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GONCALVES Marcos Augusto 1922 A Semana Q

O livro '1922: a semana que não terminou' de Marcos Augusto Gonçalves explora os bastidores e a história da Semana de Arte Moderna, destacando a hostilidade do público e a polêmica que cercou o evento. A obra apresenta uma narrativa acessível, repleta de episódios curiosos e uma análise das relações entre os modernistas e a crítica da época, revelando a complexidade do contexto cultural de São Paulo. Gonçalves também enfatiza a importância da Semana como um marco na arte brasileira, cujas repercussões ainda ressoam na literatura contemporânea.

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GONCALVES Marcos Augusto 1922 A Semana Q

O livro '1922: a semana que não terminou' de Marcos Augusto Gonçalves explora os bastidores e a história da Semana de Arte Moderna, destacando a hostilidade do público e a polêmica que cercou o evento. A obra apresenta uma narrativa acessível, repleta de episódios curiosos e uma análise das relações entre os modernistas e a crítica da época, revelando a complexidade do contexto cultural de São Paulo. Gonçalves também enfatiza a importância da Semana como um marco na arte brasileira, cujas repercussões ainda ressoam na literatura contemporânea.

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Campinas-SP, (33.1-2): pp. 289-294, Jan./Dez.

2013

Yudith Rosenbaum
[email protected]

GONÇALVES, Marcos Augusto. 1922: a semana que não terminou. 1. ed.


São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

Mas como tive coragem de dizer versos diante duma vaia tão bulhenta que eu não
escutava do palco o que Paulo Prado me gritava da primeira ila das poltronas?...
Como pude fazer uma conferência sobre artes plásticas, na escadaria do Teatro,
cercado de anônimos que me caçoavam e ofendiam a valer?... (p. 303)

Assim o escritor Mario de Andrade registrou, em seu balanço sobre


O Movimento Modernista, em 1942, a hostilidade do público durante sua
participação no segundo dia da Semana de Arte Moderna, em fevereiro de
1922. Há controvérsias se foram os versos agressivos de “Ode ao burguês”
ou as sonoridades dissonantes do poema “Inspiração”, do livro Pauliceia
Desvairada, que indignaram a plateia. O fato é que também as vaias
parecem ter sido combinadas antes por alguns conhecidos, incentivados
a provocar reações à altura do espetáculo ruidoso.
Após 90 anos do evento, essas e outras histórias continuam a alimentar
estudos sobre o maior marco do modernismo brasileiro. É o caso desta
“reportagem histórica”, como a deiniu seu autor, o jornalista Marcos
Augusto Gonçalves. 1922. A semana que não terminou (Companhia das
Letras, 2012) é um livro de trama divertida e variada. A linguagem é clara
e dinâmica, o que torna o assunto acessível também a não especialistas.
Seu objetivo, longe de acirrar debates acadêmicos ou embrenhar-
se nas análises estéticas das obras modernas, consiste em historiar os
antecedentes da Semana de Arte Moderna a partir de seus realizadores
290 – Remate de Males 33.1-2

– sejam os artistas propriamente ditos, sejam seus patrocinadores e/ou


mentores. Trata-se mais de um ensaio-reportagem, situado na interface
da história e do jornalismo, apresentando, com isenção e bom senso, as
vertentes contraditórias do turbulento contexto onde tudo se originou.
Segundo o autor, “não há dúvida de que a Semana havia sido
concebida pelos seus idealizadores para causar furor, marcar uma data,
gerar atrito e instaurar-se como marco simbólico de uma transformação.
Sem reações de desagrado, sem polêmicas e sem vaias, o plano corria o
risco de naufragar”. Os aplausos denunciariam adesão, o que não condizia
com um acontecimento “futurista”. Pela imprensa da época, citada pelo
autor, “o êxito, encarado ele sob o ponto de vista de todos, foi completo,
isto é, um fracasso” (p. 299).
Além das vaias contratadas, há vários episódios esdrúxulos, absurdos
ou apenas engraçados, recontados pelo livro, que tornam a Semana
um misto de comédia, ritual iniciático e revolução estética. O texto de
Gonçalves relembra, por exemplo, partindo do testemunho de Menotti
del Picchia em A longa viagem, que algumas obras foram improvisadas
para dar volume à vernissage no saguão do Teatro Municipal. Diz
Menotti: “tivemos que nós mesmos borrar às pressas mais algumas telas”
(p. 46). Uma das histórias folclóricas sobre os três festivais da Semana
menciona a aparição de Villa-Lobos de casaca com um dos pés enfaixado
ou de chinelo. Seria mais um toque futurista? Não, caro leitor; foi mesmo
um ataque de ácido úrico no dia da apresentação do maestro. Ou ainda –
e a lista é grande – a altercação do barítono Frederico Nascimento Filho
com alguém da plateia que, em meio à execução de uma das peças de
Villa-Lobos, teria zombado do cantor com um sonoro “Ride, Pagliaccio”,
ao que Nascimento retrucou: “Desce para eu lhe ensinar como se canta”.
Conta-nos o autor que a discórdia virou briga física no inal do espetáculo,
resultando em um olho roxo do professor de canto.
Para além, ou aquém, das historietas curiosas trazidas ao leitor deste
livro, vale acompanhar o que resultou da intensa pesquisa nos arquivos
da imprensa da época. Como jornalista, Marcos Augusto Gonçalves
soube editar as principais fontes onde a querela entre modernistas e
críticos da nova arte vinha à tona. De um lado, O Correio Paulistano,
órgão oicial do governo, ou seja, do PRP (Partido Republicano Paulista)
em que Menotti del Picchia escrevia, e seu aliado a Gazeta, que acolheu
Mario de Andrade (e sua recusa em ser futurista); de outro, O Estado de
S. Paulo, oposição republicana, ao lado do Diário Popular. Já Oswald de
Andrade escrevia no Jornal do Comércio, de onde atirava seu sarcasmo
irônico e sua inlamada verve crítica. É a própria história da imprensa que
se confunde com os bastidores da Semana, tendo como pano de fundo
Rosenbaum– 291

a europeia São Paulo, que avançava puxada pelo café e pela indústria.
Gonçalves esclarece bem esse “trânsito social” nas “rodas da boemia
jornalística e literária da cidade, cujo espírito modernista fermentava
no contato com a rua”, beneiciando-se da expansão da imprensa. E
conclui: “Nos grandes jornais, nas revistas ou nas pequenas publicações,
a crônica, a ilustração e a caricatura absorviam inluências estilísticas
internacionais, e procurava uma linguagem atual, sintética e direta para
falar com o público” (p. 236).
A estrutura do texto d’A semana que não terminou é curiosa: embora
o título acene para a continuidade e repercussões da Semana, o livro
nos remete, ao contrário, para os bastidores e camarins da cena, ao seu
princípio, ao seu entorno e à atmosfera que a antecedeu e em muito a
determinou. É sintomático que isso ocorra, uma vez que o interessante
é mesmo o conjunto de sincronicidades, coincidências, ainidades e
encontros, dispersos e ao mesmo tempo uniicados na ebulição da
emergente metrópole paulista nas primeiras décadas do século XX, e
que por sua multiplicidade propiciou o momento sintético da Semana.
Tudo converge, como mostra o autor, para que Di Cavalcanti converse
com Guilherme de Almeida e Jacinto Silva sobre um Salão Modernista
na própria livraria de Silva, onde Di faz sua exposição, sugestão que
coincide com as intenções de Graça Aranha em seu retorno da Europa.
Daí a ideia chega aos modernistas paulistas, Mario e Oswald, que buscam
aliança com os artistas do Rio, para, enim, desaguar no mecenato de
Paulo Prado.
No ano do centenário da Independência, os modernistas, ilustrados
nas vanguardas europeias, aliavam-se ao “grand monde paulista”
(expressão recorrente no livro) e catalisavam o embate passadismo vs.
futurismo, já ultrapassado no primeiro mundo. É bem sabido que, entre
nós, o desaio ainda era desbancar o belletrismo, a retórica parnasiana
envernizante, dando asas às palavras e airmando a novidade da era
tecnológica. Os principais confrontos entre os “bandeirantes paulistas”,
como eram então chamados nossos modernistas, e os arautos da tradição
são trazidos à cena por Gonçalves, com requinte de detalhes. Não
poderiam faltar as celeumas de Mário de Andrade e o crítico conservador
Cândido (não o Antonio, mas Salisburgo Galeão Coutinho) nas páginas
da Gazeta, de Monteiro Lobato e Oswald a respeito da exposição de
Anita Malfatti em 1917, de Mário Pinto Serva contra a “patologia mental”
das vanguardas na Folha da Noite, de Oscar Guanabarino, que não
via “o menor vislumbre de autoridade estética” no grupo modernista
paulista, no Jornal do Comércio, e mesmo do revoltado Lima Barreto
bombardeando n’A Careta “o tal do futurismo”.
292 – Remate de Males 33.1-2

Tudo isso, sem mencionar a disputa bairrista entre paulistas e


cariocas, que tem gerado, dos anos 80 para cá alguns revisionismos
interessantes. Ainal, a cara paulista da Semana parece incontestável,
mas o Rio de Sérgio Buarque de Holanda guardava valores como Manuel
Bandeira (que teve os seus ”Sapos” declamados por Ronald de Carvalho),
Villa-Lobos e Luciano Gallet, por exemplo. Contra “exageros de torções
por todos os lados”, Gonçalves compara a marca carioca com a paulista:

Se é certo que nossa “cidade máxima” não estava desconectada das


novas experimentações estéticas, é verdade também que ali não se formara
um “grupinho de intelectuais” dinâmico e combativo, organizado em torno da
militância modernista, como em São Paulo. E é fato que duas das principais
cidadelas do conservadorismo cultural pontiicavam na Guanabara – a
Academia Brasileira de Letras e a Escola Nacional de Belas-Artes (p. 238).

Disputas à parte, voltemos à coniguração do livro. Pequenas


biograias abrem boa parte das 24 seções, trazendo uma síntese
competente de todas as personalidades que participaram ou inluíram
decisivamente no acontecimento artístico. De Paulo Prado, o “fautor” da
Semana, passando pelo senador Freitas Valle e sua famosa Villa Kyrial,
pelos Andrade, Mário e Oswald, os pulmões intelectuais do evento, por
Menotti del Picchia, Graça Aranha, Guilherme de Almeida, Ronald de
Carvalho, Guiomar Novaes, Anita Malfatti, Villa-Lobos, Victor Brecheret,
Di Cavalcanti, incluindo nomes menos cotados como Tácito de Almeida,
Agenor Barbosa e Luis Aranha – dos mais ativos aos quase nulos, todos
ganham do autor um lugar e uma fala esclarecedora. O leitor acompanha,
com distância e envolvimento ao mesmo tempo, a rede de relações,
tendências, conluências e divergências que culminou na Semana de Arte
Moderna, espécie de funil centrípeto por onde passaram e se dispersaram
tantas iguras da arte moderna brasileira.
Se quase tudo o que o jornalista nos conta já foi, de um modo ou
de outro, assunto das mais importantes publicações sobre a Semana
(destacando-se, aqui, os nomes consagrados de Mario da Silva Brito,
Gilberto Mendonça Telles, Aracy Amaral, Márcia Camargos, Maria
Eugenia Boaventura e Tadeu Chiarelli, ente outros), é preciso reconhecer
que há ênfases novas e um novo equilíbrio dos fatos. Mesmo a presença
dominante de Villa-Lobos nos três dias da semana ica mais evidente no
modo como a história é recontada. Também outros nomes, antes pouco
mencionados, vêm agora compor o coro com os canônicos: o biblióilo
ilustrado na Europa, Rubens Borba de Moraes Neto, ganha aqui seu
devido reconhecimento como um dos grandes agitadores da Semana.
Aliás, curiosíssima a situação na qual, acometido de tifo nos dias do
Rosenbaum– 293

evento, Rubens escala sua tia Antonieta Borba para assistir e anotar tudo
em valiosas cadernetas, hoje consultadas por Gonçalves. Alfredo Pujol
e René Thiollier, do comitê aristocrático e ultra presentes no circuito
cultural da cidade, são retirados do limbo da história e ressurgem nesta
reportagem como mentores e patrocinadores da Semana. O mesmo se
dá com a bailarina e cantora Yvonne Daumerie, que acalmou os ânimos
ao se apresentar no Municipal e foi, certamente, uma das sensações da
Semana.
Marcos Augusto Gonçalves empenhou-se em abarcar tudo o
que pode, organizando seu vasto material com mão segura. Outras
combinações poderiam surgir do mesmo balaio: quem não esteve, mas
poderia ter estado? (penso aqui em Oswaldo Goeldi, Álvaro Moreyra,
Afonso Schmidt e o próprio Bandeira), quem participou e depois
sumiu? (Agenor Barbosa, Graça Aranha, Ribeiro Couto, Ronald de
Carvalho, Renato Almeida), quem estava lá, mas não subiu ao palco?
(Sérgio Milliet). E por aí em diante, teríamos muitas mais Semanas a
comentar, aproveitando fartamente os dados lançados à mesa pelo autor.
Sua façanha está, também, em promover necessárias desidealizações,
responsáveis por mitiicar situações que, vistas agora, parecem ter sido
bem diferentes. Pelo que nos reporta Gonçalves, não só a primeira noite
foi longa e enfadonha, como o próprio planejamento da Semana atendeu
a variáveis nem sempre iéis aos princípios da nova estética, com escolhas
ao acaso, falta de preparação e conciliações pouco puristas.
Não importa. Saímos do livro, ainda assim, contentes por ter
existido a Semana como um dos grandes momentos da arte brasileira
– na sua bagunça, na sua feição panletária e na sua vocação de anúncio
dos novos tempos. Sem ela, o modernismo já era o que foi e teria sido
depois; mas, com ela, houve uma tomada de consciência de si mesmo
pelo movimento, uma uniicação da dispersão para melhor conhecê-la.
Cesse tudo o que a antiga musa canta – era o que pareciam dizer nossos
modernistas em torno da Semana – para melhor ouvir o novo canto.
Apenas uma ressalva ao belo livro de Marcos Augusto. Para saber
o que não terminou da Semana de 22, seria preciso comentar suas
ressonâncias, tanto ou mais do que seus antecedentes. As repercussões da
Semana (cuja programação propriamente dita ocupa 60 das 340 páginas
do livro) certamente continuam nos horizontes da linguagem liberta, na
abertura ao coloquial e popular, na veia cosmopolita da arte, na própria
condição de recepção aos que sucederam os mestres modernistas,
como Graciliano Ramos, Dionélio Machado, Guimarães Rosa e Clarice
Lispector. Ainda somos herdeiros, não tanto e não apenas daqueles
turbulentos três dias de fevereiro, e sim de tudo o que consagraram como
294 – Remate de Males 33.1-2

escoadouro do momento, cujos ruídos, agora mais domesticados, ainda


podem ferir ouvidos pouco modernos.

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