Contexto Histórico da Resposabilidade Civil
Ao longo dos séculos, assistiu-se nesta matéria a uma profunda evolução. Nos primórdios da
humanidade existia a vingança colectiva, que era a reação, por parte de determinado grupo da
comunidade, contra aquele que causasse algum dano a qualquer de seus membros. Após, passou-se
à fase da denominada vingança privada, quando o próprio ofendido buscava a satisfação ao dano
contra si ocasionado, numa reacção comumente conhecida como “fazer justiça pelas próprias mãos"
, ou seja a responsabilidade civil tem sua origem na vingança privada, a qual, diante da total
ausência da noção de Estado, era executada contra o ofensor imediatamente sem qualquer
julgamento objetivo ou subjetivo do ofendido e, quase sempre, desmedida e totalmente
desproporcional.
Foram regulamentadas as condições em que a vítima tinha o direito de retaliação, chegando-se à
fase do talião, a expressão "talião" vem do latim talio onis, querendo significar vingança, em que
recebendo o agressor penalização equivalente à ofensa praticada ou ou seja o ofensor deveria sofrer
o mesmo dano causado ao ofendido “olho por olho, dente por dente", de forma a devolver ao
ofendido o que lhe era devido ou proporcionar ao ofensor o mesmo mal que causara a outrem1.
Entretanto a regra da vingança (pena) proporcional, de equilavência entre ofensa e sanção foi pela
primeira vez positivada juridicamente na Babilônia no § 230 do "Código de Hamurabi" datado de
1950 a.C., o que transformou a prática em regra de costume.2
Posteriormente, a composição deixa de ser facultativa, tendo sido regulamentado seu uso, não mais
permitindo à vítima fazer justiça pelas suas próprias mãos. É a época do Código de Ur-Nammu, do
Código de Manu e da Lei das XII Tábuas.Quando a autoridade passou a dirimir os conflitos, assumiu
para si também a função de punir, fazendo-se substituir ao particular para atingir o causador do
dano.
Após séculos de aplicação da pena proporcional a ofensa, foi no Direito Romano que surgiu a
diferenciação entre pena e reparação do mal causado. Neste sentido desenvolveu-se a idéia de
separação entre delitos públicos e privados, sendo que nos primeiros a pena era imposta contra o
ofensor pelo Estado, sendo que nos demais a reparação pecuniária cabia diretamente ao ofendido,
dando origem as ações de indenização que atualmente conhecemos. O Estado, titular da função
reguladora e punitiva legislava e aplicava a norma exclusivamente. Neste momento, com a
diferenciação entre delito público e privado surge a responsabilidade civil e penal.
Com o desenvolvimento da noção do dever de reparar, surge no direito romano a Lex Áquila que
trouxe consigo a idéia de responsabilização pelo ilícito praticado a partir do elemento subjetivo
"culpa". Passou-se então a falar em responsabilidade aquiliana ou extracontratual, na qual somente
surgiria o dever de reparar pelo ofensor se comprovada sua culpa pelo evento danoso. A Lei Aquília
dividia-se em três capítulos, sendo o terceiro, intitulado damnum injuria datum, o mais abrangente,
alcançando desde as lesões a escravos ou animais, à destruição ou deterioração das coisas
corpóreas. Entretanto, foi com o Código Napoleônico que surgiram os contornos actuais do instituto
da responsabilidade civil operamos nos dias de hoje, responsabilidade civil sobre a culpa.
2https://www.migalhas.com.br/amp/depeso/284802/a-res
Assim, a natureza jurídica da responsabilidade civil repousa exactamente na imputação civil do acto
lesivo (ilícito) a quem lhe deu causa, para a finalidade de indemnizar nos termos da lei ou do
contrato, de forma a compensar ou reparar o dano injustamente suportado pelo agredido.
A ideia Clássica da Responsabilidade civil, filiada no princípio da liberdade do homem, o ser livre
implica o responder pelos actos, assentava fundamentalmente na culpa, ou seja, na imputação
psicológica do acto ao agente, ele responde por ter querido o acto danoso, intenção, dolo, ou por
não ter usado da diligência exigível para o evitar(culpa stricto sensu). Por isso, Por isso, diz-se
responsabilidade subjectiva.3
Na era contemporânea o desenvolvimento das possibilidades e os modos de actuação humana
multiplicou os riscos. Acresce os factos causadores de prejuízos se apresentam frequentemente
imputáveis não a indivíduos isolados, mas a conjuntos de homens. A necessidade de atender a estas
novas realidades da vida social levou a profunda alteração da matéria da Responsabilidade civil,
surgindo ao lado da fórmula clássica da responsabilidade subjectiva, modalidades novas de
responsabilidade independentemente da culpa, responsabilidade objetiva ou responsabilidade da
Ilicitude4(responsabilidade por intervenções ilícitas).
Nos tempos actuais, como consequência do grande desenvolvimento científico e tecnológico da
industrialização, automização do processo produtivo, a produção em série e os novos sistemas de
distribuição de produtos (em cadeia) chamaram a atenção da doutrina para a necessidade de
protecção do consumidor contra danos sofridos por produtos defeituoso.5
Mais recentemente opera-se nova evolução situada, não nos pressupostos da responsabilidade civil
e sim no uso de cobertura do dano. Está em causa a questão da efectiva reparação do mal causado,
quando não seja possível apurar o verdadeiro responsável ou quando ele não esteja em condições
materiais de o fazer. Por exemplo, nos casos de acidentes com meios de transporte onde para
garante a repartição dos prejuízos causados pelos meios de seguro(obrigatório ou facultativo). 6A
evolução da responsabilidade civil não deixa de envolver os seus problemas e riscos que são
salientados pela doutrina quando configura, na responsabilidade civil, além de uma função
reparadora, uma outra do tipo sancionatório do ilícito civil.
3 https://www.migalhas.com.br/amp/depeso/284802/a-responsabilidade-civil-subjetiva-e-objetiva--
contextualizacao-historico-evolutiva--caracteristicas-e-aspectos-distintivos--modalidades--
aplicabilidade-no-direito-privado--publico-e-difuso, 03 de abril de 2025.
4 Código de Hamurabi § 230.
5 FERNANDES, Luís A.Carvalho(2009). Teoria Geral do Direito Civil. 5ª edição. Universidade Católica,
Lisboa. Pág 97.
6 Ibidem