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Francisca Júlia

O documento é uma antologia de poesias brasileiras que abrange temas como a natureza, a dor, a saudade e a infância. Os poemas exploram a relação entre o ser humano e o mundo, utilizando imagens vívidas e simbolismo para transmitir emoções profundas. A obra reflete a transição da literatura colonial ao pré-modernismo, destacando a riqueza da expressão poética brasileira.
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O documento é uma antologia de poesias brasileiras que abrange temas como a natureza, a dor, a saudade e a infância. Os poemas exploram a relação entre o ser humano e o mundo, utilizando imagens vívidas e simbolismo para transmitir emoções profundas. A obra reflete a transição da literatura colonial ao pré-modernismo, destacando a riqueza da expressão poética brasileira.
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UFCG – CH – UAL

Disciplina: Poesia brasileira: da Literatura colonial ao pré-modernismo


Professora: Tássia Tavares

Antologia Francisca Júlia

Musa impassível
E onde, num longo olhar, eu possa ver contigo
I Passarem, através das brumas seculares,
Musa! um gesto sequer de dor ou de sincero Os Poetas e os Heróis do grande mundo
Luto jamais te afeie o cândido semblante! antigo.
Diante de um Jó, conserva o mesmo orgulho;
e diante Rústica
De um morto, o mesmo olhar e sobrecenho
austero. Da casinha em que vive, o reboco alvacento
Reflete o ribeirão na água clara e sonora.
Em teus olhos não quero a lágrima; não quero Este é o ninho feliz e obscuro em que ela
Em tua boca o suave e idílico descante. mora;
Celebra ora um fantasma anguiforme de Além, o seu quintal; este, o seu aposento.
Dante,
Ora o vulto marcial de um guerreiro de Vem do campo, a correr; e úmida do relento,
Homero. Toda ela, fresca do ar, tanto aroma evapora,
Que parece trazer consigo, lá de fora,
Dá-me o hemistíquio d'ouro, a imagem Na desordem da roupa e do cabelo, o vento...
atrativa;
A rima, cujo som, de uma harmonia crebra, E senta-se. Compõe as roupas. Olha em torno
Cante aos ouvidos d'alma; a estrofe limpa e Com seus olhos azuis onde a inocência bóia;
viva; Nessa meia penumbra e nesse ambiente
morno;
Versos que lembrem, com seus bárbaros
ruídos, Pegando da costura à luz da clarabóia,
Ora o áspero rumor de um calhau que se Põe na ponta do dedo em feitio de adorno,
quebra, O seu lindo dedal com pretensão de jóia.
Ora o surdo rumor de mármores partidos.
Inverno
II
Ó Musa, cujo olhar de pedra, que não chora, Outrora, quanta vida e amor nestas formosas
Gela o sorriso ao lábio e as lágrimas estanca! Ribas! Quão verde e fresca esta planície,
Dá-me que eu vá contigo, em liberdade quando,
franca, Debatendo-se no ar, os pássaros, em bando,
Por esse grande espaço onde o impassível o ar enchiam de sons e queixas misteriosas!
mora.
Tudo era vida e amor. As árvores copiosas
Leva-me longe, ó Musa impassível e branca! Mexiam-se, de manso, ao resfolego brando
Longe, acima do mundo, imensidade em fora, Da brisa que passava em tudo derramando
Onde, chamas lançando ao cortejo da aurora, O perfume sutil dos cravos e das rosas...
O áureo plaustro do sol nas nuvens solavanca.
Mas veio o inverno; a vida e amor foram-se
Transporta-me de vez, numa ascensão em breve...
ardente, O ar se encheu de rumor e de uivos
À deliciosa paz dos Olímpicos-Lares desolados...
Onde os deuses pagãos vivem eternamente, As árvores do campo, enroupadas de neve,
O sol, rei fatigado, em seu leito adormece:
Sob o látego atroz da invernia que corta, Uma ave canta, ao longe; o ar pesado
São esqueletos que, de braços levantados, estremece
Vão pedindo socorro à primavera morta. Do Ângelus ao soluço agoniado e plangente.

Noturno Salmos cheios de dor, impregnados de prece,


Sobem da terra ao céu numa ascensão ardente.
Pesa o silêncio sobre a terra. Por extenso E enquanto o vento chora e o crepúsculo
Caminho, passo a passo, o cortejo funéreo desce,
Se arrasta em direção ao negro cemitério... A ave-maria vai cantando, tristemente.
À frente, um vulto agita a caçoula do incenso.
Nest'hora, muita vez, em que fala a saudade
E o cortejo caminha. Os cantos do saltério Pela boca da noite e pelo som que passa,
Ouvem-se. O morto vai numa rede suspenso; Lausperene de amor cuja mágoa me invade,
Uma mulher enxuga as lágrimas ao lenço;
Chora no ar o rumor de um misticismo aéreo. Quisera ser o som, ser a noite, ébria e douda
De trevas, o silêncio, esta nuvem que esvoaça,
Uma ave canta; o vento acorda. A ampla Ou fundir-me na luz e desfazer-me toda.
mortalha
Da noite se ilumina ao resplendor da lua... Pérfida
Uma estrige soluça; a folhagem farfalha.
Disse-lhe o poeta: "Aqui, sob estes ramos,
E enquanto paira no ar esse rumor das calmas Sob estas verdes laçarias bravas,
Noites, acima dele, em silêncio, flutua Ah! quantos beijos, trêmula, me davas!
O lausperene mudo e súplice das almas. Ah! quantas horas de prazer passamos!

Natureza Foi aqui mesmo, - como tu me amavas!


Foi aqui, sob os úmidos recamos
Um contínuo voejar de moscas e de abelhas Desta ramagem, que uma rede alçamos
Agita os ares de um rumor de asas medrosas; Em que teu corpo, mole, repousavas.
A Natureza ri pelas bocas vermelhas
Tanto das flores más como das boas rosas. Horas passava junto a ti, bem perto
De ti. Que gozo então! Mas, pouco a pouco,
Por contraste, hás de ouvir em noites Todo esse amor calcaste sob os pés".
tenebrosas
O grito dos chacais e o pranto das ovelhas, "Mas, disse-lhe ela, quem és tu? Decerto,
Brados de desespero e frases amorosas Essa mulher de quem tu falas, louco,
Pronunciadas, a medo, à concha das orelhas... Não, não sou eu, porque não sei quem és..."

Ó Natureza, ó Mãe pérfida! tu, que crias, Visão


Na longa sucessão das noites e dos dias,
Tanto aborto, que se transforma e se renova, Eu sonhava talvez. Talvez sonhando
Estivesse nessa hora abençoada,
Quando meu pobre corpo estiver sepultado, Em que do céu, tranqüila, a vi baixando
Mãe! transforma-o também num chorão Por uma grande e luminosa escada.
recurvado
Para dar sombra fresca à minha própria cova. Havia em tudo as silenciosas mágoas
Das noutes de luar... Pálida e nua,
Angelus Vagava pelo céu a branca lua
Tremendo toda no bulir das águas...
Desmaia a tarde. Além, pouco e pouco, no
poente, Vendo-a nem vi os ásperos abrolhos
Em que meus pés iam sangrando...E vi-a
Nessa atitude de quem ama, os olhos Já te esqueceste, pois, inteiramente,
Claros e azuis postos nos meus...E ria... De que em melhores épocas da vida,
Teu coração, querida,
Não sei que vago sonho, que ventura Me palpitou no coração ardente ?
De amor sonhei naquele olhar celeste... Teu coração de leve mariposa,
Vi-a envolvida numa fina veste Esvoaçarite e terrena,
De vaporosa e imaculada alvura. Tão pequeno e tão falso que outra cousa
Não pôde haver mais falsa e mais pequena ?
Desde o dia que a vi, não sei que estranha
Felicidade me acalenta e acalma; E, de certo também já te esqueceste
Vejo-a ao meu lado, sinto-a dentro d’alma; Do pezar e do amor'
Ela por toda a parte me acompanha. Com que tu me prendeste
O coração num circulo de dor.
Hei de encontra-la ainda uma vez; mas onde?
Em que plaga risonha, em que infinita Pezar e amor ! ambos me fazem doente ;
Pátria encantada essa visão habita Ambos me são do pranto
Que à minha voz saudosa não responde? Incentivos fatais;
E não sei, entretanto,
A um poeta Si aquele pôde ser maior do que este,
Pois sei apenas que ambos, igualmente,
Poeta, quando te leio, a angustia dolorida Já são grandes de mais.
Que te mina a existência e que em teu peito
impera, A uma criança
Faz-me também sofrer, d'alma se me apodera,
Como si da minh'alma ela fosse nascida. Choras, criança, mas chorar não deves;
Entre a velhice e as tuas horas leves
Sinto o que sentes : ora a lagrima sincera E' pequena a distancia;
Que foi pela saudade ou pelo amor vertida, Choras debalde; choras,
Ora a magua que habita em tua alma,— Porque não sabes, flor, quanto são breves
guarida Da humana vida as horas,
Onde a negra legião das maguas se aglomera. Porque não sabes quanto é bela a infância!
Tu, cuja vida' é um suave paraíso
Não ha nos versos teus um sentimento alheio Adornado de flores,
A esse teu coração macerado de fraguas ; Da nossa vida mísera de dores
Ha neles ora o suave e módulo gorgeio Amargas e revezes,
Nunca invejes o júbilo indeciso,
Das aves, ora a queixa harmônica das águas... Porque teu pranto é menos triste, ás vezes,
Leio os teus versos ; e, em minh'alma, quando Do que o nosso sorriso.
os leio, Os teus dias são rosas
Vai gemendo, em surdina, a musica das Que vicejam, alegres e radiosas,
maguas... Nessas tuas manhãs de eternas galas;
Nunca as desfolhes, gárrula criança;
Números do Intermezzo Deixa-as em paz, descanga,
Deixa que o tempo venha desfolhai-as.
I

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