Aluno: Victor Ioste - N° USP: 15491257 - NOTURNO - Textos: Os Negros da Terra / A
Formação da Elite Colonial
Texto 1: MONTEIRO, John M. Os Negros da Terra: índios e bandeirantes nas origens
de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, pp. 17-56 e 228-234.
Argumentos: O autor defende a tese de que a convivência entre nativos e colonos ao longo
do século XVI estava longe de ser harmônica e pacífica, muito pelo contrário: foi repleta de
conflitos e tensões advindas, principalmente, do choque cultural e das insistentes tentativas
por parte dos europeus de impor sua cultura sobre os indígenas a fim de civilizá-los,
“amansá-los” e, através disso, dominá-los e melhor utilizá-los como mão de obra tanto em
engenhos de açúcar quanto em outras atividades econômicas. Segundo ele, tais tentativas de
dominação se deram, em suma, de dois modos: o primeiro, por meio das missões catequéticas
perpetradas pelos membros da Companhia de Jesus (os jesuítas), em que esses, ao
converterem os indígenas ao cristianismo e, pouco a pouco, substituírem os costumes e
crenças nativas pelas de origem europeia, almejavam transformar os índios na força de
trabalho ideal, subserviente ao colonos portugueses. Entretanto, a resistência por parte dos
nativos, aliada a constantes surtos de doenças e a conflitos com os colonos, levaram ao
fracasso de tal empreitada. O segundo modo baseava-se na direta captura de indígenas (ou no
“resgate” daqueles que haviam sido capturados para serem executados em rituais
antropofágicos) para posterior escravização, esse modelo sendo preferido pelos colonos haja
vista que, além de eliminar o intermédio dos jesuítas no tangente à contratação de mão de
obra, ainda era mais interessante visto que permitia a obtenção de uma maior quantidade de
pessoas por um menor preço, além de contar com a sanção do governo sob o pretexto de
“guerra justa”. Ademais, é importante frisar como Monteiro busca desconstruir a visão
romantizada das sociedades indígenas pacíficas e homogêneas ao apresentar as dinâmicas
bélicas dos povos nativos (em especial as guerras por vingança), as diferenças culturais entre
os diversos habitantes das terras brasileiras e a sua resistência, velada ou explícita, ao
domínio europeu, com enfoque em confrontos diretos contra os colonizadores (como no caso
da Confederação dos Tamoios) e na rejeição à cultura europeia.
Implicações: O exposto implica que a convivência entre europeus e nativos não foi isenta de
conflitos, tensões e movimentos de resistência como determinada parcela da historiografia e
literatura insiste em afirmar. Contrariamente, foi marcada por diversas tentativas por parte
dos colonos de dominar e “amansar” os indígenas, primeiramente através de processos
civilizatórios e de conversão por parte dos jesuítas, e, posteriormente, pela escravização
forçada perpetrada por meio das bandeiras e guerras justas. Ademais, entende-se também que
os nativos não ficaram estáticos frente a tais movimentos, resistindo às investidas europeias
por meio da preservação de suas culturas, rejeição dos ensinamentos do colonizador e através
de movimentos diretos de resistência, tal qual ocorreu no episódio da Confederação dos
Tamoios. Por fim, é importante notar como o autor desconstrói o imaginário popular acerca
das populações que habitavam o Brasil antes da chegada de Cabral, haja vista que, ao invés
de apresentar sociedades pacíficas, subservientes e homogêneas culturalmente, Monteiro
explicita a diversidade de nações, culturas e práticas dos povos indígenas, além de mostrar
como as relações intertribais costumavam ser conflituosas e, por vezes, acabavam resultando
em guerras movidas por vingança.
Teses alternativas: Algumas teses alternativas, defendidas especialmente por autores
nacionalistas e românticos, apresentam a relação portuguesa-indígenas no início do processo
colonial do Brasil como harmoniosa, como um “encontro de culturas”. Tal ideia pressupõe
que as culturas europeia e indigena contribuíram mutuamente para a formação da identidade
nacional e que não houve (pelo menos, não ostensivamente) um processo civilizatório e de
apagamento cultural por parte dos colonos frente às populações nativas. Além disso, alguns
perpetuam ainda a visão de que os índios eram pessoas pacíficas, nobres (baseando-se na
ideia do “bom selvagem”), que se encontravam unidas sob uma única cultura e que em
nenhum momento fizeram frente às investidas de dominação europeias, tal concepção
baseando-se, novamente, no ideal do indigena subserviente e inocente.
Metodologia: O autor lança mão de diversos relatos de sacerdotes jesuítas, exploradores,
mercenários e colonos, para fundamentar sua análise sobre o processo colonial no Brasil do
século XVI e apresentar a complexa dinâmica de convivência entre europeus e indígenas. Ele
também utiliza de tais documentos para expor com clareza a ideia nutrida pelos portugueses
de exercer domínio sobre a população nativa e utilizá-la como mão de obra, seja por meio da
conversão ou da força. Por fim, esses manuscritos servem ainda para apresentar detalhes das
sociedades que habitavam o Brasil (sejam coloniais ou indígenas), bem como para traçar uma
linha cronológica dos muitos acontecimentos ocorridos nesse período.
Estrutura:
- Introdução sobre a dinâmica entre indígenas e colonos e como essa convivência
influenciou o desenvolvimento da colônia;
- Análise sobre os povos Tupi, os demais grupos indígenas que habitavam o território
do Brasil e de como os europeus dividiram os indígenas em dois grupos genéricos: os
Tupi e os Tapuia;
- Análise sobre o choque cultural gerado pela chegada dos portugueses e os conflitos
iniciais entre indígenas e colonos;
- Exposição do papel desempenhado pelos jesuítas no esforço da colonização, a
formação dos primeiros assentamentos no planalto paulista e os impactos dessa
tentativa de catequese sobre os nativos;
- Exposição do conflito dos colonos com jesuítas e indígenas e as incursões coloniais
que tinham como objetivo a captura e a escravização dos nativos;
- Conclusão sobre os impactos negativos que as primeiras décadas de colonização
tiveram sobre os nativos.
Crítica: Apesar de ter feito uma aprofundada análise dos impactos causados pelas ações
civilizatórias e de dominação portuguesas (em especial, as perpetradas pelos jesuítas) sobre
os nativos, o autor traz, a meu ver, um relato tanto quanto raso e simplista sobre as incursões
dos colonos contra os territórios indígenas e não parece dar a devida atenção a essa temática,
além de preferir focar-se excessivamente na questão jesuítica ao passo que pouco discorre
sobre os intensos conflitos entre portugueses e nativos, os movimentos de retaliação por parte
desses últimos, a participação de potências externas na intensificação das tensões na colônia e
as ações tomadas pelo governo português em resposta a aparente anarquia que se encontrava
o Brasil.
Texto 2: RICUPERO, Rodrigo. A Formação da Elite Colonial: Brasil, 1530-1630. São
Paulo: Alameda, 2009, pp. 93-125.
Argumentos: O autor argumenta que os conflitos pela posse das terras do Brasil que
ocorreram entre Portugal e outras nações europeias, em especial a França, no século XVI
foram um dos principais motivadores da iniciativa para a criação de povoamentos
permanentes na colônia. Nesse contexto, a Coroa instituiu as Capitanias como uma forma de
incentivar a colonização, entregando o comando de tal empreitada principalmente à pessoas
ligadas ao governo português ou que nutriam uma boa relação com o rei (não a nobres que
poderiam representar uma ameaça à soberania real). Ademais, o autor sustenta que, em face a
generalizada resistência indigena frente ao processo colonial e o fracasso dos Donatários em
manter a ordem, foi necessário a instituição de um Governo-Geral que pudesse administrar o
território lusitano na América em sua totalidade, esse ostentando uma autoridade que se
sobressaia à dos Donatários e capitães-mor. Tal Governo foi, pouco a pouco, capitalizando e
unificando a administração da colônia de maneira a, além de proteger os assentamentos
portugueses, certificar que as ordens e interesses da Coroa fossem garantidos. Por fim, o
autor discorre sobre o papel do açúcar no processo de colonização, haja vista que foi
justamente a sedentarização causada pelo cultivo da cana que permitiu o crescimento das
vilas portuguesas e o surgimento de uma elite colonial, essa última se encarregando de
cultivar e administrar a terra.
Implicações: Os argumentos implicam na tese de que a necessidade de garantir o domínio
portugues sobre as terras do Brasil frente a ameaça de invasão de nações estrangeiras foi o
principal fator para a gênese do processo de povoamento da colônia. Sob essa ótica, a Coroa
instituiu inicialmente as Capitanias para se isentar da administração colonial e incentivar a
ocupação do território, entretanto, após o fracasso dessas, ela se viu na necessidade de criar
um Governo-Geral que pudesse administrar toda a América Portuguesa, garantindo, assim, a
ordem e o crescimento da empreitada colonizadora. Ademais, o autor expõe que a
substituição da extração do pau-brasil pelo cultivo da cana-de-açúcar foi crucial para o
desenvolvimento da colônia, visto que isso levou a uma sedentarização e crescimento dos
assentamentos existentes e a criação de novos assentamentos. Por fim, isso também levou ao
surgimento de uma elite colonial formada, basicamente, pelas pessoas responsáveis por
administrar as terras férteis e garantir a produção de açúcar.
Teses alternativas: O autor expõe algumas teses alternativas em seu texto: a primeira, de que
a Coroa via os Donatários como inimigos que poderiam se levantar contra o domínio real e
que, devido a isso, instituiu um Governo-Geral para enfraquecê-los e vigiá-los. A segunda, de
que esse mesmo Governo seria uma resposta ao temor de que outras nações, como França e
Espanha, invadissem o território brasileiro. Por fim, a de que o Governo-Geral foi instituído
tendo em vista a supervisão da busca por minérios preciosos, haja vista a descoberta das
minas peruanas.
Metodologia: O autor lança mão de documentos e cartas das mais diversas origens (a Coroa,
os Donatários, as câmaras municipais dos assentamentos etc.) para fundamentar sua análise
da situação em que se encontrava o Brasil do século XVI e criar uma linha do tempo dos
acontecimentos que levaram a criação do Governo-Geral e da elite colonial. Ademais, ele
também se baseia nas análises de autores contemporâneos para dar base e aprofundar seu
discorrimento de como, e porque, se sucedeu o processo de povoamento do Brasil,
ocasionalmente discordando, inclusive, de algumas ideias propostas por esses outros autores
e tentando provar seu ponto de vista através do exposto pelos manuscritos do século XVI.
Estrutura:
- Exposição de como a rivalidade entre portugueses e espanhóis, além da ameaça de
invasão das terras brasileiras, levou a Coroa portuguesa a decidir ocupar
permanentemente o Brasil;
- Discorrimento sobre a criação das Capitanias Hereditárias e os desafios enfrentados
pelos colonizadores, em especial a resistência por parte dos indígenas (que recebiam
ajuda da França);
- Exposição da resposta enérgica de Portugal frente aos ataques nativos e a criação do
Governo-Geral, além de breve apresentação de teses alternativas para a criação desse;
- Exposição detalhando o aumento da influência do Governo-Geral sobre as Capitanias;
- Discorrimento sobre as estratégias de defesa do território brasileiro e sobre a mudança
causadas pela transição econômica do pau-brasil para o açúcar;
- Exposição sobre o processo de formação da elite colonial brasileira.
Crítica: A meu ver, o autor descartou muito apressadamente a possibilidade da ameaça
estrangeira ser um dos motivadores para a criação do Governo-Geral, haja vista que ele
próprio aponta a necessidade de proteger a colônia das investidas de outras nações, em
especial da França, como um dos motivos que levaram Portugal a incentivar o povoamento
do Brasil. Nesse contexto, a iniciativa de instalar um governo forte e centralizado para
coordenar a defesa do território brasileiro não parece tão absurda, ainda mais se considerado
que um dos objetivos do Governo-Geral, como aponta o próprio autor, seria auxiliar os
Donatários na manutenção da ordem e segurança da colônia. Portanto, não seria de se
espantar que Portugal, ao perceber a incapacidade dos Donatários em defender suas terras dos
ataques das nações indígenas, tenha se preocupado quanto a possibilidade de que uma
invasão estrangeira não conseguiria ser contida pelos atuais coordenadores das Capitanias e,
devido a isso, optou por criar uma instituição que efetivamente pudesse combater essa
ameaça constante à soberania lusitana.