INSTITUTO SUPERIOR DE CIÊNCIAS E EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
Faculdade de Ciências de Educação
Curso de Licenciatura em Ensino de Português
Trabalho de Campo Literatura Moçambicana
2º Ano, 2024
Estudante: Mércia Baptista Alberto. 41230708
Titulo:
“Os Momentos Distintos da Produção Literária Africana em Língua Portuguesa”
Tutor:
Inhambane, Setembro de 2024
1.INTRODUÇÃO
2. Desenvolvimento
Para analisar o último momento da produção literária moçambicana dentro das literaturas
africanas de língua portuguesa, conforme a classificação de Manuel Ferreira, podemos destacar
as seguintes características e autores:
Contexto Histórico e Cultural
O último momento da produção literária moçambicana desenvolveu-se no contexto pós-
independência, a partir dos anos 1980, marcado por profundas transformações sociais, políticas e
culturais. Após a conquista da independência de Portugal em 1975, Moçambique mergulhou em
uma guerra civil que durou até 1992. Este período de conflito e suas consequências tiveram um
impacto significativo na literatura, que passou a refletir as dores, os desafios e as aspirações da
sociedade moçambicana em processo de reconstrução.
Características do Último Momento Literário
Reflexão sobre a Guerra e o Pós-Guerra: As obras literárias desse período frequentemente
abordam as consequências devastadoras da guerra civil, incluindo a violência, a desintegração
social e os esforços para a reconstrução nacional. A literatura torna-se um espaço para a
elaboração dos traumas coletivos e individuais.
Exploração de Identidades Múltiplas: Os autores deste momento exploram questões de
identidade nacional e cultural, enfocando as tensões entre tradição e modernidade, rural e urbano,
local e global. A literatura se transforma em uma ferramenta para a afirmação de uma identidade
moçambicana multifacetada.
Diversificação de Gêneros e Temas: Há uma diversificação nos gêneros literários, com prosa,
poesia e ensaio abordando uma ampla gama de temas, desde questões sociais e políticas até
reflexões filosóficas e existenciais. A literatura torna-se mais introspectiva e complexa,
refletindo a pluralidade de experiências e perspectivas.
Emergência de Novas Vozes: Este período testemunha a ascensão de novos autores que trazem à
cena literária vozes anteriormente marginalizadas, como mulheres e jovens, oferecendo novas
perspectivas e narrativas que enriquecem o panorama literário moçambicano.
Principais Autores e Obras
Mia Couto: Um dos mais proeminentes autores moçambicanos deste período, Mia Couto é
conhecido por sua prosa poética e seu estilo único que mistura o real e o mágico, criando uma
narrativa que é ao mesmo tempo profundamente enraizada na cultura moçambicana e universal.
Obras como Terra Sonâmbula (1992) e O Último Voo do Flamingo (2000) são exemplos
marcantes da sua contribuição para a literatura moçambicana, explorando temas como a
memória, a identidade e as cicatrizes da guerra.
Paulina Chiziane: Considerada a primeira mulher a publicar um romance em Moçambique,
Paulina Chiziane explora em suas obras as questões de gênero, tradição e modernidade,
especialmente no contexto da vida das mulheres moçambicanas. Seu romance Niketche: Uma
História de Poligamia (2002) é uma obra-prima que examina as complexidades das relações
humanas e a luta das mulheres por autonomia em um contexto patriarcal.
Ungulani Ba Ka Khosa: Outro nome de destaque, Khosa é conhecido por obras que retratam a
história e a cultura moçambicanas com uma visão crítica. Ualalapi (1987) é uma das suas obras
mais reconhecidas, onde ele revisita a história do Império de Gaza, oferecendo uma perspectiva
alternativa à narrativa colonial.
Marcas Textuais que Caracterizam o Último Momento Literário
Mistura do Real e do Fantástico: Mia Couto é conhecido por seu estilo único, que mistura
elementos do realismo com o fantástico, criando uma atmosfera onírica e surreal. Em Terra
Sonâmbula, essa característica se evidencia na forma como as experiências traumáticas da guerra
são narradas com uma linguagem que transcende o realismo, quase como se os eventos fossem
sonhos ou pesadelos. A terra, como sugere o título, é "sonâmbula", adormecida e desperta ao
mesmo tempo, refletindo o estado de suspensão e incerteza vivido pelos personagens e,
simbolicamente, pelo próprio país.
Exemplo Textual: "O rio se fora embora. Como um bicho sumido em seu rasto, o rio partira sem
deixar recado. Na manhã seguinte, a terra sonhou o sono da chuva. Tudo pingava, nascendo
outra vez."
Este trecho ilustra como Mia Couto personifica a terra e a chuva para expressar a ciclicidade da
vida e da natureza, mesmo em meio à destruição.
Reflexão sobre a Guerra e suas Consequências: A guerra civil serve como pano de fundo
constante em Terra Sonâmbula. A obra explora não apenas as consequências físicas da guerra,
como a devastação das aldeias e o deslocamento das pessoas, mas também os impactos
psicológicos, como o desespero, a perda de identidade e a desintegração dos laços sociais.
Exemplo Textual: "O futuro nos esperava em forma de morte. Era isso que pressentíamos no
sopro do vento. Sentíamos que a vida se despedia de nós, cada dia mais."
Aqui, a presença da morte como um futuro inevitável reflete o desespero e a resignação dos
personagens, uma marca profunda da literatura produzida nesse contexto.
Identidade e Memória: A busca pela identidade é um tema central em Terra Sonâmbula.
Muidinga, por exemplo, não sabe quem é nem de onde vem, e sua leitura dos cadernos de
Kindzu é também uma busca por sentido e pertencimento. A obra retrata uma nação e um povo
tentando reconstruir sua identidade em meio aos escombros da guerra.
Exemplo Textual: "Muidinga não sabia de onde vinha. Mas o silêncio daquele lugar parecia-lhe
mais familiar do que todas as palavras que conhecia."
Este trecho destaca a perda de identidade de Muidinga e sua busca por um sentido de
pertencimento, algo que se reflete na experiência coletiva dos moçambicanos no pós-guerra.
Exploração da Linguagem: A linguagem em Terra Sonâmbula é rica em metáforas, neologismos
e regionalismos, refletindo a diversidade cultural de Moçambique. Mia Couto manipula a língua
portuguesa para criar uma voz única, que é ao mesmo tempo local e universal, capturando a
complexidade da experiência moçambicana.
Exemplo Textual: "No dia em que tombou a primeira pedra do passado, o tempo virou pó,
espalhado pelo vento."
Mia Couto usa a metáfora da pedra e do tempo como pó para expressar a fragilidade e a
efemeridade da memória e da história, temas centrais em sua obra.
3. Conclusão
Terra Sonâmbula é uma obra emblemática do último momento da literatura moçambicana,
caracterizado por uma profunda reflexão sobre identidade, memória e as cicatrizes da guerra. As
marcas textuais presentes na obra de Mia Couto, como a mistura do real e do fantástico, a
exploração das consequências da guerra, a busca pela identidade e a inovação linguística, fazem
dela um exemplo perfeito para a análise desse período literário. A obra não só narra a história de
indivíduos em meio ao caos, mas também conta a história de uma nação em busca de si mesma,
tornando-se uma peça fundamental para a compreensão da literatura moçambicana
contemporânea
4. Referências
Chiziane, P. (2002). Niketche: Uma História de Poligamia. Caminho.
Couto, M. (1992). Terra Sonâmbula. Caminho.
Couto, M. (2000). O Último Voo do Flamingo. Caminho.
Ferreira, M. (1987). Literaturas africanas de expressão portuguesa. Instituto de Cultura e
Língua Portuguesa.
Khosa, U. B. K. (1987). Ualalapi: Fragmentos de uma vida. Instituto Nacional do Livro e
do Disco.