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Isadora MÃ Naco Lara - TCC

O trabalho analisa a influência da agenda neoconservadora no debate sobre direitos reprodutivos no Brasil, focando na ADPF nº 442 e suas repercussões. A pesquisa revela que agentes neoconservadores se organizam para barrar avanços na proteção dos direitos ao aborto, utilizando argumentos moralistas e carecendo de suporte científico. Conclui-se que projetos de lei subsequentes ao voto de Rosa Weber refletem as premissas ideológicas da agenda neoconservadora, em resposta ao posicionamento favorável do Supremo Tribunal Federal.

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Isadora MÃ Naco Lara - TCC

O trabalho analisa a influência da agenda neoconservadora no debate sobre direitos reprodutivos no Brasil, focando na ADPF nº 442 e suas repercussões. A pesquisa revela que agentes neoconservadores se organizam para barrar avanços na proteção dos direitos ao aborto, utilizando argumentos moralistas e carecendo de suporte científico. Conclui-se que projetos de lei subsequentes ao voto de Rosa Weber refletem as premissas ideológicas da agenda neoconservadora, em resposta ao posicionamento favorável do Supremo Tribunal Federal.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

FACULDADE DE DIREITO
DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO E FILOSOFIA DO DIREITO

Isadora Mônaco Lara

A INFLUÊNCIA DA AGENDA NEOCONSERVADORA NO DEBATE


SOCIOJURÍDICO SOBRE DIREITOS REPRODUTIVOS: uma análise sobre os
antecedentes e os desdobramentos da ADPF nº 442

Porto Alegre
2025
Isadora Mônaco Lara

A INFLUÊNCIA DA AGENDA NEOCONSERVADORA NO DEBATE


SOCIOJURÍDICO SOBRE DIREITOS REPRODUTIVOS: uma análise sobre os
antecedentes e os desdobramentos da ADPF nº 442

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado como requisito parcial para a
obtenção do Título de Bacharel em
Ciências Jurídicas e Sociais pela
Faculdade de Direito da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Juliane Sant’Ana


Bento.

Porto Alegre
2025
Isadora Mônaco Lara

A INFLUÊNCIA DA AGENDA NEOCONSERVADORA NO DEBATE


SOCIOJURÍDICO SOBRE DIREITOS REPRODUTIVOS: uma análise sobre os
antecedentes e os desdobramentos da ADPF nº 442

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado como requisito parcial para a
obtenção do Título de Bacharel em
Ciências Jurídicas e Sociais pela
Faculdade de Direito da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul.

Aprovado em _____ de _________ de 2025.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________
Prof.ª Dra. Juliane Sant’Ana Bento
Orientadora

_______________________________
Mestranda Karolina Rosa da Silva
Coorientadora

_______________________________
Prof. MSc. Domingos Silveira Dresch
AGRADECIMENTOS

“A vida era uma mistura de todos e de tudo. Dos que foram, dos que estavam
sendo e dos que viriam a ser. Compreendera que sua vida, um grão de areia lá no
fundo do rio, só tomaria corpo, só engrandeceria, se se tornasse matéria argamassa
de outras vidas”. Trago a reflexão de Conceição Evaristo em “Poncia Vicêncio” sobre
as relações humanas para introduzir os agradecimentos deste trabalho.
Inicialmente, à mulher que me deu a vida, Katia Mônaco. Por separar um pouco
da sua existência para cuidar de mim, por se preocupar desde sempre com minha
educação e não poupar esforços para tal, por ser meu primeiro contato com o mundo
jurídico e por ser colo para todos os momentos. Durante a escrita deste trabalho me
reparei com as diversas facetas que rodeiam a maternidade, os desafios, a imposição
da sociedade sobre o que é esperado de uma mulher que optou por ser mãe, e
enxergo em ti uma figura forte e resiliente por lidar com tudo da melhor forma possível.
Tu és inspiradora como mulher, como trajetória e como mãe. Este trabalho marca a
finalização de um ciclo e o início de tantos outros, e neles todos te levarei comigo.
À minha alma mater, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mais que
uma instituição de ensino de renome, encontrei na UFRGS um espaço preocupado
com o papel da pesquisa e da extensão na sociedade. Em especial aos docentes e
servidores do curso de Ciências Jurídicas e Sociais, que tornaram o “castelinho” um
espaço que fazia sentido para mim. Espero que o presente trabalho se una a tantos
outros que levam consigo o nome da UFRGS e vá para onde sempre quis que ele
fosse: para o mundo.
À Juliane Bento, minha orientadora. Desde a primeira aula da cadeira de
Metodologia Jurídica senti que havia encontrado a pessoa certa para orientar minhas
ideias de pesquisadora. Te agradeço por ter olhado para este trabalho com a
seriedade e delicadeza que ele merece, por ter me amparado em momentos de
insegurança e por abrir as primeiras portas da pesquisa acadêmica para mim.
Ao Serviço de Assistência Jurídica Universitária, o SAJU, e em especial ao
grupo G5. Nossas lutas se encontraram neste bonito projeto de extensão e sou muito
grata por ter sido apresentada a um novo tipo de fazer direito.
Aos meus amigos da graduação, que se tornaram mais que colegas de curso,
e sim rede de apoio. Hoje, nossas vidas já se conectaram e viraram a “matéria
argamassa” uma das outras, o que possibilitou que o curso de direito não fosse
apenas sobre livros e leis, e sim sobre pessoas.
Ao Antônio Líbero, minha primeira amizade no Direito e hoje parte da minha
família. Ao longo de quatro anos construímos uma confiança mútua que permitiram
que víssemos um no outro um espaço de conforto e segurança. Te admiro muito e
vou estar sempre torcendo por você. Espero que nossos caminhos continuem juntos,
pois tenho certeza de que precisarei do meu melhor amigo por mais muitos anos
ainda. Ainda vamos ir em algum show da Beyoncé juntos!
Às “ratas”: Lucas Melo, Luisa Petean, Marcos Castilho e Nikolas Goetze. Nosso
grupo de amizade, que tem até nome, foi essencial para o processo de graduação.
Comemoramos em conjunto nossas conquistas, ouvimos nossas dores e superamos
tudo como um grupo, semestre por semestre.
Lucas, você é uma potência. Uma das pessoas com mais conhecimento que
conheço, que não poupa esforços para investir em si e na própria educação e é por
isso que todas as tuas conquistas são merecidas. Te agradeço por sempre saber o
que me falar, por me mostrar que às vezes precisamos ter calma e por ter abraçado
este trabalho comigo, me mandando notícias sobre o cenário do aborto no contexto
internacional e se interessando pelo que eu tinha a dizer. Você vai longe.
Luisa, você é a amiga com a qual mais compartilho meus pensamentos acerca
da existência feminina. Contigo me sinto ouvida, respeitada e acolhida, e sei que a
recíproca é verdadeira. Sem a tua vibração por cada capítulo pronto do meu TCC não
seria tão gratificante a finalização deste trabalho. Esta pesquisa é um pouco tua, por
ser uma das mulheres mais inconfundíveis que já passaram pela minha vida.
Marcos, tua dedicação e amor pelo Direito foram inspiradoras para o processo
de escrita da minha pesquisa. Sempre pude contar contigo para desabafar quando
achava que o trabalho não teria um fim, mas também para comemorar quando ele foi
finalizado. Você é uma pessoa e um jurista incrível, e sei que posso esperar coisas
grandiosas de ti.
Nikolas, nós combinamos em vários aspectos e acho que é por isso que
confiamos um ao outro de um jeito muito “nosso”. Te agradeço por tornar minha
graduação mais leve com conversas pós-aula e com passeios de bicicleta pela orla.
Tenha certeza da sua capacidade e conte sempre com minha amizade.
À minha amiga Luiza Buscatti, minha corintiana preferida. Por sempre ser uma
das primeiras pessoas que confio para buscar quando preciso desabafar, seja sobre
a vida acadêmica ou não. Sei que temos muito carinho e orgulho de nossas trajetórias,
e espero que possamos continuar presenciando nossa evolução por mais muito
tempo.
Ao meu amigo e colega na “profissão” que é ser representante de turma,
Guilherme Leão. Mesmo em turnos diferentes, o Gui da manhã e eu representando o
noturno, pudemos unir forças e vivências no curso e construir uma conexão que foi
muito importante para mim. Em especial, te agradeço por sempre me ouvir e me
acalmar em relação ao mundo da pesquisa acadêmica e por genuinamente se
interessar pelo que eu tinha para dizer aqui.
Às minhas eternas colegas de estágio, Carol e Marina. Vocês me acolheram
em momento de muita insegurança e dúvida, e fui muito feliz pelos momentos de
aprendizado e companheirismo que passamos juntas.
À toda a equipe da 26ª Vara Federal de Porto Alegre. O período que dediquei
neste estágio ficará para sempre em minha memória, pelos aprendizados e pelas
pessoas excepcionais com as quais contei com o apoio.
Aos meus amigos de fora do curso, que cuidaram de mim em diferentes
momentos da minha vida: Luisa Quintana, Amanda Pilz , Bianca Andrade e Lauren
Feijó. Que sorte a minha poder compartilhar a vida com pessoas tão especiais.
Ao meu mais feliz encontro de vida, Luã Greski Diel. Luã ressignificou o que é
amor para mim, me ensinou sobre a existência compartilhada, sobre conexão,
compreensão, diálogo e carinho. Obrigada por permitir que eu tenha alguém tão
especial para sonhar a vida junto. Te agradeço por cada pergunta interessada pelo
meu trabalho, pela paciência para me acalmar em dias difíceis durante meu processo
de escrita e por sempre se mostrar orgulhoso de mim. Te amo imensamente e te quero
para o resto da vida.
Educação para decidir. Contraceptivos
para não engravidar. Aborto legal para não
morrer (Campanha Nacional pelo Aborto
Legal).
RESUMO

O ordenamento jurídico brasileiro foi e ainda é marcado pela influência da agenda


neoconservadora. Baseada em preceitos patriarcais e sexistas, esta agenda é
principalmente constituída por agentes políticos da extrema-direita em união com
agentes religiosos. Um dos campos de atuação da agenda neoconservadora é a luta
contra o direito ao aborto. Desde o voto de Rosa Weber na Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental nº. 442, foram diversas as reações
sociojurídicas contrário ao conteúdo favorável à descriminalização do aborto. A partir
desse cenário, buscou-se traçar um histórico sobre o posicionamento da agenda
neoconservadora frente ao direito ao aborto no Brasil. Identificou-se que agentes
neoconservadores sempre se organizaram para impedir qualquer tipo de avanço na
tutela sobre direitos reprodutivos. A partir dessa premissa, adotou-se a ADPF nº 442
como objeto de pesquisa para observação deste fenômeno. Fez-se uma descrição e
análise crítica dos posicionamentos levantados por agentes favoráveis e contrários à
proposta da ação, ouvidos em audiência pública, a fim de elucidar sobre quais as
bases argumentativas de tais agentes. Foi revelado que agentes desfavoráveis
sustentavam suas defesas em pautas moralistas e careciam de referencial científico.
A partir disto, estudou-se como Rosa Weber discutiu estes posicionamentos em seu
voto. Por fim, fez-se um apanhado de projetos de Lei propostos em momento posterior
ao voto e que apresentavam conteúdo contrário ao direito ao aborto. Conclui-se que
os projetos de Lei seguiam premissas ideológicas da agenda neo conversadora e
foram reações diretas ao posicionamento favorável do Supremo.

Palavras-chave: direito ao aborto; gênero; neoconservadorismo; Supremo Tribunal


Federal.
ABSTRACT

The Brazilian legal order was and still is marked by the influence of the
neoconservative agenda. Based on patriarchal and sexist precepts, this agenda is
mainly formed by far-right political agents in alliance with religious agents. One of the
areas of action of the neoconservative agenda is the fight against the right to abortion.
Since Rosa Weber's vote in the Argument of Non-Compliance with Fundamental
Precept No. 442, there have been several socio-juridical reactions against the
favorable content of the decriminalization of abortion. It was identified that
neoconservative agents have always organized themselves to prevent any progress
in the protection of reproductive rights. Based on this premise, ADPF No. 442 was
adopted as the research object to observe this phenomenon. A description and critical
analysis of the positions raised by agents in favor and against the proposed action,
heard in a public hearing, were made in order to elucidate the argumentative bases of
such agents. It was revealed that unfavorable agents supported their defenses on
moralistic issues and lacked scientific references. Based on this, Rosa Weber's
discussion of these positions in her vote was studied. Finally, it was gathered a list of
bills proposed after the vote that presented content contrary to the right to abortion. It
was concluded that the bills followed the ideological premises of the neoconservative
agenda and were direct reactions to the favorable position of the Supreme Court.

Keywords: abortion rights; gender; neoconservatism; Federal Supreme Court.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 16
2 ABORTO, GÊNERO E DIREITO ........................................................................... 19
2.1 PAPÉIS DE GÊNERO E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA ......................................... 19
2.2 POSICIONAMENTO E REAÇÕES DA AGENDA NEOCONSERVADORA
FRENTE AO DIREITO AO ABORTO NO BRASIL .................................................... 24
3 AUDIÊNCIA PÚBLICA DA ADPF Nº 442 .............................................................. 34
3.1 METODOLOGIA .................................................................................................. 34
3.2 DIREITO À AUTONOMIA E DIREITOS REPRODUTIVOS ................................. 35
3.2.1 Exposição dos discursos .............................................................................. 35
3.2.2 Agentes de saúde e agentes da sociedade civil favoráveis ....................... 39
3.2.3 Agentes religiosos favoráveis ....................................................................... 45
3.2.4 Entidades do Direito favoráveis .................................................................... 47
3.3 OS ARGUMENTOS PRÓ VIDA E A REAÇÃO NEOCONSERVADORA............. 50
3.3.1 Exposição dos discursos .............................................................................. 50
3.3.2 Análise crítica ................................................................................................. 52
4 O VOTO DE ROSA WEBER NA ADPF Nº 442 ..................................................... 59
4.1 REAÇÕES SOCIOJURÍDICAS DA AGENDA NEOCONSERVADORA FRENTE
AO VOTO “PRÓ ESCOLHA” DE ROSA WEBER ...................................................... 69
4.2 DESDOBRAMENTOS PÓS-VOTO E O EFEITO BLACKLASH .......................... 71
5 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 75
REFERÊNCIAS......................................................................................................... 78
16

1 INTRODUÇÃO

O tema do aborto possui fundamental relevância dada sua atualidade, bem


como pelo fato de ser um debate presente há tempos no Brasil e no mundo, e que
reúne implicações de diversas esferas, como a social, a jurídica (enfoque do trabalho),
a religiosa e a da saúde pública. No Brasil, estima-se a ocorrência de mais de um
milhão de abortamentos inseguros ao ano, representando, atualmente, uma das
principais causas de morte maternas no país (Sant’Ana, 2014). É, portanto, uma
ocorrência muito presente no cotidiano da população brasileira, que demanda uma
tutela de viés progressista, tal como já ocorre em diversas experiências estrangeiras.
Entretanto, ao mesmo tempo em que se observa o ordenamento jurídico de cada vez
mais países se adaptando a um viés progressista em relação ao tratamento legislativo
dado ao aborto, a exemplo da França, que incluiu em sua Constituição a garantia a
esse direito, o cenário brasileiro parece não estar em sintonia com essa
movimentação. Assim, no presente texto, o termo progressista será utilizado para se
vincular a ala social que advoga em favor da justiça reprodutiva, principalmente
representado pelo movimento feminista. A escolha foi feita a fim de legitimar a luta de
mulheres1 e dissidentes de gênero como um dos principais agentes da emancipação
sexual feminina, ainda que o tópico não seja o enfoque do trabalho.2
Ainda, a discussão contemporânea sobre o acesso a direitos reprodutivos
femininos encarou recentes atualizações que reintroduziram o assunto ao debate: nos
encontramos em um contexto em que tramita na Câmara de Porto Alegre o Projeto de
Lei 580/23, que busca introduzir a previsão de que as vítimas de estupro sejam
instruídas pelos médicos a ouvirem os batimentos cardíacos dos fetos (Brasil, 2023).
Concomitantemente, a Câmara de Deputados apresenta o Projeto de Lei 1.904, que
visa a alteração do Código Penal de modo a equiparar o aborto cometido após a 22ª
semana de gravidez ao homicídio (Brasil, 2024).
Motivada pelo interesse em um tema que afeta diretamente a vida de milhares
de mulheres brasileiras e que progride lentamente no cenário jurídico brasileiro, ou
mesmo regride, a pesquisa encontrou seu objeto em um dos julgados mais

1 O termo “pessoas com capacidade de gestar”, em vez de “mulheres”, pode ser utilizado ao longo
deste texto. A autora reconhece e apoia a importância da linguagem, inclusive para abordar questões
relativas a direitos reprodutivos.
2 Recomenda-se a leitura do texto “Feminismo no Brasil: Memórias de quem fez acontecer” para

melhor compreensão acerca da luta feminista no Brasil.


17

importantes relacionados ao tema: a Arguição de Descumprimento de Preceito


Fundamental nº 442 (Brasil, 2023a). Proposta em 2017 pelo Partido Socialismo e
Liberdade (PSOL), juntamente com ANIS Instituto de Bioética, a ação demandava a
exclusão dos artigos 124 e 126 do Código Penal de 1940 por serem normas
inconstitucionais; de maneira prática, com um julgamento favorável, se almejava a
descriminalização do aborto no Brasil até a 12ª semana de gravidez sob qualquer
hipótese. A ADPF teve sua última atualização no ano de 2023, ocasião em que a então
ministra Rosa Weber apresentou seu voto favorável. O texto do voto de Weber reflete
a realidade de todo o processo da ADPF: a participação de agentes sociais foi muito
referenciada, dado que o debate repercutiu intensamente. Notável, portanto, que a
controvérsia do aborto é atravessada por posicionamentos fervorosos de diversas
searas sociais.
Em um momento no qual a ADPF nº 442 se encontra sem previsão de
reabertura para o prosseguimento do julgamento, é necessário verificar como um
posicionamento favorável do STF em relação descriminalização do aborto reverberou
em agentes que defendem uma agenda conservadora “pró-vida”, e de que maneira
essas reações adversas influenciaram no debate sociojurídico sobre direitos
reprodutivos.
A partir deste cenário, se buscou analisar quais foram as reações, no âmbito
legislativo e da sociedade civil, ao voto favorável proferido pela ministra Rosa Weber
no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 442. Se
pretendeu testar a hipótese de que o posicionamento do Supremo Tribunal Federal
(STF) frente à ADPF nº 442 fomentou iniciativas da ala conservadora da sociedade
brasileira de frustrar o progresso das discussões acerca do direito ao aborto no país.
Para tanto, se identificou o teor dos Projetos de Lei contrários ao direito ao aborto
formulados posteriormente ao voto, e como eles conversam com o posicionamento da
agenda neoconservadora, a fim de problematizar os efeitos sociojurídicos a partir da
possível implementação de tais reações.
A pesquisa foi dividida em três partes. O primeiro capítulo é dividido em dois
subcapítulos, nos quais se fez um apanhado histórico sobre como temas tais como
aborto, gênero e direito se interligam, a partir de autoras como Adriana Negreiros e
bell hooks. Consolidada a premissa que a participação de mulheres nos campos da
política e do direito sempre foi abafada, e que uma das expressões mais significativas
18

deste fenômeno ocorre no tratamento sociojurídico acerca de direitos reprodutivos, o


subcapítulo sequente estuda como a agenda neoconservadora brasileira age diante
de avanços no que diz respeito ao direito ao aborto. Para tanto, o trabalho focou na
influência política da união entre agentes de extrema-direita e entidades religiosas
durante o processo de consolidação do ordenamento jurídico brasileiro, e como esta
agenda é pautada em ideologias patriarcais, influenciando os próprios textos e
debates legais. Para sustentar a tese, foi utilizado o livro “O Púlpito: fé, poder e o
Brasil dos evangélicos”, de Anna Virgínia Ballousier (2024), bem como o trabalho de
Machado (2017).
O próximo capítulo adentra a audiência pública da ADPF nª 442. Foram
selecionados argumentos tanto favoráveis quanto desfavoráveis à proposta da ação,
mediante a leitura do artigo de Rozeli Porto e Nara Luna: “Aborto, valores e religiosos
e políticas públicas: a controvérsia sobre a interrupção voluntária da gravidez na
audiência pública da ADPF 442 no Supremo Tribunal Federal”. A partir disto, foi
realizada uma avaliação sobre os principais debates que ocorrerão durante a
audiência pública, a fim de traçar criticamente as motivações dos argumentos
levantados pelos amici curiae que se posicionaram contrários à ADPF nº 442.
Também foi realizada a análise crítica dos argumentos que defendiam a procedência
da ação, a fim de evidenciar a realidade do aborto no Brasil, bem como a diferença
entre a base argumentativa de agentes contrários e favoráveis.
O último capítulo é dividido em três partes. Inicialmente, se descreve
criticamente trechos do voto de Rosa Weber que debatem os principais argumentos
contrários à ADPF nº. 442, para sustentar a tese que o texto da ministra apresenta
evidentes críticas ao posicionamento da agenda neoconservadora frente ao direito ao
aborto, bem como concorda com argumentos utilizados por agentes que se
posicionaram favoráveis à ação. A segunda parte do capítulo estuda como o
fenômeno blacklash ocorreu no momento pós voto, encaminhando para o último
subcapítulo, que trata sobre o teor das reações legislativas ao voto favorável à ADPF
nº 442 proferido pela ex ministra Rosa Weber, mediante análise de Projetos de Lei
formulados por agentes vinculados à agenda neoconservadora. Por fim, a conclusão
apresenta as considerações finais sobre o projeto.
19

2 ABORTO, GÊNERO E DIREITO

2.1 PAPÉIS DE GÊNERO E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA

Este capítulo abordará a área de estudos que discutem como o direito se


relaciona com questões de gênero. Importa referenciar a obra “Cuando el género
suena cambios trae” de Alda Facio Montejo (1992). O entendimento da autora é que
o direito nasce como promotor da convivência pacífica entre homens e mulheres na
sociedade, mas que sucumbe no momento que restringe a atuação feminina ativa, e
outorga mais poderes políticos, econômicos e sexuais aos homens. Nesse contexto,
a luta feminina surge como incorporadora de direitos, prezando por um direito atento
às necessidades das mulheres e que insere a figura feminina no amplo debate jurídico,
tendo em vista haver a segregação histórica das mulheres do espaço público, fato que
se manifestou, por exemplo, no impedimento ao voto feminino.
O gênero é um dos principais diferenciadores no que diz respeito à participação
na vida política e jurídica, realidade que se apresenta desde os primórdios da
civilização, e que ainda resiste aos esforços de movimentos de luta de mulheres e
dissidentes de gênero. Segundo Isadora Sento-Sé (2024), a estrutura patriarcal que
reprime a participação feminina de espaços de debate público decorre da persistência
e onipresença da dominação masculina nas principais relações de poder social, que
onera a vivência da população feminina no campo político. A autora explica que essa
restrição de direitos se sustenta na própria estrutura institucional, e decorre das
relações de subordinação da mulher ao homem, sendo “convertidas em formas
coletivizadas de dominação”, conforme teoria apresentada por Carole Pateman em “O
contrato sexual” (Sento-Sé, 2024, p. 4).
Diante de uma legitimação histórica do “masculino” sobre o “feminino”, que
irradia de relações “micro”, tais como a família e o casamento, e adentra a sociedade
no sentido “macro”, com instituições políticas e jurídicas, a autora afirma que o que se
apresenta é a efetiva proteção do direito sexual masculino sobre o feminino. Conforme
Sento-Sé (2024, p. 5), “o contrato sexual seria, portanto, o meio pelo qual é
estabelecido e "democratizado" o "direito sexual masculino", como o direito individual
dos homens de comandar mulheres individualmente”. De acordo com Walby (1989, p.
34-213 apud Sento-Sé, 2024, p. 6), o locus da opressão das mulheres em uma
20

sociedade sustentada pelo patriarcado se apresenta principalmente no mercado e no


Estado. É possível, portanto, perceber como o constrangimento da participação
feminina em decisões de cunho político e jurídico é legitimada.
Enquanto historicamente a participação no espaço público é incentivada aos
homens, às mulheres foi reservado o espaço do lar. Em “A Mística Feminista”, Betty
Friedan estuda como o patriarcado deferiu esforços para encarcerar a mulher ao
ambiente doméstico e impedir com que houvesse qualquer tipo de voz feminina ativa
em discussões cruciais, principalmente políticas. A autora analisa o papel da mulher
idealizada norte-americana, muito representada e repercutida pela mídia massiva
estadunidense, e explica que essa parcela da sociedade vivia em um mundo no qual
não teve o direito de participar da construção, por não ter direito a uma voz que
influenciasse em processos decisórios. O modelo de ser social ativo na sociedade era,
portanto, o do homem, eis que as mulheres não contavam com “a liberdade e a
educação necessárias para (...) ser pioneiros, descobrir e mapear novos caminhos
para as futuras gerações” (Friedan, 2021, p. 94).
Não havia, e ainda não há, interesse que a mulher se liberte da perspectiva do
lar, do âmbito privado, distinto do espaço público e masculinizado (Sento-Sé, 2024).
A lógica patriarcal, portanto, age através das próprias instituições políticas, sociais e
jurídicas para manter a mulher no espaço doméstico. Felizmente, não sem resistência.
Na presença de um mundo intrinsecamente sexista, o movimento feminista, em
suas três maiores ondas, lutou para que as mulheres tivessem uma participação ativa
na vida social, política e jurídica. Uma das principais bandeiras da segunda onda
feminista, datada dos anos 1960 e 1970, foi a pauta dos direitos reprodutivos que,
dentre outras demandas, fez crescer o debate acerca do direito ao aborto. O papel
feminino é historicamente atribuído ao lar e, concomitante, à figura de ser responsável
pela reprodução humana. Buscando a preservação dos valores atribuídos à
idealização de uma mulher que é exclusivamente responsável por gerar e cuidar, o
patriarcado se posiciona contrário a qualquer política que garanta a emancipação
feminina, sobretudo em relação aos seus direitos reprodutivos. Tal lógica começa a
ser questionada a partir da revolução sexual, que fez necessária a discussão da
sexualidade feminina.
bell hooks (2018) elucida que as reivindicações feministas de direitos sobre
seus próprios corpos surgem a partir do momento em que se entra em contato com
as tragédias dos abortos ilegais, bem como a questão dos casamentos forçados.
21

Restou evidente que a emancipação feminina não seria completa sem a abordagem
sobre os direitos reprodutivos. É válido ressaltar que, ainda que o direito ao aborto
seja o tópico mais resgatado quando se pensa em direitos de reprodução, a gama que
compõe tais direitos é extensa. Cumpre a menção à educação sexual básica; acesso
a métodos contraceptivos; controle pré-natal, dentre outros tópicos. hooks (2018)
explica que a centralização do movimento feminista da segunda onda na figura da
interrupção da gravidez resulta de uma identificação maior do feminismo branco com
a “dor da gravidez indesejada” (hooks, 2018, p. 59). Assim, ainda que outros
elementos configurem o que se denomina “direitos reprodutivos”, tais como a
fertilização in vitro e o direito ao planejamento familiar, o foco principal foi atribuído ao
aborto.
Entretanto, o debate que inicialmente surge para tutelar o direito à autonomia
da vontade, de escolha, e o direito à saúde de pessoas que menstruam, rapidamente
vira uma pauta da esfera religiosa e fundamentalista:

A questão do aborto chamou atenção da mídia de massa porque realmente


desafiou o pensamento cristão fundamentalista. Desafiou diretamente a
noção de que a razão da existência de uma mulher é gerar crianças. Chamou
atenção da nação para o corpo da mulher de uma forma que nenhuma outra
questão poderia fazer. Era um desafio direcionado à igreja (hooks, 2018, p.
61).

Passadas seis décadas desde que o aborto se tornou uma das centrais pautas
do movimento por libertação feminina, a agenda conservadora se adaptou de maneira
a assegurar que seu posicionamento contrário a qualquer tipo de avanço em relação
aos direitos reprodutivos se mantivesse vigente, atuando inclusive dentro de espaços
institucionalizados. Machado (2017) denomina esse movimento retrógrado como
“neoconservador”, eis que objetiva a reintrodução de valores que elencam o aborto, e
os direitos reprodutivos como um todo, como crime e pecado, mesmo em sociedades
que já passaram pelo movimento de secularização.
O movimento neoconservador é, para além de agenda política, uma concepção
ideológica, como observa Pateman (1993, p. 5): “a maior parte da teoria democrática
liberal é uma mera defesa ideológica do status quo”. Marx e Engels (1932) explicam
que o termo “ideologia” se refere a uma união de ideias de todas as apudordens, sejam
elas religiosas, filosóficas, jurídicas, dentre outras, que se sistematizam a partir da
22

ilusão dos homens (e mulheres – grifo da autora) a despeito de sua própria existência.
Essas ideias, portanto, carecem de existência autônoma, uma vez que estão
ancoradas em compreensões subjetivas (e equivocadas) acerca do substrato material
da história. Assim, a agenda neoconservadora está ancorada em uma ideologia
específica, que, conforme Machado (2017, p. 3), compreende questões como
favorecimento do capital, repressão do trabalho, demonização do Estado social e do
político, ataque às igualdades e exaltação da liberdade. Em relação à luta por justiça
reprodutiva, se posicionam contrários, pois o tema se relaciona com a igualde social
de gênero, e emancipação de corpos femininos.
Em “A reação neoconservadora à política de assistência ao aborto no Brasil”,
Jayce Medeiros (2024) aprofunda a explicação do termo “neoconservador” a partir de
uma perspectiva materialista-dialética. Parafraseando Vaggione, Machado e Biroli
(2020, p. 25 apud Medeiros, 2024, p. 3), a autora sustenta que o termo surge nos
Estados Unidos do século XX, e descrevia reações de intelectuais aos movimentos
de contracultura que surgiram nos anos 1970. Isto se relaciona diretamente com a
pauta ideológica defendida por tal agenda, uma vez que os movimentos progressistas
da época atacavam seus valores morais, econômicos e políticos. Uma das principais
revoluções nos direitos das mulheres ocorre justamente nessa época, como explica
Machado, eis que os anos 70 marcaram o avanço do debate sobre o direito ao aborto
em experiências norte-americanas e europeias. No Brasil, a percussão da agenda
neoconservadora ocorre principalmente entre 2005 e 2010, época em que a bancada
evangélica se torna uma das mais influentes no âmbito legislativo brasileiro:

A partir de 2019, percebeu-se um aumento nas proposições no Congresso


Nacional, em especial na Câmara dos Deputados, sobre assuntos
relacionados ao aborto, na tentativa de criminalizá-lo no país. Segundo o
Centro Feminista de Estudo e Assessoria (Cfemea), isso se dá, entre outros
fatores, devido ao aumento da bancada conservadora no Legislativo,
principalmente após as eleições de 2018 (Medeiros, 2024, p. 11).

Machado (2017) concorda com Medeiros (2024), e acrescenta que, no mesmo


período, para além da via do parlamento, houve o aumento da pressão midiática
advinda de entidades como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que
sempre se posicionou contrária ao direito ao aborto.
A definição de neoconservadorismo como um movimento que encontra forças
na aliança entre os agentes anteriormente abordados também é corroborada por
23

Martins (2022). Em conversa com Machado (2017), a autora igualmente sustenta que
o movimento neoconservador cresce substancialmente como forma de represália
estratégica à conquista de direitos instaurada após o processo de secularização das
sociedades ocidentais. Ainda, reforça que tal projeto político se utiliza de elementos
do neoliberalismo, como o favorecimento do capital e o ataque às igualdades, e
combina-os com discursos proferidos por setores católicos e evangélicos. Por fim, a
autora reforça que o campo dos direitos reprodutivos é um dos mais férteis para a
difusão desses ideais, eis que discute temas sensíveis e que podem ser facilmente
moralizados.
Portanto, ainda que em partes, superada a atribuição delimitada de papéis de
gênero e o consequente cerceamento da participação política de mulheres, o que se
observa é um forte movimento neoconservador, que vincula sua pauta ideológica à
absorção de entendimentos pautados principalmente em valores moralistas e
religiosos. Tal agenda instrumentaliza seu discurso a favor da manutenção de uma
sociedade pautada em papéis de gênero, separação sexual do trabalho e valores
moralistas e religiosos. Ainda, de acordo com Dworkin, citado por Vieira (2021) em
seu estudo acerca da agenda conservadora e seu posicionamento frente a políticas
progressistas, nos Estados Unidos os praticantes de religiões como a cristã e a
evangélica tem predisposição de apoiar posições conservadoras.
Conforme o estudo abordado na obra “O Púlpito”, de Anna Virgínia Ballousier
(2024), entidades fundamentalistas religiosas tendem a se aliar à política da ala da
extrema direita, de forma que seus ideais religiosos sejam instrumentalizados a fim de
sustentar o posicionamento dessa agenda, ainda que o cunho das pautas abordadas
seja sobre políticas e sociais, e não religiosas. A exemplo, a autora cita o caso da
repercussão de um vídeo produzido pela organização evangélica norte-americana
“Crusade for Life”, que foi resgatado décadas depois pela organização Brasil Paralelo,
que floresceu em disseminar seus ideais conservadores nos anos da presidência de
Jair Messias Bolsonaro, político ligado à ala de direita e conservadora do Brasil
(Balloussier, 2024, p. 122).
A definição de neoconservadorismo como um movimento que encontra forças
na aliança entre os agentes de alas religiosas cristãs e evangélicas, em união com a
ala política da extrema direita, também é corroborada por Miranda Leão Martins
(2022). Em conversa com Machado (2017), a autora igualmente sustenta que o
24

movimento neoconservador cresce substancialmente como forma de represália


estratégica à conquista de direitos instaurada após o processo de secularização das
sociedades ocidentais. Ainda, reforça que tal projeto político se utiliza de elementos
do neoliberalismo, como o favorecimento do capital e o ataque às igualdades, e
combina-os com discursos proferidos por setores católicos e evangélicos. Por fim, a
autora reforça que o campo dos direitos reprodutivos é um dos mais férteis para a
difusão desses ideais, eis que discute temas sensíveis e que podem ser facilmente
moralizados.
No Brasil, a Constituição assegura em seu artigo 5º, inciso VI, a laicidade do
Estado. Entretanto, não é o que se observa na prática; o estado brasileiro possui uma
“frente organizada de posicionamento político de direita que se fundamenta em
interpretações fundamentalistas da religião”, conceito aplicado à experiência norte
americana por hooks, mas que encontra semelhanças com a realidade do Brasil
(hooks, 2018, p. 62). É possível constatar tal premissa, seja pela presença de uma
cruz em espaços institucionais, seja pelo desproporcional poder político de seguidores
das religiões evangélica e cristã no âmbito legislativo. Por conseguinte, o Estado
brasileiro apresenta um histórico de atuação neoconservadora que se posiciona
contrária aos direitos reprodutivos femininos, e que busca legitimar sua crença de
forma institucional, travando uma verdadeira batalha para barrar avanços de políticas
de atenção à saúde reprodutiva da mulher.

2.2 POSICIONAMENTO E REAÇÕES DA AGENDA NEOCONSERVADORA


FRENTE AO DIREITO AO ABORTO NO BRASIL

Em “O Púlpito: fé, poder e o Brasil dos evangélicos”, Anna Virgínia Ballousier


(2024) dedica um capítulo para elucidar qual o posicionamento dos evangélicos frente
à luta pelos direitos sexuais das mulheres, e os elenca como um dos principais grupos
que compõe a chamada agenda neoconservadora, unidos com movimentos de
extrema direita que utilizam do discurso religioso e ideológico conservador para
legitimar sua atuação. Segundo a autora, os seguidores da religião evangélica não
foram os primeiros a serem vocais sobre seu posicionamento contrário ao aborto;
utilizando o exemplo dos Estados Unidos, o primeiro grupo que se reuniu para
manifestar sua visão contrária ao julgamento favorável do Roe vs Wade foram os
25

católicos. Entretanto, as igrejas evangélicas começam a se mobilizar, ainda com mais


força, a partir de 1989, em um movimento de união igrejas cristãs.
No Brasil, o posicionamento de tais entidades religiosas norte-americanas tarda
a ter poder de influência, dado que a população brasileira de crentes era inferior a
10%, até 1980 (Balloussier, 2024, p. 122). Entretanto, ainda que a pauta do aborto
não fosse extensivamente discutida por tal agenda religiosa até essa data, é possível
observar que todo o ordenamento jurídico brasileiro foi formulado em torno de
premissas que oneravam a participação efetiva da mulher em sociedade e, em
consequência, barravam o acesso aos direitos reprodutivos femininos. A militância
religiosa, portanto, coopera para a sedimentação de um ordenamento jurídico
historicamente contrário à defesa de direitos reprodutivos e emancipação feminina. É
possível observar como o tratamento jurídico e social reservado as mulheres
brasileiras se deu, por exemplo, a partir da análise do processo de formulação do
Código Penal.
Nelson Hungria foi um dos formuladores do Código Penal de 1940, instrumento
que até hoje criminaliza a prática do aborto, exceto em três casos: quando há risco à
vida da gestante; quando a gravidez decorre de estupro e, adicionada pela Ação de
Descumprimento de Preceito Fundamental n.º 54, quando o feto é anencéfalo. Importa
observar qual o posicionamento do penalista em relação aos direitos das mulheres.
Em “A vida nunca mais será a mesma: Cultura da violência e estupro no Brasil”,
Adriana Negreiros (2021) resgata o viés ideológico do jurista, o qual é uma das
principais referências no Direito Penal brasileiro, bem como aborda a maneira pela
qual a legislação brasileira tratou historicamente o corpo feminino, em concordância
com a premissa de exclusão institucionalizada da participação da mulher no processo
político e jurídico.
Em relação à Hungria, Negreiros elucida que um dos principais
posicionamentos do jurista era o de atribuir ao sexo conjugal o caráter de obrigação,
excluindo, portanto, a existência do estupro marital, eis que o sexo era um direito do
marido e um dever da mulher. Entretanto, a defesa do “débito conjugal” é anterior: o
antigo Código Civil de 1916 trazia tal previsão, herança das Ordenações Filipinas de
1603, que Negreiros aponta como raiz da tradição jurídica brasileira. Nelson Hungria
se aproxima de uma retórica conservadora que pressupõe que o casamento, uma das
instituições mais protegidas em nome da manutenção da “família tradicional”,
26

necessita obrigatoriamente da cópula. Nesse sentido, a formulação doutrinária


brasileira legitima a violência contra mulheres e apresenta evidentes raízes sexistas
presentes na legislação que, o que também impede que o Brasil tenha um cenário
político e jurídico que autorize a gerência feminina sob seus corpos e suas existências.
Também em relação à violência sexual, um dos escassos casos em que a
prática do aborto é descriminalizada, o Código Penal, em 2003, elencava o crime de
estupro como uma ocorrência envolvendo questões “privadas, da intimidade”
(Negreiros, 2021, p. 100) localizando-o nos “crimes contra a liberdade sexual”.
Negreiros (2021) explica que a ação penal não poderia ser proposta pelo Ministério
Público, de maneira que, se uma mulher tivesse a coragem necessária para denunciar
o crime, era demandado que pagasse pela sua defesa. Só era possível contar com a
denúncia pelo MP em casos que a vítima estivesse em situação de vulnerabilidade
financeira, quando o agressor fosse pai, padrasto, tutor ou curador da vítima, ou na
situação que fosse configurada a “violência real”. Em relação à última hipótese, criada
pela jurisprudência, o termo era utilizado somente quando havia morte ou lesão
corporal. O penalista Nelson Hungria se aproximava dessa premissa, eis que defendia
que o estupro só estaria configurado caso houvesse uma “oposição que só a violência
física ou moral pudesse vencer” (Negreiros, 2021, p. 100), de maneira que o crime de
estupro só seria configurado mediante forte resistência da vítima. A antiga legislação
penal também não compreendia como estupro qualquer prática que não a penetração,
configurando o sexo anal e oral como “ato libidinoso” ou “atentado violento ao pudor”
(Negreiros, 2021, p. 100).
Em relação à Constituição de 1980, Balloussier (2024) também resgata pontos
em relação à constituinte que reforçam qual visão permeou o desenvolvimento jurídico
brasileiro. Um dos responsáveis pela elaboração da Constituição brasileira de 1988
foi Costa Ferreira, que argumentava que o aborto era prejudicial à mulher e sustentava
sua visão com a premissa de que “só quem não teme a Deus defende o aborto”
(Balloussier, 2024, p. 127). A autora também menciona um diálogo que surge a partir
da Assembleia Constituinte: Sotero Cunha e Eunice Michiles, ambos profetizantes da
fé cristã, abordaram a questão sobre em quais ocasiões o aborto seria necessário.
Sotero, a fim de sustentar que o aborto não deve ocorrer sob hipótese alguma,
menciona que é cientificamente provado que uma mulher pode evitar o estupro;
mesmo que perca a vida. O argumento em muito se aproxima da visão de Nelson
27

Hungria, e elucida o tipo de tratamento jurídico que, historicamente, foi reservado às


mulheres.
O resgate do tratamento histórico da legislação brasileira frente ao corpo
feminino é essencial para compreender como as raízes jurídicas do país foram
solidificadas em bases que evidenciam seu caráter ideológico sexista. A condição
reflete diretamente na discussão do aborto; em um país que historicamente tratou de
institucionalizar políticas que legitimam a violência, repressão e retirada de autotutela
de corpos femininos, é fácil compreender como, ainda hoje, o Brasil avança
lentamente na promoção dos direitos das mulheres, em especial do direito ao aborto
seguro e legal. Para além da crença social que permeia as questões relativas ao
controle sobre a população feminina, a problemática perpassa o mero “tabu”; como
demonstrado, foram diversas as ferramentas jurídicas e políticas que oneravam o
processo de libertação de mulheres.
Ademais, mesmo com a nova formulação do Código Penal, avanços na
jurisprudência a na própria sociedade, tal retórica ideológica ainda rege a conjuntura
jurídica brasileira atual. É possível citar o recente caso ocorrido no âmbito do Tribunal
de Justiça de Santa Catarina, ocasião em que a magistrada Joana Ribeiro, diante de
um caso de estupro de uma criança de 10 anos que resultou em gravidez, tentou
coagir a vítima para que não realizasse o procedimento abortivo, ainda que permitido
por lei, bem como buscou postergar a realização da interrupção da gravidez mesmo
após a autorização do juiz criminal da comarca. Mesmo se adequando a todos os
parâmetros legais necessários para se realizar o aborto conforme as hipóteses
permissivas do Código Penal, a vítima sofreu com forte represália, tanto institucional
quanto social, dado que o caso tomou espaço na mídia.
A reação negativa da sociedade veio principalmente de veículos religiosos,
principalmente cristãos e evangélicos, ainda que não exclusivamente. Balloussier
(2024, p. 131) explica que um dos argumentos evocados para atacar a vítima foi um
“suposto plano progressista para moer vidas inocentes”; teoria infundada que é muito
aludida pela agenda neoconservadora.
No Processo Administrativo Disciplinar que apurou a conduta da magistrada
responsável por expor uma vítima de violência sexual menor de idade, a pena aplicada
foi a de censura. Como defendeu o conselheiro Bandeira de Mello, a juíza “deixou que
valores pessoais” influenciassem na sua decisão, ainda que estivesse tentando
28

“garantir a proteção do feto” (Conselho Nacional de Justiça, 2025). É interessante


observar que, em um caso que envolvia a saúde e a possibilidade de continuidade da
vida de uma criança, a questão da proteção do nascituro (que, conforme descrito no
“Estatuto do Nascituro” (Brasil, 2007), compreende um ser humano concebido,
portador de natureza humana e proteção jurídica, mas ainda não nascido) fosse
levantada, ainda que não esteja prevista em qualquer parte da legislação brasileira.
Entretanto, ainda que careça de previsão legal, a proteção à vida do feto, em
detrimento da gestante, é uma das principais bandeiras ideológicas da agenda
neoconservadora brasileira em relação aos direitos reprodutivos de mulheres, além
da defesa da manutenção dos papéis de gênero, heterossexualidade compulsória e
atribuição das mulheres ao papel social hegemônico vinculado ao processo
reprodutivo, como elencado por Ana Melo Moreira e Carmen Teixeira (2024). Segundo
Machado, baseada na compreensão de Mendonça Correia (2016 apud Machado,
2017, p. 8-9), também há uma explicação histórica que corrobora com a tese que o
ordenamento jurídico brasileiro sempre buscou promover a oneração sobre os corpos
femininos; o direito canônico que vigorava durante o Brasil colonial tratava da questão
do aborto como homicídio a partir do momento que o feto tivesse alma. Essa narrativa,
no entanto, é anterior: em 1869 o então papa Pio IX foi pioneiro ao tratar o aborto
como pecado desde a concepção, premissa que, segundo Machado (2017), segue
sendo o entendimento majoritário da doutrina jurídica brasileira contemporânea. A
questão da proteção ao feto, portanto, perpassa muito mais questões religiosas que
biológicas, como muito apontado por parte das pessoas que se posicionam contrárias
ao direito ao aborto.
Uma das expressões mais evidentes da ideologia religiosa que se esconde por
detrás da proteção do feto, em detrimento do direito ao aborto e à saúde da mulher, é
o Estatuto do Nascituro. O Projeto de Lei de 2007, de autoria dos deputados federais
Luiz Carlos Bassuma, à época filiado ao Partido dos Trabalhadores, e Miguel Martini,
à época vinculado ao Partido Humanista da Solidariedade, dispõe em seu artigo
segundo que “Nascituro é ser humano concebido, mas ainda não nascido” (Brasil,
2007), de maneira que prevê que a natureza de ser humano deve ser reconhecida
desde a concepção, exatamente conforme as premissas religiosas supracitadas. Além
disso, o Estatuto propõe a retirada do permissivo legal de acesso ao aborto em casos
de estupro, e inclusão do crime de aborto no rol dos Crimes Hediondos (Silva;
Gonzaga; Moreira, 2021, p. 3). Em sua redação original, ainda trazia a proposta da
29

“bolsa-estupro”: uma quantia de dinheiro que seria paga às mulheres que


escolhessem seguir com uma gestação resultante de estupro (Negreiros, 2021, p.
236).
Resta evidente, portanto, como ocorre o acionamento de valores religiosos para
a manutenção de um direito e uma política que se adequam às premissas históricas
de repressão feminina institucionalizada. Para Galeotti,

[...] os enunciados discursivos produzidos a partir do cristianismo


influenciaram historicamente a produção de sanções jurídicas e biomédicas
acerca da interrupção voluntária da gravidez, tendência que Ruibal (2014)
indica ser atual ao apresentar suas análises sobre o cenário político latino-
americano (Galeotti, 2007 apud Silva; Gonzaga; Moreira, 2021, p. 3).

Negreiros (2021) adentra a questão da proposta do Estatuto do Nascituro;


nenhuma decisão política e jurídica surge do vácuo, ela está inserida em determinado
contexto social. Em relação a este projeto de Lei, a autora explica que um ano antes
houve uma decisão do Supremo Tribunal Federal que autorizou o procedimento do
aborto em casos de fetos anencéfalos: a ADPF n.º 54. Em resposta a esse importante
avanço para a segurança e saúde das mulheres, cuidaram de apoiar, no ano seguinte,
um projeto que onerasse o acesso a direitos reprodutivos.
O Estatuto do Nascituro é apenas um dos exemplos desse modus operandi
neoconservador em relação a políticas relativas a corpos femininos. Negreiros
denuncia uma mesma reação decorrente do poder de influência da agenda
neoconservadora frente aos direitos reprodutivos ocorrida em 2008. À época, por
recomendação do deputado evangélico Eduardo Cunha (MDB/RJ), o projeto de lei
que propunha a descriminalização do aborto, que tramitava na Câmara, foi
definitivamente arquivado. Negreiros (2021) atribui esse ocorrido a uma vitória da
CNBB:

Em seu voto contra o projeto, ele (Eduardo Cunha) citou trechos escritos por
uma famosa ativista antiaborto dos Estados Unidos, Wanda Franz: “Quando
uma mulher aceita submeter-se a um aborto, [isso] se opõe vivamente ao que
a sociedade espera que as mulheres sejam: pacientes, amorosas e
maternais. Ainda não era a realização do sonho da CNBB - que defendia a
proibição em quaisquer circunstâncias -, mas consolidava uma posição de
resistência a eventuais avanços na pauta de direitos reprodutivos (Negreiros,
2021, p. 200).
30

Mais uma vez, é demonstrado o poder de influência dessa agenda em suas


reações persistentes contra qualquer tipo de avanço no que tange aos direitos
reprodutivos. Inclusive, a despeito de Eduardo Cunha, Medeiros (2024) relembra que
sua mobilização de cunho neoconservador seguiu com sua eleição para presidência
da Câmara dos Deputados em 2016, ocasião em que as forças da ala política a ele
alinhadas ganharam ainda mais repercussão, perpetuando um golpe de Estado de
cunho neoliberal e neoconservador.
Negreiros (2021) também cita a reação neoconservadora e religiosa à criação,
dentro da Secretaria Especial de Políticas Públicas para as Mulheres, de um grupo
responsável pela discussão de revisão de leis que tratassem sobre o aborto no Brasil.
Em 2005, a Comissão Tripartite propôs um projeto de revisão sobre a legislação
vigente sobre a interrupção voluntária da gravidez criada, coordenado pela então
Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres em conjunto com o Conselho
Nacional dos Direitos da Mulher (Brasil, 2004). O objetivo da revisão era que houvesse
uma reformulação detalhada das normas jurídicas existentes que tratavam sobre a
proteção aos direitos reprodutivos, considerando, principalmente, a delicada situação
de abortos em casos de violência sexual e em casos em que há risco à saúde da
mulher, considerando, para além das questões legais, a saúde e o bem-estar de
mulheres em situação de vulnerabilidade. A resposta dos setores mais conservadores
da sociedade foi imediata.
Inicialmente, o então Procurador da República, Claudio Fonteles, foi à mídia se
posicionar não somente contrário à simples discussão governamental sobre direitos
reprodutivos, mas também a favor de elencar como crime o aborto em todas as
situações. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, por sua vez, divulgou uma
nota defendendo que o aborto seria um “atentado contra a vida”. Seguindo a crescente
popularidade e influência da pauta religiosa, foi eleito para a Câmara de Deputados o
católico Severino Calvacanti (PP/PE), que havia apresentado, anos atrás, um projeto
para o Código Penal que afastava o permissivo legal que permitia o processo de
interrupção de gravidez em caso de estupro, classificando-o como “acidente horrendo”
(Negreiros, 2021, p. 153). No mesmo mês da eleição de Cavalcanti, uma divulgação
por parte do governo de uma norma técnica que informava sobre o tratamento
humanizado do aborto foi suficiente para que entidades religiosas e conservadores
enviassem uma série de e-mails ao Ministério Público, alegando que o governo estava
31

incentivando a prática de aborto. A reação também seguiu sendo noticiada na mídia,


o que acentuou os ânimos da discussão.
Também estudando as reações sociais frente à instauração da Comissão,
Machado (2017) explica que 2005 foi o marco principal de aumento da participação
de forças fundamentalistas no cenário político brasileiro. Concordando com Negreiros
(2021), Machado (2017) defende que a noção conservadora se utiliza da premissa
abstrata de “vida” que não advém, como alguns representantes da agenda defendem,
de preceitos biológicos, e sim de argumentos religiosos e ligados a uma vertente
ideológica. Portanto, o que ocorre é que, ainda que o Brasil seja um Estado
teoricamente laico, não escapa da herança da absorção de valores religiosos,
principalmente cristãos e evangélicos, pelas instituições políticas e jurídicas
brasileiras, que servem para reforçar e legitimar uma pauta política:

As razões para a laicidade dos séculos XVIII e XIX não ter tido como resultado
a descriminalização do aborto, nem o reconhecimento de que a condenação
do aborto estava baseada em fundamentos religiosos, no meu entender, deve
ser interpretada à luz da absorção pelos Estados Nações do entendimento
cristão de longa duração dos valores familiares e conjugais que se centram
na autoridade e no poder desigual de homens e mulheres, e da sexualidade
(heterossexualidade e procriação obrigatória porque sagradas) (Machado,
2017, p. 6).

Assim, uma vez que a noção tradicional de funcionamento social é ameaçada,


as entidades conservadoras agem para barrar qualquer política que destoe do que é
defendido pelos seus valores morais.
O trabalho da ala conservadora persiste mesmo após as conquistas de
movimentos sociais em relação aos direitos reprodutivos – e parece travar uma
verdadeira guerra cultural para que seu posicionamento continue influenciando
políticas relativas ao corpo alheio. Luft (2023) realizou um mapeamento sobre projetos
de Lei que tratassem sobre a questão do aborto, apresentados nas 56ª e 57ª
legislaturas. A autora converge com o entendimento de Machado (2017) e classifica
esse movimento como “fundamentalista e neoconservador”, por se resgatarem
concepções religiosas para sustentar seu posicionamento contrário ao aborto. Luft
(2023) explica que, dentre os projetos de Lei analisados, 80% deles tinham viés
explicitamente contrário ao direito à interrupção voluntária da gravidez, sendo que a
maioria deles foram propostos por parlamentares filiados ao Partido Liberal (PL).
32

Segundo Medeiros (2024), isso é explicado pela aliança entre a extrema-direita,


fundamentalistas religiosos e militares.
Para além da quantidade de projetos de Lei elencados por Luft (2023), importa
a análise do conteúdo defendido pelos parlamentares representantes da agenda
neoconservadora, e como ele vai ao encontro das raízes sexistas do ordenamento
jurídico e político brasileiro, como demonstrado, por exemplo, com o posicionamento
de Nelson Hungria. O já citado “Estatuto do Nascituro” é mencionado no PL 434/2021,
da deputada Chris Tonietto; a proposta da parlamentar é pela definição legal do
momento da concepção como o marco em que se inicia a vida, e, mais que isso, a
prioridade absoluta do feto, mesmo que em detrimento da gestante. Concomitante, a
deputada Clarissa Tércio, também do PL, apresentou uma proposta que pretendia
acrescentar à legislação a obrigação para que a mulher que busca o aborto, mesmo
nos casos dos permissivos legais, tenha que ouvir os batimentos cardíacos do feto. A
ideia do projeto foi replicada pela Comandante Nádia, do PL, na Câmara de Porto
Alegre o Projeto de Lei nº 580/23, que prevê que vítimas de estupro sejam instruídas
pelos médicos a ouvirem os batimentos cardíacos dos fetos (Brasil, 2023).
Como já demonstrado, o discurso inicial da agenda neoconservadora, em
relação ao debate sobre direitos reprodutivos, parece ser somente o da proteção à
vida do feto. No entanto, se esconde por detrás desse discurso um saudosismo a uma
figura de mulher idealizada como obediente, escondida no espaço privado do lar, sem
vocalidade em espaços públicos, como o da política, e que tem como seu atributo
obrigatório o de gerar a vida. Tal idealização encontra respaldo, como demonstrado,
em valores religiosos. Portanto, “o movimento anti escolha é fundamentalmente
antifeminista” (hooks, 2018, p. 64) e promove uma luta cultural e institucional contra a
emancipação feminina.
Essa série de argumentos de base conservadora e principalmente religiosa
também surgiram durante o processo de julgamento da ADPF objeto da presente
pesquisa. No artigo “Aborto, valores religiosos e políticas públicas: a controvérsia
sobre a interrupção voluntária da gravidez na audiência pública da ADPF 442 no
Supremo Tribunal Federal”, Luna e Porto (2023) analisam a audiência pública que
debateu a ação, e defendem que os agentes contrários usam principalmente
argumentos religiosos para a defesa da posição. Respaldados em valores como
família, individualismo e proteção à vida intrauterina, bem como nas críticas aos
valores apresentados por pesquisas como a Pesquisa Nacional do Aborto, os
33

posicionamentos “pró vida” seguem o mesmo padrão histórico, considerando


principalmente aspectos morais e religiosos, aludindo a questões subjetivas como o
conceito de “família”, desconsiderando a faticidade, a auto gerência da mulher
respaldada na Constituição e avanço do debate no cenário internacional.
34

3 AUDIÊNCIA PÚBLICA DA ADPF Nº 442

O julgamento da Arguição de Descumprimento Fundamental nº 442 foi pautado


pela intensa participação de instituições da sociedade civil, que atuaram como amici
curiae na ação, apresentando argumentos que corroboram com seus
posicionamentos. Os agentes puderam expor suas teses na Audiência Pública de
julgamento da ação, realizada em quatro sessões ocorridas em agosto de 2018. As
sessões foram organizadas conforme o departamento de cada um dos participantes,
separados em: instituições e serviços de saúde; sociedade civil; instituições de cunho
religioso e, por fim, operadores do direito. As quatro sessões de audiência foram palco
de uma gama diversa de informações que visavam contribuir com o debate sobre a
matéria constitucional. Importa salientar que, ao passo que instituições favoráveis à
retirada dos artigos 124 e 126 do Código Penal de 1940, proposta da ADPF em
questão, buscaram remeter-se a dados concretos, a base teórica utilizada para
fundamentar o posicionamento contrário adentrou tópicos de cunho moral. A divisão
dos posicionamentos contou com 36 entidades “pró-escolha”, catorze contrárias e
duas indefinidas, e a concentração de teses contrários à ADPF nº 442 se deu na
terceira sessão do julgamento, ocasião em que foram ouvidas instituições religiosas
(Luna; Porto, 2023, p. 9).

3.1 METODOLOGIA

A fim de realizar a análise qualitativa dos argumentos levantados por agentes


favoráveis e desfavoráveis à ADPF nº 442, foi utilizado como base o artigo de Rozeli
Porto e Nara Luna: “Aborto, valores e religiosos e políticas públicas: a controvérsia
sobre a interrupção voluntária da gravidez na audiência pública da ADPF 442 no
Supremo Tribunal Federal”. O texto de Luna e Porto (2023) foi elaborado a partir da
visão interna das autoras, que assistiram à audiência pública e descreveram quais
foram os principais pontos levantados pelos agentes que participaram do feito. Foram
50 as exposições de amici curiae (Brasil, 2018). Selecionou-se, então, as
manifestações que apresentaram maior pertinência em relação ao objeto de análise
deste estudo, tal seja, a influência da agenda neoconservadora no debate
sociojurídico sobre direitos reprodutivos. Buscou-se, portanto, as falas de agentes
desfavoráveis que se centravam em questões de cunho da moralidade religiosa,
35

faziam referência à necessidade de tutela jurídica do feto, bem como que se


ancoravam em crenças pessoais dos agentes, não encontrando respaldo na
realidade. Em relação aos agentes favoráveis, a técnica utilizada foi a mesma, porém
redirecionando a seleção dos agentes para aqueles que sustentavam suas falas em
pesquisas, faziam menção a dados concretos envolvendo a questão da saúde
reprodutiva da mulher brasileira e inclusive adentravam a abordagem religiosa da
questão, mas com o entendimento de outras manifestações da fé, como a religião
islâmica e judia. A seleção de argumentos favoráveis à ADPF foi realizada a fim de
evidenciar a realidade do aborto no Brasil, bem como a diferença entre a base
argumentativa de agentes contrários e favoráveis.
Após, foi realizada a leitura integral do voto da ministra Rosa Weber e a análise
sobre quais os posicionamentos, tanto de agentes favoráveis quanto desfavoráveis,
foram debatidos pela jurista de forma mais extensiva. Feito o duplo processo de
filtragem dos agentes ouvidos na audiência pública, se optou pela menção a cerca de
2 agentes para cada dia da audiência, favoráveis e desfavoráveis. Dessa maneira, foi
possível analisar as manifestações de agentes da medicina, agentes da própria
sociedade brasileira, e agentes religiosos, ouvidos no primeiro dia de audiência,
03/08/2018, e no segundo dia, 06/08/2018, agentes religiosos e agentes do direito
(Brasil, 2018a).
Por fim, após a descrição dos argumentos, foi realizada uma análise sobre os
motivadores das falas agentes (se são baseadas em valores morais e religiosos, se
encontram respaldo em pesquisa etc.). O processo foi respaldado na tese de autores
que tratam sobre o debate sociojurídico que envolve o tema do aborto, tais como
Medeiros (2024), Machado (2017), Negreiros (2023) e as autoras inicialmente citadas,
Luna e Porto (2023).

3.2 DIREITO À AUTONOMIA E DIREITOS REPRODUTIVOS

3.2.1 Exposição dos discursos

O primeiro dia de audiência pública reuniu entidades de saúde consideradas


“pró escolha” segundo análise de Luna e Porto (2023) em “Aborto, valores religiosos
e políticas públicas: a controvérsia sobre a interrupção voluntária da gravidez na
36

audiência pública da ADPF 442 no Supremo Tribunal Federal”. Organizações como a


Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) e a
Academia Nacional de Medicina, representadas por expositores como Raphael
Câmara, coordenador da residência médica em Ginecologia da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), pautaram suas teses principalmente em relação aos
números alarmantes de mortes decorrentes de abortos clandestinos. Com dados
provenientes de órgãos como o Sistema Único de Saúde (SUS), em conjunto com
conclusões de pesquisas como a Pesquisa Nacional do Aborto (PNA) de Débora Diniz
e a Pesquisa “Nascer Brasil”, foi apontado que a criminalização não impede que o
procedimento do acordo ocorra clandestinamente. Não obstante, ao tornar o aborto
matéria regida pelo Direito Penal, ocorre inclusive a obstaculização da prevenção,
atendimento e orientação para uma abordagem humana para um problema tão
complexo.
Seguindo pela mesma linha de pensamento, que consolida a compreensão de
que é ilusório acreditar que a criminalização vá impedir que os abortos ocorram,
mencionou-se qual o impacto da legislação no sistema de saúde:

[...] a curetagem pós-aborto é um dos procedimentos mais realizados em


assistência obstétrica pelo SUS. Estima-se que sejam realizadas por ano
cerca de 200 mil internações relacionadas a curetagens pós abortamento,
com custos elevados para o sistema de saúde (Luna; Porto, 2023, p. 10).

Dessa maneira, restou evidente que a criminalização pode sobrecarregar o já


precário sistema público de saúde no Brasil, de maneira que o bem jurídico que se diz
ser protegido pela inserção do crime de aborto na legislação penal brasileira, acaba,
na prática, não ocorrendo. Em consonância com o cenário brasileiro, a médica Melânia
Amorim citou casos de diversos outros países nos quais o processo de criminalização
teve efeito contrário, e a mortalidade aumentou. Com a remoção das restrições, no
entanto, o fato diminuiu, a exemplo da Romênia, África do Sul, Portugal e Uruguai. A
experiência estrangeira foi apontada como essencial para compreensão de que a
diminuição do número de abortos (e de mortes maternas) se dá não pela
criminalização, e sim por programas de atenção pós-aborto com orientação adequada.
Representantes da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) defenderam o papel
da medicina de proteção integral à saúde, consagrado como princípio fundamental
para o exercício da medicina pela Organização Mundial da Saúde (OMS), conduta
37

que deve ser oferecida mesmo que através do atendimento em casos de aborto. A
Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e a Sociedade Brasileira de Bioética,
Instituto de Biodireito e Bioética (IBIOS) trouxeram argumentos convergentes no
sentido de que a estigmatização decorrente do crime atrelado ao aborto é grande
impeditivo de implementação de políticas públicas que realmente tutelem o bem
jurídico da vida, tanto da mãe quanto do feto, bem como impede o acesso ao aborto
mesmo em casos em que não há ilicitude no fato tipificado. Ademais, em relação ao
próprio feto, foi defendido que há diferença entre embrião e pessoa humana: “o marco
protetivo das pessoas com deficiência, tanto no campo internacional como no
nacional, não equipara feto às pessoas nascidas, isso nem na Convenção de Direitos
das Pessoas com Deficiência nem na Constituição” (Luna; Porto, 2023, p. 13). No
campo da psicologia, foi levantado o debate sobre como supostas síndromes de
trauma pós-aborto não atribuem à mulher a capacidade de autogerência.
Já a sessão com representantes de entidades religiosas, realizada no segundo
dia de audiência, apesar do seu caráter majoritariamente contrário à proposta da
ADPF nº 442, contou com quatro falas favoráveis. Em reverência ao então líder da
religião cristã, Papa Francisco, Maria José Fontelas Rosado Nunes, em nome do
movimento Católicas pelo direito de decidir, reforçou que o papado vem apresentando
interpretações que sugerem que não se faça o julgamento de mulheres que abortam.
Ainda, Maria Nunes, em movimento de interseção da profetização de sua fé e
compreensão da realidade, argumentou que a criminalização do aborto não é escopo
de argumentação baseada em crença, dado o fato irrefutável que o Estado brasileiro
é considerado laico, e que o direito ao aborto perpassa questões vitais que influenciam
o exercício da cidadania da mulher. Em relação ao debate sobre o marco do início da
vida, aduz que “em 1861, que o aborto foi declarado um pecado, sem nunca ter se
tornado objeto de dogma” (Luna; Porto, 2023, p. 17). Esse tipo de compreensão foi
acompanhado de representantes da religião judaica e islâmica. Enquanto o Rabino
Doutor Michel Schlesinger defendeu que no judaísmo a gravidez não é considerada
estado em que existe vida humana completa e autônoma, o representante das
Associações Muçulmanas do Brasil (FAMBRAS), Doutor Mohsin Ben Moussa, apesar
de apresentar interpretação mais restritiva, argumentou que para o Islã o aborto é
aceitável até o 6º dia de gestação, dado que se trata apenas de “água e sangue” e
38

que após 42 dias só poderia ser realizado se decorrente do crime de estupro, pois já
haveria a presença de alma.
Por fim, a última sessão se preocupou em ouvir entidades do Direito. Dentre 9
delas, 6 apresentaram argumentos progressistas, no sentido de serem favoráveis à
ADPF em questão. Na seara jurídica, um dos principais pontos levantados pelos amici
curiae contrários à ação foi a ilegitimidade do STF para julgar tal ação. No que tange
esse aspecto, Ana Carla Matos, representante do Instituto Brasileiro de Direito Civil,
defendeu que “um dos argumentos acionados na sessão de especialistas na área do
Direito é a proteção de minorias na tutela de direitos: “a magistratura é crucial na
democracia para tutelar direitos fundamentais, mesmo quando a intervenção do
Judiciário assuma feição contramajoritária” (Luna; Porto, 2023, p. 22). Em contraste à
ideia, defendida pelos setores contrários à proposta da ação aqui estudada, de que o
Congresso seria órgão mais legítimo para julgar a demanda, mencionou-se que a
composição heterogênea e efêmera do órgão, que pode apresentar corpo mais
conservador ou liberal, é empecilho que dificulta a garantia de um julgamento
adequado da proposta, mesmo pois o Supremo Tribunal Federal cuida de assuntos
derivados da lei maior brasileira, a Constituição Federal de 1988.
Em relação ao Pacto San José da Costa Rica, foi realizada uma análise mais
aprofundada e restou comprovado que a Corte Interamericana de Direitos Humanos
tem posicionamento acerca do aborto no sentido de o ato configurar uma das
exceções permitidas no tocante à proteção da vida. Não obstante, a base
argumentativa favorável à ADPF encerrou apresentando uma tese que escancara a
realidade do aborto no Brasil. Mediante análise quantitativa da representante da
Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro – Núcleo Especializado de Defesa da
Diversidade Sexual e Direitos Homoafetivos, foi exposto que a maioria dos casos de
mulheres que buscam serviços por complicações decorrentes de abortos clandestinos
são negras, com idades entre 18 e 36 anos. A criminalização, em ilusória pretensão
de proteger o bem jurídico “vida”, faz com que o estigma em torno do aborto aumente,
ao mesmo tempo em que há notável falha estatal de proteção da infância e juventude
e promoção de políticas públicas relativas à justiça reprodutiva. O fato encontra
respaldo na fala de Eleonora Nacif, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, que
afirma ter sido testemunha de diversos júris de acusações de aborto, sendo sua
maioria de mulheres marginalizadas pela sociedade.
39

3.2.2 Agentes de saúde e agentes da sociedade civil favoráveis

Já descritos os argumentos levantados pelos peticionários favoráveis à


proposta da ação do PSOL, resta necessário que se faça uma análise crítica sobre os
principais pontos utilizados pelas entidades, a fim de que se encontre respaldo dos
argumentos em variadas bibliografias, para que se compreenda quais discussões
anteriores convergem com os posicionamentos aqui elencados.
A Pesquisa Nacional do Aborto (PNA), realizada nos anos de 2010, 2016 e
2021, pela antropóloga Débora Diniz foi uma das fontes referidas no decorrer da
audiência pública, principalmente para a defesa da noção de que a criminalização não
é efetiva para o combate à prática de aborto. A fim de que se tenha uma análise mais
contemporânea do conteúdo, serão traduzidas as conclusões das últimas duas
pesquisas elaboradas, realizadas em 2016 e 2021, respectivamente. Com uma base
de dados de 2.000 mulheres entre 18 a 39 anos, selecionadas aleatoriamente
principalmente em áreas urbanas do Brasil, e que utilizou do método de urna, para
consagrar a privacidade das entrevistadas, a pesquisa de Diniz de 2021 apontou que
em 2021 cerca de 10% das mulheres brasileiras já teria realizado o procedimento de
aborto. Faz-se uma comparação com as conclusões de pesquisas anteriores; em
2016 a porcentagem era de 16%, indicando provável diminuição no número de
abortamentos realizados. Sem alterações significativas no sentido de
descriminalização do aborto de 2016 até 2021, a possível explicação para a
diminuição no número de procedimentos realizados é o aumento do acesso a métodos
contraceptivos (Diniz; Medeiros; Madeiro, 2023, p. 2).
Tal dado também é defendido por Luft (2023, p. 13), já que compreende que
“ao tratar da temática do aborto, há pelos menos dois fatos, já citados, que são
irrefutáveis: a criminalização não impede a sua prática e, das mulheres que abortam,
quase metade precisa ser hospitalizada”. É possível perceber, portanto, questão do
aborto é, antes de tudo, um debate que envolve saúde pública, pois mesmo sob
regime de crime, a prática do abortamento não cessa (Pereira; Chaves; Sturza, 2020).
Ademais, é vital enfatizar a importância do acesso a métodos contraceptivos, que,
segundo os dados da PNA, cooperam para a diminuição da necessidade do
abortamento de forma mais eficaz que a criminalização.
40

Seguindo a linha da defesa do tratamento do direito ao aborto sob o manto da


proteção e acesso à saúde pública, os representantes das entidades ouvidas na
audiência pública em questão remeteram-se a inúmeros dados sobre como a
criminalização, além de ineficaz para a diminuição do número de abortos, também é
um fator considerável de sobrecarga do sistema de saúde brasileiro. Da mesma forma,
o direito comparado foi amplamente referido, no sentido de reforçar, mediante análises
da descriminalização em outros países, a premissa que a inserção do crime de aborto
na seara do direito penal não impede que o procedimento ocorra e não tem relação
com a diminuição do número de casos. Tais informações encontram respaldo em
diversas literaturas. Dalle Molle (2018, p. 11) refere que “de acordo com a Organização
Mundial da Saúde (OMS), a proibição não reduz o número de abortos e aumenta os
procedimentos inseguros” e Vieira (2021) complementa aludindo ao processo de
descriminalização do aborto em experiências internacionais e quais foram as
consequências práticas.
Ainda que o cenário atual dos Estados Unidos em relação à tutela do direito ao
aborto esteja incerto atualmente, dada a recente vitória de Donald Trump perante
Kamala Harris, que realizou campanha forte em favor dos direitos reprodutivos e
sofreu críticas da oposição por tal, o país foi palco de importante julgamento sobre o
direito ao aborto. Vieira (2021) cita o emblemático Roe vs Wade, julgamento que
consolidou o entendimento da Suprema Corte dos Estados Unidos de que a mulher
que escolhe abortar deve ter seu direito à privacidade protegido, conforme a Cláusula
de Processo Devido da 14ª Emenda. Ainda que esse direito não seja absoluto, foi
decidido que a lei estadual que não considerasse o estágio da gestação para fins de
proibição do aborto, sob alegação de proteção da “potencialidade da vida humana”
(Roe v. Wade, 1973), seria inconstitucional. A consequência da legalização do direito
ao aborto nos Estados Unidos foi do menor número de procedimentos registrado em
2017; segundo The Guttmacher Institute, em estudo de 2019, os abortos diminuíram
em quase todo o país, exceto em 5 estados. Vieira (2021) também se debruça sobre
a questão de novas legislações em alguns estados norte americanos que restringiram
o acesso ao aborto, e afirma que tal medida não foi eficaz para a promoção da
diminuição dos procedimentos (NBC News, 2019).
Situação parecida foi observada no cenário francês, que recentemente se
tornou o primeiro país do mundo a incluir o direito ao aborto no texto constitucional
(Yazbek, 2024). O histórico da discussão sobre o aborto na França tem marco inicial
41

na Lei Weil, norma que, ao contrário dos Estados Unidos, surge diretamente do
legislador. A medida permitiu a interrupção voluntária da gravidez até as dez primeiras
semanas de gestação, sob as seguintes hipóteses: angústia da gestante; risco à vida
da gestante; probabilidade ou alta probabilidade de o feto desenvolver algum tipo de
doença grave ou incurável. Na França, principalmente pela adoção de um
aconselhamento e assistência à mulher que escolhe abortar, também houve redução
das taxas de aborto até 2017, apesar de, a partir desse ano, ter tido um crescimento
nos casos. Segundo Vieira (2021, p. 20), a explicação pode ser encontrada em
pesquisas que relatam a diminuição do uso de anticoncepcionais pelas francesas,
bem como a falta de confiança em médicos para realização do procedimento. Não
obstante, o histórico francês corrobora com a tese levantada por representantes
favoráveis à ADPF nº 442 de que a criminalização não é responsável pela diminuição
dos casos de aborto.
Por fim, em consonância com os argumentos levantados por agentes como
Melânia Amorim na primeira sessão da audiência pública da ação aqui estudada,
importa mencionar a experiência latino-americana de luta pela descriminalização do
aborto e suas consequências quantitativas. Apesar da forte pressão de grupos
conservadores na Argentina, o Movimento Maré Verde conquistou a
descriminalização do aborto até a 14ª semana de gravidez, medida que deve ser
inclusive ofertada pelo Sistema de Saúde argentino. O avanço argentino se deu
através de discussão no âmbito judiciário do país, dado que a decisão foi proferida
pelo Congresso, e repercutiu positivamente em outros países do chamado “sul global”:

Logo, acompanhou Uruguai, Cuba, Guiana e Guiana Francesa, sendo o


primeiro grande país da região a dar um grande passo na garantia dos direitos
das mulheres [...]. Após a promulgação da lei argentina, é de se esperar que
os movimentos feministas dos países ao redor se intensifiquem (Vieira, 2021,
p. 18).

Vieira (2021) não encontra dados concretos sobre as consequências da


descriminalização do aborto na Argentina, dada sua contemporaneidade, mas afirma
que o processo ainda enfrenta desafios, como o instrumento de objeção de
consciência disponível para médicos que se recusam a realizar o procedimento
(Coraccini, 2021).
42

Apesar de deficitária neste ponto, a legislação brasileira apresenta normas


acerca do processo de abortamento como questão de saúde pública, o que vai ao
encontro dos argumentos levantados pelos agentes favoráveis à ADPF nº 442 em
relação ao tratamento do tema voltado à saúde da mulher. Pode mencionar-se a Lei
nº 12.845, que entrou em vigor em 2013, e visa assegurar o direito ao aborto imediato
em hospitais, em casos em que tenha ocorrido gravidez decorrente de violência
sexual. Entretanto, observa-se que não é o que ocorre na prática; são recorrentes nas
mídias os relatos de casos em que, mesmo com registro de violência sexual, bem
como com a confirmação de que a gravidez possa gerar risco à vida da mulher ou que
o feto apresente anencefalia, as vítimas têm o direito ao aborto negado. Ainda, já é
relatado, inclusive pelos amici curiae favoráveis à ADPF nº 442, que as implicações
decorrentes de abortos inseguros sobrecarregam o Sistema Único de Saúde, além de
apresentarem riscos à vida da mulher, de maneira que o Ministério da Saúde do Brasil
vem caminhando para um tratamento mais humanitário do processo abortivo, mas que
ainda encontra muitos entraves (Diniz; Medeiros; Madeiro, 2023).
Ainda na primeira sessão da audiência pública da ADPF nº 442, representantes
da FIOCRUZ fizeram referência ao papel da medicina de proteção integral da saúde,
sendo inclusive um dos princípios estipulados pela OMS. O dado é concreto e
encontra respaldo teórico no documento da OMS “Diretriz sobre cuidados no aborto:
resumo” que indica expressamente que “os cuidados abrangentes no aborto incluem
a disponibilização de informação, a gestão do aborto (incluindo o aborto induzido e os
cuidados relacionados com as perdas de gravidez/aborto espontâneo e os cuidados
pós aborto)” (Organização Mundial da Saúde, 2022, p. 3). A OMS também reconhece
a importância do tratamento do aborto dentro da seara da saúde pública, em
específico, dentro dos cuidados que os sistemas de saúde têm de ter para com a
saúde sexual e reprodutiva da mulher, bem como planejamento familiar. A Estratégia
Mundial de Saúde Reprodutiva da OMS reconhece que, para fins de progresso e
desenvolvimento internacional, é imprescindível que se elimine o aborto inseguro. O
órgão vai além, e elenca cuidados que os países devem ter para um tratamento
adequado do aborto. Dentre eles, definem que os abortos devem ser “eficazes,
eficientes, acessíveis, aceitáveis; centrados no doente, equitativos e seguros”
(Organização Mundial da Saúde, 2022, p. 3). Reforçam, por fim, que o respeito pelos
direitos humanos, essencial ao exercício da medicina, tem como um dos principais
pilares a inclusão de um quadro jurídico e político favorável; o que não se observa no
43

cenário brasileiro, ainda intoxicado por valores morais que impedem a efetivação do
aborto seguro e legal.
Seguindo por essa mesma linha supracitada, complementa Santos et al. (2013,
p. 2):

A inobservância na oferta de acesso e atenção à saúde sexual e reprodutiva,


tanto no aconselhamento quanto na oferta efetiva de medicamento
contraceptivo, também eleva o número de gravidez indesejada. Essa situação
pode estar diretamente relacionada ao alto índice de abortos induzidos. Tal
fato ocorre porque diversas mulheres se encontram desamparadas em seu
direito à saúde e, como no Brasil o aborto é ilegal na maioria das situações,
algumas recorrem a práticas clandestinas ou inseguras, sobretudo as mais
pobres, com baixa escolaridade e negras.

Resta, portanto, consolidada a ideia de que a discussão sobre o direito ao


aborto deve se dar no campo da saúde pública, e não mediante criminalização, que
não interrompe os casos e atenta contra a vida das mulheres. ABA e IBIOS
defenderam que o tratamento atual que a legislação brasileira dá ao aborto implica na
obstaculização de políticas públicas centradas na tutela do bem jurídico vida, tanto do
feto, quanto da mãe. Observa-se que tal estigmatização implica na dificuldade de
acesso ao aborto mesmo em casos em que o ato não é considerado antijurídico.
Assim, notável que esse tratamento de cunho moral impede que até mesmo
políticas públicas consolidadas sobre direitos reprodutivos não sejam acessadas. São
diversos os relatos que comprovam esse déficit: casos em que, mesmo com registro
de violência sexual, bem como com a confirmação de que a gravidez pudesse gerar
risco à vida da mulher ou que o feto apresentava anencefalia, as vítimas tinham o
direito ao aborto negado, tendo de ficar à mercê da justiça brasileira, aguardando a
autorização do procedimento. Um dos casos mais recentes ocorreu em Goiás, com
uma criança de 13 anos que sofreu um estupro de um adulto de 24 anos, engravidou
e, a partir da 18ª semana de gestação, procurou os meios legais para a realização do
aborto e teve o acesso negado. Foi somente algumas semanas depois que o STJ
autorizou liminarmente que o aborto legal fosse realizado (Sadi; Paulo, 2024).
Finalizando os apontamentos ligados à área da saúde levantados pelos
agentes sociais que se posicionaram a favor da ADPF 442 no primeiro dia de sessão
da audiência pública, foi debatido sobre supostas síndromes que assolam as mulheres
que optaram por interromper a gestação. A defesa foi no sentido de que tal afirmação
44

exclui a prerrogativa de autogerência das mulheres. Trago um contraponto necessário


para a discussão: os impactos psicológicos decorrentes de uma gestação indesejada.
A premissa de que há, sim, consequências para a psique das mulheres que optam
pelo aborto pode não ser inteiramente errada, ainda que as síndromes de trauma pós-
aborto sejam tratadas de maneira alarmistas. Entretanto, é necessário questionar-se
sobre como fica o psicológico de uma mulher que é obrigada a gerar e cuidar de uma
vida, mesmo que assim não queira. No julgamento Roe vs Wade, o juiz Harry
Blackmun, em decisão favorável, discorre sobre os danos da maternidade ou prole
adicional não planejada à vida da mulher, gerando sentimento de angústia e
ansiedade, descontadas as outras consequências materiais, como comprometimento
da renda e planejamento do futuro da mulher (Roe v. Wade, 1973).
A alusão a possíveis transtornos psicológicos causados pelo abortamento
também ignora que em países que o processo é permitido há acompanhamento de
psicólogos, justamente para oferecer o amparo tão necessário no momento da
decisão. O quesito da viabilidade psicológica para a continuidade da gravidez é de
suma importância, portanto, tendo sido observado por legislações internacionais ao
elencarem os casos de viabilidade do aborto legal, a exemplo da experiência francesa,
bem como em Portugal:

Em concreto, avança-se um regime legal em que a exclusão da punibilidade


da interrupção da gravidez efectuada por médico, ou sob a sua orientação,
em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido, quando
realizada por opção e mediante o conhecimento da mulher grávida, nas
primeiras dez semanas de gravidez, depende de a sua realização ter tido
lugar, no mínimo, três dias depois da realização de uma primeira consulta
destinada a facultar à mulher grávida o acesso a informação relevante para a
formação da sua decisão livre, consciente e responsável. Informação que
abrange as condições de efectuação, no caso concreto, da eventual
interrupção voluntária da gravidez e suas consequências para a saúde da
mulher, as condições de apoio que o Estado pode dar à prossecução da
gravidez e da maternidade, e à disponibilidade, durante o período de reflexão,
quer de acompanhamento psicológico, quer de acompanhamento por serviço
social (Portugal, 2010).

É inegável, portanto, que, mesmo considerando-se que possam existir


consequências para a saúde mental da mulher que opta pelo aborto, uma análise mais
aprofundada encontra impactos de níveis psicológicos, sociais e materiais
significativos no caso de uma gestação forçada.
45

3.2.3 Agentes religiosos favoráveis

A segunda sessão da audiência pública contou com representantes de


entidades religiosas. Apesar da expectativa desta monografia que tal grupo fosse se
posicionar totalmente contrário à ADPF nº 442 e suas propostas, houve agentes que
se mostraram favoráveis. A exemplo da Dra. Maria José F. Rosado Nunes, foi
elencado que o Estado brasileiro é laico, segundo texto constitucional, e que, portanto,
o debate sobre o direito ao aborto deveria afastar-se de premissas religiosas. Segundo
Machado (2017), o movimento feminista utiliza da premissa fundamental do Estado
laico como antídoto em relação à força conservadora contrária ao direito, seguindo
em consonância com a introdução da laicidade nos séculos XVIII e XIX. Entretanto, o
Brasil foi palco do aumento de forças fundamentalistas violentamente contrárias ao
direito ao aborto, principalmente a partir de 2005, em reação a apresentação naquele
ano de uma minuta de projeto de lei a favor da interrupção da gravidez apresentada
ao Poder Legislativo pela Comissão Tripartite para Revisão da Legislação Punitiva da
Interrupção Voluntária da Gravidez.
Em 2005, a Comissão propôs um projeto de revisão da legislação vigente sobre
a interrupção voluntária da gravidez criada, coordenado pela então Secretaria
Especial de Políticas para as Mulheres em conjunto com o Conselho Nacional dos
Direitos da Mulher (Brasil, 2004). O objetivo da revisão era que houvesse uma
reformulação detalhada das normas jurídicas existentes que tratavam sobre a
proteção aos direitos reprodutivos, considerando, principalmente, a delicada situação
de abortos em casos de violência sexual e em casos em que há risco à saúde da
mulher, avaliando, para além das questões legais, a saúde e o bem-estar de mulheres
em situação de vulnerabilidade.
As reações no âmbito jurídico e social foram de extrema repulsa à proposta da
Comissão. Assim, resta evidente que, não obstante a previsão constitucional de
Estado laico, o cenário jurídico e político brasileiro é ainda muito influenciado por
tendências religiosas e suas convicções morais, que agem em conjunto com alas da
extrema-direita e legitimam seu discurso. Da mesma sorte, percebe-se que a
movimentação da agenda neoconservadora frente a temática do aborto tende a se
intensificar em momentos imediatamente seguintes aos que são marcados por
qualquer tipo de avanço em políticas sobre direitos reprodutivos, seja na via legislativa
46

ou judicial. Como extensivamente demonstrado, a agenda neoconservadora se


camufla como defensora da vida, quando a realidade que se evidencia perpassa a
mera defesa do feto; se quer a manutenção de um padrão de existência social de
submissão e obediência feminina, a fim de assegurar instituições tidas como
“ameaçadas” pelo processo de secularização, como família, patriarcado e capital,
conforme explica Medeiros (2024, p. 7):

A concepção de família também é colocada como um local de propagação de


valores morais que reforçam a obediência e a submissão das mulheres,
devendo ser essa também a tônica fora do ambiente domiciliar, estendendo-
se, portanto, para toda a sociedade como um mecanismo de reprodução
desse modelo patriarcal. Assim, a ontologia conservadora no Brasil se
constituiu para defender as relações sociais de classe, as relações sociais de
sexo e de raça, ao mesmo tempo que reforça e serve aos interesses do
capital.

Maria Nunes segue com o debate criticando à ideia de vida desde a concepção,
muito invocada por quem se posiciona contrário ao aborto, ainda que não haja
nenhuma previsão legislativa que evidencie qualquer tipo de proteção jurídica desde
esse marco. Referiu a data de 1861, ocasião em que o aborto foi declarado pecado,
mas sem nunca ter se tornado objetivamente dogma da Igreja. Machado (2017)
concorda que esse discurso de vida desde a concepção é muito mais referência de
fundamentalismo religioso que de fato científico, dado que o debate acerca do marco
inicial da vida não possui consenso, mas é elencado como absoluto por uma agenda
que quer impor suas convicções pessoais sobre a saúde, autonomia e escolha das
pessoas.
Ainda, complementa aludindo ao contexto histórico brasileiro; em todo período
colonial e imperial do Brasil, além do fator social de absorção de fundamentos
religiosos, não havia separação entre Estado e Igreja. Certa, portanto, a ideia de que
princípios de cunho religiosos são uma das mais eminentes fonte de influência no
debate sobre questões que fogem do escopo da fé, como é o caso do aborto. Conclui-
se que, mesmo que não tenha virado dogma da Igreja, como indicado por Maria
Nunes, a ideia de vida desde a concepção possui raízes advindas de valores morais
da religião e salienta-se que é o entendimento majoritário da doutrina jurídica brasileira
contemporânea. Tal ideia é utilizada como escopo para promover o avanço de
políticas contrárias ao direito ao aborto, promovidas por agentes da ala da extrema
direita, como será adiante discutido.
47

Encerram os argumentos favoráveis, ainda que não por inteiro, de entidades


religiosas frente ao direito ao aborto, os relatos de representantes da religião
muçulmana e judaica. Discordam as doutrinas de ambas as religiões sobre quando se
dá o marco no qual o aborto é considerado pecado; entretanto, percebe-se que
nenhuma das religiões adota a concepção como início da vida. Assim, é notável que
tal presunção não é consenso em todas as religiões, e que é a compreensão de que
o início da vida de apenas se dá na concepção se relaciona principalmente à
dogmática evangélica e cristã, o que novamente fere o princípio de Estado laico. Para
firmar essa tese, pode-se invocar a Carta Encíclica Humanae Vitae sobre a
regularização da natalidade; tal documento enfatiza a membros da Igreja Católica que
o aborto deve ser absolutamente excluído, mesmo quando necessário por razões
terapêuticas. A carta é de 1968, mas vê-se que suas premissas ainda são aludidas
em debates contemporâneos sobre o direito ao aborto (Machado, 2017, p. 13).

3.2.4 Entidades do Direito favoráveis

A última sessão da audiência reuniu entidades do Direito. Importa mencionar


qual a interpretação frente ao Pacto São José da Costa Rica que tais agentes adotam.
Enquanto agentes contrários reivindicaram o disposto no Pacto como justificativa para
a defesa do pressuposto de vida e proteção jurídica desde a concepção, nesta parte
da audiência pública foi feita a alusão ao posicionamento da CIDH em relação ao
tópico do aborto, sendo uma exceção permitida. Segundo Luft (2023, p. 37), o Pacto
em nenhum momento hierarquiza o direito do nascituro como preferencial em relação
ao direito da mulher gestante. Luft inclusive cita o Caso Artavia Murillo e Outros,
conhecido como caso da Fecundação in vitro, no qual a Corte decidiu que, diante de
um conflito de interesses, mesmo em se tratando de situações que tratem sobre a
proteção à vida, tal proteção deve ser “harmonizada com os direitos fundamentais de
outras pessoas, em especial da mãe” (Corte Interamericana de Direitos Humanos,
2012). Dalle Molle (2018) relembra ainda que as primeiras ratificações de documentos
internacionais, como a Declaração Universal de Direitos Humanos, não traziam
regulamentação necessária para proteção das mulheres. Além disso, muitas questões
relacionadas às mulheres eram tratadas apenas no âmbito privado, como a violência,
que só depois passou a integrar o âmbito público. Dessa maneira, resta evidente que
48

a interpretação do Pacto San José da Costa Rica deve ser realizada de maneira
abrangente, conforme jurisprudência consolidada da Corte.
Outro ponto abordado pelos agentes de direito aqui elencados como “pró
escolha” por Luna e Porto (2023) foi a legitimidade do órgão julgador da ação.
Contrários à proposta de escolha do Congresso para decidir acerca da ADPF, por
conta de atributos como o fato de ser um órgão composto por pessoas eleitas pelo
povo, argumentaram que o julgamento pelo Legislativo seria realizado por órgão
heterogêneo e efêmero, que muda de entendimento conforme sua composição. Em
consonância com essa compreensão, Vieira (2021) relembra uma série de julgados
que trataram de alguma forma sobre o tema do nascituro e foram julgadas pelo STF,
bem como afirma que a ação constitucional em tópicos como o aborto é essencial,
dada a inércia do Legislativo de oferecer um julgamento eficaz. Relembra, ainda, que
julgamentos anteriores realizados pelo mesmo órgão foram precursores de
posicionamentos importantes para o direito brasileiro, como o marco do nascimento
para a proteção dos direitos fundamentais.
Por fim, foi novamente citado por representantes da Defensoria Pública e do
Instituto Brasileiro de Ciências Criminais que o aborto no Brasil apresenta nítido
recorte de raça e classe social, posto que a maioria dos abortos clandestinos, e
inclusive mortes que decorrem desse procedimento, afetam mulheres marginalizadas
socialmente. Diniz et al. (2023) concorda com a necessidade de se analisar a questão
de aborto sob a perspectiva interseccional, e que, de acordo com Crenshaw (2017, p.
17), trata de analisar como interagem os eixos de subordinação sociais, tais como
patriarcado, opressões de classe e o racismo, com a opressão pautada em gênero.
Diniz et al. (2023) explica que a oneração de acesso ao aborto baseado em questões
raciais ocorre através de uma série de barreiras individuais de acesso aos cuidados
pós-aborto que afetam mais as mulheres racializadas. Explica, também, fato de
mulheres não brancas serem as que mais procuram os serviços de saúde, mesmo
que com receio da represália. Diniz et al. (2023) remete às três edições realizadas da
Pesquisa Nacional do Aborto, nas quais a preponderância de realização do
procedimento abortivo permaneceu constantemente maior com relação às mulheres
pretas, conforme demonstrado na Tabela 1.
49

Tabela 1 – Teste de diferenças entre proporções de aborto segundo cor ou raça

Fonte: Diniz et al. (2023, p. 3089).

A conclusão é, portanto, evidente: quando as três edições da Pesquisa


Nacional do Aborto são analisadas em conjunto, o percentual de mulheres
racializadas que informaram já terem abortado é mais elevado, conforme elenca Diniz
et al. (2023, p. 3090): “na regressão para as mulheres de todas as idades a
probabilidade média predita das mulheres negras é de 12,61% e a das mulheres
brancas de 8,90%”. É impossível dissociar o debate sobre direitos reprodutivos com o
debate sobre questões raciais, principalmente no cenário ilustrado por Diniz. Ainda, a
questão do aborto também perpassa questões de desigualdade social. Segundo bell
hooks (2021), a desvantagem em relação ao acesso ao aborto, métodos
contraceptivos e planejamento familiar ainda é bastante nítido no recorte de classe,
na medida em que mulheres com privilégio socioeconômico possuem a segurança de
saber que, se necessário, terão acesso a um procedimento seguro, enquanto
mulheres em desvantagem material não. Daí a importância da defesa de um acesso
seguro, gratuito ou barato ao aborto, a fim de que mulheres em desigualdade
econômica também tenham controle sobre seu corpo.
50

3.3 OS ARGUMENTOS PRÓ VIDA E A REAÇÃO NEOCONSERVADORA

3.3.1 Exposição dos discursos

Em todas as sessões da audiência pública da ADPF nº 442 também foram


apresentados argumentos contrários, ainda que a concentração tenha se dado na
terceira sessão, ocasião em que foram ouvidos os expositores representantes de
entidades religiosas. No primeiro dia de audiência, ainda que a fala majoritária tenha
sido favorável à ADPF em questão, foram apresentadas posições contrárias. A
começar pelo Coordenador de Residência Médica em Ginecologia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Dr. Raphael Câmara, que criticou os números
apresentados de mortalidade decorrente de abortos ilegais, argumentando que existe
um “chavão”, lê-se, um argumento comum e estereotipado que, sob palavras dele,
não condiz com a realidade, no concernente à tese apresentada de que o número de
mulheres que falecem ou sofrem complicações decorrentes de abortos clandestinos
é maior dentre mulheres pretas e pobres. Para tal, exemplifica trazendo pesquisa
realizada pela Prefeitura do Rio de Janeiro que demonstra que mais mulheres brancas
ou pardas morreram por conta do inacesso ao aborto legal.
Converge com esse posicionamento a análise proposta pelo Movimento
Nacional da Cidadania pela Vida, que afirmou que os números alcançados por
pesquisas como a PNA são falsos, da mesma forma que, divergindo de dados
anteriores que indicaram que o número de abortos aumenta com a criminalização,
aduziram ser a legalização a causa do aumento de casos. Esta entidade também
apresentou sua defesa do direito à vida do feto desde a concepção. Sob a premissa
de que a agenda “pró escolha” defende a descriminalização do aborto para fins de
controle populacional, foi trazido o argumento de que a prática abortiva é tese
neomalthusiana, responsável por fatores como o desequilíbrio populacional e que teria
grande influência no movimento de transição demográfica dos países. A tese foi
novamente aludida pela Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família. Segundo
Hermes Rodrigues Nery, Presidente da Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família,
existe um planejamento por detrás da defesa ao direito ao aborto em prol do controle
populacional, e também afirma haver um projeto de desmonte de instituições como a
da família constituída por pai, mãe e filhos:
51

[...] fundações e organismos internacionais que querem empreender um


eficaz controle populacional (...), debilitando assim as nossas instituições, a
começar pela família, família constituída por homem e mulher, aberta à vida,
duramente atacada e fragilizada por essa cultura da morte (Luna; Porto, 2023,
p. 15).

Em proposta semelhante, a Associação de Direito de Famílias e Sucessões


também aborda a interrupção da gravidez inserindo o debate dentro da instituição da
família, e afirma que muitas vezes o aborto é realizado por mulheres que sofrem
pressões externas, como a do companheiro. Dessa maneira, a descriminalização
fomentaria que tal coação psicológica ocorresse de maneira mais facilitada.
Afastado de argumentos de ordem moral, adentrando no campo jurídico de
fato, argumentou-se que o Supremo Tribunal Federal não seria órgão legítimo para
realizar o julgamento da ação, competência, portanto, do Legislativo. O
questionamento da legitimidade do STF é sustentado pela percepção de que é
imprescindível a omissão do Poder Legislativo para que se julgue uma ADPF no STF;
em havendo projetos tramitando no Congresso, o Tribunal Superior deveria devolver
a questão para os órgãos do Legislativo. A posição foi defendida por agentes como
Ângela Grande, representante da União dos Juristas Católicos de São Paulo. Também
sob a seara jurídica, outra alegação apresentada pelos defensores da permanência
da criminalização do aborto na legislação brasileira foi a suposta previsão contida no
Pacto de San Jose da Costa Rica, ratificado pelo Brasil, de proteção à vida desde a
concepção, bem como a previsão no Código Civil de aquisição de personalidade civil
no nascimento, e a previsão constitucional de proteção e direito à vida.
Ainda, em viés de defesa da potencialidade de vida do feto, os agentes da
terceira sessão da audiência pública questionaram sobre a repercussão
psicopatológica do aborto, aduzindo que o procedimento poderia desencadear quadro
depressivo com resultado de suicídio pela mulher que escolheu o aborto. Chama
atenção também a consolidação dos argumentos de cunho moral em uma frase
proferida por Douglas Roberto Batista, representante da Convenção Geral das
Assembleias de Deus, que defende que o aborto está em desacordo com a moral dos
brasileiros.
Por fim, a última sessão da audiência pública, realizada com entidades do
Direito, apesar de não reunir o maior número de agentes contrários à ADPF, também
foi palco de argumentos com ausência de base teórica concreta, sendo, portanto, fruto
52

de convicções morais próprias dos representantes. A exemplo, pode-se citar o debate


levantado que igualava o movimento feminista a movimentos de cunho religioso, em
alusão à perspectiva de Estado laico levantada pelos que se posicionam a favor da
descriminalização do aborto.

3.3.2 Análise crítica

Os agentes que se posicionaram contrários à procedência da ADPF nº 422


apresentaram uma gama de argumentos que, em sua maioria, se apoiam em valores
religiosos e morais. O comportamento, no entanto, não se distingue do esperado, de
acordo com a herança sexista que existe no ordenamento jurídico brasileiro, bem
como as demais reações neoconservadoras que anteriormente também cuidaram de
se sobrepor aos avanços tidos como “pró-escolha”, utilizando, para tanto, a
legitimação dada pelo discurso religioso. Assim, é possível consolidar que a influência
da agenda contrária ao direito do aborto tem raízes de cunho religioso, o que é
instrumentalizado pela ala da extrema-direita política para promover políticas
contrárias à emancipação feminina. A explicação de tal fenômeno também decorre
do processo de secularização das sociedades modernas, que fomentou o esforço
legislativo desfavorável ao direito ao aborto, em clara convergência com os valores
religiosos da época, dada a não separação oficial entre Estado e Igreja que se
mostrava presente nesse período, aponta Machado (2017). No caso em tela, o fato
da maior concentração de peticionários desfavoráveis ter ocorrido na sessão da
audiência com representantes de entidades religiosas, com 9 dos 13 posicionamentos
totais sendo elencados como contrários ao aborto, conforme elenca Luna e Porto
(2023), ajuda a sustentar tal tese.
Em análise sobre os argumentos levantados no primeiro dia de audiência,
percebe-se uma tentativa de desqualificação de pesquisas que visam compreender a
magnitude do problema do aborto no Brasil, mediante simples presunção de que os
números trazidos pelos agentes favoráveis à ADPF nº 442 são errados. A exemplo, é
possível apontar a supracitada defesa do Dr. Raphael Câmara de que a premissa de
que existe um estereótipo sobre quem recorre ao aborto no Brasil que não encontra
respaldo na realidade. Esta análise sobre quem tem mais dificuldade de acesso ao
procedimento não é aprofundada, e é sustentada em dados da prefeitura de apenas
uma das cidades do Brasil. Como já exposto, pesquisas como a PNA (Diniz et al.,
53

2023), em suas três edições, fundamenta que quem mais busca o aborto no Brasil
são mulheres negras. Lima e Cordeiro (2020) aprofundam a análise e o relacionam
com o racismo ainda presente na sociedade brasileira. Em convergência com
Guimarães (1999 apud Lima; Cordeiro, 2020), as autoras elencam que o racismo é
parte da estrutura das relações sociais e, portanto, característica indelével da
identidade nacional. Os processos de discriminação são diversos, e suas
consequências repercutem em diferentes searas sociais, sendo o acesso ao aborto
uma delas. A partir dessa premissa, Lima e Cordeiro (2020) analisaram itinerários
abortivos de mulheres jovens de uma capital do Nordeste no país. A menção a esses
dados é essencial para compreender a elucidar a ausência de substrato material de
teses como a de Rapahel.
A pesquisa das autoras entrevistou dez mulheres negras e brancas sobre o
aborto, mediante Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), visando
preservar a privacidade das entrevistadas, em movimentação parecida com o feito nas
PNAs de Diniz et al. (2023). Após oitiva e análise dos relatos, restou comprovado que
a vida reprodutiva das mulheres negras desde sempre sofre com processos
estruturais que impediram que elas tivessem acesso à justiça reprodutiva. Antes
mesmo de adentrar no tópico “aborto”, a vida dessas mulheres enfrentou um défict de
orientações sobre políticas de segurança reprodutiva:

No que tange à vida reprodutiva, as mulheres pretas recebem menos


orientações durante o pré-natal sobre o início do trabalho de parto e possíveis
complicações; além disso, recebem menos anestesia local quando a
episotomia é realizada (LEAL et al, 2017). A mortalidade materna entre
mulheres negras é 2,5% maior do que entre as brancas (LEAL et al.,2017),
sendo o aborto a quinta causa deste tipo de morte no Brasil (OPAS, 2018).
Em pesquisa realizada em Pernambuco, as mulheres negras representaram
83,2% do total dos óbitos de grávidas ou puérperas por causas externas:
homicídios, suicídios e acidentes (NASCIMENTO et al., 2018) (Lima;
Cordeiro, 2020, p. 3).

A precariedade do acesso à justiça reprodutiva das mulheres racializadas é,


portanto, tópico muito mais sensível e contundente do que um simples “chavão”
estereotipado, como sugerido na audiência pública da ADPF nº 442, que se utilizou
de apenas uma pesquisa localizada para contra-argumentar inúmeros dados que
contradizem o exposto, e, mais importante que isso, a realidade social historicamente
influenciada pelo racismo, que atua estruturalmente em todos os processos sociais.
54

Salienta-se, ainda, que para além dos dados que demonstram que as mulheres
que mais sofrem com o inacesso ao aborto são as negras, são também elas que
abortam mais tardiamente (Góes, 2018 apud Lima; Cordeiro, 2020, p. 108), bem como
as que mais relatam enfrentar barreiras institucionais do acesso, como tempo de
espera para o leio, em comparação com mulheres brancas. Não encontra respaldo na
realidade, portanto, a afirmação do Dr. Raphael Câmara.
Assim como os demais argumentos levantados pelos peticionários contrários à
ADPF nº 442, o que perpassa o tópico racial, menosprezando-o, também demonstra
as heranças de determinada ideologia neoconservadora. Além de atributos sexistas e
machistas, a agenda neoconservadora é, em sua essência, racista; como elucida
Pires e Flauzina (2020, p. 3):

O modelo de construção de “superioridade” do europeu sobre povos não


brancos na consolidação do projeto colonial forjou-se na experiência
brasileira através de um modelo de organização (política, social, econômica
e cultural) racialmente hierarquizada e estratificada.

Medeiros (2024) complementa e explica que o Brasil, e seu ordenamento


político e jurídico, ainda trata a população preta como não sendo sujeita de direitos. A
autora explica que o racismo é um dos pilares mais elementares do conservadorismo,
e sua face pode ser exposta com a afirmação do peticionário Câmara. Em busca de
deslegitimar a realidade de quem mais busca o processo de aborto clandestino no
país, e quais são as condições sociais que atravessam essa mulher, Câmara se
vincula a uma ideologia consolidada, dentre outras coisas, no racismo. Visualiza-se,
portanto, como os argumentos de entidades vinculadas à agenda neoconservadora
tentam sustentar que suas defesas em argumentos à primeira vista técnicos e
científicos, buscando ocultar o seu evidente viés ideológico e político, intrinsecamente
conectado com valores religiosos, que ajudam a sustentar e legitimar as pautas da
agenda neoconservadora.
Machado (2017) explica que muitas vezes a moralidade religiosa, em se
tratando de aborto, invoca conhecimentos científicos de maneira a vinculá-la ao
posicionamento desejado, de maneira que não fica explícito o suporte religioso do
argumento. Tal método é utilizado quando se remete a ideais da dogmática religiosa,
mas sem a utilização da terminologia religiosa. É o que se observa no caso em tela,
na medida em que o argumento hierarquiza o “dever” da mulher de gestar como mais
55

importante que seu controle sob o próprio corpo. Percebe-se aqui uma alusão ao papel
quase sacral da maternidade, que incube às mulheres a atribuição da gestação a todo
custo, ainda que a gestação não esteja ao alcance da mulher por quaisquer motivos
que se apresentem. Caroline Bispo explica e aprofunda o ponto:

E para que nada abale a “ordem natural” das coisas, é justo e necessário
supliciar e disciplinar as que ousam pensar que são donas do próprio corpo
e interrompem a gravidez [...] No âmbito das decisões judiciais, o aborto não
recebe tratamento diferente, pois a laicidade, que deveria servir de critério
para a compreensão das normas penais incriminadoras dessa conduta, cede
terreno a moral religiosa em evidente afronta à igualdade de gêneros,
operando como instrumento de desrespeito aos direitos fundamentais das
mulheres (Bispo, 2017, p. 34).

O argumento dos representantes do Movimento Nacional da Cidadania pela


Vida e do Presidente da Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família, portanto,
travestem-se a partir de suposições que querem parecer baseadas em ciência, mas
guardam em si valores morais, ideológicos e religiosos.
Um dos exemplos desse tipo de mecanismo é a defesa infundada de que a
pauta favorável ao aborto decorre de premissas neomalthusianas, como defendido
pelas entidades Movimento Nacional da Cidadania pela Vida e Associação Nacional
Pró-Vida e Pró-Família. Em relação ao quesito aqui apresentado, parece óbvio que,
diante de todos os demais fatores que levam à alteração nas pirâmides de população,
o aborto foge de ser um dos responsáveis por tal fato. Como já explicado, o vínculo a
argumentos religiosos é evidente, e também perpassa o dever, e não escolha, de
gestação, historicamente atribuído às mulheres e que é sempre resgatado pela
agenda conservadora. Ademais, esses argumentos não são inéditos. A premissa de
que a luta pelo direito ao aborto seguro e legal é uma agenda neomalthusiana, bem
como a questão do papel obrigatório da gestação, já foram repetidamente aludidos
em outras ocasiões.
Negreiros cita o exemplo do discurso de Eduardo Cunha, realizado em um
contexto em que recém havia sido favoravelmente votada a ADPF n.º 54, que
acrescentava a descriminalização do aborto em caso de gravidez de feto anencéfalo.
Igualmente como defendido pelos peticionários contrários à ADPF n.º 442, o então
deputado afirmou existir uma conspiração global pautada em premissas
neomalthusianas que advogava a favor da causa do aborto:
56

A legalização do aborto vem sendo imposta a todo o mundo por organizações


internacionais inspiradas por uma ideologia neomalthusiana de controle
populacional, e financiada por fundações norte-americanas ligadas a
interesses super capitalistas (Negreiros, 2021, p. 237).

Seu discurso foi realizado de modo a justificar a apresentação do projeto de


Lei, em 2013, que visava a inclusão no Código Penal de punição para qualquer um
que anunciasse algum tipo de meio abortivo (Negreiros, 2021, p. 237). Semelhante ao
arcabouço argumentativo apresentado por Eduardo Cunha, o PL nº 5.434/2020, de
autoria de Eduardo Girão, propôs o Estatuto da Gestante, e tinha, dentre suas
previsões, o auxílio financeiro para mulheres que escolhessem seguir com uma
gravidez decorrente de um estupro. Importa atentar-se ao título “gestante” atribuído
ao PL, uma vez que sua defesa maior, assim como a de Eduardo Cunha, era em
relação à proteção da vida desde o momento da concepção, e não da gestante.
Outro ponto levantado pelos contrários à ADPF nº 442 foi a possibilidade de
pressão de cônjuges de mulheres que não queiram recorrer ao aborto de fazerem o
procedimento, independentemente de sua vontade pessoal. O argumento carece de
respaldo científico, na medida que foi referido a título de mera estipulação. Como
amplamente exposto, em maioria das experiências internacionais de
descriminalização do aborto, a quantidade de procedimentos diminuiu. Isso se dá,
para além de outros fatores, ao fato de que muitos dos países que alteraram sua
legislação em prol da justiça reprodutiva terem inserido o apoio psicológico em várias
etapas do processo.
A exemplo, Vieira (2021) cita o caso da Alemanha: em que pese o país tenha
legislações favoráveis ao aborto, ainda trata o tema como algo indesejável, de
maneira que disponibiliza, e de certa forma até impõe as gestantes, as medidas
cabíveis para a preservação da gestação. Tais medidas envolvem informações acerca
do planejamento familiar, assistência econômica, dentre outros, cooperam para que o
processo de abortamento tenha o tratamento adequado, para até mesmo superar
possíveis influências de terceiros. A legislação alemã, portanto, descriminaliza a
hipótese de aborto nas 12 primeiras semanas de gestação, mas é necessário que a
gestante procure um serviço de aconselhamento antes, e após três dias, o
procedimento pode ser realizado. Assim, a premissa levantada pela Associação de
Direito de Famílias e Sucessões visa coibir a autogerência feminina sobre seu próprio
corpo baseado na suposição de que, com a descriminalização, mais companheiros
57

irão impor às gestantes que façam o aborto. Desconsidera, portanto, que a luta pelo
direito ao aborto não é pelo simples processo individual, e sim por toda a complexa
conjuntura de direitos reprodutivos que o acompanha, como auxílio psicológico e
social, como observado na experiência germânica.
Nas sessões seguintes, principalmente no que reuniu representantes do direito,
foi contestada a legitimidade do julgamento da ação pelo órgão. Conforme Luna e
Porto (2023), os peticionários favoráveis remeteram à falta de garantia do Congresso,
órgão elencado pelos agentes contrários como legítimo para decidir a respeito da
ADPF em tela, posto que é instituição que ora apresenta uma configuração mais
conservadora, ora não. Ao contrário, o STF tem seu poder derivado diretamente da
Constituição brasileira, o que garante maior legitimidade para a análise de uma
temática tão crucial.
A última linha argumentativa levantada pelos agentes contrários à ADPF nº 442
adentraram intensamente o campo da moralidade que, dentre outras sustentações,
elencaram o feminismo como manifestação de fé, em uma tentativa de utilizar-se do
preceito de Estado laico para deslegitimar a luta pela justiça reprodutiva, bem como
se ouviu que o aborto vai contra a moralidade do povo brasileiro. Em primeira
instância, importa sinalizar que visão da sociedade brasileira frente ao aborto é de
importância secundária, se considerada frente aos números alarmantes de
mortalidade materna decorrentes de abortos clandestinos realizados em solo
brasileiro; segundo a ONU Mulheres e o governo brasileiro, 2,4% das mortes de
gestantes se relacionam a abortamentos realizados em condições inseguras (ONU
Mulheres Brasil, 2020), de tal maneira que o problema deixa de estar inserido na
instância puramente moral, e precisa ser debatido como um problema de saúde
pública.
Segundo Machado (2017), essa noção conservadora e abstrata de vida se
sustenta por conta de argumentos de cunho religioso, em confronto notório com a
laicidade do Estado. Ao contrário da articulação feminista, que não é ato de fé e sim
organização política em prol da vida das mulheres, o tratamento moral contrário ao
aborto e suas raízes religiosas e ideológicas, pode ser também observado através das
inúmeros instituições que foram criadas para, entre outras pautas, lutarem contra o
aborto, como a Bancada Evangélica e a ONG Brasil Sem Aborto.
58

Sendo assim, é possível concluir que os argumentos levantados pelos agentes


contrários à ADPF nº 442 se sustentam em convicções pessoais, ideológicas, morais
e religiosas, carecem de materialidade, e mesmo as afirmações jurídicas de
ilegitimidade do órgão em julgar a ação não convergem com os recentes
entendimentos da Corte. Resta evidente, portanto, que as tentativas de barrar o
prosseguimento do julgamento da ADPF nº 442 são motivadas pelo sexismo
institucionalizado que, conforme hooks (2018), é a maneira pela qual os homens, por
se beneficiarem do patriarcado, promovem sua dominação frente as mulheres.
59

4 O VOTO DE ROSA WEBER NA ADPF Nº 442

Rosa Weber proferiu seu último voto como então ministra do Supremo Tribunal
Federal em relação à Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº. 442, que
visava a descriminalização do aborto em qualquer hipótese, por meio da exclusão dos
artigos 124 e 126 do Código Penal de 1980. Munida de argumentos científicos,
jurídicos e sociais, Weber cuidou de deixar evidente seu posicionamento favorável ao
aborto. O voto é separado em três partes: a primeira discute a legitimidade do STF
em julgar tal demanda; a segunda adentra a questão da validade constitucional dos
artigos 124 e 126 do Código Penal, que criminalizam o aborto; por fim, Weber propõe
uma solução normativa entre o Legislativo e o Executivo, na terceira parte do voto. A
presente análise crítica da abordagem do voto será principalmente centrada nos
argumentos utilizados pela ministra relativos ao aborto e aos direitos reprodutivos no
geral; portanto, a segunda e a terceira parte do voto. Foram selecionados trechos que
discutem as principais questões abordadas pelos agentes ouvidos durante a audiência
pública da ADPF nº 442, a fim de estudar qual o posicionamento da ministra em seu
Voto frente ao debate promovido pelos amici curiae.
Inicialmente, a jurista elenca quais os principais pontos devem ser observados
quando se busca discutir a questão do aborto. Dentre eles, cita a tutela da vida
intrauterina, tópico que aborda em conjunto com demais questões, como o direito à
saúde e planejamento familiar, direito à igualdade e o objetivo fundamental da
República de não discriminação baseada em sexo, proibição à tortura, dentre outros.
A medida foi adotada em atenção à regra da proporcionalidade para a solução do
problema; visto que a discussão sobre a interrupção de gravidez adentra searas que
fogem da esfera jurídica, e deve se preocupar em observar os direitos fundamentais
da gestante, bem como a perspectiva da possível existência do feto. Neste ponto,
Rosa Weber vai em desencontro com a solução adotada por entidades como a
Advocacia Geral da União, que defendem o “caráter absoluto do direito à vida desde
o momento da concepção”, como expressamente mencionado pela jurista em seu
voto. Ainda que a medida do voto soe como adequada, eis que considera a totalidade
dos agentes envolvidos no procedimento, é uma abordagem que tutela autonomia e
representação para corpos que gestam, do contrário ao que é extensamente previsto
60

em projetos relacionados à agenda neoconservadora brasileira quando se trata do


direito ao aborto, como o “Estatuto do Nascituro”.
A redação do voto faz menção a essa ideologia, e aborda a problemática de
como o assunto é percebido pela sociedade geral. Weber defende que o procedimento
do aborto vai na contramão da “moralidade pública” e da “ética religiosa”. Novamente,
a agenda neoconservadora, aqui compreendida como a aliança entre entidades
religiosas, principalmente evangélicas e cristãs, e a extrema-direita, sequestram a
questão relativa a um procedimento relativo à saúde pública das mulheres e
brasileiras, e cria no entorno da discussão uma guerra cultural (Wallauer; Bartis,
2024). Assim, a discussão relativa ao aborto, sob as atuações dessa agenda, se torna
um ambiente fértil para a propagação de determinados ideais, como a manutenção da
existência feminina no âmbito particular e privado, como corpo excluído da
participação política e conservação da família patriarcal. Portanto, é verossímil que
Rosa Weber tenha abordado a questão logo nas primeiras páginas do voto, mesmo
momento em que se referiu ao problema jurídico sobre o caráter absoluto da vida
desde a concepção. Entretanto, Weber não segue nenhum dos posicionamentos
vinculados a um posicionamento “pró vida”, e escolhe adentrar o tema sob a
perspectiva da escolha da mulher.
O voto segue com a abordagem sobre a admissibilidade ou não da arguição de
descumprimento de preceito fundamental. Sumariamente, Weber alude que há uma
“negativa do argumento de pressuposto negativo de admissibilidade”, ou seja,
defende que, dada a complexidade do proposto na ação, inexistem outros meios
processuais ordinários que possam apresentar uma solução eficaz ao problema.
Assim, o problema relativo à “cláusula de subsidiariedade” estaria sanado. Consoante
o Ministro Luís Roberto Barroso, em análise sobre o julgamento da ADPF nº 54, os
três requisitos legais para o cabimento da arguição de descumprimento de preceito
fundamental são:

(i) há preceitos fundamentais sendo vulnerados (dignidade, liberdade e saúde


da gestante); (ii) a lesão resulta de ato do Poder Público (imposição, sobre a
hipótese, de uma incidência inconstitucional de normas do Código Penal); e
(iii) não há outro meio eficaz de sanar a lesividade (Barroso, 2012, p. 270).

E, além disso, as ADPF’s foram elencadas por Barroso (2012) como


ferramentas importantes para a tutela de direitos fundamentais. Sob essa ótica, não
há nenhum impedimento para o julgamento da ação pelo STF, em detrimento do
61

julgamento por um órgão que pode ter posicionamentos moldados pelo viés de sua
composição, e não pela defesa da Constituição, atribuição do STF. Entretanto, como
supramencionado, vários agentes contrários à proposta da ADPF nº 442 defenderam
que a ação deveria ser levada ao Congresso, dado que o órgão possui a maior
capacidade de representação da sociedade.
Rosa Weber defende que a função do Supremo Tribunal Federal é de guardião
constitucional, de forma que seria órgão plenamente competente e legítimo para julgar
o caso. Ainda, menciona a função de uma ADPF, de suprir, em falta de outro meio
efetivo para tanto, a perenização no ordenamento jurídico de comportamentos estatais
que estejam contrários ao estabelecido pela ordem da Constituição. O debate não é
uma novidade jurídica, e já vinha sendo debatido desde a ADPF nº 54, também
estudada por Barroso (2012).
A ADPF nº 54 adentrou a discussão do Supremo Tribunal Federal e buscava,
de maneira similar à ADPF nº 442, estudar a legitimidade da interrupção ou não da
gravidez à luz do direito constitucional e do direito penal em casos de anencefalia do
feto. Ainda, se analisou se o STF estaria realizando apenas a sua atribuição de
interpretação da Constituição, ou se estaria criando uma nova hipótese de não
punibilidade do aborto, em movimento de invasão de competência, como afirmado
pelos peticionários contrários na audiência pública da ADPF tela.
Sobre o ponto final, Rosa Weber reforça, em Voto, que os meios processuais
ordinários que poderiam ser buscados para uma solução do conflito não imprimem
uma solução tão satisfatória quanto os processos que têm por objeto uma análise de
ordem constitucional, devido a sua eficácia erga omnes e seu efeito vinculante. A
leitura da então ministra vem acompanhada de interpretações anteriores de outros
ministros da casa; a exemplo, Celso de Mello (2005), ao julgar o tema da ADPF nº 45,
argumentou que, diante da ineficácia estatal de realizar a efetivação de direitos
sociais, econômicos e culturais, há viabilidade de se utilizar do instrumental da ADPF
para a concretização das liberdades positivas, tais sejam, os direitos constitucionais
de segunda geração, ou seja, direitos que exigem a tutela do Estado, segundo
Novelino (2009).
Barroso (2012) segue seu estudo sobre o controle de constitucionalidade
relativo à questão da legitimidade do STF em julgar arguições de descumprimento de
preceito fundamental e arguiu, ainda, que a doutrina compreende que os pressupostos
62

da Lei nº 9.882/99 não elencam de maneira objetiva o alcance de uma ADPF, de forma
que a suposição que o remédio constitucional possa ter uma dimensão mais elevada
que o usual é plausível, inclusive em se tratando de suas motivações iniciais. Sua
exposição doutrinária segue no sentido de verificar que, além do pressuposto geral de
inexistência de qualquer outro meio eficaz para sanar a lesividade, o descrito caráter
da subsidiariedade, também estudado no Voto de Weber, o entendimento de que tal
ação deveria ser julgada pelo Congresso foi alterada, de forma que atualmente é
“possível caracterizar omissão inconstitucional nos casos em que a tramitação
legislativa se arrasta por tempo irrazoável” (Barroso, 2012, p. 225). Assim, sustenta-
se que a legitimidade do STF em julgar uma ADPF, ainda que haja discussão sobre a
temática da ação em outros órgãos, é plenamente razoável, por apresentar
possibilidade de enfrentamento da questão da maneira mais célere e eficaz, por se
tratar de direitos constitucionais que estão sendo violados. Na solução apontada,
sendo a decisão tomada pelo Congresso, ressalta-se que a concentração dos poderes
no Tribunal evita a dispersão do poder de decisão, evitando decisões conflitantes ou
não isonômicas, posto que, como aludido por Weber, o Congresso é órgão com
composição variável, prejudicando a análise efetiva sobre a temática, na medida em
que envolve direitos constitucionais.
Por não ser o elemento de análise principal, para essa parte do voto é suficiente
mencionar que Weber defende o julgamento da ação pelo STF, por ser um órgão
responsável pela guarda de direitos fundamentais contidos na Constituição; por ser
um órgão que não está restrito ao posicionamento ideológico de cada composição, no
que denomina de “maiorias fabricadas” (Brasil, 2023b, p. 12), tal como o Congresso;
por já ter sido matéria amplamente apreciada pelo Supremo e por não haverem
demais instituições que possam fazer uma análise, a partir do controle constitucional,
de tema que aborda questões relativas aos direitos e liberdades de alguém, e sua
devida ampliação ou restrição.
Na próxima etapa do voto, de título “Direito à vida e seu âmbito de proteção no
constitucionalismo: tecendo coerência normativa”, a primeira questão levantada é a
que acompanha o restante do texto: a falta de consenso a respeito do marco inicial da
vida. É sabido que para a ciência o debate não encontra desfecho, mas interessa
observar a falta de consenso que ocorre igualmente no âmbito religioso. No estudo
sobre os peticionários desfavoráveis à total descriminalização do aborto, foi elencado
que diferentes fés discordam sobre o momento em que de fato se inicia a vida. Ao
63

contrário da proposta do judaísmo, por exemplo, a aliança entre a Igreja cristã e


evangélica são exemplos de entidades que entendem a concepção como marco inicial
da vida. Dessa maneira, a ministra denuncia a pretensão de determinados agentes
religiosos que querem impor sua compreensão espiritual como determinante para uma
discussão que não pertence a esse campo. Assim, também consciente das limitações
de sua atribuição, Weber se adstringe ao campo jurídico para a análise da questão.
O momento do marco inicial da vida, de acordo com a compreensão jurídica,
não se dá na concepção. Inexiste no ordenamento jurídico brasileiro qualquer menção
a essa compreensão, de maneira que é possível compreender que os fundamentos
da defesa do surgimento da vida desde a concepção são baseados em premissas que
não as do direito, ainda que o posicionamento surja reiteradas vezes em propostas de
cunho jurídico. A despeito do ponto, Weber resgata que a questão já foi abordada em
outras discussões do órgão constituinte; a exemplo, cita a Ação Direta de
Constitucionalidade nº 3510. Na ocasião, o STF decidiu pela constitucionalidade da
pesquisa realizada com células-tronco. Segundo Vieira (2021, p. 6), a ação foi
ajuizada visando à proibição do estudo científico com células que possuem origem
embrionária e se formam até a segunda semana de gestação, baseado no disposto
no Art. 5º da Lei de Biossegurança.
O posicionamento está de acordo com o disposto no Código Civil, eis que a
proteção do direito é direcionada às pessoas nascidas, uma vez que a pessoa só se
caracteriza a partir do nascimento com vida. Ademais, conforme mencionado por
Machado (2017) em sua análise sobre a ADI nº 3510, o Supremo firma entendimento
que tal previsão também não decorre de normas constitucionais e, portanto, em se
elencando a concepção como início da vida, a proteção deve ser diferente do
resguardado para as pessoas, compreendidas, de acordo com o artigo primeiro do
Código Civil, como pessoa natural e física, ou seja, reforça que a personalidade civil
começa com a vida.
De forma semelhante, e seguindo a proposta de proferir um voto pautado em
uma análise proporcional, a ministra dispõe que o caráter absoluto da proteção da
vida, de forma preponderante em relação a outros direitos fundamentais, não se
sustenta no texto constitucional. Aqui, também defende que a proteção dos direitos
fundamentais de sujeitos deve ser legitimada pelo texto constitucional, e não pela
legislação infraconstitucional, em referência ao texto do Código Civil que, em seu
64

artigo 2º, atribui personalidade jurídica quando o sujeito nasce com vida, mas em que
seu artigo 1.609 alude à possibilidade de reconhecimento do filho antes do
nascimento. Apesar de tais previsões legislativas, que podem servir de instrumento
para a defesa da vida desde a concepção, a jurista explica que as previsões só podem
surtir efeitos jurídicos em caso de nascimento com a vida, tal seja, ao se adquirir a
personalidade civil.
O voto aborda igualmente a questão do marco inicial da vida sob a perspectiva
do direito penal; uma vez que o Código Penal de 1980 permite o procedimento do
aborto em casos de estupro, por exemplo, é possível compreender que a proteção ao
feto e ao conceito abstrato de “vida” não é penalmente absoluto, elucida Weber.
Novamente, depreende-se que esse tipo de proteção não encontra substrato no
ordenamento jurídico brasileiro, como extensivamente exemplificado pela legislação
civil, constitucional e penal. Apesar de sustentada pelo próprio ordenamento jurídico,
Weber se opõe ao defendido pela agenda neoconservadora acerca do marco inicial
da vida, o qual é um dos principais argumentos utilizados para sustentar um
posicionamento desfavorável à descriminalização do processo de abortamento e,
como extensivamente demonstrado, possui herança religiosa. Segundo Dworkin,
citado por Vieira (2021, p. 26), o debate acerca do direito de interrupção da gravidez
decorre de valores advindos de dogmas religiosos, culturais e éticos. Sobre o ponto,
Weber sustenta que:

Existe a dignidade humana do feto, no sentido da moral. Esse status moral


da vida humana é compartilhado pela sociedade, mas a moralidade
majoritária da sociedade encontra limites na ordem constitucional frente aos
direitos e liberdades fundamentais. O Estado, portanto, tem legítimo interesse
(e deveres) na proteção da vida humana, configurada no embrião e no
nascituro, que não as pessoas nascidas, e assim o faz, conforme legislação
civil, por exemplo. Todavia, a proteção desse bem jurídico encontra limites no
Estado constitucional, de modo que a tutela do bem não pode inviabilizar, a
priori, o exercício de outros direitos fundamentais (Brasil, 2023b, p. 28).

A análise sobre a proposta da ADPF n.º 442 pelo Supremo, assim, deve ser
restrita ao âmbito jurídico. Ainda que deva se considerar todos os aspectos que
circundam a discussão, principalmente com a escuta dos agentes sociais que
integraram a ação como amicus curiae, esse é o posicionamento sustentado no corpo
do voto. Nesse sentido, Weber rechaça integralmente a premissa de proteção ao
direito fundamental do embrião ou do feto, uma vez que tal previsão não existe na
legislação brasileira.
65

Para além do estudo sobre o tratamento do direito ao aborto no ordenamento


jurídico brasileiro, Weber faz um estudo comparado com legislações estrangeiras e
convenções internacionais, assim como fizeram entidades favoráveis à ADPF ouvidas
como amici curiae durante a audiência pública, tais como a médica Melânia Amorim.
Ainda sobre a questão da defesa do início da proteção jurídica no momento da
concepção, um dos pontos elencados pelos peticionários contrários à ADPF nº 442,
como supracitado, foi a vinculação do Brasil à Convenção Interamericana de Direitos
Humanos. Argumentou-se que, no artigo 4º da Convenção, é consolidada a noção do
direito à vida desde a concepção; Weber discorda, e aponta que tal posicionamento
foi vencido nos debates acerca do assunto no âmbito do direito internacional público.
Dessa maneira, os Estados signatários têm liberdade decisória a respeito do
tratamento do aborto em suas legislações nacionais.
Banfi e Lauletta (2023) explicam que o Voto da ministra fez um trabalho de
diálogo entre jurisdições nacionais e internacionais, bem como sua natureza
vinculativa em relação às normas, para defender o posicionamento que a visão de
vida desde a concepção restou vencida nos debates internacionais tangentes ao
tema. Para tal, bastou uma análise sobre a abordagem histórica da Convenção
Interamericana de Direitos Humanos, para se concluir que o posicionamento
decorrente do Pacto São José da Costa Rica, como trazido pelos agentes contrários
ao direito ao aborto, não encontra respaldo nas discussões internacionais sobre o
tema.
As autoras confirmaram, ainda, que a jurisprudência da Corte foge da noção de
vida desde a concepção como algo concreto e absoluto, posto que assegura direitos
de maneira gradual, e não imediatamente após a concepção. Em relação a esse
ponto, é crucial enfatizar que o Voto da ministra classificou a lei penal que criminaliza
o aborto como desproporcional, na medida que, para além de não atender de maneira
efetiva ao pressuposto de proteção do feto, e não ser atento às inúmeras políticas
públicas necessárias para se enfrentar a questão do aborto, ainda dá prevalência
absoluta ao direito do feto. Weber ainda cita a Conferência do Cairo sobre População
e Desenvolvimento de 1994, e Dalle Molle (2018) complementa relembrando que a
comunidade internacional, a partir dessa Conferência, estipulou três metas a serem
alcançadas até 2015, dentre elas a redução da mortalidade infantil e materna e o
66

acesso universal a serviços de saúde reprodutiva. No Brasil, no entanto, essas metas


ainda não foram alcançadas.
Em novo subtópico do voto, denominado “Direito das mulheres: da cidadania
de segunda classe à autodeterminação igualitária”, a abordagem adota a premissa de
exclusão da existência feminina da arena pública. O texto é semelhante ao abordado
por Vianna Sento-Sé (2024), que explica que o projeto político e civilizatório ocidental
sempre incumbiu à existência feminina o âmbito privado, limitando o poder de atuação
política dessa parcela da população. Weber possui uma extensa lista de exemplos
que consolidam a tese, como, por exemplo, a questão da impossibilidade de exercício
da profissão pela mulher que não possuísse autorização do marido e o sufrágio
universal garantido inicialmente pelo Código Eleitoral de 1932, mas que limitou o
direito às “mulheres casadas com autorização do marido e às viúvas e solteiras que
tivessem renda própria” (Brasil, 2023b, p. 41).
Ainda que tal análise não tenha sido elencada no voto, importa o
questionamento sobre o substrato ideológico desse projeto de silenciamento político
de mulheres. Conforme Santo-Sé (2024), o instituto da família foi instrumentalizado a
fim de afastar a mulher do espaço público, de forma a otimizar o exercício do controle
social sobre tais corpos. Atualmente, essa mesma instituição é utilizada como pretexto
para o exercício de mais um exemplo de controle sob corpos femininos; o impedimento
de acesso ao aborto, e aos direitos reprodutivos como totalidade. Adicionalmente, é
válido consolidar que a visão da agenda neoconservadora do significado de família
não aceita as diversas formulações de família existentes, além de ser calcado em
preceitos patriarcais. Simone de Beauvoir (2014 apud Sento-Sé, 2024, p. 3) , explica
que “a vitória do patriarcado é determinada com a instalação definitiva da submissão
feminina, requisito para a consolidação do regime de propriedade privada,
intimamente ligada à divisão sexual do trabalho”. Observa-se, portanto, que a tutela
não é, e nunca foi, pela família, ou, alternativamente, pelo direito do embrião ou pela
defesa do elencado em textos sagrados. Mascara-se, mediante a alusão a tópicos
socialmente e religiosamente sensíveis, um projeto político neoconservador.
Weber endossa essa premissa em nova lacuna do voto, na qual sustenta que
mulheres possuem seu valor social mais associado e valorizado como mães e
gestantes, e não como cidadãs. Defende, portanto, a não interferência do Estado em
decisões que permeiam a autonomia das mulheres, eis que esse mecanismo onera a
proteção dos direitos fundamentais das mulheres. Nesse prisma, introduz o novo
67

subcapítulo do Voto, intitulado “Dos direitos sexuais e reprodutivos no desenho


constitucional; direitos fundamentais estruturantes da justiça social e reprodutiva”. O
posicionamento de Rosa Weber é em viés de proteção de direitos fundamentais das
mulheres, uma vez que a questão da interrupção da gravidez deve, necessariamente,
considerar tais fatores. Rosa sustenta que saúde é um direito material fundamental
que não deve possuir caráter deontológico inferior a outros direitos fundamentais, seja
por dignidade humana, seja por interpretação democrática constitucional. Assim, o
Estado deve instituir políticas públicas a fim de promover a proteção do direito
fundamental à saúde, e a interferência que hoje ocorre no sentido de criminalização
do processo de interrupção da gravidez vai em desencontro com a tutela a essa
direito. O Estado deveria, portanto, agir negativamente no sentindo de não impor uma
resolução de forma “arbitrária na esfera privada das pessoas”. No contexto de
criminalização do aborto, direitos como planejamento familiar e direito à liberdade
reprodutiva sofrem interferências estatais diretas em nome da proteção de uma
potencial vida. Nesse sentido, não há uma abordagem legislativa pautada no Princípio
da Proporcionalidade, sendo a tese defendida pela ministra.
O novo subtópico prossegue tratando sobre a questão dos direitos reprodutivos
frente ao desenho constitucional, dessa vez a partir de uma análise do direito
comparado. Reiterando a defesa de uma análise jurídica a respeito do processo de
abortamento pautada no princípio da proporcionalidade, Rosa Weber reforça que o
tratamento do aborto sob a esfera do direito penal é demasiadamente oneroso, e se
afasta das recentes normas internacionais postuladas a fim de promover a
discriminação baseada em gênero. A ministra reforça que a tutela penal é inadequada
para tratar sobre a interrupção de gravidez em um subcapítulo integralmente dedicado
à questão. Vincula-se ao princípio da ultima ratio do direito penal e, mais uma vez, ao
princípio da proporcionalidade, para endossar que a finalidade da tutela penal não é
alinhada com a prática social e impede o acesso a direitos fundamentais, por exemplo,
com a possibilidade da objeção médica de realizar o abortamento mesmo em casos
permissivos, uma vez que a criminalização reforça o estigma social em torno do
aborto.
Nesse sentido, consolida a sua defesa da construção de um sistema de justiça
social reprodutiva, que define como “oferta acessível, de qualidade dos bens,
programas, serviços e estabelecimentos de saúde que promovem a tutela preventiva
68

informacional e educacional a respeito da sexualidade e da reprodução. Associada à


disponibilização e qualidade dos medicamentos e procedimentos médicos” (Brasil,
2023b, p. 81), que deve ser realizado em união com a descriminalização do aborto. A
premissa converge com a conclusão apontada por Débora Diniz, na Pesquisa
Nacional do Aborto realizada em 2021 (Diniz; Medeiros; Madeiro, 2023), que indicou
que a disponibilização de métodos contraceptivos é essencial para prevenir a
realização de abortos não seguros, sendo, portanto, mais eficazes que o proibitivo
penal. A PNA de 2021 foi uma das fontes utilizadas por Weber, de maneira que se
nota que os dados de Diniz foram utilizados para a formulação do voto e para a
classificação da problemática do aborto como algo relativo à saúde pública das
mulheres, e não à tutela da vida intrauterina, especialmente no âmbito do Direito
Penal.
Por fim, é necessário a análise de um dos últimos subcapítulos do voto,
intitulado “A criminalização do aborto responde ao dever de tutela da vida humana?
Justifica-se frente à restrição dos direitos fundamentais das mulheres?”. Esse trecho
combate um dos principais pressupostos defendidos pela agenda neoconservadora
quando se trata da interrupção de gravidez: a defesa da vida do feto. Elementos como
o Estatuto do Nascituro evidenciam que agentes “pró vida” sempre buscam a proteção
indiscriminada da vida intrauterina, inclusive em sobreposição aos direitos
fundamentais das mulheres. Esse posicionamento, como demonstrado no decorrer do
presente trabalho, é baseado na atribuição das mulheres ao papel social hegemônico
relacionado ao processo reprodutivo (Moreira; Teixeira, 2024). Ao contrário, Rosa
Weber sustenta que, ainda que compreenda o valor da potencialidade da vida
humana, essa proteção deve ser analisada em paridade com os direitos fundamentais
das mulheres, como o da “liberdade, autodeterminação, intimidade, liberdade
reprodutiva e dignidade” (Brasil, 2023b, p. 118). Aqui, a mulher é enxergada como
sujeito de direitos, que tem um valor social que vai além da maternidade.
Sob os prismas da defesa do direito à saúde feminina, do princípio da
proporcionalidade e da justiça social reprodutiva, Rosa Weber julgou procedente, em
parte, o pedido formulado pelo PSOL e pela ANIS Instituto de Bioética, e se posicionou
pela não recepção parcial dos art. 124 e 126 do Código Penal, de maneira a excluir a
criminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. O voto foi recebido
socialmente como “pró-escolha”, tendo sido comemorado pela ala que se intitula
“progressista” (Valenga, 2023) e rechaçado pela ala “pró vida”, inclusive pela ex
69

primeira dama do então presidente vinculado à ala política da extrema direita, Michelle
Bolsonaro (O Globo, 2023). Assim, cabe analisar quais foram as reações
sociojurídicas da agenda neoconservadora frente ao último voto de Rosa Weber e
como ocorreu o fenômeno blacklash diante deste posicionamento do Supremo
Tribunal Federal.

4.1 REAÇÕES SOCIOJURÍDICAS DA AGENDA NEOCONSERVADORA FRENTE


AO VOTO “PRÓ ESCOLHA” DE ROSA WEBER

Como exposto por Machado (2017, p. 3) o avanço na discussão sobre o direito


ao aborto na sociedade brasileira sempre foi imediatamente sucedido pelo avanço e
articulação de forças conservadores que atuam no sentido oposto. A reação é
percebida principalmente no âmbito jurídico, eis que vários foram os julgamentos em
prol da justiça reprodutiva e da liberdade feminina, emitidos por órgãos como o STF,
responsável pelo julgamento da ADPF nº 442, que desencadearam a protocolização
de incontáveis projetos de lei que visavam suprimir o incremento alcançado. Esse tipo
de movimentação pode ser denominado de blacklash. Segundo Zagurski (2017), o
termo teve origem no direito constitucional norte americano, no julgamento do Roe vs
Wade, e pode ser atribuído à rejeição social decorrente de decisões de Tribunais. No
caso dos Estados Unidos, o julgamento favorável ao aborto promoveu a posterior
aprovação de diversas leis estaduais que restringiam ainda mais as situações
permissivas do processo de abortamento no âmbito do poder Legislativo. No Brasil,

[...] muitas vezes os tribunais proferem decisões constitucionais que por


vezes, provocam resistência, especialmente se eles ameaçam o status de
grupos que estão acostumados a exercer a autoridade e que acreditam que
a resistência pode evitar a mudança constitucional (Zagurski, 2017, p. 95).

Apesar do termo ser recente, o histórico desse tipo de atuação de agentes


neoconservadores, principalmente em relação ao aborto, é extenso. Cita-se, a
exemplo, a supramencionada Comissão Tripartite para Revisão da Legislação
Punitiva da Interrupção Voluntária da Gravidez, que instaurou um forte debate no
Brasil sobre justiça reprodutiva. Não por coincidência, em 2007, começou a tramitar
no Congresso a PL 478 (Brasil, 2007), denominada Estatuto do Nascituro, proposta
70

dos deputados federais Miguel Martini (PHS-MG) e Luiz Carlos Bassuma (PT/BA, na
época, hoje, Avante/BA) (Henrique, 2022), que prevê a criminalização do aborto em
toda e qualquer situação.
O Estatuto do Nascituro foi um importante emblema da oposição exercida pela
agenda conservadora-religiosa após os avanços da Comissão Tripartite, porém não é
exclusivo. Fora da esfera jurídica, 2006 foi o ano de criação do Movimento Brasil sem
Aborto, que tem como pressuposto a defesa da vida desde a concepção, de maneira
a constituir uma oposição fundamentalista aos direitos das mulheres e agir, tanto em
meios jurídicos quanto através de persuasão social, na luta intitulada “pró-vida”:

O Movimento Nacional da Cidadania pela Vida – Brasil Sem Aborto é


uma organização de natureza suprapartidária e supra religiosa que
defende a preservação da vida desde sua concepção, atuando de
forma estruturada para pautar ações e argumentos a partir de
evidências e pesquisas no campo da genética, da embriologia, da
bioética e da legislação vigente. Professores, estudantes, advogados,
líderes religiosos e comunitários, juristas e cientistas de renome
integram a organização (Henrique, 2022).

A autodenominação do movimento se relaciona com a compreensão de


Machado (2017) de que tais tipos de organizações se portam como não religiosas,
assumindo um posicionamento elencado como puramente científico, ainda que a raiz
da sua defesa senha de cunho religioso, dado que a defesa da vida desde a
concepção advém desse espaço. Tal pressuposto é verificável, por exemplo, quando
a Frente Evangélica do Congresso Nacional Brasileiro, conhecida como “Bancada
Evangélica”, é uma das principais instituições que recentemente pressionou o
presidente da Câmara, Arthur Lira, para uma análise instantânea sobre a PEC de
Eduardo Cunha, defendida por comissões como a do Movimento Pró-Vida, como será
adiante discutido (Sabóia, 2024).
Além disso, como exposto, há ainda o histórico o aumento no Parlamento
brasileiro de defensores intitulados “pró-vida”, ocorrido em 2010, elencado como
“retrocesso conservador” por Machado (2017). Essa movimentação não surge sem
estar vinculada ao crescimento de movimentações sociais e políticas que começaram
a se articular com mais notoriedade nessa época e que, dentre outras bandeiras,
defendia o direito ao aborto. Ainda que a consolidação desse direito fundamental não
tenha ocorrido no Brasil, o movimento pró-escolha, principalmente relacionado ao
movimento feminista, conseguiu fazer com que a temática do aborto adentrasse
71

instituições estatais, garantindo, por exemplo, o acesso a serviços médicos que


disponibilizassem o processo de abortamento em casos permitidos pela lei.
Em um momento no qual a ADPF nº 442 se encontra sem previsão de abertura
para o prosseguimento do julgamento, é necessário verificar como a eminência de um
posicionamento favorável do STF em relação descriminalização do aborto, tido como
uma ameaça principalmente no pós-voto de então relatora da ação, reverberou entre
os agentes que defendem uma agenda conservadora “pró-vida”, e de que maneira
essas reações adversas influenciaram no debate jurídico e civil sobre direitos
reprodutivos.

4.2 DESDOBRAMENTOS PÓS-VOTO E O EFEITO BLACKLASH

Foram selecionados, a partir de canais de notícias que cobrem a temática do


aborto, em especial o Portal Catarinas, 8 projetos de Lei que oneravam o acesso ao
aborto legal, propostos na Câmara dos Deputados e na de Senadores em momento
posterior ao voto de Rosa Weber na ADPF n.º 442, ou seja, depois de 22 de setembro
de 2023. Destes, foram selecionados 3 em que os autores tiveram manifestações
públicas de explícito ataque ao voto de Rosa Weber. Analisou-se o inteiro teor de cada
um dos projetos de Lei, bem como foram investigadas notícias que relataram o
posicionamento dos autores frente ao julgamento da ação proposta pelo PSOL.
Inicialmente, é necessário retomar o Projeto de Lei nº 1.904/2024, que foi
socialmente denominado como “PL do estupro”, proposto por 32 deputados
vinculados à extrema-direita, como Carla Zambelli (PL/SP) e Bibo Nunes (PL/RS). A
proposta visa a alteração do Código Penal de modo a equiparar o aborto cometido
após a 22ª semana de gravidez ao homicídio, e o projeto tramita em caráter de
urgência (Brasil, 2024). Na justificativa do projeto, estão presentes críticas a normas
técnicas que informaram sobre o processo do aborto legal, como a “Prevenção e
Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e
Adolescentes”, que passou a permitir a realização do aborto até 20ª semana de
gestação em caso de violência sexual, bem como a “Norma Técnica de Atenção
Humanizada ao Abortamento”. Assim, se extrai do próprio texto do PL 1.904 seu
caráter de combate a avanços no que diz respeito à interrupção da gravidez.
72

A menção ao voto de Rosa Weber surge na página 11 do PL do estupro. O


ataque é diretamente relacionado à defesa da ministra de não previsão dentro da
legislação brasileira de tutela à vida intrauterina; afirma-se que essa presunção é
falaciosa, e, para sustentar tal posicionamento, os autores da PL arguem que o direito
à vida, mesmo antes do nascimento, não emana da Constituição, sendo, assim “algo
do próprio homem”. Dessa forma, o reconhecimento da necessidade de tutela da vida
intrauterina não precisaria de reconhecimento legal, sendo um pressuposto das
democracias modernas. A exemplo, o movimento de extinção da escravatura foi
instrumentalizado para fins da defesa de que a proteção à vida desde a concepção é
inerente ao homem, uma vez que, segundo os autores, esse foi o pressuposto dos
movimentos que extinguiram com o regime escravocrata.
O ataque ao voto de Rosa Weber segue por uma linha baseada em narrativas
internas autorreferenciadas dos deputados que propuseram a PL 1.904/2024. Rosa
Weber pontua o óbvio, no sentido não haver previsão no ordenamento jurídico
brasileiro de tutela à vida intrauterina e que, portanto, esse pressuposto não deveria
ser utilizado para onerar o acesso aos direitos fundamentais das mulheres. Entretanto,
a previsão dos deputados, carente de referencial teórico, é que

[...] o direito à vida se tornará, pouco a pouco [...] incremental. Uma pessoa
poderá ter mais ou menos direito à vida, dependendo da dignidade alcançada
por ela e por comparação com outras que tenham maior ou menor dignidade
(Brasil, 2024).

A teoria futurista apresentada no Projeto de Lei não encontra respaldo em


nenhuma outra experiência estrangeira que, semelhante à proposta da ADPF n.º 442,
tenha descriminalizado o aborto. Com 5 páginas inteiras utilizadas para discutir o voto
de Rosa Weber, resta evidente que o projeto foi uma reação direta a um possível
avanço no tratamento legal da interrupção da gravidez. Declarações de autores da
PL, com Sóstenes Cavalcante (PL/RJ), que afirmou que o projeto foi proposto em
reação direta à proposta do PSOL (Boechat, 2024), ajudam a endossar a tese.
Tal movimentação da agenda conservadora, pós voto de Rosa Weber, também
pode ser observado no Projeto de Lei nº 580/23, proposto na Câmara de Vereadores
de Porto Alegre, de autoria da vereadora Comandante Nádia (PL /RS), que prevê que
vítimas de estupro sejam instruídas pelos médicos a ouvirem os batimentos cardíacos
dos fetos (Brasil, 2023). Diferente da PL 1.904, a proposta pela vereadora gaúcha não
73

menciona diretamente a ADPF nº. 442, mas suas ações durante o exercício de sua
função como vereadora evidenciam uma possível correlação. Isto, pois, após o voto
de Rosa Weber, a vereadora se articulou nas sessões plenárias subsequentes
visando a oneração do acesso ao aborto legal. Dentre a distribuição de adesivos com
os dizeres “Aborto é assassinato, sou pró vida”, e inúmeros posts em sua página
pessoal do Instagram em passeatas “pró-vida” e “pró-família” (Gerhard, 2023), seu
posicionamento em relação ao voto de Rosa Weber se restou evidente.
Em 31/01/2024, foi proposta no Senado a PL 11/2024, de autoria do Senador
Eduardo Girão (NOVO/CE), que visava a instituição do Programa de Conscientização
contra o aborto e Dia na Conscientização contra o aborto. Para tal, seriam realizadas
palestras voltadas ao público adolescente, principalmente, campanhas midiáticas
contra o aborto a fim de promover a sensibilização da população a respeito dos direitos
do nascituro, promovendo uma noção de vida desde a concepção, estímulo à iniciativa
privada e demais entidades da sociedade civil para a tutela psicológica de mulheres
que busquem o aborto, a fim de resguardar não a vida da gestante, e sim do feto,
dentre outras medidas (Brasil, 2024a).
Ainda, tal qual o projeto de Comandante Nádia (PL/RS), o PL 11/2024 prevê
que as mulheres que busquem o aborto legal sejam instruídas pelos médicos a ouvir
os batimentos cardíacos do feto antes de realizar o procedimento. A justificativa de
Eduardo Girão em muito se assemelha com os argumentos levantados pelos agentes
contrários à ADPF nº 442 ouvidos na audiência pública. Inicialmente, defende que a
lei protege os direitos do nascituro desde a concepção; ainda que não apresente
nenhum exemplo no ordenamento jurídico brasileiro que sustente essa premissa.
Assim como Comandante Nádia, o senador expressou seus votos contrários ao
posicionamento de Rosa Weber em sessão do Plenário do Senado:

A descriminalização do aborto representa uma inversão total de valores e o


reconhecimento do assassinato de crianças indefesas como um simples
direito humano, o que é algo contraditório em uma sociedade dita civilizada
(Girão, 2023).

O mesmo senador foi responsável pela proposta da PL 1.125/2024, que torna


obrigatória a apresentação de boletim de ocorrência com exame de corpo de delito
para se realizar o aborto em casos que decorrem de estupro (Brasil, 2024a).
74

Este é um pequeno apanhado de projetos de Lei com teor contrário ao direito


ao aborto propostos em momento posterior ao último voto de Rosa Weber, mas que
corrobora com a tese que qualquer tipo de progresso frente a questões relativas à
interrupção da gravidez, seja por meio de julgamentos favoráveis do STF e o
subsequente efeito blacklash, até mesmo através de movimentações a normas
técnicas que apenas informam sobre o aborto, são sucedidas de uma intensa
organização de agentes vinculados à agenda neoconservadora a fim de sufocar o
progresso relativo ao tema e a conquista de direitos fundamentais para as mulheres.
75

5 CONCLUSÃO

Ao longo deste trabalho, buscou-se testar a tese que, diante de avanços


sociojurídicos no que concerne o direito ao aborto, agentes ligados à ala da extrema-
direita política, em união com agitadores religiosos, aqui compreendidos como
membros da agenda neoconservadora, sempre se organizaram a fim de frustrar tais
avanços. Ainda, a agenda e seu referencial ideológico foi denominado como
neoconservador, uma vez que seu movimento visa a imposição de seus valores
morais em sociedades já secularizadas.
Inicialmente, identificou-se um histórico no ordenamento jurídico brasileiro de
desconsideração com a participação política de mulheres, sendo o tratamento a
respeito dos direitos reprodutivos femininos uma das expressões mais significativas
deste fenômeno. A partir daí, em busca de analisar como a agenda neoconservadora
se apresenta frente ao debate sociojurídico acerca de direitos reprodutivos, fez-se um
estudo sobre qual a base argumentativa utilizada por tais agentes, e como ela está
intrinsecamente relacionada a uma ideologia pautada em valores patriarcais, sexistas
e racistas, que também são legitimados pelo discurso de entidades religiosas cristãs
e evangélicas. Por fim, a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº. 442,
em especial o voto da ministra do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, foi utilizado
como objeto específico da pesquisa, visando analisar como esta agenda reagiu a um
voto com evidente viés “pró-escolha”.
Sustentada por autores como bell hooks, Adriana Negreiros e Anna Virgínia
Balloussier, o primeiro capítulo cuidou da revisão crítica sobre as bases que sustentam
o patriarcado no ordenamento jurídico brasileiro, e como essa construção ideológica
teve o poder de consolidar discursos moralizantes, e por muitas vezes vinculados a
pautas religiosas, utilizados como fundamentos para a resistência a avanços
progressistas em relação à tutela dos direitos reprodutivos femininos. A conclusão da
primeira parte do presente trabalho foi, portanto, que o Direito brasileiro, por ter sido
moldado por figuras desatentas às demandas políticas femininas e preocupadas em
atender interesses masculinos, tese elucidada no posicionamento de juristas como
Nelson Hungria, excluiu estruturalmente as mulheres de espaços públicos de poder
de decisão. A premissa foi confirmada no segundo subcapítulo, denominado
“Posicionamento e reações da agenda neoconservadora frente ao direito ao aborto no
76

Brasil”, no qual foi possível identificar as estratégias de atuação de tais agentes frente
ao direito ao aborto no Brasil.
O segundo capítulo do trabalho cuidou de realizar uma análise crítica acerca
dos argumentos utilizados por agentes contrários e favoráveis à ADPF nº. 442,
ouvidos como amici curiae em audiência pública realizada em 2018. Nesta etapa, foi
possível identificar uma disparidade argumentativa entre os agentes. Representantes
da sociedade civil e de alas da saúde, agentes do Direito e agentes religiosos que se
posicionaram favoráveis ao proposto no texto da ação fundamentaram suas
manifestações em evidências científicas, como dados da Pesquisa Nacional do
Aborto. No entanto, as falas de agentes contrários recorreram majoritariamente a
valores de cunho religioso e moralista, o que confirmou o que foi apresentado no
primeiro capítulo: a agenda neoconservadora justifica sua atuação contrária a
autonomia feminina em valores morais e religiosos, em dissonância com os princípios
constitucionais de laicidade do Estado, dignidade da pessoa humana, direito à saúde
e igualdade de gênero. Assim, agentes da agenda neoconservadora defendem que
sua luta é pela suposta defesa incondicional da vida do feto, desde a concepção,
conforme previsão em instrumentos como o Estatuto do Nascituro, mas que, em
verdade, buscam a reafirmação do controle político sobre os corpos femininos,
utilizando o discurso religioso como uma das principais fontes de legitimação dessa
política.
Por fim, o último capítulo estuda o conteúdo do voto de Rosa Weber e quais
foram as reações da agenda neoconservadora frente a um possível posicionamento
do STF favorável à descriminalização do aborto no Brasil. Foram selecionados trechos
do voto que revelam que a autora acolheu argumentos técnico-científicos trazidos por
agentes favoráveis ao direito ao aborto, bem como combateu as manifestações
contrárias. Portanto, a conclusão é que o voto de Rosa Weber propôs uma
interpretação constitucional acerca de direitos reprodutivos que coloca em primeiro
plano a autonomia da mulher, propondo uma tutela estatal pautada no Princípio da
Proporcionalidade. A partir deste voto, foi possível observar a ocorrência do fenômeno
blacklash, tal seja, a intensa reação negativa do poder Legislativo frente a um
posicionamento progressista do Judiciário. Foi possível observar este fenômeno a
partir de diversos projetos de Lei apresentados com o intuito de reforçar a
criminalização do aborto, e mais que isso, abolir os direitos já conquistados em relação
ao tema. Neste sentido, a ADPF nº. 442 reacendeu o debate nacional sobre o direito
77

ao aborto e desencadeou uma resposta agressiva da agenda neoconservadora,


confirmando a hipótese inicial.
Como sugestão para futuras pesquisas, sugere-se aprofundar a investigação
do fenômeno blacklash frente ao direito ao aborto em cenários estrangeiros, fazendo
um paralelo com a volta da pauta conservadora e de extrema-direita que ocorre
atualmente. A exemplo, pesquisas que explorem o conceito analisando paralelos com
países da América Latina podem contribuir para a compreensão acerca dos
mecanismos de atuação da agenda neoconservadora fora do Brasil.
78

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