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Analice Cardenas - DISSERTAÇÃO FINAL - 22OUT

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Priscila Pepe
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Analice Cardenas - DISSERTAÇÃO FINAL - 22OUT

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL


PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM POLÍTICA SOCIAL
MESTRADO EM POLÍTICA SOCIAL

ANALICE CÁRDENAS

MUDANÇAS NORMATIVAS NO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO


CONTINUADA (BPC): um estudo sobre a proteção social em tempos
neoliberais

NITERÓI / RJ
AGOSTO 2019
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM POLÍTICA SOCIAL
MESTRADO EM POLÍTICA SOCIAL

ANALICE CÁRDENAS

MUDANÇAS NORMATIVAS NO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO


CONTINUADA (BPC): um estudo sobre a proteção social em tempos neoliberais

Dissertação apresentada ao Programa de


Estudos Pós-graduados em Política Social da
Escola de Serviço Social da Universidade
Federal Fluminense – UFF, como requisito
parcial para obtenção do Grau de Mestre.

Área de Concentração: Avaliação de Políticas


Sociais

Orientadora: Profa. Dra. Mônica de Castro Maia Senna

NITERÓI / RJ
AGOSTO 2019
ANALICE CÁRDENAS

MUDANÇAS NORMATIVAS NO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO


CONTINUADA (BPC): um estudo sobre a proteção social em tempos neoliberais

Dissertação apresentada ao Programa de


Estudos Pós-graduados em Política Social
da Escola de Serviço Social da
Universidade Federal Fluminense – UFF,
como requisito parcial para obtenção do
Grau de Mestre.

Área de Concentração: Avaliação de


Políticas Sociais

Defendida em 29 de agosto de 2019.

BANCA EXAMINADORA:

Profª Drª Mônica de Castro Maia Senna


Orientadora
Universidade Federal Fluminense – UFF

Profª Drª Lenaura de Vasconcelos Costa Lobato


Examinadora
Universidade Federal Fluminense – UFF

Profª Drª. Sandra Aparecida Venâncio de Siqueira–


Examinadora
Escola Nacional de Saúde Pública – ENSP – FIOCRUZ

Profª Drª. Tatiana Araújo Fonseca


Examinadora Suplente
NEZO

Niterói - RJ

2019
Ao Rei dos Reis e Senhor dos Senhores,
Jesus Cristo,
quem me deu VIDA em abundância.
Agradecimentos

Os agradecimentos aqui expressam um profundo carinho por aqueles que de


alguma forma estiveram presentes em minha formação acadêmica no decorrer do
Mestrado em Política Social e nos impactos dessa formação como pessoa e em minha
vida profissional. Aqueles que tornaram a jornada mais leve e a vontade de vencer mais
intensa e me ajudaram a tornar possível este projeto e dar forma a outros. Muito
obrigada!
Agradeço sobretudo a Deus, meu sustento, refúgio e fortaleza. Quem me deu vida
em abundância e um NOVO caminho. Meu primeiro amor, autor da minha vida e
consumador da minha fé. Louvado seja o nome do Senhor! Para sempre seja louvado!
À minha amada mãe, quem muito sofreu e não desistiu de mim durante tantos
anos de dor. Muito obrigada por estar comigo nesse novo caminho. Por me apoiar e me
ajudar nos detalhes. Ao meu filho amado, Caio, por seu amor incondicional, carinho e
ternura. Meu amiguinho. Te amo demais, meu filho. Nunca desista de seus bons sonhos!
A minha irmã Juliana, guerreira, fonte de força e inspiração! Obrigada por cada
vez que me incentivou! Pelas boas ideias e novas perspectivas que possibilitou a toda
nossa família! A Elaine por fazer parte de nós e nos presentear com Cecília...
Aos meus tios e tias, em especial meu tio Mauro, o eterno menino.
A minha amada irmã: Thamyres Mariane (in memoriam). Minha vó Antônia (in
memoriam), quem muito orou por minha vida, junto com minha mãe, quando me
encontrava perdida e longe de casa. Aos meus avós Francisco Jaime e Neide Cárdenas e
Nair Lourenço (todos in memoriam), por me cuidarem e por conjuntamente financiar a
educação que tive. O amor não morre...Amo demais vocês! A Zeni Estevan Silva (in
memoriam), nas palavras dela: minha “vó preta”, quem me fez conhecer o BPC, após
uma longa jornada que traçamos juntas, me despertando por isso o interesse
epistemológico.
A Sônia Monnerat pelo carinho, incentivo, apoio e anuência. Muito obrigada
por todo carinho e cuidado dispensado à família Barbosa ao longo dos anos! Obrigada
pelo apoio pessoal desde a entrada na Universidade Federal Fluminense.
À minha estimada amiga, Diana Delgado, grande líder (essa mulher vai muito
longe!). Foi ela quem viu potencial em mim desde o começo, me chamando para estar
ao seu lado na SASDH, me ensinando com paciência. Quem me fez pensar em ter uma
“carreira”, me apoiou a seguir em frente, me ajudou em tantos momentos decisivos!
Nunca vou esquecer de como minha alegria foi sua alegria no processo de seleção e em
cada degrau alcançado. Muito obrigada, querida amiga, tem horas que todas as palavras
do mundo não expressariam devidamente a gratidão e nenhum gesto estaria à altura. Te
amo e admiro!
À Verônica Lima por ter me convidado para sua equipe, onde tudo começou!
Muitíssimo obrigada!
À minha orientadora querida, Mônica Senna, professora brilhante, militante,
grande mulher, amiga, quem acreditou em mim desde o começo, aceitando me orientar,
não deixando que minhas limitações me parassem. Obrigada pela paciência, carinho e
solicitude. Sua paixão como professora é fascinante! Nasceu mestra. Sua dedicação em
nos imprimir conhecimento de forma tão perspicaz, a dedicação no preparo de cada
aula, a dedicação dispendida nas orientações... Somente quem tem o privilégio de ser
seu aluno e orientando sabe! Aqui palavras também não traduziriam! Obrigada, nesse
caminho, você fez toda a diferença! Vejo a fidelidade de Deus em ter cruzado nossos
destinos. Perdoe-me por não conseguir me dedicar ainda mais. Você e as professoras
Lenaura, Luciene e Rita merecem alunos brilhantes...
À professora querida, Lenaura Lobato, professora e pesquisadora brilhante!
Pelos ensinamentos, pelas críticas, pelas boas gargalhadas após as reuniões do NAP e
conversas. Pela solicitude quando eu vinha “esbaforida” pelo corredor para requerer um
pouco mais de seus conhecimentos. Por suas maravilhosas aulas... pela acolhida, muito
obrigada!!!
À professora Luciene Burlandy, pelo seu carinho, dedicação e solicitude. Outra
professora brilhante e dedicada! Sua riqueza de conhecimento e dedicação em nos
passar material que venha corroborar com nosso objeto de pesquisa fazem toda
diferença. Muito obrigada!
À professora Rita de Cássia, por sua dedicação apaixonada pelas Ciências
Sociais, por me fazer olhar para meu passado sem dor... Tem sentimentos que um
professor desperta no aluno e não sabe... Muito obrigada!
À Professora Sandra Siqueira, por ter aceitado gentilmente fazer parte da banca
examinadora deste trabalho, pelas grandes contribuições que me foram dadas no exame
de qualificação e pela atenção que disponibilizou.
Aos colegas da minha turma do mestrado, em especial aos amigos do peito
Eliane, Thaís, Thiago (muito obrigada por cada momento, pela amizade e pelas
caronas), Cristiane e Tatiana, esses pequenos momentos ficarão para sempre. Obrigada
por partilhar das alegrias e dificuldades nesses dois anos.
À Monique, Glauber (alunos brilhantes!), Ingrid, Taís, Nathy, Andrea, Carla,
Sofia, Joice, Marcelo (militante ferrenho!). Cada um de vocês contribuiu para minha
formação pessoal e profissional! Sentirei saudades dos nossos momentos e jamais
esquecerei cada sorriso, a troca de ideias e saberes. Edson e Tiago do DAMK... obrigada
pela solicitude e carinho!
Às meninas da coordenação Ana, Flávia, Maira, e Mayara pela solicitude e
anuência em cada pedido. Pelo incentivo e apoio nas horas difíceis!
À minha grande amiga e pastora Mara Estela, por seu cuidado e dedicação sem
igual. Pelas orações, por acreditar em mim, por me incentivar a cada passo. Robson e
Rosangela Santana, pelo carinho e cuidado nesses últimos cinco anos! A Danielle Sá,
por sua amizade de irmã e por confiar em mim nessa sua nova etapa. Esse é só o
começo de um voo muito alto, irmã querida! Louvo a Deus por suas vidas e amizades.
À minha amiga querida, mestra e filósofa brilhante, minha “musa inspiradora”,
Ana Paula Bezerra de Miranda (Penélope Platão), pelo carinho, apoio e cuidado
conferido por sua amizade. Quem foi minha inspiração para o que para mim seria o
começo de um grande salto! Ela foi o que de mais belo o Eduardo me trouxe. Obrigada
por sua amizade, amor e ternura Eduardo Banks!
Ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Política Social, na figura de sua
ilustre coordenadora, Lenaura Lobato, pela acolhida e suporte sem o qual, em verdade,
jamais teria conseguido chegar ao final desta etapa!
Muito obrigada a cada um de vocês que compõe esse time de intelectuais e
militantes, que estudam para contribuir em transformar a triste realidade social nesse
Brasil de muitas Analices, Marias, Antônios e Joãos.
À CAPES, pelo financiamento sem o qual chegar aqui seria impossível.
“Fruto dessa banalização [da pobreza], a própria qualificação e
extensão da pobreza é pouco conhecida. Ela é introjetada em nosso
imaginário coletivo como algo natural, já que Estado e Sociedade
Civil se sentem impotentes para resolvê-la. As cifras que apontam a
pobreza - grau de subnutrição, habitações precárias, ausência de
renda, analfabetismo - acabam por fragmentar o fenômeno, mais
que clarificá-lo. Acaba-se mesmo esquecendo que a pobreza é
decorrência de um modo de produção que engendra a exclusão e a
desigualdade. Chega-se a inverter essa equação, entendendo a
pobreza como violação e violência. A pobreza banalizada tem a
vantagem de ser uma paisagem comum do cotidiano,
aparentemente conhecida e sobre controle. Camufla-se dessa forma
a sua barbárie” (SPOSATI,1995).
RESUMO

O Benefício de Prestação Continuada (BPC) constitui um importante mecanismo de


proteção social no Brasil. Instituído pela Constituição de 1988 (art. 203, inciso V) e
regulado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) de 1993, o BPC garante uma
renda mensal no valor de um salário mínimo aos idosos (65 anos ou mais) e às pessoas
com deficiência (PcD) que se encontrem em situação de extrema pobreza. Como parte
da política nacional de assistência social, o BPC visa a dirimir diretamente as condições
de destituição a que estão sujeitos esses segmentos específicos da população, por meio
do fornecimento de transferência monetária de renda. No presente trabalho, buscou-se
analisar as mudanças normativas no Benefício apreciando a legislação que o
regulamenta em momentos históricos de expansão e restrição “da cobertura” num
contexto de avanços e contenção do projeto neoliberal no Brasil. Por meio de pesquisa
documental, foram elencados, sistematizados e analisados os principais marcos
normativos do benefício desde a Constituição Federal de 1988 até o ano de 2018.
Pretendeu-se mapear as concepções de proteção social que fundamentam o BPC em
diferentes contextos sócio-políticos do Brasil pós-Constituinte, com base nos seguintes
eixos de análise: critérios de elegibilidade, conceito de família e de deficiência.
Entende-se que as alterações nesses eixos permitem demarcar diferentes fases de
implementação do benefício no país. Os resultados demonstram inovações significativas
na proteção social de idosos e deficientes extremamente pobres, sobretudo por inaugurar
a proteção social não contributiva. Ao longo do período examinado, observam-se
momentos de ampliação e outros de restrição nos parâmetros e mecanismos de acesso
ao BPC, com impactos na proteção social desses segmentos. A partir de 2016, em um
quadro de restrição econômica e fiscal e de crise política e institucional no país, novas
alterações normativas parecem recrudescer a legislação vigente. Não se alteram os
critérios de concessão, mas criam-se obstáculos ao acesso e concessão do benefício, na
medida em que se alteram os fluxos de entrada no requerimento de acordo com o
disposto pelo Decreto nº8.805/2016. Espera-se que os resultados da análise proposta
venham contribuir com a identificação das concepções de proteção social nos distintos
momentos históricos de implementação do BPC bem como à identificação de um
possível esvaziamento do conceito de proteção social nos anos recentes frente ao avanço
do ideário Neoliberal no Brasil.

Palavras-chave: Proteção Social, Benefício de Prestação Continuada; modificações


normativas, contexto neoliberal.
ABSTRACT:

The Continuous Cash Benefit Programme (BPC) is an important social protection


mechanism in Brazil. Established by the 1988 Constitution (art. 203, item V) and
regulated by the Organic Law of Social Assistance (LOAS), the BPC guarantees a
monthly income of one minimum wage to the elderly (65 years and over) and to people
with disabilities. (PwD) who are in extreme poverty. As part of its national social
assistance policy, the BPC aims to directly address the destitution conditions to which
these specific segments of the population are subjected by providing income transfers.
In the present work, we seek to analyze the normative changes in the Benefit
considering the legislation that regulates it and the normative changes in historical
moments of expansion and restriction of “coverage” in a context of containment and
advancement of the Neoliberal project in Brazil. It is intended to map the conceptions of
social protection that underlie the BPC in different socio-political contexts of post-
Constituent Brazil. To this end, we focus on normative changes in eligibility criteria
such as income, family and disability concept, with the propensity to identify the main
changes in BPC design in its historical trajectory, in order to demarcate different phases
of benefit implementation in the country. BPC, as the first non-contributory benefit in
Brazil ensured in CF 88, brought, in that context, a new conception of social protection
to the country, linked to the notion of social security and the process of
redemocratization, which altered the security logic that prevailed in Brazil since the
1930s. However, in the 1990s, the LOAS (Law No. 8.742 / 1993) and the
infraconstitutional rules that follow the charter eventually limit constitutional law.
Between 2003 and 2016, there are normative changes in the BPC that tend to expand
coverage and positively impact the widening of social protection along with other cash
transfer programs. Already at the beginning of Michel Temer's administration, new
normative changes seem to be reshaping the current legislation. The granting criteria are
not changed, but obstacles to access and granting of the benefit are created as the entry
flows in the application change according to the provisions of Decree 8.805 / 2016. The
present work is a qualitative research based on documentary analysis on the normative
production of the BPC and survey of secondary data on the historical series of
assistance benefit coverage. It is hoped that the results of the proposed analysis will
contribute to the identification of the concepts of social protection in the different
historical moments of the BPC implementation as well as the identification of a possible
emptying of the concept of social protection in recent years in view of the advance of
the Neoliberal ideology in the Brazil.

Key Words: Social Protection, Continuous Cash Benefit Programme; normative


changes, neoliberal context.
Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
LISTA DE SIGLAS

BPC BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTTINUADA

CABTR COMISSÃO DE ACOMPANHAMENTO DE BENEFÍCIOS E


TRANSFERÊNCIA DE RENDA.
CADÚNICO CADASTRO ÚNICO

CF/88 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

CFESS CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL

CID CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE DOENÇAS

CIF CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE FUNCIONALIDADE,


INCAPACIDADE E SAÚDE.
CIT COMISSÃO INTERGESTORES TRIPARTITE

CNIS CADASTRO NACIONAL DE INFORMAÇÕES SOCIAIS

COFINS CONTRIBUIÇÃO PARA O FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE


SOCIAL
CONADE CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA PESSOA COM
DEFICIÊNCIA
CONANDA CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE
CPF CADASTRO DE PESSOA FÍSICA
CNAS CONSELHO NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL
CNDI CONSELHO NACIONAL DE DIREITOS DA PESSOA IDOSA
CRAS CENTRO DE REFERÊNCIA EM ASSISTÊNCIA SOCIAL

CREAS CENTRO DE REFERÊNCIA ESPECIALIZADA EM ASSISTÊNCIA


SOCIAL
CRESS CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SOCIAL
CSLL CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO
CONGEMAS COLEGIADO NACIONAL DE GESTORES MUNICIPAIS DE
ASSISTENCIA SOCIAL
DATAPREV EMPRESA DE PROCESSAMENTO DE DADOS DA PREVIDENCIA
SOCIAL
DRU DESVINCULAÇÃO DE RECEITAS DA UNIÃO

FGTS FUNDO DE GARANTIA DE TEMPO DE SERVIÇO


FMI FUNDO MONETÁRIO INTERNACIONAL
FUNRURAL FUNDO DE ASSISTÊNCIA AO TRABALHADOR RURAL

IAP INSTITUTO DE APOSENTADORIAS E PENSÕES


IPASE INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA AOS SERVIDORES
DO ESTADO
IBGE INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA

IPEA INSTITUTO DE PESQUISA E ECONOMIA APLICADA


INAMPS INSTITUTO NACIONAL DE ASSISTENCIA MÉDICA DA
PREVIDÊNCIA
INPS INSTITUTO NACIONAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL
IO INSTRUÇÃO OPERACIONAL
LBA LEGIÃO BRASILEIRA DE ASSISTÊNCIA
LOAS LEI ORGÂNICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

LOPS LEI ORGÂNICA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

LOS LEI ORGANICA DA SAÚDE

MDS MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL

MTPS MINISTÉRIO DO TRABALHO E PREVIDÊNCIA SOCIAL

NOB NORMA OPERACIONAL BÁSICA


NOB-RH NORMA OPERACIONAL BÁSICA- RECURSOS HUMANOS

OIT ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO

OMS ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE

PASEP PROGRAMA DE FORMAÇÃO DO PATRIMÔNIO DO SERVIDOR


PÚBLICO
PBF PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA
PCD PESSOA COM DEFICIENCIA
PEC PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO
PGRM PROGRAMAS DE GARANTIA DE RENDA MÍNIMA
PIS POGRAMA DE INTEGRAÇÃO SOCIAL
PNAS POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

PPGPS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS SOCIAIS

PSB PROTEÇÃO SOCIAL BÁSICA


PSE PROTEÇÃO SOCIAL ESPECIAL

RMV RENDA MENSAL VITALÍCIA

SASDH SECRETARIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL E DIREITOS HUMANOS

SENARC SECRETARIA NACIONAL DE RENDA DE CIDADANIA

SNAS SECRETARIA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL


SM SALÁRIO MÍNIMO
SMAS SECRETARIA MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL
SSAS SUBSECRETARIA DEASSISTÊNCIA SOCIAL

SUAS SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL


ÍNDICE DE GRÁFICOS, QUADROS E TABELAS

Quadro 01: Benefícios oferecidos pelos IAPs nos anos 1940..................................... 63

Quadro 02: Cronologia das principais mudanças Pós-64 nas Políticas Sociais....... 68

Quadro 03: Regulamentação do BPC na Lei Orgânica da Assistência Social


(LOAS). Brasil, 1993................................................................................. 120

Quadro 04: Alterações introduzidas no BPC pelo Decreto nº 1.744/ 1995............... 122

Quadro 05: Alterações promovidas no BPC pela Lei Federal n° 12.435/ 2011........ 124

Quadro 06: Alterações promovidas no BPC pelo Decreto n° 7.617/ 2011................ 125

Quadro 07 Síntese das Modificações Normativas do BPC: Conceito de Família,


deficiência e incapacidade, critério de renda ao longo dos anos 1988-
2018............................................................................................................... 146

Quadro 08: Cronograma de Escalonamento da Suspensão de Benefícios................. 163

Gráfico 01: Série Histórica do número de BPC (PCD e idosos). Brasil, 1996-2018.. 133

Gráfico 02: Série Histórica do Percentual de incremento do BPC idoso. Brasil,


1996-2018..................................................................................................... 133
SUMÁRIO

Introdução.................................................................................................................................. 18

Capítulo 1: Os modernos sistemas públicos de proteção social ............................................ 23


1.1. Proteção social: uma breve introdução a alguns conceitos fundantes ......................... 23
1.2. Emergência dos modernos sistemas de proteção social .............................................. 28
1.3. Rumo a um novo padrão de proteção social: os Estados de Bem Estar Social ........... 34
1.3.1. Welfare State: a era de ouro do capitalismo mundial ......................................... 36
1.3.2. Welfare State em crise? ....................................................................................... 42

Capítulo 2: O sistema brasileiro de proteção social: trajetória histórica e desafios atuais 53


2.1. Trajetória histórica da proteção social no Brasil .............................................................. 53
2.1.1. Previdência e Assistência Social: origens da Proteção Social Brasileira ................ 57
2.1.2. Sistema de Proteção Social no Período Desenvolvimentista (1930-1980) ............... 60
2.2. A Constituição Federal de 1988 e a introdução da noção de seguridade social ............... 75
2.2.1. Concepções fundantes da Proteção Social no contexto da Constituinte................... 75
2.2.2. Seguridade Social: Um projeto inacabado ............................................................... 82
2.3. Proteção social no contexto de avanço do neoliberalismo (1990 a 2002) ........................ 84
2.4. Anos 2000: continuidades e mudanças na agenda da proteção social brasileira .............. 95

Capítulo 3: O Benefício de Prestação Continuada como mecanismo de proteção social .. 104


3.1. Programas de Transferência de Renda no Brasil............................................................ 104
3.2. O Benefício de Prestação Continuada como Política de Transferência de Renda .......... 109
3.3. O Benefício de Prestação Continuada e a Política de Assistência Social ........................112

Capítulo 4: Mudanças normativas na trajetória do Benefício de Prestação Continuada: o


que elas dizem sobre a proteção social no Brasil? ................................................................ 117
4.1. As principais normativas e alterações no BPC ................................................................117
4.2. Inflexões na proteção social a partir das normativas do BPC ........................................ 126
4.3. Inflexões nos anos mais recentes ................................................................................... 145
4.3.1. Desdobramentos relacionados à obrigatoriedade do CadÚnico............................ 157
4.3.1. Desdobramentos relacionados ao Decreto nº 9.462 /2018 ..................................... 159

Considerações Finais............................................................................................................... 165

Referências............................................................................................................................... 172

Anexos
Introdução:

O Benefício de Prestação Continuada (BPC) constitui um importante mecanismo de


proteção social no Brasil. Instituído pela Constituição de 1988 (art. 203, inciso V) e
regulado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), o BPC garante uma renda
mensal de cidadania no valor de um salário mínimo aos idosos (65 anos ou mais) e às
pessoas com deficiência (PcD) que se encontrem em situação de extrema pobreza.
Como parte da política nacional de assistência social, o BPC visa a dirimir diretamente
as condições de destituição a que estão sujeitos segmentos específicos da população,
idosos e pessoas com deficiência, por meio do fornecimento de transferência de renda a
parcelas muito pobres desse segmento (LOBATO, 2007:54).
A magnitude e alcance do BPC são impressionantes. Dados disponíveis na
Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI) do Ministério da Cidadania
indicam que em dezembro de 2018 o BPC atingia 4.651.924 de beneficiários, com um
repasse anual em 2018 no valor de R$ 52.583.300.326,72.
Na presente dissertação, buscamos apreciar a legislação que o regulamenta, dando
ênfase às modificações normativas em momentos históricos distintos – ora de expansão,
ora de restrição da cobertura – relacionados a contextos de contenção e de avanço do
projeto neoliberal. Nossa hipótese é de que tais mudanças expressam disputas em torno
de concepções distintas de proteção social e, nesse sentido, nosso objetivo é
problematizar as concepções de proteção social que fundamentam o BPC em diferentes
momentos sócio-políticos do Brasil pós-Constituinte.
O BPC como primeiro benefício não contributivo no Brasil assegurado na
Constituição Federal de 1988, trazia, naquele contexto, uma concepção de proteção
social até então inédita no país, vinculada à noção de seguridade social e ao processo de
redemocratização, alterando a lógica securitária que predominava no Brasil desde os
anos 1930 (SPOSATI, 2008). Entretanto, na década de 1990, a LOAS (Lei nº
8.742/1993) e outras normativas que se seguem à Carta Magna acabam por limitar o
direito constitucional, na medida em que estabelecem critérios restritivos de
elegibilidade ao BPC. Outras medidas adotadas no mesmo período, no entanto,
contribuem para expandir o escopo do benefício. Entre 2003 e 2016, há alterações
normativas no BPC que tendem a ampliar a cobertura e que impactam positivamente no
alargamento da proteção social, ao lado de outros programas de transferência de renda
19

(Lobato, 2007; Lobato, Burlandy, Ferreira, 2016; Jaccoud, 2017). No início do governo
de Michel Temer, novas alterações normativas parecem recrudescer a legislação
vigente. Não se alteram os critérios de concessão, mas criam-se obstáculos ao acesso e
concessão do benefício, na medida em que se alteram os fluxos de entrada no
requerimento de acordo com o disposto pelo Decreto nº 8.805/2016.
Diante dessas alterações, o presente estudo buscou examinar as mudanças
normativas no Benefício de Prestação Continuada (BPC), desde sua previsão no texto
constitucional até o ano de 2018, quando se encerra o mandato do presidente Michel
Temer. Selecionamos os critérios de elegibilidade e os conceitos de família e deficiência
como eixos centrais para a análise das principais mudanças no desenho do BPC em sua
trajetória histórica, de forma a identificar concepções de proteção social em disputa.
Qual era a concepção de Proteção Social no Contexto da Constituinte? O que
significava a previsão legal do BPC naquele contexto? Como ocorre sua
implementação? Houve alterações na concepção de Proteção Social em relação ao
BPC? Há resistências ou disputas em torno de sua implementação?
O estudo se pautou em uma pesquisa qualitativa baseada na combinação de
revisão bibliográfica sobre a temática, pesquisa documental referente à produção
normativa do BPC e levantamento de dados secundários a respeito da série histórica de
cobertura do benefício assistencial.
Segundo Gil (2002, p.44), “[...] a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com
base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos
científicos”. Esse tipo de pesquisa remete às contribuições de diferentes autores sobre o
tema, entendendo-as também como fontes secundárias. A principal vantagem da
pesquisa bibliográfica está no fato de permitir ao investigador a cobertura de uma gama
de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente
(idem, p.45). Sua finalidade é colocar o pesquisador em contato com o que já se
produziu e se registrou a respeito do tema de pesquisa. Assim, além de permitir o
levantamento das pesquisas referentes ao tema estudado, a pesquisa bibliográfica
permite ainda o aprofundamento teórico que norteia a pesquisa.
A pesquisa bibliográfica foi realizada através de busca no banco da Biblioteca
Digital Brasileira de Teses e Dissertações, bem como nas consagradas plataformas das
Universidades com linhas de pesquisa na temática como Universidade Nacional de
Brasília (Unb), Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e Universidade Federal
Fluminense (UFF). Os descritores utilizados foram “Proteção Social” e Benefício de
29

Prestação Continuada-BPC”. Optou-se pelas dissertações e teses feitas após 2006,


devido as modificações normativas ocorridas de 2007 até 2018. Os livros, textos e
artigos utilizados são de pesquisadores já consagrados no campo da Proteção Social
como Aldaíza Sposati, Ivanete Boschetti, Luciana Jaccoud, Maria Lúcia Werneck Viana,
Lenaura Lobato, Ana Luíza Viana.
Em relação à pesquisa documental, buscamos em Minayo (2008) alguns
elementos que possibilitaram compreender melhor o método aqui utilizado. A autora, ao
discutir o conceito e o papel da metodologia nas pesquisas em ciências sociais, imprime
um enfoque plural para a questão, haja vista que “a metodologia inclui as concepções
teóricas de abordagem, o conjunto de técnicas que possibilitam a apreensão da realidade
e também o potencial criativo do pesquisador” (MINAYO, 2008: 22). Esse fundamento
se aplica às pesquisas de um modo geral, bem como é também constitutivo no campo da
utilização de documentos. Portanto, a pesquisa documental é um procedimento que se
vale de métodos e técnicas para a apreensão, compreensão e análise de documentos dos
mais variados tipos.
Para Cellard (2008: 296) não é tarefa fácil conceituar o que seja documento:
“definir o documento representa em si um desafio”. Recuperar a palavra “documento” é
uma maneira de analisar o conceito e então pensarmos numa definição: “documento: 1.
declaração escrita, oficialmente reconhecida, que serve de prova de um acontecimento,
fato ou Estado; 2. qualquer objeto que comprove, elucide, prove ou registre um fato,
acontecimento; 3. arquivo de dados gerado por processadores de texto” (HOUAISS,
2008: 260). Phillips (1974: 187) considera que documentos são “quaisquer materiais
escritos que possam ser usados como fonte de informação”. Os documentos utilizados
são compostos por Decretos, Leis, Portarias, Portarias Interministeriais, Normas
Operacionais Conjuntas, que possuem em comum a finalidade de regulamentar e
operacionalizar o direito, acesso e manutenção ao BPC. Como se trata de matéria
jurídica é passível de múltiplas interpretações quando não são claramente definidas.
Observou-se ao longo dos anos como os conceitos, seus entendimentos e suas
configurações vão mudando e com isto possibilitando maior ou menor acesso ao
Benefício. Focamos nos critérios de elegibilidade e suas modificações porque
acreditamos que seu afrouxamento, bem como seu recrudescimento representem
determinadas disputas em determinados momentos históricos.
Os documentos aqui empregados e que têm suas modificações normativas postos
à apreciação tratam de dispositivos legais que instituem direitos sociais. São
21

dispositivos jurídicos que em execução dão materialidade ao direito de proteção social


devido pelo Estado a partir da CF/1988. Buscou-se perceber o que as alterações
normativas na regulamentação do BPC nos informam ao longo dos 30 anos de
Constituição Cidadã no contexto de avanço do projeto neoliberal. O estudo que se
pretende fazer é tecer um panorama da Proteção Social conferida pelo BPC em tempos
neoliberais.
Os dados que compõe a série histórica do BPC são oriundos de duas fontes
distintas. De 1996 a 2001, são provenientes de um estudo percursor impetrado por
Aldaíza Sposati (2008). Os que compreendem o ano de 2002 a 2018 são da Plataforma
SAGI-MDS, e se encontram também dispostos no Manual do Pesquisador do BPC,
disponível na mesma plataforma. Apresentamos dados referentes as duas categorias de
BPC (pcd e idoso), no período de 1996 a 2018 (competência dezembro) e 2019,
apresentamos também dados referentes ao montante pago ao longo dos 23 anos de
ambas categorias separadamente e de forma conjunta.
Para fins de exposição, essa dissertação está estruturada em quatro capítulos,
além dessa introdução e das considerações finais. No primeiro capítulo, tecemos
algumas considerações acerca do conceito de proteção social e de políticas sociais,
trazendo alguns dos principais autores desse campo no pensamento social brasileiro. A
seguir, no mesmo capítulo, é abordado o desenvolvimento histórico dos primórdios das
Políticas Sociais e do surgimento da Proteção Social no contexto mundial do que fora
convencionado chamar “Welfare State” e suas tipologias. Passamos no capítulo
seguinte, à análise de como o sistema de proteção social foi se conformando no caso
brasileiro ao longo do tempo, com o intento de contextualizar o momento de
institucionalização do Benefício de Prestação Continuada.
No terceiro capítulo, buscamos demarcar o Benefício de Prestação Continuada
como mecanismo de proteção social. Retratamos a Seguridade Social, a importância do
BPC na política de Assistência e no contexto dos Programas de Transferência de Renda.
No último capítulo, trazemos os momentos de inflexão em diferentes fases da
implementação através das mudanças normativas concernentes aos critérios de
elegibilidade que proporcionaram momentos de expansão e retração da cobertura.
Trazemos também as modificações mais recentes trazidas pelo Decreto nº 8.805/2016 e
pelo Decreto nº 9.462/2018 e suas alterações no fluxo e mecanismos de acesso
entendidas como barreiras num contexto de ajuste fiscal e avanço do projeto neoliberal.
22

Esperamos que esse estudo contribua com a identificação das concepções de


proteção social nos distintos momentos históricos de implementação do BPC e com o
atual panorama da ofensiva neoliberal com possível desproteção de seu segmento de
destinatários típicos.
23

Capítulo 1: Os modernos sistemas públicos de proteção social

Nesse capítulo, buscamos trazer alguns elementos conceituais e históricos sobre


os sistemas públicos de proteção social que tiveram sua gênese associada ao processo de
constituição das sociedades capitalistas. Entendemos que abordar essa temática é
relevante para desenvolver a argumentação central dessa dissertação de mestrado que é
o exame das mudanças normativas do Benefício de Prestação Continuada (BPC) em
anos recentes enquanto expressão de distintas concepções de proteção social em disputa
na sociedade brasileira.
Assim, iniciamos o capítulo com uma discussão conceitual sobre Proteção
Social, abordando também elementos que contribuem para a compreensão da noção de
política social. Apresentamos, em seguida, uma análise histórica da emergência e
desenvolvimento dos modernos sistemas de proteção social no mundo capitalista até
chegar ao momento de crise e reformas vivenciadas nesses sistemas.

1.1. Proteção social: uma breve introdução a alguns conceitos fundantes

Viana & Levcovitz (2005) afirmam que a proteção social está historicamente
associada às necessidades de segurança individuais e/ ou familiares. Essas necessidades
variam conforme cada contexto histórico, assim como as formas de enfrentar essas
necessidades. Daí decorre que um primeiro aspecto a destacar na definição de proteção
social é seu caráter histórico.
De acordo com Di Giovanni (2008), todas as sociedades humanas – mesmo
aquelas com estruturas sociais mais simples – desenvolvem sistemas de proteção social,
seja através de instituições não especializadas, seja com alto grau de institucionalização.
Nessa direção, o autor apresenta uma concepção ampliada dos sistemas de proteção
social, considerando-os como um fato social universal, na acepção de Émile Durkheim
(1895), que se encontram presentes em todas as sociedades humanas e podem ser
entendidos como conjuntos de relações e instituições perfeitamente delimitáveis. Com
base em Niklas Luhman, o autor apresenta a seguinte definição:
Assim, chamo de sistema de proteção social as formas – às vezes
mais, às vezes menos institucionalizadas – que as sociedades
constituem para proteger parte ou o conjunto de seus membros. Tais
sistemas decorrem de certas vicissitudes da vida natural ou social, tais
como a velhice, a doença, o infortúnio ou as privações. Incluo nesse
conceito também tanto as formas seletivas de distribuição e
24

redistribuição de bens materiais (como a comida e o dinheiro), quanto


de bens culturais (como os saberes), que permitirão a sobre vivência e
a integração, sob várias formas, na vida social. Incluo ainda, os
princípios reguladores e as normas que, com o intuito de proteção,
fazem parte da vida das coletividades. (Niklas Luhman apud Di
Giovanni, 2008: 57).

Para Viana & Levcovitz (2005), a proteção social consiste na ação coletiva de
proteger indivíduos contra riscos inerentes à vida humana e/ ou assistir necessidades
geradas em diferentes momentos históricos. De forma semelhante, Menicucci & Gomes
(2018) afirmam que um sistema de proteção social reflete a resposta distributiva que
uma dada sociedade dá para aquilo que ela reconhece serem as necessidades, riscos ou
problemas que são gerados socialmente.
A literatura que aborda a temática reconhece a existência de distintos sistemas de
proteção social ao longo de sua trajetória histórica. Di Giovanni (2008) destaca que nas
sociedades tradicionais, cabia à família ou ao clã a proteção de seus membros em caso
de doenças, velhice e infortúnios. E, conforme o autor, há uma tendência de que, quanto
mais complexa a sociedade, mais especializadas sejam suas instituições, entre elas as de
proteção social.
Entre os autores estudados (Di Giovanni, 2008; Viana & Levcovitz, 2005;
Menicucci & Gomes, 2018) é unanime o reconhecimento de que a constituição dos
modernos sistemas de proteção social remontam ao final do século XIX e início do
século XX, quando o Estado assume as funções clássicas de proteção social até então a
cargo exclusivamente das famílias, comunidades e associações filantrópicas e religiosas.
Tal mudança está imbricada à emergência das relações de produção capitalistas
associadas à Revolução Industrial e o consequente processo de pauperização de massa,
vis-à-vis a dissolução das relações tradicionais (Viana & Levcovitz, 2005). Nesse
contexto, às necessidades clássicas de proteção social associadas ao ciclo de vida e
infortúnios, agregam-se necessidades econômicas e sociais decorrentes das
transformações da ordem social.
Di Giovanni (2008) define como modernos sistemas de proteção social aqueles
que surgiram depois da unificação e da revolução industrial capitalista vivenciada na
Alemanha de Bismarck, nos anos 70 e 80 do século XIX, e se espalharam pela Europa
num período de 30 anos entre – 1885 e 1915, ainda que reconhecendo que suas origens
são mais remotas. De acordo com esse autor, os modernos sistemas de proteção social
foram além do enfrentamento da pobreza. Extremamente vinculados aos conflitos
25

sociais e à realidade econômica ao final do século XIX, esses sistemas não poderiam
também deixar de estar ligados, em seu desenvolvimento ulterior, das formas de
cidadania e de sua institucionalização. De acordo com Di Giovanni (2008),
diferentemente das formas de proteção precedentes, os modernos sistemas de proteção
social se diferenciavam por algumas características, a saber:

1. passaram a ser sistemas regulados por normas nacionais, emanadas pelo Estado;
2. as prestações e os benefícios por eles distribuídos cobriram riscos padronizados,
tais como acidentes, doenças, mortes ou desocupação dos usuários;
3. seu campo de aplicação (coberturas) não foi limitado a categorias profissionais
isoladas, mas dependiam de critérios mais gerais, que progressivamente foram
cobrindo faixas mais amplas de pessoas;
4. seu financiamento foi perenizado a partir de contribuições dos usuários
(segurados), do Estado e do patronato;
5. sua natureza foi obrigatória, o que implicou imposição de seguros para certos
grupos sociais, ou ainda, a obrigação dos poderes públicos de financiarem
programas voluntários;
6. reconheceram o direito individual subjetivo aos benefícios e prestações e sua
fruição não comportou nenhum tipo de discriminação política (DI GIOVANNI,
2008:75).

Os sistemas assim constituídos forneceram os alicerces para aquelas formas de


proteção social que ficaram conhecidas, no período posterior à Segunda Guerra
Mundial, como Welfare States, os quais se desenvolveram em quase todos os grandes
países da Europa. Esse desenvolvimento coincidiu com o aumento de volume de
intervenções do Estado capitalista na vida das sociedades, seja na economia, seja na
questão social. O grande fluxo destas intervenções, dessas políticas públicas, dirigiu-se
à proteção social dos cidadãos, dando origem ao significado atual da expressão política
social.
Nessa acepção, entende-se por política social o conjunto das políticas públicas
voltadas para o campo da proteção social. Essas políticas sociais cobrem, de fato, uma
vasta gama de diretivas nas quais é possível encontrar ações em matéria de previdência
social, em sentido estrito, ou aquelas adotadas em favorecimento de categorias especiais
(velhos, órfãos, incapazes, etc), ou ainda as políticas que dizem respeito à habitação,
26

educação, lazer, saúde, dentre outras. Segundo Di Giovanni (2008), a política social não
se define por seu campo de decisões, mas por seus objetivos.
Pereira (2008) afirma que a política social é um “processo complexo e
multideterminado, a par de ser contraditório e dinamicamente relacional” (p.15). Na
conformação do pensamento social da autora e para a compreensão de sua definição do
conceito de política social, destacam-se os elementos referentes às relações de
antagonismo e de reciprocidade entre capital x trabalho e Estado x sociedade, tendo
como referência o paradigma marxista a partir da visão histórico-dialética da realidade.
Na definição de Pereira (2008):
A política social [a perspectiva aqui considerada] trata-se daquela que
apreende essa política como produto da relação dialeticamente
contraditória entre estrutura e história, e por tanto, de relações-
simultaneamente antagônicas e recíprocas - entre capital x trabalho,
Estado x sociedade e princípios de liberdade e igualdade que regem
os direitos de cidadania. Sendo assim, a política social se apresenta
como um conceito complexo que não condiz com a ideia pragmática
de mera provisão ou alocação de decisões tomadas pelo Estado e
aplicadas verticalmente na sociedade (como entendem as teorias
funcionalistas). Por isso, tal política jamais poderá ser compreendida
como um processo linear, de conotação simplesmente positiva ou
negativa, ou a serviço exclusivo desta ou daquela classe. Na realidade,
ela tem se mostrado simultaneamente positiva e negativa, e
beneficiados a interesses contrários de acordo com a correlação de
forças prevalecente. É isso que torna a política social dialeticamente
contraditória. E é essa contradição que permite à classe trabalhadora e
também aos pobres em geral também usá-la em seu favor. (PEREIRA,
2008. p.166).

No pensamento social de Wanderley Guilherme dos Santos (1979), para a


análise empreendida acerca do conceito de “política social”, o autor traz dois conceitos
basilares para tecer suas considerações: “acumulação” e “equidade”. O conceito de
acumulação é definido pelo autor como “ações destinadas a aumentar as ofertas de bens
e serviços” (SANTOS, 1979, p.27), enquanto o conceito de equidade refere-se ao “ideal
de extinguir ou reduzir os desequilíbrios sociais”, sendo as políticas sociais, o conjunto
de medidas empreendidas pelo governo com a pretensão de favorecer a equidade sem
comprometer a acumulação, algo conflitivo nas economias capitalistas, algo que já num
primeiro olhar, percebe-se, no âmbito de uma sociedade de classes, não se dá de
maneira harmoniosa e sem disputas políticas entre classes, atores e instituições. Esses
dois conceitos utilizados na teoria social de Santos (1979), não por acaso, aparecem
como binômio, tendo por natureza sua união dialética, na medida em que a redução ou a
27

extinção dos desequilíbrios sociais, que é o objetivo da equidade, resulta sempre numa
subtração de bens e serviços ao montante da acumulação.
De acordo com Ivo (2004), a política social é uma dimensão necessária da
democracia nas sociedades modernas e está estreitamente ligada aos valores da
equidade que fundam a legitimidade política e a concepção que as sociedades e os
governos têm do seu projeto político. Segundo a autora,
No quadro institucional, as políticas sociais integram um sistema de
ação complexo, resultante de múltiplas causalidades e diferentes
atores e campos de ação social e pública: proteção contra riscos;
combate à miséria; desenvolvimento de capacidades que possibilitem
a superação das desigualdades e o exercício pleno da cidadania;
redistribuição de riquezas; etc. Assim, elas são dispositivos
institucionais criados com o objetivo de assegurar a cada um as
condições materiais de vida que permitam ao cidadão exercer seus
direitos sociais e cívicos. Atuando no âmbito redistributivo, elas
envolvem necessariamente relações de poder e são, portanto,
conflitivas e qualificadoras da democracia e do projeto de inclusão
social das sociedades. Neste sentido, as políticas sociais se articulam
necessariamente com a dinâmica do crescimento e são condicionadas
pela natureza das relações entre capital e trabalho, estando diretamente
relacionadas às tendências que conformam a dinâmica do mercado de
trabalho em cada sociedade – principal mecanismo de inclusão social.
Ou seja, não se podem compreender os dilemas da política social fora
da dimensão do trabalho, entendido como a forma concreta de
reprodução e inserção social e como valor histórico e culturalmente
instituído, que confere identidade social e matriz de sociabilidade no
marco de uma construção coletiva. Em outras palavras, as políticas
sociais estão associadas a processos civilizatórios que definem as
possibilidades de construção dos vínculos e do contrato social. (IVO,
2004:57).

Sonia Fleury (2003) contribui com essa discussão ao argumentar que, apesar de
delimitado pelas ações públicas destinadas a responder a determinadas demandas
sociais, o conceito de política social é bastante complexo, na medida em que envolve a
combinação de um conjunto de aspectos, dos quais são destacados pela autora:
 “uma dimensão valorativa fundada em um consenso social
que responde às normas que orientam a tomada de decisões;
 uma dimensão estrutural que recorta a realidade de acordo
com setores baseados na lógica disciplinar e nas práticas e
estruturas administrativas;
 o cumprimento de funções vinculadas aos processos de
legitimação e acumulação que reproduzem a estrutura social;
 sendo uma política pública, envolve processos político-
institucionais e organizacionais relativos à tomada de
decisões, ao escalonamento de prioridades, ao desenho das
estratégias e à alocação dos recursos e meios necessários ao
cumprimento das metas;
28

 um processo histórico de constituição de atores políticos e sua


dinâmica relacional nas disputas pelo poder;
 a geração de normas, muitas vezes legais, que definem os
critérios de redistribuição, de inclusão e de exclusão em cada
sociedade.” (FLEURY, 2003, p. 3)

Essa autora destaca que cada sociedade estabelece, em momentos históricos


distintos, consensos em torno de valores compartilhados quanto aos princípios de justiça
social e aos níveis de desigualdades sociais toleráveis. No entanto, a existência desses
valores compartilhados não implica desconsiderar os conflitos e as disputas de
interesses que ocorrem no campo das políticas sociais. Nas palavras da autora, “esta
disputa é, antes de tudo, uma luta ideológica, uma competição pelos significados
atribuídos a alguns conceitos-chave” (FLEURY, 2003, p. 4).
Após esses breves apontamentos acerca do debate conceitual em torno da
proteção social, passamos a apresentar, a seguir, alguns elementos históricos relativos à
emergência e posterior desenvolvimento dos modernos sistemas de proteção social.

1.2. Emergência dos modernos sistemas de proteção social

Até o período que antecede o século XX, os problemas sociais eram geralmente
percebidos tendo sua origem na esfera individual, não sendo vistos como problemas
coletivos, ou seja, “[...] a causa fundamental dos apuros e da miséria sociais devia ser
encontrada nas pessoas ou circunstâncias individuais das vítimas, sendo usualmente
atribuída a uma fraqueza moral” (MARSHALL, 1967, p.29). Até a modernidade, a
pobreza era vista como um fenômeno natural ou independente da ação humana. É no
contexto de transição para o capitalismo que ideais de liberdade e igualdade ganham
força, colocando em xeque uma ordem metafísica. Ao mesmo tempo, com o avanço da
industrialização, há um crescente pauperismo, paradoxalmente aos altos índices de
produção de riquezas. Tal transição econômica e social abre espaço para o surgimento e
fortalecimento da visão liberal da pobreza como fenômeno individual.
O papel do Estado residia, então, na ocupação dos miseráveis e dos
desamparados, sem que sua intervenção, porém, entrasse em choque com a vida
“normal da comunidade” (MARSHALL, 1967), ou seja, sem que se alterasse a ordem
social vigente. Esse contexto reflete o predomínio do liberalismo e seu principal
alicerce: o princípio do trabalho como mercadoria e sua livre regulação pelo mercado.
29

O liberalismo econômico foi, de acordo com Polanyi (2000), o princípio


organizador de uma sociedade engajada na criação de um sistema de mercado. A
expansão desse sistema no século XIX significou a existência do comércio livre
internacional, do mercado de trabalho competitivo e do padrão-ouro, possibilitando a
expansão do capitalismo.
As sociedades pré-capitalistas, por sua vez, não privilegiavam as forças de
mercado. A garantia do bem comum não era objeto do Estado, as legislações vigentes no
período corroboravam com a manutenção da ordem social e a punição da
vagabundagem. Têm-se, nesse contexto, além da caridade privada e de ações
filantrópicas, algumas iniciativas pontuais com características assistenciais,
identificadas como as primeiras formas de políticas sociais1. A título de exemplo,
podem ser citadas as leis inglesas que se desenvolveram no período que antecedeu a
Revolução Industrial e se disseminaram pela Europa antes desse período histórico:
Estatuto dos Trabalhadores (1394); Estatuto dos Artesãos (Artífices) (1563); Leis dos
Pobres Elisabetanas (que se sucederam entre 1531 e 1601); Lei de Domicílio
(Settlement Act,1662); Speenhamland Act (1795); e Lei Revisora das Leis dos Pobres,
ou Nova lei dos Pobres (Poor Law Amendment Act, 1834) (POLANYI, 2000;
PEREIRA, 2008). Essas regulamentações estabeleciam, via de regra, um código
coercitivo do trabalho, além de apresentar um caráter punitivo, não protetor e
repressivo. Elas tinham por fundamentos comuns:
[...] estabelecer o imperativo do trabalho a todos que dependiam de
sua força de trabalho para sobreviver; obrigar o pobre a aceitar
qualquer trabalho que lhe fosse oferecido; regular a remuneração do
trabalho, de modo que o trabalhador pobre não poderia negociar
formas de remuneração; proibir a mendicância dos pobres válidos,
obrigando-os a se submeter aos trabalhos “oferecidos” (CASTEL,
1998: 97).

A principal função dessas legislações sociais residia no impedimento da livre


circulação do trabalhador e com isso, tinha-se a manutenção da organização tradicional
do trabalho. Elas agiam na interseção entre assistência social e trabalho forçado. O
abandono destas medidas de proteção, no auge da Revolução Industrial, lançará os
pobres à condição de “servidão da liberdade sem proteção”, no contexto de plena

1
Destaca-se que o antigo sistema de proteção social mobilizava a família, a comunidade e as associações
filantrópicas e religiosas e vigorou até o momento da intervenção das categorias profissionais e do
Estado, na assunção das funções clássicas de proteção social, já no final do século XIX e no início do
século XX (VIANA et LEVCOVITZ, 2005).
30

subsunção do trabalho ao capital, provocando o pauperismo como fenômeno mais


agudo decorrente da chamada questão social” (BEHRING et BOSCHETTI, 2006, p.51)
Viana & Levcovitz (2005, p.17), em nota de rodapé, apontam que com o início
do processo de proletarização e a emergência das relações de produção capitalistas, tem-
se o surgimento de um fenômeno novo:
“de pauperização de massa, diferente da pobreza anterior (do mundo
feudal). [...] A nova pobreza, dessa forma, não foi um fenômeno
conjuntural, mas decorrente das transformações econômicas e sociais,
isto é, da passagem do mundo feudal para o capitalista. [...] a razão da
insegurança mudou: aos fatores naturais e políticos da dependência
foram agregados fatores mais temíveis, os econômicos e sociais”.

De acordo com Falcão (2006), é nesse contexto que “a questão da pobreza”, bem
como outras facetas da questão social, ganha visibilidade: Já não pode mais ser
justificada como fragilidades ou limites individuais, ou ainda como um fenômeno
conjuntural. A pobreza se torna visível como fenômeno estrutural, decorrente de um
modo de produção que engendra a exclusão, as desigualdades sociais e a injustiça
social. Para o enfrentamento dessa pobreza estrutural, já não bastam as ações
espontaneístas e descontinuadas da sociedade civil ou do Estado.
O surgimento de novas regulamentações sociais e do trabalho pelo Estado foi
decorrente das lutas pela jornada normal de trabalho nas sociedades capitalistas – tem-se
a reação à exploração extenuante, fundada na mais-valia absoluta com a extensão do
tempo de trabalho, e a reação também à exploração do trabalho de crianças, mulheres e
idosos – e pelo valor da força de trabalho – o salário, que deveria garantir os meios de
subsistência necessários à manutenção do seu possuidor – na segunda metade do século
XIX (MARX, 1966). A burguesia, por seu turno, vai buscar estratégias para lidar com a
pressão dos trabalhadores, que vão desde as ações de repressão direta pelo Estado, até
concessões formais, na forma de implementação de leis pontuais que por vezes tardaram
em sua execução.
A hegemonia do liberalismo se estende pelo período compreendido entre
meados do século XIX e a terceira década do século seguinte. A ausência da
intervenção estatal, expressa pela metáfora da “mão invisível”2 do mercado, se coloca
como condição para que se efetive o predomínio do mercado como regulador das
2
Essa expressão foi introduzida por Adam Smith, em seu livro: A Riqueza das Nações, publicada em
1776, para descrever como numa economia de mercado, apesar da inexistência de uma entidade
coordenadora do interesse comum – o Estado –, a interação dos indivíduos, por meio dos mercados,
resulta, em condições ideais, em uma alocação eficiente de recursos.
31

relações econômicas e sociais no sentido de produção do bem comum, ou seja, da


produção capitalista. As teses de David Ricardo, Thomas Malthus e, sobretudo de Adam
Smith, que fundamentaram o ideário da economia clássica, dão os alicerces do Estado
liberal quanto à sua débil intervenção no sentido de garantir direitos sociais sob a égide
do capitalismo liberal.
Uma síntese de alguns elementos essenciais e princípios da doutrina do ideário
liberal ajudam a compreender a reduzida intervenção estatal, na forma de políticas
sociais, nesse período:
a) Predomínio do individualismo – os liberais consideravam o indivíduo – e não a
coletividade – como sujeito de direito;
b) O bem-estar individual maximiza o bem-estar coletivo – para os liberais, cada
indivíduo deve buscar o bem-estar para si e a sua família por meio da venda de sua
força de trabalho no mercado. Assim, não cabe ao Estado garantir bens e serviços
públicos para todos. Nessa perspectiva, cada um, individualmente, deve garantir seu
bem-estar, o que levaria todos os indivíduos a atingir uma situação de bem-estar. Tal
princípio se funda em outro – a liberdade em detrimento da igualdade;
c) Predomínio da liberdade e competitividade – a liberdade e a competitividade são
entendidas como formas de autonomia do indivíduo para decidir o que é melhor para si
e lutar por isso. Os liberais não reconhecem que a liberdade e a competitividade não
asseguram igualdade de condições nem de oportunidade para todos.
d) Naturalização da miséria – os liberais vêm a miséria como natural e insolúvel, pois
decorre da imperfectibilidade humana, ou seja, a miséria é compreendida como
resultado da moral humana e não como resultado do acesso desigual à riqueza
socialmente produzida.
e) Predomínio da lei da necessidade – baseados nas teses malthusianas, os liberais
entendem que as necessidades humanas básicas não devem ser totalmente satisfeitas,
pois sua manutenção é um instrumento eficaz de controle do crescimento populacional e
do consequente controle da miséria.
f) Manutenção de um Estado mínimo – para os liberais, o Estado deve assumir o
papel “neutro” de legislador e árbitro, e desenvolver apenas ações complementares ao
mercado. Sua intervenção deve restringir-se a regular as relações sociais com vistas a
garantir a liberdade individual, a propriedade privada e assegurar o livre mercado.
g) Concepção de que as políticas sociais estimulam o ócio e o desperdício – para os
liberais, o Estado não deve garantir políticas sociais, pois os auxílios sociais contribuem
32

para reproduzir a miséria, desestimulam o interesse pelo trabalho e garantem a


acomodação, o que poderia ser um risco para a sociedade de mercado.
h) Concepção das políticas sociais como paliativo – como, na perspectiva liberal, a
miséria é insolúvel e alguns indivíduos (crianças, idosos e deficientes) não têm
condições de competir no mercado de trabalho, ao Estado cabe apenas assegurar a
assistência mínima a esses segmentos, como um paliativo. A pobreza, para os liberais,
deve ser minorada pela caridade privada. (BEHRING et BOSCHETTI, 2006, p.61/2).
Essa concepção é ainda ancorada na filosofia utilitarista, doutrina ética defendida
principalmente por Jeremy Bentham (1780) e John Stuart Mill (1863), os quais
corroboram com a tese de que a busca do interesse próprio pelos indivíduos levaria à
maximização do bem-estar coletivo. Tem-se, nesse contexto, no campo teórico-
ideológico, o estabelecimento de uma sociedade alicerçada no mérito de cada indivíduo
em potencializar suas capacidades. Tais formulações somam-se ao darwinismo social3
que, ao se colocar de forma conjunta ao liberalismo, vão, de forma equivocada,
justificar a pobreza pós-revolução industrial como originada pelos próprios indivíduos
ao não obterem êxito em seus empreendimentos.
A intervenção do Estado com vistas à garantia dos direitos sociais sob o
capitalismo liberal emergiu, segundo Lux (apud BEHRING & BOSCHETTI, 2006), de
uma disputa política intensa entre os liberais e os chamados reformuladores sociais no
início do século XX. O Estado, para os liberais, não deveria intervir na regulação das
relações de trabalho e, menos ainda, se preocupar com o atendimento das necessidades
sociais.
Um marco histórico possível para delimitar a mudança de percepção da questão
social foi dado pela depressão econômica no último quartel do século XIX, no mundo
ocidental, que culminou em desemprego em massa e, mais adiante, na eclosão de
greves, denunciando o pauperismo e o baixo nível do padrão de vida dos trabalhadores 4
(POLANYI, 2000). Isso trouxe à cena política a realidade da classe trabalhadora. Nesse

3
O darwinismo social é a tentativa de se aplicar a teoria da seleção natural de Charles Darwin – A Origem
das Espécies, publicada em 1859 –, em buscar a explicação da diversidade de espécies de seres vivos
através do processo evolutivo, nas sociedades humanas. Ela foi utilizada como justificativa da existência
de pobreza no período após a Revolução Industrial, no sentido de que os que estavam pobres eram os
menos aptos (segundo a teoria de Darwin) e os mais ricos que evoluíram economicamente seriam os mais
aptos a sobreviver por isso os mais evoluídos.
4
A Depressão de 1873-1886 e as dificuldades agrárias da década de 1870 ampliaram a tensão social. O
baixo padrão de vida dos trabalhadores é dado pela subnutrição, carga de trabalho extensa, precariedade
nas instalações fabris e habitacional, saúde, qualidade de vida, trabalho feminino e infantil, baixos
salários, poluição e promiscuidade. (Polanyi, 2000).
33

contexto, tem início o reconhecimento da necessidade de reavaliação dos direitos do


cidadão e das responsabilidades do Estado para com este. Esse reconhecimento e as
tentativas feitas para preencher essa necessidade deixaram marcas no pensamento
5
político da época, bem como nas plataformas dos partidos políticos (MARSHALL,
1967).
Nesse contexto, há o nascimento de uma nova ‘era’ no campo da política social
resultante de mudanças na concepção da questão social, em boa parte decorrentes da
mobilização e da organização da classe trabalhadora. Essas atitudes foram
determinantes para a mudança da natureza do Estado liberal na passagem do século XIX
para o XX. Como argumenta Pochmann (2004, p.4), “as críticas ao liberalismo deram
vazão ao processo de desmercantilização da sociedade capitalista, conduzido por forte
pressão social organizada e operada por um novo tipo de Estado”.
O surgimento das políticas sociais deu-se de forma gradativa e diferenciada em
cada país do ocidente, conforme “o nível de pressão dos trabalhadores, grau de
desenvolvimento das forças produtivas e das correlações e composições de força no
âmbito do Estado” (BEHRING et BOSCHETTI, 2006. PEREIRA, 2008). O Estado
capitalista, por sua vez, passou a “assumir e a realizar ações sociais de forma mais
ampla, planejada, sistematizada e com caráter de obrigatoriedade” (BEHRING et
BOSCHETTI, 2006, p.64). De acordo com MARSHALL (1967),
Todas as políticas de reforma social que tomavam corpo no período de
transição do século XIX para o XX [...] se originavam na crença de
que o Estado era responsável (dentro de certos limites) pelo bem-estar
da “massa do povo” e que estava investido da autoridade de interferir
(até certo ponto) nas liberdades individual e econômica a fim de
promover o referido bem-estar. A novidade dessa ideia residia na sua
divergência da ideia predecessora segundo a qual o Estado se ocupava
apenas com os miseráveis e os desamparados, e que sua ação em

5
De acordo com Marshall (1967), naquele período, o pensamento político foi marcado por posições
diferentes: (i) a escola socialista autêntica, que se originou da crença de que o ‘sistema capitalista’ de
empresa privada e uma economia de mercado competitivo é ineficiente e injusto – linha de pensamento
que os Fabianos seguiram inicialmente; (ii) a segunda linha de pensamento era a que mais fortes
representantes possuía na época. “Seus adeptos admitiam que o sistema econômico deixava muitas
necessidades insatisfeitas e distribuía suas recompensas de modo não equitativo, mas sustentavam que,
nas tarefas puramente econômicas de produção e de distribuição de bens, era superior a qualquer outro
que pudesse vir a ocupar seu lugar” – os adeptos dessa linha não desejavam nenhuma mudança drástica
do sistema, dado que acreditavam que “o sistema não podia sanar seus defeitos sociais por si mesmo,
reconheciam a responsabilidade e o direito do Estado de intervir e compulsoriamente modificar e
complementar suas operações”; (iii) a última posição apresentou menor importância, porque sua
“influência estava em declínio. Seus representantes foram os conservadores que pensavam que não havia
nada de muito errado com o sistema econômico e que o principal objetivo do Governo devia ser o de
fazer que o sistema encontrasse todo o apoio e estímulo para prosseguir em seu bom desempenho”
(MARSHALL, 1967, p.36/7).
34

benefício deles não deve entrar em choque com a vida normal da


comunidade (MARSHALL, 1967, p.33).

As intervenções do Estado subsequentes aos últimos decênios do século XIX,


reconhecidas como inéditas na esfera da proteção social e de suas políticas, são
consequências de grandes acontecimentos na estrutura econômica e no sistema político
das sociedades capitalistas centrais no marco da Revolução Francesa de 1879 e da
constituição dos Estados nacionais”6 (FLORA & HEIDENHEIMER apud PEREIRA,
2008, p.31). Essas mudanças significaram a configuração de um novo perfil de Estado e
de suas políticas, diferenciando-se do padrão de comportamento estatal até então
existente, de cunho autoritário. Tem-se com isso, a emergência do Welfare State.

1.3. Rumo a um novo padrão de proteção social: os Estados de Bem Estar Social

De acordo com Polanyi (2000), a primeira grande mudança de paradigma em


relação à proteção social estatal se dá na Alemanha de Otto Von Bismarck (1880), com
o estabelecimento do primeiro sistema de seguro social7. A cobertura desse sistema
abarcava três seguros compulsórios: o seguro saúde (1883), o seguro de acidentes de
trabalho (1884), e o seguro de velhice e invalidez (1889). Segundo Marshall (1967), em
torno de 1910, em quase toda extensão do continente europeu, há incipiência de
movimentos com vistas ao estabelecimento de um sistema completo e coligado sob o
qual os trabalhadores estariam segurados contra contingências nas quais seus sustentos
por meio de salários pudessem ser perdidos ou interrompidos por qualquer outra causa
que não fosse a cessação voluntária no trabalho. Apesar da universalização do princípio,
esse movimento se deu com diferentes graus de aplicação e implementação ao longo do
tempo.

6
A constituição de um Estado nacional moderno significa o estabelecimento de um Estado limitado
territorialmente, que detenha poder de coerção de última instância e de soberania perante aos indivíduos e
grupos, sob sua jurisdição e, e a outros Estados nacionais igualmente soberanos. A soberania deste
Estado-nação é que concede a este Estado o poder discricionário de instituir, gerir, financiar e até mesmo
prover políticas de interesse de seus membros, sem interferências externas. Os atributos de autoridade que
este Estado possui contrastam com os antigos atributos da vida medieval (BENDIX, 1996).
7
De acordo com FLEURY (1985:6), o projeto do seguro social, dado pelo modelo bismarckiano alemão,
não teve origem na classe operária alemã, altamente politizada. Mas, na burocracia estatal, “recebendo a
oposição veemente do movimento operário e o apoio dos partidos conservadores. O seguro social foi
assim criado como um instrumento de cooptação de setores da classe operária, de forma a diminuir o seu
potencial revolucionário” (FLEURY, 1985, p.6).
35

No âmbito institucional, de acordo com Ewald (1986 apud IVO,2004), passou-se


de um regime baseado na responsabilidade individual e fundamentado no direito civil,
para um regime de solidariedade assentado num contrato social fundado na noção de
direito social através da regulamentação de leis relacionadas às condições de trabalho e
à proteção dos trabalhadores que perdem a capacidade do uso de sua força de trabalho
(doenças, invalidez, velhice, desemprego, acidente, etc.). Desse modo, transpôs-se a
noção de responsabilidade outrora assentada no indivíduo, para uma noção de proteção
social objetiva no âmbito do Estado. Dito de outra forma, o direito social criou as
condições de intervenção crescente por parte do Estado na prevenção de perigos e riscos
que ameaçam a sociedade, consolidando o princípio de uma responsabilidade pública
institucionalizada na figura do Estado.
Como corolário dessa mudança institucional, ocorreu a alteração da relação
existente entre empregador e empregado, não somente pelo vínculo monetário, como
também, pelo contrato de trabalho – peça fundamental da economia de mercado livre –,
ao acrescentar uma cláusula de uma nova obrigação mútua. Tem-se aí, a constituição de
um novo fenômeno político, dada pela instituição do seguro compulsório: uma espécie
de relação contratual entre o segurado e o Estado (MARSHALL, 1967).
Uma nova matriz institucional começa a se desenvolver no Ocidente capitalista. O
gradativo processo de construção de arranjos institucionais destinados a garantir direitos
sociais, todavia, vai obedecer às especificidades nacionais. O “path dependence”8 de
cada país vai determinar os limites para a ação dos atores com suas propostas e
ideologias sobre a montagem diferenciada dos seguros sociais nos vários países
europeus na primeira metade do século XX (FLORA & HEIDENHEIMER apud
PEREIRA, 2008), o que por sua vez, fundamentará os caminhos singulares de
institucionalização do Welfare State, no pós- Segunda Guerra.

8
O conceito de “Path Dependence” foi desenvolvido, de acordo com Paul Pierson (2004), por Paul David
e Brian Arthur (1994) dentro do arcabouço teórico-metodológico do Neoinstitucionalismo Histórico. O
desenvolvimento das instituições ao longo da história não é somente relevante, como também restringe as
escolhas futuras, ou seja, a sua trajetória. Isso significa que o lugar a que se pode chegar possui estrita
dependência com seu ponto de origem. Portanto, tem-se a ‘subordinação à trajetória’. Esta subordinação
se dá em função das instituições e das organizações que são construídas com o propósito de redução dos
custos de transação existentes. (OLIVEIRA, 2007).
36

1.3.1. Welfare State: a era de ouro do capitalismo mundial

Nesse contexto, cabe-nos tecer algumas reflexões acerca da distinção entre a


instituição convencionada Estado de Bem-Estar (Welfare State) e o processo
convencionado de bem-estar social (Social Welfare). O Welfare State é a tentativa
institucionalizada de promover o bem-estar de todos os membros de uma dada
sociedade, enquanto o Social Welfare é o bem-estar concreto usufruído pelos membros
de uma sociedade, seja mediante as políticas do Welfare State ou de outras instituições
(PEREIRA, 1994).
De acordo com Pereira (1998), é importante analisarmos que o complexo político-
institucional denominado Seguridade Social (inaugurado na Inglaterra, na década de
1940), por sua vez, constitui a base conceitual e política do Estado de Bem-Estar ou do
Welfare State, como é internacionalmente conhecido. A implantação desse novo padrão
de Estado consolidou-se ao final da Segunda Guerra Mundial e a propagação do termo
Welfare State9 foi efetivada pelos ingleses com o intento de expor uma “espécie de
mundo novo no qual queriam viver” (WERNECK VIANNA, 2000, p.11). Isso é dado
com a publicação do Relatório Beveridge pelo Parlamento Inglês em 1942, que continha
os resultados dos estudos realizados sobre a seguridade social e apresentava a proposta
de reforma que foi aprovada e colocada em prática a partir de 194610.
Observa-se que a criação das bases econômicas, políticas e ideológicas para o
provimento público do bem-estar foram dadas a partir da década de 1930. O marco
inicial desse processo pode ser identificado na Grande Depressão, também referida
como crise de 1929 – considerada o pior e o mais longo período de recessão econômica
do século XX, tendo seu término na Segunda Guerra Mundial – quando houve
modificações no processo de acumulação capitalista que potencializaram o modelo

9
Em uma nota de final de texto Werneck Vianna (2000), expõe que o termo Welfare State, segundo Flora
e Heidenheimer, passou a ser usado na Inglaterra em 1941. Ao passo que, a sua difusão somente se deu
nos anos seguintes, após a publicação do Relatório Beveridge, no final da Segunda Guerra.
10
Transcrição de parte do Relatório de William Beveridge, apresentado em novembro de 1942, para o
Parlamento Inglês, retirado de Werneck Vianna (2000, p.17): “O Plano de Seguridade Social é [...]
fundamentalmente um meio de redistribuir a renda, priorizando as necessidades mais urgentes e fazendo o
melhor uso possível dos recursos disponíveis (que) só pode ser levado a cabo por uma concentrada
determinação da democracia britânica para libertar-se de uma vez por todas do escândalo da indigência
física para a qual não existe justificativa nem econômica nem moral [...] A prevenção da miséria, a
diminuição e o alívio das enfermidades – objetivo especial dos serviços sociais – constituem, de fato,
interesse comum a todos os cidadãos” . Voltaremos nele mais adiante.
37

fordista-taylorista11 de organização e produção de bens e serviços – o capitalismo


fordista12 –, e que resultou em uma redefinição do papel do Estado.
[...] os processos de modernização, industrialização, urbanização e
expansão do mercado capitalista compõem o contexto geral que
justifica a emergência do Welfare State, mas não como sua causa
primeira e única. A formação do Welfare State não depende tão-
somente das relações de poder entre classes sociais, mas de uma
complexidade de fatores, tais como: ideologia das elites,
compromissos entre o próprio bloco dominante, idiossincrasias do
pessoal burocrático, ambiente cultural e institucional do País, além da
diversidade de orientações culturais das elites administrativas e da
herança das políticas na área social. (FERRERA In: VIANA et
LEVCOVITZ, 2005, p. 25).

Nesse contexto de mudanças paradigmáticas ao final da segunda grande guerra, as


ideias de John Maynard Keynes13 tiveram um papel importante no desenvolvimento do
plano de Beveridge no que se refere à garantia de sua viabilidade financeira, discutindo
direitos, contribuições e condições de acesso (CARVALHO, 2006).
Cabe aqui apresentar a definição de Welfare State sistematizada por Draibe (1993:
página 19):
Por Welfare State estamos entendendo, no âmbito do Estado
capitalista, uma particular forma de regulação social que se expressa
pela transformação das relações entre o Estado e a economia, entre o
Estado e a sociedade, a um dado momento do desenvolvimento
econômico. Tais transformações se manifestam na emergência de

11
Pode-se dizer que o século XX foi demarcado por este modelo (fordista e taylorista) na forma de
organização e produção das mercadorias. Tem-se a organização do processo produtivo de massas de
produtos homogêneos, operando através de grandes linhas de montagem. O fordismo agrega ao processo
produtivo a noção de produção em série, ao passo que, o controle do tempo e dos movimentos dos
operários no processo produtivo são resultados das ideias e estudos de Taylor. Importa salientar que esse
modelo pautava-se na “generalização/ homogeneização da execução do trabalho. Consequentemente,
necessitava de um contingente imenso de trabalhadores realizando funções repetitivas, mecânicas e
simples, desprestigiando a especialização técnica e/ou a habilidade individual” (SAMPAIO OLIVEIRA,
2008, p.5). O modelo fordista-taylorista teve seu desenvolvimento associado à expansão capitalista
mundial, com grande ascensão durante o Estado do Bem-Estar Social. Ele também é considerado como o
fundamento de uma sociedade de massas com padrões homogeneizantes, dado que este modelo
“organizativo ampliou-se para além do processo produtivo, constituindo os elementos necessários para a
formação de uma cultura de massa que, refinada ideologicamente conforma o que chamamos de
consumismo” (SANTOS In: SAMPAIO OLIVEIRA, 2008, p.5).
12
Destaca-se que o capitalismo fordista, sob forte influência do keynesianismo, passou por um período de
expansão, a partir da década de 50 – o modelo fordista-taylorista levou cerca de duas décadas para ser
estruturado e adquirir caráter mundial nos anos 50 –, provocando uma forte onda de consumo que deu
origem ao período que Hobsbawn classificou como ‘Os Anos Dourados’ (SANTOS, 2008). O capitalismo
fordista combinou “empresas com alta racionalização, centralização e integração vertical com sindicatos
nacionais e com uma substancial expansão do Estado, além disso, usava a elevada especialização e
mecanização da produção, a burocratização das empresas, o planejamento extensivo e o controle
burocrático de ‘cima para baixo’” (BONANNO, 2008, p. 27).
13
Pereira (2008) evidencia que Keynes foi considerado como um reformador radical em sua época,
apesar de ele não ser socialista, ressalta-se que não perdeu uma oportunidade em mudar o capitalismo,
tendo em vista a promoção da política de pleno emprego e de redistribuição de renda e riqueza.
38

sistemas nacionais públicos ou estatalmente regulados de educação


saúde, previdência social, integração e substituição da renda,
assistência social e habitação que, a par das políticas de salário e
emprego, regulam direta ou indiretamente o volume, as taxas e os
comportamentos do emprego e do salário da economia, afetando,
portanto, o nível de vida da população trabalhadora.

Essa definição permite reconhecer o Welfare State menos como a concretização de


programas sociais vinculados à social democracia e mais como uma mudança estrutural
nas relações entre Estado, sociedade e mercado em um dado contexto histórico
específico, no qual o Estado atua na organização e implementação de políticas sociais e
tende a alterar o livre movimento e os resultados socialmente adversos do mercado.
Apesar desse aspecto geral, análises comparadas entre países permite reconhecer
diferentes modalidades de proteção social no âmbito dos Welfare States, o que ensejou
empenhos classificatórios de diferentes autores.
Na tentativa de classificação do Welfare State, Titmuss (1963) apresenta três
modelos de política social que podem ser encontrados, sozinhos ou associados, ou, nos
termos de Pereira (1994), três tipos de bem-estar:
1º) Modelo residual – Baseia-se na concepção de que somente na
ausência das duas instituições naturais ou socialmente dadas – o
mercado e a família – é que o Estado deve intervir nos problemas
sociais. Paradigma da individualização dos problemas sociais.

2º) Modelo de desempenho e performance industrial ou meritocrático-


particularista – Atribui às instituições de bem-estar uma função de
colaboradora à lógica econômica, ou seja, as necessidades sociais
devem ser atendidas de acordo com o mérito pessoal do trabalhador,
com o seu desempenho e produtividade.

3º) Modelo institucional redistributivo – Elege o Estado como o


principal provedor dos bens e serviços universais baseados no critério
das necessidades sociais e regulador do mercado. (PEREIRA, 1994)

A história tem mostrado que esses modelos estão presentes na maioria dos
Estados de Bem-Estar modernos que podem conter elementos dos três modelos, não
sendo esses excludentes entre si. Já Therborn (apud PEREIRA, 1994) toma como
parâmetro a classificação a partir das dimensões do nível de reconhecimento dos
direitos sociais e a orientação para o mercado e para o pleno emprego e detecta quatro
tipos de Welfare State:
a) Welfare States com forte e decisiva presença dos Estados
preocupados ao mesmo tempo, com a universalização das políticas
39

sociais e com o pleno emprego. Este é o modelo que prevalece na


Suécia, Noruega, Áustria e Finlândia.

b) Welfare States compensatórios, generosos no reconhecimento e na


concessão de direitos sociais, mas com baixo comprometimento com o
pleno emprego. É o caso de países como a Bélgica, Dinamarca, Países
Baixos, Suíça e Japão.

c) Welfare States com baixo nível de reconhecimento de direitos, mas


com certo compromisso institucional com o pleno emprego. Therborn
não apresenta exemplos conhecidos, embora indiretamente forneça
indicações para a identificação desta modalidade de proteção social,
especialmente na fala dos adeptos do emprego como antídoto à
proliferação de políticas sociais.

d) Welfare States orientados para o mercado, com fraco


reconhecimento ou concessão de direitos e baixos compromissos com
o pleno emprego. É a situação típica de países que abraçaram a
ideologia liberal ou liberal-conservadora, como a Austrália, Canadá,
Estados Unidos, Grã Bretanha e Nova Zelândia. (PEREIRA, 1994: 78)

De acordo com Vazquez (2018), outro referencial teórico fundamental para a


compreensão do tema é a corrente sobre a origem e o desenvolvimento do Welfare State
defendida pelo sociólogo Gosta Esping-Andersen (1990), que apresenta argumentos de
ordem política para constituição dos sistemas de proteção social. O autor explica o
desenvolvimento do Welfare State como resultado da capacidade de mobilização de
poder da classe trabalhadora em cada país. Esping-Andersen (1990) destaca duas
abordagens que explicam os Welfare States. A primeira enfatiza estruturas e sistemas
globais baseados na “lógica do industrialismo”, segundo a qual o Welfare State emerge
ao passo que a economia industrial moderna fragiliza as instituições sociais tradicionais.
Segundo o autor, esta abordagem estruturalista afirma que:

“(...) a industrialização torna a política social tanto necessária quanto


possível — necessária, porque modos de proteção pré-industrial como
a família, a igreja, a noblesse oblige e a solidariedade corporativa são
destruídos pelas forças ligadas à modernização, como a mobilidade
social, a urbanização, o individualismo e a dependência do mercado
(...) a função de bem-estar da população é apropriada pelo Estado-
Nação (...) o Welfare State é possibilitado pela burocracia moderna
que é um meio de administração dos bens coletivos, mas é também
um centro de poder em si, e por isso, tenderá a promover o próprio
desenvolvimento” (Esping-Andersen, 1991, p.91).

Segundo Esping-Andersen (1990), as explicações do Welfare State baseadas no


processo estrutural de industrialização, tese defendida por Titmuss, tende a enfatizar
mais as similaridades entre os sistemas de proteção social, mas é incapaz de explicar as
40

diferenças observadas nos países industrializados. A segunda abordagem deriva da


economia política social-democrata, cuja ênfase é dada nas classes sociais como
principais agentes de mudança e por sua afirmação de que o equilíbrio do poder das
classes determina a distribuição de renda (Esping-Andersen, 1991, p.94). A mobilização
da classe trabalhadora tem como objetivo principal conquistar a ampliação dos direitos
sociais. Dessa forma, o poder organizado dos trabalhadores pode reivindicar, junto aos
parlamentos, políticas sociais que beneficiem os trabalhadores, sobrepondo-se aos
interesses da capital e tornando-os mais independentes do mercado.
Esping-Andersen (1991) inovou ao propor o estudo das políticas de proteção
social à luz das possibilidades de desmercantilização das relações sociais. Para este
autor, a introdução dos direitos sociais implica na diminuição da condição
mercadológica. Deste modo, para o autor, “a desmercadorização ocorre quando a
prestação de um serviço é vista como uma questão de direitos ou quando uma pessoa
pode manter-se sem depender do mercado” (Op. cit.: p.102). Seguindo a premissa de
que a força de trabalho foi artificialmente transformada em mercadoria, Esping-
Andersen (1991) aponta que as medidas sociais são formas eficazes de redistribuição de
poder, propiciando a desmercantilização da força de trabalho, e, consequentemente,
maior autonomia frente às contingências do trabalho.
É nesse ínterim de capitalismo regulado e intervenção estatal que se tem a difusão
do termo social security – seguridade social –, em contraposição à ideia de social
insurance – o seguro social (WERNECK VIANNA, 2000). O termo Seguridade Social
foi disseminado no pós-guerra com o intento de nomear toda uma área de atuação
estatal, considerada decisiva para as políticas econômicas de inspiração keynesiana14,
adotadas no período. Esse termo apresenta um conjunto de ações e ideias de significado
impreciso, cuja operacionalização é variável de país a país. Werneck Vianna (2000)
salienta que segundo a literatura especializada, esse termo pode ser definido, grosso
modo, por duas vias.
Na primeira forma de definição, o uso da expressão seguridade social indica uma
concepção de proteção social alicerçada na cidadania. É no interior do capitalismo que

14
Para Keynes as políticas econômicas deveriam ser planejadas de modo a estimular a demanda agregada,
dado que ele entendia que o elevado nível de desemprego por conta da Crise, era resultante da
insuficiência de demanda agregada. Segundo ele, a demanda agregada estaria muito baixa, em virtude da
inadequada demanda por investimentos. Sendo assim, ele vai fornecer a base das políticas econômicas de
combate ao desemprego, por meio de sua teoria. Sua teoria defende o uso das políticas monetária e fiscal
para regular o nível da demanda agregada. Tem-se com isto, a promoção de políticas macroeconômicas de
pleno emprego. (AZEVEDO,2007).
41

se gesta a sociedade civil, o Estado-Nação e, com ambos, o conceito de indivíduo-


cidadão (FALCÃO, 2006). A democracia nos países ocidentais levou à expansão da
cidadania, incluindo diferentes dimensões dos direitos nas esferas individuais e
coletivas. Conforme Marshall (1967) a cidadania inclui os direitos civis (séc. XVIII)
que protegem a liberdade do cidadão diante do poder do Estado; os direitos políticos
(séc. XIX) que garantem a participação na vida pública e no Estado; os direitos sociais,
sobretudo conquistados no século XX, que garantem proteção diante dos riscos
advindos da incerteza do mercado laboral e da fragilidade da proteção privada,
especialmente na esfera familiar. Como dever do Estado o direito do cidadão à proteção
social pública, efetiva-se por meio de um conjunto de políticas sociais conferidas
através de regulamentação estatal. Tem-se nessa perspectiva, a associação dessa
expressão com o entendimento da cidadania em sua plenitude. Ela é tida como a
referência mais comum do Welfare State para muitos estudiosos, sobretudo europeus,
isso é dado pela constatação da identificação da “concepção europeia de vida em
sociedade” (WERNECK VIANNA, 2000) – “cobertura ampla, acesso generalizado,
altos aportes de recursos fiscais, gestão unificada, prestações razoavelmente
homogêneas são traços associados a tal conceito de seguridade [...]”. (WERNECK
VIANNA, 2000, p.57).
A segunda percepção da seguridade social, ainda de acordo com a pesquisadora,
busca demarcar de forma pragmática esse conceito. Essa segunda percepção indica os
programas e políticas nacionais estabelecidos em âmbito governamental, ou seja,
mecanismos instituídos que salvaguardam os indivíduos em situações de interrupção ou
perda de capacidade de obter rendimentos do trabalho e/ ou quando certos gastos
especiais (decorrentes de casamento, nascimento ou morte) diminuem seu poder
aquisitivo.
O conjunto de ações da seguridade social de cada país irá apresentar
características próprias, bem como o seu arranjo do ponto de vista institucional – sua
natureza (pública ou estatalmente regulada), organização administrativa e forma de
financiamento aos programas (combinações entre recursos governamentais e
contribuições de empregadores e/ou empregados). Cada país possui características
próprias internas – de conformação histórico-territorial, política, sociais e econômicas –,
que não permitem uma linearidade do percurso percorrido em cada democracia. Tem-se
a existência de “[...] altos e baixos, bem como avanços, estagnações e retrocessos”,
devido às prioridades políticas, os instrumentos adotados e formas de efetivação. Esta
42

última pode ser vislumbrada em diversas modalidades, por meio de “parcerias com
outras agências (incluindo entidades privadas mercantis e não mercantis) e ações
realizadas, ora por governos federais, ora por autoridades locais” (BRIGGS In:
PEREIRA, 2008, p.45). O que é possível depreender de todas as experiências
democráticas é que a proteção social inserida na agenda pública, após as lutas dos
trabalhadores por direitos, faz parte das conquistas civilizatórias e evidencia as
contradições entre a lógica da acumulação do capital e a redistribuição da riqueza
socialmente construída.

1.3.2. Welfare State em crise?

Após quase três décadas de expansão e sucesso – período denominado por


Hobsbawn (1995) de “era dourada” devido às altas taxas de crescimento econômico
vista não somente em países de economia central, mas também nos de economia
periférica, bem como no bloco socialista, – o Estado de Bem-Estar Social passou a
enfrentar limites consideráveis e obstáculos crescentes à sua continuidade no centro do
capitalismo mundial. A mudança de cenário se deu devido a diversos fatores, tais como:
o término do desenvolvimentismo pós-guerra gerado pelo esgotamento dos acordos de
Bretton Woods15; as crises do petróleo; as crises de liquidez e a instabilidade do
mercado financeiro internacional; e pelas condições requeridas de integração
competitiva dado pelo processo de globalização, testemunhadas sobretudo na década de
1990.
Segundo Hobsbawn (1995), na década de 1960, os anos de ouro do “capitalismo
regulado” começaram a apresentar sinais de exaustão. Observa-se na década de 1970 o
começo de seu colapso.
[...] As taxas de crescimento, a capacidade do Estado de exercer suas
funções mediadoras civilizadoras cada vez mais amplas, a absorção de
novas gerações no mercado de trabalho, restrito já naquele momento
pelas tecnologias poupadoras de mão-de-obra, não são as mesmas,
contrariando as expectativas de pleno emprego, base fundamental
daquela experiência. As dívidas públicas e privadas crescem
perigosamente... A explosão da juventude em 1968, em todo o mundo,
e a primeira grande recessão – catalisada pela alta dos preços do
petróleo em 1973-1974 – foram os sinais contundentes de que o sonho
do pleno emprego e da cidadania relacionada à política social havia
terminado no capitalismo central e estava comprometido na periferia

15
Esses acordos deram origem ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e possibilitaram o
disciplinamento do sistema monetário internacional por três décadas.
43

do capital, onde nunca se realizou efetivamente [...] (BEHRING et


BOSCHETTI, 2006, p.103).

A crise do petróleo, a severa recessão de 1973, o fim do acordo de Bretton Woods


e a estagflação significaram uma decomposição dos Estados Unidos16 enquanto centro
multinacional capitalista, porém isto não significou perda de sua influência militar e
política. O capitalismo fordista apresentou grandes dificuldades em escapar ao dilema
entre recessão profunda ou inflação acentuada e tem-se, com isto, o enfraquecimento e o
aparecimento de sérias contradições deste sistema (BONANNO, 2008). Como aponta
Harvey, (1992, p.135), “na superfície, essas dificuldades podem ser melhor apreendidas
por uma palavra: rigidez”. Continua o autor:
Havia problemas com a rigidez dos investimentos de capital fixo de
larga escala e de longo prazo em sistemas de produção em massa que
impediam muita flexibilidade de planejamento e presumiam
crescimento estável em mercados de consumo invariantes. Havia
problemas de rigidez nos mercados, na alocação e nos contratos de
trabalho (especialmente no chamado setor “monopolista”). E toda
tentativa de superar esses problemas de rigidez encontrava a força
aparentemente invencível do poder profundamente entrincheirado da
classe trabalhadora – o que explica as ondas de greve e os problemas
trabalhistas do período 1968-1972. (HARVEY, 1992, p.135).

A disfunção entre a rigidez da produção em larga escala (expressas pela crise de


superprodução de 1974/1975) e a dos compromissos do Estado17, e a flexibilização da
política monetária18 são vislumbradas como responsáveis pelo declínio do capitalismo
fordista, segundo Hobsbawn (1995) e Harvey (1992). Pela primeira vez, tem-se no
cenário internacional, a combinação de taxas de crescimento em trajetória de queda com
altas taxas de inflação, o que trouxe consigo instabilidade de cunho político e
econômico nos países.

16
Tem-se uma sutil perda de hegemonia econômica dos Estados Unidos no período. Isto ocorre devido ao
aumento da competitividade da parte do Japão e da Alemanha, como economias centrais polarizadoras de
regiões inteiras (BEHRING et BOSCHETTI, 2006).
17
O que se constatou foi a intensificação da rigidez dos compromissos do Estado – “à medida que
programas de assistência (seguridade social, direitos de pensão etc.) aumentavam sob pressão para
manter a legitimidade num momento em que a rigidez na produção restringia expansões de base fiscal
para gastos públicos” (HARVEY, 1992, p.135/6).
18
Segundo Harvey (1992), a política monetária expansionista se colocou como instrumento de resposta
flexível ao problema de rigidez no capitalismo fordista. A capacidade de impressão de moeda – em
qualquer montante – tinha por perspectiva a busca pela manutenção da estabilidade da economia. O
resultado disso foi o surgimento da onda inflacionária que terminou por afundar a expansão que houve no
pós-guerra.
44

Bonanno (2008) acrescenta outros elementos a serem considerados na análise do


esgotamento do padrão keynesiano-fordista erigido desde o segundo pós-guerra. De
acordo com o autor,
[...] nas sociedades ocidentais avançadas, o crescimento dos novos
movimentos sociais, o protesto dos estudantes e as atividades
contraculturais começaram a erodir a estabilidade do Fordismo. A
crise econômica acelerou a desestabilização do “Alto Fordismo”. O
aumento da competitividade nos mercados internacionais (resultante
da recuperação total da Europa e da Ásia devido aos estragos
provocados pela Segunda Guerra Mundial); insuficiência de
investimento de capital em novas tecnologias e estagnação
organizacional, o fracasso do desenvolvimento da política industrial, o
aumento dos custos do bem-estar social e outros fatores, impuseram
ao capitalismo do pós-guerra uma fase de desaceleração (BONANNO,
2008: 29)

Novas estratégias foram adotadas tendo em vista essa conjuntura adversa. A busca
pela redução do processo inflacionário foi dada por meio de um “crescimento mais
lento, da redução do poder das organizações trabalhistas, da aceitação de níveis mais
elevados de desemprego e dos cortes nos salários sociais” (BONANNO, 2008, p. 30).
De acordo com os defensores do livre mercado, a intervenção estatal somente se
justificava quando da existência das falhas de mercado e, ainda assim, de maneira
pontual e limitada no tempo19.
Nessa nova conjuntura, o Estado de Bem-Estar social passa a ser questionado,
inicialmente em virtude da adoção de políticas deflacionistas que, segundo a vertente
neoliberal em voga a partir da década de 1980, terminaram por afetar a própria
capacidade fiscal dos Estados, ocasionando, segundo eles, crises de governabilidade e
legitimidade. A primeira decorrente dos agravamentos da esfera fiscal, incluindo-se a
necessidade de controle do déficit público20 e, a segunda relacionada à dificuldade de se
governar.
Para o entendimento de como, no campo ideológico, deu-se a configuração dessa
ordem de coisas, há necessidade da compreensão da origem do neoliberalismo, ou seja,
um fenômeno distinto do liberalismo clássico do século XIX, e que fundamentou esse
novo caminho, conformando as bases teóricas para o enfraquecimento das estruturas
19
Também são determinantes para a ocorrência dessa crise as disfunções burocráticas e o modo pelo qual
são implementados os serviços públicos, abordagem que ficou conhecida na literatura pela denominação
de falhas de governo (BONANNO,2008).
20
Segundo autores, a ingovernabilidade tem por característica a crise fiscal, que se encontra relacionada
ao excesso de demanda, ou melhor, aos padrões de demanda mais exigentes e complexos por parte dos
atores sociais. A necessidade de controle do déficit público se inclui devido a existência de uma nova
realidade econômica mundial globalizante.
45

capazes de sustentar os Welfare States em diversos países do mundo. De acordo com


Anderson (1995:9):
O neoliberalismo nasceu logo depois da II Guerra Mundial, na região
da Europa e da América do Norte onde imperava o capitalismo. Foi
uma reação teórica e política veemente contra o Estado
intervencionista e de bem-estar. Seu texto de origem é O Caminho da
Servidão, de Friedrich Hayek, escrito já em 1944. Trata-se de um
ataque apaixonado contra qualquer limitação dos mecanismos de
mercado por parte do Estado, denunciada como uma ameaça letal à
liberdade, não somente econômica, mas também política.

Segundo o autor, três anos após a publicação de Hayek (1944), enquanto as bases
do Estado de bem-estar na Europa do pós-guerra efetivamente se construíam, Hayek,
convocou, em 1947, aqueles que compartilhavam sua orientação ideológica para uma
reunião em Mont Pèlerin na Suíça. Como resultado dessa reunião, Hayek fundou,
juntamente com Milton Friedman, Karl Popper, Lionel Robbins, Ludwig Von Mises,
Walter Eupken, Walter Lipman, Michael Polanyi, Salvador de Madariaga, entre outros
opositores não somente do Welfare State, mas também do New Deal norte-americano,
uma instituição franco-maçônica altamente organizada que viria a se reunir
internacionalmente a cada dois anos. De acordo com Anderson (1995:10):
seu propósito [da organização] era combater o keynesianismo e o
solidarismo reinantes e preparar as bases de um outro tipo de
capitalismo, duro e livre de regras para o futuro. As condições para
este trabalho não eram de todo favoráveis, uma vez que o capitalismo
avançado estava entrando numa longa fase de auge sem precedentes –
sua idade de ouro –, apresentando o crescimento mais rápido da
história, durante as décadas de 50 e 60. Por esta razão, não pareciam
muito verossímeis os avisos neoliberais dos perigos que
representavam qualquer regulação do mercado por parte do Estado. A
polêmica contra a regulação social, no entanto, tem uma repercussão
um pouco maior. Hayek e seus companheiros argumentavam que o
novo igualitarismo (muito relativo, bem entendido) deste período,
promovido pelo Estado de bem-estar, destruía a liberdade dos
cidadãos e a vitalidade da concorrência, da qual dependia a
prosperidade de todos.

O autor destaca que, desafiando as ideias em voga no período, esses teóricos


argumentavam que a desigualdade era um valor positivo imprescindível em si, e que de
tal valor dependia a organização das sociedades ocidentais, permanecendo tal
pressuposto apenas em teoria por mais ou menos vinte anos.
No entanto, com a chegada da grande crise do modelo econômico do pós-guerra,
em 1973, quando todo o mundo capitalista avançado caiu numa longa e profunda
recessão, combinando, pela primeira vez, baixas taxas de crescimento com altas taxas
46

de inflação, houve um terreno fértil e propício para a execução do ideário neoliberal.


Segundo Hayek e seus companheiros, as raízes da crise se encontravam no poder
excessivo e nefasto dos sindicatos e, de maneira mais geral, do movimento operário, que
havia corroído as bases de acumulação capitalista com suas pressões reivindicativas
sobre os salários e com sua pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada vez
mais os gastos sociais. No bojo dessas ideias, para Hayek e seus adeptos, estavam claras
as medidas que serviriam de remédio para a crise:
O remédio, então, era claro: manter um Estado forte, sim, em sua
capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do
dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e nas intervenções
econômicas. A estabilidade monetária deveria ser a meta suprema de
qualquer governo. Para isso seria necessária uma disciplina
orçamentária, com a contenção dos gastos com bem-estar, e a
restauração da taxa “natural” de desemprego, ou seja, a criação de um
exército de reserva de trabalho para quebrar os sindicatos. Ademais,
reformas fiscais eram imprescindíveis, para incentivar os agentes
econômicos. Em outras palavras, isso significava reduções de
impostos sobre os rendimentos mais altos e sobre as rendas. Desta
forma, uma nova e saudável desigualdade iria voltar a dinamizar as
economias avançadas, então às voltas com uma estagflação, resultado
direto dos legados combinados de Keynes e de Beveridge, ou seja, a
intervenção anticíclica e a redistribuição social, as quais haviam tão
desastrosamente deformado o curso normal da acumulação e do livre
mercado. O crescimento retornaria quando a estabilidade monetária e
os incentivos essenciais houvessem sido restituídos. (Anderson,
1995:11).

No início da década de 1980, mais precisamente em 1981, de acordo com


Anderson (1995), a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OECD) publicou um relatório com um título altamente significativo e com efeitos
práticos para o período: The Welfare State in Crisis. Esse documento apresentou um
diagnóstico de modo incisivo da situação de crise de governabilidade dos Estados
nacionais:
The rapid growth of social programmes in the 1950 and 1960s in
OECD countries was closely related to high rates of economic growth
and, thus, to the successful management of the OECD economies. The
lower growth performance of the OECD economies since the early
1970s was bound to disrupt the continuing extension of programmes
and the growth of benefits and in that sense the financial crisis of
social security is closely related to high rates of unemployment not
only because of the growing burden of unemployment compensation,
but because unemployment has an impact on a wide range of social
expenditures. Moreover, it begins to be argued that some social
policies have negative effects on the economy, even to the extent of
partly inhibiting the return to non-inflationary growth. (OECD apud
FIORI, 2007, p.12).
47

A invenção da chamada “crise de governabilidade” dos Estados pressionados pelo


excesso de demandas vai renovar o debate acerca do modelo econômico-político
existente. Nesse ínterim, foram as ideias neoconservadoras, ou melhor, neoliberais que
saíram politicamente vitoriosas, “difundindo-se de forma implacável por todo o mundo
a partir de sua vitória no eixo anglo-saxão” (FIORI, 2007, p.13) – por meio da
imposição de uma mudança decisiva nas políticas de inflação baixa e desemprego
elevado, pelo Thatcherismo e o Reaganismo, no final dos anos 1970, após várias
tentativas de implementação de remédios keynesianos às crises econômicas – as
políticas de acomodação (BONANNO, 2008; ANDERSON, 1995).
Também foram essas ideias neoconservadoras que “animaram os projetos
neoliberais de reforma dos Estados que acabaram atingindo em cheio os Estados de
Bem-Estar Social, desacelerando sua expansão ou desativando muitos de seus
programas” (FIORI, 2007, p.13). Tem-se nesse contexto, o ingresso do capitalismo em
mais uma metamorfose, sob o viés do programa neoliberal de redução do Estado e da
atividade produtiva. Tem-se a passagem do capitalismo fordista-keynesiano para o pós-
fordista-neoliberal, na transição do século XX para o XXI (HARVEY, 1992). As
mudanças ocorridas em virtude do processo de difusão no campo político-ideológico do
‘pensamento único’ neoliberal, que mais adiante se estendeu ao campo econômico e
produtivo, não se configuraram exatamente em um rompimento com o modelo adotado
anteriormente. Podem ser consideradas como uma espécie de “evolução natural” do
capitalismo que entra em crise e reestrutura-se constantemente (HARVEY, 1992;
HOBSBAWN, 1995).
A proposição do discurso neoliberal reside na substituição do Estado pelo
mercado, por meio de mecanismos ditos ‘mais eficientes’. O desmonte dos sistemas de
bem-estar social vai se constituir como saída à situação de crise existente, por conta das
transformações das demandas sociais, dadas entre outros motivos pelas mudanças
demográficas, que resultam nas solicitações de ampliação do leque de requisitos do
bem-estar coletivo, pelas sociedades. O abalo do Welfare State teve por início a adoção
de medidas de contenção – políticas neoliberais – pelos governos em vários países
europeus e nos Estados Unidos, no final dos anos 1970 e início dos anos 1980.
Nas décadas de 1980 e 1990, o Estado de Bem-Estar social passou por pressões,
tendo em vista a reconfiguração de seu papel. Isso terminou por ter efeitos na
conformação do sistema de proteção social e nas políticas adotadas, sobretudo na esfera
social. As mudanças nesse Estado e nas políticas públicas não se deram de forma linear;
48

sua dinâmica contemplou contenções, retrocessos e reorientações diferenciadas. Porém,


a mudança mais notória, residiu na “guinada de ambos para a direita” (GOUGH apud
PEREIRA, 2008, p.192), ou como colocado por Anderson (1995, p.3), na “onda de
direitização”21. A Inglaterra foi o primeiro país a dar o desvio para a direita em sua
trajetória, com o governo Thatcher22, em 1979; seguido dos Estados Unidos, pelo
governo Reagan, em 1980 e depois por outros que se sucederam23.
A extensão desta mudança – ‘a guinada para a direita’ – alcançou os países em
desenvolvimento, o espaço periférico do sistema capitalista, ainda na década de 1980,
por meio da adoção de ações prescritas pelos chamados pacotes terapêuticos – “as
políticas de ajuste de corte neoliberal imposta pelos credores, organismos internacionais
e governos centrais, em troca da renegociação de suas dívidas e do retorno ao sistema
financeiro internacional” (FIORI, 2002, p.101) –, em função das crises persistentes dos
seus balanços de pagamentos. É importante observar que houve resistências sociais às
novas práticas governamentais, especialmente na América Latina, que foram
redisciplinadas e neutralizadas em seu âmbito político, segundo Laredo (1996) e
Yanuzzi (1992) (apud SANTOS, 2008, p. 4)24.
A oferta de pacotes terapêuticos aos países da periferia do sistema capitalista,
fruto do ‘pensamento único’ neoliberal, vai significar a reinserção – não homogênea –
dessas economias sob a forma desregulada e subordinada às finanças privadas
21
Anderson (1995) salienta que a ‘onda de direitização’ apresentou um fundo político para além da crise
econômica ocorrida no período. Isso se deu devido à eclosão da segunda guerra fria, em 1978, com a
intervenção soviética no Afeganistão e a decisão norte-americana de incrementar uma nova geração de
foguetes nucleares na Europa ocidental. “O ideário do neoliberalismo havia sempre incluído, como
componente central, o anticomunismo mais intransigente de todas as correntes capitalistas do pós-guerra.
O novo combate contra o império do mal – a servidão humana mais completa aos olhos de Hayek –
inevitavelmente fortaleceu o poder de atração do neoliberalismo político, consolidando o predomínio da
nova direita na Europa e na América do Norte” (ANDERSON, 1995, p.3).
22
O pacote de medidas adotado pelos governos Thatcher foi considerado o mais sistemático e ambicioso
de todas as experiências neoliberais em países de capitalismo avançado. As medidas adotadas residiram
na contração da emissão monetária, elevação das taxas de juros, redução drástica dos impostos sobre os
rendimentos altos, eliminação dos controles sobre os fluxos financeiros, criação de níveis de desemprego
massivos, combate às greves, imposição de uma nova legislação antissindical e cortes dos gastos sociais.
E, mais adiante, o lançamento de amplo programa de privatização, começando por habitação pública e
passando em seguida a indústrias básicas como o aço, a eletricidade, o petróleo, o gás e a água.
(ANDERSON, 1995).
23
Os primeiros países a realizarem uma mudança da trajetória do Estado de Bem-Estar para a direita
foram: a Inglaterra, em 1979 (governo Thatcher); Estados Unidos (governo Reagan, 1980); Alemanha
(governo Khol, 1982) e Dinamarca (governo Schlutter, 1983) (BEHRING e BOSCHETI, 2006).
Informações mais detalhadas podem ser obtidas em Anderson (1995).
24
Laredo (apud SANTOS, 2008, p. 4) argumenta que com “a ascensão dos governos neoliberais ao poder
na América Latina, no início dos anos 1990, começaram a ser aplicadas as políticas nacionais e regionais
baseadas no convencimento quase mágico das propriedades transformadoras do mercado e na necessidade
de limitar o papel do Estado, reduzindo-o a um simples árbitro dos conflitos econômico-sociais que
puderem aparecer”.
49

internacionais25. Esses pacotes se inserem no contexto de imposição de um novo


modelo econômico – menos Estado, fim de fronteiras, desregulação dos mercados,
moedas fortes, privatizações, equilíbrio fiscal, competitividade global –, denominada de
Consenso de Washington.
O surgimento de uma nova faceta da organização capitalista se deu em meados da
década de 1980. A competição global ou sistêmica inaugurada pela desregulação dos
mercados nacionais e a ocorrência de transformações de grande relevância na base
tecnológica – a chamada Terceira Revolução Industrial26 –, trouxe consigo alterações
profundas nas relações de trabalho e no próprio sistema produtivo (introdução de
técnicas capital-intensivas e poupadoras de mão-de-obra como toyotismo27, just-in-
time28 dentre outras). Isso significou a expansão da dificuldade de absorção das novas
gerações no mercado de trabalho, sobretudo em uma situação de ampliação das taxas de
crescimento populacional, contrariando as falsas expectativas de pleno emprego dadas
pelo processo de flexibilização organizacional; e a preponderância das altas finanças,
com hipertrofia das operações financeiras (TENÓRIO, 2000).
Na virada do século XX para o XXI tem-se o processo de reconfiguração do
capitalismo em um sistema econômico reconhecido como global29. Afirma-se o

25
A adoção dessas políticas de ajuste neoliberal, vão resultar em um maior distanciamento dos países
localizados na periferia do sistema mundial – “entrada em uma rota de baixo crescimento, entrecortado
por crises, recessões e ajustes fiscais cada vez mais draconianos” (FIORI, 2002, p.88) –; e na trajetória
destrutiva dos ex-países comunistas. Convém ressaltar que essa nova crença econômica liberal “serviu
como arma ideológica na ofensiva interna que conduziu Thatcher, Reagan e as ‘altas finanças’ ao
comando político-econômico do mundo anglo-saxão” (FIORI, 2002, p.76).
26
A Terceira Revolução Industrial rompeu com o paradigma tecnológico anterior – taylorismo-fordismo –
caracterizando-se “pelo uso da energia atômica, pelo progresso científico-técnico nos campos da química
e da biologia e pelo crescimento da tecnologia da informação (TI) – interação da microeletrônica, da
informatização e da telecomunicação” (TENÓRIO, 2000, p.169).
27
O toyotismo é uma das formas de organização do trabalho que nasce a partir da fábrica Toyota, no
Japão, e que vem se expandindo pelo Ocidente capitalista, tanto nos países avançados quanto naqueles
que se encontram subordinados. Esse modelo de produção tem ocupado a vanguarda das novas formas de
produzir posteriores à crise do fordismo-taylorismo, embora não seja o único, conforme salienta Sampaio
Oliveira (2008). Essa forma de organização do trabalho encontra-se ancorada no “contexto da
complexidade-diferenciação pós-moderna, para constituir-se um novo paradigma no processo produtivo.
É caracterizado por ter sua produção vinculada à demanda, desenvolvimento de produtos diferenciados,
adequados aos interesses e necessidades do adquirente, resultado de ação em equipe de técnicos com
multifunções e especialidades” (ANTUNES In: SAMPAIO OLIVEIRA, 2008, p.6)
28
Conforme Robbins (2000), os sistemas de estoque just-in-time mudam a tecnologia em torno da qual
são administrados os estoque. Em lugar de serem armazenados, os itens de estoque chegam no momento
em que são requisitados pelo processo de produção. Daí tem-se a redução de desperdícios na produção.
29
No campo econômico tem-se a globalização financeira. As origens das transformações nesse setor se
deram devido ao processo de desregulação dos mercados de capitais das principais economias do mundo
iniciada com a criação do euromercado de dólares e com término do sistema de paridade cambial do
sistema Bretton Woods, iniciado na década de 70. Tem-se um processo cumulativo, dados pela flutuação
das taxas de juros e do valor das principais moedas do mundo, decorrendo em um processo de
50

paradigma pós-fordista, decorrente do movimento de ruptura do modelo paradigmático


anterior taylorista-fordista30.
[...] o pós-Fordismo global é um sistema que permite que as
corporações tenham maior mobilidade e obtenham vantagens sobre a
qualidade dos novos instrumentos que são empregados para evitar a
rigidez na economia e na sociedade. De fato, o consumo local e os
mercados de trabalho são vistos como recursos que podem ser
incluídos ou excluídos dos circuitos globais de acordo com as
necessidades das corporações. Simultaneamente, as localidades são
vistas como relações sociais que são capazes de se oporem ou
favorecerem as estratégias das corporações transnacionais. Na
essência, o pós-Fordismo global não é um sistema globalizado mas
um sistema de mobilidade global e de ações globais que opera em
reação às condições que se manifestam nos territórios locais e
regionais (BONANNO, 2008, p. 31/32).

O aumento da flexibilidade em escala global, a mobilidade de capital e a liberdade


para colonizar e mercantilizar praticamente todas as esferas, destruindo-se as fronteiras
sociais e espaciais relativamente fixas e gerando-se uma descentralização da produção
são, segundo Bonanno (2008) e Harvey (1992), as características mais relevantes do
pós-fordismo. Esse padrão é responsável pela transferência do eixo da produção
industrial para o segmento de serviços31 – ao lado do setor terciário tradicional, tem-se o
quaternário (sindicatos, bancos e seguradoras), e o quinário (serviços de saúde,
educação, pesquisa científica, lazer, administração pública) –, e pela busca por lucros
via especulação financeira, particularmente nos serviços das dívidas dos países.
O mundo do trabalho não ficou indiferente às mudanças ocorridas neste novo
panorama uma vez que o pós-fordismo “enseja alterações profundas nos contratos de
trabalho, pois pretende aviltar as relações de trabalho e as conquistas obtidas no
especulação em torno das variações do câmbio, transformando as moedas em ativo financeiro; e,
simultaneamente, pela instabilidade e risco gerados por estas flutuações do câmbio, incentivando, assim,
as inovações financeiras – o surgimento dos derivativos. Faz-se necessário enfatizar que a revolução
financeira, que se verificou na década de 80, originou um novo padrão monetário internacional – o ‘dólar-
flexível’ –; porém, esse não foi pactuado como no sistema de Bretton Woods.
30
Para alguns autores, a ruptura do paradigma taylorista-fordista foi gerada pela sua “inflexibilidade em
aderir a novos parâmetros que não exclusivamente técnicos, isto é, relacionados exclusivamente à
organização da produção, mas também por parâmetros socioeconômicos com consequências diretas na
relação capital x trabalho. Isso ocorre na medida em que a crise passa agora a ser protagonizada pela
sociedade como um todo, o que vai exigir dos sistemas-empresa uma nova base institucional, consequente
com as novas realidades econômicas, políticas e sociais em que o determinante é o mercado e não mais
mediações do Estado” (TENÓRIO, 2000, p.159).
31
Para De Masi (2003), a preponderância do setor terciário transforma e supera todos os termos da
sociedade industrial, que se caracterizava pela fábrica de grandes dimensões, pelo ritmo da máquina
imprimindo à natureza do trabalho, pelas lutas operárias, expressões de um conflito de classe polarizado.
Esse autor fixa como o período de surgimento da ‘sociedade pós-industrial’ ou ‘pós-moderna’, o ano de
1956, “ano em que, pela primeira vez nos Estados Unidos, os trabalhadores da área administrativa
superaram em termos numéricos os da área de produção” (DE MASI, 2003, p. 37).
51

contexto do sindicalismo forte e do Estado do Bem-Estar-Social” (SAMPAIO


OLIVEIRA, 2008, p.8). Tem-se com isso o ataque aos contratos de trabalho em três
sentidos:
[...] no interno, exigindo a flexibilização dos direitos e garantias dos
empregados; no externo, retirando a proteção ou regulamentação da
relação de trabalho, através da precarização; no misto, expulsando
seus trabalhadores do quadro da empresa para realocá-los em
empresas prestadoras de serviço, mediante a terceirização (SAMPAIO
OLIVEIRA, 2008, p.8).

Nessa nova conjuntura, a flexibilização tem servido à diminuição da proteção


trabalhista, e também previdenciária, com fundamentos econômicos em favor da
redução dos custos de produção e aumento de lucros das firmas. A flexibilização se
colocou como elemento fundamental para a obtenção de êxito das firmas em um cenário
mais competitivo – diga-se globalizado. Isso tem efeitos perversos na organização
associativa dos trabalhadores, dado que uma dispersão da categoria de prestadores de
serviços termina por dificultar a formação ou o fortalecimento de um sindicato que
possa representar e pleitear melhoria nas condições de trabalho.
A flexibilização das relações de trabalho, para Castel (2005, p.21) apresenta-se
como reflexo do fim da sociedade do trabalho, ou seja, o trabalho formal perde a sua
centralidade na sociedade atual. Isso é constatado por meio do desemprego em massa e
da instabilidade das situações de trabalho – “a multiplicação de indivíduos que ocupam
na sociedade uma posição de supranumerários, ‘inimpregáveis’, inimpregados ou
empregados de um modo precário, intermitente”. Viana (apud SAMPAIO OLIVEIRA,
2008, p.13) observa que o novo paradigma capitalista em vez de incluir, exclui. –
“empregados, direitos, políticas sociais e etapas do processo produtivo”.
A concepção de seguridade social que tem por alicerce o tipo de estruturação da
condição salarial que se impôs na sociedade industrial – sociedade salarial fordista –, se
encontra sob forte ameaça, em processo de deterioração que, somado à degradação do
trabalho, termina por resultar em um círculo vicioso. Tem-se com isso o movimento de
inflexão da trajetória de expansão realizada pelos sistemas de proteção social dos países,
desde a Segunda Guerra.
O capitalismo keynesiano cedeu lugar ao capitalismo neoliberal. Isso, tendo por
paradigma o modelo de acumulação pós-fordista, em uma sociedade que certos autores
52

denominam de pós-moderna32 ou também denominada de sociedade pós-industrial33.


Diferentemente, porém, do que fora anunciado no final da década de 1980 do século
passado por alguns estudiosos34, não ocorreu o óbito do Welfare State, devido ao
desenvolvimento de uma sociedade do pós-trabalho, ao menos o trabalho formal em
larga escala. De acordo com Werneck Vianna (2000), apesar da adversidade do cenário
que se apresentou, isso não significou o desmonte dos sistemas de proteção social dos
países desenvolvidos, mas sua reestruturação, ainda que com perdas sociais. Destacam-
se neles, por parte do governo, um importante papel em amortizar a crise com o objetivo
de conter os efeitos da recessão e atenuar o agravamento de injustiças sociais.
Articulado a esse cenário, é preciso considerar as especificidades do sistema de
proteção social brasileiro em sua trajetória histórica para aí situar nossa análise sobre o
BPC. É desse aspecto que se debruçará o próximo capítulo.

32
“[...] o pós-moderno se confunde com o pós-fordismo também como paradigma social e de produção,
na medida em que a relação capitalismo-industrialismo atua em função da crescente busca de técnicas
racionalizadoras que flexibilizem as demandas diferenciadas da sociedade pós-industrial” (TENÓRIO,
2000, p.133).
33
Os cinco aspectos que definem esta sociedade segundo Bell (In: DE MASI, 2003, p.35), são: “1) a
passagem da produção de bens para a economia de serviços; 2) a preeminência da classe dos profissionais
e dos técnicos; 3) o caráter central do saber teórico, gerador da inovação e das idéias diretivas nas quais a
coletividade se inspira; 4) a gestão do desenvolvimento técnico e o controle normativo da tecnologia; 5) a
criação de uma nova tecnologia intelectual”.
34
Para maior detalhamento, verificar trabalho de Werneck Vianna, 2000. A autora destaca Offe e
Habermas, em sua nota explicativa.
53

Capítulo 2: O sistema brasileiro de proteção social: trajetória histórica e


desafios atuais

Esse capítulo é dedicado à abordagem da trajetória histórica do sistema brasileiro


de proteção social, buscando identificar suas especificidades bem como as
características marcantes em diferentes momentos históricos. Entendemos que o exame
do Benefício de Prestação Continuada enquanto mecanismo de proteção social dirigido
a idosos e deficientes extremamente pobres no Brasil não pode prescindir de situar sua
conformação em meio ao padrão de intervenção estatal no Brasil consolidado
historicamente.

2.1. Trajetória histórica da proteção social no Brasil

No Brasil, o surgimento da política social e o seu posterior desenvolvimento não


pode ser vislumbrado sem ter em vista o quadro de formação do capitalismo nacional,
dado que “não fomos o berço da Revolução Industrial e as relações sociais capitalistas
desenvolveram-se aqui de forma bem diferente dos países de capitalismo central, ainda
que mantendo suas características essenciais” (BEHRING et BOSCHETTI, 2006, p.71).
O país encontra-se localizado na periferia do sistema capitalista e apresenta
características próprias em virtude da trajetória histórica quanto ao seu processo de
formação como economia capitalista, como salientado por Pochmann (2004) ao
evidenciar que o estabelecimento da estrutura industrial nacional “não se deu livremente
no mercado internacional, mas sim dependente fundamentalmente das brechas
históricas. ”35.
A inserção do Brasil na dinâmica do mercado mundial, desde o período de sua
colonização, se deu pelo seu caráter de subordinação e dependência ao mercado
mundial, apesar da alteração histórica das condições dessa relação – Brasil Colônia,
Império e República. A sua formação social é caracterizada pela heteronomia e pela

35
Pochmann (2004, p. 7), considera que a realização do exame da proteção social no Brasil não pode
deixar de levar em consideração a condição de pertencimento do país à periferia econômica, prisioneira
do subdesenvolvimento. Ele observa que mesmo que o Brasil tenha avançado consideravelmente no
processo de industrialização durante o século XX, o país “não foi capaz de abandonar as principais
características do subdesenvolvimento, tais como a disparidade na produtividade setorial e regional e a
permanência de grande parte da população prisioneira de condições precárias de vida e trabalho”.
54

dependência36. Behring e Boschetti (2006, p.73) salientam o modo pelo qual o


liberalismo é absorvido pelas elites nacional. Segundo as autoras,
[...] a equidade configura-se como emancipação das classes
dominantes e realização de um certo status desfrutado por elas, ou
seja, sem incorporação das massas; na visão de soberania, supõe-se
que há uma interdependência vantajosa entre as nações, numa
perspectiva passiva e complacente na relação com o capital
internacional; o Estado é visto como meio de internalizar os centros de
decisão política e de institucionalizar o predomínio das elites nativas
dominantes, numa forte confusão entre o público e o privado.

Nesse contexto, a absorção do liberalismo possibilitou uma mudança do horizonte


cultural das elites e a organização moderna dos poderes, dando as bases para o sistema
republicano. Entretanto, isso não significou a dinamização da construção de uma ordem
nacional autônoma em toda a sua dimensão. Isso é vislumbrado por meio da efetivação
de um desenho formal moderno e liberal das instituições como a burocracia e a justiça,
que, na realidade, eram regidas por relações de clientelismo (NUNES, 2004). Pode-se
dizer que o Estado nacional “nasceu sob o signo de forte ambiguidade entre um
liberalismo formal como fundamento e o patrimonialismo como prática no sentido da
garantia dos privilégios das classes dominantes” (FERNANDES apud BEHRING e
BOSCHETTI, 2006).
Pochmann (2004) observa que a difusão do trabalho assalariado e do regime
democrático constituiu um dos alicerces dos sistemas de proteção social nas economias
centrais, mas que no Brasil isso foi efetivamente introduzido somente a partir da
abolição da escravatura, em 1888 e da implantação do regime político republicano, no
ano seguinte. Cabe salientar que o Brasil foi o último país a abolir o trabalho escravo, o
que significou uma transição extremamente conservadora para o assalariamento, dada
pela imigração de mão-de-obra europeia e asiática, deixando a população negra – os ex-
escravos – excluída da possibilidade de imediata integração pelo emprego salarial. A
implantação do regime republicano, por sua vez, não se deu por meio de participação
popular e seu avanço, ao longo do tempo, não se traduziu em maior democratização

36
A inserção do Brasil na economia internacional foi marcada por seu relacionamento com o mercado
externo, desde o Brasil Colônia, por meio da produção de poucos bens primários – pauta de exportação
com reduzido nível de diversificação. Até as primeiras décadas do Brasil República, tem-se o processo de
desenvolvimento nacional dado pelo mercado consumidor estrangeiro. Maria da Conceição Tavares, em
1975, denominou esse tipo estrutura econômica como modelo de desenvolvimento do país ‘voltado para
fora’; em virtude, do elevado peso relativo do setor externo. Para maior detalhamento desse modelo de
desenvolvimento que caracterizou não apenas o Brasil, mas boa parte da América Latina, ver Tavares
(1975).
55

política do país, sobretudo quando temos em vista o período ditatorial que fica explicito
em 1937.
O quadro estrutural que a sociedade brasileira apresenta no início do período
republicano vai significar uma demora no processo de conscientização operária e busca
por ações de cunho político. As primeiras manifestações operárias37 registradas no
início do século XX procuravam obter dos empresários e dos políticos algum tipo de
proteção ao trabalho que levasse à criação de uma legislação social no país.
As questões sociais no período da República Velha (1889-1930) foram entendidas
como um ‘caso de polícia’38, devido às manifestações públicas – enfrentadas por meio
do uso da repressão e autoritarismo das forças públicas e privadas –, revelando uma
atitude defensiva dos governos que se sucederam39. A transformação dessa visão – ‘a
questão social em um problema de Estado’ – se dará somente a partir de 1930, quando
se alterou o jogo político interno que até então prevalecia no país – por mais de quatro
séculos –, dependente significativamente das classes proprietárias rurais. É a partir
desse momento que se tem o estabelecimento do projeto de industrialização no país,
considerado tardio, dado que não houve a passagem pela sequência artesanato-
manufatura-indústria – a industrialização nacional ‘pulou etapas’40.

37
O movimento operário brasileiro viveu anos de fortalecimento entre 1917 e 1920, quando as principais
cidades brasileiras foram sacudidas por greves. Uma das mais importantes foi a greve de 1917 em São
Paulo, em que 70 mil trabalhadores cruzaram os braços exigindo melhores condições de trabalho e
aumentos salariais. A greve durou uma semana e foi duramente reprimida pelo governo paulista.
Finalmente chegou-se a um acordo que garantiu 20% de aumento para os trabalhadores (CPDOC, 1996).
De acordo com Behring e Boschetti (2006, p.80), a formação dos primeiros sindicatos no Brasil se dá na
passagem para o século XX, na agricultura e nas indústrias rurais a partir de 1903, dos demais
trabalhadores urbanos a partir de 1907, quando é reconhecido o direito de organização sindical. Vale
salientar que esse processo se dá sob uma forte influência dos imigrantes que traziam os ares dos
movimentos anarquista e socialista europeus para o país.
38
A classificação da questão social como ‘caso de polícia’ foi cunhada pelo presidente Washington Luís.
39
Cohn (2000, p.387/8) explana que a questão social no Brasil, nas três primeiras décadas do século XX
era vislumbrada como um ‘fenômeno excepcional e episódico’, que demandava iniciativas pontuais do
Estado e largamente sob a responsabilidade da filantropia, como algo pertencente à esfera privada. A
pesquisadora salienta que esse processo de acelerada modernização da sociedade vem acompanhado
também de um vigoroso movimento dos novos segmentos sociais então emergentes nesse novo cenário
social em constituição, e que são as classes assalariadas urbanas. Associados a sucessivas políticas e
medidas de incentivo à imigração, os primórdios desse setor industrial passam a contar com a força de
trabalho europeia, com fortes raízes na luta operária em seus países de origem, em especial de inspiração
anarquista”.
40
O Brasil se industrializou de modo retardatário, admite-se que o país não tenha passado pela sequência
artesanato-manufatura-indústria, ou seja, foi possível ‘saltar etapas’, no sentido de ingressar em um
estágio técnico semelhante ao dos países mais avançados. Isso é constatado pelo “predomínio das grandes
empresas industriais, já mecanizadas, no conjunto da indústria brasileira (ou, pelo menos, nos ramos
industriais mais importantes)” (GREMAUD et al., 1997, p.67). Faz-se necessário destacar que “mesmo
que a empresa tenha tido alguma importância na fase inicial, logo se passa para a grande indústria,
reafirmando, assim, essa característica da industrialização retardatária” (GREMAUD et al., 1997, p.69
apud AZEVEDO,2007).
56

O processo de modernização brasileiro é marcadamente segmentado, com setores


industriais modernos convivendo com setores tradicionais e com a economia agrário-
exportadora. É nessa conjuntura que a proteção social ganhou expressão no país, apesar
dessa mudança não ter significado de fato uma revolução burguesa no sentido clássico,
conforme observado por Pochmann (2004), tendo por referência o centro do capitalismo
mundial.
A partir da Revolução de 30, quando se estabeleceu o projeto de
industrialização, que já era tardio em comparação com as fases de
industrialização originária ocorridas no centro do capitalismo mundial,
grande parte do custo de reprodução da força de trabalho foi
externalizado da estrutura interna de produção da empresa. Em outras
palavras, além de cobrir alimentação e vestuário, o salário recebido
mensalmente pelo empregado urbano teve que cobrir também
despesas com moradia, previdência e assistência, educação, saúde,
entre outros (POCHMANN, 2004, p. 10).

Ressalta-se que, conforme afirmam vários autores, a constituição da política social


de um país encontra-se relacionada à luta de classes existente em seu território. O
nascimento da proteção social no Brasil se deu pela vinculação com o trabalho – e se
estruturou em função da inserção na estrutura ocupacional e do acesso benefícios
vinculados a contribuições pretéritas (SANTOS, 1987), tendo como marco o início dos
anos 1930. Assim, foi somente a partir da década de 1930, com Getúlio Vargas, que a
legislação social passou a ser realmente implementada no país, tanto na área trabalhista
quanto na previdenciária. Tem-se a construção do chamado ‘Estado de Compromisso’ –
um processo de conciliação nacional, apoiado no industrialismo, no nacionalismo e no
trabalhismo – de caráter populista, em que o presidente Getúlio Vargas assume papel de
árbitro ou mediador entre os diversos interesses em jogo. Seus objetivos residiram no
atendimento dos interesses das novas elites urbanas, na preservação de privilégios dos
latifundiários, na incorporação dos tenentes à estrutura de poder e na busca do apoio da
classe operária41.
Com a Revolução de 1930, tem-se o processo de centralização política e
administrativa com o intento de fortalecer o Estado nacional. Isso possibilitou a
coordenação, a regulamentação e o planejamento de diversas atividades assumidas pelo

41
Nesse contexto, importa observar que a industrialização, combinada com a urbanização, reservou à
classe operária um importante papel dentro do projeto nacionalista e levou o Estado a desenvolver uma
política de manipulação, com a perseguição às antigas lideranças sindicais, influenciadas pelo
anarquismo. Esse projeto preocupou-se em atrelar o movimento sindical ao Estado por meio do
assistencialismo, o que veio a eliminar gradualmente a consciência de classe (AZEVEDO, 2007).
57

governo federal, por meio da criação de órgãos federais. O Estado, neste momento,
passou a ter um papel fundamental no desenvolvimento do país; sobretudo na mudança
de seu padrão. A ele passou a caber quatro funções principais: adequação do arcabouço
institucional à indústria, a geração de infraestrutura básica, o fornecimento dos insumos
básicos e a captação e distribuição da poupança.

2.1.1. Previdência e Assistência Social: origens da Proteção Social Brasileira

Para a compreensão da Proteção Social Brasileira até as bases que alicerçaram a


“instauração” da Seguridade Social em 1988 defendida pela Carta Magna, faz-se
necessário explicitar minimamente o desenvolvimento institucional da previdência e da
assistência nos seus primórdios.
Segundo Boschetti (2006, p.11), em 1889, logo após a Abolição da Escravidão (13
de maio de 1888) e antes da Proclamação da República (15 de novembro de 1889), já
existiam dois tipos de instituição de Proteção Social: as associações privadas restritas a
algumas profissões, como a Sociedade Musical de Benemerência (1834) e a Sociedade
de Animação da Corporação de Artífices (1838) e o estabelecimento ou programas
públicos tais como o Plano de Assistência aos Órfãos e Viúvas dos Profissionais da
Marinha (1795), o Montepio do Exército (1827) e o Montepio da Economia (1835).
Ainda antes da República, algumas leis criaram caixas de socorro, garantindo pequenas
ajudas durante período de doença e/ou morte aos empregados da estrada de ferro (Lei
3.397 de 24/11/1888) e estabeleceram fundos de pensões pagos aos funcionários da
Imprensa Nacional (Decreto 10.269 de 20/07/1989) (SANTOS, 1987).
Nos primeiros anos da República, outras medidas foram tomadas, sem, no
entanto, afetar os dispositivos existentes. A única prestação monetária na época era a
aposentadoria, reservada a poucos funcionários públicos. Várias leis foram promulgadas
entre 1889 e 1923, sendo este último o ano de promulgação da Lei Eloy Chaves,
reconhecida como ponto de partida do Sistema de Previdência Social brasileiro
(SANTOS, 1987; BOSCHETTI, 2006). Tais leis incorporavam novos funcionários ao
sistema de aposentadorias: funcionários do Ministério da Economia (31/10/1890),
funcionários Civis do Ministério da Guerra (20/01/1981); empregados da Companhia da
Estrada de Ferro Central do Brasil (17/05/1890 e dois meses depois, de todas as
empresas do setor); operários do Arsenal da Marinha da capital federal (29/11/1892); e
funcionários da casa da Moeda (1911) e dos portos do Rio de Janeiro (1912)
58

(TEIXEIRA, 1985). Essas legislações apontam a emergência de uma proteção social


voltada prioritariamente à manutenção do “mundo do trabalho” com pouquíssimos
trabalhadores dos setores produtivos da época contemplados.
Segundo Boschetti (2006) países europeus, especificamente Alemanha, França e
Inglaterra, possuíam uma enorme variedade de legislações42 já neste período. No Brasil,
o princípio de não regulação das profissões só foi abolido com a Constituição de 193443.
Na prática, antes de 1930, a legislação trabalhista, assim como a social, direcionava-se
apenas a situações de trabalho bem específicas, protegendo um contingente ínfimo de
profissionais organizados em poucas categorias. Em 1903 é aprovada a sindicalização
dos trabalhadores da Agricultura e da Indústria Rural, que foi estendida a todas as
categorias profissionais em 1907.
De acordo com Boschetti (2006), não é surpreendente que, no início dos anos
1920, fossem tão tímidas as iniciativas governamentais em relação à proteção do
trabalhador e do cidadão. Recém-saído do regime imperial e com a economia e
sociedade fundamentadas até pouco tempo na escravidão, o país entrou no século XX
sob a supremacia da ideologia econômica liberal e do clientelismo político. Nos
primeiros anos do referido século, a mão de obra trabalhadora era composta em sua
maioria por imigrantes estrangeiros, que rapidamente constituíram-se em força de
contestação e reinvindicação. No período, foram registradas grandes manifestações e
greves tendo como principais demandas conferidas ao Estado o fim da degradação das
condições de vida e de trabalho e da exploração da mão-de-obra feminina e infantil e
das longas jornadas de trabalho. Nesse contexto de emergência do movimento operário
e crise política das oligarquias rurais é que foi votada e aprovada a Lei Eloy Chaves, a
qual criou as primeiras Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs). Essa lei
estabeleceu as bases sobre as quais foi construído o sistema previdenciário brasileiro: a
lógica do seguro e a proteção do mundo do trabalho.

42
Para uma relação da legislação na Europa consultar Murad (1993), Join-Lambert (1994) Dumont
(1995).
43
O princípio da liberdade do trabalho, sem a regulamentação do Estado, data da Constituição de 1824
(art.179/ XXIV). Um único artigo genérico fazia referência à proteção dos cidadãos, afirmando que “a
Constituição garante, ainda, auxílio público”. Foi no Ato Adicional que de 1834 que atribuiu à
Assembleia a competência de legislar sobre as “Caixas de Auxílio Público”. A Constituição Republicana
de 1891 reafirmou o princípio da liberdade e do trabalho e suprimiu os dispositivos sobre auxílio público,
mais introduziu pela primeira vez o termo “aposentadoria”, determinando que a “aposentadoria só será
concedida aos funcionários públicos a serviço da nação em caso de invalidez”. Foi uma Emenda
Constitucional de 03 de setembro de 1926, que autorizou o Congresso Nacional a disciplinar o trabalho e
legislar sobre licenças e aposentadorias. A aposentadoria era até então sinônimo de Previdência.
(BOSCHETTI,2006. p.12, Nota de roda pé.).
59

De acordo com Santos (1987), essa lei, ainda que timidamente, obrigava as
empresas responsáveis pelas estradas de ferro a instituírem Caixas de Aposentadoria e
Pensões, sendo a primeira vez que se garantia aos trabalhadores assalariados do setor
urbano o direito a atendimento médico, medicamentos, aposentadoria e pensão em caso
de morte. Importa ressaltar que essas Caixas eram de natureza privada, organizadas por
empresa e se espalharam rápida e progressivamente por outras empresas do setor
privado. Em 1930, segundo Santos (1987), já existiam 47 CAPs, beneficiando
aproximadamente 8.009 aposentados e 7.013 pensionistas. Segundo Boschetti (2008), o
sistema de caixas corresponde ao início do capitalismo quando, no Brasil, ainda se
configuravam as atividades primárias de exportação em detrimento de poucas indústrias
emergentes. Para Azeredo (1993), a classe operária começava a se constituir, o que
explica a focalização das CAP nos trabalhadores urbanos de setores indispensáveis à
exportação de produtos agrícolas. De acordo com Boschetti (2008), as primeiras
categorias incluídas nas CAP foram: ferroviários (1923), portuários e marítimos (1926),
funcionários públicos civis da União (1926), empregados dos serviços telegráficos e
radiográficos (1928), empregados dos setores de energia e transporte sobre trilhos
(bondes) (1930) e mineiros (1932). Segundo a autora, é importante assinalar que:
[...] Havia diferenças entre as Caixas, sobretudo em relação aos tipos,
quantidades e valores dos benefícios assegurados por elas. Mas as
características organizacionais eram comuns. Em termos de natureza
jurídica, todos eram reconhecidos como organismos privados, segundo
os interesses dos seus membros: empregadores e trabalhadores. Desse
princípio derivavam outros: financiamento bipartite por capitalização
e autonomia nos processos de decisão. A lógica do seguro
predominava, já que a técnica atuarial condicionava os benefícios. A
proteção contra os riscos baseava-se em um mecanismo de
solidariedade entre os participantes de cada Caixa, em que os
contribuintes sustentavam os benefícios dos inativos (Dupis,1994). A
instituição das Caixas era imposta pelo Estado, o que conferia um
caráter obrigatório às contribuições de empregados e empregadores.
Ainda assim, a concessão dos benefícios que eram concebidos sobre
uma base institucional, decorria das decisões autônomas tomadas
pelos membros de cada Caixa. O processo de decisão era “dividido”
entre os representantes de cada uma das partes, que eram eleitos a
cada três anos. O presidente das Caixas, porém, era escolhido entre os
empregadores. Ao Estado cabia o papel de controle externo e
arbitragem em caso de conflito entre as duas partes. (Oliveira e
Teixeira,1985). [...] O financiamento era responsabilidade das duas
partes, sendo que as contribuições se baseavam na folha de salários
(cada trabalhador 3% do salário), na renda bruta da empresa (1% da
anual), e em um imposto anual de 1,5% sobre os serviços prestados
pelas empresas [...] As empresas recolhiam o montante resultantes
das três fontes e depositavam em uma conta aberta em nome da Caixa,
sem nenhuma interveniência do Estado. (BOSCHETTI, 2008. p.16).
60

Até 1930, segundo a autora, não se verificava uma distinção nítida entre
assistência e previdência. Ao contrário, os termos “seguro” e “previdência” nem mesmo
eram utilizados na legislação. Era, sobretudo, o espírito de uma proteção condicionada,
uma contribuição prévia e vinculada ao critério de substituição de renda (pelo menos o
que concernia às aposentadorias e pensões) que definia o modelo como previdenciário44.

2.1.2. Sistema de Proteção Social no Período Desenvolvimentista (1930-1980)

O período conhecido como desenvolvimentista vai dos anos 1930 a meados da


década de 1980. Nesses pouco mais de 50 anos, o país vivenciou diferentes regimes
políticos e um percurso de industrialização numa trajetória acelerada que, em certos
momentos, apresentou taxas nunca registradas de expansão da produção brasileira
(AZEREDO, 1993).
O ano de 1930 pode ser considerado um divisor de águas na história econômica,
política e social do Brasil (BOSCHETTI, 2008; SANTOS, 1987). Após a insurreição
armada, conhecida como Revolução de 1930, em São Paulo, Getúlio Vargas assumiu o
poder, onde permaneceu por quinze anos45. De novembro de 1930 a julho de 1934, seu
governo caracterizou-se como de “transição”. A nova Constituição de 1934 instituiu um
processo político mais aberto e Getúlio foi eleito presidente constitucional. O período
democrático, entretanto, não durou muito tempo, e, em novembro de 1937, o presidente
Getúlio Vargas instaurou uma ditadura que se prolongou até 29 de outubro de 1945,
quando foi obrigado a renunciar após um golpe militar organizado por seu ministro de
exército. Nesses quinze anos, o governo Vargas produziu uma intensa legislação social e
trabalhista, o que resultou em profundas transformações na estrutura econômica e social
do país, bem como na organização do Estado e da sociedade (BOSCHETTI, 2008,
p.19).

44
As despesas com aposentadorias sempre foram superiores às de saúde. Em 1930, sete anos após
instituição das CAPs, os gastos com aposentadorias representavam 42,9% das receitas das Caixas, ao
passo que gastos com saúde representavam apenas 8,9 % do total da receita. Oliveira e Teixeira1(1985)
apud Boschetti (2008).
45
Independente de diversas interpretações divergentes, não se pode deixar de mencionar que a Revolução
de 30 não significou uma ruptura total com a oligarquia dominante. Mas, a instauração de Estado forte, ao
mesmo tempo nacionalista e populista, representando importantes mudanças, sobretudo, em termos de
legislação social. Também não se pode negligenciar que o “movimento revolucionário” foi possível
devido a união de várias forças sociais, entre quais estavam setores dissidentes da oligarquia rural, frações
importantes da burguesia industrial e das classes médias com a poio da população urbana, sindicatos e
importantes segmentos dos militares (os tenentes). (Faleiros,1992 apud Boschetti, 2008).
61

Um sistema nacional de proteção social começa a ser implantado no Brasil a partir


da Revolução de 1930 com a criação simultânea, por Vargas, da legislação trabalhista,
da estrutura sindical corporativa (que substituiu a legislação vigente desde o início do
século) e dos esquemas previdenciários. Já nos primeiros anos de governo, entre 1930 e
1934, ficou clara a disposição estatal para estabelecer uma intervenção mais sistemática
nas regulações do trabalho. A criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio,
já no primeiro ano de governo, é o prenúncio das mudanças que viriam.
Os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) foram institucionalizados sob a
forma de autarquias vinculadas ao Ministério do Trabalho e cobriam segmentos
ocupacionais do mercado formal de trabalho urbano46. Esse Ministério, de acordo com
Boschetti (2008), foi o instrumento político que permitiu criar e dar materialidade à
regulação das relações de trabalho pelo Estado. Outras importantes medidas se
sucederam, corroborando com mudanças significativas no mundo do trabalho, tais
como: a revogação do projeto de 1926, que assegurava apenas 15 dias de férias
remuneradas e a constituição de uma comissão para elaboração de uma nova lei em
1931; a promulgação do Código de Menores em novembro de 1932, que, entre outras
medidas, fixava a idade mínima para o trabalho em 14 anos, estabelecia a jornada de
trabalho de oito horas diárias e impedia o trabalho noturno de menores; o
estabelecimento da jornada de trabalho de oito horas para o comércio e indústria em
1932; a regulamentação do trabalho feminino em 1932, proibindo o trabalho noturno,
estabelecendo regras de proteção às trabalhadoras gestantes e proibindo a discriminação
salarial em função do sexo. Nesse ano também foi criada a carteira de trabalho para o
setor urbano, que estabelecia o contrato obrigatório entre empregadores e trabalhadores
e que assegurava, a partir de então, todos os direitos previdenciários. A carteira de
trabalho era exigida pela resolução de todo conflito trabalhista e para a comprovação de
tempo de trabalho necessário à aposentadoria, constituindo, portanto, um corpo de
regulamentação do mercado de trabalho (SANTOS, 1987).
De acordo com Boschetti (2008), tais modificações nas relações de produção
foram acompanhadas de profundas mudanças na área social, sem, contudo, alterar o
princípio de base: a proteção social deveria, primeiramente, resguardar o mundo do

46
Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos (IAPM), em 1933, Instituto de Aposentadoria e
Pensões dos Comerciários (IAPC), em 1933, Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários (IAPB),
em 1934, Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPI), em 1936, Instituto de Previdência
e Assistência dos Servidores do Estado (IPASE), em 1938 e o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), em
1939 (GENTIL, 2006; COHN, 1980; AFONSO, 2003; MPS, 2007).
62

trabalho. As caixas foram sendo progressivamente transformadas em institutos públicos


organizados por categorias profissionais, e não mais por empresas privadas. O seu
financiamento passou a incorporar as contribuições do Estado, baseando-se, assim, na
solidariedade nacional, e não apenas profissional. Devido a sua participação no
financiamento, o Estado passou a ter o direito de intervir na gestão dos institutos.
Os benefícios, por outro lado, de acordo com Boschetti (2008), continuaram a ser
implementados sob a lógica técnica dos seguros, explicitando os dilemas oriundos das
caixas privadas e dos institutos públicos, CAP ou IAP, do paradoxo público-privado,
que somente teve fim com a escolha política definitiva dos institutos públicos em 1953.
De acordo com a autora, até esse ano, coexistiram, sob grande tensão, dois sistemas
previdenciários paralelos, o privado (das CAP) e o público (os IAP), esse último
implementado desde 193347.
Esse movimento de passagem de um sistema de micro organizações de empresas
privadas a um sistema de institutos nacionais organizados por categorias deve ser
analisado sob diferentes ângulos. Na perspectiva econômica, tem-se um período de
transição de economia agrícola de exportação para um regime industrial de produção
para consumo interno. O capital industrial começava a conduzir a dinâmica de
acumulação, sem, contudo, criar condições de sua própria reprodução, ou seja, sem
produzir bens de capital (TEIXEIRA, 1990, apud BOSCHETTI, 2008). Do ponto de
vista político, a opção governamental foi de proteger, primeiramente, as condições de
trabalho e não os trabalhadores. Desse modo, cabe ressaltar que a expansão dos IAP
seguiu uma lógica de cobertura progressiva de certas categorias profissionais em
detrimento de outras, sendo estas reconhecidas legalmente pelo Estado e consideradas
necessárias ao desenvolvimento produtivo da época. No final do governo Vargas, em
1945, somente as categorias urbanas cujas profissões haviam sido regulamentadas pelo
Estado tinham direito a benefícios, sob a condição de seus trabalhadores estarem
inseridos no mercado. Quanto aos trabalhadores rurais, autônomos, os trabalhadores
sazonais, os que se situavam no mercado informal e os desempregados não tinham
direito a nenhum tipo de proteção social (BOSCHETTI, 2008, p.22) restando-lhes o
auxílio de instituições filantrópicas e de cunho caritativo. O quadro a seguir, sintetiza as
diferenças entre os IAP criados por Vargas conforme a categoria profissional:

47
Para um detalhamento histórico do desenvolvimento da estrutura previdenciária no Brasil e seus
paradoxos consultar Boschetti,2008. (Tradução da tese de Douramento- França,1998).
63

Quadro 01: Benefícios oferecidos pelos IAPs nos anos 1940

Benefícios IAPM IAPB IAPI IAPETC IPASE IAPC


(1933) (1934) (1938) (1938) (1938) (1940)*
Aposent./ idade X X X X
Aposent./ invalidez X X X X X X
Pensão X X X X X X
Ass. Méd. Hospitalar X X X X
Ass. Farmacêutica X X
Aux. Funeral X X X
Pecúlio X X
Aux. Doença X X X
Aux. Maternidade X X
Aux. Detenção X X
Contr. Segurado 3% 4–7% 3–8% 3–8% 4–7% 3–8%

Fonte: OLIVEIRA e FLEURY TEIXEIRA (apud WERNECK VIANNA, 2005c, pg. 151).

(*) Os dados do IAPC são da reforma promovida em 1940; os demais são dos decretos de constituição do
Instituto.

Já a assistência social no Brasil se configurou, por longos anos, como atividade


voluntarista, personalista, eleitoreira, fundada no clientelismo, patrimonialismo, e nas
diversas expressões da cultura do favor (BROTTO, 2015). De acordo com SANTOS et
al. (2018), a criação do Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS), pelo decreto-lei
nº 525, de 1º de julho de 1938, foi a primeira regulamentação da assistência social no
país. Anterior a este, em 1889, o então Juiz da Corte de apelação do Rio de Janeiro,
Ataulpho Nápoles de Paiva, tentara criar a lei de assistência social como ato inaugural
da Primeira República. Sua ideia era criar um órgão nacional de controle das ações da
assistência social, agregando iniciativas públicas e privadas, rompendo com o
espontaneísmo da assistência esmolada e descontinuada e introduzindo uma
organização racional e um saber ao processo da ajuda (SPOSATI, 1988. p.107). Porém,
esse brasileiro com ideias tão a frente de seu tempo, influenciadas pelas teses altruístas
do francês La Rochefoucauld Liancourt48 de afirmação do direito assistencial, só veio a

48
Conhecido como o duque de Liancourt na infância, montou máquinas de fiação em sua propriedade,
fundou uma escola - École nationale supérieure d'arts et métiers - para os filhos dos soldados foi eleito
64

ter espaço institucional para pôr em prática suas ideias junto ao governo em 1938,
quando se instala oficialmente o CNSS.
Para Mestriner (2008, p.66), o CNSS foi “a primeira forma de presença da
assistência social na burocracia do Estado republicano brasileiro, ainda que como
subsidiária de subvenção às organizações sociais que prestam amparo social”. No
entanto, cabe ressaltar que embora o Conselho Nacional de Serviço Social tenha sido
instituído junto aos órgãos públicos da burocracia do Estado, ele referendava a
assistência social como caridade e benesse impetrada por órgãos públicos ou privados,
de acordo com seu artigo primeiro.
A primeira instituição formal de assistência social foi criada pelo Estado Novo
varguista em 1942: a Legião Brasileira de Assistência (LBA). Sua criação ficou a cargo
da então primeira-dama Darcy Vargas, com o objetivo de ajudar as famílias dos
soldados, os pracinhas, enviados à Segunda Guerra Mundial, contando com o apoio da
Federação das Associações Comerciais e da Confederação Nacional da Indústria. Em 05
de setembro do mesmo ano, os seus estatutos foram registrados no 6º Oficio de Registro
Especial de Títulos e Documentos do Rio de Janeiro como uma sociedade civil. Pela
Portaria nº 6.013, de 1º de outubro de 1942, do Ministro da Justiça e Negócios Interiores
autorizou a sua organização definitiva e o seu funcionamento. Sua instalação se deu em
02 de outubro daquele mesmo ano.
No ano de 1944, foi construída a sede da organização, no Rio de Janeiro, um
prédio de nove pavimentos, dividido em dois blocos, batizado com o nome de sua
fundadora, Edifício Darcy Vargas. Com o final da guerra, a LBA se tornou um órgão de
assistência às famílias necessitadas em geral. Uma característica central dessa
instituição durante todo seu tempo de existência é o fato de que a LBA era presidida
pelas primeiras-damas. Obedecendo a um formato centralizado de ações e sob o modelo
de gestão focado na figura das primeiras damas nos três entes federados, a LBA assumiu
todas as ações de assistência social, mantendo-se nessa configuração até a década de
1980. É dessa forma que o primeiro-damismo tornou-se um traço peculiar na
administração da assistência social no Brasil (BROTTO, 2015).
De acordo com Azevedo (2007), com o golpe militar de 1964, resultante de uma
profunda crise institucional, inaugura-se uma nova etapa do modelo

para os Estados Gerais em 1789 , e procurou em vão apoiar a causa da realeza, enquanto promovia as
reformas sociais que buscava.
65

desenvolvimentista49. O crescimento econômico se acelera, a inflação é contida, e o


governo passa a buscar legitimidade expandindo as políticas sociais50.
Em 1967, o sistema segmentado dos IAP foi unificado, com a criação do Instituto
Nacional de Previdência Social (INPS). Dois anos mais tarde, a LBA foi transformada
em fundação, por meio do Decreto-lei nº 593, de 27 de maio de 1969, com o nome de
Fundação Legião Brasileira de Assistência, mantendo a mesma sigla LBA, mas
vinculando-se ao Ministério do Trabalho e Previdência Social.
Segundo Draibe (2002, p.4), ao longo desse período foi expressivo o esforço de
construção institucional e de gasto público na área social, constituindo-se em um
sistema de políticas sociais que, “por suas definições, recursos institucionais
mobilizados e mesmo alguns resultados, pode ser apreendido sob o conceito de Estado
de Bem Estar Social”51. Para a autora, são expressões desse processo:

 A presença, no núcleo do sistema, de programas de transferências


monetárias e de prestação universal de serviços básicos, combinação
típica dos modernos sistemas de proteção social nas sociedades
urbano-industriais;
 Um razoável esforço financeiro do Estado, através de um gasto social
público da ordem de 15 a 18% do PIB;
 As enormes clientelas já cobertas pelos programas sociais;
 Os graus de diferenciação e complexidade institucional, expressos em
organismos e redes de serviços de significativas dimensões, ocupados
por burocracias profissionais, em boa medida auto identificadas por
culturas institucionais específicas;
 A integração dinâmica desse sistema no jogo político, por se constituir
em amplo espaço do exercício corporativista e da barganha clientelista
(DRAIBE, 2002, p. 4).

A consolidação do sistema nacional de políticas sociais se deu mais


especificamente nos anos 1970. A partir deste momento tem-se uma fase de expansão
49
No início dos anos 60, a economia nacional perdeu seu dinamismo – “depois que a taxa de crescimento
do PIB real atingiu o pico em 10,3% em 1961, ela declinou para 5,3%, 1,5% e 2,4% em 1962, 1963 e
1964, respectivamente” (BAER, 1977, p.87). Esse ritmo de crescimento declinante que o país passou se
deveu em grande parte a crise política testemunhada pelo país desde a renúncia de Jânio Quadros, em
1961, além do esgotamento das possibilidades de expansão da indústria de bens de consumo duráveis, que
foi a mola propulsora do período anterior. O quadro de fragmentação do poder decisório terminou por se
constituir em uma importante pré-condição para a ruptura do quadro constitucional em 1964: “de
setembro de 1961 a janeiro de 1963 a república viveu o seu mais longo período de indefinição política
desde o início da década de 1890, com consequências paralisantes do ponto de vista da tomada de
decisões no terreno econômico” (ABREU, 1990, p.200).
50
Vale destacar que a economia nacional passou por uma etapa de crescimento acentuado no período de
1968 a 1973, fase reconhecida como ‘Milagre Econômico’. O país nesse período testemunhou o
crescimento de seu Produto Interno Bruto (PIB) a uma taxa média anual superior a 10%, ao passo que sua
inflação apresentou índices relativamente baixos, com média anual inferior a 20% (AZEREDO, 2007).
51
O uso do conceito de Welfare State para designar o sistema de políticas sociais no Brasil é
controvertido, verificar Daibre (1989).
66

acelerada, com a obtenção de “feições mais duradouras” deste sistema, sob o regime
autoritário e tecnocrático do regime militar instaurado em 1964 (DRAIBE, 1998, p.4).
Tem-se, assim, a ‘completude’ do sistema de ‘Welfare State’ no Brasil, como apontado
pela autora (DRAIBE, 1993), dado pela definição do núcleo duro da intervenção social
do Estado por meio de seu aparelho centralizado:
[...] arma-se o aparelho centralizado que suporta tal intervenção; são
identificados os fundos e recursos que apoiarão financeiramente os
esquemas de políticas sociais; definem-se os princípios e mecanismos
de operação e, finalmente, as regras de inclusão/ exclusão social que
marcam definitivamente o sistema (DRAIBE, 1993, p.21).

Em 1977, foi instituído o SINPAS (Sistema Nacional da Previdência e Assistência


Social), vinculado ao Ministério da Previdência e Assistência Social e que definiu um
novo desenho institucional para o sistema previdenciário, voltado para a especialização
e integração de suas diferentes atividades e instituições. O SINPAS abarcou o INPS
(Instituto Nacional da Previdência Social), responsável pelas ações e benefícios
previdenciários; o INAMPS (Instituto Nacional da Assistência Médica Previdenciária),
destinado à assistência médica aos segurados; o IAPAS (Instituto de Administração
Financeira da Previdência e Assistência Social), responsável pela gestão financeira; a
LBA, por meio da Lei nº 6.439, de 1º de setembro de 1977 e a FUNABEM (Fundação
Nacional do Bem Estar do Menor).
Contudo, cabe ressaltar que se trata de um período de restrições políticas, dado
pelo contexto da Ditadura Militar. Os partidos políticos existentes foram extintos e
substituídos por duas agremiações então criadas: a Aliança Renovadora Nacional
(ARENA), que representava os militares e o Movimento Democrático Brasileiro
(MDB), partido de oposição, também controlado pelos militares52. Sindicatos e
associações foram postos sob intervenção, com o que se viabilizou a obstrução do
mecanismo de voz da população, mecanismo essencial à democracia53.
A inclusão das demandas da população na Agenda Governamental não se fez,
portanto, de modo democrático. O modelo decisório adotado foi o tecnocrático, no qual
a estrutura técnica estabelece uma relação funcional entre Estado e a sociedade. Vale

52
O bipartidarismo foi instituído após o Golpe Militar, em 1964, no governo Castello Branco (1964-
1967). Em 1967 tem-se a imposição de uma nova Constituição, que institucionalizou o regime militar e
suas formas de atuação.
53
No período da ditadura militar (1964-1985) a obstrução do mecanismo de voz da sociedade brasileira se
deu também por meio da supressão dos direitos constitucionais, da censura, da perseguição política e
repressão aos que eram contrários ao regime (Hirschman,1973).
67

salientar que a política se encontra ausente nessa relação. A realização de escolhas dos
militares tinha em vista produzir elevadas taxas de crescimento econômico, no intento
de legitimar o seu sistema de governo autoritário. Isso foi, ademais, efetivado por meio
da utilização da máquina estatal em favor da propaganda institucional e política e pela
manipulação da opinião pública através de institutos de propaganda governamental e
empresas privadas, que enfatizavam os progressos econômicos alcançados pelo país54.
O processo de modernização autoritária do Estado, dado por um amplo conjunto
de programa de reformas institucionais55, tendo em vista a redução dos obstáculos que
se colocavam ao crescimento econômico nacional, de um lado, e o modelo concentrador
e excludente de desenvolvimento por ele impulsionado56, de outro, tiveram impactos
importantíssimos nas políticas sociais, como aponta Draibe (1998, p.4/5):

 A extrema centralização, no Executivo Federal, do poder e


recursos decisórios e financeiros dos programas e das políticas sociais;
 Uma acentuada fragmentação institucional57, presidida por
frágeis mecanismos de coordenação e de formação coerente de
policies mas bastante porosa à feudalização e balcanização das
decisões;
 Um sistema de financiamento do gasto social público altamente
dependente de contribuições e fundos sociais específicos;
 Formato autoritário dos sistemas e subsistemas de decisão, com
quase total ausência de mecanismos de participação e controles;
 Densas redes de parcerias, estímulos e subsídios ao setor
privado, projetando um alto grau de privatização, tanto pela crescente

54
É importante observar que o advento da ditadura militar brasileira transformou por completo a
conjuntura política e social do país, antes francamente favorável ao crescimento dos movimentos sociais –
no início da década de 60 testemunhou-se a eclosão de movimentos sociais de amplitude abrangente: “das
ligas camponesas, no meio rural nordestino, ao movimento pelas reformas de base no centro-sul
desenvolvido, as reivindicações populares do período produziam permanente mobilização no interior da
sociedade, dotando de grande expressão as bandeiras de lutas sociais das classes trabalhadoras”
(RIZOTTI, 2008, p.6).
55
A Reforma Administrativa de 1967, as alterações políticas na Federação e a introdução de uma série de
mecanismos econômico-financeiros realizadas após o Ato Institucional n° 5, de dezembro de 1968, são
alguns exemplos.
56
A concentração de renda é o foco da principal crítica que se faz ao Milagre Econômico. Essa
concentração foi justificada pelas autoridades como elemento essencial para a ampliação da capacidade
de poupança da economia, com o intento de financiar os investimentos e com isso crescimento
econômico. Essa estratégia ficou conhecida como a ‘teoria do bolo’, segundo a qual o bolo deveria
crescer primeiro para depois ser dividido, ou seja, era necessário assegurar o aumento da riqueza nacional
antes de repartir os benefícios do desenvolvimento. Nesse contexto, tem-se o aumento das desigualdades
sociais no país, que se aprofundou nas décadas seguintes (AZEREDO, 2007).
57
Entende-se por fragmentação institucional, a “proliferação dos sujeitos responsáveis, a nível nacional,
pela relação entre a administração central e as instituições públicas funcionais” (WERNECK VIANNA,
1990, p.15). Isto resulta, inevitavelmente, em uma situação de incerteza quanto aos vínculos hierárquicos,
confusão de competências, sobreposição de poderes, ineficácia do planejamento, fracasso na integração
dos serviços complementares, esbanjamento de recursos, dentre outros. Pode-se dizer que o elevado nível
de fragmentação institucional, é um fator que tem possibilitado a inserção de interesses particularistas no
aparelho produtor de políticas sociais (CASTRO, 1989).
68

presença do setor privado produtor de serviços sociais (muito


alavancado pelo investimento público) quanto pela introdução da
lógica e dos interesses privados e particularistas nas arenas decisórias;
 As perdas de alvo ou o que se convencionou chamar de (mis)
targeting dos programas sociais, nisso que tendem a beneficiar menos
os que mais deles necessitam, particularmente os grupos abaixo da
linha de pobreza ou mais vulneráveis, como crianças e idosos;
 Forte conteúdo corporativo das demandas, decisões e condução
das políticas e programas;
 Uso clientelístico dos recursos e distribuição dos benefícios

Apesar do volume de ações do Estado na esfera social, sua atuação deixou a


desejar no que tange ao seu desempenho. No quadro a seguir estão dispostos algumas
das instituições e dispositivos legais criados entre 1966 e 1986 que viabilizaram a
implementação de algumas políticas sociais.

Quadro 02: Cronologia das principais mudanças Pós-64 nas Políticas Sociais

ANO AÇÃO GOVERNAMENTAL


1966 Criação do INPS
1967 Integração dos seguros acidentes de trabalho ao INPS
1971 Criação do Prorural / Funrural
1971 Criação da CEME
1972 Incorporação dos empregados domésticos ao INPS
1973 Regulamentação da filiação dos autônomos ao INPS
1974 Ministério da Previdência e Assistência Social
1974 Instituição do Programa de Pronta Ação (PPA)
1974 Criação do FAS (Fundo de apoio ao Desenvolvimento Social)
1974 Fundação da Dataprev
1974 Lei 6136: inclui salário-maternidade entre as prestações da Previdência Social
1974 Lei 6179: amparo previdenciário para maiores de 70 anos e inválidos sem contribuição
integral
1975 Instituição do Sistema Nacional de Saúde
1976 Programa de interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS)
1977 Instituição SINPAS (Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social)
1984 Ações integradas de Saúde
1986 SUDS
Fonte: WERNECK VIANNA, 2005c, p.57.

As políticas implementadas se encontravam aquém da demanda da população,


mesmo em um contexto histórico pujante, marcado pela dinâmica industrial – o período
69

conhecido como ‘milagre econômico’ (1968-1973). Isso foi dado pela manutenção de
um modelo de Welfare State conservador58, coerente com o processo histórico de
desenvolvimento econômico nacional, em que a mola propulsora do crescimento
econômico do país encontrava-se nos baixos salários e na elevada concentração de
renda59. O sistema de proteção social nacional não tinha como propiciar uma melhora da
equidade social, isso em virtude de suas características, tal como apontado por Draibe
(2002, p.5):

 A fraca capacidade de incorporação social, deixando à margem


do progresso social um vasto contingente de excluídos de todo o tipo,
em especial os trabalhadores rurais e grupos urbanos pobres60;
 Seus programas, mesmo os mais universais, pouco contribuíram
para a redução das acentuadas desigualdades sociais, do mesmo modo
que foram praticamente nulos os seus efeitos sobre os resistentes
bolsões de pobreza61 [...];
 No plano dos benefícios dispensados, os programas e as
políticas abrigaram e reforçaram privilégios, mesmo quando
presididos por concepções e definições universalistas;
 A sua dinâmica de crescimento tendeu a pautar-se por forte
dissociação entre os processos de expansão quantitativa e a melhoria
da qualidade dos bens e serviços sociais prestados.

Cohn (2000, p.395 apud Azevedo, 2007) faz um exame breve da trajetória das
relações empreendidas entre cidadania e o mercado no Brasil desde suas origens,
chegando até os dias atuais. De acordo com o seu estudo, essa trajetória foi marcada por
basicamente três grandes padrões. A primeira modalidade de articulação se deu com o
surgimento do sistema de proteção social, a partir de 1923, tendo como pilar a
previdência social para alguns setores assalariados urbanos da iniciativa privada e seus

58
Modelo dado por uma concepção de intervenção social do Estado meramente sancionadora da
distribuição primária da renda e da riqueza (DRAIBE, 2002, p.5).
59
Conforme Abranches (1989, p.119), o processo de desenvolvimento econômico nacional, dado pelo seu
padrão de acumulação, impôs restrições à política social: “[...] Há uma assincronia estrutural no processo
de avanço do capitalismo industrial no Brasil, associada ao seu caráter retardatário em relação à ordem
capitalista global e à profunda heterogeneidade de sua formação social [...]. Essa assincronia produz
sérias perturbações econômicas e sociais que, à falta de firme determinação política para corrigi-las,
produzem maior desigualdade, maior pobreza e novos desequilíbrios estruturais”.
60
Em 1971, com a criação de um fundo específico, o Funrural, a previdência chegou aos trabalhadores
rurais. No entanto, essa medida atingiu parcialmente esse segmento, oferecendo aos que tinham condições
de se cadastrar, benefícios muito inferiores aos que eram providos aos trabalhadores do mercado formal
do espaço urbano.
61
Importa ressaltar a alta taxa de crescimento econômico que o país passou no período do Milagre
Econômico foi um dos grandes responsáveis pela redução do nível de desigualdade social e da pobreza,
além do assalariamento e da mobilidade social, como bem colocado por Draibe (2002). O impacto das
políticas implementadas foi, em grande parte, limitado frente a esse cenário econômico.
70

desdobramentos62. A partir da década de 1950, tem-se a segunda modalidade, marcada


pela provisão dos direitos sociais paulatinamente garantidos pelo Estado e a sua
provisão delegada ao mercado e ao setor privado de serviços, por meio de subsídios e
compra desses serviços. Tem-se, portanto, um “processo de privatização da produção de
serviços sociais sem que esses ramos de atividades enfrentassem as inseguranças e os
riscos do mercado: o mercado consumidor passa a ser garantido através de subsídios
estatais (a renúncia fiscal, uma vez mais no caso da saúde e da educação, é um exemplo
típico) ou através da compra pelo Estado dos serviços produzidos pela esfera privada da
economia (convênios entre estado e empresas privadas, com ou sem fins lucrativos,
constituem nesse caso um outro exemplo típico)”. O Estado passa a garantir para a
esfera privada produtora desses serviços, por meio desses mecanismos, um ‘mercado
cativo’. Isso vai se acentuar “durante o período pós-64, quando esse setor privado de
produção de serviços passa a ser não só concebido como fonte de lucro, mas também
assume importante papel no processo de acumulação e reprodução do capital” (COHN,
2000, p.395). E a terceira forma de articulação se dá a partir da segunda metade da
década de 1990, quando o mercado de trabalho perde o predomínio na definição das
diretrizes de um novo padrão de solidariedade social. O mercado de consumo é quem
vai ditar o novo padrão (AZEVEDO, 2007).
Segundo essa autora, a dinâmica social na década de 1970 estava na combinação
da rápida expansão do assalariamento – baixos salários para a maioria dos
trabalhadores63 – e elevados graus de concentração da renda. O modelo de crescimento
econômico adotado pelo governo, dado pela ‘teoria do bolo’, ampliou a desigualdade
social64. A intervenção social do Estado encontrava-se alicerçada, principalmente, na
capacidade contributiva dos trabalhadores formalmente vinculados ao mercado de
trabalho. Sendo assim, os direitos sociais passaram a ser condicionados pela inserção

62
Em 1923 foi aprovada a Lei Elói Chaves que estabelecia o seguro social obrigatório para as empresas
do setor ferroviário. Esse seguro, denominado no Brasil de Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs),
foi estendido em 1926 às empresas do setor marítimo e constituiu o embrião do sistema previdenciário
brasileiro, que, como visto acima foi montado sob a forma de IAPs, depois da Revolução de 30.
63
Draibe (1998, p.9) ressalta que o modelo de crescimento econômico escolhido pelo governo tinha por
base “os baixos salários para a maioria dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que a massa da população
permaneceu ou subempregada nas cidades ou inteiramente marginalizada nas cidades e no campo”.
64
A ‘teoria do bolo’, que tinha por premissa fazer o bolo crescer primeiro para depois ser dividido – ou
seja, era necessário assegurar o aumento da riqueza nacional antes de repartir os benefícios do
desenvolvimento –, foi uma estratégia adotada pelo governo, no período do Milagre Econômico. O uso
desta estratégia residiu na ampliação da capacidade de poupança da economia, com o intento de financiar
os investimentos e com isso crescimento econômico. O resultado obtido foi o aumento das desigualdades
sociais no país, que se aprofundou nas décadas seguintes (AZEVEDO,2007).
71

dos indivíduos na estrutura produtiva e a cidadania, como contrapartida do Welfare


State, vai se dar sob a forma regulada – pela condição de trabalho (SANTOS, 1994).
De acordo com Boschetti (2008), não raro, as tentativas de explicação da
emergência do Estado Social no Brasil fazem referência a duas características
intrínsecas ao sistema de proteção social. A primeira é a que as legislações sociais, que
conheceram forte expansão em períodos de regime de governo autoritários, seriam
compreendidas como partes de uma estratégia para obter aquiescência dos trabalhadores
ao projeto econômico e político governamental. Nessa lógica, os direitos sociais seriam,
ao mesmo tempo, uma espécie de compensação pela perda dos direitos políticos e uma
maneira do governo obter a legitimidade necessária à manutenção do regime
autoritário65. Essa particularidade explicaria também uma segunda característica do
sistema brasileiro. A garantia progressiva de direitos previdenciários aos trabalhadores
assalariados seria entendida como a base de um compromisso político fundado ao
mesmo tempo no populismo e no corporativismo. Nesse caso, a proteção social é
interpretada como mecanismo de integração social.
De acordo com Cohn (1980), Malloy (1986), Santos (1987) e Boschetti (2008),
com a previdência fundada na lógica do seguro, o processo de assalariamento e
industrialização ocuparam um lugar importante na gênese da proteção social no Brasil.
Mas, esses três elementos não foram capazes de consolidar uma “condição salarial” que
pudesse ter como resultado uma “sociedade salarial” com seus corolários como: pleno
emprego, identidade social construída a partir da posição ocupada na estratificação
salarial, acumulação homogênea de bens e produtos, ampliação de direitos e garantias
sociais e consequente multiplicação e universalização da proteção social e da segurança
social (Castel, 1995) como se deu no caso europeu. Lautier (apud Boschetti, 2008, pg.
81) assinala que:

Em toda América Latina, durante os anos 40 e 50, o compromisso


político constitutivo, tanto do corporativismo de Estado quanto do
projeto de industrialização e da referência ao Estado de Proteção
Social estabeleceu-se com uma parte minoritária, mas fortemente
garantida aos trabalhadores assalariados. Este compromisso, bem ou
mal, resistiu até os anos 70.

A concretização da dimensão social da cidadania com base nas relações salariais,


que constitui a particularidade dos países europeus, é considerada por analistas

65
Santos (1987), nessa perspectiva, compara a emergência de garantias sociais no Brasil à ação do
governo bismarkiano na Alemanha.
72

brasileiros como fonte de desigualdade social (BOSCHETTI, 2006. p.88). Temos nessa
perspectiva, o trabalho de Wanderley Guilherme dos Santos (1987), para quem a
garantia de direitos sociais a partir de uma profissão regulamentada pelo Estado, no
início dos anos de 1930, constituía o que definiu como “cidadania regulada”. Esse
conceito cunhado no pensamento social de Santos (1987), segundo Boschetti (2008:88)
é “uma noção-chave para compreender a política econômica e social do “governo
revolucionário” de Vargas”. Esse conceito é definido pelo autor da seguinte forma:
Por cidadania regulada entendo o conceito de cidadania cujas raízes
encontram-se, não em um código de valores políticos, mas em um
sistema de estratificação ocupacional, e que, ademais tal sistema de
estratificação ocupacional é definido por norma legal. Em outras
palavras, são cidadãos todos aqueles membros da comunidade que se
encontram localizados em qualquer das ocupações reconhecidas e
definidas em lei. A extensão da cidadania se faz, via regulamentação
de novas profissões e/ou ocupações, em primeiro lugar, e mediante
ampliação do escopo dos direitos associados a estas profissões, antes
que por expansão dos valores inerentes ao conceito de membro da
comunidade (SANTOS, 1987: 68)

Em um país onde o trabalho, sobretudo o trabalho assalariado formalizado em


carteira, não adquiriu proporções universais, ou seja, não se transformou em fator de
integração nacional e onde as atividades precárias e informais se proliferam, os direitos
restritos às atividades salariais são considerados fontes de desigualdade, de exclusão
social e de privilégios corporativistas. Até o início dos anos 1970, segundo Santos
(1987), aqueles que não possuíam trabalho assalariado com carteira assinada eram
completamente excluídos do acesso aos direitos previdenciários existentes na época, tais
como pensões, aposentadoria e acesso a serviços de saúde. No caso brasileiro, essas
condições de universalização de direitos sociais através do assalariamento nunca foram
generalizadas a toda população.
De acordo com Boschetti (2008), a impossibilidade de aplicar normas jurídicas
importadas da Europa (o modelo de proteção social baseado na lógica do seguro) em
uma sociedade cuja estrutura econômica e social apresentava características
absolutamente diferentes (nível de assalariamento, modo e importância de
industrialização, e transformação das configurações das classes sociais) se cristalizou,
sobretudo, a partir dos anos 1970. Nesse período, de alguma forma, tomou-se
consciência de que o crescimento econômico e a industrialização não haviam provocado
nem a redistribuição da riqueza, nem a redução das desigualdades, nem a integração de
um sistema de proteção social via salário. Ao final do período de forte crescimento
73

econômico, era cada vez mais clara a certeza de que o país não tinha vivido “uma
potente sinergia entre crescimento econômico e seu corolário, o ‘quase’ pleno emprego
e o desenvolvimento dos direitos de trabalho e proteção social” (Castel, 1995 apud
Boschetti, 2008:91), como nos países capitalistas da Europa Ocidental. No contexto
brasileiro, a situação caracterizava-se por uma forte concentração de renda, por uma
tendência crescente de informalização das relações de trabalho e pela exclusão de uma
grande parcela da população das proteções oriundas do trabalho formal.
Essa situação, de acordo com Boschetti (2008), parece ter influenciado mudanças
de direção na ação social do Estado. Lautier (1991) escreve: “É outro tipo de relação de
cidadãos com o Estado, de cidadania, que se implantou não apesar, mas sobre a base da
normatização das relações de trabalho”. Boschetti considera que, com efeito, a essa
época, a reinvindicação de extensão de direitos sociais à população excluída da
previdência social (até então reservada apenas aos trabalhadores assalariados) tinha
como justificativa o “direito de cidadania”, e não o “direito do trabalho”. Do mesmo
modo, o acesso aos serviços sociais (saúde, assistência social, educação e aposentadoria
aos trabalhadores rurais) era objeto de reinvindicação como um direito dos cidadãos, e
não como direito derivado do exercício do trabalho. Nesse contexto, em um regime não
democrático, a noção de “direitos de cidadania” toma corpo, começa a ser concebida,
reivindicada e materializada sem relação direta com o trabalho assalariado e os direitos
políticos. A informalidade nas relações de trabalho e a não consolidação de uma
condição salarial generalizada, não apenas significam a ausência de garantia de direitos
sociais, mas também colocam em questão a própria relação entre cidadania salarial e
cidadania social.
O trabalho assalariado, que até então era um elemento de referência constitutivo
da identificação da cidadania, foi sendo destituído lenta e progressivamente desta
função. Os direitos sociais passaram a ser reivindicados com base no pertencimento à
comunidade nacional. Segundo Boschetti (2008:92), não por acaso, o slogan dos
movimentos de reivindicação de universalização da saúde, durante a década de 1970,
afirmava: “Saúde: direito dos cidadãos, dever do Estado”, em clara oposição à
vinculação entre saúde e previdência social predominante naquela época.
De acordo ainda com a autora, essa mesma lógica sustentou as reivindicações que
se seguiram em relação à extensão da previdência social aos trabalhadores rurais. A
desigualdade de oferecimento dos direitos sociais entre cidadãos de um mesmo país
tornou-se cada vez mais inaceitável. A condição de cidadão exigia igualdade de direitos,
74

mas a inexistência de condições mínimas (sobretudo na condição salarial) impedia o


tratamento igualitário das categorias específicas.
A solução, no caso dos trabalhadores rurais, foi, nos termos da autora, “inventiva”
por parte do Estado: a extensão da previdência aos trabalhadores rurais a partir de 1971
como um direito de cidadania, o que significa que, para receber o benefício, os
trabalhadores rurais não precisavam contribuir com a previdência social (somente os
empregadores pagavam o imposto destinado ao Funrural)66. Assim, garantiram-se certos
direitos a esses trabalhadores, até então excluídos da previdência social e produziu-se
certa redistribuição de renda: dos empregadores aos trabalhadores rurais que não
contribuíam diretamente, mas tinham o direito ao acesso aos benefícios; e dos
trabalhadores urbanos para os trabalhadores rurais, pois, uma vez que os impostos pagos
pelos empregadores rurais não cobriam a despesa com o Funrural, as contribuições dos
trabalhadores urbanos eram utilizadas para complementar os recursos necessários.
No entanto, cabe ressaltar que a natureza qualitativa e quantitativa dos direitos dos
trabalhadores rurais, mesmo sendo baseada na cidadania, não era a mesma garantida aos
trabalhadores urbanos. Ainda que a base do direito fosse a cidadania e que a
denominação “previdência rural” equivalesse à “previdência urbana”, os benefícios
previdenciários repassados aos trabalhadores rurais tinham como pressuposto uma
lógica assistencial, sendo eles, invariavelmente, no valor de 50 % do salário mínimo. Tal
situação, Sposati (2004) e Boschetti (2008) consideram tratar-se da introdução do
princípio da garantia dos mínimos sociais de existência em oposição à lógica do seguro
até então impressa aos benefícios previdenciários.
Nesse contexto, em princípios de 1980, verifica-se que duas lógicas de proteção
social tomavam forma no Brasil. De um lado, havia um regime previdenciário
(fundamentado no princípio do seguro) para os assalariados contribuintes e urbanos, que
jamais foi igualitário, mas assegurou renda de substituição aos beneficiários contra os
principais riscos da existência humana (acidente de trabalho, doença e idade). De outro
lado, havia um regime desvinculado de qualquer contribuição direta aos seus
trabalhadores, o qual, porém, consistia em poucas prestações cujo montante era,
invariavelmente, de 50 % do salário mínimo (CABRAL, 1986; BOSCHETTI, 2008).

66
O Funrural foi criado em 1963, mas as bases de financiamento que permitiram concretizar o programa
de assistência aos trabalhadores rurais e seu funcionamento somente foram estabelecidas em 1971.
(SANTOS,1987; BOSCHETTI,2008).
75

Na ambivalência da noção de cidadania e dos direitos sociais que norteou o debate


em torno da reorganização da proteção social na década de 1980, os dois paradigmas de
regulação social (cidadania salarial e cidadania social) conseguiram se impor,
sobretudo, em períodos de regime não democrático (1930 a 1945 e de 1964-1985). No
contexto de abertura política que se instaurou, a partir dos anos 1980, entretanto, exigiu-
se a configuração de novas fórmulas que fossem mais compatíveis com a democracia
expoente que se revigorava como capazes de resolver a imensa dívida social herdada
dos governos autoritários. O governo da Nova República esboçou um novo modo de
enfrentamento da questão social, a fim de estabelecer uma relação mais democrática
entre Estado e cidadãos.
De acordo com Fleury (2008), o resgate da dívida social torna-se um tema central
na agenda da democracia, convergindo para ele movimentos sociais de natureza diversa.
O processo intensifica-se em 1986, por meio do surgimento de um rico tecido social
emergente a partir da aglutinação do novo sindicalismo e dos movimentos
reivindicatórios urbanos, da construção de uma frente partidária da oposição e da
organização de movimentos setoriais capazes de formular projetos de reorganização
institucional, como o Movimento Sanitário. Toda esta efervescência democrática foi
canalizada para os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, que se iniciaram em
1987. Nesse ínterim, a construção de uma ordem institucional democrática supunha um
reordenamento das políticas sociais que respondesse às demandas da sociedade por
maior inclusão social e equidade. Projetada para o sistema de políticas sociais como um
todo, tal demanda por inclusão e redução das desigualdades adquiriu as concretas
conotações de afirmação dos direitos sociais como parte da cidadania.

2.2. A Constituição Federal de 1988 e a introdução da noção de seguridade social

2.2.1. Concepções fundantes da Proteção Social no contexto da Constituinte

A introdução do capítulo da Seguridade Social na Constituição Brasileira de 1988


representou a maior inovação no campo dos direitos sociais brasileiros no século XX,
vinculando-os constitucionalmente, pela primeira vez, à condição de cidadania
(FLEURY, 2008; Sposati, 2009). A seguridade social faz parte da Ordem Social (Título
76

VIII) 67 e se organiza em consonância com o Art. 1º , que distingue a cidadania entre os


princípios fundamentais que constituem a República Federativa em um Estado
democrático de direito e com o Art. 6º , onde se definem os direitos sociais como a
educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados.
Fleury (2008) aponta o fato de o texto constitucional ter, pela primeira vez,
destacado a Ordem Social da Ordem Econômica, como um aspecto inovador, além de
expressar o compromisso nacional com a questão social ao atribuir-lhe um
protagonismo singular. Nesse sentido, pode-se dizer que a Constituição Federal de 1988
representou para os direitos sociais o mesmo avanço democrático que a Constituição
Federal de 1946 representara para os direitos individuais. A Constituição Federal de
1988 trouxe uma profunda transformação no padrão de proteção social brasileiro. As
Constituições anteriores a de 1988 trataram conjuntamente a ordem econômica e a
social, o que tornava coerente a subsunção dos direitos sociais aos direitos trabalhistas.
O único direito social garantido fora desta condição, em todas as Constituições desde
1934, foi o direito à educação.
Ainda assim, na Constituição de 1988, a disposição geral do Capítulo da Ordem
Social estabelece (art. 193) que a ordem social tem por base o primado do trabalho e,
como objetivo, o bem-estar e a justiça sociais. Esta formulação mostra as dificuldades
de conciliar uma visão mais tradicional, na qual os direitos sociais identificavam-se com
os direitos dos trabalhadores com carteira assinada, constante nas Constituições
anteriores, com a inovação de incluir toda a cidadania como portadora de direitos
sociais específicos. Porém, ao delimitar, no Art. 194, que a seguridade social
compreende os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social, se dá a
ruptura com o modelo do Seguro Social que até então presidira a nossa legislação social
(BOSCHETTI, 2006; FLEURY, 2008; SPOSATI, 2009). Inaugura-se, nesse contexto,
um novo período no qual o modelo da seguridade social passa a estruturar a organização
e o formato da proteção social brasileira, em busca da universalização da cidadania.
No novo modelo de seguridade social, busca-se romper com as noções de
cobertura restrita a setores inseridos no mercado formal e afrouxar os vínculos entre
contribuições e benefícios, gerando mecanismos mais solidários e redistributivos. Os
67
A Ordem Social inclui, além da Disposição geral (cap. I) e da Seguridade Social (cap. II), os capítulos
relativos à Educação, Cultura e Desporto (cap. III), à Ciência e Tecnologia (cap. IV), à Comunicação
Social (cap. V), ao Meio Ambiente (cap. VI), à Família, Criança, Adolescente e Idoso (cap. VII), e os
direitos dos Índios (cap. VIII).
77

benefícios passam a ser concedidos a partir das necessidades, com fundamento no


princípio da justiça social, o que obriga a estender universalmente a cobertura e integrar
as estruturas governamentais (SPOSATI, 2008; BOSCHETTI, 2008).
De acordo com Fleury (2008), a Carta Magna de 1988 avançou em relação às
formulações legais anteriores, ao garantir um conjunto de direitos sociais, expressos no
Capítulo da Ordem Social, inovando ao consagrar o modelo de Seguridade Social, como
“um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade,
destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”
(Título VIII, Capítulo II, Seção I, art. 194). A inclusão da previdência, da saúde e da
assistência como partes da seguridade social introduz a noção de direitos sociais
universais como parte da condição de cidadania, que antes eram restritos à população
beneficiária da previdência.
Com isto, um novo padrão constitucional da política social caracteriza-se pela
universalidade na cobertura, reconhecimento dos direitos sociais, afirmação do dever do
Estado, subordinação das práticas privadas à regulação em função da relevância pública
das ações e serviços em cada uma dessas áreas, uma perspectiva publicista de cogestão
governo/sociedade, um arranjo organizacional descentralizado.
Esse novo modelo fica caracterizado e expresso nos princípios organizadores da
Seguridade Social: universalidade da cobertura e do atendimento; uniformidade e
equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; seletividade e
distributividade na prestação dos benefícios e serviços; irredutibilidade do valor dos
benefícios e serviços; equidade na forma de participação do custeio; diversidade da base
de financiamento; e gestão quadripartite, democrática e descentralizada, com
participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do governo em
órgãos colegiados (BRASIL, 1988). Além disso, introduziu a noção de uma renda de
sobrevivência, de caráter não contributivo, ao assegurar um benefício financeiro de
prestação continuada para idosos e deficientes incapazes de trabalhar68, inaugurando

68
No que tange à garantia de uma segurança de renda para idosos e pessoas com deficiência, os debates
do processo constituinte se desenvolveram, sobretudo, no âmbito de duas Subcomissões: (i) Subcomissão
dos Negros, Populações Indígenas, Pessoas Deficientes e Minorias e; (ii) Subcomissão da Família, do
Menor e do Idoso, as quais compunham, respectivamente, a Comissão da Ordem Social e a Comissão da
Família, da Educação, Cultura e Esportes, da Ciência e Tecnologia e da Comunicação. Vale lembrar que
embora a proposta de criação desse benefício para idosos e PcD estivesse presente nas deliberações de
duas comissões temáticas da Constituinte, a garantia do benefício às PcD foi efetivamente acolhida no
texto constitucional após proposição interposta por uma emenda popular (Ipea, 2009).
78

com isso o benefício assistencial da proteção social não contributiva inserido na política
de assistência representando uma ruptura à lógica securitária vista até então.
Esse modelo de seguridade social foi originalmente proposto por Beveridge no já
mencionado Report on Social Insurance and Allied Services; também conhecido como
Relatório Beveridge, Informe Beveridge ou Plano Beveridge, na Inglaterra, em 1942
(FIORI, 1995). Sua proposta previa um benefício único universal para aposentadorias,
pensões e desemprego, correspondente a um mínimo vital a ser assegurado pelo sistema
público, seja porque o beneficiário cumpriu as condições de tempo de contribuição, seja
em casos de necessidade, quando o beneficiário receberia um benefício assistencial
depois de comprovada a ausência de recursos. Previa também a "provisão de cuidados
médicos, que abarquem a totalidade das necessidades, a todos os cidadãos, mediante um
serviço nacional de saúde" (BEVERIDGE, 1987, p. 78). De todas as disposições, cabe
destacar a fundação de um Ministério da Seguridade Social, responsável pelos seguros
sociais e assistência, ainda que o serviço nacional de saúde fosse organizado pelos
departamentos correspondentes. O relatório pretendia inovar, através da completa
racionalização do sistema de seguros sociais vigente, e superar as experiências
realizadas até então, formulando um modelo que atendesse toda a população mediante
um esforço conjunto do Estado e da sociedade (PEREIRA, 2008). Beveridge reafirma o
princípio contributivo de propiciar benefícios como direito em troca de contribuições, já
que as políticas assistenciais seriam residuais, pois a tendência ao pleno emprego é
condição indispensável para o sucesso de qualquer política social (BEVERIDGE, 1987,
p. 168).
De acordo com Fleury (2008), a proposta de seguridade social brasileira articulou
três sistemas previamente existentes, regidos por lógicas diversas: a saúde pela
necessidade, a previdência pela condição de trabalho e a assistência pela incapacidade.
O entendimento de que a Previdência é um sistema contributivo (art. 201) e que requer
uma base de cálculo atuarial para garantir sua sustentabilidade não a separa do modelo
solidário e distributivo da Seguridade Social, pois o espírito da Constituição de 1988
parte da premissa de que a contribuição requerida não é feita, necessariamente, sobre o
salário do trabalhador (FLEURY, 2008, p.10).
A autora aponta que a modalidade de proteção social denominada Seguridade
Social arrola um conjunto de políticas públicas que, através de uma ação governamental
centralizada e unificada, procura garantir a todos os cidadãos um mínimo vital em
termos de renda, bens e serviços, voltados para os ideários de justiça social – o que seria
79

eficaz na redistribuição da riqueza social e na correção das desigualdades originadas


pelo mercado. De acordo com Lobato (2004), a ideia de seguridade social corresponde a
um conjunto de direitos sociais materializados em benefícios providos pelo Estado e
garantidos pelo conjunto da sociedade a partir da compreensão de que os riscos a que
estão sujeitos seus membros são de responsabilidade de todos, endossando com isto a
solidariedade e justiça social.
De acordo com Fleury (2008, p.10), os princípios orientadores da seguridade
social não se aplicam igualmente a todos os segmentos, sendo a universalidade da
cobertura e do atendimento o eixo do sistema de saúde, a uniformidade e equivalência
dos benefícios e sua irredutibilidade a base da reforma da previdência social e a
seletividade e distributividade o princípio orientador da política de assistência social. No
entanto, apesar de haver um maior ajustamento de cada um dos princípios às áreas
respectivas, sua integração sob o mesmo conceito de seguridade social supunha uma
equalização positiva entre os três componentes. A autora destaca que:
O padrão constitucional da proteção social inovou, mesmo em relação
ao modelo original da seguridade social, na organização dos setores
componentes da seguridade social, subordinando-os a dois princípios
básicos: a participação da sociedade e a descentralização político-
administrativa. Ou seja, o novo formato das políticas sociais deveria
aprofundar o duplo movimento de democratização, qual seja, desde o
nível central em direção ao nível local e desde o Estado em direção à
sociedade. A ênfase na participação da sociedade é um aspecto muito
salientado no texto constitucional, refletindo uma resposta às
reivindicações dos movimentos sociais em toda a década de 1980,
bem como às formulações dos grupos reformistas na área de saúde, ao
longo dos anos de ditadura. (FLEURY, 2008, p.10).

A autora ressalta ainda que “a originalidade da Seguridade Social brasileira está


dada em seu forte componente de reforma do Estado, ao redesenhar as relações entre os
entes federativos e ao instituir formas concretas de participação e controle sociais, com
mecanismos de articulação e pactuação entre os três níveis de governo” (FLEURY,
2008, p.11). Desta forma, a organização dos sistemas de proteção social deveria adotar o
formato de uma rede descentralizada, integrada, com comando político único e um
fundo de financiamento em cada esfera governamental, regionalizada e hierarquizada,
com instâncias deliberativas que garantissem a participação paritária da sociedade
organizada, em cada esfera governamental. O modelo constitucional ficou caracterizado
pelo desenho dos sistemas de políticas sociais de saúde e de assistência de forma
descentralizada e participativa. Já a previdência resistiu à descentralização, embora
80

tenham sido criados conselhos participativos com assento para beneficiários e


contribuintes, devido à mobilização dos sindicatos e dos aposentados (FLEURY, 2008;
BOSCHETTI,2008).
Nesse ínterim de reformulações, o Ministério da Saúde, em termos
organizacionais, absorveu, finalmente, a rede de serviços de atenção à saúde da
Previdência (INAMPS)69 e passou a ser o único responsável por todos os serviços de
saúde, com exceção do benefício de auxílio doença operacionalizado pela previdência
social até os dias atuais. O Ministério da Previdência e Assistência Social ficou
responsável pelas duas áreas, mas foram transferidos para a área de Assistência Social
todos os benefícios assistenciais que eram alocados anteriormente na Previdência (renda
mensal vitalícia70, auxílio-natalidade e auxílio funeral), além do novo benefício de
prestação continuada - BPC, conferindo com isto o caráter não contributivo às políticas
e programas sociais nessa área, tendo em vista a desobrigação de contribuição pretérita
para o acesso e concessão.
A autora aponta ainda, que os constituintes preocuparam-se em reduzir a
vulnerabilidade do sistema de seguridade social, cuja base de contribuição sobre a folha
de salários havia se demonstrado pró-cíclica, inviabilizando as finanças previdenciárias
nos momentos de crise econômica, quando a população apresenta mais demandas. Além
disso, a adoção de um modelo solidário e redistributivo impactou de imediato o
aumento das despesas, ao duplicar o valor dos benefícios rurais com sua equivalência ao
salário mínimo urbano. Embora a mesma linha de raciocínio possa ser aplicada à
população urbana, já que se faz necessária a adoção de um perfil de financiamento mais
estável num quadro marcado pela precariedade das relações de trabalho, ainda não
existem mecanismos de inclusão efetiva da população urbana em situação de
precariedade trabalhista (FLEURY,2008,p.12).
Com o objetivo de dar início a um modelo mais inclusivo, foram diversificadas as
fontes de financiamento. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu, em seu artigo
195, que:
A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma
direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos
orçamentos da União, dos Estados, do distrito Federal e dos
Municípios, e das contribuições sociais:

69
Lei 8.689, de 1993.
70
O benefício doravante referido como RMV foi instituído pela Lei 6.179/74 e extinto em 1991, pela Lei
8.213, que estipulou dezembro de 1995 como limite para a solicitação dos benefícios.
81

I – dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o


faturamento e os lucros;
II – dos trabalhadores;
III – sobre a receita de concursos de prognósticos. (BRASIL, 1988)

Assim, buscaram-se integrar contribuições sobre salários realizadas por


trabalhadores, empregadores e autônomos; contribuições sobre o lucro líquido das
empresas financeiras (CSLL) e contribuições sobre o faturamento das empresas
(COFINS). Tal modelo de financiamento foi criado como mecanismos de solidariedade
social e de estabilização do sistema, buscando romper com a noção do seguro social,
para a qual se requer a existência de uma relação permanente entre contribuição e
benefício. A concretização deste modelo de Seguridade Social se realizaria com a
criação do Orçamento da Seguridade Social (modalidade de integração que nunca fora
implementada) de todos os recursos oriundos das distintas fontes, a serem distribuídos
entre os três componentes: saúde, previdência e assistência social.
Segundo Fleury (2008), como o texto constitucional não estabeleceu o modo de
operação deste mecanismo, houve, de logo, uma especialização das fontes de
financiamento em relação ao destino, à revelia da lei, ficando o Orçamento da
Seguridade social como uma figura meramente contábil. Como a Previdência era a
arrecadadora das contribuições, reservou para si a folha de salários, e foram atribuídos à
Saúde os recursos das contribuições sobre o lucro (Finsocial e, depois, CSLL) –
questionadas juridicamente como dupla-tributação pelos empresários até 1993
(FLEURY, 2008) – e à assistência foram destinados os recursos sobre o faturamento
(Cofins).
Nesse ínterim, o arcabouço legal da Seguridade Social seria completado com a
promulgação das leis orgânicas, em cada segmento, que finalmente definiriam as
condições concretas pelas quais esses princípios constitucionais e demais diretivas
organizacionais iriam materializar-se. No entanto, a correlação de forças que favorecera
a promulgação deste modelo constitucional de 1988 havia mudado e a promulgação das
leis orgânicas só foi possível devido à rearticulação de forças reformistas, para
pressionar e negociar com um governo de orientação claramente centralizador e liberal
(FLEURY,1993; BOSCHETTI,2006).71

71
Nesse momento, no contexto internacional se desenrolava o que é colocado por Anderson (1995, p.3)
como a “onda de direitização”. Verificar nota de roda pé 25,26,27,28 e 29.
82

2.2.2. Seguridade Social: Um projeto inacabado

De acordo com Fleury (2008, p.13), a partir do início da década de 1990, quando
o país vivia o auge de uma forte crise fiscal, inflacionária e política, tendo como
corolário o impeachment do Presidente Collor, observou-se a inflexão na forma de
encaminhamento das discussões em torno da Previdência Social brasileira. A nova
agenda política incorporou uma intensa discussão pública em torno da sustentabilidade
financeira do sistema em virtude das significativas mudanças no mundo do trabalho
bem como de fatores de natureza demográfica. Houve também o crescimento dos
questionamentos em relação à generosidade do sistema, à manutenção de privilégios
para categorias de alguns setores e suas distorções gerenciais.
Nesse período, em toda a América Latina e, em particular, no Brasil, vivia-se,
uma grave crise econômica que exigia uma série de reformas, algumas estruturais.
Fleury (2008) aponta que os argumentos neoliberais indicavam como diagnóstico da
crise o elevado endividamento público, decorrente da incapacidade estrutural do Estado
de gerar poupança interna necessária ao desenvolvimento sustentável do país. Ressalta
que nesse contexto foi ganhando força uma agenda contrarreformista que incluiu a
privatização do patrimônio do Estado, a reforma administrativa introduzindo práticas
gerenciais oriundas dos negócios privados e a retirada do Estado da provisão de
serviços, aspectos fortemente indicados pelas agências internacionais como a solução
capaz de devolver ao país os níveis de crescimento social e econômico alcançados no
passado. É no caminho do discurso de cunho marcadamente neoliberal, ditado pela
orientação ortodoxa vigente na economia nos anos 1990, que se desenvolveram os
debates acerca da necessidade de reorganização do modelo de seguridade na periferia do
capital (BOSCHETTI, 2006; FLEURY, 2008).
As tendências da seguridade social brasileira nos anos de 1990 direcionam as
reformas na Constituição de 1988 rumo ao que Werneck (2000) chama de
americanização perversa da seguridade social brasileira. Esse tipo de modelo é subscrito
pelo FMI (Fundo Monetário Internacional), Banco Mundial, o BID (Banco
Interamericano de Desenvolvimento) e a USAID (U.S. Agency for International
Development, agência de fomento norte-americana) que reforçam uma nova estratégia
política manifesta nas tentativas de consolidar a expansão do mercado de recursos
sociais privados e dos fundos de pensão como recurso disponibilizado para a
financeirização do capital.
83

De acordo com as orientações do Consenso de Washington, o Brasil tornou-se


parte de acordos com organismos internacionais, tais como o Banco Mundial e o Fundo
Monetário Internacional, cujas orientações inspiradas pelo receituário neoliberal,
propunham a realização de reformas estruturais para a estabilização da economia, tais
como as privatizações, a desregulamentação dos mercados, a descentralização e a
retomada do desenvolvimento. Como parte dessas reformas, propunha-se a
desestruturação dos sistemas de proteção social vinculados às estruturas estatais e que
esses passassem a ser responsabilidade da iniciativa privada. Para Couto, Yasbek e
Raichelis (2011), é nesse contexto que devemos situar o início do difícil processo de
construção da seguridade social brasileira, na contramão das transformações requeridas
pela ordem econômica internacional.
Desse modo, a regulamentação dos novos dispositivos constitucionais relativos à
seguridade social foi bastante conflituosa. As leis orgânicas da área de seguridade social
foram promulgadas após um processo intensamente conflitivo entre disputas e
barganhas e em um contexto político em que o Poder Executivo era abertamente hostil
ao seu conteúdo reformista original. Todas as leis orgânicas72 – da saúde, previdência e
assistência – tiveram que ser negociadas nesta nova conjuntura desfavorável e sua maior
ou menor correspondência com os preceitos constitucionais foram fruto da capacidade
política de resistência às tendências de privatização, recentralização, capitalização e
focalização que ameaçaram o estabelecimento da seguridade social (FLEURY, 2008:
14).
Ainda de acordo com a autora, para alguns dos defensores do conceito de
Seguridade Social, esta já não existia mais formal nem administrativamente desde que a
legislação ordinária separou as três áreas componentes. Tampouco poderia haver
existência financeira, já que houve uma progressiva especialização das fontes, que se
acentuaria no período seguinte (VIANNA, 2003; BOSCHETI, 2006; FLEURY, 2008).
O modelo de Seguridade Social alcançado pela Constituição Federal Brasileira de
1988, como escreve PEREIRA (1998), é restrito e acanhado, se comparado com o

72
No setor saúde foram finalmente promulgadas as Leis 8080 e 8142 de 1990, que regulam as ações, a
organização e o funcionamento dos serviços e dispõem sobre a participação da comunidade na gestão do
sistema único de saúde, SUS, sobre a alocação dos recursos financeiros e sobre a estrutura dos conselhos
e das conferências de saúde. Na área de previdência, as inovações constitucionais foram regulamentadas
pela Lei n.º 8.212/91, intitulada Lei Orgânica da Seguridade Social, mas que apenas estabelece o Plano de
Custeio da Previdência Social e pela Lei n.º 8.213/91, que estabelece o Plano de Benefícios da
Previdência Social (FLEURY, 2008). A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) demorou cinco anos
para ser promulgada (Lei 8742/93), instituindo o Conselho Nacional de Assistência Social, responsável
pela política nacional e pela gestão do fundo nacional de assistência social (RACHELIS, 1998).
84

esquema concebido por Beveridge, que previa um programa unificado e amplo de


seguro social, a saúde, a assistência, a reabilitação, a pensão às crianças, o treinamento
profissional e a sustentação ao emprego.
O cenário brasileiro aponta que após 30 anos de sua criação, a Seguridade Social
não foi implementada conforme previsto na Carta Magna e as políticas que a compõem
são executadas de forma fragmentada e desarticulada, distantes de tornarem-se um todo
coeso e articulado. Para grande parte dos estudiosos da proteção social, a Seguridade
Social, como princípio reitor da proteção social, consagrado na Constituição Federal de
1988, não foi concluída organizacionalmente, nem financeiramente, bem como em
relação ao padrão de benefícios e à expansão de sua cobertura (WERNECK VIANA,
2003; FLEURY, 2008, BOSCHETTI, 2008, SPOSATI, 2009, CARDOSO JR, 2016)
tratando-se de um projeto nunca concretizado de acordo com o preconizado pelos
legisladores da Assembleia Nacional Constituinte de 1987.

2.3. Proteção social no contexto de avanço do neoliberalismo (1990 a 2002)

De acordo com Fagnani (2005), a década de 1990 foi marcada pelo início do
desmonte do sistema nacional de proteção social do país, dado por um novo ciclo de
reformas, que se convencionou chamar, no pensamento político-social brasileiro de
contrarreformas liberais e conservadoras, antagônicas ao incipiente projeto de
cidadania. É pertinente revelar que o Brasil apresentara grande resistência ao receituário
neoliberal na década anterior, por conta da sua economia não ter chegado a ‘um patamar
tão baixo’, apesar de ser conhecido como a década perdida e de alcançar elevadas taxas
de inflação, para pressionar o condicionamento do país à lógica neoliberal. Além disso,
o processo de redemocratização e a defesa de uma ordem social mais equânime
formaram uma espécie de freio ao avanço dos ideais neoliberais já bastante fortes em
âmbito mundial. O cenário se modifica, no entanto, logo após a promulgação do texto
constitucional.
De acordo com Gimenez (2007, p. 53), a inserção do Brasil na ordem
internacional, na década de 1990, se dá sob a lógica do projeto liberal hegemônico, na
esteira da estagnação econômica, do desastre inflacionário e da reabertura do crédito
internacional. Nesse sentido, tem-se o debate sobre as formas de retomar o crescimento,
tornar a economia brasileira competitiva no mercado internacional, combater a pobreza
e reduzir as desigualdades. A saída hegemônica advogada pelos grupos no poder se faz
85

pela defesa da efetivação de reformas liberais “exigidas por Washington - Pelo Fundo
Monetário Internacional, Banco Mundial e o próprio governo dos Estados Unidos –
consagradas como Consenso de Washington”.
É nesse contexto que, segundo Werneck Viana (2008), ocorre o desmonte
orçamentário e conceitual da seguridade social. O Brasil, nesse período, se encontrava
numa profunda recessão econômica e numa crise política73 que iria tornar o ambiente
favorável à instauração do projeto neoliberal internacional, marcando o esgotamento do
Estado Social Desenvolvimentista. Como bem ressalta Fagnani (2005, pg.57):
A desfiguração da Proteção Social foi levada a cabo pelos
representantes de Estado que se seguiram a Sarney em um contexto de
menor grau de liberdade para realizar as suas escolhas políticas, em
função da ordem global liberalizada. Vale salientar que o texto
constitucional demarcou apenas os princípios gerais e marcos
genéricos. Ao passo que a efetivação dessas conquistas dependia de
outra etapa, também crucial: a regulamentação da legislação
constitucional complementar. Essa etapa se concentrou no início da
década de 90, em um contexto político e econômico desfavorável. A
partir daí tem-se a instauração do contra-reformismo neoliberal na
questão social, opondo-se frontalmente aos princípios estabelecidos na
Carta. Isso vai resultar em grandes transformações, que se darão de
forma gradual, na configuração da Lei Maior, no sentido de deturpá-
lo: o Estado de Bem-Estar Social passa a ser substituído pelo ‘Estado
Mínimo’; a seguridade social pelo seguro social; a universalização,
pela focalização; a prestação estatal direta dos serviços sociais, pelo
‘Estado Regulador’ e pela privatização; e os direitos trabalhistas, pela
desregulamentação e flexibilização.

Além do pano de fundo de rearranjo conservador que avançou no final do


governo Sarney, os três primeiros anos dessa década assistiram a uma ‘contrarreforma
truncada’ da Carta Magna. Fagnani (2005) aponta que essa contrarreforma se expressa
na formulação de uma agenda de reformas para a política social e para os direitos
sociais, que seria incorporada na revisão constitucional prevista para 1993; na estratégia
de obstrução e desfiguração da política social e dos direitos sociais no processo de

73
Do ponto de vista econômico, o Brasil enfrentava uma grave crise estrutural que iniciara já nos anos
1970, com o fim do chamado Milagre Brasileiro. Essa crise econômica não pode ser dissociada da crise
estrutural do capitalismo que tem início na mesma época e que se expressou em perda de dinamismo
econômico combinada a altas taxas de inflação e profunda recessão econômica, com catastróficas
consequências sociais como aumento do desemprego estrutural, achatamento e arrocho salarial,
crescimento da pobreza e das desigualdades sociais.. Já do ponto de vista político, o país atravessava
turbulências importantes que teve como uma de suas principais expressões o processo de impeachment do
então presidente Fernando Collor de Mello por denúncias de corrupção, desvio de verbas e outros crimes
contra o patrimônio público.
86

regulamentação da Constituição e na ação direta do poder Executivo na desorganização


burocrática das bases fundamentais de execução da política social.
Logo no início da década de 1990, a então recém-promulgada Carta Cidadã
corria riscos de paralisia já no primeiro governo democrático. Como dependia das leis
infraconstitucionais para materializar direitos sociais nela idealizados, e o cenário tanto
mundial quanto local não era favorável, era previsível que haveria entraves, disputas e
correlação de forças.
Fernando Collor de Melo foi o primeiro presidente eleito pela população desde a
década de 1960. Este governo foi marcado pela implementação do Plano Collor, pela
abertura do mercado nacional às importações e pelo início do Programa Nacional de
Desestatização. A duração deste governo foi curta, março de 1990 a dezembro de 1992,
por conta da renúncia do presidente de seu cargo, na tentativa de evitar um processo de
impeachment, fundamentado em acusações de corrupção. Os recursos para a consecução
dos direitos sociais previstos pela Carta Magna estavam escassos. De acordo com
Werneck Viana (1990), a Seguridade Social não se materializou devido aos obstáculos
colocados ao desenho e à operacionalização das regras complementares e, por isso, à
inexistência de referências sobre a futura inserção orgânica e funcional na estrutura da
administração pública, além da ainda dependência do estabelecimento, pelo Congresso
Nacional, de legislação infraconstitucional.
Com Collor no poder, a preocupação básica do governo esteve centrada no
combate à inflação – inflação mensal próxima de 100% –, e para tal foi implementado
um plano econômico que tinha por âncora o confisco da liquidez da economia
nacional74. O resultado disso foi uma violenta recessão, pois não havia recursos
financeiros para irrigar a economia. A situação se agravou mais ainda por conta do
elevado arrocho salarial promovido e pelo corte dos gastos e tendo insucesso “seu plano
econômico”. O eixo econômico central de seu projeto de governo consistia em abertura
comercial ao exterior e privatizações. Para esse propósito, o Presidente contou com o
apoio de grande parcela do empresariado brasileiro – com sua perspectiva distorcida
acerca deste discurso 75–, tendo em vista o desmonte do Estado de Bem-Estar Social.

74
A preocupação básica desse governo estava centrada no combate à inflação. No início de sua gestão,
adotou um plano que tinha por objetivo romper com a indexação da economia, logo no primeiro dia de
posse. Este plano foi chamado de Plano Brasil Novo, porém ficou “conhecido como Plano Collor. [...]
pelo confisco da liquidez, tornando-se a grande âncora do projeto empreendido” (WERNECK VIANNA,
1990).
75
Werneck Vianna (1991) evidencia em seu artigo as inconsistências do discurso neoliberal nacional –
“três inconsistências flagrantes” – estas relacionadas com: o passado, onde se tem a indicação da fraca
87

É importante notar que, de acordo com a autora, a essência do discurso


neoliberal do empresariado, naquele momento, e que perdura atualmente, encontra-se
centrada na ideia de trabalhador livre. Ou seja, trabalhadores que abdicassem de seus
direitos trabalhistas, trariam consigo flexibilidade ao mercado de trabalho, daí a
premissa de que o mercado por si só organizaria convenientemente a vida social, por
meio de sua mão invisível. Entretanto, no Brasil o mercado opera “num círculo restrito,
do qual está excluída, pela miséria, pelo desemprego, pelos baixos salários, grande parte
da população” (WERNECK VIANNA, 1991, p.13). Direitos crescentes e extensamente
demandados pela sociedade por conta da Carta Constitucional, então recentemente
promulgada, não possibilitaram um convívio ‘amigável’ com um sistema produtivo que
tinha por fundamento a desigualdade social.
Como bem observa Werneck Vianna (1991, p.15), o discurso neoliberal
tupiniquim prega a adesão dos trabalhadores à modernidade, no sentido de restabelecer
as relações livres do contrato individual típicas do século XIX, tendo por base o Estado
patrimonialista nacional. Importa evidenciar que a difusão desse ideário tem por
intenção pregar a irreversibilidade do desmonte do Welfare State, fato que, na verdade,
como já mencionado anteriormente, não ocorreu nos países desenvolvidos –
“caracterizados pelos ajustes conservadores que o capitalismo contemporâneo sofreu na
década de 80”.
Cabe aqui destacar os principais argumentos neoliberais relatados por Draibe e
Henrique (apud: WERNECK VIANNA, 1990, p.19):
a) A expansão dos gastos sociais do Estado (geralmente em condições de
desequilibro orçamentário) provoca déficits públicos recorrentes que
resultam na penalização da atividade produtiva, em inflação e
desemprego;

b) As políticas sociais, crescentes e tendentes ao predomínio sobre outras


políticas públicas, ferem a ética do trabalho e comprometem o
mecanismo de mercado, eliminando os riscos da competição e
provocando uma perniciosa sensação de igualdade;

c) A intervenção do Estado, base de sustentação do welfare, leva ao


autoritarismo, o que redunda numa cidadania dependente, na
dissolução da família, na quebra do ethos da mobilidade social.

memória dos que possuem; o período presente, que revela a estreiteza de visão dos mesmos à realidade
que se apresenta; e, por fim, o anacronismo de suas perspectivas quanto ao futuro.
88

Nessa perspectiva, tem-se a introdução de uma agenda neoliberal no país, que


incorporou uma intensa discussão pública em torno da sustentabilidade financeira do
sistema de proteção social. A formação de uma nova pauta de discussões teve como
justificativa para a sociedade, via mídia, as significativas mudanças no mundo do
trabalho, fatores de natureza demográfica, além do crescimento dos questionamentos em
relação à generosidade do sistema, à manutenção de privilégios para alguns setores e
suas distorções gerenciais.
De acordo com Soares (2003), é importante levar em consideração o fato de que
as reformas inclusas nesse programa neoliberal faziam parte das ‘condicionalidades’
para a obtenção dos empréstimos externos do FMI. Foi a partir dessa instituição que se
deu o “processo de desmonte do Estado e de retrocesso do ponto de vista da concepção
generosa de uma proteção social universal, baseada nos direitos da cidadania”
(SOARES, 2003, p.118). Os pontos centrais desta agenda residiram: na redução do
déficit fiscal atribuído ao gasto público (partindo da premissa de que gasto público não é
investimento – sobretudo o gasto social); na promoção da reforma do Estado,
remodelando suas funções na perspectiva de aumentar a sua ‘eficiência’ por meio da
diminuição de custos; e, na expansão da ‘competitividade’, via redução dos custos
sociais das empresas e flexibilização da mão-de-obra (SOARES, 2003). Portanto, tem-
se a proposição de ‘reformas da reforma’, que vai se efetivar a partir de 1994, no
governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC).
De acordo com Werneck Viana (1990), vale ainda observar que as formulações
sobre os aspectos negativos da política social disponibilizadas aqui no Brasil como
justificativa para a implantação do receituário neoliberal no período não apresentaram a
mesma densidade analítica daquelas debatidas nos países centrais. No Brasil, o núcleo
central do debate reside na defesa de certas linhas de privatização, na ênfase dada à
questão do déficit público, na intransigência quanto ao significado do gasto social em
um contexto de crise, minimizando seus impactos sociais. Na ausência de estudos
teóricos ou empíricos, o que se verificou foi a ação de atores interessados na
implantação das medidas neoliberais e a divulgação de suas justificativas na imprensa,
em declarações oficiais, nos discursos políticos e/ ou da competência técnica. A
apresentação da Seguridade Social como matéria exclusivamente de natureza técnica –
por meio de uma abordagem que enfatiza relações numéricas, simulações, variáveis
organizacionais, dentre outros elementos – termina por levá-la à despolitização e
89

esvaziar seu conteúdo no que concerne à proteção social bem como seu teor enquanto
política social com vistas à equidade.
Com a saída de Collor de Mello, assume a Presidência da República o seu vice,
Itamar Franco. Pode-se identificar esse período como um governo de transição,
caracterizado pelo imobilismo de suas ações, no sentido de ‘manter a ordem iniciada’
para o próximo presidente eleito pelo povo. Ainda assim, é preciso destacar que foi
neste período que se deu o lançamento do Programa de Ação Imediata (PAI) –
considerado como um programa de transição para o plano econômico, o Real –, pelo
então ministro da Fazenda, empossado em maio de 1993, Fernando Henrique Cardoso,
mais adiante eleito presidente.
As metas desse programa incluíram a aprovação do Imposto Provisório sobre
Movimentação Financeira (IPMF), que tinha por objetivo ampliar a arrecadação do
governo federal. A essas metas somavam-se os cortes profundos no orçamento federal
para 1993, a renegociação das dívidas de estados e municípios com o governo federal, a
reorganização do relacionamento contábil entre o Banco Central e o Tesouro Nacional e
a renegociação da dívida externa do governo com bancos estrangeiros. Além disso, tem-
se a elevação da taxa de juros, a aceleração do processo de privatização e o avanço da
abertura do mercado brasileiro aos produtos estrangeiros. Entretanto, isso não
solucionou o problema da inflação, pois ela continuou a sua trajetória ascendente. Vale
ressaltar que as duas últimas ações davam continuidade ao programa de Collor de Mello
(BACHA, 1998, p.14).
Esse plano, de acordo com Bacha (1998), defendia que o excessivo gasto
público era o principal responsável pela inflação. O programa tinha como ênfase o
equilíbrio de contas do setor público, a justificativa para tal estava na necessidade de
tratamento da desordem financeira e administrativa existente do setor público. Sendo
assim, o governo deveria ‘arrumar a casa e pôr as contas em ordem’, colocação esta
cunhada bem na base do discurso neoliberal.

Alguns tímidos avanços são observados na área social, merecendo destaque a


promulgação da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) em 1993, a qual havia sido
integralmente vetada por Collor de Mello, bem como o avanço do processo de
descentralização da saúde, por meio da Norma Operacional Básica de 1993 (NOB 93),
cujo título sugestivo era A ousadia de cumprir e fazer cumprir a lei, por referência à Lei
Orgânica da Saúde.
90

Em 1995, assume a Presidência da República o sociólogo Fernando Henrique


Cardoso (FHC). Sua vitória eleitoral pode ser creditada em grande parte ao fato de que o
mesmo havia sido Ministro da Fazenda no governo Itamar Franco e responsável pelo
Plano Real. FHC governou o país por dois mandatos consecutivos, de 1995 a 1999 e de
1999 a 2002.

De acordo com Draibe (2003), em meados da década de 1990, ao mesmo tempo


em que eram implementadas algumas das medidas e inovações institucionais
estabelecidas pela nova Carta Constitucional, esgotava-se também o otimismo que
prevaleceu no primeiro ciclo reformista dos programas sociais. Entre as razões para
isso, encontrava-se o fracasso de sucessivos planos de estabilização econômica e a
crescente instabilidade inflacionária, caracterizado pelo insucesso da política econômica
até então implementada.
De caráter neoliberal, a política econômica de Fernando Henrique ainda como
ministro fez do Plano Real o instrumento de estabilização monetária. O cenário que se
apresentava era de grandes pressões externas, pelos organismos internacionais –
orientados pelo Consenso de Washington –, para que o país adotasse medidas de
ajustamento econômico e fiscal. Estas orientações tomaram corpo na política econômica
de FHC, dado que a estabilização econômica era o primeiro passo para uma inteira
abertura do mercado brasileiro de bens e serviços ao capital internacional.
De acordo com Bacha (1998), o plano Real foi um programa de estabilização
realizado em três estágios, iniciado em dezembro de 1993. O primeiro estágio consistia
em um mecanismo de equilíbrio orçamentário, que buscou contrabalançar o orçamento
fiscal operacional ex-ante, por intermédio de cortes profundos na proposta orçamentária
para 1994. Para tanto, a aprovação pelo Congresso de uma emenda constitucional foi
fundamental. A segunda fase, iniciada em fevereiro de 1994, teve por intento a
introdução de uma unidade de conta estável para alinhar os preços relativos mais
importantes da economia – denominada de Unidade Real de Valor, também conhecida
por URV. Por fim, a última fase foi dada pela conversão da unidade de conta
estabelecida no momento anterior em uma nova moeda no país, a uma taxa de paridade
semifixa com o dólar, em julho de 1994. Para esse autor, tal fato se configurou em
virtude das conversões de todos os contratos vigentes na economia, se beneficiando da
indexação diária dada pela ‘tablita’, que convertia diariamente o valor da URV pelo da
moeda existente na economia (cruzeiros reais).
91

A implementação do Plano Real garantiu a eleição para presidente de Fernando


Henrique Cardoso bem como a sua reeleição, haja vista que a população temia a
possibilidade de retorno da inflação. Possibilitada por emenda constitucional garantindo
a sua candidatura, FHC foi reeleito num contexto diferente, nesse momento havia o
sucesso do plano real e sua valorização frente ao dólar. É interessante observar que a
aprovação dessa emenda foi comemorada pelo presidente prometendo “continuar na
caminhada das transformações da sociedade brasileira e completar as grandes reformas
necessárias ao equilíbrio fiscal e à modernização do Estado brasileiro, notadamente, as
reformas da Previdência, da administração e tributária” (SOUZA, 2007, p.258).
De acordo com Werneck Viana (2005b) o período pós-1994 foi caracterizado
pelas “reformas das reformas” ao texto Constitucional. Segundo Netto (1999), a
modernização do país implementada pelo presidente visava o ingresso ao primeiro
mundo e contava com o amplo apoio da mídia. Só que tal intento somente seria possível
com a execução dessas reformas, mas que inviabilizavam o projeto social nelas contido.
Com base no referido autor, é possível afirmar que a reversão dos avanços
sociais contidos no texto constitucional foi realizada em dois planos: “no plano jurídico,
dando forma a uma reforma/ revisão constitucional que acabou por retirar da Carta
elementos fundamentais [...]; e, substancialmente, no plano prático-concreto, dando
curso a um “modelo de desenvolvimento” que subtraiu as bases de sustentação
econômico-financeiras para uma eventual implementação daquela alternativa” (NETTO,
1999, p. 79).
Conforme sustenta Netto (1999), a intensificação desse ciclo de contrarreformas
ocorreu já no primeiro governo (1995-1998) e se estendeu ao longo do segundo
mandato (1999-2002). O autor sublinha que o projeto político do grande capital
concentrou-se na reforma do Estado emoldurada por uma perspectiva neoliberal, daí a
premência pela reeleição de FHC, no plano político, dado que isso asseguraria a
consecução desse projeto.
De acordo com Fagnani (2005), os esforços de política fiscal, desde o primeiro
governo FHC, foram orientados para uma proposta de reforma estrutural, com o
propósito de se obter a aprovação de emendas constitucionais e de legislação voltada
para a redução do déficit previdenciário e alterações na estrutura administrativa do setor
público, além de ações patrimoniais como a privatização e o reconhecimento de
passivos contingentes. Acrescentam-se, ainda, os esforços empreendidos pelo governo
federal em conter a expansão fiscal dos governos subnacionais.
92

Ainda de acordo com Fagnani (2005), cabe ressaltar que o programa de


estabilização adotado – o Plano Real – previa a queda da inflação, que derivaria na
perda do chamado imposto inflacionário ou dos ganhos decorrentes da depreciação dos
gastos governamentais. É nesse panorama que se fez urgente, desde o primeiro
momento – antes da adoção do Plano Real –, o encaminhamento de um profundo ajuste
das contas públicas, que teve por objeto a preparação do país para a estabilização de sua
economia, um programa de transição para o plano econômico: o Programa de Ação
Imediata (PAI), no sentido de ‘pôr a casa em ordem’.
A escolha por altas taxas de juros para lidar com as questões referentes ao
financiamento externo e à dívida pública, por seus idealizadores, teve um custo
elevadíssimo para o país. A discussão econômica encontrava-se dominada pelos dogmas
neoliberais, sendo assim, havendo desequilíbrio nas contas, a responsabilidade é sempre
do Estado (SINGER, 1999). Com a ampliação das taxas de juros era certo que haveria
uma ampliação dos gastos. Para tal, o encaminhamento era ampliar a carga tributária,
além da cobrança permanente de responsabilidade pelos entes federados da nação no
que se refere ao alcance do equilíbrio orçamentário sustentável, o que foi estabelecido
pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), implementada em 2000, por Lei
Complementar76.
De acordo com Gimenez (2007), a ampliação da carga tributária foi obtida por
uma série de medidas, sendo uma delas o estabelecimento, por meio de emenda
constitucional (Art.71 – Emenda Constitucional de Revisão n°1/1994), do Fundo Social
de Emergência (FSE). Esse Fundo tinha por objetivo o “‘saneamento financeiro da
Fazenda Pública Federal e de estabilização econômica’ e cujos recursos seriam
‘aplicados no custeio das ações dos sistemas de saúde e educação, benefícios
previdenciários e auxílios assistenciais de prestação continuada, inclusive liquidação de
passivo previdenciário, e outros programas de relevante interesse econômico e social’”
(GIMENEZ, 2007,pg.107). Na prática, esse mecanismo – bem como os que se
sucederam: o Fundo de Estabilização Fiscal (FEF) e a atual Desvinculação de Receitas

76
De acordo com Singer (1999), a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), instituída pela Lei
Complementar n° 101, de 4 de maio de 2000, teve por finalidade instituir um regime fiscal-disciplinar,
com base em mecanismos de controle do endividamento e das despesas públicas, assim como normas
coercitivas e de correção dos desvios fiscais porventura verificados. É um código de conduta para os
administradores públicos de todo o país, abrangendo os três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário),
nas três esferas de governo (federal, estadual e municipal).
93

da União (DRU)77 – tinha por intento desvincular as receitas do orçamento federal para
realocar conforme as necessidades determinadas pelo Tesouro: 20% da arrecadação de
todas as contribuições da União, exceto as incidentes sobre os salários e folha de
salários. Gimenez (2007, p.118) esclarece que, dessa receita desvinculada:
[...] 75% de sua composição provinham de receitas existentes e
vinculadas e 25% de novas receitas derivadas de aumento da carga
tributária – fundamental para ampliar as possibilidades de corte de
gastos sobre as receitas vinculadas constitucionalmente, num
movimento de centralização das receitas por parte do governo federal.
Na realidade, grande parte dessas desvinculações de receitas estava na
base de financiamento da seguridade social e do Fundo de
Participação de Estados e Municípios.

Ainda de acordo ainda com Gimenez (2007), tem-se que o aumento da carga
tributária efetivado nos dois governos de FHC foi habilmente realizado pelo
alargamento das bases não partilhadas com os governos subnacionais, ou seja, pelas
contribuições sociais. Exemplo marcante foi a Contribuição Provisória sobre
Movimentação Financeira (CPMF)78, que vigorou de 1997 a 2007, desvinculada pelo
FSE, depois FEF e adiante DRU.
Souza (2007) assinala que com a desvalorização da moeda nacional, ao final do
governo FHC, tem-se o desaparecimento de parte importante do Plano Real, daí a
adoção de outro sistema de combate à inflação: o Sistema de Metas de Inflação, com
Armínio Fraga no cargo de presidente do Banco Central. Nesse sistema, o principal
instrumento passou a ser a âncora monetária, por meio dos juros elevados. O Banco
Central revestiu-se de importância e, sobretudo, poder que não possuía em períodos
anteriores. O Banco Central passou a agir de modo ‘independente’, ou seja, deixou de se
“subordinar às decisões do governo para submeter-se inteiramente à lógica da
financeirização do capital” (SOUZA, 2007, p.270).
A busca incessante pela manutenção da estabilidade e a retomada do
crescimento econômico, consideradas no discurso oficial como ‘condições necessárias’
para a promoção do bem-estar social apregoado, mostraram-se implicitamente

77
A rigor, o FSE, ainda, encontra-se em vigor com o nome de Desvinculação dos Recursos da União
(DRU). Entre 1995 a 1999 ele foi chamado de Fundo de Estabilização Fiscal (FEF). Em dezembro de
2007, foi aprovada a prorrogação da DRU e se encontra em vigor.
78
A Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) substituiu o Imposto Provisório
sobre Movimentação Financeira (IPMF), criado em 13 de julho de 1993 e que vigorou de 1° de janeiro de
1994 até 31 de dezembro de 1994. O IPMF tinha uma alíquota de 0,25%, que incidia sobre os débitos
lançados sobre as contas mantidas pelas instituições financeiras. Essa contribuição ficou conhecida como
‘Imposto do Cheque’ (SANDRONI, 2005).
94

incompatíveis com o programa de ajuste macroeconômico implementado ao longo do


segundo mandato. O resultado da ‘era FHC’ foi a estabilização da economia, com a
presença de “modestas taxas de crescimento do Produto Interno Bruto, refletindo as
persistentes restrições macroeconômicas, entre as quais: baixa taxa de investimento,
vulnerabilidades externas, infraestrutura inadequada e desequilíbrios fiscais”
(SOUZA,2007), além de elevada taxa de desemprego e crescente dependência do
financiamento externo.
De acordo com os estudos de Werneck Viana (1990) e Fagnani (2005), o
orçamento da seguridade social se constituiu em elemento essencial da política
econômica de sustentação do Plano Real, no sentido de produzir uma poderosa química
que, segundo Boschetti e Salvador (2008, p.2) permitiu “transformar recursos da
seguridade social em recursos fiscais destinados à sustentação da política econômica e
acumulação de capital”. Isso vai resultar em uma trajetória da Proteção Social Nacional
oposta ao que foi aspirado pela Lei Maior ao ser promulgada: o seu sucateamento e
precarização, no sentido de fazer regredir a cidadania recém-conquistada.
A deterioração dos serviços, por sua vez, alimenta o mercado – a
mercantilização do sistema de proteção social – e, portanto, aprofunda o perverso
processo de americanização da seguridade social, como bem colocado por Werneck
Vianna (2000). Essa trajetória não sofrerá uma grande inflexão nos governos seguintes.
De acordo com Netto (1999), os governos FHC não excluíram a política social,
porém a situaram em uma perspectiva diametralmente oposta daquela que está
registrada na Carta Constitucional promulgada em 1988. A política social foi marcada
pela subordinação à política econômica, na realidade, à estratégia macroeconômica do
grande capital, de lógica neoliberal, que a situa nos parâmetros mercantis: privatização e
mercantilização.
Werneck Viana (2008) aponta que no referido momento político há um
empobrecimento do debate acerca da questão social e suas formas de enfrentamento.
Para essa autora, entre as características do governo FHC situam-se a refilantropização e
a privatização, em especial no tocante à política de assistência social, transferida neste
governo para a alçada da ‘sociedade civil’. O chamado terceiro setor ganhou destaque e
se responsabilizaria pela construção de ‘redes de proteção social’ ou de ‘instituições de
95

solidariedade social’, com as quais o Estado poderia combinar ‘parcerias’, inclusive em


modalidades similares à de uma ‘terceirização’79.

2.4. Anos 2000: continuidades e mudanças na agenda da proteção social brasileira

De acordo com Machado et al (2017), Luiz Inácio Lula da Silva, fundador do PT,
iniciou sua carreira como dirigente sindical e foi eleito à Presidência da República em
2002, após a quarta campanha presidencial da qual participou, vencendo uma acirrada
disputa com José Serra (PSDB).

O primeiro governo Lula foi marcado pelo compromisso de assegurar as condições


para a manutenção da estabilidade monetária que havia sido alcançada após o Plano Real.
Tal fato representou um elemento de continuidade do governo liberal anterior, embora a
política econômica tenha apresentado mudanças relevantes, como a revalorização do
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no apoio à Indústria
Nacional (BOSCHI, 2007).

Ao longo dos dois mandatos do Governo Lula, houve grandes variações no


contexto econômico e político. O primeiro biênio, 2003-2004, foi marcado por restrições
financeiro-orçamentárias, com retomada do crescimento econômico a partir de 2006,
possibilitado pelo boom de commodities. Em 2008, com a crise econômica mundial, é
observada uma redução do PIB em 2009, e em contrapartida é implantado, no segundo
mandato, políticas anticíclicas com o aumento dos investimentos públicos, incluindo
projetos de infraestrutura (Plano de Aceleração do Crescimento-PAC), e expansão dos
gastos sociais (Machado et al 2017).

De acordo com Bielschwsky (2012), não obstante alguns elementos de


continuidade com governos anteriores, novas estratégias de desenvolvimento acabam por

79
Merece destaque aqui o Programa Comunidade Solidária (PCS), instituído por meio do Decreto n.
1.366/ 1995, para o enfrentamento da fome e da miséria. Até a sua extinção em 2002, esse programa
esteve diretamente vinculado à Casa Civil e presidido pela então primeira-dama, Ruth Cardoso. O PCS
centrava-se na parceria entre governo e sociedade civil, pautando-se nos princípios de solidariedade,
descentralização e convergência integrada de ações, de modo a otimizar o gerenciamento de programas
federais através da participação da sociedade no controle e execução e apoiar programas impulsionados
pela sociedade ou governos locais em áreas de concentração de pobreza (PELIANO et al., 1995). Entre as
importantes críticas ao PCS destacam-se o paralelismo das ações desenvolvidas, o resgate do primeiro-
damismo, a centralidade da sociedade civil no desenvolvimento de ações que seriam de responsabilidade
estatal e o esvaziamento da assistência social tal como preconizado na LOAS. Para uma leitura crítica do
PCS, consultar Silva (2001).
96

caracterizar a intervenção do governo Lula no que foi designado como “social


desenvolvimentismo”, apresentando políticas econômicas e sociais de orientação
redistributiva, tais como: estratégias para geração do emprego, formalização do trabalho,
aumentos reais do salário mínimo, e aumento das transferências diretas de renda. De
acordo com Machado et al (2017, pg. 152):

O governo foi inicialmente apoiado por uma coalizão com partidos


pequenos de perfil político variado, sendo o Vice-presidente um
empresário do Partido Liberal (PL). A partir de 2005, a crise política
desencadeada por denúncias de caixa dois de campanha e estratégias de
cooptação do Congresso incentivou a busca de apoio e concessão de
cargos ao PMDB, cuja participação no governo se expandiu nos anos
seguintes. Apesar da crise política, Lula foi reeleito Presidente em 2006,
após disputa eleitoral com Geraldo Alckmin, do PSDB. Durante os dois
mandatos, Lula priorizou estratégias de conciliação política, com
movimentos de articulação com diversos segmentos da classe política, do
empresariado urbano e de proprietários rurais, não tendo sido enfrentados
temas polêmicos como as reformas política e a tributária.

De acordo ainda com os autores, a política externa brasileira destacou-se pelas


relações comerciais favorecidas com a China, e por decisões domésticas, representadas
pela redução da dependência das agência internacionais e dos Estados Unidos, aumento da
soberania nacional e da aproximação com outros países em desenvolvimento, com
destaque para os da América do Sul e África, bem como os demais participantes do
BRICS80
Em relação à política social, durante ambos os mandatos, o governo priorizou as
políticas voltadas ao combate à pobreza e à expansão de direitos de segmentos
populacionais socialmente vulneráveis. No primeiro grupo, a estratégia “Fome Zero”,
anunciada em 2003-2004 – que somava uma série de iniciativas para a erradicação da
fome, nos âmbitos rural e urbano – foi deslocada pela centralidade do Programa Bolsa
Família (PBF) nos anos subsequentes. O Ministério do Desenvolvimento Social, criado em
2004, passou a coordenar três eixos relevantes para o combate à pobreza: a segurança
alimentar e nutricional, as políticas de assistência social, e as de transferência de renda.

80
BRICS é o nome de um conjunto econômico de países considerados "emergentes", formado atualmente
pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Os BRICS têm 42% da população e 14% do PIB
mundiais e aproximadamente três quartos das reservas de divisas. Considerando-se as reservas, o
conjunto dos cinco países dispõe, hoje, de mais de US$ 4 trilhões, mas de forma extremamente desigual:
72% desses recursos pertencem à China, 12% à Rússia, 7,5% cada ao Brasil e à Índia, e apenas 1% à
África do Sul. Isso por si só já sugere parte das dificuldades de acerto quanto ao uso de recursos para
socorro financeiro às economias emergentes em dificuldade. Todos os países BRICS pertencem ao G-20
financeiro, o fórum mais importante hoje para a definição de governança global. (FUNAG,2015).
97

Resultante da unificação de quatro estratégias anteriores, em poucos anos o PBF foi


considerado o maior programa de transferência de renda com condicionalidades do mundo,
contribuindo para a redução da pobreza e da mortalidade infantil no país (Campello et al,
2013), entre outros resultados. Também houve expressiva expansão do Benefício de
Prestação Continuada81 e destaca-se a expansão institucional da Assistência Social
(JACCOUD et al, 2017). No segundo grupo, adotaram-se iniciativas voltadas para a
expansão de direitos das mulheres, grupos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis,
transexuais e transgêneros (LGBT), população negra, indígena e quilombolas, incluindo a
criação de secretarias federais específicas, mudanças legislativas e normativas.
Destacaram-se as políticas de ação afirmativa, como os incentivos às universidades para a
adoção de cotas de vagas para alunos de escolas públicas, negros e indígenas, inicialmente
por adesão e, a partir de 2012, mediante lei voltada para as instituições federais (Machado
et al, 2017, pg:153). Acrescentem-se ainda as estratégias de expansão dos campi e de
universidades federais em regiões carentes e a adoção de um programa de bolsas federais
para alunos de baixa renda em universidades privadas. Tais ações resultaram na expansão
do acesso dos jovens ao Ensino Superior, mais expressiva entre os negros, embora este
acesso ainda seja baixo no Brasil (ARRETCHE, 2015).
A Previdência Social foi objeto de reformas incrementais que, entre 2003 e 2004,
atingiram o regime dos servidores públicos, impondo maiores exigências para a
aposentadoria integral. Em que pesem as pressões para a contenção do crescimento de
gastos, de acordo com Machado et al (2017), não houve privatização do sistema de
previdência no Brasil, que manteve sólida base pública. Na saúde, foram adotados como
marcos de governo três programas: Brasil Sorridente, Serviço de Atendimento Móvel de
Urgência (SAMU), e Farmácia Popular. Os dois primeiros partiram de iniciativas prévias, e
o terceiro introduziu no SUS o copagamento por medicamentos adquiridos em farmácias
estatais ou privadas. Como elemento de continuidade nessa esfera, destaca-se a expansão
da cobertura do Programa de Saúde da Família-PSF, que passou a ser enfatizado como
estratégia de reestruturação do modelo de atenção, agregando novos profissionais à atenção
básica (Machado, 2012).

Diante da ênfase no debate desenvolvimentista e da estabilidade do Ministro da


Saúde José Temporão no segundo mandato, a agenda setorial se expandiu por meio de
iniciativas relacionadas ao complexo industrial da saúde, visando a fortalecer a produção

81
O Benefício de Prestação Continuada será objeto de estudo na próxima seção.
98

nacional de insumos estratégicos para o SUS. Embora os programas e iniciativas descritos


tenham sido relevantes para a expansão da cobertura e escopo das ações em áreas críticas,
de acordo com Machado (2012), problemas estruturais do sistema de saúde não foram
adequadamente enfrentados no período, como por exemplo, no âmbito do financiamento,
das relações público-privadas, da força de trabalho e das desigualdades territoriais em
saúde.

Os Governos Lula expressaram esforços de mudança no modelo de


desenvolvimento econômico-social, tendo as políticas trabalhistas e sociais contribuído de
forma expressiva para a redução da pobreza, das desigualdades de renda e para a ascensão
de parte da população trabalhadora, em círculo virtuoso entre fomento à demanda interna e
desempenho econômico (MACHADO et al, 2017; MENECUCCI, 2011). Ao final de 2010,
Lula deixou o governo com altíssima aprovação nacional e expressivo reconhecimento
internacional, conseguindo eleger sua sucessora após acirrada disputa eleitoral. Dilma
Rousseff, ex-ministra das Minas e Energia e da Casa Civil, que havia coordenado grandes
projetos de investimentos do governo, foi a primeira mulher eleita Presidente no país,
tendo em sua chapa como Vice-presidente Michel Temer, do PMDB.

O primeiro Governo Dilma se defrontou com um contexto econômico e político


menos favorável do que o do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. De acordo com
Machado et al. (2017), na esfera econômica, a desaceleração da China e o prolongamento
da crise em outros países propiciaram a redução do ritmo de crescimento brasileiro entre
2011 e 2014. Na mesma linha, Anderson (2016) argumenta que os principais motores do
crescimento estagnaram e as tentativas da política econômica nos primeiros anos de
estimular os investimentos não foram bem-sucedidas. Em 2014, ao final de seu primeiro
mandato, o Governo Dilma mudou o rumo da política econômica e passou a defender
medidas de austeridade fiscal.

Destacaram-se, no âmbito político, a dependência do governo a uma coalizão


político-partidária ampla e heterogênea, o crescente poder do PMDB e a relativa
fragilidade da Presidente, aspectos que restringiram a sua governabilidade e favoreceram o
fortalecimento de forças e agendas conservadoras ao longo do período, cujo ápice resultou
na crise de 2015-2016 (NOBRE, 2013). A esse respeito, Machado et al. (2017, pg.154),
apontam que:

Em meados de 2013, uma onda de protestos desencadeados em São Paulo


por reação ao aumento de tarifas de transporte, se espalhou pelo país
99

incorporando pautas como críticas ao sistema partidário e denúncias de


corrupção. Estudos sugerem que tais eventos favoreceram a
reorganização de movimentos neoconservadores, sob o apoio da grande
mídia e de grupos internacionais. Ressalte-se ainda a Operação Lava Jato,
da Polícia Federal, iniciada em 2014, que envolveu denúncias contra
políticos de vários partidos – do PT ao PSDB – pelo recebimento de
recursos ilegais para campanhas eleitorais, além de denúncias contra
empresários do setor privado, dirigentes e funcionários de estatais, com
destaque para a Petrobras. Nos meses seguintes, tais investigações
receberam massiva cobertura da grande mídia, incluindo vazamentos
seletivos de depoimentos e informações, que se intensificaram na
campanha presidencial de 2014. Em que pesem as denúncias contra
membros do PT e coligados, não houve evidências até aquele ano de
envolvimento do ex-Presidente Lula nem da Presidenta Dilma, que foi
reeleita, após acirrada disputa eleitoral. Tal campanha presidencial expôs
projetos em disputa em torno das possibilidades e limites de se avançar
em políticas redistributivas, em um cenário econômico adverso. A quarta
derrota sucessiva de um candidato do PSDB para a Presidência em 2014
(dessa vez, Aécio Neves; em 2010, o derrotado foi José Serra) gerou
acirramento da polarização política em 2015, ano inicial do segundo
mandato de Dilma. Configurou-se um quadro de instabilidade, com
redução da popularidade da Presidente, articulação de forças
ultraconservadoras no Congresso Nacional e ameaças de impeachment. O
prolongamento da Operação Lava Jato, a politização da atuação do
Judiciário e do Ministério Público, o posicionamento antigoverno da
grande mídia e o comportamento oportunista de partidos de oposição e
mesmo da base governista contribuiriam para acentuar o clima de
instabilidade política e institucional, associado ao aumento da projeção de
economistas de discurso ultraliberal.

Ainda de acordo com esses autores, diante de um cenário econômico e político


bastante desfavorável, o espaço para consolidação de um projeto nacional e de expansão
das políticas sociais foi restrito. No primeiro mandato, houve investimentos em
infraestrutura econômica e social, incluindo a implantação de programas de habitação
popular como o “Minha Casa, Minha Vida”, a continuidade e expansão das políticas de
combate à pobreza, como os programas de transferência de renda (Bolsa Família e BPC),
associados a outras estratégias sob a marca do programa “Brasil Sem Miséria”.

Na esfera da Previdência Social, as reformas foram incrementais, destacando-se


medidas de contenção de despesas e de desoneração fiscal, que prejudicaram as receitas.
No regime dos servidores públicos federais, de acordo com Machado et al. (2017, pg. 155),
aboliu-se a aposentadoria integral para novos concursados, que passaram a se subordinar
ao mesmo teto de contribuição e aposentadoria dos trabalhadores inseridos no regime
geral, com possibilidade de adesão à previdência complementar gerida pelo Estado. Em
dezembro de 2014, editou-se medida provisória com imposição de regras mais restritivas
100

de acesso e manutenção de pensões e seguro-desemprego. No segundo governo Dilma,


foram acentuadas as pressões de grupos neoliberais para reformas drásticas na previdência,
ancoradas no discurso de déficit do sistema, sob críticas de especialistas (FAGNANI,
2016).

A política de saúde, de acordo com Machado et al. (2017), foi novamente marcada
por continuidades em algumas áreas – atenção básica, vigilâncias – e pela adoção de
programas específicos como marcos de governo, sem que problemas estruturais do sistema
fossem adequadamente enfrentados. Durante o primeiro Governo Dilma, houve dois
Ministros no cargo, com trajetórias na saúde pública e vinculados ao PT. Adotaram-se
como marcos governamentais a expansão das Unidades de Pronto-Atendimento (UPA) –
outro componente da rede de urgências – e o Programa Mais Médicos. De acordo com
Machado et al. (2017: página):

Em todo o primeiro governo questões-chave para o setor, como o


financiamento e a regulação do setor privado, não foram enfrentadas de
forma adequada. Ainda ao final de 2014, uma medida polêmica
sustentada pelo governo foi a abertura do setor saúde ao capital
estrangeiro, inclusive na prestação de serviços, o que foi amplamente
criticado pelos defensores do SUS. Em 2015, sob a intensificação da crise
política, novos acontecimentos repercutiram negativamente sobre a
saúde. O Ministro da Saúde que estava no cargo desde fevereiro de 2014
foi substituído por um parlamentar do PMDB, visando a aumentar a base
de sustentação do governo. Entre as medidas polêmicas do novo Ministro
consta a nomeação para a Coordenação Nacional de Saúde Mental de um
ex-dirigente de hospital psiquiátrico do país, conhecido por posições
contrárias à luta antimanicomial.

Em 2016, a política de saúde mergulhou em uma fase de indefinições e


instabilidade com o agravamento da crise política, que culminou com o afastamento
temporário da Presidenta Dilma Rousseff em maio e a confirmação do seu impeachment
pelo Senado Federal em agosto do mesmo ano. Nesse contexto, destacou-se o lançamento
de propostas que fragilizariam ainda mais a base financeira do SUS e fortaleceriam os
mercados em saúde. Em síntese, o período de 2011 a 2016, marcado por instabilidade
política, sinalizou percalços e riscos de retrocessos para as políticas sociais cujos rumos,
neste ínterim, de acordo com Machado (et al, 2017) ficaram incertos.

De acordo com Silva (2019), a posse do vice-presidente, Michel Temer,


demonstrou uma transição governamental pelo alto, que desrespeitou os preceitos
democráticos constitucionais, sendo considerado pelo autor, por tal fato, um governo
ilegítimo. De acordo com Silva (op.cit), a partir desse trágico episódio, inicia-se um
11

“novo” período da história do país, marcado pelo aumento do conservadorismo e pela


utilização de medidas neoliberais ortodoxas, que buscam atender aos interesses do capital
internacional e nacional e na mesma medida negligenciar as reais necessidades da maioria
trabalhadora.

Para Castelo (2012), durante treze anos, constatou-se que os governos nacionais do
PT aderiram ao neoliberalismo por meio do que ele denomina social‐liberalismo ou
também conhecido como neodesenvolvimentismo. Para Machado et al. (2017), bem como
Bielschwsky (2012), os governos desse período se caracterizam pelo que foi definido como
“social desenvolvimentismo”82. De acordo com Silva (2019), embora tenham
implementado políticas de ajuste estrutural em consonância com as medidas do “Consenso
de Washington”, os governos petistas também investiram em políticas e programas sociais
destinados aos mais pobres, sem, contudo, confrontar com os interesses do capital,
sobretudo de dominação financeira. Assim, pode-se notar, segundo Silva (2019), uma
distinção entre os governos Lula/ Dilma e o governo ilegítimo de Temer: a opção pela
ortodoxia neoliberal em detrimento da continuidade da proposta neodesenvolvimentista.

Ainda de acordo com Silva (2019, pg. 11), o que se observou em poucos meses de
exercício do governo Temer foi “um aprofundamento do projeto liberal-corporativo por
intermédio da ortodoxia neoliberal, que tem como objetivo restaurar as condições de
expansão e reprodução do capital (inter)nacional, sem restringir/ impedir as leis do
mercado”. Verifica-se entre as medidas conservadoras deste governo: a aprovação da
Proposta de Emenda à Constituição nº 55, de 2016 - PEC do Teto dos Gastos Públicos, que
congela os gastos primários por 20 anos; o pacote de medidas macroeconômicas, que
também penalizam os trabalhadores; a Lei da Terceirização, nº 13.429/31 de março de
2017, que regulamenta a prática e permite que as empresas terceirizem até mesmo as
atividades-fim; os projetos de contrarreforma trabalhista e da previdência social
(encaminhadas pelo atual governo Jair Bolsonaro).

Ao final de seu mandato, em dezembro de 2018, o governo ilegítimo de Temer,


apresenta a PEC 287/201683 –, que ameaça o direito à previdência social, sobretudo o

82
Duas vertentes básicas a propósito da estratégia de desenvolvimento capitalista depois da crise do
neoliberalismo, no Brasil: o desenvolvimentismo exportador do setor privado (“neodesenvolvimentismo”)
e o desenvolvimentismo distributivo orientado pelo Estado (“social-desenvolvimentismo”). Ambos
resgatam o papel do Estado na orientação do modelo de desenvolvimento, mas com modos diferentes de
relação com o mercado. Para maior compreensão verificar BASTOS,2012.
83
Proposta de Emenda Constitucional 287/2016, atual 06/2019 a qual retomaremos na última seção.
12

direito à aposentadoria. Entretanto, pesquisas e estudos sobre o uso do fundo público84,


cuja forma mais visível é o orçamento estatal, assim como algumas organizações políticas
que defendem os interesses da maioria trabalhadora, têm demonstrado a existência de um
elevado superávit da seguridade social; e apontado que a contrarreforma da previdência
social intensifica a mercantilização dos serviços, com a ampliação da oferta de planos de
previdência privada e fundos de pensão de natureza aberta, além de liberar mais recursos
orçamentários para pagar os juros e amortizações da dívida.

A proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 6/ 2019, que trata da contrarreforma


da Previdência Social apresentada pelo presidente Jair Bolsonaro, pretende ser mais radical
do que aquela apresentada pelo governo Michel Temer. Segundo Silva (2019), a nova PEC
visa à capitalização e atinge não só a Previdência Social, mas também a política de
assistência social, a de saúde e outros direitos sociais, como o PIS e o PASEP85.

Silva (2019, pg. 12) ressalta que:

Na área da assistência social, as vanguardas que compreendem essa


e as demais políticas de seguridade social na dinâmica da
reprodução ampliada do capitalismo contemporâneo de dominação
financeira têm denunciado que, nesse contexto marcado pela
privatização e mercantilização da previdência e da saúde, o
crescimento dos programas de transferência de renda condicionada
para os mais pobres, sem a ampliação dos serviços
socioassistenciais e o fortalecimento do sistema de seguridade
social como um todo, só reforça a constituição de um padrão
mínimo de proteção social, que não assegura direitos.

Silva (2019, pg:11) aponta que vem sendo construído desde os 1990 o projeto
neoliberal hegemônico de assistência social, que se traduz em um mix de conservadorismo
e “modernização neoliberal”86. De acordo com o autor, “neste projeto (neo)conservador, a
concepção de assistência vincula-se ao atendimento a indivíduos, famílias e comunidades
pobres e extremamente pobres, não sendo uma área de definição de política social, mas sim
de improvisações de ações e implementação de programas seletivos e focalizados”. O autor
sustenta que estes concebem a pobreza em termos absolutos e que adotam como principais
84
Para análise mais aprofundada GENTIL, 2019. ANFIP.
85
No momento de elaboração dessa dissertação, a PEC n°06/2019 seguia seu tramite institucional pelo
Congresso Nacional, motivo pelo qual ela não será analisada no presente trabalho.
86
De acordo com Telles (1998), o neoliberalismo “[...] consegue a façanha de conferir título de
modernidade ao que há de mais atrasado na sociedade brasileira, um privativismo selvagem e predatório,
que faz do interesse privado a medida de todas as coisas” (TELLES, 1998, p. 43 apud SILVA,2019).
13

eixos de intervenção a transferência de renda condicionada, o empreendedorismo e a


solidariedade; a proposta de gestão pauta-se no que fica caracterizado como padrão
gerencialista, identificando-se a centralização do poder de decisão na União, a separação
entre órgãos formuladores e implementadores, a “descentralização”, os conselhos
consultivos/ espaços de interlocução, terceirização, desregulamentação da força de
trabalho, avaliação por desempenho, produtividade, criação de sistemas de informação, e
valorização do saber burocrático. Neste contexto, como ressalta o autor, a descentralização
é compreendida como desconcentração, delegação e privatização; e o Estado é visto como
um parceiro das instituições/ organizações da sociedade civil (famílias, comunidades,
associações voluntárias, organizações não governamentais etc.), que amplia a legislação e
repassa recursos financeiros não no mesmo grau de transferência de responsabilidades, o
que pode assim expressar privatização e/ou refilantropização do atendimento.

Nesse contexto, é possível afirmar que, após 2016, com o governo de Michel
Temer, configura-se um cenário de retrocessos e riscos sociais, e que a principal tendência
verificada é o retorno do projeto liberal de cunho privatista, que vivenciou seus melhores
anos na década de 1990, defendidos pelos setores conservadores, da burocracia, do
empresariado e de algumas comunidades políticas, com a retomada das Reforma
Macrofiscais, da Rigidez Orçamentaria e Austeridade Fiscal em detrimento do gasto
público com a da Proteção Social87.

Em face dessa trajetória e caracterização do sistema brasileiro de proteção social,


passaremos agora a problematizar o Benefício de Prestação Continuada, foco central do
presente estudo.

87
Transição de Governo 2018-2019 Informações estratégicas: Ministério do Planejamento,
Desenvolvimento e Gestão. Reforma Macrofiscais e Rigidez Orçamentária.
14

Capítulo 3: O Benefício de Prestação Continuada como mecanismo de


proteção social

Nesse capítulo, buscamos abordar o Benefício de Prestação Continuada. A ideia


central é situar a discussão do BPC como mecanismo de proteção social localizado no
âmbito dos programas de transferência de renda e da política nacional de assistência
social, identificando aproximações e distanciamentos nesse processo bem como as
possibilidades de ampliação do escopo do benefício a partir de sua incorporação ao
Sistema Único de Assistência Social (SUAS).

3.1. Programas de Transferência de Renda no Brasil

De acordo com Fonseca (2007), experiências com programas de garantia de renda


mínima (PGRM) surgem nos países desenvolvidos, no século XX, à medida que se vai
consolidando o Estado de Bem-Estar. A ideia, já formulada por pensadores liberais
desde o século XVIII, era criar uma rede de proteção social para as populações mais
pobres, através de uma transferência de renda complementar. No século XX, muitos
países europeus (Dinamarca, Alemanha, entre outros) já nos anos 30-40 passam a adotar
políticas com este perfil redistributivo. No entanto, é no esteio do esgotamento do
padrão keynesiano-fordista, das transformações do mundo do trabalho e do acirramento
do chamado desemprego estrutural que os PGRM ganham destaque.
A instituição da renda mínima garantida está prevista na “Carta Social” adotada
em 1989 pelos países membros da União Europeia, a exemplo da Inglaterra, que já tinha
sua própria experiência de programa desta natureza desde 1948. Ainda assim, a decisão
de aderir ou não a esta iniciativa é de caráter nacional. Na última década do século XX,
a União Europeia e a Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento
(OCDE) preconizaram a adesão dos países membros aos programas de renda mínima.
Daí a grande diversidade de formatos de PGRMs hoje existente. (LAVINAS e
VARSANO, 1997 e LAVINAS, 1998).
A partir dos anos 1980, em grande parte dos países do mundo, verificam-se
variedades de programas de transferência de renda em execução. Estes programas se
diferenciam pelos critérios de elegibilidade, condições de acesso e permanência,
concepção política, forma de financiamento, mecanismos de implementação, embora,
15

no atual contexto, haja uma nova ofensiva neoliberal de austeridade fiscal contrária ao
fortalecimento das políticas sociais (ROSSI; DWECK, 2016).
No Brasil, de acordo com Peliano (2006), a adoção de tais programas visa a
enfrentar a indigência, evitar ou dirimir situações de pobreza, configurando um conjunto
bastante diversificado de benefícios em forma de renda monetária, operado sobretudo
pelo governo federal. A respeito dessa diversidade, Fonseca (2007) argumenta que para
a reflexão sobre o impacto e as perspectivas desse conjunto de ações, vale diferenciar os
programas em dois grandes grupos. De um lado, os programas de transferência de renda
que visam garantir renda mínima a toda a população pobre. Estão neste grupo os
programas de bolsas e transferências de renda vinculados à comprovação de
insuficiência de renda, entre os quais se destaca o Programa Bolsa Família88. De outro,
os programas que têm por objetivo aportar recursos às populações reconhecidas como
incapazes ou dispensadas de arcar com sua sobrevivência pelo próprio trabalho.
Compõe este grupo de programas o Benefício de Proteção Continuada (BPC), também
vinculado à situação de insuficiência de renda, disponibilizado pela Política Nacional de
Assistência.
No caso brasileiro, os programas de transferência de renda adquiriram
centralidade crescente na agenda governamental entre 2003 e 2015 (JACCOUD et al,
2017; BICHIR, 2015), embora o BPC tenha surgido bem antes. Tendo como referência
as experiências internacionais, principalmente as europeias, estes programas emergem
no Brasil em um contexto marcado, de um lado, pela grave crise econômica que atingiu
as economias latino-americanas desde o final dos anos 1970 (expressa no esgotamento
do padrão desenvolvimentista, nas altas taxas de desemprego e no aumento da
informalidade, dentre outros) e, de outro lado, pela emergência de novos atores sociais
na arena pública, os quais trouxeram a discussão sobre a efetividade e eficácia das redes

88
O Programa Bolsa Família (PBF) é um programa de transferência de renda do Governo Federal, sob
condicionalidades, instituído no Governo Lula pela Medida Provisória 132, de 20 de outubro de 2003,
convertida em lei em 9 de janeiro de 2004, pela Lei Federal n. 10.836, que unificou e ampliou os
programas: Programa Nacional de Renda Mínima vinculada à Educação - Bolsa Escola (Lei nº 10.219, de
11 de abril de 2001 – sancionada no Governo Fernando Henrique Cardoso), Cadastramento Único do
Governo Federal (Decreto nº 3.877, de 24 de julho de 2001 – sancionado pelo Governo Fernando
Henrique Cardoso), Programa Nacional de Renda Mínima vinculada à Saúde - Bolsa Alimentação
(Medida Provisória nº 2.206-1, de 6 de setembro de 2001 - Governo Fernando Henrique Cardoso),
Programa Auxílio-Gás (Decreto nº 4.102, de 24 de janeiro de 2002 - Governo Fernando Henrique
Cardoso), Programa Nacional de Acesso à Alimentação - Fome Zero (Lei nº 10.689, de 13 de junho de
2003 – sancionada pelo Governo Lula) (VIEIRA,2017). Dados do Ministério da Cidadania indicam que
em abril de 2017 o PBF contava com 13,4 milhões famílias beneficiárias (Ministério da Cidadania.
Disponível em http://mds.gov.br/SAGI/2017/abril/bolsa-familia-13-4-milhoes-de-familias-vao-receber-o-
beneficio-em-abril. Acesso em 30 de maio de 2019).
16

públicas de proteção social para o centro do debate (FONSECA, 2007). A inauguração


destes programas no Brasil se deu a partir de experiências estaduais e municipais que
tinham como foco as famílias em situação de vulnerabilidade e fome e buscavam
associar ao benefício monetário o acesso aos serviços básicos de saúde e educação
(SENNA et al, 2006).
É possível identificar diferentes momentos da trajetória desses programas no
Brasil. De acordo com Fonseca (2007) no início dos anos 1990, o Projeto de Lei n° 80/
91, de autoria do senador Eduardo Matarazzo Suplicy (PT/SP), propunha uma
complementação de renda aos indivíduos maiores de 25 anos cujos rendimentos
mensais fossem inferiores a determinado patamar de renda. A complementação
equivaleria a 30% da diferença entre a renda auferida e o mínimo estabelecido. Tal
projeto recebeu um cuidadoso parecer do relator (senador Maurício Corrêa) e foi
aprovado por unanimidade pelo Senado. No projeto aprovado, verifica-se que o
indivíduo é concebido como portador de direitos (a renda é um destes direitos),
independentemente do seu estado civil, da sua descendência e da natureza de seus
vínculos com crianças e adolescentes e do tempo em que resida em algum município do
seu país. Segundo Fonseca (2007), esse projeto suscitou um amplo debate na grande
imprensa com muitas posições contrárias e outras a favor. Posteriormente, o projeto de
lei aprovado pelo Senado em dezembro de 1991 que instituía o Programa de Garantia de
Renda Mínima (PGRM) foi encaminhado à Câmara dos Deputados (Projeto de Lei nº
2.661/1992) de onde nunca saiu.
Em seguida, num segundo momento sobre o debate acerca da transferência de
renda no país, José Camargo, um renomado economista, inicia um diálogo crítico em
relação ao PGRM proposto pelo senador Suplicy, principalmente pela possibilidade de
incentivar o trabalho informal, sem carteira assinada e por propor que a prioridade fosse
aos mais velhos. A novidade trazida por esse debate repousa na proposição de que se
priorizasse a articulação de transferência de renda com a educação e fosse introduzida a
família como elemento foco de ação e não o indivíduo (FONSECA, 2001 apud
FONSECA, 2007).
Sposati (1997) considera que todas as iniciativas no campo da transferência de
renda no Brasil buscaram se distanciar da perspectiva assistencialista e compensatória
das ações contra a pobreza e garantir um padrão mínimo de satisfação das necessidades
básicas à população alvo. É, no entanto, a partir da segunda metade da década de 1990,
que ocorre uma expansão significativa dos programas de transferência de renda no país,
17

quando progressivamente o governo federal passa a implantar programas de


abrangência nacional (Programas Bolsa-Escola, Bolsa Alimentação, Vale gás, Agente
Jovem, entre outros), ao mesmo tempo em que também se observam várias iniciativas
de âmbito estadual e municipal como em Brasília, Campinas e Ribeirão Preto. Nesse
momento, a Política de Renda Mínima, também chamada de política dos mínimos
sociais, passa a integrar, de fato, a agenda governamental como uma opção concreta de
política social (SPOSATI, 1996).
Contudo, a fragmentação e a pouca efetividade dos programas, dificuldades de
focalização da população-alvo, duplicidade de ações, debilidade das formatações
políticos-institucionais e baixos níveis de controle social no período tornaram-se
problemas e desafios. Apesar dos avanços obtidos na trajetória dos programas de
transferência de renda na década de 1990 enquanto estratégia de combate à fome e à
pobreza, tais ações ainda estavam marcadas pela fragmentação e paralelismo, com
manutenção da tendência à sobrefocalização da clientela e pulverização dos recursos
financeiros (SCHOTTZ, 2005ª).
De acordo com Fonseca (2007), as análises sobre esses programas também
mostram que o debate em torno dos Programas de Transferência de Renda os situa como
possibilidade de solução para a crise do desemprego e enfrentamento da pobreza, sendo
defendidos por políticos, organizações sociais e estudiosos de questões sociais de
diferentes matizes teóricas. A esse respeito, Silva et al. (2004) apresentam três vertentes
teórico-ideológicas que permitem sistematizar e melhor compreender os programas de
transferência de renda. São elas:

 Vertente de inspiração neoliberal: programas residuais


desenhados a partir de mecanismos compensatórios e de substituição
das políticas de proteção social. O Imposto de Renda Negativo
proposto por Milton Friedman e a Renda Básica Incondicional de Van
Parijs são exemplos de programa de renda mínima enquadradas na
corrente de inspiração liberal. O Imposto Negativo tem como
estratégia a criação de uma transferência de renda que fosse incapaz
de gerar um estímulo ao ócio, mas ao contrário incentivar o trabalho.
A ideia seria pensar uma linha de pobreza, acima da qual as pessoas
pagariam o imposto e abaixo receberiam um valor complementar à
renda alcançada através do trabalho.

 Vertente Progressista/ distributivista: programas de ordem mais


universalista, baseadas no direito de cidadania e complementares ao
sistema de proteção social; Como exemplos destacamos a Renda
Social Mínima formulada por André Gorz, uma das mais
representativas desta vertente, que propõe a redução das jornadas de
trabalho para que todos os indivíduos pudessem trabalhar, além da
18

flexibilidade do período e do horário, conforme as negociações entre


patrões e empregados, associada à transferência de uma renda mínima,
seria concedido também através de um “segundo cheque”. Também
destacamos nesta vertente a proposta de Renda Básica Incondicional
desenhada por Philipe Van Parijs que embora tivesse traços liberais,
também possuía fortes aspectos da Perspectiva Progressista e trata-se
de uma renda monetária paga, para todo e qualquer cidadão,
individualmente, sem restrição quanto à natureza ou ao ritmo de
consumo e independente da renda auferida e sem distinção de valor a
ser pago aos ricos e aos pobres. Esta proposta está associada a uma
concepção de cidadania plena, na medida em que é universal e
incondicional.

 Vertente de Inserção social: renda mínima como um mecanismo


voltado para a inserção social e capacitação profissional e de formação
dos cidadãos. Funciona com uma lógica assistencial cujo objetivo é
complementar os serviços de proteção social existentes visando
garantir um mínimo de recursos aos mais pobres. O exemplo mais
representativo foi formulado por Serge Milano, conhecida como
Renda Mínima Social de Milano, que seria uma espécie de auxílio
material associado ao desenvolvimento de ações de formação/
qualificação e inserção de profissionais, sendo suficiente para permitir
aos beneficiários reencontrarem os meios para a sua emancipação.
Não se trataria apenas de assegurar uma renda aos desempregados,
mas de associar o benefício concedido à busca de atividades que
permitam conservar a dignidade e a responsabilidade dos indivíduos.
Esses tipos de programas de renda mínima dessa vertente têm sido
utilizados como uma espécie de substituição ao seguro-desemprego, já
que são de prestações mais baixas e com critérios de cessão mais
rígidos. Tais programas de renda mínima eram classificados como
complementares, pois se tratava de uma articulação entre renda
mínima e inserção social e profissional. (Silva e Silva et al., 2004: 78).

Segundo Silva e Silva (1996, apud Fonseca, 2007), mesmo tendo sido realizado
o esforço em classificar os diversos programas de renda mínima a partir dessas distintas
correntes teóricas, muitos programas assumem formas mistas, o que dificulta a
classificação do modelo brasileiro conforme essa tipologia.
Em 2004, durante seu primeiro mandato, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva
lançou o Programa Bolsa Família (PBF), que se constituiria no carro chefe de sua
gestão. Unificando os programas federais então existentes (Programa Bolsa Escola,
Programa Bolsa Alimentação, Vale-Gás e Cartão Alimentação), o PBF consiste em um
programa de transferência condicionada de renda, voltado a famílias pobres e
extremamente pobres assim definidos com base em um determinado corte de renda
familiar per capita. O PBF combina transferência monetária – variável de acordo com a
estrutura familiar – ao cumprimento de condicionalidades de saúde e educação, além de
programas complementares voltados à qualificação profissional e geração de emprego e
19

renda. A perspectiva declarada pelo governo federal é de associar medidas de alívio


imediato da pobreza a ações de efeito em longo prazo capazes de romper com o ciclo
intergeracional da pobreza.
Estudos e avaliações apontam para um conjunto de resultados positivos do PBF,
expressos na redução da pobreza extrema, aumento da frequência escolar e melhorias
nos indicadores de saúde, além de dinamizar a economia local. A importância do
programa pode ser também visualizada na magnitude de sua cobertura. Dados
disponibilizados pela Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI) do
Ministério da Cidadania indicam que em dezembro de 2018, o PBF atingia 14.142.764
de famílias em todo o país, movimentando um montante mensal de recursos financeiros
na ordem de R$ 2.641.616.078,00 (valores de dezembro de 2018)89

3.2. O Benefício de Prestação Continuada como Política de Transferência de Renda

A partir do que nos propomos a realizar nesse trabalho, consideramos importante


diferenciarmos o BPC dos demais programas de transferência de renda, a fim de apontar
as especificidades, avanços e limites em termos de implementação deste programa que é
o único previsto em legislação com status de direito constitucional e que, de acordo com
pesquisas de Lobato (et al 2005, 2007, 2008, 2016) e Jaccoud et al (2017), é o que tem
maior impacto na vida de seus beneficiários. No caso do Benefício de Prestação
Continuada, lida-se com destinatários em particular situação de vulnerabilidade
socioeconômica, seja pela contingência da idade ou de uma deficiência incapacitante
para o trabalho e para a vida diária independente. Ou seja, tal situação de
vulnerabilidade é que direciona o critério de elegibilidade para o acesso ao benefício,
sem a exigência de contrapartidas de condicionalidades a serem cumpridas pelo
beneficiário, como é o caso da maioria dos programas de transferência de renda no
Brasil.
Sabe-se que o BPC90 é um programa de transferência de renda, de caráter
temporário, e consiste em uma renda de 01 (um) salário mínimo destinado mensalmente

89
Dados extraídos do Ministério da Cidadania (Disponível em https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/ri/
relatorios/mds/index.php. Acesso em 20 de agosto de 2019).

90
O Benefício Assistencial como é intitulado no INSS será devido à pessoa portadora de deficiência ou
idosa, brasileira, inclusive ao indígena, não amparados por nenhum Sistema de Previdência Social, ou
110

a pessoas idosas de 65 anos ou mais e a pessoas com deficiência incapacitadas para o


trabalho e para a vida independente, cuja renda per capita familiar seja inferior a ¼ do
salário mínimo. É o primeiro mínimo social não contributivo garantido a todos os
brasileiros:
O estabelecimento de um salário mínimo como “padrão básico de
inclusão” no texto constitucional representou a definição de um
patamar societário de civilidade, de responsabilidade pública e social
às pessoas que não possuem condições de obtê-la, de forma suficiente
por meio de suas atividades atuais ou anteriores. (SPOSATI, 2004:
126).

A introdução do BPC foi prevista pela Constituição Federal Brasileira de 1988 e


regulamentada em 1993 pela Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS (Lei nº 8.742
de 7/12/1993), complementada e retificada pelo Decreto Federal nº 1.744, de 8/12/1995,
pela Medida Provisória nº 1.426/96, posteriormente Lei nº 9.720, de 30/11/98. O BPC
substituiu a Renda Mensal Vitalícia (RMV)91 que, no âmbito da Previdência Social,
concedeu entre 1975 e 1996 uma renda a pessoas idosas e com deficiência que
comprovassem sua incapacidade para o trabalho. Este, porém, requeria contribuição
pretérita mínima de doze meses e o valor do benefício era inferior ao salário mínimo.
O BPC é um benefício assistencial não contributivo que deve ser requerido no
INSS e é financiado com recursos do Fundo Nacional de Assistência Social – FNAS. O
valor estabelecido constitucionalmente em um salário mínimo indica, ao menos em tese,
seu caráter de provisão de necessidades básicas, no campo de seguridade social,
aproximando-o do direito, em contraponto com outras tantas modalidades de repasse de
renda, como auxílio ou ajudas emergenciais, datadas e irregulares. Apresenta, no
entanto, distorções no que tange à sua qualidade de direito, pois não é prestado a todos
que dele necessitam, alcançando somente os que vivem abaixo da linha da indigência e
extrema pobreza devido ao critério de renda. (SPOSATI, 2004).
Apesar disso, os números relativos ao BPC são impressionantes, demonstrando
uma significativa cobertura de 4.644.546 milhões de beneficiários em maio de 2019, e

estrangeiro naturalizado e domiciliado no Brasil, não coberto por sistema de previdência do país de
origem.
91
A RMV, criada em 1974 pela Lei nº 6.179, era destinada a cidadãos maiores de 60 anos ou inválidos e
que não exerciam atividades remuneradas, não auferiam quaisquer rendimentos, não eram mantidos por
suas famílias, porém contribuintes da Previdência Social por no mínimo doze meses. Abolida por ocasião
do BPC, em maio de 2019 possuía 103.251 benefícios ativos com repasse de R$ 103.249.171,34. No anto
de 2018, o repasse total ao BPC foi na ordem de R$ 1.315.064.875,96, conforme dados disponíveis no
Ministério da Cidadania (Disponível em .https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/ri/relatorios/mds/index.php#
beneficiosbpc. Acesso em 16/ 07/ 2019)
111

um amplo investimento social do montante financeiro de R$ 52.583.300.326,72 bilhões


pagos em 201892, além de seu impacto econômico e social, sobretudo por retirar as
pessoas do patamar da indigência e extrema pobreza. Estudos apontam que o BPC
impacta positivamente nas condições de vida dos beneficiários já que representa uma
possibilidade concreta de aumento de aquisição e consumo de bens e serviços, e
autonomia financeira. Através do recebimento deste benefício é possível investir em
compra de remédios, alimentos, vestuário, mobiliário, moradia, etc., de modo a
assegurar maior nível de bem-estar individual e até mesmo para a sua família
(JACCOUD, 2017). No plano simbólico aponta-se para o impacto do BPC sobre a
autoestima de muitos idosos e PcDs através da sua autonomização (LOBATO et al,
2005; LOBATO et al, 2016; Lobato, Burlandy, Ferreira, 2016).
Apesar de benefício assistencial, o BPC vem sendo operacionalizado pela
Previdência Social, que é responsável pela entrada do requerimento e seu
processamento até a concessão do benefício, além das avaliações médico-pericial e
social das pessoas com deficiência requerentes. Conforme apontam Lobato et al (2005)
e Stopa (2017), Previdência e Assistência operam com estruturas, lógicas
organizacionais e culturas institucionais bastante distintas, o que confere grande
complexidade à gestão do BPC. Embora seja um benefício de caráter assistencial, o
BPC vem sendo operacionalizado no interior da estrutura previdenciária, marcada pela
tradição do seguro social impressa em sua cultura institucional, o que para alguns
especialistas acarreta entraves ao seu acesso e funcionamento e coíbe a finalidade para a
qual foi concebido (STOPA, 2017).
Com a criação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), em 2005,
observa-se o avanço de inciativas voltadas à integração do BPC ao sistema, em que o
BPC passou a constituir parte integrante da Proteção Social Básica (PSB)93. Para
Sposati (2004) e em acordo com o previsto na Política Nacional de Assistência Social de
2004, o BPC é efetiva provisão que traduziu o princípio da certeza na assistência social,
92
Disponível em. https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/ri/relatorios/mds/index.php#beneficiosbpc. Acesso
em 16/07/2019.
93
Na PNAS (2004) e na Norma Operacional Básica - NOB (2005), a Proteção Social Básica está referida
a ações preventivas, que reforçam a convivência, socialização, acolhimento e inserção, e possuem um
caráter mais genérico e voltado prioritariamente para a família, tendo como objetivo desenvolver
potencialidades, aquisições e fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, destinando-se às
populações em situação de vulnerabilidade social (PNAS, p. 27). As ações assistenciais consideradas
como de proteção social básica são realizadas prioritariamente pelos Centros de Referência de Assistência
Social- CRAS. Na implantação deste tipo de proteção social, um desafio do SUAS é buscar articulação
intersetorial com a proteção social garantida pela saúde, educação, previdência e demais políticas
públicas, de modo a estabelecer programas gerais e preventivos (BICHIR,2012)
112

como política não contributiva de responsabilidade do Estado; configurando um


processador de inclusão dentro de um patamar civilizatório e de garantia de renda que
dá materialidade ao princípio da certeza e do direito à assistência social (SPOSATI,
2004).
Contudo, muitos desafios ainda estão colocados para que o BPC se consolide
como mínimo social não contributivo tais como: critério da renda atrelado à família
como condicionalidades para acesso ao benefício; interface com os programas e
serviços da Política de Assistência Social e demais políticas sociais, entre outros. Sendo
assim, cabe aqui trazer alguns elementos que possibilitem debater o significado desse
benefício no interior da política nacional de assistência social, o que será feito a seguir.

3.3. O Benefício de Prestação Continuada e a Política de Assistência Social

A política social brasileira, e particularmente a política de assistência social, é


marcada historicamente pela benemerência – considerada um “favor” aos “pobres
incapazes” – e pela subordinação aos interesses econômicos das elites brasileiras.
Somente com as ondas democrático-populares da década de 1980 e a promulgação da
Constituição Federal de 1988 é que se inaugura um padrão de proteção social
fundamentado em direitos sociais enquanto direitos de cidadania (PEREIRA, 2006;
BOSCHETTI, 2006; SPOSATI, 2009). Ainda assim, a cultura política em muitas
regiões brasileiras, tanto no centro quanto na periferia urbana, permite sua utilização
como prática clientelista e de benemerência (BROTTO, 2015; CARVALHO, PRATES,
2019).
A Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) em 1993, como lei
infraconstitucional, regulamentou a assistência social como direito social, estabelecendo
princípios de universalização, dignidade e autonomia dos sujeitos, além de estruturar a
execução da política de assistência como direito social através de um sistema
descentralizado, com comando único, participativo (com instituições democráticas de
participação e controle social) e a primazia da responsabilidade do Estado com relação à
política pública de assistência social. Além de indicar o sistema participativo e
descentralizado no que se refere à gestão e organização da política de assistência social,
a LOAS referendou os benefícios continuados (Benefício de Prestação Continuada) e
benefícios eventuais, os serviços, programas e projetos inscritos no âmbito da
assistência social. Também definiu as formas de financiamento desta política pública,
113

acompanhadas de controle social - através dos Conselhos de Assistência Social nos


municípios, estados, Distrito Federal e União – do planejamento, com a exigência dos
Planos de Assistência Social em todos os níveis de governo para o repasse de recursos e
transparência no financiamento, por meio dos Fundos de Assistência Social (com o
repasse Fundo a Fundo).
No tocante ao BPC, é na LOAS de 1993 que ocorre o primeiro detalhamento da
previsão constitucional de um “salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora
de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família” (BRASIL, 1988, Art. 203, inciso V).
Sobre a incorporação do BPC na política de assistência social, Sposati (2004: 125)
avalia que:
A introdução na política de assistência social do BPC constitui a sua
primeira atenção social de massa, pois: a) quebrou a tradicional
regulação ad hoc, aquela operada caso a caso pelo ajuizamento
individual de técnicos sociais a partir de critérios quase nada
publicizados e circunscrita sua concessão ao âmbito interno de uma
instituição; b) introduziu, em contrapartida, a forma pública da
regulação social do estado no acesso de massa a benefícios não
contributivos no campo da assistência social; c) afiançou a condição
de certeza de acesso à atenção de idosos e deficientes

Após o período de organização estrutural e institucional, o BPC acabou por


substituir a Renda Mensal Vitalícia que, no âmbito da Previdência Social, concedeu
benefícios entre 1975 e 1996. Nesse contexto, dentro da cultura previdenciária, o BPC
ficou sendo compreendido como “Amparo Assistencial” (SPOSATI, 2004). De acordo
com a literatura internacional, há concepções no âmbito dos mínimos sociais que podem
ser as garantias de renda mínima às pessoas pouco capacitadas para obter recursos da
própria atividade do trabalho (velhice, invalidez, deficiência), garantias de renda
mínima às pessoas que, mesmo com idade/situação ativa, não alcançam autonomia de
renda per capita na sociedade de mercado por múltiplas situações (desde o desemprego
face à nova forma de regulação produtiva até as características familiares, como
famílias extensas, mononucleares, ou em desagregação) e também garantias que deem
suportes a demandas habitacionais e suportes às situações sujeitas à discriminação pela
sociedade (SPOSATI, 2004).
Com a instituição da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) em 2004 e
criação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) em 2005, o BPC passa a
114

integrar o conjunto de benefícios, serviços e ações da Proteção Social Básica94. A


perspectiva de proteção social básica prevista no SUAS e na PNAS define claramente o
que e quais são as ações ou serviços socioassistenciais que possuem o caráter de básico.
Cabe aqui pontuar que a partir da CF 88 e da LOAS avançamos na compreensão
dos mínimos sociais assegurados à população pela assistência social no que tange à
concepção do que é fundamental e necessário à população alvo da política. Existe um
debate sobre essa questão na literatura que trata da assistência social brasileira.
Conforme Pereira (2002), o mínimo pressupõe supressão ou cortes de atendimento, tal
como propõe a ideologia liberal. Já o básico requer investimentos sociais de qualidade
para preparar o terreno a partir do qual maiores atendimentos podem ser prestados e
otimizados (FONSECA, 2007). De modo similar, Boschetti (2005) indica que básico é
aquilo que é basilar, mais importante, fundamental, primordial, essencial, que é comum
a diversas situações. Trata-se, portanto, da revisão do significado de mínimos de
provisão social para a noção de necessidades humanas básicas. Na PNAS (2004) e na
Norma Operacional Básica - NOB (2005) que regula a política de Assistência Social em
todo o território nacional, a Proteção Social Básica (e não mínima) está referida a ações
preventivas, que reforçam a convivência, socialização, acolhimento e inserção, e
possuem um caráter mais genérico e voltado prioritariamente para a família; que visa a
desenvolver potencialidades, aquisições e fortalecimento de vínculos familiares e
comunitários e destina-se às populações em situação de vulnerabilidade social.
A proteção social básica tem como objetivos prevenir situações de
risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e
o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Destina-se à
população que vive em situação de vulnerabilidade social decorrente
da pobreza, privação (ausência de renda, precário ou nulo acesso aos
serviços públicos, dentre outros) e, ou, fragilização de vínculos
afetivos - relacionais e de pertencimento social (discriminações
etárias, étnicas, de gênero ou por deficiências, dentre outras). Prevê o
desenvolvimento de serviços, programas e projetos locais de
acolhimento, convivência e socialização de famílias e de indivíduos,

94
O SUAS instituiu dois níveis distintos de organização das ações, serviços e benefícios da política de
assistência social de modo a cumprir seus objetivos de garantia de proteção social. Assim, a Proteção
Social Básica (PSB) tem por objetivo prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento de
potencialidades e aquisições, e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários e a Proteção Social
Especial (PSE) destina-se a proteger as famílias e indivíduos cujos direitos tenham sido violados e, ou,
que já tenha ocorrido rompimento dos laços familiares e comunitários. A PSE divide-se em média e alta
complexidades e têm nos Centros Especializados de Assistência Social (CREAS), Centros de Referência
Especializados em População em Situação de Rua (CREPOP) e instituições de acolhimento os seus
principais equipamentos. Já a PSB tem como equipamento público os Centros de Referência de
Assistência Social (CRAS). Na presente dissertação, apresentamos apenas alguns elementos relativos à
PSB, não enfocando a PSE, haja vista que o BPC integra o conjunto de benefícios, serviços e ações
vinculados à PSB.
115

conforme identificação da situação de vulnerabilidade apresentada.


Deverão incluir as pessoas com deficiência e ser organizados em rede,
de modo a inseri-las nas diversas ações ofertadas. Os benefícios, tanto
de prestação continuada como os eventuais, compõem a proteção
social básica, dada a natureza de sua realização (BRASIL, 2004: 27).

As ações assistenciais consideradas como de proteção social básica, segundo a


NOB (2005), devem ser realizadas prioritariamente pelos Centros de Referência de
Assistência Social (CRAS). Na implantação deste tipo de proteção social, um desafio a
ser enfrentado pelo SUAS é buscar articulação com a proteção social garantida pela
saúde, educação, previdência e demais políticas públicas, de modo a estabelecer
programas gerais e preventivos.
O aperfeiçoamento da Política Nacional de Assistência Social estabelece
alterações no BPC que objetivam aprimorar as questões de acesso à concessão, visando
uma melhor e mais adequada regulação que reduza ou elimine o grau de arbitrariedade
existente e que garanta a sua universalização entre o público alvo. Tais alterações
passam a assumir o real comando de sua gestão pela assistência social (BRASIL, 2004).
O BPC no conjunto da proteção social básica deve estar integrado ao conjunto das
demais ações socioassistenciais95, “destacando-se a garantia do direito à convivência
familiar e comunitária e, sobretudo, ao trabalho social com a família dos beneficiários,
contribuindo, assim, tanto para atender às suas necessidades quanto para desenvolver
suas capacidades e sua autonomia” (GOMES, 2005: 61).
Verifica-se, na primeira década de 2000, uma significativa ampliação do
reconhecimento pelo Estado brasileiro, no esteio da luta da sociedade, dos direitos de
crianças, adolescentes, idosos e pessoas com deficiência. Nesse contexto, é possível
afirmar que o BPC caminhou para a sua universalização entre 2003 e 2014, com
impactos relevantes na redução da pobreza no país (LOBATO et al 2007; JACCOUD et
al, 2017). Observa-se um crescimento progressivo dos gastos públicos, nas três esferas
de governo, no campo da assistência social. Um balanço da implantação do SUAS em
pouco mais de uma década de existência, realizado por Jaccoud (et al,2017) aponta
avanços significativos. A alta capilaridade institucional descentralizada, alcançada com
a implementação de secretarias de assistência próprias na grande maioria dos

95
Integram a PSB os serviços de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF), os Serviços de
Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), a Proteção Social Básica no Domicílio para Pessoas
com Deficiência e Idosas, o Programa Bolsa Família (PBF), o programa de Promoção do Acesso ao
Mundo do Trabalho (Acessuas Trabalho), o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e ao
Emprego (Pronatec), o BPC e os programas BPC Escola e BPC no Trabalho e os benefícios eventuais.
116

municípios do país e em todos os Estados da federação e no Distrito Federal e com a


expansão dos CRAS e CREAS verificada nos últimos anos, configura uma expressiva
capilaridade territorial, além do fortalecimento da capacidade institucional e da
construção e assimilação progressiva de procedimentos técnicos e operacionais,
homogêneos e simétricos para a prestação dos serviços socioassistenciais, para o
financiamento e para a gestão da política de assistência social em seus diferentes níveis
governamentais.
Contudo, a consolidação da assistência social como política pública e direito
social, ainda exige o enfrentamento de importantes desafios. No atual contexto de ajuste
fiscal implementado a partir do governo Michel Temer96 caracterizado pela PEC 95 de
16 de dezembro de 2016 executando o congelamento dos gastos público na área social e
com a eleição de Jair Bolsonaro à Presidência da República, implementando novas
medidas de austeridade fiscal e avanço do ideário ultra-neoliberal como reforma da
previdência e destituição dos conselhos e órgãos que operacionalizam o controle
democrático por parte da sociedade, verifica-se um cenário de retrocessos (econômico e
político) e graves perdas de direitos sociais do povo brasileiro.
Com base nessa trajetória, buscamos, no próximo capítulo, examinar as
mudanças normativas operadas no BPC ao longo de sua existência, na perspectiva de
identificar alterações na concepção de proteção social que fundamenta tais mudanças
normativas. Entende-se que ao definir critérios de elegibilidade, referenciar concepções
de família, deficiência e direitos e estabelecer fluxos de acesso e acompanhamento do
benefício e de seus beneficiários, tais alterações tendem ora a restringir, ora a ampliar a
proteção social dirigida a idosos e deficientes no Brasil. É sobre esse ponto que se
dedica o capítulo a seguir.

96
As eleições presidenciais de 2014 foram bastante polarizadas, refletindo e ao mesmo tempo
promovendo uma verdadeira apartação entre o projeto político representado pela candidata à reeleição, a
presidente Dilma Roussef (PT), em uma coalizão entre PT, PMDB, PDT, PC do B, PP, PR, PSD, PROS e
PRB e aquele defendido pelo senador Aécio Neves (PSDB), em coalizão composta por PSDB, DEM,
PTB, SD, PMN, PTC, PT do B, PEN e PTN. Vitoriosa no segundo turno, em apertada margem de
vantagem, a presidente Dilma Roussef logo se viu pressionada por forte oposição do Congresso Nacional
e de parcela significativa das elites econômicas e políticas do país e da grande mídia. Em 2015, após um
Golpe jurídico-parlamentar midiático, a presidente Dilma Roussef sofreu um processo de impeachment,
sendo substituída pelo vice-presidente Michel Temer, que deu início a contrarreformas privatizantes e
ultraneoliberais, com retrocessos significativos aos direitos sociais conquistados pela sociedade brasileira
e um ataque frontal aos princípios consagrados na Constituição Federal de 1988.
117

Capítulo 4: Mudanças normativas na trajetória do Benefício de Prestação


Continuada: o que elas dizem sobre a proteção social no Brasil?

Esse capítulo apresenta a sistematização dos resultados e a análise da pesquisa


documental por nós realizada com objetivo de examinar as mudanças normativas
introduzidas no BPC ao longo de sua trajetória histórica, desde sua previsão
constitucional em 1988 até o ano de 2018. Partimos do entendimento de que tais
alterações relacionam-se aos diferentes contextos sócio-políticos e econômicos do
Brasil pós-Constituinte e expressam distintas concepções de proteção social em disputa
que ora expandem, ora restringem a capacidade do benefício enquanto mecanismo de
proteção social.
Em um contexto de crise estrutural do capitalismo e marcado pelo avanço do
ideário neoliberal, o BPC, com seu expressivo impacto social e montante de
financiamento público, não tem ficado incólume. Desde 1993, ano de promulgação da
LOAS, até o ano de 2018, o BPC tem sido objeto de modificações em sua
regulamentação, ora expandindo sua cobertura, ora restringindo-a, e com isto
impactando no acesso aos seus destinatários típicos.
Para analisar as mudanças normativas no benefício e mapear as concepções de
proteção social que fundamentam o BPC em diferentes contextos sócio-políticos do
Brasil pós-Constituinte, selecionamos como eixos centrais os critérios de elegibilidade,
as concepções de família e de deficiência e os fluxos e mecanismos operacionais. Antes
de examinar cada um desses eixos, porém, faz-se necessário apresentar um quadro
síntese com a sistematização das principais normativas examinadas nessa dissertação e
as alterações por elas propostas.

4.1. As principais normativas e alterações no BPC

Ao examinar as mudanças normativas do BPC em sua trajetória histórica,


identificamos o que podemos nomear de diferentes fases de implementação do benefício
no país. O BPC, como primeiro benefício não contributivo no Brasil assegurado na
Constituição Federal de 1988, expressava, naquele contexto, uma nova concepção de
proteção social no país, vinculada à noção de seguridade social e ao processo de
redemocratização, que alterava a lógica securitária que havia predominado desde os
118

anos 1930 (Sposati, 2008). Procuraremos argumentar que, na década de 1990,


entretanto, a LOAS e algumas normativas infraconstitucionais que se seguem à Carta
Magna restringem o direito constitucional. Por outro lado, verifica-se também, em
outras normativas, um esforço de ampliação da abrangência do benefício. Nos anos
2000, mais precisamente entre 2003 e 2015, verifica-se a tendência de ampliar a
cobertura do BPC, o que acaba por impactar positivamente no alargamento da proteção
social juntamente com outros programas de transferência de renda. Em 2016, com o
governo de Michel Temer, novas alterações normativas parecem recrudescer a
legislação vigente. Não se alteram os critérios de concessão, mas criam-se obstáculos ao
acesso e concessão do benefício, na medida em que se alteram os fluxos de entrada no
requerimento de acordo com o disposto pelo Decreto nº 8.805/2016.
Para compreender as especificidades do BPC, é necessário conhecer a legislação
que fundamenta os parâmetros contidos nesse benefício. Nesse conjunto de leis,
decretos, portarias, resoluções e instruções normativas estão previstos os principais
conceitos e enquadramentos que permitem, segundo os legisladores, desde o
reconhecimento do direito à eficiente gestão desses benefícios. A seguir serão
apresentadas as principais informações sobre cada ato normativo que envolve o BPC ao
longo do tempo. Começamos pelo RMV, demarcando suas distinções que nos informam
as tensões entre o paradigma securitário e a seguridade social.
Em 1974, ainda durante o longo período da Ditadura Militar brasileira, foi
promulgada a Lei nº 6.179, de 11 de dezembro de 1974, que instituiu o amparo
previdenciário para maiores de 70 anos de idade e para inválidos. Esse benefício ficou
conhecido como Renda Mensal Vitalícia (RMV). Trata-se do primeiro benefício
assistencial administrado pelo então Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) e
tinha por objetivo assistir às pessoas maiores de 70 anos de idade ou definitivamente
incapacitadas para o trabalho que não auferissem qualquer rendimento, não fossem
mantidas por pessoa de quem dependessem e não tivessem outro meio de prover o
próprio sustento. Apesar de certo afrouxamento na lógica securitária, acompanhando
outras tendências que se colocaram à época como a criação do FUNRURAL, a RMV
ainda mantinha a exigência de contribuição prévia à Previdência Social, dado que um
dos critérios de elegibilidade era que os requerentes tivessem exercido atividade
remunerada por cinco anos, consecutivos ou não, mesmo sem filiação à Previdência,
e aqueles que tivessem ingressado na Previdência após completar sessenta anos sem
direito aos benefícios regulamentares e que não auferissem renda superior ao valor da
119

RMV. O benefício era custeado por parcela da receita do INPS e do Fundo de


Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), existentes à época. Ou seja, a camada
contributiva da sociedade era responsável exclusiva pela manutenção das condições de
vida daqueles que não tinham condição de provê-la por meios próprios. Era requisito
para o pleiteante acessar ao benefício ter no mínimo 12 meses de contribuição
previdenciária. Esse benefício tinha seu valor afixado em 60% do salário mínimo.
A Constituição Federal de 1988 representou uma inflexão sem precedentes na
história da proteção social brasileira, conforme já apontado em capítulos anteriores.
Cabe aqui destacar que o texto constitucional apresenta em seu artigo 203 os objetivos
da assistência social pública, prevendo no inciso V “a garantia de um salário mínimo
de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência97 e ao idoso que comprovem
não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua
família, conforme dispuser a lei”. Nesta Carta Magna, a Assistência Social foi
assegurada como Política de Seguridade Social, junto à Saúde e à Previdência Social.
Contudo, ficou a cargo da legislação infraconstitucional específica (LOAS) a definição
dos critérios para gestão, elegibilidade, manutenção, financiamento e o acesso ao BPC.
É na LOAS de 1993 (Lei n. 8.742/ 1993), promulgada cinco anos após o texto
constitucional devido a embates significativos que acompanharam o veto integral da
primeira versão da lei pelo então presidente Fernando Collor de Mello, que o BPC
adquire formato organizacional. Vale aqui registrar que nesse contexto, sob forte
influência do ideário neoliberal no país, têm início as retrações em relação ao padrão
constitucional da Seguridade Social e das outras políticas públicas que despontavam.
Assim, apesar do reconhecimento legal, o processo de transformação das prerrogativas
constitucionais em direitos, através de legislação infraconstitucional, não aconteceu
conforme prescrito (BOSCHETTI, 2006; FONSECA, 2007; GLEBER, 2014; STOPA,
2017).
As políticas públicas foram diretamente atingidas pelas contrarreformas do
Estado, que restringem direitos com o argumento de redução de custos, privilegiando o
privado em detrimento do público e deixando explícita a indicação de ausência da
democratização da gestão da Seguridade Social. Essa realidade impactou na
regulamentação da Política Nacional de Assistência Social. Além disso, de acordo com
97
O termo usado nas legislações para se referir à pessoa com deficiência era “pessoa portadora de
deficiência” ou “deficiente”. Após a Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Organização
das Nações Unidas de 2006, que teve seu protocolo facultativo assinado pelo Brasil em 2007, instituiu-se
que a terminologia é “pessoa com deficiência”.
120

Stopa (2017), os governos posteriores à aprovação da Constituição Federal de 1988 não


tinham interesse em aprovar uma lei que organizasse essa política, que, via de regra, era
utilizada como manobra política para fins eleitoreiros.
A LOAS define os critérios de elegibilidade ao BPC, conceitua família e
deficiência, institui os procedimentos para concessão, manutenção e suspensão do
benefício, além de dotar o Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS) da
responsabilidade de custeio do BPC. O quadro abaixo sintetiza as principais
determinações contidas na LOAS para o BPC.

Quadro 03: Regulamentação do BPC na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS).


Brasil, 1993.
LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL (LOAS) – Lei no.8.742, de 07 de dezembro de 1993

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo


mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que
comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por
sua família.
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, entende-se por família a unidade mononuclear,
vivendo sob o mesmo teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes.
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela
incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou
idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário
mínimo.
§ 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com
qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência
médica.
§ 5º A situação de internado não prejudica o direito do idoso ou do portador de deficiência
ao benefício.
§ 6º A deficiência será comprovada através de avaliação e laudo expedido por serviço que
conte com equipe multiprofissional do Sistema Único de Saúde – SUS ou do Instituto
Nacional do Seguro Social – INSS, credenciados para esse fim pelo Conselho Municipal
de Assistência Social.
§ 7º Na hipótese de não existirem serviços credenciados no Município de residência do
beneficiário, fica assegurado o seu encaminhamento ao Município mais próximo que
contar com tal estrutura.

Art. 21. O benefício de prestação continuada deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para
avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem.
§ 1º O pagamento do benefício cessa no momento em que forem superadas as condições
referidas no caput, ou em caso de morte do beneficiário.
§ 2º O benefício será cancelado quando se constatar irregularidade na sua concessão ou
utilização.
121

Nos anos 1990, outras normativas introduziram mudanças e/ ou regulamentaram


o benefício, merecendo destaque aqui dois Decretos e uma Lei. O Decreto n° 1.330, de
8 de dezembro de 1994 apresentou as primeiras disposições sobre a operacionalização
do BPC. Esse Decreto estabelecia distinção para habilitação dos beneficiários: para os
idosos, a habilitação seria efetuada junto ao INSS, enquanto para a pessoa com
deficiência esse processo seria junto à Fundação Legião Brasileira de Assistência
(LBA). O requerimento do benefício deveria ser apresentado aos Correios e abria-se a
possibilidade de que a avaliação médica dos deficientes fosse realizada pelo Sistema
Único de Saúde (SUS), INSS ou na rede credenciada. O Decreto previa que as pessoas
com deficiência tivessem acesso a programas de reabilitação profissional e vedava a
acumulação do benefício com qualquer outro no âmbito da Seguridade Social ou de
outro órgão público, salvo a assistência médica. O Decreto estipulava o início da
operacionalização do benefício para junho de 1995 com a consequente manutenção, no
âmbito da previdência social, do pagamento da RMV (BRASIL, 1994).
Entretanto, o benefício teve seu início protelado para janeiro de 1996. Um mês
antes desse prazo foi assinado um novo Decreto, o de n° 1.744, de 8 de dezembro de
1995, que redefinia a data de início da operacionalização do BPC, assim como
estabelecia a responsabilidade e a competência de organizar e implementar os meios
necessários à consecução da operacionalidade do programa para o INSS. Assim:
Art. 43. Compete ao Instituto Nacional de Seguro Social (INSS)
expedir as instruções e instituir formulários e modelos de documentos
necessários à operacionalização do benefício de prestação continuada
previsto neste Regulamento (BRASIL, 1995).

De acordo com SILVA (2010), muito embora o BPC seja de origem da política
de assistência social, foram apresentadas duas justificativas para a escolha do INSS na
sua operacionalização: a presença do órgão em grande parte dos municípios brasileiros;
e a experiência acumulada com a organização e o controle dos benefícios
previdenciários que possuíam abrangência nacional.
O Decreto n° 1.744/ 1995 pode ser considerado o primeiro ato de
regulamentação da LOAS e trouxe algumas inovações sobre o acesso ao BPC, além de
atualizar, naquele momento, conceitos sobre deficiência e estabelecer competências.
Extinguiu a RMV, sendo mantidos, a partir de sua publicação, somente os benefícios já
122

concedidos. As principais alterações introduzidas pelo estão expressas no quadro a


seguir:

Quadro 04: Alterações introduzidas no BPC pelo Decreto nº 1.744/ 1995

DECRETO nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995

• alteração do conceito de pessoa portadora de deficiência:


“aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho em razão de anomalias ou
lesões irreversíveis de natureza hereditária, congênitas ou adquiridas, que impeçam o
desempenho das atividades da vida diária e do trabalho”;

• alteração do conceito de “acolhimento em instituições de longa permanência” para


“internado”;

• incorporação da cobertura do BPC aos estrangeiros naturalizados e domiciliados no Brasil,


desde que não amparados pelo sistema previdenciário do país de origem;

• o requerimento do benefício passa a ser realizado junto ao INSS, órgão autorizado ou


entidade conveniada a partir de 1º de janeiro de 1996;

• obrigatoriedade de apresentar histórico de documentos de identificação, caso estes tenham


sido emitidos há menos de cinco anos;

• a comprovação de inexistência de renda era realizada por declaração dos Conselhos de


Assistência Social de estados, Distrito Federal e municípios, Conselho Regional de Serviço
Social ou autoridades identificadas e qualificadas, conforme ato do Ministério da Previdência
e Assistência Social;
• avaliação de deficiência realizada por equipe multiprofissional do SUS ou do INSS
(excluída a possibilidade de rede credenciada);

• estabelecimento da competência de coordenação-geral, acompanhamento e avaliação da


prestação do benefício ao Ministério da Previdência e Assistência Social, por intermédio da
Secretaria de Assistência Social, restando ao INSS a responsabilidade pela operacionalização
do BPC;

• trazia a tabela regressiva da idade para acesso ao BPC a pessoa idosa (67 anos a partir de 1º
de janeiro de 1998 e 65 anos a partir de 1º de janeiro de 2000).

Durante o período de preparação para o início da operacionalização do BPC,


diversos comunicados internos do INSS foram expedidos e procuravam:
mobilizar os gerentes e chefes de postos para verificação de todas as
medidas necessárias e preconizadas para a implantação do benefício a
123

partir do 1º dia útil do ano, em especial, aquelas que possibilitam a


orientação adequada a idosos e deficientes que acorrerem aos nossos
Postos, a partir da madrugada de 3ª feira, dia 02/01/96 (INSS, 1995).

Em 1998, a Lei n° 9.720, de 30 de novembro, tratou especialmente do conceito


de família para fins de recebimento do BPC, além de alterar procedimentos para
requerimento do benefício. Entre essas alterações, cabe mencionar a determinação de
que a avaliação médica fosse realizada exclusivamente pela perícia médica do INSS,
salvo em caso de não haver essa estrutura no município de residência do beneficiário. A
Lei também instituiu que a renda mensal do grupo familiar passasse a ser declarada pelo
requerente ou representante legal e ratificou a tabela regressiva de idade.
Nas duas primeiras décadas do século XXI, observa-se uma profusão de
normativas que alteram o desenho do BPC. Cabe destacar o Estatuto do Idoso (Lei nº
10.741, de 1º de outubro de 2003) que, entre os diversos pontos em defesa dos direitos
dos idosos, ratifica, em seu artigo 34, a garantia do pagamento de benefício no valor de
um salário-mínimo mensal, nos termos da LOAS. Além disso, ao definir idoso como
aqueles maiores de 60 anos, o Estatuto do Idoso reforça a perspectiva de redução da
idade mínima para concessão do BPC dos 70 anos de idade iniciais para 65.
O Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007, pode ser considerado a maior
alteração realizada na regulamentação do BPC desde a sua implantação. Esse Decreto
alterou o conceito e a terminologia até então empregada para designar a pessoa com
deficiência; introduziu o conceito de incapacidade; alterou a conceituação de família;
especificou os elementos a serem contabilizados no cálculo da renda familiar per capita,
isentando o benefício concedido a o idoso do cálculo da renda mensal familiar, além de
abrir a possibilidade de que mais de um membro da família fosse beneficiado, desde que
atendidos os requisitos exigidos para a concessão do BPC. O Decreto n° 6.214/ 2007
manteve-se como a principal referência normativa do BPC até a publicação do Decreto
nº 8.805/ 2016.
Em 2008, o Decreto n° 6.564, de 12 de setembro alterou pontualmente o
procedimento de reconhecimento do direito para BPC a crianças e adolescentes com
deficiência, instituindo a avaliação biopsicossocial por meio de equipe multidisciplinar.
Dois anos depois, a Portaria MDS n°706, de 17 de setembro de 2010, estabeleceu a
necessidade de cadastramento dos beneficiários do BPC no Cadastro Único para
Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), porém sem condicionar a
concessão ou manutenção do benefício a esse cadastramento.
124

A Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011, incorpora as mudanças nos conceitos de


deficiência, promovendo alterações nos critérios de concessão do benefício e
universalizando a avaliação biopsicossocial para todos os beneficiários com deficiência.
Essas alterações estão sistematizadas no quadro abaixo.

Quadro 05: Alterações promovidas no BPC pela Lei Federal n° 12.435/ 2011

LEI nº 12.435, de 6 de julho de 2011

Art. 20 […] § 2º Para efeito de concessão deste benefício, considera-se:


I – pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física,
intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas;
II – impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a
vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
...
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a
família cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário-mínimo. § 4º O
benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer
outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da
pensão especial de natureza indenizatória.
§ 5º A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito
do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada.
§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de
incapacidade, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos
peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

No mesmo ano, a Lei n° 12.470, de 31 de agosto de 2011, abriu a possibilidade


de exercício de atividade remunerada pelo beneficiário PcD, suspendendo o pagamento
do benefício nesse período e reativando-o quando houver desligamento da atividade. A
Lei também previu a possibilidade de exercício de atividade na condição de aprendiz
pelo prazo de dois anos, sem prejuízo ao recebimento do BPC.
Ainda em 2011, o Decreto n° 7.617, de 17 de novembro, regulamentou as
alterações trazidas pelas Leis nº 12.435/ 2011 e n° 12.470/ 2011, aperfeiçoando os
instrumentos de controle e procedimentos de manutenção do BPC, como pode ser visto
no quadro abaixo.
125

Quadro 06: Alterações promovidas no BPC pelo Decreto n° 7.617/ 2011

DECRETO Nº 7.617, de 17 de novembro de 2011

• alteração dos elementos de composição da renda do grupo familiar:


a soma dos rendimentos brutos auferidos mensalmente pelos membros da família composta
por salários, proventos, pensões, pensões alimentícias, benefícios de previdência pública ou
privada, seguro- -desemprego, comissões, pró-labore, outros rendimentos do trabalho não
assalariado, rendimentos do mercado informal ou autônomo, rendimentos auferidos do
patrimônio, Renda Mensal Vitalícia e Benefício de Prestação Continuada, ressalvado o
disposto no parágrafo único do art. 19. […] (BRASIL,2011).

§ 2º. Para fins do disposto no inciso VI do caput, não serão computados como renda mensal
bruta familiar:
I – benefícios e auxílios assistenciais de natureza eventual e temporária;
II – valores oriundos de programas sociais de transferência de renda;
III – bolsas de estágio curricular;
IV – pensão especial de natureza indenizatória e benefícios de assistência médica, conforme
disposto no art. 5o;
V – rendas de natureza eventual ou sazonal, a serem regulamentadas em ato conjunto do
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e do INSS; e
VI – remuneração da pessoa com deficiência na condição de aprendiz.

• introdução do conceito de impedimento de longo prazo:


“aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de dois anos”;

• retorno do conceito de acolhimento em instituições de longa permanência;

• obrigatoriedade da inscrição no CPF para a concessão do benefício;

• introdução da análise do grau de deficiência e impedimento da pessoa com deficiência com


base nos princípios da Classificação Internacional de Funcionalidades, Incapacidade e Saúde
(CIF);

• separação de atribuições da análise do serviço social e da perícia médica do INSS;

• obrigatoriedade do beneficiário de informar alteração de condições que garantam a


manutenção do benefício;

• previsão do procedimento de cobrança administrativa de valores recebidos indevidamente;


126

Outro destaque a ser feito é a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, conhecida


como Lei Brasileira de Inclusão (LBI). Similar ao Estatuto do Idoso, a Lei Brasileira de
Inclusão (também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência) é destinada a
assegurar e promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das
liberdades fundamentais da pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e
cidadania. Consolida os conceitos já anteriormente adotados por meio de decretos,
como o impedimento de longo prazo e o não cômputo dos rendimentos na condição de
aprendiz, e estabelece que outros elementos probatórios de miserabilidade poderão ser
utilizados para o reconhecimento do direito ao benefício. Com isso, promove o
alinhamento ao conceito constitucional da assistência social, porém transferindo a
responsabilidade de estabelecer critérios à regulamentação do benefício.
Em 07 de julho de 2016, já no governo de Michel Temer, foi aprovado o Decreto
nº 8.805, e posteriormente, em 08 de agosto de 2018, o Decreto nº 9.462. Ambos
alteram a regulamentação normativa mais importante do BPC, instituída pela lei nº
6.214 de 2007, considerada como uma das mais favoráveis à expansão e cobertura da
proteção social de seus destinatários típicos. No próximo bloco, buscaremos analisar
essas alterações a partir dos critérios de elegibilidade, dos conceitos de família e
deficiência e dos fluxos de atendimento, a partir das concepções de proteção social.

4.2. Inflexões na proteção social a partir das normativas do BPC

Nessa seção, procuramos analisar as alterações normativas do BPC desde sua


previsão constitucional em 1988, de forma a examinar as inflexões que tais alterações
provocaram no padrão de proteção social brasileiro.
Conforme apresentado anteriormente, a inscrição no texto constitucional da
garantia de um salário mínimo mensal ao idoso e à pessoa com deficiência “que
comprovem meios não possuir meios para de prover à própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família” como um dos objetivos da assistência social provocou
inflexões no padrão securitário que conformou o modelo hegemônico de proteção social
no país, introduzindo a possibilidade de proteção estatal independente de contribuição
pretérita.
Ainda que a existência da Renda Mensal Vitalícia (RMV) assegurasse algum
tipo de proteção social a idosos e deficientes, esse benefício estava subordinado à
127

exigência de contribuição prévia por parte dos requerentes. Desse modo, o BPC
inaugura uma nova concepção de proteção social no país.
A LOAS de 1993 foi a primeira legislação a regulamentar essa previsão
constitucional. O texto inicial dessa Lei estabeleceu alguns itens que deveriam compor
os procedimentos operacionais do benefício, tais como:
1. a compreensão a respeito do conceito de família;
2. a idade mínima para o idoso;
3. a definição de pessoa com deficiência;
4. o patamar financeiro per capita;
5. a proibição do acúmulo do BPC com outro benefício da seguridade
social exceto assistência médica;
6. a necessidade do laudo pericial expedido por uma equipe
multiprofissional que ateste a deficiência (BRASIL, 1993).

Portanto, a LOAS/1993 procurou regulamentar os parâmetros que deveriam ser


adotados na organização dos procedimentos operativos do benefício.

Alguns especialistas apontam que os parâmetros de acesso instituídos na Lei


foram muito restritivos, sobretudo no que tange ao corte de renda inferior a ¼ do
salário mínimo, a idade mínima de 70 anos para os idosos e a incapacidade para a vida
independente e para o trabalho no caso das pessoas com deficiência. No entanto, não
podemos deixar de considerar que a lei é produto de correlações de forças políticas,
econômicas e sociais em uma dada conjuntura histórica, o que, no caso, está
intimamente associado ao contexto de “contrarreforma” do Estado brasileiro que gerou
mudanças sociais e políticas importantes após o período de redemocratização do país
na década de 1990 (BEHRING, 2003; BOSCHETTI,2006; WERNECK VIANA,
2010).

Embora houvesse diferentes propostas em torno da regulamentação do BPC,


Sposati (2004, p.128) esclarece que a sua aprovação na Lei “não se assentou no debate
público em defesa de mínimos sociais ou, numa consciente decisão social, pelo
alargamento do residual pacto social brasileiro. Sua introdução foi cercada da baixa
visibilidade”. Segundo a autora, não era a lógica social que norteava a maior parte das
propostas para o benefício, e a preocupação da equipe econômica do governo federal
era com a ampliação dos gastos gerados pelos benefícios. Dentro desse quadro, a
lógica para aprovação da LOAS foi a da garantia de uma política extremamente
seletiva, isto é, restringir ao máximo o acesso aos benefícios de transferência de renda,
em especial o BPC. Segundo Sposati (2004), um dos principais motivos disto, é por se
128

tratar de um benefício no valor de um salário mínimo. Ao longo de 25 anos, desde a


regulamentação da LOAS, e do início De sua efetiva implementação em 1996, muitas
leis, decretos e normativas foram sancionados para o BPC, e estão em constante
alteração.

No primeiro momento, o conceito de família para fins do BPC, é a unidade


mononuclear vivendo sob o mesmo teto, cuja economia seja mantida pela contribuição
de seus integrantes. Essa definição abarcava todas as pessoas que viviam na mesma
casa, independentemente da idade, da condição civil e do parentesco. Stopa (2017)
ressalta que a abrangência da concepção de família posta na Lei atribui uma
centralidade a ela. Consequentemente, esse conceito torna o acesso ao BPC ainda mais
restritivo e, desse modo, o benefício que deveria ser pessoal, torna-se familiar e
extremamente focalizado. Outro destaque é que, além do caráter restritivo, dado o
critério de recorte de renda inferior a ¼ per capita familiar, em famílias com mais de
uma pessoa com deficiência, e/ou com uma pessoa idosa, o valor do Benefício entrava
no cálculo de renda, tornando seu acesso ainda mais seletivo.
Nos primeiros anos de implantação do BPC, os procedimentos para o acesso
sofreram alterações com relação aos critérios e às sistemáticas para a inclusão dos
beneficiários. De acordo com as pesquisas de FONSECA (2007) e SILVA (2010),
podemos identificar, em síntese, quatro períodos diferentes que expressavam
características particulares quanto aos critérios de acesso ao benefício em seus primeiros
anos até 2003. Vejamos:

1. por meio do Decreto 1.744/1995, quando se inicia a concessão, em 1996,


constatam-se exigências e interpretações que extrapolam a LOAS/1993, de par
com as resoluções e ordens de serviço do INSS. Esse período vai de janeiro de
1996 a agosto de 1997, com a ressalva de que já em março de 1997, pela
resolução INSS nº. 435, os laudos e os pareceres emitidos pelas demais
instituições ficam submetidos à avaliação da perícia do Instituto Nacional de
Seguridade Social – INSS, sem a presença do beneficiário;
2. a previsão do novo conceito de família pela Medida Provisória nº. 1.473/34 de
1997, somente a perícia do INSS compete a emissão de laudos e pareceres, e
delega ao próprio beneficiário a responsabilidade pela declaração de renda –
período a partir de setembro de 1997 (SILVA,2010);
129

3. a partir de 1998, ocorreu a sistemática para revisão e avaliação dos beneficiários


para fins de manutenção ou cancelamento do benefício (GOMES, 2001;
FONSECA,2007);
4. a Ordem Interna de Serviço do INSS/DIRBEN (Diretoria de Benefícios) / nº.
081, de 15 de janeiro de 2003, que dispôs sobre os novos elementos para o
roteiro de procedimentos para operacionalização do benefício de prestação
continuada, destinado a idosos e pessoas portadoras de deficiência (INSS, 2003,
p. 1).

De acordo com SILVA (2010) e FONSECA (2007), esses momentos expressam


um conjunto de particularidades e procedimentos específicos; no entanto todos têm o
mesmo objetivo: estabelecer os critérios e os conceitos adotados para a
operacionalidade do BPC, os paradigmas adotados pelas equipes responsáveis pela
concessão e/ou revisão do benefício.
O Decreto Nº 1.744/1995 definiu os conceitos e os procedimentos que serviram
de modelo adotado pelo INSS para a organização de todo o instrumental necessário
(instruções normativas, formulários, etc.) à efetiva operacionalização do benefício. De
acordo com a análise de Stopa (2017), esse decreto impôs diferentes formas de
comprovação da situação de renda, a saber: a carteira de trabalho, contracheque
emitido pelo empregador, extrato de comprovantes de benefícios; para a comprovação
da inexistência de renda, poderia ser apresentada uma declaração dos Conselhos de
Assistência Social – municipal, estadual ou federal. No caso de não haver o Conselho,
essa declaração poderia ser expedida pelo Conselho Regional de Serviço Social ou por
autoridades locais identificadas e qualificadas.
Segundo a autora, essas exigências eram indevidas, pois a LOAS impôs que
deveria ser comprovada a renda inferior a ¼ do salário mínimo. Portanto, obrigar a
pessoa a comprovar a ausência de renda, através de declaração de órgãos ou entidades
não estava previsto na regulamentação do BPC. A própria LOAS assegurou em um de
seus princípios que é vetada a comprovação de necessidade: Artigo 4º, inciso III –
“respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e
serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se
qualquer comprovação vexatória de necessidade” (BRASIL, 1993).
Através desse Decreto Nº 1.744/ 1995, a comprovação da deficiência deveria
ser feita mediante avaliação e laudo expedido por equipe multiprofissional do SUS
130

e/ou do INSS. No entanto, em 1997, o INSS apresentou a Resolução nº 435/ 1997, que
também excedeu na normatização ao estabelecer que os laudos de avaliação da
deficiência emitidos pelo SUS deveriam ser submetidos à análise da perícia médica do
INSS. Também através desse mesmo Decreto, ficou estabelecido que a pessoa com
deficiência é “aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho, em razão
de anomalias ou lesões irreversíveis de natureza hereditária, congênitas ou adquiridas,
que impeçam o desempenho das atividades da vida diária e do trabalho” Artigo 2º
inciso II (BRASIL, 1995). Essa definição vai de encontro ao direito constitucional e
permanecerá assim por anos.
O Decreto n º 1744/ 1995 também assegurou que o INSS, ou o órgão
autorizado, ou a entidade conveniada, quando necessário, promoveria verificações
junto a outras instituições de previdência ou de assistência social, bem como junto aos
atestantes ou vizinhos do requerente para comprovação de renda (STOPA, 2017), em
clara postura fiscalizatória.
Nesse mesmo Decreto foi garantido que, a partir de 1º de janeiro de 1998, a
idade do idoso para acesso ao Benefício98 se reduziria para 67 anos de idade e, em 1º
janeiro de 2000, para 65. Contudo, isso não se concretizou nos prazos previstos, pois a
Lei 9.720, sancionada em 1998, deu nova redação a alguns dispositivos da LOAS,
instituindo que a idade para acesso ao BPC permaneceria em 67 anos e, portanto, não
garantindo a redução.
Gomes (2001) destaca que no início de 1997, após apenas um ano de
operacionalização do BPC, havia um número grande de beneficiários, tendo a
ultrapassado a “meta” de concessão prevista pelo governo, mesmo com tantas
restrições. “Para conter gastos e atender às prescrições do ajuste fiscal, ditado por
organismos internacionais, a solução foi efetuar alguns arranjos, buscando critérios
adicionais, a fim de excluírem-se beneficiários e restringirem novos acessos”
(GOMES, 2001).
Outro destaque fundamental que a autora faz nesse primeiro momento de
implementação, se encontra na Lei nº 9.720 de 1998, que alterou o conceito de família:
o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991,
desde que vivam sob o mesmo teto. Esse artigo é o que institui os dependentes para
fins de benefícios previdenciários: o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho

98
No artigo 38 da Loas estava prevista essa alteração.
131

não emancipado, menor de 21 anos ou inválido. Portanto, a lógica previdenciária para


dependentes de segurados passou a nortear o entendimento de família para o BPC, um
benefício assistencial. Apesar disso, observa-se que com essa normativa, o conceito de
família foi ampliado no sentido do acesso ao benefício, na medida em que deixou de se
considerar todas as pessoas que viviam sob o mesmo teto, ainda que não seja o ideal
para assegurar o direito constitucional.
Outra alteração da Lei nº 9.720/ 98 refere-se à avaliação da pessoa com
deficiência, que passaria a ser realizada através de exame médico pericial no INSS e
não mais por uma equipe multiprofissional do SUS. Esse foi, de fato, um aspecto
desfavorável à ampliação do acesso ao benefício, tendo em vista que a restrição da
avaliação da deficiência exclusivamente pela perícia médica da Previdência Social,
marcada pela lógica securitária e pela concepção restritiva de incapacidade para a vida
independente e para o trabalho.
Outra medida instituída por essa normativa foi a antecipação da revisão bienal
dos Benefícios, tendo como intuito exclusivo a verificação dos laudos das pessoas com
deficiência. Segundo Fonseca (2007), bem como Stopa (2017), entendia-se que havia a
ocorrência de fraudes especificamente nessas análises. Vale destacar que aqui a
existência, à época, de um instrumental para avaliação da deficiência chamado
“Acróstico avaliemos”, instituído pela Resolução nº 435 em 1997. Esse instrumento
estabelecia um conjunto de indicadores exclusivamente médicos, não send, previsto,
no entanto, que o mesmo substituísse o laudo de avaliação. Contudo, segundo Gomes
(2001),

na prática o acróstico foi adotado como instrumental de


enquadramento, até porque os processos obedecem ao critério de
pontuação da tabela, sendo o laudo tão somente uma conclusão
resumida [...] em que pese o nome, não se trata de nenhuma forma
poética (GOMES,2001, p.120).

De acordo com Silva (2004) e Stopa (2017), a primeira revisão, embora prevista
para 1997, só aconteceu efetivamente a partir de janeiro de 2000. Porém, no período
compreendido entre setembro de 1997 e fins de 1999, foram realizadas auditorias que
cancelaram cerca de 40% dos Benefícios em manutenção. Silva (2004) aponta em sua
pesquisa que, além disto, a partir da Lei nº 9.720/ 98, a revisão dos laudos emitidos pelo
SUS e pelos peritos do INSS também foi uma forma de inibir a concessão do BPC para
pessoas com deficiência.
132

Novas inflexões significativas no BPC só tornariam a ocorrer a partir de 2003,


quando uma nova coalizão política, encabeçada pelo Partido dos Trabalhadores (PT),
assume a Presidência da República. Conforme apresentado no capítulo anterior, essa
conjuntura é favorável à implantação de inflexões significativas nas políticas sociais,
particularmente no campo da assistência social.
No que tange especificamente ao BPC, vale mencionar que em 1º de outubro de
2003, foi aprovado o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/ 2003), importante mecanismo na
regulação dos direitos das pessoas idosas. A partir do Estatuto, a idade para acessar o
BPC foi reduzida de 67 para 65 anos, ainda que, vale registrar, o Estatuto considere
pessoa idosa como aquela com idade igual ou superior a 60 anos. O fator decisivo aqui
para delimitar a faixa etária elegível ao BPC está associado a cálculos sobre o forte
impacto financeiro que a redução da idade para 60 anos geraria no orçamento público.
Outra garantia assegurada pelo Estado do Idoso foi que “o benefício já
concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para
os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS” (BRASIL,
2003). Isso se traduz de forma que duas pessoas idosas vivendo sob o mesmo teto
podem receber o Benefício. Essas alterações passaram a vigorar a partir de janeiro de
2004.
Conforme Stopa (2017), essas alterações contribuíram enormemente para que o
número de benefícios mantidos para pessoas idosas saltasse de 664.875 em 2003 para
933.164, já em 2004, havendo, pois, um aumento de 40,35% nas concessões após a
aprovação do Estatuto do Idoso. A autora também analisa que o aumento do número de
concessões referentes a dois idosos na mesma casa terem acesso ao BPC demonstra o
quanto o acesso à política previdenciária ainda não é presente na vida de milhões de
brasileiros.
O gráfico 1 mostra a evolução do número de Benefícios de Prestação
Continuada concedidos no período de 1996 (ano de sua efetiva implantação) até o ano
de 2018 (últimos dados anuais disponíveis no momento de realização da presente
pesquisa). O gráfico 1 distingue os BPC para idosos e para as pessoas com deficiência.
133

Gráfico 1: Série Histórica do número de BPC (PCD e idosos). Brasil, 1996-2018

BPC PCD E IDOSOS- 1996-2018


3.000.000

2.500.000

2.000.000

1.500.000

1.000.000

500.000

0
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018
PCD IDOSOS

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da SAGI/MDS/RI.

Verifica-se a tendência de aumento das concessões do BPC para ambos os


segmentos ao longo de todo período analisado. No entanto, em 2004, a expansão
observada especificamente para os idosos é ainda maior, o que está fortemente
associado à redução da faixa etária para concessão do benefício. Essa perspectiva pode
ser confirmada se examinarmos o percentual de incremento da concessão do BPC para
os idosos a cada ano no período da série histórica (gráfico 2).

Gráfico 2: Série Histórica do Percentual de incremento do BPC idoso. Brasil, 1996-2018

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da SAGI/MDS/RI.


134

Após o elevado incremento nos anos iniciais de concessão do BPC para os


idosos (como era de se esperar), um novo aumento expressivo do percentual de
concessões do benefício para esse segmento é verificado nos anos em que há redução da
faixa etária elegível ao BPC.
Outra modificação significativa nos critérios de concessão do BPC relaciona-se
a uma Ação Civil Pública (ACP), promovida pelo Ministério Público Federal do Acre,
em abril de 2007 (ACP nº 2007.30.00.00024-0). Essa medida promoveu grande impacto
para o segmento PcD ao considerar ilegal o critério de incapacidade para o trabalho e
para a vida independente baseado na capacidade de a pessoa com deficiência
“alimentar-se, higienizar-se, vestir-se” (ACP, 2007, p. 2)99. Conforme Rodrigues (2012,
p. 48 apud STOPA, 2017), “a decisão teve efeito e repercussão nacional, pois promoveu
orientação interna para os profissionais médicos do INSS analisarem a incapacidade dos
requerentes do BPC para a pessoa com deficiência”.
No mesmo ano é sancionado o Decreto n° 6.214, de 26 de setembro de 2007, que
revogou os Decretos no 1.744/1995 e n° 4.712/2003. O novo Decreto trouxe inúmeras
alterações à forma original do BPC, sendo possível elencar, de acordo com Silva (2010),
os seguintes pontos de importantes avanços:
1. Estabeleceu-se que o desenvolvimento das capacidades cognitivas,
motoras ou educacionais e a realização de atividades não
remuneradas de habilitação e reabilitação, dentre outras, não
constituem motivo de suspensão ou cessação do benefício e
possibilita novo acesso do benefício à pessoa com deficiência que
teve o BPC cessado para assumir trabalho remunerado;
2. Instituição de novo modelo para avaliação da deficiência e do grau
de incapacidade para fins de acesso ao BPC, composta por uma
avaliação médica e outra social, que obedecerá aos critérios da CIF,
o que permitiu analisar não apenas as limitações na estrutura e
funções do corpo, mas também o impacto de fatores ambientais e
sociais na limitação do desempenho de atividades e na restrição de
participação social;
3. Instituição do Sistema Nacional de Monitoramento e Avaliação do
BPC que permitirá o registro do acompanhamento dos
beneficiários e suas respectivas famílias no âmbito do SUAS e do
seu acesso a outras políticas e abarcará a revisão periódica de que
trata o art. 21 da LOAS/1993;
4. Mudança da concepção de família para o cálculo da renda per
capita: conjunto de pessoas que vivem sob o mesmo teto, assim
entendido, o requerente, o cônjuge, a companheira, o companheiro,

99
A ACP foi regulamentada pelo Memorando Circular Conjunto nº 7/2007/PFE-INSS/DIRBEN.
(GLEBER, 2014; STOPA, 2017).
135

o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 anos


ou inválido, os pais, e o irmão não emancipado, de qualquer
condição, menor de 21 anos ou inválido;
5. Quando o requerente for pessoa em situação de rua, deve ser
adotado como referência o endereço do serviço da rede
socioassistencial pelo qual esteja sendo acompanhado, ou, na falta
deste, de pessoas com as quais mantém relação de proximidade;
6. As famílias das pessoas em situação de rua são as elencadas no
tópico 4, desde que convivam com o requerente na mesma situação
de rua;
7. O BPC será devido a mais de um membro da mesma família
enquanto atendidos os requisitos de elegibilidade, no entanto o
BPC concedido a idoso não será computado no cálculo da renda
mensal bruta familiar (SILVA, 2010, páginas).

Um dos maiores avanços possibilitados pelo Decreto nº 6.214/ 2007 foi o


estabelecimento da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e
Saúde (CIF) para avaliação da pessoa com deficiência no processo de concessão do
BPC. Elaborada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e publicada em 2001,
essa Classificação orienta como “apreender, compreender, descrever e avaliar a
deficiência como um estado/condição de saúde”, e seu avanço consiste em “criar
condições efetivas para avaliar e intervir nas questões relativas à deficiência e saúde,
partindo de uma perspectiva biopsicossocial para fortalecer o olhar interdisciplinar”
(SANTOS, 2016, p. 308).
De acordo com Santos (2016) e Stopa (2017), a adoção da CIF pelo Brasil é um
avanço, pois, poucos anos após sua tradução para o português, já se inicia sua
utilização no processo de concessão do BPC, deixando-se de empregar somente as
diretrizes da Classificação Internacional de Doenças e Problemas relacionados à Saúde
(CID).
Com isso, o Decreto nº 6.214/ 2007 apresentou uma nova perspectiva para a
compreensão da pessoa com deficiência, embora tenha mantido o conceito apresentado
na LOAS de 1993, conforme segue: art. 4º inciso II – “pessoa com deficiência: aquela
cuja deficiência a incapacita para a vida independente e para o trabalho”. Segundo
inciso III desse artigo, incapacidade é: “fenômeno multidimensional que abrange
limitação do desempenho de atividade e restrição da participação, com redução efetiva
e acentuada da capacidade de inclusão social, em correspondência à interação entre a
pessoa com deficiência e seu ambiente físico e social” (BRASIL, 2007).
Esse Decreto assegurou a realização de avaliação da deficiência e do grau de
incapacidade, com a finalidade de análise para acesso ao BPC, alterando o modelo que
136

se pautava somente na visão médica da deficiência. Porém, a permanência do conceito


de incapacidade para o trabalho e para a vida independente, acarretou uma grande
contradição frente ao novo entendimento de deficiência baseado na CIF.
Outro aspecto que cabe ser ressaltado no referido Decreto é a exigência de que
os gestores da assistência social no âmbito nacional, estadual, municipal e do Distrito
Federal mantenham ações integradas com as demais políticas setoriais, principalmente
nas áreas da saúde, educação, habitação e segurança alimentar, de forma a garantir a
atenção aos beneficiários no BPC. Tal perspectiva remete a uma compreensão mais
ampliada de proteção social e à necessidade de construção de ações intersetoriais em
cada nível de governo.
Também sob a mesma perspectiva e com o objetivo de garantir o acesso das
crianças e adolescentes com deficiência à educação, foi instituído, no mesmo ano, o
programa BPC na Escola100. Tal iniciativa volta sua atenção para o público
beneficiário de zero a dezoito anos de idade com deficiência, por meio de ações
articuladas entre o então Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), o Ministério
da Educação (MEC), o Ministério da Saúde (MS) e o Ministério dos Direitos Humanos
(MDH). Para além do acesso, são estabelecidos compromissos da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Munícipios com vistas assegurar a matrícula e a permanência
na escola daqueles beneficiários, e ainda, o acesso a outras políticas públicas,
conforme as necessidades identificadas.
No ano seguinte, o Decreto n° 6.564, de 12 de setembro de 2008, aprovou as
seguintes alterações:

1. O BPC poderá ser acumulado apenas com dois outros benefícios no âmbito da
seguridade social: a assistência médica e a pensão especial de natureza
indenizatória;
2. No ato do requerimento do BPC, não é obrigatório apresentar o Cadastro de Pessoa
Física (CPF);
3. Para fins de reconhecimento do direito ao BPC às crianças e adolescentes menores
de 16 anos de idade, deve ser avaliada a existência da deficiência e o seu impacto

100
O Programa de Acompanhamento e Monitoramento do Acesso e Permanência na Escola das Pessoas
com Deficiência Beneficiárias do Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social programa
BPC na Escola foi instituído por meio da Portaria Interministerial nº 18/2007, envolvendo ações
articuladas entre o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), o Ministério da
Educação (MEC), o Ministério da Saúde (MS) e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da
República (SDH/PR). Informativo sobre o programa BPC na Escola: Notas Técnica 01/2010.
137

na limitação do desempenho de atividade e restrição da participação social,


compatível com a idade, sendo dispensável proceder à avaliação da incapacidade
para o trabalho;
4. Também é beneficiário do BPC o brasileiro naturalizado, domiciliado no Brasil,
idoso ou com deficiência, observados os critérios estabelecidos, que não perceba
qualquer outro benefício no âmbito da seguridade social ou de outro regime,
nacional ou estrangeiro, salvo o da assistência médica e no caso de recebimento de
pensão especial de natureza indenizatória;
5. O MDS e o INSS tiveram o prazo até o dia 31 de maio de 2009 para implementar a
avaliação da deficiência e do grau de incapacidade.

Esse Decreto estabeleceu o prazo final de maio de 2009 para que o Ministério do
Desenvolvimento Social (MDS) e o INSS implementassem o novo modelo de avaliação
da deficiência e do grau de incapacidade. De acordo com Gleber (2014), como resultado
do trabalho realizado pelo Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), optou-se pela
integração dos modelos médico e social, em contraponto ao modelo exclusivamente
médico até então vigente para a concessão do benefício. A narrativa biomédica consistiu
na primeira guinada para a garantia dos direitos para a pessoa com deficiência, pois os
impedimentos físicos, sensoriais ou cognitivos, que até então eram considerados
expressões do azar ou do pecado, passaram a ser explicados através da embriologia e da
genética, e surgiram soluções nos campos da cirurgia e da reabilitação (BARBOSA
apud SILVA, 2010). Stopa (2017: p.108) aponta que:
Para a regulamentação dessa nova forma de avaliar a pessoa com
deficiência era necessário que o INSS promovesse concurso público
para contratação de assistentes sociais, já que havia nesse momento
apenas 548 profissionais em todo Brasil e somente 270
desempenhavam atividades específicas do Serviço Social, conforme
relatório do CONSELHO FEDERAL SERVIÇO SOCIAL-CFESS
(2013). Com o concurso realizado, a partir de junho de 2009 foram
contratados, a princípio, 900 assistentes sociais e, ao longo da
vigência do concurso, esse número chegou a 1350. Feito isso, a partir
de julho de 2009 iniciou-se a avaliação social e médica baseada na
CIF.

Ainda segundo a autora, a introdução desse novo modelo de avaliação permitiu


uma ampliação do acesso das pessoas com deficiência ao BPC, com significativo
aumento do número de benefícios concedidos a esse segmento, como destacado no texto
a seguir:
138

Em outubro de 2010, a Diretoria de Benefícios Assistenciais (DBA)


publicou a Nota Técnica DBA/SNAS/MDS nº 69, que dispõe sobre a
concessão do BPC após a introdução da avaliação da deficiência.
Segundo essa Nota, comparando os períodos de setembro de 2008 a
maio de 2009 e setembro de 2009 a maio de 2010, houve um aumento
de 8,61% na concessão em nível nacional (STOPA, 2017. p.108).

Em julho de 2011, a LOAS passa por uma grande reformulação, motivada pela
necessidade de atualização em decorrência das mudanças provocadas pela implantação
do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Em relação especificamente ao BPC,
a Lei 12.435/ 2011 altera os conceitos de grupo familiar e de pessoa com deficiência,
que passam a ser os seguintes:
Art. 20 §1º (...) a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou
companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou
padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os
menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
(...)
Art. 20 §2°-I – pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos
de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais,
em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas; II –
Impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com
deficiência para a vida independente e para o trabalho pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos. (BRASIL, 2011a).

De acordo com Stopa (2017), a mudança no conceito de família trouxe


significativos retrocessos para o acesso ao Benefício ao considerar os irmãos e filhos
solteiros para contagem de renda:
A alteração do conceito de família de fato acarretou um passo atrás,
pois, […] quando um idoso que, por diferentes motivos, mora com um
filho ou mesmo com um irmão, se forem solteiros, suas respectivas
rendas constarão na análise do processo de concessão. Esse exemplo
também pode ser usado para a pessoa com deficiência que, por alguma
razão, vive com um filho ou um irmão, até para auxiliar nos cuidados
da saúde, mesmo que esse irmão ou filho tenham filhos, suas rendas
contarão. Além de nenhuma Lei ou Decreto alterar o recorte de renda,
o conceito de família se torna mais injusto para o acesso ao BPC,
aumentando a assimetria entre o direito constitucional e a legislação
regulamentadora. (STOPA, 2017, p.112)

Já em relação ao conceito de deficiência, a grande alteração refere-se à


especificação impedimentos de longo prazo, esse último considerado aqueles
impedimentos por tempo igual ou superior a dois anos. Em suas considerações, Stopa
(2017) afirma que mesmo com a aprovação da Lei n°12.435/ 2011 e com a avaliação
social e médica sendo feita desde julho de 2009, não houve alteração em relação ao
139

entendimento de deficiência, permanecendo o mesmo do Decreto nº 6.214/07. Com


isso, a concessão do BPC para pessoa com deficiência esteve por anos associada à
incapacidade para o trabalho e para a vida independente, comprometendo o princípio da
responsabilidade estatal em atender a essa demanda.
Como contraponto, a Lei garantiu que a cessação do BPC à pessoa com
deficiência para ingresso no mercado de trabalho não impede nova concessão. De
acordo com Stopa (2017), trata-se de uma grande contradição, na medida em que
garante uma relativa segurança em relação aos riscos de cancelamento do benefício
possibilidade caso seja inserido no mercado de trabalho, enquanto, ao mesmo tempo, o
critério de incapacidade para o trabalho é um dos critérios para a concessão do
benefício. O artigo Art. 20 § 9º traz que: “a remuneração da pessoa com deficiência na
condição de aprendiz não será considerada para fins do cálculo a que se refere o § 3 o
deste artigo”.
A autora conclui ainda que a pessoa com deficiência tem a oportunidade de
trabalhar como aprendiz sem deixar de receber o BPC. Mas se tiver um irmão ou irmã
trabalhando, por exemplo, mesmo que esse irmão ou irmã tenham filhos, a renda
contará para fins de análise da renda familiar, tornando o acesso ao benefício restrito.
No mesmo ano, em agosto de 2011, a Lei n º 12.470 amplia a relação BPC-deficiência-
trabalho, trazendo novos elementos ao debate, sendo o principal: “A contratação de
pessoa com deficiência como aprendiz não acarretará a suspensão do benefício de
prestação continuada, limitado a 2 (dois) anos o recebimento concomitante da
remuneração e do benefício.” (BRASIL, 2011b). Essa perspectiva é incorporada no
memorando circular conjunto nº 26, DIRBEN/ DIRAT/INSS, datado de 06 de setembro
de 2011, que, segundo Gleber (2014) afiança que:
a remuneração da pessoa com deficiência na condição de aprendiz,
seja do titular ou do membro do grupo familiar, não será considerada
para fins do cálculo da renda per capita (...); e fica extinta a relação
trabalhista ou a atividade empreendedora exercida e, quando for o
caso, encerrado o prazo de pagamento do seguro-desemprego e não
tendo o beneficiário adquirido direito a qualquer benefício
previdenciário, poderá ser requerida a continuidade do benefício
suspenso, sem necessidade de realização de perícia médica ou
reavaliação da deficiência e do grau de incapacidade para esse fim,
respeitando o período de revisão de dois anos.

Ainda em 2011, são estabelecidos dois novos Decretos relativos ao BPC, sendo
eles o de n° 7.612 e o n° 7.617, ambos de 11 de novembro de 2011. Novas alterações
140

em relação ao processo de operacionalização e de manutenção do BPC para a pessoa


com deficiência configuram-se como avanços significativos, tendo sido instituídas a
partir do Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência – Viver sem Limite101,
(aprovado pelo Decreto nº 7.612 de 2011). Nesse Plano foi criado o programa BPC
Trabalho, com o objetivo de atender beneficiários entre 16 e 45 anos de idade para a
obtenção de formação e qualificação para o trabalho, devendo ser as ações realizadas
pelas equipes dos CRAS em articulação com a Educação.
De acordo com o referido Decreto, o Plano Viver sem Limites buscava
promover, por meio da integração e articulação de políticas, programas e ações, o
exercício pleno e equitativo dos direitos das pessoas com deficiência, nos termos da
Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo
Facultativo102. O Decreto reafirma a concepção de deficiência contida na Lei 12.435/
2011, considerando como pessoas com deficiência aquelas que “têm impedimentos de
longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação
com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em
igualdades de condições com as demais pessoas” (art.2). O Decreto ainda institui como
diretrizes do Plano Viver sem Limite:
I - garantia de um sistema educacional inclusivo;
II - garantia de que os equipamentos públicos de educação sejam
acessíveis para as pessoas com deficiência, inclusive por meio de
transporte adequado;
III - ampliação da participação das pessoas com deficiência no
mercado de trabalho, mediante sua capacitação e qualificação
profissional;
IV - ampliação do acesso das pessoas com deficiência às políticas de
assistência social e de combate à extrema pobreza;
V - prevenção das causas de deficiência;
VI - ampliação e qualificação da rede de atenção à saúde da pessoa
com deficiência, em especial os serviços de habilitação e reabilitação;
VII - ampliação do acesso das pessoas com deficiência à habitação
adaptável e com recursos de acessibilidade; e
VIII - promoção do acesso, do desenvolvimento e da inovação em
tecnologia assistiva.

101
A finalidade do Plano Viver sem Limite é promover, através da articulação com os serviços e
programas, a garantia dos direitos da pessoa com deficiência nos termos da Convenção Internacional
sobre os direitos da pessoa com deficiência da ONU de 2006.
102
A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo
aprovados por meio do Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008, com status de emenda
constitucional, e promulgados pelo Decreto n º 6.949, de 25 de agosto de 2009.
141

O Decreto nº 7.617/ 2011 estabelece novas especificações que impactam


diretamente no critério renda, informando que não serão computados como renda
mensal bruta familiar:
I – Benefícios e auxílios assistenciais de natureza eventual e
temporária;
II- Valores oriundos de programas sociais de transferência de renda;
III- Bolsas de estagio curricular;
IV – Pensão especial de natureza indenizatória e benefícios de
assistência médica (...);
V- Rendas de natureza eventual ou sazonal, a serem regulamentadas
em ato conjunto do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate
à Fome e do INSS; e
VI – Remuneração da pessoa com deficiência na condição de
aprendiz. (BRASIL, 2011 d).

Outras alterações proporcionadas por esse Decreto no critério renda foram com
relação ao seguro-desemprego, que passa a ser somado na renda familiar, considerando
os rendimentos brutos auferidos mensalmente pelos membros da família. Aqui
novamente são observadas tensões referentes ao que entra ou não no cálculo da renda
familiar para efeitos de cálculo e avaliação dos critérios de concessão do BPC.
Cabe destacar também uma inovação importante do Decreto, ao estabelecer que
todos os beneficiários e suas famílias devem ser cadastrados no Cadastro Único para
Programas Sociais do Governo Federal, o CadÚnico, a fim de subsidiar a revisão bienal
do Benefício prevista na LOAS. A incorporação da gestão do BPC pela assistência
social parece dar um passo significativo com a exigência de inscrição no CadÚnico,
mas, ao mesmo tempo, como será visto mais adiante, isso também trouxe dificuldades
adicionais para os requerentes no acesso ao benefício.
O Decreto ainda prevê a suspensão do pagamento do BPC, em caráter especial,
quando a pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na condição
de microempreendedor individual, mediante comprovação da relação trabalhista ou da
atividade empreendedora, podendo o benefício ser reestabelecido com a cessação do
contrato de trabalho.
Em 06 de julho de 2015, foi aprovada a Lei Brasileira de Inclusão (LBI). Com
intuito similar ao do Estatuto do Idoso, a LBI (também conhecida como Estatuto da
Pessoa com Deficiência) é destinada a assegurar e promover, em condições de
142

igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais da pessoa com


deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania. Ela consolida os conceitos já
anteriormente adotados por meio de decretos, como o impedimento de longo prazo e o
não cômputo dos rendimentos na condição de aprendiz, e estabelece que outros
elementos probatórios da condição de vulnerabilidade social poderão ser utilizados para
o reconhecimento do direito ao benefício. Com isso, promove o alinhamento ao
conceito constitucional da assistência social, porém transferindo a responsabilidade de
estabelecer critérios ao regulamento do benefício. A Lei Brasileira de Inclusão
configura-se como uma conquista na luta pelos direitos da pessoa com deficiência que
há décadas vinha sendo reivindicada pelos movimentos sociais.
Em 2016, é aprovada outra Ação Civil Pública (ACP) de grande impacto para o
público PcD. Ao longo dos 23 anos de implantação do BPC, as ACPs se mostraram um
dispositivo de grande importância na luta em materializar o direito constitucional ao
BPC. Essas trouxeram mudanças no processo de análise em determinados períodos e
locais. Em 18 de abril de 2013, iniciou-se o processo jurídico e em 27 de janeiro de
2016 foi publicada decisão favorável à ACP n° 5044874-22.2013.7100/ RS de âmbito
nacional que decidiu: as despesas decorrentes diretamente do tratamento e necessidades
da pessoa com deficiência e da pessoa idosa devem ser analisadas pelo assistente social
do INSS, com possibilidade de desconsideração do recorte de renda posto pela
LOAS103. A ACP traz em seu texto que o requerente com renda superior que comprovar
gastos com tratamento de saúde, alimentação, fraldas, dentre outros insumos de saúde,
não terá o Benefício indeferido por renda e aguardará o parecer social. Caso o/ a
assistente social, após a análise da situação, conclua que há o comprometimento da
renda, a pessoa idosa terá imediatamente seu direito reconhecido e a pessoa com
deficiência passará pela avaliação da deficiência. Contudo, o parecer social, por essa
ACP, está vinculado à comprovação dos gastos e à negativa do órgão da rede pública de
saúde, que deve estar assinado por servidor público devidamente identificado: nome
completo, cargo e matrícula.
De acordo com Stopa (2017):
Há um avanço para a ampliação do BPC com o entendimento de que o
critério da renda é de fato injusto e precisa ser analisado mais

103
Para regular esse procedimento foram publicados o Memorando-Circular Conjunto nº 58
DIRBEN/DIRAT/DIRSAT/PFE/INSS de 16/11/16 e o Memorando-Circular Conjunto nº 62
DIRBEN/DIRAT/DIRSAT/INSS de 30/11/16, disciplinando a operacionalização dos requerimentos de
BPC que apresentam renda superior para que haja o atendimento da ACP.
143

atentamente, mas é importante ponderar que as famílias, mesmo que


tenham renda igual ou superior a ¼ do salário mínimo, nem sempre
têm condições de custear exames, consultas, alimentação especial.
Além disso, a ACP vinculou, literalmente, a emissão do parecer social
a comprovantes e, em especial, o comprovante da negativa de
medicamentos, consultas e exames pela Saúde Pública. Assim, o que é
um direito constitucional, quando negado pela Política de Saúde,
precisa ser comprovado para o acesso a um Benefício constitucional.
Um paradoxo da realidade brasileira: para acessar um direito
constitucional é necessário que outro tenha sido negado.

Gomes (1999, p. 94), considera que “a regulamentação é um dos aspectos que


nos permite avaliar as possibilidades de realização da transição da assistência e de seus
princípios norteadores para o campo do direito, seus passos e contra passos numa
dinâmica complexa”. No caso do BPC, de acordo com as pesquisas de Gomes (1999),
Fonseca (2007), Silva (2010), Ivo e Silva (2011) e Gleber (2014), Stopa (2017), a lógica
dominante é a redução do direito e restrição do acesso. De acordo com os autores
supracitados, o BPC foi criado como provisão que constitui transferência direta de renda
mínima, independente de contribuição, aproximando concretamente a assistência social
de um direito incondicional, embora restrito à pessoa idosa e à pessoa com deficiência.
Entretanto, ao ser regulamentado na LOAS, logo o benefício teve seu alcance reduzido
e tornou-se bastante seletivo e focalizado. A LOAS, pois, delimitou e reduziu
consideravelmente o público elegível ao estabelecer conceitualmente os principais
parâmetros para elegibilidade ao benefício.
Ivo e Silva (2011 apud GLEBER, 2014) afirmam que a evolução dos
dispositivos legais no BPC tem sido marcada por debates e controvérsias, que refletem
alterações substanciais.
“Duas definições têm alterado a focalização do BPC: a definição de
incapacidade e a noção de família para efeito do cálculo, noções que,
operacionalmente, impactam objetivamente sobre a atribuição do
direito”. (IVO; SILVA, 2011, p. 6).

Embora possamos identificar avanços nessa trajetória, especialmente quanto à


caracterização da deficiência e sua avaliação, não é possível afirmar o mesmo em
relação à composição da renda familiar. A partir da LOAS, o BPC e a renda per capita
abaixo de ¼ do salário mínimo como critério de elegibilidade passam a ser elementos
indissociáveis, tornando o acesso ao benefício ainda mais seleto, somente aos
extremamente pobres. De acordo com Gleber (2014), é comum entre os diferentes
autores que esmiúçam o BPC e seus desdobramentos, o entendimento de que o critério
144

de renda per capita de até um quarto do salário mínimo para acesso ao BPC é
excludente e inadequado. Ivo e Silva (2011, p.4) apontam que:
De acordo com a linha de renda para o recebimento do BPC, no
patamar da extrema pobreza, ou seja, numa renda média familiar per
capita de até um quarto do salário mínimo, observa-se que a aplicação
desse critério restringe, substancialmente, a abrangência do direito,
embora se reconheça, no plano operacional, uma evolução de
tendência mais inclusiva da legislação [...]. Tal fato exclui do
benefício idosos e pessoas com deficiência em que, mesmo
considerados em situação de pobreza e experimentando diversas
situações de vulnerabilidade- como as derivadas do grau de
deficiência, dependência e demanda de cuidados-a família ultrapassa a
linha de renda de acesso estabelecida. (IVO; SILVA, 2011).

De acordo com Sposati (1989), a focalização na extrema pobreza é considerada


um estigma. Gomes (1999) considera que:
O benefício tornou-se bastante seletivo e focalizado naqueles
absolutamente incapazes de prover sua subsistência, os quais estão em
situação de vulnerabilidade social praticamente irreversível,
considerando inclusive a renda per capita exigida de um quarto de
salário mínimo. Desse ponto de vista, o BPC se separa de uma política
pública de viabilizadora de direitos universais. Dado o seu grau de
seletividade, torna-se, pois, um direito arbitrário, restrito, dependente
especialmente de verificação de cumprimento dos critérios para
acesso, de um atestado de necessidade, o que marca os beneficiários
pelo estigma de necessitado. (GOMES, 1999, p. 94).

Medeiros, Diniz e Squinca (2006), de acordo com a análise de Gleber (2014),


consideram que critérios focados exclusivamente na renda não levam em conta a
disponibilidade de serviços públicos, que são tão determinantes dos níveis de bem-estar
quanto à renda familiar. “Além disso, o envelhecimento e a deficiência impõem vários
custos adicionais às famílias, e esses custos variam de pessoa para pessoa, mas o
método atual de definição do patamar mínimo de renda de elegibilidade simplesmente
ignora este fato”. (MEDEIROS; DINIZ; SQUINCA, 2006, p. 11).
Não obstante suas limitações, não se podem desconsiderar aqui os esforços que
foram empreendidos ao longo dos anos para ampliação do escopo e alcance do BPC,
seja para os idosos, seja para as pessoas com deficiência. A importância do BPC para os
beneficiários e sua contribuição para a redução das desigualdades de renda no país têm
sido ressaltadas por estudos como os de Soares (2016). Além disso, como pode ser
observado nos quadros em anexo, é notório o investimento financeiro e no aumento da
cobertura do benefício desde sua implantação. Nesse sentido, apesar do avanço do
neoliberalismo no país, houve uma ampliação da proteção social para esse segmento, o
145

que pode ser creditado, ao menos em parte, ao peso do texto constitucional, que se
constituiu em uma espécie de freio aos preceitos neoliberais, assim como à mobilização
de diferentes setores dentro da burocracia estatal do governo federal e aos movimentos
de idosos e das pessoas com deficiência.
No quadro 07 a seguir, apresentamos uma síntese das principais alterações legais
referentes aos critérios de renda, composição do grupo familiar e conceito de
incapacidade para concessão do BPC para pessoa com deficiência.

4.3. Inflexões nos anos mais recentes

Nessa última sessão, trazemos as modificações mais recentes trazidas pelo decreto
8.805/2016 e o decreto nº 9.462/2018. Suas alterações nos mecanismos de acesso
entendidas como barreiras num contexto de ajuste fiscal e avanço do projeto neoliberal,
caracterizado pela PEC-06 e o atual contexto da reforma da previdência.
Em 07 de julho de 2016 foi aprovado o Decreto nº 8.805, e posteriormente, em
08 de agosto de 2018, o Decreto nº 9.462. Ambos alteram a regulamentação normativa
mais importante do BPC, instituída pela lei nº6.214 de 2007, essa última considerada
como uma das mais favoráveis à expansão e cobertura da proteção social de seus
destinatários típicos. Trataremos nessa seção de algumas dessas modificações e suas
implicações ao acesso ao direito constitucional à garantia da renda de cidadania
materializado no Benefício de Prestação Continuada.
De acordo com novo diploma legal, a primeira alteração que importa para nossa
análise consta nos Artigos 12, 13 e 14, que em sua redação original em 2007 e ratificado
em 2008 previa:
Art. 12. O Cadastro de Pessoa Física deverá ser apresentado no ato do
requerimento do benefício.

Parágrafo único. A não inscrição do requerente no Cadastro de Pessoa


Física no ato do requerimento não prejudicará a análise do processo
administrativo, mas será condição para a concessão do benefício.

§ 1o -A não inscrição do requerente no Cadastro de Pessoa Física -


CPF, no ato do requerimento do Benefício de Prestação Continuada,
não prejudicará a análise do correspondente processo administrativo
nem a concessão do benefício. (Incluído pelo Decreto nº 6.564, de
2008)
Quadro 07- Síntese das Modificações Normativas do BPC: Conceito de Família, deficiência e incapacidade, critério de renda ao longo dos anos 1988-2018

CONCEITO DE FAMÍLIA – BPC

NORMATIVA Lei nº. 8.742/ 1993 Lei nº 9.720/ 1998 Decreto 6.214/ 2007 Lei nº 12.435/ 2011
(Lei Orgânica da Assistência (Vigente)
Social)
§ 1º Para os efeitos do disposto no I - § 1o Para os efeitos do Família para cálculo da renda per § 1o Para os efeitos do disposto no
CONCEITO DE caput, entende-se por família a disposto no caput, entende-se como capita, conforme disposto no § 1º caput, a família é composta pelo
FAMÍLIA unidade mononuclear, vivendo sob família o conjunto de pessoas do art. 20 da Lei nº 8.742, de 1993: requerente, o cônjuge ou
o mesmo teto, cuja economia é elencadas no art. 16 da Lei nº conjunto de pessoas que vivem sob companheiro, os pais e, na
mantida pela contribuição de seus 8.213, de 24 de julho de 1991, que o mesmo teto, assim entendido, o ausência de um deles, a madrasta
integrantes. diz: I- o cônjuge, a companheira, o requerente, o cônjuge, a ou o padrasto, os irmãos solteiros,
companheiro e o filho, de qualquer companheira, o companheiro, o os filhos e enteados solteiros e os
condição, menor de 21 (vinte e um) filho não emancipado, de qualquer menores tutelados, desde que
anos ou inválido; desde que vivam condição, menor de 21 anos ou vivam sob o mesmo teto.
sob o mesmo teto. inválido, os pais, e o irmão não
emancipado, de qualquer condição,
menor de 21 anos ou inválido;

CONCEITO DE DEFICIÊNCIA E INCAPACIDADE – BPC

NORMATIVA CONTEÚDO

LOAS - Lei n° 8.742/1993 Art. 20. § 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e
para o trabalho.
147

Decreto nº 1.744/ 1995 Art. 2 - II - pessoa portadora de deficiência: aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho em razão de anomalias ou
lesões irreversíveis de natureza hereditária, congênitas ou adquiridas, que impeçam o desempenho das atividades da vida diária e do
(Revogado pelo Decreto nº trabalho;
6.214, de 2007)

Lei nº 9.720/ 1998 §6 - A concessão do benefício ficará sujeita a exame médico pericial e laudo realizados pelos serviços de perícia médica do Instituto
Nacional do Seguro Social - INSS.

Lei nº 6.214/ 2007 Art.4º

II - pessoa com deficiência: aquela cuja deficiência a incapacita para a vida independente e para o trabalho.

III - incapacidade: fenômeno multidimensional que abrange limitação do desempenho de atividade e restrição da participação, com redução
efetiva e acentuada da capacidade de inclusão social, em correspondência à interação entre a pessoa com deficiência e seu ambiente físico e
social; Art.4º CIF (OMS, 2001)

A concessão do benefício à pessoa com deficiência ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de incapacidade, com base nos
princípios da Classificação Internacional de Funcionalidades, Incapacidade e Saúde - CIF, estabelecida pela Resolução da Organização
Mundial da Saúde, aprovada pela 54ª Assembléia Mundial da Saúde, em 22 de maio de 2001. A avaliação da deficiência e do grau de
incapacidade será composta de avaliação médica e social. A avaliação médica da deficiência e do grau de incapacidade considerará as
deficiências nas funções e nas estruturas do corpo, e a avaliação social considerará os fatores ambientais, sociais e pessoais, e ambas
considerarão a limitação do desempenho de atividades e a restrição da participação social, segundo suas especificidades. As avaliações de
que trata o § 1o serão realizadas, respectivamente, pela perícia médica e pelo serviço social do INSS. (Aplicada após 2009).

Redação dada pelo Decreto Art. 4 - II - pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os
nº 7.617, de 2011 quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as
demais pessoas;
148

Redação dada pela Lei Nº Em relação ao BPC a principal importância desta Lei refere-se a garantia das alterações em relação à concessão do benefício,
12.435, de 2011 principalmente quanto institucionalização do conceito de pessoa com deficiência adotado pela Convenção sobre os Direitos da Pessoa com
Altera LOAS Deficiência (2009), bem como oficializa a avaliação social e médica da deficiência realizada por assistentes sociais e peritos médicos do
INSS.

“Art. 20: § 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se:

I- pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação
com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas;

II- Impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida independente e para o trabalho pelo prazo
mínimo de 2 (dois) anos.

§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de incapacidade, composta por avaliação médica e avaliação
social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).”

Redação dada pela Lei nº Reafirma o conceito deficiência adotado pela Convenção para efeitos de concessão do BPC e forma de avaliação social e médica. Traz
12.470, de 2011 alterações importantes para do beneficiário que ingressa no mundo do trabalho, já que não se considera mais o critério de

Altera os Art. 20 e 21, e “incapacidade para o trabalho”


acrescenta 21-A
a LOAS “Art. 20.
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

§ 6o A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por
avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS.”

§ 9o A remuneração da pessoa com deficiência na condição de aprendiz não será considerada para fins do cálculo a que se refere o § 3o
deste artigo.

§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois)
anos." (NR)
149

"Art.21.
§ 4o A cessação do benefício de prestação continuada concedido à pessoa com deficiência não impede nova concessão do benefício, desde
que atendidos os requisitos definidos em regulamento." (NR)

"Art. 21-A. O benefício de prestação continuada será suspenso pelo órgão concedente quando a pessoa com deficiência exercer atividade
remunerada, inclusive na condição de microempreendedor individual.
§ 1º Extinta a relação trabalhista ou a atividade empreendedora de que trata o caput deste artigo e, quando for o caso, encerrado o prazo de
pagamento do seguro-desemprego e não tendo o beneficiário adquirido direito a qualquer benefício previdenciário, poderá ser requerida a
continuidade do pagamento do benefício suspenso, sem necessidade de realização de perícia médica ou reavaliação da deficiência e do grau
de incapacidade para esse fim, respeitado o período de revisão previsto no caput do art. 21.

§ 2º A contratação de pessoa com deficiência como aprendiz não acarreta a suspensão do benefício de prestação continuada, limitado a 2
(dois) anos o recebimento concomitante da remuneração e do benefício."

Redação dada pela Lei nº § 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de
13.146, de 2015) (Vigente) longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

MODIFICAÇÕES NO ENTENDIMENTO NO CRITÉRIO DE RENDA ATRELADO AO ENTENDIMENTO DE FAMÍLIA – BPC

NORMATIVA CONTEÚDO

LEI 8.742/1993 LOAS. Art. 20 - § 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda
mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
150

Decreto nº 1.744, de 1995 Art. 2 - III - família incapacitada de prover a manutenção de pessoa portadora de deficiência ou idosa: aquela cuja renda mensal
(Revogado pelo Decreto de seus integrantes, dividida pelo número destes, seja inferior ao valor previsto no § 3° do art. 20 da Lei n° 8.742, de 1993.
nº 6.214, de 2007)

Redação dada pela Lei nº Art. 20 - § 8o A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal,
9.720, de 1998 sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido." (NR)

Redação dada pelo Art. 4º


Decreto nº 6.214, de 2007
IV - Família incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou do idoso: aquela cuja renda mensal bruta familiar
dividida pelo número de seus integrantes seja inferior a um quarto do salário mínimo;

VI - renda mensal bruta familiar: a soma dos rendimentos brutos auferidos mensalmente pelos membros da família composta
por salários, proventos, pensões, pensões alimentícias, benefícios de previdência pública ou privada, comissões, pró-labore,
outros rendimentos do trabalho não assalariado, rendimentos do mercado informal ou autônomo, rendimentos auferidos do
patrimônio, Renda Mensal Vitalícia e Benefício de Prestação Continuada, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 19.

Redação dada pelo Art. 4 - VI - renda mensal bruta familiar: a soma dos rendimentos brutos auferidos mensalmente pelos membros da família
Decreto nº 7.617, de 17 de composta por salários, proventos, pensões, pensões alimentícias, benefícios de previdência pública ou privada, seguro-
novembro de 2011. desemprego, comissões, pro-labore, outros rendimentos do trabalho não assalariado, rendimentos do mercado informal ou
autônomo, rendimentos auferidos do patrimônio, Renda Mensal Vitalícia e Benefício de Prestação Continuada, ressalvado o
disposto no parágrafo único do art. 19.
Fonte: Elaboração da autora.
§ 2o -Os prazos relativos à apresentação do CPF em face da situação
prevista no § 1o serão disciplinados em atos específicos do INSS,
ouvido o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
(Incluído pelo Decreto nº 6.564, de 2008)

Art. 13. A comprovação da renda familiar mensal per capita será feita
mediante Declaração da Composição e Renda Familiar, em formulário
instituído para este fim, assinada pelo requerente ou seu representante
legal, confrontada com os documentos pertinentes, ficando o
declarante sujeito às penas previstas em lei no caso de omissão de
informação ou declaração falsa.

Art. 14. O Benefício de Prestação Continuada deverá ser requerido


junto às agências da Previdência Social ou aos órgãos autorizados para
este fim.

Já a Redação dada pelo Decreto n° 8.805 de 2016 institui o seguinte:


Art. 12. São requisitos para a concessão, a manutenção e a revisão do
benefício as inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas - CPF e no
Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal -
CadÚnico. (Redação dada pelo Decreto nº 8.805, de 2016) (Vigência)

§ 1º - O beneficiário que não realizar a inscrição ou a atualização no


CadÚnico, no prazo estabelecido em convocação a ser realizada pelo
Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário, terá o seu benefício
suspenso, conforme disciplinado em ato do Ministro de Estado do
Desenvolvimento Social e Agrário. (Redação Decreto nº 8.805, de
2016).

§ 2º- O benefício só será concedido ou mantido para inscrições no


CadÚnico que tenham sido realizadas ou atualizadas nos últimos dois
anos. (Redação dada pelo Decreto nº 8.805, de 2016).

Art. 13. As informações para o cálculo da renda familiar mensal per


capita serão declaradas no momento da inscrição da família do
requerente no CadÚnico, ficando o declarante sujeito às penas
previstas em lei no caso de omissão de informação ou de declaração
falsa. (Redação dada pelo Decreto nº 8.805, de 2016).

Art. 14. O Benefício de Prestação Continuada deverá ser requerido


junto às agências da Previdência Social ou aos órgãos autorizados para
este fim.

§ 1º Os formulários utilizados para o requerimento do benefício serão


disponibilizados, por meio dos sítios eletrônicos:

I - do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário;


II - do INSS; ou
III - dos órgãos autorizados pelo Ministério do Desenvolvimento
Social e Agrário ou pelo INSS.
152

Art. 15. A concessão do benefício dependerá da prévia inscrição do


interessado no CPF e no CadÚnico, este com informações atualizadas
ou confirmadas em até dois anos, da apresentação de requerimento,
preferencialmente pelo requerente, juntamente com os documentos ou
as informações necessárias à identificação do beneficiário.

Art. 15 § 5º - Na hipótese de ser verificado que a renda familiar


mensal per capita não atende aos requisitos de concessão do
benefício, o pedido deverá ser indeferido pelo INSS, sendo
desnecessária a avaliação da deficiência.

O Decreto nº 9.462/2018, por sua vez ratifica no Artigo 12 e em seus parágrafos


1º e 2º, altera o Artigo 14, ratifica o 15 e acrescenta o Artigo 49, da seguinte forma:
Art. 12. São requisitos para a concessão, a manutenção e a revisão do
benefício as inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas - CPF e no
Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal -
CadÚnico. (Redação dada pelo Decreto nº 8.805, de 2016)
(Vigência)

§ 1º O beneficiário que não realizar a inscrição ou atualização no


CadÚnico terá seu benefício suspenso após encerrado o prazo
estabelecido na legislação. (Redação dada pelo Decreto nº 9.462, de
2018)

§ 2º O benefício será concedido ou mantido apenas quando o


CadÚnico estiver atualizado e válido, de acordo com o disposto no
Decreto nº 6.135, de 26 de junho de 2007. (Redação dada pelo
Decreto nº 9.462, de 2018)

Art. 14. O Benefício de Prestação Continuada poderá ser requerido


por meio dos canais de atendimento do INSS ou nos órgãos
autorizados para este fim. (Redação dada pelo Decreto nº 9.462, de
2018)

Art. 15. A concessão do benefício dependerá da prévia inscrição do


interessado no CPF e no CadÚnico, este último atualizado e válido, de
acordo com os prazos estabelecidos no Decreto nº 6.135, de 2007.

Art. 49. Cabe ao INSS, sem prejuízo da aplicação de outras medidas


legais, adotar as providências necessárias à restituição do valor do
benefício pago indevidamente, ressalvados os casos de recebimento de
boa-fé. (Redação dada pelo Decreto nº 9.462, de 2018).

O que podemos destacar desses decretos mais recentes, são as seguintes


alterações:

 A obrigatoriedade de o requerente estar inscrito no CadÚnico de Programas


Sociais do Governo Federal. (Art.12).
153

 A atualização do Cadastro (bienal) e a inscrição prévia104 para solicitação de


benefício (Art.12 §1; §2).
 Declarações em relação a renda e grupo familiar serão feitas no momento de
entrevista para o CadÚnico (Art.13).
 Descarte de Avaliação de Deficiência em caso de renda per capita superior a ¼
do S.M. para categoria PcD (Art.15§5).

O Decreto nº 8.805, publicado em julho de 2016, tem suas alterações voltadas


sobretudo para os processos de gestão do Benefício de Prestação Continuada. Esse novo
regulamento traz alterações significativas relacionadas aos procedimentos para o
requerimento, concessão e manutenção do BPC. Embora não trate diretamente dos
parâmetros que tradicionalmente são objeto de regulamentação (família, conceito de
deficiência e renda) - e, portanto, condicionantes do acesso - o referido Decreto abarca
questões procedimentais igualmente relevantes para as condições de acesso ao
benefício.
Ele coloca novas exigências para concessão e manutenção do benefício.
Estabelece como requisito para a concessão, manutenção e a revisão do benefício, a
inscrição no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal – CadÚnico.
Para aqueles que já são beneficiários, anuncia a obrigatoriedade de inscrição no prazo
estabelecido105, sob pena de ter o seu benefício suspenso. Ademais, o benefício só será
concedido ou mantido para inscrições no CadÚnico que tenham sido realizadas ou
atualizadas nos últimos dois anos. Se por qualquer motivo as informações registradas no
CadÚnico não forem suficientes para a análise da solicitação, o interessado será
comunicado pelo INSS e terá o prazo de trinta dias para corrigir/atualizar seu cadastro
junto ao órgão responsável. Excedido esse prazo, a solicitação será indeferida.
Para pesquisadores e trabalhadores da assistência social106, algumas
considerações são importantes em relação a essas novas exigências operacionais
trazidas pelo novo Decreto. A primeira é concernente à especificidade do público alvo e
potencialmente beneficiário do BPC. Não raras vezes são pessoas com limitações de
104
Caso o requerente seja atendido na APS e não tenha ainda sua inscrição no CadÚnico, ele tem o prazo
de 30 dias para retorno e inclusão do cadastro junto ao processo de solicitação do BPC, caso contrário é
indeferido o pedido e o pleiteante deve fazer nova solicitação após inscrito.
105
Os idosos beneficiários deverão se cadastrar em 2017 e as PcD no ano de 2018, conforme a Portaria
Interministerial nº 2 de 07 de novembro de 2016, o que vamos abordar mais adiante.
106
Verificar Silveira et al 2016.
154

mobilidade impostas pela idade avançada ou por uma deficiência física ou mental,
conjugada à vivência em famílias com baixíssima renda. A segunda consideração a ser
feita é que a nova exigência de cadastramento pressupõe uma eficiência das estruturas
operacionais da política de assistência nem sempre existentes. Embora a inscrição no
CadÚnico possa ser realizada em postos específicos, como as secretarias municipais de
assistência social ou em Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), sabe-se
das limitações dessas estruturas para tal cadastramento. Apesar da grande capilaridade
institucional alcançada pelos CRAS, há lacunas de cobertura e desafios de estruturação
desses centros e de suas equipes. De acordo com Mesquita, Silva e Passos (2016):
A expansão da cobertura propiciada pelas unidades públicas permitiu
uma capilaridade importante do Suas enquanto um sistema público de
assistência social, a qual é, sem dúvida, necessária para a
materialização da política e suas proteções. Não obstante, cabe
lembrar os desafios ainda presentes no que se refere à estruturação
desses equipamentos, tendo como perspectiva uma maior efetividade
na garantia da proteção social. Assim, é importante considerar a
estrutura dos equipamentos públicos e particularmente a situação dos
profissionais (vínculo e formação) que neles atuam para garantir as
ofertas instituídas. Embora os indicadores de desenvolvimento dos
Cras107. e dos Creas108 apresentem melhorias consideráveis nos
últimos anos109, eles também evidenciam a necessidade de mobilizar
esforços para continuar a aprimorar a qualidade da oferta.

De acordo com Silveira (et al 2016), desde 2011, o então Ministério do


Desenvolvimento Social e Combate à Fome vinha realizando o cadastramento dos
beneficiários do BPC no CadÚnico com a perspectiva de ampliar seu acesso a serviços
sociais. A despeito do tamanho e do tempo da mobilização empreendida, vê-se que em
2016, apenas 36,7% dos beneficiários do BPC estão neste cadastro. De acordo com os
autores, essa experiência sugere cautela na responsabilização do usuário no que
concerne aos procedimentos exigidos para acesso e manutenção do BPC. Caso
contrário, este poderá ser penalizado por ineficiências nas estruturas operacionais e
institucionais da política de assistência social e/ou pela situação de vulnerabilidade
caracterizada pela sobreposição entre a pobreza, idade avançada e a presença de uma
deficiência grave. Com isto, ao invés de corrigir situações de exclusão, a atuação
pública estaria reforçando-as, e, inclusive, gerando novas situações passíveis de

107
Dados apresentados no IX Encontro de Monitoramento e Vigilância promovido pelo MDS em 2015.
Apresentações disponíveis em: <http://goo.gl/z6431X>.
108
IDCras e IDCreas, construídos a partir de informações levantadas anualmente pelo Censo Suas.
109
Ver Relatórios de Gestão SNAS/MDS.
155

judicialização110. Corroborando com tal argumento, verifica-se segundo os dados do XI


Encontro Nacional de Vigilância Sócio Assistencial, ocorrido em Brasília, em junho de
2018, que a assistência social possuía uma carência de 1.031 unidades para cobrir todo
território nacional111. Consta também neste que apenas 73% dos Cras possuem equipe
de referência completa conforme a NOB-RH, o que é passível deduzir que compromete
o trabalhador, o atendimento e serviços oferecidos.
O Decreto nº 8.805/2016 postula não apenas nova exigência administrativa para
o requerimento do benefício como institui também novas condutas para o seu
processamento no interior da burocracia. As informações de renda familiar per capita
vinham sendo inscritas, de acordo com o Decreto nº6.214/2007, no formulário de
Declaração da Composição da Renda Familiar e comprovadas pela apresentação dos
documentos pertinentes112. Pelo novo Decreto, tais informações serão declaradas no
momento da inscrição da família do requerente do BPC no CadÚnico113 e, na análise do
requerimento do benefício, o INSS confrontará as informações do CadÚnico com a
renda encontrada em outras bases de dados de órgãos da administração pública relativas
à emprego e renda. Havendo divergências, prevalecerão as informações que indiquem
maior renda se comparadas àquelas declaradas no CadÚnico.
No novo Decreto também consta, no Artigo 42, §1º, II, a “confrontação
contínua” pelo INSS das informações do CadÚnico referentes à renda da família do
requerente com tais bases de dados da administração pública como procedimento da
revisão do benefício. Tal medida fiscalizatória de confronto de informações do
CadÚnico com diferentes bases de dados do governo federal não é algo novo na gestão
dos benefícios socioassistenciais. Este procedimento vem sendo executado junto ao
Bolsa Família – programa cuja gestão se apoia intensamente nas informações do
Cadastro e no seu cruzamento com outras bases.

110
Para discussão acerca da Judicialização do BPC e o reforço da desigualdade através do acesso ao
poder judiciário verificar Silva (2012).
111
Encontro Nacional Vigilância Socioassistencial 2018 emhttp://aplicacoes.mds.gov.br/snas/vigilancia/
index4.php – Mesa 4. Acesso em 10.07.2019.
112
Carteira de Trabalho e Previdência Social com as devidas atualizações, contracheque, Guia da
Previdência Social.
113
A substituição do formulário de Declaração da Composição da Renda Familiar por informações do
CadÚnico não é de simples operacionalização. Cabe ressaltar que são distintos os conceitos de família
que organizam a atuação do BPC e do PBF – programa originário para o qual foi estruturado o CadÚnico.
Este organiza suas informações tomando como referência o chefe da família, e a partir dele estabelece as
relações de parentesco. Logo, a operacionalização do BPC pelo CadÚnico exige a reclassificação das
relações de parentesco considerando a família legalmente definida para fins do BPC, procedimento
complexo enquanto os conceitos de família BPC e CadÚnico forem dispares.
156

De acordo com as considerações de Silveira (et al 2016), quando se realizam


ações de monitoramento e controle com base no confronto dos dados, há que se
conhecer a qualidade das informações de cada uma das bases notadamente quanto à
confiabilidade e fidedignidade de determinadas informações. Nesse critério
especificamente, as bases previdenciárias e assistenciais guardam qualidade bem
superiores àquelas de atualização menos contínua e com menor grau de monitoramento
e controle. Ou seja, requer-se cautela com os resultados dos batimentos, devendo-se
considerar as defasagens temporais e o grau de atualização e de controle dos registros
para evitar que sejam indeferidos pedidos de benefícios ou o seu cancelamento
injustificado, bem como dispor de técnicos bem atualizados para a operacionalização e
gestão de toda burocracia114.
Outro destaque necessário nas modificações/ implicações trazidas pelo Decreto
nº 8.805/2016 e uma de suas alterações mais significativas se refere à operacionalização
do critério de renda tanto no tratamento dos novos requerimentos do BPC quanto no
processo de revisão do benefício. O Decreto afirma que “na hipótese de ser verificado
que a renda familiar mensal per capita não atende aos requisitos de concessão do
benefício, o pedido deverá ser indeferido pelo INSS, sendo desnecessária a avaliação
da deficiência” (art. 15, § 5º). Na mesma direção, a portaria interministerial ratifica a
dispensa da reavaliação médica e social no processo de revisão do benefício quando o
cruzamento de informações de renda já revelar uma superação do critério monetário de
pobreza para acesso ao BPC. Nestes casos, a norma determina a imediata suspensão ou
cessação do benefício.
A dispensa das avaliações, à primeira vista, poderia sugerir um avanço na gestão
do benefício por não realizar perícias desnecessárias e dando prioridade aos casos
extremamente pobres, tendo em vista o não preenchimento do requisito de renda pelo
requerente. Entretanto, pode-se argumentar que as novas normativas reafirmam a
suficiência do critério de renda estabelecido na LOAS, contrariando as expectativas
alimentadas desde a sinalização do STF sobre a necessidade de ponderar outros
elementos definidores da vulnerabilidade social para definição da elegibilidade ao
benefício, com uma possível flexibilização a nível normativo do critério de renda para
evitar o processo de judicialização do BPC. O Decreto não considera o debate sobre

114
De acordo com a pesquisa de Stopa (2017), os técnicos previdenciários por ela entrevistados
mencionam a dificuldade em manterem-se atualizados nos últimos anos e suas implicações no
atendimento com o público BPC.
157

como tratar a população pobre que teria renda acima do limite de ¼ salário mínimo, mas
que vivem em situações de vulnerabilidade consideradas graves. Um ano após a
alteração da LOAS pela Lei Brasileira de Inclusão de 2015 (Estatuto da Pessoa com
Deficiência), que tenderia a incluir ainda mais o público PcD, com esse novo decreto
fica caracterizado o estreitamento do processo de revisão do benefício, sugerindo
também a ampliação do risco de judicialização (Silveira et al 2016).

4.3.1. Desdobramentos relacionados à obrigatoriedade do CadÚnico

De acordo com o instituído pelo Decreto nº 8.805/2016, Art.12§1º, que prevê a


necessidade de todos os beneficiários do BPC fazerem inscrição e/ou atualização no
Cadúnico no prazo estabelecido pelo MDSA, foram disciplinadas algumas portarias
ministeriais e interministeriais para cumprimento do disposto.
No referido Decreto, ao final do texto, estipula o seguinte:
Art. 2º Ato conjunto dos Ministros de Estado do Desenvolvimento Social e Agrário, da
Fazenda e do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão definirá cronograma de
priorização para inscrição dos atuais beneficiários no CadÚnico, no prazo de até dois
anos após a data de entrada em vigor deste Decreto. (120 dias após, ou seja, 07 de
outubro de 2016) (BRASIL,2016).
Em 07 de novembro de 2016 foi aprovada a Portaria Interministerial do
Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA) que regulou o tempo para a
inscrição e atualização no CadÚnico, a forma como serão realizadas as revisões – via
cruzamento de dados e reavaliação médica e social. De acordo com a portaria, os
ministros de estado do desenvolvimento social e agrário, do planejamento,
desenvolvimento e gestão, interino, e da fazenda, de forma conjunta decidiram:

Art. 2º - A inscrição dos atuais beneficiários no Cadastro Único para


Programas Sociais - CadÚnico, de que trata o Decreto nº 6.135, de 26
de junho de 2007, será realizada por meio de convocação, conforme
disposto em ato do Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário,
observado o seguinte cronograma:

I - 2017: os idosos; e

II - 2018: as pessoas com deficiência


158

Nesse período, o número de benefícios ativos era de 4.411.550 (quatro milhões,


quatrocentos e onze mil, quinhentos e cinquenta beneficiários), dispostos em 2.436.608
(dois milhões, quatrocentos e trinta e seis mil e seiscentos e oito) no seguimento PcD e
1.974.942 (um milhão, novecentos e setenta e quatro mil, novecentos e quarenta e dois)
no seguimento Idosos. Tendo em vista a fragilidade dos beneficiários elegíveis do BPC,
bem como as limitações e precariedade das estruturas da assistência social que operam a
inscrição no cadúnico conforme o disposto na seção anterior, era previsível
incapacidade de cumprir tal tarefa no tempo previsto.
Em 01 de Janeiro de 2017, é publicada a Portaria Conjunta n º 1, onde disciplina
as regras e os procedimentos para requerimento, concessão, manutenção e revisão do
Benefício de Prestação Continuada, conforme previsto a portaria de 07 de novembro de
2016, e revogando a Portaria Conjunta nº 2 de 2014 e trazendo novas regulamentações
baseadas nessas recentes mudanças. Esta dispõe no Art. 40 que o processo de inclusão
no Cadastro Único de beneficiários do BPC e respectivas famílias, ainda não
cadastradas, será regulamentado por meio de Instrução Operacional conjunta da
Secretaria Nacional de Renda de Cidadania - SENARC e da Secretaria Nacional de
Assistência Social - SNAS, ambas do MDSA.
Nesse ínterim, no INSS, são expedidos novas normativas expressas em
memorandos para cumprimento do Art. 12 do Decreto n º 8.805/2016 que acrescenta a
exigência do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal e que traz
desdobramentos maiores, visto que o conceito de Família Cadastro Único e Família
BPC são percebidos de forma diferenciada pelo INSS e pela política de Assistência
Social aqui expressa no entendimento da família CadÚnico. Para tanto, são publicados:

 Memorando Circular Conjunto nº 03 de 12 de janeiro de 2017 auxiliado pelo


memorando nº58 de 16 de novembro de 2016;
 Memorando Circular Conjunto nº7 de 17 de fevereiro de 2017 (que trazem
alterações no anexo II e IV do memorando nº03).
 Memorando Circular Conjunto Nº 15 de 7 de junho de 2017.
159

Estes alteram os instrumentais e no entendimento dos conceitos implicados no


processo de requisição, concessão, e manutenção do BPC, junto ao sistema técnico
operacional do INSS, mas que não serão objetos de nossa análise neste trabalho115.
Em 08 de março de 2017, é publicada a Instrução Operacional Conjunta
SENARC/SNAS nº 24- IO, que estabelece procedimentos e prazos para inclusão e
atualização cadastral dos beneficiários do BPC e de suas famílias no Cadastro Único
para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico). Esta IO foi reeditada em 06 de
setembro de 2018, devido à incapacidade de cumprir os prazos estabelecidos na
primeira edição (idosos-2017, PcD 2018 prevista pela portaria conjunta nº01) e para
ajustamentos técnicos. A reedição desta Instrução Operacional reestabelece
procedimentos e prazos para inclusão dos beneficiários do BPC no Cadastro Único,
conforme previa Portaria Conjunta nº 1, de 3 de janeiro de 2017, Portaria
Interministerial MDS/MF/MPDG nº 2, de 07 de novembro de 2016, e Portaria
Interministerial MDS/MF/MPDG nº 5, de 22 de dezembro de 2017, que prorrogou o
prazo para inscrição de beneficiários idosos do BPC no Cadastro Único para dezembro
de 2018. Nesse ínterim, é publicado o Decreto nº 9.462, de 8 de agosto de 2018,
mencionado no início dessa seção. Setembro de 2018 é publicada Nota CNAS sobre o
mesmo.

4.3.2. Desdobramentos relacionados ao Decreto nº 9.462 /2018

Em Nota informativa116 do CNAS117 sobre o decreto nº 9462/2018 - altera o


regulamento do Benefício de Prestação Continuada - BPC, aprovado pelo Decreto nº
6.214, de 26 de setembro de 2007, e o Decreto nº 6.135, de 26 de junho de 2007, que
dispõe sobre o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - CadÚnico.
A Comissão de Acompanhamento de Benefícios e Transferência de Renda (CABTR) do
Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), em reunião extraordinária realizada
115
Para o entendimento dos desdobramentos do Decreto nº 8.805/2016 para a estrutura previdenciária, a
ratificação da lógica securitária e o reforço da perspectiva da defraudação contida neste Decreto caberia
um outro trabalho.
116
file:///C:/Users/anali/Downloads/NOTA%20INFORMATIVA%20DO%20CNAS%20SOBRE%20O%2
0DECRETO%20N%C2%BA%209462%202018%20(3).pdf
117
O Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS foi instituído pela Lei Orgânica da Assistência
Social – LOAS (Lei 8742, de 07 de dezembro de 1993), como órgão superior de deliberação colegiada,
vinculado à estrutura do órgão da Administração Pública Federal responsável pela coordenação da
Política Nacional de Assistência Social ( no antigo MDS, atualmente, o Ministério da Cidadania), cujos
membros, nomeados pelo Presidente da República, têm mandato de 2 (dois) anos, permitida uma única
recondução por igual período. Verificar nota de rodapé 79.
160

em 10 de setembro de 2018, discutiu o Decreto nº 9.462, de 8 de agosto de 2018. Além


dos membros da CABTR, compareceram à reunião e se manifestaram os representantes
do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CONADE), do
Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (CNDI) e do Conselho Nacional dos
Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA). Na reunião, o referido colegiado
analisou o Decreto nº 9.462, de 2018, tendo como objetivo identificar aspectos
problemáticos, decorrentes de sua publicação, para os atuais e potenciais beneficiários
do Benefício de Prestação continuada (BPC) e para a gestão e operação do benefício,
assim como analisar os efeitos desses problemas, com vistas a apresentá-los ao Plenário
do CNAS. De acordo com a Nota CNAS:
A CABTR entendeu, de forma unânime, que seu papel era o de
sistematizar a discussão da questão para que o Plenário do CNAS
pudesse decidir sobre o tema. De forma geral, a CABTR identificou
que o Decreto nº 9.462, de 2018, propõe uma revisão do BPC na
lógica previdenciária e não na lógica da política de assistência social,
trazendo limitações de acesso de direito à proteção social de
indivíduos em situação de vulnerabilidade.

Foram apontados os seguintes aspectos problemáticos do Decreto nº 9.462, de 2018,


encaminhados à apreciação do Plenário do CNAS:

a) Exiguidade dos prazos para o beneficiário interpor recursos ou apresentar


defesa;
b) Indeterminação de prazo para que o Conselho de Recurso do Seguro Social
decida acerca dos recursos apresentados pelos beneficiários;
c) Falta de clareza a respeito da aplicação dos prazos previstos na lei de
procedimentos administrativos federais;
d) Falta de equilíbrio em relação a obrigações que cabem ao beneficiário frente
às obrigações do INSS (caput do art. 47);
e) Proximidade do fim do prazo de cadastramento dos beneficiários do BPC no
CadÚnico, em 31 de dezembro de 2018. A esse respeito, a CABTR decidiu
sugerir ao Plenário do CNAS que propusesse que o Decreto nº 8805/2016
(art. 2º) seja alterado para delegar essa competência ao MDS;
f) Na portaria de regulamentação do Decreto nº 9.462, de 2018, art. 2º, que o
Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) está preparando, a CABTR
sugeriu que se detalhem as hipóteses de impossibilidade de suspensão de
benefícios decorrentes de excessivo ônus da prova sobre os beneficiários;
161

g) Que os pontos acima sejam considerados pelo MDS na edição da portaria


de regulamentação no que couber.
h) Que a Comissão monitore os desdobramentos desse Decreto.

De acordo ainda com o mesmo documento, nesta reunião ordinária, o Plenário


do CNAS votou unanimemente por acatar as propostas da CABTR, assim como decidiu
por adotar as seguintes providências:
a) Que o MDS promova ações de orientação aos beneficiários para interposição de
recursos ou apresentação de defesa;
b) Recomendar ao MDS a expansão do prazo para a inserção dos beneficiários do BPC
no CadÚnico;

De acordo com esta nota publicada pela CNAS, “as ações acima apontadas
podem minimizar os efeitos de exclusão a que estão expostos os beneficiários, atuais e
potenciais do BPC. Os problemas mencionados, especialmente a exiguidade dos prazos,
o desequilíbrio entre as obrigações que cabem ao beneficiário, frente àquelas do INSS e,
sobretudo a prevalência da lógica de gestão previdenciária sobre a lógica assistencial do
BPC, afetam diretamente as pessoas mais vulneráveis do Brasil”.
Posteriormente, em 07 de novembro de 2018, é publicada no Diário Oficial da
União, a Resolução nº 25, que dispõe sobre a notificação dos beneficiários do Benefício
de Prestação Continuada ainda não inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais
do Governo Federal até o final de 2018 para que efetuem suas inscrições em 2019.
Na Resolução CNAS nº 25, o Conselho Nacional de Assistência Social, no uso
de suas atribuições e considerando os decretos nº8.805/2016, que alterou o Decreto
nº6.214/2007, a Portaria Interministerial MDSA/MP/MF nº 2, de 7 de novembro de
2016, que estabelece o cronograma para inscrição dos beneficiários no Cadastro Único;
considerando a Portaria Interministerial MDS/MP/MF nº 5, de 22 de dezembro de 2017,
que prorroga o prazo para inscrição dos beneficiários idosos no Cadastro Único;
Considerando o Decreto nº 9.462, de 8 de agosto de 2018; Considerando a Portaria
Conjunta nº 3, de 21 de setembro de 2018, que dispõe sobre regras e procedimentos de
requerimento, concessão, manutenção e revisão do Benefício de Prestação Continuada
da Assistência Social; Considerando ainda a redução costumeira do quantitativo de
servidores municipais e do Distrito Federal nos meses de janeiro e fevereiro, em
162

decorrência do período de férias; e Considerando que uma nova gestão se inicia no


âmbito do governo federal em janeiro de 2019118; Resolve:

Art. 1º. Propor ao Ministério do Desenvolvimento Social que:


I. Realize notificação de escalonamento para inscrição dos
beneficiários do BPC não inscritos no Cadastro Único até o final de
2018, observando o mês de aniversário dos beneficiários, em lotes
trimestrais, a partir de janeiro de 2019;
II. Realize, a partir de julho de 2019, as notificações para defesa em
âmbito do INSS, em razão da não inscrição no período trimestral;
III. Garanta a ampla divulgação nos meios de comunicação do
processo de notificação para fins de inscrição no mês de aniversário; e
IV. As propostas acima sejam contempladas em regulamentação do
MDS. (Resolução CNAS Nº25, 2018).

Em 18 de dezembro de 2018, é publicada a portaria nº 2.651, que dispõe sobre


procedimentos relativos ao Benefício de Prestação Continuada - BPC cujos
beneficiários não realizaram inscrição no CadÚnico no prazo estabelecido na legislação.
Este determina em seu Art. 2º que a suspensão dos benefícios não inscritos no
CadÚnico será realizada em quatro lotes, de acordo com o trimestre de aniversário dos
beneficiários, conforme cronograma em anexo a portaria supracitada. Este estipula
também os prazos de recurso, o § 1º dispõe que o beneficiário poderá realizar a
inscrição no Cadastro Único até o final do prazo do lote ao qual está vinculado, sem que
haja prejuízo no pagamento do benefício. O § 2º prevê que não realizada a inscrição nos
termos do § 1º, a suspensão terá efeitos a partir do pagamento do mês subsequente ao
final do prazo estabelecido para cada lote, de acordo com o cronograma anexo a
portaria. Já o § 3º dispõe que benefício poderá ser reativado quando identificada a
inscrição no Cadastro Único mediante solicitação ao INSS.

118
Em sequência a eleição de Jair Bolsonaro, houve diluição do Ministério da Cultura juntamente com os
Ministérios do Esporte e do Desenvolvimento Social que foi anunciada em novembro de 2018 pela equipe
de transição do novo governo eleito. Os três ministérios foram fundidos na estrutura do Ministério da
Cidadania. O médico gaúcho Osmar Terra, filiado ao MDB, que serviu como ministro do
Desenvolvimento Social durante o mandato de Michel Temer, foi também anunciado como ministro da
nova pasta. Em 1º de janeiro de 2019, a partir da reforma administrativa do governo recém-empossado, o
Ministério da Cultura foi oficialmente extinto pela medida provisória nº 870, publicada em edição
especial do Diário Oficial da União. Osmar Terra minimizou a extinção dos três ministérios, afirmando
que a fusão não enfraqueceria as respectivas áreas. Dentro do Ministério da Cidadania, foi criada a
Secretaria de Cultura, comandada por Henrique Medeiros Pires, ex-chefe de gabinete do Ministério do
Desenvolvimento Social durante a gestão de Terra.
163

Em 09 de abril de 2019, é publicada a Portaria nº 631, do Ministério da


Cidadania:
Considerando a necessidade de prazo adequado para que as gestões
municipais e Distrital deem ampla divulgação aos beneficiários acerca
do novo cronograma de escalonamento;
Considerando o teor da decisão constante no Agravo de Instrumento
nº 5004417-22.2019.4.03.0000, em tramitação no Tribunal Regional
Federal da 3ª Região, que concedeu efeito suspensivo ao recurso
interposto e deferiu à União Federal a possibilidade de suspensão do
pagamento dos benefícios assistenciais de prestação continuada aos
beneficiários cujo nome não esteja cadastrado no Cadastro Único até o
dia 31 de dezembro de 2018; e , Resolve:
Art. 1º O caput do art. 2º da Portaria MDS nº 2.651, de 18 de
dezembro de 2018, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 2º A suspensão dos benefícios será realizada em lotes, de acordo
com o mês de aniversário dos beneficiários, conforme cronograma
anexo a esta Portaria."
Art. 2º O Anexo à Portaria MDS nº 2.651, de 18 de dezembro de 2018,
passa a vigorar na forma do Anexo a esta Portaria.

Quadro - 08- Cronograma de Escalonamento da Suspensão de Benefícios.

Em 27 de maio de 2019, é publicada a Instrução Operacional Conjunta


SNAS/SAGI nº1/2019. Esta Instrução Operacional, por fim, substitui a Instrução
Operacional Conjunta SENARC/SNAS nº 24, de 8 de março de 2017, e suas reedições e
164

restabelece diretrizes para organizar os esforços para regularização de beneficiários do


BPC ainda não inscritos no Cadastro Único, conforme Decreto nº 6.135/2007, que
dispõe sobre o Cadastro Único e a Portaria Conjunta MDS/INSS nº 3, de 21 de
setembro de 2018, que dispõe sobre regras e procedimentos de requerimento, concessão,
manutenção e revisão do BPC; bem como a Portaria MDS nº 2.651, de 18 de dezembro
de 2018, que dispõe sobre procedimentos relativos ao BPC cujos beneficiários não
realizaram inscrição no Cadastro Único no prazo estabelecido na legislação, alterada
pela Portaria MC nº 631, de 9 de abril de 2019, mencionadas anteriormente.
De acordo com publicação feita no site da previdência, em 24 de 05 de 2019,
aproximadamente 1,1 milhão de pessoas que recebem o Benefício de Prestação
Continuada (BPC) ainda não fizeram a inscrição no Cadastro Único do Governo
Federal. Como a competência inicial de suspensão de benefícios não inscritos no
Cadastro está prevista para julho de 2019, não temos no momento de conclusão da
presente dissertação como informar quantos beneficiários tiveram seus benefícios
suspensos.
Com o acima exposto, verifica-se que ainda é cedo para compreender os
impactos do Decreto nº 8.805/2016 em função da obrigatoriedade do cadastro único.
Algo que também ficou latente e que não temos como aprofundar neste momento, é o
retorno da “fraudefobia” (STOPA, 2017), no qual agentes do governo recebem o
beneficiário já com a suspeita de fraude em tela (próprio a cultura securitária). Tal fato
também fica caracterizado com a Medida Provisória 871/2019 que instituiu um
programa especial para análise de benefícios com indícios de irregularidades, e que foi
promulgada recentemente com a lei nº 13.846, de 18 de junho de 2019.
165

Considerações Finais:

A Proteção Social no Brasil começou a tomar forma nos anos 1930, a partir das
formas institucionais incipientes de Previdência Social. Pode se afirmar que a partir
deste Sistema Previdenciário, ainda que seletivo, começou-se a se configurar um Estado
de Bem-Estar Social no país. O longo processo de expansão e consolidação desse
Sistema de Proteção Nacional se acelerou nos anos 1970, no auge da ditadura instalada
em 1964. A ausência de uma proteção universalizada acabou por configurar um sistema
dual: de um lado, a proteção corporativista, e do outro aquela oferecida pela
generosidade caracterizada na filantropia e benesse.
Durante a década de 1970, o trabalho assalariado que até então era constitutivo
da identificação de cidadania, foi sendo destituído desta função lenta e
progressivamente. Com efeito, a essa época, a reinvindicação da extensão de direitos
sociais à população excluída da previdência social (reservada a trabalhadores
assalariados), tinha como justificativa o direito a cidadania. A informalidade das
relações de trabalho e a não consolidação de uma condição salarial generalizada
acabaram por pôr em questão a própria relação entre cidadania salarial e cidadania
social. No contexto de abertura política que se instaurou, a partir dos anos 80,
entretanto, exigiu-se a configuração de novas fórmulas que fossem mais compatíveis
com a democracia expoente que se revigorava como capazes de resolver a imensa dívida
social herdada dos governos autoritários. O governo da Nova República esboçou um
novo modo de enfrentamento da questão social, a fim de estabelecer uma relação mais
democrática entre Estado e cidadãos.
A promulgação da Constitucional Federal em 1988, marco da abertura
democrática, depois de 21 anos de autoritarismo militar, teve justamente, entre seus
propósitos, o resgate da dívida social. O principal mecanismo então pensado para tal
resgate foi a construção de um sistema de proteção universal e inclusivo, não mais
fragmentado como outrora. A constitucionalização dos direitos sociais estendeu a
cidadania a toda população brasileira e institucionalizou, na letra da Lei, o Estado de
Bem-Estar Social no Brasil e o Estado Democrático de Direitos. Inaugura-se, nesse
contexto, um novo período, no qual o modelo da seguridade social passa a estruturar a
organização e o formato da proteção social brasileira, em busca da universalização da
cidadania.
166

O conceito de Seguridade Social, entendido como “[...] um conjunto integrado


de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os
direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social” (Art.194,
CONSTITUIÇÃO FEDERAL,1988), como visto no início da segunda seção, expressou
esse intuito de institucionalização de um Estado de bem-estar. Sua essência encontra-se
na tentativa de superar a dualidade, presente no sistema previdenciário anterior, dada
pela concomitância de duas lógicas distintas: a do seguro e da assistência. A inovação
proposta pelas novas regras do país residia na associação dessas duas lógicas como
política pública e dever do Estado. A previdência, fundada na lógica do seguro, passou a
ser parte integrante de uma estrutura de proteção maior, a seguridade, que desvinculada
dessa cultura institucional mercadológica, se coloca ao alcance de todos os cidadãos
brasileiros.
No novo modelo de seguridade social, busca-se romper com as noções de
cobertura restrita a setores inseridos no mercado formal e afrouxar os vínculos entre
contribuições e benefícios, gerando mecanismos mais solidários e redistributivos. Os
benefícios passam a ser concedidos a partir das necessidades, com fundamento no
princípio da justiça social, o que obriga a estender universalmente a cobertura e integrar
as estruturas governamentais.
No entanto, num contexto de crise econômica na década de 1990, a inserção do
país na ordem internacional, se dá sob a lógica do projeto liberal hegemônico, na esteira
do desastre inflacionário, estagnação econômica, e da reabertura do credito
internacional com abertura econômica ao mercado externo de capital, com as
privatizações e contrarreforma liberal. Nesse contexto, as leis complementares que
materializariam a Seguridade Social encontram resistência à sua elaboração e outorga e
o orçamento previsto para Seguridade Social não passa, até a atualidade, de uma mera
peça contábil sofrendo ao longo dos anos inúmeras desfalques e desvinculações. As
tendências da Seguridade Social brasileira nos anos de 1990 direcionam as reformas na
Constituição Federal de 1988, rumo ao que Werneck (2000) chama de americanização
perversa da seguridade social brasileira.
Não obstante, o debate sobre renda mínima no plano internacional vem se
intensificando, principalmente a partir da década de 80, e se situa no âmbito da
constatação da irreversibilidade das grandes transformações que vêm ocorrendo na
economia, marcadas pela Revolução Tecnológica da Era da Informação e supressão do
trabalho formal. Com o agravamento da crise do Capital e num contexto de crescimento
167

da pobreza e de grandes contingentes humanos em vulnerabilidade e rico social, se dá o


fortalecimento de Programas de Transferência de Renda já instituídos desde de 1948,
em alguns países europeus e institucionalizado pelos membros da União Europeia em
1989 através da “Carta Social”.
No Brasil, visando enfrentar a indigência, evitar ou dirimir situações de pobreza,
um conjunto bastante diversificado de benefícios em forma de renda monetária foi
operado pelo governo federal ao final da década de 1990. De um lado, os programas de
transferência de renda que visam garantir renda mínima a toda a população pobre. De
outro, os programas que têm por objetivo aportar recursos às populações reconhecidas
como incapazes ou dispensadas de arcar com sua sobrevivência pelo próprio trabalho.
Compõe este último grupo o Benefício de Proteção Continuada (BPC) alocado na
política Nacional de Assistência Social.
De acordo com o estudo proposto, buscou-se compreender o Benefício de
Prestação Continuada como um importante mecanismo de proteção social tendo em
vista seus destinatários típicos e sua magnitude caracterizada pela cobertura crescente
ao longo dos 23 anos. No texto Constitucional era prevista aos idosos e ppd (pcd), e
atrelado a isto, conjugava a condição de insuficiência de renda sem corte definido.
Porém, verificou-se que com a publicação da LOAS, a introdução do corte de ¼ de
salário mínimo per capita como critério de elegibilidade constituiu-se como um grande
limitador para aquisição do benefício constitucional, ficando o benefício restrito a um
público focal: os extremamente pobres. Observou-se que ao longo dos anos, diversas
modificações normativas em seus critérios de elegibilidade na trajetória de
implementação e regulamentação do BPC foram objeto de disputa ora favorecendo seus
destinatários típicos, ora restringindo o acesso.
De acordo com o estudo, os principais parâmetros de acesso ao benefício foram
sendo redesenhados, ao longo de seus 23 anos de implementação, respondendo ora à
pressão pelo atendimento aos direitos sociais e pela maior inclusão de seus destinatários
típicos, ora sendo objeto de investida num contexto de retração fiscal e de contenção
dos “gastos públicos” como em 1995 e em 2016 caracterizados por sua introdução na
pauta de reforma da Previdência Social, ainda que este seja um benefício assistencial
financiado pelo Fundo Nacional de Assistência Social. De acordo com o estudo, de fato,
desde a implantação do BPC até os dias atuais, as regras e definições iniciais para
acesso ao benefício sofreram alterações substantivas em pelo menos dois aspectos
importantes: (i) a idade mínima de acesso para o idoso; (ii) o arcabouço conceitual
168

concernente à caracterização e avaliação da deficiência e o conceito de incapacidade


que acompanha-o.
No que se refere à idade e à noção de deficiência, convém lembrar que os
parâmetros foram acompanhando diversas políticas e normativas voltadas às pessoas
idosas e com deficiência – notavelmente o Estatuo do Idoso (Lei nº 10.741/2003), a
Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e, mais
recentemente, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015). Quanto à
idade mínima para concessão aos idosos, inicialmente fixada em 70 anos, foi alterada,
primeiramente, em 1998 com a redução de 70 para 67 anos e, posteriormente, em 2004
para 65 anos, atendendo, em parte, ao disposto no Estatuto do Idoso de 2003.
Quanto à noção de deficiência, inicialmente o conceito associava-se a anomalias
ou lesões irreversíveis de natureza hereditária, congênitas ou adquiridas impedidoras ao
desempenho das atividades cotidianas e laborais, ou seja, considerava-se apenas a
deficiência que causasse incapacidade permanente (irreversibilidade da lesão). Esse
entendimento, contudo, se modifica a partir de 2007 quando o Decreto n º 6.214
reconhece que a deficiência pode ter como agravantes limitações impostas pelo
ambiente físico e pela cultura à autonomia e independência das pessoas com limitações
físicas, acolhendo, portanto, a definição da Convenção Internacional sobre os Direitos
das Pessoas119 ocorrida naquele ano. Esse processo se consolidou institucionalmente
quando, em 2011, o texto da LOAS foi modificado para incluir o novo conceito de
deficiência para fins de elegibilidade ao BPC: “considera-se pessoa com deficiência
aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais
pessoas ”. Atualmente, “não existe mais a diferenciação entre as pessoas que apresentam
incapacidade resultante de doenças e aquelas portadoras de deficiência: ambas têm o
direito ao benefício assistencial, preenchido os requisitos temporal – incapacidade de
longo prazo – e de pobreza”.
Ainda nesse segmento, acompanhando a evolução e o aperfeiçoamento do
conceito de deficiência, os procedimentos, instrumentais e metodologias usados para
definir as pessoas com deficiência elegíveis ao BPC também se aperfeiçoaram. A
avaliação da PcD, que então possuía um caráter reducionista baseado num modelo
119
A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas (março/2007) foi posteriormente
reconhecida pelo governo brasileiro por meio do Decreto nº 6.949 de 25 de agosto de 2009.
169

biomédico, ganhou novo formato a partir de 2009 visando operacionalizar o novo


conceito de deficiência que considera a influência do ambiente e suas barreiras.
Cabe lembrar que, quando associada à noção de deficiência como “incapacidade
para a vida independente e para o trabalho”, a perícia médica do INSS para aferição da
deficiência era focada no diagnóstico da doença, desconsiderando o meio social.
Ademais, a “incapacidade para a vida independente” possuía uma interpretação
restritiva pela perícia médica do INSS, pois esta avaliava tão somente a (in)capacidade
de desempenhar atividades relacionadas ao autocuidado (vestir, comer, higiene pessoal e
evitar riscos), sem considerar outras atividades da vida social. Com a redefinição do
conceito de deficiência, o BPC passou a utilizar a conceituação da Classificação
Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) em seu processo de
concessão em 2009 e passou a incorporar os instrumentos para avaliação social e
médico pericial da deficiência e grau de incapacidade. Transitou-se, portanto, de um
modelo biomédico para uma avaliação biopsicossocial o que representou um avanço
expressivo na proteção social das pessoas com deficiência operada pelo BPC.
Embora não tenha sofrido alterações normativas, por sua vez, o critério de renda,
que se configura como definidor da condição de pobreza, tem sido motivo de grande
controvérsia e, nesse ínterim de modificações, nunca foi alterado, nem houve
flexibilização fora do contexto da judicialização, mesmo com as ACPs com parecer
favorável do STF com abrangência nacional em 2013 e com a Lei de Inclusão (2015).
De forma oposta, se observa o recrudescimento da gestão e do acesso ao benefício no
início do governo Michel Temer com o Decreto nº8.805/2016, e posteriormente com o
Decreto nº 9.462 de 2018.
Algo que também ficou caracterizado com o último Decreto (Art. 49) e que não
tivemos tempo de aprofundar neste estudo, é que no último ano dos governos liberais-
conservadores de Michel Temer, e agora nos primeiros seis meses desse (des)governo
de Jair Bolsonaro, é o retorno na especulação/suposição da fraude, chamado por alguns
especialistas de “fraudefobia”, materializado na Medida Provisória 871/2019 e que foi
transformada na Lei nº13.846, de junho de 2019, a qual instituiu um programa especial
para análise de benefícios com indícios de irregularidades, onde o CNAS, órgão
deliberativo máximo que consolida a democracia e luta para a garantia dos direitos
prevista pela política nacional de assistência social, considera que “viola frontalmente o
direito à intimidade, igualdade e presunção de inocência, além do princípio da dignidade
da pessoa humana da qual emana toda a proteção ao indivíduo resguardada na
170

Constituição Federal, além de estabelecer novos critérios para mensuração do fator de


miserabilidade dos beneficiários”120.
Cabe aqui fazer menção que em dezembro de 2016, o governo de Michel Temer
apresentou ao Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional- PEC, que visa
alterar as atuais regras sobre benefícios previdenciários e assistenciais. Com o novo
governo Jair Bolsonaro houve uma remodelação do texto original (2016) e as mudanças
propostas para o BPC estão entre as mais polêmicas dentro da reforma da previdência,
proposta pelo novo governo, com a expectativa de ser aprovada até o final do ano
corrente de 2019. Devido a divergências relacionadas à reforma da previdência, a PEC
passa por novas reformulações, e ressurge como PEC 06 de 2019, propondo no que
concerne ao BPC, o sistema "fásico", onde o valor de um salário mínimo seria pago
apenas aqueles com mais de 70 anos - pessoas com idade de 60 a 69 anos teriam direito
a receber R$ 400,00 (quatrocentos reais) mensais – e com um novo quesito, a
demarcação do patrimônio familiar, como critério de miserabilidade, dentro do limite
máximo de R$ 98.000,00 (noventa e oito mil reais) de acordo com seu artigo 42. O
texto da PEC estabelece um novo patamar para o cálculo da renda per capita familiar,
hoje o benefício não é computado para a concessão de um segundo pedido dentro da
mesma família, com aprovação da alteração o valor será considerado como composição
de renda, o que pode acarretar num número ainda maior de exclusões. No texto
apresentado à Comissão Especial da Câmara, em junho de 2019, foram retirados pontos
como o sistema de capitalização, alterações nas aposentadorias rurais e mudanças no
Benefício de Prestação Continuada (BPC), caracterizando neste momento algum recuo
aos ataques a Proteção Social Brasileira materializada no Benefício de Prestação
Continuada. No entanto, as alterações previstas ao BPC podem a qualquer momento
voltar à pauta de votação. Em 14 de Agosto de 2019, a PEC 06/2019 começou a tramitar
no Senado Federal. Como o recorte temporal deste trabalho finda-se em 2018, optamos
por não exacerbar sobre a PEC 06/2019 por risco de incorrer-nos ao erro, pois somente
após o desfecho da Reforma da Previdência e que saberemos ao certo o seu impacto à
Proteção Social Brasileira e a Seguridade Social.
É sabido que os governos liberais entendem o empenho de dinheiro público na
área/questão social como gasto e não como investimento, ainda que o dinheiro
destinado para o BPC represente um grande aquecimento nas economias locais, como
120
Nota do CNAS em defesa do BPC. Brasília, 08 de maio de 2019. http://www.mds.gov.br/cnas/
capacitacao-e-boas-praticas/manifestos-do-cnas/nota-cnas-bpc.pdf/view?searchterm=None
171

argumentado pelos Técnicos da CNAS, do IPEA, de outros órgão que se opõe


frontalmente a desvinculação do BPC do valor do salário mínimo e demais alterações. O
Benefício de Prestação Continuada hoje configura-se não só como garantia de renda
fundamental à cidadania de seu público alvo. Mais, fatidicamente se constitui como
único sustento de milhares de famílias nesse Brasil de mais de 13 milhões de
desempregados121, num contexto de crise econômica e sem perspectiva de
fortalecimento das políticas de emprego, visto que um dos primeiros atos do novo
presidente empossado foi extinguir o Ministério do Trabalho, alocando-o na pasta da
Justiça, como se este tratasse apenas de um amontoado de causas trabalhistas122.
Sem a pretensão de exaurir o assunto e com a necessidade de prosseguir com os
trabalhos por conta das questões que ficaram abertas e devido ao cenário que se
desponta no fronte, espera-se, com esse contribuir para o debate acerca da importância
do Benefício de Prestação Continuada como mecanismo de Proteção Social compondo
uma parte fundamental junto às demais políticas de Seguridade Social no Brasil.

121
Outra taxa da chamada de subutilização da força de trabalho foi de 25% no primeiro trimestre do ano.
Isso significa que faltou trabalho para 28,3 milhões de pessoas no Brasil, segundo os dados da Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgada pelo IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística- junho de 2019).
122
Em entrevista concedida por Onyx Lorenzoni, o coordenador da transição, atual chefe da casa civil,
informou que com a Economia ficará a parte de políticas de emprego, fiscalização e FGTS. E há uma
parte menor que irá para o de Cidadania, como economia solidária e geração de emprego e renda. Faltava
ainda definir para qual pasta iria a fiscalização do trabalho escravo. (?!). https://www.metrojornal.
com.br/foco /2018/12/04/bolsonaro-ira-extinguir-ministerio-trabalho.html
172

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maio 2019.
ANEXOS:
ANEXO I

Série Histórica do Benefício de Prestação Continuada:1996-2018.

Fonte: Tabela elaborada pela autora com dados Sposati (2008) e dados

SAGI/MDS/RI.
ANEXO II

Série Histórica: Valores pagos por Segmento

Fonte: Tabela elaborada pela autora com dados da SAGI/MDS/RI.


(Dados 1996-2018 competência dezembro)
ANEXO III

Série Histórica: Comportamento percentual ao longo dos 23 anos (pcd)

Fonte: Tabela elaborada pela autora com dados da SAGI/MDS/RI.

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