmonizar a sociedade daquela época.
no pensamento cristão, essa tal performance às vezes serve Pode-se dizer que Brasília foi o último sonho dos homens na
mais para o indivíduo cometer o eterno engano de não saber Terra para iniciar uma fusão com o futuro, esquecendo-se
que a maldade também existe para magoar os burgueses. E dos erros e dos crimes do passado. Talvez uma maneira de
por causa desse eterno engano, muitos se esquecem da cru- fundir uma cidade sobre mais duas cidades, ou seja, a cidade
cificação de Deus. número um, capital federal, sobre a cidade número dois,
A cultura em Brasília se confunde com a própria cidade, capital estadual, sobre a cidade número três, o município
já que ela é Patrimônio Cultural da Humanidade. Nela estão estadual. Uma forma de negar a existência de Deus, estabe-
monumentos e edifícios que são marco da arquitetura e lecendo como regra única a distância das virtudes materiais
urbanismo modernos. para as virtudes espirituais. É que os homens, em revolta
Brasília foi inscrita na lista da Organização das Nações com o poder divino, estabelecem alianças para a forma-
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) ção das cidades, para assim, através do comércio e de suas
em 07 de dezembro de 1987. Estes lugares são reconhecidos trocas de produtos por moedas, reger o lugar com o poder
como patrimônio de todo o mundo, independentemente do econômico e derrubar o amor do trono principal. Decorre
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daí a distância do Estado Republicano da Igreja Católica. O
Estado Republicano representa a guerra entre os homens, e
a Igreja representa o sonho de amor entre os homens.
É por isso que surge Brasília, para dar fim ao amor divino. REFLEXÃO:
Entre tantas disputas ideológicas, não restam ainda famí-
lias como na primeira metade do século 20 no Brasil. Com Tão secreto do que ser aquilo que não é, é somente
um republicanismo diante de uma espécie de presidente tornar a semibrutalidade no sonho de um possível
imperial, logo todos os cidadãos brasileiros partem para novíssimo homem sem raciocínio, sem rima, sem
a capital federal, e assim se eleva um maior poder econô- primavera, sem verso, sem a palavra apaixonante,
mico. A nova ordem burguesa dos anos sessenta para cá, sem a soberania da saudade, sem o recado ofensivo.
com sua propaganda de amor livre, conseguiu desgraçar a As nuances são absolutas somente quando as par-
já tão decaída sociedade brasileira. Hoje comenta-se muito tes de Pégaso existem verdadeiramente. Nada pode
facilmente, inclusive na mídia burguesa, a superioridade ser pueril para quem amadurece na missa ou para
quem rejuvenesce no torpor do suor do trabalho.
da mulher no relacionamento, ou seja, a Era Burguesa é O amor é uma penumbra para todos que não se
dotada das virtudes que os homens já não possuem, como tornaram assassinos da própria alma escura. Por
a bondade, a coragem, a justiça, a prudência, a inteligência, isso precisam de armadura enquanto a guerra é
a verdade, a fortaleza e a humildade. Contudo, como um do espírito.
homem em sã consciência aceita o domínio feminino na
relação? Por exemplo: é a mulher quem define se a famí-
lia mudará de cidade ou não, ou é a mulher quem define e
comanda os negócios, as vendas e as posses da família — ou A migração de habitantes de diversas regiões do país para
seja, no conjunto familiar, a última palavra é da mulher. Tal a construção de Brasília, além da convergência natural por
qual Aristóteles define a cidade de Esparta (Lacedemônia): ser a capital do país, criou na cidade um caldeirão cultu-
quando a riqueza material é a principal virtude da cidade, ral que reuniu fragmentos de diversos estados e culminou
então, nesse lugar, os homens estão todos dominados pelas numa identidade própria.
mulheres. É possível ver essa mistura do patrimônio imaterial, por
exemplo, em uma visita à Feira da Torre de TV. Além de
diversos artigos à venda, a praça de alimentação reúne tra-
dições culinárias de diversas partes do país.
Da mesma forma que Brasília consegue reunir as melho-
res nuances da cultura nacional, ela também reúne as agru-
ras e os infortúnios dos nossos princípios multiculturais, os
diversos povos de diversas localidades do Brasil e do mundo.
Muitas vezes os indivíduos se suportam, em outras vezes
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não se toleram. O intercâmbio de ideias vale somente para dissidências. Isso seria a música dos empresários e dos filhos
a dominação ou a subdominação. Quando uma classe social dos capitalistas. Já a cultura da Baixa Sociedade não ostenta
não suporta a cultura de outra classe social, algumas vezes, tanto a riqueza, porém é vista como uma arte mais traba-
parte dessa classe parece divinizar ou adorar a cultura do lhada: rock, samba, reggae, MPB, rap, funk, hip hop e outras
outro, pensando em até fazer parte da cultura rival. Podemos dissidências. Isso seria a música da classe trabalhadora.
chamar esse fluxo de uma vida de aparências: você finge que A divisão, igualmente, está bem estabelecida através das
me respeita, e assim eu finjo que te respeito, mesmo com aparências (roupa, vestuário, moda), pois a classe dominante
todo o ódio multidirecionado. não se veste habitualmente como a classe trabalhadora.
Mas há uma definição clara diante de todo o multicul- E nisso há uma espécie de grupo que consome a cultura
turalismo, da dualidade cultural: parte cultua a riqueza e intermediária, ou seja, não possuem uma postura definida
a beleza, e a outra parte, a força e a humildade, que muitas e radical diante da cultura direitista ou da cultura esquer-
vezes são declarados como parte integrante do pensamento dista; muitas vezes podem ser vistos como alienados ou
sociopolítico dos trabalhadores. descompromissados.
Existem exemplos desse tal pensamento sociopolítico dos Apesar da notoriedade de como a cultura direitista é vista
trabalhadores no Brasil. O futebol é a preferência esportiva como alienada e alienante, o outro lado propõe que a cul-
majoritária na Baixa e Média Sociedade, ao passo que na Alta tura esquerdista também tem um aspecto alienado e alie-
Sociedade, por um excesso de vaidade e egoísmo, esportes nante, pois muitas vezes se consomem os subprodutos do
exóticos e inusitados são os preferidos. Na música popular, Ocidente. Tanto possui um caráter de dar luz à identidade
os trabalhadores e a maioria de seus filhos preferem a poe- de ser pobre, como também propaga a violência e o sexo.
sia e a música virtuosa, uma música popular que consegue Neste verdadeiro caldo cultural, a multidireção dos obje-
se desenvolver com vários ramos de estudo das Ciências tivos da música popular pode ser identificada na porção da
Humanas: Sociologia, História, Filosofia e outros campos estrutura moral, espiritual e política de cada jovem tornado
do saber. Nisso, os capitalistas nacionais fazem valer a cul- adulto. A elite econômica do Brasil quer ser consagrada
tura do amor visto de maneira exigente e enérgica diante da como a Direita do país, mas muitas vezes se esquece do prin-
beleza da mulher, sua feminilidade, e do poder e da riqueza cipal fundamento de uma Direita conservadora, ser e estar
dos homens, com seus machismos egocêntricos. divinizada com Deus para assim poder moralizar. Porém,
Agora, de que lado se pode encontrar o bem? Mesmo torna-se difícil de suas ideias serem aceitas através da beleza
que os dominantes o rejeitem, o povo ao qual pertencemos e da riqueza, porque os mais pobres não se identificam com
é a nossa lágrima interior, pois o espelho interno consegue essas estruturas societárias burguesas que acabam enfati-
revelar a nossa menor patente diante da sociedade atual. zando a vaidade e a soberba, e esses dois vícios são declara-
Muito da sociedade brasileira está dividida e misturada damente quase impossíveis de serem cultivados pelos mais
entre duas culturas. A cultura da Alta Sociedade, os ditos pobres. Sendo assim, o moralismo direitista absorve apenas
mais ricos; na música popular mais difundida pela mídia, a desgraça do pecado eterno, algo que dissolve o espírito e a
estão os gêneros do sertanejo, pagode, axé, forró e outras consideração da classe trabalhadora, que foram edificados
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no Brasil através de muita união. de todos contra todos. Hoje, qualquer um pode ser seu prin-
A Direita precisa confiar seu rumo político a quem deter- cipal inimigo, seja seu médico, seu advogado, seu professor,
mina a moralidade nacional. E tal moralidade é determi- seu padeiro, seu empregado, sua secretária, seu cônjuge e
nada pela fortaleza e a humildade diante de Deus. O que filhos.
é certo precisa sempre ser certo. É para isso que a Direita Existe somente uma única rivalidade do tipo econômica
precisa aceitar a virtude moral dos mais pobres como garan- no Brasil, e todos sabem o tipo dessa rivalidade: ricos contra
tia e manutenção do poder. Precisa saber que a fortaleza e pobres. Desde muito cedo, a escola doutrina a crença sem-
a humildade valem mais e sempre precisarão valer mais do pre viva, a existência de dois Brasis, o Brasil rico e o Brasil
que a beleza e a riqueza dos mais ricos. pobre. Então, por que tamanha desfragmentação das classes
Parece que ainda estamos vivendo sob o jugo dos mili- sociais? Uma classe alta com três camadas, uma classe média
tares dos anos sessenta. Embora a elite econômica tenha se também com três camadas e a classe da base também nive-
especializado na cultura de massa para impor o consumo lada entre três pisos. Penso que dessa maneira, subelevando
como ideário de sociedade, os trabalhadores esquerdistas uma identidade socioeconômica, a tendência é a desunião
não possuem mais líderes com feitos tão heroicos, pois todos terminante; assim como facilita para quem é rico, também
aqueles jovens tão aplaudidos da contracultura brasileira facilita para o pobre, ou seja, dos anos noventa para cá, o
hoje designam seus poderes contra si mesmos. Políticos, país engendrou um tipo de guerra de todos contra todos, a
músicos, artistas, arquitetos, engenheiros, advogados, juí- já famosa expressão conhecida nos anos oitenta: Cada um
zes, escritores, professores, médicos, empresários… que dos por si e Deus contra todos.
anos noventa até hoje somente são percebidos pela socie- Agora, entre os mais jovens a disputa socioeconômica é
dade como divulgadores da vaidade burguesa neocapitalista. primeiro revelada na cultura, a chamada cultura de massa
Em tempos tão duros como os atuais, grande parte de artis- contra a contracultura. A cultura de massa é prestigiada
tas, provocadores e intelectuais estão preocupados em loca- pelos mais ricos, enquanto a contracultura é glorificada
lizar-se nas estruturas, nas camadas e nas escadas das atuais pelos mais pobres como também pela classe trabalhadora. O
pirâmides societárias. Se antes dos anos noventa a divisão que aconteceu dos anos noventa para cá é que a classe bur-
da pirâmide social era em classe alta, classe média e classe guesa começou a investir na cultura de massa, instaurando
baixa, hoje cada uma dessas estruturas se multiplicou. A assim uma terceira camada ou terceiro nível na pirâmide
classe alta está dividida em três camadas, assim como estão social. É que a baixa sociedade, com baixo nível de escola-
divididas a classe média e a classe baixa. Portanto, ao meu ridade, também é dada a prestigiar a cultura massificada.
ver, parece quase inútil uma tentativa de união, havendo Logo, não é tão difícil encontrar um jovem da baixa socie-
até conflitos, inimizades e rivalidades entre indivíduos de dade frequentando, participando e consumindo a cultura da
uma única camada social. O político que tentar a busca do classe burguesa e da classe trabalhadora. O que pode aconte-
suspiro da união social poderá ser muito facilmente traído, cer a partir daí é também uma homogeneização da cultura,
pois atualmente somos uns rivais dos outros. Ao abrir a pirâ- podendo haver assim a completa desfragmentação do que
mide societária do mundo, parece estar declarada a guerra conhecemos como nichos sociais. Portanto, pouco importa
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o modus vivendi, pois cada um passa a garantir o próprio de uma cidade; é que muitos precisam se identificar como
livre-arbítrio para qualquer tipo de sorte para o poder eco- ricos para não serem vistos como baixa sociedade. É a eterna
nômico, social ou político. Daí talvez a tendência de o jogo situação dos dois Brasis. E por que não dividir esse Brasil
político partidário tentar especializar-se em algum tipo de entre pai e filho?
ideal político. Partidos que se especializam num segmento Ao meu ver, deveria haver uma espécie de abandono da
apenas: meio ambiente, causa operária, neocapitalismo, música popular (num sentido amplo, todas as músicas can-
honestidade pública, defesa do trabalhador rural, a causa da tadas), pois de tão costumeiramente presente no cotidiano
reforma agrária ou o fortalecimento das polícias militares. O do brasileiro desde os anos sessenta, hoje aparentemente tor-
que antes entendíamos como rico contra pobre, com a des- nou-se vulgar, muitas vezes devido à tamanha facilidade no
fragmentação dos níveis sociais, também houve uma espé- consumo de músicas e de mídias em diversos formatos. Às
cie de desfragmentação dos ideais políticos. Hoje, pode-se vezes, quase pouco funciona como mágica para algum tipo
encontrar a base social defendendo uma política direitista, de tendência aos ideais políticos. Talvez diminuindo a cul-
e o topo societário defendendo a política dos trabalhadores. tura da música, tão alegremente exaltada no país, encontra-
É o que parece explicitar-se diante do nosso livre-arbítrio ríamos outras formas de expressão mais embrutecidas, pois
político. nem todos conseguem viver de alegria e sonhos em todos
Se houvesse alguma tendência virtuosa nessa desfrag- os momentos da vida. Sem dizer que diminuindo a cultura
mentação cultural e política, poderia ser encontrada em da música, também diminuiríamos a alegria desmaiada,
milhares de pequenos grupos. Um exemplo do nosso livre- para haver sentido nos outros sentidos, para haver endure-
-arbítrio são as inúmeras combinações de cultos religiosos cimento de caráter, para haver um equilíbrio entre alegria e
com diferentes aspectos políticos e culturais. tristeza, pois a morte e a violência urbana em pouco tempo
Hoje, nas ondas radiofônicas podem ser encontrados esti- tornaram-se rotina. E talvez um pouco de dureza (como
los musicais como a música sertaneja, o pagode, o pop rock seriedade) esteja faltando no caráter da atual sociedade.
nacional e internacional, o gospel evangélico e alguns vestí-
gios de rap, funk, MPB e axé. Então, se fôssemos determinar
os níveis da atual sociedade, a música sertaneja representaria CULTURA DO MATO GROSSO
na sua maioria a classe alta e média alta, enquanto os vestí-
gios de rap, funk e MPB das ondas radiofônicas representa- A dança e a música de Cuiabá têm influências de ori-
riam a classe média baixa e a baixa sociedade. Já o pagode, gem africana, portuguesa, espanhola e indígena. São várias
o pop rock nacional e internacional e o gospel evangélico combinações que resultaram no rasqueado, siriri, cururu e
podem transitar um pouco em cada nível. Assim, a música outros ritmos. Os principais instrumentos que dão ritmo às
marginalizada passa por um processo de separação dentro músicas e danças são a viola de cocho, ganzá e mocho.
da sociedade, tal qual nos anos noventa. A formação do estado mato-grossense se deu no início
Às vezes a cultura brasileira precisa ser recheada de dife- da colonização e está ligada aos bandeirantes, na busca pelo
renças para haver uma comunicação entre os indivíduos ouro. E como em qualquer cidade de garimpo, em pouco
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tempo houve o estabelecimento de vários povos, etnias e puramente materiais, que podem ser chamadas de concu-
culturas, pois o ouro naquele tempo, o século 18, possuía a piscência e são condenadas pela maioria das religiões do
maior unidade de valor da Terra — e somente a ambição e a mundo. À primeira vista, beleza e riqueza são virtudes con-
ganância humana para reunir num só lugar tantas diferen- denadas pela maioria das religiões, porque somente pelas
ças. Atrás da riqueza do ouro pode ser encontrada qualquer aparências sociais é que se enxerga a sociedade dominante
tipo de rivalidade, seja de ordem social, política, econômica, sendo possuidora do amor e da riqueza. Mas o indivíduo
racial, cultural ou militar. É por isso que no Mato Grosso consegue ser mentiroso mesmo sendo possuidor do amor
encontramos descendentes de portugueses, africanos, espa- e da riqueza? Um exemplo: um lindo príncipe e uma linda
nhóis e indígenas, o que equivale a dizer que mesmo não princesa se conhecem e se casam. Depois de algum tempo,
delimitando um território para alguma guerra, numa cidade os dois começam a contar mentiras em excesso para outros
como essa, no século 18, vivia-se ainda a mesma disputa de indivíduos da mesma ordem social. Nisso, seus aliados se
cristãos e mouros da Idade Média. sentem traídos, contraditos e enganados. Já seus inimigos,
Desse modo, aqueles que se encontram abaixo da linha agora como possuidores da verdade, tornam-se fortes e con-
divisória entre sociedade e comunidade popular precisam fiantes. O príncipe e a princesa podem, assim, convidar para
subjugar a sociedade dominante. E para isso a cultura serve o reino a morte com seus vícios espirituais, como a mal-
como modo de transformação de um ideal em outro, ou dade, a injustiça, a covardia, a ignorância, a arrogância, a
seja, a cultura, dependendo de sua força de propagação, soberba, a mentira, a imprudência, a fraqueza… Conclui-se
pode transformar a religião de um povo numa outra reli- assim que aquele que é considerado possuidor do amor e da
gião, que está sagradamente envolvida com amor, família, riqueza não pode ser um mentiroso, pois ele tem tudo o que
paixão e ideal dos homens. Ao haver essa inversão, a socie- os outros sonham.
dade dominante pode perder sua boa moral, equivalente à Uma das músicas e danças típicas do Mato Grosso é o
bondade, à justiça, à coragem, à verdade e à humildade, pois Cururu. Do modo como é apresentado hoje é uma das mais
uma comunidade possuidora de bons valores pode vencer importantes expressões culturais do estado. Teve origem à
uma comunidade de valores opostos. época dos jesuítas, quando tal tipo de cultura era executada
Ao menos uma vez, erga as tuas mãos para o céu, e tente dentro das igrejas. Mais tarde, após a vinda de outras ordens
perceber qual a tua verdadeira necessidade diante de Deus. religiosas, caiu na marginalidade e ruralizou-se.
Uns responderão: Amor. Já outros poderão responder:
Dinheiro. A preferência pelo amor se deve à beleza humana?
Às qualidades físicas de um homem ou de uma mulher?
Ou se deve a Deus e seus ensinamentos? De outro lado, a
preferência pelo dinheiro se deve ao conforto da riqueza
material, às posses e às quantidades físicas do homem e da
mulher? Se assim for, então o que falta para a maioria é a
beleza humana e a riqueza material, e essas são duas virtudes
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os africanos tenham aos poucos se tornado escravos ainda
durante sua vida, de 1524 até 1589. Fez votos de pobreza,
obediência e castidade. Como foi contemporâneo de Dom
REFLEXÃO: Sebastião I de Portugal, deveria ter sido um dos mártires da
guerra entre cristãos e mouros na Península Ibérica.
Existem inúmeras possibilidades para a mulher O que existe muitas vezes na cultura é a vontade de um
lógica da antemanhã encontrar as frases da mes- determinado povo ou classe de alienar as tradições do
mice da consciência. As frases do paralelo à outro. Da cultura portuguesa ainda resta muito pouco se
mudança do ofensivo para o defensivo. A confidên-
cia não é mais perdoar uma mensagem de tititi de fosse colocado de lado a língua portuguesa. Portugal veio
rubra rosa abandonada. Aflição e agonia poderiam colonizar o Brasil e para isso trouxe suas tradições sociais,
ser o vermelho tratante do silêncio. Às vezes, preci- religiosas e culturais. Já os africanos vieram como escravos,
samos de alguma proximidade com a brisa da água e mesmo assim não chegaram em terra brasilis completa-
corrente, precisamos afinar o céu tardio da tradi- mente derrotados. Na religião, apesar de o catolicismo cris-
ção da vanguarda. Precisamos agradecer o agora e tão dos portugueses ser oficialmente a principal fé do Brasil,
o amanhã. O que antes era verso, agora é sombra esse predomínio participa muitas vezes apenas nas aparên-
da saudade.
cias, pois as religiões africanas ainda costumam representar
uma parte significativa da fé dos brasileiros.
Já na política, a tradição do Império caiu aproximada-
O Congo é uma dança que no Mato Grosso é um ato de mente em 400 anos. Em 1889 já não havia mais a monar-
devoção a São Benedito. No reinado do Congo os perso- quia no país. Então, para a conduta do governo não havia
nagens representados são: o Rei, o secretário de guerra e o mais qualquer tipo de pensamento, ideal ou espiritualidade
Príncipe. portuguesa. Assim, adota-se para o século 20 o sistema de
Em Vila Bela, primeira capital do Mato Grosso, a dança República Romana com as adaptações do republicanismo
do Congo representa a resistência dos negros que conti- francês, juntamente com seu ideal iluminista e progressista.
nuaram na região após a transferência da capital do estado Em todo o Brasil, vivem em 546 áreas aproximadamente
para Cuiabá, em 1835. Faz parte da festa de São Benedito, 330 mil cidadãos brasileiros indígenas, que falam 170 lín-
que ocorre sempre no mês de julho, em uma segunda-feira guas. Em 1500, ano do Descobrimento, estima-se que havia
quando comemoram o dia do santo negro. aqui em torno de três milhões de índios.
No Brasil, São Benedito é tradicionalmente venerado Se pensássemos no Brasil antes da data de seu
pelos negros, que relacionam o período da escravidão e a Descobrimento, poderíamos perceber uma proporção até
origem africana do santo com o próprio passado da irman- maior do que na Europa. Atualmente a União Europeia pos-
dade na escravidão. sui aproximadamente 24 línguas oficiais. Ora, os índios do
O fato de São Benedito ser de origem africana e também Brasil, com suas inúmeras culturas e mais de 170 línguas
ser chamado de O Mouro, leva à crença de que provavelmente diferentes, tiveram de ser padronizados como simplesmente
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índios. Se houvesse uma inversão na conquista, mesmo o antigo sistema do Reino Animal, Vegetal e Mineral, em
com a diferença entre alemães, espanhóis, italianos, ingle- tempos modernos ou antigos já foram consagrados para
ses, dinamarqueses, portugueses, franceses, suíços, suecos, a destruição do povo que não sabe lidar com a Natureza.
holandeses, belgas, poloneses e outros, poder-se-ia resu- Então devemos perceber que não estamos ocupando uma
mir ou condensar todas essas diferenças numa única deno- terra verdadeiramente nossa, pois ao ignorar o Deus Cristão,
minação, ou seja, os caucasianos. A arrogância dos euro- estamos ignorando o Inferno ou o Hades dos ameríndios.
peus para dominar essas terras foi tamanha, que ninguém Contudo, se aqui no Brasil, antes do Descobrimento,
até hoje consegue enxergar diferenças na cultura indígena. havia mais de 170 línguas diferentes, logo a raça amerín-
Para o caucasiano europeu, são todos iguais. A indiferença dia já estava em extinção naqueles tempos, pois 170 línguas
diante das técnicas e das artes dos índios sempre poderá diferentes são associadas a 170 povos diferentes, 170 nações
ser considerada um crime de lesa-humanidade, pois ape- diferentes, que se utilizavam da guerra entre eles para a con-
sar das técnicas medicinais desenvolvidas pelos europeus, quista. Com a chegada dos caucasianos em 1500, poderia
quem realmente conhece o gigantismo da flora brasileira ter havido uma desaceleração das contínuas guerras entre
são os povos da cultura indígena. A diversidade de espé- indígenas. E, assim, uniram-se contra a dominação cauca-
cies de plantas, flores, árvores, já é do conhecimento dos siana, e aqueles inúmeros conflitos entre povos passaram
índios há muito tempo. Muitos dos medicamentos tradi- a ser assumidos pelos próprios dominadores. Pois afirmo
cionais (comprimidos, por exemplo) possuem seus prin- que na América Latina a Direita e a Esquerda não são como
cípios ativos que foram conhecidos primeiro pelos índios, na América do Norte; temos uma Direita Burguesa e uma
que repassavam tal conhecimento através do boca-a-boca Esquerda Trabalhadora, e muitas vezes disputas de todos
(propaganda popular). Mas hoje, indústrias farmacêuticas contra todos que culminam na elevação de um possível
se utilizam do crédito da transformação dessas plantas em ditador.
comprimidos, às vezes negando até o cultivo dessas plan- Tão normalmente assistimos os desvalidos, os despos-
tas medicinais indígenas para os próprios índios, no intuito suídos, os desamparados, os descrentes e os humilhados...
de lucrar com a comercialização de um medicamento em se todos nós somos inimigos de todos, torna-se frequente
determinada região. o desamor. Pois se há desamor na terra, então a cobiça e
Desprezar a técnica da medicina indígena talvez possa ser a ganância são atitudes primeiras pensadas para o desen-
a nossa morte consagrada a nós mesmos, pois eles são ver- volvimento do mínimo de liberdade. Somos homens venais
dadeiramente os senhores dessa terra, sempre consagrada há inseridos numa sociedade venal, porém não derrotados defi-
milênios pelos seus ancestrais. Queira ou não, o caucasiano nitivamente devido à presença de um Estado Republicano
deve ao menos compreender que a terra e seus minérios forte e pungente. Pode-se até afirmar que o objetivo dos
estão dispostos e sempre consagrados para os ameríndios, neoliberais é derrotar o Estado Republicano; isso sem falar
pois ela, ao ser fecundada, gera o reino vegetal (plantas, flo- na completa dissociação e separação social entre os cauca-
res e árvores), fator importante para a manutenção da vida. sianos: nenhum parece tolerar nenhum, parecendo haver
Logo, os frutos, as plantas e toda fauna e flora, incluindo aparências de boa educação somente.
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Sem contar com o que conhecemos como cidade-es- manifestações musicais desenvolvidas pela população sul-
tado, estado federativo e federação, a sociedade caucasiana -mato-grossense. A música tradicional estadual é uma mis-
no Brasil estaria em completa ruína, passados mais de cem tura de várias contribuições das muitas migrações ocorridas
anos através do século 20. Sem ainda deixar de crer que a em seu território. Migrações de paraguaios, bolivianos, gaú-
segurança militar também tem algum vulto de aparências, chos, paranaenses, mineiros, paulistas e nordestinos.
pois dessas inúmeras cidades, municípios e vilas do interior Os principais instrumentos musicais sul-mato-grossenses
dos estados, podemos dizer que o poder público ou militar são o acordeão, flauta, ganzá, harpa, reco-reco, viola-de-co-
é quase inexistente, não pela desassistência, mas sim pela cho, violão e viola caipira.
quantidade quase incontável de aglomerações sociais nesses Na maioria das vezes, para haver música, é preciso haver
territórios. festa ou algum tipo de celebração. O homem costuma cele-
Já em meados do século 21, estamos presenciando o fim brar o nascimento, a alegria juvenil, o casamento e até a
de aproximadamente 170 línguas diferentes, ou seja, 170 morte. Agora, um território como o brasileiro, e até mesmo
pensamentos e costumes diferentes, 170 religiões diferentes, do século 18 ao atual, não está disposto a suportar as dife-
e com isso, vão se perder suas inúmeras técnicas que nunca renças tão estridentes entre as sociedades, entre os mercado-
foram expostas diante de qualquer caucasiano. É que, assim res, entre os pensamentos políticos e militares. A completa
como os europeus, todos os outros povos também possuem discordância entre os sujeitos e seus predicativos aponta
suas sociedades secretas. Se houvesse algum tipo de inves- para celebrar a vida enquanto o outro celebra a morte. O
tigação mais detalhada sobre as religiões e os cultos indíge- mais velho pode ser considerado vida, como também pode
nas poderíamos verificar algumas técnicas e algumas artes ser considerado morte; assim também o jovem, pode tanto
de uso para a boa vida: a moda de uso de medicamentos ser confundido como vida como também pode ser confun-
fitoterápicos no Brasil, inclusive, existe devido à fusão das dido como morte. Os mais jovens costumam não respeitar
três raças. A medicina no Brasil que deveria ser brasileira é tanto os mais velhos, assim como os mais velhos às vezes
na verdade tipicamente de cunho técnico europeu, despre- cegam os pensamentos de vida dos mais jovens.
zando completamente a medicina fitoterápica dos indíge- Dentre os vilões mais detestáveis desta terra estão o ladrão
nas. Por mais que o país seja composto pelas três raças, as e o assassino. É quase uma lei comum entre brasileiros ter
universidades brasileiras às vezes se esquecem das técnicas algum tipo de ódio contra o ladrão e o assassino. Pois o
indígenas diante dos estudos das Ciências Humanas, Exatas, ladrão é aquele que lhe rouba a riqueza, a tranquilidade, o
Biológicas, Agrárias e Artísticas. Parece que não temos nada sonho da boa vida, a saúde e até o futuro. Já o assassino é
a aprender com os índios. aquele que encerra tudo: a vida e o amor. A esperança está
sempre morta diante do assassino. E essa regra brasileira
possivelmente existe diante de uma lei comum e cristã: não
CULTURA DO MATO GROSSO DO SUL roubar e não matar.
Torna-se difícil, mas parece que os povos, diante de algum
A música típica do Mato Grosso do Sul é o conjunto de espelho da verdade, temem ser o que são, ou seja, ele odeia
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aquilo que ele é. Qualquer um que seja realmente pobre de normas da cultura e das festas eram a Igreja Católica e suas
espírito, odeia a si próprio plenamente. Normalmente, o bra- paróquias. Talvez um uso indevido e excessivo da indústria
sileiro odeia o ladrão e o assassino, e esse julgamento inte- da música, idealizando a liberdade juvenil para o consumo,
rior muitas vezes parece representar o que seja ser o cidadão despertou uma completa ruptura das tradições regionais
comum da bandeira verde-amarela, aquele tão celebrado do catolicismo cristão, o que às vezes determina mudança
“malandro é malandro, mané é mané”. Nessa frase estamos de comportamento de uma dada idade até outra. Quando
qualificando a esperteza como virtude, e o esperto como jovens, há os liberais determinando a vanguarda diante de
sendo melhor. Em poucas palavras, estamos buscando vida uma sociedade trabalhista e considerada humilde, que ao
e amor através da morte e estamos sempre buscando ser se depararem com suas ascendências também trabalhistas
guerreiros maliciosos, pois se a maioria precisa matar para e humildes, em pouco tempo tornam-se os atuais conser-
alcançar prazeres (e não existem prazeres maiores do que a vadores, independentemente da graduação acadêmica e do
vida e o amor), então matar é a palavra de ordem da cons- poder econômico.
ciência humana. Nesta frase: “malandro é malandro, mané Tais artistas, ao tornarem-se pais, tendo que se ver diante
é mané”, também estamos felicitando o famoso capitalismo do subjugo do povo, enfrentando a passagem breve entre
selvagem, aquele tipo de disputa econômica em que vale jovem para velho, ou entre liberal para conservador, muitas
tudo para ser mais rico do que o outro. vezes assumem uma postura no comportamento em que não
A identidade do estado do Mato Grosso do Sul afirma-se é aceito ser velho, como também não é aceito ser jovem. E
ao sabor da gastronomia, das produções musicais, artesa- assim, perambulam entre as estruturas sociais urbanas e as
nato indígena, artes plásticas, festas populares e danças. estruturas sociais rurais e interioranas, muitas vezes ideali-
É muito comum, em quase todos os estados brasileiros, zando o subjugo do pensamento de vanguarda dos filhos e
uma fusão de culturas entre raças e imigrantes. Muitas vezes dos jovens de seus inimigos políticos. Afinal, o idealismo do
essa cultura origina canções populares derivadas de instru- filho de um inimigo político seu pode ser a completa ruína
mentos musicais rústicos, quando se servem de instrumen- de seus antigos sonhos e ideais; é o que poderíamos chamar
tos oriundos dos descendentes de escravos e índios, como de guerra de aristocratas e de oligarcas.
é o caso da cultura sul-mato-grossense, que influenciada No Brasil, como a disputa ideológica entre Direita e
pelos afrodescendentes e índios, também é composta pelo Esquerda nunca está bem definida, é presumivelmente
artesanato, pelas artes plásticas, festas populares e danças. aceito que a amizade pode ser o mal comum da atual socie-
Se fosse feito um estudo sobre os artistas locais de cada dade. Ao se declarar “Cada um por si e Deus contra todos”,
município, vila ou vilarejo, seria possível perceber o predo- há uma espécie de vantagem pela enganação e pela traição
mínio de uma cultura idealizada no paganismo. Com a evo- entre amigos. O capitalismo repercute em cada um o ímpeto
lução da indústria da música, muito do regionalismo cristão pelo sadismo e pela submissão ao masoquismo (que é o
dos brasileiros se perdeu, às vezes devido à facilidade do caso daqueles que são chamados de puxa-saco). E engana-
acesso à música popular da segunda metade do século 20 -se aquele que pensar que entre os bem mais jovens não há
até os dias atuais. Pois antes, normalmente, quem ditava as a traição, como também entre os bem mais velhos não há a
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traição e o rancor através dos anos. Existe, no caráter humano dos mais jovens, pouco ou quase
Ao menos na cultura brasileira há, em cada conjunto de nenhum pudor diante de manifestações políticas e sociais, o
amigos, a vontade da traição e da guerra oculta dos egos. que serve como pressão sobre o poder público. Portanto, os
Entre os mais jovens existe a disputa para a morte da espiri- jovens nascidos na capital possuem um pensamento político
tualidade de cada um, ou seja, nenhum aceita a espirituali- mais fragmentado e inquebrantável do que os jovens nasci-
dade do outro. Já entre os mais velhos existe a disputa pela dos no interior do estado. Muitas vezes, os jovens nascidos
morte do corpo físico de cada um, ou seja, a vingança, o no interior são mais voláteis, deixando-se levar para onde
rancor e a intolerância fazem com que nenhum aceite a vida ele vai ganhar mais do que com outro tipo de identidade. As
longa e próspera do outro. É por isso que os latino-america- políticas no interior são mais bem aceitas, porque são feitas
nos professam e celebram em demasia a cultura do sexo e da mais próximas do indivíduo. E por ser bastante frequente
morte. É como se Baco enganasse Marte diante da guerra, e na era moderna o uso e o desejo pelo poder econômico, em
Vênus diante do amor, para celebrar o jugo da morte. pouco tempo ganhar mais, valer mais, passa a ser o ideal da
A música e a culinária se constituíram nos principais maioria, de qualquer modo e a qualquer custo.
componentes da genética do Mato Grosso do Sul, o que fez O que vem ocorrendo há bastante tempo no Brasil é o
de Campo Grande o centro de toda efervescência cultural. filho nascido no interior (oligarca) se mudar para a capital
É através de ritmos musicais como a polca, a guarânia e o junto com a família para aburguesar-se na idade juvenil, e
chamamé que o povo paraguaio influencia a música no inte- assim confrontar seu inimigo político com o juízo da maio-
rior brasileiro. Apesar de haver uma espécie de consagração ria dos cidadãos a seu favor. Pois ao aburguesar-se na capital,
do mapa territorial, também deveria haver alguma espécie ele é tido como de boa família rica na capital e no interior
de mapa cultural, para assim elucidar o pensamento e o ideal do estado.
sócio-político-econômico de cada região. Por exemplo, mui- As festas brasileiras, muitas vezes, são decisivas para fan-
tas vezes podem ser encontradas algumas semelhanças entre tasiar a condição agravante de ser brasileiro. Pensa-se ser
os sul-mato-grossenses e os paraguaios, semelhanças entre um país de amor livre, o qual é o oposto do que seja isso.
os rio-grandenses-do-sul e os uruguaios; semelhanças entre Pode-se até pensar na possibilidade real da existência do
o interior paulista, o interior mineiro e o interior goiano. Brasil Pagão do que o Brasil Cristão. Apesar do brasileiro ser
Tais semelhanças estão refletidas nas disputas políticas. Se extremamente sonhador, ele precisa ser, da mesma maneira,
houvesse uma maneira de alienar as capitais, poderíamos um realista.
encontrar um país multifacetado, e extremamente falso e Hoje, de qualquer maneira, parece não haver tanto
mentiroso; é que muitas vezes a condição de ter nascido purismo diante dos ritmos musicais, já que cada grupo
no anonimato acaba resguardando o indivíduo de muitas absorve a musicalidade regional e global ao seu modo. O
responsabilidades políticas. Pois a capital é uma espécie de que antes representava uma região, atualmente já não é mais
centro econômico do comércio na região, e os mais jovens, fator de representação. Se antes a música caipira mantinha
na maioria das vezes, são determinantes para a execução alguma distância com a música do sertão nordestino, hoje
de políticas públicas e do surgimento de leis temporais. a viola e a sanfona são partes integrantes de um mesmo
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ritmo. Assim também surgiu, em meados dos anos sessenta,
o samba das classes elitizadas, a chamada bossa-nova, às CULTURA DE GOIÁS
vezes, inconscientemente, separando o samba entre o samba
de rico e o samba de pobre, ou o samba de apartamento e o A localização geográfica de Goiás facilitou o intercâm-
samba de favela. bio de culturas com outras regiões, misturando costumes
Como aos poucos uns vão perdendo o respeito diante dos e tradições de gente como nortistas, nordestinos, mineiros,
outros, as rivalidades tornam-se ocultas no pensamento: se paulistas, e ainda aqueles costumes originários de índios e
o brasileiro caucasiano toca samba com um afro-brasileiro, afro-brasileiros, fazendo o estado representar outro verda-
pode-se notar que um tenta sobrepor-se ao outro musical- deiro caldeirão cultural.
mente, um pelas raízes do ritmo e o outro pela erudição Existem pelo estado inúmeras festas e cultos religiosos.
musical, que é o caso da disputa da bossa-nova com o samba Alguns chegam a misturar fé e folclore. Quase sempre são
popular tradicional. uma herança da colonização portuguesa e da fé católica.
Se alguém quiser saber da origem e da filosofia do samba, Assim, Goiás possui festas tradicionais, como as Cavalhadas
basta acreditar que a diversão de um homem é o inferno e a Procissão do Fogaréu.
do outro. Portanto, a música popular cantada de alguma Ao lado de danças, cantigas e rituais religiosos e profanos,
maneira obceca uma hipnose de ódio, mesmo cantando o há outros costumes goianos significativos, como o mutirão
amor, parecendo às vezes que todos querem cantar a des- das fiandeiras, durante o qual senhoras preparam o algo-
graça de todos através do amor e da paixão. A dificuldade ou dão para depois produzirem tecidos. Enquanto isso vão des-
a total alienação dos mais jovens é a completa ruptura com fiando cantigas, em coro, num interessante ritual.
as tradições mais sagradas. A libertinagem nas festas reflete Mesmo não representando o principal polo migracional
apenas a desgraça do livre-arbítrio. Pois nestas festas, como do país, Goiás, por estar localizado na região central, tem
no carnaval por exemplo, todos se digladiam diante das altu- uma tendência natural de perceber as culturas das regiões
ras espirituais de todos, tornando o mundo mais estúpido e ao redor. O povo goiano participa e até realiza as tradições
ignorante diante da compreensão e aceitação das diferenças: musicais do Norte, do Nordeste, do Sudeste e do Sul. Muitas
um se mostra mais rico do que o outro, um se mostra mais vezes, muito mais acessíveis à cultura enraizadamente bra-
forte do que o outro, um se mostra mais inteligente do que sileira do que a qualquer outra cultura, seja europeia ou
o outro, fazendo com que a palavra “perdão” não tenha mais norte-americana.
tradição nem respeito diante de todos. Um exemplo das disparidades entre as culturas no Brasil
Na magia da música, a guerra e o ódio nunca estive- pode ser referenciado no gosto do goiano pela música ser-
ram tão presentes nas letras e poesias dos jovens dos anos taneja. Mesmo sendo vista como uma música de péssimo
sessenta, até esses dias vindouros do terceiro milênio. Na gosto pelos intelectuais e estudiosos da cultura brasileira,
poesia dessa atual juventude é compartilhado entre todos ela possui um caráter às vezes angelical por representar um
o cenário de tristeza, descontentamento, alucinação, desa- pouco do romantismo das pessoas simples do interior. Isso
mor, rivalidade, desencanto, sadismo, desilusão, egoísmo, é mais facilmente perceptível a partir dos anos noventa, em
revanchismo, racismo e euforia.
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que diversas mídias começaram a divulgar o romantismo a tal idolatria da barulhenta guitarra elétrica, uma espécie de
da música sertaneja para os outros estados de maneira mas- conexão com o pensamento da juventude da contracultura.
siva. Adotou-se a instrumentalização da música pop mun- E de algum tempo para cá, está havendo um aumento
dial para perfumar o aspecto rústico do homem sertanejo do espaço para a cultura típica carioca (do chorinho e do
com uma espécie de caráter mais limpo, modesto, carinhoso, samba-canção).
amoroso, e até de bom moço, aquele tipo ideal para casar Diante desse segmento musical em Goiás, tanto o rock
com sua filha, como bem dizem os interioranos. Com letras internacional quanto a MPB são uma espécie de categoria
musicais que enaltecem o sentimento passional entre um inferior da cultura. No interior goiano, ou ainda o que resta
casal, a música sertaneja passou a ser vista como excessiva- de garimpo, sempre foi celebrado um pensamento famoso
mente romântica e piegas, em que cada casal relata algum entre os goianos: “O que é brega é chique, e o que é chique
tipo de drama vivido através do ciúme, do medo, do amor é brega”.
e da solidão. O cunho social empreendido na contracultura é demasia-
E nesse montante de estilos musicais sobrevive sempre a damente desprezado pela cultura sertaneja, pois já é muito
tão reverenciada MPB, com suas aplaudidas letras de con- dito e sabido sobre o aburguesamento das principais capi-
teúdo sobre o bem e o mal. Às vezes, simples, outras vezes, tais brasileiras diante dos militares nos anos sessenta: Uma
complexas; às vezes sinceras, outras vezes irônicas, e muitas juventude que se dizia promissora em defesa dos ideais de
vezes representando o amor como desamor. Sem dizer do Jango, em pouco tempo tornou-se vendida, ou seja, o brasi-
cunho social, representando as diferenças entre as classes leirismo acabou sendo vendido diante da cultura pop ame-
sociais, as diferenças raciais e religiosas. ricana e da cultura pop inglesa. E, assim, nem o fascismo
Na música, deixando à parte o sertanejo, muitos ritmos dos militares e nem o comunismo de Jango. Hoje, o bom
antes considerados características de eixos do Sudeste do mocismo do jovem brasileiro deixou de ser considerado
país têm demarcado cada vez mais seu esforço dentro do romantismo para ser considerado falsidade e desamor bur-
território goiano. Exemplo disso é a cena alternativa do guês. Não é que o brasileiro deixou de ser romântico, é que
rock, divulgada em peso por festivais de renome como o a traição evocada da ala esquerdista enciumada e cega de
Bananada e o Vaca Amarela, enquanto, por outro lado, rodas ódio, antes do estadicídio, ainda sublevou os rivais daquele
de samba e apresentações de chorinho também têm anga- tempo para escorraçar os sonhos da maioria.
riado novos adeptos, dentre outros tantos ritmos encontra- Em pouco tempo, as cidades e municípios do interior
dos na cultura goiana. do Brasil acabaram negando a cultura próxima aos pensa-
Além da cultura interiorana, ou de garimpo, em que a mentos das técnicas artísticas (poesia, política, sociologia,
música caipira culminou na chamada música sertaneja, música, literatura, filosofia, etc.), mais bem aceitas pelos
estilo popular de canções românticas amplamente divul- jovens da alta sociedade das capitais, como a música van-
gada em quase todas as mídias do país, no estado de Goiás guardista dos anos sessenta, a tal celebrada Música Popular
há também um cuidado com as várias vertentes do rock. De Brasileira.
tempos em tempos, torna-se sempre uma cultura promissora Além da literatura e das artes em geral, um dos traços
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mais fortes é a cultura popular, as manifestações legítimas muito naturalmente aceito. Enquanto isso, a mídia nacional
e espontâneas das populações. Elas compõem um vasto e burguesa escandaliza para todas as direções os conluios, as
diversificado universo de danças, festas, cultos, artesana- alianças, os apadrinhamentos das ditas mazelas da política
tos, cantigas, folguedos infantis e culinária, entre outros nacional, o que para alguns é considerado como disputa
aspectos. natural pelo poder econômico que tem como destino certo
A região do Brasil Central, principalmente em Goiás, a sustentação da própria mídia nacional burguesa.
abriga uma população dividida em Baixa Sociedade, os Por praticamente todos os 246 municípios do estado há
chamados ignorantes e vis, e a Alta Sociedade, conhecida- festas e cultos religiosos, alguns dos quais chegam a mistu-
mente vaidosa e arrogante. E o que parece haver no estado rar fé e folclore. Quase sempre são uma herança da colo-
de Goiás é o encontro das culturas dos antigos fazendeiros nização portuguesa e da fé católica. Assim, em cidades
paulistas com as culturas dos antigos coronéis do sertão nor- como Pirenópolis e Santa Cruz de Goiás têm-se as famosas
destino, uma rivalidade perceptível até dentro dos arranjos Cavalhadas, festas tradicionais que constituem uma ence-
instrumentais das músicas populares. Os nordestinos não nação da luta medieval entre mouros e cristãos. No lado
aprovam muito o uso da sanfona na música sertaneja, que religioso (com novenas e procissões), representam um culto
para eles sempre vai ser considerada como música caipira, ao Divino Espírito Santo. Nessa mesma direção, uma das
e muito menos aceitam a denominação já consagrada de mais conhecidas celebrações é a Procissão do Fogaréu, que
música sertaneja, já que em Goiás há o Cerrado. acontece na cidade de Goiás (antiga capital do Estado) por
No Brasil, o conceito político muitas vezes está enraizado ocasião da Semana Santa. O ritual sacro-pagão encena a per-
na contemplação da música popular. E além das rivalidades seguição a Jesus Cristo, com mascarados com tocha, pelas
musicais, na região há o inconformismo natural do brasi- ruas escuras da cidade.
leiro diante da política nacional. Há aqueles que dizem que A completa liberdade dos indivíduos diante da escolha
a escolha do lugar para habitar a capital federal sempre foi da sua religião aparente é capaz de iniciar uma rotação no
uma faca de dois gumes. Se no Rio de Janeiro há um elevado juízo da maioria diante do bem e do mal. Como não se exige
número de indivíduos e moradores aliados a uma juventude nenhuma fidelidade, brincar entre o bem e o mal pode ser
sempre inconformada, em Goiás, o prazo da morosidade e muito perigoso, por isso as ações cotidianas deveriam ser
da ociosidade do povo já venceu. Atualmente, combinados levadas mais a sério. O fator do riso fácil do brasileiro é uma
com os mesmos inconformismos políticos dos principais condição desumanizadora da própria alma.
centros populacionais, habitam na região muitas vezes a No entanto, existe entre os brasileiros uma religião em
ignorância, a estupidez, o orgulho, a covardia, a mentira e comum, que poderíamos denominar como cristianismo. No
a falsidade. Um exemplo disso é que na mídia televisiva já dia a dia ele é mais facilmente perceptível, desde que haja
foi transmitido, em vídeo, cinco a seis homens espancando uma situação limite. O perdão, em nosso tempo, parece ter
uma jovem, estuprando e ateando fogo nela até a morte, caído em desuso, mas sempre foi a palavra-chave para a con-
num comportamento que beira a bizarrice. Mas para a fraternização dos homens. Se há uma irmandade de homens
maioria tudo não passou de rotina e cotidiano, e tudo foi aqui, ela se deve muito mais à bondade de um homem para
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com o outro, do que à necessidade da humilhação do mais Goiás após quase um século do descobrimento do Brasil.
rico ou do melhor, ou da necessidade de julgamento diante As primeiras ocupações deveram-se a expedições de
da política. Sem dizer que a maioria dos nossos representan- aventureiros bandeirantes provenientes de São Paulo, des-
tes políticos determinam seus ideais na busca de equilibrar tacando-se Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera, que
as vantagens e as desvantagens dos homens diante de outros. seguia em busca de ouro, tendo encontrado as primeiras
Atualmente, a sociedade julga apenas por julgar. E se cada jazidas no final do século 17.
um se sente realmente brasileiro, perceberá que a carreira Conta a lenda que diante da negativa dos índios de infor-
política deveria surgir no íntimo para ajudar ao próximo. mar-lhe sobre o lugar de onde retiravam as peças de ouro
Mas não é o que acontece. Um exemplo: “se ele diz A, eu com que se adornavam, Bartolomeu Bueno da Silva despe-
vou dizer B. Mas se ele disser B, logo direi A” — ou seja, é a jou aguardente no prato e a queimou, dizendo aos índios
rivalidade apenas como objeto do envaidecimento político. que o mesmo faria com a água de todos os rios e nascentes
A humildade de aceitar o melhor pensamento para o bem da região, caso não lhe fossem mostradas as minas.
comum deveria ser a virtude mais necessária para os con- Apavorados, os índios o levaram imediatamente às jazi-
frontos de ideias da democracia. das, chamando-o Anhanguera, que significa Diabo Velho
Se a vida é mais vivida num país de Primeiro Mundo, não no idioma nativo.
há como ter certeza disso, mas aqui, não falta nada diante Em 1726 foi fundado pelo próprio Bartolomeu Bueno o
desses países. O que falta é um pouco de harmonia espiri- primeiro vilarejo da região, denominado Arraial da Barra.
tual, de aceitar que o outro é melhor, pois sendo assim, cor- Desde então, os povoados passaram a se multiplicar, e a
remos o risco de sempre privilegiar os medíocres, aqueles exploração do ouro atingiu seu auge na segunda metade do
indivíduos sem ideais e estritamente conformados diante do século 18.
sistema político já imposto. A colonização de Goiás deveu-se também à migração
Entende-se perfeitamente quando a luta política está arti- de pecuaristas que partiram de São Paulo no século 16 em
culada entre classe dominante e classe dominada, mas não busca de melhores terras para o gado.
há como entender que a maldade deve ser preferida diante Em 1744, a região onde se encontra o estado de Goiás,
da bondade; que a injustiça deve ser melhor do que a justiça; antes pertencente ao estado de São Paulo, foi separada e
que a covardia deve ser a escolha diante do corajoso; que a elevada à categoria de província.
ignorância é a luz diante da inteligência ou que a mentira é A partir de 1860, a lavoura e a pecuária tornaram-se as
a melhor solução contra a verdade. Aquele que consagra os atividades principais da região, ao mesmo tempo em que
vícios humanos possui uma responsabilidade maior diante a atividade de mineração do ouro entrou em decadência
da comunidade em que vive, pois ele escurece as trevas de devido ao esgotamento das minas.
onde todos buscam fugir. Se muitos pensam que a morte A navegação a vapor e a abertura das estradas, no final do
de Cristo foi humilhante, tentem perceber a morte de Judas século 19, possibilitaram o escoamento dos produtos culti-
Iscariotes. vados no estado, permitindo o desenvolvimento da região.
Os portugueses somente chegaram à região do estado de No século 20, a construção da nova capital, Goiânia, deu
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grande impulso à economia do estado, que deu sinais de do Sul com a América do Norte: colonização de exploração e
novo surto de desenvolvimento com a criação de Brasília, a a colonização de povoamento. Os colonizadores da América
nova capital do país, em 1960. do Sul vieram com o propósito de explorar as riquezas da
Em 1988, o norte do estado foi desmembrado, dando ori- terra, já os que colonizaram a América do Norte vieram com
gem ao estado do Tocantins. o propósito de fundar uma nação, ou um país; chegaram
Principalmente no Brasil, essas regiões mineradoras à na América enxergando, sonhando e buscando um futuro
procura do ouro se servem na maioria de homens aventu- melhor para todos.
reiros. Em lugares onde o ouro é o propósito e o destino, Por que aqui, abaixo da linha do Equador, o poder eco-
os homens são normalmente sádicos, pois a única verdade nômico é mais idolatrado do que em outros lugares? A
que conseguem enxergar do mundo é tão somente o poder desunião e a cobiça acabam regendo o sistema sócio-po-
econômico e suas vantagens. A grandeza de um indivíduo lítico-econômico, e qualquer um pode ser melhor do que
somente pode ser enxergada através da maior quantidade qualquer outro. E assim, na maioria das vezes, a mentira
de riqueza. E em lugares assim é mais fácil prosperarem a entre os homens torna-se frequente, aceitável, possuída até
vaidade, a arrogância, a soberba, o rancor, a avareza, a baju- como valor de integridade e de conduta, ou seja, o homem
lação e tantos outros defeitos da alma humana, do que ver- íntegro precisa da mentira, assim como o devasso e o vilão.
dadeiramente prosperar a tal riqueza material. A trapaça torna-se aceita como um tipo de regra comum a
Então, o que seria um lugar oposto a isso tudo? De tanta ser seguida por todos. É algo do tipo: se o seu pai humilha
preocupação dos cidadãos com as guerras externas, há um alguns homens, você tolera, mas quando seu pai é humi-
certo tipo de união que difere das nossas regiões de garimpo. lhado diante de um homem, você não pode tolerar de forma
Pois o objetivo em tais municípios mineradores é um pas- alguma. Dessa maneira, todos ficam testando seus poderes
sar a perna no outro, ou enganar o próximo, ou subjugar e vaidades, até chegar o momento em que somente alguns
os ideais do outro, onde a finalidade é um verdadeiro “cada verdadeiramente se sobrepõem diante dos outros. É cons-
um por si”. E assim se desenvolveu a ideia do pensamento tante a dominação de um, de alguns, de outros, de muitos,
nacional, um precisa levar vantagem em cima do outro. de nenhum, de todos, de vários e até mesmo a completa
Num lugar assim, não há como a riqueza prosperar, e muito nulidade diante dos poderes terrenos.
menos qualquer tipo de união comunitária; na maioria das
vezes, os homens se servem da falsidade, e quase nenhum
acredita no outro. POLÍTICA DE SÃO PAULO
A eterna vigilância norte-americana diante das guerras
mundiais desenvolveu uma união muito percebida pelo O estado de São Paulo, assim como uma república, é
resto do mundo, o chamado patriotismo norte-americano. governado por três poderes, o executivo representado pelo
E é devido a essa união chamada patriotismo norte-ameri- governador, o legislativo, representado pela Assembleia, e o
cano que a riqueza material realmente prospera. judiciário, representado pelo Tribunal. Além dos três pode-
Talvez seja aquela velha máxima de diferenciar a América res, o estado também permite a participação popular nas
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decisões do governo através de referendos e plebiscitos. sofisticada e de alto custo, sem os pães não há como satisfa-
As políticas consagradas em São Paulo, estado receptor zer a vontade de comer. Por isso, quanto menor a alçada da
da classe trabalhadora da América do Sul, e até do mundo, participação popular, mais individual torna-se a conquista,
possuem um vínculo com os extremismos das duas pontas ou seja, uma espécie de três mosqueteiros palhaços: Um
da política do século 20. E nas duas pontas dos extremismos, contra todos e todos contra um. E, assim, não existe qual-
a classe trabalhadora é verdadeiramente o sol que ilumina e quer tipo de vitória ou de representação real e política.
aquece todos os dias, pois seja no discurso comunista ou no Em São Paulo ocorreu a primeira greve geral do Brasil.
discurso fascista, a prioridade sempre foi a classe trabalha- Porém quem a comandou foram os imigrantes, porque
dora. E se uma verdade existe na política paulista do século o restante sempre foi tímido na mão do patrão. Quando
20 para cá é que não se governa São Paulo sem priorizar inventou o Jeca Tatu (aquele interiorano ignorante, sub-
os trabalhadores. Em São Paulo, os ideais trabalhistas são nutrido, enfermiço e que não entendia nada de política),
muito mais subjugadores do que em qualquer outro estado Monteiro Lobato estava certamente pensando nos paulistas
federativo do Brasil. Pode-se chegar ao ponto, se conside- que conheceu no interior (cuja rotina ele descreveu no seu
rássemos os bandidos e os vilões como abaixo da classe tra- livro Cidades Mortas).
balhadora, destes conquistarem direitos e garantias, ou seja, Os imigrantes que se instalaram em São Paulo no início
como os trabalhadores de São Paulo são imperativos, logo do século 20, principalmente os italianos, vieram já com
até o crime tem sua razão de existência. Numa sociedade, uma história consagrada na luta de classes que o marxismo
digamos protestante, há uma certa facilidade no surgimento difundiu na Europa. Naturalmente, os imigrantes iniciaram
de líderes, não somente na política, mas na religião, na eco- as greves em torno da união para consagrar a queda dos
nomia, nas artes, no crime, no comércio… aristocratas paulistas e fluminenses. Uma sociedade bur-
São Paulo, terra consagrada do poder econômico nacio- guesa enraizando-se entre os mais desfavorecidos, e com
nal, recebe milhares de migrantes do país e da América do uma capacidade e maturidade no confronto na luta de clas-
Sul e também possui o poder executivo mais pesado do país. ses. A pirâmide social dos burgueses estava definida naquele
E onde há uma superioridade, há também uma excessiva tempo como Alta Sociedade e Baixa Sociedade. Logo, para
dinâmica de crimes. se tornar classe média, era necessário ingerir um pouco
A sociedade burguesa no Brasil, ao negar sua situação do racismo estrutural diante dos seus pares, e a luta pela
para a participação popular devido a algum tipo de com- igualdade diante das elites econômicas do estado paulista,
portamento derivado da vaidade, esquece que a planificação causando assim um distúrbio dentro dos comportamentos
política sempre ocorre diante de uma democracia. Apostar naturais dentre os brasileiros até as primeiras décadas do
somente no poder econômico já é danoso, mas apostar em século 20. Os ricos daquele tempo eram pouquíssimas famí-
um poder econômico regimentado para o Estado, e nunca lias produtoras rurais, ou seja, os imigrantes, ao chegarem
para o cunho individual, é como pagar para o padeiro por em São Paulo, deveriam exercer influência política diante
dez pães para saciar a própria fome e levar um pote de patê dos descendentes de escravos para fortalecer os ideais de
de presunto. Apesar de o patê ser considerado uma iguaria dominância diante da política da época. Foi dessa maneira
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que, de alguma forma, os brasileiros aceitaram a liberdade em 1888 e que daria lugar, entre outros fatos, à chegada em
através da mentira, invertendo assim os reais valores que massa de imigrantes, principal solução para a mão de obra
ainda existiam. Em pouco tempo, a mentira, um dos pio- na lavoura.
res pecados capitais, foi se tornando acertadamente natu- A rivalidade entre Rio de Janeiro e São Paulo começa com
ral, tanto para o outro quanto para o eu. Um pecado eterno a chegada da Família Imperial no Brasil. Há um certo dis-
sendo instaurado em terra brasilis, como se a mentira não tanciamento entre Dom Pedro e os bandeirantes paulistas,
fosse um monstro que perfilasse o ódio diariamente em nos- e uma rivalidade que foi se assomando com o tempo. O
sas línguas e cabeças. imperador era bastante influente em Minas e no Nordeste,
Daí decorre desgraçadamente o hábito do livre-arbítrio enquanto os bandeirantes se impunham no Centro-Sul do
na impagável política nacional. Qualquer burguês, diante do país.
confronto e ataque de discurso político, sabe rivalizar com Com a afirmação da cultura do café em São Paulo no
qualquer tipo de ideal de seu inimigo político, o que é uma século 19, o Brasil engendrou sua Primeira Revolução
maneira simples e eficiente diante do enfraquecimento das Industrial, e logo a cultura do trabalho foi determinando
instituições públicas de acordo com o tempo passado e o os poderes sócio-político-econômicos dos paulistas diante
tempo vindouro. dos outros estados.
No início, São Paulo vivia da agricultura de subsistên- Ou seja, o poder social, político, econômico e militar
cia, da tentativa da implantação em escala da lavoura de que no caso do Rio de Janeiro foi recebido das graças do
cana-de-açúcar e com o sonho da descoberta de ouro e dos Imperador, foi conquistado na base do braço pelos paulistas.
metais preciosos. Começaram as viagens ao interior do país, Pode-se perceber entre os fluminenses uma certa divulgação
as chamadas bandeiras, expedições organizadas para apri- da cultura do bon-vivant e do ócio. Já em São Paulo, a fre-
sionar índios nos sertões distantes. quente luta de classes e de direitos trabalhistas direcionam o
Ao longo de todo o século 18, São Paulo ainda era o quar- pensamento nacional para o trabalho duro e para um cons-
tel-general de onde não cessavam de partir as bandeiras e tante movimento de reivindicação de direitos.
permanecia a pobreza em razão da carência de uma ativi- Nota-se a diferença na divulgação do típico fluminense
dade econômica lucrativa. A virada na economia aconteceu e do típico paulista das classes populares. O fluminense é
na passagem do século 18 para o século 19, quando as plan- aquele que leva vantagem em tudo, é esperto, o chamado
tações de café substituíram as de cana-de-açúcar para ocu- malandro de boa vida. Já o paulista das classes populares é
par o primeiro plano na economia nacional, especialmente sempre aquele que faz o chamado corre-corre, precisa con-
depois que D. Pedro declarou a independência do Brasil, em seguir trabalho de um jeito ou de outro, e sempre está tra-
7 de setembro de 1822. balhando. E há quem diga que o sonho do paulista é ser um
São Paulo se destacou no cenário nacional. A expansão bon-vivant tal qual é o fluminense.
da cultura do café exigiu a multiplicação das estradas de Pode-se também notar essa tal diferença entre os afro-
ferro. Foi um período de grandes manifestações, marcado -brasileiros, dentre os quais, os de cultura fluminense são
pela crise do sistema escravocrata, que levaria à Abolição mais dados ao luxo e à preferência em viver ao lado da
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burguesia caucasiana. Há mais uma fluência para uma arte Impõe-se defender a democracia e, sobretudo, as eleições,
mais romantizada, uma arte caracterizada pela conquista para impedir quaisquer formas de perseguição política ou
amorosa, muito priorizada nas canções populares. Já em São cerceamento da liberdade de opinião. Afirma-se também
Paulo, a arte dos afro-brasileiros está direcionada para os ser inaceitável qualquer mudança no regime político e no
distúrbios sociais, as lutas de classe e os conflitos urbanos. sistema de governo que não passe pelo crivo das urnas.
O advento da República no Brasil foi acompanhado de Apesar da liberdade de expressão e opinião ser a princi-
um período de grande instabilidade. Esse vazio institucional pal característica política desses tempos, o homem sempre
dos anos iniciais, denominados na época como a “década do precisará aceitar alguns limites da sociedade. Afinal, o pen-
caos”, só foi superado pelo governo de Campos Sales (1898- samento político no Brasil tornou-se bastante difuso dos
1902), quando a República Oligárquica se consolidou com a anos sessenta para cá; é que o eleitor parece não possuir
chamada Política dos Governadores, com um arranjo insti- muito compromisso com qualquer tipo de verdade. Quando
tucional e uma nova ordem que mantiveram um equilíbrio há algum tipo de juízo, o homem escolhe o caráter político
entre os estados, promovido pelo governo central. atual; por exemplo, se a Esquerda beneficia, então prefere-
A República dos Marechais foi a única sorte ou posição -se a Esquerda, e quando é o caso da Direita há a mesma
política para a salvação da união dos estados brasileiros inte- preferência pela vantagem. Não é o caso de virar as costas
grados na época do Império. Como ainda se desenvolviam para quem lhe dá a mão, mas o Brasil, como referência das
como um enorme burgo, as capitais foram sendo facilmente políticas do século 20, acaba se apunhalando. O jogo político
dominadas politicamente por grandes proprietários de terra. em outros países, como a França e outros da Europa e da
Era como uma espécie de Eldorado aliançar os poderes das América do Sul, parece ser jogado numa mesma sintonia. E
capitais, como o exemplo de São Paulo. Cada família tinha às vezes percebe-se uma política direitista em outro país, que
como desejo único unir os elos para representar, ou até sim- na verdade pode estar atuando em direção contrária. Assim,
bolizar a construção alicerçada de um Estado da República muitas vezes, pode parecer que estamos brincando de cobra
Nacional. E, assim, várias famílias foram chegando para cega. A mídia televisiva na maioria das vezes possui o cará-
construir suas vidas na capital paulista. ter de iludir nossos comportamentos. Uma única notícia na
Atualmente, há uma urgência de um novo projeto para Alemanha pode não representar o comportamento geral dos
a nação: por um país democrático, soberano, economica- alemães, e assim ficamos iludidos sobre o que seja o mundo
mente ativo e socialmente inclusivo. Reunidos na Fundação na atual Alemanha.
Escola de Sociologia e Política de São Paulo, cidadãos das Por causa do nosso pensamento político difuso, na maio-
mais diversas visões políticas, representantes de instituições ria das vezes não aceitamos a própria inabalável democracia.
da sociedade civil e de entidades sindicais e empresariais, Se nos anos oitenta toda a sociedade da época mobilizou-se
unificados pela preocupação em relação aos destinos do país para a tão sonhada redemocratização, em algumas décadas
em momento tão grave de sua história, externam seus pon- o ideal democrático foi sendo posto de lado, tanto pela Alta
tos de vista sobre alguns dos temas mais urgentes da atual Sociedade como pela Baixa Sociedade. Às vezes parece estar
conjuntura. estampado nos ideais políticos difusos a predominância
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pela anarquia, mesmo que haja qualquer vontade política para cada indivíduo.
para alguma ordem no sistema republicano de três poderes. A arrogância e a ignorância caminham de mãos dadas,
Parece não haver concordância nenhuma em ser direitista como o ciúme e a inveja. A arrogância e a ignorância estão
como também em ser esquerdista. Daí, portanto, sempre para a união popular, assim como o ciúme e a inveja estão
salta no imaginário popular a ideia do “Salvador da Pátria”, para o interior do indivíduo. E da união do ciúme e da inveja
sempre representado na figura do tradicional político das surge a morte, pois o juízo de cada um, somando-se na tota-
massas, o populismo das ordens da esperança de cada indi- lidade, nunca aceita que a verdade seja verdade. E no dia em
víduo. Normalmente, a política brasileira do toma lá dá cá que a verdade se estabelecer como verdade, é comum usar
está fundamentada para uma população dividida entre cada da estupidez para a verdade deixar de ser verdade.
indivíduo, que estabelece como norma sócio-político-econô- É difícil a sociedade civil aceitar, mas se pensarmos numa
mica com qual governante ou partido o próprio juízo ganha maneira para se estabelecer a paz e a ordem para algum dia
mais. Ou seja, o brasileiro estabelece como conduta avaliar surgir a confiança no outro e em si mesmo, esta confluência
onde ele ganha mais socialmente, politicamente ou econo- está enraizada nos mandamentos políticos militares, pois
micamente. Não existe um ideal conjunto fundamentado e os dizeres de ordem e progresso na bandeira nacional sur-
estruturado em nenhuma camada social. Tanto os chama- giram com os ideais da República dos Marechais e tenta-
dos ricos como o restante da sociedade pensam da mesma ram continuar vivos no Tenentismo, no Estado Novo e na
maneira quando o assunto é a tal política: onde eu ganho Contrarrevolução. É que os pensamentos difusos servem na
mais? E para isso, muitas vezes passa-se por cima da ver- maioria das vezes para harmonizar a anarquia que somente
dade, da justiça, da honestidade, da lealdade, da fidelidade. deflora as altas, médias e baixas sociedades do poder eco-
Sendo assim, o país sempre se torna presa fácil de qual- nômico. O mal estabelecido, não para o povo unido, e sim
quer ordem militar, pois a discordância civil em todos os para os indivíduos, tanto da classe dominante quanto para
assuntos domésticos transforma qualquer equilíbrio no a classe trabalhadora.
fio da esperança em vertigem do passado. Como exemplo, Mesmo que haja o mal estabelecido tanto para a classe
podemos usar uma ideia tola para exemplificar o pensa- dominante quanto para a classe trabalhadora, nunca se con-
mento político brasileiro. Tomemos como signo a letra F, e segue ter algum tipo de paz, ordem e harmonia entre essas
façamos uma pesquisa popular sobre a perfeição da forma, duas forças da sociedade brasileira atual. A maneira como
como a letra é redigida ou impressa. Certamente, encontra- a classe dominante trata os trabalhadores apenas robustece
remos um enorme contingente de pessoas para julgar que o ódio entre os indivíduos. E, muitas vezes, a alta socie-
o desenho do F é imperfeito; e para piorar a tão sonhada dade pouco tem a percepção do que seus filhos estão parti-
reconstrução nacional, surgem de imediato, no imaginário cipando, e alguns até integrados, com a classe trabalhadora.
de cada indivíduo, milhares de formas para o desenho da O ódio é disparado para os dois lados. Mas a classe domi-
letra F. O que quero dizer aqui é que nunca e nada será per- nante deveria ao menos entender que é ela quem deveria
feito para os nossos olhos, e para mudar o que é perfeito, dar o exemplo, pois quando seu filho, que transita na alta e
surgem milhares de ideias e destinos sobre o que é perfeito na baixa sociedade, e muitas vezes é percebido pela classe
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trabalhadora como uma espécie de exemplo a ser seguido, chamado antropocentrismo subjugando o passado distante
participa do poder sócio-político-econômico, seja no muni- do teocentrismo.
cípio, no Estado ou na Federação, podendo usar de malícia A empresa nacional, a reindustrialização do Brasil e o
e de má-fé, através de roubos, assaltos, traições, humilha- investimento em ciência e tecnologia devem ser defendi-
ções e até assassinatos, ele pode trapacear seus iguais, carac- dos por qualquer governo comprometido com o desenvol-
terizando assim a traição, tão dura e fria para a inocência vimento sustentável.
dos mais pobres, que na maioria das vezes se espelham no Qualquer empresa estabelecida pelo estado ou pela fede-
comportamento dos filhos da classe rica, porque julgam que ração, deve revelar também seus interesses científicos, tanto
esses são verdadeiramente vencedores. Algo que a mentira, nas Ciências Humanas, Ciências Exatas, Ciências Biológicas,
e sua metralhadora de propaganda burguesa, nunca deixará Ciências Agrárias, como também em Ciências Artísticas.
de ostentá-los como tal. Pois tanto no Primeiro Setor (agropecuária e extrativismo
Sabe-se muito pouco se a liberdade de opinião faz parte vegetal e mineral), quanto no Segundo Setor (indústrias)
da construção do pensamento político nacional, ou se é a e no Terceiro Setor (comércio e serviços), uma empresa
própria ruína da sociedade civil. Pois liberdade sempre foi absorve ou compartilha conhecimentos que estão distri-
a alma central das sociedades modernas, e para tal deusa buídos em todas as áreas de estudos científicos. Tome-se
ainda permanecer livre entre seus súditos, precisa-se que como exemplo uma empresa de bebidas. Ela pode transitar
todos lutem em uníssono pela eterna providência. Agora, em administração, ciências contábeis, ciências econômicas,
se possui-se a liberdade como ideal político, mas mesmo ciências sociais, biblioteconomia, arquivologia (documen-
assim o juízo permanece provocando a sanha pelo sadismo tar processos jurídicos), arquitetura (desenvolver, pensar na
e pela escravidão sobre o outro, ou sobre aquilo que a luz estrutura física diante do trabalhador e do meio ambiente),
da própria ignorância nunca iluminou, então luta-se pelo artes plásticas (o conhecimento teórico e técnico no uso
fim da liberdade. Se todos possuem todos como inimigos, de cores, formas e desenhos, vistos tanto pelo funcionário
então os indivíduos estão completamente cerceados diante quanto pelo consumidor, bem como a significação do que é
da eterna disputa entre o bem e o mal, pois como todos perceptível visualmente), astronomia (a influência da pro-
provarão em juízo político que todos são livres de pecado, dução de tal empresa na imaginação popular do homem
sendo assim, são inteiramente virtuosos. Como o pronome diante do universo astronômico), ciências biológicas (o tra-
pessoal (nós) provará que nós somos verdade? Deveria ser tamento da empresa diante do meio ambiente e o desenvol-
uma afirmação de todos, mas sempre há um contingente vimento sustentável), direito (os advogados da empresa e
considerável de insatisfeitos, e em pouco tempo encontra- dos funcionários), enfermagem (tratamento de recupera-
mos aqueles que dizem: nós somos mentira. Então, quem ção do trabalhador), as engenharias (a função de cada uma
está com a verdade? São aqueles que afirmam “nós somos para o desenvolvimento humano e empresarial), esporte (o
verdade”? Ou aqueles que afirmam “nós somos mentira”? que existe de mecânico, quase robotizado, e o que existe de
É que a humanidade sempre se gabou desde a Revolução agradável nos movimentos físicos dos funcionários), esta-
Francesa de que o homem está no centro do universo, o tística (análise de dados de situações irregulares, gasto de
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energia, gasto de água, horas trabalhadas, tempo de des- fica impossibilitada de competir na base do melhor custo-be-
canso, tempo de lazer, quantidade de cada matéria-prima, nefício e em pouco tempo não consegue garantir o mesmo
etc.), farmácia bioquímica (produtos biotecnológicos usados número de empregos que garantia antes. Se ainda não hou-
no uso do funcionário e do consumidor) e filosofia (a polí- ver qualquer tipo de necessidade de proteger o ganho e a
tica da empresa diante de questões de difícil acordo para a capacidade de compra do salário do trabalhador, em pouco
sociedade, religião, poder econômico, racismo, populismo, tempo o nível de desemprego no território nacional pode
cultura, violência urbana e social). aumentar ainda mais, acarretando indiferença diante da
Precisa haver maior equilíbrio entre os tipos de desenvol- baixa produção, fazendo surgir também uma espécie de
vimentismo existentes em cada região, estado e município; desprezo para o trabalho técnico, formal e especializado.
pois o produto ofertado em uma região pode ser diferente A educação, na maioria das vezes, é vista como um sonho
em outra região, e mesmo assim fazer parte do que está para quem não precisa, e algo desnecessário para quem mais
sendo ofertado como produto de exportação, causando dis- precisa, ao nascer na terra aquilo que todas as religiões con-
torções de juízos diante do produto nacional. Por exemplo, denam: a concupiscência, ou seja, a devoção pela riqueza
um produto pode ser de qualidade excelente numa região, material, um tipo de ideologia espiritual muito praticada
mas pode ser péssimo em outra região, podendo ocorrer na Esparta da Grécia Antiga. Logo, surge uma espécie de
uma inversão do produto B, ou seja, é o desenvolvimentismo desgraça nos meios de produção nacional: uma grandeza
do século 20 com o preciosismo do desenvolvimento sus- inversamente proporcional (quanto mais há a necessidade
tentável do século 21. Isso sem dizer da produção artesanal de dinheiro, mais há o aumento do desemprego). Sem tra-
ou da antiga manufatura do século 19. balhar, não há como possibilitar um ganho real na qualidade
A política econômica vigente, de interesse exclusivo do de vida, surgindo sempre a necessidade de priorizar a renda
mercado financeiro, é responsável pela escalada do desem- familiar. Caso contrário, a moeda corrente passa a escas-
prego. Leva angústia e desespero a milhões de pessoas, e sear entre os indivíduos, aumentando os índices de violência
coloca em risco a estabilidade social. Neste quadro, é insen- (roubos, assaltos, estupros), aumentando a necessidade do
sato propor reformas que têm como objetivo suprimir direi- trabalho ou emprego precarizado, aumentando o desprezo
tos sociais e trabalhistas conquistados há décadas. Elas pelo conhecimento, pelo estudo e pelo saber. Pois, muitas
não reformam a casa dos brasileiros, mas derrubam seus vezes, dá-se maior relevância ao envaidecimento através da
alicerces. riqueza e da beleza do que pela qualidade espiritual do tra-
A partir dos anos noventa, com a completa abertura da balho, da religião, do conhecimento com sabedoria. Fica-se
economia brasileira, o mercado internacional, tanto da assim entregue à ditadura espartana para os mais jovens: a
indústria como do comércio, começou a intensificar suas riqueza e a beleza tornam-se obrigação pessoal.
rotas de produção e vendas no Brasil. Nisso, com a bruta- O que se assiste hoje, em meados do terceiro decênio do
lidade econômica do mercado interno, surgem produtos e século 21, no Brasil, é uma espécie de contínua mudança do
serviços de outros países com preços menores e de qualidade sistema produtivo. O Segundo Setor da Economia, a deno-
muitas vezes superior. Dessa maneira, a indústria nacional minada indústria de infraestrutura, produz exageradamente
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sem haver qualquer necessidade pré-estabelecida. É o caso executivo que passava para o chefe estatal do poder execu-
da intensa construção de edifícios, condomínios, prédios tivo, hoje essa queixa multiplicou-se e está multidirecionada
comerciais, industriais e residenciais, sem haver qualquer para seus pares e para seus chefes, tornando a política nacio-
tipo de necessidade anterior. nal um verdadeiro palco de disputas de todos contra todos.
A terceirização pode representar a eliminação de direi- Para haver algum tipo de entendimento sobre isso basta
tos trabalhistas para a parcela mais vulnerável da popula- dizer que o mundo está sendo sempre dividido entre o bem
ção brasileira, e o rebaixamento dos padrões de civilização e o mal, tanto diante dos aspectos espirituais e religiosos
e justiça do nosso pacto social. como diante de aspectos socioeconômicos. É por isso que
Na transição entre um Brasil Estatal para um Brasil se deve sempre tentar ajustar as forças políticas para a indi-
Capital, a terceirização parece, ao primeiro instante, fra- visível formação da Esquerda e da Direita, para ao menos
gilizar a moralidade social dos trabalhadores. Ao perceber entender o benefício e o malefício da Esquerda, e também
o Brasil dos anos setenta e oitenta, ainda havia a proteção o benefício e o malefício da Direita, e assim poder pesar na
paternal dos estadistas, que na contemplação das grandes justa balança com quem está a verdade do país. Como é do
empresas estatais, conseguia impor e defender ideais e direi- conhecimento de todos, a Direita é julgadora e a Esquerda
tos trabalhistas. Afinal, como um administrador público, é subjugadora, e há sempre dos dois lados alguns vícios per-
para um governador é mais fácil cuidar de uma grande manentes. Por exemplo: a Direita econômica, na maioria
empresa do que cuidar de mais de mil delas que unidas for- das vezes, torna-se mentirosa, vaidosa e falsa. E a Esquerda
mam essa tal grande empresa. Nos anos setenta e oitenta, trabalhadora, por muitas vezes, torna-se revanchista.
um decreto-lei resolveria um problema trabalhista numa A intensificação da transferência de emprego para o exte-
região onde há somente uma grande empresa. Mas atual- rior parece já tão comum aos nossos olhos, que grande parte
mente, como as tais grandes empresas se subdividiram em da população conhece alguém que tornou-se imigrante
centenas ou até milhares de pequenas e médias empresas nessa primeira internacionalização do país a partir dos anos
através das chamadas terceirizações, muitas questões tra- noventa.
balhistas tornam-se impossíveis de serem sanadas ou resol- Antes de narrar fatos que já são do conhecimento de
vidas, devido à enorme quantidade de indivíduos envolvi- todos, um exemplo a se considerar é a subvalorização do
dos em processos jurídicos. Um exemplo: antes, apenas um profissional de formação acadêmica. Muitas vezes, pode ser
advogado conseguiria resolver questões jurídicas de uma essa tal subvalorização do trabalho intelectual que exerce
grande empresa. Hoje, com a desfragmentação da tal grande uma espécie de pressão sobre a atual altura do salário do
empresa, subdividida em números incontáveis de pessoas trabalhador mecanicista (ou trabalhador de base) — é que
jurídicas, o número de advogados às vezes pode tornar-se a sociedade contemporânea tem um conceito já preesta-
um para cada trabalhador. belecido que o trabalho intelectual tem altura e valor mais
Logo, as disputas políticas entre empresários, profissionais relevantes para o conjunto. Muitas vezes, torna-se inaceitá-
e trabalhadores tornam-se multidirecionais. Se antes uma vel que um engenheiro de formação acadêmica tenha um
queixa da classe trabalhadora era levada para um diretor salário menor do que um empregado de base, e isso está
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ocorrendo com mais frequência nos últimos anos. A escas- hipercapitalismo, cada indivíduo somente consegue se per-
sez de empregabilidade entre os profissionais superiores ceber como o simples socialista natural, por estar inserido
parece elevar a disputa pela concorrência diante de cargos na multidão do caos.
de níveis salariais mais altos. Essa disputa acaba favorecendo Está claro o propósito da atual política econômica, de
a diminuição da renda salarial do profissional de formação estabelecer para o Brasil nas próximas décadas o rumo da
superior. Se antes encontrava-se um bom engenheiro diante subserviência ao estrangeiro, da exclusão social, do desprezo
de um salário de mil e quinhentos reais, hoje pode-se encon- à cidadania e à democracia, em contraposição ao Brasil que
trar um ótimo engenheiro diante de um salário de mil reais. almejamos, democrático, soberano, economicamente desen-
Logo, ao perceber a diferença entre o valor do trabalhador volvido e socialmente inclusivo.
intelectual e o valor do trabalhador braçal, a comunidade A subserviência do país diante do capital estrangeiro sem-
produtiva parece derrotar a própria capacidade de autova- pre foi um fato inevitável. Se antes, em meados da década de
lorização e de autorrealização. 1980, o Brasil e a Federação estavam comprometidos com
Com a internacionalização do mercado nacional tor- os aspectos sociais de um Estado burocrata, aquele tipo de
nou-se frequente, a partir dos anos noventa, o desejo dos Estado em que a maioria tem participação nos documentos,
mais jovens de viver e trabalhar em países da Europa e da por mais que os dias e as noites passassem lentamente, havia
América do Norte. Mesmo através da tradição pela ordem a segurança e a proteção de algum velhinho da máquina
econômica do mundo, muitos desses países também estão governista. Não havia aquele que não trabalhasse para o
enfrentando crises em todo o sistema político e econômico. governo municipal, estadual ou federal. A segurança para
Os Estados Unidos, por exemplo, já não conseguem supor- o mês vindouro estava garantida. Era uma forma de iniciar
tar a quantidade exagerada de imigrantes em seu territó- o equilíbrio econômico para todos. Hoje, seria um Estado
rio. E muitas vezes, imigrantes insatisfeitos diante da Nova pungente, mas com um povo também pungente. Mas foi
Ordem Econômica, que em atos de desespero capacitam com a tal abertura econômica diante do mercado estran-
outros insatisfeitos para algum tipo de união no intuito de geiro que houve os primeiros desequilíbrios mais agravantes
criar laços de força política pública para tentar derrubar o para a sociedade brasileira. Se antes o Brasil era semi-analfa-
establishment consagrado do Ocidente: república, demo- betizado, hoje tornou-se semi-analfabetizado mas tem como
cracia, política totalitária, imperialismo, patriotismo, capi- posse um veículo automotor, o que para qualquer leigo, tor-
talismo e cristianismo. nou-se um lugar pior, pois a vaidade de mãos dadas com a
Dessa maneira, os jovens imigrantes acabam pressiona- ignorância torna a aspiração do mentiroso em ser hipócrita.
dos pela sociedade local através da onda de xenofobia da Nisso, não há como reclamar de um ou de outro, pois
política direitista de muitos países extremistas da Europa — hoje o território está de portas abertas para o mundo, ou
e as palavras de ordem no mundo parecem estar especiali- seja, não importa se a religião do mercado traia a nossa con-
zadas em religião, racismo e política xenofóbica de extrema fiança de ser quem somos. Contudo, a tal rebeldia diante da
direita. Por mais que as grandes mídias continuem mergu- humildade de ser brasileiro tornou a família na maior das
lhadas na imensidão do comércio internacional desse novo vanglórias desses tempos hipermodernos.
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Produtos de vários países adentram apenas para aglome- do Brasil, o Rio de Janeiro nunca deixa de ser a preferência
rar as diferenças sociais nas grandes cidades. Pouco impor- da maioria dos estrangeiros. É na capital fluminense onde
tam a amizade e a afeição para seus iguais, valendo mais a o poder social tem uma relevância que se presume até o
sensação de uma semi-escravidão diante das alianças com o confronto de igual pra igual com o poder econômico e polí-
poder econômico; prostrar-se diante do inimigo parece ser tico dos paulistas. Se houvesse uma espécie de paraíso do
bem mais proveitoso do que diante de um possível amigo. país, tornar-se-ia clara a preferência pelo litoral carioca, que
Se antes a Terra era o inferno, atualmente o inferno parece parece ser o recanto de quase todos os brasileiros. É onde o
ter sido transformado em Céu e Paraíso. Um ótimo país funcionamento da sociedade neoburguesa deveria ser imi-
para se fazer bons negócios. Hoje, o bom malandro tornou- tado pelo resto do mundo. Sem dizer sobre o compromisso
-se o velho malandro trapaceiro. Cada um carrega consigo do estado fluminense com a burguesia mundial desde os
a marca da traição, tanto para ser traidor quanto para ser tempos das Grandes Revoluções do século 18. Se São Paulo
traído, tudo em nome do capital. é a coluna maior do poder econômico no Brasil, o Rio de
E muitas vezes, devido ao escancaramento da compra e Janeiro é declaradamente a coluna maior do poder social.
venda de mercadorias, as alianças da criminalidade estão Muitas vezes, aquela espécie de proximidade íntima entre
espalhadas em todas as direções. Qualquer ato de hones- uma escola de samba da favela e um milionário industrial da
tidade possui muito mais tendência ao ato criminoso do Zona Sul do Rio, parece revelar verdadeiramente a predile-
que a honestidade agigantada de nossos egos carregados de ção do brasileiro pelo banditismo perfeito, ou seja, o avelu-
orgulho. dado malandro do folclore nacional.
E quando há esse encontro do Morro com o Condomínio
de alto luxo para o escoamento de negociatas e acordos do
POLÍTICA DO RIO DE JANEIRO crime organizado (tráfico de drogas), há também o que
existe de mais perfeito no banditismo, a tão sedutora trai-
O Rio de Janeiro sempre foi um enigma. Capital federal ção. A palavra-rei de qualquer bandido prezado pela socie-
por muito tempo, cidade mais internacionalizada do país dade é “traição para os teus, enquanto ainda não é para os
desde sempre, a política interna do Rio sempre esteve fragi- meus”. Decorre daí a fragilidade da política fluminense, a
lizada diante da força dos outros estados. traição constante entre os pares e para com os comercian-
As grandes vocações públicas rumaram para a área fede- tes, profissionais e trabalhadores. Torna-se demasiadamente
ral. Durante muito tempo o Rio se considerava uma espécie impossível o surgimento de uma liderança política que não
de farol do país rumo à modernização. Abrigou a mais bri- esteja ligada às cordas de fantoche. No menor cintilar do
lhante geração de homens públicos, que a partir dos anos 50, surgimento de uma liderança política carioca, também surge
ajudou a desenhar o país. A convivência com empresários e a traição, tornando o vir-a-ser de um líder em crime e cas-
investidores internacionais que por aqui aportaram durante tigo. Parece que aos olhos tanto da alta sociedade quanto da
a Guerra, tudo isso contribuiu para a glória do Rio. baixa sociedade, o Rio de Janeiro é uma cidade feita apenas
Apesar da aliança de São Paulo como o poder econômico para o desfrute social. Quem reside na capital do estado
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precisa e deve conformar-se com os confetes distribuídos negócios escusos entre ricos e pobres nas favelas, percebe-
para o tão sonhado poder social, sonho dos jovens da classe -se que a polícia militar paulista se faz muito mais presente
trabalhadora. do que a polícia militar fluminense. Muitas vezes torna-se
O Rio de Janeiro é tão regimentado politicamente que as claro, através de pequenos aspectos, a identidade social dos
Forças do Exército Nacional ainda parecem confrontar-se dois estados, seja através da característica principal do fla-
constantemente com batalhas da primeira metade do século menguista, a do futebol moleque, ou a alegria do futebol
20. arte, seja através da característica principal do corintiano,:
Alguns dias no Rio são suficientes para perceber quais o futebol de contato e força, ou a raça corintiana. São Paulo,
são os três temas preferenciais dos cariocas: futebol, escola como estado federativo, é muito mais forte e presente para os
de samba e política. assuntos e interesses dos paulistas do que para os brasileiros,
A escola de lobby carioca se formava em torno de novas mesmo sendo o estado líder do poder econômico nacional.
configurações de negócio e do aparelhamento continuado Já o Rio de Janeiro é muito mais enfraquecido como estado
da máquina pública, da Petrobras ao Itamaraty. federativo para os assuntos e interesses dos fluminenses, mas
O segundo grupo de influência é o dos bicheiros patro- com a vantagem sobre os assuntos e os interesses nacionais.
nos de escolas de samba. O terceiro, os cartolas de clubes Decorre daí a fraqueza da polícia militar fluminense, sendo
de futebol reunidos em torno da CBF, em estreita parceria necessária muitas vezes a intervenção do Exército Brasileiro
com a Globo. O quarto, que surgiu mais recentemente, o dos diante do aumento da criminalidade.
pastores evangélicos. Diante das características do futebol desses dois clubes,
Em pouco tempo, quando você presencia uma manhã conclui-se que trabalhar em São Paulo é definitivamente um
depois de uma semana no Rio, percebe-se até a mesma tex- ato sério, importante e necessário, uma espécie de dedicação
tura, o brilho e a leveza do ar que há na sua residência na e força. Já para os fluminenses, fica valendo a vida social,
cidade natal. Parece haver em torno da capital fluminense representada pela música e pela cultura.
uma espécie de ciranda diante do governo federal. Um E se houvesse alguma tradição no crime organizado, ela
exemplo que sustenta essa percepção: a mudança da capital estaria melhor representada pelo Rio de Janeiro, mesmo
federal, do Rio para Brasília, e nessa mudança, também se com o que existe ainda de Comando Vermelho, ou os ideais
remodelou a burocracia do funcionalismo público. De toda da comuna política e sua ligação com o Rio de Janeiro
essa sorte de acasos, há uma concentração idealista na qual o afrancesado.
Rio de Janeiro respira Brasil, e o Brasil respira Rio de Janeiro. Existe até o ideal do malandro carioca, um sujeito estú-
Por exemplo, no futebol o Brasil é melhor representado pelo pido, que bate na mulher e nos filhos, ligado à música popu-
Flamengo carioca do que pelo Corinthians paulista. A ale- lar e às artes, um tipo bastante conhecido e comum de ser
gria do futebol arte do brasileiro está mais bem significada do francês.
pelo Flamengo. Ou seja, parece haver alguma alegria de Pode ser que fique caracterizado que o típico malandro
viver na baixa sociedade carioca, que não pode ser encon- carioca seja um negro pertencente ao morro e à favela. Mas
trada na baixa sociedade paulista. Tentando relacionar os não, os líderes de crime organizado pertencem à zona sul
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branca que delega a força e a tarefa aos moradores de raça própria liberdade, mesmo pagando um valor equivalente
negra. A diferença da vida social do bon-vivant carioca na ao que se poderia definir como valor de mercado. Além da
música popular e nas artes está no maior uso de poder eco- perda econômica, eles não aceitavam a conquista de direitos
nômico, no qual os indivíduos de cor e raça são quase irrele- da outra parte. Não se podia conviver com a ideia de que um
vantes, ou seja, o uso e gozo da vida social tradicionalmente antigo escravo pudesse tornar-se um homem livre por sua
carioca se faz através do banditismo, mas os culpados pelo iniciativa. Para além das questões de natureza econômica,
jugo comum da sociedade são aqueles de menor poder eco- havia uma questão fundamental, política. De certa forma,
nômico, a raça negra. este era o ponto mais importante”.
Se é para apanhar da polícia, o malandro é negro. Contudo, Muitas vezes pode-se pensar que houve um avanço rele-
se é para fazer valer o status social de romântico e namo- vante diante das questões raciais no Brasil desde os tem-
rador, o malandro é branco. Parece até que declaradamente pos da Abolição dos Escravos de 1888, mas o que realmente
a traição é comum e generalizada na sociedade diante dos houve foi uma espécie de silenciamento da sociedade eliti-
valores dos direitos humanos. zada do Rio de Janeiro até os tempos atuais. Isso quer dizer
A perversidade do racismo da sociedade carioca pode que toda e qualquer conquista dos direitos da comunidade
ser facilmente percebida até entre o juízo dos brasileiros, negra foi por mérito da luta de cada indivíduo da raça negra,
pois o topo social goza do ócio no Rio de Janeiro, intima- e não devido à vontade de ceder da sociedade branca. Do
mente ligado através da burocracia do governo federal e da ato da assinatura da Lei Áurea até esses dias atuais houve
mídia televisiva. Basta usar como experiência o significante um completo silenciamento, algo do tipo: “Não vi, não sei
“Comando Vermelho” ou “PCC”. Ao identificar a imagem e nem ouvi”. A mesma sociedade ruralizada do Brasil, uma
mental do significado, encontraremos do topo à base da sociedade cega, surda e muda.
pirâmide social, somente indivíduos da raça negra. Assim, Um exemplo que é demonstração do nosso descaso diante
até no imaginário dos brasileiros, os líderes do poder social do assunto é que o racismo em qualquer país, estado ou
do crime organizado também são negros. sociedade, é visto como tema principal da política, pois
Sidney Chalhoub escreveu, no portal Brasil 247: “No caso envolve religião, sociedade, economia, política e guerra.
da abolição, foi tudo muito claro e explícito. A cada passo Aqui no Brasil, ouve-se de tudo sobre a política nacional
favorável à emancipação dos escravos, seguia-se uma reação na mídia, principalmente na televisão; portanto, é daí que a
contrária. A lei de 1871, que permitia aos escravos comprar a televisão brasileira é conhecida como uma alienadora, capaz
própria liberdade, pagando pela alforria, foi produto de uma de fazer a lavagem cerebral tanto dos mais jovens quanto da
disputa duríssima, que durou um ano inteiro e paralisou o classe trabalhadora.
país numa das grandes crises do Império. O debate envolvia A falta de interesse público pelos assuntos da política
convicções profundas do Brasil daquele tempo. Os proprie- nacional diante do racismo no Brasil é a própria constatação
tários de escravos não só achavam que era natural manter de que o brasileiro não é dado a assuntos sérios e de inte-
uma pessoa sob o regime de cativeiro. Também considera- resse vital. Parece haver e agir em cada um o egocentrismo
vam inaceitável que alguém tivesse o direito de comprar a e o individualismo, pois se não há nenhum tipo de debate
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ou discussão pública sobre as questões raciais e o racismo, mais frágil da sociedade, ou nem mais a base política está
então verdadeiramente nós não nos preocupamos com o conseguindo se defender dos ataques do crime organizado.
outro. Afinal, no Brasil, nada é mais “outro” do que aquele Nem é tão difícil perceber que o crime organizado é liderado
de outra raça, de outra cor ou de outra religião. pela ponta social, ou seja, como assassinatos normalmente
A única investigação da mídia sobre o poder público é derivam de ciúmes ou inveja, basta direcionar o foco para
sobre os assuntos econômicos, parecendo até algo do tipo: a ponta piramidal dos casais de poder econômico, ou do
“preciso investigar se a minha mulher está me roubando”, poder político, ou do poder social.
tamanha é a individualização do brasileiro. Pois o poder O crime organizado parece ser a união da sociedade orga-
econômico é o único que diz respeito somente a si, o que nizada, pois se aí encontramos políticos, magistrados, artis-
não acontece com o poder social. Até mesmo os partidos tas, empresários e uma infinidade de outras atividades, é
políticos, ditos defensores dos direitos da raça negra, quase porque ninguém passa incólume por toda a culpa. Numa
nunca expõem as agruras, as rivalidades, as esperanças e sociedade que acusa a polícia de banditismo com provas
os direitos da comunidade negra no Brasil. Os direitos dos determinantes (baseadas em estudo empírico e científico),
negros nunca foram divulgados, parecendo até uma forma a própria sociedade é na sua totalidade um disfarçado e
de apaziguar tamanho conflito, apenas com a palavra “res- oculto banditismo. Pois é a própria sociedade a criadora da
peito” estampada numa camiseta. E muitas vezes, divulgar milícia do establishment, criadora da milícia daquilo que
a palavra respeito serve apenas para conformar o povo mais está estabelecido como regra no contrato social; ou seja, a
humilde. É que quando se tem o direito de humilhar, como sociedade quer acabar com ela mesma. Seria melhor uma
é o caso das classes dominantes, a palavra respeito serve-lhe Declaração de Direitos Humanos que rezasse dessa forma:
apenas de escudo, pois existe uma lei comum a todos de que “Eu odeio a mim mesmo”. Pois se a sociedade fosse o bem
o subalterno deve servir e calar-se. Existe até um dito popu- maior e supremo a ser respeitado, consagrado, difundido,
lar para isso: manda quem pode, obedece quem tem juízo. considerado e preservado, então defender o sumo bem, ou
O assassinato da vereadora carioca Marielle Franco seja, as virtudes humanas, seria fácil para qualquer cidadão:
(PSOL) e do motorista Anderson Gomes ainda é esquecido. quando todos em uníssono declaram a vitória do bem sobre
A morosidade de autoridades e da justiça brasileira em dar o mal, logo seria simples e fácil para qualquer cidadão lide-
respostas sobre as execuções moveu ativistas dos direitos rar qualquer vontade para defender a liberdade, a igualdade
humanos em diferentes partes do mundo. São quase quatro e a fraternidade. Só nos esquecemos de que no mar de toda
anos e meio de impunidade, sem que haja respostas sobre os a liberdade social há os escravizados pela matéria e pelo
assassinos e os mandantes do crime. A Anistia Internacional espírito, que no mar de toda a igualdade social, há a inveja
liderou um movimento para pressionar pelas investigações. e o ciúme, bem como a estupidez e a intolerância se unem
Não se sabe se atualmente, está se iniciando um novo ao mar de toda a fraternidade.
processo na política, em que as classes populares estão con- Provavelmente as primeiras rupturas políticas estão
quistando cadeiras de decisão nas Assembleias Legislativas, enraizadas na capital do Rio de Janeiro, pois as mais gra-
pois a vereadora Marielle Franco era mulher e negra, a base ves disputas políticas do século 19, de conservadores contra
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abolicionistas, desencadearam-se diante da corte dos dois inimizade frequente entre esses dois: o instinto guerreiro de
imperadores brasileiros. Quando a Direita política e a Marte e a sabedoria de Apolo. Por mais que haja uma degra-
Esquerda política perdem suas principais lideranças, ocorre dação ou ruptura da Direita e da Esquerda, esses parecem
uma espécie de ruína ou falência do pensamento. Afinal, ser os dois tipos básicos humanos. Aqui no Brasil, atual-
qualquer disputa diante do poder precisa ser marcada pela mente, pode-se considerar a cultura do modismo como a
bipolarização, tal qual nos tempos bíblicos: Não desviar-te cultura dos jovens de Direita, e a contracultura como a cul-
nem para a direita e nem para a esquerda. Então, por que tura dos jovens de Esquerda. A mesma diferença que havia
a disputa política pelo poder precisa ser bipolarizada? É o entre espartanos e atenienses na Grécia Antiga.
eterno conflito entre o bem e o mal, onde nenhuma das par- Com a desfragmentação da polarização, inicia-se o pro-
tes quer ser considerada o malefício da sociedade, e ambas cesso do surgimento da desunião, da desconfiança e da
desejam a honra. Logo, qualquer tipo de ruptura da bipo- eterna traição do homem, ou seja, cada um torna-se már-
larização pode intuir uma terceira via de acesso ao poder. tir do outro; ou alguma espécie de Cristo do outro; como
Mas ao findar o processo monárquico no Brasil, surgindo também torna-se uma espécie de Judas Iscariotes do outro,
assim a República diante da espada do marechal, houve uma o que pôde ser idealizado a partir dos anos noventa com a
quase deterioração do poder aristocrático no país, ou o que completa abertura econômica do país, como a disputa pelo
chamaríamos de República Velha. Adiante, ao se edificar capital, ou o nosso consagrado capitalismo selvagem.
uma nova pirâmide social, política e econômica, parece ter No entanto, tanto a Direita política quanto a Esquerda
havido o mesmo descuido em sustentar os pilares dos pode- política possuem suas bases enraizadas na classe trabalha-
res da Direita e da Esquerda. Se fôssemos analisar o que dora. O que acontece é que no Brasil qualquer conceito polí-
seriam esses tais pilares, seria como classificar a Direita e tico europeu nos influencia de várias maneiras, e às vezes de
a Esquerda de Platão, no livro A República. A Direita seria maneiras absurdas. A Direita política, que precisa estabele-
uma espécie de militarismo, com sua disciplina diante do cer uma espécie de ordem direcionada para o militarismo,
certo e do errado. Entre os jovens, seriam os garotos mais muitas vezes tenta difundir a ideia da honestidade como
propensos ao culto do corpo e do esporte (exercícios físi- uma espécie de pilar para a sublevação de uma participa-
cos). Quase sempre a palavra “forte” o acompanha desde a ção sócio-político-econômica em uma sociedade cada vez
infância. E a Esquerda seria uma espécie de ordem diante mais degenerada e perturbada pelo escandaloso laissez-faire
da música, da poesia e das artes onde, há tempos atrás, exis- da dinâmica do livre mercado. Muitas vezes, ao tentar se
tia uma ordem de encantamento para haver uma superiori- realizar no poder, ao tentar demonstrar o poder político,
dade masculina sem o uso da força e da arma. Mas, ao que de alguma maneira a sociedade torna-se autorreveladora
parece, tanto o pensamento direitista quanto o pensamento de soberba e vaidade. Pois socialismo, verdadeiramente nas
esquerdista estão se aglutinando, o que muitas vezes torna a estruturas do pensamento, é fazer realizar que nenhum indi-
disputa mais acirrada e conflituosa do que necessariamente víduo é melhor do que o outro. O fascismo para o benefí-
acontecer uma aceitação do outro. Pois esses são os dois cio dos que se acercam do poder precisa ser para nivelar as
tipos básicos humanos, e na maioria das vezes existe uma relações sociais, para ao menos esconder a vil loucura do
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poder imaginativo diante do poder realmente estabelecido. sua vontade primeira. Então, nenhum rico pode queixar-se
E a soberba, a arrogância e a vaidade podem ser as doenças diante da vida, da família, da política e dos governos, porque
primeiras dos governantes, dos líderes políticos e de seus onde convive, ele possui as maiores possibilidades diante
aliados. Esquecer-se de como o povo brasileiro pensa e vive dos outros.
pode custar muito caro para as Altas e Médias Sociedades, Mas aqui, em terra brasilis, há quase uma uniformidade
pois a vaidade estraga aqueles que mais necessitam do poder das classes sociais para protestar diante de qualquer governo,
militar. É que às vezes as altas sociedades se esquecem de seja municipal, estadual ou federal. Às vezes, torna-se muito
que os policiais militares possuem vidas simples, comuns, fácil decidir entre a ignorância e a estupidez. E, normal-
sem nenhum tipo de extravagância. E, no tempo atual, ficar mente, essa dominância viciosa parte de cada indivíduo
direcionando o ódio e a raiva para os militares de nada para com todos os outros, até tal indivíduo encontrar alia-
adianta, podendo-se até piorar a situação de entendimento, dos, quer seja para qualquer escolha a respeito de qualquer
pois a polícia não é de ficar baixando a cabeça diante do assunto social, político, econômico e militar. Parece não
gozo material dos mais ricos. haver uma espécie de pensamento dominante. Por exem-
Em quase todos os países do mundo, a Esquerda política plo, em assuntos militares, o brasileiro possui uma mania
está tornando-se anárquica: protestos, depredação de obra sutil de defender o bandido quando parece-lhe necessário,
pública, enfrentamento militar. Parece não haver mais nos e defender a polícia quando também parece-lhe necessário.
jovens uma espécie de paciência ou de esperança. Parece que A obscuridade política, o anonimato das ideias e o abismo
vale tudo apenas pelo prazer da destruição, pela surpresa de entre a vontade principal de todos e a vontade principal de
ver a destruição. cada cidadão.
Se parte da população é considerada sociedade e uma Numa sociedade assim o individualismo, além de flo-
outra parte não, então uns não querem ou não mais preci- rescer, torna-se uma necessidade básica pois é constante e
sam da mão do outro, ou não mais precisam da qualidade natural o romper de ideias e a ruptura dos ideais. É que
do outro, ou não mais se consideram iguais ao outro. Se os muitas vezes, ao estar em completa união diante de uma
objetos do mundo qualificam a superioridade de uns, então ideia, por causa de diversos objetivos contrários, a traição
pode-se até dizer que a loucura pela riqueza material e pela é quase natural. Move-se por nenhum ideal, como também
beleza é tão somente negar o outro, para declarar guerra mata-se por ideal algum. Parece haver guerrilhas diante de
em pensamentos interiores — ou seja, a especialidade de disputas torpes e mesquinhas. Existem grupos de extermí-
tornar-se especial não passa de vil loucura vã. Se sou rico e nio por causa de dez reais, uma maneira fácil de matar por
tenho tudo o que quero, por que tal necessidade ainda não matar. Quando se constata a formação de grupos com tal
foi satisfeita? Se sou rico e tenho tudo que quero, por que objetivo, pode-se conceituar que uma sociedade assim está
então não sou o que quero ser? Entende-se que o mais rico em guerra contra a mentira, como também contra a ver-
possui mais facilidades para ser uma montanha do que o dade, seja a verdade do conjunto como também a verdade
mais pobre. Pois até para as mágicas mal convincentes, a do outro. Nada é tão certo e constante como a afirmação
riqueza do rico pode conhecer e dominar para a valia da de que para cada cidadão há tal pensamento: “tua verdade
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é uma mentira para mim”. Somente há a verdade do outro pública real e eficiente, que induza o crescimento em dife-
quando surge uma espécie de interesse diante dessa tal ver- rentes regiões do estado, considerando a sua nova divisão
dade, ou seja, não há a verdade do outro quando estou em em 17 territórios de desenvolvimento.
situação neutra. Um grupo de indivíduos pode muito bem Em cada região brasileira sempre existem os tais “dois
entender a estupidez impiedosa de matar por causa de dez Brasis”. E sempre, para qualquer desenvolvimento econô-
reais, mas pode-se prever a defesa do tal grupo de extermí- mico, de qualquer região, vê-se a mesma política do desen-
nio: Ao faltar com a palavra diante do pagamento da dívida, volvimentismo do século 20, naqueles tempos de crise e
o devedor passou a ser considerado uma espécie de “ladrão”. guerra na Europa. Construção de infraestrutura raciona-
Mas o grupo de extermínio parece não considerar os dois lizada em série, para que haja a capacidade de indústrias
pesos da balança da justiça. Deveria, sim, considerar tirar o multinacionais (empresas de vários países) se instalarem
valor do devedor por uma quantia um pouco maior do que na região. O obstáculo é que, quando isso acontece, e essas
somente dez reais, ao invés de tirar a vida do devedor, pois indústrias encontram as condições ideais para sua instala-
agora ele se tornou vítima. E se a disputa envolve diferenças ção, surgem de várias outras regiões do Brasil profissionais
sociais, raciais, religiosas, então o devedor, que passou a ser da alta e média sociedade para ocupar os melhores pos-
vítima, tornou-se objeto de sacrifício de uma ordem social, tos de trabalho daquela empresa. Logo, naquele município,
racial ou religiosa. a população considerada de baixa renda continuará com
No Rio de Janeiro, a consagrada ociosidade da Zona Sul a mesma capacidade de ganho econômico, muitas vezes
ainda não chegou a acordo algum diante da nova bipola- podendo até piorar de situação, pois aquele modo comum
ridade do mundo desde o início do século 20: a Esquerda de produção da qual dispunha não existe mais. Um exem-
marxista ou a Direita capitalista. E se um deles ler esse pará- plo: uma indústria se instalou e começou a poluição e o
grafo, certamente dirá: “Não estou de um lado nem do outro, assoreamento do principal rio do pequeno município. Em
eu sou moderno, a alternativa do homem no mundo é bus- pouquíssimas décadas a rica fauna e flora da região começa
car a paz”, o que faz até parecer que o mundo não escolhe a perder espaço para o asfaltamento de estradas, avenidas e
buscar a paz através de sua escolha política. ruas, bem como para a construção de casas, apartamentos
e lotes com o objetivo de erigir a especulação imobiliária. O
comércio formal e informal se alastram na região, multipli-
POLÍTICA DE MINAS GERAIS cando o jogo do mais esperto, o jogo da trapaça, o jogo da
rasteira, o jogo de quem tem mais pode mais.
Minas Gerais é a terceira economia do país, mas possui o Logo, se fosse para prevenir contra a antecedência da
menor rendimento nominal mensal domiciliar entre todos morte, para os 46% de municípios considerados carentes o
os estados do Sudeste e o nono do Brasil. 46% dos municí- melhor para o bem de todos seria, sem dúvida alguma, rogar
pios mineiros são considerados carentes. pela política de desenvolvimento econômico do Estado
As propostas para o desenvolvimento econômico do Fascista.
Estado de Minas Gerais são a criação de uma política No que a sociedade torna-se enraizada na competitividade
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da selvageria do capitalismo nacional, o ritmo de pensa- Assim, parece que a sociedade elegeu para si mesma a
mento lógico-racional ou humano-intuitivo, o ritmo de autodestruição lenta e penosa, para compensar a falta de
maturidade e o ritmo de deslocamento do indivíduo, em coragem de consagrar em si mesma a culpa da falta de
pouco tempo seguem se acelerando, transformando a dis- amor em todos. Os anos que se seguem são definidos pelo
puta em conflito, e o conflito em ódio. A mídia eletrônica aumento do desamor, do racismo, do ódio ao Estado e tam-
segue sempre tendenciosa para um lado e calada diante do bém do ódio ao povo. Confiar a verdade diante da mídia ele-
outro lado. Logo, quando o ódio está vinculado ao subcons- trônica é apenas idiotizar-se. Sabe-se muito pouco da cen-
ciente de toda a sociedade, basta apenas uma decisão de sura da atual mídia desde a década de 1960; talvez o mundo
uma paixão humana para um simples indivíduo promover a esteja vivendo uma Quinta Grande Guerra Mundial, pois o
morte, ou seja, aquilo que estava no subconsciente tornou-se fim da Terceira já foi datada em poucos livros, com a Queda
consciente. do Muro de Berlim. A mídia nega o esclarecimento para a
O território de Minas Gerais era habitado por indígenas população porque as dissoluções dessas guerras mundiais,
quando os portugueses chegaram ao Brasil. Contudo, ocor- no Brasil, tornam-se um confuso multilateralismo de cada
reu uma grande migração para o estado a partir do momento um por si. Ou seja, nossos pais, jovens da década de 1960
em que foi anunciada a existência do ouro. A extração do que lutavam pela igualdade política, perderam e tiveram que
metal trouxe riqueza e desenvolvimento para a então pro- aceitar o jogo capitalista dos próprios filhos. A previsão é
víncia, proporcionando seu desenvolvimento econômico e nebulosa diante da mudança no futuro. As décadas que se
cultural. seguem são sobre a rudeza e frieza do neo ou do superca-
Minas Gerais começou a surgir com a descoberta do ouro pitalismo. Em um mundo assim, o individualismo torna-se
e com a migração em busca dele. E assim como em toda sempre a vontade primeira no interior da alma de cada indi-
civilização há duas vertentes políticas em torno desse ouro: a víduo. Logo, a ordem estabelecida parece ao menos temer
vertente da força e da disciplina do militarismo; e a vertente diante da confusão muito bem ordenada no juízo de cada
da sabedoria e da inteligência no uso das artes. Para uma um, ou a eterna guerra entre dominantes e dominados.
sociedade erigida em meados do século 18, o ouro sempre Através de pesquisa seletiva, chegou-se a diagnósticos que
será a glória mais alta do homem na Terra. E como fazer demonstram a situação atual da política, enfocando-se prin-
o uso de tal glória? O militarismo a serviço da sabedoria cipalmente os aspectos relacionados a recursos humanos,
poderia ser a melhor resposta diante da fúria do ouro e da logística e orçamento, sempre confrontados com os demais
riqueza, pois o ouro tem a capacidade de autodestruição, ou setores de atuação do Estado na vida social. A premissa
seja, seu dono pode ser levado à loucura se não houver uma básica que permeia toda a pesquisa é a de que não existe
garantia da sua real importância na cidade e no mundo. uma política de segurança pública, sistematizada, no estado
O sentido da vida para a grande maioria pode ser uma de Minas Gerais.
espécie de determinação para a riqueza material, ou seja, Apesar de algumas diferenças regionais, o Brasil conserva
ganhar é tudo! Mas existem aqueles que colhem a amargura em seus estados uma uniformidade social e política de base
de uma derrota. rígida na qual, dentro da alta sociedade, os aspectos sociais,
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políticos e econômicos ficam preservados sob o comando que se torna sempre importante para qualquer sociedade
dos governadores e do presidente republicano. A inexistên- primar pelas virtudes do espírito e da alma, pois se não há
cia de uma política de segurança pública é sempre conser- mais entre indivíduos da alta sociedade aquele que é justo,
vada para preservar a identidade social dos mandatários verdadeiro, honesto, bom, aquele que sabe o que é certo ou
(governadores e presidente), ou seja, tais agentes da sobe- errado, se não há mais na sociedade este tipo de indivíduo,
rania nacional não estão diretamente comprometidos com então tudo se torna pelo acaso da mentira, da injustiça, da
as disputas internas que envolvem o descalabro e as mazelas desonestidade e da maldade. Os pequenos sabem o que é
nacionais, como os conflitos entre setores religiosos, confli- certo ou errado, mas não possuem poder significativo para
tos por ordem de disputas econômicas, conflitos entre alta fazer valer o bem comum entre os homens. Assim, quando
e baixa sociedade, conflitos de ordem político-partidária por força do acaso a alta sociedade torna-se ordinária diante
envolvendo os neocapitalistas e os neossocialistas, conflitos das leis que regem o que é certo e o que é errado, confirma-
entre raças e etnias, e toda uma gama de desordem que asso- -se apenas o fim da tradição de poder e da tradição da boa
ma-se entre os polos de cada conflito, com escolhas aleató- moral. Logo, em pouco tempo, vive-se numa transição para
rias de identidade ideológica. Tudo seria mais fácil se hou- a passagem do poder e da boa moral para as camadas popu-
vesse no caráter nacional a diferenciação entre o certo e o lares da sociedade. Pois sob o segredo do universo, o nosso
errado e o aspecto da polícia contra o bandido. Mas é dema- espaço-tempo sempre será regido de maneira que o bon-
siadamente brasileiro rebelar-se e revoltar-se contra qual- doso seja melhor do que o maldoso, o justo melhor do que
quer tipo de establishment ou poder estabelecido. Se hoje o injusto, o verdadeiro melhor do que o mentiroso, o cora-
não há sequer na religião um consenso do que seja o bem e o joso melhor do que o covarde, o inteligente melhor do que
mal, então qualquer ação tem tanto o valor de bem quanto o o ignorante, o honesto melhor do que o desonesto, o forte
valor de mal. Mas esse tipo de absurdo existente no juízo de espiritualmente melhor do que o fraco, o humilde melhor
cada indivíduo ou de cada cidadão surge somente quando do que o soberbo. E não há como ser diferente, desde que
a alta sociedade inicia um processo de trapaças sem limites, todos queiram viver em sociedade.
rompendo com a tradição de aceitar o pacto social, mesmo O presidente Jair Bolsonaro disse no início do seu governo,
quando o ganho se desequilibra para o lado rival. Afinal, é a em sua conta no Twitter, que o governo apresentaria o pro-
alta sociedade quem precisa dar o exemplo. Mas da maneira jeto de Lei Anticrime ao Congresso Nacional, que elaborado
como a política se estabelece, sempre tencionando para o pelo então ministro Sérgio Moro, o mesmo visava endurecer
lado dos mais ricos, mesmo quando não há virtude alguma as penas contra assassinos, líderes de gangue e corruptos,
nos pensamentos, nas ações e muito menos nos objetivos escreveu na rede social.
e destinos de cada indivíduo inserido no contexto de alta Dias depois, o então ministro da Justiça e Segurança
sociedade. Quando os grandes não dão o exemplo, são os Pública, Sérgio Moro, defendeu mais rigor na punição
pequenos por causa da maioria, e também pelo fato de a viti- do condenado por crime de homicídio ao participar, em
mização social ser bastante divulgada para o mundo; logo, Brasília, de evento organizado pela Escola Nacional de
é confiada aos pequenos a capacidade de julgar. É por isso Formação e Aperfeiçoamento de Magistrado.
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A redução da taxa de homicídios passa pela adoção de esse indivíduo tensiona a justiça divina. É por isso que um
políticas públicas complexas. Estado laico, sem a razão da existência de Deus, torna-se
O projeto propunha mudanças em vários pontos da legis- pretensioso diante de cada indivíduo ou cidadão. Assim, se
lação a fim de endurecer o combate a crimes violentos, como o Estado processar a intuição e a razão para abrandar as
o homicídio e o latrocínio, e também contra a corrupção e leis, e dar leveza à alma da população, em algum tempo
as organizações criminosas. muitos conseguirão aspirar a alguma leveza de alma. Pois
O então ministro voltou a justificar a iniciativa do governo se ao assaltar uma lanchonete um rapaz é jurado de morte
federal de endurecer a lei contra o crime, argumentando que em todos os estados federativos e em muitos municípios
a corrupção, o crime organizado e o crime violento são os brasileiros, logo esse rapaz não tem nada a perder: para ele
maiores problemas do país em termos de segurança pública, a vida torna-se matar ou matar.
já que estão interrelacionados. Assim, processando a intuição e a razão para o abranda-
Torna-se muito evidente que quando se tenta eliminar mento das leis, fazendo surgir e cientificando leves penas,
um problema com o mesmo tratamento, deve-se logo pro- leis brandas; logo a população também consegue fazer o
curar entender o outro polo de decisão. Se arrefecer as leis mesmo diante do seu julgamento de ódio, ou seja, aquilo
já está se tornando uma constante imensurável, que de nada que odeio e sempre odiei colericamente, posso reavaliar, e
adianta, e mesmo assim, os crimes são cada vez mais violen- assim, com leveza de espírito, conter meu próprio ímpeto
tos e graves — sem ainda quantificar o aumento dos núme- diante do ódio natural. Desse modo, a população também
ros de crimes dos anos noventa para cá, tempo de transição consegue balizar e relevar algum tipo de dano material ou
para a justaposição ou integração do capitalismo mundial espiritual constituído. E no que tange às penas passadas, ou
no Brasil — então, faça-se tal qual os países mais liberais que aos julgamentos anteriores, é razoavelmente aceito entre os
fazem uma profilaxia em suas leis e seus crimes: tensionar homens o common law inglês, as leis comuns aos homens,
o abrandamento das leis, ou seja, buscar reparar os danos as leis que todos os homens aceitam como verdadeiras e
do passado. Deve-se tensionar a leveza do Estado e das suas reais. Pois um criminoso também é julgado pelos amigos,
leis, para que a população não julgue de maneira mais dura pelos vizinhos, pelo contato com a polícia, pelos presidiá-
e arbitrária do que o Estado. Muitas vezes as penas impostas rios, pelos carcereiros, enfim, por todos os homens que o
pelos juízes são demasiadamente duras, mas o julgamento rodeiam, que participam do seu dia a dia. Um exemplo: na
popular consegue ser mais duro, seco, ignorante e estúpido maioria das regiões brasileiras, roubar um galináceo pode
ainda. Por exemplo: se o Estado processa a intuição e a razão merecer pena de morte, infligida por um coronel proprie-
para surgir e cientificar novas e duras penas, logo a socie- tário de terras. Mas o Estado considera uma pena de pri-
dade e a população começam a fazer o mesmo. Muitas vezes são de dois a cinco anos para aquele que roubar um gali-
os senhores juízes não percebem, mas ao julgar, muitos se náceo, ou seja, para aquele que está praticando tal ato para
sentem inocentes diante de uma dura ou de uma leve pena. simplesmente saciar a fome, cinco anos de cadeia é de uma
E ao buscar na alma algum tipo de razão que faça brilhar injustiça imensurável, que impregna na alma e no espírito
alguma esperança, para renascer alguma honra de si mesmo, frequentemente a revanche e a vingança, pois cinco anos
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para quem está roubando para saciar a fome é de uma injus- religiosidade acompanhar a fervorosa busca da ascendência
tiça irreparável, descontrolada, desmedida, de uma injustiça social, e do medo presente da temida decadência social. Um
estúpida, desonesta, maliciosa, ignorante, covarde, soberba e estado com raízes interioranas e ávido pelo desenvolvimen-
desgraçadamente satânica. Pois qualquer cristão dessa terra tismo moderno acaba tornando o que é mutável em efê-
não duvidará de tamanha capacidade de vícios espirituais da mero. Há avidez pela linha suave da vaidade entre a soberba
justiça de tribunais ao tornar tal lei verdadeira. e a arrogância, pois quando o ouro é a oportunidade para
Portanto, se ao invés de cinco anos, a justiça resolvesse ser melhor diante do outro, então o tumor da destruição
por uma pena de cadeia por cinco horas, talvez não se acu- daquilo que é natural torna-se a completude da alma. Ou
mulasse tanto ódio popular, tanta revanche e vingança entre seja, entre ser eu mesmo e ser o melhor nas aparências, a
os seus e a conduta do povo para com os três poderes consti- segunda opção é mais visível. Os danos e distúrbios causa-
tuídos. Pois reduzindo cinco anos de pena para cinco horas, dos pela ignorância cega, do vale mais quem tem mais, são a
perceber-se-ia em pouco tempo até algum tipo de alívio completa desunião de uma guerra de todos contra todos: os
espiritual em toda a população. Cada um conseguiria rele- jovens são tudo e não valem nada. No Brasil, o tempo torna
var, ou até esquecer os consecutivos aumentos nas taxas de difícil o surgimento da paz, porque não existe uma parte da
infração de trânsito. É por às vezes não saber perder, nem sociedade contra a outra parte; parece um palco de disputas
ao menos um centavo, que o brasileiro perde absolutamente para cada um dizer que tem mais, que vale mais e precisa ser
tudo. Saber relevar, tolerar, saber suportar a perda de pouco, amado por todos. Logo, a religiosidade se torna pueril por
muitas vezes é, sem saber, defender o muito. É que nisso, fazer franca e cega a disputa das classes sociais. As pirâmides
adquire-se um inimigo eterno por nada: o povo brasileiro. sociais políticas e econômicas são mais importantes do que
Um dos males de Minas Gerais é conviver com essa liga- a igualdade da paz entre os homens. Nisso, as mulheres se
ção do progresso ligado à industrialização com o provincia- tornam peças de manobra para revalidar os antros pessoais
nismo ligado ao coronelismo. É dessa política que um dos carregados de maldade, injustiça, mentira e desonestidade
maiores estados em territorialidade se serve para alavancar na busca do El Dourado do capitalismo nacional: objetos e
poder econômico em razão da sobrevivência na eterna luta posses de status e poder, para fugir da simplicidade do cora-
de classes no Brasil. Em Minas, o agravamento da importân- ção fraco e covarde do próprio diabolismo da alma, sendo
cia capital do poder econômico e do desenvolvimentismo que através do coração da alma o que torna o homem forte
é ainda mais acentuado. Através da história mineira, cons- e prodigioso é tão somente o trabalho dedicado e constante.
tata-se a influência do Brasil Colônia na extração do ouro Os objetos de status e poder, além de revelarem a simpli-
nos séculos 18 e 19. Em regiões assim, naquela época, o cidade do homem, também desenvolvem o ódio do mal
homem era conhecido como lobo do homem, por causa do eterno, a morte, pois o homem dado ao luxo, muito pouco
tão sonhado El Dourado, o sonho de ouro dos homens. Daí tem do que é ser homem. E quando um homem nada ensina
a religiosidade do mineiro sempre servida da inglória da sobre a dureza da vida para uma mulher, e pelo contrário,
sobrevivência através do olho por olho, dente por dente, da é ela quem ensina sobre o luxo e poder dos objetos, então
esse homem certamente vive diante do vazio. Pois devido à
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força, quando o homem ama e é amado por uma mulher, é que regem esse determinado assunto sejam de importância
ele quem ensina, protege e dá a palavra final sobre a dureza decisiva ou até capital para o Estado. Logo a população deixa
da vida e dos homens. de ser assistida pelos governos, tornando os interesses mega-
lomaníacos das altas sociedades brasileiras assuntos quase
que supremos no subconsciente coletivo.
POLÍTICA DO ESPÍRITO SANTO Se não há a possibilidade de conviver numa sociedade
moderna sem a existência da TV, então ela deveria priori-
A participação popular, tanto no Espírito Santo como nos zar a harmonia, já que ela tem a capacidade de ordenar os
outros estados, inibiu-se dos anos oitenta até os dias atuais. ideais de vida da maioria. Mas como no Brasil todos estão
Um dos problemas centrais que contribuem para isso é o envolvidos em disputas políticas acirradas, é óbvio que os
uso excessivo da mídia eletrônica, que foca normalmente principais agentes da mídia objetivam direcionar o uso desse
em interesses individuais, deixando os interesses da maioria aparelho para seus próprios interesses. Um exemplo disso
postos de lado; a capacidade que a televisão tem de iludir, foi a supervalorização do Ayrton Senna como herói do país
ou até de hipnotizar a população das cidades brasileiras em nos anos noventa, que fez com que o ídolo nacional fosse
torno de seus próprios ideais e interesses, é quase que dita- visto como um grande exemplo a ser seguido por todos,
torial. Muitas vezes, o maior incômodo da maioria da popu- mas esse fato nunca passou de um símbolo da supermo-
lação gira em torno de um assunto, o qual o poder midiático dernização, da demasiada valorização do carro como objeto
consegue desvirtuar para outro assunto que segue a pauta de status, objeto de conquista emocional, como objeto de
dos interesses das grandes redes de televisão, ou seja, a tele- poder social e econômico. E assim, atualmente, seguindo o
visão consegue, se quiser, alienar o próprio Estado. Isso não pensamento adiante, qualquer cidade brasileira está super-
acontece decisivamente porque ela possui ideais e interesses lotada de automotores altamente sofisticados. Se antes dos
junto aos poderes estatais, tecendo normalmente o velho anos oitenta o sonho da maioria era conseguir seu diploma
jogo de intrigas e revanchismos. de médico, de advogado ou de engenheiro, hoje tudo isso
E se o Estado hoje é constituído de três poderes, logo se pulverizou, tornando o automóvel o mais absoluto sonho
parece haver uma espécie de alienação diante de um possí- real de boa vida. É perceptível que nos dias atuais de nada
vel quarto poder: o poder midiático ou poder de mídia, ou ou quase nada vale um diploma universitário, e o indiví-
o poder único de superinformação. Então, quando o legis- duo ainda pode ser menosprezado se não tiver o símbolo
lativo cria as leis, o judiciário julga as tais leis e o executivo de status da classe média alta. Tente absorver as imagens da
exerce força para executar as leis, logo surge a mídia que mente: o indivíduo de carro no Brasil certamente é vitorioso
transforma algumas leis em mais importantes do que outras. na vida e nos negócios. Agora, um diplomado pegando ôni-
Assim, em pouco tempo, os interesses do Estado estão vol- bus, certamente é um derrotado à procura de emprego. Isso,
tados para servir a alguns, e não à maioria da população. acima de tudo, ensina aos mais jovens a supervalorização do
Basta a mídia eletrônica tocar sempre a mesma nota, ou a ter diante do ser, consumando-a de vez.
mesma tecla sobre determinado assunto, para que as leis Como é da capacidade da atual sociedade hipercapitalista
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revelar a sua vontade e tendência a mais ter do que ser, mui-
tos se esquecem que um vice-presidente, um vice-gover-
nador ou um vice-prefeito podem ser capazes de governar
ou liderar um Estado mais do que o líder instituído. Para REFLEXÃO:
governar é preciso ser um hábil político, e muitas vezes,
por estar no centro das atenções, o mandatário maior pode Pode o brilho ser a palavra sem abuso ou sem
ser alvo de disputas sociais, fortalecendo as possibilidades a arte do agora. Mas o verso é a primavera do
de manobra dos seus vices. Esses, em muitos casos, exer- arrependimento, do arranjo e da bonança. Vamos
cem seus poderes distantes dos holofotes da população, seja perdoar a nuvem para deixar de valer diante do
como apoio ou como oposição ao governo estabelecido. No superficial. Ser o negativo é a constância do espaço.
Brasil, onde a fidelidade partidária não é uma virtude tão Ninguém pode marchar diante do absoluto, mas
prezada, em muitos casos pode ocorrer a desfragmentação pode girar diante da penumbra áspera. Sublimar os
do governo, facilitando as chaves da governabilidade para o elogios da própria alma e aceitar a princesa abso-
luta da vida.
vice-mandatário. Em uma política revanchista pode muito
bem acontecer de o governo superior não ter voz e nem
ação no Estado, já que os legisladores apoiam a dinâmica
oculta de um possível vice-poder. Assim todos os políticos Muitas vezes, as pessoas desacreditam no valor equili-
regionais, juntamente com o poder econômico do Estado, brado e igualitário dos indivíduos diante de todos, fazendo
podem vender ocultamente o poder executivo estabelecido valer que o poder e a fama de um líder se conseguem den-
pela população e governar com a liderança silenciosa do tro da lógica de uma política de absurdos, que é massacrar
vice. Isso pode ser muito comum em um Brasil de todas as os adversários. Despejar as farpas no jogo entre políticos é
épocas, ou seja, o voto e a escolha popular são invalidados. necessariamente a pior ideia. No que um diz sim e o outro
É que um vice pode muito bem, com o apoio dos polí- diz não, o “eu” dentro das disputas políticas aceita a resposta
ticos da região, tratar dos assuntos destes, e abandonar as que mais se aproxima de seus interesses. Então nunca des-
questões relativas à vontade da maioria da população. O vice preze uma câmara legislativa, pois ela é a tradição institu-
com apoio político pode fazer valer a famosa “carteirada” cional do poder. Não é se sentando na cadeira executiva que
tanto na burocracia administrativa como nos tribunais e nas se pode tudo como bem quer.
câmaras, e até mesmo nas polícias, validando assim o poder O ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil
paralelo diante do poder consciente estabelecido. (OAB), Felipe Santa Cruz, afirmou em uma ocasião que os
setores do governo testam há tempos os limites democráti-
cos e flertam com as ditaduras de hoje e do passado; disse
ainda que o ex-secretário da Cultura, Roberto Alvim, ultra-
passou todos os limites ao optar pela clara e aberta apologia
ideológica ao regime nazista em vídeo divulgado nas redes
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sociais no início de 2020. vem formando, ao longo dos tempos, o Estado Totalitário,
As médias e altas sociedades brasileiras sabem clamar que rompe novamente a mesma fraqueza de sempre. É o
sempre por democracia, democracia essa que de tempos Estado que surge para validar o poder dos homens e tam-
em tempos no Brasil rui muito facilmente devido ao abuso bém tem a capacidade de esmagar o próprio pecado dos
da exploração da sociedade trabalhadora pelo poder econô- homens na alma. A honestidade sempre foi a única virtude a
mico vigente. E por isso surge a estupidez das ditaduras coe- ser declarada pelo bom cristão, mas quando o oposto parece
rentemente direitistas, ao mesmo instante em que surgem estar posto sobre a mesa, então resta apenas a desmedida
as riquezas desonestas e sem verdade por parte do milio- do Estado Totalitário: esmagar a vaidade, a arrogância, a
narismo também estúpido e ignorante, sempre de braços soberba, a mentira e o egoísmo dos mais ricos. Não é a
dados com a corrupção desordenada aos pares e aos chefes. melhor ideia, mas se o indivíduo não tem carro para chegar
A mentira do poder econômico talvez seja a pior mazela em casa, então ele vai ter que ir a pé. Afinal, muitas vezes,
que o país herdou através dos tempos. A riqueza através a sociedade tem a mania de validar a honestidade do pobre
da vaidade sempre foi preferida diante da riqueza pela vir- cristão como orgulho de pobre.
tude do trabalho. A honestidade é uma virtude que muitas No que a corrupção parece ser a ordem do Estado, então
vezes declaramos como pura tolice. Precisamos ser palhaços eu, como indivíduo, deveria temer mais a polícia do que
mentirosos até quando? O nazifascismo é um mal que apa- qualquer outra coisa. Mas uma instituição deveria estar
rece quando a sociedade está em completo vício espiritual, muito bem posta diante do poder regulador da polícia. E no
quando não há, de forma alguma, algum resquício de hones- Brasil não é o que acontece: os indivíduos não temem tanto a
tidade, de humildade, de verdade… Mesmo quando se luta polícia, mas as instituições temem, e muitas vezes declaram
contra a estupidez do nazifascismo, também é preciso lutar esse temor em público. É o caso da empresa megamidiática
contra a estupidez do milionarismo. Sim, o nazifascismo é Globo, nazifascista e neoburguesa no mesmo lado do peito.
um grande mal que deve ser combatido, mas não esqueça- Criada para representar e divulgar a ordem estabelecida, ou
mos de combater a nova ordem do milionarismo. seja o establishment, de vez em quando vem a público para
Toda política direitista somente existe para o retorno do rezar a ideologia democrata diante do combate excessivo
estabelecimento da ordem, ou seja, o que é certo precisa da polícia, ou seja, o combate policial está “chegando perto
continuar certo, e o que é verdade precisa continuar sendo demais”. Ora, se não é a tamanha publicidade dessa empresa
considerado verdade. Daí o uso de um policiamento mais que faz surgir as inúmeras castas sociais no Brasil e que faz
agressivo: é que o roubo e as mentiras parecem ser a única ruir o pensamento de igualdade entre todos os brasileiros na
novidade no Estado. A força da polícia somente aumenta democracia! Um Brasil que nos anos sessenta era dividido
quando a desordem também aumenta — é que o Estado somente entre ricos e pobres, hoje faz surgir aberrações do
está tomado pelas mentiras dos homens na busca do con- tipo classe A, classe B, classe C, classe D, ou até mesmo o
trole, principalmente do poder econômico. Ora, não é pre- desmembramento de cada uma, com as classes 5A, 4A, 3A,
ciso uma polícia forte quando o Estado é regido por mui- reorientando o pensamento político para a ordem estabele-
tas qualidades e virtudes. A busca desenfreada pelo poder cida das castas sociais da Índia, por exemplo. E assim parece
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não haver nunca o Primeiro Mundo na cultura do brasileiro. Não uma destruição aqui conosco, mas lá… até que um dia
A produção de qualquer artigo ou item mercadológico tal destruição esteja aqui conosco, e não mais lá. Por exem-
em massa gera sempre descontroláveis rumos para a econo- plo: uma fábrica produziu num ano mil artigos de consumo.
mia de qualquer região, pois a produção em massa surge da Torna-se evidente que a tal fábrica precisa vender esses arti-
capacidade de milhares de trabalhadores, os quais precisam gos ou produtos. Se vender os tais artigos, provavelmente
ser pagos pelo serviço prestado. Além disso, de toda essa aqueles que gostaram do produto irão querer consumi-lo
produção surge uma dívida para o escoamento ou esgota- mais vezes, gerando novamente a produção constante da
mento. O preço do item muitas vezes precisa ser alto para fábrica, bem como a destruição para o consumo dos recur-
melhor valorizar a produção, porém quando o preço tor- sos naturais para a fabricação de tal mercadoria. Mas, se
na-se elevado diante da capacidade econômica da maioria, não vender, corre-se um risco maior ainda na cadeia da des-
pode surgir uma espécie de transcendência na valorização truição, pois nesse caso haverá a necessidade de alienar a
do artigo. Isso é o que normalmente acontece com os preços tal produção, e assim queimar os mil artigos produzidos,
dos combustíveis no Brasil. Quando se busca elevar o preço gerando desse modo uma poluição motora hoje mesmo,
dos combustíveis para dificultar o uso regular e a compra sem a necessidade da desfragmentação natural do objeto
de automotores, numa tendência de sinalizar para a popula- pela sociedade e pelo meio ambiente.
ção sobre a importância do uso de veículos de passageiros, A geração de energia pode ser comparada à geração
o que normalmente acontece é uma supervalorização do da morte. Atualmente, na base das pirâmides sociais está
uso regular e da compra de automóveis. Afinal, acostuma- havendo costumes tradicionais derivados de um uso cons-
-se com a valorização constante do carro como uma espécie tante e desmedido da energia. É considerado normal aquele
de artigo de luxo, uma espécie de sonho dourado que pre- indivíduo dependente do uso da televisão, do carro e do
cisa ser sonhado por todos. Ou seja, quando os preços dos banho de água quente. Um exemplo: consideremo-nos
combustíveis estão em patamares elevados diante da capa- como sendo uma aldeia indígena protegendo-se de invaso-
cidade econômica da maioria, o carro passa a ser o sonho res; mas, em pouco tempo, os invasores nos convencem ao
encantado que todos precisam alcançar, como também o uso da televisão. No início, como a aldeia está unida, todos
sonho encantado que a maioria nunca irá abandonar. Logo, se sentam ao redor do aparelho, havendo ainda uma espécie
pode-se concluir que a definição desse sonho encantado é de comunhão entre todos. Depois, em pouco tempo, cada
algo parecido com felicidade. Agora, quando os preços estão um dos índios tem a sua própria televisão em casa, e não
estacionados diante da capacidade econômica da maioria, mais se reúnem ao redor do aparelho. Com o passar dos
tal sonho encantado pode ser descrito como contentamento. anos, como não há mais união, torna-se frequente e normal
O uso constante da energia e dos recursos naturais deve- ninguém conhecer ninguém dentro de uma grande aldeia.
ria ser assunto da pauta principal de qualquer nação do Ou seja, ninguém se sensibiliza com ninguém e não há mais
mundo. É que esse uso constante e desmedido da energia e a grande alegria da união.
dos recursos naturais engendra fatalmente a sua destruição.
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Brasil não são tão ricos quanto São Paulo, devido ao menor
ECONOMIA DE SÃO PAULO número populacional, e não porque as pessoas não usam
tanto o smartphone, ou por que não há carros importados
São Paulo é o estado mais rico do Brasil, apresentando da Europa. É importante esse conhecimento, pois há inú-
o maior Produto Interno Bruto entre todos os estados bra- meros políticos e personalidades que desprezam as palavras
sileiros. No ano de 2015, de acordo com dados do IBGE, o “trabalho” ou “trabalhador”, simplesmente por considerá-las
estado de São Paulo era responsável por 32,2% do PIB nacio- ou significá-las como orgulho de subalterno, ou como parte
nal. O estado de São Paulo possui uma economia diversifi- de alguma classificação que define o que seja o escravo.
cada, composta por indústrias automobilísticas, têxtil, quí- Mas há aqueles que usurpam o dinheiro dos trabalha-
mica, aeronáutica e de informática, além de serviços como dores (dinheiro público) naturalmente. E, sem trabalhar,
financeiros e agropecuários. conseguem estabelecer uma regra na maioria da popula-
O estado de São Paulo é considerado o mais rico do país ção, a valorização da desonestidade no Brasil como virtude,
não pela quantidade e pela diversidade de indústrias, mas e a desvalorização da honestidade como sendo algo como
sim pelo número de pessoas (população) que ali residem. “orgulho de pobre”. O guerreiro grego Ares pode ter todas
É que a riqueza, no Brasil, parece nunca ser medida através as virtudes dos deuses: ele pode ser bonito, rico, forte, cora-
da força de trabalho, e sim, muitas vezes, pela quantidade e joso, inteligente, justo; porém, se tal guerreiro for desonesto,
diversidade de infraestruturas consideradas de alta tecno- certamente, para a grande maioria da população, ele já pode
logia, ou seja, construções que empregam inúmeras tecno- ser considerado um guerreiro de perna amputada. Pois o
logias consideradas de ponta (tecnologias mecânicas, elé- honesto é aquele que aceita o pacto social, democrático e
tricas, eletroeletrônicas, químicas, digitais e mecatrônicas). republicano de uma nação ou de um país.
Mas infelizmente o que parte de uma sociedade envaidecida Uma das razões do PIB do Estado de São Paulo ser tão
não sabe, é que a riqueza de um povo, ou de um lugar, ou de representativo, está relacionada ao fato de a sua infraestru-
uma região, somente pode ser medida através da força de tura ser uma das mais eficientes do país, o que permite o
trabalho. Eis um exemplo claro disso: depois de uma festa escoamento da produção com maior rapidez. Pode-se des-
de aniversário de crianças, toda a casa ficou suja e desarru- tacar as boas condições das estradas do estado e as integra-
mada, e assim ficou por inúmeros dias. Logo, a casa ficou ções entre os transportes rodoviário e hidroviário, além do
com um aspecto empobrecido, mas a dona da casa resolveu transporte aeroviário, o que garante agilidade e eficiência
limpá-la e arrumá-la. Para isso, levou alguns dias de tra- no transporte de mercadorias e de pessoas. Além disso, é
balho. No final, a casa já estava limpa e arrumada, adqui- importante destacar o papel das redes de internet e telefonia.
rindo novamente o aspecto enriquecido que tinha antes da A alta tecnologia empregada hoje nas obras de infraes-
festa. Essa pequena história é para assinalar a importância trutura (construção de prédios, estradas, rodoviárias, pon-
do trabalho para a condição de riqueza. São Paulo é sim um tes, fábricas…) pode ser considerada uma das mais eficien-
estado rico, mas essa riqueza advém da gigantesca quanti- tes do mundo. Mas torna-se completamente ineficiente
dade de pessoas que ali trabalham. Já os outros estados do quando o crescimento é desordenado, abusando dos espaços
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periféricos, para tapar buracos de sucessivos agravos da vista em São Paulo. Já às cinco horas você percebe as pes-
infraestrutura abandonada com o tempo. Os centros históri- soas acordando para irem ao trabalho, a palavra sagrada do
cos das capitais são exemplos disso, ao se tornarem áreas de discurso paulista. Às seis horas a mobilidade urbana já se
livre crime como prostituição, contrabando de drogas e etc. torna frequente em suas ruas e avenidas. O sonho nordes-
É comum, ao invés da verticalização, explorar mais espaços tino não precisa muito dos Estados Unidos ou da Europa:
comunitários dentro da cidade. O aumento desenfreado de São Paulo já é o bastante para gerar sonhos de mudança e
construções de novas ruas, estradas, vias, avenidas, praças prosperidade.
e rodovias torna até o trânsito dos pedestres da cidade con- Império também dos negócios, onde quase todo paulista
fuso. O pensamento da cidade torna-se caótico, bem como o tem um pouco de vendedor na alma. Sabe entender os con-
seu funcionamento. Muitas vezes não existe a possibilidade trastes sociais, e mesmo assim consegue vender São Paulo
de se situar dentro da cidade. A mistura confusa das áreas como se fosse um paraíso. Suas construções verticais em
comunitária, comercial, industrial, rural e residencial, torna demasia fizeram com que ganhasse o apelido de selva de
o pensamento cercado do que existe de pior na vida comu- pedra. Ver São Paulo é como inverter o padrão do que é
nitária. Mas o maior dos problemas que todas as cidades belo naturalmente; concebida pelo pensamento humano, a
grandes vivem atualmente, no que tange às infraestruturas, capital às vezes torna-se cinza e carregada no pensamento.
é a completa impossibilidade de o brasileiro abandonar o Cheirar São Paulo é como tentar sentir algo além da polui-
antigo e enraizado American way of life, ou seja, seu sonho ção visual e sonora; os sentidos, muitas vezes, são engana-
particular, seu momento introvertido e extrovertido diante dos. Mas é a cidade arte do Brasil. E por vezes pode também
da vida, o automóvel pessoal. É ele quem sugere o abandono ser considerada uma arte, certamente o lugar onde as pes-
de um lugar para a construção de um outro lugar. A razão soas mais se interessam por arte e música contemporânea.
da vida do brasileiro, o carro pessoal. Até nos cinco sentidos a capital paulista inspira trabalho. Na
Enquanto o PIB do Brasil recuou 4,1%, o PIB do estado visão, as construções erigidas parecem suspender a razão de
de São Paulo avançou positivamente 0,4%. O crescimento descanso. Há uma sensação do passado, de que ali houve
econômico, em meio à pandemia que devasta o país, é um muito trabalho, seja trabalho de força ou intelectual. Quem
sinal de força da economia paulista. não é de São Paulo parece sentir que ficou pra trás na roda
O todo-poderoso estado de São Paulo nunca conseguiu da história.
enxergar que a tração do trabalho paulista é devida em Como a classe trabalhadora reivindica uma melhor parte
grande parte aos nordestinos que ali alicerçam o trabalho da economia! Logo, ela precisa da verdade oculta, pois mui-
mais pesado e sujo no estado. São Paulo e as suas grandes tas vezes a desigualdade social não é tida como verdade para
obras urbanas somente parecem existir por causa da mão as altas sociedades. É como uma moral marxista às avessas,
de obra barata. A cidade parece mais próxima de Pequim pois trabalho é riqueza. Então para alguns a desigualdade
do que de Londres, mas mesmo assim é o orgulho nacional. fica na penumbra, e esse é o lugar dela. Ou seja, o que é
É que o Brasil, muitas vezes, parece querer frear o cresci- uma verdade oculta pode muito bem aparentar uma men-
mento de São Paulo. A corrida do mundo também pode ser tira. Mas quem e o que poderão transformar o oculto em
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razão objetiva? As próprias construções do verticalismo de Paulo já pode ser considerada a capital vendedora do país.
pedra de São Paulo, onde a política é servida também de A economia de São Paulo forma o maior produto interno
modo desigual e onde a população é carente de algum tipo (PIB) municipal do Brasil, fazendo da capital paulista a
de vermelho carinhoso na imensidão do cinza imediato. décima mais rica do mundo.
Qual é a verdade de São Paulo? A mais forte classe traba- Muitos analistas também têm apontado São Paulo como
lhadora do mundo ou a mais alta sociedade da ostentação? uma importante cidade global. Como cidade global, São
A política é feita na base das bravatas e também feita num Paulo teria acesso às principais rotas aeroviárias mundiais e
toque vaidoso de canetas; mas o que realmente parece oculto às principais redes de informação.
é o toque vaidoso das canetas. Por ser pensamento domi- Por mais importante que seja o destaque de São Paulo
nante em São Paulo, as canetas também não são de recuar na economia global, o supercapitalismo se desenvolve mais
suas potências e forças. É legítimo dizer que o pensamento facilmente no território paulista. A característica princi-
dominante de São Paulo é o que consagra, a verdade do tra- pal do capitalismo, que envolve as disputas pelos poderes
balho é uma possível aceitação da desigualdade e as cane- sociais, políticos, econômicos e militares, é que ele possui
tas também trabalham sem cessar, mas para ostentar, e não uma tendência de explorar exponencialmente os agravos da
sobreviver. São os controles dos veículos de comunicação, multidão e do homem. Se existe um cerne de múltiplas cul-
propaganda e bons argumentadores, o que influencia o pro- turas, tais culturas servem apenas para individualizar cada
cesso de formação da opinião pública: qualquer um consi- um, ou seja, a multidão sempre possui menos valia do que o
derado da baixa sociedade teria muito pouco para dizer na indivíduo. Nisso, os mais fracos economicamente são afas-
imensidão do poder vazio em São Paulo. Vazio, pois muitas tados dos poderes por pertencerem ao extrato da multidão.
vezes as canetas preferem validar as rotinas das estruturas É que num sistema como esse, a multidão não tem valor
sociais, do que fazer valer algum estopim de revolução, seja algum, somente o indivíduo.
individual ou coletiva. A rotina do trabalho é a validação do
poder que desregula a potência da igualdade.
Por ser a capital do trabalho formal, pode-se muito bem ECONOMIA DO RIO DE JANEIRO
dizer que é também a capital do trabalho informal. Nesses
desacostumados anos de terceiro milênio, o supercapita- O estado do Rio de Janeiro é o segundo maior em geração
lismo trouxe uma espécie de normalidade para o trabalho de riqueza no Brasil. Sua economia está baseada na produ-
informal, ou seja, trabalho hoje, considerado sério, é o traba- ção de petróleo, sendo o principal produto de exportação
lho de vendedor. A grande maioria dos estudantes estudam do estado.
não o curso, mas sim uma espécie de terceiro grau para ser No setor secundário, o estado é muito industriali-
vendedor. Parece ser esse o único ofício para a maioria dos zado e conta com várias indústrias de destaque nacional,
jovens: resta apenas a cada brasileiro ser vendedor. Não dá em especial na região sul fluminense, em cidades como
mais para sonhar em ser médico, advogado, engenheiro ou Volta Redonda e Resende. As principais indústrias do Rio
arquiteto. Resta fazer terceiro grau para ser vendedor. E São de Janeiro são a petrolífera, siderúrgica, automobilística,
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química, farmacêutica e alimentícia. economia surge como se fosse um Estado lúdico e surreal,
O setor terciário tem como principal gerador de rique- sem qualquer tipo de regulação, como se fosse um neoa-
zas o ramo de serviços, sendo que o principal elemento é o narquismo, onde a economia gira em descontrole diante
turismo, uma vez que o estado é um destino internacional das ordens. Ou seja, nas favelas, a economia surge sem per-
de renome e que recebe muitos turistas durante todo o ano. tencimento ou regulação, transcendendo o neoliberalismo
O Rio de Janeiro se destaca como gerador de serviços por numa espécie de neoanarquismo. Muitas vezes, o Estado
causa do turismo, e nem sempre consegue esconder o ritmo pode regular preços, como por exemplo o do petróleo, o que
do desenvolvimentismo de século 20. A Mata Atlântica, cer- muitas vezes atinge a economia das classes mais altas. Mas
cada pelas desigualdades sociais, parece ruir com o tempo. nas favelas o que se estende é uma economia que vai além
Como existe um mercado forte imobiliário, as texturas da do neoliberalismo. Todos precisam se virar de qualquer
Mata vão se perdendo com o tempo, dando lugar para as jeito e, como não parecem pertencer ao Estado, na favela
construções verticais. As favelas são outro problema social o manto do neocapital é uma espécie de rotina a que todos
da região, onde podemos encontrar as maiores do mundo. já se acostumaram. É que nesse tipo de comunidade nunca
Nelas existe uma espécie de organização social natural, que há a intervenção do Estado — é um capitalismo paralelo ao
parece transcender a sociedade urbana do Rio. Ali, há mais capitalismo urbano. Nas maiores favelas pode-se encontrar
de amparo ao próximo do que normalmente se aparenta: vários tipos de comércio, e até bancos. O florescimento da
aquilo que poderíamos chamar de cristianismo no Brasil, baixa classe média nas favelas trouxe novas normas para o
é mais repercutido nas favelas. Há uma espécie de harmo- giro do capital econômico. E, muitas vezes, pode-se enganar
nia entre seus moradores, que faz lembrar algumas virtu- aquele que pensa que a favela é feita de desassistidos da eco-
des cristãs, como humildade e fortaleza, de uma maneira nomia, ou mera região onde negros e pobres se encontram.
mais viva. Já na sociedade urbana, os bancos financeiros e
os grandes trustes empresariais são a baliza de uma ordem
econômica regendo o que é de um e o que é de outro.
Contudo, como a favela se sustenta? Em uma economia REFLEXÃO:
informal, quando não há trabalho, inventa-se de qualquer
maneira. Não há qualquer tipo de assistência pública, mas As mensagens e os milagres podem ser a penum-
até dentro da favela, ou seja, dentro da cultura do subdesen- bra de um amanhecer lógico. O número que nin-
volvimento no Brasil, há também distorções e outras classes guém conhece vem da vida posta no branco e no
sociais. Até mesmo dentro da favela pode-se encontrar a espaço. Visitando a antemanhã da bondade e da
baixa classe média. O capitalismo não se preocupa muito borboleta. O alívio tilintando entre os vales do
com o que se gasta, mas sim com o montante gasto. Apesar agradecimento ou os vales da antiguidade. Nem
do pouco poder aquisitivo de cada indivíduo, a soma total sempre o que é singular consegue ser soberano com
apenas um soldado.
de todos é levada em consideração pela economia neolibe-
ral. As favelas no Brasil chegam a movimentar 120 bilhões
de reais por ano. Como não há governo para as favelas, a
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No capitalismo, o capital é a essência, ou seja, o capital é causa da produção do papel-moeda, pode ser muito bem
tudo. Mas para se obter o capital, a maioria dos indivíduos maior diante de simples números.
precisa do trabalho. Então, a sociedade capitalista promove A economia numa favela poderia estar separada da eco-
o trabalho desmesurado, pois o trabalho não é a essência. O nomia do perímetro urbano por uma razão óbvia: enquanto
desemprego surge da distância entre o indivíduo e o capital. a sociedade urbana se utiliza mais de conhecimento do que
Já numa sociedade supercapitalista, além do trabalho como de trabalho para obtenção do capital, a sociedade da favela
distância entre o indivíduo e o capital, há também o conhe- se utiliza mais de trabalho do que conhecimento. É por
cimento. Assim, num supercapitalismo, o indivíduo para isso que o sistema neoliberal tenta alienar o conhecimento
alcançar a essência (capital) precisa de trabalho e conheci- para essas comunidades. Mas não existe nenhuma certeza
mento, muitas vezes em doses exageradas. sobre a sociedade urbana ser infalível; é que a obtenção de
O capitalismo funciona para gerar capital, mas como nem conhecimento se faz também através da intuição da música
todos possuem esse capital, ele acaba gerando também o e das artes. Ao passo que a sociedade urbanizada confere
trabalho. Ao super desenvolver o trabalho, ele também gera sua intuição através de ritmos musicais da moda, as favelas
a destruição do meio ambiente. Num exemplo disto, temos dependem mais do talento do que música pré-fabricada. As
que ao fabricar um produto feito de metais, existe a neces- revoluções surgem através da inventividade e da intuição das
sidade de extrair o ferro da terra, gerando a destruição do baixas sociedades. Enquanto as altas sociedades se utilizam
que é natural. Muitas vezes o conhecimento surge para faci- da música para divinizar o amor, as baixas sociedades se
litar um tempo mínimo, a extração desse minério de ferro, utilizam da música para o sexo gratuito. Logo, há uma dis-
como exemplo. Logo, imagine todas as áreas do conheci- tância menor diante do amor, o que consome mais as von-
mento, juntas, facilitando a destruição. É que cada indiví- tades dos mais jovens. Quem revoluciona, a Legião Urbana
duo para obter capital precisa, além do trabalho, também ou os Racionais? É claro que teríamos mais afetados diante
do conhecimento. da Legião Urbana, e mais politizados diante dos Racionais.
Como também é aceito definir o capital como números, É que a política da força do vale-tudo neoliberal está mais
então podemos não chegar a números finitos. Ou até pode- presente nas favelas do que no discurso comunista da classe
ríamos, fazendo cálculos diante de toda a riqueza que os média.
ecossistemas do planeta podem gerar numa faixa de tempo. O potencial das favelas é subestimado economicamente,
Já existe em alguns países um capitalismo sem o papel- apesar de elas também serem um grande mercado con-
-moeda, ou seja, um capitalismo feito de números eletrô- sumidor. Apesar do pouco conhecimento, as favelas uni-
nicos. E um capitalismo feito de números facilitaria ainda das são economicamente fortes, e o trabalho é a sua maior
mais a destruição, pois a impressão do papel-moeda poderia riqueza. Se fosse possível alienar a sociedade urbanizada, a
reduzir a capacidade de riqueza; mas quando lidamos com favela seria uma classe trabalhadora com padrões de riqueza
números apenas, então o capital pode sobreviver da fantasia. equilibrados.
É que o papel-moeda precisa da sua produção, enquanto os Muitas empresas não conseguem enxergar qualquer van-
números são livres. A riqueza que poderia ser menor por tagem diante das favelas, mas é um mercado forte e que
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deveria ser pensado com mais respeito — é que nessas criminalizada por estar à margem da sociedade. Por não
comunidades existe a vontade de querer consumir o que haver captação de impostos, aos moradores ficam destina-
as classes mais altas consomem. Parece que o grande capi- dos os rótulos de subcidadãos. Nisso, nas entrelinhas, sur-
tal ainda não reconheceu o poder econômico das favelas. É gem as fagulhas do racismo para piorar a relação entre as
notório o quanto seus moradores consomem de tecnologia, camadas sociais da cidade. Essa criminalização das favelas
como celular e internet. oculta a verdadeira economia de seus moradores. O traba-
Na Rocinha, por exemplo, há trabalhadores da zona sul lho informal, apesar de ser malvisto, é a base dos ganhos
do Rio que muitas vezes conseguem consumir a mesma tec- destas comunidades, como também é a base da economia
nologia dos patrões. Nas últimas décadas, nas favelas pode- das camadas mais populares. As favelas podem ser vistas
mos encontrar pequenos negócios, como salões de beleza, como grandes cidades informais, onde o trabalho surge ou
lojas de roupa, calçados, brinquedos, mercadinhos, farmá- é inventado. Não se espera muito de órgãos governamentais
cias e restaurantes. Muitas vezes as grandes empresas não se ou agentes privados.
usam das favelas, mais por distanciamento cultural e social Apesar de haver redutos para o comércio ilegal de dro-
dos executivos. gas, não é com esse comércio que a maioria dos moradores
As favelas surgem paralelamente ao crescimento de gran- sustentam suas famílias.
des cidades. Atualmente, todas as capitais já possuem suas
favelas. É gente que migra de uma região a outra atrás de
novas oportunidades de vida e, ao não alcançar tais opor-
tunidades, o indivíduo acaba agregando-se ao número de REFLEXÃO:
moradores da favela.
A favelização ocorre com a falta de planejamento público As artes em branco buscando através do bicho-
diante dos fluxos migratórios. Depois que o período de -homem o que é produto. Tão vazias as piedades
favelização se torna frequente, mudar esse destino torna-se do concreto. Algum dia pode ser possível o abraço
quase improvável. Afinal são moradores de baixa renda, que das armas diante do pré-romantismo que surge no
trabalham no mercado informal, e a favela é a única con- bronze. Pode ser ausência ou tendência de afini-
dição de sobrevivência. A favelização ocorre muitas vezes à dade com o agora apaixonante. Nem sempre a tota-
margem do Estado. Ela se fortalece da cooperação de seus lidade é de rosa-rubra como também nem sempre
é da quantidade do pueril.
moradores, e assim surgem atividades não regulamentadas
ou até ilícitas. Um dos problemas que as autoridades enfren-
tam é que os recursos públicos estão tomados para fortale- É inegável que as favelas brasileiras participam hoje de
cer a economia do mercado informal — mesmo assim as qualquer panorama do urbanismo nas grandes cidades, pois
comunidades são exploradas para motivos eleitoreiros, onde além de concentrarem grande parte da população, elas exis-
quase nada é retribuído. tem com suas diversidades culturais, sociais e econômicas.
Muitas vezes a economia da favela é ocultada ou De alguma forma, os planejamentos urbanos deveriam
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priorizar também as características das favelas, pois não há poder político de Direita. Nisso, o Estado precisa enxergar
como alienar o seu desenvolvimento. que muitas vezes a existência de uma política social também
A favela surgiu no final do século 19 como cortiço. Com faz parte da sua capacidade controladora da ordem pública.
o aumento das grandes cidades, muitos indivíduos viam Pois se o Estado se considerasse perfeito, mesmo através de
a possibilidade de ser um assalariado. E com a libertação realidade inóspitas, então ele também pode ser visto como
dos escravos, a grande maioria precisava de trabalho nesses produtor do descaso público.
grandes centros, como Rio de Janeiro e São Paulo. Ao che- Outro problema social está na generalização, que muitas
gar, percebiam que as oportunidades eram poucas e por isso, vezes parte da mídia, de que a favela é um local de violência
muitas vezes, construíam seus cortiços em terrenos livres. O e de criminosos. Essa generalização faz parte do precon-
cortiço é como a semente da favela; surgiu juntamente com a ceito social e racial da sociedade urbana, porque a violência
revolução industrial no Brasil, e com o aumento progressivo pode estar em qualquer lugar, mas essa determinação surge
da população de modo geral. Para o assalariado de baixa muitas vezes porque é na favela onde se encontra a socie-
renda, a favela parecia ser sempre a oportunidade viável de dade subordinada. Assim é mais fácil defender os erros dos
moradia nessas grandes cidades. A Revolta Armada no Rio subordinados do que a falta daqueles que subordinam. É
de Janeiro no final do século 19 também trouxe motivos que dentro da sociedade urbanizada também há crimino-
para muitos militares construírem seus diversos barracos sos perigosos, ou até mais, se levarmos em conta a capa-
nos morros cariocas. cidade de poder sócio-político-econômico. Dizer que na
A transformação dos cortiços em favelas se deu entre as favela somente moram bandidos é uma maneira simplista
décadas de 1950 e 1960 no século 20, com o crescimento de enxergar as mazelas sociais. Como em todo lugar, tam-
vertiginoso dos barracos em morros. Esse crescimento está bém há uma grande maioria de trabalhadores, e que vivem
diretamente ligado ao processo de industrialização e urba- de maneira honesta e honrada.
nização. Nesse período, o êxodo rural fez com que a concen- Ao invés de ter o desprezo público, as favelas deveriam ser
tração urbana surgisse de maneira desordenada. vistas como uma comunidade rica do agrupamento cultu-
Como política social, o Estado não pode de maneira ral. O planejamento urbano também deveria subir o morro
alguma criminalizar a favela. A existência social dos morros como forma de participação social do Estado. Virar as costas
deveria ser vista como uma espécie de ineficiência do Estado para as favelas é o mesmo que desconsiderar a cidade, pois
para esse problema urbano. Afinal, a realidade social faz parte relevante da capacidade cultural pertence às favelas:
parte do confronto político, ou seja, o Estado não consegue é um modo característico de entender a cidade através das
solucionar o problema da favela por falta de ordens políti- classes mais baixas. Entender que a cultura nasce de baixo
cas. Assim, se o Estado torna-se vazio de políticas sociais, para cima, e não de cima para baixo. Entender, enfim, que a
então ele deve reconhecer a existência de algumas realidades cultura é um modo de vida.
inóspitas. Pois criminalizar a favela é como adotar uma polí-
tica de ultradireita, como se o Estado existisse sempre como
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espírito, pois sempre há aquele outro que possui mais capi-
ECONOMIA DE MINAS GERAIS tal. Logo, as formas de se obter o capital são alteradas no
limiar do tempo. E às vezes pode-se encontrar aquele que
O estado de Minas Gerais apresenta a terceira maior eco- nunca teve a sensação do capital, tornando a busca frequente
nomia do Brasil, com participação de aproximadamente durante toda a vida.
8,7% do PIB brasileiro. Possui uma economia diversificada Se a experiência humana é a sensação, e a sensação, num
e dinâmica. Embora, como em todo país, o setor terciário mundo supercapitalista, é obter capital, então a sociedade foi
(comércio e serviços) seja predominante diante das indús- roubada de seus sonhos, pois nem todos possuem essa sen-
trias e da agropecuária, podemos destacar em Minas Gerais sação. Determina-se assim a luta frequente de classes sociais,
a importância, que vem desde o período colonial, dada ao daquele que está mais próximo até aquele que está mais dis-
forte desenvolvimento das atividades ligadas à extração de tante do capital. Parece que todos precisam vender até o
recursos minerais, principalmente o minério de ferro e o planeta se for preciso, ou seja, a sensação e a associação de
manganês. ideias sobre o capital muitas vezes não existe. Assim, é mais
A fatalidade de toda a sociedade atual é a presença mar- cômodo para o trabalhador ter ideias sobre o socialismo, e
cante do comércio, seja ele formal ou informal. A vitória o grande empresário ter ideias sobre o neoliberalismo, pois
deselegante do capitalismo mundial fez surgir em quase participamos de ideias de sensações. Mas o que se nota na
todo o planeta a ordem geral do comercialismo: parece que prática, dos anos noventa pra cá, é a derrota do discurso
todo habitante precisa ser um vendedor para sua sobrevi- da maioria; parece que não existe nenhuma utopia a mais
vência. Com a desordem do comercialismo, onde a maioria para ser idealizada. É que o discurso dos liberais venceu a
dos mercados está aberta, algumas desestruturas fizeram prática cotidiana. E agora, cada vez mais, precisa-se vender.
surgir partes de uma guerra mundial. E, assim, nem Minas Num mundo assim, o setor terciário da economia tornou-se
Gerais está segura. O supercapitalismo começou a ruir a predominante, ou a base da sociedade em geral. Inteligência
segurança e a tranquilidade. Isso ocorre quando o capital se torna-se a virtude daqueles que sabem vender.
torna tudo que faz o homem trapacear outro homem, seja de Ora, se o cristianismo fosse de alma de todos a verdade
maneira social ou marginal. A política de um contra todos religiosa, então o sistema político da sociedade deveria ser
fez surgir ditadores num rompante de presidente imperial. o socialismo, pois este está mais próximo da realidade de
A ultradireita parecer ser uma solução diante do artificia- compartilhar com o outro. Como é ilógico uma sociedade
lismo das economias neoliberais — e para reger essa desor- dizer-se capitalista e cristã ao mesmo tempo! A ideia de uma
dem, surge uma Quarta Revolução Industrial, imperialista é quase o oposto da ideia da outra. O capitalismo existe para
e desumana. a realidade da soberba, da vaidade, da mentira, da ganância
Perde-se a noção do que é público ou individual, pois e do egoísmo. São vícios permanentes do capitalismo que
tudo está à venda, para não haver limites para a acumula- nenhuma sociedade cristã aceitaria.
ção. Se a experiência humana é a sensação, qual é a sensa- Analisemos a causa e o efeito da superdosagem dos
ção quando o capital é tudo? Parece não haver quietude de mercados livres no mundo. Como o socialismo está quase
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extinto, atualmente vive-se do lúdico sobre esse neoliberal, mais presente. Uma mineração que vem desde os tempos
assolando o desemprego e a miséria. Se a realidade é um ter coloniais até os dias de hoje, com a extração do minério de
muito, e muitos terem pouco, então existe alguma espécie de ferro. É uma atividade econômica importante para Minas
magia que reverbera entre a maioria, a aceitação do status e para o Brasil. O uso dos recursos minerais acompanha
permanente. E há como mencionar essa magia: é a televisão, quase toda a história da humanidade — e as maiores evolu-
a base propulsora para esse supercapitalismo de consumo ções do homem se dão através das inovações tecnológicas da
exagerado. A televisão parece ser um sujeito mental que sus- mineração. Nesses tempos de superconsumo, o homem está
tenta toda a capacidade de compreensão da sociedade atual. utilizando cada vez mais metais em seus produtos e objetos.
Parece às vezes ser a televisão quem conduz as normas sobre Mas para isso se realizar hoje, é preciso uma condição de
o que é bom ou ruim, ou o que é bem ou mal. Uma magia desenvolvimento sustentável, até para a atividade ganhar um
fácil das altas sociedades, eliminando da maioria o próprio novo fôlego com um perfil de avanço econômico.
discernimento. É bastante importante que as mineradoras estejam em
Parece que a televisão torna os pensamentos constantes, completa fusão com a sustentabilidade. As áreas degra-
sem nenhuma capacidade de reação. Pois a televisão não dadas pela mineração já podem ser vistas do espaço, e o
quer revolucionar, ela apenas comunica o que todos já espe- extermínio da fauna e da flora nessas regiões é algo pavo-
ram ela comunicar. Ela parece ser a base constante para a roso. As mineradoras não costumam recuperar os espaços
permanência de um supercapitalismo frio, duro e ordinário. do meio ambiente destruído, ocasionando uma perversa
devastação. Tais empresas de mineração, quando agem
dessa forma depois de suas atividades, acabam burlando a
atual Constituição. Pois toda atividade econômica deve ser
REFLEXÃO: realizada através de proteção ambiental, causando o menor
impacto ambiental, social e econômico possível. Quando as
minas são abandonadas há um perfeito descaso para com
Não há rimas nas palavras mais serenas. A som-
bra sem nenhum rumo ou distância para percorrer: o desenvolvimento da região. Ou seja, se o Quadrilátero
tudo parece rotina de prudência e proximidade. A Ferrífero não for recomposto de maneira a permitir a vida
queda do vento vendido e valioso ao agradecer o do meio ambiente, logo não haverá comunicação entre as
anoitecer. É como estar livre diante de uma mol- mineradoras e a sociedade. E, assim, parece que todos per-
dura artificial, sem a lógica da princesa inocente, mitiram a destruição de parte de um ecossistema que ainda
aquela do elogio mais sublime, a natureza sem resiste com o tempo.
mensagens. A anunciação do bege como se fosse A extração mineral vai diluindo a capacidade de uso para
um boneco de boa-fé. O auribranco estampado em
nossos pensamentos mais bastardos. o futuro, e nisso parece não haver comunicação com par-
tes envolvidas na reciclagem. O uso atual desses materiais
não pode ser esgotado para as futuras gerações. Além da
Minas Gerais carrega até no nome a vocação de minera- necessidade de mais cuidado na extração, ao haver o fecha-
dora. É um dos estados brasileiros onde a mineração está mento de uma mina deveria logo em seguida haver um
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reflorestamento, para ao menos garantir algo que seja deno- sociais e econômicos depois do fechamento das minas. É
minado vida àquele ambiente. que as sociedades locais tornam-se muito dependentes
A atividade minerária é considerada quase que essencial do empreendimento das mineradoras e, com a interrup-
para a economia brasileira, e por isso também deveria ser ção de suas atividades, há uma enorme queda nos índices
considerada essencial a sustentabilidade nessa área. É que socioeconômicos.
quanto mais evolui a mineração, mais as empresas precisam Com os impactos ambientais deixados pelas mineradoras
estar adequadas às leis do país e às leis do mercado, ou seja, no país, deveria se pensar melhor em uma redução da extra-
precisam criar alguma harmonia entre a extração feita hoje e ção para, na mesma proporção, elevar os índices de recicla-
a extração feita no futuro, mas para isso o desenvolvimento gem de metais. As inovações tecnológicas existem para faci-
sustentável precisa ser feito hoje. Não há como produzir litar a reciclagem e aumentar a produção. Se o país precisa
como se fôssemos alienados nos dias de hoje, alienados às mesmo de alguma espécie de vanguarda econômica, essa
leis e ao mercado, produzindo em escala extracomum numa vanguarda precisará estabelecer relações com a reciclagem
espécie de desenvolvimentismo de guerra. É que para muitas de materiais. Podemos até pensar num possível quarto setor
mineradoras o século 21 ainda não chegou, e o fechamento da economia, a reciclagem de produtos descartados no meio
de uma mina por essas mineradoras é como a plena devasta- ambiente. Isso é importante, pois vários países já estão pen-
ção da terra: parece não haver suspiro de vida nessas regiões. sando nesse problema atual, o descarte do superconsumo de
Os empreendimentos minerários não podem ser exercidos produtos e materiais. Já que o sistema produtivo funciona
sem alguma licença social ou política. Não se pode simples- exemplarmente para o superconsumo, precisa haver como
mente estabelecer as regras da extração do minério, sem resposta econômica a super reciclagem de materiais.
haver a permissão da sociedade para isso. Já é tão natural O desenvolvimento urbano, que vem se dando de forma
a sociedade crer na sustentabilidade, que qualquer degra- exagerada nos últimos anos, combinado ao supercon-
dação ao meio ambiente pode ser vista como aniquilação sumo, está degradando a urbanização das grandes cida-
social e ambiental. Para haver uma maior respeitabilidade des. Encontram-se rios completamente poluídos, um ar de
diante desses empreendimentos, a comunidade local deve- péssima qualidade e uma poluição visual e sonora inextin-
ria ser consultada para estabelecer se aceita ou não a extra- guíveis. Parece haver sustentabilidade somente nos livros
ção do minério em sua região. Mais do que estar antenado e nas revistas. Os órgãos públicos capacitados já deveriam
às leis governamentais, a licença social da comunidade é ser orientados para a fabricação da reciclagem. O meio
importante para aqueles que vivem nos arredores da mina, ambiente, constituído pelo solo, água, ar atmosférico, flora
pois são aqueles que terão que arcar com as consequências. e fauna está numa consequente deterioração pela urbani-
A inovação da ciência também vale para isso, para o uso zação em nossas capitais. O solo é algo invisível dentro das
de recursos mais limpos na extração do minério, com ino- cidades. O contato com a terra está cada vez mais raro. O
vações tecnológicas que promovam a sustentabilidade do homem parece que precisa perturbar a natureza e desconhe-
empreendimento. Além da recuperação dos terrenos degra- cer a importância de estar integrado com o meio ambiente.
dados, deveria haver uma maior preocupação com os efeitos O urbanismo das grandes cidades parece que foi feito para
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a terra ser suprimida. Ao invadirmos as terras dos índios, tudo aquilo que deriva o consumo deveria estar com seus
nem sequer há uma lembrança de que para eles a terra é a dias contados, como é o caso da televisão. O consumismo
deusa-mãe, a deusa da fertilidade, é ela quem sustenta a vida que ela engendra faz a sociedade retroceder o pensamento
no planeta. Para os índios, tudo nasce da terra. Ao derrotar de equilíbrio com o ecossistema. Isso é mais fácil de ser
a terra da maneira que é suprimida nas cidades, estamos notado nas grandes cidades, onde o descarte de produtos
valorizando a destruição de quem nos deu a vida. Assim é num dia apenas é de uma capacidade quase sobrenatural.
o pensamento sábio dos índios, mas parece valer bem mais As políticas públicas deveriam priorizar a sustentabi-
nossas invenções tecnológicas. Já a água nas cidades é algo lidade, ainda que seja passado. Por esse motivo uma das
que pode ser determinado como pavoroso; os rios parece prioridades deveria ser a reciclagem. A sociedade precisa
que fazem parte das lixeiras da cidade. Verdadeiros deuses entender, antes que seja tarde, a importância da reciclagem
indígenas, os rios pertencem mais aos esgotos do que ao de produtos e materiais para um possível desenvolvimento
meio ambiente. Como é triste ver um rio de uma grande sustentável. Não há mais tempo para encontrar o futuro: as
cidade! Até não parece ser a água uma deusa indígena! cidades precisam viver equilibradamente sob seus respec-
Para haver algum motivo mais racional para o consumo, tivos ecossistemas. Salvar nossos rios mortos das grandes
deveriam existir algumas regras para a propaganda. A socie- cidades deveria ser uma espécie de ordem pública, ou talvez
dade precisa se conscientizar de que as propagandas surgem uma reurbanização para integrar a cidade ao bioma. É que a
num ritmo oposto ao da sustentabilidade, pois elas são deci- cidade precisa pertencer ao ecossistema, e não ceifar a capa-
sivas para o super consumo. E, nisso, deveríamos reaprender cidade de vida no meio ambiente a que pertence.
a viver sem a televisão, já que ela é o suporte mais perfeito O vazio nas cidades diante da sustentabilidade é grave,
para a base do consumismo no mundo. As pessoas sempre pois a salvação somente aconteceria com uma reurbaniza-
preferem comprar aquilo que a televisão vende. Por mais ção. De nada adianta construir ciclovias se os habitantes
que queiramos uma televisão mais educativa, o reverso é o não abandonam seus carros tão facilmente. Como também
que acontece. Afinal a televisão vive de propaganda, e o capi- uma reeducação levaria longos períodos para se chegar a
talismo se utiliza sempre desse poder. Deveria haver algum algum resultado final, uma das opções atuais seria abolir
cuidado da sociedade diante da televisão e suas propagandas as propagandas das grandes marcas de automóveis. Todos
superconsumistas, pois o pensamento sobre a sustentabili- já conhecem os efeitos hipnotizantes das propagandas. As
dade está atrasado no mundo. Precisou-se de mais de um cidades não conseguem mais suportar a mega quantidade
século de puro capitalismo para o homem enxergar a impor- de veículos poluidores todos os dias. Assim como aconteceu
tância dos rios para a vida na cidade. Enquanto Londres com as propagandas de cigarro, deveria acontecer o mesmo
busca descontaminar o rio Tâmisa, no Brasil se discute a processo com as propagandas de carro, um super luxo que
construção de um trem-bala, mesmo sendo os nossos rios desequilibra a existência comprometida entre a cidade e o
os mais poluídos do mundo. meio ambiente. É preciso algum entendimento de que o
A sociedade urbana está interligada ao seu ecossistema futuro existe, mas sem veículos poluidores todos os dias.
para haver alguma espécie de equilíbrio entre as partes. E Precisamos entender que a modernidade somente existe
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com a integração ao meio ambiente.
A regra dessa Quarta Revolução Industrial parece ser a
inovação, mas a inovação não somente existe para cortar
custos, agregar valor ou vender mais. A inovação também REFLEXÃO:
precisa ser utilizada para compor as regras de uma socie-
dade que priorize o equilíbrio entre a sociedade e a natureza. O tempo vaivém para ser agora com água e juízo.
Muitos costumes antigos precisam ser derrubados, como Mas a totalidade é soprar qua-qua-quá nas curvas
é o caso do uso da energia hidrelétrica. Não dá mais para do provável. Rimas serenas de partes da mudança.
sustentar tais usinas que assolam parte do ambiente onde O odor da geometria na penumbra da natureza.
são construídas. Além de anular um sistema ambiental, são
energias de alto custo comparadas às energias eólica e solar.
Isso equivale a dizer que a inovação precisa partir também Podemos facilmente dizer que o capitalismo é o capital,
de uma primada educação sobre os componentes da vida. pois o capital é a sua essência. Mas não acontece o contrá-
É preciso entender que o desenvolvimento econômico rio, ou seja, o capital não é capitalismo. Pois pode-se fazer
precisa participar integrado à defesa do meio ambiente. socialismo com capital, pois o capitalismo não é a essência
Todo empreendimento precisa estar interligado com solu- do capital. Afinal, o capital pode surgir do trabalho. Então, o
ções de sobrevida para a natureza. A cidade precisa ser pen- trabalho faz surgir capital que pode servir tanto para o capi-
sada como parte do ecossistema. E muitas vezes grandes e talismo quanto para o socialismo. Escolhemos então a maior
médias empresas se utilizam da sustentabilidade apenas para das empresas, o Estado. Logo, como se fosse uma empresa
o funcionamento de marketing. Pensando assim, se batês- matriz, o Estado pode vender empresas estatais como tam-
semos na porta de todas as empresas, teríamos como res- bém pode comprar empresas privadas, sem fazer ruir a lei
posta que o futuro já chegou, pois nenhuma descuidaria de do livre mercado. Pois se uma empresa privada aceita o valor
um marketing tão importante como é o marketing susten- pago para ser comprada pelo Estado, então, não há mal
tável. O que às vezes se apresenta é o consumo verde como nenhum em buscar o socialismo do Estado dentro de uma
único aliado, ou seja, depende-se das leis do mercado, oferta sociedade capitalista. Basta, para isso, apenas força política.
e procura de produtos e empresas que estejam determinadas
ao desenvolvimento econômico sustentável. O que é muito
pouco diante da enorme falta de cultura e educação para ECONOMIA DO ESPÍRITO SANTO
esse desenvolvimentismo.
A economia do Espírito Santo é baseada principalmente
nas atividades portuárias, de exportação e importação
(maior do país) e está indo muito bem na indústria de celu-
lose e de rochas ornamentais, como o mármore e o gra-
nito (maior do mundo), na fibra de celulose (maior do país)
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extraída dos pinheiros de eucalipto, na exploração do petró- manifesta, é provável que tal acontecimento nunca surgirá.
leo (segunda maior) e gás natural (maior do país), além da Mas a manifestação contínua diante das contradições pode
diversificada agricultura, principalmente do plantio do café. talvez almejar condições melhores. E, nisso, as experiências
Muitas vezes a realidade parece ser inatingível. Uma eco- de lutas populares são vistas como verdades mais fáceis de
nomia de mundo rico ao redor de um mundo pobre. Talvez serem aceitas. É que toda força política nasce de uma afir-
seriam as limitações da individualidade na economia brasi- mação que logo se supõe possuir sua própria negação. É por
leira. O ego seria a resposta mais direta. O mundo se apre- isso que as contradições, afirmações e negações podem fazer
senta sempre com mudanças, mas a experiência da econo- surgir uma terceira via de afirmações, ou seja, se o povo não
mia revela sempre as mesmas disparidades. Se a história consegue o aumento salarial que almeja, ele pode conse-
parece mutável, outras características de uma sociedade não guir outras vantagens. Assim, a manifestação contínua faz
parecem mudar facilmente. O que falta é uma parte da cons- realmente surgir uma força democrática de alcance diante
ciência ligada ao mundo. Ou seja, a consciência é a realidade de algumas prioridades de alguma sociedade. É impor-
próspera de um país, pois tanto os mais ricos quanto os mais tante para um povo que busca justiça e igualdade diante do
pobres precisam adequar a consciência diante da vida. Uma Estado, estar sempre atento para as manifestações, sejam de
mistura de valores como honestidade e justiça para facilitar ordem cultural, política, filosófica, religiosa ou científica.
a adequação da consciência diante da vida. Um povo consciente é um povo que sempre se manifesta.
Quando o indivíduo (sujeito) tem consciência sobre seu Portanto, ele precisa se manifestar culturalmente, tanto nas
país (objeto), ele pode se tornar o próprio objeto. A cons- artes como na política. Precisa se manifestar na música, no
ciência seria o respeito diante do outro. Poderíamos classi- teatro, nas artes plásticas, na literatura… Um povo cons-
ficar que amar seu país é ter consciência diante dele. São as ciente precisa manifestar-se continuamente.
contradições entre mentira e verdade, honestidade e deso- O ser humano não possui uma consciência imutável, e a
nestidade, que dificultariam ou facilitariam a consciência sua razão é construtora de realidades. Se em algum momento
diante da sociedade no Brasil ou em qualquer outra socie- o indivíduo possui uma consciência de tendência a um pen-
dade, pois a consciência traz a realidade mais próxima. samento A, pode ser que a partir de algum tempo ele tenha
A manifestação é rica pois ela atrai as contradições. Se uma tendência ao pensamento B, ou seja, sua consciência
um povo, no caso o povo brasileiro, sempre está em ato de não é imutável. Assim, se agrupássemos um maior número
manifestação, ele sempre estará diante das contradições que de indivíduos, provavelmente haveria uma transformação
exercem influência sobre sua parte consciente. Ao não ces- social a partir de uma consciência diante de determinada
sar as manifestações populares, seu povo mantém o ideário realidade.
estabelecido diante de forças políticas. O ser humano, na busca do maior desenvolvimento, esta-
A força política de um povo exerce força somente diante ria pronto para se conscientizar, e assim tornar a manifesta-
das contradições. A história somente consegue ser movida ção política uma maneira de transformar os atos da socie-
diante das contradições. Um exemplo disso é quando o dade. Mas nos aspectos da realidade, a razão somente ainda
povo precisa de algum aumento salarial. Se esse povo não se não é a única potência de transformação social, pois os
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sistemas econômicos, como a lei do mercado, ainda são far- como também acomodando parte da população diante da
tos diante de acontecimentos e realidades. É que não basta economia dos portos. É por isso que se torna importante
a razão, ou uma consciência diante de um mundo livre: as perceber que o capital transnacional muitas vezes consegue
leis de mercado ainda atuam para reprimir qualquer trans- ferir o aparato estatal, pois os agentes da globalização pro-
formação social. Uma das dificuldades de se compreender movem novas classes capitalistas. Num momento assim, os
a conscientização diante das leis do mercado é o uso sin- ricos conseguem ficar mais ricos. O Estado corre o risco
tomático da irracionalidade. Para se vencer as leis do mer- de perder sua autonomia hegemônica. Torna-se também
cado, primeiro é necessário conhecê-las para então conse- um risco a fragmentação da cultura local. Aquilo que é belo
guir dinamizá-las através da boa aventurança da sociedade. localmente pode ser feio globalmente, logo, desestruturando
Por mais que o mundo industrial seja irracional, o indi- a harmonia cultural do Estado. Na globalização, nenhum
víduo, sendo consciente, poderia encontrar desvios e erros país ou região está fora do sistema capitalista de produção.
dentro das leis de mercado. Por isso, deveria haver uma maior relevância ou resolução
O estado do Espírito Santo é conhecido por sua economia diante da exportação. Deve-se entender que a importação
baseada na exportação e na importação. Então quem traba- leva à desestruturação, com o tempo, de parte da sociedade,
lha nos portos deveria, por algum momento, estar conscien- da política, da economia e da cultura de uma região.
tizado disso e estar mais atento, e também mais dedicado à O perigo que o capitalismo global traz é o risco da fra-
manifestação popular e política, já que a economia do estado queza de uma região diante do mundo. Pode assim ocorrer
está um pouco alicerçada na exportação e importação do a mercantilização da vida social, já que muitas vezes saúde
país. e educação não são tão consideradas pelo capital transna-
É que a busca pelo capital e suas leis muitas vezes carecem cional. E assim, saúde e educação entram, se possível, na
de valores humanos, razão pela qual a conscientização e a capacidade financeira da população. Na cultura podemos
manifestação devem ser contínuas. O trabalhador portuário perceber isso mais facilmente. Veja o caso das mulheres
deveria no mínimo estar atento ao aumento da produção, que passam blonde nos cabelos para enlourecê-los. O belo
por exemplo. Quando o capitalismo se distancia cada vez localmente deixa de ser belo, logo aquilo que os homens
mais dos valores humanos, é quando ele pode ser reprimido percebem de beleza da mulher é a beleza da estrangeira, a
através da ganância de muitos empresários. Na política sem- beleza do que é global. Então, a cultura foi alterada. Logo,
pre há dois lados da moeda. Se de um lado querem construir aquela mulher morena que seria a mais bela, acaba tam-
mais terminais portuários, do outro lado isso provoca riscos bém tingindo os cabelos para se inserir no padrão global
sociais e ambientais. Nada dentro da política pode ser tido de beleza. E, assim, deixamos muito facilmente o que é belo
como certo. em nós mesmos. E quando a televisão também se mantém
As interações entre global e local influenciam as dinâmicas aberta para os capitais estrangeiros, esses efeitos podem se
da sociedade, da política e da economia. Pois quando através tornar bem mais danosos. Por causa do padrão de beleza dos
da globalização o Espírito Santo amplia seus terminais por- estrangeiros, muitas mulheres são chamadas até de fúteis
tuários, ele também está validando os impactos ambientais, pelo cuidado excessivo através do padrão de beleza global.
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Alisam e pintam o cabelo, usam maquiagem em demasia, no mercadinho mais próximo de casa. Se antes para ser um
fazem um excesso também de cirurgias plásticas, tanto no bom conhecedor de vinhos você precisava dedicar a sua vida
rosto como no corpo, sem dizer da preferência pelo uso do para isso, hoje você faz um curso de poucas horas gratuita-
que é politicamente correto. Isso também é vender um país. mente pela internet. O que venho dizer é que a capacidade
Além de perder a cultura para os estrangeiros, perdemos de destruição do homem está crescendo em ritmo exponen-
também a alegria de ser o que somos. cial. Um exemplo disso é que basta procurar no Google qual
Muitos podem dizer que isso faz parte da globalização, é o melhor vinho do mundo, para assim desqualificar os
uma mera etapa do capitalismo, que se reafirma durante vinhos do Sul, uma região que se dedica a produzir vinhos
cinco séculos. Entretanto, poucos conseguem entender que há muito tempo, desde as primeiras colônias de italianos e
a dominação cultural é tudo que um outro país precisa para alemães instaladas no Brasil. Ou seja, surge uma concor-
dominar completamente outra sociedade. É quase uma rência desnecessária para uma região tradicional na produ-
dominação religiosa, ou podemos dizer, uma dominação ção de vinhos. E assim, infelizmente, pode acontecer dessa
divina. Assim, se o estrangeiro quer aquilo que possui maior região não produzir mais vinhos futuramente, podendo-se,
valor a baixo custo, ele tem. E se ele precisa vender algo de com isso, acabar até com a rica cultura sulista do país. Na
baixo valor a alto custo, ele consegue. É o caso do design e melhor das hipóteses a região pode produzir vinhos com
das marcas. uma marca portuguesa, chilena ou italiana, devido à trans-
Vejamos como exemplo, o minério de ferro. Para se nacionalização da produção; dessa maneira, perde-se o cará-
extrair o minério de ferro é necessário um maquinário e ter de ótimo vinho brasileiro. É que as marcas podem flutuar
uma tecnologia de altíssimo custo. Sem dizer na capaci- sobre o mercado e assim vencer outras marcas.
dade técnica dos trabalhadores. E aqui vende-se o minério A globalização e o mercado transnacional possuem uma
de ferro a baixo custo para outros países: então, ou somos tendência de valorizar alguns Estados nacionais. E esse não
idiotas ou já estamos completamente dominados economi- é o caso do Brasil. Se pudéssemos marcar os Estados como
camente. Agora, veja o caso do design e do desenvolvimento suseranos e vassalos, o Brasil seria um Estado nacional vas-
de marcas. Um produto esportivo nacional com um melhor salo. Afinal, em um mercado transnacional, os países que já
tratamento, com materiais mais nobres, não consegue ser possuem suas megacorporações têm uma tendência de auto
vendido, diante de um produto esportivo de materiais rudi- valorização econômica.
mentares e simples. Por quê? Por causa da marca. Muitas Uma empresa transnacional, por mais que valorize seus
vezes, vale mais ter um tênis Nike de pano do que um nacio- empregados, possui como capacidade mentora o primeiro
nal de couro. país que a desenvolveu. Os capitais podem ser de múlti-
Hoje, a capacidade do capitalismo global e sua intensi- plos países, mas a sua governança é estritamente articulada
dade parecem ser incapazes de mensuração; é que a infor- pelo país de origem. Muitas vezes, a integração é demasia-
matização tornou os negócios individuais em possibilida- damente artificial. Um exemplo disso, se pensássemos numa
des amplas. Se antes para experimentar um vinho do Sul o empresa A oriunda dos Estados Unidos, tornada transnacio-
indivíduo precisava viajar, hoje ele consegue o mesmo vinho nal na China, na Índia, na Coréia, no Brasil e na Argentina, é
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que certamente teríamos como poder hegemônico em cada muitos estão preferindo o interior, porque nas grandes cida-
uma dessas empresas o próprio Estados Unidos. A vontade des, a política já apresenta seus distúrbios contínuos de pre-
de se transformar em transnacional é por causa dos baixos servar a lei das grandes corporações.
salários que podem ser pagos em outros países. A partir desse poder hegemônico nas grandes cidades,
Um outro incidente que pode ocorrer diante de um mer- surge a fantasia de dominar também os interiores do país. O
cado transnacional é a inclusão de novas camadas sociais ou Estado não pode ser uma mãe generosa de grandes corpo-
classes sociais no país de destino. É por isso que a partir dos rações internacionais e um pai severo de seus cidadãos, pois
anos noventa a sociedade brasileira, que era marcada por corre o risco de ser dominado e extinto. Os incentivos fis-
três classes sociais, hoje tem sua classe média sendo dividida cais dos governos, por exemplo, no Espírito Santo, facilitam
por três ou mais classes sociais. Isso faz individualizar as a instalação de corporações de outros países, mas a nossa
relações humanas cada vez mais. O capitalismo hegemônico mimada esperança parece não perceber que essas corpora-
num país serve muito para dissociar o Estado do cidadão; ções são partes de um outro país dentro do Estado. É como
é que o Estado liberal não possui nenhum compromisso se essas corporações fossem espiãs lidando com informa-
social, tornando-se apenas um Estado policial. ções que, ao passar dos anos, podem ser informações sobre
A dificuldade da vida nas grandes cidades está inver- a completa dominação de um Estado diante de outro.
tendo o fluxo migratório. Se na década de 1960 se iniciou A desordeira bagunça do Estado favorece os interesses das
a migração do campo para a cidade, hoje muitas pessoas transnacionais, favorece a capacidade de alienar um estado
estão querendo retornar para a vida simples do interior. federativo. Ou seja, em pouco tempo, quem decide sobre os
A mercantilização da vida é uma das razões diante de um rumos sócio-político-econômicos dos cidadãos são empre-
mercado transnacional nas capitais. E a informatização, já sas capitalistas de outro país. Enfim, um Estado fragilizado
também acentuada nas pequenas cidades, pode ser a razão diante do outro; e quando a dominação é de importância
dessa inversão no fluxo migratório. Pois se na grande cidade social, política, econômica e cultural, dominar militarmente
trabalha-se muito e ganha-se pouco, muitas pessoas vislum- torna-se um processo mais simples do que declarar uma
bram, na cidade do interior, trabalhar pouco e ganhar muito. guerra formal, como no caso dos Estados Unidos diante dos
Muito semelhante ao caráter predatório do neoliberalismo, países produtores de petróleo. Pois na tentativa de dominar
aqueles que detêm mais conhecimento e informação bus- militarmente, os norte-americanos vão encontrar inúmeras
cam dominar os que não têm. dificuldades em dominar a sociedade, a política, a econo-
A maneira como o Estado se põe diante de empresas mia, a cultura e a religião. O que quero deixar claro é que
transnacionais faz com que ele pareça ser “bonzinho”. Dessa hoje é mais fácil a dominação completa dos Estados Unidos
forma, o Estado segue sendo assaltado por gente de todo sobre o Brasil, do que a dominação completa dos países do
tipo e de qualquer lugar. Ao favorecer grandes empresas, Oriente Médio.
o Estado parece que está pedindo para ser dominado. E, Um exemplo claro disso, é quando um país pretende
em pouco tempo, os poderes hegemônicos dessas empre- dominar o outro e para isso é necessário haver uma lei que
sas começam a decidir os rumos da política nacional. Hoje, obrigue todos os cidadãos do outro país a aprenderem a
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língua estrangeira. Pronto! No Brasil essa lei já existe, é uma é vista e desejada por empresas internacionais, que bus-
lei comum do livre mercado, pois hoje, para se alcançar os cam através do porto e do comércio exterior viabilizar seus
melhores salários de uma grande corporação instalada aqui, demasiados interesses. As vantagens desse conglomerado de
todos precisam falar o inglês fluentemente. Ou seja, é mais empresas parecem ser a sorte dos governos e a pujança da
fácil dominar o Brasil do que algum país muçulmano pro- economia ser o único valor a ser mesurado, substituindo o
dutor de petróleo. princípio do Estado pelo princípio do mercado: sim, sem-
pre foi um aglomerado de vai-e-vem e parece sempre ser.
O Estado deveria pensar como o cidadão pensa: riqueza,
sem justiça, não é virtude. Assim agem os governos, tanto
REFLEXÃO: federais quanto estaduais, pois parece ser de grande valia
oferecer qualquer tipo de vantagem para qualquer multina-
O branco tornando-se bruxo burguês, e a polícia cional se estabelecer aqui. O Estado precisa ser homem — e
em defesa do boato. Ainda pode-se arejar o que é nenhum homem vende suas maiores riquezas. Os municí-
ardente na aventura humana. O bailarino signifi- pios arregalam os olhos para a disputa sobre qualquer negó-
cando o silêncio da música, a pausa do anoitecer
da arte. Sobreviver da rotina do protesto. Nenhuma cio ou capital estrangeiro. E assim o litoral capixaba vai se
boca tem mais raciocínio do que a tosse. tornando um grande balcão de comércio e negócios. Nem
parece haver qualquer tipo de pensamento em defesa da
paisagem natural. Dessa maneira, valoriza-se os interesses
O desenvolvimento econômico assinalado a partir da de megacorporações internacionais diante das populações
década de 1990 fez aumentar as atividades econômicas no locais, que no passar dos anos, vão sendo substituídas por
Brasil em todos os setores. Houve um avivamento de múlti- construções de outros países.
plas empresas, negócios e produtos. Mas certamente, ao estar Áreas como o balneário de Ponta da Fruta ainda não
de frente para esse mundo, vemos muito pouco de nós mes- impactadas, e de alta relevância para a preservação do meio
mos. Parece que estamos numa parte dos Estados Unidos, ambiente, estão na mira de grandes consórcios internacio-
uma parte que tem vergonha da língua portuguesa. Os pro- nais. Qualquer empresa vai se instalando sem nenhuma per-
dutos e os objetos significam um outro Ocidente. Temos turbação nacional. Mesmo esses tempos sendo de globali-
pouco carinho com nossa riquíssima música. Nossos olhos zação, outros países não acolhem tão facilmente qualquer
estão arregalados diante do poder econômico. E a música, empresa.
que sempre foi a salvação parece ir embora com a hegemo- O interesse público é conduzido para um segundo plano.
nia norte-americana. E no Espírito Santo não seria diferente, As práticas neoliberais, valorizando o capital externo, esque-
a costa capixaba vai se integrando ao capital internacional. cem-se de que muitas vezes o acúmulo de riquezas trans-
O litoral está cada vez menos brasileiro. Da década de 1990 forma a sociedade para pior, dadas as desvantagens nas clas-
para cá parece que estamos vendendo tudo. A costa capixaba ses sociais globais e locais.
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Nisso a sociedade civil, que pensa ser representada por
seus políticos através da política neoliberal, não encontra CULTURA DE SÃO PAULO
essa maneira fiel e leal de representação. É ela própria que
precisa levantar a representação de si mesma, e é através de A megalópole mais cosmopolita do país, onde as culturas
uma parca democracia que a sociedade precisa agir, através se integram e se desintegram. A verdade pessoal e a verdade
dos meandros políticos que foram conquistados até aqui. mundana. Cidade de todas as raças e etnias, onde a revolu-
Sem esquecermos ainda de uma grande parte da sociedade ção tecnológica chega mais cedo. Cidade onde o popular é
civil que é encantada com a mídia, o que torna os poderes erudito, e o erudito torna-se popular.
contra-hegemônicos mais inofensivos. A mídia tem como Em São Paulo, a informação e a cultura estão sempre em
poder a força de encantamento que a globalização fantasio- andamento. Lugar onde tudo parece ser breve, onde o pós-
samente exerce. -moderno torna-se antigo em pouco tempo. E nesses tem-
Os novos terminais portuários que estão sendo cons- pos de conhecimento vasto, a cultura passa a diferenciar o
truídos na costa capixaba colocam em risco uma grande individual do coletivo.
diversidade de riquezas do ecossistema marinho. Não é o É importante notar que, apesar do tamanho, São Paulo
crescimento desordenado que realizará a função de novos não é somente um estado que produz entretenimento.
empregos. A política regional está mais dada a realizar as Em São Paulo também se produz arte, e não aquela arte
ações neoliberais do que a proteger os anseios e os assuntos de consumo excessivo e quase irritante, mas a arte e sua
do estado. Num momento desses, qualquer político local diversidade.
deveria atuar como uma espécie de embaixador do estado Esse é o perigo que o grande capital consegue manifestar,
do Espírito Santo. o abuso do uso excessivo das artes mais conectadas com
A verdade cega de atrair o capital estrangeiro para o as multimídias — e a arte precisa ser admirada, não pela
desenvolvimento local possui rupturas entre a sociedade e quantidade, e sim pela qualidade, pois ela é a maneira mais
a economia. Nem sempre o paradigma econômico é de pri- simples e fácil de protesto popular. Ela não consegue ser arte
meira importância. Nem sempre mais dinheiro equivale a se não for popular e se não for de protesto. Na maioria das
um desenvolvimento favorável. É como abrir as portas de vezes as artes somente se articulam através da escolaridade e
casa para ser decorada com itens mais valiosos: muitas vezes, da renda e é por isso que toda arte precisa manifestar algum
na própria casa há itens de valor sentimental para o dono. protesto político: ela precisa que haja ao menos algum tipo
A política precisa estar atenta para isso. Desenvolvimento de utopia na sociedade. Ou seja, precisa haver algum ideal
econômico nem sempre é de maior importância — de nada a ser melhorado para o futuro político social.
adianta aumentar a oferta de emprego, se o empregado pre- As práticas culturais revelam a capacidade de pensa-
cisar de hospital particular, transporte particular e educação mento de um povo. Por isso é importante o nível escolar,
particular. para engendrar valor no que é significativo e simbólico.
Algumas vezes, por exemplo, certos tipos de música não
são entendidos por uma parte da população, e isso pode ser
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conferido entre a divisão da música popular no Brasil. Ela maneira o capital econômico. É dessa forma que a Direita
parece estar dividida entre uma música popular mais eru- acaba sendo chamada de “burra”, pois ela consome somente
dita e numa outra música mais popularesca, uma música o que simboliza o luxo e a riqueza — e nem sempre o luxo
menos simbólica e mais compromissada pelos instintos mais e a riqueza são o que há de melhor.
primários do homem. Isso por si mesmo tende a dividir No exemplo da música, as mídias do Rio de Janeiro e São
a sociedade numa espécie de ritual político. A sociedade Paulo favoreceram e favorecem o que há de mais popular
mais letrada possui uma tendência a repelir a música mais na sociedade, muitas vezes impedindo a música de maior
popularesca. Dessa maneira, conseguimos encontrar a divi- capacidade cultural de sobressair através do que seria hege-
são política da população; é que a música popularesca não mônico. A cultura urbana foi sendo posta de lado, e vista
se define como sendo de política e de protesto. Mas a arte como cultura marginalizada. Ao reverenciar o popularesco,
necessita de protesto. É ela quem suaviza as utopias neces- a Direita pensa que massacra. Mas não, o que ela faz é dar
sárias da sociedade. forças extenuantes para a Esquerda política. Ora, se a cultura
A arte pode ser vista como um bem simbólico. Ou seja, ela é de um partido político, então tal partido pode dominar
serve para delimitar os espaços políticos e sociais. No caso por muitos anos, pois a cultura é um tipo de semente que a
da música popularesca no Brasil, dentre as músicas e can- sociedade espera florescer: a Direita, agindo dessa maneira,
ções mais consumidas pelos jovens, tomemos como exem- faz a Esquerda sonhar. Em poucas palavras, o ideal é a morte
plo a música sertaneja: os admiradores desse estilo musi- da Direita dominante. Precisa ficar claro que a Direita não
cal, bastante difundido atualmente, dizem gostar de música pode deixar a população sonhar. Afinal, tudo está muito
e não de política. Mesmo assim, tal música estrutura um bem na vida comum de todos: é isso que a Direita política
simbolismo e um significado, pois ela consegue representar gostaria de deixar claro para a sociedade, pois é um pouco
muito bem os ideais burgueses. Ao consumir esse bem sim- perigoso deixar uma população sonhando com sua verda-
bólico, em nenhum momento o indivíduo pode dizer que deira cultura. Pensando assim, o capital econômico é que
não está difundindo um pensamento burguês no Brasil. Ou deveria se apossar do capital cultural, a cultura da intuição,
seja, ele não pode dizer que não gosta e não faz política. Por a cultura da ciência, a cultura de valores mais nobres.
mais que seus artistas representantes digam o contrário, sim, Com o crescimento das culturas de massa, as grandes
eles estão seguindo um modo de vida que idealiza o modo mídias conseguiram dividir a cultura das sociedades. As
de vida do pequeno e grande burguês. belas-artes e as belas-letras foram ganhando destaque den-
Isso ocorre tanto no Brasil como em São Paulo. É fácil tro das classes sociais mais letradas, e isso significa que o
entender as diferentes posições culturais, pois o capital capital cultural também possui um valor relevante dentro
econômico muitas vezes diverge simbolicamente do capital da política. A diferença das culturas de massa diante das
cultural. Isso acontece muito no país. Talvez estejam nesse belas-artes e das belas-letras está na categoria do que é rele-
processo as divergências políticas. A Direita tem capital eco- vante para as ciências, ou seja, o que é relevante para a his-
nômico, mas não quer e nem precisa do capital cultural. Já tória, para as ciências sociais, econômicas… Muitas vezes,
a Esquerda possui capital cultural, mas não tem da mesma de pouco adianta cantores dominarem a cena musical em
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um determinado período, se suas obras são pouco relevan- uma causa de ódio. Nem todos estão ritmados para ser paz
tes para as ciências — é que as artes costumam ser o poder e amor no mundo. De nada adianta massificar uma cultura
intuitivo das sociedades. Já um violeiro que nunca entrou em que grande parte de seu povo não pode adentrar e muito
no cenário das grandes mídias pode ter um trabalho mais menos participar. É o caso da música sertaneja universitá-
relevante para conceituar a historicidade de um povo em ria: os jovens da periferia não conseguem participar des-
determinada época, pois as artes também precisam ser pen- ses eventos e sentem-se excluídos dessa maneira de se fazer
sadas, e muito bem pensadas, para obter alguma relevância cultura. Daí surge uma cultura agressiva, muitas vezes uma
científica em áreas como história, geografia, ciências sociais cultura de política e de ódio.
e filosofia. Atualmente, por exemplo, há inúmeros artistas O que se observa dos anos oitenta para cá é a cultura do
buscando a fusão da música e das artes com as ciências exa- shopping como sendo predominante no lazer do brasileiro.
tas, como também com as ciências biológicas. Um exemplo É outra maneira de aculturação, mas parece não ter volta: a
para especificar tal relevância para as ciências sociais está na cultura norte-americana já faz parte do cotidiano simbólico
música: um jovem deixa de tocar as músicas do grande cená- das principais cidades brasileiras. Não somente aqui, mas
rio para qualificar a música da sua região, e assim, vários também em muitas outras regiões do planeta. Agora, como
ouvintes irão qualificar melhor a música regional, deixan- salvar parte da cultura que ainda nos representa? Cada vez
do-a ainda viva diante do capital internacional, que costuma mais estamos perdendo o contato direto com a terra, esque-
desintegrar a cultura de um povo, ou até de um país. cendo-nos dos valores principais de onde somos. A igreja,
Entretanto, a grande indústria cultural se estabelece da antes católica, é hoje quase predominantemente evangélica,
mesma maneira que o livre mercado se estabelece. É o óbvio: o que também revela o uso da cultura através de livros e
quem ganha mais, pode mais. Assim, o país começa a sofrer música, também fortemente marcada pela noção de livre-
de aculturação — é que a globalização começa a padronizar -mercado, pela noção mercantilista. Hoje parece não haver
a cultura mundial. Muitas vezes o que é bom para os mais mais aquele cantor ou cantora que surpreende por causa da
velhos não o é para os mais jovens. Estes vislumbram uma bela voz cantada: é como se um cantor tivesse que fazer de
internacionalização mais generalizada. Como exemplificar tudo, mas o que menos é levado em conta é se ele tem uma
isso? É mais fácil um jovem nordestino conhecer a Madonna bela voz. Não é a música que está se empobrecendo, mas
do que conhecer Jackson do Pandeiro; e se esse jovem tor- é verdade que a super exposição dessa arte acaba fazendo
na-se músico, a aculturação estará presente no pensamento surgir uma espécie de estafa mental. Parece que todos os
criativo. recursos musicais já foram testados.
Se parte da sociedade sofre de aculturação, uma outra O brasileiro tem vontade de cultura, mas a baixa escola-
parte, que possui o capital cultural, possui uma tendência ridade o inibe para isso. Então, é mais fácil aceitar a cultura
ao pensamento político, e tal pensamento pode transbordar de massa. É por esse motivo que a política precisa elevar a
como uma tentativa universal. Por isso, muitas vezes, tor- escolaridade e a cultura, para que a política seja elevada.
na-se perigosa para a sociedade essa maneira estúpida de O nível político revela o nível cultural. É preciso fazer essa
exercer uma cultura massificada, pois essa pode se tornar aliança para ao menos salvar parte do que ainda nos resta
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como brasileiros. descansar. Vivemos em uma sociedade enlouquecida, onde
As brincadeiras que os mais velhos tinham na infância, o dinheiro é a palavra de peso; o sábado e o domingo, que
não agradam mais os jovens de hoje, como a brincadeira de seriam dias de descanso, é o momento de ganhar a mais.
pião, da bolinha de gude, da pipa… Hoje o funcionamento Gostar de trabalhar é ótimo, mas há aqueles que precisam
da sociedade está diante dos circuitos digitais das máquinas. se envaidecer mais do que os outros. Nessa sociedade fre-
Sim, para os mais jovens é importante aprender brincando nética do trabalho parece haver um sentido de que o tra-
com a máquina, pois disso depende a sobrevivência no balho é lucro, uma maneira de dizer que um vale mais do
futuro. É que o nosso imenso abraço no sistema capitalista que o outro. E quando aparece algum momento livre, é o
está individualizando todas as gerações. Precisamos encon- momento de declarar o eterno amor às megamídias, como
trar ao menos um meio-termo, pois perder para a máquina a televisão. O padrão de vida é o padrão que a televisão
parece significar perder para o outro. escolheu; a televisão parece escolher tudo o que é bom e
Ao que parece, num primeiro momento, estamos diante correto. Ao passo em que a idade aumenta, mais parece ser
do fim das tribos de adolescentes. Hoje parece tudo inte- a vontade de estar à frente da TV e aceitar o modus vivendi
grado e a cultura da rebeldia se firmou com a cultura de imposto por ela.
massa. Atualmente, é muito fácil encontrar um casal amante Aliás, o que há de mais triste é que a cultura mesmo é
da música sertaneja, mas ambos tatuados como se fossem somente percebida pela televisão, o modo mais fácil de
rebeldes da contracultura do rock. Como também encontra- enxergar o que acontece no mundo. Só que o mundo é aqui,
mos indivíduos da contracultura caracterizados como ver- é o espaço mais próximo, o mundo é aqueles que te conhe-
dadeiros yuppies. A população, ao se individualizar, parece cem, não o artista da novela. O melhor parece que sempre
estar buscando a uniformização das aparências. O risco é aparece na televisão, mas nem todos têm estômago para
saber quem é quem sem haver muito contato de intimidade. aceitar os caprichos culturais da TV.
Essa tal uniformização está no cerne dos indivíduos como Na era do conhecimento, como muitos dizem, a televi-
uma espécie de rótulo de embalagem. Precisa-se estar de são no Brasil parece ser a grande estrela vedete. Mas, para
alguma maneira com um código de barras, sempre dizendo as gerações atuais, os grandes artistas não aparecem na TV,
não ao outro e sim para si mesmo; a política do ego parece pois a internet está aos poucos conquistando os mais jovens.
ser a melhor possibilidade de sucesso entre os indivíduos. E a importância que a geração anterior dava à televisão, é a
A cultura na maioria das vezes é feita de lazer, as horas importância que a geração atual dá à internet. O mundo vir-
livres para se dedicar ao esporte ou às artes. O mundo repe- tual existe, e muitos já estão se digladiando por um espaço
titivo do trabalho nessa nova era é uma tônica só: no que nele.
ganhar é tudo, tudo ao redor fica parecendo trabalho. Se há O pior dessa nova era é que a televisão parece ser o único
algum tempo atrás o tempo livre sugeria descanso, hoje é sonho dos homens, seja ele verdadeiro ou não. A televisão
feito de trabalho extra e remunerado nos finais de semana, parece ditar de longe nosso modo de vida. E parece que não
uma maneira de aumentar a renda da família. Em muitas há possibilidade de outro encanto: ela já conseguiu hipnoti-
atividades, os indivíduos buscam trabalhar no momento de zar o mundo moderno. Muitas vezes a lei comum do povo é
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a lei da televisão. Algumas leis somente são verdade porque está guardada na memória eletrônica? É preciso saber muito
a televisão impõe tal lei como sendo verdadeira. Ao que pouco sobre a vida: basta ter um smartphone com Google
parece, ninguém pode voar com alguma lei moral. Somente para ter a resposta sobre tudo o que se conhece do mundo
a televisão voa, e sim, ela pode voar além da moral, pois acadêmico e científico. Parece ser óbvio que temos o tudo
a moral dela é a moral de todos. A baixa ciência é difun- em nossas mãos. mas, mesmo assim, ainda somos frágeis.
dida pela televisão. É ela quem parece saber de saúde, de Muitos condenam o fato de que parte da sociedade não
psicologia, de arte, de música, de futebol… Ninguém pre- lê livros. E com todo esse tecnicismo será que realmente é
cisa estudar, pois a televisão pode fazer isso por você. É ela preciso ler livros? O Google parece ter todas as respostas
quem mastiga pra você engolir. É ela a lei eterna do mundo para tudo. Logo, é mais fácil confiar na memória do Google.
moderno, e parece ser mais simples assim. Ninguém precisa O cinema é outra atividade cultural que predomina como
estudar a vida inteira, pois a televisão já sabe o que é certo a mais absoluta das artes, que consegue diminuir o caráter de
para todos. Ela divaga e conclui o que é certo para todos. qualquer cultura no mundo. Por quê? Porque aquilo parece
Que triste fim do mundo moderno, onde as máquinas ele- ser mais real do que a nossa própria realidade. As árvores
troeletrônicas e digitais sabem o que é certo para cada um de são mais árvores. Os carros são mais carros. O homem é
nós! Já tentou abandonar a moral que a televisão sugere? É o mais homem. Os filmes muitas vezes brincam com o nosso
mesmo que abandonar o próprio caráter. Que triste fim do subconsciente de que aquilo realmente aconteceu. Ora, se
mundo moderno, de Quarta Revolução Industrial. Confiar não é a arte das artes, arte onde todas as artes se fundem!
na moral da TV é como confiar na memória de um robô: O cinema é tão perfeitamente bem feito que muitas vezes
parece ser sempre melhor do que nós mesmos. A atual gera- ameaça governos de outros países por causa dos costumes
ção tem o subconsciente dominado pela TV, que é a nossa locais. E, mesmo assim, prefere-se o cinema a qualquer tipo
moral e a nossa vontade de lei comum. Deixamos que a de moral. O cinema, tão mais capitalista do que a música
eletrônica seja o que seria a nossa ternura diante do outro. ocidental, está uniformizando a cultura mundial. A América
O nosso amor ou coração sentimental também é guardado não dominou o mundo militarmente, mas sabe cultivar nos-
pela eletrônica. Os robôs do presente já dominaram nosso sas cabeças. O cinema é capaz de embrutecer e de refinar;
corpo. parece ser a parte melhor da vida. As pessoas dizem preferir
De que adianta ler livros se nossa moral é eletrônica? O o livro, mas só conhecem o filme. Aquilo é mais fácil e mais
outro já responde por mim sobre o que eu penso sobre polí- emocionante, porque o filme faz acontecer: o cinema não
tica, sociedade, economia e música, por exemplo. Os livros promete, ele faz.
acabam possuindo pouco valor diante da nossa moral ele- No Brasil, apesar de se consumir muita arte, não há o
trônica. De que adianta dizer sim, se a eletrônica diz não? hábito de considerá-la como algo sério, capaz de vencer
Ora, a memória eletrônica não falha, ela é matemática. Se ela governos e outros países. A transnacionalização do mundo
diz um, eu também tenho que dizer um, e não dois. De que está garantindo à língua inglesa o privilégio de ser uma espé-
adiantam o tecnicismo e a intuição dos livros, se a resposta já cie de língua mundial. E há quem pense que o rock inglês
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não é tão poderoso, assim como o cinema norte-americano. algumas delas já perceberam que somente a beleza natural
Se desponta um artista norte-americano, temos a certeza de consegue satisfazer a própria espiritualidade? Será que algu-
que sua arte despontará no mundo. Por que isso não acon- mas delas não seriam tão soberbas se não tivessem o cabelo
tece no Brasil? Porque temos a cultura dominada, e dos anos louríssimo? Uma vida passa, e de tanto artificialismo a pes-
noventa para cá ficou pior. Nossos pais e nossos avós tinham soa não conhece mais a si mesma. Talvez o cabelo natural
a cultura de ir à igreja aos domingos. Hoje, esse hábito foi trouxesse a espiritualidade certa, a espiritualidade de que ela
trocado pelo passeio ao shopping. Até nossa cultura católica precisa. Mas elas somente se encontram pintando o cabelo,
foi transnacionalizada para a cultura de shopping center. pois assim é mais fácil conquistar os homens. Será que os
Não estou dizendo, como um saudosista, que o passado homens são tão tolos assim? Será mesmo que a beleza está
era melhor, pois essa transnacionalização sempre ocorreu acima do que é sobrenatural? Aceitar o samba é aceitar ser
no país e no mundo. Um povo sem arte é quase um povo um pouco negro, um pouco pobre; aceitar um pouco aquele
sem religião. Se Cristo viesse visitar sua casa, você oferece- rei que foi crucificado porque não tinha o “poder divinal”
ria a ele o seu melhor vinho ou o vinho mais barato? Deus dos homens. Aceitar ser brasileiro, aceitar a falta de brilho e
também gosta do que é bom, mas precisa ser verdadeiro: a secura dos cabelos. Aceitar quem você realmente é.
de nada adianta a falsidade na arte. Às vezes, alguns dizem Como é difícil aceitar ser brasileiro! No fundo, queríamos
que o samba morreu. Se isso realmente aconteceu, é porque todos ser ou norte-americanos, ou europeus.
preferimos ser medíocres, pois o samba sempre foi o ritmo Da década de 1960 pra cá, tornou-se muito difícil aceitar
mais popular do país. Os mais jovens galhofam de quem o brasileirismo. Os aparelhos de música tornaram a música
ouve música antiga, como se essa pessoa estivesse fazendo da língua inglesa tão dominante e tão predominante... A
regressão. Mas deve-se valorizar toda arte que lhe movi- música deles parece ser melhor do que a nossa, uma música
menta o coração e o cérebro. Para mim, mediocridade na quase que mundial. Devemos esconder o samba mais que-
arte é apreciar aquilo que não se aprecia, para entrar no rido, e a música caipira mais inocente. Parece que devemos
rebanho dos mais aceitos pela sociedade, para receber o mundializar nossos espíritos. Temos facilidade de diminuir
rótulo e o carimbo de ser rico. E mesmo assim é tão fácil nossos artistas diante de Hollywood. A riqueza deveria estar
falar de riqueza interior, ou como adoram dizer: ser feliz. em nossos corações, mas como estamos diante do fim do
Não gosto de filosofar sobre o samba, porque é muito fácil: mundo mesmo, então vamos assistir ao apocalipse mais bem
basta apenas apreciar a letra e a melodia. O orgulho do feito e perfeito dos norte-americanos.
samba é o orgulho de ser brasileiro. E parece que nem isso Como tornou-se fácil consumir música nesses meados
queremos mais… Precisamos do shopping para aparentar de século 21! A música vai se tornando a menos vedete das
sermos americanos. Precisamos do carro importado para artes. Alguém já parou pra pensar que a música está ficando
também aparentar sermos do país mais rico do mundo. cansada? Do século 20 para cá, talvez o homem já tenha feito
As mulheres pintam tanto o cabelo de louro que chegam todos os ritmos, as harmonias, as melodias e as combina-
a embrutecer a própria beleza, a beleza natural. Será que ções possíveis. Talvez a música esteja agonizando. Se aparece
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mais um jovem de musicalidade virtuosa, logo pensamos: E o teatro, esse sim, é a melhor maneira para desenca-
“eu já vi isso antes”. Parece não ser tão sobrenatural assim. dear a imaginação. Ele é lúdico, surreal e não há como detê-
A maneira como se conserva a música através da tecnologia -lo para que seja realidade. Faz crescer a imaginação sem o
parece fazer o homem se cansar da música, ou seja, parece se toque do que é real. Com o teatro torna-se possível sonhar.
cansar daquilo que há de mais divino entre o que o homem E com tudo isso, ainda vemos pouco teatro: ele definitiva-
possa criar. Tudo o que aparece nas mídias hoje já parece ter mente parece não pertencer mais à sociedade moderna do
algo de saudosismo. Não há novidade. Talvez estejamos pre- consumo prático e fácil. Não há nada que emocione mais
cisando ouvir mais o silêncio, a música das esferas, a música do que o teatro. Preferimos ir ao show de música pop.
do movimento do universo. Parece que toda humanidade Preferimos sempre o que é mais fácil, aquilo que todos pre-
já ouviu todas as músicas possíveis, vamos dar um tempo e ferem, ou podemos chamar de gosto pessoal. E a biblioteca
tentar ouvir o silêncio ao menos uma vez, já que as grandes é apenas charme mesmo. Ou seja, a educação parece ser
cidades não propiciam mais esse talento. apenas charme. Como brasileiro, me impressionam mais os
As novas tecnologias que surgem para o armazenamento artistas medíocres do que os talentosos. Os talentosos não
da música podem acabar com ela. São tantas gravações, tan- existem mesmo, parece ser pura dedicação. A educação não
tas canções, de todos os tipos e cores, que mesmo que as deveria ser charme, pois o conhecimento muitas vezes revela
gerações de jovens que aparecem no cenário musical ten- a força interior que muitos não têm. É através do conheci-
tem renovar os ritmos e melodias, não conseguem visualizar mento que se consegue abrir portas fechadas que muitas
uma tendência sem parâmetros passados. A facilidade com vezes nem pensávamos que estavam fechadas. Bater no peito
que se tem hoje para consumir música é uma espécie de fas- com orgulho de não ter diploma universitário é somente
t-food. Parece não haver mais músicos que surpreendam a para aquele que tem o hábito e gosta de ler. A leitura é o
sociedade: tudo já parece ter sido feito. A culpa é do arma- mundo aberto. É o carro de luxo que somente pode ser seu.
zenamento de música, das gravações. Penso eu que estamos É a casa de luxo que também somente pode ser sua. É com
mesmo é precisando de silêncio. Muito silêncio. a leitura que se realiza aquilo que é irrealizável. A leitura é
Deve haver alguma alternativa, e essa alternativa talvez como água, não existe uma maneira de estar vivo sem água.
seja assistir a um filme em casa. Como a ficção exerce o A água é fundamental para a vida, mas a leitura é a essência,
poder de verdade sobre os homens! É preferível a verdade é o palco principal da vida. A leitura faz você descobrir o
da ficção à verdade da realidade. As telas parecem bloquear que ninguém ainda descobriu.
nossos caminhos reais. O ator ou a atriz hollywoodiana é
mais vivo ou viva representando do que vivendo. Eles não
podem ser gente. Nosso instinto precisa e quer a realidade
da ficção; aquilo tudo precisa ser verdade. Os heróis pare-
cem tão reais, tão sobre-humanos que todos nós precisamos
também ser sobre-humanos.
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importância para a leitura como para o esporte: um ali-
menta o espírito, o outro alimenta o corpo. Ambos têm
a mesma importância. Mas há aqueles que consideram o
REFLEXÃO: esporte em demasia e desprezam a leitura. Como também
existem aqueles que prezam pela leitura e desconsideram o
Os passarinhos estão desmaiando sobre o que é esporte. Ambos são ignorantes, pois somente percebem o
sublime. A antemanhã e a lógica são mais brancas mundo pelo viés da própria vontade. É como dizer que os
que a bondade do boato. A fé que ninguém tem, comunistas vão salvar o mundo, ou que os capitalistas é que
a fé da bruxa burguesa, avançando com as frases vão salvar o planeta.
sem muitas flores na palma vazia. A menta que Ouvir música é importante, mas nunca se pode ter a
se respira na virada do dia. Os recados que nunca música como a verdade fundamental da vida. Isso se torna
chegam da mudança. É preferível o nhenhenhém cegueira, ou o que podemos chamar de fanatismo. Mas
do absurdo da mulher. parece que, com o fim dos direitos trabalhistas, a alegria de
Quem disse que o tirano existe? Existe um rodapé
em qualquer romance para entristecer o tirano. A ouvir música pode estar no fim. Ao que parece, os senhores
terra e seus protestos. A lua sobre o pensamento. E da produção não toleram qualquer tipo de sofisticação inte-
o vaivém dos ingratos na porta da sua casa. lectual diante de seus interesses econômicos.
Nesses meandros da atualidade, com a digitalização do
conhecimento e da cultura, não há mais espaço para von-
É fato que as mulheres leem mais do que os homens, por tades e ignorâncias. A música já disse tudo o que tinha a
isso há uma tendência na relação do poder da mulher de dizer para todos. Só ouviu quem quis ouvir. A música, que
exercer mais influência na sociedade do que o poder mascu- sempre foi uma das artes mais raras do saber humano, hoje
lino. O que é certo está sempre carregado nos braços delas. A é tão banal quanto respirar. Ouve quem quer ouvir. O que
mulher consegue dosar o amor afrodisíaco, já o homem pre- é inaceitável é uma sociedade tornar-se dividida por causa
cisa de tudo, e precisa ao mesmo tempo destruir tudo. Com da própria cultura. Um lado não valoriza a música midiá-
um livro em mãos você pode até não aprender muita coisa, tica, a música mais comercial; já o outro lado não aceita a
mas fica carregado de paciência e fortaleza. O sujeito acaba música mais orgânica da contracultura, a música que revela
aceitando com mais naturalidade o que para ele é sobrena- nossas tradições rítmicas. É fácil perceber essas diferenças
tural. Alguém que não gosta de ler é como um indivíduo que na sociedade. Muitas vezes as pessoas preferem a música da
somente usa um dos olhos para enxergar o mundo. A leitura moda para também se declararem um pouco ricas e de bem
traz uma descoberta das experiências já testadas, ou seja, com a vida, pois aqueles que preferem a música orgânica
sabe diferenciar uma ciência exata de uma ciência humana. muitas vezes são tidos como insatisfeitos e sempre têm algo
Muitos não conseguem perceber essa diferença, e assim são a reclamar, pois são mais politizados.
considerados ignorantes. A cultura é engendrada por uma classe dominante de
Cultura também é esporte. Deve-se considerar a mesma letrados. Faz parte também acontecer a alienação de bens
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materiais, pois o que vale na cultura é a informação dos desenvolvimento de uma cultura própria, uma cultura de
letrados. É por isso que muitas vezes a leitura é a maior capa- mais liberalidade. O sonho na América de assimilar as dife-
cidade do usufruto da cultura, o que não deixa de construir renças, já estava se realizando em pleno Rio de Janeiro no
uma classe dominante com interesses sócio-políticos. século 17. Uma cidade aberta ao mundo, onde o exógeno
Mas a renda também é fator de participação cultural, era captado como pertencente aos desígnios do pensamento.
pois normalmente os mais letrados também estão na parte Era no Rio de Janeiro que havia a capacidade de aceitar as
da sociedade dominante. A renda também constitui uma inúmeras diferenças culturais dos países europeus. Ao con-
posição de atuação como líder. O acesso à renda facilita a trário do Nordeste, em que os proprietários rurais constituí-
capacidade de interagir com o cinema, com o teatro e com ram a base do poder na colônia, no Rio de Janeiro eram os
a leitura de livros. comerciantes que lidavam com as estruturas do poder. Os
As práticas culturais, além de envolverem a capacidade cidadãos do Rio de Janeiro tinham mais liberdade de ação
de renda, também envolvem uma capacidade de entreteni- política, e conseguiram com isso até derrubar impostos do
mento das obras artísticas, pois para a apreciação deve-se governador dessa época. Era uma população que conseguia
ter ao menos alguma construção de conhecimento básico, sublevar-se diante dos desmandos. Havia pouca repressão
que é fundamental. de pensamento se comparado à Europa.
A liberdade na América era possível pois a distância do
governo central dos impérios propiciava isso. Foi a liber-
CULTURA DO RIO DE JANEIRO dade na América que trouxe ao mundo contemporâneo uma
capacidade de autonomia política individual — e sobre essa
Para o entendimento da cultura é necessário algum enten- autonomia, o Rio de Janeiro deixou sua marca para o século
dimento de história. E por ter sido a capital brasileira por 21.
muito tempo, o Rio de Janeiro possui uma singularidade É a Globo, fonte do poder sócio-político-econômico. A
capaz de influenciar a cultura brasileira em demasia, mais Globo, um país de milionários brasileiros. Tão racista para
pelos seus cortiços e favelas do que pela urbanização das os negros quanto fascista para os pobres. Ela se diz a rea-
classes médias. lizadora de sonhos, mas sonhos muitas vezes podem ser
São Sebastião do Rio de Janeiro surgiu em meados do confundidos com ilusão. Não é à toa que em plena Quarta
século 16, oriunda da luta pela expulsão dos invasores fran- Revolução Industrial todos os brasileiros estão sonhando
ceses. A cidade se desenvolveu pela extração e comércio do com o milionarismo. Aparecer na Globo é ser rico e milio-
pau-brasil, e anos mais tarde através do tráfico de negros nário, e seus inimigos são invejosos. O país da vaidade cer-
africanos da Angola. Foi também rota de navios mercan- cado de invejosos. A Globo se diz incorruptível, sendo uma
tes dos cinco continentes. Com isso o Rio de Janeiro já das maiores empresas midiáticas do mundo no país da cor-
participava da diversidade cultural do mundo, e sempre rupção. De onde vem tanto dinheiro para os seus artistas
foi a cidade mais cosmopolita do Brasil. A capacidade do milionários, que na maioria das vezes vislumbram mais
Rio de Janeiro de assimilar a cultura externa facilitou o fama, mais sucesso e mais dinheiro, e pouco vislumbram o
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que a muralha capitalista separa? A muralha que separa o caipira em música sertaneja, e o samba em pagode e axé. E
doce olhar do olhar amargo. A muralha que separa o novo em meados de terceira década do terceiro milênio até esses
do velho, e o homem da mulher, e o quente do frio. Artistas ritmos muito popularizados nos anos 2000 também estão
que somente se complementam como artistas porque são perdendo o fôlego. Parece que a internet veio para equilibrar
milionários. Vamos assistir a vida dos milionários no Brasil: a fama e o ego de cantores e músicos popularescos. Afinal,
muitas vezes o que o vilão representa é a vida do ator ou as artes estão deixando de lado a primazia da perfeição para
da atriz. Contudo, todos sabem o que a Globo vislumbra buscar ouvintes e mercado.
como ideal: um mundo burguês sem cristãos, ou seja, deve- Entender o samba e o jongo na cidade do Rio de Janeiro
-se ser milionário e uma eterna fonte pecadora de trapaça, é entender como a produção cultural de um lugar está sem-
roubo, exploração e soberba. Muitos de seus artistas protes- pre enraizada nas classes subalternas da sociedade, pois são
tam na política e dizem não representar a Mega Globo, mas aqueles que precisam da alegria hoje. Com o aparecimento
se são milionários por causa da empresa, então na Globo da televisão, houve uma espécie de extorsão da cultura,
há um multipolarismo diante de seu pensamento político. e aquilo que era virtude dos mais pobres tornou-se pro-
Aliás, qualquer um pode ser cristão, desde que seja vai- duto dos mais ricos, produto que hoje se joga fora muito
doso, soberbo e exibicionista. Artistas que, na maioria dos facilmente.
casos, são tudo o que o brasileiro precisa ser: todos curam O que a cultura de massa consegue realizar é a percep-
sua crise existencial identificando-se com aquele ou aquela ção de outros países dentro do Brasil, a percepção de que
artista mais famosa. A boa moral da Globo é que todos seja- nós somos fracos, débeis e ignorantes. A percepção de que
mos vaidosos porque a vaidade é um preço natural do novo os americanos são melhores do que nós. Aliás, todos são
milionarismo. melhores do que nós, os italianos, os ingleses, os france-
Antes da televisão, a produção cultural do país era rea- ses, os alemães, os espanhóis, os japoneses e até os argenti-
lizada a partir das artes que provinham do povo: a música nos. Parece que nossa cultura típica não tem magia, parece
que vinha do povo e as artes que vinham dos estudantes. ser apenas cultura de pobre. A língua portuguesa se enfra-
A entrada da televisão marcou uma espécie de ruptura no quece diante das outras. Parece que o país não tem nada de
pensamento artístico. Ou seja, arte é somente o que a tele- especial; se antes havia o samba, hoje ele de pouco adianta.
visão apresenta? Músico de verdade é aquele milionário que Gostamos mesmo é de borracha com cheiro de morango.
se apresenta para milhões? Muitas vezes o jogo do mercado Um país que deveria ter uma das culturas mais ricas do
artístico elimina aquele artista que busca preservar os ritmos planeta, para sempre prefere imitar as novidades estadu-
naturais brasileiros, pois todos querem ouvir o ritmo fácil, nidenses. Na verdade, de que adianta tanta riqueza se não
aquilo que não precisa ser aprendido. E se pensarmos bem, lhe damos mesmo valor algum? Parece que somos feitos
a música brasileira está morrendo aos poucos. O que resta para agraciar somente a cultura de massa e talvez essa seja
são os ritmos popularescos que ainda fazem a cabeça dos uma virtude melhor ainda. E assim o mundo torna-se chato
mais jovens, mas muito pouco têm de música brasileira. A muito rapidamente. Aceitamos que todos nós somos crian-
televisão e as rádios, com o tempo, uniformizaram a música ças mesmo.
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Parece haver racismo em nossas gargantas, pois qual país que nunca se agrada com o mundo dos mais ricos. De que
possui tantas diversidades de raças e etnias? Como é real a adianta a luta política se o ideal é o conservadorismo das
cultura africana sendo apreciada pelos brancos. Como são classes mais altas? Ser rico ou ser autêntico? Por mais que a
dominantes as palavras indígenas entre brancos. Mas para vida pareça ser feita de objetos caros, há muito no orgulho
muitos essa é a nossa derrota como nação: não conseguem do pobre que o rico sonha ter, a vida marcada pela verdade.
aceitar tanta autenticidade. É mais importante a capacidade A verdade é uma virtude mais próxima dos pobres do que
do europeu de ser melhor. Nosso racismo amargo é o que dos ricos. A verdade do rico é a pura dominação. Como é
nos impede de sentir a vida; ele parece ser a nossa capaci- falso ser rico! Qual é a coroa de um rei? A de ouro ou a de
dade de também ser europeu. Não nos importamos mais espinhos?
com a educação. Parece que não existe mesmo. O melhor é A cidade é produtora constante de cultura, e foi com a
sempre o mais esperto. Nossa virtude contra os estrangei- urbanização que houve o surgimento do samba, talvez a
ros, ou seja, cada um de nós, no íntimo, já vendeu o país manifestação cultural mais importante do Rio de Janeiro.
mesmo. Para que, então, preocupar-se com educação e cul- No processo de urbanização, aqueles migrantes de poucos
tura? Nossa virtude hegemônica é a esperteza — Quanto recursos acabavam aglomerando-se em barracos nos morros
mais esperto, melhor. cariocas — daí a fusão dos ritmos africanos com as classes
Mas a música popular ainda é do povo. De tempos em sociais subalternas. O samba surge como uma diversão que
tempos ela se apresenta dominante como caráter de uma existia para tentar esquecer a dureza do cotidiano. Como
aventura de um povo herói. Mas o herói não vence, o herói se houvesse a dolce vita para meros mortais. O samba foi
luta. criado e reelaborado para trazer alguma espécie de alegria
O Brasil nasceu para ser moderno, mesmo que não quei- para os residentes do morro. Uma manifestação cultural
ramos, mesmo com o sol mais tórrido da Terra. Somos uma muito típica no século 20, e que vem perdendo sua relevân-
classe subalterna que precisa da música, pois ela é arte de cia no século 21.
viver. A brasilidade vem das cores, mas apreciamos tanto Surgiu com o samba uma identidade cultural típica do
o azul e o vermelho! A brasilidade vem do amor à natu- Rio de Janeiro, o malandro, indivíduo esperto, mas que no
reza, mas essa parece ser a nossa maior inimiga e rival. Deve fundo tem bom coração. É aquele que precisa se dar bem:
ser o nosso racismo amargo que nos impede de sonhar. Ser bom amante, bom músico, tem aquilo de que precisa. Essa
carioca passa pelo bom caráter de ser o eterno amigo da identidade surge no século 20, onde as relações entre bran-
raça negra, mas parece que isso não é muito bom. Às vezes cos e negros estão um pouco mais civilizadas. O malan-
parece ser ingênuo o bom malandro. Antes da educação for- dro seria a fusão das virtudes do branco e do negro, vindo
mal, é necessária a educação de berço, e o bom malandro de uma espécie de classe média baixa. O malandro surge
parece ser simpático pois parece ter berço. É nosso racismo das diferenças na segregação espacial de brancos e negros.
amargo a nossa vaidade e nossa inveja. O que é então o bom Os brancos vivem no centro da cidade, enquanto os negros
malandro senão aquele rico que gosta de viver no meio vivem na periferia. Ele estaria na transição de um espaço
dos pobres? Sente-se bem como o bom cristão autêntico, para o outro.
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O Jongo é uma manifestação cultural oriunda da África e hoje isso consegue não ser nenhuma novidade. Se aparece
que ainda permanece viva. É baseado em tambores e canto- um grupo musical dizendo fazer samba eletrônico, pode ser
ria, e dizem ter influenciado o surgimento do samba. Como que suas ideias já tenham sido ultrapassadas. Os mais jovens
é recorrente em qualquer sociedade escravizada, sempre há não estão interessados em discutir a importância do samba
uma maneira de extravasar as duras penas da vida: disso para a cultura brasileira, eles querem é fazer suas próprias
surgem o samba e o jongo. culturas: as festas somente reúnem os mais jovens quando
A indústria cultural do século 20 se apropriou do samba, priorizam o pensamento dos mais jovens. Nisso, em pouco
e suas letras definem as angústias, os medos, os sofrimen- tempo, perde-se o intercâmbio da cultura entre as gerações.
tos, as alegrias e os amores de parte da sociedade local nessa Os aparelhos midiáticos estão uniformizando a cultura
época. E como em toda indústria, normalmente alguns pro- mundial: como é fácil comer sushi hoje em qualquer região
dutos tornam-se obsoletos com o passar dos anos. As novas brasileira! Creio que a feijoada também foi exportada. Em
gerações acabam crescendo em um mundo mais margina- pouco tempo os ícones culturais vão perdendo valor signi-
lizado ainda, e por isso o samba, que se foi elitizando, hoje ficativo para a cultura de origem.
não possui força criativa para os redutos e morros da cidade. O samba é o motivo da cultura carioca. Apesar da sua
Chegou a se rejuvenescer nos anos noventa com o pagode, existência em outras regiões do país, ele tem suas raízes mais
mas sua expressão tipicamente popular parece não ter mais bem significadas no Rio de Janeiro. Mas fica limitado na
apelo para a sociedade subalterna; o samba, que nasceu do sociedade diante das lutas de classe e diante do racismo inte-
povo para o povo, hoje parece ser feito das elites para as riorizado e social, ou seja, a alegria da baixa sociedade com o
elites, foi perdendo seu caráter popular. Às vezes pode-se samba pode existir, desde que não ultrapasse a alegria da alta
pensar que nem há mais essa característica de música típica sociedade. Tal qual no carnaval, os negros fazem o samba,
em qualquer lugar do mundo, pois hoje a música é mero mas são os brancos as principais celebridades.
marketing pessoal. Como no século 20, a música popular adquiriu capacida-
Nesses meados frequentes do século 21, a indústria dei- des hegemônicas dentro da cultura, ou seja, hoje a música
xou de ser a condutora da cultura ocidental, que também de canto, que podemos chamar de música popular, parece
se fez presente no Oriente. É expressamente importante ser a maior expressão artística do nosso tempo. E com o
saber que a cultura típica de qualquer região do mundo está samba não foi diferente, pois suas raízes negras tornaram-
enfraquecendo, assim como a alegria do samba que havia -se predominantes na população. E o que era saudável no
nos morros cariocas. Nossos objetos eletrônicos estão cada samba e na música popular era o refinamento da mistura de
vez mais sedutores para as novas gerações. Deve-se tomar música e poesia, a poesia feita pelos moradores das conheci-
muito cuidado com qualquer ideia que aparente ser van- das favelas. Havia um cuidado excessivo com as letras, pois
guardista, pois todas as ideias estão se tornando obsoletas elas retratavam o dia a dia das pessoas do morro, seus medos
nesses tempos ruidosos de Quarta Revolução Industrial. O e angústias.
mundo e as ideias estão girando muito além do normal. Nos anos 60 e 70 havia uma política corriqueira de remo-
Se antes era impossível ver um japonês tocando pandeiro, ção das favelas do Rio. Muitos sambas da época retratavam
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essa tensão social; desse modo, a música popular tinha mais precisa mudar devido às turbulências que a vida expõe, e
apelo sócio-político do que hoje. A educação e a música para essa mudança a cultura é fundamental; por isso mui-
andavam juntas, eram uma forma de enriquecimento cultu- tas vezes, pela condição de um ser social, a música, a poe-
ral, geográfico e histórico. Agora que o samba está cada vez sia, as artes e a literatura são a condição de perceber a si e
mais saindo da favela, em um dado momento ele também aos outros em seu espaço conhecido. Então o samba se faz
está perdendo seu caráter popular: raramente encontra-se presente como percepção de participação como indivíduo
um Brasil feito de samba. A abertura da economia nos anos popular e essa percepção pode ser condicionada como a
noventa arrefeceu ainda mais a alegria do samba. Nota-se, base. Contudo o Rio de Janeiro, como cidade cosmopolita,
hoje, um número cada vez mais raro de sambas na rádio. muitas vezes absorve toda a cultura mundial. Atualmente,
Parece que o carnaval é um momento desconfortável, parece diante de inúmeros aparelhos midiáticos, ser cosmopolita
ser a ditadura do samba, um momento obrigatório de se basta muito pouco. Então, como cidade cosmopolita ela pos-
fazer samba para desfilar na avenida. É um instante cultu- sui uma tendência a desprezar as raízes africanas da cidade;
ral mais visitado por estrangeiros do que um carnaval feito a posição social determina isso. Isso pode acontecer em
para brasileiros. qualquer lugar, não somente no Rio de Janeiro. Parece que
A importância da cultura é relevante para as ciências e abençoar a cultura popular possui validade mesmo é para o
para as políticas, porque um povo somente pode ser conhe- exterior, para fora do país. É que estar na condição de povo
cido através de suas práticas culturais. Torna-se difícil conhe- não é do cuidado das classes médias e altas, estar na condi-
cer um povo através de alguns indivíduos, e é por isso que ção de povo é considerado demasiadamente desagradável,
através da música, das artes e da literatura podemos confiar parece um pertencimento aos indigentes ou outra significa-
em algum conhecimento obtido sobre esse povo. O famoso ção da baixa sociedade. A necessidade da provação de ser
“jeitinho brasileiro” revela nosso comportamento político, e exclusivamente senhor impele a capacidade de aceitação da
talvez a nossa individualidade. A razão também é constru- cultura popular. Algumas vezes isso pode acontecer até entre
tora de realidade. A nossa consciência está sempre desperta moradores de morro carioca, preferir a identidade do rap
para a condição de superioridade social, o que passa várias norte-americano diante do samba ou do pagode. É muito
vezes pelo nosso racismo subconsciente. Parece não haver importante a percepção musical do indivíduo para que possa
mais a liberdade cultural. Parece não haver mais algum tipo ser inserido em algum contexto social. Notam-se diferenças
de ideal que una brancos e negros culturalmente, e o samba sociais entre a bossa nova e o funk carioca, o que também
era uma característica dessa união. Parece que prevaleceu o pode ser denominado como diferenças sociais entre bran-
racismo subconsciente, desde que o samba foi-se tornando cos e negros. Talvez venha daí o surgimento de outros rit-
exclusivamente branco. A música marginalizada dos mor- mos musicais preferidos pelos mais jovens e o motivo disso
ros atualmente consegue ser definida como funk carioca e parece ser o embranquecimento do samba.
o rap paulista. O engajamento político da cultura é fundamental para o
O ser humano está em contínuo devir, ou seja, em uma estabelecimento do racionalismo, ao menos como maneira
contínua mutação que podemos chamar de vir a ser. Ele de subconsciência. As camadas mais populares precisam de
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alguma maneira estabelecer um vínculo com a cidadania. sociedade de vencer a Deus. Muitas vezes precisam exibir
Precisam ao menos possuir uma arma, e essa arma é o pro- os automóveis caríssimos, e outras vezes também precisam
testo. É por isso que a cultura popular, a cultura vinda de exibir suas grandes propriedades. Ora, se Deus se dedicasse
baixo, é importante para a política democrática, já que a a ensinar o amor romântico não teria declarado guerra a
cultura vinda de cima para baixo, a cultura da moda, nor- Adão e Eva. E quão românticos são os jardins do casamento
malmente estabelece o romantismo para alienar as classes burguês! Contudo, a realidade do trabalho está mais ligada
menos favorecidas. As ditas eternas canções de amor favo- ao sacrifício de Cristo na cruz do que ao romantismo de
recem somente aos senhores e detentores dos modos de Adão e Eva nos jardins do Éden.
produção, pois a sociedade passa a idolatrar sua superiori- Eis que a cultura não pode ficar ao legado do mero roman-
dade como pai de família. Como o sentido do romântico é a tismo burguês. A cultura consegue equilibrar-se entre teolo-
essência da vida, muitas vezes a cultura da moda estabelece gia, metafísica ou ciência. Ao se ater diante da representação
uma hegemonia indeterminada de razão para as classes mais do mundo em forma de arte, música, arquitetura ou litera-
altas. tura, a cultura tem como investigar tais fenômenos. A arte
Em tempos ruidosos, pode-se pensar no quanto o milio- pode buscar a visualização do que é sobrenatural para os
narismo se torna a vontade principal de todos. O desenvol- homens. A música pode ser tão sobrenatural quanto aquilo
vimento das forças produtivas é que geram o pensamento que pensamos que seja sobrenatural; a combinação dos sons
galopante do milionarismo na sociedade, mesmo que esse pode revelar uma maneira de ordenar o caótico. E como
milionarismo seja impossível para a grande maioria. Muitas pensar em arquitetura e não pensar em Deus? A arquite-
vezes ser feliz está condicionado ao milionarismo, mesmo tura valoriza todas as técnicas e ciências para a construção
que esse seja um sonho idiotizado. Pertencer ao sucesso que do inimaginável. A literatura propõe e consegue inventar o
o capital traz condiciona a sociedade à conformação polí- que pode ser divino.
tica, que gera o risco contínuo de a sociedade ser dominada As relações e associações entre diversas áreas do conhe-
por uma ditadura ruidosa. O ideal romântico na cultura cimento (ciências exatas, humanas, biológicas e as artes) é o
estabelece a harmonia dos senhores da produção e o idea- que parece ser a tendência do conhecimento no mundo. Por
lismo romântico faz triunfar os anseios da alta sociedade. isso, é necessário abrir as portas da razão para todo tipo de
Quão romântica é a fantasia da burguesia liberal? Agora, conhecimento. No Brasil, como também em outros países,
não há possibilidades que não sejam exercidas pelo raciona- há o domínio de uma cultura romântica que aliena grande
lismo dos operários, pois estes se preocupam com o muito parte da população. Não estou dizendo aqui para velarmos a
pouco, pois esse muito pouco é o regulador da alma física. noção de romantismo, mas a cultura precisa imediatamente
O racionalismo briga com o romantismo sonhador, que de mais razão do que emoção, ela precisa estar associada às
quase sempre é factível. A cultura precisa ser operacionali- ciências dos números e às ciências humanas, ela precisa estar
zada, precisa ser racionalizada para o que encontramos de vinculada ao processo do conhecimento. É que a música tem
realidade; sonhar com a novela é viver uma realidade que importância quase que fundamental na teologia, na meta-
não existe. Enxergamos a todo instante a necessidade da alta física e nas ciências e técnicas. A música torna a arte de
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aprender, com mais facilidade e fascínio. caminham derrotados diante dessas lutas, aqueles que são
Muitos podem perguntar, o que a arte pode fazer pela esquecidos por todos, e isso está sempre presente na cultura
metafísica? Posso responder. Quase tudo! É ela quem aponta nacional.
a direção para a novidade. Apesar de muitos não apreciarem A música popularesca de massa valoriza em demasia,
a arte moderna, a sua complexidade de formas e cores des- mesmo que de maneira semianalfabeta, o lirismo do eu. Ou
perta a atenção sobre a dúvida da novidade. Por que cores seja, somente eu amo, somente eu sinto, somente eu existo.
tão vibrantes na obra de Van Gogh? São cores emocionais. O romantismo popularesco valida as premissas do capita-
Podem também ser cores que alucinam e adoecem. E como lismo de século 21. Um mundo em que somente eu posso
essas cores estão livres diante do nosso cotidiano, diante dos amar ou somente eu existo, é um mundo degenerado em
nossos espaços urbanos, diante dos lugares que considera- disputas individuais: de nada convém a democracia, se a
mos vida! Quando andamos pelos centros de grandes cida- minha vitória é particular. A validade democrática somente
des, podemos notar as cores dos letreiros de lojas querendo surge quando a vitória de um torna-se também a vitória de
disputar a atenção com o céu azul. E muitas vezes essas cores todos. Perceba a desgraça que pode haver quando todos pos-
são vencedoras diante do céu azul, ou seja, parecem ser mais suem seus interesses particulares: um pode ser considerado
divinas do que normalmente se investiga. um completo idiota ao ajudar os mais carentes, enquanto o
A psicologia também está presente nas artes. É uma das outro pode ser considerado bem aventurado por possuir as
áreas do conhecimento mais importantes em nossos tem- forças contrárias que caracterizam a fraqueza desses mais
pos modernos, à medida em que precisa explicar o homem carentes.
como indivíduo e como ser social. Os fenômenos sociais podem ser regidos por leis naturais,
Muitas vezes encontramos regras sociais que a arte pode mas a cultura tem a capacidade de contrabalancear essas
desmantelar. Podem ocorrer mudanças psicológicas padro- leis. Tanto a música como a literatura têm o poder de inspi-
nizadas diante da música e das artes. Um exemplo disso, é rar novas ações ou novas atitudes, e isso faz surgirem novas
que alguém poderia traumatizar-se ao perceber os Retirantes sociedades dentro de velhas sociedades. As paixões de uma
de Portinari, podendo haver uma completa rejeição diante geração podem não ser as mesmas paixões de uma gera-
da pobreza, ou um profundo medo intuitivo. É que a cultura ção seguinte. Um exemplo disso é o gosto pelo samba; as
tem a mania de moldar a personalidade dos indivíduos. Pois gerações mais novas não possuem muito fervor pelo ritmo
pode haver duas manifestações diante da obra Retirantes de carioca. É que a cultura pode engendrar novas nuances
Portinari, ou um completo ódio e repugnância aos pobres, dentro das estruturas sócio-políticas. A leitura de livros faz
ou um lamento profundo diante das mazelas sociais. Isso descobrir novas possibilidades sociais e pode até determi-
pode caracterizar uma personalidade pela vida inteira de um nar a capacidade de alguns diante do poder, ou determinar
indivíduo, ou seja, uma sociedade molda ou é moldada pela as diferenciações de estrutura social. A divisão do trabalho
sua cultura. Por mais que os Retirantes amedrontem, a vida pode ser modificada através de livros, como também a capa-
sempre realça esse medo que existe, não há como esquecer cidade de lapidar o trabalho.
as variações de lutas de classes no Brasil, e aqueles que já A evolução social existe, mas ela pode ser derrubada
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através da cultura: a arte consegue desviar as atenções dessa linguagem e religião estão dentro das características das
evolução. É por isso que muitos governos temem a cultura, qualidades de dominação. É certo que o poder econômico
pois ela é a melhor maneira de desestruturar a evolução é quase infalível, mas sem a ordenação de costumes, lin-
social de um ditador, por exemplo. É que as artes possuem guagem e religião, ele pode tornar-se brisa para os outros,
uma capacidade infinita de comunicação e muitas vezes pois os costumes são as maneiras de relações sociais de uma
revelam as distorções geradas dentro da sociedade. A cul- determinada sociedade. Um exemplo disso é que muitos
tura consegue recalcar as altas sociedades. O conhecimento consideram que um governante que rouba o Estado é mais
agregado de valor artístico possui uma função de estabelecer comum e aceitável do que alguém que comete um assalto
o novo para aqueles que precisam do novo, pois o conheci- à mão armada, mesmo sabendo que as duas ideias são de
mento é sempre o ouro dos mais fortes. roubo.
A organização das sociedades estaria regulada pelos mem- É para isso que serve a educação; se ela não serve para
bros mais evoluídos, mas esta regulação estaria determinada dominar, pode muito bem servir para que não se domine.
através do conhecimento e da cultura, e não somente através Uma sociedade que prioriza a educação quase sempre pos-
do poder econômico. É óbvio que a capacidade financeira de sui melhores condições para impedir o surgimento de um
um indivíduo o eleva como parte de um sistema regulador, ditador, pois além da ignorância de tal ditador, pior seria a
mas sem conhecimento e cultura, ele não teria facilidade no ignorância da população. Assim, a educação com conhe-
uso desse sistema. cimento e sabedoria seria a melhor forma de equilibrar
Muitas vezes as ciências humanas podem ser conside- as mazelas dos sistemas políticos. O surgimento de dita-
radas como ciências da natureza ou ciências do espírito. dores revela quase sempre uma sociedade desequilibrada,
Quando é usada como ciência da natureza, o que a polí- e o poder torna-se a máxima do pensamento racional. E
tica revela é o que é somente natural, ou seja, até o roubo reitero, é por isso que governantes não gostam muito do
ou a espoliação são naturais. O governante se apropria do poder da educação, pois ela fortalece o espírito democrático.
que não é seu, porque ele tem poder para isso; portanto, Deve-se priorizar uma educação enraizada pela emoção, ou
temos uma sociedade fragilizada. Assim é a sociedade que seja, para aprender, o aluno precisa estar emocionado, pois
precisa determinar a qualidade do pacto social: pois como normalmente a educação é somente compreendida como
ciência da natureza é normal que os mais fortes burlem as pensamento racional. Onde nada importa não há emoção: é
condições dos mais fracos. É por isso que a sociedade não que na juventude, além da crise existencial, não há qualquer
pode permitir o enfraquecimento da educação e da cultura, motivo de emoção em sua rotineira aprendizagem. Precisa
é onde a roda deixa de girar. Já a ciência do espírito pode ser haver uma espécie de aliança entre o conhecimento racio-
dada como a capacidade do entendimento das leis morais nal e a emoção existencialista de uma profissão. E essa ale-
de determinada sociedade. Apesar de a ciência da natureza gria entre pensamento e emoção surge com a música, com
fazer valer um vale-tudo, a ciência do espírito rege as leis do a literatura e com as artes, pois a cultura prioriza a alegria
que é certo e do que é errado. do saber.
O estudo de fenômenos culturais como costumes, No Brasil, qualquer atitude contrária às artes, à música e à
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literatura, ou seja, qualquer atitude contrária à cultura, pode Minas consegue muito facilmente absorver culturas trans-
muito bem ser vista como atitude reacionária, uma busca da nacionais numa lógica permanentemente entendida como
capacidade direitista da sociedade, ou uma imensa idolatria cultura mundana e de raiz. A cultura de que se servem as
inversa à democracia, o sonho da política ditatorial. A queda grandes mídias encontra em Minas uma confusão. Minas
da cultura pode muito bem significar o surgimento da igno- não consegue ser somente sertaneja, ela também precisa ser
rância, a liberdade de discurso dos ignorantes. Jequitinhonha, ela precisa ser pop, ela precisa ser igreja, ela
precisa ser o café com leite, ela precisa ser anticristo, ela pre-
cisa também ser negra, e muitas vezes precisa ser rica e ser
pobre. Minas é a idolatria do interior brasileiro.
REFLEXÃO: A qualidade de vida é importante para as atividades artís-
ticas culturais e é por isso que o apelo de uma cultura própria
O arranjo do boneco muitas vezes é a bondade é mais importante para o desenvolvimento de uma região.
sem boa-fé. A polícia não consegue pegar o baila- A linguagem é o pensamento de um povo, e essa linguagem
rino pois o que é apaixonante é a traição, lutando como pensamento e expressão somente pode ser concei-
agora para se afogar na água, valiosa apenas diante tuada através dos potenciais artísticos: artes, música, litera-
da tirania dos absolutos. O rico agradece a palavra tura, arquitetura... O que não pode acontecer mas acontece,
e o vilão agradece o silêncio do sincero. A vaidade e infelizmente também faz parte da cultura, é a ordem das
da princesa é propor o branco quando tudo está grandes mídias que verticalizam a necessidade da arte, não
branco, é propor o produto quando tudo é produto, da arte popular, a base do povo, mas da arte cosmopolita
é propor parabéns quando tudo é parabéns. Um
pré-romantismo no meio do nada, um labirinto da TV, uma arte que às vezes degenera e mistura o caráter
onde a saída é a chegada. Quantos precisam da e a sensibilidade dos indivíduos numa região. É como se o
própria natureza para encontrar o pé da liberdade? palhaço da cidade não conseguisse ser mais engraçado do
que o palhaço da TV.
A importância de uma cultura com poucos artifícios,
símbolos e significados do poder midiático da televisão é
a capacidade da valorização dos costumes, dos modos de
CULTURA DE MINAS GERAIS vida de um determinado território. Por exemplo, a arqui-
tetura dos shopping centers está influenciada no desenho
A cultura precisa surgir do ambiente popular, pois arquitetônico dos grandes centros internacionais; pouco
somente sendo popular ela consegue ser caracterizada como vale ser mineiro ou brasileiro, o que vale é o código de ser
expressão de protesto, como sendo de livre discurso. Talvez cosmopolita. Mas essa é uma realidade que a modernidade
Minas Gerais seja o estado com maior capacidade de desen- vem distribuindo para o mundo, pois parece que a cultura
volvimento da cultura popular. Minas Gerais consegue ser do planeta vem se uniformizando mais a cada nova década.
cosmopolita com a mesma capacidade de ser provinciana. A verticalização cultural das televisões vem influenciando
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o mundo há aproximadamente 70 anos, ou seja, tudo que produtivos de um lugar específico. Mas as transnacionali-
é considerado midiático tem valor ou potência cultural. A zações das empresas em território nacional validam apenas
música, por exemplo, vem perdendo seu encanto desde os como valor moral o poder econômico. Torna-se vão dizer
anos 2000 para cá; a uniformização das culturas e o exagero que a Fiat é mineira, enquanto o poder de decisão é ita-
da difusão da música através de contínuos novos aparelhos liano. Mesmo assim sendo, as outras empresas tipicamente
vem estabelecendo uma espécie de menor valia diante do mineiras, e que produzem e comercializam produtos tipica-
que seria considerado a perfeição do encantamento musical. mente mineiros, parecem perder valor de status para a Fiat.
Resumindo, a facilidade que temos para se ouvir música está Para racionalizar tal disputa, qualquer um pode ser mineiro,
diminuindo seu valor sempre mágico. Penso eu que a socie- goiano ou carioca… desde que faça valer o poder econô-
dade está experimentando uma de suas primeiras quedas mico, a força motriz desse supercapitalismo. Simplificando
diante do renascimento cultural: a facilidade na audição de tal poder, valem mais dezenas ou centenas de milionários
música está transformando a música em algo enfadonho e na festa de casamento da filha mais querida, do que irmãos,
desagradável. parentes e amigos mais próximos.
Muitas vezes um território precisa ser diferenciado não Um dado da cultura brasileira quase nunca mencionado
apenas através das suas divisas ou fronteiras, mas também são as economias de localização que existem em quase todos
através de valores culturais. E talvez seja isso a fronteira do os grandes centros das capitais do país. Mesmo que não exis-
Brasil diante dos outros países latinos, ou seja, a nossa língua tam comércios de grande luxo ou de grande impacto, os
portuguesa. Contudo, com a verticalização e uniformização principais centros das cidades brasileiras estão se transfor-
das culturas, pode-se pensar que não há tantas diferenças mando num amontoado de poluição visual, sonora e de ar.
entre Belo Horizonte e São Paulo capital, pois a organici- E como fazem parte da cultura! É onde a palavra “grana”
dade da língua está preservada. Mas, apesar disso, há aqueles corre de boca em boca. São comércios de menor expressão,
que não gostam muito de lidar com pessoas de lugares dife- mas que unidos fazem uma grande diferença. É onde a cul-
rentes, pois parece que o forasteiro quebra sem saber algu- tura popular sobre o dinheiro é mais difundida; é onde vale
mas regras de costume. Infelizmente, hoje torna-se quase tudo para ganhar o cliente; é onde o dinheiro não é fácil, mas
impossível a diferenciação visual das paisagens das grandes nunca deixa de ser o melhor bem querer; é onde a cultura
cidades brasileiras; a modernidade vem ruindo os costumes da grana melhor se caracteriza; e é onde tem de tudo por
populares de cada região. Um exemplo breve disso são as um preço mais acessível. Se alguém quer conhecer o resul-
tatuagens de músicos do sertanejo moderno. Se antes eram tado do capitalismo desde o século 18, precisa conhecer a
considerados os heróis mocinhos, hoje, pelos estereótipos, sociedade nos centros urbanos de qualquer grande cidade
podem se passar por vilões bandidos: é o risco de ser consi- brasileira. É onde menor valia é motivo de morte. É uma
derado mais pop do que rigidamente sertanejo. mistura exageradamente ordinária, é o pensamento capi-
População, firmas, instituições e outros agentes coletivos tal aliado às mais diversas poluições, das quais a poluição
também podem ser denominados como caráter cultural de visual parece ser a mais grave, pois faz lacrimejar os olhos
um território ou de uma região, pois se utilizam de recursos com tantas nuances das mais diversas cores, e claro, as cores
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que predominam são as cores quentes, os vibrantes e san- Mas a cultura dos grandes centros também pode ser
guinários vermelho, laranja e amarelo. A visão se perturba observada como a cultura da poluição sonora. Talvez seja
facilmente com tantos vermelhos e amarelos. Vale tudo para esse o maior problema da causa de tantos distúrbios mentais
ganhar a atenção dos clientes e dos consumidores. Como o provocados na população nos últimos anos. Em qualquer
vermelho é a nossa necessidade primária para o consumo! grande cidade hoje há uma enorme dificuldade de se captar
Precisamos de vermelho para comprar. Parece que onde não o silêncio. Perceber o silêncio tornou-se uma espécie de vir-
há vermelho não há a vontade de gastar. Precisamos do ver- tude em nossos tempos. Ouvir a música das esferas é uma
melho, do sangue da guerra urbana, do perigo do pecado, do surpresa até nos interiores do Brasil. E esse supercapitalismo
sinal fechado, do risco de morte. Por que não o verde escuro do século 21 está enraizado até nas pequeninas cidades do
para comprar? Poderia ser uma compra mais equilibrada e país; a poluição visual e sonora, aos poucos, também come-
racional. O sangue parece ser um significado de segunda çam a ser sentidas onde a maioria procura paz e silêncio.
aproximação para o consumo. E não seria tolo alienado Hoje, parece ser de comum acordo a defesa desmesurada
aquele que pudesse dizer que o surgimento das guerras vem desse supercapitalismo hegemônico. Hoje, parece ser natu-
acompanhado do sonho de ter tudo para o fácil consumo. A ral defender as ideias iluministas e a mão invisível de Smith.
sociedade precisa de petróleo, então por que não dar a ela Marx está fora de moda. Agora, se estamos presentes para
uma guerra pelo petróleo? Hoje, ninguém sabe mais viver defender a cultura brasileira, deveríamos encontrar maio-
no mundo sem o glorioso automóvel. Uma comodidade tão res laços com o pensamento esquerdista no Brasil. Pois se
tola tornou-se a necessidade básica e primária — parece ser nos shoppings tudo parece muito lindo e maravilhoso, nos
a nossa única cultura, por isso o nosso ideal é tão diferente centros de capitalismo vovô, torna-se loucura o desespero
de nós mesmos. Onde está o tempo fragmentado? Onde causado pela poluição visual e sonora. Onde está o verde
está aquele tempo que nunca passa? Está no velocímetro do escuro? Onde está o silêncio? Nem nas pequenas cidades
nosso ideal de temer quem somos nós? É que precisamos eles parecem existir mais.
do vermelho para comprar, para matar, para gastar, para Aliás, como parecem ser grandes as pequenas cidades! O
humilhar… e também para fraquejar. Qual a satisfação sem barulho do automóvel também perturba as cidades do inte-
o vermelho? rior. Parece não haver mais lugares para fugir e descansar.
Outra cor que satisfaz o consumo é o amarelo; a fome A economia de localização existe em qualquer lugar onde o
parece estar significada no amarelo. Parece que precisamos vento faz a curva. Não existe mais êxodo rural para buscar
do amarelo para comer. Parece que ninguém come sem um novidades ou modernidades na capital. A era digital parece
pingo de amarelo. Entrar nos grandes centros urbanos é sen- ser para todos , mas não há a mesma motivação para a era
tir a vontade da morte e da fome, o vermelho e o amarelo. do conhecimento.
São as cores que melhor estimulam o nosso subconsciente Ser parecido com a Europa ou com a América do Norte
alcançando o topo do que é consciente. Comprar traz ale- parece ser o nosso ideal do que é belo e bom. Agora, parecer
gria, a mesma alegria com o descontentamento do outro, a nunca pode ser confundido com ser. É como se fôssemos a
mesma alegria de matar a própria fome. mulher que pinta o cabelo de loiro; isso a torna envaidecida,
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e pouco sabe lidar com a nova beleza. Note o quanto a loira que é belo e bom, ao que é estético e funcional. Aliás, a
natural é sempre mais tímida e recatada do que a loira tin- música sempre foi a melhor propaganda de uma marca. Um
gida. Talvez seja essa a vaidade natural do nosso capitalismo. empresário que não gosta de música certamente não gosta
Não temos nossa marca para vender, mas temos demasiado de marketing popular. A cultura faz parte dos relacionamen-
orgulho de vender a marca estrangeira. tos sociais de um povo ou de uma cidade.
O que muito acontece aqui, em terras brasileiras, é
uma valorização incomum do poder econômico, e nisso o
dinheiro parece valer mais do que realmente vale. Assim,
as ideias ou ideais dos homens estão abaixo de suas vidas
REFLEXÃO: financeiras. É certo possuir um “ismo” como ideal, mas esse
“ismo” precisa ser acompanhado de algum ganho monetá-
Vendemos a penumbra sem nunca perdoar o rio; do contrário, parece não valer nada. Enquanto a religião
ofensivo. Como se houvesse uma língua queimando
o elogio febril. E se o desmaio fosse permanente acompanha o caráter vertical da alma, a política cuida do
como a morte, assim os vãos vazios da piedade caráter horizontal. É por isso que a cultura enobrece a perso-
teriam apenas mea-culpa. Por isso o papel, a poesia, nalidade política do indivíduo. A cultura exerce a qualidade,
a missa, o choro e o olho preto. A proximidade com mesmo que não perfeita, de relação social do indivíduo, e
o vento entre o veneno apaixonante e o agradeci- a política torna-se a capacidade de persuasão. Por isso, às
mento vaidoso. Ser a agonia do tirano, ser a tosse vezes, é preferível um “ismo” sem haver possibilidade de
do soberano, ser a sobrevivência do eterno, é como retorno, mas com possibilidade de união. Veja o exemplo
ser a vanguarda infinita do universo. da Rússia: quando a maioria ansiava pelo socialismo, esse
socialismo existiu, e também quando a maioria não queria
mais esse socialismo, esse socialismo deixou de existir. O
Isso é muito fácil de acontecer no Brasil: políticos e empre- que torna o ideal verdadeiro é a existência pessoal desse
sários que viram as costas para a cultura, julgando ser ela ideal. De nada adianta querer ou buscar a igualdade social,
irrelevante, e limitando-se somente à cultura verticalizada se as primícias do cotidiano estão estabelecidas no indivi-
das grandes produções internacionais. Muitas vezes, nin- dualismo: nisso a igualdade social torna-se meras palavras
guém se lembra de que as marcas estrangeiras investem em vazias e perdidas em determinado tempo. Se sairmos para
arte para se beneficiar do significante e do significado. A arte perguntar a cada brasileiro se é preferível a igualdade social
é a intuição primária de uma marca. Nenhuma marca conse- no país, tenho a absoluta certeza de que a maioria respon-
gue ser consolidada no mercado sem arte. Uma marca pre- deria que sim. Então, qual seria o erro político da sociedade
cisa ser arte plástica, precisa ser esporte, precisa ser música, brasileira? Chegaríamos a um resultado muito fácil, e as res-
precisa ser arquitetura, como também precisa ser filosofia. postas seriam: falta de educação, ou falta de cultura, ou falta
A cultura é até mais importante do que a política para uma de engajamento político. É por isso que o romantismo bur-
empresa, porque tudo no mundo precisa transcender ao guês das canções midiáticas de nada vale como cultura, pois
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toda arte precisa de um mandamento político. É por isso que conceito católico-cristão tal palavra é mais bem definida
a existência das redes de televisão espanca violentamente a como misericórdia, compaixão, perdão, solidariedade…
capacidade das ideias e dos ideais dos homens. No Brasil, a Tudo aquilo que no conceito romântico burguês definiria
televisão consegue execrar completamente a quem lhe faz as qualidades do popularesco nacional, o corno. Isso é tris-
oposição. A arte romântica neoburguesa, seja na música ou temente um pouco de Brasil. Talvez seja esse o motivo do
na novela, verticaliza aquilo que em nossas almas poderia sucesso das novelas, pois o amor católico-cristão é diferente
ser chamado de religião. Deixa a igreja de lado, mas não do amor romântico-neoburguês.
perde um capítulo da nova novela romântica... é assim a Se é assim, então veríamos algumas partes da cultura no
sorte brasileira. Brasil. Duas dessas partes poderíamos classificar como cul-
E quanto mais a arte é do juízo e da produção de poucos, tura rural e cultura urbana. Atualmente, as grandes mídias
menos é criticada como valor artístico. Ou seja, temos dois já alcançam facilmente a vida rural ou a vida das pequenas
poetas, um na mídia televisiva, o outro no parco sucesso do cidades e com a verticalização da cultura mundial através
boca-a-boca. Qual será mais respeitado pela população? E dessas mídias, a cultura rural, que sempre foi uma das prin-
para estar na mídia o poeta precisa de ao menos algumas cipais riquezas de Minas Gerais, está aos poucos deixando
cordas como fantoche, e provavelmente uma dessas cordas de existir. A velocidade do tempo também chegou às peque-
está referida ao sistema socioeconômico. Claro, então ele nas cidades. Veja como aquela velha tradição de moda de
dirá muito pouco do que deveria dizer. Mas o poeta é cha- viola está acabando: qual cantor da atual música sertaneja
mado muitas vezes de louco, porque diz aquilo que ninguém sabe tocar a famosa viola de dez cordas? Há algum tempo,
tem coragem de dizer. Então podemos chamá-lo de artista nenhuma dupla sertaneja existia sem ter um dos seus can-
de TV, ou um artista de verticalização da arte neoburguesa? tores tocando a viola de dez cordas, e isso era um fator fun-
Vamos endurecer a palavra? A palavra da felicidade bur- damental e predominante para a existência da dupla de can-
guesa. A palavra suave das altas sociedades. A dura palavra tores. Hoje, se tocam somente violão, já é muito sofisticado.
da realidade mais bruta. A palavra que crucificou Cristo. Muitos podem dizer que o funcionamento da cidade
A palavra das jovens mais românticas. A palavra que une e grande, com suas diversas opções de lazer e entretenimento,
desune as famílias. A única palavra de solução das religiões. é a verdadeira riqueza cultural, pois quanto mais opções,
A palavra que não existe no vocabulário dos mais machos. A melhor. Mas o inchaço populacional das grandes cidades
palavra que, ao mesmo tempo, vale vida como também vale está esgotando a capacidade mental de muitos indivíduos.
morte. A palavra que se torna morte para os homens e vida Pois apesar das condições culturais, a existência dos mais
para as mulheres. A palavra que mesmo existindo, nunca diversos tipos de poluição está redefinindo a migração des-
existiu. A palavra Roma ao contrário. ses novos dias. Muitos estão procurando a vida rural, ou o
Dentro do conceito católico-cristão ela é o oposto da mais próximo que seja do vanguardista desenvolvimento
vaidade romântica das novelas, é o oposto da beleza e da sustentável; e nunca se pode dizer que qualidade de vida não
riqueza das novelas. Tal palavra nem poderia ser usada pertence a uma vida cultural rica. E alguns esquecem que a
nas canções mais românticas e mais populares. Dentro do digitalização do conhecimento produz uma descoberta rica
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e fácil para quem vive no campo, ou seja, a cidade não tem de fazer o sinal da cruz com as mãos ao passar diante de
muito a ensinar nesses tempos. uma igreja. Por essa razão, pode-se concluir que o mineiro
Como consequência da neoliberalização, relações comer- possui uma identidade católica estimável, até porque suas
ciais, financeiras e laborais estão se integrando cada vez igrejas são as mais conhecidas do país. Os costumes de uma
mais. Ser do campo já não é tão distante de ser da cidade. É cidade ou de uma região são a capacidade do que a alma
preciso entender que essa integração, se ao mesmo instante determina como moral de uma sociedade. E por isso, se
desqualifica a comunidade, também em outro ponto qua- houvesse uma maneira de se conceituar o Brasil, seria mais
lifica; ou seja, se você perde em facilidade diante de instru- fácil se utilizando de Minas Gerais como referência básica,
mentos de comunicação, você tem qualidade de vida, menos pois a influência interiorana de Minas é mais marcante no
barulho, mais verde e ar puro. Grande parte da população que podemos destacar como Brasil do interior. Tudo que há
mundial, hoje, está priorizando a qualidade de vida. E apesar no Brasil, há em Minas, se houvesse uma determinação de
de a cultura estar simbolizada pelos meios de comunicação, quantificar os costumes.
ela também precisa ser vinculada à qualidade de vida. A linguagem é outro fenômeno permanente do consciente
E ao seguir essa linha rumo à qualidade de vida das coletivo. É por esse motivo ou detalhe que pode-se perceber
pequenas cidades é que se encontra a horizontalidade da em qual região está ocorrendo tal fenômeno. Consegue-se,
cultura, a cultura de raiz de Minas e do Brasil. É nessa pecu- através da fala, conhecer as diferentes regiões do Brasil. A
liaridade que se encontram as manifestações culturais histó- notória diferença do Nordeste para Minas, de Minas para o
ricas, como o Congado, que celebra a mistura das tradições Rio de Janeiro e daí até o Sul do país. Essas diferenças pode-
africanas com as tradições católicas. Existem muitas festas riam levar ao surgimento de diferentes línguas, assim como
no Brasil desse tipo; é a presença dos negros africanos qua- ocorreu com o latim na Europa. Mas creio que isso não seja
lificando a santidade da Igreja. Note a diferença da fé cristã mais possível por causa da televisão e outras mídias, que
da cidade grande diante da fé cristã da cidade do interior. acabam normatizando o português do Brasil. A fácil e rápida
A necessidade hegemônica do dinheiro na cidade grande comunicação da modernidade acaba estabelecendo um
torna a fé evangélica mais promissora diante dos desejos padrão comum a todas as regiões brasileiras, ou seja, rompe-
da população. Note que na capital a fé cristã está mais bem -se o local para estabelecer o universal. Nisso, ser brasileiro
materializada com o capitalismo de ordem primária, ou seja, torna-se mais importante do que ser alagoano, por exemplo.
Deus é mais identificado com ganhar dinheiro, pois quem E a realização existencial torna-se quase impossível, pois
ganha mais pode mais. Já a fé cristã do interior está mais para o sentido positivo da cidadania brasileira o indivíduo
bem posta diante dos aprendizados e virtudes, em cultura precisa desenvolver, quase que sobrenaturalmente, seus
mais posta à base da nova regra da política sustentável. poderes socioeconômicos. As mídias estabelecem o padrão
Os costumes de uma localidade são parte permanente do normativo dessa universalidade brasileira. Note-se que as
consciente coletivo. É como se fosse um fenômeno espiritual leis estaduais e municipais possuem uma espécie de menor
de uma região, o que determina o espírito vivente daquele valia diante das leis federais. Para o subconsciente coletivo,
lugar. Em Minas, por exemplo, os mineiros têm o costume lei natural é uma lei federal. Dessa maneira, a realização
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existencial de pouco vale dentro da amplitude municipal: o paganismo das antigas culturas como Grécia ou Egito,
pode haver muitas diferenças e distorções diante da quali- mas um paganismo que pode ser considerado real. Pois se
dade de ser um bom médico de Araguari para ser um bom a TV consegue transformar uma pedra em herói, o que dizer
médico em Belo Horizonte, ou seja, a capacidade do dina- então dos seus artistas? Dizer que a TV é laica porque ela
mismo social torna-se frequente. E o tamanho territorial não apresenta conceitos ou ideais de alguma religião pode
do país, aliado às mega mídias de informação, tornam o ser uma tolice, porque ela consegue semiendeusar seus artis-
estabelecimento social quase inútil: é que em pouco prazo tas, empresários e personalidades. No que existe essa capaci-
de tempo o melhor médico de São Paulo será outro. Uma dade de semiendeusar, ela pode muito bem ser conceituada
competição que pode ser saudável para o consumidor, mas como pagã. No que ela semiendeusa alguns indivíduos reais,
pode ser desastrosa para quem vende sua força de traba- ela pode ser considerada um paganismo estabelecido, muito
lho, pois o consumidor também é um trabalhador, e com a mais atuante e dominante do que outras religiões.
mesma forma como produz riqueza, também produz misé- Muitos podem até afirmar que na possível existência desse
ria. É que todos precisam ser brasileiros, e não baianos ou paganismo real não há nenhuma espécie de ideologia, tanto
recifenses. Essa diferença pode ser muito mais notória ao política quanto religiosa. Mas a TV estabelece uma espé-
exemplificar o caso dos artistas. No subconsciente coletivo, cie de subconsciência diária da afirmação, muitas vezes de
artista somente é considerado artista quando há o reconhe- uma política ordinária. Um exemplo é o claro ditado popu-
cimento nacional, e no caso de um reconhecimento muni- lar: “Lugar de pobre é na cadeia”. Ela consegue reafirmar
cipal, ele nem pode ser considerado como tal. É que sub- esse pensamento ao apresentar diariamente indivíduos de
conscientemente há uma necessidade de ser brasileiro, e não baixa escolaridade e de baixa renda sendo capturados pela
recifense, ou brasiliense, ou curitibano, ou paulistano, ou polícia. Assim ela amplifica o pensamento subconsciente
belo-horizontino… Além da língua portuguesa, as mídias contra a população pobre, ou seja, a população de classe
estabelecem como norma de qualidade a existência da cida- média pode até não conservar tal política, mas tal política
dania brasileira. Assim, as mega mídias possuem o poder não deixa de existir através da subconsciência imaginária
de limitar a existência humana. Ao limitar tal existência, ela — e, muitas vezes, pode até se servir de tal política quando
pode mudar a classificação do que é perfeito para uma deter- lhe for útil e necessário. Logo, a TV se assemelha a alguma
minada localidade para imperfeito, pois a perfeição somente espécie de semideus, pois ela orienta diariamente tal política
vem através da capacidade e da qualificação de ser brasileiro. no subconsciente coletivo; e ela consegue até afirmar que os
Ou seja, o médico, para ser médico, precisa ser ranqueado indivíduos eram realmente bandidos. Mas qualquer tipo de
como brasileiro e não como divinopolitano de Minas Gerais, política tem sua visão contrária, pois os ricos também não
pois se o contrário se estabelece, ele pode estar condicionado são tão honestos, e muitos se servem do poder imaginário
através da estereotipização popular a ser aquele médico sem da TV para exercer poder hegemônico.
escrúpulos das páginas policiais. Mesmo assim, muitos diriam que a TV não é uma religião.
No que tange aos princípios de religiosidade, a TV con- No entanto, se acaso usássemos o cristianismo como exem-
segue estabelecer um poder padrão para o paganismo, não plo, e focássemos em uma visão externa entre o cristianismo
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e a televisão, logo teríamos a certeza imediata de que a Igreja A escravidão dos negros torna a realidade de ser popular
endeusa Cristo, e que com a mesma força de vontade, a tele- mais frequente, e normalmente é o povo de menor poder
visão endeusa outros indivíduos. É quase óbvio que a TV socioeconômico, quem mais precisa da magia e da alegria
diviniza vários artistas, empresários e outras personalidades; da música e das artes.
então ela pode muito bem ser considerada como religião. O Congo, apesar de ser uma referência da cultura popular
Os fenômenos sociais não podem ser explicados pelas no Espírito Santo, vive um predestino inusitado: a televisão,
características da consciência individual, tal é o pensamento com a mania de verticalizar a cultura, está fazendo morrer
da psicologia social. Será que não? Será que a consciência as culturas tradicionais, assim como esse ritmo. A cultura
individual não influencia os fenômenos sociais e culturais? globalizada é diariamente divulgada, o que debilita a cultura
Talvez haja alguma espécie de esquecimento do mundo glo- tradicional.
balizado e midiático. Num mundo feito de pirâmides sociais O Congo surge do que chamamos de sincretismo reli-
e econômicas, será que não há qualquer tipo de domina- gioso, uma maneira que os escravos africanos encontraram
ção nesses topos? Parece haver alguma alienação diante das para cultuar seus deuses nativos juntamente com o catoli-
mídias de massa, pois o indivíduo pode certamente sub- cismo. Daí vem a devoção pelos santos católicos, pelo amor
meter parte da população a um determinado assunto ou e pelo mar. Apesar de ser predominante como cultura popu-
pensamento. Um exemplo disso é a triste sorte dos indíge- lar, atualmente não faz parte da referência cultural da maio-
nas e da Amazônia, que de tempos em tempos é esquecida ria. Todas as manifestações de costumes estão deixando de
pelas grandes mídias do país e do mundo. Uma das maiores existir com o tamanho da frequência com que existiam no
reservas florestais do mundo parece estar com os dias con- século 20.
tados, assim como seus povos habitantes. Ao alienar esse A panela de barro é outra representação do artesanato e
fato, um indivíduo controlador dos meios de produção na da cultura capixabas. De origem indígena, é uma tradição
área de comunicação social consegue facilmente tornar uma passada de mãe para filha. E a ordem da cultura globalizada
circunstância tão importante como parte de um esquema também está perdendo o seu valor: as feiras, que sempre
esquecido. foram a referência para o comércio de artesanato, hoje quase
todas se utilizam de produtos industrializados, produtos de
Taiwan ou da China. A ordem da cultura globalizada tem
CULTURA DO ESPÍRITO SANTO uma mania de excluir o artesanato como cultura.
É necessário que um povo tenha história para também
O Congo é o ritmo mais tradicional capixaba, conhecido ter cultura. A história também desenvolve a religião, por-
em todo o estado. que um povo precisa passar por dores, angústias, alegrias
A riqueza da cultura no Brasil está sempre sendo pro- e esperanças… Um povo precisa ter história, e a história
duzida pela cultura negra. Isso acontece quase sempre em não pode ser contada somente nos livros, ela também pode
todos os estados, porque o que é popular está sempre arran- ser contada através de casas, palácios, edifícios, conjuntos
jado diante da base estrutural sócio-política-econômica. urbanos, pontes, escolas, igrejas, estações ferroviárias… ou
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seja, tudo aquilo que representa a cultura e a arquitetura. nossa mão de obra escrava não declarada e da luta polí-
A valorização da história de um povo também é marcada tica incansável de alguns que nunca terão o direito à vitória.
pela arquitetura: o destino é sempre um lugar, e esse lugar Assim como o trabalho é riqueza, as altas classes burgue-
é paisagem e arquitetura. É que o passado como lugar ou sas se servem da utopia do trabalho para os trabalhadores
arquitetura traz reflexões e lições para o presente, seja na para o continuísmo das altas escravocracias. Nosso sonho
política ou nas artes. O esquecimento é um instrumento americano de nada vai valer enquanto a renda média esta-
de dominação, pois se um povo esquece sua história, pode dunidense é cinco vezes maior do que a renda média bra-
muito bem ser dominado. Se houvesse alguma maneira de sileira, mas precisamos que os Estados Unidos sejam aqui.
trocar a arquitetura de um lugar ou de uma cidade, podería- O nosso racismo amargo e contido parece impedir que os
mos perceber a facilidade do esquecimento em nossas almas escravos contemporâneos passem a sonhar com a igualdade
— e parece ser o que acontece atualmente, não somente no do século 18. Precisamos esconder que estamos entrando
Espírito Santo, mas também em todo o Brasil. A arquitetura no século 20 agora, em meados de século 21. Nossa con-
comercial moderna vem ganhando espaço diante de cons- duta sócio-política-econômica centrada na escravocracia
truções históricas. Atualmente, nas capitais, parece haver parece ainda ter fôlego para muitos anos mais. A hipocrisia
algum movimento de morte do passado, pois as construções geral está sempre lembrando a todos que hoje os escravos
de estilo moderno parecem ser a integralidade do que foi e de ontem já possuem seus valores de riqueza balizados no
do que será o Brasil. Parece haver alguma espécie de vergo- salário, sendo que a força de trabalho no Brasil tornou-se
nha velada com o nosso passado, com a nossa arquitetura e o sonho mais barato do mundo. Esquece-se que os filhos
com a nossa cultura. Derrubar o passado para construir o da classe trabalhadora somente conseguem sonhar em ser
futuro pode ser algo arriscado para as próximas gerações, trabalhadores. Esse parece ser o único sonho que a ordem
que parecem se esquecer da docilidade brasileira. escravocrata no Brasil consegue fazer realizar.
A facilidade com que o brasileiro queima seu passado é a Aqui ninguém tem como lazer visitar o museu da cidade,
mesma facilidade que tem em destruir as construções his- é um lugar quase sempre esquecido. Talvez seja alguma espé-
tóricas. Parece que precisamos dizer ao mundo que somos cie de vergonha reconhecer os objetos do cotidiano dos nos-
ricos, e de riqueza material, pois a nossa escolaridade geral sos avós; precisa-se de alguma maneira esconder o passado
beira ao fracasso do ensino fundamental. Talvez seja por isso e dizer que eles eram modernos e assistiam à televisão, e
que precisamos dizer a todos que somos ricos, mesmo que também ouviam o rock de Elvis Presley para dançar o twist.
isso falte na conta da educação. Nosso passado precisa ser tal qual o passado dos norte-ame-
Precisamos das marcas dos tempos que nos trouxeram até ricanos. De maneira alguma se pode dizer que nossos avós
aqui; não são marcas de ressentimento e de ódio, são as mar- usavam a cisterna para se ter água, tal qual na Idade Média.
cas da impiedosa escravocracia que sempre foi o poder cen- Daí vem a vergonha do nosso passado histórico, a vergonha
tral do desenvolvimento do país. Dizer que o Brasil cresce da mentira e a vergonha da verdade. Daí a necessidade da
através de nossas mãos é de um cinismo exageradamente loucura pela riqueza material, com a educação ficando em
extravagante, pois o crescimento econômico surge com a segundo ou terceiro plano na ordem das pirâmides sociais.
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E não vai ser a educação superior que removerá a nossa incluso nenhum prédio histórico, está inclusa somente a alta
escravocracia oculta tão cedo de nossas almas. arquitetura moderna, sempre fria e exata. Ou seja, guarde-
Os espaços de existência tornaram-se a nossa vergonha, mos o nosso racismo científico somente para nós. É que a
por isso a necessidade de um Brasil diferente, de um Brasil nova arquitetura foi projetada para esmagar sonhos e pes-
contemporâneo e moderno. Daí nossa importância capi- soas. O que se dirá daqueles que ainda não são considerados
tal diante da Semana de Arte Moderna de 1922, que talvez pessoas?
seja a nossa maior inspiração política desde a Lei Áurea. O crescimento econômico nos últimos 30 anos de econo-
Precisamos, mas não queremos perder nossa alma escra- mia neoliberal e globalizada fez com que se iniciasse um pro-
vocrata. E da década de 90 para cá vem ressurgindo um cesso de surgimento de novas demandas. Parece que grande
Brasil de construções ultramodernas, que nunca fez parte do parte da população enriqueceu, e as construções modernas
passado, um passado de igreja pobre e cidadezinha pobre. tornaram-se inevitáveis. Mas pensando melhor, talvez esse
Nossas camionetes e nossas novas residências provam a processo seja uma maneira de alienar o passado, pois causa
nossa existência rica e quase milionária. E assim a normativa estranhamento tantas construções ultramodernas para um
da educação que preza pela conservação da nossa história país em completa falácia educacional, construções ultramo-
e do nosso passado, perde fôlego para as ideias neoburgue- dernas ao sabor de apenas cinco por cento da população
sas, enquanto na Europa o passado é todo o esplendor da brasileira. É que precisamos do ultramodernismo alemão,
modernidade: ousem ser modernos, mas não ousem esque- mas da educação alemã deixa-se para o futuro contínuo.
cer o passado. Além de ser a maior glória, o passado também Esquece-se muito facilmente que o ultramodernismo da
ensina. arquitetura alemã foi projetado para o ultramodernismo da
Os espaços de existência no país sempre deixaram marcas educação alemã. Contudo, parece um pouco inviável e ina-
profundas do nosso passado escravocrata; assim, a busca cessível o ultramodernismo nacional para a pouca escolari-
pelas construções do novo, é a mesma busca de esconder o dade do brasileiro. É que o nosso orgulho de passar na escola
que existe em espírito, um racismo oculto que não deixará da vida não nos garante altura diante da ultra-arquitetura.
de existir através da arquitetura moderna. Ou seja, apaga-se Passar pela escola da vida parece ser uma maneira absurda
o visível para tornar-se invisível. Brada-se para o mundo de chorar ao pé das construções de última tecnologia.
que no Brasil não existe racismo, mas a nova arquitetura Se estamos pensando em urbanismo, então estamos tam-
precisa pertencer aos brancos mais ricos e mais arrojados; bém pensando em meio ambiente. A visão internacional
a nova arquitetura dos shoppings, dos prédios comerciais, sobre o Brasil está estabelecida pela imagem da nossa rica
das novas indústrias, das residências horizontais e verti- fauna e flora. Mas parece não ser esse nosso melhor atributo;
cais, das construções de última tecnologia. Esse é o país do não queremos, e parece que nem precisamos desse predi-
futuro que precisa de alguma maneira esquecer seu passado cado. É o eterno conforto de ser comparado aos índios, o
escravocrata, sempre tão presente diante do racismo oculto verde na bandeira tem significação somente para a bandeira,
de todos os dias. Entretanto, na identidade de ser capixaba, e às vezes a ordem e o progresso possuem o valor maior de
ou ser mineiro, ou ser fluminense, ou ser paulista, não está sociedade. Pois ser índio é não se enquadrar à nova ordem
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e muito menos ao progresso. Ser índio mais se parece com moderno.
ser brasileiro de última ordem e capacidade. E a cultura mega midiática sempre precisa ser maior do
E o que a sociedade internacional espera de nós, brasilei- que é. Ela precisa alcançar o além mundo para se tornar
ros urbanizados, é uma completa integração com os índios? totalitária com a vida. Nossa música já deixou de ser música.
Mas nosso orgulho de civilização branca nos impede a qual- Até o amor tornou-se enjoativo com tantas canções eternas
quer custo de aprender algo com os índios, pois conside- de amor, e a cultura ficou repetitiva e cansativa: se não é o
ramos suas culturas como culturas aniquiladas diante da doce amor, então são as glórias ao desamor. Precisamos per-
ciência e da tecnologia do novo mundo. Aprender sobre turbar o sossego dos índios com nossas máquinas possantes
como viver em paz e harmonia com a natureza, penso eu, cheias de barulho. E quando alguém diz: “Essa música não
que nesses tempos de vanguarda sustentável possa ser de presta”, é aí que vou ouvir o dia inteiro. Precisamos inverter
necessidade capital para qualquer país que almeje em ser o a alma — o que é bom é ruim, e o que é ruim é bom, até
melhor e não o maior. Quem conhece mais sobre cultura de chegar o dia de comer o sujo caramujo e rejeitar a suculenta
desenvolvimento sustentável, se não os índios? De tempos manga. Pois ser popular é a ordem, mas popular sendo da
em tempos o nosso ordem e progresso parece representar o cultura romântica neoburguesa, onde todos os prazeres são
vazio do pertencimento à sociedade. tudo e todos os sofrimentos são nada.
A cultura dos índios precisa sobreviver para a alegria das Até pelo fato de o país ser uma colônia europeia, tanto a
matas, para a alegria do que há de mais natural na Terra, sua arte quanto as suas técnicas são influências predomi-
para a alegria do silêncio e da paz. Absorver um pouco da nantes tanto de Portugal quanto de outros países europeus.
cultura dos índios é contemplar o medo dos raios e trovões, No Brasil, quando se fala de arte e arquitetura há um pensa-
é contemplar o tempo sábio e lento, a vida que parece não mento composto com a Europa, e talvez seja também assim
envelhecer nunca, é contemplar a vida onde o jovem é sem- em outros lugares. Entretanto, já que vamos destruir o que
pre jovem e o velho é sempre velho. É contemplar o lugar resta de velho em nossa arquitetura, não seria melhor cons-
onde o tempo não passa nunca. É contemplar a alegria de truir o novo baseado em nossos costumes tão diferentes do
viver. Oiapoque ao Chuí? Penso que o nosso modernismo arquite-
Mas nossa estúpida evolução precisa de lucros e dividen- tônico deveria se inspirar mais nas nossas diferenças regio-
dos, precisa ajoelhar diante da lei do mercado, precisa do nais. O Espírito Santo moderno deveria ser mais Espírito
amanhã sendo hoje. E o amanhã é feito de homens traba- Santo. As escolas deixam isso muito claro, mas mesmo assim
lhando na construção de estradas, prédios, viadutos, pontes, os materiais e as técnicas são sempre importadas. Por isso
casas… O amanhã parece ser feito da desgraça da natureza: deveríamos aprender algo com os índios. Às vezes prefiro
ela parece ser a agrura do passado que precisa ser vencido. admirar o caos uniforme e organizado das favelas do que
Parece que o nosso ordem e progresso somente conse- os complexos de estruturas urbanas do lado mais rico da
guem enxergar a natureza como a rival do passado ainda cidade. As favelas parecem acolher nossa humanidade; já
não arruinado. Ou seja, parece que a imensa fauna e flora é não digo o mesmo sobre as estruturas de materiais moder-
uma espécie de atraso para a chegada do primeiro mundo nos dos bairros de alta sociedade, aquilo parece dizer “não”,
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um não vazio e que menospreza a todos. É uma mania nossa Um exemplo disso é que apesar da considerável idade do
construir o que vai além de nossas possibilidades, logo, em comunismo no mundo, no Brasil isso ainda é uma novidade,
nossos espaços de existência prevalece o alter ego dos indiví- ainda é uma nova política. Muitos dizem que o comunismo
duos, aquilo que não podemos ser, algo além da nossa intui- morreu, mas no Brasil ainda é um sonho permanente entre
ção. A arquitetura não pode ser realizada de uma maneira os mais jovens e a classe trabalhadora. O comunismo mor-
que desagrupe; ela precisa acolher, porque no Brasil muitos reu na Rússia porque sua política já estava velha diante dos
são os carentes em matéria e em espírito. A arquitetura que russos, mas no Brasil ainda é um sonho e uma vanguarda
vem se desenvolvendo no século 21 é a arquitetura da exclu- a ser vivida. É que em nosso país, como no Paraná, as elites
são; parece que não possuímos capacidade para estar ali. políticas da história republicana ainda não foram anuladas,
Apesar de defensor da arquitetura moderna, eu não elogio por isso o sonho comunista no Brasil ainda não desapareceu.
a característica funcional de excluir o indivíduo dentro do Os governos petistas surgiram quase que emergindo o
vazio — ela precisa ser a extensão da terra, a extensão da sonho político utopista, pois antes não havia uma elite polí-
espiritualidade do povo do qual ela se origina. tica de esquerda; essa elite começou a ser formada no início
dos anos 2000. Logo, com o fortalecimento de uma elite
intelectual e política de esquerda, finalmente o Brasil pôde
POLÍTICA DO PARANÁ ao menos visualizar um horizonte de um possível equilíbrio
de dominação política e cultural, pois os mandos e desman-
A política do Paraná como região já existia na época dos de uma alta sociedade capitalista ao menos podem ser
imperial, mas é na República que o discurso regional emerge regulados em algum discurso.
como forma de construção de uma identidade nacional. A Penso que com a vitória popular dos intelectuais de
definição de seu território surgiu com o federalismo des- esquerda pela redemocratização do país, estabeleceu-se
centralizador, e o que antes era uma província do Império uma ordem doutrinária que balizou a democracia. O que
tornou-se um estado da República. antes no país era um sonho que pouco se manifestava, hoje
Desde muito cedo o Paraná tornou-se espaço de domi- ao menos parece um sonho já erigido. Os anseios popula-
nação para as elites intelectuais e políticas. Através de uma res parecem estar constituídos em algum ponto na linha do
ideologia regional, o Estado exerceu a mesma conduta de tempo. Apesar de ainda um pouco tímida, a democracia
dominação política diante do resto do país. parece se fortalecer com o passar da história, pois sempre
O regime democrático faz surgir naturalmente minorias foi comum para o país a renovação das constituições remon-
políticas dominantes, estruturando as coalizações diante tadas. Ou seja, de todas as coalizações presidenciais forma-
do poder. Enquanto as coalizações vão sendo formadas, ao das, não houve ainda aquele governante que desmontasse as
longo do tempo, as novas gerações vão se separando da polí- estruturas democráticas.
tica. Assim, permanecem sempre as velhas políticas, pois Apesar da tímida dissociação da representação política
mesmo o governante sendo novo em idade, através das do século 20, as diretrizes básicas da democracia ainda fun-
coalizações ele desenvolve as práticas das velhas políticas. cionam, e fazem surgir uma possibilidade esquerdista de
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confronto. O país sempre foi agrário, interiorano e provin- também estão conseguindo priorizar seus discursos; é que
ciano: por mais que haja intelectuais relevantes nos gran- a democracia ainda está erigida, então podemos idealizar
des centros, o Brasil sempre foi a cidade pequena de seus alguma vitória mesmo diante da nova ordem capitalista.
interiores, sempre foi direitista, direitista no momento de Então o trabalhador, aos poucos, está tomando a coragem
mandar e direitista na ocasião de receber os mandos. Nos de duvidar do patrão.
instantes de mandar, de ser o chefe do clã, tudo tem de ser E o que acontece quando pouco se nota a eficiência da
feito como eu quero, como eu estou mandando fazer. E nos democracia? Os grupos que surgem através do voto demo-
instantes de receber a ordem, tudo tem de ser feito como crático, o fazem por ideais individualizados, e não pela uni-
ele manda, porque ele é o chefe. Isso faz parte da cultura cidade do povo ou da nação, surgem pela capacidade que o
do interior. Existe até um ditado para isso: Manda quem Estado lhes proporciona para a vontade de poder hegemô-
pode, obedece quem tem juízo. O cristianismo é muito mar- nico. Então, quando estão no poder, percebem a vibração
cado pela influência dos sistemas rurais feudalistas da Média do poder do Estado, percebem que o poder econômico do
Europa. Assim, o patrão é senhor e torna-se necessário res- Estado pode tudo ou quase tudo. Esses grupos se alinham na
peitá-lo de maneira superior — por isso sempre foi impossí- pretensão de dominar as forças representativas do Estado,
vel estabelecer a cultura geral da democracia. Os grupos que e às vezes julgam conseguir. Às vezes, os três poderes estão
se formaram através dessa ordem generalizada no século alinhados com a representação do Executivo. Hoje, já é pos-
20 não estão conseguindo alienar a Constituição de 88; eles sível dizer que torna-se um pouco perigoso desalicerçar as
conseguem até alienar algumas leis, através de uma política bases das leis democráticas, ou podemos dizer que derrubar
feita somente de retórica, porém a Constituição de 88 ainda a democracia é eleger um ditador ou um tirano. E se isso
é o poder vigente. Ela pode não ser vanguardista na Europa, acontecer é porque tanto o Judiciário quanto o Legislativo
mas ainda é um sonho futuro do brasileiro. não funcionam com primazia ou funcionam entregues ao
Precisa-se de uma ordem social, pois os grupos que ten- funcionamento do Executivo. Quando as três cabeças dos
dem a confrontar o discurso político para a mudança estão poderes regulam e operam há bastante tempo, surgem os
surgindo agora, depois dos governos petistas. Naturalmente paladinos de cada cabeça. Nisso, se o Executivo surge com
parece que é no século 21 que se deu a verdadeira sepa- o voto da maioria, e tem pretensões de regular o Judiciário
ração social e política do Brasil, a separação entre Direita e o Legislativo, ele precisa, além das armas, também pro-
e Esquerda, a separação de cunho capitalista e de cunho var que a sua vontade nasceu da excelência da necessidade
socialista. Seria reducionismo pensar num só modo de pro- política universal. Por exemplo, para se declarar uma guerra
dução diante de uma cultura cada vez mais globalizada; pois contra outro país, ele precisa convencer ao menos a maioria,
no que existe uma opção que nunca foi testada, essa opção pois pode acontecer de se dobrar diante da excelência do
estará sempre guardada no subconsciente coletivo. Não é Judiciário ou diante da excelência do Legislativo.
vendendo o Estado, seguindo a ordem neoliberal, que esta- A força democrática da disparidade entre Direita e
ríamos sendo patriotas, como aciona o discurso de Direita. Esquerda serve para dificultar o entreguismo do Estado para
Apesar do mínimo pensamento nacional, os trabalhadores um possível ditador. Afinal, pode-se eleger um presidente de
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Direita, mas a funcionalidade das duas correntes políticas governa? Numa democracia, quem governa é o povo.
ainda se rivalizam dentro do Legislativo e do Judiciário. A Contudo, se alguns representantes do poder se utilizam do
presença antagônica entre Direita e Esquerda não deixa um dinheiro público para seus deleites ou ganhos individuais,
pensamento político rugir de maneira distópica. então estamos diante de uma tirania distópica. E se no Brasil
Atualmente, em meados de século 21, surge um outro sempre houve tais escândalos, então sempre vivemos de
poder bastante relevante para a manutenção, seja da evolu- tiranias distópicas dentro de uma estrutura maior chamada
ção política, ou seja da revolução política: é o poder mega democracia. É que com as superpopulações o Estado tor-
midiático das grandes empresas de telecomunicações. Elas nou-se totalitário por natureza, ou seja, é como se ele fosse
servem para regular os anseios da população e muitas vezes uma máquina que institui direitos e deveres. A democracia
são elas que ditam a preferência da maioria; são elas quem fica valendo para os mais justos, que normalmente estão nas
escolhem o candidato A ou o candidato B. Elas possuem baixas sociedades econômicas. Mas a tirania é valorizada por
potência para influenciar Judiciário, Executivo e Legislativo, pouco tempo, se levarmos em conta somente um indivíduo
e como partem do princípio da ordem econômica capita- por governante; ela vale por pouco tempo, devido à ordem
lista, elas se servem da leveza da lei do mercado. São elas que engendrada do sistema capitalista — olho por olho, dente
fazem o capitalismo rugir pra valer. Muitas vezes, o desâ- por dente; ou o homem é inimigo do homem. Logo, para
nimo dos trabalhadores diante da ordem socialista econô- o governante que assume posturas tirânicas, a lei do capi-
mica, surge da voracidade do neocapitalismo midiático. tal produzirá o indivíduo inimigo, pois a ordem do nosso
A Quarta Revolução Industrial somente surgiu depen- eterno capitalismo selvagem serve apenas para rivalizar os
dendo da audácia das mega mídias, ou mídias que propa- homens na disputa do poder. Assim, todo presidente terá
gandeiam para milhões. Antes havia a ordem neocapital sem um inimigo político à altura.
a televisão; agora, com a televisão, as altas sociedades podem A democracia erigida diante do sistema capitalista de pro-
celebrar mais ganhos ainda diante da classe trabalhadora. A dução possui uma vontade culturalista, ou seja, as ideias e
televisão levanta um espetáculo que celebra a nova ordem, os processos naturais preservam a ordem do Estado, mas
sufocando as possibilidades para o pensamento socialista. não a ordem dos indivíduos. Muitas vezes, burla-se algum
Ela surge com a propaganda que anula a capacidade de método democrático para valer-se de sistemas sociais, polí-
pensamento político dos trabalhadores; ou seja, pensar em ticos ou econômicos, ou seja, o indivíduo inserido no Estado
socialismo atualmente é inútil, pois o mundo já se globali- consegue valer alguns de seus princípios individuais através
zou diante da nova ordem. A televisão deixa claro no coti- de ideais naturais. O presidente, por exemplo, pode fazer
diano da população que a lei do homem é a lei do mais forte. valer mais os assuntos relevantes da agropecuária do que
Isso pode ser verdade na capacidade do consciente, mas no os assuntos mais relevantes da indústria, como ele também
subconsciente coletivo não deixa de existir um sonho de pode, através da vontade própria, fazer valer assuntos ou
mudança, e um exemplo disso é que as manifestações se interesses próprios.
tornaram mais comuns nessa época. O culturalismo dentro do Estado serve como rotações
Surge, diante de tantos poderes, a pergunta: afinal, quem de ideias e pensamentos. Por exemplo, se um governante
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tem preferência pela cultura, dessa maneira há um cuidado quase mínima. Por isso podemos considerar elite aqueles
maior com as causas relevantes dessa pasta. Mas mesmo ele que possuem ações diretas diante do Estado, ou seja, um
determinado nesse propósito, se não houver essa qualidade juiz, um promotor, um deputado, um senador, um minis-
na vontade da população, tal governante corre o risco de ser tro… E assim as elites são formadas, elites jurídicas, elites
visto como irresponsável ou negligente. O culturalismo se médicas, elites legislativas, etc. Portanto, as condições usa-
serve do que é mais importante para aqueles que se deter- das para interferir no Estado podem ser chamadas de base
minam a presenciar o governo. do poder democrático.
E há aqueles que pouco se preocupam com os fatores da É certo que a democracia limita alguns poderes dessas
política atual ou do governo; o culturalismo somente surge elites, pois muitas vezes a democracia parece ser instituída
para aqueles que se dedicam aos anseios e ações governa- para as camadas mais populares, enquanto as elites de todas
mentais. Pois se o governante, ao lidar com o Estado, ape- as formas e maneiras gozam de um direito aristocrático. É
nas move ações para os anseios da agricultura, de pouco como se houvesse uma célula de governo dos mais ricos
valerá seu governo para os artistas, ou para engenheiros, dentro de um organismo chamado de governo do povo. É
por exemplo. Se as ideias dos que envolvem o governante muito comum nos estados brasileiros de base econômica
estão em torno do populismo, então tal governo refletirá agrária o surgimento de uma aristocracia rural, muitas vezes
suas ações para valorizar as camadas mais populares. Agora, contínuas desde o século 20. Essas elites são formadas diante
se as ideias giram em torno do elitismo, tal governo terá de um poder social, como os artistas; de um poder polí-
ações mais próximas das elites sociais e econômicas. Por isso tico, como um deputado; de um poder econômico, como os
há uma necessidade de acompanhar o governo, para fazer grandes proprietários de terra. E assim se estabelecem nes-
sentir o culturalismo de seus interesses. ses poderes para eliminar a potência popular, pois no Brasil
Já o institucionalismo são as regras que estruturam o tais elites favorecem somente a seus pares e a si mesmas. O
funcionamento da democracia. É ele, portanto, que cancela que pode acontecer é a democracia regular a aristocracia
interesses individuais. Quando um governante busca assu- (assim como o inverso também pode ocorrer): por exem-
mir uma postura de ditador, as regras democráticas, unidas plo, quando as elites do Judiciário tornam a causa popular a
às possibilidades de rivalidades políticas adversas, reprimem condição de afastar privilégios de governantes ou legislado-
veementemente as vontades desse presidente. res. Quando a causa popular é revelar a verdade de disputas
O tempo de consolidação da democracia é sentido quando políticas, sempre há momentos em que a verdade precisa ser
não há interesses maiores diante do Estado. Assim, tanto o posta em prova para denunciar ou a república despótica ou
culturalismo quanto o institucionalismo conseguem se for- a democracia ferida.
talecer com o tempo. Há pesadelos constantes em disparidades sociais, quando
É possível diferentes elites condicionarem a democracia lançamos a verdade com a mentira contida. O país deveria
de diferentes maneiras? ser democrata, mas o pesadelo é sua oligarquia totalitária:
A condição de inserção do que consideram povo torna ou vivemos diante do governo dos mais ricos ou vivemos
a chance de participação em assuntos diretos do Estado em condições adversas sob as políticas do subconsciente.
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Existe o medo das camadas mais populares diante da lei, maneira como a Direita privilegia, concentrando esforços
pois a lei é tal qual a ordem vigente dos mais ricos. Não para uso das elites econômicas, favorecendo empresários e
deveria ser assim, mas as aparências são finas peles, muito agropecuaristas. Já a Esquerda concentra seus esforços nas
fáceis de serem sangradas. Um exemplo: se um negro pobre elites intelectuais, como universidades e artistas. Para isso,
atropelar e matar um menino branco e rico, e de maneira tanto as Direitas como as Esquerdas elevam seus interesses
inversa, um branco rico atropela e mata um menino negro mais amplos. Seja no fortalecimento das elites econômicas
e pobre, apesar de a lei ser a mesma para ambos na teoria, ou nas elites intelectuais, os interesses possuem uma tendên-
sabe-se que na prática não ocorre dessa maneira. Afinal, no cia de desorganizar os métodos dos adversários.
uso da política, o lado branco rico possui condições de ter No profundo das discussões, a permanência das elites faz
bons advogados; mas é isso que se espera da Justiça? Logo, estrangular a qualidade da democracia, e a norma geral faz
há de se pensar que a função do advogado também deveria surgir naturalmente as manifestações advindas das redes
pertencer ao Estado, pois com balanças desequilibradas não sociais da internet. É isso o que torna a democracia mais
há justiça. O advogado não pode pertencer à lei do mercado, forte, pois as manifestações agrupam as vontades passionais
pois assim sendo há enormes vantagens para as classes mais dos interesses populares. Surge a tendência ao novo hori-
altas da sociedade. Sempre que há algo na teoria que não zonte da democracia, pois ela transforma o totalitarismo
ocorre na prática, deve-se rebelar-se contra tal tendência. em favorecimento popular, um totalitarismo do povo para
O poder público não pode cruzar os braços e aceitar as des- o Estado.
medidas da balança judiciária. Com o uso fácil das comunicações, estamos em um
Sabe-se que no Brasil existe uma enorme desigualdade tempo de acesso simples ao agrupamento popular: o povo
social; logo, o juiz precisa colocar isso também na balança. não está tão distante assim das grandes decisões. A facili-
Não se pode de maneira alguma alienar essa diferença entre dade com que se fala de manifestações hoje derruba gover-
um indivíduo e outro, pois se for dessa maneira, o pobre nos em pouco tempo, como também consegue-se derrubar
precisa ter uma fortaleza fora do comum, enquanto o rico algumas elites representativas do Estado. As manifestações
pouco se preocupa com isso. Ora, o desequilíbrio social parecem ser as correntes da engrenagem popular: elas acon-
existe e é tão notório nas ciências humanas que muitas vezes tecem para colocar o dedo na ferida de qualquer governo,
somente se fala dele. É como se o pobre devesse ter conti- seja de Direita ou de Esquerda.
nência sempre, e o rico nenhuma continência para nada. Então, vamos aceitar a política como ela é, sempre reden-
Então, é por justiça que se deve também pesar o desequilí- tora das elites. Mas que fique claro, quando o povo toma
brio social do país. conta da política, ele celebra a paz, não a paz do silêncio,
As desigualdades sociais existentes no Brasil não podem mas a paz do protesto. Como é sempre mais fácil as elites se
ser alienadas como se fôssemos cegos. As elites brasileiras autoafirmarem com a política, o povo também sabe autoafir-
conseguem evoluir suas aristocracias, e no momento de mar-se através do protesto. Que fique claro! Se as oligarquias
divulgar suas propagandas políticas, acabam se servindo do mundo precisam do ganho esplêndido sobre o poder
da influência das bases eleitorais. Um exemplo disso é a econômico do Estado, o povo precisa da glória do protesto,
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e o protesto mancha a honra dos políticos. Hoje não somos destruir o que vê pela frente, e não parece ser tão difícil
tão pobres, temos as leis do mundo sob nossas mãos, não esconder os inimigos dos brasileiros: as elites econômicas e
a lei redigida pelas legislações, mas a lei do protesto, a lei a televisão, uma sempre lava a mão da outra.
da manifestação mais fácil. O povo solicita, pede e um dia Às vezes, de tão desgraçado pelas elites, o povo consegue
consegue ordenar aos políticos da elite a força da igualdade dar sinal de vida a uma pedra, o que é a alegria da união. A
sórdida para o mundo rico e desigual. união que torna os desgraçados cheios de graça pelo mundo.
Com a capacidade popular de resistir a todos os tipos de A verdadeira política de um país é o protesto de seu povo.
política, seja a mais sórdida até a mais despótica, o povo Um medo da minoria esnobe é quando a paixão pelo futebol
consegue sobreviver. Lembrem-se, antes de declarar guerra se torna a mesma paixão pela política. Ora, não fiquemos
ao povo, que este sempre estará vivo através do tempo mais tão entusiasmados com a era do conhecimento, pois todo
infinito dos mais ricos. grande conhecimento passa pela politização do indivíduo;
A manifestação popular está cada vez mais presente no ora, seria muito triste para as altas sociedades a politização
dia a dia: ela é caos, e o povo gosta do caos, pois o caos traz daquilo que todos chamam de povo. A Esquerda já gover-
união e exageros passionais. O Brasil já tem o carnaval, o nou uma vez, e o sonho utópico sempre está guardado no
protesto da alegria mais perigoso do que contente e alegre. subconsciente popular.
Mas as oligarquias que precisam se formar parecem que- A maneira como o povo guarda seu sonho utópico é de
rer o carnaval do protesto, a alegria do caos. O descanso ajoelhar os poderes financeiros do mundo. O sonho utópico
somente vem com o silêncio, e não com o bradar de ideias é o povo! Nunca existiu aqui, e parece ser ainda o único
do palanque. Se os grandes precisam do palanque, os peque- sonho que o povo quer sonhar. Liberdade sem igualdade
nos precisam do caos e da guerra. Precisamos esquecer o é como dizer ao outro: “você está livre pra pensar o que eu
modo fácil da vida, pois o orgulho da bagunça é da maioria; penso. Você está livre pra dizer o que eu digo. E também está
então enriqueçam e, em pouco tempo, tentem esconder suas livre pra fazer o que eu faço”.
riquezas do povo.
A nossa Constituição, de tão democrática, vale apenas
como leis do vazio, leis que somente existem no subcons-
ciente cotidiano das maiorias, subconsciente que ainda
sonha com o utopismo de tão grande amor pelo Brasil.
Às vezes muitos se esquecem que a maioria do povo tam-
bém convive sob a dinâmica das parafernálias eletrônicas;
logo, o povo também não está mais tão temente a Deus
como no século passado. Por mais que se façam alianças
com as igrejas do próprio homem, por causa do ganho da
“verdadeira” felicidade, não se consegue instituir em própria
vida tal felicidade econômica. E nisso, também se consegue
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do futebol arte?! A garrafa do guaraná Antarctica?! Quando
se pensa em dinheiro, parece que passamos por cima até
da bandeira brasileira. O dinheiro parece que desrespeita
REFLEXÃO: tudo. Nosso capitalismo extrasselvagem não consegue res-
peitar nem mesmo nossa bandeira, o significado principal
A vidraça já foi quebrada, o que restou foi o da nossa grandeza. Somos grandes porque deveríamos ter a
zero do anoitecer, e mesmo que ainda estejamos maior riqueza natural da Terra. Mas o significado do nosso
esperando o vento, o vento parece ser o trabalho de verde é outro: o dólar. Esse parece ser o significado maior
amanhã. Que a sombra não deixe ruídos diante da da nossa bandeira. Sem verde e sem o amarelo, somente o
tradição da vida, da tradição de voar para lugar azul republicano.
algum de tempo nenhum. A tardança de abençoar A litoralização é um processo quase natural das altíssimas
aquilo que não podemos mais abençoar, pois a tra-
dição tornou-se números vazios. Seja semibranco elites, transformando o litoral em espaço de sonho da maio-
de teísmo sem verso e sem utopia. O utopismo é ria trabalhadora. Ou seja, do leste para o oeste vem aconte-
uma semiótica que somente aqueles que precisam cendo uma nova reconquista, elementos urbanos cada vez
de descanso enxergam. mais integrados à sociedade de consumo, as construções e
os ambientes de superação de qualquer “grande mal”, como
terra, árvores e bichos… Para a sociedade moderna, terra,
árvores, bichos, tudo isso tem um significado de atraso e
de incômodo para o cotidiano. As pessoas vão preferindo o
POLÍTICA DE SANTA CATARINA ambiente urbanizado, pois parece ser mais civilizado.
Um dos estados mais desenvolvidos do país tem como
Um problema que vem se agravando, não somente em maior opção de lazer buscar a Grande Florianópolis. Muitas
Santa Catarina, mas em todos os estados litorâneos do Brasil, vezes, por ser considerado branco em demasia, as oportu-
é a concentração e a migração da população para as áreas nidades tornam-se mais escassas. Torna-se o símbolo da
litorâneas. Com o crescimento da economia, uma relevante grandeza socioeconômica. O planejamento de sociedade
parte da população vem procurando viver em municípios de governo para governo parece privilegiar sempre a razão
com praias. E o que já era ruim, vem a cada dia se tornando econômica. A brancura nos pensamentos tem mais branco
pior, pois a Mata Atlântica tornou-se em resquícios de vida na capacidade de enxergar as sutilezas dos mais ricos.
ao redor das construções de morte: as praias das grandes Sim, trabalho é riqueza na moral escravocrata, mas o
cidades possuem um mar quase morto, e as espécies origi- patrão trabalha pouco e ganha muito, sem dispensar que a
nais da Mata Atlântica tornaram-se artigo de luxo. “boa moral” esteja ao seu lado: ou seja, ele ganha muito por-
O que significa esse verde da bandeira? É a camisa do que trabalha muito. É a nossa moral escravocrata. Parece ser
Palmeiras?! É um signo de esperança?! É o idolatrado incrí- a única política que não se pode deixar de lado, nem com a
vel Hulk?! O siga em frente do sinal de trânsito?! O gramado militarização, nem com a redemocratização, muito menos
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com a globalização. É a política sem fim no Brasil. O equilí- riqueza cultural, se a música canta o que ninguém ouve, se
brio social entre brancos e negros fica sempre nas palavras a pintura pinta o que ninguém vê e se a arquitetura constrói
redigidas em lei, não no nosso hábito de igualdade entre os onde ninguém vai morar ou estar?
seres humanos. No que existe um supercapitalismo sobre nós, o Estado
O que sempre existiu no país é uma economia baseada parece preparado para vender tudo, ou às vezes o Estado
na força dos escravos. Tanto no Brasil Colônia, no Brasil precisa ser nada. As políticas públicas e sociais vão se tor-
Império, quanto no Brasil República, é exclusivamente nando cada vez mais raras, e prestigiar o governo é merecer
conhecido que a potência da economia de base serve para algum privilégio empresarial. É a política do Cão que morde
excluir o povo negro, pois se antes da Lei Áurea existia a todos, por medo ou por valentia. Tudo ao sabor da grana,
uma escravocracia aberta e declarada, hoje essa escravocra- da propaganda covarde com os mais pobres e das decisões
cia é fechada e oculta, ou seja, a economia de base serve sempre totalitárias.
para dominar através de uma cultura de racismo oculto. A No Sul, os índios encontraram a pior má sorte: a pro-
dominação surge através de detalhes sutis e sórdidos: a dife- paganda do Sul do Brasil branco já estimulando a degene-
rença na cor da pele, a diferença na qualidade dos estudos, rescência dos índios sulistas, marcando e criminalizando a
a diferença econômica, a diferença nos objetos de status; sociedade indígena do local. Quando surgem os conflitos
ou seja, sempre há algum recorte da vida para a ocorrên- fundiários, as lideranças indígenas quase sempre são cri-
cia de algum tipo de superioridade branca. Muitas vezes o minalizadas. Se o Brasil precisa ser branco, no Sul então
professor reprova o aluno por ele ser negro. Muitas vezes o precisa ser puro branco. É a desordem de um país letrado
recrutador de emprego não escolhe negros. Muitas vezes o que somente gosta de ler o que quer ouvir, pois os índios
pai não admite casamentos de seus filhos com negros. Essa valorizam a Constituição de maneira que os letrados dis-
é uma série de exemplos que tornam a capacidade de uma farcem o que está escrito: logo, a Constituição somente tem
sorte mais justa ser um infeliz revés. É isso o que acontece valor quando existe para beneficiar a poucos. Caso contrá-
em uma sociedade ainda muito enraizada numa tradição rio, deixe tudo como está. Negro é ladrão, e índio também.
escravocrata. E em Santa Catarina, como no Sul do Brasil, a Essa é a dura moral quando se está completamente errado.
estética funcional da escravocracia é mais bem evidenciada, E as altas sociedades brancas sempre se valeram de uma
e às vezes até ostentada. “riqueza honesta” que na televisão é requalificada com o selo
Somos um país sem unidade política, social e econô- de poder, status quo, ou o puro poder hegemônico de uma
mica, preferindo uma espécie de separatismo espiritual. O sociedade que dispara as balas para todos, pois todos sempre
livre mercado foi uma escolha psicoemocional, e agora ter estão errados diante da minha honestidade. Num casamento
gigantismo de alma é se valer do muito pouco ou do quase homossexual entre Marte e Apolo, a honestidade deve ser a
miserável. O povo negro sempre foi um povo leal e digno, filha adotiva da guerra com a beleza branca.
e em troca teve a nossa ingratidão de estar acima das leis Ser índio é estar preparado para a guerra contra o
do mundo. Enquanto isso, os governos direitistas sabem mundo. Quando há alguma espécie de diplomacia, muitas
valer as leis espirituais dos mais ricos. De que adianta tanta vezes é para o etnocídio constante do povo indígena. As
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democracias quase nunca têm valor para aqueles que são empresários são satisfeitos.
excluídos duas vezes. Excluídos porque não podem viver A dominação carismática é a maneira mais usada por
a própria cultura, e excluídos porque a inclusão torna-se a governantes que anseiam o Estado Totalitário, é a maneira
fraqueza diante da morte. mais suave de controle político, social, econômico e mili-
O estado de Santa Catarina é a prova do equilíbrio social tar. De alguma maneira começou a ser usada também no
no Brasil, porém nesse equilíbrio há uma parte pequena da século 21, enraizando maiores disputas políticas, pois o
população, que são os pardos e os negros. É fácil falar de medo da ditadura diante de um capitalismo desmesurado
equilíbrio social quando a grande maioria é branca, o que pode enfraquecer tanto o Estado, quanto as empresas pri-
não acontece muito nos outros estados brasileiros. vadas e o trabalhador.
Num lugar onde a brisa paira e não refresca, há uma certa O medo do enfraquecimento do Estado num governo
dose de individualismo, onde o dinheiro é mais importante populista diante de uma economia globalizada, é a venda de
do que a vida. A comunhão se estabelece com o Estado, estatais a qualquer custo. Enxugar a máquina estatal é dimi-
papel que sempre foi exercido pela Igreja. Muitas vezes, nuir as condições de poder regulatório com capacidade de
parece que o ódio possui força motriz: um lugar que às vezes intervir nas crueldades das empresas liberais. Um exemplo:
pensa em dinheiro sendo Jesus e outras vezes que o dinheiro se os Correios fossem vendidos, o chamado filão do mer-
é judeu. Então dobra-se sendo cristão ou dobra-se sendo cado provavelmente seria disputado por empresas de outros
judeu; sendo negro, então, dobra-se em dobro. É a Europa países, e para o ajuste dos ganhos financeiros, os trabalha-
brasileira, com todo o ódio europeu unido à desigualdade dores teriam seus direitos ameaçados. Com isso, a popula-
social brasileira, ou seja, o dinheiro tem mais valor de ódio ção se torna cada vez mais vulnerável a qualquer aconte-
do que o normal. Odeia-se porque o outro tem dinheiro e cimento no mundo: preço de comodities, carga horária de
odeia-se o outro porque não tem dinheiro. A riqueza tor- trabalho, bolsa de valores. No entanto, precisamos entender
na-se fabricante de ódio, porque o equilíbrio social está em que o Estado é quem delibera a vida em ordem, porque se
um nível abaixo dos mortais. Porque tal equilíbrio não está precisamos de um Estado mínimo, então não precisamos
nivelado por cima, tal equilíbrio está nivelado por baixo, de Estado nenhum. Ao vender o Estado até não existir o
lugar onde os mais ricos realizam todos os seus sonhos, seja Estado, então cada cidadão precisa ser um rei contra todos
na sociedade, na política, no mundo empresarial ou até na os outros reis. Parece que a ordem capitalista sonha com o
religião. retorno da Idade Média e que no futuro cada um terá na
Os governos populistas se servem sempre da maneira porta do seu apartamento o brasão de sua família, pois o
mais sórdida de dominação: normalmente ajudam a popu- brasão da polícia militar estará vendido pelos tecnocratas.
lação com algum pequeno recurso, e na política atendem Ou queremos ordem, ou queremos o mercado voando
somente aos anseios da política empresarial. É como gover- livre sobre nossas cabeças, pois mercado livre é o oposto da
nar as expectativas dos mais ricos, sendo que esses são a ordem do Estado. O Estado quer ser totalitário, mas sempre
prioridade do governo; para os mais pobres, fica guardada fica exposto à venda; vender o Estado é tornar suas vontades
a esmola. A popularidade do governo sobe, e os anseios dos mais passionais de existência em meros sonhos e devaneios.
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O Estado é o único que pode ser um sonhador no meio dos maioria devido aos pequenos comércios e serviços, favore-
capitalistas. cer a invisível mão do mercado livre, é padecer diante dos
Vender o Estado é transformá-lo na empresa mais ingê- grandes trustes. Pois se existe uma pequena empresa de suco
nua diante das empresas neocapitalistas: se você vende par- de laranja, logo ela vai perder sua parte no mercado para a
tes do Estado, você está destituindo o poder de nação, ou grande e em pouco tempo retornará ao pó. Ou seja, fabrica-
seja, o Brasil torna-se menos Brasil. Muitos empresários mos a miséria através do livre mercado, onde sempre preva-
possuem uma grande estima pelas suas empresas e seus lece o mais forte, e com o Estado vendido, em algum tempo
negócios. Ora, o Estado também é uma empresa, por isso torna-se impossível o assistencialismo para o fabricante de
deve-se estimá-lo, seja um governante, ou um grupo de indi- suco que perdeu tudo.
víduos, ou o povo. Alguém precisa ter uma grande estima E a segurança, a saúde, a educação, também são manei-
por ele. Ao vender as empresas públicas de telefonia, justi- ras de assistencialismo, um assistencialismo que é a razão
ficando a facilidade do uso do serviço pela população, ao da existência do Estado, ou a razão do Brasil ser Brasil; mas
mesmo tempo estamos dizendo que nós, brasileiros, não um grande capitalista, ou grande truste, ao comprar grande
somos capazes de gerir uma empresa de telefonia, pois o parte das empresas públicas pode por direito trocar esse
básico de qualquer empresa é fornecer um serviço de qua- nome. Pois como empresa, o Brasil também precisa riva-
lidade com baixo custo. lizar com os outros executivos, precisa também acumular
Entretanto, como torna-se penoso, um governante e expandir seus negócios, e às vezes depender da política
populista que deveria fortalecer o Estado — pois é de igual pode ser trágico e fatal, pois a todo instante há empresários
acordo que o populismo é parte do totalitarismo — e esse tentando comprar juízes e parlamentares.
governante, em tempo hábil, somente enfraquece e vende o Muitos dizem que o livre mercado é uma ordem auto
Estado a todo instante. Ou isso é ignorância, ou desprezo regulatória, mas ao tentar compreender o caos, aceita-se
pelas coisas públicas, ou pura canalhice. Então, se todos irão o caos porque o inferno são os outros. Ou seja, consegui-
comungar da ideia de recursos fáceis para o povo tal qual mos aceitar o caos, pois ainda existe alguma ordem nessa
um assistencialismo, fortalecer o Estado é a sorte comum dinâmica dentro de si, mas é fato que pelas leis naturais o
desse assistencialismo. Ao que parece, como está, é o mesmo forte engole os fracos, e é como se estivéssemos brincando
que ser o cafetão da própria mãe. de batata quente. Ora, o caos é caos, o caos não é ordem.
Ditadura num capitalismo desmesurado, é a condição A única ordem do supercapitalismo deste século na ima-
daquele que é pessoa jurídica fugir de sua pessoa física, pois ginação de todos é que peixe grande como peixe pequeno.
a empresa é a única salvação; mas num capitalismo des- Seguindo essa ordem através da linha do tempo, logo haverá
mesurado, o forte sempre derrubará o mais fraco que está poucos peixes pequenos diante de alguns peixes grandes. E
acuado diante de um governo ditatorial, pois tal governo o Estado, que deveria ser um tubarão, ao ser domado, vai
abre os braços somente para aqueles destituídos de orgulho, se tornando um peixe pequeno, pois ele, que deveria ser a
a camada mais pobre da sociedade. ordem, contempla a própria desordem.
Ora, se a economia e o emprego no Brasil existem em sua Aceitar a nova ordem capitalista porque o inferno são os
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outros. Isso é ordem? Ou desordem? surgimento do pai dos pobres num país com grandes pro-
Nisso o trabalhador, que dentro dessa “ordem” é o indiví- porções de território. O tamanho do país e sua desigualdade,
duo mais fraco, pois seu capital é sua força de trabalho, pre- estimulam a capacidade de sempre haver um “salvador” no
cisa viver entre o risco do desemprego e o risco da inflação. governo. Sendo o presidente um representante da Esquerda
Ora, se a indústria torna-se forte, o número de empregos ou um representante da Direita, não há como dissociá-lo
aumenta, mas tal indústria brasileira precisa competir com da emergência de ser o carismático pai dos pobres. E dessa
as transnacionais (baixo custo e melhor qualidade), então maneira, por mais que o governante tente não se alinhar a
vivemos sob o manto da derrota capitalista das empresas esse tipo de política, ele sempre será reconhecido como pai
brasileiras para se ter uma inflação baixa. Entretanto, o que dos pobres. A desigualdade social engendra essa oportuni-
parece estar acontecendo é que as empresas de outros países dade da existência de um ditador. A escolha do presidente
estão ganhando mercado e estabelecendo o preço de seus em não buscar o governo ditatorial é como nadar contra
produtos como regra; logo estamos convivendo com o ter- uma correnteza; parece que tudo se alinha para você ser o
ror da volta da inflação, e agora também com o desemprego. melhor, sempre. O risco de um governo ditatorial dependerá
O Estado precisa ser forte, um Estado forte é o país forte, sempre do entendimento de que uma democracia forte é
mas sempre confundem Estado forte com totalitarismo. O essencial como poder regulatório dentro de um Estado forte.
ideal é Estado forte com democracia também forte, pois a É sempre um risco ao totalitarismo quando o governante
democracia surge para declinar um governo totalitário. E arrisca em demasia a palavra “povo”. Ao usar tal palavra tor-
não estamos tão distantes disso: desde a redemocratização na-se clara a sua vontade de manipular a sociedade. Ora, um
não houve usurpação de poder, mas sempre existe a tentação presidente sempre se ocupará de relações sociais e políticas
de alguns pela ditadura. sempre elitizadas.
Com as empresas nacionais sendo abatidas diante da con- A maioria prefere sempre se alegrar com a chegada de
corrência com o mercado internacional, aquela velha primí- um novo “salvador”; isso é misturar religião com política,
cia de que as empresas pequenas é quem empregam o traba- é invocar a glória na Terra, é tentar declarar o triste fim
lhador brasileiro, acaba se desfazendo. Chega um tempo em da democracia. Esquece-se que todos precisam de existên-
que o desemprego se torna vigente diante do preço regula- cia, mas a existência parece ser o novo governante, aquele
tório de empresas transnacionais. Ou seja, essa é uma regra que nasceu nas camadas mais pobres da sociedade, aquele
da ordem do livre mercado. Um governo que se alinha em que conhece o sofrimento alheio. A oportunidade do surgi-
demasia com a nova ordem é o mesmo que dizer para todos: mento do novo “Messias”.
“se virem, eu não sou babá de ninguém!” O Estado, grande
pai, torna-se uma linda prostituta barata.
O poder fica num processo de girar em torno de uma
fragrância que seduz qualquer governante, e a tendência ao
livre mercado origina um governante de Direita que pre-
cisa assumir a posição de pai dos pobres. É determinante o
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ares de poder político mais bem constituído como estado,
para sua auto afirmação diante da Federação. A política rio-
-grandense-do-sul foi marcada por um maior equilíbrio das
forças que representam suas oligarquias, ou seja, uma maior
REFLEXÃO: harmonia social, política e econômica, não tão centralizada
nas figuras oligárquicas como no resto do país, principal-
Os vestígios do antigo nome da verdade, mente no Nordeste.
nenhuma utO vidro esconde o verdadeiro verso da
utopia robusta, sem a água que deveria ser de todos. Para o poder político de um estado tornar-se mais bem
Precisamos de um segredo para valermos mais, pre- constituído é importante uma espécie de polarização entre
cisamos de mais possibilidades, precisamos da polí- duas frentes, pois o acordo para o benefício da maioria tor-
tica sem penumbras. Quase todos já propagaram a na-se mais absoluto e conjunto. Isso é diferente quando há
fé do éter. Que tal a fé mais sublime do que aquilo uma espécie de multipolarização, quando dois não entram
que já se viu de sublime? Auribranca baderna de em acordo, um terceiro desfaz uma política importante para
um sonho que ainda seja necessário, mesmo que a maioria e um quarto se desfaz da política do terceiro. E
feito de bronze. As asas da bruxa não alcançam os
ares do infinito, pois elas não possuem a boa-fé para assim segue consecutivamente, não havendo acordos e uma
voar, e sim, são feitas para cair em desgraça. Mas busca demasiada para disfarçar o que é lógico.
o que é a desgraça perto da armadura, da intuição, É dessa maneira que a política do Sul tem um engaja-
das artes sem artistas? A desgraça consegue ser tão mento e uma adesão maiores, e por isso há a condição de
azul quanto nossos sonhos eternos de benção. se separar do país, pois seu estado é mais dinâmico e mais
eficiente. Não parece ser uma política baseada em aventuras,
que é o caso do Estado Federativo, que tornou-se a joia rara
pela disputa de recursos entre estados e municípios. Logo
a União não é vista e nem cuidada para ela, é como se fosse
POLÍTICA DO RIO GRANDE DO SUL uma mãe com vários filhos, todos pedindo uma parte da
riqueza; assim, parece que ela precisa agradar a todos. Por
A política do Rio Grande do Sul sempre foi marcada pela exemplo, se a União decide melhorar a capacidade de desen-
vontade de autonomia; os constantes conflitos enfrentados volvimento da Região Norte, muitas vezes essa prioridade
no passado por territórios trouxeram ao estado gaúcho uma tem de ficar de lado, pois muitos estados do Sudeste também
espécie de partição subconsciente. Às vezes parece precisar estão precisando de recursos. Assim, torna-se clara a dificul-
ser Brasil, outras vezes parece precisar ser o Sul. O estado dade de uma política própria, concentrando esforços diante
tem uma cultura mais próxima da Argentina e do Uruguai dos maiores prejuízos que normalmente existem no país.
do que propriamente do Brasil. A tendência à descentralização política da Federação
A descentralização das pequenas propriedades colabo- revela uma nova importância, o discurso regional; logo, o
rou para que a política do Sul fosse mais acirrada, levando desenvolvimento precisa ser gerado pelos estados, e não mais
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pela União. Sim, essa tendência de acordo com a capacidade transformar a arquitetura divina em arquitetura moderna.
de cada estado de ser mais autônomo, é importante para se Com o municipalismo, torna-se indispensável a urbani-
buscar um equilíbrio nas contas públicas, pois o Estado forte zação de uma área que há 30 anos atrás era mata ou floresta.
precisa também ser fundamental para os estados, e assim E com a urbanização surge a necessidade de água e energia,
não depender da União pra tudo. como também de redes de esgoto. Em algum lugar haverá
Uma outra dinâmica ocorrida no sul do país é o munici- a necessidade de outra usina hidrelétrica, e como o mal da
palismo, comunidades que cresceram e tornaram-se municí- cidade grande também será o mal da cidade pequena, os
pios. Essa é outra questão que precisa ser vista com cuidado. rios vão morrendo e transformando-se em esgoto. A cada
O interior brasileiro vem crescendo devido às influências ano surge a necessidade de chuvas para o funcionamento de
geradas da década de 90 para cá. Um exemplo é a proposta usinas e reservatórios de água.
de divisão no Rio Grande do Sul com a criação do estado Outra mudança ocorrida no país é o aumento da massa
de Piratini, e em outro exemplo, é a divisão de Minas Gerais evangélica como posicionamento religioso. O Brasil está
com a criação do estado do Triângulo Mineiro. São regiões deixando de ser católico para ser um país protestante. O
que se desenvolveram muito rapidamente, mas ainda per- crescimento econômico também consegue fazer isso, mudar
manecem esquecidas pelo governo central, o mesmo ocor- a religiosidade de um povo. A maior preocupação dos evan-
rendo com comunidades que se tornaram municípios, ou gélicos com a causa do enriquecimento para o culto, tornou
pretendem ser municípios. É o surgimento do Brasil que o sonho brasileiro possível. Abandonou-se o discurso da
ninguém vê. Igreja Católica, de ajudar os mais pobres e carentes, para se
Sim, à primeira vista, isso parece ser bom, pois o Estado adotar o discurso protestante, de que enriquecer é louvável.
acaba arrecadando mais, e assim precisa de pouca prática Nisso, surge uma disputa de classes sociais mais acirrada
para o assistencialismo. No entanto, começa a existir um ainda. Se o pensamento do poder econômico já é esse, ima-
outro problema a ser apresentado, a evolução e o cresci- gine-se agora com a consolidação do pensamento religioso
mento desordenados. Esse crescimento sem sustentabilidade — ou seja, procurar Deus é procurar a si próprio, é procu-
gera um urbanismo sobre áreas verdes e rurais, e em pouco rar o valor dos bens materiais, fazendo surgir parte de uma
tempo onde havia ecossistema parece não haver matas. A sociedade desejosa em participar dos lucros do crescimento
urbanização vai engolindo tudo, e a regulação da água e econômico, enquanto uma outra parte acaba sendo levada
outras fontes de sobrevivência vai se tornando frequente. para o mundo do crime organizado.
Com o surgimento de novos municípios, o Estado acaba O discurso evangélico facilita a participação do indivíduo
sendo forçado a fazer gastos diante da territorialidade. Ou numa sociedade moderna, pois valida a posição de buscar
seja, é forçado a equilibrar as contas diante de novas regiões. o bem para si mesmo, de buscar a riqueza material. Dessa
Como estar longe é ser considerado pobre, a urbanização maneira, a Igreja Católica perdeu parte de seu significado
torna-se a ordem do progresso; mas em pouco tempo, as dentro da sociedade; o pensamento e as práticas religiosas
mazelas da cidade grande vão se tornando também maze- dão lugar ao sonho do empreendedorismo, muitas vezes
las de cidade pequena. É o nosso orgulho neocapitalista de enfatizado pelas igrejas evangélicas. Em outras palavras, o
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que houve no Brasil nos últimos trinta anos foi uma secu- éramos humildes, hoje somos soberbos.
larização, uma perda estrutural da posição hegemônica da A completa abertura da economia brasileira para o mer-
religião dentro da sociedade. cado internacional há 30 anos revela um Brasil que nunca
A modernidade está entrando em todos os lares, inclusive existiu tão vaidoso como agora. Se antes éramos considera-
nas pequenas cidades e o municipalismo segue desenvol- dos os cristãos mais ardentes do mundo, hoje somos cris-
vendo um novo modo de vida em que as culturas naturais tãos gananciosos. A cultura do laicismo nos envergou de
vão deixando de existir. Aquela antiga vida em que a igreja tal maneira que o país se dividiu em cristãos gananciosos e
da cidadezinha articulava as regras, os costumes e a mora- ateus. A cultura cristã da cidadezinha não existe mais.
lidade, está perdendo para as novidades. A modernidade Se pensarmos em fundar uma ordem social baseada em
parece ser uma espécie de deus mais divertido e festivo: com valores, pergunta-se: quais valores? Os únicos valores do
suas cores, com seus plásticos, com seus doces sabores, com brasileiro são cristãos. Valores como não roubar, não matar,
suas alegres canções, com suas fragrâncias suaves e doces; ser humilde, forte de espírito, ter amor ao trabalho e ao per-
essa modernidade que nos aguça a ser tidos como ricos e dão. Esses são os valores do brasileiro há mais de 500 anos.
milionários, a modernidade que anuncia carros, rádio, inter- E parecem se perder muito facilmente através da vaidade do
net, televisão, smartphone, camisas de estampas coloridas, carro importado e do perfume também importado.
produtos importados, marcas famosas… O municipalismo O laicismo no Brasil sempre foi natural nas grandes cida-
existe porque quer viver assim também, todos precisam ser des, mas hoje também ganhou capacidade nos interiores.
tidos como ricos e milionários. É a cidadezinha do interior, Dessa forma, se o laicismo chegou pra ficar, então porque
deixando o interior para estar conectada com a capital. E os a falta de capacidade do investimento em educação? O lai-
valores mais humanos vão se perdendo com o tempo em cismo somente pode sobreviver com um povo educado,
nome da modernidade: o outro vai deixando de existir, e o conhecedor das leis e da ordem pública. Laicismo sem edu-
eu vai ficando cada vez mais egocêntrico. Parece que o lai- cação é como cristianismo sem Jesus Cristo. Pois o direito, a
cismo é a única razão da verdadeira vida plena, e a pureza arte, a cultura, a filosofia, a música, a educação e a medicina
da infância é perdida através de jogos eletrônicos. são de uso apropriado somente para as classes mais altas.
A religião passou a ser considerada um produto comer- Ou seja, o laicismo sem educação é uma maneira sórdida de
cial, onde eu escolho pela internet o meu modo de vida. Há condenar um povo ao desconhecido, à prisão ou à morte. O
várias opções, não mais a máxima de seguir a tradição dos laicismo do Estado é dizer ao povo mais pobre que ele não
pais e dos avós, de não mais pertencer ao Brasil pobre. A sabe nada sobre a vida, e um ignorante sem Deus é apenas
religião passou a ser vaidade e o laicismo é outra verdade um ignorante; ignorado pelo mundo.
neocapitalista, onde o homem pode tudo, desde que obe- Então é necessário atingir alguma meta na educação da
deça às leis jurídicas do Estado, mesmo sendo tão fácil obe- população para tornar o Estado laico, e esclarecer aos poli-
decer às leis do homem, obedecendo às leis divinas. Se antes ciais militares que eles matam em nome do laicismo.
todos eram pobres, hoje todos são milionários. A segunda O desenvolvimento da ciência, da técnica e do raciona-
alternativa parece ser a melhor. Mas não é. Porque se antes lismo faz recuar as concepções sacrais e religiosas de homem
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e do mundo. É o compromisso com o individualismo e com de ser horizontal e destina-se a ser vertical, é porque não
o ego. A ciência começou a explicar quase tudo. E por que há mais nenhum signo divino para regular o movimento
acreditar tanto em nossos sentidos? Pois aventurar-se pelos horizontal. Assim surge uma hierocracia que busca limitar o
prazeres pode ser o acaso do sofrimento, tornar o poder outro, pois a hierarquia mais elevada precisa ser de alguém,
econômico como a grande chave da vida é dizer que outras é como se o homem precisasse ser Deus. Um exemplo de
virtudes pouco valem, é dizer que o filantropo é doente, quando a religião deixa de ter algum valor nos costumes e
mas deve haver algum sentido para o filantropo sentir-se na cultura, é o caso do dia de Natal: as pessoas querem estar
bem com sua filantropia. Regozijar-se com as técnicas é mais próximas dos signos do Papai Noel do que daquilo que
dizer que todos se concentram somente nos prazeres que o Natal verdadeiramente representa.
elas trazem. As técnicas apenas trouxeram ao mundo um A secularização torna o Estado inimigo do cristianismo,
tempo mais breve e veloz: enxerga-se tudo no mundo com mesmo que a maioria não queira isso; assim o Estado se
descaso, e a sabedoria dos mais velhos é incapaz de vencer torna, na prática, mais importante do que Deus, pois mui-
a técnica dos mais jovens. Precisa-se das técnicas para tudo. tos são os assuntos do Estado, e muitos dependem de suas
Somos uma sociedade em que se precisa das técnicas para regras instituídas. Um exemplo disso, é quando algumas leis
ser melhor: melhor do que os semelhantes, melhor do que o estão em desacordo com a Igreja Católica, como o aborto
sexo oposto, melhor do que os mais velhos. Os mais velhos e a pena de morte. Alguns países são a favor do aborto e
são tidos como atrasados, pois a razão permite a conclusão da pena de morte; a Igreja sinaliza para a vida enquanto o
desse pensamento, e a razão parece precisar suplantar os Estado sinaliza para o rancor, para o ressentimento, para a
sentimentos. O racionalismo possui algum valor desde que mágoa, para a raiva, para o olho por olho, dente por dente.
exista algum sentimento, racionalismo puro é viver como Então fica claro que Deus é vida e o Estado é morte, pois
se fosse máquina. O motivo do uso da razão é para melhor quem educa melhor, o amor ou o vazio? Sim, pois o Estado
amar, amar o que se precisa amar, não amar aquilo que não pode ser vazio desde que não haja direitos do cidadão a
se precisa amar. O sentimento racional é ter como proposta serem recompensados pela lei. É que o Estado não tem como
a vida, pois a morte é desinteressante e desanimada. Ou seja, dever amparar alguém; mesmo que haja constituições de
abandonar a religiosidade é brincar como se fosse máquina: leis, o desamparado continuará desamparado se não houver
se o eu pode tudo, um dia deixa de poder; é que a religiosi- deveres a serem assumidos pelo Estado. Podem dizer que o
dade faz parte do alcance do que pode tudo. Acreditar em Estado através da Assistência Social pode auxiliar o desam-
Deus é acreditar em si, o melhor dos individualismos e dos parado. Sim, isso pode acontecer. Mas como cuidar de um
egos. O individualista sem Deus consegue ser máquina ape- desamparado que sofre diante do racismo, por exemplo? O
nas, é como se fosse a tesoura que tem por função cortar; Estado teria que criminalizar toda a sociedade por causa de
então ela somente corta, contudo a tesoura pode ter outras um indivíduo apenas? Isso nunca aconteceu e é pouco pro-
funções, mas mesmo assim ela quer somente cortar. vável que aconteça. Logo, o Estado tem potência de vazio
A secularização se caracteriza fundamentalmente pelo diante de grande parte da população.
declínio da religião. Quando o movimento do homem deixa Alguns regimes políticos estão abertamente associados
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a ideologias secularistas e anti religiosas, que é o caso do enraizado na cultura popular, e assim a trama política da
comunismo no mundo. Apesar da teoria utopista sobre o Direita é melhor aceita pela população. Sendo assim, a
equilíbrio social, no Brasil o comunismo desagrada tanto Esquerda facilita o discurso da Direita contra o socialismo
o católico quanto o evangélico, pois o comunismo baliza a no país.
segurança econômica através do Estado. Sim, todo homem Precisa haver um discurso novo, pois todos são iguais
tem o direito ao trabalho e à renda desse trabalho. Mas diante de Deus: um discurso marxista abraçando a plurali-
esquecer-se dos desígnios que levam a vida na crença em dade na qual Cristo seja relevante no comportamento polí-
Deus, ainda é a má-sorte do comunismo, principalmente tico e social. Não somos apenas companheiros, somos tam-
no Brasil. Como ideologia política o comunismo está mais bém irmãos. Para um Brasil marxista falta apenas evocar o
próximo do pensamento cristão do que o famigerado capi- Novo Testamento, tal qual a Direita assim o faz. Esse país
talismo, mas sua má sorte de se desvincular de Deus torna marxista existe em nosso subconsciente, faltando apenas
sua luta um completo insucesso. Deus para tornar-se realidade, pois pouco adianta ser livre
Ora, por que o capitalismo fala mais alto? A resposta pode em pensamentos sem saber ajoelhar-se diante de alguém:
ser: em Deus nós cremos. Todo socialismo no país torna- saber respeitar o outro é saber respeitar a Deus. Antes um
-se desventura por não associá-lo a Deus. Apesar da figura satanista que teme o Senhor do que um cristão que não teme,
divina ser a incompletude do sistema político, é ela a última pois religião e política podem ser tidos como a mesma coisa:
sorte do indivíduo. O populismo sempre foi uma arma ser católico da boca pra fora possui o mesmo ardor de ser
muito quente no Brasil, porque aos olhos do povo, Deus socialista da boca pra fora, ou seja, de nada vale. Ser cristão
o escolheu para salvar o povo pobre. A Esquerda precisa é ser um pouco socialista, é sonhar com um mundo onde
associar o socialismo com a paternidade divina. Vejamos não haja as palavras rico ou pobre. E ser cidadão, o que é?
um governante liberal e outro socialista; quando uma ação Detalhando, é o mesmo que: “se ele pode, eu também posso”.
não obtém êxito, fala-se para o povo diante do liberal popu- Mas o que é esse Brasil supercapitalista? Ele pode tudo. Eu
lista: — Vamos crer em Deus! Tudo vai dar certo. entretanto, não posso nada. E quando alguém não pode nada, a única
o que se diz diante do comunista: — Não deu certo porque saída é ter Deus na alma e no coração. É que o mundo te
ele não acredita em Deus. É que o povo sempre vai impor transforma numa espécie de mal. E é somente com Deus
a figura divina acima do Estado e da política. Veja como na alma que se ouve para seguir adiante: Sim, você é o mal.
a cultura do vínculo do socialismo com o ateísmo facilita Então, como se fala de socialismo sem Cristo? Como con-
o discurso do político liberal contra o socialismo. Ora, se vencer uma população de católicos e uma outra população
houvesse uma classificação dos políticos diante da religião, de evangélicos? É que cada um nessa terra se percebe como
diríamos tanto faz como fez, pois sabemos que os políticos um Cristo também, cada um também apanha das próprias
liberais também não são tão religiosos. palavras. Quem não pode nada, não tem nada a perder, e
A raiz da impopularidade do socialismo no Brasil é a crer em Cristo é a última instância, mesmo que Ele não apa-
cultura ativa e o senso comum entre os homens de que o reça… mesmo que Ele não exista, Ele precisa existir!
socialismo é um regime sem Deus. Isso está sagradamente A moral dos ignorantes é a moral dos mais fortes. Se
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Cristo ainda não te deu nada, é porque você é ingrato ou extravagância dos mais jovens está contido. Ninguém mais
deve estar morto de alma. sai beijando quem quer por aí. Parece haver um pouco de
nojo entre os corpos.
Queda no PIB (Produto Interno Bruto) e na geração de
empregos: o declínio da economia mundial é o resultado
REFLEXÃO: do freio que a pandemia fabricou. Contudo, parece que a
loucura precisa continuar, mesmo depois de meio mundo
Os vestígios do antigo nome da verdade, nenhuma morto. Sem dinheiro ninguém vive, então a ordem dos pró-
utopia é a borboleta do amanhã. Deve-se agarrar ximos 20 anos também é produzir; produzir para o super
à chance bastarda de ser pequeno em defesa, por consumo, e produzir é trabalhar. A fatalidade da loucura do
mais que as artes funcionem sem o pesado azul mercado é querer o mundo na palma da mão — ninguém
da bandeira. Ser soldado preparado para a luta e se contenta em matar a sede, nem mesmo a própria fome.
para o anoitecer, quando o sobrenatural é soprar a Já pensou em quantos objetos tolos se compra todo dia no
quantidade certa da punição. Qual o preço desse
vendaval? Precisamos de todos os sopros de vento. mundo? Um tênis não é tão tolo, mas é a marca que tem sua
A traição é sempre o castigo do herói, o herói ven- significância. Diminuir o ritmo de destruição é diminuir as
dido de vermelho e de traição, aprendendo o verso horas de trabalho no mundo, diminuir as horas de trabalho
apaixonante. com o mesmo ganho. Ora, alguém um dia precisará ser trai-
çoeiro com esse supercapitalismo desmesurado.
Limitação das exportações. Redução do desemprego da
indústria de transformação. Ora, por que precisamos do
ritmo louco e degenerado se estamos na linha do desem-
ECONOMIA DO PARANÁ prego? Ah! Se as exportações voltarem a crescer, haverá
novos subempregos. Todos possuem algum tipo de inimigo
Os macro indicadores da economia nesses tempos de à altura e o supercapitalista deve ter o dele, e este inimigo
pandemia refletem o que vem acontecendo no mundo, em precisa ser a união dos mais fracos, a união daqueles que
que os comércios precisam fechar, as indústrias também odeiam a libertinagem e a luxúria que o dinheiro produz no
precisam parar, assim como os serviços; a crise mundial mundo. Ora, muitos odeiam isso, ter que acordar quando
vai instaurando uma permanência de caos. É uma disputa o sol nem nasceu ainda para chegar cedo ao trabalho, e ser
injusta para a humanidade. Muito se diz que a vacinação da humilhado diante de um patrão que possui uma boa vida
população está conseguindo controlar o medo e o desânimo, mesmo sem a empresa; mas a ordem é ganhar. Precisa-se
mas novas variantes do vírus começam a aparecer, e nisso ganhar do irmão, do pai, do vizinho, do amigo… ganhar
a sociedade precisa manter a postura da vitória da ciência: de todos, o que também gera inflação. Ora, mas a livre con-
sim, a ciência existe para dizer que o inferno é pura fábula corrência diminuiu os preços do mercado. Ora, mas não há
dos fanáticos. Até nosso carnaval de exageros diante da nada melhor do que dinheiro, com dinheiro você tem tudo.
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O dinheiro faz parte dos planos mais divinos? O dinheiro política que atenda à demanda de hospitais há sempre uma
é a medida das coisas, então é a natureza dos homens, mas dificuldade diante da prioridade maior de cada governo.
não é a natureza dos planos mais divinos, pois esses planos Hospitais nunca foram vistos como algo que traz grandes
são feitos de algo superior aos homens. E o que é superior prêmios aos seus governantes. E num momento como esse,
aos homens? O que é avesso à natureza dos mais ricos. Os deveria haver uma maior atenção para o aumento de leitos
mais ricos gostam de carro, então o que é divino é o oposto no país. Logo, hospital não significa sucesso, hospital signi-
disso, porque os homens não conseguem enxergar o que fica doença, e doença significa fraqueza. Mas ainda resta o
é divino. Será verdade mesmo que continuar caminhando pensamento neoliberal: basta vender todos os hospitais. É
pode ser tão triste diante da possibilidade de ter um carro do como se fosse o pensamento de um estúpido, pois ao sofrer,
ano? Quem possui as melhores ideias? Aquele que caminha é melhor que se sofra mais ainda.
ou aquele que tem sua máquina? Muitos vão dizer: aquele Outra crise é a necessidade do isolamento social em um
que tem sua máquina. Mas há mais reflexões no seu coti- país onde a presença da massa, da multidão, da algazarra e
diano? Será que consegue entender melhor sobre as coisas da loucura do barulho é a mesma necessidade de si mesmo.
e sobre si e os outros? Precisar da autonomia de sentir um pouco o ser europeu,
E mesmo com a pandemia, estamos diante de todos sem festas, sem multidões ou sem o calor dos sentidos ace-
os anos agrícolas. O neoliberalismo para o latifúndio é a sos. Sim, isso também sempre fez parte da economia de
maior parte do verde da bandeira: parece que precisamos todas as regiões brasileiras, desde as capitais até os interio-
realmente que o mundo seja assim, estamos cada vez mais res. Talvez seja a sorte da cura mais branda, pois de vez em
infantis e a desculpa é que precisamos alimentar o mundo. quando é bom conhecer a nós mesmos. Mas o brasileiro é
Às vezes a melhor perspectiva é a do inimigo. Por que não? o super herói mais forte que existe, a pandemia pode ser
Transformar as matas e as florestas no desenho do homem driblada na base do futebol arte: existe o perigo, mas nin-
mais sábio, no desenho do arquiteto que não gosta de guém vai ficar em casa chorando. E quem verdadeiramente
mulher. Talvez a arquitetura certa desse planeta seja a dos trabalha não pode se dar ao luxo de viver isolado de todos,
homens, pois a divina não nos agrada mais do que a riqueza, quem trabalha precisa do contato para a garantia da sopa
aliás, natureza que só tem graça e valor quando rico; quando no fim do mês.
necessitado, também necessitado do conforto das mulheres A doença que se tornou pandêmica impactou as áreas da
mais ardentes. saúde, sociedade e economia; e parece iniciar uma recessão
A pandemia até serve para indicar nossas forças e fra- econômica mais profunda do que a crise financeira mundial
gilidades, onde somos mais fortes e onde somos mais fra- de 2008-2009 e a crise da América Latina nos anos 1980. O
cos. Uma crise de raízes às vezes profundas, a necessidade movimento da sociedade nesse instante é de pouco arris-
de uma política reservada para a construção e conservação car diante do trabalho; as pessoas preferem manter o que já
de hospitais. As mortes desassistidas. Entende-se que para conquistaram, pois diante de uma nova crise qualquer des-
comprar vacinas o país possui recursos largos, mas para uma lize pode vir a ser o pior. Tenta-se manter a calma mas há
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setores da economia que encontraram um verdadeiro pare- medo. A nossa cultura de festas está se acabando, precisa-
dão, como é o caso dos setores de festa, eventos e shows. A mos ainda daquela alegria desmaiada, daquela alegria de
dificuldade da aglomeração é a principal característica para sorriso bobo. Parece faltar aquele sentido que nos torna bra-
esses setores. sileiros, o sentido da vida, a importância de Baco. Muitos
Estamos globalizando até as doenças: como o mundo está comerciantes dependem dessa alegria, desse carnaval, desse
cada vez menor, o homem está em todas as partes do pla- amor desamando, das pessoas frias. Ter dinheiro parece
neta. Precisamos confiar na ciência e na estatística, é o que mais com não se ter alegria, esperando a doença, o hospital
nós resolvemos como paz de alma. Mas aqueles que preci- e o túmulo. Pouco motivo há para se fazer compras, nem o
sam do trabalho de qualquer maneira, estes não podem se fantástico e fabuloso shopping consegue colorir o dia, pois
dar ao luxo de ter medo da pandemia, pois o trabalho não finalmente a morte está vagando mais livre ainda no país
pode ser um sonho, tem que ser realidade. dos descontentes felizes.
A desaceleração da economia chinesa pode ser um sinal A verdadeira economia depende de trabalhadores, e
que possivelmente afete a todos, inclusive o Brasil. A China muito mais, de trabalhadores que amam seu ofício, mas
atual parece ser a introdução da melhor economia de outros o que acontece entre nós, é a dependência do salário que
países, que nesse período pandêmico está temendo o maior faz cada um trabalhar até naquilo que não se tem virtude.
dos vilões, a inflação, a famigerada que classifica a fome e Trabalhar assim se torna tão pouco verdadeiro, torna-se o
a miséria. E num mundo globalizado, a fraqueza de uma sangue que não se estanca. A maioria carrega o fardo do
China pode ser a fraqueza de um Brasil. salário. Até amar o trabalho faz surgir novas classes sociais.
As medidas adotadas de isolamento social parecem não Na infância, através da qualidade e das marcas dos materiais
querer fazer sentido diante do colapso da saúde pública. escolares, você já consegue classificar as alturas sociais de
Os hospitais, quase sempre lotados, não dão conta nem das cada aluno. Para tudo o brasileiro somente enxerga classes
doenças que sempre os mantiveram lotados. Então, para sociais. Tem aquele que trabalha pouco e ganha muito, o que
melhorar alguns dizem: vender a saúde pública. Estamos é o sonho paradisíaco nacional.
vivendo em um mundo onde tudo possui a valoração do É a nossa velha mania de classificar, pois parece que
dinheiro. não conseguimos compreender o outro sem a classificação
A pandemia fez derrubar a economia a um patamar baixo, através dos objetos, tênis, carro, camiseta, caneta, aparta-
porém isso se deu em todo o planeta, por isso aquele país mento… como também através dos sentimentos e das vir-
que vencer a pandemia mais rápido, terá maiores chances de tudes, alegria, tristeza, vaidade, humildade… De uma forma
crescer diante de todos. Há muito o que dizer do número de ou de outra, estamos sempre prontos para classificar. A ale-
desocupados; a retração na economia não abraça de maneira gria é um sentimento dos mais ricos sempre, basta ter um
equilibrada o número de desempregados. pouco de falsidade na alma para senti-la. Na classe média
A falta da contínua alegria das festas parece que une as alta, você até pode encontrar um pouco de tristeza, mas não
desesperanças: o mundo não parece ser o mesmo, pois se vai encontrar isso nas classes mais altas. Parece que o nível
antes havia desarmonia, hoje parece haver o silêncio do de humor revela a importância social. Aquele que sempre
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está de bem com a vida tem uma maior relevância para a se cada um se autodenominasse grande, pois é da alma não
sociedade. Se está contente ou feliz, ou não está alinhado aceitar a desventura da ruína. Logo surge uma supercom-
com o que é triste, então é notavelmente um afortunado. A petição que não para nunca, e para isso tanto faz usar a ver-
tristeza parece ser a ausência de coisas ou objetos. O traba- dade ou a mentira, o importante é ser competitivo. O pri-
lho, que deveria ser o mais próximo do que dizem sobre a meiro pensamento passa a ser o dano do outro, pois como
felicidade, é o fator da angústia, da discórdia e do rancor. não há o idealismo, então resta a loucura da classificação
A sociedade precisa classificar os outros através do que é do outro e não a classificação do eu. Sem algum tipo de
inimaginável; assim, o casamento é classificado, as férias são idealização parece não haver saída no futuro, que deixa de
classificadas, a nossa dura sorte de dizer que alguma coisa é ser pleno. E, frequentemente, a classificação passa a ser um
de rico e a outra coisa é de pobre. Parece que se todos fos- fluxo de mentiras entre as partes políticas e sociais. Muitas
sem somente seres humanos, ainda assim não seria o ideal. vezes vale a mentira composta, que se torna a mentira plena.
A falta de educação é classificada como pobre, mas a igno- Grande parte da população se esquece de que o capitalismo
rância deveria ser classificada como rica. Os objetos, esses de sobrevivência é algo mentiroso para aqueles que se cui-
sim, fazem parte da materialização dos ideais de vida. As dam nas estratificações sociais.
aparências parecem ser a sorte de todos: se alguém está bem Concorda-se que a natureza do homem foi feita para a
vestido de marcas, logo não é preciso temê-lo como se esse mentira, a natureza de quando se menciona a vontade da
alguém fosse alguma espécie de bandido. sobrevivência, quando a mentira vale a sobrevida. É possí-
Na economia prevalece sempre a destreza da classifica- vel suportar a situação de mentira ao acaso, mas o capita-
ção. O melhor é sempre aquele que possui os artifícios de lismo engendra a mentira de uma maneira supervalorizada:
maior valor; contudo, uma sociedade em que a glória é feita é quando a mentira está além da sobrevivência, é quando
somente de louros também pode ser classificada, assim como a mentira vale o status, o poder, a fama, a riqueza, de uma
já é classificada. Escolher a marca é de grande ingenuidade, maneira a ser exposta nas alturas do poder social e político.
pois a marca foi fabricada para valorizar um lucro extra. E Devido à introdução do capitalismo ser baseada no lucro
por isso somos o país de menores marcas, pelo quanto valo- diante da sobrevivência, muitos se esquecem de que estão
rizamos a marca estrangeira. Não existe a capacidade de se consumindo mentiras todos os dias. Um exemplo disso
fabricar marca, pois essa fábrica de marca deveria surgir no pode ser a propaganda de um chocolate que diz ser aquele
século 20. Parece que a todo instante devemos nos parecer o chocolate mais vendido e saboroso: mas todos os outros
com o rico. Se não somos ricos materializados, precisamos fabricantes de chocolate também dirão que o seu produto é
ser ao menos pobres materializados. Precisamos das marcas o mais vendido e saboroso. Porém, dessa maneira, estamos
para garantir a entrada na sociedade. Onde está o cuidado enxergando somente a mentira de base, pois nas ramifica-
pelo pensamento? ções da luta pelo capital, outras mentiras também são expos-
Uma sociedade estratificada pode ser útil para ela mesma? tas e impostas. Agora, imagine todas as empresas capitalistas
Classificando uns de grandes e outros de pequenos, é como mentindo através da sobrevivência e do status social. Isso
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equivale a dizer que o novo, quando aparece, já aparece men- riqueza de uma maneira controlada, e participam de seus
tindo como um velho. Se o fabricante de chocolate mente benefícios aqueles que aprendem a mentir primeiro, pois a
que o chocolate possui um ingrediente emagrecedor, seu mentira produz alturas sociais que facilitam a hegemonia
know-how como maior fabricante de chocolate consegue de alguns grupos. É como se sempre houvesse alguma men-
muito bem intimidar aqueles que duvidam, como também tira a mais para sublevar o indivíduo. Parece haver mentira
consegue fascinar aqueles que já preferem seu chocolate. em cada governo, seja de Direita ou de Esquerda. Nas pro-
Em pouco tempo, a tônica do capitalismo é transformar a pagandas governistas parece nunca haver crise, o setor de
mentira em verdade através da propaganda. comércio e serviços sempre iludindo para não demonstrar
Muitas vezes as classes sociais são formadas através de fraquezas, e com isso tudo, aquele que é trabalhador, com
mentiras e propaganda. A nova ordem da economia não o risco do desemprego assolando, também precisa sonhar
precisa saber se algo é verdade ou mentira, ela precisa saber um sonho que não é seu: é a tal mania empreendedora. Ou
se isso vende ou não vende. Um exemplo: na biografia de seja, aquele que é trabalhador, não está mais seguro em ser
um cantor famoso há algumas mentiras que o público gosta trabalhador, precisa logo armar uma espécie de plano B e,
de consumir, mas a livraria pouco quer saber se naquele mesmo sem haver condições, tem que se transformar em um
produto há mentiras, a livraria só precisa saber se o livro empresário da noite para o dia. Incentivar o trabalhador a
vende ou não vende. Ou seja, estamos rodeados por menti- empreender é motivá-lo a seguir o quarto setor, o mercado
ras a todo instante. Basta um visual colorido, um perfume informal, para assim surgir uma pirâmide social nova, uma
marcante, um som agradável, um sabor doce e num tom pirâmide que muitas vezes está acima da pirâmide hegemô-
aveludado, para que se gaste qualquer grandeza de dinheiro nica, e outras vezes está abaixo. É como se fosse um mundo
em mentiras. novo, onde tudo vale, e a vida vale cada vez menos. Uma
A crise de 2008, associada à crise pandêmica, está obri- espécie de pirâmide social paralela à outra pirâmide social,
gando governos a reduzirem de uma maneira significativa um lugar onde vale tudo para os pequenos e microempre-
os investimentos públicos e as aplicações na área do bem sários. Nisso surge o contrabando de produtos industriais
estar social. Sem mencionar o colapso de vendas das empre- e drogas, que realiza uma espécie de estímulo para a pirâ-
sas estatais; a maioria das pessoas não tem a quem recor- mide hegemônica. Uma área muito mais perigosa do que
rer. Nisso, a mentira da propaganda em massa colabora se imagina, o quarto setor da economia. Muitas vezes, esse
para a desunião de uma população prisioneira daquilo que mercado informal também pode ser chamado de mercado
a televisão diz. No entendimento de cada um, todos estão negro, rival mas também aliado do mercado formal. É dessa
ganhando, somente eu que estou perdendo. A vaidade vai se nova pirâmide social que surge grande parte dos conflitos
transformando em fraqueza: não há a quem solicitar, nin- policiais com essa nova sociedade, pois ela age sem as regras
guém fica sabendo desse crescimento falacioso da economia da ordem política e sem lei. Um ator político muitas vezes
de falência de várias empresas. É um comunicado sempre se utiliza desse mercado informal, por isso a polícia não
sutil das grandes mídias. termina nunca com essa espécie de guerra sócio-política-e-
Nessa maré de livre mercado, não há como produzir conômica, porque sempre surgem e ressurgem novos atores
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empresariais, gente que quer e precisa de um lucro fora do marcas de status social. É um risco que se desenvolve diante
que é considerado normal. São tentáculos híbridos do poder dos produtos chineses, havendo assim algo que na cultura
que às vezes fazem surgir aliados ao mercado negro; isso econômica é tido como uma espécie de assombração, a infla-
sempre aparece aos olhos da opinião pública, é uma guerra ção, ou o aumento dos preços de mercadorias do mercado
da polícia militar contra uma espécie de poder alternativo informal com desemprego; ou seja, ninguém está vendendo,
ou oculto, ou seja, muitas vezes pensa-se que se está captu- e mesmo assim os preços vão aumentando naturalmente.
rando um ladrão qualquer, mas às vezes pode ser um tentá- Comprar produto chinês também torna-se dispendioso para
culo desse poder central oculto que pode chegar até Brasília. a população, pois também se convertem em produtos caros.
Como não há garantias sobre o mercado livre, então tor- Os governos neoliberais sempre afirmaram que alguma
nar a expressão livre como uma espécie de liberdade diante dose de desemprego é recomendada para interromper a
das regras e das leis, repetidamente se transforma em uma inflação, pois o dragão é mais perigoso para a sociedade do
ordem de introdução inabalada, pois o enriquecimento ilí- que uma parcela de desemprego; mas e quando a inflação
cito se torna a prioridade de alguns. começa a avançar seus números, colaborando para o desem-
O mercado informal introduz uma trama muito perigosa prego também? Temos aqui a falência do sistema econômico.
para a economia, pois como seus produtos são de preços Se antes as empresas nacionais não conseguiam competir
acessíveis, parte da população começa a consumir tais mer- com os preços dos produtos chineses, hoje ela não consegue
cadorias. Assim surge uma curva que não demora muito vencer nem a qualidade destas mercadorias contrabandea-
para ser desfeita, porque para competir com o mercado das. Ou seja, as empresas nacionais fecham e desempregam,
informal as empresas tentam baixar os custos, e assim surge e os valores dos produtos aumentam, estratificando as clas-
uma parcela do desemprego. Até aí, o capitalismo torna a ses sociais ainda mais.
economia algo que possa beneficiar a população, ou seja, tais Em alguns instantes, a sociedade não ouve e nem se cala
mercadorias tendem a deflacionar os preços. Mas o mercado diante de uma empresa que fechou suas portas para ser engo-
formal não consegue firmar tantos acordos para baixar os lida por outra. Esse tipo de sistema econômico dá as costas
preços, pois se não vende corre o risco de falir, e sem ven- para o outro, pois se houvesse alguma medida de regula-
der não há mais a possibilidade de preços baixos, restando mentação, essas empresas falidas teriam algum amparo do
apenas aumentar o valor de seus produtos. E como torna- Estado e haveria uma maneira de socializar a perda.
-se perigoso quando o produto contrabandeado passa a ser
valorizado! Foi o que aconteceu com os produtos japoneses
nas décadas de 80 e 90. Nesse período eram tidos como pro-
dutos de pouco valor, mas hoje produtos eletrônicos japo-
neses já possuem um know-how relevante dentro do mer-
cado formal e internacional. As marcas japonesas já podem
se dar ao luxo de serem pensadas como marcas de grife ou
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A cultura baseada em torno da América do Norte e da
Europa tornou-se hegemônica há mais de um século, e assim
a economia também tornou-se hegemônica. Para exemplifi-
REFLEXÃO: car, é por isso que a botina ainda é da cultura jeca, e não con-
segue participar da cultura pop. Para a economia, a botina
O tirano somos todos nós, somos o vândalo é produzida para indivíduos que vivem em áreas rurais, e
sem palavra, somos o vilão vendido, somos a tosse exportar a botina é uma ideia lúgubre. Mas as botas do Texas
do soberano. E a terra sem verso nunca foi nossa são um sonho em grandes partes do território nacional. É
mesmo, então que o anoitecer seja a água do agora. por isso que a cultura deveria ser vista com grande cari-
Pois nosso descanso ímpar não pode ser incomo- nho pelos empresários e políticos. O que acontece hoje com
dado por ninguém. Sobreviver desejando a cons- a massificada abertura do mercado internacional, é que a
telação sem pensar na próxima primavera é como
soprar o muro, é como ser um tigre sereno. É que nossa cultura brasileira é pensada como uma cultura pobre,
nosso trabalho não é legítimo, nosso trabalho é sem valor social ou econômico. Até as comidas típicas, que
mediania de parabéns. Então esquecemos o nítido sempre foram de grande orgulho para os costumes nacio-
e o letal. Sonhamos com a maioridade. nais, também são vistas como de menor valor. São prefe-
ríveis os fast foods, e as culinárias francesa ou italiana. O
indivíduo se percebe inserido dentro do contexto mundial
de vida. Às vezes, nosso país pode ser considerado um dos
países mais cosmopolitas do planeta, pela variedade e pela
ECONOMIA DE SANTA CATARINA facilidade de aceitar a cultura do outro, porém temos uma
grande dificuldade de impor nossa cultura sobre o outro. O
Apesar da unificação cultural através dos meios de comu- valor de abertura da economia para o mercado internacional
nicação na atualidade, o desenvolvimento socioeconômico existe quando estamos prontos para dominar culturalmente,
não surge de uma maneira equilibrada em todas as regiões. é quando existe uma certeza de que os outros países vão
Não é um fenômeno que acontece somente em Santa assimilar e consumir nossa música, nossa literatura, nos-
Catarina; também há esses conflitos socioeconômicos em sas belas artes, nossa comida, e finalmente nossos produtos.
outros lugares do mundo. Por exemplo, se uma determinada Pois um país bem sucedido na guerra comercial é um país
marca de camisas se torna a vedete do mercado internacio- que exporta mais do que importa, e ainda, exportar produ-
nal, certamente também será um sucesso nas regiões mais tos industrializados é ganhar através da inteligência.
cosmopolitas do país, e desconhecida diante das regiões A dificuldade do país para estabelecer as bases da eco-
menos massificadas. É por isso que as áreas mais ruraliza- nomia nacional vem desde meados do século 19, quando a
das, que possuem menos contato com as grandes mídias, independência política, a abolição da escravidão e a procla-
possuem um comportamento mais simples diante do con- mação da República impediam uma solução de ideias polí-
sumo. Nesses lugares há menores possibilidades de gastos ticas e econômicas sobre o país.
supérfluos.
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A independência política diante de Portugal tornou- baseado na produção do café, que se torna a maior riqueza
-se inacabada por causa da relevância do Brasil Império; do país, pois foi com a produção do café que floresceram os
dessa maneira, a riqueza nacional ainda não pertencia ao grandes centros urbanos. A capital paulista é um exemplo
seu povo, não havia um Estado que delimitasse a ordem da produção cafeeira. Para isso acontecer, São Paulo e Rio
política e econômica para o próprio Brasil, ou seja, o Brasil de Janeiro precisavam de animais de carga criados em Santa
naquela época era a cabeça de seu imperador. Outra difi- Catarina. E assim, nota-se a importância de uma riqueza
culdade de instauração da economia brasileira era a ordem natural para a prosperidade da economia, a importância da
da escravocracia existente à época, e até hoje há influên- exportação para a entrada de dividendos para o país. Mas
cias diretas desse tempo, onde uma grande parte da popu- o que aconteceu foi a centralização da economia em torno
lação não participa da legitimação do Estado Nacional e não do café; no início do século 20 o país marcou seu desenvol-
possui condições de competição pela cidadania; por isso vimento através somente da produção de café, assim como
há um enorme abismo econômico entre brancos e negros, grande parte de países subdesenvolvidos da África. Por
que deveria ser o principal diferencial entre o Brasil e os isso, às vezes, pertencemos mais ao léu africano do que ao
outros países. Se não houvesse essa desigual importância léu europeu. Ao passo que a riqueza do país era o café, em
entre brancos e negros, o Brasil poderia ser chamado facil- pouco tempo nos Estados Unidos a riqueza era a produção
mente de um país de vanguarda em que o futuro seria sem- industrializada dos automóveis de passeio. Ora, a partir daí
pre possivelmente o seu idealismo e seu pensamento. Os surge uma espécie de economia de bate e volta: o país vende
relicários da escravidão sempre foram a força invisível que o café para comprar produtos industrializados, com maior
alicerçou a política e a economia do atraso. A proclamação valor agregado, dos Estados Unidos. E essa estrutura da eco-
da República foi uma passagem da história que se desenvol- nomia brasileira diante dos norte-americanos e europeus
veu entre muitas disputas até a consolidação da democracia. continua até esses tempos atuais.
O Brasil República é a viabilização do projeto de um Estado Ora, então o que estamos fazendo durante todos esses
Nacional, uma maneira de fazer surgir uma economia pró- anos? Não temos uma engenharia nacional, nem temos uma
pria, uma economia que atendesse as vontades e os anseios pesquisa científica nacional. Será que dependeremos eter-
da maioria brasileira. namente da escravocracia? Onde estão os nossos projetos
Apesar da proclamação da República e da consolidação para a engenharia, para a medicina, para todos os campos
do Estado, o sistema político e econômico sempre estabe- do saber? Nós nos orgulhamos de ter um Estado laico, mas
leceu o capitalismo hegemônico como modo de produção. pouco nos interessa a educação formal ou informal.
Os relicários da escravocracia estabelecidos há muitos anos Muito do nosso pouco interesse como nação faz pensar
não deram outras alternativas como sistema econômico. Se que ainda somos colônia, a escravidão ainda não acabou
antes a base da sociedade eram os escravos, agora são os e o país é uma tentativa de república. Sim, porque ainda
trabalhadores, e uma sociedade também muito segmentada conseguimos concordar que existem alguns fragmentos de
entre os trabalhadores. Brasil Colônia, de Brasil escravocrata e de Brasil de frágil
Com o fim da escravidão, surge um ciclo econômico República no país atual.
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Ora, se antes éramos colônia de Portugal, hoje através do às vezes a legalidade das leis trabalhistas para eles, pois o que
estabelecimento do poder econômico como ordem, somos vale mesmo para as pessoas negras é o ultrapassado e tão
colônia de vários países. Muitos podem dizer que não, que o novíssimo capitalismo selvagem. Parece que a economia do
que acontece é uma lei natural do mercado, e que isso pode lucro somente se torna possível com os baixíssimos salários
acontecer com outros países também. Mas o que afirmo é dessa gente, isso quando existe a possibilidade de emprego,
a respeito da necessidade extrema de capitais estrangeiros. pois quando não há tal possibilidade, a sobrevivência surge
Grandes empresas da Europa compram terras nacionais e apenas através do mercado informal. Uma receita sempre
se instalam a partir da dinâmica capitalista de seus países. ordinária mas sempre fabulosa para a macro economia das
Instalam-se para explorar uma mão de obra farta e barata, empresas, porque sabem que o pouco vale muito para uma
por causa de um mercado consumidor ávido por alta tecno- gente sem muitas esperanças financeiras. Sendo assim, é
logia e como filiais que produzem o status quo permanente melhor ainda para os sonhos e desvarios dos grandes trus-
de países estrangeiros. Ora, quando isso acontece, empresas tes, diminuir os custos de operação para obter um preço
de outros países compram uma pequena parte do Brasil. competitivo no mercado. A democracia que nunca chega, o
É como se o vizinho tivesse todo o direito de usar o quin- Estado que se vende, o governante que é sempre o novo mes-
tal do outro. E numa possibilidade de guerra mundial, pois sias, e a escravocracia que segue agora em alta tecnologia, ou
nada pode ser descartado nesse milênio tão confuso, essas seja, não são necessários mais trabalhadores: é que como os
fábricas e empresas transnacionais podem servir muito bem processos de produção estão se robotizando, não vai mais
como uma entidade espiã, pois seus estrangeiros possuem haver a necessidade de mão de obra barata. Sem trabalho
total acesso às sociedades de cada estado. Ora, se pensarmos sobra apenas o mundo do crime e das drogas, e assim a polí-
através do que existe em mídia, sim, estamos no milênio tica dá o xeque-mate. Tão hollywoodiano e tão real.
da guerra não declarada; mas desde quando existe declara- A maneira como se estabeleceram os modos de produção
ção de guerra através do poder econômico? É sempre uma no país, reflete a importância do capital na vida da maio-
guerra muda, mas cada um de nós conhece o que é uma ria das pessoas. Um exemplo é a dedicação dos estudantes
disputa pelo poder econômico, o capitalismo do dia a dia já em torno dos cursos universitários considerados de maior
nos deu essa lição. poder econômico e de status dentro da sociedade, pois há
Dependente de uma escravocracia instaurada através de uma relevância exagerada de ter em detrimento do ser. E
uma lei comum, onde metade da população não possui as essa preocupação vem desde os tempos do Brasil Colônia,
mesmas vantagens da outra metade, é preciso transcender onde o que importava para a sociedade era a produção da
para se equilibrar em igualdade. É de se considerar que cana-de-açúcar, porque dela resultava a economia. Logo,
ainda, em muitos recantos do país, existe a triste escravi- tudo girava em torno da cana-de-açúcar, obrigando o poder
dão do século 19. O que antes era considerado senhor de a se centralizar através do financeirismo, fazendo o dinheiro
escravos, hoje é considerado grande, médio ou pequeno valer mais aqui do que em qualquer outro lugar. O valor que
empresário; em muitas empresas os funcionários negros o brasileiro aprecia diante da riqueza não é tão comum. Em
possuem menores salários e funções de base, não havendo outras sociedades há um maior equilíbrio diante dos modos
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de produção, há uma relevância no que tange à agropecuá- se enfraquecer por causa da inflação, o dinheiro vai aos pou-
ria, à indústria e ao comércio. Como também há um certo cos sumindo da praça, o dono do estabelecimento não tem
equilíbrio nas ciências agrárias, exatas, humanas, biológicas como pagar o empregado, e tanto o empregado quanto seu
e artísticas. Mas entre nós, somente é valorizado quando há patrão não terão dinheiro para gastar. Vai faltando dinheiro
alguma espécie de riqueza material superior. na economia e no mercado.
E essa riqueza material superior advém do setor secun- A saída que o neocapitalismo impõe aos fracassados é
dário da economia, o setor das indústrias. Como toda eco- o derradeiro sonho do empreendedorismo, mas empreen-
nomia hoje no mundo está globalizada, não há mais tempo der algo novo é como tentar reinventar a roda: não há para
para uma especialidade apenas, como no caso do café, que um pai de família a possibilidade de sonhar, e quando digo
há pouco tempo atrás era a principal fonte de dividendos sonhar, é quase que se tornar um deus da noite pro dia.
para o país. Hoje, como em toda a economia mundial, deve- Como sonhar enquanto seus filhos vivem sob o risco da
-se ser especialista em todos os produtos e em todos os ser- fome? Logo, essa moda do empreendedorismo somente
viços. A fragilidade de algum setor da economia pode ser serve para desenvolver o famoso quarto setor da econo-
a ruína do sistema produtivo numa economia neocapita- mia, o mercado informal. Começando assim a enfraquecer
lista. Ora, o país é um poderoso produtor agropecuário, o Estado que não consegue recolher impostos dessa área
mas deixa às vezes de competir no mercado internacional e fazendo surgir uma possibilidade de guerra, uma guerra
por causa de algumas deficiências no setor das indústrias: o comercial, ou a mistura de globalização e livre mercado. Ou
baixo investimento em pesquisa e desenvolvimento reduz a seja, ao invés de o Estado regular o mercado, é o mercado
capacidade de nascer um produto industrial de alta tecnolo- quem regula o Estado.
gia, e assim o setor de comércio e serviços fica abarrotado de A história da economia em Santa Catarina é marcada pela
produtos de marca de outros países. Ora, o que isso significa produção de animais e alimentos que teriam como destino o
para nós, cidadãos urbanos? Nós, brasileiros, nos tornamos estado de São Paulo, o chamado tropeirismo. Veja que já no
vendedores de produtos de todos os lugares do mundo. E a século 19, São Paulo, marcada pela riqueza da monocultura
fraqueza do produto nacional diante dos produtos chineses do café, torna-se um polo de atração econômica. A maneira
e coreanos também enfraquece o comércio. Pois se a eco- como a economia se dava naquele tempo, também pode ser
nomia ainda sobrevive é por causa da forte existência do analisada como se fosse hoje. Mesmo o país sendo um forte
terceiro setor que, infelizmente, vende em grande parte pro- atrativo para atividades urbanas, a força econômica fica
dutos importados. Agora, deve-se ficar muito atento a qual- muito restringida ao setor primário da agropecuária. Para
quer indício de inflação, pois o comércio, que é a base da aquele que rejeita essa ideia, qual grande marca industrial
economia nas grandes cidades, somente está sobrevivendo temos como poder de exportação? O chinelo Havaianas?
porque somos vendedores naturais de produtos importa- O ônibus Marcopolo? Apesar do valor agregado de design
dos. Mas se há aos poucos, um aumento no índice infla- e tecnologia na produção da Marcopolo, para um país tão
cionário, a venda desses produtos se torna cada vez mais imenso em território e população, isso é muito pouco, e
difícil. Ou seja, se o setor de comércio e serviços começa a representa menos ainda diante do apelo de emprego e renda
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no país. Então nossa desventura é tão somente ser uma na obtenção de dinheiro e riqueza, o Brasil arcaico fica
sociedade imensamente urbanizada, sem nenhuma tradi- parado no tempo, e não há tanta tensão diante dos valores
ção em educação e laicismo, pois a base da nossa economia de ser rico. Agora, apesar da riqueza material, o Brasil laico
está na agropecuária, ou seja, todos foram viver na cidade torna-se condicionado a maiores fragilidades espirituais:
grande, mas ainda deveriam permanecer como sociedade os exemplos são a depressão, o suicídio, doenças mentais
rural em pleno século de desenvolvimentismo. E o susten- e tudo aquilo que enfraquece o cérebro e a mente, pois a
táculo da economia urbana das grandes cidades é o setor de todo instante o indivíduo precisa provar sua capacidade de
comércio e serviços: como temos uma cultura muito tímida intelecção para a sociedade, e para provar isso, a disputa
de marca nacional, parece que somos eternos vendedores pelos valores materiais é fundamental e essencial. Já o Brasil
e compradores de marcas norte-americanas, suecas, ingle- arcaico vive onde o tempo não existe, e as diferenças sociais
sas, alemãs, italianas, francesas, chinesas… E foi da década são imutáveis, onde aquele que possui um padrão econô-
de 60 para cá que começou uma maior culturalização de mico não consegue mudar tal corrente social. Nisso pos-
educação e vida urbana. Essa transição para a vida urbana suem mais certezas espirituais do que incertezas, e o mundo
ainda é um processo recente, pois qual grande tecnolo- está sempre do mesmo jeito.
gia usada no mundo foi inventada por brasileiros? Como A distorção entre uma sociedade laica e uma sociedade
grande sociedade moderna deveríamos contribuir para o arcaica, é que uma precisa aventurar-se em alcançar novos
legado da humanidade. patamares sociais e econômicos, enquanto a outra exige uma
Outra característica da economia de Santa Catarina e do sociedade imutável. Assim, uma parte da população exige
Brasil é a distância entre uma sociedade moderna e uma mudanças contínuas em todas as áreas das atividades eco-
sociedade arcaica. Percebem-se espaços físicos com uma nômicas e das atividades do conhecimento, enquanto outra
extrema tecnologia arquitetônica, e em cidades afastadas dos parte sustenta os valores espirituais e as tradições religiosas.
grandes centros, uma espécie de Brasil do século 19. Lugares Logo, é fácil notar a existência de inúmeros conflitos que
laicos e lugares católicos. Em lugares laicos encontram-se poderíamos chamar de guerra social ou urbana: os peque-
indivíduos sem religião muito bem estabelecida, mas com nos furtos e roubos de uma baixa sociedade e os grandes
uma forte presença de escolarização e alfabetismo, consu- roubos políticos de uma alta sociedade, sem dizer que no
mindo sempre produtos industrializados, moda e música. conjunto há uma maior valorização dos vícios humanos: a
Já em lugares católicos, há uma presença de indivíduos de mentira, a injustiça, a covardia, a ignorância, a maldade, a
baixo alfabetismo, consumindo produtos produzidos por soberba, a vaidade… E assim uma parte da sociedade não
eles mesmos. Os carros de boi, que sempre foram tidos tolera a outra parte e nem a si mesma, somando-se a isso as
como exemplo de linhagem rica, em muitos lugares já são diferenças raciais e as intolerâncias pessoais.
tidos como algo atrasado e do passado.
As diferenças entre esse Brasil laico e o Brasil arcaico tra-
zem um descontrole diante do poder econômico. Enquanto
o Brasil laico é vistoso e vaidoso, e tenciona a desmedida
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a potencialidade que a região tinha para a produção de ali-
mentos, ou seja, a pequena cidade torna-se uma espécie de
filial da capital, e sua economia deixa de ser rural para se
tornar uma economia urbana: é como se fosse uma cidade
REFLEXÃO: grande num território de cidade pequena. Por exemplo, seus
trabalhadores mais jovens são especialistas em trabalho de
O pátio branco onde não há recordações e nem base urbana, comércio e serviços, e diminui o número de
o perdão da penumbra. Um dia marcharemos der- trabalhadores com especialidade no cultivo da terra e cui-
rotados representando a possibilidade da mesmice. dado de animais. Em pouco tempo, o trabalho rural deixa de
Como o máximo de matéria que há no corpo, nem ser a especialidade dessa cidade, que inicia um movimento
a musicografia dos céus seria tão relevante. Os de encontro com a cidade grande através da urbanização.
meandros do céu lilás procurando o outono de oti-
mismo do passado. Tudo tão artificial quanto antes, Nota-se que, quanto mais próxima a cidade pequena está da
a imaginação no choro vazio... quantas mudan- cidade grande, mais rapidamente esse processo se inicia, e
ças aconteceram pensamenteando, a permissão do nesse andamento, o trabalho torna-se mais especializado e
sogro mais justo e além. raro. Empreender torna-se a única saída na qual os vence-
dores em pouco tempo são engolidos pelos grandes trustes
internacionais. A vida se torna bem mais onerosa do que no
tempo de vida rural. O desemprego fragiliza o valor do tra-
balho remunerado, enquanto o preço de alimentos aumenta
ECONOMIA DO RIO GRANDE DO SUL significativamente ano após ano.
Por que temos tanta vergonha da terra? Por que esse amor
O que acontece quando o setor primário da economia excessivo aos metais e plásticos? Ora, a terra deveria ser uma
entra em declínio? Fatalmente um problema gravíssimo, é parte da nossa espiritualidade, pois pertencemos a este pla-
quando o interior deixa de sustentar a própria economia. neta, somos parte da biosfera; mas existe algo natural em
Os preços da agropecuária aumentam, pois os produtos nós que não aceita a terra, a floresta, os rios. Parece que pre-
se tornam escassos, e não há excedente de produção. O cisamos ser mais fortes sempre. Precisamos da arquitetura
dinheiro deixa de circular na economia, e a fome torna-se do ângulo reto.
mais provável. O Sul também é um dos estados que mais receberam imi-
É um pouco perigoso quando a economia das cidades do grantes, e muitas vezes florescendo a cultura do trabalho
interior começa a privilegiar o setor de comércio e servi- na terra. É por causa dos imigrantes que se intensificou a
ços, pois dessa maneira a produção de alimentos diminui na produção do vinho do Sul do Brasil, por exemplo. As cultu-
escala do consumo interno, fazendo surgir uma nova eco- ras alemãs e italianas tornaram-se parte da cultura do Sul.
nomia de trabalho, tal qual nas cidades grandes. E ao passo Essa facilidade de aceitar imigrantes é uma das principais
que a disputa pelo mercado de comércio se acirra, diminui características do povo brasileiro, pois nem todos os países
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possuem as portas abertas dessa maneira. Para a cultura da E assim, com uma industrialização forjada pelo vazio, uma
terra isso é maravilhoso, pois transforma o que já existe aqui população urbana cresce enquanto a economia agropecuária
com o que já existe em outro país. É mais fácil surgir o pen- decresce, fazendo faltar recursos básicos para a população.
samento novo, ou um pensamento de vanguarda, pois os Sem dizer que a cada ano a tecnologia da mecanização da
imigrantes pensam diferente em outras terras. produção agropecuária aumenta, e assim aumentam tam-
Mas a globalização da economia tenta ferir o propósito bém o desemprego no primeiro setor, aquele que deveria
dos imigrantes que se instalaram em terras distantes dos se responsabilizar pelo emprego para a população menos
grandes centros. Nesses lugares, o Estado torna-se distante, instruída. O conhecimento que também é de alto custo para
e quando aparece, aparece para tecnocratizar essas peque- grande parte das famílias, torna-se de baixo custo para as
nas comunidades. A agropecuária colonial possui um ritmo empresas. Portanto, a sociedade capitalista atual pode ser
de preservação da produção, ou seja, as terras do Sul são vista dessa maneira: trabalhadores de alto nível educa-
cultivadas por pequenos lavradores, condicionando a pro- cional ganhando pouco, e os trabalhadores de baixo nível
dução para a cidade. Não é uma produção em larga escala, ganhando o mínimo. Se houvesse uma maneira de qualifi-
feita para a exportação. Sendo dessa maneira, o que vem car a média da renda dos trabalhadores atuais seria razoa-
ocorrendo nos últimos anos é a migração interna, uma con- velmente assim, tornando cada vez mais raro um lugar na
centração de pessoas cada vez mais nos grandes centros. E produção para aquele de baixo nível escolar ou semi-anal-
assim a produção que antes era colonial, uma produção de fabeto nas frentes do trabalho agrícola, pois esse tipo de tra-
pequenos agricultores, passa a ser utilizada pelos grandes balho vai se tornando raro diante dessa Quarta Revolução
agricultores da terra, assassinando o mercado interno des- Industrial. A saída para a maioria é o empreendedorismo no
sas cidadezinhas distantes dos grandes centros. É a lei da mercado informal, o que normalmente pode ser chamado
procura do homem pelo conforto e luxo da propaganda do de negócio de emergência.
modo de vida moderno. A demanda pelos produtos internacionais desaquece
O crescimento demográfico aliado à urbanização das tanto a cultura quanto a economia local. A cultura urbana
cidades é um tanto perigoso economicamente quando as não absorve o regionalismo, e tudo o que envolve os costu-
bases de trabalho são realizadas na agropecuária. Logo, não mes da região vai perdendo relevância, pois os mais jovens
há uma espécie relevante de industrialização para absorver estão mais dedicados à cultura urbana do mundo — e assim
o emprego nestas áreas urbanas. E quando o Estado tenta gastam suas economias nos produtos que envolvem as carac-
interferir, acaba piorando a situação, pois ao invés de uma terísticas do mundo moderno. Para exemplificar, ao invés do
indústria estatal, o Estado abre as portas para as indústrias churrasco, preferem o hamburguer com batatas fritas. Isso
transnacionais, que no fim das contas, tentam preservar o também aprisiona a cultura local. Outro exemplo, é a dificul-
intuito de seus investimentos. Com isso começa a surgir dade de impor o couro como moda urbana. Logo, aquilo que
uma espécie de vazio no segundo setor econômico, ou seja, costumava ser uma oportunidade de negócios deixa de ter
o mínimo de indústrias privadas nacionais não alcançam a um maior valor diante da concorrência internacional. Isso
relevância necessária para o desenvolvimento desse setor. faz ocorrer uma espécie de hibridização da economia. Você
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pode encontrar o Sul no Sudeste, no Nordeste, no Norte e no vestir a camisa 43.
Centro-Oeste. Assim como o Sul também encontra em seu Em alguns momentos da nossa história surgem algu-
território costumes de outras partes do país. Até aí, a cultura mas grandes empresas do segundo setor. Mas o processo
hibridiza e torna-se nacional, mas quando a presença dos de internacionalização da economia, fragiliza as indústrias
grandes trustes internacionais entra, isso acaba sufocando nacionais que conseguem competir por algum tempo. É o
tanto a cultura quanto a economia. Exemplos disso são as caso simbólico da goiana Arisco, que ao dominar o mercado
pessoas quererem trabalhar na BMW ou comprar perfume nacional de temperos, logo foi comprada por uma multina-
francês ou vinho espanhol. cional, enfraquecendo a capacidade de tomada de decisões
A presença de produtos culturais como música, literatura, empresariais no Brasil. Em pouco tempo, a grande maioria
artes e de mercadorias internacionais vão minando a capaci- sonha, e em pouco tempo vende fácil esse sonho. O sonho de
dade de existência nacional. Ora, as grandes empresas inter- um Brasil dado à tecnologia não vai surgir da economia pri-
nacionais não se instalam aqui sem pensar em ganho finan- vada; além da necessidade de pesquisa e desenvolvimento,
ceiro, e isso em curto prazo pode não ser tão perceptível, as indústrias nacionais são dadas a uma tecnologia já testada
mas se pensarmos a longo prazo, pode-se até vislumbrar um em outros países e com lucro certo. Hoje, alta tecnologia
Brasil vendido. Ora, em curto prazo somos voláteis. Por que envolve capitais transnacionais e com garantias de retorno.
vou ouvir essa cantora gaúcha que ninguém ouve, enquanto É o caso, por exemplo, da tecnologia das vacinas contra o
milhões conhecem a cantora inglesa? Isso também ocorre Coronavírus. Enquanto o mundo estava procurando vaci-
com as mercadorias e os produtos de consumo. Pode-se nas a qualquer custo, no Brasil seu desenvolvimento se dava
vislumbrar, pois é notório e comum, brasileiros ganhando através de entidades públicas com parcerias internacionais.
muito pouco para trabalhar e enriquecer empresas de outros Sim, o Brasil é uma potência, desde que sua economia
países; e além do trabalho, há a propaganda. seja baseada no Estado. A cultura econômica das empresas
Se da década de 90 pra cá fosse priorizado o mercado privadas no Brasil é dada a pouca pesquisa científica, sendo
interno, com a superpopulação que existe hoje no país, toda que a valorização somente se dá pelo retorno do lucro certo,
a produção agropecuária de pequenos agricultores teria uma sem haver qualquer dúvida.
vazão para somente o consumo interno. Haveria um cresci- O que aconteceu no Rio Grande do Sul também acon-
mento econômico muito mais equilibrado do que a loucura teceu em outros estados, onde a produção fica estruturada
da produção em massa. Sabe o que parece? Parece que ven- num produto somente; no caso do Rio Grande do Sul foi
demos nosso país por causa de carro importado. Parece que a presença marcante da pecuária até os anos 50 do século
não gostamos nem mais do nosso arroz com feijão, e muito passado. A relevância da pecuária forjou uma única cultura,
menos do nosso pão com manteiga, pois muita gente está e um pouco sensível diante das leis do desenvolvimento
preferindo a culinária francesa, chinesa e japonesa… Aliás, no século 20. Dessa maneira, grande parte da economia
tem muita gente que torce para times espanhóis, franceses, ficou atrelada ao consumo de carne e couro, debilitando
ingleses… Nosso futebol nem é mais brasileiro, centroavante outras áreas em desenvolvimento. Ou seja, a especializa-
agora é atacante e jogador entra em campo com orgulho de ção da economia gaúcha em torno da pecuária trouxe uma
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acomodação diante das leis da inovação que sempre reno- educação laica, pois as ideias que defendem o poder político
varam a economia. para os trabalhadores deveriam ser defendidas pelos pró-
Outra diferença da industrialização no Sul do país é o prios trabalhadores, daí a debilidade da educação formal. E
incremento da produção voltada totalmente para o consumo a educação informal já conhecemos: para as classes da base,
interno da região. A vanguarda da inovação está chegando tal educação está muito enraizada nos valores cristãos, como
atrasada, inovar agora não é nenhum segredo industrial, e a humildade e o amor ao próximo, valores que as sociedades
muitas vezes é um risco maior do que se imagina. Sobreviver altas tendem a esclarecer como ideias que contradizem o
no mercado interno já é demasiadamente desafiador, e a socialismo ou o comunismo. E assim as ideias esquerdistas
dificuldade da consolidação do mercado interno era a baixa são vistas como valores anticristãos, transformando a luta
renda da população urbana no Rio Grande do Sul no início operária em algo vão diante da hegemonia do capitalismo.
do século 20. Todavia, não houve como exercer influência O que acontece é que nenhum ideal político se estabelece
industrial para competir em outros países. E assim a econo- da noite para o dia; a política é um poder que precisa agregar
mia urbana de qualquer grande cidade torna-se dependente todos os dias e anos. E a cultura popular não vence as elites
da economia de comércio e serviços, com o terceiro setor numa canetada ou na eleição de um presidente, a cultura
predominando em áreas urbanizadas. Tudo precisa ser ven- popular é a vida dedicada ao pensamento contra o establish-
dido ou tudo tem seu valor de existir. É assim o pensamento ment, contra a hegemonia do sistema político dominante.
do comerciante. A construção de uma identidade regional, muitas vezes
tem como condição uma ideologia dominante, pois fica
estabelecida uma ordem quase sempre de cultura de raí-
CULTURA DO PARANÁ zes negras e indígenas praticadas por brancos. Podemos ver
esses exemplos na música, nas belas artes e na literatura.
A cultura brasileira sempre foi marcada por regionalismo, Quando o regionalismo nos é apresentado através da TV,
que começou realmente a existir do século 20 para cá e é fica clara a permanência da mistura de ritmos, mas sem-
uma forma de destacar um estado ou uma região do país. pre executados por brancos, uma maneira de se envaide-
Surge com a análise das elites existentes na época, junta- cer diante da égide econômica daquela região ou daquele
mente com a figura do coronel que exerce o poder local, bus- estado.
cando a centralização federal e defendendo a ideia do capi- Precisa-se fabricar sempre alguma espécie de dominação
talismo como produto do desenvolvimento. Porque nunca cultural. Muitas vezes, pensa-se nas misturas dos ritmos
houve uma política de idealismo, as ideias nunca foram o como algo vazio e desocupado, como se não houvesse na
forte da nossa política, sempre carregada com a vontade do inventividade desses ritmos algo para protestar. A cultura
paternalismo, aquele pai dos pobres que sempre estende a somente pertence ao seu povo como força de protesto; não
mão para ajudar os mais necessitados. Nunca houve um é você dançar o novo ritmo nordestino fazendo prevalecer o
confronto de ideias por causa da ineficiência da nossa edu- sucesso íntimo das classes sociais estabelecidas. A arte sem-
cação. As baixas sociedades é quem deveriam primar pela pre deveria ser feita para o protesto.
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Uma diferença da ordem dos estados norte-americanos artes regionais por temer o maior equilíbrio intelectivo das
diante da ordem dos estados brasileiros, é a condição dos baixas sociedades. Atualmente, muito das artes modernas
estadunidenses diante das guerras mundiais, pois essa deter- lidam com o discurso político e religioso, no qual conse-
minação na defesa dos valores e das economias diante do guem descentralizar a elitização, ou seja, para ser elite você
mundo faz valer uma espécie de elevação do patriotismo. No precisa de conhecimento e educação formal, não basta ape-
brasileiro também há essa determinação pelo patriotismo, nas o poder econômico.
mas como se fosse uma maneira de lamentar, pois as maze- Outra dificuldade para se estabelecer a identidade regio-
las assombram mais as qualidades, e no patriotismo estadu- nal de um estado é o poder dos canais de comunicação: como
nidense é o contrário. Daí a nossa necessidade de encontrar são do eixo Rio-São Paulo, fica muito caracterizado dentro
heróis políticos. Pois o patriotismo vencedor americano nos da população brasileira, os costumes e a cultura desses esta-
diminui de alguma forma, e essa maneira de lidar com o dos. Por exemplo, quando alguém do Paraná pensa em artes
patriotismo muitas vezes é mera propaganda, pois há tan- plásticas, pensa em Rio e São Paulo. Quando alguém pensa
tos heróis aqui como nos Estados Unidos, e a derrota está em esportes, pensa em Rio e São Paulo. Quando alguém
na fatalidade de menor uso da propaganda. Construir a pensa em música, pensa em Rio e São Paulo. E isso se dá
identidade cultural de um país, região ou estado passa pela em todas as áreas do conhecimento e da cultura, porque a
vontade do uso da propaganda nas artes, na música, na lite- televisão centraliza o pensamento humano ligado ao poder
ratura, na poesia, na arquitetura, nos costumes… A dife- econômico.
rença é o uso da propaganda. Veja o caso do Rio de Janeiro Para haver uma possibilidade de rivalizar com a cultura e
tornar-se ícone da cultura brasileira: isso se tornou possível a economia de outros países dentro da globalização, o Brasil
pelos inúmeros canais de comunicação instalados no estado precisava e ainda precisa encontrar uma identidade cultural
fluminense. de seus estados, pois é muito tolo vender a cultura do Brasil
O uso das artes plásticas é uma maneira de elitizar o dis- somente através de carnaval, futebol e samba; essa é uma
curso político, pois de todas as artes, a plástica é a menos iconografia muito enraizada na cultura carioca, ou seja, o
popular. Não se propagandeiam as belas artes com tanta mundo, ao simpatizar com o Brasil, terá como referência
facilidade tal e qual acontece com a música popular. Os ris- sempre o Rio de Janeiro. E todos nós conhecemos a força da
cos da popularização das artes plásticas podem culminar cultura nordestina, da cultura interiorana, da cultura sulista
em exemplos de invalidar a soberania das elites, já que as e da cultura nortista. Assim, as televisões brasileiras propa-
artes plásticas têm o poder de iconografar a sociedade, ema- gam somente malandro, carnaval, futebol e samba, dificul-
nando beleza ao conhecimento, muito mais apropriado para tando até dentro das outras regiões o estabelecimento da
o discurso político das classes menos favorecidas. É como cultura local, dos costumes e da economia de outros estados.
dar asas a quem não consegue sonhar, pois para o flores- Ou seja, eu não quero saber do artista do Amapá, eu quero
cimento das artes plásticas é muito mais válido o talento é saber dos artistas nacionais da TV, reduzindo a cultura
do que uma educação superior. Um problema para o surgi- brasileira a algo tão mínimo quanto a cultura belga, um país
mento de uma identidade regional é o extremo valor de pro- menor do que o Ceará.
paganda das televisões, pois elas acabam desvalorizando as A economia depende muito da cultura; por exemplo, ao
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entrar na moda uma música sertaneja, muitos precisam dos quando é republicano vivemos de outro jeito. Pode assim
significados da música sertaneja, como botas, camionetes, chegar um dia em que a eleição brasileira de nada vai adian-
chapéus… Só que como toda moda, isso tem prazo de vali- tar para quem precisa de mudança.
dade, ou seja, uma cultura de rodeios e sertanejo pode ruir Sem dizer que os desvios de verba pública tornaram-
com o tempo através da competição cultural, pois os signi- -se um hábito e uma regra, formando no subconsciente da
ficantes e os significados das culturas internacionais podem população que político honesto é um político idiota. Aos
minar através das economias o que temos aqui como cultura poucos a vida começa a demonstrar que a mentira é verdade,
de interior. perdendo a boa moral de país interiorano. Nosso desgosto
Ao ruir o Império Brasileiro, surge a República com a difí- pela boa moral interiorana muitas vezes passa pelo crivo dos
cil missão de laicizar a população, e para laicizar a população mais ricos que nunca se responsabilizaram pela armadilha
é necessária a educação formal como fonte de conscienti- do jogo político. Muitas vezes, ricos e milionários gostam
zação de seus direitos e deveres diante do Estado. É como de protestar como se também fossem parte do povo; mas na
se fosse a Igreja catequizando seus fiéis, e assim o laicismo hora de ganhar, são, sim, senhores dos modos de produção.
precisa do Estado educando seus cidadãos. Trata-se da política de império sem imperador.
Por mais que as elites econômicas desprezem o pen-
samento socialista-marxista, ou qualquer outro tipo de
comunismo, a debilidade do capitalismo nacional diante da
inflação e do desemprego, faz ruir as esperanças mais con-
servadoras, e de alguma maneira o povo brasileiro possui REFLEXÃO:
uma espécie de esperança de algo no subconsciente. Sim,
pois a vontade de mudança sempre fez parte de nossa his- Os parafusos e o choro, de nada adiantam mais
tória, e de alguma maneira somos um pouco suscetíveis às os absurdos dos homens, precisa-se das palmas
mudanças políticas e sociais dos estadunidenses. O fim da vazias sem nenhuma natureza aliada à imaginação.
escravidão no Brasil precisou de uma canetada dos norte- Há sempre alguém que acredita no nítido e no per-
-americanos, pois temos a mania de defender os ideais ian- dão da geometria. O espaço onde todas as flores do
ques. Infelizmente, precisamos também ser democratas ou céu são inocentes, o alívio com o desmaio perma-
nente, a burguesia de azul e os nobres de branco, de
republicanos, uma vez que a TV já iniciou o processo de bege somente aqueles que acreditam em algo biô-
mostrar a importância das eleições norte-americanas. Penso nico. A loucura para defender as armas de bronze,
que, em breve, talvez seja uma eleição mais importante do o arranjo mal feito pela baderna do bastardo. E
que a nacional. Infelizmente, somos dominados sócio-polí- todos sabem clamar que a bruxa é uma princesa.
tico-economicamente, restando apenas a dominação militar.
Esse triste processo começou com a era Collor. Já há indícios
em nosso cotidiano da influência das eleições norte-ame-
ricanas, ou seja, quando é democrata vivemos de um jeito,
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urbana, não são dados à escolaridade laica, não são dados
CULTURA DE SANTA CATARINA a alguma renda familiar, e a visão sobre a ordem da vida é
muito contrária à visão da sociedade branca. Ora, por mais
As fronteiras e a dimensão territorial de Santa Catarina que o país tenha dívidas, até espirituais, diante dos índios,
são um resultado de um processo histórico recente. Em 1916 o que parece ocorrer é um genocídio tão natural quanto o
o oeste catarinense e parte do planalto norte foram incorpo- poder de ganância da sociedade.
rados ao estado. Já os Guarani, Kaingang e Xokleng defini- No entanto, nunca houve uma política de proteção aos
ram seus territórios a partir de outros limites, que em nada índios do território nacional, pois parece que a civilização
lembram a geografia catarinense contemporânea. não esquece a guerra de maneira alguma. Presidentes que
A estupidez da inexistência dos índios para os brancos é ao pensarem numa maneira de como a sociedade poderia
de assombrar a terra com fantasmas. Delimitam-se as terras corrigir seus erros, fazem é zombar da simplicidade do povo
brancas a partir da destruição do natural, pois a ganância indígena. Os grandes latifundiários nunca perdem a capaci-
fala mais alto do que o positivismo de ordem e progresso. dade voraz através de leis e constituições. Pouco importa se
A sociedade segue engendrando a morte, esquecendo-se de estamos em terras indígenas, pois estamos no Brasil sobe-
valores sobre a vida. O que deveria ser o certo como socie- rano e desde sempre parece que a ordem é pavimentar o
dade, já é tão difícil depois de tão próximos do fim. A socie- planeta.
dade tem a mania de esperar pelo fim do mundo, sendo que Os estados da federação agora, em pleno século 21, estão
o fim do mundo já existe para a grande maioria dos índios tentando encontrar uma identidade cultural; alguns já pos-
desse país. O completo rompimento de um tratado de paz suem as suas características marcantes, mas deve-se enten-
entre brancos e índios já está muito exposto às leis naturais der que em cada região a cultura tradicional não pode sur-
do livre mercado. Há ainda muito pouco, e todos nós temos gir sem os efeitos do povo negro e indígena, e atualmente
ao menos alguma culpa nesse genocídio. também somos cosmopolitas.
A população branca segue sufocando as condições natu- Santa Catarina é um estado que, pela história do
rais de vida dos índios, e a falta de terra pela sobrevivência Contestado, marca a vitória do mais forte diante do povo.
segue normalmente. Ao que parece, para os poucos 16 mil Se fôssemos escrever um drama ou um épico catarinense,
índios de Santa Catarina, a luta pela sobrevivência passa por certamente o povo perderia sua glória.
ter que aceitar as condições de cultura e vida dos brancos, É dessa mania de derrota que a escolha do laicismo é às
ou seja, aceitar que também pertencem à Quarta Revolução vezes menor do que a religiosidade. Pois se o Estado é laico,
Industrial e terem que se sujeitar a serem uma espécie de ele precisa então de cidadãos educados diante das áreas do
escravos da civilização. Pois é normal o esgotamento dos conhecimento humano, pois sendo educados dessa maneira,
recursos naturais, a civilização segue se aproximando e des- saberão reagir diante das grandes discussões que envol-
truindo aos poucos as florestas e os rios. São mais discrimina- vem o Estado. Mas da forma como nos é apresentado o lai-
dos do que os negros, pois não são tão dados à sobrevivência cismo, parece que torna-se nítido que o Estado separa seus
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cidadãos, e o ensino superior não basta para alguém se rea- normal. A maneira como a mídia dessas igrejas celebra o
lizar como cidadão. Parece haver uma diferença entre cida- capitalismo é algo pavoroso: O pastor intermedeia o relato
dão e povo. Cidadão parece ser aquele que de uma maneira de pobres que da noite para o dia ganharam milhões. Um
ou outra se serve dos mecanismos do Estado para alguma verdadeiro culto ao nosso atrasado e selvagem capitalismo.
ação do seu proveito. Cidadão é aquele que dentre a maioria, Sempre há o relato de alguém que ganhou milhões de reais
consegue de alguma maneira acionar a política do Estado, em pouco tempo. Nisso, no dia a dia, cresce a desventura da
como também consegue acionar a sociedade e a economia. mentira, da ignorância, da soberba, da covardia, da injustiça,
Cidadão parece ser aquele que está envolvido, seja social- da maldade… Como ninguém quer ser pobre num mundo
mente, politicamente, economicamente, culturalmente ou de milionários, então o aumento de crimes na cidade tor-
militarmente, com a família que exerce o poder executivo, na-se comum e rotineiro. E onde está o laicismo diante de
seja federal, estadual ou municipal. E aqueles que não par- megaempresas midiáticas (televisões e rádios evangélicas),
ticipam desse movimento muitas vezes podem ser tidos e de aproximadamente 18% de deputados evangélicos? Qual
como parte do povo, e não cidadãos. Por isso, ser trabalha- a proximidade das religiões com o poder? Alguma religião
dor de carteira assinada pode pouco valer para a cidadania o Estado tensiona para o máximo, pois as religiões dialo-
do indivíduo, pois ele não pertence a esses círculos sociais. gam com poderes espirituais e poderes terrenos; elas não
Exemplificando, um empresário, amigo do governador, existem somente para as tensões espirituais. O laicismo pre-
pode muito bem ser tido como cidadão, aquele que per- cisa manter as aparências da diversidade religiosa, mas não
tence às rodas de decisão política. Sendo assim, o trabalha- consegue interromper a capacidade de algumas religiões de
dor, para fazer valer alguma lei sua, dependerá amplamente usurparem poderes centrais para a formação de um Estado
de sindicatos e partidos, pois a cidadania por ele mesmo, tendencioso. Ora, os evangélicos sabem ensinar muito bem
trabalhador, não pode ser exercida sem alguma representa- a cartilha do vale tudo por dinheiro e a mentira é algo cor-
tividade. Por isso muitas vezes se diz que aquele que é tido rente entre os fiéis, pois diante da lei do mercado vale tudo,
como pobre e vota na Direita é um alienado, pois as Direitas inclusive mentir. E os mais jovens!? O que fazem quando
representam os interesses aristocráticos e oligárquicos. percebem-se rodeados por “milionários” em cada canto de
Fala-se muito sobre a laicidade do Estado, mas pouco se esquina?
diz dos representantes políticos das igrejas evangélicas e a Sim, muitos vão dizer sobre a dominação sagrada que o
maneira como conquistam seus mega canais de mídia: pouco laicismo tenta eliminar. A tradição do que é sagrado muitas
é mostrado sobre a licitude dessas instituições. A maneira vezes esconde a capacidade das elites de dominarem mais
como tratam as religiões de cunho africano também se torna facilmente. Mas recorrer, sacramentando o livre mercado
poeira no vazio. Da derrubada do Muro de Berlim para cá, como uma lei de salvação parece ser loucura. Antes a lei
alguém se arrisca a dizer que o Brasil não é evangélico? comum, não matar e não roubar, do que a extravagância
Decisões e fatores midiáticos transformaram o dinheiro ou do capitalismo ensurdecedor. Ou seja, estamos mesmo
o poder econômico em algo ainda mais relevante do que o vencendo a Deus? A opulência da riqueza dos outros é tão
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agradável assim? Somos uma sociedade tão espetacular sempre precisaram de Jesus, mas o que está acontecendo
quanto os norte-americanos. Não precisamos do belicismo é a valorização do capital que vai além dos ensinamentos
ianque para sermos respeitados. Somos uma sociedade res- sagrados. Por dinheiro, corre-se o risco de tornar-se um
peitadora do nome de Deus, mas nesses tempos de super- sonhador em vão. Pois numa sociedade corrompida pelo
capitalismo a maioria está se esquecendo desse nome, tão lucro e pela usura, muitos sonhos surgem diante de todos, e
poderosa é a lei do mercado. a maioria se entrega ao abandono da sorte por dinheiro. A
Ora, a existência da dominação parece não preocupar o pirâmide social beneficia sempre aquele que está instituído
laicismo. A dominação da mistura da riqueza com o nome como poder, e muitas vezes o sonho torna-se inútil, pois
de Deus preocupa mais ainda, pelo simples fato de não temer tal sonho único é a morte da maioria. Logo, todos passam
qualquer tempo de fraqueza. Ou seja, sejamos todos ricos a sonhar com a morte. Por exemplo, imagine uma porção
sem nos importarmos com a que preço. A usura e o lucro de jovens, todos muito amigos; quando um deles apresenta
não deveriam ser tão comuns no dia a dia de um povo. Se uma riqueza que transcende aos outros, em pouco tempo
assim está, então estamos negando a todo instante as pala- todos também buscarão a riqueza que transcende, uma
vras de Deus nessa terra. Pode-se negar tudo, mas não se riqueza material fora do comum. Pois a riqueza do primeiro
nega a espiritualidade, pois é dela que o mais humilde se é uma espécie de incômodo que podemos chamar de morte.
serve para não ser escravo do mais forte. E a espiritualidade Quando o dinheiro é o verdadeiro valor da sociedade, a vida
faz parte de como enxergar qual é a entidade divina maior passa a ter preço, afinal por muito pouco a morte passa a
dessa terra, chamada Brasil. Deus Cristo. Pode-se não que- valer mais.
rer, pode-se abraçar todas as divindades orientais e ociden- A influência da dominação excessiva não depende muitas
tais, mas Ele é o maior no lugar a que chamamos Brasil. É vezes somente de dinheiro, em outras ocasiões a sorte da
Ele quem por evidência própria conhece a capacidade do dominação está numa hierarquia social: aquele que manda
inimigo de querer e buscar nosso mal. E parece que estamos e aquele que obedece. Das nuvens do lucro e da usura sur-
sendo assim, contra os Seus ensinamentos. A usura e o lucro gem dominações também políticas que podem desfragmen-
já fazem parte do cotidiano de todos, pois parece que todos tar uma posição já estabelecida. E assim nem sempre a von-
acordam todos os dias para viver e sonhar o sonho milioná- tade de dominar é estática, pois se de um lado um domina,
rio. Sinto muito, mas essa palavra milionário não tem como do outro também.
se alinhar com Deus Cristo.
Todos sabem que na sociedade há toda e qualquer espé-
cie de dominação, seja ela econômica, social ou política.
Aqueles que ocupam funções inferiores sempre precisarão
de mais espiritualidade do que os outros, pois se ele entra
num jogo em que o capital é tudo, em pouco tempo pode
perder a honra muito facilmente. É por isso que os pobres
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da economia nacional, os costumes vão se tornando iguais:
todas, tanto São Paulo como Porto Alegre, possuem a pizza
italiana, o sushi japonês, o hot dog estadunidense, o uísque
REFLEXÃO: inglês, a feijoada carioca. Então, pensamos que qualquer
cidade grande seja cosmopolita, uma reunião de todas as
A asa áspera voando sobre a boa-fé feita de culturas.
bronze e aço, o concreto antigo acostumado com O que parece acontecer nesse século 21, é uma predomi-
as novas construções. A imaginação é um pouco nância da história da cultura urbana no mundo. E assim, o
do futuro que ainda respira em nós. Por que ser mercado começa a regular a cultura e começa a regular os
artificial sendo que a escuridão é única? Nem mar- costumes. Para isso os verdadeiros costumes do Sul estão
chando pelos vales da mesmice encontraremos a tornando-se antigos, costumes de gente atrasada. Isso acon-
paz, a paz que está nas mensagens, que está na tece devido ao estabelecimento de uma modernidade tardia.
natureza, que está no sublime. Sabe-se que o nega-
tivo não tem número, mas o abraço é possível de Por isso a identidade de um povo precisa estar bem estabe-
frases. lecida diante da ocorrência do livre mercado, pois mesmo
forte, a cultura gaúcha parece estar num processo de pere-
cimento, assim como a cultura de outras regiões. Pois um
país, para ser bem sucedido socialmente, precisa estabelecer
sua cultura, impondo-a de dentro para fora. Tentando sim-
CULTURA DO RIO GRANDE DO SUL plificar, são os chineses que precisam admirar o bom chur-
rasco gaúcho, e não os gaúchos experimentarem o yakissoba
Uma cultura somente se torna identidade de um povo chinês. A cultura precisa ser essencial na identidade de uma
se houver tradição, e para haver tradição precisa haver his- região para haver algum domínio capital. Veja o caso do
toricidade, ou seja, as artes e os costumes de um povo que estabelecimento da cultura inglesa em nosso dia a dia. Para
atravessam gerações. A cultura gaúcha, assim como a cul- se ter um bom emprego precisa-se falar inglês fluentemente;
tura dos outros estados do país, se serve da cultura rural ou a música inglesa já faz parte da nossa cultura urbana; e para
interiorana, em que é preciso haver algum contato com a meio entendedor de teatro, teatro é Shakespeare…
terra, os instrumentos e equipamentos no manejo da terra e A cultura urbana segue politizando-se de uma maneira
dos animais. Logo, a música e as belas artes são introduzidas cosmopolita, são pensamentos nulos que se encontram,
para espelhar o cotidiano de um povo. pensamentos divergentes e convergentes a todo instante na
Agora, o que esperar dos costumes e das artes nesse atual cidade, isso sem dizer que a televisão homogeneíza a cultura
movimento urbano? Porto Alegre terá muita semelhança da forma que bem entende. E assim, perdemos a disputa
com São Paulo, pois a lógica da arquitetura urbana faz pen- mercantilista, pois pouco nos damos para valorizar nosso
sar dessa maneira, que visualmente Porto Alegre é parecida modo de vida. Ser sertanejo é bom, desde que trajado igual
com São Paulo. E cada vez mais, com essa completa abertura a um texano; já a botina não vale muito como status pessoal.
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Há muitos Rio Grandes do Sul devido à multietnia dos devasso: então, como vitorioso, ele canta a morte.
seus imigrantes, negros e índios; mas precisa haver harmo- Grande parte dos imigrantes que se instalaram no Sul do
nia entre essa multicultura, e quando se fala sobre harmonia país, vieram por causa do desemprego que a industrialização
de um povo, fala-se em economia, mas como estamos dis- da Europa gerava. Sim, o Brasil era para ser o país do futuro
tantes de ver no Sul e no Brasil uma economia planificada, desde que não houvesse nenhum tipo de modernização tar-
estaremos sempre assistindo de braços cruzados nossa fra- dia. Se por um encanto impossível não houvesse a indus-
queza mercantil. E uma Quarta Revolução Industrial segue trialização no mundo, e a vida rural fosse predominante, o
homogeneizando o padrão do ser humano no mundo. E Brasil seria uma potência. Pelo tamanho do território, o país
sempre é bom lembrar: fraqueza emocional parece ser para ficou muito marcado pela abundância agrária.
os fracos, e não algo comum na identidade do ser humano. O Sul tem muito de Alemanha e de social-democracia,
O fato de haver aqui a existência dos índios antes mesmo e os imigrantes sempre fizeram muito para destacar suas
dessa terra ser chamada de Brasil, fez com que o mundo culturas. Muitas vezes enxerga-se o Sul mais politizado do
rotulasse o Brasil de “terra de ninguém”. Uma terra que já que as outras regiões. O perigo do racismo nascente des-
tinha uma cultura estabelecida foi sendo dominada aos pou- tas políticas acaba fortalecendo o pensamento de separa-
cos por aventureiros. A colonização dada através da explo- ção, tanto que na região sempre há uma minoria separatista.
ração da terra fez com que esse país fosse a porta de entrada Parece prevalecer a ideia do racismo mais franco do que
de muitos bandidos da época. Ora, se é uma terra de nin- nas outras regiões. Por isso há diferenças marcantes e sem-
guém, então parece que algum dia será terra de alguém, pre perigosas para a constituição de uma nação. A fusão de
o sonho encantado brasileiro, o Brasil, país do futuro. Na imigrantes italianos e alemães fez surgir um pensamento de
lógica, nosso eterno sonho messiânico que fabrica vilões em engajamento político de Direita, e assim, em várias classes
demasia, terra de poucos heróis. Uma cultura que vibra na sociais, há uma espécie de nuvem social-democrata, que se
sensação de instaurar uma ditadura a cada novo governo. enxerga pairando de vez em quando sobre a população. E
Nossa mania de querer mandar em tudo. às vezes torna-se uma ameaça, por causa da esperança do
A dizimação dos índios continua ainda hoje. Se pudésse- messias político, pai dos pobres, que começou com Getúlio e
mos aceitar que a cultura deles é a vanguarda de um melhor atualmente com Bolsonaro, é o constante perfume das dita-
mundo, seríamos a nação mais respeitada das Américas. duras. Não que o político popular seja perigoso, mas a nossa
Muitos querem ser veganos, e caso se aproximassem dos democracia ainda é um pouco sensível, e figuras políticas
índios veriam que a terra naturalmente abençoa nossa con- muito populares podem enfraquecer o conjunto democrá-
dição humana. Somente seríamos melhores do que a Europa tico. É que a desvalorização do trabalho fortalece esse tipo
se houvesse uma tradição de combinar a cultura indígena de político messiânico.
com nossas técnicas brancas. O cuidado da relação íntima Mesmo diante desse pensamento social-democrata e neo-
com a terra talvez fosse uma espécie de inteligência emo- liberal há ainda hoje em pequenas cidades o modo de vida
cional. O destino fez cruzar o povo mais devasso com o colonial brasileiro, a agricultura exercida de modo arcaico.
povo mais sereno, e dizimar o natural pertence ao íntimo do Veja a distância do tempo nesse chamado dois Brasis, alguns
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vivendo como se estivessem no século 19, e outros na super- arte dedicada ao conhecimento regrado; já os artistas das
modernidade digital do século 21. Há lugares que onde nem grandes corporações do planeta preocupam-se em demasia
a televisão chegou ainda, e a economia é arcaica, depende do com ganhos milionários. Empresários mais movidos pelo
tempo e dos animais de tração. Contudo, onde está a virtude desejo da sustentabilidade do que do lucro e da usura, e que
entre esses dois extremos? Pois nem o cidadão do século 21 dedicam o tempo para unir o povo em busca da verdadeira
consegue viver através do século 19, como o simples lavra- identidade de que o Estado é do povo, e não de uma minoria
dor do século 19 também não consegue viver dentro das oligárquica.
artimanhas do século 21. Mas algo é mais provável de acon- Uma sociedade socialista não precisa de cinco por cento
tecer, o super livre mercado começar a entrar também nesse da população consumindo como se fosse cinquenta por
Brasil arcaico. Provavelmente, o século avança produzindo cento, enquanto os outros cinquenta por cento precisam do
novas feras para o comércio que responde com dinheiro às contrabando e do mercado informal para sobreviver. Para
súplicas diante de Deus. uma sociedade mais equilibrada o trabalho de cada um é a
O encontro desses dois Brasis pode ser explicado como sua perfeição. Eu não preciso de uma caneta de alto luxo,
algo próximo à morte. Pois se nessas cidades pequenas a porque a velha BIC me serve muito bem. Muitas vezes aque-
economia está simplificada e regulada através do trabalho, les que precisam do luxo são escravos da própria mente, são
ou seja, todos possuem o ganho mais equilibrado, não há pessoas pouco práticas e muitas vezes lidam com pensamen-
exageros nem na produção e nem nos ganhos. Todos cele- tos de origem ordinária. Buscar o equilíbrio social e econô-
bram a vida sem as técnicas da cidade grande e não há o mico é a chance dos mais fracos tornarem-se cidadãos. É
desequilíbrio de sonhar alto como na cidade grande. Então ajudar o outro, que ajuda você.
o que é importante no dia a dia é a colheita, o pão, o leite, o Sim, uma sociedade socialista é menos rica que uma
café, o fumo… não há aquele desespero para envaidecer-se sociedade capitalista, mas todos trabalham e não há incer-
com o smartphone mais caro e nem o automóvel impor- tezas sobre o futuro, pois o futuro é hoje. Diminui profun-
tado. A vida é regrada com pouco, mas esse pouco já traz damente a chance da vaidade, da inveja, da ganância, do
satisfação. Agora, quando essas vaidades da cidade grande egoísmo… É a verdadeira chance de uma nação tornar-se
adentram as cidades menores, o luxo passa a ser a atração nação, pois o outro é como você, ele não é nenhum lunático
principal e a novidade é o mundo do grande mercado. E se vindo do cinema.
antes o leite de manhãzinha era a sensação do dia, hoje essa Ora, se a lei do mercado é tão melhor assim, então libe-
sensação é folhear as revistas de celebridades. rem as armas, pois todos os homens têm culpa diante do
Muitos reclamam que os governos socialistas trazem a outro. Parece que somos realmente inimigos uns dos outros.
miséria. Sim, se usarmos como ponto de referência a mega- Parece que somos suseranos e vassalos no mesmo instinto.
lomania do capitalismo, o socialismo torna-se pobre. Mas a Ora escravo do poder, ora senhor da ordem. Às vezes, esta-
grandeza do socialismo está no alcance de uma sociedade mos levando a ordem e progresso a sério demais.
mais equilibrada, de uma sociedade mais autossustentável,
com artistas mais preocupados com a intuição e com uma
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São assim as escolas, sempre de joelhos diante dos mer-
cados, e essa é a certeza do que fortalece o antinatural. É a
escola quem deveria bater no mundo, e não o contrário.
REFLEXÃO: Ser virtuoso, é o que a escola ensina, e isso é ser odiado
e invejado pela maioria; de nada adianta a boa conduta se
A menta que refresca as ideias e os ideais pode todos te odeiam. Então a palavra certa é o individualismo,
ser a mazela da música, não esconde o monossí- já que se vive diante da lei: a diversão de um homem é o
labo oculto da narrativa do outono. Tantos absur- inferno do outro. Acreditar no individualismo parece ser
dos mas mesmo assim pode-se escutar o choro febril a regra de que ninguém se esquece. Se vive dessa maneira,
inimigo. Os ares do dia que nunca chegam para então o mal são os outros, pois mesmo que você seja um
descansar a alma, os ares do dia que nunca lavam o louco assassino, o capitalismo engendra que o mal são os
pensamento anterior, os ares do dia que ainda hoje
ninguém sentiu. A borboleta perdida na bonança, outros. Deve haver algum tipo de lei superior em que os
perdida no concreto, perdida no bronze. O artista virtuosos não são tão virtuosos. E aquele que nasceu pobre e
sem asas querendo voar de arrependimento para a tornou-se rico pode muito bem ser visto como um virtuoso,
batalha e para a baderna. mas parabenizar o outro é um imperativo contra a própria
alma, pois o inferno são os outros. Acreditar na vida dessa
maneira é bestial e enlouquecedor, mas parece ser a única
solução para não levar uma pedrada a cada dia. Tornar-se
rico e milionário, muitas vezes pode ser como viver debaixo
CONSIDERAÇÕES FINAIS da propaganda da riqueza e da felicidade, mas alguns vícios
ainda persistem.
Por mais que haja boas escolas, não adianta elevar o pen- A atenção num mundo cada vez mais ganancioso pode
samento laico diante de um livre mercado selvagem, em que ser apenas não errar, e não errar é impossível, porque não
nada pode ser considerado útil se não houver o lucro. As é humano. Atenção hoje, atenção amanhã. Atenção àquele
escolas parecem ensinar o oposto do que realmente existe. de quem se está próximo, atenção a todos. Quem precisa de
Responsabilidade social ou sustentabilidade possuem valor atenção, normalmente, tem medo de correr riscos, mas pre-
somente nas escolas, pois essa é ainda uma reivindica- cisa ter em mente que os riscos existem mesmo com aten-
ção social diante da vigência das empresas e instituições. ção. A atenção precisa ser permanente, não somente sobre
Frequentemente, não há como aproveitar muito do que as dinheiro e finanças, mas também diante da espiritualidade
escolas ensinam, pois o mercado é a dura realidade das esco- escolhida como certa. Atenção também com a espirituali-
las e universidades. Se existe alguma aliança entre universi- dade, ou aquilo que acredito que seja o certo, ou a vida pode
dades e instituições privadas, essa aliança provavelmente é se tornar um eterno erro.
valorizar a lei da oferta e da procura de empregos para assim A memória tornou-se parte da loucura, pois ela revela
baixar salários. a relação do homem com o que é antinatural (a relação do
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homem com a religião, as artes, o fanatismo, os objetos, o filmes infantis, estimula o pensamento para os ideais exis-
amor e o sexo, os sentimentos, e o Estado). Em todas essas tencialistas. O carro do ano não é o bastante, o melhor é o
nuances de antinaturalismo há sempre uma forte atração carro importado. Aquilo que se tem, em pouco tempo perde
ou uma forte repulsão. E no sistema político no qual está o valor de imaginação. O mundo nunca se esgota do novo,
inserido não é garantida a sobrevivência de bons valores há sempre uma chance para ser e para ter. Não há tempe-
e sentimentos. O sistema da total liberdade de todos apri- rança. Não há continência. Parece ser o fim do amor entre
siona o eu exigente. A memória participa da vida diária, Adão e Eva.
agregando os valores passados com os transtornos recen- A intenção precisa ser outra, mas é sempre a mesma.
tes. Um exemplo: um aluno que foi reprovado no passado, Relaxe quando faltar, e não relaxe tanto quando sobrar. A
quando enfrenta novamente a má-sorte diante dos desígnios intenção de números, a intenção do outro, a intenção do
da vida, pode estabelecer isso como fraqueza e impotência amor-sexo. Mas na totalidade a intenção é o capital.
diante do espaço onde ele vive. Ou seja, não há segurança E com tantas guerras e conflitos atuais no mundo, há
numa sociedade que prioriza a segurança como base das quem diga que a hegemonia do capitalismo não foi o fim da
relações sociais. Terceira Guerra Mundial. A televisão precisa sempre escon-
Com o raciocínio tornando-se cada vez mais breve e der nossos erros comunitários. Hoje, estamos no melhor dos
rápido, temos também o uso constante de sistemas de alta mundos. É a propaganda do desenvolvimentismo. A vida
tecnologia aliados às perturbações comuns de uma cidade. parece tornar-se guerra no dia a dia, pois nada garante qual-
E vemos o valor do raciocínio tornando-se uma atividade de quer tipo de vida.
baixo custo e obrigatória para quem vive nos grandes cen- Se antes havia a poluição comum, hoje tudo parece ser
tros. Não se pode parar para pensar, no pensamento deve poluição, tudo que se faça parece ser poluição: poluição
estar inclusas outras atividades, ou o raciocínio é conside- visual, poluição luminosa, poluição sonora, poluição do
rado debilitado. Além disso, temos a inovação tecnológica ar, poluição de rios… Tudo realmente parece ser poluição.
mudando os hábitos e as influências sobre a capacidade Talvez chegue o dia em que teremos que reconstruir nossas
de aprendizado. Toda criança já é uma espécie de homem cidades, pois em tudo estão poluídas. Veja o caos visual dos
do futuro, pois a cultura normatiza as vontades diante das centros comerciais, uma confusão de cores que faz delirar a
expressões de alta tecnologia. Os mais velhos ficam à mercê percepção para o consumo. A poluição luminosa nas cida-
de uma separação tecnológica, pois não se prepararam para des faz a percepção trocar o dia pela noite, não há mais o
as constantes inovações da atual sociedade. Parece haver silêncio da escuridão. Parece ser um inferno dentro de outro
uma lei comum no atual sistema político que obriga todas inferno. A luz deixou de ser o sol. Não há mais o convite
as crianças a serem pequenos gênios já na infância. O racio- de assistir ao sol poente, pois a luz elétrica não deixa isso
cínio tornou-se a lei do mercado, do Estado e da família. existir. Até quando estamos dormindo há uma frequência
A imaginação talvez seja o principal ódio capitalista. A de produção em nossas vidas? A poluição dos sons, ouvi-
maioria é dada a sonhos e imaginações sobre o impossível. mos de tudo no desespero do crescimento econômico; até
A essência do cinema, tanto em filmes adultos como em a música está em fusão com o caos do barulho da cidade.
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O caos tornou-se a música predileta. Veja o quanto é difícil perceber que essa terra é verdadeiramente indígena. Somos
ouvir uma melodia mais doce em alguma estação de rádio. os caucasianos híbridos que não deram certo. O Brasil é
O ar tornando-se cada vez mais denso, cada vez mais preen- a potência econômica na região, mas não digam isso, pois
chido com outro elemento. E isso já acontece nas pequenas podemos cair em desgraça ao protestar contra os países mais
cidades. Como também os rios não se parecem tanto assim ricos do mundo.
com rios de água. Veja a estupidez de um rio dentro de uma Comunistas e revolucionários são vistos como loucos
cidade grande. pela sociedade, loucos por tentarem alcançar o que não se
Precisa-se de alguma maneira fazer o comunismo dentro alcança mais. Deve-se aceitar o fim do jogo para não ser tido
desse capitalismo galopante. Precisa haver uma comunhão como louco. A sociedade já está hipnotizada, parece não
que ainda nunca existiu. O caos parece ser a saída. Todos já haver mais maneira para mudar o rumo do sistema. Então
estão protestando diante de todas as mazelas: como é impos- a prioridade fica sendo o caos, pois não se aceita qualquer
sível eu protestar contra mim mesmo, então protesto contra vislumbre individualista. Aquelas pessoas que não possuem
tudo. Uma sociedade que espera ansiosa pelo fim do mundo. uma identidade política determinada, normalmente são vis-
É o desespero de que a maioria não consegue vencer os obs- tas como normais; é quase como estar em cima do muro e se
táculos do supercapitalismo. Crescimento econômico é o beneficiar com os dois lados. Normal é não ter partido polí-
crescimento do PIB, e decrescem nossos assuntos ambien- tico, normal é não buscar a mudança, normal é ser de centro
tais. Hoje, quem revira a miséria está procurando a riqueza e governista. Já que a extrema esquerda se parece tanto com
milionária. Ora, se todos nós somos milionários em nosso a extrema direita, ambas parecem anarquistas e individualis-
subconsciente, então não precisamos de mais nada, pois o tas. Anarquistas pois esperam somente o caos, o momento
subconsciente é a maior das nossas consciências: me faz ser, em que nada dá certo pra ninguém; é como esperar o dilú-
sem ser ainda. vio sobre a Terra. Individualistas porque a sociedade assim
Com a tecnologia que já existe hoje, não precisamos mais impõe sobre cada um, não se compartilha da tristeza do
de um legislativo, ou de deputados, ou de vereadores; pode- outro, porque já estamos tão carregados de tristeza sobre as
mos nós mesmos, em uníssono, votar o que queremos para nossas próprias costas.
este país, já que a tecnologia está revolucionando em todas Então, a Esquerda deveria pôr em prática o projeto polí-
as áreas do conhecimento. tico: as greves.
A integração da América Latina está causando efeitos Em tempos remotos de supercapitalismo, o Cão é isso: É
na política, na religião, na música e nas artes, mas o Brasil todos contra um, ou um contra todos.
continua de costas para a América Espanhola. Mesmo não
falando a mesma língua, o risco de governos ditatoriais é o
mesmo. Se a Esquerda avança, avança também em quase
todos os países, e se a Direita avança, também acontece o
mesmo. Mas temos mais coisas em comum, a dizimação do
povo indígena sul-americano. Somos egoístas demais para
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