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Caderno 2

O documento apresenta o Curso de Especialização em Educação Especial Inclusiva em Contextos Interculturais, com foco nas teorias da aprendizagem sob a perspectiva histórico-cultural de Lev Vigotski. Discute a importância da mediação pedagógica e das experiências sociais e culturais na formação do sujeito, destacando contribuições para a educação especial e inclusiva. O conteúdo inclui artigos científicos que abordam a relação entre desenvolvimento, deficiência e práticas educacionais inclusivas.
Direitos autorais
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Caderno 2

O documento apresenta o Curso de Especialização em Educação Especial Inclusiva em Contextos Interculturais, com foco nas teorias da aprendizagem sob a perspectiva histórico-cultural de Lev Vigotski. Discute a importância da mediação pedagógica e das experiências sociais e culturais na formação do sujeito, destacando contribuições para a educação especial e inclusiva. O conteúdo inclui artigos científicos que abordam a relação entre desenvolvimento, deficiência e práticas educacionais inclusivas.
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Curso de Especialização em Educação Especial

Inclusiva em Contextos Interculturais

NÚCLEO EPISTEMOLÓGICO

COMPONENTE CURRICULAR II
A educação especial inclusiva e as
teorias da aprendizagens

PROFESSORA FORMADORA
Profa Dra Jacy Alice Grande Odani ‑
SEMED
Curso de Especialização em
Educação Especial Inclusiva em
Contextos Interculturais

NÚCLEO EPISTEMOLÓGICO

COMPONENTE CURRICULAR II

A educação especial inclusiva e as


teorias da aprendizagens

PROFESSORA FORMADORA
Profa Dra Jacy Alice Grande Odani
SEMED
Sumário

Apresentaçã o.............................................................................................................................................................................. 04

Desenvolvimento e deficiê ncia na perspectiva histó rico‑cultural: .................................................................. 05


Débora Dainez

Psicologia na educaçã o especial: revisitando os anais do Conedu .................................................................... 16


José Tadeu Acuna

A abordagem só cio‑histó rica na educaçã o inclusiva: aspecto fundamental na prá tica ............................... 20
Rosana Carla G. G. Cintra

Inclusã o escolar sob a perspectiva histó rico‑cultural: uma revisã o integrativa de literatura................ 27
Nayla da Silva Moura Pires / Ana Terra Sudário Gonzaga

Contribuiçõ es da perspectiva só cio‑histó rico‑cultural para a educaçã o especial....................................... 40


Thiffanne Pereira dos Santos

Contribuiçõ es histó rico‑culturais à Psicologia Escolar na Educaçã o Especial Inclusiva ......................... 49


Sonia Mari Shima Barroco / Iracema Neno Cecilio Tada

Psicologia e educaçã o inclusiva: ensino, aprendizagem e desenvolvimento .................................................. 64


Nerli Nonato Ribeiro Mori

A dimensã o constitutiva do meio: implicaçõ es polı́ticas e prá ticas em educaçã o especial .................... 76
Débora Dainez / Ana Luiza Bustamante Smolka / Flavia Faissal de Souza

As contribuiçõ es da teoria histó rico‑cultural de Vigotski no â mbito da educaçã o especial .................. 91


Ivone de Oliveira

Atividade docente: transformaçõ es do professor na perspectiva da psicologia só cio‑histó rica ............101
Claudia Davis / Wanda Maria Junqueira Aguiar

A vivê ncia de professores sobre o processo de inclusã o: um estudo da perspectiva ................................ 116
Eveline Tonelotto Barbosa / Vera Lucia Trevisan de Souza

A proposta da educaçã o inclusiva: contribuiçõ es da abordagem vygotskiana ............................................127


Hugo Otto Beyer

Estraté gias pedagó gicas de inclusã o escolar: um apoio das tecnologias......................................................... 141
Luciane Inocente / Angélica Tommasini / Ana Sara Castaman / Andréia Mendiola Marcon

Serviços de apoio: o atendimento educacional especializado e as salas de recursos ............................... 147


Dayane Rocha de Oliveira / Doracina Aparecida de Castro Araújo

3
Apresentação

Colegas Professor@s!

Chegamos ao segundo componente curricular do Curso de Especializaçã o em Educaçã o Especial


Inclusiva em Contextos Interculturais, denominado de Educaçã o Especial Inclusiva e as Teorias da
Aprendizagem, pertencente ao Nú cleo Epistemoló gico. Este nú cleo tem como premissa articular os
saberes teó ricos com as experiê ncias pedagó gicas e curriculares da escola. A proposta deste componente
curricular é estudar o processo de ensino e aprendizagem a partir da perspectiva epistemoló gica
histó rico‑cultural, de analisar as etapas do desenvolvimento humano e seus processos de aprendizagens
a partir de uma concepçã o só cio histó rica, cujo expoente principal é Lev Vigotski.
A nossa escolha pela teoria de Vigotski se deu por acreditarmos no papel das relaçõ es sociais e
culturais na formaçã o do sujeito em seus cotidianos especificos. Significa dizer que é preciso considerar
os contextos culturais, sociais e ambientais onde as experiê ncias vividassentidas das crianças, dos jovens
e dos adultos sã o fundamentais para construçã o de prá ticas pedagó gicas capazes de promover processos
de aprendizagens mais significativas dos sujeitos escolares. Nosso papel, enquanto educadores(as) é
promover a mediaçã o entre as experiê ncias vividassentidas dos(as) estudantes com as experiê ncias
curriculares e cotidianas da escola.
Para este mó dulo fizemos escolhas de artigos cientı́ficos que tratam nã o apenas dos aspectos
conceituais da teoria histó rico‑cultural de Vigotski, mas aqueles oriundos de pesquisas que tem a escola,
a prá tica docente e o processo de ensinoaprendizagem voltados para educaçã o especial inclusiva,
orientadas pelas relaçõ es que estabelecemos nosdoscom os cotidianos e todas as suas formas de
experiê ncias, mais precisamente pautadas na diversidade cultural.
Desejamos a todos, todas e todes bons estudos e um ano novo carregado de aprendizagens e de
realizaçõ es de nossos melhores sonhos em torno de um mundo mais justo, igualitá rio, é tico e solidá rio.

Manaus, março de 2025.


Tempos de Chuvas em Manaus.

Com afeto,
A coordenaçã o do curso

4
Desenvolvimento e deficiência na perspectiva histórico‑cultural: Contribuições
para educação especial e inclusiva

Débora Dainez1
Universidade Estadual de mpinas,

Campinas, Sã o Paulo, Brasil

O objetivo deste trabalho é discutir aspectos relacionados ao desenvolvimento e à educaçã o de


crianças com deficiê ncia na contemporaneidade à luz da psicologia histó rico‑cultural. Analisa‑se o caso
de um aluno com deficiê ncia mú ltipla no contexto de uma escola pú blica do Ensino Fundamental do
Brasil, e destaca‑se possı́veis contribuiçõ es das ideias de Vigotski para a educaçã o especial e inclusiva.
Os resultados demonstram: a contradiçã o do meio social, que pode se configurar como fonte de
desenvolvimento ou ló cus de impedimentos de novas formaçõ es psicoló gicas; a natureza dinâ mica da
deficiê ncia, de seu conteú do e estrutura, afetada pelos processos educacionais; o potencial da mediaçã o
pedagó gica na constituiçã o da açã o prospectiva do aluno com deficiê ncia. Argumenta‑se pela importâ ncia
de orientar a atençã o para as especificidades nã o como impeditivas da açã o pedagó gica, mas como
possı́veis de serem trabalhadas no gesto educativo marcado pelo compromisso social de humanizaçã o.

Keywords: Human development, disability, special education, inclusive education, Lev S.


Vygotsky.

Introdução

Ao nos situarmos na á rea da psicologia educacional, temos focalizado questõ es de desenvolvimento


nas condiçõ es de lesã o orgâ nica no contexto da educaçã o escolar. Os estudos de Lev
S. Vygotsky tê m sido intensamente mobilizados por nó s de modo a trabalharmos algumas de suas
afirmaçõ es e problematizarmos possı́veis repercussõ es atuais. Consideramos que esse autor, com o
interesse em compreender o especı́fico do humano, a emergê ncia e o funcionamento das funçõ es
psicoló gicas, orienta esforços em investigar os processos que se apresentam como tı́pico e atı́pico, como
recorrente e singular no curso do desenvolvimento. Deste modo, tangencia o problema da deficiê ncia ao
desenvolvimento humano.
Um conceito da obra desse autor que nos tem chamado a atençã o é o de compensaçã o. Essa noçã o
foi amplamente discutida por Vygotsky (1997) em seus estudos defectoló gicos e tem sido abordada nos
dias de hoje por autores que trabalham na perspectiva da psicologia histó rico‑cultural. De modo geral,
nas discussõ es atuais (Akhutina & Pylaeva, 2012; Fichtner, 2010; Garcı́a & Beató n, 2004; Gindis, 1995;
Kozulin & Gindis, 2007; dentre outros) tem predominado o consenso de que a condiçã o de lesã o orgâ nica
demanda processos compensató rios que denotam a superaçã o da deficiê ncia. Em outras palavras, o
fenô meno da compensaçã o é apresentado como imprescindı́vel para o desenvolvimento da pessoa com
deficiê ncia.

1 Financiamento: Fundaçã o de Amparo à Pesquisa do Estado de Sã o Paulo ‑ Processos: no. 2010/08782‑0; no. 2014/07413‑1. Contacto: D.
Dainez. Rua Lé a Strachman Duchovni, n.90. Condomı́nio Village Santa Câ ndida, casa 17. Bairro Parque Rural Fazenda Santa Câ ndida, CEP:
13.087‑608, Campinas, Sã o Paulo, Brasil. Correio eletrô nico: [email protected]
Como citar: Dainez, D. (2017). Desenvolvimento e deficiê ncia na perspectiva histó rico‑cultural: Contribuiçõ es para educaçã o especial e
inclusiva. Revista de Psicologı́a, 26(2), 1‑10. http://dx.doi.org/10.5354/0719‑0581.2017.47948

5
Isso nos levou a indagar sobre o que, de fato, estamos chamando de compensaçã o. Em outro
trabalho (Dainez & Smolka, 2016) temos discuti‑ do como a ideia de compensaçã o relacionada à correçã o
social do dé ficit orgâ nico, que tem sido disseminada, pode levar a um raciocı́nio voltado à circunscriçã o
da deficiê ncia, reduzindo a complexidade do desenvolvimento. Essa forma de conceber tem como objetivo
a normalizaçã o do indivı́duo e nã o a transformaçã o das condiçõ es sociais que atendam a diversidade dos
modos de constituiçã o do humano. Salienta‑se a especificidade orgâ nica e, com isso, predomina‑se o foco
no trabalho clı́nico de reabilitaçã o e nã o no trabalho educacional de instruçã o.
O nosso esforço tem sido, assim, tratar das argumentaçõ es de Vygotsky (1997) sobre o
desenvolvimento e a deficiê ncia no â mbito da educaçã o. Compreendemos os processos educacionais
como sendo a concretizaçã o do humano em cada indivı́duo (Pino, 2003). Por meio da mediaçã o social, o
indivı́duo se apropria da cultura – produçã o e produto da histó ria dos homens–, e se constitui enquanto
pessoa partı́cipe do desenvolvimento cultural.
Desta forma, temos como objetivo neste trabalho discutir aspectos relacionados ao
desenvolvimento e à educaçã o de crianças com deficiê ncia na contemporaneidade à luz da psicologia
histó rico‑cultural. Para tanto, analisamos o caso de um aluno com sı́ndrome de Angelman e deficiê ncia
mú ltipla no contexto de uma escola pú blica do Ensino Fundamental do Estado de Sã o Paulo, Brasil,
destacando possı́veis contribuiçõ es dos argumentos formulados por Vygotsky (1986, 1995, 1997) para
a reflexã o de polı́ticas e prá ticas de educaçã o especial e inclusiva.

Discussões teóricas

Ao teorizar sobre como a dimensã o cultural impregna o bioló gico e como a histó ria de produçã o e
relaçã o dos homens afeta as condiçõ es de vida, podendo se orientar (ou nã o) para a abertura das
possibilidades de humanizaçã o via prá ticas educacionais, Vygotsky (1986, 1995, 1997) enfatiza:
1. A integralidade da pessoa, as dimensõ es social‑cultural‑orgâ nica‑bioló gica‑afetiva‑cognitiva
entretecidas, aspecto esse que nos leva a considerar a deficiência como nã o determinante do
desenvolvimento.
2. A complexidade do funcionamento do psiquismo humano, que se configura pela multiplicidade de
relaçõ es entre as funçõ es psicoló gicas, pelo cará ter plá stico, dinâ mico e flexı́vel do cérebro, o qual
apresenta modos alternativos para atender os objetivos produzidos socialmente. Vygotsky (1997)
destaca o problema da plasticidade cerebral como capacidade que se evidencia na disposiçã o orgâ nica
da espécie para (trans)formaçã o da vivencia significada em novas formaçõ es psicoló gicas.
3. A heterogeneidade dos processos, ou seja, os diversos modos e vias de constituiçã o do humano. Pensar
que o desenvolvimento é heterogêneo por sua estrutura, dinâ mica, possibilidades e condiçõ es,
contribui para descaracterizar a criança de uma categorizaçã o generalizada pautada nas
incapacidades. Realça‑se, assim, uma das leis gerais que rege o desenvolvimento humano: a
singularidade dos processos.
4. A especificidade, isso quer dizer te r em vista o conhecimento da deficiência para estabelecer
caminhos educacionais, com foco na criaçã o e disponibilizaçã o de: diversos recursos / instrumentais,
variadas formas de suportes; novas açõ es e mediaçõ es humanas, investindo na atividade de instruçã o.
5. A orientaçã o prospectiva, que incita a pensar em novos projetos de organizaçã o e acolhi‑ mento social,
sustentando formas potenciais de participaçã o da criança com deficiência na cultura, na atividade
escolar e laboral.

6
A partir deste ponto de vista, em que o desenvolvimento se entretece com a educaçã o, compreendemos
a deficiê ncia como condiçã o humana, o que implica problematizar a forma como o meio social está
estruturado, organizado, projetado para receber e lidar com as especificidades das condiçõ es orgâ nicas.
A tensã o posta entre o padrã o de desenvolvi‑ mento desejado pelos preceitos de uma dada
sociedade, a especificidade da condiçã o orgâ nica e a heterogeneidade das formas de constituiçã o da
organizaçã o e do funcionamento psicoló gico era uma preocupaçã o expressa e enfatizada por Vygotsky
(1997) já no final do sé culo 19 e inı́cio do sé culo 20, e se intensifica nos dias atuais.
Em tempos de disseminaçã o e adoçã o da pro‑ posta de educaçã o inclusiva, segundo Evans (1994),
as ideias de Vygotsky tê m fornecido uma base para problematizar aspectos relativos ao ensino e à prá tica
da educaçã o especial, sobretudo no que se refere à elaboraçã o de currı́culos, de habilidades e estraté gias
pedagó gicas no contexto da escola regular.
Rodina (2006) discute a respeito das noçõ es vygotskianas de complicaçõ es primá rias (referente
ao dé ficit orgâ nico) e secundá rias (referente à s condiçõ es sociais), nos levando a entender que a
realizaçã o social da deficiê ncia pode provocar uma ligaçã o distorcida da criança com o meio social,
sobretudocom o meio escolar –quando nã o corresponde à s exigê ncias postas institucionalmente–, com
tendê ncia à estigmatizaçã o, discriminaçã o, exclusã o.
No mesmo sentido, Bottcher e Dammeyer (2012) adensam a compreensã o da deficiê ncia como uma
incongruê ncia entre a estrutura psicoló gica do indivı́duo e a estrutura das formas culturais. Bottcher (2012)
aponta que a escola regular, assim como as demais instituiçõ es sociais, está antes de tudo adaptada para um
determinado padrã o esperado de constituiçã o psicofı́sica do indivı́duo. A pesquisa de Mcdermott (2002),
baseada nos pressupostos histó ricos e culturais, vai ao encontro desse posicionamento quando realça a tensã o
vivida por crianças com deficiê ncia que apresentam diferentes ritmos e tempos de desenvolvimento em uma
escola que nã o está organizada para lidar com a diversidade do funcionamento psicoló gico humano. Isso
denota mecanismos de exclusã o profunda (Daniels, 2006) no interior dessa instituiçã o que reflete a
organizaçã o da sociedade pautada em mecanismos de categorizaçã o e seleçã o, impedindo possibilidades
futuras de participaçã o efetiva dessas pessoas nas prá ticas sociais.
Diante disso, Rodina (2006) afirma a importâ ncia de a educaçã o especial escolar implementar uma
“abordagem diferencial positiva”, isto é , organizar um ambiente educacional com base na positividade do
desenvolvimento, fornecendo condiçõ es adequadas à inserçã o das pessoas com deficiê ncia nas
experiê ncias socioculturais inerentes à humanidade.
Destacamos, assim, a deficiê ncia como um conceito dialé tico, no qual o dé ficit pode se concretizar,
dependendo das condiçõ es e relaçõ es sociais produzidas, como incapacidades ou como abertura de
possibilidades para a criaçã o do novo no processo de educaçã o e desenvolvimento da criança.
Tendo em vista a dinâ mica dé ficit‑novas possibilidades, é possı́vel conjecturar sobre como o
desenvolvimento atı́pico pode deslocar a ideia de um tipo bioló gico está vel de homem e desconcertar a
forma como as instituiçõ es e prá ticas estã o projetas e organizadas; impactando na produçã o social de
expectativas e objetivos em relaçã o à participaçã o do indivı́duo nas atividades humanas. Explicita‑se,
com essa discussã o, a variedade de caminhos que podem ser construı́dos e oferecidos socialmente com
ê nfase no desenvolvimento cultural da personalidade.
Portanto, diante da proposta de educaçã o inclusiva, pelo prisma da perspectiva histó rico‑cultural,
as condiçõ es de escolarizaçã o na tensã o com as possibilidades de desenvolvimento demandam atençã o,
objetivando, assim, abrir horizontes a respeito da educaçã o escolar da criança com deficiê ncia.
A seguir, continuamos a mobilizar as discussõ es a partir da aná lise das situaçõ es vividas por um
aluno com deficiê ncia mú ltipla na escola regular do Ensino Fundamental de um municı́pio do Estado de
Sã o Paulo, Brasil.

7
O método

Mét Contexto do estudo

Fundamental da rede municipal de uma cidade locali‑ zada no Estado de Sã o Paulo, Brasil. O aluno
em foco foi And. Nasceu em 1999. Apresenta deficiê ncia mú ltipla por sequela de Sı́ndrome de Angelman;
nã o falava e realizava poucos movimentos voluntá rios de membros superiores e inferiores. Era usuá rio
de cadeira de rodas acolchoada nas laterais com colete peitoral e uma mesa acoplada. Demandava suporte
para realizar atividades de necessidades bá sicas. Fazia uso de dosagens de medicamentos para
tratamento de convulsõ es. Durante duas vezes, no perı́odo contra‑turno da escola, o aluno frequentava
serviços de saú de, atendimentos especı́ficos como Fonoaudiologia e Fisioterapia. Estava inserido nesses
serviços desde o primeiro ano de vida.
O aluno frequentava a mesma escola regular desde 2006. No ano de 2009, foi retido no 5º. ano, pois
a equipe pedagó gica da escola tinha dú vidas de como seria a inserçã o dele na segunda etapa do Ensino
Fundamental, que nã o contava com um professor referê ncia que pudesse dar uma maior assistê ncia.
Assim, em 2010, And. frequentava uma turma com vinte e oito alunos e uma professora, recé m‑formada
no curso de Pedagogia que passou a integrar o quadro docente dessa escola.

Fundamentaçã o metodoló gica

Segundo Lowy (1987) fazer pesquisa nas ciê ncias sociais e humanas nã o corresponde à s premissas
do modelo cientı́fico‑natural de objetividade e quantificaçã o. As razõ es disso estã o relacionadas ao
cará ter histó rico dos fenô menos sociais, culturais (re)produzidos e transformados pela açã o qualitativa
do homem em determinadas condiçõ es de existê ncia, o que contraria a suposiçã o da neutralidade
investigativa e do acesso direto à realidade bruta. Neste caso, infere‑se outra concepçã o de produçã o do
conhecimento objetivo relativo a uma certa perspectiva e posiçã o orientada para/por determinada visã o
social de mundo vinculada a um momento histó rico especı́fico.
Desta maneira, a presente investigaçã o de natureza qualitativa enfatiza a historicidade dos fatos, o contexto
social de produçã o dos fenô menos estudados e concebe o homem em sua atividade interativa e interpretativa.
Concordamos com André (2001) que o trabalho qualitativo de pesquisa em educaçã o nã o deixa de ter rigor
quando é devidamente planejado, com dados coletados mediante procedimentos validados, seguidos de uma
aná lise densa e fundamentada teoricamente, com resultados que apresentem relevâ ncia cientı́fica e social.
Tendo isso em vista, estudos da á rea da antropologia e da etnografia, mais especificamente os estudos
de Geertz (2008), Ezpeleta e Rockwell (1986), Brandã o e Streck (2006), André (2016) nos inspiraram a
pensar: nos modos de aproximaçã o, envolvimento e participaçã o no cotidiano escolar; no desenvolvimento
da pesquisa com a colaboraçã o dos participantes; nos instrumentais adequados à natureza da pesquisa.
També m nos possibilitaram compreender os processos sociais implicados na açã o educativa e a relaçã o de
confiança entre pesquisador e pesquisado como aspecto fundante da pesquisa na escola.
O mé todo histó rico‑gené tico (Vigotski, 1996) ancora investigar a emergê ncia de funçõ es psicoló gicas,
dos modos de atividade do indivı́duo, ou seja, o desenvolvimento em processo, em movimento e em
transformaçã o nas relaçõ es sociais. Com isso, o nosso olhar esteve orientado para a dinâ mica das relaçõ es
(de ensino) e para os gestos mı́nimos produzidos que indicam (im)possibilidades de desenvolvimento.
També m ressaltamos que essa perspectiva ancora a nossa opçã o em trabalhar com um caso de aluno com
deficiê ncia e generalizar proposiçõ es, uma vez que permite contemplar o singular no coletivo, a dimensã o
do micro que pode revelar aspectos macrossociais.

8
Neste sentido, acompanhamos sistematica mente o aluno em foco e sua turma durante o perı́odo
de um ano, e procedemos de modo a realizar registros semanais escritos em diá rio de campo e
videogravados, seguidos do trabalho de transcriçã o. Os dados foram construı́dos e organizados a partir
desses registros em tensã o com o objeto do estudo e o referencial teó rico adotado. Com isso, formulamos
tó picos e orientamos o nosso trabalho analı́tico a partir daquilo que nos convoca no â mbito deste estudo:
tratar das contribuiçõ es da perspectiva histó rico‑cultural para o campo da educaçã o especial e inclusiva,
destacando a natureza social do desenvolvimento e o cará ter dinâ mico da deficiê ncia impactada pelos
processos educativos. Focalizamos, neste sentido, as condiçõ es de (im)possibilidades de desenvolvimento
de um auno com deficiê ncia mú ltipla no contexto escolar.
l

Resultados e aná lises: Sobre as condiçõ es de acolhimento escolar do aluno com deficiê ncia
mú ltipla e as tensõ es produzidas

Conforme já dissemos, foi no ano de 2010 que acompanhamos o aluno And. em um 5º. ano do
Ensino Fundamental. Era uma turma de 28 alunos e uma professora. Mesmo havendo uma professora de
educaçã o especial na escola, era impossı́vel a realizaçã o de um trabalho sistemá tico de parceria com a
professora da turma, pois a professora de educaçã o especial precisava atender outros vinte e tantos casos
de alunos com deficiê ncia. També m nã o havia um cuidador e um assistente pedagó gico. Alé m disso, a
escola embora tivesse uma sala de atendimento especializado, essa nã o contava com equipamentos de
tecnologia assistiva, inclusive, era inexistente um mobiliá rio adequado que permitisse retirar o aluno da
cadeira de rodas. Ele ficava sentado durante todo o perı́odo letivo, cerca de quatro horas diá rias.
Sobre os modos de participaçã o do aluno: dormia muito ou se encontrava em estado sonolento;
quando acordado, balançava um chocalho que produz som; acompanhava com os olhos o movimento dos
objetos quando estimulado sensitivamente; apresentava uma atençã o dispersa, fixando o olhar para um
ponto da parede durante um tempo considerá vel.
Destacamos algumas falas da professora, enunciadas nas primeiras semanas de contato com o aluno:
Eu entrei na escola fazem duas semanas, entã o tem pouco tempo que eu estou com o And., está
sendo bastante difı́cil. Nunca tive um alu‑ no com uma deficiê ncia tã o grave. Eu nã o sei bem ao
certo o que fazer com ele, porque nã o sei se ele compreende, se ele pode aprender (Registro
Diá rio de Campo, 29.03.2010).

Esses dizeres refletem as tensõ es vividas, os nã o saberes, o desconhecimento da sı́ndrome, as


hesitaçõ es nos modos de interaçã o, as dú vidas de como lidar, a incerteza se o aluno compreende ou nã o,
se ele pode responder e participar de um modo mais ativo na dinâ mica das interaçõ es em aula.
E importante considerar que a recomendaçã o de trabalho com And. na escola foi dada na forma
derelató rios, pelos profissionais dos serviços de educaçã o e de saú de que ele frequentava em uma
instituiçã o especializada. A indicaçã o que prevalece é o trabalho de estimulaçã o sensó rio‑motora. Ao
longo da sua trajetó ria de escolarizaçã o, esse discurso clı́nico‑terapê utico foi sendo incorporado à s
prá ticas pedagó gicas.
Momento do recreio escolar. A professora de And. do ano anterior, 2009, se aproxima da
professora atual, de 2010, que estavam com o menino e com a orientadora de alunos que o
alimentava. Diz para And: “Meu lindinho, você está comendo? Tá gostosa essa comidi‑ nha?”.
Pede para alimentá ‑lo. Pega a colher e alimenta‑o, brinca de aviã ozinho. Comenta com a
professora atual “Eu queria muito ter continuado com ele. Senti muito por nã o terem deixado.
Mas, eu ganhei uma luta. Consegui fazer com que ele repetisse o ano e ficasse no perı́odo da
manhã . Ele nã o pode tomar sol por conta da sı́ndrome, a pele é muito sensı́vel e precisa ser
muito bem protegida e a tarde o sol é muito forte”. Continua de modo a explicar para a
professora atual, o que ela poderia fazer com o aluno “Em algum momento na aula, na educaçã o
fı́sica ou no recreio, você pode tirar o tê nis dele, por exemplo, e fazer massagens, começando

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desde cima, na perna, até os dedos dos pé s. Você , també m, pode fazer estı́mulos visuais. Eu fazia
assim, ó ” (coloca uma fralda atrá s da cadeira de rodas de And., no lugar onde fixa a parte da
cadeira que tem a funçã o de acomodar a cabeça, e mexe para um lado e para o outro, a fim de
que o menino acompanhasse com a visã o). Primeiramente, And. nã o olha para a fralda. A
professora do ano de 2009 insiste e diz “Olha o seu paninho, tenta pegar”. And. começa a
acompanhar com o olhar o movimento da fralda de um lado para o outro (Registro Diá rio de
Campo, 22.06.2010).

Essa situaçã o retrata a relaçã o de proteçã o e cuidado da professora do ano de 2009 com o aluno.
A luta da professora pela reprovaçã o, para que And continuasse no 5o. ano nã o está relacionada à s metas
em relaçã o ao trabalho com o conhecimento alcançada ou nã o, tampouco à s condiçõ es de And. participar
da dinâ mica de um 6o. ano, mas está vinculada à preocupaçã o em relaçã o aos cuidados com a pele. A
forma infantilizada de interaçã o també m é explicitada: brinca de aviã ozinho quando o alimenta, fala com
ele usando palavras no diminutivo.
Como notamos, a professora do ano de 2009 recomenda à professora do ano de 2010 o trabalho
com a estimulaçã o tá til (atravé s de massagens) e visual (por meio do uso de objetos relacionados ao
cuidado do aluno). A professora de 2009 atua e cria formas de aproximaçã o e de intervençã o com o
aluno, a partir daquilo que se coloca disponı́vel na escola; fornece indicaçõ es para a colega de
trabalho, com base no que fora apresentado para ela na escola. E aquilo que está registrado nos
relató rios dos especialistas que se configura como suporte para a professora orientar a prá tica
pedagó gica com o aluno com deficiê ncia mú ltipla. Isso nos indica que o projeto polı́tico e pedagó gico
e o coletivo de trabalho da escola nã o estã o organizados de modo a ancorar a reflexã o sobre prá ticas
pedagó gicas com esse aluno.
Evidencia‑se, assim, como certa concepçã o de deficiê ncia mú ltipla perpassa os campos da
saú de e da educaçã o, impacta nas possibilidades de desenvolvimento, reiterando a inviabilidade de
atualizar projetos de ensino. Lembramo‑nos da discussã o realizada por Vygotsky (1997) acerca da
concepçã o de limite que a deficiê ncia emprega socialmente e como isso repercute nos modos de
participaçã o da criança no meio social. O impedimento orgâ nico torna‑se socialmente consentido e
instituı́do, sendo o desenvolvimento psicoló gico tratado como se estivesse imune à s condiçõ es
concretas de vida e de educaçã o. Dizendo de outro modo, toma‑se como ponto de partida a relaçã o
direta entre o dé ficit bioló gico e as impossibilidades de desenvolvimento, desconsiderando os efeitos
dos processos educativos na constituiçã o da pessoa com deficiê ncia. Com isso, desloca‑se o potencial
pedagó gico; açã o essa que, no caso apresentado, fica restrita a indicaçõ es clı́nicas reduzidas e
descontextualizadas.
As tensõ es vividas por ambas as professoras, refletem a necessidade de polı́ticas pú blicas ori‑
entadas para: a formaçã o do professor; a melhoria das condiçõ es da atividade de ensino que possam
subsidiar outras formas de organizaçã o do trabalho docente com o pú blico‑alvo da educaçã o especial; a
ampliaçã o dos objetivos educacionais envolvendo as crianças com deficiê ncias; a transformaçã o das
condiçõ es sociais e institucionais.

Gestos em ( Gestos em (trans)formaçã o: Do cuidar ao ensinar

Depois do recreio. Algumas crianças ainda corriam pelo pá tio da escola, brincavam, outras
entravam em suas respectivas salas de aula. Em relaçã o à turma de And., muitos alunos já
estavam dentro da sala, inclusive ele que em sua cadeira se encontrava com a cabeça para baixo,
sem sustentar o tronco. A professora se aproxima dele, leva‑o ao lado da porta e diz para a
pesquisadora “Vou trazer ele para o movimento. Assim ele pode ficar olhando o movimento do
pá tio enquanto os demais alunos entram e se acomodam”. And. continua com a cabeça baixa e
com o tronco nã o sustentado, mas dirige o seu olhar para cima de modo a enxerga o pá tio.
Permanece aı́ cerca de cinco minutos. Depois que todos os alunos entram em suas salas, a
professora se aproxima novamente do menino e arruma a cadeira de rodas a fim de posicioná ‑

10
lo para frente da porta da sala de aula. Olhando para ele, a professora abre e fecha a porta
algumas vezes, batendo‑a de modo a fazer barulho. And. levanta a cabeça, sustenta o tronco por
pouco tempo, olha e sorri. A professora diz para a pesquisadora “Olha! Acho que ele gostou. Ele
prestou atençã o” (Registro Diá rio de Campo, 29.03.2010).

O gesto da professora que inicialmente tinha o objetivo de estimular a visã o, a audiçã o do aluno, é
redimensionado no momento em que And. orienta o olhar para a açã o dela e sorri. Contraditoriamente,
pelo trabalho de estimulaçã o em tensã o com as dú vidas que tem, a professora percebe que And. mais que
reagir a um estı́mulo, pode responder ao outro. E justamente na nã o‑ coincidê ncia entre o objetivo e o
motivo inicial da açã o da professora e a resposta do aluno, percebida pelo outro, que se torna possı́vel a
reorientaçã o da relaçã o. A professora interpreta esses movimentos do aluno como “ele gostou”, “ele
prestou atençã o”, o que implica significar que And. nã o só respondeu a um estı́mulo, mas de algum modo
orientou e manteve a atençã o à açã o do outro, percebeu a orientaçã o da açã o do outro a ele, atribuiu um
tom apreciativo (gostou, achou graça) e respondeu expressando‑o. Se, no objetivo de estimular, o foco era
o menino recebendo estı́mulos; no objetivo de interpretar/significar, muda o lugar da açã o, o aluno nã o
só recebe, mas també m expressa e se comunica.
A açã o de And. é transformada na relaçã o social ao mesmo tempo em que a transforma. Meio e
criança estã o em relaçã o, uma relaçã o dialé tica, pois se o meio afeta e constitui a criança, a criança age
no meio (Vygotsky, 1994), provocando o outro à interpretaçã o. E nessa dinâ mica que novas possibilidades
podem emergir. Determinada açã o de And. significada como resposta pela professora, modifica o modo
de atuaçã o desta e o modo de participaçã o dele, como aluno, na relaçã o de ensino.
Dois movimentos (faciais) do menino, produzidos na dinâ mica da interaçã o, afetado pela in‑
terpretaçã o do outro, convertem‑se em gestos significados, em meio de relaçã o; o sorriso e o olhar
orientado. També m, notamos que a sua postura corporal muda quando se orienta para a açã o da
professora –levanta a sua cabeça e consegue manter o tronco por algum tempo. O controle do tronco e o
sustento de cabeça, movimentos difı́ceis de serem realizados por ele devido à condiçã o orgâ nica, tornam‑
se possı́veis na interaçã o com o outro. E, com isso, mobilizamos a questã o do ato volitivo que, segundo
Vygotsky (1986), é resultado das relaçõ es sociais que se torna atividade psicoló gica construtiva, que
mobiliza e constitui funçõ es no cé rebro. Isso nos leva a pensar nas formas de orientaçã o e na finalidade
das açõ es, a lesã o.
Um aluno segura o copo e dá á gua na boca de And. A professora se aproxima, pega o copo de
á gua, diz “Pega, And.” e, enquanto isso, abre a mã o esquerda dele e coloca o copo de á gua em
sua mã o, segurando‑a. Depois, segura a mã o direita do aluno, e a conduz num movimento de
levá ‑la a segurar o copo de á gua juntamente com a mã o esquerda, diz “Assim, And.”. Juntando as
duas mã os do aluno com o copo de á gua, a professora faz o movimento de levar o copo até a
boca dele, e solta de suas mã os. And. segura o copo e bebe a á gua (Registro Videogravaçã o,
19.11.2010).

A professora alé m de solicitar ajuda a um aluno para dar á gua a And., cuidando para que ele nã o
se afogue ou se molhe e ampliando possibilidades de socializaçã o entre pares, ensina o aluno com
deficiê ncia mú ltipla a como segurar o copo e a tomar á gua, primeiro com e depois sem o apoio. Alerta os
demais alunos para a realizaçã o dessa açã o de auxı́lio e para as possibilidades de autonomia do colega.
Vemos que And. se apropria do gesto de segurar o copo e de levar até a boca.
O potencial da mediaçã o dos “gestos mı́nimos de significar/ensinar” (Smolka, 2010) da profes‑ sora
afeta a constituiçã o da açã o prospectiva e proximal do aluno com deficiê ncia mú ltipla grave. Explicita‑se,
com isso, a natureza dinâ mica da deficiê ncia, a complexidade de seu conteú do e estrutura afetada pelos
processos educacionais.

11
Indicadores de participação do aluno com deficiência múltipla na relação de ensino
Indica

Proposta de Trabalho: Reescrita coletiva da redaçã o na lousa.


1. Profa.: (para apagar a lousa, a professora coloca o papel com a redação que segurava em cima da
carteira de And. e, em seguida, escreve o cabeçalho).
2. And.: (o aluno que estava olhando para a professora com os braços erguidos para cima e segurando o
chocalho com uma das mãos, olha para o papel em cima de sua carteira e balança o chocalho. Em
seguida, abaixa somente o braço direito que segurava o chocalho, solta o chocalho e toca no papel.
Permanece um tempo olhando para o papel e tentando pegá‑ lo, o qual escapa da sua mão e desliza sobre
a mesa conforme o toque de And., até que uma parte do papel fica fora da mesa e And., por essa ponta,
agarra o papel e traz em direção a seus olhos. O papel escapa da sua mão e fica apoiado entre o seu rosto
e mão direita. Novamente, ele consegue segurar o papel com a mão, ergue a cabeça e olha para a
professora que escrevia o cabeçalho na lousa. Depois, And. olhando para a professora e apertando o
papel leva‑o em direção ao seu rosto e coloca o papel na boca).
3. luna: “Professora, o And. está amassando a folha”.
4. Professora: Vira‑se em direção ao aluno e diz “Ai, And. Não pode fazer isso” (tenta desamassar a folha
com as mãos).
5. And.: (olha para a professora sorrindo) (Registro Videogravação, 20.08.2010).

Observemos as açõ es de And. no turno 02. Ele olha para o papel que a professora deixa em cima de
sua mesa (papel esse que se refere ao texto lido pela professora e que continha o desenho que And. havia
visto anteriormente), se esforça para pegá ‑lo, segurá ‑lo, e oaperta, aproxima‑o do seu rosto, dos seus
olhos. Com o papel na mã o, ele olha para a professora e leva o papel à boca. Esses movimentos se tornam
instigantes quando pensamos na dificuldade de coordenaçã o motora do menino.
No jogo das posiçõ es, podemos perceber que do ponto de vista da professora naquele momen‑ to,
o que ela consegue enxergar é o amassar a folha e, entã o, chama atençã o do aluno por essa forma de açã o.
Todavia, o registro em vı́deo possibilita e indica outras possibilidades de interpretaçã o dessa açã o: o
apropriar‑se do papel, mas o descontrole motor. Em outros termos, o esforço que And. realiza para
controlar a sua motricidade para pegar o papel, segurar, leva‑lo até o seu rosto e colocar em sua boca
pode indicar um gesto de apropriaçã o desse objeto cultural. As questõ es que ficam sã o: Se houvesse uma
tecnologia que o ajudasse a controlar o movimento, ele controlaria? Se algué m realizasse vá rias vezes
essa atividade com ele, o controle melhoraria?
Podemos entender esse gesto situado numa histó ria de trabalho e de relaçõ es do aluno com a
professora, com a turma, com o outro. Sã o os significados atribuı́dos à s suas açõ es que parecem
reverberar na produçã o de gestos como esse. Destacamos, dessa maneira, as implicaçõ es da participaçã o
do outro sobre os processos da criança (com deficiê ncia), para os modos de ensinar e os efeitos dessa
relaçã o; lugar em que o inusitado pode acontecer, para alé m daquilo que se tornou um “lugar comum”
(Smolka, 2006). “Lugar comum” na prá tica escolar estabelecida com And. – o cuidado, a estimulaçã o– e
“lugar comum” no modo de And. estar na sala de aula (dormir, manter um olhar perdido, balançar o
chocalho em situaçõ es aleató rias). Quando guiada pelas possibilidades e nã o pela incapacidade (nesse
caso de interagir, de compreender, de responder), a participaçã o do outro pode propiciar o
redimensionamento do funcionamento psicoló gico da criança. E, ainda, cabe aqui retomar a ideia de
Kozulin e Gindis (2007) sobre a ampliaçã o do orgâ nico lesado, das possibilidades de novas relaçõ es
interfuncionais, pelos instrumentos culturais e pela mediaçã o do outro.

12
Se concebermos as relaçõ es constitutivas entre o indivı́duo e meio, a natureza social do desen‑
volvimento, a interconstituiçã o e a interfuncionalidade das funçõ es psı́quicas (Vygotsky 1995, 1997,
1986), o desenvolvimento nã o está determinado pelos aspectos bioló gicos e, tampouco o funcionamento
mental é está tico, operando apenas de um modo, com funçõ es psicoló gicas que funcionam de forma
isolada. O entretecimento intelecto e afeto, a complexidade e dinamicidade do funcionamento mental,
implica considerar que significativas mudanças podem ocorrer no psiquismo humano. Mudanças essas
relacionadas à s condiçõ es e formas de organizaçã o das relaçõ es sociais. Novas formaçõ es interfuncionais
podem ser constituı́das na vivê ncia (sentida e significada) da criança, no trabalho simbó lico produzido
nas diversas formas de interaçã o da criança com o meio social.

Discussões e considerações

Concordamos com Rodina (2006), e Smagorinsky, Cole, e Braga (2016) que Vygotsky formulou no
interior de sua perspectiva histó ricocultural do desenvolvimento humano um paradigma original,
abrangente e humanizado para a educaçã o especial no sé culo 20, que reverbera e revigora no sé culo 21
diante dos desafios que se coloca na educaçã o especial frente à proposta de educaçã o inclusiva.
E possı́vel assinalar a proficuidade dessa teorizaçã o ao estender a abordagem do problema da
deficiê ncia – que historicamente fora circunscrita à á rea da saú de–, para a educaçã o. També m encontramos
nela a possibilidade de redimensionar o foco da doença e do limite orgâ nico para a positividade da
deficiê ncia. Isso denota que quando assegurada condiçõ es sociais adequadas pode‑se produzir modos de
funcionamento e constituiçã o humana, formas de vida antes nã o imaginá veis,evidenciando, assim, a
possibilidade da emergê ncia do novo no processo de relaçã o e produçã o dos homens.
Entendendo as manifestaçõ es da deficiê ncia como socialmente constituı́das (Vygotsky, 1997),
argumentamos que as açõ es do grupo social nã o só resultam fecundas e favorá veis para o desen‑
volvimento. Socialmente també m se produzem modos de interpretaçã o e significaçã o, frente à s condiçõ es
orgâ nicas, que inviabilizam formas mais ativas e integrais da vivê ncia da criança. Destacamos entã o a
açã o contraditó ria do meio social, que pode se configurar como fonte de desenvolvimento (Vygotsky,
1994) ou ló cus da produçã o e intensificaçã o de impedimentos de novas formaçõ es psicoló gicas. Segundo
Clot (2010), o desenvolvimento impedido é constitutivo da personalidade, ou seja, nos constituı́mos
també m pela ausê ncia/iné rcia de.
Neste sentido, ressaltamos a questã o dos obs‑ tá culos encontrados no ensino da criança com
deficiê ncia, os quais sã o recorrentemente con‑ templados como sendo problema da criança, respaldando‑
se no dé ficit orgâ nico. Pelo prisma da perspectiva histó rico‑cultural, esses obstá culos sã o produzidos na
relaçã o da criança com o meio escolar.
Os resultados do nosso estudo demonstram como o impacto da deficiê ncia (cognitivo‑ motora) do
aluno no meio escolar depende das interaçõ es e da possibilidade de sustentaçã o pedagó gica criadas na
dinâ mica da aula.
Ao articulamos questõ es de desenvolvimento e educaçã o que colocam em destaque a atividade /
ato de ensinar e de significar, foi possı́vel enxergar, pelas evidê ncias empı́ricas, que o aluno com
deficiê ncia mú ltipla mostra o possı́vel dentro de determinadas condiçõ es. Dependendo do modo como
esse aluno é convocado, ele pode responder. Observamos a mudança no modo de convocaçã o do aluno
na prá tica educacional e a mudança no modo dele participar. Quer dizer, dentro de toda situaçã o limitante
da sı́ndrome, possibilidades de desenvolvimento podem ser viabilizadas nas relaçõ es sociais, na
atribuiçã o de sentido pelo outro, na atividade de ensinar.

13
Trabalhamos, dessa forma, na tensã o de apresentar o que foi possı́vel de ser realizado na relaçã o
de ensino para imaginar a potencialidade se houvessem condiçõ es ainda mais favorá veis.
As discussõ es com respaldo na perspectiva histó rico‑cultural, realizadas no â mbito desse estudo,
apontam para a importâ ncia de investimento no potencial do trabalho pedagó gico com essas crianças.
Na açã o de humanizar, muito mais pode e deve ser projetado, investido e realizado em relaçã o aos alunos
com deficiê ncia. Chamamos, entã o, a atençã o para a mudança de concepçã o, de forma a olhar, objetivar
e ampliar o processo de desenvolvimento dessas crianças na açã o educacional.
Consideramos, por fim, a importâ ncia de orientar a atençã o para as especificidades nã o como
impeditivas da açã o pedagó gica, mas como possı́veis de serem trabalhadas por meio do gesto educativo
marcado pelo compromisso social de humanizaçã o. Persiste o desafio em organizar o meio escolar com
base nas possibilidades de desenvolvimento cultural e nas demandas especı́ficas das crianças com
diferentes deficiê ncias, de modo a garantir mediaçõ es necessá rias e recursos de apoio adequados para
o processo de ensino‑aprendizagem.

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15
Psicologia na educação especial: revisitando os anais do CONEDU

José Tadeu Acuna 2

Palavras‑chave: Educaçã o Inclusiva, Psicologia, Educaçã o Especial.

Introdução

Os eventos como a Conferê ncia Mundial sobre Educaçã o para Todos, ocorrido em 1990 em Jomtiem,
e a Conferê ncia Mundial sobre Necessidades Educacionais Especiais: acesso e qualidade, realizado em
1994 em Salamanca, estabeleceram diretrizes para promover a Educaçã o Inclusiva, entendida como um
conjunto de teorias que buscam favorecer a legitimaçã o da diversidade nos espaços educacionais
(BRASIL, 2015).
A inclusã o de estudantes com necessidades educacionais especiais (NEE) nã o significa apenas
matriculá ‑los na classe comum, mas dar ao professor e à escola o suporte necessá rio para sua açã o
pedagó gica (BRASIL, 2001). A escola inclusiva é subsidiada e amparada por recursos fı́sicos, humanos e
pedagó gicos adequados à s particularidades de aprendizagem de todos os seus alunos. Na prá tica, efetiva
a Educaçã o Especial, uma modalidade de ensino que perpassa todos os demais e promove o Atendimento
Educacional Especializado (AEE), que oferece suporte à s necessidades educacionais dos alunos com NEE
nas Salas de Recursos Multifuncionais (SRM), alé m de orientar demais professores quanto ao processo
pedagó gico de todos os demais estudantes.
Para garantir a inclusã o do Pú blico‑Alvo da Educaçã o Especial (PAEE), que sã o pessoas com
deficiê ncia, Transtorno do Espectro Autista e Altas Habilidades/Superdotaçã o, o professor de classe
comum e de SRM devem conduzir sua prá tica pedagó gica de modo a atender à s necessidades
educacionais de aprendizagem de todos os seus alunos (BRASIL, 2015). Ao suspeitar de algum estudante
que seja PAEE a equipe gestora e docente avalia o caso; se confirmado, o estudante é encaminhado para
o AEE, recebendo atençã o do professor especializado que organiza e implementa um plano de ensino
individualizado (PEI).
Legalmente, prevê ‑se que a escola solicite e ative parcerias com instituiçõ es filantró picas, como a
Associaçã o de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), para encaminhar os estudantes com NEE para
receberem outro tipo de atendimento que contribua para sua trajetó ria escolar (BRASIL, 2015). Somente
a partir de dezembro de 2019 foi instituı́da a obrigatoriedade dos serviços de psicologia e assistê ncia
social alocados nas pró prias escolas.
A Psicologia Escolar é a á rea da Psicologia que analisa os processos de aprendizagem, ensino e
outros correlacionados a eles nos mais diferentes espaços sociais (CFP, 2007). O profissional que trabalha
neste ramo pode realizar pesquisas, diagnó stico e intervençã o preventiva ou corretiva em grupo e
individualmente, envolvendo todos os segmentos do sistema educacional que participam do processo de
ensino‑aprendizagem a partir da reuniã o de conhecimentos de outras á reas da pró pria psicologia.
O profissional que atua nessa á rea pode realizar pesquisas, diagnó stico e intervençõ es preventivas
ou corretivas em grupo e individualmente. Ele se pauta em conhecimentos de outras á reas da Psicologia,
como Psicologia do Desenvolvimento, Social e da Saú de, e diferentes abordagens psicoló gicas. Suas
possı́veis prá ticas incluem avaliaçã o, diagnó stico e atendimento dos alunos com queixa escolar, formaçã o

2 Psicó logo. Doutor e Mestre em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem. Docente do curso de Psicologia da Faculdade de Educaçã o
Sã o Luı́s, Jaboticabal – Sã o Paulo. [email protected]

16
de professores, orientaçã o sexual e familiar, promoçã o de projetos educativos, gestã o pessoal,
desenvolvimento de projetos polı́tico‑pedagó gicos, coordenaçã o de disciplinas e oficinas educativas,
fornecimento de subsı́dios para planos de ensino personalizado e preparaçã o psicoló gica e té cnica de
educadores para lidar com a diversidade na escola.
Na pesquisa de Matos e Mendes (2015), os professores participantes afirmam que a participaçã o
do psicó logo é necessá ria para lidar com questõ es emocionais, comportamentais e orientaçã o à famı́lia
dos alunos com deficiê ncia, que nã o foram discutidas em suas formaçõ es. Já na pesquisa de Acuna
(2017), professores de escolas municipais do interior de Sã o Paulo apontam que o papel do psicó logo
escolar é dar orientaçã o e apoio ao corpo docente para compreender o processo de desenvolvimento
humano de estudantes com deficiê ncia, adaptar o comportamento para melhor conviver com outros
colegas e facilitar o vı́nculo entre escola e famı́lia. Eles també m indicaram que cursos de formaçã o
continuada sã o recursos importantes para o aprendizado de novas formas de conduzir o ensino do PAEE.
Considerando a importâ ncia da atuaçã o do profissional de psicologia na Educaçã o, o objetivo desta
pesquisa foi investigar e analisar a atuaçã o da Psicologia na Educaçã o Especial, a fim de refletir sobre
suas contribuiçõ es para o processo de inclusã o escolar do PAEE, por meio de um estudo de revisã o
bibliográ fica.

Metodologia

A Revisã o Sistemá tica Integrativa permite resumir o estado atual do conhecimento sobre uma
determinada á rea de saber e identificar a evoluçã o da produçã o cientı́fica em um intervalo temporal,
reunindo em um só local elementos teó rico‑prá ticos sobre uma temá tica especı́fica (BROOME, 2000).
Para realizar essa revisã o, é necessá rio seguir alguns passos, como elaborar questõ es sobre a temá tica,
determinar o local e os crité rios de seleçã o das obras, identificar e descrever os trabalhos levantados que
se adé quam aos crité rios, organizar o conteú do resumindo as informaçõ es de interesse do pesquisador
e elaborando reflexõ es sobre as informaçõ es colhidas e analisar o levantamento considerando responder
os questionamentos do estudo. A metodologia da revisã o sistemá tica adotada seguiu as orientaçõ es de
autores como Broome (2000) e Galvã o, Pansani e Harrad (2015) e delimitou um problema circunscrito
a uma temá tica especı́fica para obter um resumo da trajetó ria do que foi produzido cientificamente
dentro de um campo de conhecimento.
O ló cus de pesquisa foi o site da editora Realize, no qual foram investigados capı́tulos de E‑book
publicados nas ú ltimas trê s versõ es do evento CONEDU.
Primeiramente, foi acessado o endereço https://editorarealize.com.br/, depois, clicou se no link
E‑ book, isso remeteu ao direcionamento a https://editorarealize.com.br/publicacoes/2, o que permitiu
escrever CONEDU no espaço “tı́tulo da publicaçã o”, isso resultou em 31 E‑books publicados ao longo da
6ª, 7ª e 8ª versã o do CONEDU, que aconteceram respectivamente nos anos de 2020, 2021 e 2022.
Para fazer o levantamento dos capı́tulos dos livros virtuais, optou‑se por examinar os mais variados
volumes publicados ano a ano, do mais antigo ao mais recente. Para isso, clicava‑se no volume e abria‑se uma
nova aba de navegaçã o, nela o site permitia efetuar buscas especı́ficas no pró prio volume, neste caso, investigou‑
se com a palavra Psicologia a qual deveria aparecer no tı́tulo dos artigos. Este foi o primeiro crité rio de busca.
Esses capı́tulos identificados eram lidos na ı́ntegra com o intuito de verificar se contemplavam o
segundo crité rio de seleçã o, que foi obras que abordavam a temá tica Psicologia aplicada à Educaçã o
Especial. Isso significou selecionar textos em que os autores discutiam sobre a interface entre a Ciê ncia
Psicoló gica e a Educaçã o Especial, de tal forma, que foram considerados trabalhos de relato de

17
experiê ncia, ensaio teó ricos, revisõ es bibliográ ficas entre outros. Justifica‑se a adoçã o desse crité rio com
o intuito de reunir o maior nú mero de obras possı́veis.
Na 6ª ediçã o, ano 2020, foram publicados trê s volumes que ao todo contaram com 468 capı́tulos de E‑
book. Na 7ª ediçã o do CONEDU, ano de 2021, houve a publicaçã o de trê s E‑ books, em trê s distintos volumes,
perfazendo um total de 468 capı́tulos de livro. Na 8ª ediçã o do congresso realizada em 2022 houve 21 volumes,
somando um total de 554 obras. Sendo assim, a amostra total foi de 1490 manuscritos levantados.
Em 2020 foram identificados trê s trabalhos que continham a palavra Psicologia no tı́tulo, mas nã o
abordavam especificamente questõ es relacionadas a interface entre a Ciê ncia psicoló gica e a Educaçã o
Especial. No ano de 2021, foram encontrados dois capı́tulos sendo que um atendeu a todos os crité rios
estabelecidos. Por fim, no ano de 2022, trê s obras capitulares continham o termo Psicologia no tı́tulo,
entretanto, nenhuma abordou questõ es relacionadas à Educaçã o Especial.
Em suma, a aná lise efetiva aconteceu somente sobre um capı́tulo que foi de autoria de Medeiros e
Araú jo (2021) cuja discussã o orbitou sobre os contributos da Psicologia no processo de promoçã o dos
princı́pios da Educaçã o Inclusiva no sistema educacional, o que tangenciou a Educaçã o Especial.
Durante a leitura dos textos desejados atentou‑se aos objetivos, mé todos, principais resultados e
conclusõ es, de forma que os mesmos foram transcritos em um editor de texto para que em seguida fossem
resumidos e analisados segundo um paradigma qualitativo de pesquisa (LUDKE; ANDRE, 1986). A
proposta foi refletir sobre a interface entre Psicologia e Educaçã o Especial apresentada no trabalho, com
o intuito de examinar as contribuiçõ es da ciê ncia psicoló gica à quela modalidade de ensino.
Como será possı́vel notar, apenas um trabalho abordou os crité rios exigidos, neste caso enfatizou‑
se a reflexã o sobre o que o profissional de psicologia pode realizar na Educaçã o Especial.

Resultados da discussão

Medeiros e Araú jo (2021) apresentam uma discussã o teó rica sobre a educaçã o inclusiva, com a
contribuiçã o da Psicologia. O texto inicia com uma revisã o bibliográ fica sobre o conceito de inclusã o e
sua importâ ncia na educaçã o, abordando també m a legislaçã o brasileira relacionada à inclusã o escolar.
Em seguida, sã o apresentados os desafios enfrentados pelos professores e alunos na construçã o de uma
escola inclusiva.
O artigo també m discute a contribuiçã o da Psicologia na promoçã o da inclusã o escolar, destacando
a importâ ncia do papel do psicó logo escolar na equipe multidisciplinar. Sã o abordados temas como a
identificaçã o e intervençã o precoce em problemas de aprendizagem, o acolhimento emocional e a
promoçã o da autonomia dos alunos com deficiê ncia.
Alé m disso, o artigo enfatiza a necessidade de uma formaçã o adequada dos professores para lidar
com a diversidade na sala de aula, e apresenta estraté gias e recursos pedagó gicos que podem ser
utilizados para promover a inclusã o escolar. O texto conclui ressaltando a importâ ncia da construçã o de
uma escola inclusiva e acolhedora, que valorize a diversidade e promova a igualdade de oportunidades
para todos os alunos.
A realidade apresentada pelo levantamento proposto denota que a interface entre Psicologia e
Educaçã o Especial ainda está em processo de consolidaçã o, uma vez que foi possı́vel identificar somente
o trabalho de Medeiros e Araú jo (2021). A partir de estudos anteriores Acuna (2017; 2021) justifica que
essa separaçã o pode ser explicada a partir de uma perspectiva histó rica, por que a Educaçã o Especial na
perspectiva da Educaçã o Inclusiva é uma modalidade de ensino recente considerando que existe um
tempo entre o sancionar de uma lei (BRASIL, 2001; 2015) com sua efetivaçã o na prá tica.

18
A interface entre a Psicologia Escolar e a Educaçã o Especial ainda é pouco explorada devido à
histó rica separaçã o entre essas á reas de atuaçã o. A Educaçã o Especial, por muito tempo, foi vista como
uma á rea à parte da Educaçã o, voltada para atender exclusivamente estudantes com deficiê ncia,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotaçã o. Por outro lado, a Psicologia
Escolar atuou tradicionalmente no apoio à aprendizagem e ao desenvolvimento socioemocional dos
alunos, sem uma ê nfase especı́fica na inclusã o dos estudantes com deficiê ncia.

Considerações finais

A Psicologia aplicada à Educaçã o Especial é importante, uma vez que essa ú ltima á rea requer uma
avaliaçã o cognitiva e comportamental dos estudantes para planejar relaçõ es de ensino adequadas à s suas
necessidades de aprendizagem. Neste sentido, o profissional de psicologia proporciona suporte ao professor
fornecendo informaçõ es sobre como deve conduzir sua prá tica consoante as particularidades do PAEE.
Apesar disso, ainda nã o é frequente a publicaçã o de trabalhos sobre essa interface, Psicologia e
Educaçã o Especial o que pode ser explicado mediante a artefatos histó ricos e sociais. Portanto, esse
trabalho avança na medida de ponderar as contribuiçõ es da Psicologia à Educaçã o Especial e sinalizar a
necessidade de se investir em pesquisas nessa á rea e contribuir com o processo de inclusã o educacional.

Referências
ACUNA, J. T. Psicologia e Educaçã o Especial: revisã o sobre intervençõ es do (a) psicó logo (a) com professores do
ensino fundamental. In: Eduardo Gomes Onofre; Margareth Maria de Melo; Sandra Meza Fernandez. (Org.).
Construindo diá logos na educaçã o inclusiva:acessibilidade, diversidade e direitos humanos. 1ed.Campina
Grande: Realize, 2021, v. 1, p. 1236‑1255

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Desenvolvimento e Aprendizagem da Faculdade de Ciências UNESP, Bauru. 2017.

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CFP. Conselho Federal de Psicologia. Resoluçã o CFP nº 02/01. Altera e regulamenta a Resoluçã o CFP nº 014/00
que institui o tı́tulo profissional de especialista em psicologia e o respectivo registro nos Conselhos Regionais. p.
18. 2007. Disponı́vel em: http://site.cfp.org.br/wp‑content/uploads/2006/01/resolucao2001_2.pdf. Acesso em:
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LUDKE, M.; ANDRE, M.E.D.A. Pesquisa em Educaçã o: abordagens qualitativas. Sã o Paulo: Editora Pedagó gica e
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E‑book VII CONEDU (Conedu em Casa) ‑ Vol 01. Campina Grande: Realize Editora, 2021. p. 791‑806. Disponı́vel
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19
A abordagem sócio‑histórica na educação inclusiva: aspecto fundamental na
prática docente do educador de infância

Rosana Carla G. G. Cintra 3

Resumo

Investigamos as perspectivas da Educaçã o Inclusiva na abordagem da matriz epistemoló gica da


psicologia só cio‑histó rica e os aspectos que norteiam esse vié s teó rico metodoló gico na prá tica docente
do educador de infâ ncia. A presença da educaçã o inclusiva, como fator no processo ensino aprendizagem
traz um recorte da abordagem só cio‑histó rica. Sem o objetivo de esgotar o assunto, mas de iniciar uma
discussã o, buscamos inserir e adequar a pesquisa bibliográ fica, nesse primeiro momento, à realidade
possı́vel confrontando teoria e prá tica. Pautamos nossos estudos nas obras de Aries (1981), Huzinga
(1980), Kishimoto (1999), Hall (1997), Snyders (1990), Vygotski (2002) e documentos do MEC.

Palavras Chave: Educaçã o inclusiva; diversidade cultural; prá tica docente

Introdução

No â mbito da Educaçã o Infantil e inclusiva, a democratizaçã o do ensino traz consigo o conceito de


educaçã o como direito social, passando do modelo mé dico do cuidar, do clı́nico e terapê utico, para a
abordagem social e cultural que valorize a diversidade como forma de aprendizagem de fortalecimento
e modificaçã o do ambiente da Instituiçã o de Educaçã o Infantil e da comunidade para a promoçã o da
inclusã o. Nesse enfoque socioló gico, o meio ambiente inadequado e a falta de condiçõ es materiais
també m sã o fatores produtores de limitaçã o e determinantes do fracasso escolar.
Todas as crianças pequenas devem ter garantido um ambiente fı́sico e social adequado paraque se
sintam protegidas e acolhidas, e ao mesmo tempo seguras para se arriscarem e vencerem desafios.
Quanto mais rico e desafiador for esse ambiente, mais lhe possibilitará ampliaçã o de conhecimento
acerca de si mesma, dos outros e do meio em que vivem.
O Referencial Curricular Nacional para Educaçã o Infantil (1988, p.13) constitui‑se em um conjunto
de orientaçõ es didá ticas trazendo com eixo do trabalho pedagó gico: “O brincar como forma particular
de expressã o do pensamento, integraçã o, comunicaçã o infantil e diversificadas prá ticas sociais, sem
discriminaçã o de espé cie alguma”. Nesse processo, a educaçã o poderá auxiliar o desenvolvimento das
capacidades de apropriaçã o e conhecimento das potencialidades corporais, afetivas, emocionais,
esté ticas e é ticas, na perspectiva de contribuir para a formaçã o de crianças com conceitos claros do que
é cidadania, felizes e saudá veis
Numa proposta inclusiva de Educaçã o Infantil, o currı́culo e os objetivos gerais sã o os mesmos para
crianças sem necessidades educacionais especiais, nã o requerendo um currı́culo especial, mas sim,
ajustes e modificaçõ es, envolvendo alguns objetivos especı́ficos, conteú dos, procedimentos didá ticos e
metodoló gicos que propiciem o avanço no processo de aprendizagem desses alunos.
Segundo Arendt apud Silva, (2004 p. 30), a educaçã o é també m onde decidimos se amamos nossas
crianças o bastante para nã o expulsá ‑las de nosso mundo e abandoná ‑las a seus pró prios recursos e,

3Professora da UFMS, DED‑CCHS. Programa de Mestrado e Doutorado em Educaçã o, na Linha de Pesquisa Educaçã o, Psicologia e Prá tica
Docente. Lı́der do GEPEMULT ‑ Grupo de Estudos e Pesquisas em Educaçã o e Mú ltiplas Linguagens. Professora do Mestrado em Educaçã o
Social – CPAN ‑ UFMS. [email protected]

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tampouco, arrancar de suas mã os a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para
nó s, preparando‑as em vez disso e com antecedê ncia para a tarefa de renovar um mundo comum.
Refletindo‑se sobre a prá tica da inclusã o, a partir da fala do autor citado, observa‑se que a tarefa
da educaçã o inclusiva é desafiadora para a Instituiçã o de Educaçã o Infantil, pois está em suas mã os a
responsabilidade e o compromisso de incluir a criança com necessidades educacionais especiais seja essa
necessidade permanente ou provisó ria.
E, para isso, a Instituiçã o de Educaçã o Infantil inclusiva tem que desempenhar algumas açõ es que
viabilizem a inclusã o para o desenvolvimento das crianças. Assim, tem como eixo o desenvolvimento da
criança e nã o simplesmente a transmissã o de conteú dos. Isso significa que nem sempre quando acontece
o ensino, ocorre aprendizagem. Educadores compromissados com seu trabalho agem em prol do
desenvolvimento e do aprendizado, lançando mã o de recursos para a diversidade que o rodeia.
Para tanto, é essencial fornecer à criança oportunidades para se desenvolver por si só , guiando‑se
pelas suas potencialidades. Ao mesmo tempo, que as condiçõ es de liberdade das crianças sã o valorizadas,
a importâ ncia da intervençã o do professor é minimizada, mediada para que ela possa progredir.
Discutindo a inclusã o social das crianças com necessidades educacionais especiais, busca‑ se, por
meio do atendimento à s diretrizes normativas da educaçã o inclusiva, elevar esse educando a um patamar
de igualdade, em condiçõ es de equiparaçã o educacional aos demais educandos, bem como, o convı́vio
harmô nico entre eles, enquanto alunos, e prepará ‑los para melhor viver em sociedade, enquanto
cidadã os.
Aos poucos, a inclusã o vem substituindo a integraçã o social, que por sua vez, havia ocupado o lugar
da exclusã o das crianças com deficiê ncias do seio da sociedade.

Inclusão como processo de transformação social e educacional

Conceitua‑se inclusã o como um processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir, em
seus sistemas sociais comuns, essas crianças com necessidades educacionais especiais e,
simultaneamente, estas se preparam para assumir papé is na sociedade. A inclusã o constitui pessoas,
excluı́das ou nã o, e a sociedade em parceria buscando equacionar problemas, decidir sobre soluçõ es e
efetuar equiparaçã o de oportunidades para todos, afirma Sassali. (1997).
Os princı́pios da inclusã o sã o: a aceitaçã o das diferenças individuais; valorizaçã o da contribuiçã o
de cada criança à aprendizagem atravé s da cooperaçã o; convivê ncia dentre a diversidade infantil, que é
representada principalmente por origem nacional, religiã o, cor, gê nero e deficiê ncia. (MEC, 1998).
Pode‑se dizer que inclusã o é um processo que contribui para um novo tipo de sociedade, atravé s
de transformaçõ es, pequenas e grandes, nos ambientes fı́sicos, espaços internos e externos,
equipamentos, aparelhos, nos procedimentos té cnicos e na mentalidade de todas as pessoas, portanto
també m a pró pria educaçã o infantil dessa criança.
Essa Instituiçã o de Educaçã o Infantil, preocupada com a inclusã o, é sabedora da diversidade de
cada aluno, garantindo a flexibilidade de condiçõ es de aprendizagem, pois cada criança tem seu tempo
pró prio para adquirir o desenvolvimento de suas potencialidades dentro de seus limites. A Instituiçã o de
Educaçã o Infantil Inclusiva prepara toda a comunidade escolar para exercer a cidadania, em que a
cooperaçã o, o diá logo, a solidariedade, a criatividade e o espı́rito crı́tico sã o fundamentais para o
desenvolvimento de cada um.
Tendo como meta importantı́ssima, o resgate pelo compromisso de educar em virtude do
desenvolvimento e da aprendizagem das crianças, a Instituiçã o de Educaçã o Infantil inclusiva, deve

21
estimular oportunidades de estudos e reflexõ es sobre a inclusã o para valorizar os seus professores, pois
sã o eles os responsá veis diretos pela tarefa de inserir a discussã o da inclusã o e da cidadania para suas
crianças e, a partir daı́, atuem na vida social plenamente.
A Constituiçã o Federal, em seu artigo 205, visa os plenos desenvolvimentos humanos, sendo assim,
a instituiçã o de Educaçã o Infantil inclusiva, preocupada com esse fator, deve preparar‑se para o
acolhimento dessa clientela que lhe é solicitada: o educando com necessidades educacionais especiais,
e adaptar‑se a ela.
Para que ocorra essa mudança a Instituiçã o de Educaçã o infantil inclusiva deve elaborar seu projeto
polı́tico pedagó gico, contemplando o processo de inclusã o, e isso se faz com planejamento de trabalho,
definindo‑se objetivos, metas e açõ es.
Numa escola inclusiva, todos os alunos, com ou sem atributos individuais, estudam juntos na
mesma classe. Vale ressaltar que dada à s circunstâ ncias educacionais, tanto o ambiente como os
procedimentos didá ticos e a avaliaçã o, devem ser planejados e organizados para suprir essa diversidade
dos alunos para que respondam adequadamente as suas caracterı́sticas e necessidades, conforme Cintra
(2000).
Essa inclusã o nã o pode ser uma mera movimentaçã o de crianças da escola especial para a rede
regular de ensino, é preciso que a equipe que coordena a educaçã o especial oriente e capacite à equipe
da Instituiçã o de Educaçã o Infantil e, em particular, o educador que irá atuar na á rea para poder dar o
atendimento necessá rio para que se obtenha o desenvolvimento potencial da criança, diante de sua
diversidade. A formaçã o continuada é importante nesse processo.
Em relaçã o ao aspecto legal das diretrizes normativas da educaçã o inclusiva, foi uma grande
mudança na doutrina em relaçã o à criança, a doutrina da criança como “sujeito de direitos”, e nã o como
“objeto de direito”, foi estabelecido pela Constituiçã o Federal de 1988, definindo que a sociedade, os pais,
e o poder pú blico tê m que garantir e respeitar os direitos das crianças, aponta Cintra (1999).
Dentre os principais avanços, destaca‑se a aprovaçã o do Estatuto da Criança e do Adolescente, em
1990, regulamentando o artigo 227 da Constituiçã o Federal de 1988, o qual incorpora os princı́pios
adotados pela Convençã o sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia Geral das Naçõ es Unidas
em 1989.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu § 1º do art. II: Que a criança e o adolescente
portadores de deficiê ncias receberã o atendimento especializado. O ordenamento do artigo 5º do referido
estatuto, é contundente quando diz que nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma
de negligê ncia, discriminaçã o, violê ncia, crueldade e opressã o, punido na forma da lei qualquer atentado,
por açã o ou omissã o, aos direitos fundamentais.
Portanto, esses marcos legais devem ser respeitados na escola e na prá tica docente, como base para
o entendimento que se trata de direito e nã o de benesse.

A prática docente na perspectiva da matriz epistemológica da psicologia sócio‑histórica

E importante ressaltar que a prá tica docente deve ter como objetivo discutir, antes, durante e
depois do processo de inclusã o, a relaçã o entre diversidade cultural e identidade para que o grupo tenha
sentido de pertencimento, esse sentimento fortalecerá a relaçã o intragrupo, o respeito ao diferente, a
cooperaçã o e a valorizaçã o da pluralidade.
Sabemos que essa meta, para ser atingida, demanda uma prá tica comprometida contra a
segregaçã o e a favor da educaçã o. A educaçã o é fator primordial para o desenvolvimento intelectual de

22
cada indivı́duo, avaliar a importâ ncia da educaçã o inclusiva nos espaços educativos no tocante a prá tica
docente torna‑se, entã o, fundamental.
Em relaçã o ao ensino/aprendizagem, a partir da mediaçã o evidencia o processo:
O aluno se auto‑educa. As aulas do professor podem ensinar muito, mas só inculcam a
habilidade e o desejo de aproveitar tudo que provem de mã os alheias, sem fazer nem
comprovar nada. Para a educaçã o atual nã o é tã o importante ensinar certa quantidade de
conhecimentos e valer‑se deles, mas como tudo na vida, no processo de trabalho e da conquista
do saber. Como nã o se pode aprender a nadar permanecendo na margem e, pelo contrá rio, é
preciso se jogar na á gua mesmo sem saber nadar, a aprendizagem é exatamente igual, a
aquisiçã o do conhecimento só é possı́vel na açã o, ou seja, adquirindo esses conhecimentos.
(VYGOTSKY, 2003, p. 296).

Portanto, o educador tem um novo e importante papel. Ele tem de se transformar em organizador
do ambiente social, que é um dos mais importantes fatores educativos. Sempre que ele age como um
simples propulsor que lota os alunos de conhecimentos, pode ser substituı́do por um dicioná rio, um mapa
ou uma excursã o.
Quando o educador dá uma aula ou explica uma liçã o, ele assume, só em parte, o papel de educador,
precisamente na parte de seu trabalho em que estabelece a relaçã o da criança com os elementos do
ambiente que agem sobre ela. Mas, sempre que expõ em apenas fragmentos de algo preparado, ele deixa
de ser educador.
Um dos maiores perigos a que a Instituiçã o de Educaçã o infantil precisa estar atenta, quanto à
prá tica docente, consiste precisamente no papel do educador. Quando ele começa a sentir que é
instrumento da educaçã o, atuando como um gravador que nã o tem voz pró pria e reproduz o que o CD
indica, ou que menospreza as experiê ncias pessoais de seus alunos, do ponto de vista cientı́fico, trata‑se
do mais crasso erro, assim como a falsa regra de que o professor é tudo e o aluno nada.
Temos de dizer francamente que, desse modo, a profissã o docente imprime traços tı́picos
permanentes em seu portador, e cria lamentá veis figuras que assumem papé is de apó stolos ou orá culos
das idiossincrasias e redundâ ncias.
Desse modo, devemos enfatizar que a partir da mediaçã o do outro acontece o desenvolvimento dos
nı́veis superiores da mente. Atravé s da mediaçã o, a criança se apodera dos modos de comportamento e
da cultura, representativos da histó ria da humanidade. E havendo inclusã o, poderá haver compreensã o
de que há certa necessidade de se preocupar com a mudança das estruturas polı́ticas, pedagó gicas,
culturais, de acessibilidade e outras.
Ainda há de se considerar os investimentos, de toda ordem, a serem realizados, principalmente
porque inclusã o nã o significa, apenas, inserçã o de alunos com deficiê ncia nas classes comuns,
mas prevê a mobilizaçã o da escola no alargamento de suas opçõ es polı́tico‑ pedagó gicas, para
atender à diversidade de seu alunado. (LEITE & OLIVEIRA, 2007, p. 514b).

Desta maneira, construir uma só lida e concisa educaçã o inclusiva, que ofereça oportunidades para
todos, é o grande desafio. Mas, só entã o desafiando e sendo desafiados é que vamos criando, de certo
modo, a arquitetura do trabalho; precisamos compreender esse sujeito criança. Assim, Vygotsky (1991)
afirma que, “o desenvolvimento cultural é o desenvolvimento social, mas nã o no sentido literal do
desenvolvimento das aptidõ es latentes e, muitas vezes, vindas de fora”. Mais frequentemente, o
deslocamento de estruturas do exterior para o interior: uma relaçã o de ontogenia e filogenia diferente
da ocorrida no desenvolvimento orgâ nico do sujeito. No desenvolvimento orgâ nico, a filogenia é potencial
e é repetida na ontogenia. “No desenvolvimento social, existe uma interaçã o real entre filogenia e
ontogenia e essa interaçã o constitui a principal força impulsionadora de todo o desenvolvimento”.

23
Assim como encontramos no documento como o PCN a seguir:
As necessidades especiais revelam que tipos de ajuda, diferentes das usuais, sã o requeridos, de
modo a cumprir as finalidades da educaçã o. As respostas a essas necessidades devem estar
previstas e respaldadas no projeto pedagó gico da escola, nã o por meio de um currı́culo novo,
mas, da adaptaçã o progressiva do regular, buscando garantir que os alunos com necessidades
especiais participem de uma programaçã o tã o normal quanto possı́vel, mas considere as
especificidades que as suas necessidades possam requerer. (BRASIL, 1998, p. 34).

Analisando a ideia equivocada e, infelizmente, dominante e corrente, observamos que o educador


está em busca de uma ordem para o mundo, categoriza pessoas e coisas e, explicita as diferenças ao invé s
de partir em busca das possibilidades. Assim, segregando e isolando seus educandos, na velha prá tica do
faz de conta pedagó gico, outros sentidos acabam por se construir, provenientes do ró tulo e nã o das
potencialidades.
Segundo Eizirik (1995, p. 97), nem tudo está determinado! Há possibilidades por detrá s dele
(ró tulo) para criar mecanismos inclusivos dentro dos espaços de educaçã o infantil devemos respeitar
cada tempo; cada ritmo e Har mo o ambiente entre todos os pertencentes do espaço.
O que está em jogo é a ruptura do conceito está tico de homem, de mundo, de conhecimento; é a
necessidade de cruzar experiê ncias, de compartilhar caminhos, de compreender a complexidade e a
diversidade atravé s da abertura de canais para o diferente, que foge ao padrã o criado socialmente da
“normalidade”.
Para Merleau‑ Ponty (2006, p. 105):
Ver é entrar em um universo de seres que se mostram, e eles nã o se mostrariam se nã o
pudessem estar escondidos uns atrá s dos outros ou atrá s de mim. Em outros termos: olhar um
objeto é vir habitá ‑ lo e dali apreender todas as coisas segundo a face que elas voltam para ele.
Mas, na medida em que també m as vejo, elas permanecem moradas abertas ao meu olhar e
situado virtualmente nelas, percebo sob diferentes â ngulos o objeto central de minha visã o
atual. Assim, cada objeto é o espelho de todos os outros.

Levantamos aqui algumas questõ es norteadoras para a aná lise do olhar do professor diante do
processo da educaçã o inclusiva. Como trabalhar com esse educando que é especial, frente à categoria da
normalidade criada pela sociedade? Qual o papel do educador de infâ ncia como liderança em sala de aula,
na formaçã o de conceitos de cidadania e transformaçã o social? Como trabalhar a prá tica docente com
base na zona de desenvolvimento real e proximal? Como avaliar o processo de desenvolvimento e
aprendizagem da criança com necessidades educacionais especiais a partir da matriz da psicologia só cio‑
histó rica?
Essas questõ es nã o se dirigem à s respostas imediatas, mas a uma vasta investigaçã o e aná lise da
prá tica docente no campo complexo da educaçã o inclusiva. Permite exercitar o pensamento, e nesse
exercı́cio, transitar por algumas variá veis que poderiam nos ajudar a pensar e fazer a educaçã o infantil
inclusiva. Ficou muito longe a é poca em que o invá lido, por causa de sua deformidade, era excluı́do da
vida, e sua funçã o social reduzia‑se exclusivamente a uma existê ncia parasitá ria, que dependia da
compaixã o alheia. (VIGOTSKI, 2003, p. 258).
E no trabalho coletivo que se desenvolve a potencialidade de cada um, e nã o no trabalho
individualizado, em que o educador predetermina em que a criança irá aprender. Dividir tarefas e
responsabilidades faz criar um ambiente de cooperaçã o e solidariedade, em que o educando alcança com
o outro o que nã o é possı́vel alcançar sozinho, exercendo assim o papel do sujeito mediador de Vigotski,
promovendo, assim, o compartilhar de conhecimentos, descobertas, sem tirar o direito do seu pró prio
processo de desenvolvimento pessoal.
Sabemos que nã o é fá cil trabalhar na perspectiva da inclusã o, poré m, devemos utilizar o desafio da

24
dificuldade como motor para a construçã o de novos sentidos e realidades, perseverar, insistentemente,
em um determinado propó sito e, ludicamente, prazerosamente, entrelaçar dois mundos separados pelo
preconceito em um só . A educaçã o para todos, verdadeira e possı́vel.

Considerações finais

Enfim, apó s as leituras basilares, consideramos que o desafio da inclusã o escolar é algo que vai
alé m da presença da criança na sala de aula do ensino regular. E preciso que a sociedade e a escola se
transformem para acolher esse alunado, convertendo suas açõ es em atitudes para formar cidadã os sem
preconceitos. O compromisso da Instituiçã o de Educaçã o Infantil é dar melhor educaçã o possı́vel para
cada criança, garantindo a acessibilidade de alunos com necessidades educacionais especiais, contando
com o apoio de todo sistema educacional. Nã o cabe mais a Instituiçã o de Educaçã o infantil fechar os olhos
para a diversidade social que a cerca. E necessá rio que ela remodele as exigê ncias no que se refere a
igualdade de oportunidades e faça mudanças e inovaçõ es na sua forma de atuaçã o.
Na perspectiva de discutir amplamente a relaçã o teoria e prá tica docente à luz da matriz
epistemoló gica da psicologia só cio‑histó rica trouxemos para esse trabalho, em sı́ntese, a inclusã o das
crianças com necessidades educacionais especiais e a necessidade da Instituiçã o de educaçã o infantil se
adaptar a esse novo momento. E preciso promover o acesso desse alunado excluı́do da possibilidade de
adquirir conhecimento. Sabe‑se que a inclusã o nã o beneficia só as crianças, mas todos os que estã o
inseridos nessa proposta inclusiva. E diante da diversidade e pluralidade dessa clientela que percebemos
que a escola deve colocar‑se à disposiçã o para traçar novos rumos de educaçã o para todos. Alicerçados
em bases só lidas de conhecimento, pois nã o se pode mudar aquilo que nã o se conhece, diz Cintra. (2008,
p. 23).
Atravé s da ampla discussã o, e revisã o bibliográ fica iniciada no projeto de pesquisa, intitulado
“Educaçã o, cultura e prá tica docente: a constituiçã o da identidade de sujeitos sul‑ mato‑grossenses em
espaços educativos”, é que o presente artigo configurou‑se. Sem o objetivo de esgotar o assunto,
mostramos algumas consideraçõ es para a inclusã o que anelamos.

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25
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26
Inclusão escolar sob a perspectiva histórico‑cultural: uma revisão integrativa de
literatura

Nayla da Silva Moura Pires4


Ana Terra Sudário Gonzaga5

Resumo

A inclusã o escolar é um processo com constantes desafios e enfrentamentos que alcança


primeiramente os sujeitos com necessidades educativas especiais, mas també m envolve a todos como
um direito à cidadania. Atravé s de uma aná lise sob a teoria do desenvolvimento e aprendizagem da
Psicologia Histó rico‑Cultural, este trabalho se trata de uma revisã o integrativa de literatura por meio de
aná lise e comparaçã o de informaçõ es acerca do tema atravé s de 15 artigos. O objetivo é resgatar e
construir reflexõ es crı́ticas sobre os percursos histó ricos, as prá ticas da educaçã o inclusiva e suas
contribuiçõ es para o desenvolvimento e aprendizagem. Como crité rios de inclusã o, foram considerados
artigos em portuguê s, artigos publicados nos ú ltimos 10 anos e abordagem teó rica da Psicologia
Histó rico‑Cultural. Os artigos cientı́ficos foram coletados das bases de dados SciELO e Pepsic, sendo
pesquisas com investigaçõ es empı́ricas e bibliográ ficas. Os principais documentos de polı́ticas pú blicas
observados foram a Constituiçã o Federal Brasileira de 1988, a Declaraçã o de Salamanca e a Polı́tica
Nacional de Educaçã o Especial na perspectiva da Educaçã o Inclusiva. A partir dos resultados, a discussã o
é dividida em 3 principais categorias: A prá xis e ló cus da inclusã o escolar; Inclusã o escolar em
contraponto com a educaçã o especial e, a Inclusã o escolar como responsabilidade coletiva. Diante das
aná lises, observa‑se a necessidade de reverberar reflexõ es e posicionamentos que instiguem açõ es
transformadoras na educaçã o inclusiva, visto que as prá ticas se distanciam das teorias assim como
apresentam contradiçõ es e aparentam uma manutençã o da dicotomia inclusã o/exclusã o.

Palavras chave: Inclusã o escolar; Psicologia Histó rico‑Cultural; Psicologia Só cio‑Histó rica.

Os percursos que levam à inclusã o escolar perpassam por um histó rico de enfrentamentos,
discussõ es e lutas sociais, visto que é um processo, está em movimento e em constantes transformaçõ es
para se alcançar o ideal de escola democrá tica a todos. Para isso, os documentos nacionais e
internacionais que orientam ou que deveriam orientar até hoje as açõ es dos atores pedagó gicos e dos
projetos polı́ticos‑pedagó gicos de escolas como instituiçõ es socioeducativas e formativas de cidadã os
crı́ticos, sã o polı́ticas pú blicas que legislam e fundamentam um ideal de educaçã o e que dirigem esses
direitos a determinados alunos. E quem sã o esses sujeitos a serem incluı́dos?
A Polı́tica Nacional de Educaçã o Especial na perspectiva da Educaçã o Inclusiva (2008) foi criada
com o objetivo de
Assegurar a inclusã o escolar de alunos com deficiê ncia, transtornos globais do desenvolvimento
e altas habilidades/superdotaçã o, orientando os sistemas de ensino para garantir: acesso ao
ensino regular, com participaçã o, aprendizagem e continuidade nos nı́veis mais elevados do
ensino; transversalidade da modalidade de educaçã o especial desde a educaçã o infantil até a

4 Graduada em Psicologia pelo Centro Universitá rio Alves Faria. Psicó loga clı́nica e social. E‑mail: [email protected]
5 Mestra em Psicologia pela Universidade Federal de Goiá s. Pó s graduada em Terapia Sistê mica de Casal e Famı́lia pelo Centro de Avaliaçã o,
Ensino e Pesquisa de Goiá s. Graduada em Psicologia pela Pontifı́cia Universidade Cató lica de Goiá s. Psicó loga clı́nica. Email:
[email protected]

27
educaçã o superior; oferta do atendimento educacional especializado; formaçã o de professores
para o atendimento educacional especializado e demais profissionais da educaçã o para a
inclusã o (...) (Brasil, 2008, p.14).

Ou seja, a escolarizaçã o garantida pela educaçã o inclusiva e pela educaçã o especial sã o para os
alunos com deficiê ncia fı́sica, intelectual ou sensorial, transtornos globais do desenvolvimento e
superdotaçã o. Já a Declaraçã o de Salamanca (Unesco,1994) denomina como alunos “com necessidades
educativas especiais” (p.3) os que apresentam deficiê ncia ou dificuldades de aprendizagem.
Outrora, o direito à educaçã o já se mostrava como prioridade social na Constituiçã o de 1988, que
no artigo 205 enfatiza a educaçã o como direito de todos para o desenvolvimento e exercı́cio da cidadania
e capacitaçã o para o trabalho, assim como no artigo 208 (Brasil, 2019) que garante como dever do Estado
a oferta de acesso ao ensino educacional especializado, principalmente na rede regular de ensino,
chamando a atençã o para o desafio de atender à s necessidades e diferenças de todos os alunos.
Como marco importante para a educaçã o especial, a Declaraçã o de Salamanca (1994) diz que
O princı́pio que orienta esta Estrutura (de açã o em Educaçã o Especial) é o de que escolas
deveriam acomodar todas as crianças independentemente de suas condiçõ es fı́sicas,
intelectuais, sociais, emocionais, linguı́sticas ou outras. Aquelas deveriam incluir crianças
deficientes e superdotadas, crianças de rua e que trabalham, crianças de origem remota ou de
populaçã o nô made, crianças pertencentes a minorias linguı́sticas, é tnicas ou culturais, e
crianças de outros grupos desavantajados ou marginalizados. Tais condiçõ es geram uma
variedade de diferentes desafios aos sistemas escolares (Unesco, 1994, p.3).

Demonstrando aqui uma visã o mais ampla e social, para alé m das necessidades orgâ nicas dos
sujeitos como alvos das açõ es educacionais especiais, se alinhando diretamente com o direito de
educaçã o a todos. Na prá tica, o acesso ao ensino educacional especializado é uma modalidade com
suporte no Atendimento Especializado de Ensino (AEE) que nã o substitui a escolarizaçã o comum dos
alunos, mas complementa para ma formaçã o com autonomia e independê ncia tanto da escola quanto do
mundo externo (Brasil,2008).
Para a Polı́tica Nacional de Educaçã o Especial na Educaçã o Inclusiva (2008), o AEE “identifica,
elabora e organiza recursos pedagó gicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena
participaçã o dos alunos, considerando as suas necessidades especı́ficas” (Brasil, 2008, p.16), sendo um
serviço que dissiparia as concepçõ es histó ricas de educaçã o especial que limitava as interaçõ es sociais
e reduzia os sujeitos à suas deficiê ncias, produtora de concepçõ es de normalidade/anormalidade.
Enquanto que na Declaraçã o de Salamanca (1994) a proposta de uma educaçã o inclusiva é um
desafio pois confronta uma açã o pedagó gica centrada no aluno ao mesmo tempo que institui o dever de
ensinar todos os alunos inseridos em sala de aula, como uma responsabilidade de ensino e aprendizagem
somente do professor.
Todavia, a realidade revela a disparidade dos documentos elaborados e estudos produzidos frente
a mú ltiplos fatores como: a falta de suporte material e estrutural das escolas pelo Estado; a manutençã o
de uma educaçã o reducionista e que fortalece concepçõ es normalidade/anormalidade; a formaçã o
generalizante e descontinuada dos profissionais que atuam nas escolas que anunciam inclusã o escolar;
a burocracia e a falta de diá logo entre escola e famı́lia para a formaçã o desses alunos, dentre outros que
se apresentam nesta pesquisa. Dessa forma, faz‑se necessá rio espaços de reflexõ es e diá logos que mediem
possibilidades e repensem as açõ es concretas feitas nas muitas escolas brasileiras. Visto que a educaçã o
brasileira ainda se encontra sob projetos polı́ticos pedagó gicos que pouco consideram a aprendizagem
participativa como mediador de um desenvolvimento psı́quico e cultural, que forma sujeitos crı́ticos e
atuantes na realidade social inseridos.
A perspectiva da Psicologia Histó rico‑ Cultural fundamenta que todo “sujeito é histó rico e se

28
constitui em relaçã o com a cultura” (Barbosa & Souza, 2010, p.353). Desse modo, o desenvolvimento das
funçõ es superiores sã o mediadas e aprimoradas nas relaçõ es sociais e culturais, bem como o processo
de compensaçã o das funçõ es que sã o limitadas e que possuem especı́ficas dificuldades, demonstrando a
importâ ncia da cultura e das relaçõ es sociais.
Por fim, o objetivo desta pesquisa é trazer uma breve aná lise e explanaçã o teó rica sobre a inclusã o
escolar em 3 categorias principais: (1) A prá xis e ló cus da inclusã o escolar; (2)
Inclusã o escolar em contraponto com a educaçã o especial; (3) Inclusã o escolar como
responsabilidade coletiva; compreendendo essas 3 categorias sob a perspectiva
da Psicologia Histó rico‑Cultural.

Método

Este estudo se trata de uma revisã o integrativa de literatura, pela aná lise de artigos publicados e
disponı́veis em diferentes revistas brasileiras, com perı́odos de publicaçõ es entre 2010 a 2020 que
abordam em diferentes leituras e interpretaçõ es a inclusã o escolar. O embasamento teó rico em Psicologia
Histó rico‑ Cultural confronta um mé todo que seja resultado e ferramenta ao mesmo tempo de uma
investigaçã o, instiga o pesquisador ao movimento contı́nuo de construçã o (Souza & Andrada, 2013).
Diante disso, os procedimentos utilizados foram as plataformas de pesquisa de artigos Scientific
Electronic Library Online (SciELO) e o Portal de Perió dicos Eletrô nicos de Psicologia (Pepsic), utilizando
trê s palavras‑chave em duas formas de combinaçõ es: Inclusã o escolar ou Psicologia histó rico‑cultural e
Inclusã o Escolar ou Psicologia só cio‑histó rica.
Foram encontrados na base de dados SciELO 1.719 resultados de artigos, enquanto na Pepsic um
total de 85 resultados da pesquisa geral com ambas combinaçõ es dos descritores. O perı́odo de pesquisa
e seleçã o foi de 23 de setembro a 11 de outubro de 2020. Utilizou‑se para orientar a seleçã o, observaçã o
dos tı́tulos e palavras‑chave utilizadas, delimitando juntamente com os crité rios de exclusã o: artigos com
mais de 10 anos de publicaçã o; textos em outros idiomas exceto em portuguê s; abordagem da temá tica
sob a ó tica de outras profissõ es que nã o a Psicologia e suas abordagens e atuaçõ es; artigos que
exploravam indiretamente ou superficialmente a inclusã o escolar.
Como crité rios de inclusã o observamos: artigos em portuguê s de revistas de publicaçõ es
brasileiras, fundamentaçã o psicossocial da teoria Histó rico‑Cultural. Diante desses crité rios, foram
selecionados 15 artigos nas bases de dados supracitadas, sendo 9 da SciELO e 6 da Pepsic, de anos e em
quantidades encontradas: 3 artigos de 2010, 1 artigo de 2012, 1 artigo de 2013, 1 artigo de 2014, 2 artigos
de 2015, 1 artigo de 2016, 1 artigo de 2017, 2 artigos de
2018, 2 artigos de 2019 e 1 artigo de 2020.

Resultados e Discussão

A partir da revisã o integrativa de literatura dos artigos, leituras na ı́ntegra e aná lise interpretativa
dos dados, objetivou‑se trazer uma breve aná lise e explanaçã o teó rica sobre os percursos e
desdobramentos da inclusã o no contexto escolar em 3 principais categorias, bem como compreender
como os mesmos sã o abordados pela Psicologia Histó rico‑Cultural sendo composto por estudos teó ricos
e empı́ricos.
Para isso, fundamentado nas concepçõ es socioculturais dos sujeitos e no desenvolvimento e
aprendizagem mediados pela presença de estruturas, possibilidades e conflitos do social e da cultura que

29
permeia as relaçõ es, os 15 artigos selecionados apresentam diferentes procedimentos e reflexõ es,
conforme mostra a tabela 1 a seguir:

Tipo de
Título Autores Ano Revista
investigação

Formaçã o de professores e
inclusã o escolar de pessoas com Araú jo, Rusche, Revisã o de
2010 Revista Psicopedagogia
deficiência: aná lise de resumos Molina & Carreiro Literatura
de artigos na base SciELO

A vivência de professores sobre


o processo de inclusã o: um
Barbosa & Souza 2010 Revista Psicopedagogia Empı́rico
estudo da perspectiva da
Psicologia Histó rico‑ Cultural

A psicologia escolar e a educaçã o Psicologia: Ciência e


Virgı́nia & Dazzani 2010 Ensaio teó rico
inclusiva: Uma leitura crı́tica Profissã o

Avaliaçã o da aprendizagem e Revista Semestral da


inclusã o escolar: a singularidade Souza, Silva & Macedo Associaçã o Brasileira de
2012 Ensaio teó rico
a serviço da coletividade Psicologia Escolar e
Educacional

Contribuiçõ es de Vigotski para a


Souza & Andrada 2013 Estudos de Psicologia Ensaio teó rico
compreensã o do psiquismo

Polı́ticas de inclusã o escolar:


Lasta & Hillesheim 2014 Psicologia & Sociedade Estudo teó rico
produçã o da anormalidade

Educaçã o Inclusiva: Entre a


Psicologia: Ciência e
Histó ria, os Preconceitos, a Nunes, Saia & Tavares 2015 Estudo Teó rico
Profissã o
Escola e a Famı́lia

Dificuldades no processo de
inclusã oescolar: percepçõ es de
Boletim – Academia
professores e de alunos com Barros, Silva & Costa 2015 Enpirico
Paulista de Psicologia
deficiência visual em escolas
pú blicas

Concepçõ es e Prá ticas de


Braz‑ Aquino, Ferreira Psicologia: Ciência e
Psicó logos Escolares e Docentes 2016 Enpirico
e Cavalcante Profissã o
acerca da Inclusã o Escolar

Desenvolvimento Psı́quico e
Elaboraçã o Conceitual por Revista Brasileira
Padilha 2017 Enpirico
Alunos com Deficiência de Educaçã o Especial
Intelectual na Educaçã o Escolar

Possibilidades de intervençã o do Andrada, Macedo,


Revista Interinstitucional
psicó logo escolar na educaçã o Gasparelli, 2018 Enpirico
de Psicologia
inclusiva Canton, Rovida & Cruz

30
Tipo de
Título Autores Ano Revista investigação

Inclusã o escolar: concepçõ es de


Medeiros & Barrera 2018 Psicologia em Revista Estudo Teó rico
professores e prá ticas educativas

A funçã o social da escola em


discussã o, sob a perspectiva da Revisã o de
Dainez & Smolka 2019 Educaçã o e Pesquisa
educaçã o inclusiva Literatura

Formaçã o docente continuada e


prá ticas de ensino no
Pinto & Amaral 2019 Pro‑Posiçõ es Empı́rico
atendimento educacional
especializado

Mediaçõ es em sala de aula na Mendonça, Silva,


Psicologia Escolar e Empı́rico
construçã o do conhecimento em Barbosa‑ Andrade & 2020
Educacional
escolas inclusivas Silva

Para melhor compreensã o deste vasto tema em breve aná lise, dividimos os artigos em 3 categorias
centrais para explanaçã o e discussã o, sendo essas: (1) A prá xis e ló cus da inclusã o escolar; (2) Inclusã o
escolar em contraponto com a educaçã o especial; (3) Inclusã o escolar como responsabilidade coletiva.

A práxis e lócus da inclusão escolar

Para observar a prá tica esperada de inclusã o nas instituiçõ es escolares, é preciso considerar as
concepçõ es que fundamentam essas açõ es e o lugar como possibilidade de desenvolvimento de todos e
mediadora da aprendizagem e envolvimento social. Para isso, 7 dos 15 artigos selecionados abordam e
problematizam essa questã o (Dainez & Smolka, 2019; Lasta & Hillesheim, 2014; Mendonça et al., 2020;
Nunes et al., 2015; Padilha, 2017; Souza & Macedo, 2012; Souza & Andrada, 2013).
Souza e Andrada (2013) em Contribuiçõ es de Vigotski para a compreensã o do psiquismo, afirmam
que Vygotsky fundamenta sua teoria sobre o desenvolvimento humano na Psicologia Histó rico‑Cultural
a partir do mé todo do materialismo histó rico‑dialé tico em que o desenvolvimento das funçõ es psı́quicas
superiores se iniciam pelas funçõ es mais elementares do bioló gico do ser humano e que mediadas pelos
elementos da cultura, pelas açõ es do homem em permanente relaçã o com o meio atravé s de instrumentos
e pela apropriaçã o evoluem assim o psiquismo dos sujeitos e constituem suas personalidades.
Sendo como uma passagem do ser bioló gico ao ser cultural (Padilha, 2017) o sujeito histó rico
postulado por Vygostky é um sujeito “que incorpora, de modo insepará vel, o social como "fonte" de
desenvolvimento e nã o como aspecto que o influencia” (Souza & Andrada, 2013, p. 364). As apropriaçõ es
dos elementos histó ricos da cultura sã o postas e nã o dadas aos sujeitos, por isso, para se tornarem
caracterı́sticas singulares de cada um, é necessá ria a relaçã o com outras pessoas, com o mundo, e assim
se apreende sua funçã o social, um processo de educaçã o (Padilha, 2017).
Barbosa e Souza (2010) també m concordam em A vivê ncia de professores sobre o processo de
inclusã o: um estudo da perspectiva da Psicologia Histó rico‑Cultural que a inclusã o é de cará ter relacional,
social e cognitivo, nas aberturas à socializaçã o a atender as necessidades especı́ficas para a aprendizagem
dos alunos, com maior suporte e formaçã o ampla dos professores bem como da instituiçã o, das estruturas

31
sociais, polı́ticas e identitá rias.
Mesmo sendo comumente um processo inicial para todos os sujeitos que adentram a escola, a
maioria dos artigos abordam a inclusã o escolar direcionados aos alunos com deficiê ncias e necessidades
educativas especiais, pois os documentos de polı́ticas pú blicas de educaçã o inclusiva e educaçã o especial
sã o para este grupo.
Conforme Souza e Macedo (2012) para a prá xis da inclusã o escolar acontecer como ló cus
de legitimaçã o do novo e de possibilidade de conscientizaçã o da responsabilidade social, há de se
rever qual a funçã o da escola, considerando que a educaçã o escolar é uma “possibilidade de
desenvolvimento do homem que vive na histó ria ao passo que a constró i” (p. 280).
E nessa possibilidade de uma vivê ncia social coletiva que Mendonça et al (2020) observam que os
sujeitos com deficiê ncia podem encontrar recursos que mediam a internalizaçã o das funçõ es culturais e
desenvolvem processos que compensam suas deficiê ncias, amplificando seus funcionamentos psı́quicos.
Como se observa no caso do aluno Gustavo, apresentado no artigo de Dainez e Smolka (2019) e da aluna
Bianca no artigo de Mendonça et al (2020).
A relevâ ncia de vivê ncias em espaços colaborativos que incluam mé todos e açõ es de ensino
criadoras que contribuam para os processos compensató rios faz parte da
responsabilidade da escola. Dainez e Smolka (2019) consideram que “Com base nisso,
argumentamos que a funçã o social da escola nã o se resume à socializaçã o/convivê ncia; relaciona‑se, sim,
ao trabalho de ensino e à apropriaçã o do conhecimento valorizado, condiçã o de desenvolvimento cultural
orientador da personalidade” (p.14).
Diante disso, observa‑se que o meio só contribui para o desenvolvimento humano quando se torna
uma experiê ncia emocional para os sujeitos (Souza & Andrada, 2013). No entanto, há de se notar que
vivê ncias tã o significativas e processos de escolarizaçã o atentas a proporcionar um ensino‑ aprendizagem
adequados a todos é ainda uma realidade em construçã o, mais visto nas polı́ticas pú blicas que legislam
sobre a inclusã o escolar sob uma visã o igualitá ria e democratizante, o que para Lasta e Hillesheim (2014)
se contradiz ao mundo marcado “por uma globalizaçã o neoliberal excludente” (p.141) e coloca questõ es
como diferença e diversidade, inclusã o e exclusã o em evidê ncia que precedem das noçõ es de normalidade
e anormalidade.
Como visto pelos artigos analisados acima, há contradiçõ es entre teoria e prá xis da inclusã o escolar
para serem exploradas. A funçã o da escola se atrela à importâ ncia das interaçõ es sociais e da cultura para
o desenvolvimento humano e dos processos compensató rios, mas o acesso nã o é ofertado para todos para
alé m de mera socializaçã o.
O que nos conduz a refletir sobre os objetivos dessas polı́ticas pú blicas para a inclusã o amparados
na igualdade, mas que especifica os que devem ser incluı́dos. Sendo assim, o que os diferenciam sã o
respeitados ou limitados?

A inclusão escolar em contraponto com a educação especial

Sobre educaçã o inclusiva e educaçã o especial, 10 artigos trouxeram importantes discussõ es e


consideraçõ es sobre esta temá tica (Dazzani, 2010; Dainez & Smolka, 2019; Pinto & Amaral, 2019;
Mendonça et al, 2020; Nunes et al, 2015; Lasta & Hillesheim, 2014;Medeiros & Barrera, 2018; Barros et
al., 2015, Padilha, 2017 e Souza e Macedo, 2010).
Os autores Souza e Macedo (2012) e Dazzani (2010) observam que a existê ncia da inclusã o, revela
també m a presença do seu oposto: a exclusã o escolar. Pois sendo pautado por ideais de igualdade e

32
homogeneidade atravé s da democratizaçã o da educaçã o pú blica, sã o observadas açõ es que implicam na
negaçã o e omissã o do Estado e da escola, aplicando a responsabilidade de sucesso e fracasso tanto da
aprendizagem como da inclusã o, no aluno que adentra a instituiçã o. Um discurso ideoló gico que perdura
no tempo e nas representaçõ es sociais de atores pedagó gicos de escolas pú blicas e privadas brasileiras.
Souza e Macedo (2012) em Avaliaçã o da aprendizagem e inclusã o escolar: a singularidade a serviço
da coletividade acrescentam algumas críticas sobre a dialé tica entre inclusã o e exclusã o e as implicaçõ es
de polı́ticas igualitá rias para a educaçã o, a qual
Os campos da igualdade sã o os mesmos que delimitam as diferenças, uma vez que se espera um
comportamento "igual" de seres que apresentam peculiaridades, idiossincrasias,
singularidades, subjetividades que a escola nã o tem conseguido administrar com seus padrõ es
representados por classes homogê neas, currı́culos estanques e, sobretudo, com um sistema de
avaliaçã o composto a partir da mediçã o de conhecimentos nivelados e da atribuiçã o de notas
na forma de medidas padronizadas (p.278).

Nã o somente no sistema de avaliaçã o como també m nas relaçõ es entre professor‑ aluno e aluno‑
aluno, nos processos de ensino‑ aprendizagem, as açõ es padronizadas impedem mediaçõ es pelos
potenciais de desenvolvimento que cada aluno possui, olhando pelo que lhes falta, visto como
incapacidade permanente ou doença.
Todavia, como visto na Declaraçã o de Salamanca (1994), a educaçã o especial surge na tentativa de
oferecer uma educaçã o que alcance as necessidades educativas especiais (NEE) e tenha um atendimento
educacional especializado (AEE) de acordo com as especificidades, sendo um serviço integrativo de
escolarizaçã o juntamente com o ensino regular. O que em uma perspectiva de normalizaçã o dos sujeitos
analisado pelas autoras Lasta e Hillesheim (2014), uma educaçã o especializada se torna um recurso de
“corrigir” os sujeitos falhos, que estã o fora da norma e precisam dessa intervençã o constante durante a
vida.
Barros et al. (2017) em entrevistas com professores de escolas pú blicas de ensino regular e alunos
com deficiê ncia visual atendidos no Centro de Apoio Pedagó gico (CAP), observou queixas relatadas
quanto ao atendimento de apoio pedagó gico, que pela falta de recursos multifuncionais, falta de
capacitaçã o adequada dos atores pedagó gicos e de investimento do Estado para melhoria e
acessibilidade, agrava o processo de inclusã o e atrasa o acompanhamento das atividades escolares desses
alunos com o restante da turma.
Portanto, “nã o se pode esperar que pessoas com deficiê ncia estejam recebendo atendimento
adequado (de qualidade), tendo em vista que essa forma de atendimento educacional pode estar
restringindo a efetividade da inclusã o” (p.160).
A atividade criadora e participativa em sala comum proposta pela professora de Bianca, no artigo
de Mendonça et al (2020) provam os desdobramentos positivos de uma escolarizaçã o para todos, que
atenda à s especificidades de cada aluno em um espaço coletivo, um dos pontos principais que Vygotsky
criticou contra a educaçã o especial como sendo um espaço que restringe esse contato relacional e
conforma o aluno para suas limitaçõ es orgâ nicas. Para ele essas limitaçõ es de desenvolvimento “se dã o
em razã o da privaçã o de uma efetiva participaçã o e inserçã o no meio coletivo/cultural, compartilhado e
construı́do nas relaçõ es sociais” (Mendonça et al., 2020, p.6).
Vale ressaltar o que Nunes et al. (2015) pontuam sobre a Educaçã o Inclusiva que apesar de surgir
pelas lutas da educaçã o especial, nã o a substitui, mas vem para retomar a educaçã o democrá tica a todos
e que
A diversidade presente na educaçã o inclusiva nã o é um favor aos grupos historicamente
excluı́dos, mas uma luta pela humanizaçã o de todos nó s. Quando nã o conseguimos lidar com as
diferenças que nos rodeiam perdemos uma oportunidade de caminhar na nossa pró pria

33
evoluçã o. Assim, quando privamos os alunos de conviverem com outras crianças com
dificuldades visuais, motoras, auditivas, intelectuais ou com outras diferenças marcantes tais
como classe social, lugar de origem, religiã o, opçã o sexual etc., falhamos na sua formaçã o,
porque, quando adultas, talvez terã o menor facilidade de lidar com essas mesmas pessoas
(p.1117).

Portanto, pode‑se perceber que a educaçã o especial embora apresente propostas vá lidas de serem
aplicadas em conjunto com o ensino regular para atender e proporcionar a mesma qualidade de ensino
aos alunos com necessidades educativas especiais, os artigos demonstram que ainda é um desafio para
as escolas contribuı́rem de forma eficaz sem se tornar um serviço assistencialista e que reifique a
exclusã o.
Uma educaçã o inclusiva nã o se baseia somente na inserçã o desses alunos, mas na participaçã o no
espaço coletivo da sala de aula, em que as especificidades sã o consideradas para o ensino‑aprendizagem
e se desenvolvem outras a partir dessas trocas, acolhendo as diferenças e desafiando as capacidades de
desenvolvimento.

A responsabilidade coletiva na inclusão escolar

Dentre os 15 artigos analisados, 9 artigos apresentaram consideraçõ es sobre a relevâ ncia da


coletividade diante da responsabilidade de se efetivar a inclusã o. Para que haja articulaçã o e intervençã o
para criar estraté gias de melhorias na educaçã o inclusiva, um dos pontos mais importantes e també m
mais encontrados nos artigos, se refere à formaçã o dos profissionais que compõ em a escola e que
intervê m direta ou indiretamente nessa açã o.
As pesquisas aqui selecionadas concentraram seus discursos sobre a formaçã o de dois grupos de
profissionais: Professores e Psicó logos escolares (Araú jo et al., 2010; Andrada et al., 2018; Barbosa &
Souza, 2010; Barros et al., 2015; Braz‑Aquino et al., 2016; Dazzani, 2010; Medeiros & Barrera, 2018; Pinto
& Amaral, 2010 e Souza & Andrada, 2013).
Araú jo et al (2010) abordam a inclusã o escolar em “Formação de professores e inclusão escolar de
pessoas com deficiência: análise de resumos de artigos na base SciELO” como um processo de humanizaçã o
e de cará ter coletivo onde todos sã o sujeitos e possuem condiçõ es para o desenvolvimento e para a
aprendizagem. Os autores utilizaram documentos e movimentos de polı́ticas pú blicas considerados
marcos importantes para a educaçã o inclusiva e os direitos das pessoas com deficiê ncia, como a
Declaraçã o de Salamanca (1994) e a Polı́tica Nacional de Educaçã o Especial na perspectiva da educaçã o
inclusiva (2008) dentre outros.
A partir dos resultados da revisã o bibliográ fica, os autores observaram a necessidade de formaçã o
dos professores mais convergentes com os desafios e que considere as necessidades de cada aluno,
principalmente as especificidades de cada deficiê ncia, assim como a necessidade de uma formaçã o
acadê mica alinhada com as mudanças histó ricas da educaçã o inclusiva (Araú jo et al., 2010).
Barbosa e Souza (2010) no artigo “A vivência de professores sobre o processo de inclusão: um estudo
da perspectiva da Psicologia Histórico‑Cultural” també m afirmam essa urgê ncia, observando em seus
estudos uma grave defasagem na prá tica de inclusã o de alunos com necessidades educativas especiais
pelas vivê ncias e formaçõ es dos professores de uma escola pú blica do municı́pio de Campinas, Sã o Paulo.
Sendo possı́vel observar que també m sã o profissionais que alé m de exercerem suas funçõ es de ensino,
també m vivenciam o sofrimento e desamparo nesse processo de inclusã o/exclusã o dos alunos.
As representaçõ es sociais e crenças podem també m influenciar as percepçõ es dos professores
sobre alunos com necessidades educativas especiais, o que decorre por vezes de preconceitos que

34
expressam como consequê ncia, açõ es pedagó gicas limitantes e conformistas diante da necessidade de
interlocuçã o com outros profissionais que compõ em a equipe pedagó gica e com outras á reas de
conhecimento como a Psicologia, Sociologia e outros. Como Barbosa e Souza (2010) ressaltam, o
problema se inicia pela percepçã o dos professores sobre as deficiê ncias e diagnó sticos em vez das suas
capacidades de desenvolvimento que sã o diferentes, nã o impossı́veis.
Na investigaçã o em campo, Pinto e Amaral (2019) debatem a atuaçã o de 23 professores de uma
escola pú blica no atendimento educacional especializado (AEE) um serviço de ensino que conforme os
autores, é historicamente utilitarista que cria barreiras para açõ es inclusivas de acesso a todos e o
desenvolvimento das funçõ es psicoló gicas superiores.
Para os autores, o olhar para a deficiê ncia é uma questã o que somatiza os construtos histó ricos e
bioló gicos, a qual diante das impossibilidades frente ao diferente e de inquietaçõ es teó ricas e
epistemoló gicas, sugerem o redimensionamento e transformaçã o da formaçã o pedagó gica, sendo
continuada, crı́tica e coletiva, que instigue à formaçã o de cidadã os conscientes da sua realidade e das
suas capacidades, atravé s de um espaço educativo interdisciplinar, onde o ensinar seja um ato polı́tico e
criativo para alcançar a apreensã o de todos os sujeitos e assim, o AEE seja uma extensã o do que é exposto
em sala de aula comum.
Em entrevistas com psicó logos escolares e docentes de escolas pú blicas em Joã o Pessoa ‑ PB sobre
a inclusã o, Braz‑ Aquino et al (2016) analisaram suas verbalizaçõ es e condutas diante da realidade
educacional e també m pontuaram a necessidade de uma formaçã o continuada dos docentes bem como
para os psicó logos, pois a formaçã o das graduaçõ es e especializaçõ es se apresentam generalizantes e
dissonantes ao contexto escolar e educacional, o que acabam por açõ es “que promovem a psicologizaçã o
de processos pedagó gicos e nã o contemplam a investigaçã o de processos socioculturais” (p.260).
Ainda é preciso observar as diferenças que as escolas possuem e seus projetos polı́tico‑
pedagó gicos que sustentam a conduta dos professores em salas de aulas e de seus outros atores que a
compõ em. A valorizaçã o da formaçã o continuada e ampla desses profissionais també m revelam o
compromisso polı́tico e social da instituiçã o, que entre contradiçõ es a escola pú blica está sujeita ao
descaso de subsı́dios do Estado, dificultando o acesso e a otimizaçã o do ensino inclusivo.
Ao passo que em escolas particulares podem ser observadas outras percepçõ es e outros recursos
que mudam as açõ es dos professores, podemos verificar essa realidade nas entrevistas realizadas no
artigo “Inclusã o escolar: concepçõ es de professores e prá ticas educativas” por Medeiros e Barrera (2018).
Barros et al (2015) pontuam
Contudo, importa destacar as prioridades, polı́tica e financeira, em benefı́cio da inclusã o escolar
da pessoa com deficiê ncia que, no Brasil, parece se concentrar mais nos textos legais do que nas
açõ es para viabilizar essa proposta. Isto pode ser observado nas dificuldades enfrentadas pelas
escolas pú blicas brasileiras, destacando‑ se formaçã o insuficiente de professores, falta de
infraestrutura, precá rias condiçõ es de trabalho, quantitativo elevado de alunos nas salas de
aula, entre outras [...] (pp.149‑ 150)

Devem ser considerados diversos fatores a serem trabalhados e assumidos para que realmente haja
uma educaçã o inclusiva de qualidade, pois sã o questõ es que impossibilitam o cumprimento do
compromisso polı́tico, social e humanizador dos processos inclusivos e de acessibilidade na educaçã o e
só contribui para fomentar preconceitos (Barros et al, 2015).
Quanto à formaçã o continuada e ampla dos professores, há de se considerar o que Nunes et al
(2015) ressaltam, pois nã o se trata de haver metodologias de ensino acabadas para atender todos os
desafios que esses professores podem passar diante da realidade e de suas variaçõ es. Partindo da ideia
de que está diante de uma relaçã o com o outro que é inesperado e complexo, na qual també m se aprende

35
algo novo na troca. Sem essa abertura ao novo, podem existir atuaçõ es pedagó gicas normatizadoras e
rı́gidas sobre a diversidade.
Dazzani (2010) em “A psicologia escolar e a educaçã o inclusiva: Uma leitura crı́tica” aborda alguns
dados histó ricos de formaçã o dos psicó logos no Brasil e a atuaçã o destes no contexto escolar, sendo uma
inserçã o que a priori seriam para impulsionar e contribuir para a efetivaçã o da inclusã o escolar e da
democratizaçã o da educaçã o.
Poré m, na verdade embalou na concepçã o de homogeneidade dos alunos na dé cada de 70, uma
ideia de igualdade para todos que negava as singularidades e as limitaçõ es de cada um, tornando um
caminho de exclusã o e de repercussã o dos fracassos escolares como culpa somente dos pró prios alunos,
fonte de psicologizaçã o.
Diante disso, a autora traz uma aná lise crı́tica da literatura sobre a formaçã o, postura e prá tica do
psicó logo escolar pontuadas em trê s etapas na tentativa de ser uma atuaçã o que promova esta
democratizaçã o e que defenda os direitos humanos, a saber: “na formaçã o do psicó logo, a Psicologia na
formaçã o do professor e a pesquisa em Psicologia” (p.370) sendo o papel da escola ser plural e
interdisciplinar.
O psicó logo escolar para que promova a inclusã o precisa estar comprometido na “prevençã o e
promoçã o de saú de e bem‑ estar subjetivo” (p.372) tanto dos alunos como da equipe pedagó gica a buscar
constantemente uma prá tica em relaçã o e contribuir criticamente com outros profissionais para atender
a todas as demandas de ensino‑ aprendizagem e promover um espaço para a formaçã o de cidadã os, de
encontros de subjetividades e de diversidades culturais e socioeconô micas, que considere os sujeitos em
relaçã o e nã o meramente questõ es psicoló gicas individuais reducionistas (Dazzani, 2010).
A atuaçã o do psicó logo escolar frente aos processos de inclusã o de alunos com necessidades
educativas especiais pode ser de fato relevante para que possa acontecer uma convergê ncia das polı́ticas
pú blicas de educaçã o inclusiva e a legitimaçã o da inclusã o na realidade.
Conforme Andrada et al. (2018) uma prá tica sustentada na perspectiva teó rica Histó rico‑ Cultural
compreende e atua analisando criticamente todas as esferas que permeiam a vida de cada aluno e busca
romper tanto a dicotomia inclusã o/exclusã o como a orientaçã o de ensino‑ aprendizagem pela deficiê ncia
em vez das potencialidades e compensaçõ es que cada sujeito possui.
Neste artigo de pesquisa bibliográ fica, Andrada et al. (2018) pontuam quatro dimensõ es da atuaçã o
do psicó logo escolar considerando ser um profissional que é agente para elaborar caminhos que
contribua para a diversificaçã o da aprendizagem e do desenvolvimento, sendo estas nas: “Intervençõ es
macrossociais; Intervençõ es institucionais; Intervençõ es entre os atores escolares; e, Intervençõ es
direcionadas ao sujeito” (p.125).
Os autores observam que o campo de açã o desse profissional é amplo e coletivo, bem como
ultrapassa a esfera da escola, sendo uma ponte para a integraçã o e enfrentamento dos estigmas limitantes
histó ricos colocados nos alunos com deficiê ncias, acreditando que “ o psicó logo na escola poderia mediar
essas açõ es, na medida em que a Psicologia é uma ciê ncia que fundamenta os processos inter‑ relacionais
do desenvolvimento humano e suas mú ltiplas diversidades” (p.137).
Dazzani (2010) diz que,
E nesse contexto, quando a educaçã o nã o se realiza, quando a escola nã o consegue cumprir sua
tarefa, quando a aprendizagem nã o se dá , é aqui precisamente que o discurso e os saberes da
Psicologia surgem com uma força especial. Os educadores, teó ricos e polı́ticos se veem
obrigados a compreender os mecanismos internos da prá tica pedagó gica para, daı́, encontrar os
caminhos de superaçã o – posto que o desafio educacional é visto como um desafio civilizacional
(p. 368).

36
Portanto, trata‑ se de uma conscientizaçã o coletiva, um desafio que alcança o Estado, a cultura, a
famı́lia e nã o somente professores e psicó logos escolares, mas també m de toda a escola. Assim como a
educaçã o inclusiva rompe com a culpabilizaçã o individual do aluno, rompe també m a ideia de serviços
educacionais individualizados, pois há necessidade de interlocuçã o para que esses alunos estejam
acompanhando e participando ativamente junto com os outros colegas. Trata‑se de uma responsabilidade
coletiva que supere as incapacidades e desigualdades (Mendonça et al., 2020; Souza & Macedo, 2012;
Barbosa & Souza, 2010).
A partir dos artigos analisados, nota‑se a relevâ ncia de profissionais em constante formaçã o e que
estejam abertos para aprender també m nas relaçõ es com o aluno e com os outros profissionais que
compõ em a escola. Construir uma formaçã o crı́tica e de cidadania a todos os alunos també m demanda
muito das concepçõ es que sustentam as açõ es desses professores e psicó logos quanto à s possibilidades
de desenvolvimento e ensino‑ aprendizagem.

Considerações finais

Uma atuaçã o crı́tica da Psicologia considera e se faz frente a uma realidade que se mantem em
consonâ ncia com os processos de adoecimento, alienaçã o social e polı́ticas pú blicas idealizadoras.
Percebe‑se que colocar em aná lise as situaçõ es concretas de inclusã o vividas nas escolas brasileiras é um
movimento que confronta e instiga uma resoluçã o que nã o se faz sem considerar que a transformaçã o
social só acontece por meio do desenvolvimento integral de cada sujeito que a compõ e e que por isso a
aprendizagem se faz em coletivo e é tã o eficaz.
A Inclusã o escolar é um tema em movimento e se atualiza nas á reas da educaçã o, polı́ticas pú blicas
de educaçã o e em processos psicossociais. Ao analisar os artigos, nota‑se dois pontos principais que sã o
desdobramentos crı́ticos a esse processo: A dissonâ ncia da Educaçã o inclusiva na teoria e na prá tica e os
frequentes fortalecimentos de diagnó sticos que orientam uma açã o socioeducativa que fortalece a
exclusã o, desigualdades, desviando o olhar para as possibilidades existentes para alé m das limitaçõ es
orgâ nicas.
A dissonâ ncia transparece nas atuaçõ es sem suporte e sem interlocuçõ es necessá rias para conduzir
uma educaçã o inclusiva como proposta nas polı́ticas pú blicas, pois demanda uma responsabilidade e
empenho nã o somente dos professores que estã o diretamente em contato com os alunos, mas de toda a
equipe escolar, do Estado, famı́lia e comunidade. Assim como a inclusã o nã o se limita a processos de
socializaçã o, també m nã o se faz sem participaçã o que proporcione o envolvimento social desses alunos,
com atividades criadoras que estimulem aspotencialidades enquanto sujeitos capazes de vivenciar o
desenvolvimento e de apreenderem o conhecimento ao passo que mediados pela cultura.
Psicologia Histó rico‑cultural fundamenta como teoria, uma prá tica pela historicidade dos sujeitos
inseridos numa sociedade em constante transformaçã o e formaçã o, sendo nas contradiçõ es das relaçõ es
sociais e da cultura que há transformaçã o em movimento contı́nuo nos sujeitos, formando assim suas
subjetividades nos encontros concretos com a realidade em que estã o inseridos, em todas as esferas
sociais. Por isso se faz necessá rio uma inclusã o para alé m de inserçã o, mas de participaçã o ativa desses
alunos, enquanto que ao passo que aprendem, criam e fazem, forma‑se cidadã os conscientes da sua
histó ria e atuantes na sociedade.
Diante disso, a inclusã o nã o se faz somente para os alunos com necessidades educativas especiais,
mas para todos, independentemente das condiçõ es orgâ nicas, socioeconô micas, geográ ficas e
identitá rias. Um processo que mesmo ainda deficitá rio e visto nas concepçõ es de professores, psicó logos

37
e grande parte da sociedade atravé s de reducionismos e assistencialismos, o ló cus inclusivo deve ser
considerado como uma luta social e polı́tica pois entre desafios e enfrentamentos, o “(...) convı́vio com a
diferença é um esforço coletivo” (Nunes et al., 2015, p. 1117).
Portanto há o desafio e a necessidade de mais estudos que demonstrem a realidade das escolas
brasileiras e suas contradiçõ es com a inclusã o escolar, com mais investigaçõ es sobre possibilidades que
incluam a atuaçã o de todos os profissionais da educaçã o para fazer a inclusã o e nã o somente centrado
aos professores e psicó logos escolares.

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39
Contribuições da perspectiva sócio‑histórico‑cultural para a educação especial

Thiffanne Pereira dos Santos

Resumo

O presente trabalho coloca em discussã o a relaçã o entre a Educaçã o Especial e as concepçõ es


propostas pela perspectiva só cio‑histó rico‑cultural, bem como suas repercussõ es no processo de inclusã o
escolar dos alunos pú blico‑alvo da referida modalidade de ensino. Para promover a aná lise dessa
temá tica, procura‑se elucidar os seguintes pontos: a relevâ ncia da interlocuçã o entre diferentes á reas do
conhecimento (Psicologia e Educaçã o) para a efetivaçã o da inclusã o escolar; a compreensã o das
possibilidades de aprendizagem e desenvolvimento dos alunos pú blico‑alvo da Educaçã o Especial e o
papel das instituiçõ es educacionais nesse processo; e a reflexã o sobre o conceito de zona de
desenvolvimento proximal para a proposiçã o de intervençõ es pedagó gicas significativas. Nesse sentido,
a investigaçã o ancora‑se nos estudos de Glat (2009), Rodrigues (2006), Bersch (2013), Vygotsky (2007,
2010), Leontiev (2004), Luria (1979), entre outros, para pensar a funçã o atribuı́da à Educaçã o Especial
e aos processos de aprendizagem e desenvolvimento dos alunos pú blico‑alvo da Educaçã o Especial.

Palavras‑chave: Educaçã o Especial. Psicologia. Aprendizagem e desenvolvimento. Zona de


desenvolvimento proximal.

Introdução

Falar em inclusã o escolar – principalmente em Educaçã o Especial6 – sempre nos remete a ideia de
acesso e permanê ncia dos alunos pú blico‑alvo dessa modalidade de ensino à s instituiçõ es educacionais.
No entanto, a ideia de inclusã o escolar norteadora desse estudo vai alé m da questã o do acesso e da
permanê ncia desses alunos nas instituiçõ es. Consiste em oportunizar possibilidades de ampliaçã o da
aprendizagem e do desenvolvimento dos alunos pú blico‑alvo da Educaçã o Especial7, a fim de reduzir as
barreiras que porventura se colocam na trajetó ria desse grupo, devido as suas especificidades.
De acordo com os princı́pios da Educaçã o Inclusiva, o processo de inclusã o escolar nã o consiste
apenas em garantir que esses alunos estejam presentes nas instituiçõ es educacionais. Alé m disso, é
essencial també m a promoçã o de intervençõ es que possibilitem a eles aperfeiçoar suas habilidades e
competê ncias. Segundo Reis (2006), o foco precisar ser o desenvolvimento de uma educaçã o de cunho
humanista, baseada na igualdade de oportunidades e na promoçã o de saberes que incitam atitudes de
valorizaçã o do ser humano e de respeito à diversidade. Nesse sentido, para que a inclusã o se torne uma
realidade é necessá rio propiciar oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento para todos aqueles
que compõ em o ambiente escolar, pois “a inclusã o traz consigo o desafio de nã o só acolhermos os alunos
com deficiê ncia, mas de garantirmos condiçõ es de acesso e de aprendizagem em todos os espaços,

6 De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educaçã o Nacional – Lei nº 9394/96 (LDBEN), a Educaçã o Especial é a modalidade de
educaçã o oferecida aos educandos com deficiê ncia, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotaçã o,
preferencialmente, na rede regular de ensino. Esses educandos sã o considerados o pú blico‑alvo da Educaçã o Especial (BRASIL, 1996).
7O princı́pio de Educaçã o Especial adotado nesse trabalho pauta‑se no direito constitucional de todos a igualdade de condiçõ es de acesso e
permanê ncia na escola (BRASIL, 1988). Frente a isso, a percepçã o de Educaçã o Especial abordada “assume que as diferenças humanas sã o
normais” e que “ao invé s de se adaptar a criança à s assunçõ es pré ‑concebidas a respeito do ritmo e da natureza do processo de
aprendizagem” é necessá rio desenvolver “uma forte pedagogia da qual todas as crianças possam se beneficiar” (UNESCO, 1994).

40
programas e atividades do cotidiano escolar” (BERSCH, 2013, p.132).
A inclusã o escolar requer o desenvolvimento de prá ticas pedagó gicas que reduzam as
desigualdades de oportunidades presentes nas instituiçõ es educacionais. Nesse sentido, a compreensã o
dos processos de aprendizagem e desenvolvimento do sujeito devem ser parte constituinte da elaboraçã o
de açõ es pedagó gicas com foco no aprimoramento das habilidades desses alunos. Esse olhar cuidadoso
para a inclusã o assegura aos alunos pú blico‑alvo da Educaçã o Especial o direito de ampliar suas
possibilidades de aprendizagem e de expandir seu leque de capacidades e de conhecimentos, tanto nas
instituiçõ es educacionais quanto em outros espaços sociais. A concretizaçã o dessa premissa requer o
efetivo diá logo entre a educaçã o e as outras á reas do conhecimento, as quais poderã o oferecer novos
subsı́dios paracontribuir com esse processo.
A Psicologia é uma dessas á reas, pois possibilita “a aná lise das peculiaridades psicoló gicas da
criança, que cria obstá culo para levar‑lhes instruçã o com ê xito” (LURIA, 1979, p. 24). Essa aná lise é
essencial para o processo educativo dos alunos pú blico‑alvo da Educaçã o Especial. Isso porque, as
especificidades apresentadas por esse grupo – se nã o bem compreendidas e trabalhadas – podem
representar barreiras para a aprendizagem e desenvolvimento desses alunos.
Sendo assim, ao refletir sobre a inclusã o escolar é inevitá vel abordar a questã o do processo de
aprendizagem e desenvolvimento de cada sujeito, pois essa discussã o é fundamental para a constituiçã o
de uma educaçã o significativa para todos os envolvidos no processo educativo. Quando o objetivo é
incluir, faz‑se necessá rio o comprometimento de todos com uma perspectiva de educaçã o voltada para
o respeito à diversidade, considerando as possibilidades de crescimento de cada sujeito.
Realizadas essas primeiras ponderaçõ es, esse estudo ao abordar a temá tica da inclusã o escolar,
ressalta a relevâ ncia do debate sobre a questã o da aprendizagem e do desenvolvimento de cada sujeito
para a efetivaçã o de um trabalho pedagó gico com mais qualidade e significado. Trabalho esse que seja
capaz de contribuir para a formaçã o plena dos alunos pú blico‑alvo da Educaçã o Especial e que nã o se
restrinja a oportunizar “momentos de socializaçã o” como se esse fosse o ú nico objetivo da inclusã o
escolar.

1. Educação Especial e Psicologia: interação necessária

E relevante destacar que durante longo perı́odo os alunos pú blico‑alvo da Educaçã o Especial foram
relegados do convı́vio social e impedidos de frequentar as instituiçõ es de ensino regular. Contudo, no
contexto atual nã o há mais espaço para uma educaçã o excludente que desacredita no potencial de
aprendizagem e desenvolvimento de todos os alunos, independentemente de suas especificidades. O
acesso dos alunos pú blico‑alvo da Educaçã o Especial à s instituiçõ es educacionais é um direito garantido
por lei. Assim, compete a essas instituiçõ es receber esses alunos e oferecer‑lhes reais oportunidades para
ampliarem suas habilidades e competê ncias. Conforme Glat (2009), as instituiçõ es precisam pensar no
estabelecimento de prá ticas e estraté gias pedagó gicas visando a real aprendizagem desses alunos.
A adoçã o de preceitos inclusivos por parte das instituiçõ es educacionais pressupõ e acreditar no
potencial de aprendizagem e desenvolvimento de todos os alunos, sem buscar nos estigmas a razã o para
um pressuposto fracasso escolar ou para se eximir da oferta de oportunidades para todos. A educaçã o
pautada nesses preceitos parte do princı́pio de que as diferenças engrandecem o processo educativo, já
que o sujeito aprende no contato com o outro, com o novo, com o que o desafia.
Com base nessa concepçã o, as instituiçõ es educacionais se tornam espaços onde prevalece a
heterogeneidade em detrimento da homogeneidade e da padronizaçã o. Na perspectiva de uma educaçã o

41
inclusiva, as necessidades originá rias das diferenças podem ser reduzidas por meio de prá ticas que
busquem oportunizar a aprendizagem de todos sem distinçã o. Destarte, disponibilizar oportunidades de
aprendizagem a todos nã o significa estabelecer padrõ es de atividades e recursos, fundindo as diferenças
em uma identidade. Ao contrá rio, consiste em propiciar aos alunos os meios necessá rios para que sejam
capazes de superar suas dificuldades e ultrapassar expectativas de aprendizagem na construçã o do
conhecimento e na participaçã o do ambiente escolar.
Assim, é necessá rio acreditar na potencialidade de cada aluno respeitando os diferentes ritmos de
desenvolvimento, as crenças, os valores, a cultura e demais especificidades de cada um. Todavia, colocar
isso em prá tica requer, entre outros fatores, o desenvolvimento de prá ticas pedagó gicas que consigam
dar a resposta adequada à s necessidades de cada aluno. Tal visã o do processo educativo que reside na
perspectiva da Educaçã o Inclusiva reitera a importâ ncia do acesso e da permanê ncia de todos os alunos
nas escolas regulares, bem como ressalta a necessidade de equidade de oportunidades de aprendizagem
e desenvolvimento para todos os alunos. Conforme Rodrigues (2006, p. 303), esse modelo de educaçã o
“pressupõ e uma participaçã o plena numa estrutura em que os valores e prá ticas sã o delineados tendo
em conta as caracterı́sticas, interesses, objetivos e direitos de todos os participantes no ato educativo”.
Diante dessa perspectiva, é preciso buscar mecanismos para que os alunos pú blico‑alvo da
Educaçã o Especial consigam aprender e també m se desenvolver nas instituiçõ es educacionais. Um dos
mecanismos que podem colaborar para que isso se torne possı́vel é o estabelecimento de relaçõ es entre
as diferentes á reas do conhecimento e a educaçã o (Pedagogia), de modo a assegurar a esses alunos reais
oportunidades de aquisiçã o de novos saberes.
Eis o porquê do diá logo entre educaçã o e psicologia. Segundo Luria (1979, p. 23), “a ciê ncia
psicoló gica é de grande importâ ncia prá tica para vá rios campos”, alé m disso, ela “representa hoje um
sistema amplamente ramificado de disciplinas, que estudam a atividade psı́quica do homem em
diferentes aspectos” (1979, p. 11). Logo, a Psicologia contribui para ampliar a compreensã o do processo
educativo, fazendo emergir elementos reveladores das melhores formas de se trabalhar os
conhecimentos e as especificidades de cada sujeito. Nesse contexto,
a Psicologia pedagó gica é a á rea da Psicologia aplicada que deve assegurar a argumentaçã o
cientı́fica dos programas e mé todos de ensino, estabelecer o cı́rculo dos conceitos acessı́veis à s
crianças da idade correspondente e os mé todos de transmissã o do material que garantirã o sua
melhor assimilaçã o. (LURIA, 1979, p. 24)

No caso da Educaçã o Especial, a interaçã o entre os saberes advindos da Psicologia com os


provenientes da Pedagogia favorece a instituiçã o de prá ticas educativas realmente inclusivas que
consideram as particularidades de cada sujeito. Essa interaçã o possibilita a compreensã o das
singularidades cognitivas de cada sujeito e dá indı́cios de quais prá ticas pedagó gicas sã o capazes de
despertar habilidades nos alunos pú blico‑alvo da Educaçã o Especial. Por meio dessa relaçã o, podem‑se
desvelar novos caminhos pelos quais seja possı́vel desenvolver um trabalho pedagó gico que permita a
esses alunos assimilar uma nova gama de conhecimentos, haja vista que esse processo de assimilaçã o
“depende substancialmente das peculiaridades psicoló gicas da criança, da idade e dos processos
cognitivos na aprendizagem escolar” (LURIA, 1979, p. 24).
Portanto, a Psicologia é uma ciê ncia essencial para que se consiga desenvolver uma educaçã o
realmente inclusiva. Nã o há como falar em inclusã o escolar sem pensar na individualidade de cada sujeito
e na forma como cada um consegue aprimorar suas capacidades cognoscitivas. E é por isso que a
Psicologia tem um papel tã o importante para a Educaçã o Especial. A interaçã o entre essas duas á reas
coopera para a elaboraçã o de uma educaçã o inclusiva que respeite a diversidade e que leve em

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consideraçã o o fato de que cada sujeito é ú nico e tem diferentes formas e ritmos de aprender e se
desenvolver.

2. A questão da aprendizagem e do desenvolvimento na Educação Especial

E sabido que os alunos pú blico‑alvo da Educaçã o Especial precisam de um nú mero maior de
estı́mulos para desenvolver suas habilidades e competê ncias. Logo, as instituiçõ es educacionais sã o um
lugar privilegiado para a disponibilizaçã o dessas oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento8.
Por isso, conforme já mencionado, é essencial que essas instituiçõ es se preparem para planejar, elaborar
e oferecer açõ es pedagó gicas que sejam capazes de contribuir para que tais alunos aprimorem suas
capacidades. Embora esses alunos possuam algumas especificidades, eles sã o plenamente capazes de
evoluir e adquirir novas saberes e conhecimentos.
De acordo com Leontiev (2004, p. 337), os alunos pú blico‑alvo da Educaçã o Especial quando sã o
colocados “nas condiçõ es que lhes convé m e lhes aplica mé todos de ensino especiais, a experiê ncia
mostra que em muitos casos conseguem fazer considerá veis progressos e por vezes mesmo liquidar
completamente o seu atraso”. Sendo assim, podemos ver a relevâ ncia de se pensar estraté gias capazes
de despertar as habilidades desses alunos de tal forma a contribuir para seu pleno desenvolvimento e
sua real inclusã o nos ambientes educacionais e sociais.
Para Leontiev (2004, p. 337), quando nã o se consegue promover as possibilidades adequadas de
aprendizagem ao aluno pú blico‑alvo da Educaçã o Especial, há que se questionar se “o seu atraso era
efetivamente irremediá vel ou a sua sorte ficou à dever‑se à açã o de má s condiçõ es ou de acasos infelizes,
condiçõ es que poderiam mudar, acasos que se poderiam afastar no decurso do seu desenvolvimento?”.
Diante desse questionamento, cabe a todos os envolvidos no processo educativo refletir sobre as posturas
pedagó gicas adotadas e sobre as consequê ncias que elas podem ter no desenvolvimento futuro desse
aluno.
Diante disso, nã o se podem encerrar os alunos pú blico‑alvo da Educaçã o Especial em estereó tipos
ou ró tulos, atribuindo a eles a total responsabilidade pela ausê ncia de um desenvolvimento “dito normal”
ou considerado “esperado” e “tı́pico”. Ou seja, nã o se pode classificar um sujeito como inapto devido a
uma dificuldade apresentada por ele, pois com o auxı́lio de açõ es disponibilidades no meio e por via da
interaçã o com o outro é possı́vel que esse sujeito se aproprie de novos conhecimentos.
E preciso ter em mente que as peculiaridades apresentadas pelos alunos pú blico‑alvo da Educaçã o
Especial nã o sã o determinantes ú nicas do seu desenvolvimento e aprendizagem. Para alé m dessa questã o,
há que se considerar també m a influê ncia dos fatores externos no processo de aprendizagem e
desenvolvimento desses alunos, tais como: os meios de ensino, as oportunidades disponibilizadas, as
prá ticas pedagó gicas adotadas e até a concepçã o de educaçã o implementada.
Conforme afirma Leontiev (2004, p. 352), ao pensar no desenvolvimento dos sujeitos é essencial
considerar “a existê ncia de largas possibilidades, infelizmente nem sempre exploradas, de pedagogia
corretiva, que o estudo do processo de desenvolvimento psı́quico evidencia”. Assim, a postura pedagó gica
adotada no processo de inclusã o escolar desses alunos pode ter papel decisivo para contribuir com a

8 Na visã o de Vygotsky (2007), a aprendizagem é um processo pelo qual o sujeito adquire informaçõ es, habilidades, atitudes e valores a partir
do seu contato com a realidade. Ela depende da interaçã o social e está ligada a contribuiçã o do meio sociocultural no ensino e na instruçã o.
Ademais, promove alteraçã o no desenvolvimento do sujeito pela interferê ncia de outrem despertando processos internos. Já o
desenvolvimento representa a alteraçã o na estrutura dos comportamentos, configurando‑se como um processo nã o linear. Consiste em
transformaçõ es complexas e qualitativas, tais como: saltos, rupturas, evoluçõ es, involuçõ es, conflitos e contradiçõ es.

43
ampliaçã o (ou nã o) das capacidades desses alunos.
Ademais, é preciso ter uma visã o que nã o se restrinja à s limitaçõ es previstas em um diagnó stico
inicial desses alunos nem à s possı́veis dificuldades que elas podem trazer para o processo de
aprendizagem e desenvolvimento deles. Os fatores internos podem sim representar obstá culos, no
entanto, eles nã o sã o determinantes isolados das possibilidades de aprimoramento dos alunos pú blico‑
alvo da Educaçã o Especial. Ao contrá rio, fatores externos podem ampliar as chances de aperfeiçoamento
das capacidades de cada sujeito.
De tal modo, na constituiçã o da inclusã o escolar dos alunos pú blico‑alvo da Educaçã o Especial, é
essencial que cada sujeito seja compreendido em sua especificidade. Mas, també m é importante que se
considere a influê ncia do meio e do outro – fatores externos – na aprendizagem e no desenvolvimento
deles. Todas as intervençõ es pedagó gicas pensadas e planejadas, as vivê ncias proporcionadas, as
interaçõ es com os pares, entre outros aspectos, sã o fundamentais para oportunizar a construçã o de novas
habilidades por esses alunos.
Por fim, na inclusã o dos alunos pú blico‑alvo da Educaçã o Especial é fundamental levar em conta
os fatores internos que interferem em seu desenvolvimento e aprendizagem, mas també m é primordial
considerar o papel dos fatores externos – o meio e o outro – nesse processo, reconhecendo como eles
podem contribuir para reduzir as possı́veis dificuldades apresentadas por esses alunos. Caso contrá rio,
conforme Leontiev (2004), pode‑se incorrer ao erro da adoçã o de mé todos pedagó gicos ativos, cientı́ficos
e diferenciados que minimizam as possibilidades de desenvolvimentos desses alunos como se fossem
incapazes de aprender.

3. A zona de desenvolvimento proximal: a importância do meio e do outro na inclusão


escolar

Frente à importâ ncia das instituiçõ es educacionais na promoçã o de açõ es pedagó gicas que incitam
a aprendizagem dos alunos pú blico‑alvo da Educaçã o Espacial, vale ressaltar a necessidade de se
compreender o significado de zona de desenvolvimento proposto por Vygotsky. Ao analisar o
desenvolvimento das crianças, Vygotsky afirma que existe “um nı́vel evolutivo real que pode ser avaliado,
quando ela é individualmente testada, e um potencial imediato para o desenvolvimento naquele domı́nio.
Vygotsky chamou a diferença entre os dois nı́veis de zona de desenvolvimento proximal” (TUDGE, 1996,
p. 152).
A zona de desenvolvimento proximal é o espaço no qual as instituiçõ es possuem mais
possibilidades de realizar intervençõ es pedagó gicas que auxiliem os alunos a potencializar suas
capacidades. Haja vista que, conforme afirma Vygotsky, é nessa zona que o sujeito é capaz de concretizar
a “soluçã o de problemas sob a orientaçã o de um adulto ou em colaboraçã o com companheiros mais
capazes” (VYGOTSKY, 2007, p. 97).
As intervençõ es pedagó gicas feitas nesse momento possuem maior influê ncia na aprendizagem e
no desenvolvimento dos sujeitos. Esse entendimento é fundamental para o exercı́cio de uma prá tica
educativa inclusiva, intencional e significativa. Tal prá tica requer o uso dos instrumentos do meio e das
interaçõ es com o outro para potencializar a aprendizagem, já que “a zona de desenvolvimento proximal
permite‑nos delinear o futuro imediato da criança e seu estado dinâ mico de desenvolvimento,
propiciando o acesso nã o somente ao que já foi atingido atravé s do desenvolvimento, como també m
à quilo que está em processo de maturaçã o” (VYGOTSKY, 2007, p. 98).
Essa concepçã o de zona de desenvolvimento proximal nos revela que a capacidade de

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aprendizagem e desenvolvimento do sujeito nã o está resumida a seu potencial individual, nenhum sujeito
aprende sozinho. Ao contrá rio, o sujeito aprende com as relaçõ es, com as mediaçõ es ocasionadas durante
a proposta de açõ es pedagó gicas significativas, por isso é preciso oferecer oportunidades amplas e
diferenciadas para que os alunos possam adquirir novas habilidades.
Logo, se pensarmos nos alunos pú blico‑alvo da Educaçã o Especial e em sua aprendizagem e
desenvolvimento, é fundamental que haja intervençõ es pedagó gicas estimuladoras e que atendam à s
suas necessidades. Com isso, o sujeito pode se apropriar dos conhecimentos, conceitos, conteú dos e até
contradiçõ es disponibilizadas e vivenciadas na zona de desenvolvimento proximal, que é um espaço de
mudança e de aprendizagem.
A existê ncia da zona de desenvolvimento proximal nã o institui um ideal de aprendizagem e
desenvolvimento a ser atingido por todos de forma ú nica. O olhar atento à s necessidades de cada sujeito,
em especial dos alunos pú blico‑alvo da Educaçã o Especial, é fundamental para a compreensã o de que
cada sujeito se desenvolve de uma forma particular nem sempre linear. Por isso, a importâ ncia de se
promover atividades que estimulem nã o só a imitaçã o ou a reproduçã o de saberes, mas atividades que
levem ao desenvolvimento intelectual, afetivo, social e cultural desses sujeitos.
Nesse contexto, oportunizar a esses alunos o contato com o meio e com o outro significa apresentar
a eles um novo e ampliado conjunto de saberes que podem repercutir positivamente em seu
desenvolvimento. Isso porque, “o mundo social preexistente, encarnado no adulto ou no colega mais
competente, se torna o objetivo para o qual tende o desenvolvimento” (TUDGE, 1996, p. 153). Ademais,
“a colaboraçã o com outra pessoa – um adulto ou um colega mais competente – na zona de
desenvolvimento proximal conduz entã o ao desenvolvimento de formas culturalmente apropriadas” (p.
153).
Desse modo, um processo de ensino‑aprendizagem bem organizado e planejado, pautado no
contexto só cio‑histó rico‑cultural, pode aprimorar o desenvolvimento dos alunos pú blico‑ alvo da
Educaçã o Especial por meio das aprendizagens efetivadas. Assim, cabem à s instituiçõ es educacionais
buscar formas diferenciadas de se trabalhar os conhecimentos com esses alunos, levando em
consideraçã o as suas limitaçõ es e avanços. Assim,
precisamente porque as crianças retardadas, quando deixadas a si mesmas, nunca atingirã o
formas bem elaboradas de pensamento abstrato, é que a escola deveria fazer todo esforço para
empurrá ‑las nessa direçã o, para desenvolver nelas o que está intrinsecamente faltando no seu
pró prio desenvolvimento (VYGOTSKY, 2007, p. 101).

Conforme o exposto, as instituiçõ es educativas tê m a incumbê ncia de promover subsı́dios que
auxiliem os alunos pú blico‑alvo da Educaçã o Especial a superar suas dificuldades. Para tanto, é preciso
evitar a perpetuaçã o de açõ es pedagó gicas simplistas que vã o apenas mantê ‑ los no mesmo patamar ou
subjugá ‑los a um status de inferioridade e incapacidade premeditada. Nesse sentido, o foco do processo
de ensino‑aprendizagem deve ser a superaçã o das barreiras e a ampliaçã o das possibilidades de
aprendizagem desses alunos e nã o as suas limitaçõ es.
Acreditar no potencial dos alunos pú blico‑alvo da Educaçã o Especial e na força do meio e do outro
no processo de ensino‑aprendizagem é fundamental para que a inclusã o realmente aconteça. Torna‑se
primordial, nesse contexto, o enriquecimento das açõ es disponibilizadas durante o processo educativo.
A variedade de propostas educativas favorece a relaçã o com o outro e com o meio da aprendizagem e,
por sua vez, repercute no desenvolvimento desses alunos.
Como Vygotsky demonstrou em sua abordagem da educaçã o de crianças fı́sica e mentalmente
deficientes, mudanças no contexto da educaçã o podem ter profundas consequê ncias para o
processo de desenvolvimento. Vygotsky sentiu que crianças com deficiê ncias tanto mentais

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quanto fı́sicas deviam ser estimuladas a interagir amplamente ao invé s de serem educadas
apenas em contato com crianças na mesma situaçã o (TUDGE, 1996, p. 153).

Segundo a assertiva de Tudge (1996), faz‑se necessá rio compreender que todo processo de
aprendizagem e desenvolvimento – inclusive dos alunos pú blico‑alvo da Educaçã o Especial – é dialé tico.
O homem transforma a si mesmo, assim como é transformado pelo mundo, pelo meio, à medida que tem
contato com outros homens, com a natureza e com a cultura, já que a atividade humana é uma atividade
social e culturalmente enraizada. Existe uma indissociabilidade entre homem, meio e outrem e é por via
dessas relaçõ es que o sujeito aprende e vai se modificando, se transformando.
Todo sujeito é um ser multideterminado, ele nã o é só corpo e sim o corpo no espaço onde as
relaçõ es acontecem e existem de forma concreta. Nã o é um ser isolado, mas um sujeito em processo de
construçã o, evoluçã o, aprendizagem e desenvolvimento. Logo, as vivê ncias histó ricas, culturais e sociais
experiê ncias de cada sujeito nos espaços educacionais sã o fundamentais para seu crescimento. Segundo
Vygotsky, a vivê ncia de uma situaçã o qualquer, a vivê ncia de um componente qualquer do meio determina
qual influê ncia essa situaçã o ou esse meio exercerá na criança. Dessa forma, nã o é esse ou aquele
elemento tomado independentemente da criança, mas sim, o elemento interpretado pela vivê ncia da
criança que pode determinar sua influê ncia no decorrer de seu desenvolvimento futuro (VYGOTSKY,
2010, p. 683‑ 684)
De acordo com Vygotsky (2010), as particularidades de cada sujeito devem ser consideradas ao se
pensar a melhor forma de promover a intervençã o pedagó gica que contribua para o aprimoramento
psı́quico dos envolvidos no processo de aprendizagem. A vivê ncia do aluno compreende questõ es
relacionadas ao meio e també m à personalidade do sujeito, resultando nas suas possibilidades de
desenvolvimento. Entã o, é preciso identificar as necessidades especı́ficas de cada um para promover
açõ es com vistas à superaçã o de barreiras, de modo a tornar esse pú blico mais ativo. De tal modo que
nã o aconteça somente a transmissã o, a imitaçã o, mas també m a construçã o do conhecimento.
A conduçã o adequada do processo de ensino‑aprendizagem por meio da promoçã o de interaçõ es
adequadas entre o aluno, o meio e o outro contribui para que ele se aproprie dos conhecimentos
histó ricos e culturalmente veiculados à sociedade. E a zona de desenvolvimento proximal é o contexto
ideal para que sejam estabelecidas essas relaçõ es. As açõ es propostas no espaço da escola vã o servir de
suporte para que os alunos pú blico‑alvo da Educaçã o Especial possam compensar suas dificuldades e
aprender de forma expressiva. Nã o restringindo esse processo ao ato de imitar e reproduzir, mas
relacionando‑o a prá tica da internalizaçã o e significaçã o do que foi aprendido.
Diante disso, é imperioso compreender as necessidades desses alunos para oferece‑ lhes açõ es que
possibilitem o aprimoramento de suas funçõ es psı́quicas, efetivando, assim, a sua participaçã o no
processo de ensino‑aprendizagem. Com isso, aluno será capaz de percorrer o caminho necessá rio para
desenvolver e consolidar as funçõ es que estã o em processo de amadurecimento. Nesse processo, a
mediaçã o de outrem é fundamental para que se efetive a apropriaçã o dos conhecimentos constituı́dos
nas interaçõ es com o meio e o outro.
Por fim, a zona de desenvolvimento proximal é um espaço de construçã o coletiva diante do qual é
preciso compreender o que diferencia os alunos pú blico‑alvo da Educaçã o Especial e nã o o que os
assemelha. Somente assim será possı́vel buscar açõ es que os auxiliem a superar tais diferenças e a criar
novas aptidõ es tomando‑as para si. Desse modo, reconhecer a importâ ncia das intervençõ es pedagó gicas
disponibilizadas nesse processo é fundamental quando se pensa na inclusã o escolar desses alunos. Pois,
nesse contexto a mediaçã o e a relaçã o com o meio o outro podem representar possibilidades de
compensaçã o das suas dificuldades, proporcionando reais chances de aprendizagem e desenvolvimento.

46
Considerações finais

Durante o exercı́cio de reflexã o sobre as possibilidades de aprendizagem e desenvolvimento dos


alunos pú blico‑alvo da Educaçã o Especial, ficou evidente que as contribuiçõ es da perspectiva só cio‑
histó rico‑cultural quanto ao processo de aprendizagem e desenvolvimento dos sujeitos sã o fundamentais
para a efetivaçã o de uma educaçã o realmente inclusiva. Nessa perspectiva, o foco das instituiçõ es de
ensino deve ser as possibilidades de crescimento dos alunos pú blico‑alvo da Educaçã o Especial e nã o
suas limitaçõ es. Ademais, foi destacada a relevâ ncia das instituiçõ es educacionais assumirem o papel de
promotoras de intervençõ es pedagó gicas que auxiliem esses alunos a compensarem suas dificuldades e
conseguirem aprimorar seu desenvolvimento. Isso porque, todo sujeito pode aprender desde que lhes
sejam dadas as possibilidades para isso.
Para alé m dessas questõ es, a compreensã o de que a aprendizagem desses alunos nã o se restringe
apenas a fatores internos do sujeito, mas també m a fatores externos e a sua influê ncia nesse processo,
contribui para a efetivaçã o de uma educaçã o inclusiva pautada no respeito à diversidade.
Independentemente de suas particularidades, todo sujeito é capaz de se transformar, modificar e crescer.
Diante desses apontamentos, torna‑se perceptı́vel que apesar de a inclusã o escolar dos alunos
pú blico‑alvo da Educaçã o Especial ser considerada por muitos uma ilusã o, um discurso idealizado ou
uma ideia sem viabilidade prá tica, ela é sim possı́vel e deve ser cada vez maisdiscutida, pensada e
aprimorada. Nã o podemos nos esquivar da busca de mecanismos promotores da inclusã o. E preciso
associar diferentes á reas do conhecimento – como a psicologia e a educaçã o – para garantir a esses alunos
o aprimoramento de suas habilidades.
Portanto, é mais significativo e enriquecedor ser questionado por acreditar nas possibilidades de
uma educaçã o inclusiva que visa à aprendizagem e ao desenvolvimento de todos, a se deixar esmorecer
pelo descré dito, de modo a encerrar os alunos pú blico‑alvo da Educaçã o Especial a um destino de falta
de oportunidades. Nessa perspectiva, recorremos novamente à s palavras de Leontiev: “podem‑me
censurar num certo otimismo pedagó gico e psicoló gico exagerado. Mas essa censura nã o me mete medo,
pois este otimismo assenta em dados cientı́ficos objetivos e encontra confirmaçã o completa na prá tica
pedagó gica de vanguarda” (LEONTIEV, 2004, p. 352). Essa via de entendimento legitima a reflexã o
proposta neste estudo.

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47
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48
Contribuições histórico‑culturais à Psicologia Escolar na Educação Especial
Inclusiva

Sonia Mari Shima Barroco9


Iracema Neno Cecilio Tada10

Resumo

Objetiva‑se discutir as contribuiçõ es da Psicologia Escolar à Educaçã o Especial sob a perspectiva


da educaçã o inclusiva à luz da Psicologia Histó rico‑Cultural (PHC). Aborda‑se a Psicologia Escolar como
á rea de atuaçã o profissional que aplica estudos teó rico‑metodoló gicos e també m os suscitam. Para o
propó sito, sã o apresentados aspectos conceituais sobre a educaçã o escolar, o desenvolvimento do
psiquismo, a educaçã o especial e a inclusã o. A Psicologia Escolar ao se pautar na tese central da PHC, a
produçã o social do psiquismo, e ao recuperar os fundamentos teó rico‑metodoló gicos da defectologia
vigotskiana, pode contribuir de modo efetivo no desvelamento e no enfrentamento das queixas escolares
e na produçã o do fracassoescolar. Esta produçã o, nã o raramente, tem sido a porta de entrada para a
Educaçã o Especial, e nessa modalidade de ensino ela pode se instalar sob a sombra dos diagnó sticos e
laudos. Conclui‑se que à Psicologia Escolar cabe manter‑se numa perspectiva crı́tica, em defesa da boa
escola, aquela que exerce a funçã o clá ssica de ensinar e que busca estraté gias adequadas para tanto, visto
que todas as pessoas – com e sem deficiê ncia ‑ podem aprender. Essa luta implica garantias de acesso à
matrı́cula e à escola, de permanê ncia com condiçõ es efetivas de acesso aos conteú dos cientı́ficos,
artı́sticos, filosó ficos, é ticos e de convivê ncia em sociedade, e de terminalidade dos estudos com
apropriaçã o e certificaçã o.

Palavras‑chave: Psicologia Histó rico‑Cultural. Educaçã o Escolar. Desenvolvimento Humano.

1. Introdução

Abordar sobre a Psicologia Escolar requer uma delimitaçã o clara, pois há tantos aspectos que
podem ser contemplados e tantos enfoques possı́veis, por ser uma das á reas mais antigas de formaçã o e
de atuaçã o no â mbito da Psicologia, como já apontou Antunes (2008). Em concordâ ncia com a autora,
com o presente texto objetiva‑se discutir as contribuiçõ es da Psicologia Escolar à modalidade da
Educaçã o Especial sob a perspectiva da educaçã o inclusiva, à luz da Psicologia Histó rico‑Cultural. Ele
resulta de diferentes investigaçõ es cientı́ficas realizadas ou orientadas pelas autoras e de suas pró prias
atuaçõ es como psicó logas escolares, diante dos desafios postos na/pela Educaçã o Bá sica. Esses desafios
envolvem profissionais da educaçã o, estudantes e famı́lias/comunidades e estimulam os estudos, à
ascensã o da prá tica sincré tica e caó tica em busca por respostas ou por elementos explicativos do real. O
pensamento teó rico aqui contemplado se apresenta como resultante dessa busca e instiga a que se volte
ao real como concreto pensado – embora esse entendimento nã o seja aceito como consensual no pró prio
espaço escolar. Nã o raramente depara‑se com professores, pedagogos, psicó logos entre outros

9Programa de Pó s‑graduaçã o em Psicologia – Universidade Estadual de Maringá , Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000‑0002‑4136‑8915. E‑
mail: [email protected].
10Programa de Pó s‑Graduaçã o em Psicologia – Universidade Federal de Rondô nia, Brasil. ORCID. https://orcid.org/0000‑0002‑0081‑953X.
E‑mail: [email protected].

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profissionais afirmando que a teoria é uma coisa, a prá tica é outra, e que nessa é preciso fazer o que possa
dar resultados, ou seja, aquilo que surta efeito.
E justamente contra entendimentos dicotô micos e anistó ricos como esses que uma parcela
significativa de profissionais e de estudiosos da Psicologia Escolar tê m se posicionado. Assim, é
importante que isso seja explicitado, visto que no Brasil prolifera o rechaço à teoria, a desqualificaçã o da
ciê ncia de modo amplo e evidente. Vale lembrar que o ‘recuo da teoria’ já fora tratado por Moraes (2001)
na entrada deste milê nio, quando a autora chama a atençã o para o momento de ressignificaçã o de tudo,
da teoria e das metanarrativas. Certo é que cada vez mais o exposto por Moraes (2001) ganha celeridade
e robustez, sobretudo no Brasil, com os direcionamentos do atual governo federal de modo geral e no
â mbito educacional, de modo especı́fico.
Infelizmente na pró pria escola esse recuo pode ser observado, visto que nem sempre essa
instituiçã o cumpre com sua funçã o clá ssica. E o que seria essa ‘funçã o’? Desde a Pedagogia Histó rico‑
Crı́tica, que converge com a Psicologia Histó rico‑Cultural por adotarem a mesma matriz filosó fica e
metodoló gica do materialismo‑histó rico‑dialé tico, tem‑se essa resposta:
Ora, clá ssico na escola é a transmissã o‑assimilaçã o do saber sistematizado. Este é o fim a atingir. E
aı́ que cabe encontrar a fonte natural para elaborar os mé todos e as formas de organizaçã o do conjunto
das atividades da escola, isto é , do currı́culo. E aqui nó s podemos recuperar o conceito abrangente de
currı́culo: organizaçã o do conjunto das atividades nucleares distribuı́das no espaço e tempo escolares.
Um currı́culo é , pois, uma escola funcionando, quer dizer, uma escola desempenhando a funçã o que lhe
é pró pria. (SAVIANI, 2011, p.17)
Diante do exposto, é necessá rio que isso seja reafirmado, posto que a desqualificaçã o da teoria se
reflete no fato de que a escola sirva como espaço fı́sico e social para tantas outras finalidades (ALVES,
2005), que nã o as atividades de ensino e de estudo, como espaço onde ou pelo qual se aprenda a pensar
o real e a si mesmo, onde se desenvolva a consciê ncia para alé m da imediaticidade empı́rica, onde o
desenvolvimento do psiquismo é movimentado.
Isso se agrava ao se considerar o presente momento, quando, cada vez mais, adota‑se a forma
virtual de relaçã o entre as pessoas e delas com os objetos, as coisas e a natureza, e o ensino remoto se
apresenta como uma proposta cada vez mais ‘plausı́vel’ para todas as sé ries e idades (!). Isso em muito
preocupa, pois alé m de tudo o que já se apontou a respeito (SAVIANI; GALVAO, 2020) preocupa o quanto
isso favorece para que os conteú dos tenham mais chances de serem ‘copiados’ e ‘colados’ sem a
necessá ria apropriaçã o. E fundamental, portanto, que se tenha evidenciada a funçã o clá ssica da escola,
sob a pena de a Psicologia Escolar perder‑se em sua ‘funçã o clá ssica’. E qual seria essa ‘funçã o’? A
Psicologia Escolar deve atuar ou intervir com alunos, professores e demais profissionais, famı́lias ou
responsá veis, gestores, comunidade externa etc., para que todas as pessoas que passam pela escola sejam
metamorfoseadas ou revolucionadas (VYGOTSKY; LURIA, 1996) por aquilo que ela oportuniza, por aquilo
que dela se apropriam. Nesse sentido, precisa identificar as mú ltiplas determinaçõ es que levam ao bom
ensino, aquele que permite/favorece a aprendizagem e que movimenta o desenvolvimento, como
apontou Vigotskii (2010) ao tratar da aprendizagem e do desenvolvimento intelectual na idade escolar.
No Brasil, a ‘funçã o clá ssica’ da Psicologia Escolar é abordada em diferentes publicaçõ es, como a
do Conselho Federal de Psicologia, Referê ncias té cnicas para atuaçã o de psicó logas(os) na educaçã o
bá sica (2019). Nessa sã o apresentadas diferentes açõ es e estraté gias de atuaçã o desse profissional,
apontando para a educaçã o como direito fundamental. Em Referê ncias, a educaçã o é reconhecida como
alvo de disputa – o que é compreensı́vel, seja pelo orçamento que lhe é destinado, seja pelo que por ela
é produzido, no campo das ideias e das prá ticas sociais. Daı́ a necessidade de a Psicologia voltar‑se à

50
educaçã o, e, juntamente com profissionais de outras á reas afins, lutar por polı́ticas pú blicas que garantam
o cumprimento desse direito. Essa luta se acirra, e tem contribuı́do para o esgotamento e o adoecimento
dos sujeitos implicados na medida em que se intensificam a desqualificaçã o da escola e dos professores
(FACCI; ESPER, 2021), a demanda por produçã o cientı́fica, por um lado, e os ataques à essa produçã o e à
divulgaçã o desse conhecimento pela precarizaçã o das condiçõ es ou pela sua explı́cita negaçã o por outro.
Embora possa nã o parecer evidente, está em curso a negaçã o à acessibilidade e à apropriaçã o dessa
produçã o cientı́fica pela classe trabalhadora, em especial a mais pobre, cujas oportunidades de contato
e de domı́nio desse saber ficam cada vez mais restritas.
A Psicologia Escolar deve estar, portanto, na defesa intransigente do direito à educaçã o bá sica de
qualidade para todas as pessoas com e sem deficiê ncias ou necessidades educacionais especiais (NEE),
ante o reconhecimento do papel que ela desempenha para constituiçã o da genericidade em suas vidas.
O empenho a ser continuado é , portanto, nã o somente pela garantia da vida (pela qual tanto se lutou em
2020 e 2021, em funçã o da pandemia da Covid‑19), mas pelo desenvolvimento das pessoas de todas as
classes sociais, raças/etnias, credos etc., a patamares já alcançados pelo gê nero humano. Esse
posicionamento assume uma perspectiva crı́tica por nã o imputar à s parcelas cada vez maiores da
populaçã o as razõ es de ficarem à margem do processo de desenvolvimento, questionando o discurso
meritocrá tico e capacitista que se fortalece com o recuo do pensamento teó rico.
Por tal posicionamento, o profissional dessa á rea se destaca por reconhecer a transitoriedade ou
a historicidade dos fenô menos aos quais é convocado a explicar e junto a eles intervir. Fazer valer o direito
à vida e ao desenvolvimento, implica em se recuperar as gê neses e os processos constitutivos dos
problemas que se lhes apresentam, estabelecendo relaçõ es de causalidade que nem sempre sã o
compreensı́veis à escola, à famı́lia, à sociedade, posto demandarem um cabedal teó rico explicativo. E é
esse cabedal que permite que se atravesse a camada da aparê ncia da queixa escolar, ou do problema a
ser enfrentado – aparê ncia que, nã o raramente, é explicada pelo saber tá cito, e tã o naturalizada que
engendra explicaçõ es da mesma ordem e intervençõ es nã o só equivocadas, mas perigosas, pelo que
podem suscitar.

1. Por uma perspectiva crítica

Para fazer frente a isso, há algumas dé cadas se tornou possı́vel identificar um conjunto de saberes
acadê mico‑cientı́ficos produzidos que toma a Psicologia Escolar como objeto de aná lise, e que vã o
compondo uma densidade teó rico‑ metodoló gica para sustentar esse campo de atuaçã o11. No entanto,
dentre tantos direcionamentos que os estudos desse campo de atuaçã o profissional podem contemplar,
é fundamental a superaçã o de aná lises que tomam por individuais ou restritas a dados grupos, ou por
bioló gicas e clı́nicas problemá ticas que antes sã o de natureza estrutural, social e histó rica. Exemplos
dessas contribuiçõ es sã o as teorizaçõ es de Patto (1983, 1987, 1990) sobre a produçã o do fracasso escolar,
que pô s em questã o ı́ndices alarmantes de reprovaçõ es nas sé ries iniciais. A autora discute se o fracasso
escolar se deve aos problemas de deficiê ncia [intelectual], de diferenças culturais entre outras, ou de
trabalhos inconsistentes nas sé ries de alfabetizaçã o, revelando as fragilidades dos sistemas educacionais
no paı́s. As indagaçõ es seriam inexplicá veis pelos parâ metros usualmente empregados e que levam à
individualizaçã o e à medicalizaçã o. Nessa linha crı́tica, Souza (1996) teoriza sobre a queixa escolar e a

11 No perió dico Psicologia Escolar e Educacional sã o publicados regularmente estudos a respeito, e que contemplam um rol de
especificidades, como consta em: https://www.scielo.br/j/pee/.

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formaçã o de psicó logos, e, Machado (1996) discute a avaliaçã o psicoló gica.
Essas teorizaçõ es, entre outras, abriram frentes para que se tivesse um posicionamento crı́tico em
Psicologia Escolar, nã o buscando o mero ajustamento dos sujeitos à s concepçõ es de normalidade e
questionando o instituı́do nesse campo de atuaçã o num momento emblemá tico de constituiçã o da
sociedade democrá tica no Brasil. Apontam, pois, para o cará ter é tico e polı́tico desse campo de atuaçã o
e das elaboraçõ es teó ricas que ele suscitava e que o poderia nortear.
Estudos desse perı́odo das dé cadas de 1980 e 1990 contribuı́ram para a consolidaçã o de uma
perspectiva crı́tica e para a composiçã o posterior de grupos no Brasil que passaram a adotar a Psicologia
Histó rico‑Cultural como referencial teó rico para subsidiar a prá tica (ASBAHR; SOUZA; BARROCO, 2021).
Salienta‑se que naqueles anos de saı́da da ditadura militar e de elaboraçã o e implantaçã o da Constituiçã o
BrasileDiante do exposto, ressalta‑se que a Psicologia Escolar está à s portas da entrada na Educaçã o
Especial na perspectiva inclusiva pois precisa acolher as queixas escolares, qualificá ‑las e responder de
modo institucional e individualmente a elas, participando de um trabalho interdisciplinar de valorizaçã o
do trabalho educativo, fundamentado na ciê ncia e na defesa dos direitos humanos.ira e da Lei de
Diretrizes e Base da Educaçã o Nacional – LDBEN 9.394/1996 (BRASIL, 1988; 1996) a Psicologia buscava
por espaços nos quais pudesse fazer frente a toda forma de opressã o e de discriminaçã o das pessoas,
delimitando, para tanto, objetos e metodologias de pesquisa. Sua inserçã o na Educaçã o como campo
profissional, e nã o apenas como disciplina que compõ e os fundamentos da educaçã o – a Psicologia
Educacional – carrega essas marcas.
Com a LDBEN, a indagaçã o sobre qual a contribuiçã o da Psicologia Escolar na modalidade da
Educaçã o Especial, que atravessa os nı́veis da Educaçã o Bá sica em suas etapas (Educaçã o Infantil, Ensino
Fundamental Anos Iniciais e Anos Finais, e, Ensino Mé dio) e o Ensino Superior (Graduaçã o e Pó s‑
graduaçã o), e as demais modalidades de ensino, tem estado na pauta das discussõ es.
Passados 25 anos da promulgaçã o da LDBEN, e com a aprovaçã o de diferentes leis e documentos
regulamentando a Educaçã o Especial sob a perspectiva da inclusã o, e, mais recentemente, da Lei
13.925/2019 (BRASIL, 2019), que dispõ e sobre os profissionais de Psicologia e do Serviço Social para
comporem as equipes multidisciplinares de profissionais da educaçã o nas redes pú blicas de ensino, o
debate sobre essas contribuiçõ es tê m se intensificado visando a garantia de boas escolas pú blicas. Para
tanto, se faz mister que o psicó logo escolar e educacional identifique e analise as contradiçõ es estruturais
da sociedade contemporâ nea, as polı́ticas pú blicas para a educaçã o, as tensõ es institucionais existentes,
que se constituem em mú ltiplas determinaçõ es para se constituir a queixa escolar, superando a prá tica
de se abordar o estudante descolado desse contexto.
A Psicologia Escolar contribui para tanto atentando‑se à s queixas, como: evasã o escolar, violê ncia
nas escolas, adoecimento de professores e de alunos, racismo contra o negro, o indı́gena etc.,
discriminaçã o de gê nero, de orientaçã o sexual, de pobreza e de crença. Essas questõ es se apresentam em
meio à s dificuldades relacionadas ao ensino e à aprendizagem, à precariedade na formaçã o teó rico‑
metodoló gica dos professores e de demais profissionais, à falta de condiçõ es adequadas para o trabalho
educativo, à s dificuldades de se chegar e permanecer na escola com segurança e dignidade, ao problema
da insuficiê ncia do nú mero de profissionais, ao plano de carreira dos professores com salá rios baixos e
defasados etc.
Tudo isso se torna ainda mais preocupante posto que se agudizar na situaçã o de exceçã o provocado
pela Pandemia da Covid‑19 e pela ausê ncia de uma polı́tica nacional condizente à valorizaçã o da vida, da
saú de e da educaçã o para enfrentá ‑la. Nesse sentido, quando se pensa nessas problemá ticas atingindo o
pú blico‑alvo da Educaçã o Especial, que requer mú ltiplas adequaçõ es/adaptaçõ es para o ensino e a efetiva

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aprendizagem, a preocupaçã o aumenta.
Expor, pois, sobre as contribuiçõ es da Psicologia Escolar à Educaçã o Especial e Inclusiva, requer
que se pense sobre as suas atribuiçõ es e que se teçam consideraçõ es sobre a Educaçã o Especial Inclusiva
e a escola que se pleiteia.

2. Psicologia Escolar: campo profissional orientado pela ciência

A vinculaçã o da Psicologia à Educaçã o tem sido alvo de interesse de diferentes estudos acadê mico‑
cientı́ficos, como aponta Schlindwein (2010). Identificar as demandas contextuais e histó ricas para a
constituiçã o da subá rea do conhecimento denominada Psicologia da Educaçã o, e da Psicologia Escolar
como campo profissional no qual o saber cientı́fico sobre ensino, aprendizagem e desenvolvimento
humano deve estar implicados, permite que se identifique e se reconheça o papel da educaçã o na
constituiçã o dos sujeitos ou na sua humanizaçã o.
Segundo Antunes (2008, p. 470),
A Psicologia Educacional pode ser considerada como uma sub‑á rea [sic] da psicologia, o que
pressupõ e esta ú ltima como á rea de conhecimento. Entende‑se á rea de conhecimento como
corpus sistemá tico e organizado de saberes produzidos de acordo com procedimentos
definidos, referentes a determinados fenô menos ou conjunto de fenô menos constituintes da
realidade, fundamentado em concepçõ es ontoló gicas, epistemoló gicas, metodoló gicas e é ticas
determinadas.

Antunes (2008, p. 470) a diferencia da Psicologia Escolar, que se caracteriza pelo â mbito
profissional e diz respeito
[...] a um campo de açã o determinado, isto é , o processo de escolarizaçã o, tendo por objeto a
escola e as relaçõ es que aı́ se estabelecem; fundamenta sua atuaçã o nos conhecimentos
produzidos pela psicologia da educaçã o, por outras sub‑á reas [sic] da psicologia e por outras
á reas de conhecimento. Deve‑se, pois, sublinhar que psicologia educacional e psicologia escolar
sã o intrinsecamente relacionadas, mas nã o sã o idê nticas, nem podem reduzir‑se uma à outra,
guardando cada qual sua autonomia relativa.

Ambas, podem abarcar “[...] uma diversidade de concepçõ es, abordagens e sistemas teó ricos que
compõ em o conhecimento, particularmente no â mbito das ciê ncias humanas, das quais a psicologia faz
parte” (ANTUNES, 2008, p. 470). A Psicologia da Educaçã o compõ e as disciplinas de Fundamentos da
Educaçã o que formam també m professores e pedagogos.
Assim, o que essa disciplina ensina e como o faz é de interesse quando se pretende uma perspectiva
crı́tica na escola. Cabe considerar que desde os primó rdios da Psicologia como ciê ncia e profissã o12, a
vinculaçã o e a atuaçã o do Psicó logo à Educaçã o Especial pautavam‑se muito em prá ticas psicomé tricas,
com foco nos aspectos evolutivo‑maturacionais do desenvolvimento humano – algo que ainda se manté m.
Ocorre que essa forma de atuaçã o, subsidiada historicamente por teorias psicoló gicas do
desenvolvimento humano de base idealista e positivista, restringe a compreensã o a respeito da
aprendizagem e do desenvolvimento do aluno que nã o acompanha a contento o ritmo da turma ou dos
colegas com idades pró ximas. A prá tica da comparaçã o se dá com o instituto da normalidade, que em
geral se pauta na prevalê ncia de dadas condutas consideradas desejá veis ou aceitá veis para dados grupos
sociais, e em determinadas fases da vida. Nesse sentido, é bem comum, com apoio dessas teorias, nã o se

12 No perió dico Psicologia Escolar e Educacional sã o publicados regularmente estudos a respeito, e que contemplam um rol de
especificidades, como consta em: https://www.scielo.br/j/pee/.

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levar em conta os diferentes fatores que incidem sobre a sua vida escolar, ou nã o reconhecer que eles
existam, e, assim, nã o se apresentar medidas ou programas escolares e extraescolares para fazer frente
à s necessidades e demandas que vã o se apresentando.
Em parte, é mais simples e cô modo que psicó logos, professores, pedagogos encontrem as
justificativas ou respostas no corpo do aluno do qual se queixa (numa prá tica de biologizaçã o), em suas
condutas e nas relaçõ es familiares instituı́das (sob o vié s da moralidade) para as suas dificuldades de
aprendizagem e para o seu insucesso escolar. Essa prá tica de individualizar no sujeito, em sua famı́lia ou
nos grupos socioeconô mico e/ou é tnico‑racial aos quais pertence, problemá ticas que antes sã o
estruturais, descarta a mediaçã o do pensamento e a posterior contestaçã o sistemá tica e consistente,
acabando por se naturalizar. Um posicionamento contrá rio torna‑se trabalhoso; demanda o
estranhamento atento, responsá vel e propositivo, enfrentando a negaçã o reiterada das aná lises e dos
consequentes redirecionamentos nas rotinas escolares e da vida em geral que elas possam suscitar.
A atuaçã o da Psicologia Escolar deve se respaldar, pois, na ciê ncia, e aqui se entende a ciê ncia como
um conjunto de saberes sistematizados que podem ser comprovados e que transpassam as aparê ncias
dos fenô menos ou objetos que se visa conhecer; que desvela as relaçõ es existentes entre eles, mas que
nã o se mostram imediata e obviamente articuladas. A ciê ncia deve revelar as suas gê neses, os seus
processos constitutivos, os seus movimentos e as suas contradiçõ es. O saber cientı́fico deve ser
transformado em saber escolar, e explicar o porquê isso nã o ocorre, ou o porquê desse saber nã o provocar
o aluno, deve ser alvo da atençã o da Psicologia Escolar. Como escreve Saviani (2011, p. 201): “[...] o papel
da escola nã o é mostrar a face visı́vel da lua, isto é , reiterar o cotidiano, mas mostrar a sua face oculta, ou
seja, revelar os aspectos essenciais das relaçõ es sociais que se ocultam sob os fenô menos que se mostram
a nossa percepçã o imediata.”
Nessa mesma direçã o, Luria (1996) escreveu: “V. I. Lenin ressaltou que o objeto de conhecimento,
e em consequê ncia, objeto da ciê ncia nã o sã o as coisas em si, mas principalmente a relaçã o entre elas”
(p.11). A psicologia como ciê ncia, conforme Rubinshtein (1961, p. 13, traduçã o nossa) “[...] é a ciê ncia
dos fenô menos psı́quicos, ou seja, das funçõ es cerebrais que refletem a realidade objetiva”. Rubinshtein
(1961, p. 13, grifo no original, trad. nossa)13 explica que
Os fenô menos psı́quicos, sensaçõ es e percepçõ es, representaçõ es e pensamentos, sentimentos e
desejos, necessidades e interesses, inclinaçõ es e capacidades, qualidades volitivas e traços de cará ter, nos
sã o tã o familiares que a simples vista parece que os conhecemos bem. No entanto, a concepçã o cientı́fica
e verdadeira desses fenô menos constitui um dos grandes problemas da ciê ncia.
Analisa que
O objeto principal da Psicologia é o estudo das leis que regem as funçõ es psı́quicas e seu
desenvolvimento, ou seja, conhecer como se forma e se aperfeiçoa a imagem reflexa do mundo
objetivo no cé rebro do homem, como este desenvolve sua atividade de acordo com ela e como
se formam os traços psı́quicos da personalidade. (RUBINSHTEIN, 1961, p. 13, grifo no original,
trad. nossa)14

Ao tratar das funçõ es psı́quicas isso nã o significa que o autor propõ e uma imersã o no cé rebro, mas
sim que, considera que a “[...] psiquê ou a consciê ncia humana reflete a realidade objetiva, o estudo das

13“Los fenó menos psı́quicos, sensaciones y percepciones, representaciones y pensamientos, sentimientos y deseos, necesidades y intereses,
inclinaciones y capacidades, cualidades volitivas y rasgos de cará cter, nos son tan familiares que a simple vista parece que los conocemos
bien. Sin embargo, la concepció n cientı́fica y verdadera de estos fenó menos constituı́ uno de los grandes problemas de la ciencia”.
14 “El objeto principal de la Psicologı́a es el estudio de las leyes que rigen las funciones psı́quicas y su desarrollo, o sea, conocer có mo se
forma y perfecciona la imagen reflexa del mundo objetivo en el cerebro del hombre, có mo é ste desarrolla su actividad de acuerdo con ella y
có mo se forman los rasgos psı́quicos de la personalidad.”

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leis psicoló gicas significa, em primeiro lugar, estabelecer a dependê ncia dos fenô menos psı́quicos a
respeito das condiçõ es objetivas da vida e da atividade do homem” (RUBINSHTEIN, 1961, p. 24, grifo no
original, trad. nossa).
Essa atividade humana que permite ao homem viver e reproduzir‑se como gê nero humano em
conformidade com os espaços temporal, geográ fico, cultural e socioeconô mico pode estar vinculada ao
trabalho ou ao processo produtivo, à escolarizaçã o etc. Essa compreensã o, de que é por ela que garante
a vida em seu aspecto bioló gico e humano gené rico, é da maior importâ ncia, pois abre à Psicologia Escolar
uma gama de possibilidades de teorizaçõ es e de intervençõ es, em favor do desenvolvimento de todos os
sujeitos implicados. Daı́ a defesa intransigente da boa escola para todas as pessoas, visto que nela se
transmite à s novas geraçõ es os saberes elaborados, instrumentalizando‑as para terem uma relaçã o cada
vez mais indireta e complexa com seus pares e com o mundo, mediatizadas pelo pensamento.

3. Psicologia Escolar e a luta pela boa escola

Esses aspectos teó ricos expostos abrem à Psicologia Escolar a possibilidade de entender que a
Educaçã o Especial na perspectiva inclusiva, tã o defendida por estudiosos, professores, gestores e outros
profissionais da educaçã o desde a Declaraçã o de Salamanca (UNESCO, 1994), nã o se limita ao aceite de
matrı́culas do pú blico‑alvo da Educaçã o Especial (pessoas com deficiê ncias, transtorno do espectro
autista ‑ TEA, superdotaçã o/altas habilidades) em escolas comuns. Antes, diz respeito à educaçã o que
faz frente a toda sorte de desigualdades e de distanciamentos impostos pela organizaçã o da vida
societá ria sob o capitalismo – cuja ló gica central está justamente na produçã o da diferença, pela liberdade
de acumulaçã o privada da riqueza material e nã o material que se produz socialmente. Se a citada
Declaraçã o foi fundamental para que a educaçã o e a sociedade em geral pudessem rever suas prá ticas de
discriminaçã o de promoçã o de desigualdades e de preconceitos, apó s quase trê s dé cadas de sua
elaboraçã o há que se avaliar os alcances obtidos.
Barroco (2018) expõ e que na dé cada de 1990 a proposiçã o da educaçã o na perspectiva da inclusã o
escolar expressa as contradiçõ es daquele momento. Nele se deu o fim do comunismo real na Alemanha
e na Uniã o Sovié tica, o que pô s em questã o a possibilidade de uma sociedade mais igualitá ria. Naquele
contexto caberia à sociedade capitalista lidar com as contradiçõ es que se avolumavam, e, a Declaraçã o,
embora nã o enfrente as raı́zes das desigualdades, chama a atençã o para outros modos de se pensar a
educaçã o e a pró pria vida, com reconhecimento das diferenças como parte do existir humano.
Sob inspiraçã o da Declaraçã o, entre outros documentos como a Declaraçã o de Jomtiem (UNESCO,
1990), muito se conquistou no Brasil em relaçã o à s matrı́culas do pú blico‑alvo da Educaçã o Especial. Em
2020 tinha‑se 47,3 milhõ es de matrı́culas na Educaçã o Bá sica, sendo que 1,3 milhã o era de alunos com
deficiê ncia, transtornos globais do desenvolvimento (aqui se inserem as pessoas com TEA) e/ou altas
habilidades/superdotaçã o em classes comuns incluı́dos ou em classes especiais exclusivas (INEP, 2020).
Todavia, ainda há muito por se fazer, diante dos retrocessos que a educaçã o vem sofrendo, com
destaque para o Decreto Nº 10.502, de 30 de setembro de 202015, que institui a Polı́tica Nacional de
Educaçã o Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida, assinado pelo Presidente
Jair M. Bolsonaro, sem partido, revogado por Dias Toffoli, ministro do Supremo Tribunal Federal, por dar
margem para “[...] fundamentar polı́ticas pú blicas que fragilizam o imperativo da inclusã o de alunos com

15Disponı́vel em https://www.cartacapital.com.br/diversidade/toffoli‑revoga‑decreto‑de‑bolsonaro‑ sobre‑politica‑de‑educacao‑especial/.


Acesso em 03 nov. 202

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deficiê ncia, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotaçã o na rede regular
de ensino”.
Destarte, ao se pensar na ideia de educaçã o inclusiva que se expô s, para que se alargue o acesso à
apropriaçã o do conhecimento, sem a qual fica comprometido o processo de objetivaçã o. Esse duplo
processo de apropriação e de objetivação é que permite aos alunos constituı́rem‑se como singulares.
Leontiev (1978) teoriza que ao longo da sua histó ria os conhecimentos adquiridos durante o
desenvolvimento das faculdades e propriedades humanas acumularam‑se, fixaram‑se nã o pelas
particularidades morfoló gicas transmitidas hereditariamente, mas, pelas leis sociais foram transmitidos
de geraçã o em geraçã o. Pela atividade do trabalho o homem tem garantido a sua existê ncia, alterando a
natureza e a si mesmo. Destaca que há um
[...] processo de encarnaçã o, de objetivaçã o nos produtos das atividades dos homens, das suas
forças e faculdades intelectuais e a histó ria da cultura material e intelectual da humanidade
manifesta‑se como processo, que exprime, sob uma forma exterior e objetiva, as aquisiçõ es do
desenvolvimento das aptidõ es do gê nero humano. (LEONTIEV, 1978, p. 177)

Nas criaçõ es do homem fica fixado o seu pró prio desenvolvimento, e ao ser compartilhado com as
novas geraçõ es elas se apropriam do conjunto das faculdades ali contidas. Leontiev (1978, p. 178) explica
que
No decurso do seu desenvolvimento ontogê nico o homem entra em relaçõ es particulares,
especı́ficas, com o mundo que o cerca, mundo feito de objetos e de fenô menos criados pelas
geraçõ es humanas anteriores. Esta especificidade é antes de tudo determinada pela natureza
desses objetos e fenô menos. Por outro lado, é determinada pelas condiçõ es em que se
instauram as relaçõ es em questã o.

Esclarece ainda que


O mundo real, imediato, do homem, que mais do que tudo determina a sua vida, é um mundo
transformado e criado pela atividade humana. Todavia, ele nã o é dado imediatamente ao
indivı́duo, enquanto mundo de objetos sociais, de objetos encarnando aptidõ es humanas
formadas no decurso do desenvolvimento da prá tica‑ só cio‑histó rica; enquanto tal, apresenta‑
se a cada indivı́duo como problema a resolver. (LEONTIEV, 1978, p. 178).

Conforme Leontiev (1978, p.180), o resultado do processo de assimilaçã o ou apropriaçã o “[...] é a


reproduçã o pelo indivı́duo, das aptidõ es e funçõ es humanas, historicamente formadas”, ou ainda, “[...] é
o processo pelo qual o homem atinge no seu desenvolvimento o que é atingido, no animal, pela
hereditariedade, isto é , encarnaçã o nas propriedades do indivı́duo das aquisiçõ es do desenvolvimento
da espé cie”.
Leontiev (1978, p.181) explica que
As aptidõ es e funçõ es formadas no homem no decurso deste processo sã o neoformaçõ es
psicoló gicas, relativamente à s quais os mecanismos e os processos hereditá rios, inatos, nã o
passam de condiçõ es interiores (subjetivas) necessá rias que tornam o seu aparecimento
possı́vel. Em nenhum caso determinam a sua composiçã o ou a sua qualidade especı́fica.

Isso em muito importa, pois, sob essa perspectiva, apropriar‑se de um objeto nã o se limita a
descrevê ‑lo em suas caracterı́sticas e propriedades, mas incorporá ‑lo como instrumento de operaçõ es
fı́sicas ou mentais de modo pró prio aos propó sitos que se tenha. Assim, a apropriaçã o da cultura
historicamente construı́da, e transformada em saber escolar, é fundamental para o desenvolvimento dos
alunos com e sem deficiê ncias ou NEE, para a internalizaçã o da experiê ncia social, para a formaçã o da
genericidade.

56
A objetivaçã o, por sua vez, diz respeito à materializaçã o das atividades fı́sicas e mentais do homem
naquilo que cria. Ou seja, a objetivaçã o se dá quando a atividade fı́sica e/ou mental do homem se
transfere, fixa‑se no processo e no produto gerado. Nesse sentido, é possı́vel dizer que a atividade humana
é transferida para o produto da atividade, é nele encarnada e objetivada.
A escola precisa estar atenta e promover essa dialé tica entre apropriaçã o e objetivaçã o. Para tanto,
o aluno deve apropriar‑se de um objeto ou fenô meno, precisa dominar a atividade correspondente nele
fixada. Quando isso se dá , quando o aluno se apropria de um instrumento material ou simbó lico significa
que nele se formaram açõ es e operaçõ es motoras e mentais essenciais para o seu uso ou manejo. Esse
instrumento deixa de ser algo externo e para ser algo seu, que serve mediar sua atividade fı́sica ou mental.
Por esse duplo processo, de apropriaçã o e de objetivaçã o, o aluno vai se humanizando, vai
desenvolvendo caracterı́sticas propriamente humanas, à medida que vai se apropriando dos resultados
da histó ria social també m elabora novas objetivaçõ es, estabelecendo um movimento infinito com seus
pares e o mundo. A boa escola, aquela que se adianta ao desenvolvimento, é també m aquela que
potencializa esse duplo processo, de modo a superar todas as formas de impedimentos, de barreiras
interpostas entre os alunos e as elaboraçõ es humanas. Dito de outro modo, a escola inclusiva é aquela
que se empenha para que todas as pessoas possam se apropriar das riquezas materiais e nã o materiais
que a humanidade criou. A escola inclusiva é aquela na qual o pró prio professor nã o é excluı́do, nã o se
vê alienado do seu ofı́cio, o ensino, e das ferramentas, o conhecimento.
No entanto, a Psicologia Escolar precisa estar ciente de que esse duplo processo está na berlinda e
que isso trará , certamente, consequê ncias durı́ssimas para grande parcela da populaçã o que depende da
escola, dela exercer a sua funçã o clá ssica para que se desenvolvam. O nã o enfrentamento rá pido, de modo
cientı́fico e amplo, do nã o ensino a contento trará , a uma grande parcela de crianças brasileiras, um
resultado nefasto.
Isso em muito importa, pois,
Como toda ciê ncia, a psicologia serve para transformar e melhorar a vida. A psicologia tem uma
aplicaçã o imediata na educaçã o. Ao estudar as leis dos fenô menos psı́quicos descobre os meios
e mé todos para desenvolver as funçõ es psı́quicas do homem e os traços de sua personalidade.
Daı́ que a primeira e principal aplicaçã o prá tica da psicologia seja em educaçã o e no ensino das
jovens geraçõ es. (RUBINSHTEIN, 1961, p. 26, trad. nossa)16

Para tanto, requer que se exercite na apreensã o dos fenô menos em suas causalidades, em seu
desenvolvimento e desdobramentos.

4. Psicologia Escolar e a Educação Muito Especial

O posicionamento de Rubinshtein no tocante à Psicologia como ciê ncia, seu objeto e sua vocaçã o
em busca de melhoria da vida, aliado à teorizaçã o de Vygotski (1997) sobre os fundamentos teó rico‑
metodoló gicos para uma nova defectologia, ajuda a pensar a Psicologia Escolar em sua atuaçã o junto à
Educaçã o Especial na perspectiva inclusiva.
O primeiro ponto a se destacar é a concepção de não fatalidade. Ou seja, Vygotski escreve que a
deficiê ncia nã o seria necessariamente uma desventura, ela se torna dessa forma ante as condiçõ es só cio‑

16Como toda ciencia, la psicologı́a sirve para transformar y mejorar la vida. A psicologı́a tiene una aplicació n inmediata en la educació n. Al
estudiar las leyes de los fenó menos psı́quicos descubre los medios y mé todos para desarrollar las funciones psı́quicas del hombre y los
rasgos de su personalidad. De aquı́ que la primera y principal aplicació n prá ctica de la psicologı́a sea en educació n y enseñ anza de las jó venes
generaciones. (RUBINSHTEIN, 1961, p. 26).

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histó ricas. Antes, contraditoriamente, pode ser mola propulsora para o desenvolvimento, afinal, “‘Aquilo
que nã o mata, me faz mais forte’, implicando que a força surge da debilidade, as atitudes das deficiê ncias
(W' Stern, 1923, pá g. 145 [sic])” (VYGOTSKI, 1997, p. 41, trad. nossa)17. Essa concepçã o reflete a tese da
formaçã o social do psiquismo, o que implica em edificar sobre o equipamento bioló gico (complicado pela
deficiê ncia) o edifı́cio cultural, ocupando a educaçã o escolar um papel fundamental nessa edificaçã o. Para
Vygotski (1997), quanto mais se vencer a natureza antissocial da escola especial, quanto menos se isolar
e segregar as pessoas com deficiê ncia, quanto antes a incluir na vida comum daqueles que nã o tê m a
mesma condiçã o, mais se favorece o desenvolvimento delas, mais as edificaçõ es culturais podem se
realizar. Escreve que
[…] como princı́pio, deve ser criado o sistema combinado de educaçã o especial e comum que
propõ e Scherbina. A fim de vencer a antissociabilidade da escola especial, é preciso realizar um
experimento cientificamente fundamentado de ensino e educaçã o compartilhada entre cegos e
videntes, experiê ncia que tem um imenso futuro. O â mbito do desenvolvimento tem aqui um
curso dialé tico: primeiro, a tese da instruçã o comum de crianças anormais e normais; depois, a
antı́tese, isto é , a instruçã o especial. A tarefa de nossa é poca é criar a sı́ntese, isto é , a instruçã o
especial, reunindo em uma unidade superior os elementos vá lidos da tese e da antı́tese.
(VYGOTSKI, 1997, p. 85, trad. nossa, grifos nossos)18

Entende‑se que a Psicologia Escolar tem diante de si o desafio de contribuir com essa sı́ntese
apontada por Vygotski, em texto de 1924, abordando sobre as pessoas cegas, mas que cabe ao pú blico‑
alvo da Educaçã o Especial como um todo.
Como levar esse pú blico, tã o diverso, à aprendizagem e, com isso, ao desenvolvimento de seu
psiquismo? A Psicologia Escolar, diante dessa questã o nã o deve ter como foco apenas o estabelecimento
de habilidades sociais necessá rias para o convı́vio social, mas o desenvolvimento das funçõ es psicoló gicas
superiores em patamares cada vez mais complexos, à s quais essas habilidades devem se vincular. Avançar
dos propó sitos de treinamentos e condicionamentos para o de desenvolvimento dessas funçõ es que sã o
orientadas pela consciê ncia e pela voliçã o se apresenta como norte do seu trabalho. Nele, deve se atentar,
alé m dos quadros especı́ficos das deficiê ncias ou NEE, à s particularidades das diferentes idades e
periodizaçã o, à s significativas mudanças da atividade psı́quica, nos diferentes perı́odos da vida e nas
mú ltiplas determinaçõ es implicadas (BARROCO; LEONARDO, 2020). Embora as leis do desenvolvimento
filogené tico nã o se repitam no plano ontogené tico, identificar a gê nese e o desenvolvimento das funçõ es
psicoló gicas bá sicas e superiores, considerando ambas as linhas do desenvolvimento humano permitem
o reconhecimento da historicidade das mesmas e suas vinculaçõ es ao modo como se dá a produçã o e
reproduçã o da vida, e o desenvolvimento do psiquismo. Isso permite à Psicologia Escolar investigar e
intervir sobre as atividades principais ou guias (de brincar, estudar) (LEONTIEV, 2010) que orientam a
vida cotidiana dos alunos e seus desenvolvimentos.
Pelo exposto, esses direcionamentos dados ao exercı́cio da Psicologia Escolar, entre outros, permite
que se desmascare a superioridade gené tica de uma raça sobre outra, de um grupo sobre outro, e toda
elocubraçã o de matriz eugê nica e/ou higienista forjada no bojo da sociedade capitalista, que a despeito
de alardear princı́pios democrá ticos, promove a exclusã o daqueles que fogem à s normas que se tornam

17“‘Aquello que no mata, me hace má s fuerte’, implicando que la fuerza surge de la debilidad, las aptitudes de las deficiencias’ (W Stern, 1923,
pag. 145)”.
18“[…] como principio, debe ser creado el sistema combinado de educació n especial y com ú n que propone Scherbina. A fin de vencer la
antisociabilidad de la escuela especial, es preciso realizar un experimento cientı́ficamente fundamentado de enseñ anza y educació n
compartida entre ciegos y videntes, experiencia que tiene un inmenso futuro. El á mbito del desarrollo tiene aquı́ un curso dialectico:
primero, la tesis de la instrucció n comú n de niñ os anormales y normales; despué s, la antı́tesis, es decir, la instrucció n especial. La tarea de
nuestra é poca es crear la sı́ntesis, es decir, la instrucció n especial, reuniendo en una unidad superior los elementos validos de la tesis y la
antı́tesis.”

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prevalentes ou hegemô nicas, que tanto pode seduzir os profissionais da educaçã o, dentre eles os pró prios
psicó logos, os alunos e suas famı́lias e a sociedade em geral. Nã o se trata de tarefa fá cil, visto demandar
investimentos de diferentes naturezas para se criar vias alternativas, vias colaterais de desenvolvimento
em sociedades preparadas justamente para dadas formas de reproduçã o da vida – que contam com o
emprego da visã o, da audiçã o, da linguagem verbal oralizada e escrita, da desenvoltura psicomotora e da
capacidade de compreensã o das relaçõ es dos homens entre si e com o mundo para alé m do intelecto
prá tico.
Como escreveu Vygotski (1997) no começo do sé culo XX, tudo está preparado para um tipo normal
de pessoa. De lá para cá , obviamente que muito se alterou, com polı́ticas pú blicas voltadas para o pú blico‑
alvo da Educaçã o Especial, com a criaçã o de pró teses, ó rteses, procedimentos e processos, aplicativos etc.
que permitem reconhecer que o normal abrange a deficiê ncia, a diferença e a diversidade. O anormal é
que toda essa criaçã o nã o esteja acessı́vel à queles que dela demandam, como tã o bem explicitado no
Estatuto da Pessoa com Deficiê ncia – Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (BRASIL, 2015).

5. Psicologia Escolar e a porta de entrada na Educação Especial

Tendo por base epistemoló gica e metodoló gica o preconizado pela Psicologia Histó rico‑Cultural,
pode‑se dizer que apó s um sé culo dos estudos iniciais de L. S. Vigotski (1896‑1934) que deram inı́cio a
essa escola psicoló gica, a tese central da formaçã o social do psiquismo é muito propalada, mas, de fato,
ainda incipiente no campo educacional em geral, e de modo especı́fico na Educaçã o Especial.
Apó s vá rios textos de Vigotski, de seus colaboradores e continuadores contemporâ neos terem sido
divulgados nas ú ltimas dé cadas, expondo como essa tese pode ser comprovada em diferentes subá reas
da Psicologia e da Educaçã o, a concepçã o de aluno ideal ainda permeia o trabalho educativo, o que pode
levar a prá ticas educacionais que pouco promovem o desenvolvimento. Esse ideal é tã o presente que, por
exemplo, é comum se pensar que pessoas com sı́ndrome de Down sejam sempre gentis e amigá veis, que
pessoas com autismo nã o sejam afetivas, que pessoas inquietas tenham transtornos etc.
O nã o domı́nio teó rico a respeito do ensino ou da instruçã o, da aprendizagem e do
desenvolvimento, como já se poderia dominar, contribui para que se tenha presente a hipó tese de que há
deficiê ncia intelectual, transtorno do espectro autista, ou quadros de “dis” (dislalia, dislexia, discalculia,
disgrafia) quando as queixas escolares sobre os alunos com dificuldades de aprendizagem sã o
apresentadas. Sob essa hipó tese, torna‑se naturalizada a prá tica de os avaliar com testes formais, para
se produzir diagnó sticos e Laudos ‑ isso gerou até uma expressã o usual nas escolas: o aluno laudado.
Nã o que a avaliaçã o formal seja desnecessá ria, pelo contrá rio, ela é condiçã o para que o aluno
participe de programas e de serviços pró prios da modalidade de Educaçã o Especial na perspectiva da
inclusã o. No entanto, os propó sitos dela deveriam evidenciar, tanto quanto possı́vel, os frutos e os brotos
do desenvolvimento, as crises e as metamorfoses em curso (VYGOTSKY; LURIA, 1996) – afinal é na zona
de desenvolvimento proximal que o ensino para alunos com e sem deficiê ncia deve atuar, trazendo à tona
e formando camadas e camadas de potencialidade (VYGOTSKI,1996; 1997; 2000).
A atuaçã o da Psicologia Escolar junto à Educaçã o Especial começa com indagaçõ es: por que o aluno
nã o aprende como os demais, por que nã o domina o saber escolar como os demais? Elas encaminham
para a investigaçã o, para a determinaçã o de estraté gias que visem explicitar a gê nese e o processo desse
problema. Isso demanda atençã o ao desenvolvimento das funçõ es psicoló gicas superiores, bem como à s
determinaçõ es da personalidade e do meio que os favorecem ou os obstaculizam (a gê nese e o processo).
Os dados que produzem e suas aná lises derivam em encaminhamentos de trabalhos de formaçã o

59
e/ou de apoio aos profissionais da escola e/ou de intervençõ es com o aluno, que podem gerar resultados
relevantes, tornando as intervençõ es sistematizadas passı́veis de serem generalizá veis aos demais alunos
da turma ou à queles com queixas semelhantes.
Contudo, o processo de se avaliar e de se acompanhar formalmente o aluno alvo de queixa escolar,
com emprego de protocolos para levantamento de informaçõ es e de produçã o de dados sobre as á reas
intelectual, afetiva e social pode se dar de modo pouco articulado – algo recorrente quando nã o se tem
uma teoria que subsidie o pensamento cientı́fico na atuaçã o profissional. Esse pensamento teó rico é que
lhe possibilita sustentar a indivisibilidade afetivo‑ cognitiva do ser humano, e, portanto, do aluno; de
evidenciar o papel fundante do ensino escolar sobre o desenvolvimento do seu psiquismo e da sua
personalidade. Alé m disso, quando as condiçõ es socioeconô micas, ou os impactos da classe social à qual
o aluno pertença nã o sã o efetivamente consideradas, pode se ter uma compreensã o pouco elucidativa
sobre a queixa escolar; ou ainda, pode ser elaborada uma compreensã o enviesada a respeito, como,
reiterando que os alunos de dada escola sejam fracos, oriundos de famı́lias tidas como desestruturadas
e sem interesse em estudar, com dificuldades sociais insuperá veis etc. Concepçõ es como essas direcionam
para tornar patoló gico o que é histó rico‑cultural: a nã o presença, de fato, da atividade de ensino, da
atividade de estudo e, por conseguinte, da aprendizagem dos conteú dos curriculares.
Na cotidianidade do trabalho escolar infelizmente pode ser desconsiderado que aquilo que a
humanidade produz deveria, apó s uma seleçã o ló gica e graduada com vistas à s finalidades educacionais,
tornar‑se conteú do curricular e que as apropriaçõ es dessas produçõ es se dã o em meio a imbricadas
relaçõ es estabelecidas entre o aluno, a escola, a famı́lia, e, a sociedade (FACCI; TADA, 2012; ROSSATO;
LEONARDO, 2012). Quando essas apropriaçõ es nã o se dã o como se poderia esperar em conformidade
com o preconizado pela LDBEN, com polı́ticas pú blicas educacionais especı́ficas e com os sistemas
educacionais, por diferentes causalidades, instala‑se um campo fecundo para a criaçã o de ró tulos que
perpetuam o estigma social e afetam negativamente a escolarizaçã o.
A luz da teoria vigotskiana, pode se considerar que por detrá s desse quadro de insucesso na
escolarizaçã o está , sim, a perpetuaçã o da ideologia dominante, a ideia de menos valia daqueles que nã o
tê m as condiçõ es efetivas de fruir do que a humanidade tem produzido. A vida cotidiana já torna uma
parcela significativa de alunos alijada de conhecer, de fruir e de se apropriar minimamente daquilo que
a humanidade vem produzindo nas mais diferentes á reas do saber. Assim, quando adentram a escola deve
ter inı́cio um intenso e contı́nuo trabalho de valorizaçã o da luta que empreendem pela vida, de
identificaçã o de significados veiculados e de sentidos formulados, e isso acaba por reconhecer os alunos
como sujeitos capazes de aprender e os professores como profissionais capazes de ensinar.
Todos esses condicionantes já apontados e os encaminhamentos citados acabam por reafirmar o
que escreve Vygotski (1997): os limites para a nã o aprendizagem, para a nã o apropriaçã o dos conteú dos
escolares, para o nã o domı́nio e o emprego de signos e de instrumentos psicoló gicos para mediar a relaçã o
do aluno com deficiê ncia ou NEE com o mundo sã o antes impostos pelas relaçõ es sociais que pelos
aspectos bioló gicos pró prios à condiçã o que apresenta.
Destarte, é preciso que o psicó logo escolar avalie o aluno com deficiê ncia para alé m da aparê ncia,
da imediaticidade da queixa, tendo por parâ metros de aná lise como a sociedade atual se organiza e quais
sã o as condiçõ es concretas da vida desse aluno, o quanto está sendo excluı́do ou nã o e a forma, dessa
organizaçã o societá ria, que papel ocupa nela, quã o consciente é desse papel, o quanto tem de forças para
permanecer ou para sair dele. Nota‑se que a Psicologia Escolar nã o se vale de psicoterapia, contudo busca
estados de maior consciê ncia junto aos sujeitos com os quais atua. Nã o é incomum que estudantes
atendidos em uma escola historicamente excludente, preconceituosa, fruto de uma sociedade capitalista

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que perpetua as desigualdades sociais, nã o tenham a mı́nima ideia disso, aceitando para si e para seu
grupo primá rio responsabilizaçõ es que nã o lhes cabem.
Tem‑se, pois, que a psicologia proposta por Vygotski (1991; 1997, 2000) na dé cada de 1920, tendo
como fundamento filosó fico e metodoló gico o materialismo histó rico‑dialé tico para a compreensã o da
constituiçã o e do desenvolvimento do psiquismo humano, inspira o caminho a ser percorrido pelo
psicó logo escolar da dé cada de 2020.
Se Vigotski nã o era um autor inclusivista – posto nã o haver essa defesa à é poca, ele lançou
fundamentos para a atuaçã o de psicó logos e educadores sob a perspectiva da inclusã o – entendida aqui
conforme os parâ metros já expostos. Ao defender que pessoas cegas, surdas, surdocegas etc. devessem
conviver com aquelas que nã o se encontravam sob as mesmas condiçõ es, põ e em debate o conceito de
normalidade e evidencia o cará ter social da formaçã o do que é propriamente humano nas pessoas.
Com base em seus escritos é possı́vel promover a inclusã o do aluno com deficiê ncia, algo que
requer o domı́nio do já criado, apropriando‑se, sobretudo, do conhecimento cientı́fico com os significados
que lhes sã o atribuı́dos, e provocando a formaçã o de sentidos. Esse posicionamento em muito diverge do
que era defendido na sua é poca, e ao que se contrapunha: o reconhecimento da educabilidade das pessoas
com deficiê ncia, mas com forte tendê ncia ao treinamento e à normalizaçã o.
Diante do exposto, ressalta‑se que a Psicologia Escolar está à s portas da entrada naEducaçã o
Especial na perspectiva inclusiva pois precisa acolher as queixas escolares, qualificá ‑las e responder de
modo institucional e individualmente a elas, participando de um trabalho interdisciplinar de valorizaçã o
do trabalho educativo, fundamentado na ciê ncia e na defesa dos direitos humanos.

Considerações finais

A Psicologia Histó rico‑Cultural, como um todo, traz à Educaçã o Especial uma renovaçã o, ao
permitir a miragem do devir, do vir a ser de sujeitos que possam se apresentar inicialmente tã o à margem
do desenvolvimento humano‑gené rico já alcançado. Os escritos de Vygotski em Obras Escogidas Tomo V
(1997) sobre os fundamentos teó ricos e metodoló gicos para uma nova defectologia, por sua vez, revelam
sua defesa intransigente para a humanizaçã o de todas as pessoas. Eles inspiram os profissionais dos dias
atuais, ao postular que todos podem aprender, desde que sejam dadas as condiçõ es adequadas. Na
verdade, isso implica em muitos estudos, na busca por só lida formaçã o teó rica. Nessa coletâ nea de textos,
o autor apresenta discussõ es sobre a convivê ncia entre pessoas com e sem deficiê ncia, ou com defeitos,
como se dizia à é poca, e vá rios pontos incongruentes a serem superados no campo teó rico, de intervençã o
e de convivê ncia social.
Embora haja uma distâ ncia temporal e uma grande diversidade econô mica, cultural e polı́tica entre
a Rú ssia das dé cadas de 1920 e 1930 e o Brasil da dé cada de 2020, seus escritos alertam para a
necessidade de se pensar as finalidades educacionais. Elas devem contemplar o desenvolvimento integral
dos sujeitos, de modo nã o alienado, levando‑os a conhecerem e a governarem a si mesmos e a buscarem
por outra sociedade ‑ e isso muito importa à Psicologia Escolar!

Referências
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Diretó rio do CNPq no Brasil. Psicologia Teoria e Pesquisa. No prelo.

61
ALVES, G. L. A produçã o da escola pú blica contemporâ nea. 3.ed.rev. Campinas, SP: Autores Associados, 2005.

BARROCO, S. M. S. Vygotski’s theories on Defectology: contributions to the special education of the 21st century.
Educaçã o (Porto Alegre), v. 41, n. 3, p. 374‑ 384, set.‑dez. 2018. DOI: https://orcid.org/0000‑0002‑4136‑8915.

BARROCO, S. M. S.; LEONARDO, N. S. T. A periodizaçã o histó rico‑cultural do desenvolvimento na educaçã o


especial: o problema da idade. IN: MARTINS, L. M.; ABRANTES, A. A.; FACCI, M. G. D. Periodizaçã o histó rico‑
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BRASIL. Constituiçã o da Repú blica Federativa do Brasil. Texto constitucional promulgado em 05 de outubro de
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Psicologia e educação inclusiva: ensino, aprendizagem e desenvolvimento de
alunos com transtornos

Nerli Nonato Ribeiro Mori


Universidade Estadual de Maringá , Av Colombo, 5790, 87020‑900,
Maringá , Paraná , Brasil. E‑mail: [email protected]

RESUMO

No presente texto, buscamos apontar e refletir sobre alguns limites e possibilidades da educaçã o
inclusiva com base em fundamentos da psicologia, discutindo aspectos relacionados ao ensino, à
aprendizagem e ao desenvolvimento de alunos com transtornos. Qual a importâ ncia de incluir esse
alunado no contexto escolar? E possı́vel incluir todas as crianças? Com base em pressupostos da Teoria
Histó rico‑Cultural, essas questõ es sã o pensadas sob a premissa de que a aprendizagem adequadamente
organizada resulta em desenvolvimento. Trata‑se de uma pesquisa teó rica, na qual traçamos um
panorama histó rico da educaçã o de pessoas com transtornos, buscando estabelecer uma relaçã o entre
psicologia, educaçã o e inclusã o. Concluı́mos que avançamos quanto aos aspectos normativos que
garantem o acesso dos alunos com transtornos à s classes comuns do ensino regular, mas há um longo
caminho para a construçã o de uma escola realmente inclusiva, com prá ticas educativas voltadas para o
má ximo desenvolvimento do potencial desses alunos.

Palavras‑chave: educaçã o, inclusã o, transtorno do espectro do autismo, psicose infantil.

Introdução

Os ú ltimos censos indicam expressivo aumento no nú mero de alunos especiais matriculados no
ensinoregular. Em 2007, a maioria (53,2%) desse alunado frequentava classes especiais e escolas
exclusivas. Em 2013, do total de 843.342 matrı́culas de alunos especiais, apenas 23% deles foram
matriculados em espaços segregados, sendo que 77% foram inseridos em classes comuns (Brasil, 2014a).
A aná lise desses nú meros e da legislaçã o vigente evidencia que a educaçã o inclusiva está
oficializada, formatada e sendo implantada nas escolas brasileiras. A educaçã o especial passou a ser uma
modalidade transversal da educaçã o comum e os alunos com deficiê ncia, transtornos globais de
desenvolvimento (TGD) e altas habilidades/superdotaçã o (AH/SD) devem frequentar classes comuns de
ensino e, quandonecessá rio, receber atendimento educacional especializado em Salas de Recursos
Multifuncionais (SRM) da pró pria escola ou de outra ou, ainda, em Centros de Atendimento Educacional
Especializado.
O documento Polı́tica Nacional de Educaçã o Especial na Perspectiva da Educaçã o Inclusiva (Brasil,
2008) define, como pú blico‑alvo da educaçã o especial, os alunos com os seguintes quadros e
caracterı́sticas:
Deficiê ncia: possuem impedimentos de longo prazo de natureza fı́sica, intelectual, mental ou
sensorial.
Transtornos Globais de Desenvolvimento: apresentam alteraçõ es no desenvolvimento
neuropsicomotor, comprometimento nas relaçõ es sociais, na comunicaçã o ou estereotipias motoras, tais
como nos casos de Autismo Clá ssico, Sı́ndrome de Asperger, Sı́ndrome de Rett, Transtorno Desintegrativo

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da Infâ ncia (Psicoses) e Transtornos Invasivos Sem Outra Especificaçã o.
Altas Habilidades/Superdotaçã o: demonstram potencial elevado e grande envolvimento, de forma
isolada ou combinada, nas á reas de liderança, psicomotora, artes, criatividade e intelectual.
O termo TGD para se referir ao autismo prevaleceu nos documentos relativos à polı́tica nacional
inclusiva até 2012, quando foi sancionado o Decreto Lei n.º 12.764, de 27 de dezembro de 2012 (Brasil,
2012). Regulamentada pelo Decreto n.º 8.368, de 2 de dezembro de 2014 (Brasil, 2014b), essa lei é um
marco do uso do termo Transtorno do Espectro Autista (TEA) em documentos oficiais e instituiu a polı́tica
nacional de proteçã o aos direitos das pessoas com transtorno. A lei considerou as seguintes definiçõ es
para o quadro:
I. deficiê ncia persistente e clinicamente significativa da comunicaçã o e da interaçã o sociais,
manifestada por deficiê ncia marcada de comunicaçã o verbal e nã o verbal usada para interaçã o
social; ausê ncia de reciprocidade social; falê ncia em desenvolver e manter relaçõ es apropriadas
ao seu nı́vel de desenvolvimento;

II. padrõ es restritivos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades, manifestados


por comportamentos motores ou verbais estereotipados ou por comportamentos sensoriais
incomuns; excessiva aderê ncia a rotinas e padrõ es de comportamento ritualizados; interesses
restritos e fixos (Brasil, 2012, p. 1).

A lei n.º 12.764 (Brasil, 2012) ficou conhecida como Lei Berenice Piana, nome da mã e de uma
criança autista que lutou pela sua aprovaçã o, estabeleceu o autismo como deficiê ncia, com direito a açõ es
e serviços, com vistas à atençã o integral à s suas necessidades de saú de e escolarizaçã o, incluindo:
diagnó stico precoce; atendimento e acompanhamento multiprofissional; nutriçã o adequada e terapia
nutricional; medicamentos; moradia, inclusive residê ncia protegida; mercado de trabalho; previdê ncia
e assistê ncia social; acompanhante especializado na escola.
A denominaçã o TEA també m está presente em Diretrizes de Atençã o à Reabilitaçã o da Pessoa com
Transtornos do Espectro do Autismo (Brasil, 2013). Publicado pelo Ministé rio da Saú de, o material
oferece orientaçõ es relativas aos cuidados com a saú de e atendimentos de habilitaçã o e reabilitaçã o à s
pessoas com TEA para equipes multiprofissionais que atuam na rede pú blica.
Na ú ltima versã o do Manual de Diagnó stico e Classificaçã o Estatı́stica das Doenças Mentais (DSM),
o conceito de TGD foi modificado para Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) e deixou de incluir a
Sı́ndrome de Rett e o Transtorno Desintegrativo da Infâ ncia (American Psychiatric Association [APA],
2013). Desse modo, Autismo, Transtorno de Asperger e Transtorno sem Outra Especificaçã o passaram a
compor um ú nico quadro diagnó stico: TEA.
Como indicam Lemos, Salomã o e Agripino‑Ramos (2014), o termo espectro autista remete à s
particularidades das respostas inconsistentes aos estı́mulos e à s diferenças quanto à s habilidades e aos
prejuı́zos, compondo um quadro de caracterı́sticas muito abrangentes. Assim pessoas com caracterı́sticas
muito diferentes, com maior ou menor grau de comprometimento ou habilidades, estã o classificadas sob
uma mesma denominaçã o.
Para Mori (2014), as mudanças na definiçã o dos transtornos, em particular aquelas realizadas apó s
a dé cada de 1980, indicam os esforços de estudiosos em busca de uma unidade quanto à definiçã o de
autismo e um afastamento do conceito inicial ligado à esquizofrenia e psicose. Esse objetivo está sendo
alcançado e há uma maior ê nfase nos aspectos cognitivos e no papel da educaçã o.
Todavia, autores como Bernardino (2010, p. 113) protestam contra a indefiniçã o do lugar ocupado
pela psicose: “[...] Em qual desses quadros poderı́amos reconhecer o sofrimento pró prio da psicose
infantil?”. Segundo a autora, falta uma nosografia que abrigue os sintomas constituintes das defesas

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utilizadas pela criança para lutar contra o que ela percebe como uma ameaça constante devido à s suas
dificuldades de perceber e simbolizar a realidade sem distorçõ es. Uma das causas seria o fato de os
estudos priorizarem os aspectos cognitivos em detrimento da organizaçã o da personalidade, da
subjetividade.
Bernardino (2010) critica ainda a forma como é feito o diagnó stico, a prevalê ncia de crité rios
estatı́sticos e descritivos. Com a generalizaçã o dos sintomas e sua sistematizaçã o, sã o desconsideradas,
segundo ela, as preocupaçõ es com os acontecimentos na vida da criança, o seu processo de formaçã o
psı́quica e a relaçã o com o mundo circundante. Norteada por princı́pios psicanalı́ticos, a autora pontua:
Diagnosticar deixa de ser um problema clı́nico, torna‑se a soluçã o ú ltima: os pais sabem o que a
criança tem, a escola dispõ e de um nome para a situaçã o‑problema que enfrenta (diferente do
aluno‑ padrã o) e o psiquiatra ou o neurologista (estranhamente amalgamados na atualidade)
podem optar pela saı́da medicamentosa, facilmente amparada pela indú stria farmacê utica, que
amplia o leque de ofertas indicadas para os sintomas mais comuns (Bernardino, 2010, p. 14).

A autora aborda ainda aspectos importantes, como a ê nfase no funcionamento do Sistema Nervoso
Central e a crescente medicalizaçã o de crianças com dificuldades psı́quicas. Nã o temos a pretensã o, no
presente texto, de aprofundar estas questõ es, mas é necessá rio registrá ‑las, haja vista o fato de elas serem
determinantes para pensar a educaçã o de crianças com transtornos como TEA e psicose.
Apesar das contrové rsias, sã o significativos os avanços no campo das definiçõ es e da classificaçã o,
bem como na produçã o do conhecimento. Todavia, a maior parte da literatura sobre o tema ainda enfatiza
as limitaçõ es caracterı́sticas de cada quadro, as quais historicamente “[...] tê m sido utilizadas como
justificativa para a nã o inserçã o escolar de tais crianças” (Lemos et al., 2014, p. 119). Concordamos com
as autoras que, embora nã o seja uma prá tica fá cil, a inclusã o é possı́vel e necessá ria, trazendo benefı́cios
em termos de socializaçã o e de desenvolvimento.
Partindo desses pressupostos, delimitamos como objetivo deste texto discutir a educaçã o inclusiva
de alunos com transtornos, focando em aspectos relacionados ao ensino, à aprendizagem e ao
desenvolvimento. Para tanto, buscamos os fundamentos na interface psicologia e educaçã o, traçando um
panorama histó rico desse processo e estabelecendo relaçõ es com a educaçã o inclusiva.

Psicologia e inclusão escolar

Assim como na Europa e nos Estados Unidos, no Brasil, a psicologia educacional foi desenvolvida
inicialmente em laborató rios ou anexos aos hospitais psiquiá tricos e, posteriormente, em laborató rios
situados ou ligados a Escolas Normais. Apesar dos avanços produzidos pelo fato de a psicologia dirigir o
olhar para os processos de aprendizagem e desenvolvimento infantil, aumentaram as crı́ticas ao uso
indiscriminado de teorias, té cnicas e testes psicoló gicos que responsabilizam a criança e sua famı́lia pelos
problemas na escola, nã o considerando fatores de natureza pedagó gica, histó rica, social, polı́tica e
econô mica.
Dentre os estudos brasileiros com maior repercussã o, destacam‑se os estudos de Patto (1984;
1996) e Collares e Moysé s (1996), com crı́ticas ao reducionismo dos fatores pedagó gicos à s
interpretaçõ es psicologizantes e ao modelo clı́nico, contribuindo para a patologizaçã o do processo
educativo.
Souza e Rocha (2008) observam que essa discussã o no campo da Psicologia tomou corpo num
momento polı́tico nacional marcado por movimentos sociais pela redemocratizaçã o do Estado brasileiro,
dos trabalhadores por melhores condiçõ es detrabalho e de rearticulaçã o dos partidos polı́ticos. A

66
promulgaçã o da Constituiçã o de 1988 (Brasil, 1988), o Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990
(Brasil, 1990), a assinatura da Declaraçã o de Salamanca em 1994 (Unesco, 1994) e a Lei de Diretrizes e
Bases da Educaçã o Nacional em 1996 (Brasil, 1996) representaram avanços na luta por direitos humanos
e civis, apó s um sombrio perı́odo de mais de 20 anos de ditadura militar.
E nesse contexto que pode ser inserida a preocupaçã o da psicologia com o papel das polı́ticas
pú blicas e suas relaçõ es com o ensino‑aprendizagem. Segundo Souza e Rocha (2008), as publicaçõ es
sobre o tema indicam dificuldades para a implantaçã o das polı́ticas, dentre elas, a falta de discussã o com
os envolvidos nas mudanças, infraestrutura inadequada, concepçõ es preconceituosas sobre os alunos e
suas famı́lias e a alienaçã o do trabalho pedagó gico.
E como a psicologia educacional tem pensado a inclusã o escolar? Em 2004, o Conselho Federal de
Psicologia (CFP) lançou, no V Seminá rio Nacional de Psicologia e Direitos Humanos, a campanha
'Educaçã o Inclusiva – Direitos humanos na escola! Por uma escola‑mundo onde caibam todos os mundos'.
Como afirma Silva (2008), no que tange à atençã o a pessoas com transtornos acentuados, especialmente
nos casos de psicose e autismo, a comissã o reconhece que, de modo geral, há um consenso sobre a
aceitaçã o da tese de educaçã o inclusiva. Na prá tica, no entanto, falta intersecçã o entre saú de e educaçã o,
condiçã o necessá ria para a prá tica educativa com esse alunado.
Assim como em outras instâ ncias, a discussã o sobre educaçã o inclusiva feita pelo CFP está atrelada
à defesa dos direitos humanos, à luta pela garantia legal do direito à igualdade, ao acesso à educaçã o. E
inegá vel a legitimidade e contribuiçã o da proposta; contudo, nã o é suficiente. Nã o basta conclamar a lei,
dizendo que a educaçã o é direito de todos. E necessá rio ir alé m da luta pelos direitos e buscar, de fato,
instrumentos e recursos para uma educaçã o que promova ao má ximo o desenvolvimento.
Com relaçã o à educaçã o de pessoas com deficiê ncia ou transtornos acentuados, a psicologia pode
produzir conhecimentos para o redimensionamento de questõ es relacionadas à escolarizaçã o e ao
desenvolvimento do alunado com essas caracterı́sticas. A á rea psicoló gica tem um papel importante no
trabalho com os profissionais da escola, com a criança e seus pais, ou seja, com as pessoas envolvidas
com o contexto escolar. A despeito da aparente homogeneidade do discurso em prol da inclusã o escolar,
há diferentes forças, contradiçõ es, embates, dú vidas e concepçõ es que se manifestam nas prá ticas
educativas.
Estudos realizados por De Carlo (1999), Ferreira (2005), Kupfer (1997, 2005), Laplane (2007),
Lazzeri e Naujorks (2011), Marcondes (2008) e Padilha (2001, 2005), entre outros, indicam que, entre
os questionamentos, prevalecem aqueles relacionados à necessidade de escolarizaçã o e à possibilidade
de inclusã o de alunos com quadros acentuados. Mesmo entre os defensores da educaçã o inclusiva, há
posiçõ es divergentes, como podemos verificar em questõ es frequentemente formuladas, conforme
apresentamos neste texto. Para analisa‑las, recorremos à Teoria Histó rico‑Cultural, cujos aportes indicam
a importâ ncia da educaçã o escolar para a formaçã o do psiquismo humano. Seus fundamentos se
constituem, portanto, numa possibilidade de conceber a educaçã o inclusiva nã o só como direito, mas
como condiçã o para a conquista de conhecimento e de desenvolvimento da capacidade de compreender,
imaginar, avaliar, enfim, pensar o mundo.

Crianças com transtorno no contexto escolar

Na histó ria da educaçã o especial e da psicologia em geral, há uma preponderâ ncia de concepçõ es
que situam o desenvolvimento bioló gico como determinante do desenvolvimento do indivı́duo.
Decorrente dessas raı́zes histó ricas e a despeito dos avanços alcançados, ainda é recorrente entre

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educadores pensar que muitas crianças nã o conseguem aprender por razõ es orgâ nicas, ignorando ou
desconsiderando o papel da organizaçã o social e da forma como se efetivam as relaçõ es de produçã o na
sociedade capitalista.
A pró pria rigidez da escola, com sua organizaçã o voltada à homogeneidade, é um entrave para a
inclusã o. Como observa Ferreira (2005), devido à ausê ncia de flexibilidade, a inclusã o de um aluno
diferente do ideal frequentemente provoca tensõ es e desestabiliza a estrutura escolar. Todavia, ressalta
ela, “[...] contraditoriamente a tensã o gerada pelo fato altera a rigidez da estrutura escolar e possibilita
movimentos favorá veis à plena educaçã o do aluno” (Ferreira, 2005, p. 144).
A pesquisadora defende a necessidade de um agente para auxiliar a operar transformaçõ es que
garantam igualdade no tratamento e oferta de materiais e recursos para que todos possam aprender com
qualidade.
Um primeiro passo é enfrentar a baixa expectativa de educadores e pais na capacidade de aprender
dos alunos com caracterı́sticas atı́picas mais acentuadas e para os quais as prá ticas pedagó gicas nem
sempre sã o pautadas por um currı́culo com vistas ao má ximo desenvolvimento de suas potencialidades.
Há necessidade de uma compreensã o mais ampla sobre a aprendizagem e o desenvolvimento e
como o ensino pode concorrer para a aprendizagem. Como assinala Gó es (2002), uma contribuiçã o
importante nesse sentido sã o os estudos realizados no â mbito da Teoria Histó rico‑Cultural, os quais
explicam o ser humano como sujeito histó rico e social e a aprendizagem, como um processo partilhado
mediante o qual ossujeitos se apropriam do conhecimento produzido pela humanidade.
Inicialmente, a criança assimila os modos sociais de atividades e de interaçã o do seu grupo; depois,
por meio de atividades orientadas de forma sistemá tica e intencionalmente organizadas na escola, ela
adquire os conhecimentos cientı́ficos.
Sob esse prisma, sã o estabelecidas trê s premissas:
1. o psiquismo das pessoas com ou sem deficiência é de caráter essencialmente histórico;
2. as funções psicológicas superiores são tipicamente humanas; elas possuem uma base biológica, mas
resultam fundamentalmente da interação do indivíduo com o mundo em que ele vive;
3. as circunstâncias de vida concreta da criança são determinantes para o seu desenvolvimento.

Lev Semenovich Vigotski (1896‑1934), Alexander Romanovich Leontiev (1904‑ 1979) e Alexis
Nikolaievich Luria (1902‑1977) sã o os principais representantes da Teoria Histó rico‑Cultural.
Fundamentados no materialismo dialé tico, os estudiosos demonstraram que a aprendizagem opera
transformaçõ es psı́quicas nos sujeitos, expandindo as possibilidades de transformaçõ es dos processos
cognitivos elementares em funçõ es superiores.
O eixo central do desenvolvimento intelectual reside na apropriaçã o dos conhecimentos
produzidos pelos homens. A criança já nasce em um mundo humanizado, dotado de valores, objetos,
saberes e té cnicas, que deverã o ser apropriados. Um processo que, como explica Leontiev (1977), “[...]
tem como conseqü ê ncia a reproduçã o no indivı́duo de qualidades, capacidades e caracterı́sticas humanas
de comportamento” (Leontiev, 1977, p. 105).
O autor cita, como exemplo, a linguagem, um produto objetivo da atividade das geraçõ es anteriores.
No processo de apropriaçã o da linguagem, sã o formadas na criança as caracterı́sticas especificamente
humanas, como falar e entender, ouvir e articular a linguagem falada.
Do mesmo modo, a capacidade de utilizaçã o de instrumentos, com as correspondentes açõ es
mentais e operaçõ es mentais, é formada por meio das relaçõ es com outras pessoas. Vista pela primeira
vez, uma colher é apenas um objeto que a criança leva à boca; com a intervençã o de outra pessoa, ela

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apreende as formas de usar o talher para funçõ es socialmente determinadas. Ou seja, a colher é
assimilada pela criança como objeto humano.
Os conhecimentos sã o apropriados, portanto, mediante relaçõ es prá ticas e verbais entre a criança
e as pessoas que com ela participam de uma atividade comum. Nesse processo, a linguagem é fator
primordial para o desenvolvimento, visto que o conteú do da experiê ncia histó rico‑social nã o está contido
nos objetos e em coisas materiais, mas nas generalizaçõ es refletidas de forma verbal. Essa constataçã o
levou Vygotsky (2003) a demonstrar como o desenvolvimento do pensamento é determinado pela
linguagem e pelas experiê ncias socioculturais da criança.
Numa tentativa de sı́ntese, podemos derivar que o lugar social ocupado pela criança, as exigê ncias
do meio, a qualidade das interaçõ es e as oportunidades concretas a ela propiciadas definem a
aprendizagem que, por sua vez, impulsiona o desenvolvimento. Esses fatores impelem a transformaçã o
das funçõ es psicoló gicas naturais (percepçã o, memó ria, atençã o, sensaçã o) em funçõ es tipicamente
humanas ou superiores (percepçã o do objeto, atençã o voluntá ria, memó ria e sensaçã o mediadas,
imaginaçã o).
Para alé m das questõ es bioló gicas, a capacidade instrumental da pessoa com deficiê ncia acaba
sendo prejudicada em nossa sociedade. Como explica Vygotski (1997), graças a uma crença nas condiçõ es
de estabilidade e constâ ncia do bioló gico sobre o desenvolvimento, as ferramentas materiais e de
adaptaçã o, os aparatos e as instituiçõ es sociopsicoló gicas estã o adaptadas para pessoas com organizaçã o
e funcionamento psicofisioló gico normal. Por conseguinte, essa sociedade coloca barreiras que
transcendem os limites bioló gicos, orgâ nicos ou intelectuais apresentados por uma parcela da populaçã o.
O autor discute a surdez e a cegueira, argumentando que elas nã o criam alteraçõ es graves no
desenvolvimento; o prejuı́zo reside no uso dos processos e instrumentos psicoló gicos. A eficiê ncia das
estraté gias pedagó gicas utilizadas para superar ou compensar o problema determina o desenvolvimento.
Ao fazer uma distinçã o entre dificuldade e deficiê ncia e defender a hipó tese da compensaçã o, Vygotski
(1997) reconheceu que o subdesenvolvimento da fala e do pensamento no surdo ou da orientaçã o
espacial no cego sã o problemas secundá rios. As possibilidades de acesso aos bens culturais podem
transformar a pró pria estrutura dos seus processos psı́quicos. O uso do Braille e da Lı́ngua de Sinais,
associado a metodologias adequadas de ensino, por exemplo, compensam dificuldades de acesso ao
conhecimento nas pessoas com cegueira ou surdez.
Vygotsky (1977) defendeu com veemê ncia a educaçã o escolar e as mediaçõ es por meio dela
realizadas como meio para a promoçã o das funçõ es psicoló gicas superiores. A aprendizagem é a fonte
propulsora do desenvolvimento e o bom ensino é aquele que a ele se adianta, ou seja, é dirigido à s funçõ es
psicoló gicas em vias de se desenvolverem. Desse modo, o autor criticou o ensino destinado à s crianças
com deficiê ncia. Por se pautarem em pesquisas que estabeleceram ter essas crianças pouca capacidade
de pensamento abstrato, o ensino se limitava aos meios visuais. Ao insistir em atividades restritas ao
pensamento visual, essa forma de ensino acabava por consolidar barreiras ao pensamento abstrato.
A criança atrasada, abandonada a si mesma, nã o pode atingir nenhuma forma evolucionada de
pensamento abstracto; e precisamente por isso a tarefa concreta da escola consiste em fazer
todos os esforços para encaminhar a criança nesta direcçã o, para desenvolver o que lhe falta
(Vygotsky, 1977, p. 45).

O pesquisador russo propõ e que as atividades escolares sejam integradas e com conteú dos que
façam a criança pensar. Mesmo as atividades aparentemente simples devem abordar fatos e fenô menos
cientı́ficos, desenvolvimento dos sentimentos, percepçõ es e imaginaçã o.
Infelizmente, o que Vigotski criticava em seu tempo ainda está presente na educaçã o especial

69
contemporâ nea; sã o comuns prá ticas pedagó gicas voltadas para a educaçã o sensó rio‑motora e exercı́cios
para os ó rgã os dos sentidos, principalmente para alunos com recursos comunicativos mais
comprometidos.
Sabemos que, em muitos casos, uma atividade como recortar, por exemplo, pode envolver uma
grande dificuldade e representar uma considerá vel conquista. Aliá s, toda aprendizagem que ajude a
pessoa a se tornar mais autô noma é muito importante. A crı́tica é ao trabalho restrito à visualizaçã o, ao
concreto, em detrimento da mediaçã o para a criaçã o, o pensamento, a imaginaçã o.
De Carlo (1999) é enfá tica quanto à importâ ncia do trabalho com a imaginaçã o para o
desenvolvimento do pensamento abstrato:
Aqueles que estejam voltados à promoçã o do desenvolvimento humano, comprometido ou nã o
por uma deficiê ncia, devem favorecer a mediaçã o semió tica e instrumental e investir na
dimensã o imaginá ria, atuando sobre as capacidades potenciais e funçõ es psicoló gicas
emergentes, mais elaboradas e criadoras, como aspectos do funcionamento psı́quico complexo
(De Carlo, 1999, p. 79).

Sob essa perspectiva, a autora critica a institucionalizaçã o de pessoas com deficiê ncia intelectual
grave. Ela denuncia que algumas prá ticas realizadas com essas pessoas nã o passam de ocupaçã o do
tempo e, por isso, reforçam a marginalidade social e a imagem de incapacidade, legitimando a segregaçã o
e a exclusã o dessa populaçã o do contexto social e da escola. De modo aná logo à autora citada, Padilha
(2001, 2005) demonstra a riqueza do ato educativo com base em formas de mediaçã o simbó lica, que vê
o sujeito como algué m que vai se apropriando da cultura e nã o apenas somando rotinas e costumes.
Os pressupostos da Teoria Histó rico‑Cultural, em especial aqueles formulados por Vigotski,
contribuem para a busca de mudanças no cená rio educacional. Contudo, apesar de a preocupaçã o com a
educaçã o de pessoas com deficiê ncia ocupar um lugar central, as produçõ es vigotskianas priorizaram o
delineamento de princı́pios gerais do desenvolvimento. Uma alternativa para a continuidade dos estudos
na atualidade seria investir na busca de aplicaçã o da teoria à intervençã o educacional.
Pensar a Teoria Histó rico‑Cultural para a prá tica pedagó gica exige cuidados. Como adverte Barroco
(2007), a produçã o de Vigotski acerca do desenvolvimento psicoló gico e da educaçã o de pessoas com
deficiê ncia nã o pode ser lida de modo isolado do conjunto de sua obra, tampouco perder‑se de vista o
cará ter polı́tico, social e econô mico da psicologia e da educaçã o propostas por ele:
Em Vigotski, o aspecto polı́tico nã o se desvincula do econô mico, a esfera da produçã o da esfera
da circulaçã o, o elevado nı́vel de produçã o e acumulaçã o de riqueza do elevado ı́ndice de
misé ria, a teoria da prá tica, a totalidade da parte, o homem particular do gê nero humano, o
desenvolvimento da pessoa com deficiê ncia da pessoa sem deficiê ncia, etc. E justamente o
domı́nio das leis da dialé tica que pô de avançar para alé m das condiçõ es imediatas,
contraditó rias, que se apresentavam para depois voltar a elas com elementos teó ricos
explicativos. Isto é de grande importâ ncia (Barroco, 2007, p. 387).

Assim, a escolarizaçã o da criança é essencial; com deficiê ncia ou nã o, toda criança precisa de e tem
direito a uma escola que cumpra sua funçã o bá sica de promover a socializaçã o do conhecimento
produzido pela humanidade.
Tomada no sentido de humanizaçã o, a escolarizaçã o promove o avanço para alé m das
caracterı́sticas inatas, por meio da apropriaçã o da cultura material e intelectual presente na atividade
humana. O homem nã o nasce ou se faz naturalmente homem; como explica Saviani (2005),
Para saber pensar e sentir; para saber querer, agir ou avaliar é preciso aprender, o que implica o
trabalho educativo. Assim, o saber que diretamente interessa à educaçã o é aquele que emerge
como resultado do processo de aprendizagem, como resultado do trabalho educativo (Saviani,
2005, p. 7).

70
O trabalho educativo é definido pelo autor como a produçã o direta e intencional, em cada indivı́duo,
da humanidade produzida histó rica e coletivamente pelos homens. A escola é o lugar privilegiado para
que esse processo se realize; por meio do ato educativo, os conteú dos produzidos pela coletividade sã o
apropriados pelo indivı́duo singular. Portanto, uma escola vazia de conteú dos resulta no esvaziamento
do ser humano, do saber pensar e significar o mundo em que vive.
Vista a essencialidade da escolarizaçã o para o desenvolvimento, passamos a um ponto que remete
à inclusã o de pessoas com padrõ es muito diferenciados de aprendizagem.

É possível incluir todas as crianças?

Essa questã o é comum entre educadores e mesmo entre os pais de crianças com transtornos, de
modo peculiar, nos casos de psicose e autismo. A inserçã o dessas crianças na escola comum provoca
sentimentos conflitantes no meio educacional, envolve questõ es é ticas, de direitos humanos da criança
e sua famı́lia, demandando uma parceria estreita entre setores da saú de e da educaçã o.
A histó ria sobre o atendimento educacional a pessoas com necessidades educacionais especiais
indica que foram os mé dicos os primeiros a tentar proporcionar experiê ncias humanizadoras e educativas
a uma grande categoria denominada idiotia. A categoria incluı́a a deficiê ncia mental/intelectual, o autismo
e as psicoses infantis. Um marco é o trabalho de Jean Itard (1774‑1838) com um jovem encontrado nos
bosques da França em 1801, que ficou conhecido como Victor, o selvagem de Aveyron.
No sé culo XIX e inı́cio do sé culo XX, as relaçõ es entre saú de e educaçã o se tornaram mais pró ximas
com as contribuiçõ es da psicaná lise e o reconhecimento de que os mé todos e as prá ticas pedagó gicas
podem contribuir para a estruturaçã o psı́quica de crianças com transtornos.
Até a dé cada de 1970, as preocupaçõ es da psicologia se centraram nas chamadas dificuldades de
aprendizagem, definidas como dislexia, disgrafia e discalculia, entre outras; os problemas de saú de
mental foram deixadas para especialistas em educaçã o especial ou para a á rea da saú de.
Ao final da dé cada de 1980, as discussõ es sobre a escolarizaçã o dessas crianças foram retomadas,
juntamente com a luta antimanicomial e pela reforma psiquiá trica. Como versa Ranñ a (2008), as
instituiçõ es passaram a desenvolver trabalhos mais abertos, voltados para os parceiros e,
consequentemente, foram diminuindo as atuaçõ es clı́nicas fechadas ou de grupos terapê uticos, os quais
continuaram a existir, mas com outro significado. Para as crianças com autismo ou psicose grave, foram
criados ambientes de saú de com caracterı́sticas escolares: as escolas terapê uticas.
De 1990 até o inı́cio do sé culo XXI, com o movimento de educaçã o inclusiva, a proposta de educaçã o
para essa categoria passa a ser a de terapê utica na escola. Com a inclusã o das crianças com transtornos
mentais graves, aumentaram as demandas da escola por parcerias com a saú de.
Ranñ a (2008) recomenda a intervençã o antes dos trê s anos de idade e voltada para as funçõ es
psı́quicas e a promoçã o da sua subjetivaçã o em formas menos alienantes. Mas, como alerta o autor, a
ausê ncia ou insuficiê ncia de atendimento pú blico dificulta ou inviabiliza as intervençõ es precoces. Outro
entrave é o caos conceitual e o desencontro quanto aos encaminhamentos. Para alguns, a criança deve
ser apenas medicamentada, sem expectativas de desenvolvimento, mudanças ou transformaçõ es. Outros
indicam espaços totalmente segregados ou salas especiais na escola comum.
Com a atual polı́tica de educaçã o inclusiva, a orientaçã o é a inclusã o total, inclusive das crianças com
autismo ou psicose. Defendemos esse posicionamento e concordamos com Kupfer (2005), para quem a
condiçã o para a efetivaçã o da inclusã o é a transformaçã o da escola num espaço de convivê ncia das
diferenças:

71
Nã o, poré m, as diferenças de cor, ou de amplitudes perceptivas (mais ou menos cegas, mais ou
menos surdas, mais ou menos inteligentes), e sim aquelas que verdadeiramente interessam, ou
seja, as diferenças subjetivas na apreensã o do mundo, já que sã o essas diferenças que permitem
o surgimento de seus estilos e, portanto, do novo. Um novo singular que poderá retornar ao
social para revigorá ‑lo (Kupfer, 2005, p. 23).

A autora observa que nã o há duas crianças psicó ticas ou autistas com caracterı́sticas e necessidades
iguais. Por isso, é necessá rio primeiro incluir e depois verificar as necessidades. Para Ranñ a (2008), cada
caso é um projeto que começa com a escuta dos pais e do conhecimento sobre a criança para entender a
dinâ mica familiar e o lugar nela ocupado pela criança. Esse trabalho caberia a um grupo de apoio cujo
objetivo seria perceber os poderes e as fraturas que se operam no cotidiano familiar. Na escola, o alvo
seria a mobilizaçã o pela presença de uma criança com transtorno no cotidiano e os sentimentos por ela
provocados. O fio condutor seria a relaçã o entre saú de e educaçã o e a prá tica pautada na preocupaçã o
com um trabalho problematizador das prá ticas escolares e com a intençã o de evitar preconceitos e
exclusã o.
Pesquisas realizadas por Gomes e Mendes (2010) e Lazzeri e Naujorks (2011) apontam avanços
quanto ao acesso das crianças com transtornos à s classes comuns das escolas regulares; as pesquisadoras
afirmam, no entanto, a necessidade de assegurar à s escolas as condiçõ es para o má ximo desenvolvimento
do potencial desses alunos.
Ambas as pesquisas constataram ser menor o estranhamento dos professores diante das caracterı́sticas
dos alunos. Na pesquisa realizada por Gomes e Mendes (2010), 40% dos professores investigados afirmaram
nã o ter dú vidas ou dificuldades para lidar com os alunos com autismo. Nã o obstante, as aná lises dos dados
indicam que 90% desses alunos nã o acompanham os conteú dos pedagó gicos desenvolvidos pelas escolas e
que nenhum tipo de adequaçã o metodoló gica ou curricular foi relatado pelos professores. Apesar de uma
porcentagem significativa de alunos nã o falar, nã o houve indicativos de utilizaçã o de recursos de comunicaçã o
alternativos, os quais poderiam ser muito bené ficos para eles.
Gomes e Mendes (2010) e Lazzeri e Naujorks (2011) verificaram ainda a ausê ncia de interaçã o de
profissionais da á rea de educaçã o e de saú de. As fraturas nos processos de aprendizagem e as
mobilizaçõ es provocadas pelos alunos com psicose e autismo sã o ignoradas ou vivenciadas de forma
quase solitá ria pela famı́lia e pela escola. A formaçã o focada nos aspectos pedagó gicos e uma equipe de
apoio sã o problemas urgentes a serem enfrentados para fazer avançar o processo inclusivo.
Os princı́pios pautados na Teoria Histó rico‑ Cultural analisados ao longo do texto indicam a
importâ ncia e determinaçã o da escolarizaçã o para o desenvolvimento. No caso dos alunos com
transtornos, é essencial que o professor conheça as caracterı́sticas e as necessidades de aprendizagem
dos alunos, em especial, de recursos para a comunicaçã o.

Considerações finais

Na tessitura de interfaces da psicologia com a educaçã o, procuramos demonstrar a educaçã o como


fator primordial para o desenvolvimento psicoló gico de todas as crianças e a necessidade de um trabalho
educativo humanizador, que ensine a pensar, sentir, querer, avaliar e agir.
Uma prá tica educativa transformadora exige uma crença incondicional na capacidade do ser
humano de aprender, assim como a organizaçã o sistemá tica e intencionalmente organizada dos recursos
e das estraté gias para efetivar esses princı́pios.
A busca de concretizaçã o dessas proposiçõ es numa sociedade de classes é uma luta a ser travada
no dia a dia, nã o apenas no campo da legislaçã o. També m os educadores precisam de uma educaçã o

72
humanizadora, pautada em leis gerais do desenvolvimento, mas reconhecendo as singularidades na
organizaçã o psicoló gica das crianças especiais.
Ainda sabemos pouco sobre como lidar com os alunos com transtorno na escola. Sob o prisma do
desenvolvimento mediante o ensino, podemos avançar para alé m da educaçã o como direito e estabelecer
bases mais transformadoras para os estudos e as prá ticas pedagó gicas com esse alunado.
O aluno com transtornos aprende, o aprendizado transforma o seu desenvolvimento e o seu lugar
é na escola comum. O horizonte de expectativa agora é compreender as nuances do seu aprendizado e
determinar e dispor os recursos necessá rios para a efetivaçã o do processo.

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75
A dimensão constitutiva do meio: implicações políticas e práticas em educação
especial

Débora Dainez19
Ana Luiza Bustamante Smolka20
Flavia Faissal de Souza21

Resumo

O objetivo deste texto é discutir como a definiçã o das polı́ticas e a legislaçã o vigente em educaçã o
especial integram a ambiê ncia sociocultural e afetam as relaçõ es e as posiçõ es sociais dos sujeitos
envolvidos no interior da escola. Refletimos sobre as mú ltiplas dimensõ es do meio com base na teoria
histó rico‑ cultural e trazemos para aná lise uma situaçã o de ensino no 5º ano de uma rede pú blica
municipal. Acompanhamos o movimento interacional e enunciativo‑discursivo, dando visibilidade
analı́tica aos modos de participaçã o de um aluno com deficiê ncia intelectual. Argumentamos sobre a
realizaçã o do trabalho pedagó gico tendo em vista o desenvolvimento cultural do aluno e enfatizamos a
funçã o da escola no processo de humanizaçã o, pontuando as contradiçõ es das polı́ticas que orientam o
contexto macroestrutural.

Palavras‑chave: Educaçã o especial. Educaçã o inclusiva. Desenvolvimento humano.

Introdução

A recente democracia no Brasil, instituı́da nos ú ltimos trinta anos, traz em sua estrutura
fragilidades e disputas dissonantes no campo dos direitos humanos. Nos anos 2000, presenciamos
esforços no campo social, com a instituiçã o de polı́ticas de Estado e de governo muitas vezes
contraditó rias para o enfrentamento à s desigualdades. Nesse cená rio, com uma importante atuaçã o de
movimentos sociais, vivenciamos a intensificaçã o de discursos nos planos polı́tico e legislativo em prol
da universalizaçã o da educaçã o e da garantia dos Direitos Humanos que concernem à s pessoas com
deficiê ncia (LANNA JUNIOR, 2010; KASSAR, 2011).
Apó s um longo perı́odo de ditadura cı́vico‑militar (1964‑1985), na luta por um Estado democrá tico,
destaca‑se a efetiva participaçã o do movimento das pessoas com deficiê ncia na elaboraçã o e no
lançamento da Constituiçã o Cidadã de 1988 (BRASIL, 1988). Na Constituinte, em meio a muitos embates,
uma conquista importante foi a mudança do modelo assistencialista para o paradigma dos direitos
humanos. Ou seja, de um modelo sedimentado em estraté gias caritativas, que objetivavam suprir as
necessidades, reiterando a dependê ncia e a tutela, para uma perspectiva de polı́tica pú blica em que as
pessoas com deficiê ncia passassem a ser concebidas como sujeitos de direitos (SIEMS‑MARCONDES;
CAIADO, 2013).

19Universidade Federal de Sã o Carlos – Departamento de Ciê ncias Humanas e Educaçã o – Programa de Pó s‑graduaçã o em Educaçã o –
Sorocaba (SP), Brasil. E‑mail: [email protected]
20Universidade Estadual de Campinas – Faculdade de Educaçã o – Departamento Psicologia Educacional – Campinas (SP), Brasil. E‑mail:
[email protected]
21 Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Faculdade de Educaçã o da Baixada Fluminense – Programa de Pó s‑graduaçã o em Educaçã o –
Programa de Pó s‑graduaçã o em Educaçã o, Cultura e Comunicaçã o em Periferias Urbanas – Rio de Janeiro (RJ), Brasil. E‑mail:
[email protected]

76
O capı́tulo intitulado “Tutelas especiais”, inicialmente previsto para pessoas com deficiê ncia, foi
retirado do texto perante a demanda de igualdade de direitos. A principal reivindicaçã o foi de que os
“dispositivos constitucionais voltados para as pessoas com deficiê ncia deveriam integrar os capı́tulos
dirigidos a todos os cidadã os” (LANNA JUNIOR, 2010, p. 65).
Um importante marco da Constituiçã o de 1988 é a explicitaçã o da responsabilizaçã o do Estado
pela educaçã o da pessoa com deficiê ncia e a formulaçã o, em lei, do atendimento educacional
especializado, preferencialmente, na rede regular de ensino. Se a formulaçã o em termos de lei visa
garantir a oferta do atendimento educacional especializado no â mbito da educaçã o pú blica, o termo
preferencialmente deixa espaço para a participaçã o das instituiçõ es privadas‑assistenciais, as quais
historicamente disputam o financiamento pú blico junto com uma forma de atendimento educacional que
traz implicada a marca da filantropia e o cará ter de tutela.
E na virada do sé culo XXI que os princı́pios da educaçã o inclusiva, baseados no respeito aos direitos,
na valorizaçã o da diversidade, no atendimento das necessidades individuais e na acessibilidade (CAIADO;
LAPLANE, 2009), passam a reger de forma mais contundente os textos das polı́ticas pú blicas. Em
decorrê ncia dessas polı́ticas, foi lançada, em 2008, a “Polı́tica Nacional de Educaçã o Especial na
perspectiva da Educaçã o Inclusiva” (PNEEPEI) (BRASIL, 2008). Alinhada ao discurso da Convençã o sobre
os Direitos das Pessoas com Deficiê ncia (CDPD) (BRASIL, 2009),1 ratificada com valor de emenda
constitucional, a PNEEPEI tinha o objetivo de assegurar um sistema educacional inclusivo, garantindo o
direito à matrı́cula de alunos com deficiê ncia, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades
ou superdotaçã o nas escolas de ensino regular. Para tal, as principais açõ es estavam organizadas em trê s
eixos: 1) formaçã o de professores; 2) acessibilidade; e 3) organizaçã o e oferta do Atendimento
Educacional Especializado (AEE), o qual passa a nomear um serviço, descrito e regulamentado no Decreto
n. 6.571 (BRASIL, 2008), posteriormente revogado pelo Decreto n. 7.611 (BRASIL, 2011).
O AEE é conceituado como um serviço prestado por um “conjunto de atividades, recursos de
acessibilidade e pedagó gicos, organizados institucional e continuamente” (BRASIL, 2011, p. 2), de cará ter
complementar ou suplementar ao ensino regular, a ser ofertado na Sala de Recursos Multifuncionais em
instituiçõ es pú blicas e/ou de cará ter privado‑filantró pico. Nessa estrutura, as atribuiçõ es do professor
do AEE abarcam um amplo espectro de açõ es, que podem ser agrupadas em: açõ es de cará ter té cnico‑
pedagó gico, voltadas para avaliaçã o da funcionalidade e confecçã o de materiais e estraté gias
educacionais adequadas; açõ es de formaçã o continuada junto à equipe escolar e aos responsá veis; e açõ es
de cunho gerencial, com responsabilidade pelas parcerias intersetoriais, organizaçã o do serviço AEE e
disponibilizaçã o de recursos tecnoló gicos e de acessibilidade. Percebe‑se, nesse rol de atribuiçõ es, um
esvaziamento do conteú do pedagó gico, pelo qual o professor da modalidade educaçã o especial passa a
ser um gestor dos recursos de aprendizagem dos alunos (GARCIA, 2013).
Vale destacar que essa organizaçã o do trabalho na modalidade educaçã o especial, que tem como
ló cus a Sala de Recursos Multifuncionais, manteve a oferta de um serviço educacional de cará ter té cnico,
paralelo à sala de aula regular, com foco na acessibilidade, nã o necessariamente no cará ter pedagó gico
(SOUZA; PLETSCH, 2015). Suas estrutura e forma de financiamento mantiveram a educaçã o especial
como um serviço que pode ser ofertado fora da rede pú blica de ensino, com repasse de verba para as
instituiçõ es privadas‑assistenciais (JANNUZZI, 2006; LAPLANE; CAIADO; KASSAR, 2016).
Embora pretenda‑se assumir uma face democratizante, remetendo‑se à garantia dos direitos
sociais de grupos historicamente marginalizados, a ló gica operante do sistema educacional inclusivo
aprofunda a ofensiva privatista sobre a educaçã o brasileira. Ou seja, assegura o espaço de participaçã o
das instituiçõ es assistenciais privadas na educaçã o especial (MICHELS; GARCIA, 2014).

77
As polı́ticas de educaçã o especial no Brasil tê m sido, portanto, elaboradas em um territó rio de
disputas acerca dos fundamentos teó rico‑conceituais, da alocaçã o de recursos pú blicos e do lugar de
atendimento educacional, de modo que “ora a pressã o das organizaçõ es especializadas é mais audı́vel,
ora o movimento em favor da participaçã o plena das pessoas com deficiê ncia nas instituiçõ es nã o
especializadas é fortalecido” (KASSAR; REBELO; OLIVEIRA, 2019, p. 5).
Nesse cená rio, houve o movimento de ser instituı́da uma nova polı́tica de educaçã o especial, que
se apresentou como atualizaçã o da PNEEPEI. Trata‑se do Decreto n. 10.502 (BRASIL, 2020), que institui
a “Polı́tica Nacional de Educaçã o Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida”. Ao
referir que há alunos com deficiê ncia que nã o se beneficiam das escolas regulares, esse texto retoma o
modelo mé dico de deficiê ncia, o qual se ancora no pressuposto do impedimento orgâ nico – ou seja, parte
do princı́pio de que as dificuldades encontradas na vida estã o cunhadas na pró pria deficiê ncia,
atribuindo, portanto, ao estudante o fracasso escolar (CAIADO; BERRIBILLE; SARAIVA, 2013). Ratifica,
nessa perspectiva, a necessidade de escolas especiais, induzindo a processos de segregaçã o e
discriminaçã o das pessoas com deficiê ncia. Aponta, ainda, para o estreitamento de relaçõ es com as
instituiçõ es privadas‑assistenciais, de modo a ampliar o papel delas na educaçã o dos sujeitos com
deficiê ncia. Entre os atores citados no texto que compõ em o corpo docente da educaçã o especial, nã o há
referê ncia ao professor do ensino regular. Tais preceitos destacados colocam em xeque a educaçã o escolar
pú blica como bem comum, conforme estabelecido na Constituiçã o de 1988 (BRASIL, 1988) e na LDBEN/
96 (BRASIL, 1996).
Tendo em vista o retrocesso que se anuncia em relaçã o à s conquistas no campo dos direitos
humanos, diante de uma proposta de polı́tica pú blica que retoma os espaços segregados como
possibilidade educacional para pessoas com deficiê ncia, reduzindo o convı́vio social e o acesso aos bens
culturais, consideramos a necessidade de explicitar conceitos que se tornam chave para a compreensã o
das relaçõ es entre desenvolvimento humano e funçã o social da escolarizaçã o pú blica, estatal, laica,
gratuita e de qualidade socialmente referenciada.
Dessa forma, temos como objetivo neste texto discutir como a definiçã o das polı́ticas e a legislaçã o
vigente em Educaçã o Especial integram a ambiê ncia sociocultural e afetam as relaçõ es e as posiçõ es
sociais dos sujeitos envolvidos no interior da escola. Para tanto, buscamos argumentar sobre as mú ltiplas
dimensõ es do meio a partir das contribuiçõ es de autores da teoria histó rico‑cultural do desenvolvimento
humano e trazemos para aná lise uma aula registrada em vı́deo no 5º ano de uma rede pú blica municipal.
Colocando em foco as relaçõ es de ensino, acompanhamos o movimento interacional e enunciativo‑
discursivo (BAKHTIN, 2003), procurando dar visibilidade analı́tica aos modos de participaçã o de um
aluno com deficiê ncia intelectual.
Encontramos, nas teses e nos pressupostos defendidos por Lev S. Vigotski no inı́cio do sé culo XX,
respaldo à reinvindicaçã o de que os dispositivos constitucionais voltados à s pessoas com deficiê ncia
sejam comuns a todos os cidadã os. Ao elaborar as leis gerais de desenvolvimento humano, levando em
conta a condiçã o de deficiê ncia, e ao defender a funçã o social do meio escolar no desenvolvimento do
psiquismo, Vigotski (1997; 2018) fundamenta teó rica e conceitualmente a participaçã o de toda e
qualquer criança na produçã o da cultura, ressaltando a contribuiçã o singular de cada uma na dinâ mica
social. Nesse sentido, a problematizaçã o da criança e do meio apresenta‑se para nó s como ló cus de
discussã o e aprofundamento pela dimensã o polı́tica implicada.
Encontramos, també m, nos diá logos com Stephen Ball (2001), soció logo contemporâ neo que
analisa a micropolı́tica das escolas em relaçã o à s redes globais das polı́ticas educacionais, inspiraçõ es
para analisar as relaçõ es entre o global e o local, entre a polı́tica fixada no texto das leis e os espaços de

78
atuaçã o dos sujeitos na prá tica cotidiana. Por um prisma foucaultiano, o autor elabora sobre as polı́ticas
como textos e discursos que circulam entre espaços e atores, os quais produzem distintas traduçõ es e
interpretaçõ es circunscritas ao texto e ao contexto. O autor argumenta que as polı́ticas nã o sã o
implementadas, mas atuadas. “A polı́tica é feita pelos e para os professores; eles sã o atores e sujeitos,
sujeitos e objetos da polı́tica. A polı́tica é escrita nos corpos e produz posiçõ es especı́ficas dos sujeitos”
(BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2016, p. 13).
Vemos como urgente e necessá rio debater os fundamentos, reiterar princı́pios e analisar as
condiçõ es e as prá ticas em contextos de educaçã o pú blica, desenvolvendo argumentos que possam
sustentar, de maneira consistente, o posicionamento e o comprometimento é tico‑polı́tico com relaçã o a
uma prá xis educativa transformadora.

Discutindo o Conceito de Meio na Perspectiva Histórico‑cultural

Ao perscrutar a natureza social do psiquismo humano buscando estabelecer as leis gerais de


desenvolvimento, Lev S. Vigotski trouxe importantes contribuiçõ es para pensarmos a educaçã o da criança
com deficiê ncia diante das condiçõ es sociais concretas, historicamente constituı́das. Profundamente
envolvido na proposta de reconstruçã o de uma sociedade anunciada e proclamada pela Revoluçã o Russa
de 1917, o autor teorizou sobre os processos de ensino e aprendizagem, tendo em vista a formaçã o do
homem novo. Já no ano de 1925, liderou a criaçã o de um instituto associado à Universidade de Moscou
para o estudo do desenvolvimento humano junto a uma equipe de professores e profissionais de
diferentes á reas. Tal instituto tinha como objetivo o ensino a crianças com mú ltiplas deficiê ncias e
realizava estudos quase experimentais com base em pressupostos teó rico‑ metodoló gicos que
destacavam a importâ ncia da mediaçã o social, a dinâ mica interfuncional das funçõ es psı́quicas e a
centralidade da linguagem nessa dinâ mica. Em seu incansá vel percurso investigativo, o autor reelaborou
o conceito de compensaçã o em circulaçã o na é poca (W. Stern, T. Lipps, A. Adler), argumentando sobre
uma concepçã o dialé tica do desenvolvimento humano e da condiçã o humana de deficiê ncia (DAINEZ;
SMOLKA, 2016; DAINEZ, 2017; STETSENKO; SELAU, 2018).
A partir das experiê ncias nesse instituto, Vigotski (VYGOTSKI, 1997) problematizou a organizaçã o
da educaçã o nacional2 daquele momento histó rico e considerou que o ensino para as pessoas com
deficiê ncia deveria fazer parte do trabalho educativo comum, integrando um sistema nacional de
educaçã o. As contribuiçõ es desses estudos e do trabalho realizado ainda ressoam fortemente um sé culo
depois. O potencial de sua teorizaçã o está , assim, em assegurar uma concepçã o do humano que subsidie
processos educacionais referenciados em uma prá xis transformadora regida por princı́pios de igualdade
e justiça social (STETSENKO, 2010).
Em uma sé rie de sete conferê ncias denominadas “Fundamentos de Pedologia”, proferidas entre
1933 e 1934, Vigotski (2018) chama a atençã o para a importâ ncia de se considerar a relaçã o da criança
com o meio nos estudos do desenvolvimento. O autor apresenta o conceito de vivê ncia/perejivanie como
uma unidade de aná lise para se compreender essa relaçã o. Ao elaborar sobre o conceito de vivê ncia/
perejivanie, ele fala nã o somente sobre como o meio influencia a criança, mas como a criança significa o
meio a partir de uma histó ria de relaçõ es constitutiva de sua personalidade. O conceito de meio, no
entanto, nã o é explicitado e fica em aberto, convocando‑nos a adensar conceitual e analiticamente as
contribuiçõ es dessa proposiçã o.
A medida que vê m se divulgando novas traduçõ es e novos trabalhos desse autor, tal conceito tem
mobilizado o interesse de estudiosos contemporâ neos. Entre esses, os estudos de Pino (2010) e

79
Meshcheryakov (2010) buscam examinar a noçã o de meio no pensamento de Vigotski e esclarecer
aspectos teó ricos e metodoló gicos nele implicados. Pino (2010) atenta‑se à elaboraçã o desse constructo
em diferentes á reas do conhecimento e elucida o papel do habitat ou ambiente na existê ncia e na
sobrevivê ncia de qualquer organismo. Explica como o meio natural é indispensá vel ao e indissociá vel do
ser vivo, sendo sua especificidade o que determina a peculiaridade de cada espé cie. A partir disso, o autor
salienta que, na perspectiva do humano, a dimensã o natural é transformada pelo trabalho social que
constitui as condiçõ es concretas de vida (PINO, 2003a). Na dinâ mica das relaçõ es e no processo de
produçã o material e simbó lica, o ser humano modifica o meio, cria novos meios/modos de existê ncia e
se constitui nesse processo. O meio é , assim, criado e transformado pela histó ria e pela cultura.
Nessa mesma linha de argumentaçã o, encontramos as importantes contribuiçõ es de Henri Wallon,
pesquisador e educador francê s contemporâ neo de Vigotski que, como ele, compartilha os pressupostos
epistemoló gicos de base materialista histó rico‑dialé tica. Wallon (1975) també m elaborou sobre a relaçã o
da criança com o meio e afirmou, como Vigotski, que o estudo da criança exige o estudo do meio no qual
ela se desenvolve. O autor nos fala de meios no plural. Muitos meios podem se encontrar num mesmo
indivı́duo e podem mesmo entrar em conflito (BAUTIER; ROCHEX, 1999).
A coexistê ncia de muitos meios na vivê ncia da criança demanda explicitaçã o. Como podemos
conceber essa pluralidade? Podemos pensar que a pluralidade de meios implica a composiçã o de diversas
redes de relaçõ es entre pessoas, que se configuram de diversas maneiras – mais, ou menos está veis –,
cujos vı́nculos se mantê m pelas prá ticas de convivê ncia formalmente instituı́das – por exemplo, famı́lia,
escola, comunidade, igreja etc. Podemos també m pensar ainda as dinâ micas e variadas reconfiguraçõ es
de grupos, de cará ter mais provisó rio, que podem, contudo, persistir no cotidiano, como um conjunto de
circunstâ ncias durá veis, por tempos variados com objetivos especı́ficos, e que se delineiam em funçã o
das condiçõ es concretas de vida.
Podemos, assim, dizer que é nos entre‑meios, nas interseçõ es e sobreposiçõ es dos diferentes meios,
nas demandas de identificaçã o‑diferenciaçã o nas relaçõ es interpessoais (WALLON, 1971), as quais
emergem nos conflitos e tensõ es vivenciados, que a pessoa, a criança, conhece o mundo, conhece‑se e se
reconhece, num movimento incessante de (inter)constituiçã o.
Uma questã o relevante, entã o, é como o meio, em sua pluralidade, “opera em funçã o da dinâ mica
do desenvolvimento da criança” (PINO, 2010, p. 747). Nesse particular, o esforço de elaboraçã o teó rica e
metodoló gica de Vigotski nos parece ı́mpar, quando problematiza e se indaga sobre como o coletivo
produz indivı́duos singulares ou como as relaçõ es sociais se transformam em funçõ es psı́quicas mediadas
(VYGOTSKI, 1995), bem como quando se propõ e investigar o desenvolvimento cultural da criança, isto é ,
o processo que “corresponde ao desenvolvimento psı́quico que se produz no curso do desenvolvimento
histó rico da humanidade” (VYGOTSKI, 1996, p. 35).
Todavia, conceber a dinâ mica da ontogê nese relacionada ao desenvolvimento histó rico da
humanidade nos leva a considerar, alé m da pluralidade dos meios coexistentes, a multidimensionalidade
que permeia esses meios na vivê ncia da criança. Implica pensar como a produçã o humana, material e
simbó lica, repercute, afeta e é apropriada pelos indivı́duos em interaçã o. Ou seja, demanda levar em conta
(e integrar no estudo e nas aná lises do desenvolvimento cultural) a confluê ncia de mú ltiplas dimensõ es
– bioló gica, social, econô mica, polı́tica, jurı́dica, ideoló gica etc. Ao mesmo tempo, suscita a discussã o do
aspecto constitutivo do meio no desenvolvimento da criança ou de como o meio, em suas pluralidade e
multidimensionalidade, participa da constituiçã o – social e singular – da personalidade da criança.
Há tensã o dialé tica entre a dinâ mica do meio e do desenvolvimento da criança: se a criança muda,
o meio també m muda. E impossı́vel separar o que pertence à criança e o que pertence ao meio. Como

80
reitera Pino, “[a]s condiçõ es das quais faz parte a criança com suas peculiaridades gené ticas se combinam
desde o nascimento de forma variá vel de acordo com as mudanças das condiçõ es histó rico‑culturais em
que a criança se desenvolve” (2010, p. 746).
O meio nã o só proporciona as condiçõ es histó rico‑culturais para o desenvolvimento da criança,
mas provoca o desenvolvimento, na medida em que apresenta objetivos, expectativas, prediçõ es,
prescriçõ es e avaliaçõ es relacionados ao que se considera pertinente a cada idade, em cada é poca. O meio
convoca as crianças a agirem de acordo com certa organizaçã o e certas demandas sociais. Nesse sentido,
o meio é fonte de desenvolvimento (VIGOTSKI, 2018).
Ao explorar o argumento vigotskiano de que o meio é fonte de desenvolvimento, Meshcheryakov
(2010) realça a intrı́nseca relaçã o entre as peculiaridades do meio e as peculiaridades da criança e discute
como as mudanças nas situaçõ es sociais podem repercutir na formaçã o da personalidade. Na dinâ mica
do desenvolvimento, certas atividades, em determinadas situaçõ es, mobilizam e viabilizam a emergê ncia
de algumas peculiaridades da criança, mas nã o outras. Assim sendo, o meio tende a orientar, sugerir,
influenciar, determinar, regular, controlar, instigar ou coibir certos modos de as crianças agirem e se
comportarem. Na rede de relaçõ es, produz‑se uma tensã o entre a homogeneidade e a heterogeneidade
de prá ticas, na qual se configura a singularidade de cada criança nos modos de apropriaçã o da cultura e
na significaçã o da existê ncia, resultante da vivê ncia do meio nas condiçõ es concretas de vida.

A Dinâmica das Relações e os Modos de Participação de um Aluno com Deficiência no


Ensino Regular: uma Aula em Foco

A formulaçã o das polı́ticas pú blicas de educaçã o inclusiva no Brasil viabilizou a ampliaçã o do
nú mero de matrı́cula de alunos com as mais diversas deficiê ncias em todos os nı́veis e modalidades da
educaçã o. Gustavo é uma dessas crianças que frequentaram a escola pú blica e participaram da dinâ mica
da sala de aula regular. O aluno entrou na escola em 2006, no 1º ano do Ensino Fundamental.
Acompanhamos esse aluno no 4º Ano, em 2010, e no 5º ano, em 2011. Nesse perı́odo, a escola municipal,
com cerca de novecentos alunos, registrava a matrı́cula de 21 alunos com diversas deficiê ncias
(deficiê ncia fı́sica, deficiê ncia auditiva, visã o subnormal, autismo, deficiê ncia intelectual e deficiê ncia
mú ltipla). Realizava‑se nessa escola, por demanda de algumas professoras que nela atuavam, um projeto
colaborativo de pesquisa e intervençã o – envolvendo professoras em exercı́cio na rede pú blica e
pesquisadoras na universidade –, o qual tinha como objetivo o estudo e a aná lise conjunta das condiçõ es
de desenvolvimento humano e das relaçõ es de ensino à luz da teoria histó rico‑cultural.
Gustavo, com diagnó stico de Sı́ndrome de Down e deficiê ncia intelectual, comunicava‑se por meio
de gestos, expressõ es faciais, poucas palavras monossilá bicas e emissõ es sonoras incompreensı́veis. O
fato de o aluno nã o usar uma forma convencionalizada de linguagem provocava constantes mal‑
entendidos, gerando atitudes restritivas por parte dos agentes escolares e comportamentos agressivos
de sua parte. Circulava no ambiente escolar uma interpretaçã o de que essa condiçã o comunicativa era
impeditiva dos processos de compreensã o e aprendizagem, ou seja, expressava a deficiê ncia intelectual.
A professora de Educaçã o Especial (PEE) da escola, que já havia assumido a regê ncia de classes
especiais em tempos de polı́ticas anteriores, encontrava‑se, de acordo com as Diretrizes Municipais
vigentes, deslocada da sala de aula, com novas atribuiçõ es de cará ter té cnico‑gerencial alinhadas à
PNEEPEI. Apesar de a traduçã o local da polı́tica prescrever como uma de suas atribuiçõ es o
acompanhamento de alunos com deficiê ncia junto à professora regente (PR) na sala de aula regular, a
principal estraté gia de atuaçã o da PEE na escola era organizar e realizar o atendimento especializado

81
individualizado a todos os alunos com deficiê ncia em forma de rodı́zio. Em paralelo ao trabalho dessa
professora, em 2009, a escola foi contemplada com uma Sala de Recursos Multifuncionais, com
equipamentos tecnoló gicos do Governo Federal para o AEE direcionado a alunos com deficiê ncia visual
e auditiva.3
A situaçã o que elegemos para aná lise insere‑se no â mbito do projeto de coletivo e envolve duas
professoras pesquisadoras, a PR do 5º ano e a PEE, que dele participavam voluntariamente. A aula em
foco, registrada em vı́deo, reú ne algumas condiçõ es especı́ficas de organizaçã o do trabalho pedagó gico,
o que nos permite tomá ‑la como prototı́pica pelas possibilidades de aná lises das interaçõ es e da
realizaçã o de processos de ensino‑aprendizagem que apresenta.
No trabalho analı́tico, buscamos compreender a aula como um acontecimento, isto é , como aquilo
que se realiza em uma histó ria de relaçõ es interpessoais e institucionais (GERALDI, 2010). A situaçã o em
foco ocorreu no inı́cio do ano letivo, quando a PR assumiu o 5º ano. Gustavo integrava o grupo de 32
alunos de 10 a 11 anos que compunham a turma. O tema da aula nesse dia era a “Histó ria dos Nú meros”.
A PEE havia participado do planejamento e estava presente na aula. O planejamento das professoras
incluı́a dois filmes que abordavam o tema. A escolha por esse recurso audiovisual levou em consideraçã o
o interesse de Gustavo por filmes. Uma das pesquisadoras encontrava‑se també m na sala de aula, com
uma filmadora, o que já fazia parte do cotidiano das crianças e das professoras. Nessa aula, as carteiras
mó veis estavam agrupadas de diversas maneiras, possibilitando o trabalho em duplas ou trios de
crianças. Gustavo sentou‑se na primeira carteira, pró ximo do telã o que exibia o filme e ao lado da PEE
que manuseava os equipamentos, o computador e o datashow. A PR, sentada à frente da sala, estava
pró xima das crianças e voltada para elas.
A aula teve a duraçã o de aproximadamente 1h. O excerto transcrito da situaçã o narrada refere‑se
a 34 minutos. Optamos por marcar os minutos ao longo da transcriçã o para dar aos leitores a dimensã o
do tempo transcorrido. O excerto é longo e tem como objetivo ressaltar os modos de participaçã o de
Gustavo na dinâ mica das interaçõ es em aula. A participaçã o social plena é um dos pontos centrais nas
polı́ticas sociais voltadas para as pessoas com deficiê ncia. Nessa aula, ressaltamos os gestos mı́nimos nas
relaçõ es interpessoais, que se tornam constitutivos de Gustavo como aluno:
(00:00:00 – 00:00:28)
1. Começa o primeiro filme, narrado em inglês e legendado em português. As crianças estão sentadas em
suas carteiras e não conseguem acompanhar as legendas. A professora pergunta se estão enxergando ou
se querem sentar no chão, na frente da sala. Gustavo faz gesto de positivo com a mão e permanece em
sua carteira. Alguns alunos sentam‑se próximos do telão.

(00:01:18 – 00:04:30)
2. Alguns alunos registram questões sobre o filme. Gustavo pega o lápis, olha para o filme, olha para a PEE,
registra algo em um papel.
3. PR: Ela (refere‑se à narradora do filme) está falando de que povo aí?
4. Aluno: Egípcios.
5. PR: Os egípcios, isso! Eles precisavam calcular o tempo. Porque eles, ó, plantavam.
6. Gustavo continua assistindo ao filme e registrando algo em sua folha.
7. PR: Está vendo, ó. As pessoas precisavam da matemática pra quê? Calcular o pedaço da terra que elas
tinham.
8. Gustavo aponta para o filme e diz: Ó lá.
9. PR: Isso. Eles usavam pau, olha lá.

(00:06:07 – 00:10:43)
10. PR: Eles faziam conta igual a gente faz hoje?
11. Alguns alunos, entre os quais Gustavo, respondem: Não. Outros alunos respondem: Sim.
12. PR: A gente faz assim?

82
13. Alunos: Não. Não.
14. Gustavo: Não, não (faz movimento com a cabeça e gesto com o dedo indicando não).
15. PR: Eles faziam conta de um jeito diferente do nosso. (00:11:27). Termina o filme legendado.
16. PR: Vocês querem ver esse mais uma vez ou podem ir pra outro?
17. Alguns alunos respondem: Sim. Outros alunos respondem: Não.
18. Gustavo, em tom elevado de voz, diz: Não (bate na carteira).
19. PR: Olha para Gustavo e diz: Não, né, Gu...
20. Alguns alunos continuam dizendo: Sim. Outros alunos, entre os quais Gustavo, dizem: Não.
21. Alunos: Votação. Faz votação.
22. PR: É, vai ter que fazer votação, como tem muita gente falando sim e muita gente falando não...
23. A votação acontece e o resultado é favorável à exibição do próximo filme. O próximo filme começa.

(00:13:00 – 00:13:58)
24. O filme explica que a palavra “cálculo” significa “pedrinha”.
25. Gustavo aponta para o filme e diz: Ó lá. Olha para a PEE e diz: Ó lá. Doi (faz o número dois com os dedos).
26. PR: A palavra “cálculo” significa...?
27. Alunos: Pedrinha.
28. PR: Anota isso que é legal, ó.

(00:14:18 – 00:18:25)
29. Alguns alunos pedem para a PR voltar o vídeo. Uma aluna sugere dar uma pausa em um determinado
trecho do filme para poderem copiar os algarismos romanos.
30. A PR coloca o filme para rodar desde o início. Os alunos se preparam para registrar.

(00:18:44 – 00:19:57)
31. Gustavo olha para a PEE e diz: Mão, mão.
32. PEE: O quê, a pedrinha?
33. Gustavo aponta para o filme e diz: Ó lá, mão.
34. PEE: As mãos? (mostra as duas mãos).
35. Gustavo, sorrindo, mostra as mãos para PEE. Olha para uma colega que estava sentada no chão, próxima
à sua carteira, e aponta para o filme.
36. A colega, assistindo ao filme, dá a mão para Gustavo, que continua apontando para o telão, e faz gesto
positivo com a cabeça.

(00:20:34 – 00:21:50)
37. A PR pausa o filme para que os alunos possam registrar os algarismos romanos.
38. PEE: Gu, copia também na sua folha.
39. A PR conversa com a turma sobre alguns pontos do filme.
40. Gustavo pega o lápis e o papel e vai até o telão. Coloca o papel em cima do número no telão.
41. PEE: Copia esse.
42. PR: Copia, Gustavo (aponta para a carteira do aluno, como se estivesse solicitando para que ele se
sentasse).
43. Alunos: Dá licença, Gustavo. Gustavo, dá licença.
44. A PR se levanta, vai em direção a Gustavo e diz: Ó, vamos lá (aponta para a carteira do aluno), o pessoal
está copiando.
45. PEE: Copia o seu também. Senta ali.
46. Gustavo vai até a sua carteira e senta‑se.
47. PEE: Pega o caderno.
48. Gustavo olha para a PEE e diz: Ó (aponta para os números no telão e mostra as mãos).
49. PEE: É. Copia.
50. PR: É a mão (mostra a mão).
51. Gustavo pega o seu caderno na mochila, olha para a PR, aponta para os números no telão e diz: Ó.
52. PR: Você vai escrever?

83
53. Gustavo aponta para si e em seguida para os números no telão. Pega o caderno da mochila, olha para os
números no telão e copia no caderno.
54. Aluna: Pode mudar (referindo‑se ao filme).
55. PR: O Gu está escrevendo. Ó, enquanto o pessoal vai terminando, deixa eu perguntar uma coisa. Tem
algumas regrinhas para usar os algarismos romanos. Quem sabe me dizer uma regra. Por exemplo, eu
quero escrever o número vinte, como é que eu faço?
56. Gustavo termina de copiar o número um em algarismos romanos, olha para a PEE, para a PR, para a
pesquisadora, que estava com a câmera, e aponta para sua atividade dizendo Ó i ó. (Olha aí.)
57. PEE: Aí, Gu.
58. Pesquisadora dá um zoom com a câmera na atividade realizada por Gustavo e diz: Copiou, Gu? O número
um?
59. PEE: Isso. Agora o outro, o cinco. O número cinco.
60. Gustavo continua registrando os números romanos em seu caderno. Olha para a tela e copia.

(00:30:16 – 00:31:22)
61. PR: Podemos continuar? (Refere‑se ao filme)
62. Alunos: Sim.
63. PEE: Gu, eu vou continuar, tá? Tá, Gu?
64. PR: Pode continuar?
65. Alunos: Pode.
66. Gustavo continua concentrado, olha para a tela e copia.
67. PR: Enquanto o Gu está terminando... ó, turminha, 5º ano, 5º ano, eu tô falando com vocês. Leonardo,
Gabriel... Enquanto o Gu está terminando, eu vou fazer mais um desafio. Eu perguntei do quarenta. E o
oitenta? Como que escreve oitenta?
68. Gustavo termina de copiar enquanto a turma responde ao desafio proposto pela professora. Olha para a
PEE, olha para a pesquisadora e diz em tom elevado de voz: Ó, ó (apontando em seu caderno). Depois,
olha para a PR e, em tom elevado de voz e prolongamento da vogal i, chama: Ciiiii (parte do nome da
professora). A PR estava tirando uma dúvida de um aluno e não atende Gustavo, que levanta o caderno e
vocaliza (ininteligível). A PR continua conversando com o aluno. Gustavo vocaliza (ininteligível), com a
mão fechada bate na carteira, como se estivesse zangado por não obter a resposta da professora.
Levanta‑se de sua carteira, posiciona o seu caderno na direção de PR e diz: Ó. Mostra a sua atividade
para a professora, que o elogia e sugere em prosseguir o filme.

(00.34.00)
69. O filme, então, continua.

(Registro de Vı́deogravaçã o, 25 fev. 2011)

Modos de Interpretação e Análise pelo Prisma Histórico‑cultural

Uma aula. A maté ria da aula: a matemá tica. O tema da aula: histó ria da matemá tica, os nú meros,
os algarismos romanos; os motivos e os modos de contar historicamente desenvolvidos. Os
equipamentos: a lousa, o giz, o lá pis, o papel, o caderno, o computador, o datashow, o telã o, os filmes, a
câ mera e a filmagem dessa situaçã o. Nos filmes, as duas lı́nguas, inglê s e portuguê s, e a traduçã o nas
legendas, que demanda a leitura das crianças. As explicaçõ es, as pontuaçõ es, as questõ es e os desafios
colocados pela professora sobre o tema durante a apresentaçã o do filme; suas orientaçõ es e o incentivo
à s anotaçõ es e registros das crianças. Os comentá rios, respostas e solicitaçõ es dos alunos.
O que essa aula reú ne e o que nos apresenta em termos de condiçõ es e relaçõ es de ensino e dos
modos de participaçã o de sujeitos nas prá ticas escolares? Como a presença e a participaçã o, os gestos e
as enunciaçõ es de Gustavo ganham sentido no sistema de relaçõ es sociais?
Vemos como os recursos té cnico‑semió ticos (PINO, 2003b), caracterı́sticos da produçã o humana
historicamente desenvolvida, evidenciam‑se no planejamento e na realizaçã o da aula, ancoram o trabalho
pedagó gico e integram as condiçõ es de elaboraçã o conjunta do conhecimento pelos alunos. Essa relaçã o
com o conhecimento historicamente produzido é enfatizada pelas professoras. E dessa ambiê ncia
cultural, dessa situaçã o escolar, com objetivos de ensino claramente definidos, que Gustavo participa.

84
Nota‑se a preocupaçã o da PR em incorporar na sua prá tica pedagó gica recursos té cnicos que
chamem a atençã o dos alunos e os envolvam na atividade. Alé m disso, evidencia‑se o esforço
compartilhado pelas professoras de construir estraté gias pedagó gicas para a participaçã o do aluno com
deficiê ncia na proposta trabalhada em aula. A importâ ncia do planejamento conjunto se mostra na
consideraçã o das especificidades educacionais desse aluno por ambas as professoras. A parceria entre
elas viabiliza o uso de instrumentos té cnico‑ semió ticos e cria condiçõ es de se trabalhar uma mesma
atividade com a turma toda. Ou seja, o aluno com deficiê ncia nã o fica à margem da aula, fazendo outra
coisa (corpo presente, nã o atuante), mas é efetivamente convocado a nela se envolver e a dela participar.
A atitude responsiva ativa (BAKHTIN, 2003) de Gustavo na dinâ mica interativa se torna visı́vel no
seu modo de se engajar na atividade proposta:
• Gesto de positivo respondendo que estava enxergando o filme (Turno 1);
• Concentraçã o no filme e chamada de atençã o para ele (Turnos 2, 8, 23, 32, 44, c47);
• Gesto indicativo do nú mero dois, em algarismo romano, com as mã os (Turno 23);
• Resposta contextualizada à pergunta da professora (Turno 13);
• Tentativas de registro na folha ou no caderno (Turnos 2, 6, 36, 52, 56);
• Participaçã o na votaçã o (Turnos 16, 21);
• Gestos de có pia e estratégias usadas: levar a folha até o telã o para copiar; escrever no caderno (Turno 36).
• Relaçã o estabelecida entre as mã os e os numerais romanos, indicativa do processo de apropriaçã o do
conhecimento (Turnos 28, 30, 32);
• Modo de se implicar na atividade – gesto para si, gesto para a tela (Turno 49);
• Solicitaçã o do aval dos adultos na realizaçã o da atividade (Turnos 52, 63).
Gustavo nos mostra como vai compreendendo a posiçã o de aluno no meio escolar. Mostra‑se atento
à s instruçõ es das professoras, observa os comportamentos dos colegas, usa adequadamente o material
(caderno, folha, lá pis), participa da escolha do filme e das tarefas propostas, termina o registro e mostra
o seu desempenho respondendo à s expectativas concernentes à atividade. Esses modos de participaçã o
de Gustavo em aula tornam‑se possı́veis pelo planejamento conjunto e pela açã o compartilhada das
professoras, pela escolha dos recursos té cnicos disponı́veis utilizados e pelos gestos que marcam o lugar
de aprendiz do aluno com deficiê ncia nas relaçõ es de ensino.
Palavras e gestos das professoras – orientando a atençã o, convocando para a atividade, sugerindo
o registro, encorajando a có pia, aguardando a realizaçã o – dirigem‑se aos alunos, Gustavo aı́ participante/
envolvido. Esses gestos sustentam Gustavo no lugar de aluno com potencial para realizar a atividade
proposta, para aprender e conhecer.
Percebemos como a organizaçã o do meio/modo de ensinar transforma o modo de participaçã o do
aluno com deficiê ncia em aula. Poder opinar, votar, copiar, registrar e fazer a liçã o com os colegas mobiliza
a vontade de se relacionar com os outros e se engajar na atividade e dinamiza os afetos com relaçã o ao
conhecimento (VYGOTSKI, 1997), afetos esses que se tornam condiçã o de produçã o de novas formas de
disposiçã o e da atividade voluntá ria do aluno na escola. Na dinâ mica das relaçõ es, as professoras
orientam os modos de particip(açã o) de Gustavo, ao mesmo tempo que sã o por ele convocadas.
O reconhecimento das açõ es de Gustavo pertinentes ao meio escolar é constitutivo do
desenvolvimento da criança. A percepçã o orientada, a atençã o voluntá ria, a memó ria mediada e a
constituiçã o da vontade integram a formaçã o de sua personalidade (VYGOTSKI, 1996, 1997; VIGOTSKI,
2018). Sua efetiva participaçã o no meio possibilita a vivê ncia das relaçõ es, dos valores, das normas e do
conhecimento sistematizado, que passam a integrar o seu funcionamento psı́quico. No caso, as
especificidades do meio escolar – orientado para as possibilidades de desenvolvimento humano –

85
ressaltam especificidades no modo de atuaçã o da criança.

Relações Sociais, Funções Sociais e Funções Psíquicas: em Defesa da Educação Escolar


como Direito Humano Fundamental

Historicamente, crianças com deficiê ncia dificilmente puderam ocupar efetivamente o lugar de
aluno na sala de aula regular. A elas foi dificultada a participaçã o nas prá ticas escolares. Partindo‑se do
pressuposto da incapacidade a priori, o lugar reservado a elas era o das instituiçõ es especializadas, que
tinham por funçã o social prioritá ria o acolhimento, o cuidado, a proteçã o e a tutela, num espaço
segregado, o qual prioriza as atividades de vida diá ria num simulacro de “currı́culo” que circunscreve a
participaçã o das crianças nas prá ticas sociais, restringindo a produçã o de conhecimento e o
desenvolvimento cultural caracterı́sticos do processo de escolarizaçã o.
Com ambiguidades e contradiçõ es, a PNEEPEI (BRASIL, 2008) abriu espaço, como já vimos, para
novas formas de inserçã o e participaçã o das pessoas com deficiê ncia no processo de escolarizaçã o. A lei,
em sua funçã o social, garante a matrı́cula do aluno e viabiliza a presença da PEE na escola regular. Como
entã o as polı́ticas se realizam na atuaçã o das professoras?
Ball, Maguire e Braun (2016) nos instigam a refletir sobre como a dimensã o polı́tica se constitui e se
atualiza na prá tica, permeando o meio escolar. No trabalho analı́tico, podemos perceber como a confluê ncia
de mú ltiplas polı́ticas no interior da escola – a Polı́tica Federal da PNEEPEI, as Diretrizes Municipais de
Educaçã o Especial e Educaçã o Bá sica, o Programa para Melhoria do Ensino Pú blico no nı́vel estadual – cria
condiçõ es especı́ficas para a atuaçã o das professoras e a (re)configuraçã o das relaçõ es de ensino.
A situaçã o analisada, que se realiza no â mbito do projeto investigativo no Programa para Melhoria
do Ensino Pú blico, mostra nã o só o planejamento compartilhado das professoras, mas a realizaçã o da
atividade em colaboraçã o. A dimensã o pedagó gica ganha primazia e se sobrepõ e ao gerenciamento dos
casos que sã o atribuı́dos à PEE no contexto escolar. Vemos, assim, como a atuaçã o das polı́ticas pelas
professoras, que se expressa nas estraté gias pedagó gicas planejadas e nos gestos e atos cotidianos, realiza
a dimensã o da lei e torna‑ se constitutiva dos processos de ensino‑aprendizagem.
Essa forma de atuaçã o das polı́ticas coloca també m em evidê ncia, de maneira mais clara e
contundente, a funçã o social da escola como instituiçã o de ensino, que se contrapõ e à funçã o social das
instituiçõ es especializadas assistenciais. Com funçã o e objetivos especı́ficos, a escola se distingue das
instituiçõ es filantró pico‑assistenciais e se apresenta como um microcosmo da vida humana. Ou seja, é
ló cus de mú ltiplas relaçõ es, de produçã o de conhecimentos (cientı́fico, artı́stico, histó rico, filosó fico),
com potencial para ampliar a atuaçã o da pessoa com deficiê ncia na prá tica social mais ampla (DAINEZ;
SMOLKA, 2019). A posiçã o de aluno traz, assim, implicada a posiçã o de cidadã o. Deste modo, as relaçõ es
de ensino vivenciadas no meio escolar tornam‑se força motriz do desenvolvimento humano.
Assumindo que as funçõ es psı́quicas sã o relaçõ es sociais internalizadas, ou seja, que as vivê ncias
significadas sã o constitutivas da personalidade (VYGOTSKI, 1995; VIGOTSKI, 2000; PINO, 2000),
admitimos que, no processo de desenvolvimento, a estrutura funcional e a organizaçã o cerebral se
distanciam dos mecanismos bioló gicos inatos, na medida em que se dinamizam com a criaçã o de novas
conexõ es, propiciadas pelas relaçõ es com os outros e mediadas pelos instrumentos té cnico‑semió ticos,
bem como pelas produçõ es histó rica e cultural. As funçõ es psı́quicas, socialmente desenvolvidas,
sobrepõ em‑se aos mecanismos bioló gicos, passando a predominar na orientaçã o do comportamento,
viabilizando a (trans)formaçã o de (novos) ó rgã os e a produçã o de uma nova organizaçã o de natureza
social (VYGOTSKI, 1997; VIGOTSKI, 2000; AKHUTINA, 2003).

86
A partir dessas discussõ es, entendemos que o Decreto n. 10.502 (BRASIL, 2020) vai na contramã o
das conquistas histó ricas. Coloca as pessoas com deficiê ncia à margem do processo de escolarizaçã o regular,
restringindo as possibilidades de vivê ncia nas relaçõ es sociais. Ao induzir e legitimar formas de organizaçã o
escolar (instituiçõ es e classes especiais) em substituiçã o à escola regular e ao retomar o modelo mé dico de
deficiê ncia, o texto desse ú ltimo decreto indica que a especificidade orgâ nica determinará o espaço
educacional que a pessoa poderá frequentar. Ficam ameaçadas as garantias legais de participaçã o da criança
com deficiê ncia no espaço comum da escola regular, prevalecendo as peculiaridades da funçã o social da
escola especial, como a guarda, a proteçã o e a tutela, na constituiçã o das funçõ es psı́quicas. Se afirmamos,
com Vigotski (2018), que o meio é fonte de desenvolvimento, vemos como as relaçõ es de forças, presentes
na pluralidade e na multidimensionalidade do meio – arenas de lutas no â mbito das polı́ticas e das prá ticas
–, podem també m se configurar como ló cus de impedimento, no qual se reduzem as possibilidades de
participaçã o social, de atuaçã o polı́tica e de emancipaçã o humana.
O que se apresenta, entã o, como desafio a ser enfrentado – teó rica, metodoló gica, polı́tica e
praticamente – é a compreensã o do entretecimento das mú ltiplas dimensõ es do meio, vivenciadas pelos
sujeitos, que concebemos como interconstitutivas, bem como as decorrentes possibilidades que se abrem
para a realizaçã o do trabalho pedagó gico no interior da escola. Nesse sentido, o referencial teó rico que
sustenta o trabalho pedagó gico faz diferença nas relaçõ es de ensino, na medida em que propicia
argumentaçã o substanciada e consistente sobre as intrı́nsecas articulaçõ es entre as funçõ es sociais das
instituiçõ es e o desenvolvimento cultural da criança.

Contribuições das Autoras

Problematizaçã o e Conceitualizaçã o: Dainez D.; Smolka ALB; Souza FF; Metodologia: Dainez D.;
Smolka ALB; Souza FF; Aná lise: Dainez D.; Smolka ALB;
Souza FF; Redaçã o: Dainez D.; Smolka ALB; Souza FF.

Notas
1. O texto da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência já repercutia no Brasil desde 2007, após
a assinatura na ONU e, posteriormente, no trâmite da ratificação.
2. Proposição do Ministério da Educação nacional para a organização de uma educação pública nacional
regida por princípios democráticos, que aspirava à construção de uma nova escola, única para todos os
cidadãos em todos os níveis, com vistas à formação do novo homem (ver KRUPSKAYA, 2017).
3. A falta de professor capacitado e a demora na instalação dos equipamentos atrasaram, até 2011, a
implementação do serviço. A professora de educação especial não podia assumir a sala de recursos
multifuncionais por ser professora da unidade de ensino e não estar alocada para o trabalho de AEE.

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89
Sobre as Autoras

Débora Dainez. Doutorado em Educaçã o pela Universidade Estadual de Campinas. E Professora Adjunta do
Departamento de Ciências Humanas e Educaçã o da Universidade Federal de Sã o Carlos – UFSCar Campus
Sorocaba (Sorocaba, SP, Brasil) e lı́der do Nú cleo de Estudos e Pesquisa em Direito à Educaçã o e Educaçã o
Especial/UFSCar Sorocaba (UFSCar/CNPq).

Ana Luiza Bustamante Smolka. Doutorado em Educaçã o pela Universidade Estadual de Campinas. E Professora
Associada da Faculdade de Educaçã o da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp (Campinas, SP, Brasil) e
lı́der do Grupo de Pesquisa Pensamento e Linguagem (FE‑Unicamp/CNPq).

Flavia Faissal de Souza. Doutorado em Educaçã o pela Universidade Estadual de Campinas. E Professora Adjunta
da Faculdade de Educaçã o da Baixada Fluminense da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e lı́der do
Grupo de Pesquisa Educaçã o, Desenvolvimento Humano e Diferenças (PPGECC‑Proped/ UERJ/CNPq).

90
As contribuições da teoria histórico‑cultural de Vigotski no âmbito da educação
especial no Brasil

Ivone de Oliveira22
Universidade Federal do Espı́rito Santo.
Professora titular.
https://orcid.org/0000‑0002‑ 5948‑4797

Resumo

A entrevista com a professora Anna Maria Lunardi Padilha visa a discutir as contribuiçõ es da Teoria
Histó rico‑Cultural de Vigotski e de seus seguidores no â mbito da educaçã o especial no Brasil, enfocando
temas como: contribuiçõ es da Teoria Histó rico‑ Cultural para a educaçã o escolar hoje; desenvolvimento
humano em uma perspectiva histó rica e cultural e suas implicaçõ es para os processos de ensino e de
aprendizagem; desafios polı́ticos e educacionais na escolarizaçã o de pessoas com deficiê ncia e formaçã o
de professores para atuar com alunos pú blico‑alvo da educaçã o especial na educaçã o bá sica. Tendo em
vista o percurso profissional e acadê mico‑cientı́fico da professora Anna Padilha, bem como seu
comprometimento com a educaçã o pú blica, universal, gratuita e de qualidade social para todos, suas
consideraçõ es sobre a temá tica em foco neste dossiê podem trazer grandes contribuiçõ es para o debate.

Palavras‑chave: Polı́ticas de educaçã o especial. Desenvolvimento humano. Ensino e


aprendizagem. Formaçã o de professores.

Sobre a entrevistada

Doutora em Educaçã o pela Universidade Estadual de Campinas, Anna Maria Lunardi Padilha iniciou
sua carreira como professora em escolas da educaçã o bá sica e, mais recentemente, atuou no Programa
de Pó s‑Graduaçã o em Educaçã o na Universidade Metodista de Piracicaba. Realizou pesquisas e orientou
trabalhos sobre os processos de ensino e de aprendizagem de pessoas com deficiê ncia, acumulando uma
extensa produçã o que inclui os desafios, as possibilidades e as condiçõ es necessá rias à educaçã o escolar
dessas pessoas. Seus estudos també m tê m dado suporte a sua atuaçã o em diversos projetos de formaçã o
inicial e continuada de professores em diferentes regiõ es do paı́s. Atualmente é professora pesquisadora
do Instituto de Pesquisas Heloı́sa Marinho, no Rio de Janeiro.
Entrevistadora: Professora Anna Maria, seu percurso acadêmico e profissional indica um longo
período de contato e desenvolvimento de estudos a partir da Teoria Histórico‑ Cultural. A senhora poderia
comentar um pouco sobre como ocorreu esse encontro com os estudos de Lev. S. Vigotski (1896‑1934),
pesquisador russo que teve uma produção expressiva, especialmente nas áreas da Psicologia e da Educação?
Poderia ainda nos dizer de que maneira eles impactaram sua vida profissional e acadêmica?
Anna Maria: Muito antes de conhecer Lev Vigotski, sua teoria, sua obra e a de seus seguidores, fiz
a escolha por ser professora, profissã o que exerci em diversos setores da educaçã o: educaçã o infantil;
classes de alfabetizaçã o; ensino fundamental (anos iniciais); escola normal para formar professores e
professoras; alfabetizaçã o de adultos a partir dos estudos e propostas de Paulo Freire; formaçã o de

22 Doutora em Educaçã o pela Universidade Estadual de Campinas; Mestre em Educaçã o pela Universidade Estadual de Campinas;
[email protected]

91
professores indı́genas e de professores leigos do Alto Araguaia e ensino superior. Depois me tornei
pesquisadora e atuei na pó s‑ graduaçã o, orientando dissertaçõ es e teses.
Por muitos anos me dediquei à s crianças e aos adolescentes com as chamadas dificuldades de
aprendizagem, trabalhando em um centro de orientaçã o onde també m realizava atividades formativas
com pais e escolas dessas mesmas crianças e adolescentes.
No final dos anos 80 do sé culo passado, interessei‑me em cursar o mestrado. Ingressei no Programa
de Pó s‑Graduaçã o em Educaçã o da Unicamp e iniciei os estudos da Teoria Histó rico‑Cultural no Grupo
de Pesquisa Pensamento e Linguagem (GPPL), com os professores Angel Pino, Maria Cecı́lia Rafael de
Gó es e Ana Luiza Bustamante Smolka – pesquisadores que muito contribuı́ram para o desenvolvimento
de pesquisas nessa perspectiva teó rica. Eles trouxeram para o Brasil o que haviam conhecido fora do paı́s
sobre as obras referentes a essa teoria. Esses professores/pesquisadores orientaram leituras e pesquisas
de muitos pó s‑graduandos, contribuindo para o desenvolvimento de uma produçã o significativa sobre o
desenvolvimento humano e as prá ticas educativas em espaços escolares e nã o escolares, alé m de outros
aspectos. Tenho uma profunda gratidã o por ter sido formada no compromisso de levar os estudos teó ricos
a sé rio e uma saudosa lembrança dos colegas que fizeram parte desse processo formativo. Desde entã o,
Lev Vigotski e seus seguidores, principalmente Alexandr Luria e Alexis Leontiev – os mais conhecidos à
é poca – começaram e fazer parte de minhas leituras e pesquisas, tanto individuais como coletivas.
Encontrei na obra desses autores a resposta para muitas de minhas dú vidas a respeito do
desenvolvimento humano nas mais diferentes condiçõ es de vida e, especificamente, do desenvolvimento
das pessoas com deficiê ncia. Se encontrei respostas, me deparei com muitas interrogaçõ es e dificuldades
diante dos problemas que enfrentamos para a inclusã o social e escolar como direito de todos. A vida
acadê mica ganhou novo sentido, porque Lev Vigotski e seus seguidores, ancorados no aporte filosó fico
materialista histó rico e dialé tico, evidenciam a natureza cultural do humano e, dessa forma, o
desenvolvimento do psiquismo como produto da apropriaçã o de signos culturais. A vida profissional
demandou reflexõ es e buscas por melhor compreensã o do funcionamento do sistema psı́quico e do papel
da educaçã o.
Os estudos que empreendi para a construçã o da dissertaçã o e da tese23 foram marcos fundantes
para o caminho que passei a seguir na luta pelo desenvolvimento das crianças e adolescentes com
deficiê ncia, dedicando‑me mais profundamente à deficiê ncia intelectual.
A psicologia concreta de Vigotski, enquanto materialista e marxista, seu mé todo coerente com o
materialismo histó rico e dialé tico e que o sustenta no desenvolvimento de sua teoria – que ele mesmo
diz ser a “dialé tica do homem como objeto da psicologia” – vieram preencher a lacuna que eu sentia em
relaçã o à unidade entre teoria e prá tica. O enfoque histó rico‑cultural supera a naturalizaçã o dos
processos de desenvolvimento humano, pró pria de outras vertentes da psicologia, porque evidencia a
necessidade de acesso de todos ao patrimô nio cultural da humanidade.
Entrevistadora: Os estudos de Lev. S. Vigotski foram desenvolvidos em um contexto social, histórico
e político muito particular, em que havia o anseio de se construir, coletivamente, uma nova sociedade, um
novo homem e, em meio a isso, uma nova psicologia que colaborasse na compreensão do desenvolvimento
desse homem e das formas sociais e históricas – e também educacionais – em jogo em sua constituição. É
possível estabelecer algum tipo de relação entre os propósitos do autor à época e os rumos da educação no

23A dissertaçã o e a tese produzidas pela professora Anna Maria deram origem, respectivamente, aos livros: Possibilidades de histó rias ao
contrá rio ou como desencaminhar o aluno da classe especial, com a 1ª ediçã o publicada em 1997 pela editora Plexus, 1997; Prá ticas
pedagó gicas na educaçã o especial: a capacidade de significar o mundo e a inserçã o cultural do deficiente mental, com a 1ª ediçã o publicada
em 2001, pela editora Autores Associados, em conjunto com a Fundaçã o de Amparo à Pesquisa do Estado de Sã o Paulo (FAPESP).

92
contexto atual? A teoria pode trazer alguma contribuição em relação a essa temática?
Anna Maria: Justamente, esse anseio pela construçã o de uma nova sociedade e, entã o, de um novo
homem é o coraçã o da psicologia histó rico‑cultural. Vamos lembrar que Vigotski concebia a cultura como
o conjunto das obras humanas e, coerente com Marx e Engels, defendia que é a vida que determina a
consciê ncia ‒ e consciê ncia é um conceito caro a Vigotski. Ele pensava nas condiçõ es de existê ncia que
originam a consciê ncia e, daı́, entã o, seu objetivo de criaçã o de uma nova psicologia. Em sua obra O
significado histó rico da crise na Psicologia, escrita em 1927, nã o deixa dú vidas quanto à edificaçã o de
sua Teoria Histó rico‑Cultural do desenvolvimento humano, e seu desejo de que, na futura sociedade – a
socialista –, a psicologia fosse, entã o, a ciê ncia do homem novo.
Nã o é demais retomar que uma teoria social da sociedade, sob essa perspectiva, requer aná lise
teó rica da produçã o das condiçõ es materiais e simbó licas da vida social. Ora, as relaçõ es sociais estã o
intimamente ligadas à s forças produtivas e, adquirindo novas forças produtivas, os homens transformam
todas as relaçõ es sociais. Tal proposiçã o trabalha com a ideia de uma natureza transformada pela/na
cultura. Quando Vigotski cita Karl Marx, em 1930, escreve que a divisã o social do trabalho em intelectual
e fı́sico, a separaçã o entre a cidade e o campo, a exploraçã o cruel das crianças e das mulheres e a pobreza
impossibilitam o desenvolvimento livre e completo do potencial humano, alé m de distorcer a
personalidade humana. A sociedade capitalista na qual vivemos e da qual somos produto nos mutila, nos
destró i, mas Vigotski é prospectivo e, como bom marxista que era, acreditava na criaçã o de condiçõ es
para substituir a velha ordem social por uma nova, baseada na ausê ncia da exploraçã o do homem pelo
homem.
A esse respeito, Vigotski aponta trê s raı́zes bá sicas para a transformaçã o social e a conquista da
emancipaçã o humana, o que entendemos que sejam as possibilidades para a constituiçã o do homem
novo: a destruiçã o do capitalismo, a combinaçã o do trabalho fı́sico e intelectual e as mudanças nas
relaçõ es interpessoais.
O que estamos vivendo hoje? Quais sã o as tarefas que se nos apresentam se quisermos, como Marx
e Vigotski, saltar do reino da necessidade para o reino da liberdade, com o pleno domı́nio de nó s mesmos?
E qual seria o papel da educaçã o na formaçã o dessa nova sociedade e desse novo homem? Encontramos
na Teoria Histó rico‑ Cultural de Vigotski uma proposta bastante corajosa, de humanizar as relaçõ es entre
os indivı́duos, enriquecendo material e espiritualmente o conteú do da vida coletiva e de cada um. Eis aı́
o papel da educaçã o.
Entrevistadora: Alguns autores que comentam a obra de Vigotski fazem referência ao caráter
otimista de seus escritos, sobretudo em relação à educação especial.
Anna Maria: O termo otimista pode trazer a ideia de uma visã o parcial da realidade ou até de certa
ingenuidade. Nã o é esse o caso de Vigotski.
Lembro‑me de um dos textos primorosos de Vigotski, escrito em 1930, A transformaçã o socialista
do homem, em que ele diz que a educaçã o deve desempenhar o papel central na transformaçã o humana;
que as novas geraçõ es tenham, na educaçã o, a base para a construçã o da nova sociedade e do novo
homem. A educaçã o é a rota principal para se compreender a exploraçã o do homem pelo homem e a
divisã o social do trabalho, produto do capitalismo, e, desse modo, formar a consciê ncia e os modos de
luta coletiva a favor de outra organizaçã o social, mais humana e mais justa.
Importante lembrar o esforço teó rico e prá tico de Vigotski para a educaçã o das crianças com
deficiê ncia. Ele dedica muitos escritos a essa temá tica, desenvolve teorias e propõ e açõ es efetivas. Muitas
de suas questõ es acerca do desenvolvimento das pessoas com deficiê ncia ainda estã o por ser
respondidas, dada a sua morte precoce. Em sua visã o prospectiva sobre o desenvolvimento, as

93
deficiê ncias nã o deveriam decidir o destino das pessoas. Vejo essa perspectiva como nosso horizonte.
Impossı́vel nã o ver a atualidade da obra de Lev Vigotski, em tempos sombrios como estes em que
vivemos. Impossı́vel nã o trazer para nossos dias, no campo da educaçã o, o que Vigotski chamava de
“ensino fecundo”, aquele que eleva os modos de pensar e, portanto, que se torna capaz de preparar as
novas geraçõ es para a luta contra a opressã o. A educaçã o pode ser um dos modos mais eficazes de
formaçã o da consciê ncia crı́tica e comprometida com a transformaçã o social; tanto para Vigotski do
sé culo passado como para nó s, no sé culo XXI. As condiçõ es tecnoló gicas podem avançar, mas os princı́pios
se mantê m atuais.
Entrevistadora: Um primeiro olhar sobre pesquisas desenvolvidas na atualidade a partir de estudos
realizados por Lev S. Vigotski indica a abordagem de temas diferenciados e modos até certo ponto distintos
de compreensão de suas ideias. No que diz respeito especificamente aos postulados sobre o desenvolvimento
humano em uma perspectiva histórica e cultural e suas implicações para os processos de ensino e de
aprendizagem, o que a senhora pode destacar das contribuições do autor?
Anna Maria: Você traz questõ es importantes para a nossa conversa, por, pelo menos, dois motivos
a serem discutidos. Primeiro, quanto à obra de Vigotski e o nosso conhecimento sobre ela. Segundo, pela
importâ ncia da leitura original, da pró pria obra, para começarmos a compreender seus objetivos e sua
teoria acerca do desenvolvimento humano.
As ideias de Vigotski, seus propó sitos, suas investigaçõ es, seus escritos, suas aulas, suas açõ es
polı́ticas e culturais, discursos, cartas, maté rias de jornal e até a histó ria da perseguiçã o que sofreu por
ser judeu e, depois, à é poca de Stalin, por ser quem era – um estudioso da pedologia, participante de um
grupo de intelectuais que foi considerado inimigo do stalinismo – nã o chegaram até nó s de modo
tranquilo e totalmente fidedigno. A obra de Vigotski ficou proibida praticamente de 1936 a 1956, em seu
paı́s.
Zoia Prestes (2014) tem feito um excelente trabalho de garimpar e traduzir os escritos de Vigotski,
estando, na Rú ssia, perto da filha, da neta, dos parentes, dos alunos dos seus seguidores e dos parentes
dos seus companheiros. No texto 80 anos sem Lev Semionovich Vigotski e a arqueologia de sua obra, por
exemplo, ela nos ajuda a compreender que ainda nã o conhecemos toda a obra e que ainda acontecem
correçõ es nas traduçõ es que chegaram ou chegam até nó s. Se sua obra está entre as que interessam à
psicologia e à pedagogia, é necessá rio dizer que ela é fundamental també m para estudos da filosofia,
sociologia, antropologia, linguı́stica. Tudo isso ainda precisa ser conhecido e reconhecido entre nó s, nas
academias brasileiras, nas escolas. Ainda bem que já temos vá rias traduçõ es mais fidedignas.
Alé m dessas dificuldades, ainda temos outra, que me parece grave: a leitura deturpada da Teoria
Histó rico‑Cultural de Vigotski e de seus seguidores. Leituras que revelam desconhecimento acerca de sua
matriz materialista histó rica e dialé tica. O materialismo histó rico e dialé tico está na base de seus estudos
e de seu mé todo de investigaçã o. Isso nã o pode ser retirado de seus escritos.
Entrevistadora: Com essa fala, a senhora nos diz que não se pode compreender a obra do autor sem
considerar suas condições de produção e os fundamentos históricos e políticos que estão subjacentes a ela.
Anna Maria: Com certeza. Essa higienizaçã o do Vigotski marxista deturpa a compreensã o de sua
teoria sobre o desenvolvimento humano, que você questiona.
A lei gené tica geral do desenvolvimento humano, para Vigotski, diz que qualquer desenvolvimento
do sistema funcional psı́quico acontece em dois planos: primeiro no social, entre as pessoas, para que
possa ser interpsı́quico, no interior das pessoas. Como é que o psicó logo russo justifica sua lei?
Destacando o verdadeiro nexo entre o que ele denomina de inter e intrapsı́quico. As funçõ es psı́quicas
propriamente humanas (a atençã o voluntá ria, a memó ria ló gica, a formaçã o de conceitos, a imaginaçã o,

94
a vontade, a linguagem, os sentimentos, entre outras) nã o sã o produto da biologia ou da histó ria pura da
espé cie. Sã o sociais, sã o relaçõ es que sã o interiorizadas, sã o da ordem do social, sã o os fundamentos da
personalidade humana.
Sua lei geral do desenvolvimento explica a importâ ncia do coletivo na vida das crianças com ou
sem deficiê ncia. O que se converte em pessoal sã o as relaçõ es entre pessoas e os significados dessas
relaçõ es, portanto, o desenvolvimento caminha da socializaçã o para a individualizaçã o. Do que é social
para o que é individual. E nã o o inverso, como teorizou, por exemplo, Jean Piaget.
As funçõ es humanas, no ambiente coletivo, se estruturam por meio da linguagem, pela mediaçã o
dos signos, pela mediaçã o semió tica. Ora, conceber o desenvolvimento humano desse ponto de vista leva‑
nos a outra premissa: o que somos e o que podemos chegar a ser vã o alé m de simples condicionamentos
ou respostas a té cnicas de um ou outro processo educativo. Precisamos saber quais condiçõ es sã o dadas
no meio social e em que circunstâ ncias a coletividade é vivida no processo de desenvolvimento humano
e no trabalho educativo com as novas geraçõ es. Vigotski ressalta a relaçã o da criança com o meio que a
circunda. No processo educativo das crianças com e sem deficiê ncia, sã o os adultos que significam o
mundo para elas. Eis nosso papel como educadores e professores: identificar quais as relaçõ es existentes
entre a criança e o meio, como acontecem as vivê ncias e de que forma a criança toma consciê ncia delas
e as concebe. Claro está que isso só será possı́vel com a presença sistemá tica e intencional do processo
de educaçã o sob essa perspectiva. Nã o se trata de influê ncias externas, mas de constituiçã o cultural de
cada indivı́duo, nas relaçõ es interpessoais.
Vigotski disse que sua teoria é revolucioná ria, com vistas ao futuro, e que a instruçã o precisa ser
“fecunda”. O bom ensino, diz ele, é aquele que se adianta ao desenvolvimento e nã o fica caminhando a
reboque dele. E, quando há impedimentos, como no caso das deficiê ncias, Vigotski se afasta dos estigmas
e dos determinismos bioló gicos e sociais e nos alerta que a organizaçã o didá tica nã o pode se adaptar aos
limites das pessoas, mas, ao contrá rio, a organizaçã o do ensino pode desenhar caminhos alternativos,
novas vias, para que todos aprendam e se desenvolvam – caminho diametralmente oposto ao das
pedagogias relativistas, muito difundidas no campo educacional, hoje.
Entrevistadora: Nas últimas décadas, o movimento em favor da inclusão escolar de pessoas com
deficiência propiciou, em um curto período de tempo, a matrícula da grande maioria de crianças e jovens com
deficiência do país na escola regular. Nesse contexto, a escolarização desses estudantes foi apontando muitos
desafios em termos políticos e educacionais. Considerando as contribuições da Teoria Histórico‑Cultural de
Vigotski para a construção de uma educação que “humanize as relações entre os indivíduos, enriquecendo
material e espiritualmente o conteúdo da vida coletiva e de cada um”, como a senhora analisa essa situação?
Anna Maria: Você fala em escolarizaçã o de pessoas com deficiê ncia em um contexto de desafio
diante das condiçõ es de acesso de todos à educaçã o escolar, como polı́tica pú blica de inclusã o, e aponta
as contribuiçõ es da Teoria Histó rico‑Cultural. Como já comentei, a obra de Vigotski indica um percurso
de luta pela criaçã o de uma nova sociedade, em que todos possam ter acesso aos bens materiais e
simbó licos produzidos coletivamente e desenvolver o má ximo de suas potencialidades como seres
humanos, conforme seu perı́odo histó rico. O interesse de Vigotski pelos problemas de desenvolvimento
e aprendizagem fez com que ele nã o só se dedicasse aos estudos teó ricos, mas també m que participasse
intensamente de programas educativos especiais com crianças deficientes.
Em 1925, Vigotski fundou um laborató rio de psicologia para crianças com deficiê ncia. Foi desse
laborató rio que se originou o Instituto Experimental de Defectologia – ciê ncia que tem como objeto
especial de estudo os processos de desenvolvimento infantil com uma quantidade quase ilimitada dos
seus diferentes tipos. Dedicou‑se à pesquisa, ensino e programaçã o educativa de crianças com

95
necessidades especiais na entã o Uniã o Sovié tica. Suas contribuiçõ es foram teó ricas, metodoló gicas,
institucionais e clı́nicas no campo da deficiê ncia. Entre suas metas estava o desejo de capturar a
organizaçã o peculiar das funçõ es psı́quicas e das condutas do deficiente.
As linhas gerais de seu pensamento sobre o desenvolvimento e a aprendizagem dos deficientes sã o,
na verdade, propostas inovadoras, tanto para o campo das pesquisas quanto para a atuaçã o educacional.
A partir das ideias do autor russo, compreendemos que pessoas com deficiê ncia necessitam de um meio
social enriquecido para o seu desenvolvimento cultural; necessitam de uma interaçã o permanente com
outros membros da cultura e de uma açã o educativa cuidadosamente planejada. Mas essas demandas
ainda sã o um grande desafio!
Atualmente, na perspectiva dos direitos humanos, delineiam‑se vá rios conceitos e diferentes
prá ticas para se alcançar a finalidade da educaçã o como direito de todas as pessoas: sejam elas
deficientes, imigrantes, ciganos, indı́genas, de diferentes religiõ es, diferentes gê neros e etnias ou classe
social, nã o importando a idade ou a origem sociocultural. Precisarı́amos ser um paı́s comprometido com
os direitos humanos em toda a sua extensã o e com toda a exigê ncia e vigilâ ncia para esse alcance. Nã o
somos.
Ainda lutamos por investimentos destinados ao pú blico‑alvo da educaçã o especial na perspectiva
inclusiva. Com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, mudam os responsá veis da Secretaria de
Educaçã o Continuada, Alfabetizaçã o, Diversidade e Inclusã o (Secadi) e, hoje, nem temos mais essa
Secretaria. Estamos cada vez mais diante do afastamento de instituiçõ es cientı́ficas dos ó rgã os de
elaboraçã o de polı́ticas educacionais, poder e deliberaçã o. A universidade tem sido desconsiderada pelo
governo que assumiu em 2019. O diá logo com os movimentos sociais é escasso. Somente em uma
sociedade democrá tica sã o esperados direcionamentos de açõ es verdadeiramente inclusivas – para a
sociedade em geral e para a educaçã o, em particular.
Vejo com preocupaçã o a estagnaçã o das açõ es advindas das polı́ticas pú blicas já conquistadas e
temo nã o termos a quem recorrer quanto à s iniciativas de elaboraçã o de ajustes e/ou de novas polı́ticas,
pelo menos nos pró ximos tempos. Isso é um entrave na nossa luta por uma educaçã o que tenha o alcance
desejado no caminho da inclusã o escolar de todas as crianças e jovens. Isso sem nos esquecermos de que,
na escola regular, todas as necessidades dos estudantes devem ser contempladas e atendidas. Estar
matriculado na escola nã o garante nem a permanê ncia nem o aprendizado com um ensino fecundo, como
eu disse antes.
Entrevistadora: Mas a senhora tem apontado avanços nessa luta pelo direito à educação escolar
para pessoas com deficiência?
Anna Maria: Sim! Com a pressã o de segmentos sociais e com a luta de grupos “minoritá rios” (entre
aspas), movimentos sociais populares e reivindicaçõ es de associaçõ es, chegamos a conquistar alguns
patamares importantes nessa empreitada da chamada inclusã o escolar. Precisamos lembrar que o que
denominamos “minoritá rios” nã o diz respeito ao nú mero de pessoas. Na verdade, sã o os grupos humanos
com menos direitos garantidos de forma integral e integrada. Isso é importante de ser dito.
Vamos lembrar que, no final da dé cada de 1980, houve mobilizaçõ es que buscavam a
redemocratizaçã o do paı́s e, entre as reivindicaçõ es, estavam as que se relacionam com a educaçã o
escolar. A nova Constituiçã o Federal, de 1988, avançou nesse sentido, assegurando os direitos de todos à
educaçã o, como um bem individual e coletivo. Foram formuladas, entre tensõ es, polı́ticas pú blicas para
a educaçã o universal, gratuita e laica.
Na dé cada de 1990, acontecem acordos internacionais com a meta da educaçã o para todos ‒ como
exemplos, a Declaraçã o de Jomtien em 1990, a de Nova Delhi, em 1993, e a Declaraçã o de Salamanca, em

96
1994. Cresceram, desse modo, as vozes que clamaram – e ainda clamam – pela educaçã o de crianças e
jovens com deficiê ncia em salas de aulas regulares.
També m tem inı́cio, no segundo mandato de Luiz Iná cio da Silva (2008‑2011), um olhar mais
apurado para projetos educacionais inclusivos. Claro que, ao mesmo tempo, conviveram diferentes
concepçõ es de educaçã o inclusiva. Até 2008, e mesmo depois, tı́nhamos instituiçõ es especializadas para
a educaçã o de pessoas com deficiê ncia e nelas estavam matriculadas muitas crianças e muitos jovens que
nã o frequentavam a escola comum ou regular.
Os movimentos a favor da educaçã o para todos nã o acontecem de modo tã o tranquilo e progressivo.
Até hoje, a discussã o se dá em diversos â mbitos polı́ticos e educacionais: escolas regulares ou escolas
especializadas? Como organizar a escola de modo a atender com boa qualidade quem precisa de
atendimento que respeite suas peculiaridades? Como formar professores especialistas que estejam junto
dos professores nã o especializados e assim conseguir que as crianças com deficiê ncia, transtornos globais
do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotaçã o possam evoluir no aprendizado? Como formar
professores na perspectiva da inclusã o, nas licenciaturas? Os alunos da educaçã o especial devem ser
atendidos em suas necessidades, prioritariamente nas salas de Atendimento Educacional Especializado
(AEE)? Como essas salas devem estar organizadas e com quais finalidades? Sã o muitas questõ es ainda
nã o respondidas em todos os rincõ es deste nosso paı́s.
Nã o obstante esses questionamentos, muito do que conquistamos em anos anteriores, e que já foi
oficializado e normatizado, pode ter sido apropriado e, desse modo, fazer parte dos projetos polı́tico‑
pedagó gicos de grande nú mero de escolas, em diferentes municı́pios e estados brasileiros. Nossas
conquistas precisam ser lembradas e efetivadas em prá ticas, mas com a clareza de que muito ainda temos
a realizar e, mesmo, a superar, uma vez que vamos aprendendo ao longo desses anos.
O que mais importa é que as crianças e jovens querem dizer: “presente! Estamos aqui, nã o
queremos ser segregados, à espera de alguma filantropia! Queremos uma escola que leve em
consideraçã o nossas necessidades e que nã o nos exclua, e queremos, sobretudo, aprender; ter acesso aos
conhecimentos produzidos pela humanidade!”.
Eis aı́ um enorme desafio: ensinar os conteú dos escolares a todas as crianças e jovens com ou sem
deficiê ncia, mas principalmente as com deficiê ncia, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades ou superdotaçã o. Claro que isso exige um compromisso consciente, organizado e resistente
a toda tentativa de nos fazer sucumbir da luta pela educaçã o especial na perspectiva da inclusã o.
Entrevistadora: Aqui a senhora se refere, também, ao Decreto n. 10.502, de 2020, que institui a
Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida?
Anna Maria: Sim, creio que todo o movimento organizado por vá rios setores da sociedade em prol
da revogaçã o desse decreto antidemocrá tico, inconstitucional e segregador é um exemplo de caminhos
potentes a serem seguidos pela sociedade civil na luta pelo direito à educaçã o escolar para pessoas com
deficiê ncia.
Entrevistadora: Na busca pela construção de uma educação escolar para todas as pessoas,
alicerçada no ensino fecundo, que contribua para a formação da consciência crítica e comprometida com
a transformação social, a senhora menciona a formação de professores. Poderia falar mais sobre esse
desafio?
Anna Maria: Para falar da formaçã o de professores na perspectiva do direito de todas as pessoas
à educaçã o escolar, é necessá rio situar essa temá tica em meio aos desafios que a escola enfrenta
atualmente. Mesmo tendo aumentado as matrı́culas das crianças com deficiê ncia nas escolas regulares,
vimos acompanhando, a partir de 2016, o peso da reduçã o dos financiamentos para a educaçã o e a

97
tendê ncia de privatizaçã o e de terceirizaçã o dos serviços de atendimento ao pú blico‑alvo da educaçã o
especial. Enfrentamos as ideologias da meritocracia e do individualismo com a consequente contradiçã o
que minimiza a luta de classes. A escola pú blica é uma contradiçã o deste tempo. Nesse contexto, que
possibilidades se delineiam para o ensino fecundo para pessoas com deficiê ncia, defendido por Vigotski?
Penso que um ponto importante a destacar nessa discussã o é a Base Nacional Comum Curricular
(BNCC). Vá rios pesquisadores tê m estudado e analisado o que significa a BNCC para a educaçã o especial
na perspectiva da inclusã o, em sua versã o final de 2017 – para a educaçã o infantil e ensino fundamental
– e na versã o de 2018 – para o ensino mé dio. Claramente vinculado à ló gica do mercado, o discurso
hegemô nico da BNCC (BRASIL, 2018) é o de preparar as pessoas para o mercado de trabalho e, para tanto,
busca desenvolver competê ncias e formula seus objetivos no sentido de aliá ‑los aos objetivos das provas
e avaliaçõ es em larga escala. Seria possı́vel um verdadeiro “compromisso em reverter a situaçã o de
exclusã o”, como escrito na versã o da BNCC de 2018, se nem sequer se volta a analisar as causas dessa
exclusã o e das desigualdades? Se o documento nem menciona com clareza qual seria o pú blico‑alvo da
educaçã o especial? Esse silê ncio está bem de acordo com os fundamentos das agê ncias privadas. Nas
palavras de Luiz Carlos Freitas, escritas no livro A reforma empresarial na educaçã o: nova direita, velhas
ideias (FREITAS, 2018), a educaçã o está sendo sequestrada pelos empresá rios que mantê m uma “agenda
oculta” quando discursam sobre “qualidade da educaçã o para todos”, pois, na verdade, a meta é a
privatizaçã o.
Nã o adianta só democratizar a escola e torná ‑la acessı́vel a todos, se ela estiver esvaziada de seu
conteú do especı́fico, qual seja, o saber sistematizado e de qualidade socialmente referenciada. Diante
disso, nã o encontro, nesse documento, possibilidades para tratarmos de um ensino fecundo para os
estudantes com deficiê ncia. Mesmo que nossa luta seja por isso.
Entrevistadora: Nessa perspectiva, essa situação ficará mais delicada, tendo em vista de que há uma
nítida intenção do governo de alinhar a BNCC à formação de professores.
Anna Maria: Com certeza. A Resoluçã o n. 2/2019, do Conselho Nacional de Educaçã o, que atualiza
as diretrizes curriculares para a formaçã o inicial de professores, segue o mesmo vié s de formaçã o de
competê ncias da BNCC, priorizando o “saber fazer” em detrimento de uma formaçã o só lida.
Se o bom ensino – de acordo com Vigotski – é aquele que promove novas formaçõ es neuropsı́quicas,
quem é que planeja e organiza este bom ensino? Importante pensar na formaçã o inicial e contı́nua de
professores. E na formaçã o dos formadores. Quem forma os formadores?
O desenvolvimento das capacidades cognitivas das crianças e jovens depende inteiramente da
instruçã o e o ensino tem que anteceder ao desenvolvimento. Se o desenvolvimento orgâ nico/bioló gico
tem e/ou impõ e limites, o desenvolvimento cultural, que supõ e a escola e a instruçã o por caminhos
alternativos, é ilimitado. Para tanto, é preciso consciê ncia desse processo por parte da equipe pedagó gica
da escola. E, nesse processo, a formaçã o do professor é aspecto crucial para a socializaçã o dos mais
avançados conhecimentos e uma postura comprometida com o aprofundamento dos estudos teó ricos e
metodoló gicos acerca do desenvolvimento humano e das prá ticas educativas humanizadoras e
desenvolventes.
Diante disso, é urgente uma discussã o sobre a Resoluçã o n. 2/2019, e, juntamente com isso, uma
intensificaçã o da reflexã o a respeito das demandas formativas que a matrı́cula de estudantes pú blico‑
alvo da educaçã o especial na escola comum coloca aos profissionais da educaçã o e aos cursos de
licenciatura. Alé m de uma formaçã o só lida na á rea de conhecimento em que atuam, quais sã o os
conhecimentos especı́ficos que esses profissionais necessitam ter para atuar com esses estudantes? E
como viabilizar a apropriaçã o desses conhecimentos na formaçã o inicial e continuada?

98
Vimos discutindo com grupos de professores e pesquisadores na á rea da Educaçã o Especial que a
escola regular tem a funçã o de ensinar e de potencializar a açã o educativa na sala de aula, alé m de
repensar a atuaçã o dos professores especializados nas diferentes deficiê ncias, no que se tem denominado
ensino colaborativo: professores das escolas regulares e professores especializados, planejando e atuando
junto à escola, na elaboraçã o de açõ es pedagó gicas para todos os estudantes que necessitarem. Esse me
parece ser um caminho potente para pensar a formaçã o dos profissionais.
Entrevistadora: Para concluir nossa conversa, eu trago um pequeno trecho de uma carta de Lev
Semionovich Vigotski, citada na página 26 do livro “Vygotsky: uma síntese”, de René Van der Veer e Jann
Valsiner (1996, p. 26). Na carta, destinada a alguns de seus alunos, em 1929, o autor faz uma fala
emocionada sobre como vê sua participação, como pesquisador, na tarefa de construção da “nova
psicologia”: “A sensação da imensidão e enormidade do trabalho psicológico contemporâneo é minha
principal emoção. [...] Mil vezes, temos que nos colocar em teste, avaliar[nos], enfrentar a prova antes de nos
decidirmos, pois esta é uma estrada muito difícil que exige a pessoa inteira.” A partir disso, como a senhora
vê a participação na construção de uma educação especial que contemple a todas as pessoas com
deficiência, tendo como referência os postulados da Teoria Histórico‑Cultural?
Anna Maria: Para esse nosso encontro, você apresentou questõ es importantes que deram
oportunidade para pensarmos sobre mú ltiplos aspectos do trabalho educativo, alé m de ser um convite
para estudos sobre a realidade que estamos vivendo em relaçã o à educaçã o de crianças e jovens, com e
sem deficiê ncia. Assumir a Teoria Histó rico‑Cultural como perspectiva de vida e como modo de
compreensã o das relaçõ es humanas nos impõ e compromissos e responsabilidades. Trazendo as palavras
emocionadas de Vigotski para perto de nó s e de nossa realidade, sinto o quanto ainda temos de luta pela
frente para a construçã o de uma sociedade mais justa para todos. O conceito de justiça també m vai sendo
construı́do e transformado em um movimento dialé tico de contradiçõ es. O direito de todos à educaçã o
ainda é uma construçã o que deve ser coletiva. Para tanto, é preciso fazer um esforço de compreender, por
exemplo, as singularidades da inclusã o social e escolar das crianças e jovens, identificando as condiçõ es
estruturais que revelam o que é universal, que está alé m do aparente, visı́vel, tangı́vel, mas que é
determinante.
A relaçã o entre educaçã o e sociedade e a construçã o de uma prá xis educativa nã o estã o apartadas
da prá xis social. A defesa da escola pú blica de qualidade socialmente referendada tem que ser ativa e
corajosa, planejada e organizada, dirigida e avaliada coletivamente.
A inserçã o das pessoas com deficiê ncia, desde muito cedo, nos diferentes grupos humanos favorece
o movimento contra uma visã o discriminadora e segregadora dessas pessoas e a escola é um dos ló cus
privilegiados para isso. Eis um importante ensinamento de Vigotski e de sua escola: é na atividade
coletiva que se encontram as possibilidades de uma “frutı́fera e promissora” luta contra a deficiê ncia.
Privar as pessoas com e sem deficiê ncia da vida em coletividade da escola e do trabalho é privá ‑las da
fonte de desenvolvimento cultural. Essa privaçã o, Vigotski classifica de “abandono pedagó gico”, no livro
Defectologia, volume V das Obras Escogidas.
No livro Pedagogia Histó rico‑Crı́tica quadragé simo ano: novas aproximaçõ es, Dermeval Saviani
(2019) nos lembra que a existê ncia humana nã o é uma dá diva natural, por isso tem que ser produzida
por nó s, o que implica um processo educativo. Vigotski deixou‑nos uma grande contribuiçã o ao nos
apresentar e explicar a sua psicologia concreta: somos a encarnaçã o das relaçõ es sociais que nos
constituem. A situaçã o real da educaçã o brasileira nos coloca face a face com o aluno real, concreto,
sı́ntese de mú ltiplas determinaçõ es sociais. E este aluno que devemos considerar para o desenvolvimento
de um “ensino fecundo”!

99
Agradeço a oportunidade de estarmos juntas, refletindo sobre questõ es que nos afetam – que nos
moveram e nos movem em direçã o à humanizaçã o das relaçõ es sociais – lembrando Bertold Brecht (2000,
p. 186) ao se dirigir aos que vacilam diante das dificuldades: “Com quem ainda podemos contar? Seremos
nó s os restantes a ningué m mais entendendo e nã o sendo entendidos por ningué m? Precisamos de sorte?
Assim perguntas. Nã o contes com nenhuma resposta alé m da tua!”

Referência
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular: educaçã o é a base. Educaçã o Infantil, En‑ sino Fundamental e Ensino
Médio. Brası́liaMinistério da Educaçã o, 2018. Disponı́vel em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/abase/
#introducao. Acesso em: 7 jan. 2021.

BRECHT, B. Aos vacilantes. In: BRECHT, B. Poemas: 1913‑1956. Sã o Paulo: Editora 34, 2000.

FREITAS, L. C. A reforma empresarial na educaçã o: nova direita, velhas ideias. Sã o Paulo: Expressã o Popular,
2018.

PRESTES, Z. R. 80 anos sem Lev Semionovich Vigotski e a arqueologia de sua obra. Revista Eletrô nica de
Educaçã o, Sã o Carlos, v. 8, n. 3, p. 5‑14, 2014. Disponı́vel em: http://www.reveduc.ufscar.br/index.php/reveduc/
article/view/1055/352. Acesso em: 7 jan. 2021.

SAVIANI, D. Pedagogia Histó rico‑Crı́tica quadragésimo ano: novas aproximaçõ es. Cam‑ pinas: Autores
Associados, 2019.

VAN DER VEER, R.; VALSINER, J. Vygotsky: uma sı́ntese. Sã o Paulo: Loyola, 1996. Endereço para correspondência:
Av. Fernando Ferrari, 514, Goiabeiras, Vitó ria, ES, 29075‑ 910.

100
Atividade docente: transformações do professor na perspectiva da psicologia
sócio‑ histórica

Claudia Davis
Wanda Maria Junqueira Aguiar

Resumo

Este artigo, com base em pressupostos teó ricos e metodoló gicos da Psicologia só cio‑ histó rica e da
ergonomia francesa atual, busca elucidar como subsidiar propostas de formaçã o de professores que
superem a dicotomia saber‑açã o para aprimorar a qualidade da escolarizaçã o oferecida. Explicita as
principais categorias e conceitos empregados, bem como descreve os procedimentos utilizados por uma
professora das sé ries iniciais do Ensino Fundamental em uma instituiçã o pú blica da cidade de Sã o Paulo.
Finalmente, sintetiza os resultados e aponta, a partir destes, aspectos que poderã o ser considerados nos
processos de formaçã o docente.

Palavras‑Chaves: Formaçã o de professores, atividade docente, Psicologia só cio‑histó rica.

Introdução

A profissã o docente, no â mbito da formaçã o e do trabalho, tem sido intensamente estudada


(Oliveira, 2004; Santo, 2004; Talavera; 2004), em vista das grandes mudanças ocorridas no cená rio
mundial, trazendo novas demandas para a escolarizaçã o que, por sua vez, passa a fazer forte pressã o para
que o trabalho na escola seja mais efetivo. Com isso, há a necessidade de rever as atividades docen‑ tes,
qualificando‑as e ampliando seus efeitos. No entanto, a ausê ncia de uma polı́tica bem definida acerca da
formaçã o docente tem criado grande desâ nimo no professorado e insatisfaçã o com os resultados de seu
trabalho. Tudo isso gera um grande desgaste nas relaçõ es internas da escola e tem repercussõ es na
escolha pelo magisté rio por parte dos alunos que ingressam na universidade.
Gatti e Barretto (2009), em estudo recente sobre os impasses e desafios postos aos professores do
Brasil, ressaltaram a dificuldade para formar bons quadros para a docê ncia. Entre os problemas
identificados, apontam a debilidade da formaçã o profissional (seja ela inicial ou continuada) ministrada
por muitas instituiçõ es, atuando de maneira desarticulada e sem os mesmos objetivos. A situaçã o é
agravada pela forte tradiçã o disciplinar brasileira, que se opõ e radicalmente à s tentativas de se alcançar
uma açã o escolar integrada e interdisciplinar. Alé m disso, os currı́culos tendem a ser muito abstratos,
deixando de incorporar preocupaçõ es de natureza pedagó gica, diretamente vinculadas à prá tica
profissional. Acima de tudo, falta entrosamento da teoria com a prá tica, aspecto que acaba fazendo da
docê ncia uma profissã o sem conhecimentos aprofundados, sem mé todo, voltada para um aluno
idealizado. Tudo isso redunda, como seria de se esperar, na visã o de que o magisté rio é uma pro‑ fissã o
de menor categoria e de que aqueles que a exercem nã o podem, portanto, ser profissionais valorizados.
Está gios sem planejamento e sem supervisã o, pouca clareza acerca do que vem a ser um trabalho docente
eficaz, fronteiras di‑ fusas ocultando as especificidades da Educaçã o Infantil, do Ensino Fundamental e
do Mé dio só fazem agravar a pouca ou nenhuma ê nfase dada à funçã o social da escolarizaçã o: transmitir
à s novas geraçõ es os conhecimentos socialmente produzidos e, nesse movimento, consolidar valores e
prá ticas centrais para o convı́vio humano respeitoso.

101
A urgê ncia de se contar com professores mais bem preparados, capazes de lidar com a diversidade
de perfis de alunos que frequentam o Ensino Bá sico, foi bem apontada por Libâ neo (2003). Para o autor,
é preciso contar com pro‑ fessores que, à luz da nova sociedade, dos conhecimentos ora requeridos e dos
muitos e variados universos culturais dos alunos, consigam oferecer um ensino de melhor qualidade.
Assim, a importâ ncia de formar melhor os futuros docentes, dotando‑lhes de “cultura geral mais
ampliada, maior capacidade de aprender a aprender, competê ncia para saber agir na sala de aula,
habilidades comunicativas, domı́nio da linguagem informacional, saber usar meios de comunicaçã o e
articular as aulas com as mı́dias e multimı́dias” (2003, p. 10).
Essas habilidades, no entanto, exigem uma reconfiguraçã o da identidade profissional. Mais
preparados para o magisté rio, os docentes poderã o lutar de modo mais efetivo por melhores salá rios,
condiçõ es de trabalho e, principalmente, por aprimoramentos na formaçã o, aspecto central no processo
de qualificaçã o docente (Nó voa, 2004). Ainda, segundo Nó voa, essa perspectiva é factı́vel, desde que as
agê ncias formadoras de quadros para o magisté rio levem em conta a pessoa do educador, ou seja, sua
histó ria, seu aprendizado, sua experiê ncia particular. Com isso, fica mais plausı́vel para os professores
manterem‑se atualizados em termos de conteú dos e mé todos de ensino, diversificando as prá ticas
pedagó gicas para ensinar a tantos e variados alunos. Como a docê ncia requer contı́nuo aprimoramento,
o autor indica que, uma vez formado, o professor deve continuar estudando e se atualizando. Para tanto,
sugere o autor, é preciso fugir de iniciativas individuais e privilegiar, na formaçã o continuada, iniciativas
de natureza coletiva, que ocorram no pró prio local de trabalho. Vale lembrar que as modalidades de
formaçã o em serviço tê m sido alvo de cons‑ tantes e severas crı́ticas (Freitas, 2002; Gatti, 2003). Entre
elas, destaca‑se a formaçã o que se volta para enfoques extremamente conteudistas e pragmá ticos, que
valorizam a apropriaçã o de informaçõ es e o trabalho com racionalidade como as ú nicas formas de alterar
posturas e formas de agir. Sobre as dificuldades de formaçã o de professores na França, Durand e cols.
(2005) apontam que elas decorrem da cisã o entre o que chamam “epistemologia dos saberes” (ligada ao
saber e ao rigor cientı́fico) e a “epistemologia da açã o” (voltada para a pertinê ncia profissional), que se
reflete na organizaçã o e administraçã o dos institutos universitá rios de formaçã o de professores. Tais
dificuldades poderiam ser sanadas pela aná lise adequada do trabalho docente, com base na qual seria
possı́vel tentar desenvolvê ‑ lo, articulando formaçã o e pesquisa. Essa tentativa tem sido feita pela escola
ergonô mica francesa contemporâ nea (Clot, 1999) e suas variantes, que se preocupam em dar maior
visibilidade à s atividades dos professores e à s formas pelas quais elas se desenvolvem.

Pressupostos teórico‑metodológicos

Tomou‑se, nesta pesquisa, um conjunto de pressupostos retirados tanto da Psicologia só cio‑
histó rica como da ergonomia francesa, articulando‑os de uma maneira diferente daquela que Clot (2006)
propõ e. Isso é possı́vel na medida em que as duas vertentes tê m as bases teó ricas no materialismo
histó rico‑dialé tico, que implica uma concepçã o de homem como ser social, histó rico e constituı́do nas e
constituinte das relaçõ es sociais. Nessa vertente epistemoló gica, algumas categorias sã o centrais e, por
essa razã o, serã o brevemente apresentadas.
A primeira delas é a de mediaçã o, como “uma ins‑ tâ ncia que relaciona objetos, processos ou
situaçõ es entre si; o conceito que designa um elemento que viabiliza a realizaçã o de outro e que, embora
distinto dele, garante a sua efetivaçã o, dando‑lhe concretude” (Severino, 1992, p. 44). A mediaçã o, como
categoria teó rico‑metodoló gica, permite romper com dicotomias e identificar as determinaçõ es dia‑
leticamente constitutivas do sujeito (Aguiar & Ozella, 2006). Essa categoria possibilita explicar/

102
compreender que, embora o homem possa, potencialmente, como membro da espé cie humana, alcançar
sua humanidade, ele só o faz por meio das relaçõ es sociais que manté m com outros homens e com a
cultura até entã o acumulada.
A segunda categoria diz respeito à histó ria, entendida tanto como movimento dialé tico da realidade
(marcado pela relaçã o parte‑todo, pela unidade dos contrá rios, pela distin‑ çã o aparê ncia‑essê ncia)
quanto como ordenamento signifi‑ cativo dos fatos, o que requer certo nı́vel de consciê ncia e de
intencionalidade. Fica mais fá cil perceber, assim, como o trabalho e a fabricaçã o de instrumentos fı́sicos
e simbó licos possibilitaram ao homem criar as condiçõ es de sua pró pria existê ncia, assumindo o controle
de sua evoluçã o e, portan‑ to, de sua histó ria.
A terceira categoria é a de atividade que, no caso dos homens, distancia‑se em muito daquela dos
animais. A atividade humana voluntá ria é constituı́da por meio de inú meras mediaçõ es que só sã o
possı́veis no e pelo convı́vio social, no trabalho conjunto. Dessa maneira, a atividade humana e suas
inovaçõ es sã o transmitidas culturalmente de geraçã o em geraçã o, permitindo que o natural se converta
em social, conforme discute Leontiev (1978, p. 201) sobre o processo de humanizaçã o, que envolve
atividade, pensamento e lin‑ guagem e os desdobramentos decorrentes das mediaçõ es mantidas entre
esses.
A significaçã o, quarta categoria, é formada por duas outras: a dos sentidos e a dos significados
atribuı́dos à rea‑ lidade (referente) e aos signos (referê ncia), dentre os quais a palavra ganha destaque.
Categorias distintas, sentido e significado nã o podem ser compreendidos isoladamente. O significado, no
campo semâ ntico, refere‑se sempre aos eventos, objetos, fenô menos do mundo empı́rico – aos referentes
– e os representam. Já no campo psicoló gico, é uma generalizaçã o, um conceito, produçõ es histó ricas e
sociais por meio das quais os seres humanos se comunicam e so‑ cializam experiê ncias. Para melhor
compreender o sujeito, os significados constituem o ponto de partida, pois, contendo mais do que
aparentam, pode‑se, por meio deles, caminhar para as zonas mais instá veis, fluidas e profundas: as de
sentido. Essas, por sua vez, sã o sempre muito mais am‑ plas que as do significado, por constituı́rem uma
articulaçã o particular de eventos psicoló gicos, realizada pelo sujeito em sua relaçã o como o mundo. O
sentido permite uma apreen‑ sã o mais precisa do sujeito como a unidade dos processos cognitivos,
afetivos e bioló gicos. Açã o, pensamento e afeto jamais se separam e é essa unidade que explica os motivos
e as causas do pensamento, dos afetos e das atividades. Entender o sujeito implica, portanto, aproximar‑
se das zonas de sentido.
A ergonomia francesa contemporâ nea assume parte importante dos pressupostos teó ricos e
metodoló gicos da Psicologia só cio‑histó rica. Agrega, no entanto, a essa proposta, outras categorias
analı́ticas, como a de “real da ativi‑ dade”, “atividade real”, “gê nero” e “estilo”. O real da atividade, nessa
visã o, nã o é apenas aquilo que foi feito, porque isso é justamente a atividade real. O real da atividade,
conforme Clot (2006, p. 16), envolve també m aquilo que nã o o foi, ou seja: aquilo que nã o se fez, que nã o
se pô de fazer, que se tentou fazer sem conseguir, que se teria querido ou podido fazer, que se pensou ou
que se sonhou poder fazer, o que se fez para nã o fazer aquilo que seria preciso fazer ou o que foi feito sem
o querer. Esse autor chama a atençã o para o fato de que açõ es envolvem pensamentos e afetos e, ao se
pretender apreender o “real da atividade”, é preciso mobilizar o sujeito para que ele revele o que
pretendeu fazer e nã o foi feito, tudo aquilo que, vislumbrado ou planejado, ficou, de alguma forma,
reprimido. As açõ es e afetos que nã o se efetivaram nã o deixam, no entanto, de exercer influê ncia na
atividade do sujeito, uma vez que nã o podem ser totalmente controladas (Clot, 2006).
A categoria “gê nero” faz a mediaçã o dos sujeitos entre si e deles com seus objetos de trabalho,
constituindo tanto a “atividade real” quanto o “real da atividade”. Em especial, pode‑se dizer que, quanto

103
maior a compreensã o do gê nero, maior será a compreensã o das atividades daqueles que as executam: os
sujeitos. Gê nero refere‑se à s regras escritas e subentendidas que permitem ao sujeito situar‑se diante da
novidade e, ao mesmo tempo, limitam, muitas vezes, sua açã o. O gê nero envolve o conjunto de
procedimentos, atitu‑ des e posturas construı́das, no processo só cio‑histó rico em dado campo
profissional: sã o mediaçõ es que concorrem para a realizaçã o da atividade, constituindo, de fato,
prescriçõ es que refletem a tradiçã o e a histó ria profissional do grupo ao qual o sujeito pertence. A
atividade é , portanto, sempre mediada pelo gê nero, que, por ser de natureza essencialmente social,
encontra‑se em constante movimento. Assim, regras, atitudes e posturas sã o construı́das
incessantemente na e pela atividade, cabendo ao gê nero definir as frá geis frontei‑ ras entre o aceitá vel e
o inaceitá vel no trabalho. E també m o gê nero que obriga o sujeito a enfrentar barreiras e a superá ‑ las de
forma inovadora.
Quando isso ocorre, surge o “estilo pessoal”: a possibilidade individual de transformar o que foi
prescrito pelo gê nero social mediante os recursos disponı́veis para a realizaçã o da atividade (Clot, 2006,
p.49). O estilo pessoal relaciona‑se mais estreitamente ao sentido da atividade para o pró prio sujeito, diz
respeito à subjetividade e se refe‑ re, també m, à maneira pela qual ele se apropria do gê nero, das regras
socialmente construı́das pelo grupo profissional, transformando‑o segundo suas pró prias peculiaridades.
Trata‑se de um “jeito” de fazer singular e, ao mesmo tempo, social e histó rico. De certa forma, o estilo
pessoal tem um peso grande na contı́nua e constante renovaçã o do gê nero: se o estilo se mostrar efetivo,
acaba sendo incorporado ao gê nero, ampliando as possibilidades de açã o do sujeito, ou seja, ampliando
suas possibilidades de transformaçã o pessoal e profissional. A aná lise da atividade realizada por
intermé dio da autoconfrontaçã o simples e cruzada permite verificar o quanto a mediaçã o do gê nero e
do estilo pessoal sã o constitutivas da atividade do sujeito, permitindo que se alcance tanto uma apreensã o
mais completa e profunda dela (para alé m de sua aparê ncia) como dos sentidos que os sujeitos lhe deram.
Se o real da atividade ultrapassa a pró pria atividade realizada, englobando tudo aquilo que se
revela possı́vel, imprová vel ou inesperado no contato com a realidade, ele nã o pode ser diretamente
observado. Nesse caso, como estudar e compreender a atividade? Clot (2006) propõ e um novo mé todo
de investigaçã o. Nele, episó dios da atividade do sujeito sã o previamente selecionados pelos
pesquisadores. Em seguida, é importante que o sujeito da atividade os analise, contrastando o que foi
concebido com o que foi realizado. Isso é feito em trê s momentos. O primeiro deles consiste na auto‑
observaçã o, situaçã o em que o sujeito se observa na açã o e entabula um diá logo interno com o real da
atividade. No segundo momento, denominado autoconfrontaçã o simples, o sujeito descreve os episó dios
que acabou de ver para o pesquisador. Com isso, o sujeito passa da situaçã o de “observado” à de
“observador”: sua aná lise decorre das interpretaçõ es feitas no momento anterior, o de auto‑observaçã o.
Ao descrevê ‑las, a atividade, que antes era essencialmente intrapsicoló gica, torna‑se interpsicoló gica. O
vivido transforma‑se ao ser revivido: deixa de ser “objeto da atividade” para se tornar em meio de nela
pensar.
Dessa maneira, as experiê ncias do sujeito, ao se exteriorizarem, revelam‑se ainda vivas, embora
sob outra configuraçã o: nã o é mais apenas o que foi possı́vel fazer ou alcançar, mas també m aquilo que
nã o foi nem feito nem alcançado e, ainda, aquilo que poderia ou deveria ter sido feito. De fato, ao observar
e comentar sua atividade, diferenças ora sutis, ora marcantes, entre o que se pretendia fazer, o que foi
efetivamente feito e o que poderia ter sido feito aparecem. Abre‑se, consequentemente, a possibilidade
de organizar o vivido, de apreendê ‑lo por outras ó ticas que revelam possibilidades e limites até entã o
desconhecidos. Com isso, o pesquisador é levado pelo sujeito a compreender a significaçã o que ele
atribuiu à pró pria atividade observada, avançando, portanto, em direçã o à s zonas de sentido.

104
O terceiro momento – a autoconfrontaçã o cruzada – ocorre quando os mesmos episó dios sã o vistos
nova‑ mente, agora pelo sujeito, por um especialista ou colega de trabalho (algué m que desempenhe a
mesma atividade) e pelo pesquisador. Nesse momento, o sujeito nã o se dirige mais apenas e
exclusivamente à atividade realizada: ele se volta també m para as observaçõ es feitas, pelo seu colega,
sobre as atividades que aparecem no vı́deo. Há uma reto‑ mada da aná lise, que agora é feita pelo colega
de trabalho. Seus comentá rios dirigem‑se a diferentes interlocutores (o sujeito ‑ aquele que realizou a
atividade ‑ e o pesquisador) e variam, dependendo de a quem se destinam. A fala permite aos outros
pensarem, sentirem e agirem de acordo com a perspectiva daquele que a emprega.

Método Objetivos

Esse estudo investiga a atividade docente, fazendo perguntas interligadas, de modo que a resposta
alcançada em uma delas possa constituir subsı́dios para a compreensã o da outra. Sã o elas:
— Quais sã o os sentidos e significados que o profes‑ sor atribui à atividade docente?
— Como se dá a dinâ mica do desenvolvimento profis‑ sional do sujeito pela observaçã o e aná lise
de sua pró pria atividade docente?

O contato com a escola

A escola e a professora foram contatadas diretamente pelas pesquisadoras, uma vez que os
professores em geral negam‑se a participar de estudos em que suas aulas sã o filmadas. Decidiu‑se
escolher, portanto, dentre o cı́rculo mais pró ximo das pesquisadoras, uma diretora bem preparada, que
imprimia, com firmeza, uma gestã o coletivamente acordada em sua escola. As pesquisadoras
apresentaram a pesquisa: seus objetivos, o mé todo a ser utilizado e os benefı́cios esperados à diretora,
que imediatamente se lembrou de Nina, uma profissional muito bem‑conceituada na escola.

A professora

Nina era uma moça de 30 anos de idade, casada, sem filhos, formada em Pedagogia em uma
universidade da rede privada da grande Sã o Paulo. Aceitou participar da pes‑ quisa a pedido da diretora.
Há quase 12 anos atuava no ma‑ gisté rio, inicialmente em escolas da rede particular e, mais tarde,
concursou‑se para o ensino na rede pú blica. Como professora polivalente, sua preferê ncia estava em
ensinar a ler e escrever. Lı́ngua Portuguesa era, assim, a disciplina que recebia maior atençã o.

Instrumentos de coleta de dados

Os instrumentos de coleta de dados foram os seguintes:


a. História de vida da professora: a professora, em narrativa, salientou, conforme instrução prévia, como
via sua atuação profissional, o papel da escola e da educação, sua compreensão acerca do processo de
alfabetização e seu preparo profissional para levá‑lo adiante, indicando as eventuais dificuldades que
encontrava.
b. Observação do espaço físico da escola: as pesquisadoras observaram o espaço físico da escola e
obtiveram, com a secretaria, dados que permitissem compreender me‑ lhor seus atores e dinâmica de
funcionamento.

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c. Filmagem: para fins de observação e discussão, foram filmadas atividades realizadas por Nina com seus
alunos.
d. Seleção de episódios (trechos da atividade “aula”, com começo, meio e fim): para serem vistos,
analisados e comentados pela professora, primeiramente com a pesquisadora que tinha feito tanto a
entrevista como as filmagens das aulas e, posteriormente, com outra pesquisadora. Os critérios
adotados para selecionar os episódios foram: evidenciar diferença e/ou contradição entre a atividade
prescrita e a atividade real ou o relato de Nina, quando, da história de vida, incidir em uma situação que
poderia ser conduzida de diferentes formas, permitindo explorar o que se pretendeu fazer, o que foi feito
e o que poderia ter sido feito de outra maneira. A duração de cada episódio variou de alguns poucos
minutos até quase um quarto de hora. Foram extraídos episódios de três aulas, sendo que apenas o
primeiro será aqui analisado. Nele, a professora tratou de conteúdos de Língua Portuguesa, por meio de
diversas atividades individuais e grupais, além de interação mais intensa com um grupo de 4 alunos,
para desenvolver a linguagem oral e o vocabulário.
e. Realização das autoconfrontações simples e cruzada: episódios selecionados foram apresentados em
vídeo, para que Nina pudesse, em um primeiro momento, observar‑se. Depois, ela descreveu suas
impressões com a pesquisadora que a filmara e, finalmente, com a outra pesquisadora, que seguia de
perto a proposta da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo – SEE‑SP – e estava familiarizada
com o processo de alfabetização.

Referencial de análise

Foram adotados dois procedimentos distintos para analisar os dados coletados:


a. o proposto por Aguiar e Ozella (2006) para orga‑ nizar e analisar os dados coletados na história de vida.
As fitas contendo a narrativa de Nina foram transcritas e lidas meticulosamente. Em seguida, os
conteúdos tratados pela professora foram agrupados por similaridade, complementaridade,
contraposição, contradições neles encontradas ou por qualquer outro aspecto que levasse a menor
diversidade de temas. Com isso, pré‑ indicadores foram formados. A seguir, agruparam‑se os pré‑
indicadores, com o mesmo critério anteriormente empregado. Indicadores resultaram da fusão dos pré‑
indicadores, indo‑se buscar, no material coletado, trechos que melhor ilustrassem seus conteúdos. O passo
seguinte foi inter‑ relacionar os indicadores encon‑ trados até obter uma nova articulação deles: os
núcleos de significação. Especial interesse foi dado às contradições encontradas nas falas da professora,
uma vez que, por seu intermédio, considera‑se possível apreender os movimentos do sujeito. Atenção
também foi dada à articulação de tais núcleos ao contexto social, cultural e escolar, bem como às
categorias teóricas de análise.
b. o sugerido pela ergonomia francesa atual, em que os episódios selecionados são assistidos duas vezes: a
primeira pelo pesquisador e pelo sujeito; a segunda com mais um assistente: um colega do sujeito que
exerce a mesma função. Sucedem observação e diálogos sobre a atividade vista, sendo também
registrados para fins de análise.

Análise e interpretação dos resultados

A escola selecionada é vinculada à rede pú blica da cidade de Sã o Paulo. Possui um projeto
pedagó gico, ela‑ borado com a participaçã o da ampla maioria dos docentes e submetido ao Conselho de
Escola. A sala de aula de Nina era composta por 21 alunos, com idades entre 8 e 12. Para participar da
pesquisa, coletou‑se a anuê ncia, por escrito, dadireçã o, da professora e dos responsá veis pelos alunos.

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Nú cleo 1: A formaçã o teó rica, té cnica e prá tica

Este nú cleo indicou que a escolha profissional de Nina decorreu de uma crença, bastante idealizada,
acerca do papel do professor, cuja importâ ncia era salientada em sua famı́lia. Assim, os elementos
constitutivos da docê ncia estavam vinculados à nobreza dessa profissã o, gerando uma implicaçã o
pessoal: “eu escolhi ser professora muito cedo, porque minha mã e sempre dizia que a chave para mudar
o mundo, transformar vidas e criar novos rumos para as pessoas estava nas mã os dos professores”.
A opçã o pela docê ncia nã o foi leviana: Nina relata ter até hoje prazer em ensinar. Segundo ela, fez
uma boa faculdade de Pedagogia, realizou está gios em escolas interessantes e, sobretudo, aproveitou as
oportunidades que a vida lhe deu. Alé m disso, buscou aprimoramento profissional, concluindo, antes de
se casar, uma especializaçã o em Psicopedagogia. Esse percurso revela que, mesmo partindo de uma
escolha sem muitos fundamentos e informaçõ es, a atividade docente adquiriu novos motivos geradores
de sentidos, mantendo‑a interessada no ensinar e concentrada em sua profissã o.
Nina considera, no entanto, que, mesmo tendo se dedicado de maneira constante à construçã o de
um cabedal teó rico só lido, a principal fonte de conhecimentos sobre a atividade docente foi a prá tica.
Como ela mesma diz, “é trabalhando que você se torna uma boa professora”, muito embora ressalte que
só a prá tica nã o conseguiria levá ‑la a isso. Em seu entender, a teoria foi ganhando sentido por meio da
prá tica, no processo de ensinar os alunos. Suas palavras revelam a importâ ncia que dá ao conhecimento
alcançado no dia a dia da escola: “Quando você vai ver, tudo está interligado: as condiçõ es que a escola
oferece, a liderança da diretora, o domı́nio metodoló gico da coordenadora, os conhecimentos dos alunos
quando chegam até nó s, a nossa pró pria formaçã o e a vontade de dar certo”. Dá ‑se conta da importâ ncia
do contexto só cio‑histó rico, mas nã o consegue retirar de sua fala a dicotomia entre prá tica e teoria, ou
dito de outro modo, entre o saber e a açã o. Pode‑se supor que essa visã o ‑ que articula prá tica e teoria de
modo mecâ nico, linear, nã o dialé tico ‑ foi constituı́da ao longo da formaçã o docente de Nina, tornando‑
se elemento fundante dos senti‑ dos que Nina atribui à atividade docente. Talvez por isso seja tã o difı́cil
descartá ‑la. Salienta como foi á rduo o começo de suas atividades profissionais: nã o estava, tal como vê
hoje, preparada para enfrentar as demandas da educaçã o. Achava que conhecia pouco, quase nada, e
sentia muito medo de enfrentar uma sala de aula. Tratou de nã o deixar que esse temor fosse paralisante:
foi fazer cursos oferecidos em escolas privadas sobre o processo de alfabetizaçã o, participou de
capacitaçõ es proporcionadas aos professores das esco‑ las nas quais trabalhou, investiu em si mesma.
Lamenta nã o ter saı́do da faculdade com uma ideia mais precisa sobre o que era ser professora e,
dessa forma, critica sua formaçã o inicial:
Olha, eu fiz questã o de fazer uma boa faculdade, porque eu sei que a educaçã o é importante. Mas
tem professores que a gente pega, que nã o dá : as aulas nã o sã o programadas; nã o se indica para que
aquilo que se está aprendendo serve; os conteú dos vã o sendo dados de maneira fragmentada, como se
fosse obrigaçã o nossa integrar informaçõ es fragmentadas.
Nesse discurso, vai aparecendo uma aluna contestadora, que nã o aceitava explicaçõ es pouco
convincentes e que buscava “espremer todo o conhecimento dos professo‑ res”, fato que lhe deu prestı́gio
entre os colegas. Mais tarde, colheu os frutos de sua luta: formou uma rede ampla de relacionamentos e,
por meio dela, recebeu sempre propos‑ tas de trabalho. Soube escolher bem. Trabalhou em escolas
interessantes, onde foi aprendendo como ensinar mais e melhor. Inicialmente, disse que seguia à risca
tudo o que lhe sugeriam, tamanho era o pavor de fracassar. Mais tarde, veio a segurança para separar o
joio do trigo. Aos poucos, na prá tica, foi construindo uma identidade profissional. Nina nã o se tornou
professora de uma hora para a outra. Ao contrá rio, foi na e pela interaçã o mantida nas escolas que foi se

107
apropriando de modos de ser, pensar e agir que a levaram a se definir como tal.
E com convicçã o que Nina diz que se vê como algué m competente, capaz de dominar bem a sala de
aula. Até dos maus professores conseguiu tirar liçõ es importantes: nã o entrar na sala de aula sem ter feito
um plano pré vio, no qual busca explicitar o que vai ser ensinado, por que e para quê . No entanto, a
confiança em si, se excessiva, pode ser prejudicial. Nina conta que, mais recentemente, com seu ingresso
no magisté rio pú blico, seu salá rio diminuiu e, com ele, també m suas possibilidades de aprimoramento:
eu sei que a gente precisa sempre fazer novos cursos, modificar o que sabe e o que faz, porque na vida
nada é cem por cento certo. Tudo muda, porque a docê ncia nã o há de mudar? O problema é que eu já
investi muito em mim e agora, com o salá rio pela hora da morte, mal dá prá se segurar. Em Sã o Paulo,
tudo é longe, por conta do trâ nsito. De vez em quando, até que eu leio alguns livros, a Nova Escola, mas
sem obrigaçã o, a coisa acaba sendo sempre meia‑boca.
A contradiçã o parece estar bem aı́: saber da importâ ncia de se capacitar continuamente e, ao
mesmo tempo, furtar‑se a isso. Esse é o caso da pó s‑graduaçã o, uma meta muito almejada, mas sempre
postergada por temer nã o pas‑ sar na seleçã o. Acreditava que um insucesso, nesse nı́vel de ensino, teria
um efeito catastró fico na escola e entre conhe‑ cidos, arruinando uma reputaçã o construı́da com esforço
e dedicaçã o: “Eu bem que queria fazer uma pó s, mas quem disse que me aceitam? Eu fico só imaginando
o vexame e o diz que diz: Nina nã o passou, levou bomba, era só fachada...” Elemento constitutivo desta
contradiçã o é o embate entre as esferas afetivas e cognitivas, entre angú stias de fracasso e a necessidade
de seguir se aprimorando. Talvez essa divisã o estivesse represando o movimento de Nina em busca de
uma formaçã o mais só lida.
Chama a atençã o o fato de a professora demonstrar, de um lado, segurança e confiança em si mesma
e, de outro, insegurança, medo de nã o ser bem‑sucedida e de perder sua boa reputaçã o. Os sentidos
construı́dos por Nina sobre sua formaçã o e sua prá tica mostram‑se complexos e con‑ traditó rios. Para
Rey (2004), “o sentido nunca é apreendido automaticamente” (p. 57): ele é inesgotá vel, fluido, ú nico, mas
sempre comprometido com a dimensã o histó rica. Nina, como muitas outras professoras, ao mesmo
tempo em que almeja aprimorar sua prá tica, duvida desta possibilidade: quer ser melhor professora, mas
a amedrontam os obstá ‑ culos impostos pela realidade social, escolar e subjetiva. Sente‑se insegura.
Contradiçõ es como essa, tô nica desse nú cleo, geram situaçõ es de crise, de instabilidade, fornecendo
indı́cios de que a professora está atenta ao seu movimento, no en‑ tanto, ainda sem vislumbrar
possibilidades de superaçã o. Clot (2001) salienta que o desenvolvimento subjetivo é necessá rio para que
“a experiê ncia vivida possa se transformar em meio de viver outras experiê ncias” (p. 10), sendo que, na
situaçã o discutida, nã o nos parece que tal movimento tenha ocorrido.

Nú cleo 2: A vivê ncia profissional e as possibilidades abertas pela escola

Ao relatar sua histó ria de vida, Nina també m menciona sua atividade docente, chegando, inclusive,
a reconhecer que precisa de maior aperfeiçoamento para lidar com as questõ es de alfabetizaçã o. Nesse
momento, surgiram muitas reflexõ es importantes sobre a atividade realizada, evidenciando seu processo
de configuraçã o. Como “o sentido real de cada palavra é determinado, no fim das contas, por toda a
riqueza dos momentos existentes na consciê ncia e relacionados à quilo que está expresso por uma
determinada palavra” (Vygotski, 2000, p. 466), foi ficando mais claro como se delineava, para Nina, sua
vivê ncia profissional. Disse ter ficado muitos anos trabalhando apenas com crianças de 5ª à 7ª sé rie, por
sentir que havia, aı́, conteú dos a serem tratados: afligia‑se com a possibilidade de se perder nas classes
iniciais, de confundir seu papel de professora com o de mã e, de nã o ter a paciê ncia necessá ria para lidar

108
com crianças de pequena idade.
Há dois anos, incentivada pela diretora, aventurou‑ se a assumir a regê ncia de classes iniciais.
Desde entã o, atuava na 2ª sé rie, preferida em razã o de as crianças já terem tido pelo menos um ano de
escolarizaçã o e estarem familiarizadas com o contexto escolar. Disse ter sofrido muito com o perı́odo de
adaptaçã o de crianças na 1ª sé rie, que ficava com o “coraçã o apertado quando a mã e ia embora, a criança
desacorçoada, perdida, sem nenhuma referê ncia na escola”. Tornar‑se essa referê ncia, ser continente à s
necessidadesde segurança dos alunos foi uma experiê ncia importante, mas que Nina nã o quer repetir.
Alé m disso, tinha interesse pelo processo de alfabetizaçã o, tendo visto o precá rio domı́nio da lı́ngua que
os alunos apresentavam ao final da 1ª sé rie. Considera que, nessa escola, mediante incentivo da diretora,
dos colegas, dos pró prios alunos e de suas respectivas famı́lias, enfrentou desafios que jamais se julgou
capaz. Alé m do apoio aı́ encontrado, credita esse processo de assumir riscos a dois outros fatores:
1. ser professora efetiva da rede, porque isso fez com que perdesse o medo de ser despedida;
2. a renomada competê ncia da equipe gestora, cuja opiniã o sempre pesou muito em suas escolhas.
Se todos acreditavam nela, por que nã o tentar, em especial quando apoio e orientaçã o estavam
disponı́veis? Forjou‑se, nessa escola, uma professora alfabetizadora que se sabe bem‑sucedida e,
contraditoriamente, disso duvida.
Ser professora das sé ries iniciais é , para Nina, ocasiã o ú nica de oferecer à s crianças os fundamentos
necessá rios para que aprendam e se desenvolvam conforme o previsto. No entanto, a professora nã o é
imune aos estereó tipos veiculados na á rea da Educaçã o e, por isso, acredita que o fracasso escolar decorre
diretamente da falta de interesse dos pais pela escolarizaçã o dos filhos. Em seu entender, se esse
problema pudesse ser contornado, a escola, os professores e os pró prios alunos teriam maior
probabilidade de sucesso.
Essa concepçã o, compartilhada por muitos outros professores, revela significados sociais
extremamente presentes no cotidiano escolar. Daı́ ser interessante observar a professora: ao mesmo
tempo em que supera obstá culos e se aventura em novas iniciativas, toma para si concepçõ es que
camuflam o real, ao isentar a escola e seus respectivos professores de responsabilidades. Essa é ,
possivelmente, uma maneira de enfrentar as contradiçõ es, de se tranquilizar, de nã o alimentar
percepçõ es que possam ser sofridas. Clot (2006) afirma que a atividade é sempre uma difı́cil escolha
subjetiva e ter a quem atribuir seu fracasso parece apaziguar o desapontamento. Nina tem especial apreço
pela oportunidade de realmente atuar em parceria e em pertencer a uma equipe de professores que se
apó iam na direçã o da escola e que, por sua vez, també m a apó ia. Outra coisa de que gosta na escola é que
se percebe como parte de um trabalho interdisciplinar. Para Nina, a vivê ncia em equipe tem um sentido
muito positivo: produz sentimentos de pertencimento ao grupo, de participaçã o nas decisõ es. Segundo
ela, para a escola realizar um trabalho competente, é preciso que ele seja coletivo. Esse sentido, por sua
vez, é indutor de outrasaçõ es e significaçõ es, que levam a uma qualificaçã o positiva da atividade docente.

O episódio selecionado e seu contexto

Depois de dar boas‑vindas aos alunos e fazer a chamada, a professora iniciou a aula pedindo aos
alunos que mudassem de lugar. Avisou que iria trabalhar mais de perto com 3 meninos e 1 menina e que,
no meio tempo, os demais deveriam formar pares ou trios, preferencialmente. Se algum aluno quisesse
trabalhar sozinho, ela també m aceitaria essa decisã o. As crianças deveriam ler as liçõ es de casa e
identIficar eventuais erros, que seriam, posteriormente, corrigidos na lousa. Dois alunos optaram por
ficar sozinhos. Formados os agrupamentos, a professora fez interferê ncias na composiçã o dos pares ou

109
trios, justificando que, dessa maneira, o trabalho ficaria mais interessante. Em seguida, voltou‑se para os
4 alunos que precisavam desenvolver melhor sua expressã o oral.
Em um episó dio, gravado em vı́deo, Nina propõ e aos alunos que a orientem como embrulhar um
livro para presente, tentando fazer com que os alunos utilizem vocabulá rio que descrevam açõ es precisas.
Ela acaba encerrando a atividade antes do previsto, porque uma aluna declara que está achando esta
atividade chata.
Ao assistir ao vı́deo, a professora, inicialmente, observou o episó dio atenta e silenciosamente. Em
seguida, a pesquisadora pediu que ela descrevesse, explicando mais detalhadamente, o que tinha feito e
por quais motivos, se achava que as coisas tinham se passado conforme esperava, os problemas que
surgiram etc. Nina começou dizendo que estava procurando mostrar que é preciso falar de forma clara,
concisa e objetiva para poder se comunicar e ser entendido. Disse que reconhecia que essa nã o era uma
tarefa fá cil, mesmo para adultos. Foi pontuando que, quando auxiliou as crianças, ofereceu‑lhes formas
mais ló gicas de se expressar, mais objetivas, palavras mais precisas e variadas. Falou que fez uso de alguns
recursos usualmente empregados pelos professores nessas situaçõ es – dar modelo, fazer perguntas e
discutir as respostas. Deu‑se conta de que algumas crianças se cansaram, uma especialmente. Ao que
tudo indica, com a fala de uma aluna, Nina percebeu que a atividade estava ficando penosa demais para
todos e, por isso, decidiu encerrá ‑la antes de seu té rmino. A seguir, uma sı́ntese da fala da professora no
decorrer da autocon‑ frontaçã o simples:
Eu procurei, com essa atividade, expandir o vocabulá rio dessas crianças, que eu acho que sã o as
que tê m mais dificuldade de se expressar [...] estava até indo bem, com todos envolvidos e participando
bastante, até a A2 dizer que o que a gente estava fazendo era chato e desnecessá rio. Daı́, eu acho que me
perdi: nã o estava esperando por isso [...] As coisas precisam fazer sentido para as crianças na escola e na
vida. Daı́, eu tentei me explicar, mas nã o deu muito certo. Acho que o A3 foi o que mais cooperou comigo
e quem mais se envolveu na tarefa. [...] Eu estimei mal o tempo: demorou mesmo muito para eles darem
ordens diretas e precisas e,també m, eu acho que eu nã o tinha me dado conta antes de como é difı́cil falar
tudo direitinho para o outro entender. [...] De um modo geral, eu acredito que eu posso melhorar, mas até
eu acho que eu fiz o que precisava fazer: dei ajuda quando eles precisavam, mostrei a importâ ncia de falar
com clareza, fiz perguntas adequadas para eles e respondi à s que eles me fizeram da melhor forma
possı́vel. Eu gostei dessa parte. [...] E que na prá tica, as coisas sã o mesmo muito mais difı́ceis. A gente
quer uma coisa total, boa para todos eles, mas nã o consegue antecipar, por melhor que a gente conheça
as crianças, o que eles vã o fazer. [...] Acho que eu preciso avaliar melhor a duraçã o das atividades que eu
programo. [...] Só isso. E já é muito, né ? Eu nã o gostei de me ver dando aula.
No relato, Nina destaca claramente o objetivo da atividade, o que permite acompanhar seu
movimento, ou seja, as transformaçõ es ocorridas em sua fala sobre a atividade prescrita, representada,
aqui, pela meta da atividade. Foi possı́vel, entã o, observar e analisar tanto os movimentos da pró pria
subjetividade da professora, como aqueles de sua atividade. Esse movimento nã o é aqui entendido como
avanço ou progresso e, sim, como alteraçõ es, plenas de conflitos, contradiçõ es, medos, nas formas de
pensar e sen‑ tir da professora. Um primeiro movimento, fortemente tensionado pela emoçã o, é quando
Nina afirma “eu meio que desmoronei! Até minha cara mudou!”. Confrontar‑se consigo mesma, ver‑se
por meio do olhar do outro, mobiliza novas formas de pensar e sentir a realidade vivida. Novos
sentimentos surgem e pressionam a mudança no sentido atri‑ buı́do à atividade: “entã o, por conta disso,
pareceu mesmo que era uma coisa tonta e inú til e eu nã o acho legal quando isso ocorre”. Presencia‑se aı́
um momento de desequilı́brio, de desestabilizaçã o de sentidos, de mobilizaçã o de novas formas de
significar a realidade? O que se pode dizer é que Nina já duvida da atividade proposta, de sua eficá cia

110
para atender a seus objetivos. Daı́ a explicaçã o para rever o planejamento feito, em especial o tempo gasto
na atividade e, inclusive, as metas, questionando se seu grau de dificuldade era compatı́vel com o
desenvolvimento cognitivo e afetivo dos alunos. E interessante observar, neste momento, o potencial da
estraté gia de autoconfrontaçã o: observar a atividade é vivenciá ‑la novamente, decifrá ‑la de algum modo
e, també m, como lembra Clot (2006, p. 135), “encontrar, sem forçosamente procurar, alguma coisa de
novo em si mesmo”. Novas contradiçõ es engendram‑se. Apesar de todas as dú vidas e incertezas, da tensã o
vivida, Nina ainda reafirma a sua prá tica.
Como já destacado, os sentidos constituı́dos por Nina acerca de sua atividade revelam, ao mesmo
tempo, segurança e certezas, medo de nã o ser bem‑sucedida, desejo de o ser. Em especial, apavora‑a a
ideia de que este fracasso se torne pú blico ao ser presenciado pelas pesquisadoras: “Eu nã o gostei de me
ver dando aula”. Quem gosta? Paulo Freire (1992), ao discutir o trabalho do professor, pergunta‑ se se
eles nã o temem o constrangimento de reaprender sua profissã o diante dos colegas de trabalho e dos
pró prios estudantes. Pondera que a necessidade de se recriar na atividade profissional deve intimidá ‑
los. Nina talvez viva essa situaçã o. Mas isso a leva à paralisia ou vai impulsioná ‑la a buscar novas
alternativas e novas prá ticas?
Tudo indica que Nina tenta escapar desse desconforto e encontrar um lugar mais confortá vel para
si mesma. Inicia, entã o, a busca de explicaçõ es para as dificuldades encontradas. Afirma, por exemplo,
que “na prá tica, as coisas sã o mesmo muito mais difı́ceis”, resgatando a antiga e ainda nã o superada
discussã o acerca do papel da teoria na prá ‑ tica, tendendo a achar que “na prá tica, a teoria é outra”. Os
sentidos de Nina sobre a atividade docente encontram‑se atravessados cognitiva e afetivamente por esta
concepçã o, de modo que reluta em desconstruir essa apreensã o do real. Ainda nã o consegue romper com
proposiçõ es tã o criticadas no campo educacional. Seguramente, a explicaçã o dada por Clot (2006) é
bastante convincente: a atividade é muito mais do que parece.
Concepçõ es dicotô micas como essa, referentes à re‑ laçã o mantida entre a teoria e a prá tica, só
podem ser ultrapassadas se forem processadas tanto na dimensã o objetiva como na subjetiva, de maneira
integrada e dialé tica. E Nina avança, ao concluir ser preciso “avaliar melhor a duraçã o das atividades”.
Neste momento, mesmo sem a clareza da totalidade das questõ es envolvidas, ela percebe que nã o se trata
simplesmente de alterar sua prá tica; é preciso modificar, necessariamente, aquilo que concebe como
atividade, uma questã o que implica conhecimento e prá tica, teoria articulada à prá tica ou, melhor
dizendo, prá xis.
Na sessã o de autoconfrontaçã o cruzada, quando a segunda pesquisadora comentou a mesma
atividade ana‑ lisada na autoconfrontaçã o simples, a situaçã o muda sensivelmente. A seguir, encontra‑se
a sı́ntese dos aspectos centrais da transcriçã o desse novo encontro:

Pesq.: Eu gostei muito de poder ver o seu trabalho e queria agradecer muito essa oportunidade. Você
não abandonou a classe e conseguiu fazer um trabalho diversificado, mas fez isso de uma forma que eu achei
difícil. Gostei da ideia de trabalhar a expressão oral, mas ela não é fácil.
Nina: E eu que queria me sair bem... Também porque fui indicada pela diretora: não queria que ela
ficasse de‑ sapontada comigo. Os estudos sobre o processo de alfabetização mostram que as crianças falam
sem pensar no que dizem e isso dificulta a comunicação. É preciso ajudar as crianças a pensarem e falarem
com clareza, e eu tento fazer isso. Quer dizer, tentei, porque não me saí tão bem como esperava. Não soube
explicar isso para os alunos...
Pesq.: Posso fazer outra pergunta? Por que você não escolheu trabalhar com algum conteúdo
curricular? Eu tentaria, por exemplo, plantar uma muda de flor em um vaso. Claro, você teria que ter uma

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sacola bem maior, cheia de saquinhos de areia, pedregulho e ter‑ ra, além da planta em si. Mas as crianças
trabalhariam da mesma forma: teriam que dar ordens precisas e diretas para preparar o vaso: o que vem
antes, o que vem depois, razões disso e daquilo, enfim, você poderia cumprir seu objetivo e ensinar também
questões relacionadas ao solo e ao plantio.
Nina: Nem me ocorreu fazer isso! Mas essa ideia é legal, porque eu poderia trabalhar outros conceitos,
discutir conteúdo e forma. Foi bobagem mesmo... Já tinha me dado conta de que essa era uma tarefa ingrata,
quando assisti ao vídeo pela primeira vez.
Pesq.: Trabalhar com conteúdos é uma forma de fazer ainda melhor o que você fez! Você criou
condições para as crianças falarem, praticarem o emprego da linguagem oral, receber feedback da conversa
por meio da pró‑ pria conversa. Você variou as frases e ofereceu palavras alternativas, fez perguntas
pertinentes, fez as crianças pensarem... A minha sugestão é que...
Nina: Que eu faça isso com conceitos, articulando a linguagem de todo o dia com os conhecimentos
escolares.
Pesq.: Isso, eu não conseguiria me expressar melhor!
Nina: Acho que preciso estudar mais. Voltar a ler a Emília Ferreiro e a Ana Smolka... Eu gosto das
propostas que elas fazem, porque essa é uma tarefa em que os alunos interagem bastante.
Pesq.: Claro. E nessa interação surgem oportunidades para usar uma variedade de palavras e,
portanto, de con‑ ceitos, de maneira adequada. A gente não presta muita atenção, mas isso ajuda muito a
tornar o pensa‑ mento mais claro, mais refinado.
Nina: Tem tanta coisa a fazer aqui na escola! Mas faz muita falta contar com material adequado!
Imagine que ótimo se a gente tivesse uma horta ou um canteiro de flores. Porque não é só ter material: é
saber fazer com que ele contribua para ampliar a experiência e o conhecimento dos alunos. Professor precisa
disso: saber explorar melhor os materiais disponíveis. Mas isso ninguém ensina!
Pesq.: É verdade, capacitação nunca é suficiente. Mas, voltando para a sua sala, o vídeo mostra você
trabalhando muito com o A3 e ele me pareceu um menino que usa bem a linguagem. Por que você o incluiu
no grupo?
Nina: Você achou isso, que ele domina bem a linguagem? Eu fico surpresa, porque ele tem 11 anos,
vive com a avó e não é de fazer muitos amigos. É uma criança muito calada, introspectiva. Hoje, até que ele
falou mais, mas eu achei que ele fez isso porque quis me ajudar.
Pesq.: Pode ser que eu esteja errada, mas veja as ordens que ele lhe dá. São bem precisas [voltam o
vídeo]. Você não acha?
Nina: Aqui, nesse trecho, eu só estou percebendo agora, ele se mostrou bem competente.
Eu estava tã o atrapalhada nessa hora, que nem elogiei o suficiente. Acho queo fato dele participar
e topar continuar participando foio que nã o me deixou ficar arrasada com os comentá ‑ rios da A2. Ela
bem que podia ter passado sem essa.
Pesq.: Mas eu achei bom ela ter dito o que estava pensando. Ela nos deu uma oportunidade de olhar
a atividade por meio dos olhos dela e ver, assim, o trabalho a partir de outro ângulo, que é o ponto de vista
de uma criança. Isso enriquece a nossa experiência, faz da gente professoras ainda melhor.
Nina: Claro, a vantagem é essa. Mas tinha que acontecer logo quando vocês estavam filmando? Hoje,
eu queria que tudo tivesse dado certo, para as crianças, para vocês e para mim.
Pesq.: Acho que a A2 nos deu um alerta importante: que é preciso tomar muito cuidado ao planejar
atividades, porque o conteúdo precisa ter significado para quem aprende, precisa se relacionar com a vida
deles. Ela foi bem legal.
Nina: Foi, foi sim. Ela é uma menina interessante.

112
Pesq.: Uma última pergunta. Por que a classe é arrumada desse jeito?
Nina: Desse jeito como?
Pesq.: Com as carteiras todas enfileiradas. Isso não atrapalha a interação e a concentração? Os
próprios alunos reclamaram do barulho...
Nina: Isso não tem saída. Se não tivesse aula à noite, ou se todos os professores usassem círculos, seria
mais fácil. Mas sem ter um consenso, modificar a arrumação da sala prejudicaria as salas que estão
acostumadas a trabalhar desse modo, com um aluno atrás do outro.
Pesq.: Mas isso não pode ser discutido na escola?
Nina: Pode, mas mudança é sempre um problema. Elas demoram a acontecer e a gente acaba se
acostumando com as coisas do jeito que estão. Eu mesma já estou acostumada com o barulho e com as
fileiras. Não me incomoda mais.
Pesq.: E o número das carteiras, não dá para retirar algumas?
Nina: Nem pensar. A turma que vem à noite é numerosa e não dá para ficar pondo e tirando carteiras.
Algumas coisas não podem ser feitas. Eu acho que a gente precisa parar de olhar para o que não tem na
escola e ver o que ela tem.
Pesq.: Está certo, Nina. Vai chegar um dia que a escola vai ser a dos nossos sonhos. Mas, para isso,
precisamos cuidar da escola da realidade. Você tem toda razão.

O recorte acima indica bem o movimento que se dá ao longo das autoconfrontaçõ es: a posiçã o da
professora, que vai ganhando força na e pela reflexã o, modifica‑se fa‑ cilitada pela observaçã o e pela
dialogia com parceiros diferenciados. De fato, como bem aponta Roger (2007), parece que Nina vai
recuperando, aos poucos, seu“poder de agir”. A confrontaçã o com a segunda pesquisadora promove,
portanto, um deslocamento do ponto de vista da professora, que passa a se dar conta, por intermé dio da
apreensã o de outros, de facetas novas em sua pró pria atividade. Preocupada, inicialmente, em se mostrar
uma boa professora para as pesquisadoras e para a diretora, Nina percebeu que a pesquisadora tinha
outras coisas em mente: entender o que nã o estava visı́vel na atividade e, por isso, seguia uma ló ‑ gica
distinta, que passou, em determinado momento, a ser partilhada. Nina passou a discutir aspectos
relevantes da prá tica docente, da sua prá tica docente. Uma simetria foi estabelecida e a conversa fluiu
bem, todos abrindo novas possibilidades para os outros, um permitindo aos outros refletirem sobre o
que foi dito, feito, vivido. Expectativas sã o postas e relativizadas. Ao final da sessã o, Nina relatou que, já
na autoconfrontaçã o simples, tinha se dado conta de a atividade realizada era muito complexa, o que se
confirmara na autoconfrontaçã o cruzada. Nesse momento, a atividade em si passa para um segundo
plano, cedendo lugar ao sujeito da atividade.
O movimento de Nina, no sentido de recuperar seu “poder de agir” poderia ter seguido inú meros
cursos. As sessõ es de autoconfrontaçã o, desse modo, nã o estã o autorizadas a dizer o que deveria ter sido
feito (ou nã o) na situaçã o em aná lise. O papel da observaçã o e da reflexã o sobre a atividade realizada é
distinto: abrir novos horizontes para os docentes e para os pesquisadores. Isso foi feito. Do ponto de vista
da professora, ela passou a ter preocupaçõ es novas e que se distanciavam muito de “passar uma boa
impressã o”. Procuravam, antes, entender as razõ es de se ter adotado essa atividade e nã o outra para
aprimorar a expressã o oral dos alunos. Nina, ao se apropriar das questõ es das pesqui‑ sadoras, deu‑se
conta dos efeitos involuntá rios da atividade realizada sobre os alunos: cansaço, aborrecimento, té dio,
incompreensã o acerca do que se estava fazendo. Esses efeitos, de imprevistos, passaram a constar do
universo dos possı́veis apenas porque a autoconfrontaçã o cruzada permitiu descolar o foco da aná lise da
interaçã o professora‑ alunos para a pró pria professora que, com isso, toma consciê ncia de novas

113
possibilidades de açã o e de novas necessidades pessoais, como a de estudar mais.
A teoria a respeito do processo de alfabetizaçã o aparece també m como fonte de desenvolvimento,
porque os vı́nculos entre ela e a atividade prá tica foram estabelecidos na e pela interaçã o de Nina com
as pesquisadoras. Esse é um conhecimento que nã o é “teó rico”, na medida em que constitui um problema
da prá tica e nã o é , ao mesmo tempo, um conhecimento “prá tico”, visto emergir da reflexã o. A quem
pertencem os conhecimentos aqui adquiridos? Aos envolvidos e, també m, pela divulgaçã o desse artigo,
aos profissionais da Educaçã o, desde que por eles legitimado.

Considerações finais

A perspectiva só cio‑histó rica dedica‑se ao estudo do “desenvolvimento dos invariantes da


atividade”, ou seja, preocupa‑se menos com a apreensã o da estrutura da atividade enquanto tal e mais
com a estrutura de seu desenvolvimento (Roger, 2007, p. 100). Dessa maneira, o interesse desta pesquisa
reside nos mecanismos que promovem esse de‑ senvolvimento. Assim, destacamos como central para
nossa aná lise o preceito vygotskiano, segundo o qual “é somente em movimento que um corpo mostra o
que é ” (Vygotski, 2000, p.86). Para apreendermos as contradiçõ es existentes na atividade do professor,
é necessá rio que o desenvolvimento seja, ao mesmo tempo, objeto e mé todo da investigaçã o psicoló gica.
Isso implica provocar o desenvolvimento, ou seja, romper com a atividade fossilizada, fazendo‑a
reaparecer tal como era inicialmente para daı́ compreender seu movimento. Isso só pode ser feito,
segundo Roger (2007), porque a observaçã o e a troca de pontos de vista deixam traços na linguagem, que
se tornam, por sua vez, objeto de pesquisa.
Ao seguir os movimentos da professora, fica claro como é penoso submeter‑se a ser avaliado por
pessoas que poderiam pô r seu prestı́gio por terra. Gradativamente, ao se observar agindo e ao dialogar
com diferentes interlocutores sobre as açõ es no vı́deo, estabelece‑se uma zona de desenvolvimento
pró ximo que impulsiona o desenvolvimento pessoal e enriquece a atividade docente. As mudanças da
professora vã o ganhando contornos mais nı́tidos: se na autoconfrontaçã o simples ela se julgou
inadequada, na cruzada foi possı́vel perceber que a atividade analisada era interessante e poderia ser
aprimorada. O temor de fracassar vai pouco a pouco convivendo com sentimentos mais positivos:
entusiasmo, ambiçã o, possibilidades de renovaçã o. Essas diversas apreensõ es, que se manifestaram em
diferentes momentos, acabam por se interpenetrar, criando conflitos de sentidos e significados, que
atingem també m o pensamento sobre a atividade realizada, ocasionando outro movimento, que envolve,
agora, o pró prio processo de alfabetizaçã o. Isso ocorre por meio da apropriaçã o subjetiva, intrapsico
ló gica, do que se passava no plano interpsicoló gico. Novos objetivos e configuraçõ es para a atividade
realizada sã o for‑ mulados. Pode‑se afirmar, conforme Roger (2007, p. 103), que esse movimento
apresenta algumas caracterı́sticas: nã o ser “lido” diretamente pelos professores, que podem, no entanto,
os apreender quando em interaçã o entre si; in‑ versamente, os docentes apreendem sua atividade de
outra maneira, distinta da usual, e eles permitem que se conheça a forma pela qual trabalham. O foco da
observaçã o e da aná lise migra, incessantemente, dos conteú dos da atividade para a atividade em si e vice‑
versa.
Por ú ltimo, mas nã o menos importante, é preciso mencionar que o “gê nero” constitui a principal
mediaçã o na escolha da atividade e, inclusive, em sua conduçã o. As muitas capacitaçõ es oferecidas pela
SEE‑SP em Lı́ngua Portuguesa tê m salientado anecessidade de se trabalhar a expressã o oral das crianças,
sobretudo nas sé ries iniciais. No entanto, o gê nero nã o é suficiente para assegurar que a atividade
selecionada pelos docentes seja bem‑sucedida, de modo que é central constituir um estilo na e pela

114
observaçã o do que foi feito, refletido e discutido. O estilo pessoal modifi‑ ca o gê nero e, eventualmente,
é nele incorporado, passando a ser patrimô nio dos professores. A abordagem aqui seguida fortalece nã o
uma professora em particular, mas o conjunto de docentes, podendo ser utilizado como exemplo a ser
discutido em capacitaçõ es iniciais e/ou continuadas. Com isso, fortalecem‑se os docentes, uma vez que
é deles o papel central de armazenar, formar e de transformar os repertó rios de açã o de seus membros,
mediante a elaboraçã o de outros estilos, que se vã o descortinando na e pela observaçã o, na e pela reflexã o
acerca da atividade docente.

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115
A vivência de professores sobre o processo de inclusão: um estudo da
perspectiva da psicologia histórico‑cultural

Eveline Tonelotto Barbosa24


Vera Lucia Trevisan de Souza25

Resumo

Objetivos: Analisar a percepçã o e as vivê ncias de professores sobre seu papel na inclusã o de alunos
com necessidades educacionais especiais. Outro aspecto que se pretendeu investigar diz respeito aos
sentimentos vividos por professores e alunos com necessidades educacionais especiais que, muitas vezes,
resultam em insucesso: identidades em crise; sofrimento gerado pela vergonha e/ou culpa, pelo
sentimento de incompetê ncia; etc. Para isso, recorremos à Psicologia Histó rico‑Cultural, utilizando os
pressupostos de seu principal representante, Vygotsky, alé m de autores como Rey, Souza, entre outros,
que partem dessa mesma base. Mé todo: Nossa investigaçã o tem se dado com professores de uma escola
pú blica do municı́pio de Campinas‑SP, em que foram realizadas entrevistas semi‑estruturadas e
observaçõ es em vá rios espaços da escola. Resultados e Conclusã o: Os resultados indicaram que os
professores possuem percepçõ es que se contrapõ em aos pressupostos da educaçã o inclusiva, como uma
visã o do aluno com necessidades especiais como incapaz, que necessita de tratamento mé dico por meio
de remé dios, colocando no aluno a origem e a soluçã o dos problemas que vivem em sala de aula. Alé m
disso, percebemos que os professores també m sã o afetados com essa questã o, pois o fato de nã o saberem
como trabalhar com o aluno provoca mal‑estares que os levam a buscar fora de sua sala de aula e de sua
prá tica docente as causas para o insucesso que vivenciam.

Unitermos: Educaçã o especial. Educaçã o. Psicologia educacional. Inclusã o escolar.

Introdução

O presente artigo tem como objetivo apresentar os resultados de uma pesquisa em que se discutiu
e analisou as percepçõ es e as vivê ncias dos professores sobre o processo de inclusã o e suas implicaçõ es
para o desenvolvimento do professor e dos alunos envolvidos com a inclusã o de pessoas com
necessidades educacionais especiais em classes regulares. Para alcançar esses objetivos, adotou‑se a
perspectiva teó rico‑ metodoló gica da Psicologia Histó rico‑Cultural, que toma como objeto de estudo o
sujeito histó rico, que se constitui na relaçã o com a cultura. Reconhecemos que, para a inclusã o se
concretizar, é necessá ria uma mobilizaçã o em vá rios â mbitos, como o polı́tico, o social e o institucional,
no entanto, como nossa proposta era discutir o papel do professor nesse processo, priorizamos a aná lise
da importâ ncia de seu papel nesse contexto, ressaltando, contudo, que a questã o da inclusã o nã o pode
ser tomada como responsabilidade unicamente do professor.

24Graduanda em Psicologia pela Pontifı́cia Universidade Cató lica de Campinas. Pesquisa realizada com bolsa de Iniciaçã o Cientı́fica pela
Fundaçã o de Amparo à Pesquisa do Estado de Sã o Paulo – FAPESP.
25Professora do Programa de Pó s‑Graduaçã o Stricto Sensu em Psicologia da Pontifı́cia Universidade Cató lica de Campinas – PUC‑Campinas.
Correspondê ncia Vera Lucia Trevisan de Souza ‑ Pontifı́cia Universidade Cató lica de Campinas – PUCCAMP ‑ Av. John Boyd Dunlop, s/n° – Jd.
Ipaussurama – Campinas, SP, Brasil – CEP: 13060‑904 E‑mail: [email protected]

116
Para Camisã oII, o empenho do professor na busca por resolver os problemas que se colocam em
sua prá tica interfere, de forma decisiva, no desenvolvimento do aluno com necessidades especiais. Desta
forma, o sucesso ou nã o da inclusã o depende, em grande medida, das atitudes e crenças do professor.
As crenças exprimem percepçõ es e pensamentos que funcionam como filtros na interpretaçã o da
realidade, podendo influenciar o comportamento do professor em relaçã o a esse alunoII. Assim, as crenças
que o professor tem sobre os alunos com necessidades especiais influenciam o seu modo de ensiná ‑los.
Essas crenças sã o resultantes das representaçõ es que foram construı́das ao longo da histó ria sobre
a criança com necessidades especiais que, muitas vezes, tê m em sua base ró tulos e estigmas. Assim, ao
entrar na escola tanto esse sujeito como os professores terã o que se defrontar com essas representaçõ es
e enfrentar o desafio de superá ‑las. Em razã o disto, as representaçõ es que o professor tem acerca deste
aluno definirá a forma de relaçã o entre eles e, em consequê ncia, as possibilidades de desenvolvimento
do aluno.
ReyXI entende representaçã o social como o conhecimento mobilizado pelas pessoas “comuns”, na
comunicaçã o da vida cotidiana, sobre o conhecimento de questõ es do universo reificado, ou seja, sobre
saú de e doença, desigualdade social, educaçã o, entre outros. As representaçõ es sociais sã o verdadeiras
teorias do senso comum, que se objetivam como sentido para as pessoas na medida em que geram um
contexto de inteligibilidade.
Essa inteligibilidade reflete o conhecimento como “verdades” absolutas e sã o responsá veis pela
organizaçã o do tecido social de um deter‑ minado contexto histó rico. As representaçõ es sociais sã o um
tipo de conhecimento, mas nã o conhecimento cognitivo e sim socialXI.
Nesse sentido, as representaçõ es dos professores sobre seus alunos com necessidades especiais
sã o baseadas no senso comum e també m na imagem passada pelos professores anteriores, interferindo
na concepçã o inicial do professor. Essas crenças e representaçõ es sã o devidas à desinformaçã o a respeito
do tema, bem como das “deficiê ncias”V.
Para ir um pouco alé m, podemos recorrer à teoria da identidade de CiampaIII, que diz que, antes
mesmo de nascer, o indivı́duo já está inserido em um mundo, em um grupo social, que lhe atribui uma
sé rie de expectativas, determinaçõ es e representaçõ es pré vias, ou seja, o indivı́duo já tem uma identidade
pressuposta. Quando essas expectativas sã o mantidas pelo grupo, há uma reposiçã o de algo que já está
dado. Para o indivı́duo, superar a identidade pressuposta nã o é algo fá cil. A superaçã o implica o
rompimento com aquilo que se configura como há bito padronizado, sobretudo as representaçõ es.
Nesse sentido, há que se pensar que os alunos com necessidades educacionais especiais tê m uma
identidade pressuposta, a qual é carregada de preconceitos e limitaçõ es, e o aluno precisa “nadar contra
a corrente” para superar essa identidade que foi objetivada pela sociedade.
Alé m das marcas que a “exclusã o” causa no aluno, há que se pensar nos sentimentos vividos pelos
professores que estã o envolvidos em processos de inclusã o, resultantes do insucesso, como sofrimento
gerado pela vergonha e/ou culpa pelo sentimento de incompetê ncia, por exemplo.
Segundo SouzaXIII, o professor tem consigo a conscientizaçã o de que ensinar faz parte do seu papel
de educador. Nã o obstante, há també m o juı́zo alheio que o cobra pelo seu papel, ou seja, a sociedade
pressiona o professor para que cumpra seu papel de educador. Essa pressã o ocorre porque os professores
estã o inseridos em um con‑ texto social, tendo uma identidade pressuposta que conforma as expectativas,
as determinaçõ es e as representaçõ es pré vias de seu papel.
A partir disso, o professor constró i sua identidade profissional constituı́da pela representaçã o que
tem de si e do que os demais atores sociais atribuem a ele, no que se refere ao seu trabalho, ou seja, é a
constante reposiçã o que o professor faz da identidade de educador pressuposta.

117
Segundo Luna e BaptistaVIII, em cada momento manisfesta‑se apenas uma parte da totalidade do
indivı́duo. Entretanto, como o indivı́duo é uma totalidade, cada identidade se reflete em outra identidade,
que o indivı́duo també m pos‑ sui. Nesse sentido, quando a identidade profissional está em crise, a
totalidade també m sofre. A partir dessas consideraçõ es, pode‑se pensar que o professor també m precisa
ser olhado como sujeito que necessita de subsı́dios, de condiçõ es especiais, para desenvolver o trabalho
de inclusã o. Nesse sentido, compreender sua vivê ncia sobre a inclusã o permite identificar suas
necessidades e investir em sua formaçã o. Logo, o entendimento da percepçã o e da vivê ncia dos
professores sobre os alunos com necessidades educacionais especiais, a aná lise dos preconceitos
existentes e a conscientizaçã o dos professores sobre seu papel na inclusã o sã o fatores importantes e
determinantes para o processo de desenvolvimento educacional pleno desses alunos.

Método

A presente pesquisa foi realizada em uma escola municipal no interior do estado de Sã o Paulo e
participaram do presente estudo quatro professoras, sendo duas de sala regular que possuem alunos em
processo de inclusã o, e duas professoras da Educaçã o Especial. Como forma para coletar os dados
utilizou‑se de observaçõ es na sala de aula das professoras e també m em outros espaços da escola, como
refeitó rio, pá tio, etc. Alé m das observaçõ es, també m se realizaram entrevistas semi‑estruturas com as
quatro pro fessoras, para um maior aprofundamento sobre suas percepçõ es e vivê ncias. As entrevistas
foram gravadas e transcritas logo em seguida e as ob‑ servaçõ es foram registradas em diá rio de campo.

Resultados

O papel do professor na inclusã o: formaçã o preparo

Apesar de o presente estudo ter como objeti‑ vo o conhecimento e a discussã o da percepçã o e da


vivê ncia dos professores sobre seu papel na inclusã o, é de extrema importâ ncia considerar o processo
de formaçã o desses professores, pois, segundo alguns estudosII, V, VI as crenças e representaçõ es que os
professores possuem sobre o aluno com necessidades especiais estã o, muitas vezes, vinculadas ao
conhecimento que possuem acerca da temá tica, adquiridos por ocasiã o de sua formaçã o.
Esse aspecto apareceu nas falas das professoras entrevistadas (nomes apresentados sã o fictı́cios),
que relatam a “falta de formaçã o para trabalhar com a inclusã o escolar”:
E interessante essa posiçã o do professor de chegar e ter um aluno com necessidade especial.
Ele olha para o aluno e pensa: o que vou fazer? Porque nó s nã o temos nenhuma formaçã o, nem
nó s que somos mais antigas, nem os novos. Entã o nã o sabemos como essa inclusã o vai
acontecer. Entã o, entregam para você o diá rio de classe e você vai para a classe e se vira (Maria).

Eu me sinto assim, meio que sem condiçõ es, nã o tenho preparaçã o para trabalhar com a inclusã o
(Ilana).

Conforme se pode observar, as duas professoras entrevistadas, que atuam em classes regulares em
que se encontram alunos com necessidades especiais, expressam a percepçã o de que para trabalhar com
a inclusã o é necessá ria uma formaçã o especı́fica e que, sem a qual, o professor passa a ser uma vı́tima no
processo, tã o excluı́do quanto o aluno, visto nã o acreditar que tenha condiçõ es de levar adiante sua tarefa.
Contudo, as professoras de Educaçã o Especial, cuja funçã o é atender esses alunos ditos incluı́dos em

118
alguns horá rios ao longo da rotina escolar, individualmente e pontualmente, se contrapõ em à posiçã o de
vı́tima das professoras Maria e Ilana, por entenderem que elas nã o se interessam ou nã o se comprometem
com o processo de inclusã o, deixando essa tarefa para os especialistas:
Entã o eu acho que o professor tem que estudar mais, é uma classe que, alé m de desunida, nã o
vai estudar, só vai quando vai perder alguma coisa. Alé m de que, eu nã o acredito nesse governo
paterna‑ lista que dá tudo para o professor, que é obrigado a te dar um curso de formaçã o para
o trabalho e em horá rio de trabalho, porque se você oferecer fora do horá rio de trabalho, a
pessoa nã o vai! (Luciana). Colocam um outro profissional especiali‑ zado para tentar suprir
essa defasagem do professor, porque se todos professores recebessem capacitaçã o em
Educaçã o Especial nã o precisaria da gente aqui (das professoras da Educaçã o Especial). Entã o
eles nã o te dã o o curso, mas co‑ locam profissionais na escola. Eu nã o aceito essa fala do
professor, de que nã o é capacitado para atender o aluno, nã o aceito. E ainda quando a gente
quer dar uma ajuda, eles nã o aceitam (Luciana).

Letı́cia, a outra professora de classe especial, relatou em vá rios encontros que tem muita
dificuldade em propor alguma atividade para as professoras que tê m alunos de inclusã o, pois muitas
vezes elas nã o aceitam. Relatou, també m, que muitos dos professores preferem que ela tire o aluno da
sala, do que trabalhar eles pró prios com o aluno, a partir das orientaçõ es que Letı́cia pode oferecer
(observaçõ es registradas em Diá rio de Campo).
Nas falas e relato acima, evidenciam‑se as contradiçõ es que costumam envolver os processos de
inclusã o nas escolas: as professoras das salas regulares dizem nã o ter preparo e nem condiçõ es
adequadas para trabalhar com os alunos especiais, enquanto as professoras da Educaçã o Especial
entendem que, na verdade, o que falta à s professoras de classes regulares é interesse e compromisso com
o processo. Diante disso, podemos perguntar o que significam es‑ sas contradiçõ es? Será de fato falta de
interesse? Como apontam vá rios estudos IV, XV, XII parece que a formaçã o de professores, oferecida em
cursos de graduaçã o ou formaçã o continuada necessita ser melhorada no que concerne aos seus
conteú dos e mé todos, principalmente em relaçã o ao atendimento à diversidade. També m nã o se pode
negar a falta de condiçõ es adequadas para o exercı́cio do trabalho dos docentes, resultado, muitas vezes,
da queda do investimento pú blico e da deterioraçã o das condiçõ es de trabalho desses profissionais,
conforme apontado por alguns professores.
Diante dessas questõ es, FreitasIV aponta a importâ ncia de melhor formaçã o dos professores,
relatando a necessidade de polı́ticas pú blicas que valorizem o trabalho docente, por meio de formaçã o
continuada e melhores condiçõ es de trabalho, salá rio e plano de carreira.
Contudo, no caso de nossa pesquisa, ainda que considerando esses aspectos relativos à profissã o
como essenciais à promoçã o de uma açã o pedagó gica de qualidade, nos perguntamos, muitas vezes, sobre
o real interesse das professoras em promover a mudança de suas prá ticas. FreitasIV relata que uma
materializaçã o de polı́ticas pú blicas que ofereça melhores condiçõ es de trabalho aos professores nã o é
tarefa fá cil e que necessita, principalmente, da participaçã o dos pró prios professores. Portanto, é
necessá rio um maior envolvimento dos docentes na construçã o de polı́ticas pú blicas, pois sã o eles que
enfrentam as barreiras e dificuldades do dia‑a‑dia da sala de aula. Apesar dessa importante consideraçã o,
parece que os professores nã o estã o muito envolvidos com essas questõ es, conforme observa a
pesquisadora em seu relato no diá rio de campo:
Professora Maria relata que Má rcio dá muito trabalho, pois nã o quer ficar dentro da sala de
aula, alé m de falar muito alto e querer tirar a roupa dentro da sala, e isso está atrapalhando o
desempenho dos outros alunos. Maria, no decorrer da aula, me perguntou se existia alguma lei
que regulamentava a frequê ncia de Má rcio na sala de aula, e que també m deveria ter alguma lei
para defender os outros alunos, pois estavam sendo prejudicados pelo contato com Má rcio
(Observaçõ es registradas em Diá rio de Campo – 30/7/2009).

119
A fala da professora apresenta aspectos relevantes, no que concerne à sua percepçã o sobre
inclusã o: um deles é o fato de nã o conhecer as polı́ticas pú blicas de inclusã o. Nesse sentido, fazemos o
seguinte questionamento: Como uma professora poderá participar do processo de construçã o de polı́ticas
pú blicas, a fim de melhorar suascondiçõ es de trabalho, se ela mesma nã o tem conhecimento dessas
polı́ticas? Nã o queremos com isso dizer que todas as professoras nã o tê m esse conhecimento, mas essa
ocasiã o chamou‑nos muito a atençã o, por‑ que essa professora é tida como referê ncia em processo de
inclusã o na escola, pelos inú meros alunos que já atendeu, mesmo nã o tendo nenhuma especializaçã o.
Alé m disso, essa fala revela uma outra percepçã o de aluno com necessidades especiais: de que sua
presença prejudica o desempenho dos outros alunos.
Diante da complexidade revelada no processo de inclusã o, fica clara a urgê ncia de medidas a serem
tomadas, sobretudo no que se refere ao professor. Apesar da grande quantidade de pesquisas que tê m
como foco o professor, e dos inú meros cursos de capacitaçã o oferecidos pelas redes de ensino, parece
que pouco tem se revertido em mudanças efetivas das prá ticas educativas. Há necessidade, portanto, de
estudos mais aprofundados que desvelem os aspectos que sustentam representaçõ es e percepçõ es que
interferem negativamente nas prá ticas de inclusã o.

As vivê ncias e as percepçõ es de inclusã o e de aluno com necessidades especiais

Apó s uma breve contextualizaçã o sobre a formaçã o e preparo dos professores para a inclusã o
escolar, segundo suas vivê ncias e percepçõ es, cabe questionar em que medida as representaçõ es sobre
a formaçã o e as con‑ diçõ es materiais de sua realizaçã o influenciam sua vivê ncia e percepçã o sobre os
alunos com necessidades educacionais especiais.
Antes de responder a esses questionamentos, é importante uma discussã o pré via sobre os
resultados. A primeira ideia trazida pelas professoras foi de que o processo de inclusã o é vá lido por
questõ es polı́ticas e sociais.
Entã o... eu acho que o processo de inclusã o é vá lido [...], mas é claro que tudo é em cima de
interesses. O Brasil nã o entrou nesse processo de inclusã o porque ele percebeu que o deficiente
precisava sair da estagnaçã o, da segregaçã o que ele estava, mas ele entrou porque o governo
recebe verba do exterior. Entã o a inclusã o favorece o paı́s (Luciana).

E aı́ que entra no legal da inclusã o […] porque, pelos professores, eles estariam na sala com os
alunos ditos “normais” e os “anormais” estariam em instituiçõ es, trancados, e ningué m queria
saber o que estava acontecendo lá ... ainda bem que os mandaram para as escolas, para o pessoal
bater com essa realidade (Letı́cia). Olha, eu acho que a inclusã o é vá lida. Nã o exatamente para a
criança, ela é vá lida para os outros aprenderem a conviver com aquela criança e acabar com o
preconceito, as diferenças [...] Entã o eu acho mais importante para isso, para eles serem
respeitados nessa parte, agora, quanto à aprendizagem, na escola normal nã o vai... é muito
difı́cil! (Ilana).

Observa‑se como as professoras de Educaçã o Especial, Luciana e Letı́cia, assumem uma postura mais
crı́tica em relaçã o à inclusã o: uma questiona os reais motivos das polı́ticas pú blicas em promovê ‑la,
enquanto a outra critica a postura dos professores e aprova as polı́ticas na medida em que “obrigam” a
escola a se envolver com a questã o da Educaçã o Especial. De outro lado, a professora Ilana, de classe regular,
entende que a inclusã o é vá lida por promover a socializaçã o nã o só do aluno, mas dos demais atores da
escola e revela que a inclusã o nã o inclui, pois entende que a aprendizagem do aluno nã o ocorre e nã o tem
como ocorrer. Esse fato conduz a outro questionamento: será possı́vel incluir apenas promovendo a
socializaçã o do aluno? Acreditamos que nã o, pois incluir equivale a propiciar ao sujeito incluı́do o acesso a
todos os bens de cultura oferecidos aos demais alunos. Logo, se é possı́vel à s demais crianças aprenderem,

120
para que a inclusã o se efetive, o aluno com necessidades especiais també m deve acessar esses
conhecimentos, apropriando‑se deles e cabe à escola encontrar formas de promover essa apropriaçã o.
Esses resultados corroboram as ideias de Gomes e ReyXI sobre o processo de inclusã o, quando
dizem que os professores limitam a questã o da inclusã o escolar de alunos com necessidades educacionais
especiais apenas a uma possibilidade de socializaçã o e a interesses alheios, que frisam a delimitaçã o,
massificaçã o e padronizaçã o do desenvolvimento humano. Portanto, com base nas falas das professoras,
fica evidente a tendê ncia de se considerar a inclusã o escolar como uma possibilidade de socializaçã o e
que tem em sua base alguns interesses polı́ticos, apresentando‑se, portanto, muito mais relacionada ao
objetivo de aproximaçã o e convivê ncia de tais alunos com o restante da sala e com o professor do que um
real desenvolvimento cognitivo e social do sujeito.
E claro que essa possibilidade de interaçã o social dos alunos com necessidades educacionais
especiais visando ao seu bem‑estar social e dos demais atores da escola é um fator importante, mas nã o
pode se limitar a isso, sem investir no desenvolvimento cognitivo/social, como se estes se estruturassem
como processos dicotô micos6.
Podemos observar essa questã o da dicotomia entre cognitivo/social claramente nas seguintes falas
das professoras: Ele é uma criança de difícil adaptação, tanto social como pedagógica(Maria); Então eu
acho que a inclusão é válida sim, mas para a parte do social, do cognitivo não (Ilana).
VygostskyXIV també m nos ajuda a compreender essa questã o, quando traz a ideia de que o aluno
com necessidades educacionais especiais é beneficiado sim com o processo de inclusã o em seu aspecto
cognitivo e social, pois ele nã o é menos desenvolvido do que aqueles que nã o possuem necessidades
educacionais especiais, mas um sujeito que se desenvolve de outro modo. Portanto, o autor considera o
aspecto individual do desenvolvimento do sujeito, em que cada um, dependendo de sua condiçã o fı́sica,
psicoló gica e social, desenvolve‑se de forma singular, pró pria, mas sempre se desenvolve.
Assim, os alunos com necessidades educa‑ cionais especiais atingem o desenvolvimento da mesma
forma que os demais alunos; contudo, de um modo diferente, por outra via, com outros meios que ele
denomina de compensaçã o e cabe à escola acessar esses meios e modos singulares para poder promovê ‑lo.
VygostskyXIV discute a ideia de que a inclusã o do aluno com necessidades especiais é importante,
mas que é preciso que o professor tenha conhecimento sobre as especificidades do desenvolvimento
desses alunos, para que estes possam se beneficiar do processo de inclusã o, atingindo nı́veis mais
elevados de desenvolvimento. O problema que vemos nesta ideia do autor é a forma como ela aparece na
escola: os professores querem conhecer o diagnó stico do aluno, ou seja, sua deficiê ncia e nã o seu poten‑
cial de desenvolvimento.
Alé m dessa visã o limitada e dicotô mica do processo de inclusã o, aparece uma concepçã o de
inclusã o como “impossı́vel”, sustentada somente nas “faltas” dos alunos, no que os professores chamam
de “problemas”, cuja açã o possı́vel é a medicalizaçã o, logo, nã o depende da escola:
Ele nã o sabe ler, nã o sabe escrever, ele nã o quer aprender, os outros fazem para ele, ele nã o tem
interesse, ele é muito agressivo, muito provocativo e, alé m de tudo, é uma criança chata […].
Quando a criança nã o aprende, alguma coisa tem [...] e é complicado você chegar no pai e falar
que seu filho tem problema, é complicado. E hoje em dia parece que tê m muitas crianças assim,
porque, à s vezes, é alguma coisa bioló gica, que precisa de algum remé dio. O mé dico disse que
ele tem dé ficit de atençã o, deu hiperatividade, deu um negó cio assim, aı́ passou remé dio,
Ritalina, e a mã e nã o deu, porque ela falou que ela deu, só que deu 3 dias e ele virou um bicho
[...] entã o se ele teve uma reaçã o assim tã o grande, é porque ele tem alguma coisa (Ilana).

Fica evidente que a professora se exime de sua responsabilidade de educadora, colocando a culpa
da nã o aprendizagem apenas no aluno. E como se a escola se resumisse a ela e ao aluno e, se ela nã o dá

121
conta, o problema está no aluno. Em nenhum momento menciona o orientador, as professoras de
Educaçã o Especial, o diretor, os ó rgã os de saú de que tê m parceria com a escola ou mesmo a famı́lia como
parceira no encaminhamento das dificuldades que observa e vive com o aluno. Esse fato nos chamou
muito a atençã o: parece que o professor tem tomado para si a tarefa de promover a inclusã o de forma
solitá ria, o que se revela um paradoxo, pois de outro lado, ele se queixa de falta de condiçõ es, mas nã o as
demandam, as cobram dos demais atores, tomando‑as como justificativa para eximir‑se de sua parcela
de responsabilidade. A questã o que fica é a mais relevante de todas: como fica esse aluno? Quais sentidos
de escola, educaçã o, ensino e aprendizagem ele configura nessa relaçã o em que é taxado com tantos
adjetivos depreciativos? O que fazer para evitar que, em nome da inclusã o, se pratique uma exclusã o
perversa?
Se de um lado se observa a exacerbaçã o das diferenças nas concepçõ es sobre o aluno de inclusã o,
de outro há concepçõ es de que o aluno com necessidades especiais é igual aos demais, ignorando‑se suas
singularidades:
Entã o a gente trata como uma criança normal, uma criança que tem dificuldade de
aprendizagem, mas a gente sabe que nã o é bem por aı́ (Ilana).

Hoje sã o normais, para mim sã o normais... (Maria).

A inclusã o é difı́cil em uma escola comum, porque aqui ele nã o é diferente, ele nã o pode ficar no
refeitó rio o tempo dele, porque os outros nã o tê m o tempo dele... é porque as crianças tê m 15
minutos para comer e 15 para brincar(Letı́cia).

Alé m de ficar evidente a concepçã o de in‑ clusã o como “tratar os alunos de modo igual, ignorando
suas especificidades”, també m é possı́vel observar que as professoras nã o conhecem as polı́ticas que
orientam as prá ticas inclusivas. Segundo a Polı́tica Nacional de Educaçã o Especial na Perspectiva da
Educaçã o InclusivaI, a proposta de inclusã o tem como objetivo: “Assegurar a inclusão escolar de alunos
com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, orientando os
sistemas de ensino para garantir: acesso ao ensino regular, com participação, aprendizagem e
continuidade nos níveis mais elevados do ensino; transversalidade da modalidade de Educação Especial
desde a educação infantil até a educação superior; oferta do aten dimento educacional especializado;
formação de professores para o atendimento educacional especializado e demais profissionais da educação
para a inclusão; participação da família e da comunidade; acessibilidade arquitetônica, nos transportes,
nos mobiliários, nas comunicações e informação; e articulação intersetorial na implementação das
políticas públicas" (grifo nosso). Observa‑se que o documento aponta a necessidade de considerar a
especificidade e a necessidade de cada aluno, e nã o colocar todos os alunos como iguais, como foi
apontado pelas professoras. Diante dessa discussã o, pode‑se pensar que essas percepçõ es dos
professores sobre alunos com necessidades educacionais especiais se sustentam em fortes
representaçõ es sociais, que tê m em sua base, sobretudo, o preconceito decorrente do desconhecimento
sobre os alunos e o pró prio processo de inclusã o. Ou, ainda, que mesmo tendo conhecimentos efetivos
sobre as deficiê ncias e os processos de inclusã o, as representaçõ es sã o tã o fortes que se sobrepõ em aos
conhecimentos cientı́ficos.

As vivê ncias e as implicaçõ es dessas percepçõ es nos pró prios professores e nos alunos

As aná lises apresentadas até aqui suscitam a seguinte questã o: qual é o impacto das percepçõ es

122
dos professores no desenvolvimento dos sujeitos envolvidos no processo de inclusã o (alunos)? Ainda,
como o professor vivencia esse processo? Como já dissemos, Ciampa3 aponta que, antes mesmo de nascer,
o indivı́duo já é tribu‑ tá rio de uma identidade pressuposta. Se essa identidade é reposta pela manutençã o
das expectativas em relaçã o ao indivı́duo, torna‑se muito difı́cil superá ‑la, o que só seria possı́vel com o
rompimento do há bito padronizado.
Conforme discutido no tó pico anterior, os alunos com necessidades educacionais espe‑ ciais tê m
uma identidade pressuposta, atribuı́da pela sociedade e pelos professores, a qual é carregada de
preconceitos e limitaçõ es, decorrentes, muitas vezes, da falta de conhecimento sobre o tema, inserindo
grande dificuldade para o aluno se constituir como capaz de aprender e conviver na escola.
Assim, pode‑se questionar de que maneira o aluno com necessidades educacionais especiais se
percebe e se constró i nessas relaçõ es com todos os outros de seu entorno, o que confere à questã o da
concepçã o ou percepçã o grande relevâ ncia no processo de inclusã o.
Segundo PapaliaX, essas percepçõ es depreciativas, que o professor tem do aluno, podem provocar
grandes marcas em sua autoestima. Ou seja, esse julgamento depreciativo pode promo‑ ver no aluno uma
percepçã o de si como incapaz, cujas dificuldades nunca poderã o ser superadas, e essa ideia de que o
problema está nele pode persistir por todo o ciclo vital do sujeito. Portanto, o professor, quando nã o
focaliza o potencial da criança, pode desmotivá ‑la nã o somente em seu processo de aprendizagem
acadê mica, mas també m em outros aspectos de seu desenvolvimento.
Contudo, é necessá rio considerar també m a vivê ncia do professor nesse processo. Muitas vezes,
ele manifesta sofrimento, desgaste, descontrole e outras emoçõ es decorrentes de um sentimento de
incompetê ncia por nã o conseguir ê xito com os alunos.
E desgastante! Nossa, nem fala, frustrante! Você nã o vê o retorno que tanto espera [...] A gente
se sente muitas vezes abandonada, principalmente na á rea da saú de. A gente se sente
abandonada porque nã o tem para onde correr ou a quem recorrer (Letı́cia).

Eu acho que eu nã o fiz um bom trabalho. Eu nã o sei, eu me sinto assim, meio que sem
condiçõ es, nã o tenho preparaçã o (Ilana). Deve ter ó rgã os em Campinas que dã o assistê ncia
para o professor, nem se for para eu ir lá , no nono andar e encostar lá e dizer: eu estou aqui,
estou precisando de auxı́lio, o que eu faço com essa criança que eu nã o consigo fazer inclusã o!
(Maria).

Evidencia‑se, nessas falas, o sofrimento das professoras manifestado pela frustraçã o, pelo
sentimento de abandono. Foi isso que vimos, també m, nos momentos que passamos na escola: a
professora fica sozinha com o aluno, no meio de todos os outros e tem de dar conta dele e de todos os
outros.
Vale aqui ressaltar o caso da professora Maria, que parece ter se apropriado de uma identidade de
professora que sabe trabalhar com a inclusã o:
Ano retrasado eu tive 5 alunos especiais na sala, desde visã o subnormal, alunos com outras
sı́ndromes que eu nã o sei o nome, a caracterı́stica eu nã o me lembro, mas tive alunos com
grandes dificuldades e eu consegui alfabetizá ‑los […]. Entã o, em minha experiê ncia com 5
especiais em uma sala normal, eu consegui fazer com que a classe aprendesse os concei‑ tos
necessá rios. Como os outros alunos, os especiais també m se desenvolveram, entã o hoje eu digo
que eu consegui ven‑ cer essa batalha [...], mas no caso que eu vivencio hoje, é um outro desafio
que eu estou enfrentando, porque é uma criança de difı́cil adaptaçã o, mas com os outros alunos
eu venci essa etapa (Maria).

Interessante a contradiçã o revelada na fala da professora: de um lado ela acredita no sucesso da


inclusã o, ainda que a conceba como uma batalha, e a situaçã o vivida por ela – 5 alunos especiais em uma

123
classe regular com uma ú nica professora – teria tudo para levar ao fracasso. Logo, aparece uma concepçã o
um tanto idealizada do processo, que esconde as dificuldades que as diferenças produzem em qualquer
prá tica educativa. De outro lado, em uma situaçã o que teoricamente seria mais adequada (só um aluno
com necessidades especiais), a professora declara que nã o está conseguindo promover sua inclusã o e
alega como motivo a dificuldade de adaptaçã o da criança. Será que inclusã o para ela é a criança adaptar‑
se à s condiçõ es oferecidas por ela em sala de aula? Atualmente, essa professora tem uma turma de 4º
ano, com 32 alunos e um aluno de 14 anos que possui Sı́ndrome de Down. De acordo com ela, e pelo que
observamos, nã o consegue fazer com que ele aprenda os conhecimentos que julga importantes, alé m de
nã o conseguir fazer com que esse aluno fique em sala de aula. Desde o começo do ano letivo, notamos
que a professora Maria manteve‑se bastante abalada com o caso desse aluno, uma vez que, como
abordado anteriormente, ela era até entã o considerada a melhor professora para realizar o processo de
inclusã o.
Assumindo a perspectiva de constituiçã o da identidade proposta por CiampaIII, acreditamos poder
dizer que a identidade docente se constró i na relaçã o com o social, pelo exercı́cio de sua atividade de
ensinar. Logo, o insucesso da atividade do professor põ e em xeque sua identidade, provocando
sofrimento.
Sendo assim, a questã o que se apresenta em relaçã o à professora Maria é em que medida o fato de
sentir‑se fracassada na inclusã o desse aluno, interferirá em suas açõ es pedagó gicas em sala de aula, nã o
só com ele, mas com todos os outros? Com base nas observaçõ es realizadas, notamos que, assim como
os alunos sofrem com a inadequaçã o do processo, os professores també m se ressentem do que vivem,
visto que a professora Maria, que nã o tivera nem uma licença mé dica nos ú ltimos anos, já se afastou vá rias
vezes neste ano. Isso sem falar em certa amargura que expressa em suas falas nas reuni‑ õ es de Trabalho
Pedagó gico Coletivo que temos acompanhado.

Considerações finais

O acesso à s percepçõ es dos professores sobre os alunos com necessidades educacionais especiais
nos permite afirmar que as percepçõ es dos docentes investigados nã o se coadunam com os pressupostos
da educaçã o inclusiva. Conforme se demonstrou na aná lise, essas percepçõ es se sustentam em crenças
que tê m em sua base a incapacidade dos sujeitos para frequentar o ensino regular, visto necessitarem de
atendimento de especialistas ou mesmo de medicaçã o. Essa constataçã o nos leva a concluir que o
processo de inclusã o nessa escola está ocorrendo de forma perversa, causando sofrimento aos alunos
com necessidades educacionais especiais e aos professores, nã o se constituindo, portanto, como açõ es
promotoras de desenvolvimento.
Os dados acessados na pesquisa revelam os conflitos desencadeados pela inclusã o de alunos com
necessidades especiais: o fato de nã o saber como trabalhar com o aluno leva o professor a buscar fora de
sua sala de aula as causas para o insucesso que vivencia. Assim, muitas vezes, trava‑se uma luta entre os
professores, e neste caso, as professoras da Educaçã o Especial e as de classes regulares, que, ao invé s de
se unirem, aproveitando uma polı́tica pú blica que visa pro‑ mover a inclusã o (independentemente de ser
ou nã o a mais adequada), optam por competir entre si, em um jogo de culpabilizaçã o e desresponsa‑
bilizaçã o que em nada contribui para o processo de inclusã o, mas, ao contrá rio, cria um clima prejudicial
a todos os alunos e professores da escola.
També m constatamos que na escola nã o se exercita a escuta, visto que os professores tê m uma
visã o cristalizada sobre o que e quem sã o o aluno, a escola e a famı́lia, o que inviabiliza o diá logo e a

124
reflexã o. Resultam desse fato as dificuldades de comunicaçã o, compreensã o e sensibilidade em todas as
instâ ncias de relaçõ es. No momento em que concluı́mos o presente artigo, tomamos contato com uma
maté ria do jornal Folha de Sã o Paulo7 (23/5/2010) intitulada: “A cada dia, um professor se licencia por
dois anos”, em que sã o retratados problemas de saú de enfrentados por professores da rede pú blica
estadual de Sã o Paulo: perda da voz, distú rbios psicoló gicos como depressã o, ansiedade, sı́ndrome do
pâ nico, entre outros. Diz a maté ria que instâ ncias governamentais reconhecem a necessidade de
melhorar as condiçõ es de saú de dos professores da rede. Para tanto, planejam tomar a seguinte medida:
Segundo o governo antecipou à Folha, o novo programa, chamado SP Educaçã o com Saú de,
formará equipes com mé ‑ dicos, fisioterapeutas, fonoaudió logos, psicó logos, nutricionistas e
enfermeiros, que circularã o pelas escolas estaduais. Algumas equipes ficarã o fixas nas di‑
retorias de ensino. As especialidades escolhidas coincidem com as á reas em que os docentes
mais tê m problemas – como lesõ es nas cordas vocais, dores na coluna e distú rbios psicoló gicos
– e sã o as maiores causas de absenteı́smo.

Os profissionais das equipes serã o da entidade filantró pica Santa Marcelina. O servidor que
tiver algum problema de saú de diagnosticado será encaminhado ao Hospital do Servidor
Pú blico para tratamento (2010, Maio, 23 ‑ grifo nosso).

Interessante notar como as instâ ncias governamentais querem ajudar na saú de do professor –
oferecem profissionais especializados para ajudar o professor, como se o problema estivesse neles e nã o
nas condiçõ es materiais em que exercem suas atividades. Guardadas as devidas proporçõ es, essa
concepçã o em muito se assemelha à s dos professores de que o problema da inclusã o é do aluno ou das
famı́lias. Assim, considera‑se o problema de saú de desses profissionais no â mbito individual, ou seja, no
professor, e nã o em suas relaçõ es e condiçõ es de trabalho.
O que constatamos nesse estudo é que a exposiçã o permanente dos professores ao fracasso no
processo de inclusã o/exclusã o gera grande sofrimento, o que, a nosso ver, está na base do adoecimento
que relata a maté ria e que presenciamos na escola. Logo, adoecimento gerado nã o pelo aluno com
necessidades especiais ou por suas famı́lias, mas pelas condiçõ es em que realizam ou tentam realizar
suas açõ es docentes, as quais envolvem aspectos organizacionais, institucionais, sociais, polı́ticos,
identitá rios, dentre outros. Acreditamos ser possı́vel considerar que o processo de medicalizaçã o ao qual
se refere Moyses e Collares9 nã o ocorre somente com os alunos ditos “problemá ticos”, que precisam ser
medicados e tratados de forma individual. Parece que os professores també m estã o correndo esse risco,
visto que, como se lê na referida reportagem, as instâ ncias governamentais querem “tratar” o professor.
Haverá medicaçã o para os gestores e as famı́lias e deste modo os problemas serã o solucionados? O
problema da Educaçã o deve ser curado pela Medicina? E o papel da Psicologia, da Sociologia, da pró pria
Educaçã o e suas teorias, sobretudo relativas à inclusã o, em nada contribui para o enfrentamento dos
problemas observados na escola?
Enfim, esses questionamentos sã o sem dú vida de extrema importâ ncia para o avanço do processo
de inclusã o e entendemos que tanto a Psicologia como a Educaçã o tê m um grande papel nesse processo,
ao passo que poderã o oferecer contribuiçõ es para a compreensã o das relaçõ es complexas e conflitantes
envolvendo o processo de inclusã o e tentar promover melhores condiçõ es de trabalho e desenvolvimento
aos sujeitos envolvidos, como professores, alunos, gestã o, entre outros.

Notas de fim de texto


I ‑ Brasil. Polı́tica Nacional de Educaçã o Especial na Perspectiva da Educaçã o Inclusiva. 2008. Ministério da
Educaçã o. Disponı́vel em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/ pdf/politica.pdf Acesso em: 3/3/2009.

125
II ‑ Camisã o IFF. Percepçã o dos professores do ensino bá sico acerca da inclusã o edu‑ cativa de alunos com
necessidades educativas especiais [Dissertaçã o de mestrado]. Braga, Portugal: Universidade do Minho, Instituto
de Educaçã o e Psicologia; 2004. 159p.

III ‑ Ciampa AC. A estó ria do Severino e a histó ria da Severina: um ensaio de Psicologia Social. 4ª ed. Sã o
Paulo:Brasiliense;1994. p.248.

IV ‑ Freitas HCL. A (nova) polı́tica de formaçã o de professores: a prioridade postergada. Educ Soc.
2007;28(100):1203‑30.

V ‑ Freitas SN, Castro SF. Representaçã o social e educaçã o especial: a representaçã o dos professores de alunos
com necessidades educativas especiais incluı́dos na classe comum do ensino regular; 2004. Disponı́vel em:
http://educacaoonline.pro.br. Acesso em 29/8/2010.

VI ‑ Gomes C, Rey FLG. Inclusã o escolar: representaçõ es compartilhadas de profissionais da educaçã o acerca da
inclusã o escolar. Psicol Ciênc Prof. 2007;27(3):406‑17.

VII ‑ Jornal Folha de Sã o Paulo. A cada dia, um professor se licencia por dois anos. 2010. Disponı́vel em: http://
www1.folha.uol.com.br/saber/739498‑a‑cada‑dia‑um‑professor‑ se‑licencia‑por‑dois‑anos.shtml.

VIII ‑ Luna IN, Baptista LC. Identidade profissional: prazer e sofrimento no mundo do trabalho. Psicol Rev.
2001;12(1):39‑51.

IX ‑ Moysés MA, Collares CAL. O lado escuro da dislexia e do TDAH. In: Meira MEM, Tleski S; Facci M, org.
Exclusã o e inclusã o: falsas dicotomias. Sã o Paulo:Casa do Psicó ‑ logo;2009. p.42.

X ‑ Papalia DE. Desenvolvimento humano. Por‑ to Alegre:Artmed;2000. p.684.

XI ‑ Rey FG. Sujeito e subjetividade. Sã o Paulo:Thomson;2003. p.290.

XII ‑ Saviani D. Formaçã o de professores: as‑ pectos histó ricos e teó ricos do proble‑ ma no contexto brasileiro.
Rev Bras Educ. 2009;14(40):143‑55.

XIII ‑ Souza VLT. As interaçõ es na escola e seus significados e sentidos na formaçã o de valores [Tese de
Doutorado]. Sã o Paulo:Pontifı́cia Universidade Cató lica de Sã o Paulo, Faculdade de Educaçã o;2004. 284p.

XIV ‑ Vygotsky LS. Obras completas. Tomo Cinco. Cuba: Editorial Pueblo y Educació n;1995. p.304.

XV ‑ Vitalino CR. Aná lise da necessidade de pre‑ paraçã o pedagó gica de professores de cursos de licenciatura
para inclusã o de alunos com necessidades educacionais especiais. Rev Bras Educ Espec. 2007;13(3):399‑414.

126
A proposta da educação inclusiva: contribuições da abordagem vygotskiana e da
experiência alemã

Hugo Otto Beyer26

Resumo

O artigo enfoca a temá tica da inclusã o escolar. Inicia com consideraçõ es pertinentes à abordagem
precoce de Lev Vygotski sobre tal questã o. Verifica‑se que Vygotski, muito antes das atuais idé ias que
fundamentam a concepçã o da educaçã o inclusiva, já articulava conceitos semelhantes. O texto passa, a
seguir, a historiar a educaçã o inclusiva no sistema alemã o, ao longo de trê s dé cadas (70 a 90). Na dé cada
de 70, iniciam‑se os primeiros movimentos rumo ao conceito de inclusã o escolar, poré m, de forma
localizada. Decisivo, neste momento, é a recomendaçã o do Conselho Alemã o de Educaçã o, em 1973, da
educaçã o comum de crianças com e sem necessidades especiais. A dé cada de 80 registra o
amadurecimento das discussõ es e experiê ncias da inclusã o escolar, em que se soma uma variedade de
posiçõ es (favorá veis e contrá rias) de educadores alemã es. A dé cada de 90 apresenta o abrandamento das
posiçõ es mais radicais, enquanto se abrem espaços para debates menos tensos e mais frutı́feros. Wocken
(2003) expõ e princı́pios importantes da educaçã o inclusiva. Uma opiniã o a destacar é a de Speck (1996),
que vai alertar para o nã o desmantelamento da educaçã o especial, já que tem espaço importante no
atendimento das crianças com necessidades educacionais especiais. Neste sentido, deve‑se refletir sobre
os avanços verificados na educaçã o especial, particularmente na idé ia da inserçã o da educaçã o especial
na educaçã o regular. Recomenda‑se que nã o sejam tomadas medidas precipitadas frente aos novos ventos
da educaçã o inclusiva, sob pena de ‑ conforme a pará bola bı́blica ‑ romperem‑se os odres novos pela
pressã o do vinho velho.

Palavras‑chave: educaçã o inclusiva; perspectivas e experiê ncias.

Introdução

Com este artigo, busco abordar aspectos pertinentes à discussã o em torno da proposta da educaçã o
inclusiva. Para tanto, analiso as consideraçõ es de alguns autores, primeiramente o pensamento de Lev S.
Vygotski, por entender que este autor russo considerou precocemente idé ias que hoje fundamentam uma
concepçã o de educaçã o inclusiva. Em seguida, dou atençã o a autores da pedagogia alemã que analisam a
trajetó ria da educaçã o especial em relaçã o aos conceitos e experiê ncias da inclusã o escolar, aproveitando,
para tanto, o acesso contı́nuo que tenho tido a esta bibliografia27. A aná lise será ponteada por perspectivas
que destacam, por um lado, a necessidade de uma educaçã o inclusiva, apresentando, poré m, algumas idé ias
que buscam ressalvar o cuidado que se deve ter nas decisõ es e açõ es dentro desta proposta.

26 26Doutor em Educaçã o pela Universidade de Hamburgo, Alemanha ‑ Professor Adjunto da Faculdade de Educaçã o da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul ‑ [email protected]
27 Realizei meu Doutorado no Instituto de Educaçã o Especial da Faculdade de Educaçã o da Universidade de Hamburgo, Alemanha, e desde
entã o (1992) tenho feito trocas com educadores de algumas universidades alemã s (Hamburgo, Berlim, Dortmund e Leipzig), o que tem
facilitado minhas aná lises e atualizaçã o quanto ao desenvolvimento das experiê ncias de inclusã o escolar neste paı́s. No texto acima, utilizarei
as expressõ es inclusã o escolar e educaçã o inclusiva como equivalentes conceituais, cabendo destacar que na Alemanha a expressã o usada é
integraçã o escolar (Integrationspä dagogik), poré m conforme o paradigma da educaçã o inclusiva. Para alguns autores, dentre eles Wocken, a
mudança de conceito poderia acarretar uma situaçã o de confusã o nos meios educacionais pela consagraçã o histó rica do termo integraçã o
naquele paı́s.

127
Vygotski e a educação inclusiva

Começo este item com uma pequena histó ria ocorrida por ocasiã o da defesa do projeto de mestrado
de uma orientanda. Compuseram a Banca Examinadora, alé m do orientador, duas professoras, uma da
casa e outra convidada. No decorrer dos comentá rios desta ú ltima, ao posicionar‑se frente ao trabalho
de Vygotski (um dos autores considerados no projeto), fez a seguinte afirmaçã o, que deixou a todos (quem
sabe, muito mais a mim e à orientanda) estupefatos: “Vygotski foi um anti‑inclusivista!”28
Quem sabe numa tentativa de resposta a esta colega, nã o resisti, no princı́pio deste artigo, à
tentaçã o de iniciá ‑lo com a seguinte citaçã o do “anti‑inclusivista” Vygotski (1997, p. 84, 85, 93):
Sem dú vida, a escola especial cria uma ruptura sistemá tica do contato com o ambiente normal,
aliena o cego e o situa num microcosmo estreito e fechado, onde tudo está adaptado ao defeito,
onde tudo está calculado por sua medida, onde tudo lhe recorda. Este ambiente artificial nã o
tem nada em comum com o mundo normal no qual o cego deve viver. Na escola especial se cria
muito prontamente uma atmosfera insalubre, um regime de hospital. O cego se move dentro do
estreito â mbito dos cegos. Neste ambiente cego. Por sua natureza, a escola especial é anti‑social
e educa a anti‑sociabilidade., tudo alimenta o defeito, tudo fixa o cego em sua cegueira e o
“traumatiza” precisamente nesse ponto. [...] o que é mais importante, é que a escola especial
acentua aquela “psicologia do separatismo” – segundo uma expressã o de Scherbina –, que por
si só é forte no Nã o devemos pensar em como se pode isolar e segregar quanto aos cegos da
vida, senã o em como é possı́vel incluı́‑los o mais cedo e diretamente na mesma. O cego tem que
viver uma vida em comum com os videntes, para o que deve estudar na escola comum. Por
suposto que certos elementos do ensino e da educaçã o especiais devem conservar‑se na escola
especial ou introduzir‑se na escola comum. Poré m, como princı́pio, deve ser criado o sistema
combinado da educaçã o especial e comum [...] A outra medida consiste em derrubar os muros
de nossas escolas especiais. [...] O ensino ‘especial’ deve perder seu cará ter “especial” e entã o
passará a ser parte do trabalho educativo comum. Deve seguir o rumo dos interesses infantis. A
escola auxiliar, criada apenas como ajuda à escola normal, nã o deve romper nunca nem em
nada (cursivo no original) os vı́nculos com ela. A escola especial deve tomar com freqü ê ncia por
um perı́odo aos atrasados e restituı́‑ los de novo à escola normal. Orientar‑se pela norma,
desterrar por completo tudo o que agrava o defeito e o atraso – este é o objetivo da escola. Nã o
deve ser vergonhoso estudar ali e sobre suas portas nã o deve estar escrito: ‘Perdei toda
esperança os que aqui entrais’.29

No texto acima Vygotski se refere à pessoa cega, poré m nã o seria uma interpretaçã o fora de
contexto deduzir‑se a possibilidade de ampliar seu pensamento, quanto à importâ ncia da inclusã o
escolar, para todas alunos com necessidades especiais. Com esta citaçã o de Vygotski, passo a algumas
consideraçõ es referentes à sua abordagem sobre esta temá tica.
A forma mais apropriada de se dimensionar o pensamento de Vygotski, em relaçã o à s
consideraçõ es sobre a inclusã o escolar de crianças com necessidades especiais, dá ‑se a partir do seu
pensamento social. Alguns interpretam que a teoria só cio‑histó rica foi construı́da por Vygotski a partir
da sua experiê ncia docente com crianças com tais necessidades. Ele entendia que estas pessoas nã o se
diferenciavam qualitativamente das ditas normais. Pelo contrá rio, os significados culturais
permaneceriam como referê ncia comum para os sujeitos sociais. Decisivas seriam, entretanto, as formas
de acesso e apropriaçã o dos significados culturais, resultando em semâ nticas individuais ou sentidos
particulares dos mesmos.
Conforme explicitado no capı́tulo 3 (Acerca de la psicología y la pedagogía de la defectividad infantil)
do volume V das Obras Escogidas, nã o haveria diferença essencial na estrutura psı́quica e na forma de

28Evidentemente, à é poca de Vygotski nã o havia debate algum a respeito de concepçõ es de uma educaçã o integradora ou inclusiva. Poucas
dé cadas depois da sua morte tal debate surgiu. Poré m, algumas das idé ias de Vygotski, particularmente as que expõ e ao longo do capı́tulo V
das suas Obras Escolhidas, sã o francamente favorá veis e identificadas com as idé ias que embasam o conceito de educaçã o inclusiva. Julgo que
a professora acima, ao definir Vygotski como um “anti‑inclusivista”, está interpretando equivocadamente o pensamento deste autor nas idé ias
que o aproximam deste conceito.
29 Traduçã o livre do texto original, em espanhol.

128
aprendizagem entre pessoas cegas ou surdas e as normais. O cego teria condiçã o de alfabetizaçã o e
conseqü ente domı́nio da leitura e da escrita como as pessoas videntes, apenas que atravé s de outro
recurso de escrita, representado pelo có digo braille. Para Vygotski, mais importante do que os signos
seria a possibilidade do acesso aos significados, podendo este se dar atravé s dos mais variados signos, ou
caminhos de apropriaçã o dos significados. Por que isto seria tã o importante para Vygotski? Porque desta
maneira o indivı́duo estaria estabelecendo uma circularidade constante com os significados sociais, tese
de fundamental importâ ncia para seu pensamento, já que seria desta forma que a criança passaria de ser
biológico para ser social, capaz de construir estruturas mentais complexas.
Assim, quando ele analisa a situaçã o de pessoas privadas, por contingê ncias as mais variadas, da
possibilidade do acesso aos significados culturais, perpetuar tais privaçõ es seria o derradeiro handicap, e
nã o os pró prios estados orgâ nicos (sı́ndromes, deficiê ncia mental, deficiê ncia visual, surdez, etc.). A partir
desta abordagem, pode‑se compreender porque para Vygotski era fundamental que se promovesse as
condiçõ es mais plenas de acessibilidade e trâ nsito social para crianças potencialmente ameaçadas de
segregaçã o ou nã o interaçã o com os significados culturais do grupo social. Por isso, sua ê nfase tã o clara
na importâ ncia de espaços escolares e sociais o menos demarcados institucionalmente – caso contrá rio,
potencialmente segregadores – para crianças com necessidades especiais.
Assim, Vygotski afirma que o lugar mais legı́timo para todas as crianças, també m as com
necessidades especiais, é na escola regular. A escola especial correria o risco de perpetuar a cultura do
déficit, em que os significados das identidades – individuais e sociais – encontrar‑se‑iam ou em um estado
de acentuada difusidade, ou velados – por atitudes de superproteçã o, comiseraçã o, rejeiçã o, etc. També m
seria inadequada a imposiçã o de modelos, valores ou referê ncias culturais, que nã o viabilizassem ao
sujeito sua pró pria sı́ntese cultural.
Uma segunda razã o para Vygotski defender a importâ ncia da convivê ncia social das crianças com
necessidades especiais em situaçõ es de heterogeneidade e de riqueza de trocas sociais está no pró prio
fundamento de sua teoria só cio‑histó rica, ou seja, é precisamente na amplitude das relaçõ es
interpsicológicas que a criança encontrará solo fé rtil para o desenvolvimento das estruturas do
pensamento e da linguagem. Imagine‑se o que significaria a convivê ncia predominante da criança em
situaçõ es grupais de homogeneidade, em escolas ou classes especiais, em termos da idé ia acima.
Possivelmente os horizontes de aprendizagem e de terminalidade escolar sejam tã o restritos para alunos
com necessidades especiais devido exatamente ao estabelecimento de cı́rculos homogê neos de
convivê ncia escolar. As idé ias ‑ defendidas por Vygotski tã o prematuramente ‑ que apontavam para o
conceito da inclusã o escolar propunham prevenir tal situaçã o.
Vygotski, autor russo, nã o tinha um olhar provinciano, encerrado na educaçã o geral e especial em
seu paı́s, poré m costumava analisar outras realidades, tais como a norte‑americana e, particularmente,
a europé ia (teve uma intensa troca cientı́fica com os psicó logos da Gestalt alemã ). Evidentemente, o fazia
de forma crı́tica. Em dado momento de seus escritos, analisou a educaçã o especial alemã , definindo‑a
como acentuadamente influenciada por um pensamento pedagó gico clı́nico‑terapê utico. Passo, assim, a
dar consideraçã o à educaçã o alemã e suas interfaces com a proposta da inclusã o escolar. No final deste
artigo retorno ao trabalho de Vygotski, traçando alguns paralelos com a evoluçã o histó rica nas propostas
de educaçã o inclusiva na Alemanha.

129
Uma breve análise da progressão histórica das experiências e reflexões sobre a
inclusão escolar na Alemanha

A dé cada de 70

Particularmente a partir da dé cada de 70, as vozes em prol de uma nã o separaçã o das pessoas com
necessidades especiais tornaram‑se cada vez mais fortes na Alemanha, atravé s das iniciativas dos pais,
dos movimento estudantis e das experiê ncias no exterior (Estados Unidos, paı́ses escandinavos e Itá lia).
Determinados autores apontavam para a necessidade do esforço para uma mais efetiva inclusã o social
das pessoas com necessidades especiais, como, por exemplo, Heinz Bach o faz poeticamente (apud
GEHRMANN, 1999, p. 45,46):
Da proteçã o para a emancipaçã o, da tutela para a autonomia da separaçã o para a inclusã o, da
segregaçã o para a inserçã o da restriçã o para a expansã o, do estreitamento para a abertura da
dissimulaçã o para a informaçã o, do preconceito para o esclarecimento da intuiçã o para a
reflexã o, da sensibilidade para a razã o.

Gradualmente, em decorrê ncia dos esforços de emancipaçã o, da auto‑ consciê nciae do movimento
de pais, a forma de encarar a deficiê ncia, acompanhando as discussõ es a nı́vel internacional, começou a
sofrer mudanças, passando‑se a ver a deficiê ncia nã o mais de forma unidimensional, como caracterı́stica
individual, poré m, també m, demarcada socialmente.
Assim, durante a dé cada de 70, o conceito de deficiê ncia deixou de representar uma situaçã o
individual imutá vel, passando‑se a considerar a condiçã o de ensino e aprendizagem das pessoas com
necessidades especiais. O conceito de talento ou inteligê ncia dinâ mica, a partir da discussã o das relaçõ es
entre aparato gené tico e condiçõ es de aprendizagem, influenciou significativamente a prá tica escolar.
A discussã o atingiu inicialmente a escola de ensino fundamental. Assim, no final da dé cada de 60
e no inı́cio da de 70, aumentou o nú mero de vozes crı́ticas que reclamavam a ausê ncia da inclusã o de
crianças e adolescentes socialmente em desvantagem no sistema escolar. Alguns pensadores, dentre eles
Hans Eberwein (em 1973, apud GEHRMANN, 1999), denunciaram o aumento dos “guetos” sociais das
pessoas com deficiê ncia, resultando na pequena convivê ncia de alunos com e sem deficiê ncia na escola
regular (cerca de 8% do nú mero total).
Como resultado desse processo de pressã o, apó s 3 anos de trabalho, o Conselho Alemã o de
Educaçã o, no ano de 1973, publicou uma recomendaçã o ‑ sob o tı́tulo “Sobre o apoio pedagó gico de
crianças e adolescentes com deficiê ncia” ‑ que apontava para a educaçã o comum, tanto quanto possı́vel,
de todas as crianças. O presidente da comissã o de educaçã o especial do mesmo conselho, Jakob Muth,
chamou a atençã o, em um artigo no ano de 1973, para a necessidade de que os alunos sem necessidades
especiais aprendessem como conviver com os alunos com necessidades. Isso seria possı́vel atravé s da
criaçã o de espaços comuns de experiê ncia e de açã o, apontando para a inclusã o escolar. Muth (apud
GEHRMANN, 1999, p. 52) nomeou, no total, sete condiçõ es que deveriam apoiar a situaçã o de inclusã o
escolar:
1. Reconhecimento precoce de deficiências;
2. conteúdos pedagógicos especiais em todos os cursos de formação de professores;
3. educadores especiais devem ser preparados para atuação em campos mais amplos que apenas o ensino na
escola especial;
4. arranjo mais versátil da sala de aula;
5. determinação mais flexível do número de alunos na sala de aula conforme cada escola;

130
6. recursos materiais disponíveis na sala de aula para o atendimento individual e diferenciado dos alunos;
7. diminuição da pressão sobre o desempenho.

O chamado feito pelo Conselho Alemã o de Educaçã o despertou, sem dú vida, a atençã o nos meios
pedagó gicos para a discussã o sobre a nã o segregaçã o social e escolar de crianças e adolescentes com
necessidades especiais, sendo que na mesma é poca discussõ es semelhantes, no sentido da reforma do
sistema escolar, estavam ocorrendo em outros paı́ses, tais como os escandinavos, a Inglaterra e a Itá lia.

A dé cada de 80

A discussã o da dé cada de 70 alcançou seu alto ponto no final da dé cada de 80. As experiê ncias de
outros paı́ses quanto à inclusã o serviram de inspiraçã o, poré m, també m, de crı́tica ao sistema escolar
alemã o. As publicaçõ es durante a segunda metade da dé cada de 80 levantavam questõ es em torno da
criaçã o de classes de inclusã o, da cooperaçã o entre professores do ensino fundamental e da escola
especial, sobre a formaçã o superior e continuada de professores. Expressõ es vigentes como
“normalizaçã o”, “autonomia”, “integraçã o” e “nã o segregaçã o” sã o complementadas atravé s do conceito
de “pedagogia da integraçã o”, a polarizaçã o “heterogeneidade (diversidade) versus homogeneidade” e
“objetivos comuns e diferenciados de aprendizagem.”
A discussã o dos anos 80 alternou‑se entre vozes a favor e contra a idé ia da educaçã o inclusiva, por
um lado, os defensores, por outro, os defensores radicais ou os crı́ticos severos, os quais, na maior parte
do tempo, criticavam‑se reciprocamente. A partir do exemplo da inclusã o na Itá lia, muitos educadores
alemã es buscaram conhecer a experiê ncia naquele paı́s.
Autores importantes, tais como Wolfgang Jantzen, Georg Feuser e Jutta Schö ler, a partir de uma
abordagem marxista (REICHMANN, 1984), voltaram seu apoio à s idé ias inclusivistas e passaram a tecer
crı́ticas ao sistema escolar e seu status quo. Na opiniã o desses autores, a segregaçã o das pessoas com
deficiê ncia contradiz o direito à igualdade entre os seres humanos e exige, portanto, uma justificativa. Na
opiniã o de Preuss‑Lausitz (em 1981, apud GEHRMANN, 1999), o fechamento das escolas especiais
conduziria a uma intensificaçã o dos conflitos polı́ticos e, com isso, a maiores transformaçõ es sociais. O
mesmo autor (em 1986, apud GEHRMANN, 1999) entende que o sistema de educaçã o especial encontra‑
se em situaçã o de fragmentaçã o, e fala em uma “crise de legitimaçã o” das escolas e instituiçõ es especiais.
Para ele, o problema central já nã o é mais paradigmá tico, poré m de natureza pragmá tica:
Pode‑se concluir que os defensores do sistema especial de ensino nã o se sustentam mais em
razõ es teó ricas, poré m sobretudo em razõ es ‘pragmá ticas’ para a defesa do sistema como se
encontra: as classes regulares muito numerosas, situaçõ es frontais de ensino em sala de aula,
os medos dos professores, dificuldades materiais e té cnicas. (apud GEHRMANN, 1999, p. 57)

Outra autora, Deppe‑Wolfinger (em 1985, apud GEHRMANN, 1999), aponta parao fato de que o
Estado busca que conflitos sociais ‑ que buscam desestabilizar o sistema educacional e seus status quo
–, tais como a pressã o provocada pelos pais de crianças com necessidades especiais, os educadores que
buscam promover as experiê ncias de inclusã o, os sindicatos e partidos polı́ticos (no caso da Alemanha,
o Partido Verde), sejam superados. Isto o Estado faz por meio de polı́ticas educacionais reacioná rias,
destacando valores tais como a fidelidade, a disciplina, a obediê ncia, a adaptaçã o, o patriotismo, etc., ou
atravé s de prá ticas isoladas de inclusã o escolar que nã o contribuem para movimentos de reforma
educacional ou para a construçã o de novos princı́pios de ensino.
Jantzen (em 1981, apud GEHRMANN, 1999) destaca també m o receio que os professores engajados
na reforma do sistema educacional especial e nas experiê ncias de inclusã o, nesta dé cada na Alemanha,

131
demonstravam no sentido da repressã o e perseguiçã o profissional. Preuss‑Lausitz (em 1988, apud
Gehrmann, 1999) enfatiza que a crise no sistema educacional relaciona‑se com o fato da separaçã o entre
moral e educaçã o ou a formaçã o numa sociedade (supostamente) democrá tica. A dicotomia entre o
padrã o de vida social e individual e a segregaçã o do/da diferente/ diferença deve ser reconhecida como
responsabilidade da sociedade moderna. Deve‑ se buscar um melhor equilı́brio, assim, entre a igualdade
(ou justiça social) e a diferença ou diversidade na sociedade.
Feuser (em 1981, apud GEHRMANN, 1999) considera como desumana a comiseraçã o inó cua com
pessoas com deficiê ncia tanto quanto sua exclusã o social, já que impossibilitam o acesso à s mesmas
chances de participaçã o social que os demais cidadã os. Ao contrá rio, defende a construçã o de alternativas
democrá ticas que pressionem o sistema ideoló gico que separa e exclui essas pessoas. Ele afirma (em
1982, apud GEHRMANN, 1999, p. 59, 60):
A inclusã o nã o é um estado que se alcança de uma só vez, poré m constitui um processo social
que deve se renovar continuamente [...] A mera convivê ncia de pessoas com e sem deficiê ncia
nã o significa inclusã o, poré m é um primeiro e necessá rio passo em direçã o à sua concretizaçã o.

Feuser chega a admitir que a proposta da educaçã o inclusiva deve superar a pergunta de quais
crianças devem ou nã o ser incluı́das, concluindo que todas as crianças com necessidades especiais podem
ser incluı́das. Questionado sobre a utopia de seu pensamento, ele responde:
A escola de ensino fundamental nunca será por si mesma uma escola para todos. Ela terá que
criar esta situaçã o em cada hora de ensino, em cada situaçã o de aprendizagem. [...] A escola de
ensino fundamental como escola para todas as crianças exige a coragem e a força de pensar,
hoje, o inimaginá vel, e logo amanhã realizar o pensado. (em 1984, apud GEHRMANN, 1999, p.
60)

Para ele o paı́s chamado Utopia deve existir ao menos em nossas cabeças, senã o nã o teremos um
futuro que poderá ser chamado de humano.
Sander (em 1990, apud GEHRMANN, 1999, p. 61), outro autor de fundamental importâ ncia na
pedagogia alemã , afirma:
A inclusã o escolar deve ser considerada como um todo complexo e contı́nuoentrecruzado por
vá rios componentes do sistema escolar, do sistema educacional e do sistema social e polı́tico. A
inclusã o escolar pressupõ e uma intervençã o planejada no desenvolvimento do sistema
educacional, uma intervençã o que se oponha à s tendê ncias de segregaçã o, conforme
observadas no sistema ‘natural’, buscando‑se, assim, preservar o cará ter particular do sistema
‘humano’.

Muth fala de uma responsabilidade pedagó gica, enquanto Sander de uma responsabilidade
humana, que os educadores tê m ou devem ter em relaçã o ao ser humano. Para Muth, tal responsabilidade
encontra espaço de realizaçã o na proposta de escolas inclusivas, nã o mais como meras experiê ncias de
inclusã o, poré m como princı́pio reconhecido e motivador para uma reforma do sistema educacional.
Esses autores defendem a busca de apoio polı́tico, visando a ampliaçã o da proposta do ensino
comum de crianças com e sem necessidades especiais. Neste sentido, as transformaçõ es parecem menos
dependentes da sua possibilidade pedagó gica do que da sua viabilidade polı́tica. A realidade alemã , neste
aspecto, inverte‑ se da brasileira, onde possuı́mos uma “tradiçã o paternalista”, de tutela do Estado.
Espera‑se as medidas governamentais, sem que os grupos sociais interessados (professores, pais e
escolas) pressionem para a tomada de decisã o bem como busquem formas eficazes para operacionalizar
a proposta da inclusã o escolar.
No espectro de posiçõ es dos autores citados, poderı́amos agrupar Muth e Sander como teó ricos de

132
uma posiçã o humanista (de tradiçã o é tico‑religiosa), Jantzen, Feuser e Preuss‑Lausitz como
representantes da tradiçã o marxista, acrescentando‑se o nome de Hans Eberwein, com uma abordagem
socioló gica.
A crı́tica de Eberwein volta‑se contra a escola de ensino fundamental que nunca se abriu para se
tornar uma escola para todos (conforme pretendia a Constituiçã o de Weimar de 1920), bem como contra
o sistema de educaçã o especial, que, para ele, constituiu‑se num erro histó rico. Para Eberwein, a escola
de ensino fundamental prende‑se a um modelo de normalidade, em que as dificuldades dos alunos sã o
taxadas de distú rbios de aprendizagem. Ele defende uma abordagem antropoló gica do processo de
aprendizagem e das possı́veis dificuldades do aluno, passando estas a serem consideradas nã o mais como
fenô menos patoló gicos.
Eberwein destaca a ı́ntima relaçã o entre polı́tica e educaçã o, sendo que importantes sã o as
transformaçõ es sociais que se fazem necessá rias para que as desvantagens dos alunos com necessidades
especiais sejam devidamente trabalhadas. E (em 1988, apud GEHRMANN, 1999, p. 66) complementa:
A inclusã o nã o é um problema das crianças, poré m um problema do nosso pensamento
polı́tico‑pedagó gico, de nossa tomada de consciê ncia, de nossas atitudes, de nosso quadro de
ser humano. Nó s devemos considerar a nã o segregaçã o de determinadas crianças como uma
tarefa humana, educacional e só cio‑polı́tica. A idé ia da inclusã o deve ser primeiramente
aprimorada na cabeça dos educadores.

A dé cada de 90

Sob influê ncia da crescente discussã o sobre as polı́ticas educacionais de inclusã o escolar na
Alemanha e em outros paı́ses europeus, aumentou o nú mero daqueles que na Alemanha engajaram‑se
em favor da proposta da educaçã o inclusiva.
A seguinte lista dá uma idé ia das á reas em que a inclusã o estava sendo discutida, bem como alguns
dos seus principais representantes: teorias da aprendizagem e do desenvolvimento; diagnóstico ‑ Georg
Feuser; Anne Hildeschmidt; Reimer Kommann; Alfred Sander; desenvolvimentos de leis e políticas
educacionais; história da inclusão ‑ Alfred Sander; Irmtraud Schnell; Jutta Schö ler; didática; didática por
área; métodos de ensino ‑ Dieter Dumke; Andreas Hinz; Sabine Knauer; Almut Kö bberling; Gisela Kreie;
Rainer Maikowski; Jutta Schö ler; Hans Wocken; formação de professores e formação continuada ‑ Hans
Eberwein; Ulrich Heimlich; Peter Heyer; Hans Meister; questões de ética; teorias sociológicas e de
formação ‑ Helga Deppe‑Wolfinger; Urs Haeberlin; Annedore Prengel; Wolfgang Jantzen; Ulf Preuss‑
Lausitz; Helmut Reiser.
Os ú ltimos anos tê m revelado um abrandamento nas posiçõ es radicais a favor e contra a inclusã o,
e uma tendê ncia para uma discussã o mais aberta. O papel da educaçã o especial, quanto à sua capacidade
de colaborar nas experiê ncias de inclusã o, tem sido discutido e analisado com mais intensidade.
E importante o destaque feito ao encontro de Salamanca, na Espanha, em 1994, tendo como
resultado a Declaraçã o de Salamanca, com claro apelo ao atendimento de alunos com necessidades
especiais nas escolas regulares. No mesmo ano, ocorreram dois novos impulsos na direçã o da ê nfase na
educaçã o inclusiva: (1) a ampliaçã o da constituiçã o alemã , na defesa dos direitos das pessoas com
necessidades especiais, e (2) as recomendaçõ es do Conselho Federal de Educaçã o e Cultura, no sentido
do atendimento pedagó gico de alunos com necessidades especiais nas escolas regulares.
As discussõ es direcionaram‑se no sentido de que o envio de crianças para escolas especiais deveria
ocorrer apenas com suficiente justificativa dos especialistas. Muitos pais de crianças com necessidades
especiais posicionaram‑se com mais clareza contra qualquer forma de segregaçã o (escolar, social, etc.).

133
A mudança paradigmática na reflexão pedagógica

Em relaçã o à s mudanças paradigmá ticas, deve ser considerado o entendimento pedagó gico em
relaçã o à inclusã o escolar. Aqui ocorre um “desafio paradigmá tico”, ou seja, abandonar a orientaçã o
secular da educaçã o especial no sentido do dé ficit (Defizitorientierung), poré m com uma idé ia acanhada
sobre qual direçã o tomar. Aconcepçã o racionalista, orientada por um sistema de valores preocupado com
a mensuraçã o das deficiê ncias, teve como conseqü ê ncia a ê nfase no dé ficit. Durante a dé cada de 70, a
deficiê ncia passou a ser concebida como resultado de uma relaçã o entre seres humanos, o que significou
o rompimento com um modelo mé dico, com sua concepçã o ontologizante.30
Posicionando‑se contra esta concepçã o, Muth critica o fato de que pessoas com deficiê ncia sejam
postas na periferia do mundo dos nã o‑deficientes. A separaçã o escolar tem sua continuidade na vida
adulta. Nada marca mais a pedagogia do que o quadro fragmentado de ser humano que os pedagogos
possuem. Necessita‑se de um quadro da integralidade da vida humana.
Feuser (apud SPICHER, 1998, p. 92) deixa claro que esse novo quadro integral do ser humano nã o
tem efeito apenas sobre as pessoas com necessidades especiais, poré m també m sobre as pessoas ditas
normais:
A inclusã o nã o significa apenas que deixem de existir a segregaçã o e o preconceito das pressõ es
sociais negativas contra pessoas com deficiê ncia, poré m també m a ruptura com a atrofia psı́quica
praticada pelos ditos normais [...] a partir dos parâ metros dominantes de normalidade e desempenho.
Trê s pontos principais emergem desta afirmaçã o:
1. A inclusão significa a suspensão da separação e segregação social das pessoas com necessidades especiais.
Apenas transformações sociais estruturais podem fazer com que pessoas com e sem necessidades
especiais convivam, sendo que na idade escolar isso significa a inclusão escolar.
2. Também a inclusão significa a ruptura com uma “atrofia psíquica”, causada pela expectativa de níveis de
desempenho e normalidade. Os valores e a integralidade humana repousam sobre um critério de
complementaridade interna. Pode‑se falar aqui de uma intangibilidade do valor humano, que ficaria, em
princípio, incólume a critérios valorativos de desempenho e de normalidade.
3. A separação social das pessoas com necessidades especiais pode ser entendida, assim, como produto de
uma estrutura de consciência construída com base numa racionalidade voltada ao déficit, e que se
manifesta no controle dos desempenhos individuais e sociais.

Pode‑se apontar para o efeito contraditó rio ou paradoxal da tentativa de se proteger,


institucionalmente, as pessoas com necessidades especiais atravé s das escolas especiais, das oficinas
protegidas de trabalho, etc., o que acaba por provocar uma evidente segregaçã o social.

A educação inclusiva na perspectiva de Hans Wocken

Hans Wocken, professor catedrá tico no Instituto de Educaçã o Especial da Faculdade de Educaçã o
da Universidade de Hamburgo, é um dos principais pesquisadores e articuladores das experiê ncias de

30 A concepçã o ontologizante foca o indivı́duo. Toda a problemá tica da deficiê ncia e suas implicaçõ es psicossociais permanecem atreladas à
esfera individual – uma situaçã o que tem desdobramentos sociais é reduzida ao destino do indivı́duo e de sua famı́lia. Alé m disso, a mesma
situaçã o, atravé s de um processo de atribuiçã o social, transfere‑ se do â mbito funcional e adquire cará ter de comprometimento estrutural. A
pessoa, atravé s da sua limitaçã o ou deficiê ncia, recebe socialmente o “status” de deficiente.

134
inclusã o escolar na Alemanha. Hamburgo foi a segunda cidade, apó s Berlim, a desenvolver essas
experiê ncias. O Prof. Wocken foi seu principal gestor.
Para Wocken (2003), dois sã o os princı́pios imprescindı́veis para um mı́nimo sucesso nas situaçõ es
de inclusã o escolar:
• A individualizaçã o no processo de ensino‑aprendizagem Ela se dá através da individualizaçã o:
a) dos objetivos – propõe‑se a individualização de metas e desempenhos conforme as possibilidades de cada
criança.
b) b)dos métodos – não se pode esperar ou exigir que as crianças aprendam no mesmo ritmo e da mesma
maneira; os procedimentos pedagógicos devem se adequar às necessidades individuais de cada aluno.
c) a avaliação – é extremamente inadequado avaliar comparativamente os alunos; devem, antes, ser
avaliados em seu progresso individual, comparados consigo próprios. Herbart (apud WOCKEN, 2003)
escreveu: “O educador não compara seu educando com outros, porém este consigo mesmo. Não fica
satisfeito caso o educando fique aquém de suas possibilidades, e nem insatisfeito caso ele avance tanto
quanto se estimou que pudesse avançar.”

O sistema de bidocê ncia (Zwei‑Pädagogen‑System)

Uma das prá ticas mais importantes nas propostas alemã s de inclusã o escolar. Conforme Wocken
afirma, o sistema de bidocê ncia nã o é gratuito. Custa dinheiro, poré m é imprescindı́vel para garantir
condiçõ es bá sicas de bom atendimento pedagó gico aos alunos com necessidades especiais. Uma classe
inclusiva necessita de dois professores (e eventualmente um terceiro), devendo ser na maioria dos casos
um com formaçã o em educaçã o especial. Em geral há um professor com 1 hora diá ria por turma onde
houver alunos com dificuldades na aprendizagem, com dificuldades de comunicaçã o ou de conduta. Nas
classes em que houver alunos com deficiê ncia visual, auditiva, mental ou fı́sica haverá um terceiro
professor, poré m com 2 a 3 horas semanais de atendimento a esses alunos.
Segundo Wocken, a educaçã o especial que se estabelece dentro do processo histó rico da crescente
fundamentaçã o do projeto de educaçã o inclusiva, assenta‑se sobre quatro princı́pios fundamentais, a
saber, o princı́pio da comunalidade31, da necessidade, da proximidade e da adequaçã o.

O princı́pio da comunalidade

Significa simplesmente – definiçã o central da educaçã o inclusiva – a educaçã o conjunta de crianças


com e sem necessidades especiais. As escolas especiais existem como segunda e inadiá vel opçã o, nas
situações em que a criança não pode absolutamente prescindir de seus serviços. Permanece, poré m, o
cará ter subsidiá rio das escolas especiais: elas tê m sua existê ncia (ou racionalidade) justificada sempre
como espaço de apoio para as escolas regulares.

O princı́pio da necessidade

Possivelmente a este princı́pio a expressã o “necessidades educacionais especiais” ‑ do inglê s


“special educational needs” ‑ corresponda plenamente. As propostas de educaçã o inclusiva devem
empenhar‑se fundamentalmente na correspondência pedagógica suficiente às necessidades especiais dos

31“Comunalidade” foi a expressã o que formulei para “Gemeinsamkeit” no alemã o, e que significa ter coisas em comum, viver juntos,
compartilhar situaçõ es comuns, etc.

135
alunos, decorrentes de suas particularidades no aprender, nas escolas do sistema regular de ensino.
Para Wocken, é a resoluçã o dialé tica deste dois princı́pios que constitui um dos pilares da educaçã o
inclusiva. Esta nã o significa educar crianças com e sem necessidades especiais (princípio da
comunalidade) a qualquer custo, isto é , sacrificando o atendimento à s necessidades na aprendizagem de
determinados alunos que solicitam procedimentos pedagó gicos especı́ficos (princípio da necessidade).
Outro pilar se constitui dos princı́pios de proximidade e adequaçã o.

O princı́pio da proximidade

O atendimento das necessidades especiais de alunos com limitaçõ es estruturais e/ou funcionais,
decorrentes de situaçõ es ou etiologias as mais variadas, foi, talvez, o discurso ou ló gica de maior força
para sustentar a existê ncia das escolas especiais. Hoje, com a concepçã o de uma descentralização da
educação especial, ou da formataçã o desta como ramo subsidiário da educação regular, o princı́pio da
proximidade significa a aproximaçã o pedagó gica destes alunos em seu pró prio habitat, na comunidade
em que vive, no seu bairro, junto à sua famı́lia, numa escola comum compartilhada com as
demaiscrianças, etc.

O princı́pio da adequaçã o

Reiterando a afirmaçã o acima, o princı́pio da comunalidade nã o pode permitir a quebra do


princı́pio da adequaçã o, ou seja, propiciar a convivência das crianças com situações de vida as mais
diferentes no mesmo meio escolar não pode significar a não distinção da especificidade pedagógica. A
educaçã o especial subsidiá ria ou mó vel busca atender com competê ncia as crianças com necessidades
especiais onde elas se encontrarem, particularmente na escola regular. Conforme Wocken (2003, p. 14)
afirma com toda a clareza, “a educaçã o inclusiva nã o tem nada a ver com a negaçã o da educaçã o especial.”
A pergunta principal que se pode formular é como se pode estabelecer operacionalmente uma
educaçã o inclusiva que tenha as prerrogativas para atender alunos com variadas necessidades, desde as
deficiê ncias mais “tradicionais” até as situaçõ es mais peculiares limitadoras da aprendizagem, tais como
a hiperatividade e os “tradicionais” distú rbios de aprendizagem (disgrafias, dislexias, etc.)? Duas formas
de resposta podem ser estabelecidas.
A primeira anuncia a necessidade do serviço de educaçã o especial na escola regular, evitando‑se,
entretanto, toda vinculaçã o explı́cita com determinada criança, para prevenir qualquer tipo de
estigmatizaçã o. O suporte pedagó gico da educaçã o especial configura‑se como serviço escolar,
institucional, e não como atendimento clínico (ou terapêutico).32
A segunda forma é atravé s de centros de apoio (Förderzentren), que talvez em nosso contexto
podem ser compreendidos como salas de integraçã o e recursos (embora pareçam muito mais mó veis e
presentes na escola regular do que as SIRs brasileiras). Para Wocken, tais centros devem ser compostos
de equipe interdisciplinar, reunindo educadores especiais, e outros profissionais em tempo parcial
(psicopedagogo, psicó logo, fonoaudió logo, fisioterapeuta, mé dico, etc.).
Os educadores especiais devem trabalhar com as crianças com necessidades especiais (em sala de

32 Eimportante aqui resgatar o comentá rio de Glat (2003) no sentido do cuidado em evitar uma “herança clı́nico‑ mé dica” que os educadores
especiais podem “legar” à s escolas regulares, caso chamados a assessorar experiê ncias de inclusã o escolar. Glat, no mesmo texto (p. 4), cita
Bueno, que alerta para as dificuldades dos professores do ensino especial em “contribuir com o trabalho pedagó gico desenvolvido no ensino
regular, na medida em que tê m calcado e construı́do sua competê ncia nas dificuldades especı́ficas do alunado que atende.”

136
aula, em situaçã o extra‑classe, etc.) e para as crianças (com a famı́lia, preparando os materiais
pedagó gicos, trabalhando com a comunidade, etc.). Os centros de apoio constituem‑se, assim, em centros
de competência pedagógica que realizam trabalho de apoio à s situaçõ es de inclusã o escolar, envolvendo‑
se diretamente com e nas escolas regulares. Ocupam um espaço fı́sico normalmente em uma das escolas
regulares da regiã o (estrategicamente escolhida pela facilidade de acesso à s demais escolas), indo às
crianças em seus espaços escolares cotidianos.
Wocken pergunta, de forma provocativa, se as escolas especiais ainda existentes nã o se tornarã o,
a curto ou mé dio prazo, em centros de apoio, convertendo‑ se em espaços institucionais a serviço da
educaçã o inclusiva.

O contraponto de Otto Speck

Speck, em sua abrangente obra System Heilpädagogik: Eine ökologisch reflexive Grundlegung
(1996)VIII, apresenta consideraçõ es interessantes no sentido do contraponto necessá rio à s idé ias (e
prá ticas) da inclusã o escolar.
Inicialmente, entende que, atravé s da proposta da inclusã o escolar, os cursos de formaçã o em
educaçã o especial podem sofrer um processo de esvaziamento. A radicalidade da idé ia da desconstruçã o
dos sistemas (formativos, educativos, etc.) de educaçã o especial, Speck levanta a pergunta, onde ou como
se erigirã o conhecimentos que possam atender adequadamente as necessidades educacionais e
educativas que alunos com deficiê ncia e com dificuldades na aprendizagem apresentam? Conforme
Zavalloni (apud SPECK, p. 64), na Itá lia já se lastima a falta de educadores especiais com conhecimentos
especı́ficos.
Speck acrescenta, fazendo um trocadilho, de que “sem identidade de á rea nã o se pode realizar uma
identificaçã o especializada”IX (p. 65), referindo‑se ao esvaziamento profissional que pode sofrer o
desmantelamento da á rea de conhecimento educaçã o especial, caso os referenciais teó ricos e
instrumentais, construı́dos ao longo de dé cadas de prá tica e reflexã o, sejam desprezados e, por fim,
abandonados. Nem mesmo a individualização do atendimento do aluno com necessidades especiais pode
garantir a provisã o do apoio pedagó gico, já que faltariam os conhecimentos especializados.
O mesmo autor relata algumas das experiê ncias de inclusã o realizadas na Itá lia na dé cada de 80.
Interpreta que, por desconsiderarem as referê ncias teó ricas e instrumentais da educaçã o especial,
acabaram provocando reclamaçõ es sobre a ineficiê ncia dos professores para lidar com alunos com
necessidades especiais, resultando tal situaçã o na reivindicaçã o de que se restaurasse as estruturas
especializadas que existiam antes do desmantelamento do sistema de educaçã o especial.
Speck (1996, p. 66) acrescenta à sua aná lise o seguinte comentá rio:
Uma conseqü ê ncia particularmente fatal de uma ‘pedagogia da integraçã o’ institucionalizada
poderia ser que ela se estabelecesse junto à s já existentes especializaçõ es da educaçã o
especial , de forma que se concluiria que questõ es referentes à integraçã o de crianças com
deficiê ncia seriam de responsabilidade da ‘pedagogia da integraçã o’, poré m nã o de cada uma
das especializaçõ es daeducaçã o especial. Caso, por exemplo, uma ‘pedagogia da deficiê ncia
mental’ se orientasse igualmente de maneira integradora – de outra forma ela nã o é legı́tima –
ela acabaria por se chocar com a á rea correlata da ‘pedagogia da integraçã o’. Deve ser colocado
de um modo bastante claro, que qualquer teoria da educaçã o especial somente pode se
legitimar como uma teoria integradora. Assim, uma pedagogia da integraçã o somente pode
surgir como parte ou dimensã o da respectiva educaçã o especial. Dito de outra maneira: a
educaçã o especial como uma pedagogia integral sempre é també m uma pedagogia da
integraçã o. Uma ‘pedagogia da integraçã o’ como mera oposiçã o a uma á rea pedagó gica
especializada evidencia‑se como uma mera negaçã o ideoló gica.

137
Ou seja, conforme este autor, toda açã o da educaçã o especial deve legitimar situaçõ es de inclusã o
escolar e social. Uma educaçã o especial que queira, igualmente, ser uma educaçã o integral dos alunos
com necessidades educacionais nã o se legitima pela criaçã o de espaços segregados, poré m pela
promoçã o do intercâ mbio entre os alunos e o grupo social.
Levanto as seguintes questõ es, que me parecem recorrentes nas idé ias trazidas pelo autor acima:
• Para incluir na escola é necessá rio ou imperativo abolir o sistema da educaçã o especial, ou é exatamente
a tarefa de incluir que legitima a permanência desse sistema?
• Em outras palavras, a proposta de uma educaçã o inclusiva significa a erradicaçã o gradual da educaçã o
especial?
• Em decorrência, há uma incompatibilidade entre a educaçã o regular e a educaçã o especial, ou é possı́vel
e, mais ainda, estrategicamente importante o desenvolvimento de pontes de intercâ mbio entre as mesmas?
Estas questõ es nos levam a refletir com cuidado sobre as abordagens contemporâ neas de inserçã o
(ou erradicaçã o?) da educaçã o especial nas modalidades da educaçã o regular. Recomenda‑se que nã o
sejam tomadas medidas precipitadas frente aos novos ventos da educaçã o inclusiva, sob pena de,
conforme a pará bola bı́blica, romperem‑ se os odres novos pela pressã o do vinho velho.

Considerações finais

O que há de comum entre as posiçõ es defendidas e emergentes na Alemanha ao longo das trê s
dé cadas (70 a 90) e a abordagem de Vygotski?
Destaco em primeiro lugar a defesa, principalmente por parte dos pais e dos educadores engajados,
da nã o segregaçã o escolar dos alunos com necessidades especiais. Da vontade de pais e alguns
professores de que as crianças nessas condiçõ es viessem a participar dos espaços escolares comuns a
todas as crianças iniciaram‑se as primeiras experiê ncias de inclusã o escolar. O primeiro ponto comum
com o pensamento de Vygotski recai sobre sua ê nfase na necessidades de espaços sociais o menos
demarcados pela noçã o do déficit ou da deficiê ncia. Para ele, a escola especial pode ter a “especial
habilidade” em fazer sobressair esta noçã o e praticar uma pedagogia corretiva ou terapê utica, com
resultados limitados caso se considere a relevâ ncia da progressã o escolar para as crianças com
necessidades especiais. Ao contrá rio, os pais e os educadores devem mobilizar‑se no sentido da promoçã o
de espaços escolares o menos segregados, sendo que a melhor proposta é a freqü ê ncia destes alunos na
escola regular, pensamento compartilhado por Vygotski (confira cap. 3, 1ª Parte, e p. 213, 3ª Parte, do
Vol. V das Obras Escogidas).
Em segundo lugar, os debates, particularmente ao longo da dé cada de 80 e no inı́cio da dé cada de
90, ganharam nı́tido acento polı́tico. E interessante esta constataçã o, pois a partir da segunda metade da
dé cada de 80 as experiê ncias de inclusã o escolar, realizadas nos diferentes estados alemã es, já ganhavam
reconhecimento na comunidade escolar e acadê mica, havendo um certo consenso sobre o acerto
pedagó gico dessas experiê ncias. Assim, era mais do que hora de pressionar a legislaçã o educacional para
que contemplasse com certa prioridade o projeto da educaçã o inclusiva.
A busca da interface da experiê ncia escolar com a mudança polı́tica aponta para a necessidade do
envolvimento da sociedade – cidadã os, famı́lias, representantes de classes e gestores das polı́ticas
educacionais – no processo de mudança paradigmá tica, da educaçã o segregada dos alunos com
necessidades especiais para o projeto polı́tico‑ pedagó gico da educaçã o inclusiva. O envolvimento da
comunidade e da sociedade aponta para o fato social como fundamental para que as micromudanças no
espaço escolar ganhem amparo polı́tico e legitimaçã o social. També m em Vygotski o fato social é condiçã o

138
bá sica tanto para as aprendizagens individuais como para o acesso das pessoas com necessidades
especiais à vida cultural (acesso aos signos culturais), esta ú ltima fundamental para seu desenvolvimento
psicossocial.
Por ú ltimo, nã o posso deixar de considerar como no pensamento vygotskiano é importante a
possibilidade de que a criança conviva com outras crianças em situaçõ es diferenciadas no
desenvolvimento e na aprendizagem. Vygotski é claramente contrá rio à constituiçã o homogê nea dos
grupos de crianças nas escolas especiais, em que estas sã o alijadas da oportunidade de convivê ncia com
outras crianças com nı́veis diversos de desenvolvimento. E exatamente esta possibilidade que pode servir
de elemento compensador para as crianças com necessidades especiais.
As possı́veis mediaçõ es decorrentes da convivê ncia de crianças em situaçõ es as mais variadas, do
ponto de vista intelectual, afetivo, social e da aprendizagem, constituem o fator diferencial para o
enriquecimento de todas elas. As ê nfases nas experiê ncias alemã s de inclusã o escolar, de ruptura com os
espaços escolares que segregam as crianças, nivelando‑as por princı́pios de normalidade ou de
deficiê ncia, e de resgate da convivê ncia e aprendizagem entre crianças com situaçõ es diferenciadas,
aproximam‑se bastante do conceito vygotskiano de mediaçã o e convivê ncia das crianças em grupos
heterogê neos.
Lev Vygotski foi um pensador adiantado em seu tempo (como, aliá s, costuma acontecer com os
grandes pensadores), sendo que alguns dos seus mais importantes conceitos, voltados para a criança com
necessidades especiais e sua aprendizagem informal e formal, verificam‑se atuais nas experiê ncias e
reflexõ es em torno da proposta da educaçã o inclusiva, que hoje se fazem em vá rios cantos do mundo,
també m na Alemanha e no Brasil.

Referências
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Lassalista. Canoas: Centro Universitá rio La Salle, 05 a 07/ 11/2003.

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Gruppendiskussionen mit Lehrerinnen und Lehrern zur Theorie und Praxis der Integration von Menschen mit
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Nebenwissenschaften. Fulda: Jarick Oberbiel Verlag, 1984.

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Regelschule. Aachen: Verlag Mainz, Wissenschaftsverlag, 1998.

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WOCKEN, H. Die Zukunft der Sonderpä dagogik. Texto completo no CD do III Congresso Internacional Lassalista.
Canoas: Centro Universitá rio La Salle, 05 a 07/11/ 2003.

Notas de fim de texto


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periodicos.unoesc.edu.br/roteiro/article/view/27221. Acesso em: 22 fev. 2025.

II ‑ BEYE. O. A proposta da educaçã o inclusiva : contribuiçõ es da abordagem vygotskiana e da experiência alemã .


Revista brasileira de educaçã o especial. Marı́lia, SP. Vol. 9,n. 2 (jul./dez. 2003), p. 163‑179. Disponı́vel em:

139
https://lume.ufrgs.br/handle/10183/20994. Acesso em: 22 fev. 2025.

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só cio‑histó rica. Revista Semestral da Associaçã o Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 14,
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IV ‑ BARROCO, S. M. S.; TADA, I. N. C. Contribuiçõ es histó rico‑culturais à Psicologia Escolar na Educaçã o Especial
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VIII ‑ SANTOS, T.. D. CONTRIBUIÇOES DA PERSPECTIVA SOCIO‑HISTORICO‑ CULTURAL PARA A EDUCAÇAO


ESPECIAL. REVELLI ‑ Revista de Educaçã o, Linguagem e Literatura (ISSN 1984‑6576), Ago. 2022, v. 14 (2022).
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MS v.1 n.2 p. 181 ‑ 194 jul./dez.2010. Disponı́vel em: https://dialnet.unirioja.es › descarga › articulo/
3694587.pdf. Acesso em: 22 fev. 2025.

XI ‑ ACUNA, J. T. Psicologia na educaçã o especial: revisitando os anais do conedu. Anais IX CONEDU... Campina
Grande: Realize Editora, 2023. Disponı́vel em:<https://editorarealize.com.br/artigo/visualizar/98177>. Acesso
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XII ‑ DAINEZ, D.; SMOLKA, A. L. B.; SOUZA, F. F. DE .. A DIMENSAO CONSTITUTIVA DO MEIO: IMPLICAÇOES
POLITICAS E PRATICAS EM EDUCAÇAO ESPECIAL. Educaçã o & Sociedade, v. 43, p. e256418, 2022. Disponı́vel
em: https://doi.org/10.1590/ES.256418. Acesso em: 22 fev. 2025.

XIII ‑ 13‑BARBOSA, E. T.; SOUZA, V. L. T. de. A vivência de professores sobre o processo de inclusã o: um estudo da
perspectiva da Psicologia Histó rico‑Cultural. Rev. psicopedag., Sã o Paulo , v. 27, n. 84, p. 352‑362, 2010 .
Disponı́vel em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103‑ 84862010000300005
&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 22 fev. 2025.

140
Estratégias pedagógicas de inclusão escolar: um apoio das tecnologias

Luciane Inocente 33
Angélica Tommasini 34
Ana Sara Castaman 35
Andréia Mendiola Marcon 36

Resumo

O presente trabalho trata das estraté gias pedagó gicas. Entende‑se que estas facilitam o processo
de ensino e de aprendizagem. Assim, esta pesquisa tem por finalidade refletir sobre as estraté gias
pedagó gicas para a inclusã o escolar, a partir do apoio das tecnologias. A metodologia empregada remete
a uma pesquisa bibliográ fica, por meio de autores que discorrem sobre esta temá tica. Pretende‑se em
um primeiro momento uma aproximaçã o teó rica de como as estraté gias pedagó gicas podem auxiliar na
inclusã o escolar; em um segundo momento como o uso das tecnologias facilitam as prá ticas pedagó gicas
inclusivas. E, por fim, aborda‑se exemplos de ferramentas/estraté gias pedagó gicas tecnoló gicas utilizadas
nas escolas. Conclui‑se que a inclusã o é uma necessidade que implica em um esforço de atualizaçã o e
reestruturaçã o das condiçõ es de infraestrutura e pedagó gicas da maioria das escolas brasileiras. Para
uma efetiva implementaçã o do modelo inclusivo na educaçã o, faz‑se necessá ria uma profunda
reorganizaçã o escolar, que vai alé m da aceitaçã o e respeito do estudante, como també m no uso de
estraté gias de ensino nas prá ticas pedagó gicas, a partir das tecnologias. Atualmente, com o crescente
desenvolvimento da tecnologia, surgem ferramentas tecnoló gicas digitais que tornam os ambientes de
aprendizagem em espaços interativos, em que o professor assume o papel de mediador do conhecimento,
estimulando o estudante a ser pensante e inovador, criador e construtor de sua pró pria aprendizagem.
Considera‑se assim, a tecnologia como uma ferramenta educacional de modo a contribuir com processos
educacionais inclusivos auxiliando os docentes nas suas prá ticas pedagó gicas.

Palavras‑chave: Estraté gias de ensino e aprendizagem; tecnologias; inclusã o escolar.

Introdução

A temá tica da inclusã o escolar vem sendo amplamente discutida nos ú ltimos anos. Trata‑se de uma
exigê ncia legal que perpassa a Lei n. 9.394 de Diretrizes e Bases da Educaçã o Nacional em 1996 (BRASIL,
1996), as Diretrizes Nacionais para a Educaçã o Especial na Educaçã o Bá sica (BRASIL, 2001) e també m
pela Polı́tica Nacional de Educaçã o Especial na Perspectiva da Educaçã o Inclusiva (BRASIL, 2008), entre
outros documentos que permitem, norteiam e consolidam o debate.

33Pó s‑graduanda em Teorias e Metodologias da Educaçã o, Pó s‑graduada em Gestã o de Pessoas. Graduada em Administraçã o – Habilitaçã o em
Comé rcio Exterior. Estudante do curso de Formaçã o Pedagó gica de Docentes para a Educaçã o Bá sica e Profissional. Bolsista do Projeto de Produçã o
de Material didá tico‑Pedagó gico de Apoio ao Docente. Instituiçã o: Instituto Federal de Educaçã o, Ciê ncia e Tecnologia Rio Grande do Sul – Campus.
Sertã o. E‑mail: [email protected].
34Pó s‑Graduada em Gestã o Social: Polı́ticas Pú blicas, Redes e Defesa de Direitos. Graduada em Serviço Social. Estudante do curso de Formaçã o
Pedagó gica de Docentes para a Educaçã o Bá sica e Profissional – IFRS – Campus Sertã o (RS). Bolsista do Projeto de Produçã o de Material Didá tico‑
Pedagó gico de Apoio ao Docente. E‑ mail: [email protected].
35 Doutoraem Educaçã o pela UNISINOS/RS. Docente do IFRS – Campus Sertã o (RS). Lı́der do Grupo de Pesquisa de Polı́ticas Pú blicas e Formaçã o de
Professores para a Educaçã o Bá sica e Profissional. E‑mail: [email protected].
36 Mestre em Linguı́stica pela UPF/RS. Graduada em Pedagogia e Docente do IFRS ‑ Campus Sertã o (RS). E‑ mail: [email protected]

141
Assumimos o conceito de Educaçã o Inclusiva (EI), a partir de Rodrigues (2007, p.35):
[...] um modelo educacional que promove a educaçã o conjunta de todos os alunos,
independentemente das suas capacidades ou estatuto socioeconó mico. A EI tem por objetivo
alterar as prá ticas tradicionais, removendo barreiras à aprendizagem e valorizando as
singularidades dos alunos.

Na Conferê ncia Internacional da UNESCO realizada em Genebra em 2008 (UNESCO, 2008),


apresentou‑se um conceito de inclusã o escolar pautado em quatro linhas principais: 1. A Inclusã o é um
processo sempre inacabado de encontrar maneiras melhores de responder à diversidade; 2. A Inclusã o
diz respeito à identificaçã o e remoçã o de barreiras; 3. A Inclusã o refere‑se à presença, participaçã o e
sucesso de todos os alunos; 4. A Inclusã o implica uma ê nfase particular nos grupos de alunos que se
encontram em risco de marginalizaçã o, exclusã o ou insucesso. A inclusã o escolar objetiva favorecer
quanto ao acesso, a participaçã o e ao processo de ensino e aprendizagem dos estudantes, de modo
colaborativo. No que concerne ao processo de ensino e aprendizagem há orientaçõ es que fundamentam
as escolas para possibilitar o mesmo. Neste caso, sugere‑se estraté gias pedagó gicas sejam elas de cunho
tecnoló gico ou nã o para orientar a prá tica escolar e facilitar a construçã o do conhecimento. Atualmente,
as tecnologias assistivas tê m se constituı́do como uma mola propulsora para a efetivaçã o de prá ticas
pedagó gicas que promovam a construçã o do conhecimento.
Para tanto, este estudo de cunho bibliográ fico se baseia em autores que discorrem sobre o tema
contextualizado, sendo o objetivo deste texto refletir sobre as estraté gias pedagó gicas para a inclusã o
escolar, a partir do apoio das tecnologias. O texto está dividido em trê s momentos acrescidos de
introduçã o e consideraçõ es finais. Na introduçã o elabora‑se uma sucinta contextualizaçã o do conceito
assumido pelas autoras no texto acerca da inclusã o escolar e uma breve apresentaçã o do trabalho. No
primeiro momento deste estudo aborda‑se à s estraté gias pedagó gicas como facilitadoras da inclusã o
escolar. No segundo momento discute‑se o uso das tecnologias na construçã o de prá ticas pedagó gicas
inclusivas. Já no terceiro momento deste estudo reflete‑se sobre o uso das tecnologias assistivas na
educaçã o inclusiva. E, por fim, realiza‑se as consideraçõ es finais deste estudo.

As estratégias pedagógicas enquanto facilitadoras da inclusão escolar

A educaçã o inclusiva objetiva atender as necessidades de todos. Sob este aspecto, no documento
Educaçã o Inclusiva verificamos que (BRASIL, 2004, p. 9), “A escola inclusiva é aquela que conhece cada
aluno, respeita suas potencialidades e necessidades, e a elas responde, com qualidade pedagó gica”. Deste
modo, entende‑se que as estraté gias pedagó gicas podem se constituir como um elemento facilitador da
inclusã o escolar e que, para tanto necessita‑se discutir e utilizar estas ferramentas de apoio para a
construçã o do conhecimento.
Neste contexto Carvalho (2004, p.19) alude, “[...] alé m de ‘praticada’, a educaçã o precisa ser
‘pensada’”. Assim, a prá tica pedagó gica necessita ser pensada, de modo a permitir que o processo de
ensino e aprendizagem se realize e que se construa uma educaçã o mais inclusiva. Mantoan (1997, p. 68)
destaca que “cabe à escola encontrar respostas educativas para as necessidades de seus alunos”; cabe à
escola responder à s problematizaçõ es sociais para se adaptar a realidade e ofertar uma educaçã o que
contemple toda a diversidade existente.
Para constituir uma educaçã o inclusiva necessitamos adequar os espaços escolares, adquirir e/ou
construir recursos didá ticos e pedagó gicos, entre outros, atentando à s necessidades educacionais dos
estudantes. Carvalho (2004, p.17) afirma que “[...] qualquer escola deve garantir a todos, oferecendo‑lhes

142
diferentes modalidades de atendimento educacional que lhe permitam assegurar‑lhes o ê xito na
aprendizagem e participaçã o.” Entendemos assim, que as estraté gias pedagó gicas podem compor um dos
elementos facilitadoras da inclusã o escolar, já que sã o meios utilizados pelos docentes na articulaçã o do
processo de ensino e aprendizagem, conforme cada atividade e resultado esperado. Utilizamos o conceito
de Anastasiou e Alves (2004, p.71) para caracterizar as estraté gias pedagó gicas: “As estraté gias visam à
consecuçã o de objetivos, portanto, há que ter clareza sobre aonde se pretende chegar naquele momento
com o processo de ensinagem”.
A escolha por determinada estraté gia de ensino e aprendizagem necessita levar em conta os
objetivos estabelecidos pelo docente e as habilidades a serem desenvolvidas em cada sé rie de conteú dos.
As estraté gias podem ser adaptadas, modificadas ou combinadas, conforme o docente julgar necessá rio.
Assim, as tecnologias podem apoiar ou servir como uma estraté gia de aprendizagem que venha a
construir ou facilitar a inclusã o escolar e suas prá ticas.

Uso das tecnologias no processo de construção de práticas pedagógicas inclusivas

As tecnologias tê m estado cada vez mais presentes na educaçã o e concordamos com Perrenoud
(2000, p.125), quando este afirma que “[...] a escola nã o pode ignorar o que se passa no mundo”, no
entanto a utilizaçã o das mesmas implica, em sua maioria, em um processo complexo. Ressaltamos a sua
complexidade, visto que sã o inú meros os obstá culos para o uso das tecnologias na educaçã o, apesar do
favorecimento e da modernizaçã o que estas ferramentas podem propiciar.
[...] as grandes repercussõ es da tecnologia trouxeram novos paradigmas cientı́ficos que por sua
vez vã o repercutir no modelo pedagó gico, na noçã o de educaçã o, na relaçã o entre educador e
educando, nos conteú dos e nas novas metodologias. [...] De um lado temos os recursos, a
racionalidade e a objetividade da tecnologia e do outro o homem, també m com seus recursos e
suas potencialidades que devem ser trabalhados e desenvolvidos. (GRINSPUN, 2009 p.27)

Os principais recursos tecnoló gicos existentes sã o: computadores; internet e ferramentas que
compõ em o ambiente virtual como chats e correio eletrô nico; fotografia e vı́deo digital; TV e rá dio digital;
telefonia mó vel; Wi‑Fi; Voip; websites e home pages; ambiente virtual de aprendizagem para o ensino a
distâ ncia, entre outros (TEIXEIRA, 2010). As tecnologias comportam processos organizados e
sistemá ticos que caracterizam diferentes conhecimentos cientı́ficos, empı́ricos e intuitivos, alé m disso
promovem as relaçõ es entre os seres humanos e o mundo e a construçã o de conhecimento.
Assim, as tecnologias necessitam ser integradas nas escolas para promover a construçã o de
conhecimento. Muitos espaços escolares já utilizam as tecnologias, conforme nos apresentam Zulian e
Freitas (2000, s/n),
[...] os ambientes de aprendizagem baseados nas tecnologias da informaçã o e da comunicaçã o,
que compreendem o uso da informá tica, do computador, da Internet, das ferramentas para a
Educaçã o a Distâ ncia e de outros recursos e linguagens digitais, proporcionam atividades com
propó sitos educacionais, interessantes e desafiadoras, favorecendo a construçã o do
conhecimento, no qual o aluno busca, explora, questiona, tem curiosidade, procura e propõ e
soluçõ es. O computador é um meio de atrair o aluno com necessidades educacionais especiais à
escola, pois, à medida que ele tem contato com este equipamento, consegue abstrair e verificar
a aplicabilidade do que está sendo estudado, sem medo de errar, construindo o conhecimento
pela tentativa de ensaio e erro.

Portanto, o uso das tecnologias nos espaços escolares nã o deve ser apenas uma utopia, mas sim
estar presente no cotidiano, em que todos estejam comprometidos com a utilizaçã o dos recursos
tecnoló gicos em prol da inclusã o escolar e empoderamento dos alunos. No capı́tulo a seguir tratamos das

143
tecnologias assistivas como uma das possibilidades para a efetivaçã o da educaçã o inclusiva.

Educação inclusiva mediada pelas tecnologias assistivas: as ferramentas mais utilizadas


nas escolas

As tecnologias assistivas tê m se constituı́do como uma das principais possibilidades de mediaçã o
da educaçã o inclusiva nas escolas, já que podem permitir a autonomia, a comunicaçã o, o empoderamento
e a inclusã o do estudante. Entende‑se que a tecnologia assistiva remete a qualquer recurso, produto ou
serviço que permita a participaçã o do estudante, neste caso, à s atividades escolares.
Tecnologia Assistiva é uma á rea do conhecimento, de caracterı́stica interdisciplinar, que engloba
produtos, recursos, metodologias, estraté gias, prá ticas e serviços que objetivam promover a funcionalidade,
relacionada à atividade e participaçã o de pessoas com deficiê ncia, incapacidades ou mobilidade reduzida,
visando sua autonomia, independê ncia, qualidade de vida e inclusã o social (CAT, 2007).
Bersch (2009, p. 22) relata que o serviço de tecnologia assistiva na escola:
[...] tem por objetivo prover e orientar a utilizaçã o de recursos e/ou prá ticas que ampliem
habilidades dos alunos com deficiê ncia, favorecendo a participaçã o nos desafios educacionais.
A tecnologia assistiva pode ser um recurso facilitador, um instrumento ou utensı́lio que
especificamente contribui no desempenho nas tarefas necessá rias e/ou desejadas e que fazem
parte dos desafios do cotidiano escolar. O serviço de tecnologia assistiva na educaçã o, portanto,
possui perfil propositivo e busca resolver as dificuldades dos alunos, encontrando alternativas
para que eles participem e atuem positivamente nas vá rias atividades propostas no currı́culo
comum.

Atualmente há uma sé rie de recursos e produtos de baixo custo ou nã o, simples ou complexos, que
podem ser disponibilizados em sala de aula, de acordo com as demandas educacionais de cada estudante,
tais como: suportes para visualizaçã o de textos ou livros, fixaçã o do papel ou caderno na mesa com fitas
adesivas, engrossadores de lá pis confeccionados de forma artesanal, substituiçã o da mesa por pranchas
de madeira ou acrı́lico fixadas na cadeira de rodas, entre outros.
Neste seguimento para a escolha das tecnologias assistivas devem ser levados em consideraçã o
alguns quesitos de identificaçã o das necessidades de atendimento especializado ao estudante. Há um
protocolo de avaliaçã o para implementaçã o de tecnologias assistivas conhecido como Processo Bá sico
de Avaliaçã o, foi criado pelo ATACP ‑ Assistive Technology Application Certificate Program do Center on
Disabilities da California State University de Northridge, EUA, neste protocolo existem dez fases36 para
implementaçã o de qual tecnologia assistiva utilizar para cada aluno.
Ao identificar a tecnologia assistiva que o estudante necessita se faz uma busca de ferramentas
tecnoló gicas que melhor se encaixam com este perfil, sendo assim, a tecnologia assistiva qualifica prá ticas
pedagó gicas voltadas a inclusã o. Destaca‑se que o uso das tecnologias assistivas no processo de ensino
e aprendizagem permite a exploraçã o de inú meras funçõ es cognitivas. Para Gonzá lez (2002, p.184‑185):
Na concepçã o do ensino como processo de comunicaçã o didá tica e nos centrando na interaçã o
comunicativa, sã o evidentes a versatilidade e acessibilidade dos meios audiovisuais e
informá ticos para a comunicaçã o e interaçã o social dos sujeitos com necessidades especiais.

O uso de tecnologias assistivas tê m como principal objetivo proporcionar uma vida mais

36 A. Coleta de informaçõ es do usuá rio; B. Identificaçã o de necessidades; C. Identificaçã o de resultados desejados; D. Mecanismos de
fortalecimento da equipe; E. Avaliaçã o das Habilidades; F. Seleçã o/confecçã o e teste de recursos; G. Revisã o dos resultados esperados; H.
Compra de recurso; I. Implementaçã o de TA; J. Seguimento e acompanhamento constante. (BERSCH; PELOSI, 2006, p.11)

144
independente e autô noma para as pessoas com deficiê ncia ou com alguma limitaçã o. Nesse contexto, as
tecnologias assistivas assumem um modelo biopsicosocial, integrando profissionais de diversas á reas de
conhecimento para juntos atender todas as necessidades dos estudantes, de modo a permitir o processo
de ensino e aprendizagem e desenvolver alunos de diferentes limitaçõ es com eficá cia.
Para Bersch (2009), todos os alunos com deficiê ncia precisam ter garantias e incentivos de
aprendizados, com a aplicaçã o da tecnologia assistiva estes terã o igualdade de conhecimento no contexto
escolar. A tecnologia assistiva se propõ e a romper as barreiras externas que impedem a atuaçã o e
participaçã o das pessoas com deficiê ncia em atividades e espaços de seu interesse e necessidade.
Cada vez mais os professores precisam se preparar na construçã o de recursos tecnoló gicos
apropriados, conforme as necessidades de seus estudantes. Para isso, a tecnologia assistiva necessita ser
inserida em salas de aulas para apoio, resoluçã o de problemas e estimular a criatividade do aluno.
Consideraçõ es finais
A educaçã o inclusiva visa à inclusã o social, e precisa acima de tudo, garantir a permanê ncia do
educando no sistema de ensino, respeitando a diversidade dos mesmos de maneira geral. No entanto, a
diversidade que a educaçã o pretende atender nã o pode ser estabelecida de uma forma absoluta, pelo
contrá rio, deve estar vinculada a uma aná lise da realidade social atual, levando em consideraçã o valores
predominantes, relaçõ es de poder e outros. Um dos seus princı́pios é dar uma maior atençã o à questã o
da diversidade, para que todos os alunos desenvolvam ao má ximo suas capacidades, respeitando ao
mesmo tempo suas caracterı́sticas individuais, mas é preciso diversificar os mé todos de trabalho e incluir
estraté gias pedagó gicas de inclusã o escolar, com o apoio das tecnologias.
Portanto, a tecnologia utilizada como ferramenta à inclusã o escolar, permite a abertura de
inú meras possibilidades ao docente/discente, para trabalhar com a diversidade, instigando a
comunicaçã o, corroborando no acesso a conteú dos e, principalmente, na construçã o de conhecimento.
As escolas devem identificar/disponibilizar recursos necessá rios para o desenvolvimento autô nomo dos
estudantes. Para tanto, os professores devem ser criativos quanto ao uso das estraté gias de aprendizagem
buscando o desenvolvimento do aluno em sua totalidade.
A tecnologia assistiva vem agregar o leque de estraté gias que o docente possui frente a realidade
educacional e inclusiva. A tecnologia assistiva amplia habilidades funcionais do aluno visando promover
a qualidade de vida e sua inclusã o escolar/social.

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www.ufsm.br/ce/revista/ceesp/2001/02/r5.htm. Acesso em: 18 jul. 2017.

146
Serviços de apoio: o atendimento educacional especializado e as salas de
recursos na concepção inclusiva

Dayane Rocha de Oliveira (G – UEMS )


Doracina Aparecida de Castro Araújo (UEMS)

Resumo

Ao discutir sobre a temá tica da inclusã o escolar, assunto que gera grande polê mica na atualidade,
nos deparamos com uma nova preocupaçã o, a necessidade de serviços de apoio para ajudar o
desenvolvimento do aluno com algum tipo de deficiê ncia, no ensino regular. Assim, essa visã o de que a
inclusã o é a mudança do sistema de ensino para atender o aluno com deficiê ncia, vai alé m das
transformaçõ es estruturais na escola, que englobam metodologia, currı́culo, avaliaçã o e espaço fı́sico. No
entanto, alé m dessas mudanças essenciais para o acolhimento do aluno com deficiê ncia no ensino regular,
fazem necessá rias outras mudanças, mudanças estas que abrangem as concepçõ es de serviço de apoio
essenciais para o processo de desenvolvimento do aluno, para que o mesmo obtenha sucesso no ambiente
escolar. Esse trabalho tem por objetivo apresentar o serviço de apoio denominado Atendimento
Educacional Especializado (AEE), e dentro dele explicar a funçã o da sala de recursos a partir da
concepçã o inclusiva, como um trabalho pedagó gico paralelo ofertado a esses alunos em horá rio diverso
ao da sala regular que freqü entam, objetivando o tipo de atendimento que ela deve oferecer, e
compreendendo as bases legais e pedagó gicas que fundamentam esse atendimento. Apontar e
caracterizar o Atendimento Educacional Especializado para as deficiê ncias mental, visual, fı́sica e para
pessoa com surdez, proporcionando assim um melhor esclarecimento da funçã o social e pedagó gica da
sala de recursos, sob o ponto de vista dos teó ricos defensores da educaçã o inclusiva.

Palavras‑chave: Educaçã o inclusiva. serviços de apoio. sala de recursos.

Introdução

A educaçã o inclusiva é um tema de grande discussã o na atualidade, aponta um novo olhar para a
reflexã o no que se refere à falta de apoio pedagó gico especializado, apoio este que promovam açõ es para
que de fato crianças com algum tipo de deficiê ncia tenham um bom desenvolvimento educacional, uma
autonomia sobre seu conhecimento, fazendo com que o espaço educacional nã o seja apenas um local de
socializaçã o. Deste modo, alunos com necessidades educacionais especiais muitas vezes nã o estã o no
â mbito escolar, por nã o encontrar escolas organizadas para receber a todos e fazer um bom atendimento.
A falta desse apoio pode també m favorecer com que essas crianças e adolescentes deixem a escola regular
depois de pouco tempo, ou permaneçam sem progredir para os pró ximos nı́veis de ensino, o que é uma
forma de desigualdade de condiçõ es de permanê ncia. A partir dessa nova visã o, notou‑se a necessidade
de apoios que favoreçam um desenvolvimento educacional pleno dos alunos portadores de necessidades
educacionais especiais, portanto, surge a necessidade de valorizar e organizar os serviços de apoio no
â mbito escolar.
Os serviços de apoio podem ser caracterizados sob diversos enfoques, por ser um serviço que
oferece suporte adequado aos professores e aos alunos, ele é indispensá vel para o bom andamento do
processo ensino‑aprendizagem. Este suporte traz uma infra‑estrutura de serviços que auxiliem/

147
promovam o processo de inclusã o, sejam como recursos financeiros para promover formaçã o profissional
e continuada, criar espaços de discussã o, ou atendimento de apoio dentro da sala de aula, apoio
pedagó gico para o professor ou atendimento especı́fico ao aluno com necessidades educacionais
especiais. E interessante ressaltar que inclusã o sem apoio, é favorá vel ao fracasso, pois se perde na
individualidade, em que cada qual no seu espaço resolve suas necessidades, este processo muitas vezes
descaracterizados indivı́duos e tornando‑os homogê neos, essas atitudes tê m como desculpa o processo
da inclusã o escolar (SILVA; MACIEL,2005). Ló gico que conceituaçã o da abordagem de uma educaçã o
inclusiva vai muito alé m de serviços de apoios, é uma visã o maior de educaçã o que visa qualidade para
todos. Contudo, o objetivo desse trabalho é caracterizar o serviço de apoio oferecido pelo Atendimento
Educacional Especializado (AEE), e dentro dele compreender o funcionamento das salas multifuncionais
ou de recursos, possibilitando a captaçã o dos aspectos legais e pedagó gicos que embasam esse
atendimento e quais especificidades de trabalhos que podem ocorrer segundo cada tipo de deficiê ncia.

A inclusão escolar e os serviços de apoio

A inclusã o escolar defende a educaçã o de qualidade para todos sendo que, para Pacheco (2007) é uma
educaçã o que prevaleça a igualdade de direitos, e para que a igualdade seja real, ela tem que ser relativa. Isto
significa que as pessoas sã o diferentes, tê m necessidades diversas e o cumprimento da lei exige que a elas
sejam garantidos seus direitos, e lhes proporcione condiçõ es apropriadas de atendimento à s suas
particularidades individuais, de forma que todos possam usufruir das oportunidades existentes no â mbito
educacional. Dessa forma há que se enfatizar aqui que tratamento diferenciado nã o se refere à instituiçã o de
privilé gios, e sim a disponibilizaçã o das condiçõ es exigidas, na garantia da igualdade. (MEC/SEESP/, 2004).
O ponto de discussã o desse trabalho é verificar a importâ ncia dos serviços de apoio para garantir
uma educaçã o de qualidade, pode‑se afirmar que os serviços de apoio, estã o garantidos nos direitos
referentes à educaçã o. Direitos que vã o alé m de estar na escola, e esse direito à educaçã o, sã o
apresentados por é Fá vero da seguinte forma:
O direito de todos à educaçã o tem peculiaridades: nã o é qualquer tipo de acesso à educaçã o
que atende ao princı́pio da igualdade de acesso e permanê ncia em escola (art. 206, I, CF), bem
como a garantia de Ensino Fundamental obrigató rio (art. 208, I, CF). Em se tratando de crianças
a adolescentes, principalmente, o seu direito à educaçã o só estará totalmente preenchido:

a)Se o ensino recebido visar ao pleno desenvolvimento da pessoa e ao seu preparo para o
exercı́cio da cidadania, entre outros objetivos (art. 205, CF).

b)Se for ministrado em estabelecimentos oficiais de ensino, em caso do ensino bá sico e
superior, nos termos da legislaçã o brasileira de regê ncia (CF, LDBEN, ECA e normas infralegais).
(2007, p.16).

Dessa forma os serviços de apoio estabelecem de fato aportes para educaçã o inclusiva, formando
entã o implementos para possibilitar a constituiçã o de uma identidade pró pria e do reconhecimento da
identidade do outro, refere‑se ao direito à igualdade e ao respeito à s diferenças, assegurando oportunidades
diferenciadas (eqü idade), tantas quantas forem necessá rias, com vistas à busca da igualdade (MEC/SEESP,
2001).
Para garantir a viabilidade de excussã o dos serviços de apoio é imprescindı́vel observar questõ es
sobre sua implantaçã o/implementaçã o, pois para que de fato esses serviços sejam realizados, sã o
necessá rias vá rias açõ es para que o mesmo se concretize, dessa forma:

148
[...] demanda discutir criticamente os mú ltiplos aspectos sobre educaçã o, ou seja, a concepçã o
dos professores sobre o processo de ensinar e o processo de aprender, sobre o sujeito que
aprende e como este sujeito aprende, sobre as dimensõ es do conhecimento, sobre o contexto
social, econô mico e cultural em que o aprendente e ensinante encontram‑se, entre outros
fatores. (SILVA; MACIEL, 2005, p.01)

Para validar essa afirmaçã o, vale ressaltar a Resoluçã o nº 2, do Conselho Nacional de Educaçã o/CNE/
CEB/2001, no Art. 1º. que “[...] institui as Diretrizes Nacionais para a educaçã o de alunos que apresentem
necessidades educacionais especiais, na Educaçã o Bá sica, em todas as suas etapas e modalidades” (BRASIL,
2001). Dessa forma, a Resoluçã o do Conselho Nacional de Educaçã o, entende a educaçã o especial,
modalidade da educaçã o escolar, como um processo educacional definido por uma proposta pedagó gica
que assegure recursos e serviços educacionais especiais, organizados institucionalmente para apoiar,
complementar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns, para que possa
garantir a educaçã o escolar e promover o desenvolvimento das potencialidades dos educandos que
apresentam deficiê ncia, possibilitando uma educaçã o de qualidade e levando o aluno a saber agir e usar o
conhecimento adquirido na escola, ser um ser social que atua sobre seu conhecimento e suas açõ es.
Só que, para Manton e Pietro “[...] fazer valer o direito à educaçã o para todos nã o se limita a cumprir
o que está na lei e aplicá ‑la, [...]” (2006, p.16), portanto, os serviços de apoio enfocam o desenvolvimento
das habilidades dos alunos para que os mesmo possam ter um bom desenvolvimento das suas
especificidades, para assim desenvolver sua autonomia educacional.

O Atendimento Educacional Especializado

O Atendimento Educacional Especializado (AEE), segundo Mantoan (2004), refere‑ se ao serviço


de apoio para melhor atender à s especificidades dos alunos com deficiê ncia, complementando a educaçã o
escolar e devendo estar disponı́vel em todos os nı́veis de ensino. A autora diz que a Constituiçã o admite
ainda que o atendimento educacional especializado deve ser preferencialmente oferecido na rede regular
de ensino, no entanto, també m pode ser oferecido fora da rede regular, já que é um complemento e nã o
um substitutivo do ensino ministrado na escola comum para todos os alunos. Ele deve ser oferecido em
horá rios distintos das aulas das escolas comuns, com outros objetivos, metas e procedimentos
educacionais. Suas açõ es sã o definidas conforme o tipo de deficiê ncia que se propõ e a atender. O AEE, é
de acordo com o MEC e a Secretaria de Educaçã o Especial, um serviço da Educaçã o Especial que identifica,
elabora e organiza recursos pedagó gicos e de acessibilidade, que eliminem as barreiras para a plena
participaçã o dos alunos, considerando as suas necessidades especı́ficas.
Fá vero (2007, p.15 ‑ 16) afirma que:
[...] o simples fato de referir a pessoas com deficiê ncia e seu direito à educaçã o faz com que
surja, de imediato, a noçã o de que é uma diferenciaçã o mais que valida, necessá ria de tã o
acostumados que todos estã o a identificar tais pessoas como titulares de um ensino especial.
[...] este verdadeiro desafio, que coloca em xeque o costume de associar pessoas com
deficiê ncia a um ensino diferente apartado, porque as soluçõ es que podem surgir disso, alé m de
garantir as pessoas co deficiê ncia o seu direito de igualdade, talvez seja uma contribuiçã o para
melhoria da qualidade de ensino em geral.

Pode‑se entã o compreender que de fato o AEE está garantido no direito, contudo nã o há prá ticas
de ensino especı́ficas para inclusã o, a nã o ser recursos que podem auxiliar os processos de ensino e de

37 A partir de agora, també m denominado AEE.

149
aprendizagem. O professor, de um modo geral, deve considerar as possibilidades de desenvolvimento de
cada aluno e explorar sua capacidade de aprender. Os alunos com deficiê ncias e condutas tı́picas, devido
à s suas particularidades, podem necessitar de estraté gias, açõ es e recursos diferenciados para que o seu
direito à educaçã o seja assegurado. O conjunto desses serviços també m é oferecido pelo Atendimento
Educacional Especializado, que devem ser organizados institucionalmente em escolas publicas, mas
podendo també m atender alunos de escolas particulares, atendendo alunos da educaçã o infantil, ensino
fundamental e ensino mé dio, para apoiar e complementar os serviços educacionais comuns de forma a
favorecer o desenvolvimento desses alunos. (BRASIL, 2007).
Portanto, o AEE complementa ou suplementa a formaçã o do aluno com vistas à sua autonomia e
independê ncia na escola e fora dela. E sob o ponto de vista da legalidade, um dos pontos de discussã o é
garantir a aplicaçã o da igualdade de acesso à educaçã o formal, assim entramos num dilema que é saber
[..] em qual hipó tese “tratar igualmente o igual e desigualmente o desigual”, fó rmula proposta
ainda na Antigü idade, por Aristó teles . A utilizaçã o da fó rmula aristoté lica, pura e
simplesmente, já demonstrou que, em certos casos, pode até configurar uma conduta
discriminató ria. Esta fó rmula, em razã o de sua sabedoria, jamais foi alterada, mas vem sendo
constantemente aprimorada. A doutrina e jurisprudê ncia existentes oferecem como soluçã o o
imperativo de tratamento igual para todos, admitindo‑se os tratamentos diferenciados apenas
como exceçã o e desde que eles tenham um fundamento razoá vel para sua adoçã o. (FAVERO,
2007, p.13)

Portanto, o AEE e um recurso educacional que propõ e estraté gias de apoio e complementaçã o
colocados à disposiçã o dos alunos com deficiê ncias e condutas tı́picas, proporcionando diferentes
alternativas de atendimento, de acordo com as necessidades educacionais especiais de cada aluno,
podendo assim de fato garantir o direito à educaçã o plena e de qualidade.
O Atendimento Educacional Especializado na forma de apoio representa os atendimentos que
favorecem o acesso ao currı́culo, podendo ser oferecidos dentro, como apoio ao professor relacionado a
estraté gias em sala de aula, ou fora da sala de aula no contraturno da escolarizaçã o no caso para atendimento
do aluno. Segundo Silva e Maciel (2005), o AEE na forma de complementaçã o representa um trabalho
pedagó gico complementar necessá rio ao desenvolvimento de competê ncias e habilidades pró prias nos
diferentes nı́veis de ensino, deve ser realizado o no contraturno da escolarizaçã o do aluno e se efetiva por meio
dos seguintes serviços: salas de recursos; oficinas pedagó gicas de formaçã o e capacitaçã o profissional.
Este estudo visa conhecer e compreender esse o Atendimento Educacional Especializado, no que
se refere ao atendimento na sala de recursos, e sobre essa ó tica o objetivo do AEE, é o de oferecer o que
nã o é pró prio dos currı́culos da base nacional comum, possuindo outros objetivos, metas e procedimentos
educacionais. “Suas açõ es sã o definidas conforme o tipo de deficiê ncia ou condutas tı́picas que se propõ e
a atender, bem como deve contemplar as necessidades educacionais especiais de cada aluno, as quais
devem estar fundamentadas na avaliaçã o pedagó gica” (SILVA; MACIEL, 2005, p.5).
O Atendimento Educacional Especializado nã o deve ser confundido com o reforço escolar nem
como atendimento clı́nico, ou como substituto dos serviços educacionais comuns. Ressalta‑se que a
escolarizaçã o dos alunos com deficiê ncias e condutas tı́picas deve ser um compromisso da escola e
compete à classe comum, que deve responder à s necessidades dos educandos com prá ticas que respeitem
as diferenças (SILVA; MACIEL, 2005). No que se refere a formaçã o do profissional para atuar na sala de
recursos, Silvia e Maciel dizem que o professor da sala de recursos deverá ter curso de graduaçã o, pó s‑
graduaçã o e/ou formaçã o continuada que o habilite para atuar em á reas da educaçã o especial para o
atendimento à s necessidades educacionais especiais dos alunos. Essa formaçã o é especı́fica para cada
deficiê ncia ou condutas tı́picas.

150
Portanto o AEE se valida, de acordo com Fá vero (2007), por ser um tratamento diferenciado, que
tem sede constitucional, e que nã o exclui as pessoas com deficiê ncia dos demais princı́pios e garantias
relativos à educaçã o. Assim, de acordo com a autora, o Atendimento Educacional Especializado será
vá lido somente se de fato levar o direito à educaçã o.

As salas de recursos

A sala de recursos é parte do Atendimento Educacional Especializado que propõ e à


complementaçã o do atendimento educacional comum, as atividades nesta sala devem ocorrer em horá rio
diferente ao turno do ensino regular, para alunos com quadros de deficiê ncias (auditiva, visual, fı́sica,
mental ou mú ltipla) ou de condutas tı́picas (sı́ndromes e quadros psicoló gicos complexos, neuroló gicos
ou psiquiá tricos persistentes) matriculados em escolas comuns, em qualquer dos nı́veis de ensino,
considerando‑se que na sala deve haver equipamentos e recursos pedagó gicos adequados à s
necessidades especiais, o agrupamento dos alunos deverá ocorrer por necessidades especiais
semelhantes e mesma faixa etá ria. De acordo com Fá vero (2007, p.17) elas garantem “o direito a
educaçã o, direito humano”, fundamental para o desenvolvimento social do aluno com necessidades
educacionais especiais.
No que se refere ao atendimento da sala de recursos, se resume ao nú mero de 15 a 20 alunos por
turma, sendo que o atendimento pode ser coletivo (até 08 alunos por grupo), devendo ser individualizado
quando o aluno demandar apoio intenso e diferenciado do grupo, atendimento organizado em mó dulos
de 50 minutos até 2 horas/dia; atendimento de alunos de vá rias escolas da regiã o (BRASIL, 2007).
Podemos concluir entã o que nã o é o aluno que tem que se adaptar à escola, mas é ela que, consciente da
sua funçã o, coloca‑se à disposiçã o do aluno, tornando assim a escola um espaço inclusivo. A educaçã o
especial, portanto, é concebida para possibilitar que o aluno com necessidades educacionais especiais
atinja os objetivos propostos para sua educaçã o no ensino regular (BRASIL, 2004).
A sala de recursos deve ser vista como um espaço organizado com materiais didá ticos, pedagó gicos,
equipamentos e profissionais com formaçã o para o atendimento à s necessidades educacionais especiais.
Esse espaço pode ser utilizado para o atendimento das diversas necessidades, assim, uma mesma sala
de recursos, pode ser organizada com diferentes equipamentos e materiais, tendo capacidade atender,
conforme cronograma e horá rios diferenciados, alunos surdos, cegos, com baixa visã o, com deficiê ncia
mental, com deficiê ncia fı́sica, com deficiê ncia mú ltipla ou com condutas tı́picas, desde que o professor
tenha formaçã o compatı́vel, alé m de també m poder promover apoio pedagó gico ao professor da classe
comum do aluno.
Nesse serviço complementar, implica abordar questõ es pedagó gicas que sã o diferentes das
oferecidas no ensino regular e que sã o necessá rias para melhor atender à s especificidades dos alunos
com necessidades educacionais especiais, para que os mesmos sejam ativos tanto na sala de aula regular
quanto em sociedade. Fica claro que a abordagem na sala de recursos nã o pode ser confundida com uma
mera aula de reforço (repetiçã o da prá tica educativa da sala de aula), nem com o atendimento clı́nico, tã o
pouco um espaço de socializaçã o. Reafirma‑se o cará ter pedagó gico desse atendimento, cujo objetivo é
suprir a necessidade do aluno, assegurando o direito de acesso a recursos que possam potencializar suas
capacidades, promover o seu desenvolvimento e aprendizagem e, conseqü entemente, levar o aluno à sua
pró pria emancipaçã o, garantindo, assim, uma plena convivê ncia social (MINAS GERAIS, 2005),
possibilitando a firmaçã o da proposta inclusivista, que é a de educar com qualidade, e promover o
princı́pio da eqü idade.

151
As salas de recurso segundo as especificidades das deficiências

A escola é entendida como espaço privilegiado da formaçã o global das novas geraçõ es, assim a
partir de tais condiçõ es, uma pessoa, precisa sem sombra de dú vida dessa convivê ncia. No entanto, no
sistema de ensino atual muitas vezes o que se encontra é um espaço segregador. Cabe entã o a escola atuar
e adotar uma abordagem inclusiva, em que de acordo com Arendt a educaçã o,
[...] é també m onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para nã o expulsá ‑las de
nosso mundo e abandoná ‑las a seus pró prios recursos e tampouco, arrancar de suas mã os a
oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nó s, preparando‑as, em vez
disso e com antecedê ncia, para a tarefa de renovar um mundo comum. (ARENDENT apud
MANTOAN, 2007, p. 45)

Dessa forma o Atendimento Educacional Especializado, como complemento e apoio escolar na


escola comum, visa oferecer oportunidades para os alunos com necessidades educacionais especiais, de
fazer valer o direito à educaçã o, mas nã o de apenas estar na escola, e de sim aprender també m.
Apontam‑se agora as caracterı́sticas do AEE, referente as deficiê ncias:

Referente a pessoa surdez

O Atendimento Educacional Especializado para alunos com surdez propõ e atividades que quebrem
barreiras lingü ı́sticas e pedagó gicas que interferem na inclusã o escolar dos alunos com surdez. Para
Dá mazo “[...] o trabalho com alunos com surdez no ensino regular, deve ser desenvolvido num ambiente
bilı́ngü e, isto é utiliza a Lı́ngua de Sinais e a Lı́ngua Portuguesa” (2007, p.15), assim para a autora o AEE
deve se caracterizar como um perı́odo adicional de horas diá rias de estudo.
Para alunos com surdez, o espaço do AEE deve oferecer um instrutor de LIBRAS (de preferê ncia
surdo) para os alunos que ainda nã o aprenderam essa lı́ngua, e cujos pais tenham optado pelo seu uso.
E necessá rio que o professor de Portuguê s e o professor de AEE em LIBRAS trabalhem em parceria com
o professor da sala de aula, para que o aprendizado do portuguê s escrito e de LIBRAS por esses alunos
sejam contextualizados.

Referente a deficiê ncia fı́sica

Para as pessoas com deficiê ncia fı́sica “[...] faz‑se necessá rio criar condiçõ es adequadas à sua
locomoçã o, comunicaçã o, conforto e segurança [...]” (BERSCH; MACHADO, 2007, p. 27). O AEE para
pessoas com deficiê ncia fı́sica busca promover essas premissas, sendo por adaptaçõ es estruturais dos
espaços fı́sicos, e també m açõ es como a adoçã o de recursos de comunicaçã o alternativa/aumentativa,
principalmente para alunos com paralisia cerebral e que apresentam dificuldades funcionais de fala e
escrita. A comunicaçã o alternativa/aumentativa contempla os recursos e estraté gias que
complementam ou trazem alternativas para a fala de difı́cil compreensã o ou inexistente (pranchas de
comunicaçã o e vocalizadores portá teis). Prevê ainda estraté gias e recursos de baixa ou alta tecnologia
que promovem acesso ao conteú do pedagó gico (livros digitais, softwares para leitura, livros com
caracteres ampliados) e facilitadores de escrita, no caso de deficiê ncia fı́sica, com engrossadores de
lá pis, ó rteses para digitaçã o, computadores com programas especı́ficos e perifé ricos (mouse, teclado,
acionadores especiais).

152
Referente à cegueira ou à deficiê ncia visual

No caso da deficiê ncia visual, o AEE deve ter o material didá tico necessá rio, como regletes, soroban,
alé m do ensino do có digo Braille e de promover ao aluno noçõ es sobre orientaçã o e mobilidade,
atividades de vida autô noma e social. Deve també m conhecer e aprender a utilizar ferramentas de
comunicaçã o, que por sintetizadores de voz possibilitam aos cegos escrever e ler, via computadores. E
preciso, contudo, lembrar que a utilizaçã o desses recursos nã o substituem os conteú dos curriculares e
as aulas nas escolas comuns de ensino regular. Os professores e demais colegas de turma desse aluno
també m poderã o aprender o Braille, assim como a utilizar as demais ferramentas e recursos especı́ficos
pelos mesmos motivos apresentados no caso de alunos surdos ou com deficiê ncia auditiva.
Sá , Campos e Silva (2007) acreditam que as expectativas e os investimentos dos educadores devem
ser os mesmos em relaçã o a todos os educandos. Os alunos com deficiê ncia visual e com baixa visã o tê m
as mesmas potencialidades que os outros, pois a deficiê ncia visual nã o limita a capacidade de aprender.
O AEE para deficiê ncia visual visa estraté gias de aprendizagem, procedimentos, meios de acesso ao
conhecimento e à informaçã o, bem como os instrumentos de avaliaçã o, devem ser adequados à s
condiçõ es visuais destes educandos. Neste sentido, o AEE busca um olhar para algumas prá ticas possı́veis
em um contexto ao mesmo tempo real e idealizado.

Referente à deficiê ncia mental

Os alunos com deficiê ncia mental, especialmente os casos mais severos, sã o os que forçam a escola
a reconhecer a inadequaçã o de suas prá ticas para atender à s diferenças dos educandos. De fato, as
prá ticas escolares convencionais nã o dã o conta de atender à deficiê ncia mental, em todas as suas
manifestaçõ es, assim como nã o sã o adequadas à s diferentes maneiras dos alunos, sem qualquer
deficiê ncia, abordarem e entenderem um conhecimento de acordo com suas capacidades (MINAS GERAIS,
2005). Essas prá ticas precisam ser urgentemente revistas, porque, no geral, elas sã o marcadas pelo
conservadorismo, sã o excludentes e inviá veis para os alunos que temos hoje nas escolas, em todos os
seus nı́veis. Alves salienta que atendimento para alunos com deficiê ncia mental na sala de recursos deve,
[...] ser realizadas as adequaçõ es necessá rias para participaçã o e aprendizagem desses alunos,
por meio de estraté gias teó rico‑metodoló gicas que lhes permitam o desenvolvimento cognitivo
e a apropriaçã o ativa do saber. As atividades tê m como objetivo o engajamento do aluno em um
processo particular de descoberta e o desenvolvimento de relacionamento recı́proco entre a
sua resposta e o desafio apresentado pelo professor. (apud MINAS GERAIS, 2006, p.07)

No caso do AEE para a deficiê ncia mental, o ele tem suas particularidades, pelo aluno ter condutas
tı́picas referentes a sua deficiê ncia, assim as estraté gias de açã o tem que ser pensada conforme a
necessidade do aluno e nã o um padrã o de desenvolvimento, e portanto cabe ao professor que atua na
sala de recursos pensar em estraté gia que possam dar um conteú do e uma significaçã o que sustente a
produçã o desses saberes. Para se diminuir o acaso e a imprecisã o, sã o necessá rios os conhecimentos
cientı́ficos, mas també m os conhecimentos escolares, que se materializam no currı́culo e contribuem para
a normalizaçã o dos sujeitos para viverem socialmente.

153
Considerações Finais

Os serviços de apoio, dentro da temá tica da educaçã o inclusiva, revelam que se necessita de
procedimentos e apoio paralelos ao ensino regular, para que alunos com deficiê ncia, tenham um bom
desenvolvimento educacional, e consecutivamente conseguem ter autonomia sobre o conhecimento
adquirido na escola. Portanto, o Atendimento Educacional Especializado, e as salas de recursos visam
promover o pleno desenvolvimento das potencialidades dos alunos com necessidades educacionais
especiais. Assim quando Boaventura afirma que “temos o direito a sermos iguais quando a diferença nos
inferioriza; temos o direito a sermos diferentes quando a igualdade nos descaracteriza” (apud FAVERO,
PANTOJA, MANTOAN, p. 25, 2007), leva a reflexã o de que de fato os serviços de apoio, ressaltam o olhar
para a necessidade de mudanças de conceitos e prá ticas educacionais, e leva a repensar a educaçã o que
está sendo oferecida à s crianças sejam com deficiê ncia ou nã o. Por isso a importâ ncia dos serviços de
apoio, para possibilitar açõ es que permitam mudar as formas ultrapassadas de ensino, e poder valorizar
as diferenças, e assim crescer com elas.
O AEE, é um serviço da Educaçã o Especial que identifica, elabora e organiza recursos pedagó gicos
e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participaçã o dos alunos, considerando as suas
necessidades especı́ficas. Ele complementa ou suplementa a formaçã o do aluno em busca da à autonomia
e independê ncia na escola e fora dela. Pode‑se afirmar que o AEE visa garantir peculiaridades referentes
à educaçã o tanto instauradas nos direitos, ou nos aspectos pedagó gicos. O atendimento promovido pelo
AEE, põ e a baixo o modelo de normalidade e alunos ideais para a sala de aula, o foco agora é a escola olhar
as especificidades dos alunos, nã o eles adaptar a ela (MATOAN; PIETRO, 2006). Deste modo a
implementaçã o de polı́ticas e serviços que atendam os alunos com necessidades educacionais especiais
no â mbito escolar validam uma educaçã o de qualidade porque, alé m de estarem garantindo o direto de
estarem no ensino regular, os alunos com deficiê ncia, vê em um olhar agora para as possibilidades nã o
para a deficiê ncia em si.
Contudo, ao analisar as prá ticas dos serviços de apoio, sobre tudo a sala de recurso, vale refletir
sobre a forma que esse atendimento acontece de fato na sala de recursos, uma vez que, se realmente a
intencionalidade de promover o acesso a uma educaçã o de qualidade, que possibilite os alunos com
necessidades educacionais especiais o desenvolvimento das suas potencialidades, sã o realizadas.

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