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Artigo Ivo

A fraude à lei no Direito Internacional Privado envolve a manipulação de elementos de conexão para evitar a aplicação da legislação competente, comprometendo a segurança jurídica e a previsibilidade das decisões judiciais. No contexto moçambicano, o artigo 21 do Código Civil trata da irrelevância de situações criadas fraudulentamente, mas sua eficácia depende da interpretação judicial e de mecanismos complementares. O estudo propõe soluções para garantir a integridade do sistema jurídico, como a cooperação internacional e a adoção de sanções rigorosas.

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A fraude à lei no Direito Internacional Privado envolve a manipulação de elementos de conexão para evitar a aplicação da legislação competente, comprometendo a segurança jurídica e a previsibilidade das decisões judiciais. No contexto moçambicano, o artigo 21 do Código Civil trata da irrelevância de situações criadas fraudulentamente, mas sua eficácia depende da interpretação judicial e de mecanismos complementares. O estudo propõe soluções para garantir a integridade do sistema jurídico, como a cooperação internacional e a adoção de sanções rigorosas.

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REGRAS DE CONFLITOS BILATERAIS

Ivo Matsinhe1

Resumo

A fraude à lei no Direito Internacional Privado ocorre quando uma parte manipula os elementos de conexão para
evitar a aplicação da legislação que naturalmente seria competente, escolhendo um ordenamento jurídico mais
favorável. Essa prática compromete a segurança jurídica, a boa-fé e a previsibilidade das decisões judiciais, afetando
a eficácia das regras de conflitos bilaterais. No contexto moçambicano, que adota uma posição bilateralista
moderada, o artigo 21 do Código Civil de Moçambique prevê a irrelevância de situações artificiais criadas com
intuito fraudulento. No entanto, a eficácia dessa norma depende da correta interpretação dos tribunais e da
implementação de mecanismos complementares para evitar abusos. Este estudo analisa os desafios e impactos da
fraude à lei, propondo soluções para garantir a integridade do sistema jurídico, incluindo o reforço da cooperação
internacional, a adoção de sanções rigorosas e a aplicação de critérios objetivos para determinar a lei aplicável.

Palavras-chave: Fraude à lei, Direito Internacional Privado, regras de conflitos bilaterais,


segurança jurídica, boa-fé, ordem pública.

Abstract

Fraud of the law in Private International Law occurs when a party manipulates the connecting elements to avoid the
application of the legislation that would naturally be competent, choosing a more favorable legal system. This
practice compromises legal certainty, good faith and the predictability of judicial decisions, affecting the
effectiveness of bilateral conflict rules. In the Mozambican context, which adopts a moderate bilateralist position,
article 21 of the Civil Code of Mozambique provides for the irrelevance of artificial situations created with
fraudulent intent. However, the effectiveness of this rule depends on the correct interpretation of the courts and the
implementation of complementary mechanisms to prevent abuses. This study analyzes the challenges and impacts of
fraud of the law, proposing solutions to ensure the integrity of the legal system, including the strengthening of
international cooperation, the adoption of strict sanctions and the application of objective criteria to determine the
applicable law.

Keywords: Fraud of the law, Private International Law, bilateral conflict rules, legal certainty,
good faith, public order.

1
Estudante de Direto, Faculdade de Direito, 3º ano, Universidade Católica de Moçambique
Introdução

A fraude à lei no Direito Internacional Privado representa um desafio significativo para a


aplicação justa e coerente das normas de conflitos bilaterais. Esse fenômeno ocorre quando uma
das partes, de forma deliberada, manipula os elementos de conexão para evitar a incidência da
legislação que naturalmente seria aplicável, escolhendo, assim, um ordenamento jurídico que lhe
seja mais favorável. Tal prática compromete a segurança jurídica e a previsibilidade das decisões
judiciais, afetando diretamente a eficácia das normas de Direito Internacional Privado.

No contexto moçambicano, que adota uma posição bilateralista moderada no


tratamento das regras de conflito, a questão da fraude à lei torna-se ainda mais relevante. O artigo
21 do Código Civil de Moçambique estabelece que são irrelevantes as situações de fato ou de
direito criadas com o objetivo fraudulento de afastar a aplicação da lei competente. No entanto, a
efetividade dessa norma depende da interpretação e aplicação rigorosa por parte dos tribunais,
além da existência de mecanismos complementares para coibir a prática.

Este estudo busca analisar criticamente os impactos da fraude à lei nas relações
jurídicas internacionais, explorando seus desafios e as possíveis soluções para garantir a
integridade do sistema jurídico. Assim, propõe-se responder à seguinte questão de pesquisa:
Quais os impactos da ausência de critérios uniformes para a identificação da fraude à lei no
Direito Internacional Privado moçambicano e como essa prática compromete a aplicação das
regras de conflito bilaterais?

A relevância do tema reside na necessidade de garantir que as normas jurídicas


sejam aplicadas de forma legítima, impedindo que indivíduos ou empresas utilizem a fraude
como um meio de escapar de obrigações legais ou obter vantagens indevidas. Diante disso, este
trabalho discute as estratégias para combater essa prática e fortalecer a segurança jurídica nas
relações transnacionais.

1
Sumario: Introdução; I. Fundamentação Teórica; 1.1. Pressupostos da Fraude á Lei; 1.2. Objeto
da Fraude á Lei; 1.3. Causas da Fraude á Lei; 1.4. Consequências da Fraude á Lei; 1.5. Regras de
conflitos Bilaterais e Unilaterais no Estado Moçambicano; 1.5.1. A Posição Adoptada no Estado
Moçambicano; II. Discussão e Apresentação de Dados; 2. Os Impactos Negativos da Fraude à
Lei; 2.1. Erosão da Segurança Jurídica; 2.2. Violação do Princípio da Boa-Fé; 2.3. Distorção da
Aplicação das Normas Jurídicas; 2.4. Desafios na Identificação e Combate à Fraude à Lei; 2.5.
Medidas para Combater a Fraude à Lei; 2.5.1. Rejeição da Fraude pelo Ordenamento Jurídico;
2.5.2. Fortalecimento da Cooperação Jurídica Internacional; 2.5.3. Aplicação de Sanções; 2.5.4.
Critérios Rigorosos para Determinar a Lei Aplicável; Conclusão e Sugestões; Referências
Bibliográficas.

2
I. Fundamentação Teórica

1. Noção e Implicações

Conforme estabelecido na teoria geral do direito, a simulação jurídica é um


método pelo qual um indivíduo executa, de maneira não convencional, um determinado ato legal
em lugar de outro, com o propósito de induzir a resultante jurídica daquele ato, ao invés do
segundo2.

A fraude à lei pode ser analisada tanto de forma subjetiva quanto objetiva 3. No
contexto subjetivo, a avaliação da fraude requer a atribuição ao agente de uma intenção pessoal
de contornar o mecanismo legislativo, com o intuito de burlar a lei. Por outro lado, no modo
objetivo, não é necessária a imputação subjetiva nem a comprovação da intenção. Assim, para
caracterizar a fraude, é suficiente que a ação do agente resulte na evitação do efeito que a lei
busca prevenir, ou que evite o resultado que a lei pretende alcançar. A diferença entre os modos
subjetivo e objetivo reside na exigência de imputação da intenção subjetiva e sua comprovação
no primeiro, enquanto no segundo essa imputação é dispensada4.

A fraude à lei, também conhecida como "evasion of law" ou "fraude à la loi"


refere-se a práticas no âmbito do direito internacional (civil e comercial) em que as partes
manipulam artificialmente as normas de conflitos. Elas criam intencionalmente um elemento de
conexão para escapar da aplicação do direito interno que deveria ser aplicado, optando, assim,
pela aplicação de uma legislação estrangeira mais vantajosa para seus interesses. Como a
designação da lei depende de elementos de conexão e da vontade das partes, como nacionalidade,
domicílio, localização, entre outros, o abuso da liberdade na criação e modificação desses
elementos não é benéfico para a segurança da ordem jurídica nem para a implementação da
política jurídica interna.

2
MACHADO, João Baptista, Lições de Direito Internacional Privado,3ed, 1972, Pág. 275.
3
REPÚBLICA DE MOCAMBIQUE, CODIGO CIVIL, Artigo 21.º – Fraude à lei: “Na aplicação das normas de
conflitos são irrelevantes as situações de facto ou de direito criadas com o intuito fraudulento de evitar a
aplicabilidade da lei que, noutras circunstâncias, seria competente.”
4
DUARTE, Rui Pinto, Fraude á Lei, 2020, Pág. 1588-1589;
3
Portanto, a mudança arbitrária dos elementos de conexão para evitar a aplicação
do direito interno, com o objetivo de aplicar o direito estrangeiro mais vantajoso para o agente,
resulta em uma situação de invalidade5.

Essa prática se traduz, na prática, como uma violação indireta da lei. São situações
em que uma pessoa, de alguma forma, se subtrai à aplicação de uma norma, evitando, assim, a
violação direta da mesma6.

1.1. Pressupostos da Fraude á Lei


A fraude pressupõe ou implica assim:

 utilização voluntária e irregular das normas de conflito (instrumento da fraude): Neste


contexto, a fraude à lei muitas vezes envolve um domínio consciente e não ético das
normas de conflito, que são instrumentos legais destinados a resolver conflitos de leis em
diferentes jurisdições. A parte envolvida na fraude pode escolher se submeter a uma
jurisdição específica, explorando as regras de conflito para obter benefícios indevidos7.
 atividade intencional fraudatória (a que alguns chamam abuso do direito): A fraude à lei
implica uma conduta deliberada e planejada para alcançar um fim que contraria o
propósito da legislação aplicável. O termo "abuso do direito" é frequentemente associado
a essa prática, indicando que a parte está se aproveitando de um direito legal de maneira
inadequada para obter vantagens pessoais.
 norma defraudada, nacional ou estrangeira (é a orientação atual)8: A orientação atual na
abordagem da fraude à lei destaca a importância de considerar tanto as normas nacionais
quanto estrangeiras que estão sendo contornadas.
Isso significa que a fraude à lei pode ocorrer em diferentes jurisdições, e a análise
da prática fraudulenta deve levar em conta as leis locais e internacionais.

A norma defraudada pode ser tanto a legislação do próprio país onde a fraude está
ocorrendo quanto a legislação de uma jurisdição estrangeira que está sendo evitada de maneira
ilegítima.

5
KAO, Tou Chan, Do problema da “fraude à lei” no direito internacional privado, 2011, Pág. 1157-1158.
6
VICENTE, Dário Moura, Direito Internacional Privado I, 2004, Pág. 18.
7
Trindade Jaqueline, Teoria da Fraude á Lei no Direito Internacional Privado, acesso em 25 de fevereiro de 2024:
https://www.jusbrasil.com.br/artigos/teoria-da-fraude-a-lei-no-direito-internacional-privado.
8
FERNANDES, Carlos, Lições de Direito Internacional Privado I, 1994, Coimbra Editora, Pág. 311.
4
1.2. Objeto da Fraude á Lei
Entende-se geralmente que o objeto da fraude é a norma jurídica cuja aplicação se
pretende afastar, com a intenção de provocar um resultado jurídico diferente daquele a que sua
aplicação levaria. No âmbito do DIP, o objeto da fraude à lei é constituído pela norma de
conflitos cujo imperativo seria frustrado se a manobra fraudatória fosse bem-sucedida. Em outras
palavras, trata-se da norma de conflitos, ou parte dela, que ordena a aplicação do direito material
ao qual o fraudador, em última instância, deseja evitar. É importante destacar que o propósito
dessa norma de conflitos não será afetado na medida em que o objetivo da norma material à qual
o fraudador tentou escapar também não seja prejudicado9.

O objeto da fraude à lei no DIP está intrinsecamente relacionado à norma de


conflitos que regula a escolha do direito material e cujo propósito não deve ser comprometido,
desde que o mesmo ocorra com o objetivo da norma material que o fraudador buscou evitar10.

1.3. Causas da Fraude á Lei


A fim de assegurar que uma legislação aplicável esteja alinhada com os princípios
da equidade e justiça, e para proteger os interesses legítimos tanto dos cidadãos quanto dos
estrangeiros, todos os países ou regiões do mundo estabeleceram o direito internacional privado
para regular as relações jurídicas internacionais. A aplicação do direito internacional privado
concentra-se em relações jurídicas internacionais, nas quais um caso vinculado a essa relação
depende de ter elementos relacionados ao exterior. O que pode ser considerado uma relação
jurídica interna em um país (A) pode se transformar em uma relação jurídica internacional em
outro país (B) devido à alteração de elementos de conexão, como nacionalidade, domicílio, entre
outros, e também por mudanças nos elementos associados à prática do ato ou à vontade das partes
em um contrato11.

Essa mudança, em sua maioria, ocorre de forma natural, sem a intenção das partes
de evitar ou fraudar a lei, embora exceções existam. Do ponto de vista do direito internacional

9
CORREIA, A. Ferrer, Lições de Direito Internacional Privado, Almedina, 2014, Pág. 582-583.
10
ANTUNES, Ana Filipa Morais, Fraude á Lei no Direito Civil Português, Almedina, 2018, Pág. 39-42.
11
KAO, Tou Chan, Do problema da “fraude à lei” no direito internacional privado, 2011, Pág. 1159-1160.
5
privado, as partes podem deliberadamente modificar os elementos de conexão para influenciar as
relações jurídicas.

Quando essas relações são de natureza internacional, surgem questões sobre a


aplicação da lei competente e a distinção da intenção ilícita, o que configura um problema
controverso conhecido como "fraude à lei". A mudança nos elementos de conexão, nesse
contexto, não apenas impacta a natureza jurídica das relações, mas também levanta questões
sobre a escolha da lei competente, resultando em debates sobre fraude à lei no direito
internacional privado12.

Portanto, as causas fundamentais da fraude à lei residem na intencionalidade das


partes em modificar os elementos de conexão para moldar as relações jurídicas de maneira mais
favorável a seus interesses, destacando-se como um problema controverso no âmbito do direito
internacional privado13.

1.4. Consequências da Fraude á Lei


Geralmente, os juristas concordam que a sanção da fraude à lei se manifesta na
aplicação da norma cujo imperativo a manobra fraudulenta buscou contornar. Dessa forma, os
atos jurídicos realizados e os direitos adquiridos de maneira fraudulenta em relação à lei do foro
serão considerados ineficazes dentro desse ordenamento jurídico específico. No entanto, a sanção
da fraude não implica necessariamente na ineficácia absoluta de todos os atos ou situações
criadas para viabilizar a fraude14.

A proteção da norma fraudada, que é a função e o propósito da sanção da fraude à


lei, não exige mais do que a invalidação dos efeitos jurídico-privados buscados pelo fraudante,
desde que estejam em desacordo com os efeitos previstos pela norma infringida. Por exemplo, se
alguém adquire a cidadania estrangeira com o objetivo de escapar de uma disposição da lei
nacional, a cidadania estrangeira adquirida pode ser reconhecida, mas apenas serão recusados os
efeitos jurídicos privados pretendidos pelo fraudante e que vão de encontro à norma infringida15.

12
ANTUNES, Ana Filipa Morais, Fraude á Lei no Direito Civil Português, Almedina, 2018, Pág. 44-46.
13
VICENTE, Dário Moura, Direito Internacional Privado I, 2004, Pág. 19.
14
MACHADO, João Baptista, Lições de Direito Internacional Privado,3ed, 1972, Pág. 285.
15
Ob., Cit., Pág. 286-287.
6
Entretanto, isso não significa que, em alguns casos, as situações constituídas ou os
atos jurídicos praticados como meios de evadir uma lei e buscar refúgio em outra não devam ser
avaliados autonomamente, à luz da doutrina da fraude à lei.

Pode ocorrer que um Estado, cuja cidadania foi adquirida fraudulentamente para
fins de divórcio, considere essa aquisição como viciada de fraude e, portanto, inoperante. Nesse
caso, trata-se de fraude a uma lei material, e o fraudante não consegue realizar um dos
pressupostos necessários para a fraude à lei no Direito Internacional Privado (DIP)16.

As consequências da fraude à lei, em termos de sanção, geralmente se traduzem


em fazer valer o preceito imperativo que a manobra fraudatória buscou contornar. O ato viciado
em sua finalidade, por ser ilícito, não pode produzir todos os efeitos desejados, ou pelo menos
não todos. A divergência entre os juristas reside na interpretação do objeto ou alcance dessa
sanção: alguns argumentam que serão ineficazes ou irrelevantes apenas os efeitos diretamente
visados pela fraude, enquanto outros defendem que todos os efeitos da ação fraudatória serão
atingidos pela ineficácia. Por exemplo, se um português se naturaliza mexicano para divorciar no
México, a discussão se estenderá sobre se apenas o divórcio ou também as naturalizações em si
são consideradas irrelevantes ou ineficazes. A opinião majoritária sustenta que apenas os atos que
o autor teve em vista em contrariedade à proibição legal serão considerados irrelevantes 17.

1.5. Regras de conflitos Bilaterais e Unilaterais no Estado Moçambicano

Na teoria que atribui à Regra de Conflitos uma função dupla, adotando um


enfoque bilateral, é importante distinguir duas versões:

a) a) Segundo a visão tradicional, a Regra de Conflitos relaciona-se tanto com a legislação


do local quanto com as legislações de outras nações, podendo estabelecer a relevância das
normas desse sistema e de outros sistemas, conforme o que for indicado pelo seu
elemento de ligação..18;

b) Segundo a visão moderada, a Regra de Conflitos pode, de fato, direcionar a aplicação


tanto das leis do país quanto de leis de outros países. Contudo, em relação à sua função
original, ela só funcionaria para determinar a relevância da lex materialis da jurisdição em
16
VICENTE, Dário Moura, Direito Internacional Privado I, 2004, Pág. 18.
17
FERNANDES, Carlos, Lições de Direito Internacional Privado I, Coimbra Editora, 1994, Pág. 315.
18
MACHADO, João Baptista, Lições de Direito Internacional Privado, 3ª Edição, ALMEDINA, 1972, Pág. 76.
7
casos que envolvessem aspectos estrangeiros, e não em situações que fossem
"exclusivamente internas", onde a legislação local seria diretamente aplicável por conta
própria.

Por sua vez, a teoria que atribui uma única função às regras de Direito
Internacional Público, adotando uma perspectiva unidimensional, apresenta também duas versões
que se opõem entre si19:

a) Em uma das leituras da tese unilateralista, a versão voltada para fora propõe que a Regra
de Conflitos tem como função única identificar um ordenamento jurídico de outra nação
para regulamentar os acontecimentos da vida jurídica global. Assim, ao assinalar a lei
estrangeira como adequada, ela estabelece indiretamente uma exceção à regra geral que
determina a aplicação das leis materiais do local dentro do território do Estado em
questão, limitando, dessa forma, o alcance da legislação interna.;

b) Em uma segunda e mais importante variação, a introversa, o único propósito da Regra de


Conflitos seria estabelecer os limites de aplicação da legislação nacional.

A teoria do unilateralismo extrovertido se baseia na ideia de que a principal função


das regras de Direito Internacional Privado é integrar legislações de outros países ao ordenamento
jurídico doméstico. Os defensores dessa abordagem sustentam que a visão bilateral requer um
raciocínio mais complicado, já que a aplicação do direito interno está condicionada à presença
anterior de uma norma de Direito Internacional Privado.20.

Na verdade, pode-se afirmar que referir-se a uma legislação estrangeira por meio
de uma regra de Direito Internacional Privado é justificável, pois permite que o juiz da região
aplique normas que, de outra forma, não teriam validade. Entretanto, a referência a um sistema
jurídico que está essencialmente conectado à norma de DIP se torna irrelevante 21.

19
Ob., Cit.
20
SANTOS, António Marques Dos, Direito Internacional Privado, Associação Académica da Faculdade de Direito
de Lisboa, 1987, Pág. 156-157.
21
MACHADO, João Baptista, Lições de Direito Internacional Privado, 3ª Edição, ALMEDINA, 1972, Pág. 84.
8
1.5.1. A Posição Adoptada no Estado Moçambicano

Considerando nossa visão da Regra de Conflitos como um fundamento que busca


resolver divergências entre normas que já foram identificadas como potencialmente relevantes, é
evidente que devemos nos apegar à segunda opção da perspectiva bilateralista, que é a mais
moderada. A norma de Direito Internacional Privado (DIP) somente entra em ação quando há
uma alternativa entre diferentes ordenamentos, quer seja entre múltiplos sistemas jurídicos
estrangeiros, ou entre um ou mais desses sistemas e o sistema nacional.22.

Por isso, é essencial reconhecer que a Regra de Conflitos não deve ser utilizada
nem em casos que são exclusivamente internos ao país onde a ação está se desenrolando, nem em
situações internas que envolvem um país estrangeiro (ou seja, casos de caráter internacional). Em
ambas as situações, a legislação aplicável é claramente definida, conforme já conhecemos, pelo
princípio fundamental do Direito de Conflitos. 23 Este princípio básico, atuando como uma norma
universal do direito, proporciona às diversas legislações regionais uma habilidade crucial (ou
possível) para gerenciar determinadas situações que estão dentro de sua autoridade24.

22
CORREIA, A. Ferrer, Lições de Direito Internacional Privado, ALMEDINA, 2014, Pág. 187.
23
MACHADO, João Baptista, Lições de Direito Internacional Privado, 3ª Edição, ALMEDINA, 1972, Pág. 87.
24
MACHADO, João Baptista, Lições de Direito Internacional Privado, 3ª Edição, ALMEDINA, 1972, Pág. 88.
9
II. Discussão e Apresentação de Dados

A fraude à lei no Direito Internacional Privado (DIP) é uma prática em que


indivíduos manipulam os elementos de conexão para evitar a aplicação de determinada
legislação, buscando vantagens indevidas. Essa conduta compromete a segurança jurídica, a boa-
fé nas relações internacionais e a eficácia das normas de conflitos bilaterais. Este artigo apresenta
argumentos sólidos contra essa prática, destacando os impactos negativos e a necessidade de
medidas preventivas para garantir a aplicação justa das normas jurídicas.

2. Os Impactos Negativos da Fraude à Lei

2.1. Erosão da Segurança Jurídica

A segurança jurídica é um dos princípios fundamentais do DIP. Quando as partes


manipulam as regras de conflito para escapar da aplicação da lei adequada, cria-se um ambiente
de incerteza, dificultando a previsibilidade das decisões judiciais. Segundo Tembe, a ausência de
critérios claros para combater a fraude à lei gera decisões contraditórias, minando a confiança no
sistema jurídico25.

2.2. Violação do Princípio da Boa-Fé

A boa-fé é essencial para a validade dos atos jurídicos. Manipular os elementos de


conexão para evitar uma legislação específica configura um comportamento desleal, atentando
contra os princípios éticos do direito. Segundo Amílcar Lopes, a fraude à lei representa um abuso
do direito, pois desvirtua o objetivo das normas jurídicas e compromete a moralidade nas relações
internacionais26.

2.3. Distorção da Aplicação das Normas Jurídicas

As regras de conflito bilaterais são formuladas para garantir que a lei mais
adequada a uma determinada relação jurídica seja aplicada. Quando ocorre fraude à lei, essa
função é comprometida, levando à aplicação indevida de normas estrangeiras que, em condições
normais, não deveriam reger a relação. Isso gera insegurança e favorece o chamado "turismo
jurídico", em que indivíduos escolhem arbitrariamente o ordenamento jurídico mais vantajoso.
25
TEMBE, Guilherme Carlos, Fraude à Lei no Direito Internacional Privado: Impactos e Medidas de Combate,
Maputo: Universidade Eduardo Mondlane, 2023, P. 84.
26
LOPES, Amílcar, Princípios Fundamentais do Direito Internacional Privado, Lisboa: Almedina, 2022, P. 145.
10
2.4. Desafios na Identificação e Combate à Fraude à Lei

Identificar a fraude à lei é complexo, pois exige a demonstração de que a alteração


do elemento de conexão foi realizada com a intenção específica de evitar a aplicação de uma lei
desfavorável. Essa prova de intenção é difícil de obter, tornando a detecção e a punição da fraude
desafiadoras. Além disso, a ausência de critérios uniformes para caracterizar a fraude à lei pode
levar a decisões judiciais inconsistentes, afetando a previsibilidade e a segurança jurídica.

Para mitigar os efeitos da fraude à lei e assegurar a integridade do sistema jurídico,


é essencial implementar mecanismos eficazes, tais como:

1. Definição Clara de Critérios: Estabelecer parâmetros objetivos para identificar a fraude


à lei, facilitando a atuação judicial na sua repressão.

2. Fortalecimento da Cooperação Internacional: Promover a colaboração entre Estados


para reconhecer e combater práticas fraudulentas, garantindo a aplicação efetiva das
normas de conflito.

2.5. Medidas para Combater a Fraude à Lei

Diante dos impactos negativos, é fundamental adotar mecanismos para evitar essa
prática e garantir a aplicação equitativa das normas jurídicas.

2.5.1. Rejeição da Fraude pelo Ordenamento Jurídico

O ordenamento jurídico moçambicano já prevê mecanismos para combater a


fraude à lei. O artigo 21 do Código Civil de Moçambique determina que "na aplicação das
normas de conflito são irrelevantes as situações de facto ou de direito criadas com o intuito
fraudulento de evitar a aplicabilidade da lei que, noutras circunstâncias, seria competente".

Essa disposição impede que as partes obtenham vantagens indevidas através da


manipulação dos elementos de conexão. No entanto, é necessário que os tribunais interpretem
essa norma de maneira rigorosa e uniforme, evitando brechas que possibilitem a prática da
fraude.

11
2.5.2. Fortalecimento da Cooperação Jurídica Internacional

A fraude à lei muitas vezes envolve múltiplas jurisdições. Por isso, a cooperação
internacional entre Estados é essencial para identificar e impedir práticas fraudulentas. Acordos
internacionais podem prever o reconhecimento mútuo de decisões judiciais e sanções para casos
em que se comprove a tentativa de burla às normas legais.

2.5.3. Aplicação de Sanções

A imposição de sanções às partes que tentam fraudar a lei é uma medida eficaz
para desencorajar essa prática. Essas sanções podem incluir:

 Nulidade do ato jurídico: Se um contrato ou casamento for celebrado com o objetivo


exclusivo de burlar a legislação aplicável, o ato pode ser declarado nulo.
 Multas e penalidades administrativas: Estados podem prever multas para aqueles que
tentam alterar artificialmente os elementos de conexão de uma relação jurídica.
 Perda de benefícios adquiridos: Em casos de fraude fiscal, por exemplo, a
administração pública pode cobrar os tributos devidos com acréscimos.

2.5.4. Critérios Rigorosos para Determinar a Lei Aplicável

Para evitar que a fraude à lei prospere, os tribunais devem adotar critérios rígidos
para determinar a aplicabilidade das normas jurídicas. Lopes sugere que a escolha da lei aplicável
deve sempre levar em conta a relação real da parte com o ordenamento jurídico escolhido, e não
apenas a vontade subjetiva das partes27.

27
LOPES, Amílcar, Princípios Fundamentais do Direito Internacional Privado, Lisboa: Almedina, 2022, P. 145.
12
Conclusão e Sugestões

A fraude à lei no Direito Internacional Privado é uma prática que compromete a


segurança jurídica, a boa-fé e a correta aplicação das normas de conflitos bilaterais. Ao permitir
que indivíduos manipulem os elementos de conexão para evitar a aplicação da lei competente,
essa prática prejudica a previsibilidade e a coerência das decisões judiciais, criando um ambiente
propício para abusos e injustiças.

A ordem jurídica moçambicana, seguindo a tendência dos sistemas jurídicos de


países lusófonos como Portugal e Brasil, já prevê mecanismos para coibir a fraude à lei, como a
norma do artigo 21 do Código Civil de Moçambique, que declara irrelevantes as situações
artificiais criadas com o intuito de burlar a aplicação da legislação adequada. No entanto, a
efetividade dessas disposições depende da interpretação rigorosa pelos tribunais e da
implementação de medidas complementares para evitar que essa prática se perpetue.

A adoção de critérios rígidos para a determinação da lei aplicável, o fortalecimento


da cooperação internacional e a imposição de sanções eficazes são fundamentais para garantir
que a fraude à lei não seja utilizada como um meio de burlar direitos e obrigações legítimos.
Somente com uma abordagem integrada e coordenada entre os diversos ordenamentos jurídicos
será possível impedir que essa prática subverta os princípios fundamentais do Direito
Internacional Privado.

Sugestões

Para aprimorar a eficácia das normas contra a fraude à lei, algumas medidas podem ser sugeridas:

1. Reforço da Interpretação Judicial – Os tribunais moçambicanos devem aplicar as


normas antifraude de forma rigorosa e uniforme, garantindo que atos jurídicos
fraudulentos sejam devidamente sancionados.
2. Criação de Mecanismos de Monitoramento – A implementação de órgãos ou
departamentos especializados na análise de casos de fraude à lei pode auxiliar na
identificação de práticas abusivas e na recomendação de medidas corretivas.

13
3. Acordos de Cooperação Internacional – O fortalecimento da colaboração entre
Moçambique e outros países pode facilitar o intercâmbio de informações e a
harmonização de estratégias para combater a fraude à lei em contextos transnacionais.
4. Adoção de Sanções Mais Rigorosas – Além da nulidade dos atos fraudulentos, o
ordenamento jurídico pode prever multas, perda de direitos adquiridos de forma
fraudulenta e até mesmo responsabilização penal em casos mais graves.
5. Critérios Objetivos para Determinação da Lei Aplicável – Para evitar que a fraude
prospere, é essencial que os tribunais adotem critérios objetivos e consistentes na
definição da norma competente, privilegiando o vínculo real das partes com o
ordenamento jurídico escolhido.

Ao implementar essas sugestões, Moçambique poderá fortalecer a eficácia do seu


sistema jurídico no combate à fraude à lei, garantindo que a aplicação das normas de conflito
bilaterais ocorra de forma justa e alinhada com os princípios fundamentais do Direito
Internacional Privado.

14
Referências Bibliográficas

Legislação:

 REPÚBLICA DE MOCAMBIQUE, Decreto-Lei n.° 47344, de 25 de novembro de


1966.

Doutrina:

 DUARTE, Rui Pinto, Fraude á Lei, 2020;


 Trindade Jaqueline, Teoria da Fraude á Lei no Direito Internacional Privado, acesso em
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