BURACO DO ACHADOS E PERDIDOS
(Luz suave, colorida. No centro, CLARA dormindo. Sons de sinos, risadinhas e
assobios. Aos poucos, personagens entram em cena.)
CLARA - Que lugar é esse?
TIC, o relógio apressado - (agitado) Acorda! Corre! O tempo aqui escorrega como
sabonete molhado!
TAC, o relógio devagar - (lento) Não há pra quê pressa... aqui o tempo dorme de
olhos abertos…
CLARA - Esse lugar é diferente. Nunca sonhei ele antes!
(FIFI, a borboleta gigante, dança uma volta no ar antes de pousar diante de
CLARA.)
FIFI - Se você quiser voar, feche os olhos e bata as ideias como asas!
SR. BOTÃO - Garota! Eu perdi meu paletó num vento forte... desde então, guardo
histórias apenas no bolso da memória. Fique esperta viu!
CLARA - Quem são todos vocês?
DONA PERDIDA - Hãn… Com licença. Procuro uma pergunta... ou era uma
resposta? (olhando para CLARA) Talvez você saiba!
PROFESSOR SABUGO - "A cada sonho esquecido, nasce uma nova planta no
Jardim. Cuide bem da sua!"
DONA PERDIDA - Não… Acho que não era isso. Garota, eu falei com você. Você
sabe se eu estava procurando uma pergunta ou uma resposta?
RISO - Aqui é proibido ficar sério! Quem fica sério, vira pedra de sabão! (Fala para
Clara, que está com cara de confusa) Dá uma risada aí!
CLARA ri, desconfiada
RISO - Isso aí, bem melhor. Agora podemos achar o que você perdeu.
CLARA - Eu não me lembro de ter perdido nada!
LUNA - Sou cheia e sou vazia... talvez você tenha perdido um pedaço da sua luz…
CLARA - Luz? Tipo, o abajur?
ABAJUJU - Me chamou?
CLARA - Hã… Não…
ABAJUJU - Chamou sim, você falou: abajur. E eu apareci. O que foi?
CLARA - Desculpe, acho que foi um engano…
ABAJUJU - Tá bom…Então eu vou embora. Eu em, esse pessoal que sonha tá
ficando cada dia mais louco mesmo.
PROFESSOR SABUGO - Não, Juju! Fique. Preciso de você para continuar minha
leitura. Está ficando sombrio este dia.
DONA PERDIDA - Na verdade, é o buraco que está aumentando. Ou talvez ele
esteja diminuindo?
(Entra GUARDA-CHUVA cantarolando)
GUARDA-CHUVA - "Comiiigo tu-do é voar... é soar... é sonhaaar!". (para)
Ihhhh…Onde é que eu tô? Vai dizer que vim parar no buraco do achados e perdidos
de novo? Minha dona me esqueceu aonde agora?
CLARA - Esse é o buraco do achados e perdidos? Mas, eu não me achei, nem me
perdi. Como vim parar aqui?
TIC - NÃO ACHOU?
TAC - NEM PERDEU?
DONA PERDIDA - Não gosto de me perder, sabe… Por isso tenho esse mapa,
mas… (vira ele de um lado para o outro) Eu não sei ler muito bem e sempre acabo
me… perdendo.
FIFI - Clara, nem todos nós fomos perdidos. O Sr. Botão sim, caiu do paletó. A
Dona Perdida, como você pode perceber, está sempre perdida. Eu fui achada! O
tempo também, Tic e Tac são um achado, nunca uma perda!
TIC - É muita, muita gentileza da sua parte senhora…
TAC- (cortando TIC, que se irrita) Fifi… Muita gentileza mesmo.
CLARA - Mas será que eu estou perdida, então? Ou me acharam desmaiada em
algum lugar? Ai, minha nossa…
PROFESSOR SABUGO - Não precisa de todo esse drama, garota. Você pode se
juntar a nós e se descobrir ou se confundir.
ABAJUJU - Eu posso te dar uma luz!
RISO - (rindo muito) UMA LUZ! Essa foi boa. Clara, não fica pilhada assim não.
Olha, você é tão bonita sorrindo. Você deveria estar feliz de estar com a gente.
LUNA - Ei, eu aqui também preciso de uma luz. Eu sou uma Lua, eu não tenho luz
própria para brilhar. Por que você não apareceu antes, Abajuju?
ABAJUJU - Oras Luna, é simples: você não me sonhou.
LUNA - (recebendo luz) Puxa… Começo a me sentir bem melhor agora, na sua
presença. E na presença de todos vocês
SR. BOTÃO - Bonito, pessoal. Gostei, somos um belo time. Mas essa confusão
toda de achado, perdido, buraco… Clara, fiquei muito curioso e esse ”abotoa e
desabotoa” me deixou incomodado. Você acredita que vão te achar?
CLARA - Me achar onde?
SR. BOTÃO - Aqui, no buraco do achados e perdidos. Alguém vai sentir sua falta?
PROFESSOR SABUGO - Ei, Sr. Botão. Não fale assim com a garota.
RISOS - É, parou! Se não já já ela para de sorrir de novo.
FIFI - A gente pode voar para fora do buraco. O que você acha?
CLARA - Eu não tenho asas.
GUARDA-CHUVA - Nem eu. Por isso eu sempre caio aqui e só consigo sair
quando minha dona vem buscar. Na verdade, uma vez aconteceu de outra pessoa
me achar e eu saí do buraco. Essa coisa de “ser achado” depende muito, sabe?
Todos ficam em silêncio por um instante, pensando sobre a fala.
CLARA (olhando para o alto) - Será que eu quero ser achada?... (pausa) E se
ninguém sentir minha falta?
(TIC olha nervoso para o relógio)
TIC - Tem pouco tempo! Você tem que decidir: ficar ou tentar voar!
TAC - Ou... pode só esperar... às vezes quem a gente espera também está
perdido…
DONA PERDIDA - Eu espero faz tanto tempo! (olhando para o mapa de cabeça pra
baixo) Acho que um dia eu me acho também!
RISO - E enquanto a gente espera... a gente ri! Porque rir é tipo... voar por dentro!
(CLARA sorri, meio emocionada.)
FIFI - Talvez você não tenha se perdido... talvez tenha se transformado!
LUNA - Às vezes, mudar é como virar lua nova: a gente apaga um pouquinho para
brilhar diferente depois.
SR. BOTÃO - Perder-se... é só o primeiro botão da aventura.
(O GUARDA-CHUVA se aproxima, abrindo-se bem grande em cima de CLARA.)
GUARDA-CHUVA - Se quiser, pode se proteger comigo enquanto escolhe seu
caminho.
(CLARA olha para todos, sentindo-se acolhida. Ela respira fundo e fecha os olhos.)
CLARA - Eu quero ficar mais um pouco. Não quero ser achada... ainda não. Ainda
tenho muita coisa para descobrir aqui.
PROFESSOR SABUGO - (lendo no livro) Ih, garota. Não, não. Sua história aqui
está dizendo que você vai sair agora.
TIC - É, o tempo acabou!
TAC - Mas foi bom dividir ele com você, Clara.
PROFESSOR SABUGO - Você não precisa estar no buraco dos achados e
perdidos para ser encontrada, garota. Você se encontrará dia após dia.
CLARA - Mas… eu queria ficar! Eu gostei de vocês e… (ficando sonolenta) e eu
acho que eu não estou pronta pra me achar e… (pega no sono).
Clara está na mesma posição central em que começou a cena.
Ela abre os olhos, se espreguiça e levanta. Ao seu redor estão alguns objetos que
lembram seus sonhados amigos: um botão, um abajur, um guarda-chuva, um livro e
um relógio.
CLARA - Óbvio! Foi tudo um sonho… Mas é bom saber, que mesmo se estiver
perdida, eu não tenho nada a temer. Apenas continuarei sorrindo.
FIM.