Carlos Frederico Marés de Souza Filho
O Renascer dos
POVOS
INDÍGENAS
Para o Direito
JURUA
EDITORA
o y
E l
z
ui 1 3
0
J / 1 2 / 2
1 3
N A S C E R D O S
O RE
I N D Í G E N A S
POVOS
A O D I R E I T O
PAR
8)
1ª edição (ano 199
e i m p r e s s ã o ( a no 2012)
8ª r
TOITORA AFILIALIA
FEНVCER
181
come rciais.
empresas
eequaiquer ameaça de extinção de uma espécie deve resultar numa in-
nenção do Estado coma finalidade de repor o equilíbrio, criando espa-
eos eográficos territoriais protegidos e limitando ou proi
bindo atividades
nocivas.
O direito do consumidor, já amplamente reconhecido e algu
mas vezes
privado reali-
confundido com o direito individual de reclamar de negócio
evidente conotação coletiva quando, por um lado,
se
zado, ganha uma
ensão de um direito geral,
desvincula do negócio realizado, e ganha a dim
de todos, à, por exemplo, informação
sobre os bens e serviços oferecidos.
Mas por outro lado, adquire a dimensão cole
tiva ao ser ligado ao mercado
ado patrimônio nacional pela Constitui
ção, em seu arti-
interno, consider
go 219. Este lado do direito coletivo do consum
idor é pouco conhecido e
ainda menos respeitado.
direito de todos à
A nova sistemática constitucional criou um emana-
jurídica. Quer dizer, exigir direito deixe o espaço do
que o
çâo da norma
ser exigido pela cida-
sonho e se concretize como norma jurídica, podendo
direito, quando repercussão indivi-
dania.A concretização deste assume
o mandado de injunção
182
nça, à saúde, à educação,à previdên
cia
direitoà vida, à līb erdade, à segseura o.
social, ao io universal e cret
sufrág
Alguns outros Direitos coletivos têm tradução e expressão individual,
e
ante a Lei
como por exemplo, direito à isonomia de tratamento per
Estado; direito à vida, à liberdade, à segurança, à saúde, previdência e
assistência social, ao sufrágio universal e secreto.
Deve-se notar, entretan
to, que embora a Constituição tenha albergado, criado e possibilitado a
direitos coletivos, como o acesso à terra, à assis-
garantia de tantos outros
trabalho, à remuneração mínima, à regulame
ntação até
tência social, ao
agora está adstrita moralidade dos atos administrativos, consumidor,
a
de o processo judicial criado,
meio ambiente e patrimônio cultural, apesar
l púb lic a, dis por que qua lqu er interesse difuso pode por ela ser
a açã o civi
protegido.
Muitos destes direitos coletivos que têm
expressão individual reconhe-
nem mesmo nesta versão in-
cida e reclamada não conseguem se efetivar
ficar somente com os
dividual, como a educação, saúde e segurança, para
mais óbvios.
um limbo para um efetivo
Outro conjunto de direitos que migraram de
s indígenas. Antes da Consti-
direito coletivo, foram os direitos dos povo
tuição de 1988 os povos indígenas eram entendid
os pelo sistema jurídico
transição que seriam integrados no sistema como
pessoas,
como povos em
por isso a invisibilidade de seus dire
itos tão claramente expostos pelo invi-
sível Garabombo, de Scorza.233
primeira vez, em 1988, a lei reconheceu que os povo
s indígenas
Pela
são “coletivos", garantindo-lhes o direito de cont
inuar a ser índios. O arti-
elecendo o
go 231 entendeu assim os direitos dos povos indígenas, estab
direito originário e coletivo sobre as terras que ocupam, apesar de reco-
nhecer um direito individual, porém público, de propriedade sobre essas
terras, entregando a titularidade à União Federal, como já vimos.
A clareza deste direito coletivo se expressa na garantia à organização
social, aos costumes, línguas, crenças e tradições e aos recursos
naturais
tuto do Índio
de seu território. Na Legislação infraconstitucional, o Esta
está sendo substituído pelo Estatuto das Sociedades Indíge
nas, em discus-
são no Congresso, numa clara indicação da mudança do enfoque jurídico.
É importante destacar que o dircito coletivo dos povos indígenas sobre o
233 Ob. cit.
183
à
idade.
sociodivers
Os direitos coletivos, portanto, já existem dentro do Direito e não fora
dele, mas por ironia do sistema, continuam invisíveis.
OS DIREITOS COLETIVOS DOS POVOS INDÍGENAS
Está claro que os direitos coletivos tem titularidade difusa, não
apropriável individualmente, mas todos interessa. Alguns juristas
que a
desejam discutir quem são este "todos", somente os nacionais de um país,
ou os cidadãos, ou os civilmente responsáveis? Esta pergunta na verdade
faz parte da velho princípio jurídico de que o titular do direito é o titular
da ação. Ou, dito de outra forma, titular do direito são aqueles que estão
legitimados para propor uma ação judicial em sua defesa ou proteção. Se
ivo à moralidade
for entendido assim, no Brasil os titulares do direito colet
de ação
pública são apenas os portadores de título de eleitor, porque a lei
lares234. Os direitos coleti-
popular legitima apenas estas pessoas como titu
vos não se confundem com a açã
o judicial para a sua proteção, que pode
existir em um sistema jurídico. Os titulares dos direitos coletivos
ou não
são todos, indistintamente e difusamente.
itos coletivos, prati-
Esta afirmativa vale para a grande maioria dos dire
camente todos os arrolados anteriormente, mas há exceções. As min
orias
à
184
rais, enquanto povos e espécies, sem se importar com os indivíduos.
minorias étnicas e dos povos, se comparam aos direitos nacionais quanto
à titularidade, somente são titulares os membros da comunidade. Deste
modo, é claro que aqui também há dircitos coletivos, no exato conccito
acima exposto. Não são a mera soma de dircitos subjetivos individuais,
pertencem a um grupo sem pertencer a ninguém em especial, cada um é
obrigado a promover a sua defesa, que beneficia a todos. São indivisíveis
entre seus titulares, uma eventual divisão do objeto fará com que todos os
titulares do todo continuem titulares das partes, não são passíveis de alie-
nação, são imprescritíveis, inembargáveis, impenhoráveis e intransferíveis,
na exata definição exposta nas páginas anteriores.
Dividem-se em pelo menos duas grandes categorias, os direitos
territoriais culturais, é claro que se pode encontrar uma terceira cate-
e os
goria, formada pelas direitos à organização social própria.
Cada povo indígena tem uma idéia própria de território, ou limite geo-
gráfico de seu império, elaborada segundo suas relações internas e exter-
nas com os outros povos e na relação que estabelecem com a natureza
onde lhes coube viver, como foi exemplificado no capítulo relativo à
territorialidade da conquista.
Dentro dos direitos territoriais, seguramente estão os direitos ambientais
que têm uma ligação estreita com os culturais, porque significam a possi-
bilidade ambiental de reproduzir hábitos alimentares, a farmacologia pró-
pria e a sua arte e artesanato. É claro que uma região de grande alteração
antrópica pode levar à desfiguração cultural importante.
Já os direitos culturais refletem a própria essência do povo. A língua,
os mitos de origem, a arte, os saberes e a religião são a roupagem com que
o povo se diferencia dos direitos também têm a dupla pers-
outros. Estes
pectiva de ser um direito de todos, incluindo os alheios ao grupo, de que а
cultura seja preservada, e o direito de cada membro de grupo de manifestá-
la individualmente. Pode fazer parte deste conjunto cultural o direito à
organização social do grupo ou, o direito à auto-organização, mas pode.
por razões didáticas, ser entendido como uma terceira categoria.
Mais delicado que os demais direitos coletivos dos povos indígenas.
185
legitimidade para determinados direitos e outr não.
Novamente aqui não se deve confundir o diros
eito coletivo com o exercí-
cioda ação judicial protetora que é uma açã
o tipicamente estatal e regula
-
da pelo direito nacional. Para propor açã
o protetora, em teoria, a situação
é idêntica à dos sindicatos que defendem os direitos coleti
vos da categoria
que representa. O direito brasileiro, porém, faz uma distinção na própria
Constituição, já que garante aos povos indígenas uma legitimidade muito
especial entregue ao índios, suas comunidades e organizações25. Quanto
aos Constituição reservou ações coletivas muito limitadas e a
sindicatos, a
jurisprudência vem exigindo que a representatividade seja apenas dos fili-
ados e desde que precedida de autorização pela assembléia geral, limitan-
do ainda mais a legal.
norma
Dentro do sistema, a dificuldade está em aceitar os direitos coletivos.
Arepresentatividade e legitimidade para agir é adjetivo ligado muito mais
à eficiência do Poder Judiciário, impotente para decisões coletivas, que ao
efetivo e necessário exercício dos direitos coletivos.
É necessário ressaltar que até a década de 80, com raras exceções, as
Constituições latino-americanas nem sequer se referiam aos direitos dos
povos indígenas, alguns países criaram um sistema jurídico à margem da
diferença como a Bolívia, de maioria de população indígena, que
étnica,
somente alterou a situação na reforma constitucional de 1994.
Por isso, a Constituição Brasilcira de 1988 é um marco. Antes dela
o tratamento que as Constituicões davam ao tema era reticente e re-
metia sempre à legislação infra-constitucional, que não reconhecia a
215 Ar
tigo
232 da Constituição
de 1988.
186
tura.
Em 1988, embora sem coragepara declarar o país multi-étnico e
pluricultural, a Constituição brasilmeir a adotou a diversidade na fórmu-
la de reconhecer a organização social, os cos
tumes, a língua, crença e
tradições dos povos indígenas além do
direito originário sobre as ter-
ras que habitam.
Como um sinal dos tempos
, as novas Constituições americ
anas vão
reconhecendo a sociodiversidade: a Col
ômbia reconhece e protege a
sua diversidade étnica e cult
ural (1991); o México (1992) assume que
tem uma “composição pluricultural";
Paraguai (1992), além de recо-
nhecer a existência dos povos indígenas, se
declara como um país
pluricultural e bilingüe, considerando
as demais línguas patrimônio
cultural da Nação; o Peru, em sua Constituição outorgada de 1993,
não vai tão longe e apenas admite como línguas oficia
is ao lado do
castelhano, o quechua, o aimara e outras línguas "aborígenes"; final-
mente em 1994, a Bolívia com sua fulgurante maioria indígena
admite
romper a tradição de silêncio integracionista e se define como multi-
étnica e pluricultural e a Argentina determina a seu Congresso reco-
nhecer a preexistência de povos indígenas.
Nestes últimos dez anos, portanto, houve um significativo avanço no
reconhecimento constitucional dos povos indígenas de América. Oxalá na
próxima década a realidade latino-americana fique mais parecida com suas
Constituições!
O PROCESSO E OS DIREITOS COLETIVOs
Muitas vezes os direitos coletivos, indígenas ou não, embora reconhe-
cidos formalmente pela lei, são desconsiderados pelo Poder Judiciário,
reforçando sua invisibilidade. De fato, a invisibilidade se dá porque estes
direitos não encontram guarida no Poder Judiciário, seja pela estrutural
dificuldade de acesso, seja por deficiência da organização e indisposição
ideológica dos juízes ou seja, porque não existem vias processuais adequa-
das, nem mesmo administrativas.
O processo civil,criado e desenvolvido dentro deumrígido formalismo
para resolver os conflitos intersubjetivos, sem grande preocupação coma
Duilio David Scrok
O autor analisa neste trabalho os 500 relacionamento
anos de
entre povos indígenas e mundo chamado civilizado. Com especial
ênfase na questão jurídica, com estilo direto
claro, é estudada a e
contradição entre os conquistadores que tinham uma proposta de
mudar a vida dos conquistados, integrá-los à sua sociedade que
consideravam doce, justa e humana e a vida dos "conquistados"
que não tinham vontade de mudar e cujo sonho era continuar
vivendo em paz.
Como os Estados coloniais entenderam e promoveram a
integração dos povos indígenas? E os Estados nacionais, nascidos
com um direito rígido, individualista e contratualista? Era possível
para estes sistemas jurídicos aceitar e reconhecer povos como
sujeitos de direitos ou era necessário desconsiderar a idéia de
povo e transformar cada indígena à sua condição de pessoas,
indivíduos, cidadãos?
Ao fazer uma análise cuidadosa da legislação brasileira, suas
origens e fundamentos, mostra o quanto é contraditório o discurso
de proteção com a prática da integração. As tentativas de encaixar
situações como direito coletivo indígena sobre as terras que
o
vivem no sistema de propriedade individual, por exemplo, tem
revelado a dificuldade, quase impossibilidade, de manter a
unicidade do Direito em uma sociedade que não é una.
O autor analisa e demonstra que a recente introdução e aceitação
de direitos coletivos (meio ambiente, patrimônio cultural,
consumidores) oferece às sociedades indígenas, que, apesar de
500 anos de discurso oficial e prática integracionista, continuam
existindo coletivamente, a possibilidade de ver reconhecidos os
seus direitos. Por isso mesmo quase todas as constituições da
América Latina, depois da brasileira de 1988, reconheceramo
caráter plurinacional e multiétnico de suas formações sociais,
abrindo as portas para que os povos indígenas enunciem seus
sonhos em jurídicos e ensinem
conceitos no futuro formas
desaprendidas de convivência coletiva.
ISBN 85-7394-159-
9788573 9415931