GHVB
GHVB
Intestino Delgado
Sizenando Vieira Starling
é justificável porque a cirw·gia proporciona rápido alívio casos de exceção ou situações de extrema gravidade,
dos sintomas, 1naior intervalo de tempo para a recor- em que uma cirurgia sin1ples e rápida é a principal op-
rência da crise e melhora da qualidade de vida. 2 Nessas ção. Quando utilizada, a possibilidade de complicações
circunstâncias as condições locais para ressecção estão locais e recorrência da doença são maiores, visto que
razoáveis, sendo a morbidade pós-operatória 1nenor do o seg,nento acometido não é ressecado. Além disso, a
que quando se operam doentes em fase avançada ou possibilidade de desenvolver neoplasia no segmento
com co1nplicações.3 Além disso, sabe-se que o segmento excluído é real e comun1. Esse tipo de abordagem só
de alça acometido pela doença não retorna ao normal deve ser utilizado quando a ressecção for impossível
n1es1no com uso adequado de medicamentos. 4 Outra devido à presença de aderências firmes com os vasos
possível indicação cirúrgica é em crianças con1 retardo ilíacos ou o ureter.
do cresciinento ponderal e intelectual. Nesses pacientes Quando existe um envolvimento difuso do intestino
a cirurgia tem melhor resultado quando realizada antes delgado, existe um dilema sobre qual é a melhor opção
da puberdade.3 cirúrgica: ressecção do segmento responsável pela
Quando a opção for por tratamento cirúrgico, alguns complicação ou enteroplastia. Um julgamento criterio-
princípios deve,n ser seguidos com o objetivo de rea- so e conhecimento adequado da técnica cirúrgica são
lizar um preparo adequado do paciente. Portanto, de- imperiosos. A enteroplastia é uma boa opção quando
ve-se conhecer a extensão da doença e se existe algum existem múltiplas estenoses anulares e segmentares,
foco de infecção, usar antibioticoterapia profilática, principalmente se o paciente já tiver operado previa-
prevenir tromboembolisrno venoso, corrigir eventuais mente. Existem descritas várias técnicas. A técnica de
distúrbios hidroeletrolíticos e deficiências nutricionais, Heinecke-Mikulicz, que consiste em uma enterotomia
1narc,u· possíveis locais de ostomia e rever a medicação longitudinal com sutura transversal, está mais indicada
em uso. Aqueles pacientes que necessitaram de cor- nas estenoses anulares e curtas (até 7 cn1). Para este-
ticoide nos últimos seis rneses devem retornar a usar noses maiores, a técnica divulgada por Michelassi,6·7
,
embora mais complexa, é a mais apropriada. Realiza-se E frequente a presença de dermatite crônica e lesões
uma secção da alça e do mesenté1io doente no ponto geniturinárias. Os pacientes com cirurgias abdonti-
médio do segmento obstruído; em seguida, o seg1nento nais prévias, vasculopatias (diabetes, aterosclerose,
proximal é aproximado do segmento distal com uma hipertensão), doença inflamatória pélvica e aqueles
sutura seromuscular. A próxima etapa consiste em tratados concomitantemente com certos quimioterá-
realizar uma incisão longitudinal em ambas as alças, e picos (5-fluorouracil, doxorrubicina, actinomicina D
posteriormente confecciona-se uma anastomose entre e metotrexato) têm maior probabilidade de desenvol-
as duas enterotomias. A enteroplastia tem mostrado ser verem essas lesões. Os sintomas mais comuns estão
un1 método seguro, mesmo realizando anaston1ose em relacionados a má absorção, obstrução, sangramento
local aco1netido pela doença. Estudos têm demonstrado e perfuração intestinal. Não é raro existir u1n intervalo
que existe regressão da doença de Crohn nestes locais de tempo entre o uso da radioterapia e o apareci1nento
principalmente se a anastomose for ampla. 3 Devido dos sintomas, geralmente em torno de 6 a 8 meses.
ao risco de câncer, é indicado realizar uma biópsia nas O tratamento inicialmente é clínico, direcionado
bordas da enterotomia. para o controle dos sintomas, e o uso de corticoide e da
O emprego do acesso laparoscópico pode ser utili- terapia nutricional é, muitas vezes, necessário. O ob-
zado em centros especializados e por ciruTgiões expe- jetivo do tratamento cirúrgico é aliviar os sintomas do
rientes. Quando se utiliza essa via, o não diagnóstico paciente e tratar as complicações obstrutivas e sépticas.
de toda a extensão da doença ou de lesões ocultas é o As principais indicações são obstrução, formação de
principal desafio. A presença de mesentério espessado, fístulas, perfuração e sangramento, sendo a obstrução
processo inflan1atório extenso e de fístulas são fatores a mais comum. A cirurgia tem alta morbimo1talidade,
que dificultam a abordagem laparoscópica. A taxa de pois o intestino irradiado cicatriza mal e predispõe à
conversão varia de 2% a 40%. Em casos de doença deiscência da anastomose. Durante o ato cirúrgico,
avançada com múltiplas recidivas com ressecções encontramos o intestino obstruído e com parede espes-
intestinais extensas, a possibilidade de transplante sada, de coloração acinzentada e se1n brilho. A presença
intestinal pode se aventada. de aderências inflamatórias firmes é comun1, o que
torna a cirurgia difícil tecnicamente. A cirurgia ideal é
Enterite actínica a ressecção intestinal com anasto1nose em alça viável
O uso cada vez mais frequente da radioterapia no e sadia. 9 Quando não for possível realizar a ressecção,
1016 tratamento das neoplasias situadas na cavidade abdominal por condições locais inadequadas ou devido à gravi-
e pélvica, quer isoladamente, quer em associação com a dade do quadro clínico, a reaHzação de uma derivação
quimioterapia, tem aumentado à incidência da enterite interna por meio de uma enteroenterostomia é a opção
actínica. A radiação ionizante, quando utilizada na tera- mais seguTa. A utilização de uma ostomia de proteção
pêutica antineoplásica, pode causar danos permanentes às é, ocasionalmente, aconselhável. O prognóstico de-
células dos tecidos normais que se encontram localizados pende da extensão do co1nprometimento intestinal, da
no campo da irradiação. As células do intestino delgado presença de fístulas e da síndrome do intestino curto.
proliferam rapidamente, renovando o epitélio de 4 a 6
dias. Devido a essa característica, elas possuem uma alta Neoplasias
sensibilidade à radiação ionizante. O intestino delgado é
Apenas 6% dos tumores do trato digestivo aco1ne-
um dos p1incipais fatores limitantes do emprego da ra-
tem o intestino delgado. Essa baixa incidência pode
dioterapia abdon1inal e pélvica em altas doses. Os efeitos
ser explicada, parcialmente, pelo pouco contato de
deletérios dessa iiTadiação nas células do jejuno e do íleo
substâncias carcinogênicas ingeridas com o jejuno e
dependem do campo onde a radiação é aplicada, do tempo
o íleo devido à rapidez do trânsito nesses locais. As
de utilização e da dose (dose igual ou superior a 6000
neoplasias são a segunda causa de sangramento 01igi-
cCy lesa o intestino delgado em até 30% dos pacientes).8
nário do intestino delgado. Elas são mais comuns no
Na fase aguda ocon·e diminuição da mitose nas crip- íleo e em pacientes acima dos 40 anos. Cerca de 40%
tas, do número de células epiteliais e da altura das vi- a 50% dos tun1ores são de origem benigna. 10
losidades intestinais. Essas alterações são limitadas ao
segmento irradiado e podem provocar, na n1aioria das
vezes, diarreia e enterorragia transitórias. Elas podem Benignas
evoluir e ser acon1panhadas de vasculite e deposição As neoplasias benignas do intestino delgado aumen-
difusa de colágeno, ocasionando fibrose progressiva tam de frequência em dil"eção ao íleo e são classificadas
da parede intestinal, o que caracteriza a fase crônica. segundo a sua origem em epiteliais e rnesenquünais. Os
tumores epiteliais são endoluminais e 1nais frequentes, Os tumores estromais aco1netem mais frequente-
sendo o adenoma o seu principal representante. Já os mente indivíduos entre a quinta e sexta décadas de vida.
tun1ores mesenquimais são intramurais e podem ter Os sintomas dependem do tamanho e da localização,
crescimento para dentro da luz intestinal (endofítica) sendo os mais comuns massa abdominal palpável
ou para fora (exofítica). Os principais são: leiornioma devido ao seu crescimento indolente e sangramento
e lipoma. devido a necrose do tumor e ulceração da mucosa. Dor
Os adenomas correspondem a 30% a 40% das abdominal, emagrecimento, astenia, náuseas e vômitos
neoplasias benignas. Podem ser sésseis (mais comum) podem estar presentes.
ou pediculados. Sinais e sintomas são raros e n1uitas O diagnóstico é determinado por exames radioló-
vezes inespecíficos, como dor abdon1inal em cólica, gicos contrastados (TC e RNM), por cintilografia ou
intermitente, anorexia e mal-estar. Também podem angiografia seletiva em casos de sangramento ou por
causar sangrainento, gera11nente oculto, obstrução e estudo histológico e imuno-histoquí1nico de frag,nen -
intussuscepção. Enteroscopia, cápsula endoscópica, tos de biópsias endoscópicas ou de peças cirúrgicas.
tomografia computadorizada e ressonância 1nagnética Muitas vezes as ressecções são realizadas sem diagnós-
com contraste do intestino delgado auxiliam o diagnós- tico histológico pré-operatório pela impossibilidade de
tico. Por apresentar graus va1iados de displasia, são realizar biópsias dos tumores, localizados, na maio1ia
consideradas lesões pré-malignas, e devido ao risco das vezes, em plano submucoso.
de complicações e da dificuldade de se fazer o diag- A maioria dos GIST é de baixo risco de malig11idade
nóstico de lesões benignas, a enterectomia segmentar (75%), o trata,nento é preferencialmente cirúrgico e
com anastomose primária é o tratamento de escolha. consiste na enterectonúa seg1nentar nos casos de lesão
Os leiorniomas se originam no músculo liso e se lo- localizada. Aressecção do meso se justifica em casos de
calizam mais comumente no jejuno. A sua manifestação lesões na face mesentérica. As lesões duodenais, depen-
clínica mais prevalente é a hemorragia por ulceração dendo de sua localização e ta1nanho, também podem ser
superficial. Podem ter crescimento intramural causando ressecadas sem necessidade de duodenopancreatectomia.
obstrução. Macroscopicamente, são lesões duras, branco-
-acinzentadas, espiraladas à superfície de corte. A ressec- Malignas
ção local ou por enterectornia segmentar é o tratamento
de escolha. O lipo1na é o terceiro em frequência (20% O jejuno e o íleo são sedes raras de neoplasia maligna,
dos tumores benignos) localizado no íleo, se origina no correspondendo a 1% a 3% dos cânceres do trato gas- 1017
tecido adiposo sub1nucoso, é únicos e, em geral, cursa trointestinal. 11Vários fatores tentam explicar essa pouca
se1n sintomas clínicos, n1as pode evoluir co1n obstrução incidência de neoplasia maligna no intestino delgado:
intestinal e sangramentos superficiais, sendo, nesses ca- • O tempo de trânsito mais rápido expõe a 1nucosa
sos, indicados a enterectornia local ou segmentar. a substâncias carcinogênicas por curto período.
Os tumores estromais gastrointestinais (GIST) • O pH neutro ou alcalino diminui a ação de gli-
con1preendem um grupo de tu1nores de origem não cosamidas.
epitelial com proliferação de células fusiformes a partir • O grande número de enzimas desintoxicantes
da camada 1nuscular da parede do trato gastrointesti- que ajudam na neutralização dos carcinógenos.
nal. Por muito tempo, foram considerados neoplasias
• A flora intestinal reduzida dilninui a concentra-
benignas de músculo liso. A tendência atual é de não ção de metabólitos deletérios.
utilizar o termo "benigno" para esses tumores, já que
todos possuen1 risco de 1nalignização. Aparecen1 em • Alta capacidade de absorção, rápida substituição
segundo lugar na ordem de frequência dos tumores be- do epitélio intestinal e elevada concentração de
tecido linfoide associada a altos níveis de IgA
nignos do intestino delgado. A maioria desses tumores
que proporc1.ona1n proteçao - contra provave1s
, .
ocorre no estômago (60%), intestino delgado (20% a
n1utações gênicas. 12
30%), intestino grosso (5% a 10%), duodeno (5%)
esôfago (5%) e apêndice (1 % ). Também podem ocorrer Os tumores malignos mais frequentes são: adenocar-
no omento, mesentério e retroperitôneo, provavehnente cinoma, tumor carcinoide, linfoma e GIST.
por foco inicial exofítico do trato gastrointestinal. 16·
São tumores indiferenciadas que se originam da célula Adenocarcinoma
intersticial de Cajal, conhecida con10 o marcapasso O adenocarcinon,a de intestino delgado é mais co-
intestinal do plexo mioentérico, responsável pela mo- mum no jejuno 13 (exceto nos portadores de doença de
tilidade gastrointestinal. Crohn, em que mais de 70% ocorrem no íleo), ocorre
mais frequentemente a partir da sexta década de vida pequeno, com diâmetro entre 1 e 2 cn1, com cresci-
e têm como fatores de risco a doença de Crohn, os 1nento na serosa de coloração que varia do amarelo
adenomas, a fibrose cística, a poli pose familiar, a doen- ao castanho. Os tumores aí situados secretam, pre-
ça celíaca e a síndrome de Peutz-Jeghers. As formas ferenciahnente, serotonina. 15 Na grande maioria das
estenosantes e anulares são mais comuns que a ulce- vezes, o diagnóstico é realizado durante o ato cirúrgico,
rada. O quadro clínico é incaracterístico, muitas vezes quando o paciente é submeti.do à intervenção cirúrgica
sugerindo obstrução intestinal devido a dor tipo cólica por obstrução intestinal causada por reação desmoplás-
e vômitos. Emagrecimento, hiporexia, anemia e massa tica do tumor, que provoca retração do mesentério e
palpável têm menor ocorrência. Muitas vezes, devido a da alça intestinal. Entre 10% a 24% 11 dos pacientes
pouca especificidade dos sinto1nas e alguns pacientes apresentam síndrome carcinoide que está relacionada,
serem assintomáticos por períodos de até seis 1neses, o quase sempre, com metástase hepática. A síndrome car-
diagnóstico é feito tardiamente. 14 O estudo radiológico cinoide se caracteriza por diarreia secretora, sudorese
contrastado (trânsito intestinal ou enteróclise) é bom e episódios de eritema na face, região cervical e parte
método diagnóstico, sendo a falha de enchimento (sinal superior do tórax, geralmente desencadeada por stress,
da maçã mordida) seu achado mais característico. A to- exercícios físicos e pela ingestão de bebidas alcoóli-
mografia computadorizada também deve ser realizada cas e alimentos que contêm tiamina. Sintomas menos
para estadiamento do tumor. O achado tomográfico de con1uns incluem as1na, devido ao broncoespasmo, e
espessamento de alça assimétrico, excêntrico e maior insuficiência cardíaca provocada por fibrose valvar.
que 1,5 cm sugere forte1nente neoplasia maligna. A Nos casos suspeitos, a dosagem da serotonina e de
enteroscopia e a endoscopia com cápsula podem fazer ácido 5-hidroxi-indolacético na urina de 24 horas é o
diagnóstico em casos selecionados. primeiro exame a ser realizado. Esse teste não é útil no
O tratamento de escolha é a ressecção intestinal diagnóstico de tumores iniciais, exceto e1n alguns raros
alargada com margem, proximal e distal de 1O cm, casos, em que o tumor surge fora do trato gastrointes-
aco1npanhada do 1nesentério correspondente em cunha tinal, como o puhnão ou localizados próxiJno à veia
de modo a englobar os gânglios linfáticos de drena- cava e no retroperitônio, secretando diretamente na
gem imediata. Tumores sincrônicos ocorren1 em até circulação sistémica. A cromogranina A também pode
20% dos casos. A presença de metástase linfonodal ser útil no diagnóstico, embora não específico, e no
tem prognóstico pior do que o tipo histológico ou o seguimento pós-operatório serve como marcador de re-
1018 tamanho do tumor. 14 corrência da doença. Alén1 disso, representa fator prog-
nóstico independente quando maior que 5.000 µg/L.
Em lesões de íleo distal, a hemicolectomia direita
A tomografia e a ressonância do abdômen são usadas,
está indicada para linfadenecto1nia extensa da região. principaln1ente, para estadian1ento do tumor. Ta1nbém
Os fatores prognósticos depende1n do tamanho têm sido usados para identificar lesões secundá-
tumoral, de linfonodos acometidos, da presença de rias o octreoscan, o PET-TC e a cintilografia com
metástases, da ressecção con1 1nargens livres e da I-metaiodobenzilguanid.ina. A imuno-histoquímica
linfadenectomia adequada. revela a presença de cromogranina A, sinaptofisina e
enolase neuronal específica (NSE).
Tumor neuroendócrino (carcinoide) A presença de metástase é 1nuito variável e tem
O sisten1a neuroendócrino do aparelho digestório se relação direta com o tamanho do tumor. Nos menores
localiza no estômago, intestino e no pâncreas. Tumores que 1 cm a sua ocorrência varia de 15% a 20% e nos
originados neste siste1na podem surgir isoladamente maiores que 2 cm chega a alcançar níveis de 80%. Elas
ou pertencer a síndromes endócrinas múltiplas trans- se localizam principalmente nos linfonodos, no fígado,
mitidas geneticamente. O tumor carcinoide constitui o no pulmão, nos ossos e no peritônio.
mais frequente das neoplasias neuroendócrinas, sendo O tratamento ideal é a ressecção cirúrgica em bloco
mais comum no intestino delgado (28%), apêndice abrangendo o mesentério adjacente (RO). A presença
cecal (20%), pâncreas (16%), reto (15%), cólon (13%) de metástases hepáticas não contraindica a ressecção
e estômago (9%). 16 do tumor primário e, se possível, elas devem ser
O tumor carcinoide do intestino delgado se origina ressecadas. Como estão frequentemente associadas
do intestino primitivo médio, é mais frequente na sexta à síndrome carcinoide, deve-se utilizar octreotide no
década de vida e é considerado tumor malignos de pré-operatório. Deve-se inspecionar toda a extensão
crescimento lento. Localiza-se 1nais frequentemente do intestino delgado, pois a ocorrência de tumores
no terço distal do íleo, 11•13 e se apresenta como nódulo 1nulticêntricos pode atingir até 40%.
Quando a paliação é necessária, pode ser obtida por acometidos próximos à lesão. Não há necessidade de
cirurgia de citorredução de grandes metástases hepá- linfadenectomia extensa, uma vez que a disseminação
ticas favorecendo o controle da síndrome carcinoide. linfática é incomum e piora muito os índices de sobre-
vida. A disseminação se dá, preferencialmente, por
Linfoma invasão local e por via hematogênica principalmente
O linforna é o terceiro tun1or maligno en1 frequência para fígado, pulmão e ossos.
no intestino delgado e o linforna extralinfonodal mais O tratamento quimioterápico co,n mesilato de
comum no trato gastrintestinal após os de localização imatinibe ou 1nalato de sunutinibe, inibidores da tirosi-
gástrica. A grande maioria é classificada co1no lin- noquinase, é utilizado como neoadjuvante por 3 meses
forna de células B, podendo ser de baixo, médio ou em doença extensa locorregional para cito1Tedução
alto grau, esporádico e relacionado em populações turnoral ou adjuvante en1 ressecções com tu1nores
irnunodeprimidas ou com síndromes mal absortivas residuais, de elevado risco de malignidade, doença
crônicas. 17 O íleo terminal é o local mais acometido, metastática ou recidiva turnoral.
e as forn1as usuais são polipoide, nodular e ulcerada.
A doença celíaca é fator de risco importante. O quadro
Urgências
clínico é caracterizado por sintomas vagos, como perda
de peso progressiva, dor abdominal, náusea e anemia. Perfurações
O diagnóstico, corno nos outros tumores, é realizado,
Devido à sua baixa incidência, as perfurações do
muitas vezes, durante o ato cirúrgico.
jejuno e do íleo tên1 pouca atenção na literatura médica,
A ressecção está sempre indicada, e quando im- mas, em algumas ocasiões, o cirurgião, ao explorar um
possível, deve-se realizar biópsia para confirmação do abdômen, se depara com um quadro de peritonite oca-
tipo histológico do tumor. A quimioterapia adjuvante sionado por uma perfuração. Por isso é necessário que
tem papel importante. O prognóstico depende do grau ele conheça as possíveis causas para que possa utilizar
de diferenciação celular, do tamanho do tumor e da a tática e o procedimento cirúrgico adequados. Além
presença de metástase Unfonodal. disso, devido ao diagnóstico tardio das perfurações ou
deiscências de enterorrafias, peritonite grave e sepse
GIST estão presentes na maioria dos casos, assim como a
Em aproximadamente um quarto dos casos, os GIST falência de n1últiplos órgãos. A taxa de n1orbidade e
1019
são classificados como de alto risco de rnalignização, mortalidade é, geralmente, significativa.
e diversos parâmetros têm sido estudados para definir
seu grau de malignidade e, consequentemente, prever Tuberculose
seu prognóstico. São classificados de acordo com ta-
manho, profundidade de invasão, localização, presença O acometimento intestinal pelo mybacterium tuber-
de necrose tumoral, número de figuras de mitose por culosis pode acontecer de forma primária (ingestão do
campo, ploidia do DNA, imuno-histoquírnica e biologia leite contaminado) ou secundáiia (ingestão de bacilos na
molecular. Assim, os tumores mais agressivos e de pior vigência de doença pulmonar). A tuberculose está, nova-
prognóstico, co1n significativa redução da sobre vida en1 mente, aumentando deforma crescente a sua incidência,
5 anos, são aqueles maiores que 5 cm, com invasão da se- inclusive nos países desenvolvidos. Acomete qualquer
rosa ou de órgãos adjacentes, localização extragástrica 18 idade, sendo mais prevalente entre os 20 e 40 anos, e é
(GIST do intestino delgado possuem n1aior potencial causa frequente de doença intestinal en1 in1unocon1pro-
maligno que GIST gástrico 19•2º), com áreas de necrose, metidos. A via de transmissão mais comum é a oral, por
com contagem maior que 5 1nitoses por 50 campos de ingestão dos bacilos, mas pode ocorrer, também, por via
grande au1nento, com análise estrutuTal do DNA do hernatogênica, linfática ou por contiguidade.
núcleo das células tumorais mostrando aneuploidia, Existem duas formas anatomopatológicas bem
presença do receptor de membrana CD 117, expressão definidas:
do oncogene p53 e índice de proliferação celular Ki-67 • Ulcerativa: geralmente localizada no íleo termi-
maior que 2%. Cuidado especial deve ser tomado na nal. As úlceras são ovais ou arredondadas e se
1nanipulação da 111assa tumoral, evitando sua ruptura e situam no sentido transversal ao eixo do intesti-
disseminação de células tumorais. no. São mais frequentes na borda antimesentérica
O tratan1ento preconizado é preferenciahnente e podem circundar toda luz intestinal. Algumas
cirúrgico com ressecção do tumor, órgãos adjacentes vezes aprofundam até a camada serosa podendo
quando acometidos e linfonodos macroscopicamente evoluir para perfuração.
• Hipertrófica: 1nais comum no ceco. A parede semana após o início dos sintomas e agrava 1nuito
intestinal está espessada e dura. Pode ter aspecto o prognóstico do paciente. Na maioria absoluta das
tumoral. vezes, é única, tem a forma arredondada e situa-se na
As manifestações clínicas dependem da forma ana- borda antimesentérica do fleo terminal (em torno de
tomopatológica sendo, portanto, vruiáveis. Predomina 50 cm da válvula ileocecal). A sua incidência é mui-
a dor abdominal, a diarreia e a perda de peso. Quadros to variável, 24·25 e a mortalidade oscila entre 5% a
obstrutivos e perfurativos podem ocorrer. A perfura- 60%.26,27 O pneumoperitônio é sinal i1nportante.
ção é mais co1num nas formas ulcerativas; podem ser O tratamento da pe1furação é cirúrgico. Não existe
únicas ou múltiplas e, geralmente, ocon·e,n no íleo.21 un1 consenso sobre qual técnica é a mais adequada.26
A parede intestinal aparece espessada e, muitas vezes, A escolha depende de vários fatores: condições gerais
uma massa inflamatória envolve a região ileocecal com do paciente, número de perfurações, grau de contami-
gânglios mesentéricos aumentados. O RX de tórax nação peritonial e tempo deco1Tido entre perfuração
pode mostrar pneumoperitônio e sinais de comprome- e a cirurgia.28 Realizado o diagnóstico, é obrigatória
timento pleuropulmonru· compatível con1 tuberculose. a vigorosa reposição volêmica pré-operatótia com o
A conduta cirúrgica é controversa, principalmente objetivo de 1nelhorar as condições clínicas do pacien-
quando o paciente se encontra séptico. A perfuração te. Nas perfurações isoladas existem controvérsias de
única quando suturada é acon1panhada de deiscência de qual é a melhor opção, se enterorrafia simples em dois
sutura e fístulas com mortalidade que varia entre 25 % planos27 precedida por desb1idamento das bordas da
a 50%.22 U,na opção interessante é biopsiar as bordas lesão, ressecção segmentar com anastomose primá-
da lesão e superdirigir uma fístula através de uma en- ria29 ou a realização de uma enterostomia com dreno
terosto,nia com dreno de Kehr. 23 É um procedimento de Kehr. 23 Nas perfurações múltiplas, a ressecção do
rápido e seguro. A ressecção do seg111ento acon1etido segmento de alça, que deve incluir 10 cm proximais
é outra opção, principalmente, na vigência de perfu- e distais à perfuração,30 é a melhor conduta. A opção
rações múltiplas. A decisão entre anastomose primá1ia entre anastomose primária e ileostomia depende das
ou ostomia dependerá da experiência do cirurgião e condições locais e sistémicas. O objetivo do trata-
das condições sistêmicas e locais. O tratamento com 1nento cirúrgico, além de tratar a perfuração, é evitar
quin1ioterápicos deve ser iniciado tão logo seja feito a ocorrência de fístula
,
entérica que é a complicação
o diagnóstico e seja possível utilizar o trato digestivo. 1nais grave e fatal . E recomendável deixar a pele e o
1020 Nos casos de perfurações sem causa aparente, é im- tecido celular subcutâneo abertos devido à alta taxa de
portante considerar tuberculose. infecção do sítio cirúrgico. Antibioticoterapia precoce
(cloranfenicol, metronidazol, ampicilina, amoxicilina
ou cefalosporina de terceira geração já foram usados
Febre tifoide
com bons resultados), assim como apoio nutricional
A febre tifoide é un1a doença endêmica nos países em com solução parenteral são imprescindíveis.
desenvolvi1nento causada, principalmente, pelo bacilo
gram-negativo Salmonella typhii. A sua transmissão é
Corpo estranho
realizada pelo consumo de água e ali,nentos contamina-
dos pelas fezes de homens e animais infectados,
,
sendo A ingestão de corpos estranhos raran1ente causa
a via digestiva a sua porta de entrada. E uma doença complicações. Eventualmente podem provocar obstru-
sistémica com pe,íodo de incubação de 1Oa 14 dias, ca- ção ou perfuração intestinal (cerca de 1%). Os locais de
racterizada por mal-estar, adinamia, febre e diarreia. No perfuração mais usuais são íleo terminal e cólon. São,
exrune físico, além dos sinais de toxemia, observrunos geralmente, provocadas por palitos, espinha de peixe,
dissociação pulso/temperatura (sinal de Faget), hepa- fragmentos ósseos, agulhas e alfinetes.
toesplenomegalia e manchas eritematosas no abdômen A história do paciente nem sempre é clara, princi-
e tórax (roséolas tíficas). O diagnóstico é realizado pela palmente nos doentes psiquiátricos e pediátricos. O
reação de Widal (o teste deve ser realizado somente 7 a intervalo entre a ingestão e perfuração é muito variável,
l Odias após o início da infecção e se baseia na detecção sendo usualmente prolongado. O exame radiológico
de anticorpos aglutinantes contra aos antígenos O e H pode contribuir para o djagnóstico quando o corpo
da bactéria) ou isolando-se o microrganismo no sangue, estranho é radiopaco. Muitas vezes o diagnóstico é
medula óssea ou coprocultura. realizado no perioperatório. A sutura simples do local
A perfuração intestinal é a complicação mais grave da perfuração é a opção ideal desde que as cond.ições
da febre tifoide, ocorre, geralmente, em torno da 3il clínicas e locais o permitam.
Obstrução intestinal que pode prejudicar o sup1imento sanguíneo da alça,
fato bem observado nas obstruções em alça fechada.
A obstrução intestinal origináiia do intestino del- A estase propicia os vômitos que leva a hipovolemia,
gado engloba todos aqueles pacientes que apresentam, alcalose 1netabólica e facilita a proliferação bacteriana.
por um motivo ou outro, interrupção ou retardo no A isquemia da parede da alça intestinal é decorrente
funcionamento normal do tubo intestinal. A obstrução
do comprometimento da circulação sanguínea, o que,
intestinal pode ser causada por um obstáculo 1necâni-
com o passar do tempo e a progressão do quadro, leva
co, quando é deno1ninada obstrução mecânica, ou por
a translocação bacteriana e perda da integridade da alça,
paralisia do 111úsculo intestinal, cha1nada de íleo paralí-
, com consequente quadro de peritonite.
tico. E importante diferenciarmos essas duas entidades
porque elas possuem causas e tratamentos distintos. En1 todo paciente com dor abdominal, vômitos e
parada de eliminação de gazes e fezes, a suspeita de
O íleo paralítico é frequente e causado por diversos
obstrução intestinal se impõe. Nessa situação devemos
fatores: neurogênicos, humorais e metabólicos (Tabela
responder algurnas perguntas:
82.1). O seu tratamento é eminentemente clínico, ex-
pectante e está diretamente relacionado ao fator causal. 1. A obstrução é n1ecânica?
Independentemente da causa básica, a cólica está au- 2. Qual o nível da obstrução?
sente, há interrupção na eliminação de gases e fezes, 3. Há estrangulamento?
distensão abdominal e vômitos, sendo estes últimos 4. Qual é o estado atual do paciente?
1nenos frequentes do que na obstrução n1ecânica. Na
5. Qual a provável etiologia da obstrução?
ausculta abdominal inicial, não se evidenciam ruídos
peristálticos por até 5 minutos. A obstrução mecânica é caracterizada por dor ab-
dominal em paroxismos tipo cólica, co1n intervalo de
A obstrução mecânica do intestino delgado pode ser
tempo vaiiável dependendo do grau e do local da obs-
causada por obstáculos que se situam em três locais ,
trução. E acompanhada de distensão a montante do local
(Tabela 82.2):
obstruído. Os vômitos serão tanto 1nais intensos quanto
A) Extraluminal mais alta for a obstrução. Inicialmente são alimentares,
B) Parede da alça depois biliosos e por fim fecaloides. O vômito fecaloide
C) lntraluminal devido à obstrução mecânica não é patognon1ônico de
Os distúrbios fisiopatológicos provocados pela para- obstrução baixa, podendo também ocorrer nas obsau-
1021
da de progressão do conteúdo intestinal observados em ções altas, em decorrência da proliferação bacteriana.
um quadro de obstrução intestinal são: distensão intes- Há interrupção na eliminação de gazes e fezes, mas, nas
tinal, estase entérica e isquemia da parede do intestino. obstJ·uções altas, o paciente pode evacuar o conteúdo
A rustensão intestinal aumenta a pressão intraluminal, distal. Ao exame físico, o abdômen apresenta-se mais
ou menos distendido, dependendo do nível da obstru-
Tabela 82.1 ção, mas sem defesa abdominal. O peristaltismo está
Causas de íleo paralítico aumentado e, muitas vezes, é caracterizado como sendo
Pós laparotomia Isquemia intestinal "de luta" . Os sintomas variam na dependência do seg-
Distúrbios hidroeletrolíticos Sepse
mento ocluído. A obstrução pode ser classificada como
sendo do seg,nento delgado alto (duodeno ou jejuno
Medicamentos Processos torácicos
proxin1al) e do segmento delgado baixo (jejuno distal
Peritonites Inflamação retroperitonial
e íleo) (Tabela 82.3). A obstJ·ução alta apresenta início
Hemorragias retroperitoniais Vasculites
Escleroderrnia Polineuropatia Tabela 82.3
Sintomatologiade acordo com olocal da obstrução
Tabela 82. 2 Sintomas Intestino Intestino
Causas de obstrução mecànica delgado alto delgado baixo
lntraluminal Parede intestinal Extraluminal Dor +++ ++
Bezoar Neoplasias Malignas Bridas Vômitos +++ ++/+
Parasitas Neoplasias Benignas Aderências Distensão abdominal OI+ ++
lntussuscepção Estenoses Inflamatórias Hérnias Externas Peristaltismo ++ +++
fleo Biliar Hérnias Internas Parada de eliminação de gases efezes + ++
Pólipos Estado geral +++ ++
súbito e curso rápido. O paciente relata dor tipo cólica O estudo radiológico é de grande importância.
a pequenos intervalos e vômitos abundantes. Em conse- As radiografias não contrastadas de abdômen devem
quência, surgem precocemente desidratação, distúrbios ser feitas com o paciente en1 decúbito dorsal, para
hidroeletrolíticos e choque hipovolêmico. A inspeção estudo da morfologia das alças, e em ortostatis1no,
do abdômen evidencia pouca ou nenhuma distensão. que demonstra possíveis níveis hidroaéreos (Figura
O início da obstrução baixa é geralmente insidioso 82.3). Quando o paciente não consegue pennanecer
e cursa lenta1nente. Os paroxismos dolorosos são espa- de pé, pode-se visualizar os níveis colocando-o em
çados, e os vômitos, infrequentes. Em contrapartida, a decúbito dorsal ou lateral e realizando o exame co1n
distensão abdominal é acentuada. raios horizontais. A propedêutica radiológica é essen-
cial porque contribui no diagnóstico diferencial entre
Quando a dor muda a sua característica, isto é,
íleo paralítico e obstrução mecânica, caracteriza o
torna-se contínua e não tipo cólica, deve-se pensar em
nível obstruído, detecta algumas causas etiológicas
estrangulamento. No exame físico surgem taquicardia
e evidencia sinais de sofrimento de alça. Sabe-se
e sinais de irritação peritoneal (defesa muscular e con-
que o intestino delgado, nor1nalmente, não contém
tratura involuntária). Na ausculta abdominal o peris-
ar. Portanto, a presença de ar no intestino delgado é
taltis1no que era aumentado torna-se diminuído. Esses
patológica, até que se prove o contrário. Obstruído o
achados sugerem fortemente a presença de sofrimento
tubo digestivo, haverá acúmulo de ar, que é um bom
de alça, uma situação de urgência, cuja cirurgia não
1neio de contraste. Ele é proveniente de três fontes: ar
pode ser protelada.
deglutido, gás carbônico resultante de reação química
O paciente obstruído deve ter seu estado geral n1i- (ácido clorídrico e bicarbonato de sódio) e gases re-
nuciosamente avaliado. É necessário detectar e corrigir sultantes da ação bacteriana. O ar deglutido é a fonte
a desidratação, os distúrbios hidroeletrolíticos, além de principal, pois o nitrogênio é o principal componente
rastrear possíveis comprometimentos cardíaco, pulmo- e é pouco absorvido pelo intestino. No íleo paralítico,
nar e renal, principalmente no paciente idoso. Nessa há ar e1n todo o tubo intestinal de uma n1aneira mais
situação deve-se retardar a cirurgia em algumas horas, ou menos uniforme. Na obstrução mecânica, o ar está
para que os distúrbios existentes seja1n corrigidos. presente apenas proximal ao ponto obstruído. Falta,
Exceções à regra são os pacientes com sinais de sofri- portanto, a bolha na ampola retal. Podemos estabelecer
mento de alça, que não devem ter a cirurgia retardada. se uma alça é do intestino delgado ou do grosso por
1022 Estabelecer a etiologia da obstrução mecânica é
algumas vezes desnecessário, porém torna-se útil em
algumas situações, já que a cirurgia pode ser evitada.
U1na anamnese bem feita e detalhada nos fornece da-
dos preciosos. A idade do paciente ajuda na avaliação
etiológica, pois, em geral, na 1naturidade predo1ninam
as lesões neoplásicas, enquanto na primeira infância
predomina a intussuscepção; em nosso meio, o bolo
de Ascaris é, também, frequente nessa fase. A história
de cirurgia abdominal prévia é dado de 1nuita impor-
tância, visto que a suspeita de obstrução por bridas
ou aderências se impõe. Nos dias atuais, elas são a,
principal causa de obstrução do intestino delgado. E
fundamental no exame físico pesquisar com detalhes
(principalmente no paciente obeso) os locais passíveis
de ocorrerem hérnias (lembrar das hérnias femorais,
principalmente nas mulheres).
Em relação aos exames laboratoriais, as alterações
são inespecíficas, e chama atenção a leucocitose co1n
desvio para esquerda e o aumento da amilase nos qua-
dros de obstrução com suspeita de sofrimento de alça.
O ionograma, a gasometria arterial, o lactato sérico e
as provas de função renal são essenciais para avaliação FIGURA 82.3 - Radiografia simples de abdômen em ortostarismo mostrando níveis hidroaéreos.
do quadro sistên1ico do paciente. Fonte: autores.
1neio de quatro parâmetros: (a) diâmetro, (b) marcas de ingestão de contraste oral (gastrografina), especifi-
transversais, (c) localização e (d) disposição. camente nos portadores de obstrução do intestino del-
Na obstrução do intestino delgado evidencia-se uma gado por brida ou aderência. Após quatro a seis horas
alça de n1enor diâmetro, com marcas transversais que da ingestão de 400 mL do contraste oral, realiza-se
vão de uma parede à outra (válvulas coniventes) que un1a radiografia simples de abdômen. Se o contraste
lembran1 u1na imagem de espinha de peixe, de loca- já tiver atingido o cólon, a obstrução é parcial, caso
lização central e disposição transversal (Figura 82.4). contrário, a obstrução é total, e a cirurgia precoce é a
melhor conduta.3 1
Na obstrução do intestino grosso com válvula
ileocecal competente, teren1os uma alça de grande A ultrassonografia tem valor limitado, revelando
diâmetro, com marca transversal que não chega a ir apenas alças de delgado distendidas com líquido no
de un1a parede à outra (haustração), localizada late- seu interior. Na obstrução por áscaris, pode ser obser-
ralmente e em posição vertical ou adotando a forma vada uma imagem característica de "trilho de estrada
de uma moldura. Quando a válvula ileocecal torna-se de ferro" .
incompetente, o ar flui para o intestino delgado, e A tomografia computadorizada, principalmente uti-
radiologicamente o padrão é semelhante ao do íleo lizando aparelhos com multidetectores que permitem
paralítico. Nessa situação, o enema opaco, realizado vários tipos de reconstrução, tem sido utilizada com
delicada1nente, é de grande utilidade, pois pode, alé1n maior frequência e tem grande sensibilidade. Ela deve
de confirmar o diagnóstico de obstrução mecânica, ser realizada, preferencialmente, con1 contraste oral e/
estabelecer sua provável etiologia. No íleo biliar, o ou venoso. A presença de alças dilatadas co1n líquido
exame radiológico simples demonstra ar na via biliar, e níveis hidroaéreos proximal em nível da obstrução,
além de poder, em certas ocasiões, localizar o cálculo de uma zona de transição bem definida e de alças co-
impactado. São considerados sinais sugestivos de lapsadas e vazias após esse local permite, inclusive,
sofrimento da alça: presença de edema de parede, determinar o ponto de obstrução (ver Figura 82.2). A
desaparecimento das marcas transversais e presença tomografia pode também determinar a presença de
de digitações e ar na parede da alça. Observa-se ainda causas externas de obstrução (vários tipos de hérnias
que a alça necrosada tende a adotar, à radiologia, uma de parede abdominal), e pode ser útil em pacientes
posição fixa, quer o exame seja feito com o paciente obesos. Outros sinais importantes e que sugerem
deitado ou de pé. alças isquêmicas são: a presença de espessamento
circunferencial da parede intestinal (alça em alvo), 1023
O exame contrastado (trânsito intestinal e enema
opaco) para o diagnóstico da obstrução do intestino pneumatose intestinal, gás no sistema porta e líquido
delgado só é realizado em casos de exceção. Um bo1n livre na cavidade abdominal.
exemplo é na suspeita de invaginação intestinal, sendo Podemos dividir o tratamento da obstrução intes-
que a pressão hidrostática da coluna de bário poderá tinal em três questões: a reposição hidroeletrolítica,
reduzir a invaginação e, portanto, a obstrução. Situação a descompressão intestinal e a ren1oção da causa da
especial são as obstiuções devido a bridas e aderências. obstrução . Uma avaliação clín ica cuidadosa deve
Trabalhos recentes mostram bons resultados com o uso ser feita para que sejam detectadas outras doenças
que possam complicar o quadro clínico do paciente,
como doenças renais, cardíacas e pulmonares. Jejum
absoluto e reposição volêmica adequada com corre-
ção dos distúrbios hidroeletrolíticos são essenciais.
A monitorização (dados vitais, oximetria, débito uri-
náiio horário, PVC, PIA) é fundamental no paciente
grave, principalmente se for idoso. Em pacientes com
indicação cirúrgica definida, é essencial o uso de anti-
bioticoterapia pré-operatória, principahnente em caso
suspeito de sofrimento de alça.
A desco1npressão intestinal é medida prioritária em
todo paciente obstruído. O uso de cateter nasogástrico
melhora a distensão e os vônútos, além de diminuir o
risco de aspiração de conteúdo intestinal na indução
FIGURA 82.4 - Radiografia simples de abdômen mos/rondo padrão obs1ru1ivo de inles/ino anestésica. Este é o tratamento definitivo nos casos
delgado com válvulas coniventes. Fonte: aurores. de íleo paralítico em condições que respondem a
tratamento medica1nentoso e é o trata1nento inicial em Lesões traumáticas
pacientes com obstrução mecânica parcial por bridas
e/ou aderências e na fase aguda da doença de Crohn. O intestino delgado pode ser lesado nos trauma-
tismos penetrantes (trauma aberto) e nos contusos
Na obstrução por áscarís, utiliza-se óleo mineral
(trauma fechado). No trauma fechado, o diagnóstico
e, tão logo este seja eliminado pelo ânus, utiliza-se a
é difícil, e o paciente é tratado tardiamente, em grande
piperazina, que atua sobre a placa motora do verme,
número de casos.
paralisando-o e evitando que haja perfuração intestinal.
Nos casos de obstrução por áscaris em que não exista No trauma abdominal aberto, a lesão acontece em
resposta ao tratamento clínico e a cirurgia seja necessá- toda a extensão do jejuno e do íleo e depende do local
ria, observa-se uma mortalidade alta (podendo chegar de penetração na parede abdominal. No ferimento
a 50%, nos casos operados com perfuração intestinal). por arma de fogo, é frequente a ocorrência de lesão
múltipla e transfixante. Com menor frequência, é tan-
O método cirúrgico empregado na remoção da
causa da obstrução será ditado pela condição patoló- gencial, deter1ninando perfuração única. A presença
gica encontrada durante a laparotomia. A secção de de lesões de outras vísceras abdominais é comum.
aderências e bridas, a 1nanipulação e a redução de inva- No trauma fechado, as lesões do jejuno e do íleo ,
ginações intestinais, vólvulos e de hérnias encarceradas assim como as lesões do mesentério, ocorrem com
não necessitam de abertura das alças. A enterotomia maior frequência naqueles segmentos considerados
será necessária no trata1nento do fleo biliar e do bezoar. fixos (jejuno proximal e íleo distal). A presença de
A ressecção de uma lesão obstrutiva com anastomo- fraqueza na parede abdo1ninal anterior (hérnias), de
se primária é utilizada com frequência nos casos de cicatrizes cirúrgicas no abdômen (aderências de alças)
estrangulamento de alças e nos casos de tumores. As e o estado de repleção da alça (alça cheia) são fato-
derivações internas (bypass) podem ser necessárias res que propiciam a ocorrência de lesão intestinal. 32
na manipulação de obstrução tumoral, na doença de Caracteristicamente são lesões únicas, localizadas na
Crohn e na enterite actínica em pacientes gravemente borda antimesentérica e estão associadas a outras le-
enfermos que não suportariam uma enterectomia. sões intra-abdominais na minoria dos casos. Os vasos
sanguíneos do 1nesentério podem romper sem lesão
Caso as alças intestinais precise1n ser abertas para
concomitante da alça, ocasionando um hemoperitônio
o tratamento da obstrução deve-se descomprimi-las
retirando o líquido de estase, tomando cuidado para e, às vezes, isquemia e necrose do segmento de alça
1024 não contaminar a cavidade peritonial. No entanto, intestinal por ele irrigado.
não se deve fazer descompressão de alças íntegras por Nos pacientes vítimas de traumatismo abdominal
punções ou enterotomias, pois estas aumentam o risco aberto, a indicação cirúrgica, na maioria das vezes, é
de infecção pós-operatória e de fístulas intestinais. precoce, e o diagnóstico da lesão do jejuno e do íleo
A viabilidade das alças estranguladas deve ser é reali zado, via de regra, durante o ato cirúrgico. Nos
pesquisada após resolução da obstrução. Para isso, pacientes vítimas de um trauma abdominal fechado o
'
deixa-se a alça envolta em compressa úmida com soro diagnóstico é mais difícil e, por isso, o médico deve dar
fisiológico morno por 10 a 20 minutos, e observa-se a atenção especial ao exame clínico do paciente, para não
presença de cor normal vermelha ou rósea e de peristal- tratar tardian1ente a lesão. Assi1n, todo paciente com
se e pulso nas artérias que in·igam o segmento intestinal trau1na abdonunal fechado deve permanecer hospita-
avaliado. Métodos especiais de estudo da viabilidade lizado e em observação cirúrgica, sendo submetido a
intestinal com o uso de fluoresceína, te11nometria da um exame clínico a intervalos regulares, pelo período
alça e pesquisa de fluxo com fluxômetro a Doppler não mínimo de 24 horas. O paciente portador de tatuage1n
são empregados comumente em nosso meio. traumática no abdômen provocada pelo mal posiciona-
A cirurgia laparoscópica também vem sendo utiliza- mento do cinto de segurança tem 64% de possibilidade
da no tratamento da obstrução intestinal. Algumas séries de lesão intestinal. 33
n1ostram sucesso e1n até 70% dos casos. Treinamento em As lesões por contusão abdominal se manifestrun
laparoscopia avançada é fundamental. Em pacientes com clinicamente por um quadro de perfuração de uma
grande distensão abdomjoal, recomenda-se realizar o víscera oca para o peritônío livre. A dor abdominal é
pneumoperitônio sob visão direta e ter muito cuidado ao o sintoma n1ais característico e está presente em todos
1nanipular alças distendidas. Uma dificuldade adicional os casos. Ao exame físico, chamrun a atenção a desi-
é a existência de pouco espaço para trabalhar no interior dratação progressiva, a taquicru·dia e sinais de iITitação
da cavidade abdominal, visto que as alças distendidas peritonial. Nos casos em que o diagnóstico é realizado
ocupam grande parte do espaço disponível. tardiamente, o quadro geral e abdon1inal é ma.i s grave.
O diagnóstico da lesão do intestino delgado é essen- A laparoscopia como método propedêutico para
c.ialmente clínico. Os exames laboratoriais são inespecí- lesão do intestino delgado ainda não ganhou acei-
ficos. Entretanto, os exames radiológicos são de grande tação geral devido à dificuldade de se examinar
valor, principalmente quando feitos sucessivamente e com precisão toda a sua extensão. Entretanto, a sua
analisados con1parativa1nente durante a evolução do utilização tem sido descrita com frequência cada
paciente. O estudo radiológico do tórax pode revelar vez maior em casos selecionados. A estabilidade
pneumoperitônio (sinal tardio) e deve ser rotineiramente hemodinâmica é condição imprescindível para sua
realizado. A punção abdominal com lavado peritonial, realização. Para realizá-la é preciso ter experiência
por ser método invasivo e pouco sensível para diagnosti- com o método e usar pinças adequadas com apare-
car lesão intestinal, te1n sido pouco utilizada. Entretanto, lhagem de boa resolução.
a presença de líquido enté1ico e/ou bile na punção ou Quando ocorre lesão do mesentério sem lesão da
de nú1nero de leucócitos maior que 500/mL e de níveis luz visceral, a clínica observada é um pouco diferente e
elevados de fosfatase alcalina (maior que 3UI/mL) no caracteriza-se por uma perda sanguínea de intensidade
líquido obtido pelo lavado peritonial é considerada variável. Atualmente, a realização de ultrassom e/ou
diagnóstico de lesão intestinal e justifica a exploração tomografia computadorizada do abdô1nen, revelando
cirúrgica. 34 O achado na ultrassonografia se resun1e à a presença de líquido livre na cavidade, a sua locali-
presença de líquido livre intraperitonial. zação e o seu volume estimado, nos pern1ite fazer um
A tomografia computadorizada do abdômen, nos diagnóstico mais precoce.
dias atuais, é o principal e mais importante método O tratamento das lesões traumáticas do intestino
propedêutico no trauma abdominal fechado. A sua delgado é sempre cirúrgico e envolve procedimentos
utilização para diagnóstico das lesões intestinais, entre simples e seguros, desde que realizado precocemente
elas a lesão do jejuno e do íleo, tem valor controverso, (em torno de 12 horas) e com técnica adequada. Antes
variando de u1n serviço para outro. Quando realizada do início do ato cirúrgico, o paciente deve ser conve-
precocemente, pode não revelar nenhuma alteração. nientemente preparado. Nos pacientes politraumatiza-
Seus achados são sutis. Para se ter um bom índice de dos, deve-se dedicar mais atenção ao tratamento das
acerto deve-se realizar esse exame com técnica ade- lesões associadas e de maior gravidade, que colocam
quada para diminuir os artefatos, com reconstrução a vida do paciente em risco. A laparotomia deve ser
de boa resolução, cortes com espessura de 1 mm, usar realizada por meio de incisão vertical mediana ampla,
1025
contraste oral e venoso e incluir a pelve no exame. pois esta é feita com rapidez e permite exploração de
Além disso, é necessário um radiologista experiente toda a cavidade abdominal. As lesões encontradas
que conheça os sinais to1nográficos de lesão intestinal devem ser classificadas de acordo com os critérios
e os procure com atenção. Os principais e mais suges- propostos pela Associação Americana de Cirurgia do
tivos achados tomográficos de lesão intestinal são: Trauma (Tabela 82.4).
• Espessan1ento da parede da alça (maior que 3 mm Nos casos operados precocemente, as lesões do
e circunferencial). jejuno e do íleo são passíveis de sutura primária, que
não precisa ser complementada por nenhum outro
• Extravasamento do contraste oral.
procedimento. Em algumas situações, a ressecção do
• Presença de líquido li vre, principalmente na segmento de alça lesado ou sem vitalidade (Figura
ausência de lesão de víscera 1naciça. 82.5), seguida de anastomose terrninoterrninal, to1na-se
• Pneumoperitônio, na maioria das vezes localiza- necessária (Quadro 82.1 ).
do perto do ligamento falc iforme.
• Dilatação da alça com líquido e1n seu interior, Tabela 82.4
podendo ter líquido, também, e1n torno da alça. Classificação das lesões do intestino delgado
• Espessamento e alterações da densidade do me- Grau Tipo de lesão
, .
senter10. • Contusão ou hematoma sem desvascularização
• Laceração parcial da parede sem perfuração
• Descontinuidade da parede intestinal.35•38
li • Laceração menorque 50% da circunferência da alça
Entretanto, é importante salientar que uma tomo-
111 • Laceração maiorou igual a 50% da circunferência da alça
grafia normal não exclui lesão intestinal e que a sua
acurácia para o diagnóstico dessa lesão aumenta com o IV • Transecç,ío do intestino delgado
passar do tempo. E1n cerca de 13% dos pacientes co1n V • Transecçâo do intestino delgado com perda tecidual
lesão intestinal, a tomografia é normaJ. 33 • Comprometimento vascular com segmento desvascularizado
que ele suporte o trau1na cirúrgico. Durante o ato ci-
rúrgico encontramos uma lesão com bordas friáveis e
inflamadas (Figura 82.6), não permitindo a execução
segura da sutura primária, pois o risco de deiscência
da sutura com formação de fístula no pós-operatório
é 1nuito elevado. Nessa situação, a opção adotada é
realizar uma sutura parcial da lesão e colocar, dentro
da luz intestinal, um dreno em "T" de calibre grosso23
(dreno de Kehr). Em seguida, exteriorizamos o seu
ramo vertical por contra-abe11ura na parede abdominal
e fixamos esse seg1nento de alça no peritônio parietal
(como se faz em uma jejunostomia). Essa enterostomia
com sonda "T" traz as seguintes vantagens:
FIGURA 82.5 - lesão intestino delgado grau Vcom lesão de mesentério eisquemia de
segmento de alça. Fonte: autores.
• Promove a fo1mação de un1a fístula superditigi-
da, impedindo que o conteúdo da alça alcance a
cavidade abdominal.
Quadro 82.1
• Reinove o líquido entérico de dentro da luz da alça.
Condições que necessitam de enterectomia
Ferimentos extensos eirregulares
• Mantém a alça em repouso e descomprimida,
evitando tensão na linha de sutura e propiciando
Lesões em que asutura primária leva à estenose da luz da alça intestinal
que a cicatrização da lesão evolua de maneira
Múltiplas perfurações concomitantes em um segmento curto da alça intestinal
favorável. Assim, proporciona-se uma proteção
Lacerações longitudinais extensas maior ao paciente, evitando que uma fístula en-
Áreas com esmagamento e/ou sofrimento vascular térica, com suas repercussões, se instale.
Grandes hematomas elacerações do mesentério Após duas semanas de tratamento, se o paciente es-
tiver bem e sem sinais de infecção abdominal, o dreno
Tanto a enterorrafia quanto a enterectomia deven1 será retirado, e a fístula se fechará espontaneamente.
ser realizadas segundo os princípios básicos da cirurgia O tratamento laparoscópico das lesões do intestino
1026 intestinal do trauma (Quadro 82.2). delgado pode ser usado em casos especiais e selecio-
Nos pacientes diagnosticados e tratados tardiamente nado desde que o cirurgião tenha a1npla experiência
(com mais de 12 horas de trauma), com frequência com o método. Mesmo assim, o risco de passar lesão
vítimas de traumas fechados, a situação muda de as- despercebida existe.
pecto, tornando-se mais grave e complexa. O paciente, Desde que tratadas precocemente, as lesões do in-
nesses casos, está séptico e com u1n quadro já instalado testino delgado evoluem bem, sem complicações. As
de peritonite bacteriana. Portanto, antes da cirurgia, complicações intra-abdominais são mais comuns em
devem ser melhoradas as suas condições gerais, para pacientes tratados com peritonite purulenta já instalada.
Quadro 82.2
Princípios básicos da cirurgia intestinal do trauma
As bordas da ferida intestinal devem ter irrigação perfeita
Nos ferimentos por armas de fogo, realizar desbridamento das bordas da lesão porque
estas estão contundidas ecom otecido desvitalizado
Como amaioria das lesões é transfixante, devemos examinar, minuciosamente, toda a
extensão do jejuno edo íleo
Todos os hematomas da parede da alça edo mesentério devem ser explorados, para
evitar que alguma lesão passe despercebida
As lesões que atingem acamada serosa ou seromuscular, sem lesar acamada mucosa,
devem ser suturadas
As suturas podem ser realizadas em um ou dois planos, usando se pontos separados com
fio inabsorvível na camada seromuscular
Lavar cuidadosamente acavidade abdominal com soro fisiológico aquecido antes do FIGURA 76.6 - Lesão intestino delgado grau li de diagnóstico tardia Notar as bordas da lesão
fechamento da cavidade abdominal friáveis einflamados esecreção purulenta na cavidade abdominal Fonte: autores.
As complicações que trazem mais riscos ao paciente pode ser realizada co,n bons resultados usando gram-
são os abscessos intra-abdominais (pélvico, subfrênico peadores lineares. A simples inversão do divertículo é
e interalças) e as deiscências de sutura, originando as técnica condenada e não deve ser utilizada. O acesso
fístulas entéricas. laparoscópico é outra opção e tem a vantagem de rea-
lizar o diagnóstico em casos duvidosos. 43
Miscelânea A conduta, quando o divertículo de Meckel é um
achado ocasional em uma laparotomia, é controversa.
Divertículo de Meckel Con10 pode ser causa de dor abdonúnal de origem
O divertículo de Meckel, descrito em 1809 por obscura, sede de tumor carcinoide e as complicações
Johann Meckel, é a má forn1ação congênita mais fre- serem potencialmente graves e de difícil diagnóstico,
quente do trato gastrintestinal e consiste na persistência a tendência atual é a de realizar a ressecção do di ver-
proximal do duto onfalomesentérico. tículo quando não existe impedimento sistêmico ou
técnico. 41 ·44
O divertículo de Meckel incide en1 1,5% a 2% das
pessoas e produz sintomas em apenas 4% destas, em
particular em crianças. Em adultos, os sintomas são Endometriose
,nais comuns em homens de até 50 anos de idade, em A endometriose é caracterizada pela presença de te-
divertículos maiores que 2 cn1 e na presença de tecido cido endometrial (glândulas e estrema) fora da cavidade
ectópico. 39•4ºHabitualmente, localiza-se a cerca de 60 ,
uterina. E uma doença estrógeno dependente e bastan-
cm da válvula ileocecal (variando de 50 a 100 cm), te comu1n na mulher durante o período reprodutivo.
na borda antimesentérica. Tem mesentério, irrigação Quando associada a formações císticas com conteúdo
própria e apresenta comprimento e diâmetro variáveis, heterogêneo e espesso denomina-se endometrioma. A
possuindo, ainda, todas as camadas do tubo digestivo
, etiopatogenia é discutível; a teoria mais aceita é que
sendo, portanto, um divertículo verdadeiro. E, muitas células totipotentes oriundas do endométrio alcançam
vezes, sede de metaplasia de diversos tecidos, prin- a cavidade peritoneal pelas tubas uterinas durante a
cipalmente de mucosa gástrica, de parênquima pan- menstiuação ou em procedin1entos cirúrgicos (cesaria-
creático e de tumor carcinoide. Quando localizado no na) onde, ao encontrarem ambiente favorável, implan-
interior de um saco herniário, é denominado de hérnia tar-se-iam. Outras teorias relacionam a endon1etriose à
de Littré e, neste caso, deve ser sempre ressecado. 41 doença autoin1une, à metaplasia celômica e à dissemi- 1027
Em geral, tem evolução silenciosa, manifestando-se nação linfática.
clinicamente apenas na presença de complicações. A endometriose do ti·ato gastrointestinal ocorre em
Pode, entretanto, ser causa de dor abdominal incarac- maior frequência no retossigmoide (85% ), apêndice
terística e recorrente. cecal (10%) e delgado (5%). O envolvimento das alças
A hemorragia, a mais comum das complicações do do intestino delgado ocorre, usualmente, por contigui-
divertículo de Meckel (25% a 50% dos casos) origina- dade. Os implantes intesti nais ocorrem, quase sempre,
-se, quase sempre, em tecido gástrico ectópico, poden- concomitantemente com doença pélvica. Eles se desen-
do ser diagnosticada mediante realização de trânsito volvem, inicialmente, no peritônio visceral, ,nas podem
intestinal, tomografia computadorizada, enteroscopia se aprofundar na parede da víscera. Nessa situação
ou cintilografia com Tecnécio 99. 39 O processo infla- provocam intensa reação inflamatória com hiperplasia
matório local, determinando quadro de diverticulite, da camada muscular e até fibrose da parede intestinal ,
ocorre em 10% a 20% dos casos e simula, frequente- o que pode ocasionar confusão diagnóstica com doença
mente, apendicite aguda. Quando ocorre pe1furação de Crohn45 ou neoplasia 1naligna. Manifesta-se, cli-
para o peritônio livre, a infecção que se instala é muito nicamente, e de maneira predominante, por dor tipo
grave. O diagnóstico dessa inflamação, bem como da cólica, náuseas, distensão abdominal e diarreia, com
obstrução intestinal ocasionada pelo divertículo por intensificação no período menstrual. Enterorragia e
intussuscepção ou volvo ileal em volta do divertículo quadro obstrutivo podem ocorrer com certa frequência.
é, quase que exclusivamente, peroperatório. O ultrassom de abdô1nen, a ressonância magnética
O tratamento é sempre cirúrgico. A enterectomia e a vídeolaparoscopia (visualização direta e biópsia)
com anastomose terminoterminal é preferível à ressec- são os procedimentos diagnósticos de escolha. A do-
ção em cunha do divertículo com fecha1nento transver- sagem sérica de CA 125 não é um marcador sensível
sal da alça, porque a maioria dos tecidos ectópicos se e específico da endometriose, apresentando valores
situa na base do divertículo. 39·42 A diverticulecto1nia mais elevados e,n estágios mais avançados da doença.
Sua dosagem seriada após o tratamento clínico e/ou PTFE, veia safena) a ser e1npregado e de quais arté1ias
cirúrgico pode ser útil para prever a recorrência. devam ser abordadas. Nos pacientes de maior risco
O tratamento depende da extensão da lesão no cirúrgico, idosos e naqueles nos quais a anatomia da
segmento de alça acometido. As'
vezes resume-se em lesão e as condições locais da doença permitem a sua
cauterização ou ressecção dos implantes e, nos casos realização, estão indicados a angioplastia percutânea ou
mais avançados, enterectomias com anastomose pri- o uso de stents. Os resultados cirúrgicos são altrunente
mária. Alguns autores reco,nendrun pan-histerecto- gratificantes, em pacientes adequadan1ente seleciona-
mia e ooforectomia bilateral em mulheres acima dos dos, con1 rápida resolução dos sintomas e ganho de peso.
40 anos de idade.
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