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O artigo analisa a teoria da alienação de Marx, destacando suas novas determinações nos Manuscritos Econômicos-Filosóficos de 1844, Grundrisse e O Capital, ligadas ao desenvolvimento do modo de produção capitalista. A alienação se manifesta particularmente através do fetichismo da mercadoria, refletindo a desconexão do trabalhador com seu produto e a objetificação das relações sociais. O estudo enfatiza a necessidade de entender a alienação como um fenômeno prático-social que se desenvolve nas condições da propriedade privada.
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O artigo analisa a teoria da alienação de Marx, destacando suas novas determinações nos Manuscritos Econômicos-Filosóficos de 1844, Grundrisse e O Capital, ligadas ao desenvolvimento do modo de produção capitalista. A alienação se manifesta particularmente através do fetichismo da mercadoria, refletindo a desconexão do trabalhador com seu produto e a objetificação das relações sociais. O estudo enfatiza a necessidade de entender a alienação como um fenômeno prático-social que se desenvolve nas condições da propriedade privada.
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DOI: http://dx.doi.org/10.

1590/1982-02592019v22n2p273 273

ESPAÇO TEMÁTICO: CONFLITOS SOCIAIS, IDEOLOGIA, CULTURA E SERVIÇO SOCIAL

As categorias da alienação e do fetichismo na teoria


social marxiana

Jéssica Ribeiro Duboc¹ Maria Lúcia Duriguetto²


https://orcid.org/0000-0003-2390-4902 https://orcid.org/0000-0001-5800-7289

1
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Serviço Social, Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, Rio de Janeiro, RJ,
Brasil
2
Universidade Federal de Juiz de Fora, Departamento de Fundamentos do Serviço Social, Juiz de Fora, MG, Brasil

As categorias da alienação e do fetichismo na teoria social marxiana


Resumo: O artigo objetiva analisar a teoria marxiana da alienação nos Manuscritos Econômicos-Filosóficos de 1844, Grundrisse e no
Livro I d’O Capital. Partimos da premissa que a categoria da alienação adquire novas determinações na teoria social marxiana, que estão
organicamente ligadas ao desenvolvimento do modo de produção capitalista e da consequente maturação da crítica da economia política
realizada por Marx. Tais determinações se materializam no chamado fetichismo da mercadoria, a manifestação particular da alienação nos
moldes da sociabilidade burguesa desenvolvida.
Palavras-chave: Marx. Alienação. Fetichismo.

The categories of alienation and fetishism in Marx’s social theory


Abstract: This article analyzes the Marxian theory of alienation in the Economic-Philosophical Manuscripts of 1844, Grundrisse, and
Volume I of Capital. The study assumes that the category of alienation acquires new determinations in Marx’s social theory, which are
organically connected to the development of the capitalist mode of production and the consequent maturation of Marx’s critique of
political economy. Such determinations materialize in the so-called “commodity fetishism,” the particular manifestation of alienation
observed in the developed bourgeois sociability.
Keywords: Marx. Alienation. Fetishism.

Recebido em 01.10.2018. Aprovado em 20.11.2018. Revisado em 16.04.2019.

© O(s) Autor(es). 2019 Acesso Aberto Esta obra está licenciada sob os termos da Licença Creative Commons
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274 Jéssica Ribeiro Duboc e Maria Lúcia Duriguetto

Introdução

O presente artigo1 tem por objetivo apresentar um estudo sobre o desenvolvimento da categoria da
alienação em Marx contido nos Manuscritos Econômicos-Filosóficos de 1844 (MARX, 2015), nos
Grundrisse (MARX, 2011) e no Livro I d’O Capital (MARX, 2013).
Cabe destacar, que o tratamento da teoria da alienação contida nos Manuscritos (MARX, 2015) deve
partir dos seus limites históricos e teóricos, uma vez que “o operário que Marx tem em mente é o trabalhador fabril
da indústria típica da primeira Revolução Industrial, que duas ou três décadas mais tarde se esgotaria” e que “o
movimento revolucionário com o qual Marx se defronta é um movimento emergente, ainda sem expressivas
experiências de autonomia”. (PAULO NETTO, 2017, p. 170). Não obstante estes condicionantes sócio-históri-
cos e político-organizativos, o central “[...] está em que o Marx de 1844 descobriu (e nunca será demasiado
salientar o traço decisivo dessa descoberta) a raiz fundamental e primária do complexo fenomênico da alienação
– com a propriedade privada, a divisão do trabalho e a produção mercantil”. (PAULO NETTO, 2017, p. 171).
Estas categorias adquirem novas determinações nos constructos teóricos de Marx com o desenvolvimento
do modo de produção capitalista (MPC) e da sua crítica da economia política clássica, presentes destacadamente
nos Grundrisse (MARX, 2011) – Manuscritos de 1857-58 – e n’O Capital (MARX, 2013). Nosso objetivo
consiste em evidenciar o caminho percorrido por Marx até chegar nas formulações acerca do fetichismo da
mercadoria – enquanto uma particularidade da alienação no MPC. Consideramos que os Grundrisse
(MARX, 2011) apresentam um tratamento da temática da alienação que nos permite compreender a conexão
entre os Manuscritos de 1844 (MARX, 2015) e o Livro I d’O Capital (MARX, 2013). Se nos Manuscritos de
1844 “o trabalho alienado refere-se à negação da essência humana, em O Capital tem-se presente a coisificação
das relações entre os homens, isto é, descreve-se o caráter fetichista dos objetos (mercadoria, dinheiro e capital)
em que tais relações se objetivam ou materializam”. (VÁSQUEZ, 2007, p. 433).
Para nós, o resgate da teoria da alienação em Marx, no ano do bicentenário de seu nascimento, é uma
condicionante para uma apreensão das suas particulares manifestações nos processos sócio-históricos de
desenvolvimento do MPC na contemporaneidade. É nesta direção que Paulo Netto (1981, p. 74) afirma:

A alienação, complexo simultaneamente de causalidades e resultantes históricos-sociais, desenvolve-se


quando os agentes sociais particulares não conseguem discernir e reconhecer nas formas sociais o conteú-
do e o efeito da sua ação e intervenção; assim, aquelas formas e, no limite, a sua própria motivação à ação
aparecem-lhes como alheias e estranhas. É possível afirmar (estendendo a investigação para além das
sugestões marxianas de 1844) que em toda a sociedade, independentemente da existência de produção
mercantil, onde vige a apropriação privada do excedente econômico estão dadas as condições para a
emergência da alienação.

A categoria da alienação nos Manuscritos de 1844

São nos Manuscritos de 1844 – obra que refletem a aproximação de Marx com os clássicos da
economia política – que Marx, pela primeira vez, “explora sistematicamente as implicações de longo alcance
de sua ideia sintetizadora – “alienação do trabalho” – em cada esfera da atividade humana”. (MÉSZÁROS,
2016, p. 23). A partir da sua crítica da dialética hegeliana e da economia política, Marx (2015) traz à luz a sua
concepção de trabalho alienado, que se diferencia da conceituação de alienação em Hegel tanto quanto à de
Feuerbach, ainda que origine delas (KONDER, 2009). No que se refere à diferença da alienação em Hegel,
verifica-se que a apreensão hegeliana identifica alienação com objetivação. Para Marx (2015), a objetivação –
constitutiva do ser social – só se configura como alienação nos marcos das relações de produção capitalista.
Em relação à Feuerbach, a alienação refere-se ao homem abstrato e ocorre na esfera da consciência humana.
Marx (2015), já nos Manuscritos de 1844, mesmo que com devidas imprecisões, parte dos homens reais, na
produção das suas relações sociais.
Para Marx (2015), a objetivação só é alienação em condições históricas determinadas, ou seja, a partir
da existência da propriedade privada e das suas conexões com a divisão do trabalho, a produção mercantil e o
trabalho assalariado. A objetivação é o trabalho, ou seja, o processo em que por meio do trabalho a força
espiritual do homem se corporifica no objeto. O trabalho é para Marx (2015, p. 311) a “atividade vital, a própria
vida produtiva” e a “vida produtiva é a vida genérica” é a “[...] vida que gera vida”2. O objeto do trabalho é a
“objetivação da vida genérica do homem” na medida em que “ele se duplica não só intelectualmente, como na
consciência, mas também operativamente, realmente, e contempla-se por isso num mundo criado por ele”.
(MARX, 2015, p. 311). Assim, “ao considerar o homem como ser prático e social e a práxis como a totalidade

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das objetivações do ser social, construída e constituinte, Marx funda a alternativa para situar a alienação como
fenômeno e problema prático-social”. (PAULO NETTO, 1981, p. 60). O trabalho é, portanto, o mediador na
“[...] relação sujeito-objeto entre homem e natureza [...]” (MÉSZÁROS, 2016, p. 80). Um mediador que
permite ao homem conduzir um modo humano de existência, assegurando que ele não recaia de volta na
natureza, que não se dissolva no objeto.
É com essa apreensão, que nos Manuscritos (MARX, 2015) a noção de trabalho é conceituada tanto
como o seu termo geral, que se refere à atividade produtiva, enquanto determinação ontológica fundamental
da humanidade, assim como o seu termo particular no modo de produção do capital, que é o trabalho
assalariado, configurando o trabalho que é a base de toda alienação – trabalho alienado (MÉSZÁROS, 2016).
Marx (2015), no Caderno I dos Manuscritos, intitulado Trabalho Alienado e propriedade privada,
afirma que a economia política clássica não analisa os fundamentos da propriedade privada, tomando-a como
lei eterna, natural e a-histórica. Assinala a necessidade de desocultar a realização do trabalho nas condições
da propriedade privada, da divisão do trabalho e da produção mercantil, complexos que fundamentam a expli-
cação do fenômeno da produção da pobreza em paralelo ao da riqueza; da crescente valorização do mundo das
mercadorias em detrimento do mundo dos homens e a consequente produção do próprio trabalhador como
mercadoria. Neste conjunto de fenômenos, o processo de produção de mercadorias torna o trabalhador aliena-
do do que produz, a realização do trabalho aparece como desrealização do trabalhador, “a objetivação como
perda do objeto e servidão ao objeto [...]”(MARX, 2015, p. 304, grifo do autor). O objeto adquire uma
existência “[...] independente [...]” e “[...] alienada [...]” ao trabalhador (MARX, 2015, p. 306).
O trabalho alienado, sob a propriedade privada, conformaria determinações fundantes da alienação,
quais sejam: “[...] o produto do trabalho não pertence ao trabalhador [...] pertence a um outro homem fora o
trabalhador” (MARX, 2015, p. 305), ele já não possui mais nenhum controle sobre a objetivação do seu
trabalho, que aparece como desrealização, como frustração. Neste processo, o objeto adquire uma existência
exterior ao seu produtor; o trabalhador está alienado dos objetos da produção, uma vez que a alienação também
se expressa no interior da atividade produtiva, pois “a energia física e espiritual própria do trabalhador, a sua
vida pessoal [...]” aparece como “uma atividade voltada contra ele próprio, independente dele, não lhe perten-
cendo” (MARX, 2015, p. 310); a alienação da “[...] sua própria função ativa [...]” torna o homem alienado da
vida genérica, que é posta como “[...] meio de vida individual” (MARX, 2015, p. 311); ao alienar-se do produto
do seu trabalho, da sua atividade vital e do seu ser genérico, o homem se aliena também do outro homem.
Assim, são determinações do trabalho alienado: a alienação do trabalhador em relação ao produto do seu
trabalho; a alienação do trabalhador no interior da produção; a alienação do trabalhador do seu ser genérico e,
como consequência imediata desta última, a alienação do homem em relação ao outro homem.
Estas determinações da alienação postas nos Manuscritos (MARX, 2015) evidenciam que a proprieda-
de privada é a expressão material, o meio pelo qual o trabalho se aliena, conformando “[...] a relação do
trabalhador com o trabalho e com o produto do seu trabalho e com o não trabalhador e a relação do não
trabalhador com o trabalhador e o produto do seu trabalho”. (MARX, 2015, p. 320). A propriedade privada é,
portanto, “[...] a expressão material sensível da vida humana alienada”, e a supressão desta implica na supres-
são daquela (MARX, 2015, p. 320). Nesta direção, Paulo Netto (2015, p. 75, grifo nosso) observa que:

Com os Manuscritos, o tratamento da alienação experimentou um giro radical: deslocou-se do nível das
expressões ideais, anímicas, filosóficas e foi inscrito no mundo prático, efetivo, das relações econômico-
sociais (e políticas) dos homens. Por isto mesmo, é inerente à – e indescartável da – perspectiva marxiana a
ideia de que a superação da alienação não pode nem há de se realizar no domínio da consciência (incluído
aí o mais elaborado conhecimento teórico que, evidentemente, é necessário para tal superação): se ela
procede por meios práticos, só meios igualmente práticos poderão superá-la.

Eis que, a partir dessa passagem, podemos extrair o que Mészáros (2016, p. 13, grifo do autor) denomina
de núcleo estruturante do sistema marxiano nos Manuscritos de 1844: a “[...] transcendência positiva da
auto-alienação do trabalho [...]”, isto é, a superação da propriedade privada, que, de acordo com o autor, é
o termo chave para compreender a teoria da alienação. No Caderno III dos Manuscritos, no tópico intitulado
Propriedade Privada e Comunismo, Marx (2015, p. 344-345), explicita sua compreensão da superação da
alienação: “O comunismo é, por fim, a expressão positiva da propriedade privada superada [...]” na medida em
que ela é “[...] a expressão material sensível da vida humana alienada” e a sua superação positiva é a “
apropriação da vida humana, isto é, o regresso do homem à sua existência humana e social”.
O comunismo, enquanto a supressão positiva da propriedade privada, segundo Paulo Netto (2015),
implica em outra forma de produzir, isto é, um novo modo de produção, na medida em que o modo de produção
vigente não permite que o homem se realize como tal, pois a propriedade privada aliena o homem de todos os

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seus sentidos físicos e espirituais, como comer, cheirar, saborear, pensar, sentir amar etc., dando lugar a um
único sentido, o sentido de ter, uma vez que “a propriedade privada nos fez tão estúpidos e unilaterais que um
objeto só é nosso se o tivermos, portanto, se existir para nós como capital, ou se for imediatamente possuído,
comido, bebido, trazido no corpo, habitado por nós etc.; em resumo, usado”. (MARX, 2015, p. 349, grifo do
autor). Portanto, para Marx (2015, p. 350) “a superação [da propriedade privada] é por isso a completa
emancipação de todos os sentidos e qualidades humanas [...]”.
A teoria da alienação adquire um maior desenvolvimento no decorrer das pesquisas de Marx (2011,
2013) sobre os fundamentos e as determinações do MPC, o que se evidencia nos Grundrisse e n’O Capital.

A expressão particular da alienação no MPC: o fetichismo

Para Paulo Netto (1981, p. 39), a problemática do fetichismo tem uma importância central na obra marxiana
por ser desenvolvida a partir do estudo sobre a mercadoria, a “[...] célula econômica da sociedade burguesa”.
Uma das questões centrais posta por Marx (2013, p. 147) sobre a mercadoria é de onde provém “[...] o caráter
enigmático do produto do trabalho, assim que ele assume a forma-mercadoria?”.
Em O Capital, Marx (2013, p. 114) observa que a mercadoria é um objeto externo, uma “[...] coisa [...]”
que, por meio das suas propriedades, satisfaz as necessidades humanas independente da natureza dessas
necessidades – “[...] se, por exemplo, elas provêm do estômago ou da imaginação [...]” – e pode ser utilizada
tanto “[...] como objeto de fruição[...]” ou como meio de produção, retornando ao processo produtivo.
O valor de uso de uma mercadoria é a utilidade que ela carrega no seu conteúdo material, isto é, “[...] o
próprio corpo da mercadoria, como ferro, trigo, diamante etc., é um valor de uso ou um bem”. (MARX, 2013,
p. 114). Sendo assim, o valor de uso é realizado no consumo, na medida em que é utilizado. As propriedades que
se expressam no valor de uso representam o conteúdo material da riqueza independente da formação social.
Na sociabilidade capitalista, analisada por Marx (2013), o valor de uso constitui, ao mesmo tempo, os suportes
materiais do valor de troca.
O valor de troca, a princípio, aparece como uma relação quantitativa. Representa a proporção na qual os
valores de uso de um determinado tipo são trocados por valores de uso de um outro tipo qualquer. De acordo
com Marx (2013), essa relação se altera constantemente no tempo e no espaço. “Por isso, o valor de troca
parece algo acidental e puramente relativo, um valor de troca intrínseco, imanente à mercadoria; portanto, uma
contradictio in adjecto [contradição nos próprios termos].” (MARX, 2013, p. 114, grifo do autor).
Quando se observa mais atentamente o valor de troca, percebe-se que as mercadorias para serem
trocadas no mercado precisam possuir algo em comum, que as tornam intercambiáveis com qualquer outra
mercadoria. Disso Marx (2013, p. 115) extrai as seguintes prévias conclusões: a) “[...] que os valores de troca
vigentes da mesma mercadoria expressam algo igual”; b) “[...] que o valor de troca não pode ser mais do que
o modo de expressão, a ‘forma de manifestação’ de um conteúdo que dele pode ser distinguido”. O que seria
esse algo em comum, sob o qual as mercadorias têm de ser reduzidas para serem intercambiáveis? Para o
nosso autor (MARX, 2013, p. 115):

Esse algo em comum não pode ser uma propriedade geométrica, física, química ou qualquer outra proprieda-
de natural das mercadorias. Suas propriedades físicas importam apenas na medida em que conferem utilida-
de às mercadorias, isto é, fazem delas valores de uso. Por outro lado, parece claro que a abstração dos seus
valores de uso é justamente o que caracteriza a relação de troca das mercadorias.

As mercadorias, como valores de uso, são importantes conforme a utilidade que elas carregam nas suas
propriedades física e “[...] são, antes de tudo, de diferente qualidade; [e] como valores de troca, podem ser apenas
de quantidade diferente, sem conter, portanto, nenhum átomo de valor de uso”. (MARX, 2013, p. 116). Ou seja, se
retirarmos o valor de uso das mercadorias – as suas propriedades materiais que lhe conferem uma utilidade
qualquer – “[...] resta nelas uma única propriedade: a de serem produtos do trabalho”. (MARX, 2013, p. 116,
grifo nosso). Aqui chegamos a seguinte assertiva: o que torna as mercadorias intercambiáveis entre si, o seu
elemento em comum à todas as outras mercadorias é o fato de serem produtos do trabalho humano.
Portanto, se abstrairmos o valor de uso de uma mercadoria, retiramos dela aquilo que lhe confere uma
determinada especificidade – o trabalho concreto que foi dispendido em sua produção. O que resta dos
produtos do trabalho é apenas “[...] uma mesma objetividade fantasmagórica, uma simples geleia de traba-
lho humano indiferenciado, i.e., de dispêndio de força de trabalho humana, sem consideração pela forma de
seu dispêndio”. (MARX, 2013, p. 116). O trabalho abstrato – indiferenciado – significa que no processo de
produção da mercadoria foi dispendido força de trabalho humano, que nela “[...] foi acumulado trabalho

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humano”, portanto, “como cristais dessa substância social que lhes é comum, elas são valores – valores de
mercadorias”. (MARX, 2013, p. 116)3.
Marx (2013) evidencia o elemento comum que possibilita a troca entre as mercadorias ao descobrir que
o seu valor é constituído pelo trabalho humano abstrato objetivado na produção das mercadorias. Assim, “o
elemento comum, que se apresenta na relação de troca ou valor de troca das mercadorias, é, portanto, seu
valor”. (MARX, 2013, p. 116). O valor de troca é apenas a expressão, isto é, a manifestação do valor de
uma mercadoria. Desta compreensão, surge a seguinte indagação: como pode ser medido esse valor? “Por
meio da quantidade de ‘substância formadora de valor’, isto é, da quantidade de trabalho nele contida.” (MARX,
2013, p. 116). Aqui, se desvela a lei do valor da teoria marxiana, qual seja: o valor de uma mercadoria é o
tempo de trabalho socialmente necessário para a sua produção.
Como vimos, o valor de troca de uma mercadoria é a expressão ou manifestação do seu valor. Entretan-
to, aquilo que lhe determina valor, isto é, “[...] o tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de
um valor de uso [...]” assume a forma “[...] da grandeza de valor dos produtos do trabalho [...]” (MARX, 2013,
p. 117). As relações sociais de troca entre os produtores aparecem como uma relação social entre os produtos
dos trabalhos, isto é, uma relação entre coisas. Portanto, como valor de uso a mercadoria nada possui de
misterioso na medida em que tem por finalidade a satisfação das necessidades humanas, o caráter fantasmagórico
se encontra no seu valor de troca, logo ao assumir a forma de mercadoria (MARX, 2013).
Nos Manuscritos preparatórios de 1857/58 – Grundrisse – Marx (2011) demonstra como o valor de
troca subverte a relação entre o homem e o seu produto, assim como a relação do homem com os outros
homens. Para Marx (2011), em qualquer sociabilidade, o ser é um ser social, que vive e depende mutuamente
dos outros homens para a satisfação de suas necessidade, “a dependência recíproca e multilateral dos indivídu-
os mutuamente indiferentes forma sua conexão social” (MARX, 2011, p. 105), acontece que, mediante o valor
de troca, ocorre a subordinação do produto do trabalho e do próprio trabalho à troca, tornando assim, a
conexão social entre os indivíduos “[...] um poder social que lhes é estranho, que está acima deles; sua própria
interação [aparece] como processo e poder independentes deles”. (MARX, 2011, p. 144, grifo do autor). Por
essa razão, Marx (2011, p. 105) observa que no MPC “a atividade, qualquer que seja sua forma de manifesta-
ção individual e o produto da atividade, qualquer que seja sua qualidade particular, é o valor de troca, i.e., um
universal em que toda individualidade, peculiaridade, é negada e apagada”. (MARX, 2011, p. 105, grifo do
autor, grifo nosso).

A troca, quando mediada pelo valor de troca e pelo dinheiro, pressupõe certamente a dependência multila-
teral dos produtores entre si, mas ao mesmo tempo o completo isolamento dos seus interesses privados e
uma divisão do trabalho social cuja unidade e mútua complementaridade existem como uma relação natural
externa aos indivíduos, independente deles. (MARX, 2011, p. 106).

Podemos verificar nos Grundrisse (MARX, 2011) a permanência dos aspectos da alienação ressalta-
dos anteriormente nos Manuscritos (MARX, 2015), entretanto, aqui aparecem relacionados com as múltiplas
determinações que compõem a totalidade do MPC. Para o autor (MARX, 2011, p. 106, grifo do autor),

A própria necessidade de primeiro transformar o produto ou a atividade dos indivíduos na forma de valor de
troca, no dinheiro, e o fato de que só nessa forma coisal adquirem e comprovam seu poder social, demons-
tra duas coisas: 1) que os indivíduos produzem tão somente para a sociedade e na sociedade; 2) que sua
produção não é imediatamente social, não é o resultado de associação que reparte o trabalho entre si. Os
indivíduos estão subsumidos à produção social que existe fora deles como uma fatalidade; mas a produção
social não está subsumida aos indivíduos que a utilizam como seu poder comum.

Em O Capital (MARX, 2013, p. 147), na mesma direção, infere que “somente no interior de sua troca
os produtos do trabalho adquirem uma objetividade de valor socialmente igual, separada de sua objetividade de
uso, sensivelmente distinta” e complementa:

Essa cisão do produto do trabalho em coisa útil e coisa de valor só se realiza na prática quando a troca já
conquistou um alcance e uma importância suficientes para que se produzam coisas úteis destinadas à troca
e, portanto, o caráter de valor das coisas passou a ser considerado umas com as outras e com os homens.
Assim se apresentam, no mundo das mercadorias, os produtos da mão humana. A isso eu chamo de
fetichismo, que se cola aos produtos do trabalho tão logo eles são produzidos como mercadorias e que,
por isso, é inseparável da produção de mercadorias. (MARX, 2013, p. 147-148, grifo nosso).

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Acima, observamos que no MPC, o objeto – enquanto trabalho privado – reveste-se de um duplo caráter
social: por um lado é definido de acordo com a sua utilidade – o seu valor de uso, compondo a totalidade do
trabalho social; do outro lado, só satisfaz as necessidades humanas na medida em que pode ser trocada por
qualquer outro trabalho privado útil que a ele se equipara – valor de troca. Neste processo de troca, o produtor
apreende o caráter duplo do produto do seu trabalho apenas sob o aspecto que lhe apresenta, o seu caráter útil,
ou seja, o seu valor de uso. No que se refere ao caráter social do produto – que consiste na igualdade de
diferentes trabalhos definida a partir do dispêndio de força de trabalho necessário para a sua produção –
aparece para o produtor como igualdade de valor entre coisas diversas, dos próprios produtos do trabalho,
independente dele, produtor. Portanto,

[...] os homens não relacionam entre si seus produtos do trabalho como valores por considerarem essas
coisas meros invólucros materiais de trabalho humano de mesmo tipo. Ao contrário. Porque equiparam entre
si seus produtos de diferentes tipos na troca, como valores, eles equiparam entre si seus diferentes traba-
lhos como trabalho humano. Eles não sabem disso, mas o fazem. Por isso, na testa do valor não está escrito
o que ele é. O valor converte, antes, todo produto do trabalho num hieróglifo social. (MARX, 2013, p. 149,
grifo nosso).

Diante do produtor, a mercadoria se apresenta como uma objetividade mística que contém em si a
capacidade de se autovalorizar (MARX, 2013). Nos Grundrisse, Marx (2011, p. 105) afirma que:

O caráter social da atividade, assim como a forma social do produto e a participação do indivíduo na
produção, aparece aqui diante dos indivíduos como algo estranho, como coisa; não como sua conduta
recíproca, mas como sua subordinação a relações que existem independentemente deles e que nascem do
entrechoque de indivíduos indiferentes entre si. A troca universal de atividades e produtos, que deveio
condição vital para todo indivíduo singular, sua conexão recíproca, aparece para eles mesmos, como algo
estranho, autônomo, como uma coisa. No valor de troca, a conexão social entre as pessoas é transformada
em um comportamento social das coisas; o poder pessoal, em poder coisificado.

Da mesma forma, em O Capital (MARX, 2013), o processo de mistificação do mundo das mercadorias
é decorrente do caráter social do trabalho que produz mercadorias, uma vez que os objetos úteis, com os seus
determinados valores de uso – que satisfazem as necessidades humanas – se tornam mercadorias porque são
produtos de trabalhos privados, independentes. O conjunto desses trabalhos privados conformam a totalidade
do trabalho social. Nas palavras de Marx (2013, p. 148): “Como os produtores só travam contato social
mediante a troca de seus produtos do trabalho, os caracteres especificamente sociais de seus trabalhos priva-
dos aparecem apenas no âmbito dessa troca”. Para eles “[...] as relações sociais entre seus trabalhos privados
aparecem como aquilo que elas são [...]” (MARX, 2013, p. 148, grifo nosso), isto é, não como relações
diretamente sociais entre pessoas em seus próprios trabalhos, mas como relações reificadas entre pessoas e
relações sociais entre coisas.
Destarte, a mercadoria é misteriosa pois oculta a essência dos produtos do trabalho humano. As carac-
terísticas sociais dos produtos aparecem enquanto característica materiais inerentes a eles. Na medida em que
encobre a relação social entre os trabalhos individuais dos produtores e o trabalho total, essa relação social
existente se apresenta enquanto algo a margem dos produtores. Portanto,

O caráter misterioso da forma-mercadoria consiste, portanto, simplesmente no fato de que ela reflete aos
homens os caracteres sociais de seu próprio trabalho como caracteres objetivos dos próprios produtos do
trabalho, como propriedades sociais que são naturais a essas coisas e, por isso, reflete também a relação
social dos produtores com o trabalho total como uma relação social entre os objetos, existente à margem dos
produtores. É por meio desse quiproquó que os produtos do trabalho se tornam mercadorias, coisas sensí-
veis-suprassensíveis ou sociais. A impressão luminosa de uma coisa sobre o nervo óptico não se apresenta,
pois, como um estímulo subjetivo do próprio nervo óptico, mas como forma objetiva de uma coisa que está
fora do olho. No ato de ver, porém, a luz de uma coisa, de um objeto externo, é efetivamente lançada sobre
outra coisa, o olho. Trata-se de uma relação física entre coisas físicas. Já a forma-mercadoria e a relação de
valor dos produtos do trabalho em que ela se representa não tem, ao contrário, absolutamente nada a ver
com sua natureza física e com as relações materiais [dinglichen] que dela resultam. É apenas uma relação
social determinada entre os próprios homens que aqui assume, para eles, a forma fantasmagórica de uma
relação entre coisas. (MARX, 2013, p. 147-148).

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Para o comunista alemão (MARX, 2013, p. 150), a descoberta científica do segredo da mercadoria “[...]
elimina dos produtos do trabalho a aparência da determinação meramente contingente das grandezas de valor,
mas não elimina em absoluto sua forma reificada”. Neste sentido, afirma,

O que é válido apenas para essa forma particular de produção, a produção de mercadorias – isto é, o fato de
que o caráter especificamente social dos trabalhos privados, independentes entre si, consiste em sua
igualdade como trabalho humano e assume a forma do caráter de valor dos produtos do trabalho –, continua
a aparecer, para aqueles que se encontram no interior das relações de produção das mercadorias, como algo
definitivo, mesmo depois daquela descoberta, do mesmo modo como a decomposição científica do ar em
seus elementos deixou intacta a forma do ar como forma física corpórea. (MARX, 2013, p. 149).

Portanto, a superação do fetichismo da mercadoria é tarefa de um processo de transformação das


relações sociais baseadas em um modo de produção, que tem como força motriz a produção mercantil. Nas
palavras do autor (MARX, 2013, p. 154), “a figura do processo social de vida, isto é, do processo material de
produção, só se livra de seu místico véu de névoa quando, como produto de homens livremente socializados,
encontra-se sob seu controle consciente e planejado”. Essa compreensão, de que o caráter alienado das
relações sociais só é superado pela livre associação dos homens, Marx (2011) já delineava nos Grundrisse, ao
tratar da alienação do trabalhador frente à introdução da maquinaria no processo produtivo.
Marx (2011) ressalta que o desenvolvimento da maquinaria é a expressão do avanço das forças produ-
tivas a tal ponto que o trabalho se constitui como um “[...] mero elemento do processo de trabalho [...]”
(ROSDOLSKY, 2001, p. 353). Por outro lado, esse mesmo desenvolvimento cria as condições para que o
dispêndio da força de trabalho se reduza ao mínimo. No sentido contrário à sociedade baseada no valor de
troca – em que as máquinas enfrentam o trabalhador como um poder hostil – em uma sociabilidade em que as
forças produtivas sejam propriedade dos trabalhadores associados, e logo, o trabalho deixa de ser fonte de
riqueza, surge a possibilidade de, agora, desenvolver livremente as individualidades e a redução do trabalho a
um mínimo passa a corresponder “[...] à formação artística, científica etc. [...]” e não mais como forma de
extração de mais-valor (MARX, 2011, p. 707).
Neste sentido, para Marx (2011, p. 109), o desenvolvimento do mercado mundial, da universalização do
intercâmbio entre os homens, ainda que “[...] sob ponto de vista dado, não suprima a condição estranhada, dá
lugar a relações e conexões que contêm em si a possibilidade de abolir o antigo ponto de vista”. Aqui, Marx
(2011), em uma das passagens mais inspiradoras dos Grundrisse, ressalta o aspecto positivo do desenvolvi-
mento das formas de intercâmbio na superação do modo socialmente determinado, portanto, destaca:

É igualmente certo que os indivíduos não podem subordinar suas próprias conexões sociais antes de tê-las
criado. Porém, é absurdo conceber tal conexão puramente coisificada como a conexão natural e espontâ-
nea, inseparável da natureza da individualidade (em oposição ao saber e ao querer reflexivos) e a ela
imanente. A conexão é um produto dos indivíduos. É um produto histórico. Faz parte de uma determinada
fase de seu desenvolvimento. A condição estranhada [Fremdartigkeit] e a autonomia com que ainda existe
frente aos indivíduos demonstram somente que estes estão ainda no processo de criação das condições de
sua vida social, em lugar de terem começado a vida social a partir dessas condições. É a conexão natural e
espontânea de indivíduos em meio a relações de produção determinadas, estreitas. Os indivíduos univer-
salmente desenvolvidos, cujas relações sociais, como relações próprias e comunitárias, estão igualmente
submetidas ao seu próprio controle comunitário, não são um produto da natureza, mas da história. (MARX,
2011, p. 109-110, grifo do autor, grifo nosso).

É nessa perspectiva que Marx (2011) vislumbra a superação da forma como se estabelecem as relações
entre os homens na sociedade baseada no valor de troca, na medida em tais relações representam somente um
determinado estágio de desenvolvimento.
Ainda que em O Capital (MARX, 2013) a terminologia alienação do trabalho não desempenhe o
papel central como nos Manuscritos, Marx, ao apresentar a mercadoria, “[...] evidencia a independência do
produto em relação aos produtores, [ali] a questão da alienação está posta, de saída, sem que Marx faça
menção explícita a ela”. (HALLAK, 2018, p. 59). Sánchez Vásquez (2007, p. 427), ressalta que no texto de
1867 a relação de alienação entre o produtor e os produtos do seu trabalho “é suposta e, inclusive, em algumas
ocasiões exposta; Marx, com efeito, não deixa de mostrar às vezes como é afetado o trabalhador concreto,
singular, como homem, isto é, em sua dignidade humana”. Em ambos os textos, o que está em jogo para Marx
é o fato de que as condições de objetivação – a relação entre sujeito e objeto – se desenvolvem a partir de
relações sociais de produção determinadas, onde os homens “permanecem separados dos produtos em que se

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objetivam, e esses se tornam autônomos, escapam ao controle humano [...] e se apresentam com um poder
próprio”. (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2007, p. 427).
Assim, entendemos que a descoberta realizada por Marx em 1844, da “raiz fundamental e primária do
complexo fenomênico da alienação – com a propriedade privada, a divisão do trabalho e a produção mercantil”
(PAULO NETTO, 2017, p. 170) é válida para todo o ciclo histórico de vigência do domínio do capital, porém,
adquire formas inéditas no decorrer do seu desenvolvimento.
É com esta apreensão que se evidencia que “[...] a concepção de alienação não foi substituída pelo
fetichismo das mercadorias, porque este representa somente um aspecto particular dela”. (MUSTO, 2014, p.
88). Ou seja, alienação e fetichismo não são idênticos, uma vez que a alienação é uma categoria muito mais
ampla, não se limitando ao caráter fetichista das mercadorias. Este “[...] implica a alienação, realiza uma
alienação determinada e não opera compulsoriamente a evicção das formas alienadas mais arcaicas. O que ele
instaura, entretanto, é uma forma nova e inédita que a alienação adquire na sociedade burguesa constituída
[...]” (PAULO NETTO, 1981, p. 75, grifo do autor). Portanto, o caráter fetichista da mercadoria necessaria-
mente implica a alienação, na medida em que “somente quando o produto do homem se aliena do seu produtor
e aparece como um objeto independente dele é que pode surgir a situação mistificadora [do fetichismo]”.
(SCHAFF, 1967, p. 135 apud PAULO NETTO, 1981, p. 75).

Considerações finais

Partimos do pressuposto de que a teoria da alienação contida nos Manuscritos de 1844 constitui um
ponto fundamental que expressa a aproximação de Marx com a economia política, enquanto as formulações
sobre o fetichismo, nos Grundrisse e n’O Capital, são uma
continuidade e uma superação do que Marx iniciou nos Ma-
nuscritos, na medida em que o fetichismo da mercadoria ex- Partimos do pressuposto de
pressa a manifestação particular da alienação nos moldes da
sociedade burguesa desenvolvida. que a teoria da alienação
A concepção de alienação presente nos Manuscritos é
resultado dos primeiros estudos marxianos acerca dos clássicos contida nos Manuscritos de
da economia política, portanto, ela contém limitações teóricas e
objetivas. Teóricas, no sentido de que Marx ainda não se apro- 1844 constitui um ponto
priara das categorias econômicas – dentre elas a categoria va- fundamental que expressa a
lor de troca que como vimos é fundamental para a descoberta
do fetichismo; objetivas, no sentido de que as relações sociais aproximação de Marx com a
burguesas não haviam desenvolvido todas as suas “[...] múlti-
plas determinações [...]” (MARX, 2011, p. 18), que permitiriam economia política, enquanto as
a Marx, posteriormente, apreender as formas de expressão da
alienação insuspeitadas em 1844 (PAULO NETTO, 2017). formulações sobre o
Vimos que, para Marx (2015), o trabalho é a atividade
produtiva por meio da qual o homem transforma o mundo ao fetichismo, nos Grundrisse e
passo que transforma a si mesmo. É a “[...] própria vida pro-
dutiva [...]” é a “[...] vida que gera vida”. (MARX, 2015, p. n’O Capital, são uma
312). Porém, a realização do trabalho nas condições da pro- continuidade e uma superação
priedade privada, da divisão do trabalho e da produção mer-
cantil, aparece como desrealização do trabalhador, “[...] a do que Marx iniciou nos
objetivação como perda do objeto e servidão ao objeto, a
apropriação como alienação, como exteriorização”. (MARX, Manuscritos, na medida em que
2015, p. 304, grifo do autor). Em outro momento, nos
Grundrisse, Marx (2011), nesta mesma linha de raciocínio, o fetichismo da mercadoria
ressalta que em relações sociais estreitas, essa atividade pro-
dutiva reveste-se do seu caráter alienado, onde do ponto de expressa a manifestação
vista do trabalho “[...] aparece [...] como processo de aliena-
ção [...]” e do ponto de vista do capital, como “[...] apropria-
particular da alienação nos
ção do trabalho alheio [...]” (MARX, 2011, p. 930). moldes da sociedade burguesa
Nos Grundrisse e no Livro I d’O Capital, Marx (2011,
2013) introduz na problemática da alienação duas categorias desenvolvida.
econômicas fundamentais para o desenvolvimento da sua in-

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vestigação do MPC, quais sejam, o valor de uso e o valor de troca. O autor destaca que “como valor de uso,
o trabalho só existe para o capital e é o valor de uso do próprio capital, i.e., a atividade mediadora pela qual
ele se valoriza”, consequentemente, o trabalho não existe para o trabalhador como valor de uso, ou seja, “[...]
não existe para ele como força produtiva da riqueza [...]”. O trabalhador leva a si mesmo como valor de uso
para a troca com o capital “[...] que assim não se lhe confronta como capital, mas como dinheiro”. (MARX,
2011, p. 240, grifo do autor). Nesse ato da troca – que se estabelece por meio do contrato de trabalho – o
trabalho vivo é subsumido ao capital e, assim, é incorporado à essência do capital (DUSSEL, 2012).
Marx (2013) expõe aqui o movimento da mercadoria e suas metamorfoses ao longo do desenvolvimento
das relações de troca, questiona o caráter místico que os produtos do trabalho humano assumem assim que se
tornam mercadorias. Ao analisar esse movimento, nosso autor (MARX, 2013) descobre que como valor de uso
– como um objeto que satisfaz as necessidades humanas – a mercadoria nada possui de misterioso. O segredo
está no valor de troca que esconde as características sociais da mercadoria, ou seja, esconde a sua configura-
ção como dispêndio de trabalho humano, assim, esconde aquilo que lhe determina valor. Para Marx (2013, p.
147), com a universalização das mercadorias, “[...] as relações entre os produtores, nas quais se efetivam
aquelas determinações sociais de seu trabalho, assumem a forma de uma relação social entre os produtos do
trabalho”, este fenômeno, em que a relação entre o produto e o produtor aparece como uma relação entre
coisas, Marx (2013) denomina de fetichismo da mercadoria o caráter místico que encobre as relações sociais
de produção. Assim, podemos observar o caminho que levará Marx ao fetichismo da mercadoria como uma
das expressões da alienação no modo de produção capitalista desenvolvido.
Marx (2011) demonstra como o valor de troca subverte a relação entre o homem e o seu produto, assim
como a relação do homem com os outros homens a partir do momento em que a sua conexão social não é
natural, livre, mas, sim, mediada pelo valor de troca. Podemos observar a permanência dos aspectos da aliena-
ção ressaltados anteriormente nos Manuscritos, mas nos Grundrisse e no Livro I d’O Capital aparecem
com maior precisão teórica e relacionado com as múltiplas determinações que compõem a totalidade do MPC.
Entretanto, é necessário considerar que as formulações presentes nos Grundrisse expressam um momento de
investigação de Marx, momento em que “[...] tem de se apropriar da matéria em seus detalhes, analisar suas
diferentes formas de desenvolvimento e rastrear seu nexo interno”. (MARX, 2013, p. 90). Portanto, partilha-
mos da compreensão de que por meio dos Grundrisse “[...] foi possível reconstruir o percurso de elaboração
dos escritos de juventude aos de O Capital”. (MUSTO, 2014, p. 82). O que encontramos em O Capital é a
exposição do movimento real do objeto analisado, por isso, podemos encontrar no fetichismo da mercadoria
a essência por traz da aparência do mundo das mercadorias, onde estas aparecem para os seus produtores
como coisas, independentes do trabalho humano.
Para Marx, nos Manuscritos de 1844, se a alienação “procede por meios práticos, só meios igualmente
práticos poderão superá-la [...]” (PAULO NETTO, 2015, p. 75), por essa razão, a superação da propriedade
privada é a apropriação da vida humana, isto é, o regresso do homem à sua existência humana e social. O
comunismo para Marx – neste primeiro momento da sua trajetória intelectual – é a supressão positiva da propri-
edade privada e, necessariamente, implica em outra forma de produzir a vida social, isto é, um novo modo de
produção, na medida em que o modo de produção vigente não permite que o homem se realize como tal. Nos
Grundrisse e em O Capital, sem abandonar essa perspectiva, Marx amplia a sua compreensão de superação da
alienação e conseguinte, das relações fetichizadas. A superação dos processos alienantes que se desenvolvem no
bojo do MPC só é possível na livre associação dos trabalhadores por meio da retomada das condições materiais
de produção, por meio de um movimento prático, isto é, por uma revolução que transforme radicalmente as
relações sociais em que estão postas as condições para a alienação e, consequentemente, para o fetichismo.

Referências

DUSSEL, E. A produção teórica de Marx: um comentário aos Grundrisse. São Paulo: Expressão Popular, 2012.
HALLAK, M. Alienação do trabalho em Marx: dos Manuscritos de 1844 a O capital. Verinotio – Revista on-line de Filosofia e Ciências
Humanas, Rio das Ostras, ano 13, v. 24, n. 1, p. 58-73, abr. 2018.
KONDER, L. Marxismo e alienação: contribuição para um estudo do conceito marxista de alienação. São Paulo: Expressão Popular,
2009.
MARX, K. O capital: crítica da economia política: livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013.
MARX, K. Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858: esboços da crítica da economia política. São Paulo: Boitempo; Rio de
Janeiro: Editora UFRJ, 2011.
MARX, K. Cadernos de Paris & manuscritos econômicos-filosóficos de 1844. São Paulo: Expressão Popular, 2015.
MÉSZÁROS, I. A teoria da alienação em Marx. São Paulo: Boitempo, 2016.

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MUSTO, M. Revisitando a concepção de alienação em Marx. In: DEL ROIO, M. (org.). Marx e a dialética da sociedade civil. Marília:
Oficina Universitária; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2014. p. 61-93.
PAULO NETTO, J. Capitalismo e reificação. São Paulo: Ciências Humanas, 1981.
PAULO NETTO, J. Da recepção dos Manuscritos de 1844. In: BRAZ, M. (org.). José Paulo Netto: ensaios de um marxista sem
repouso. São Paulo: Cortez, 2017. p. 166-174.
PAULO NETTO, J. Marx em Paris. In: MARX, K. Cadernos de Paris & manuscritos econômico-filosóficos de 1844. São Paulo:
Expressão Popular, 2015. p. 9-178.
ROSDOLSKY, R. Gênese e estrutura de O capital de Karl Marx. Rio de Janeiro: EDUERJ: Contraponto, 2001.
SÁNCHEZ VÁZQUEZ, A. Filosofia da práxis. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales; São Paulo: Expressão
Popular, 2007.

Notas

1 As reflexões contidas neste artigo resultam de um dos capítulos da Dissertação de Mestrado intitulada Uma Aproximação às Categorias da
Alienação, Fetichismo e Consciência em Marx, defendida no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de
Fora, de autoria de Jéssica Ribeiro Duboc sob orientação da Prof.ª Dr.ª Maria Lúcia Duriguetto.
2 Portanto, o trabalho é a atividade consciente livre que diferencia o homem do animal, tendo em vista que: “O animal é imediatamente um com a
sua atividade vital. Não se diferencia dela, é ela. O homem faz a sua própria atividade vital objeto da sua vontade e da sua consciência. Tem atividade
vital consciente. Não é uma determinidade com a qual ele se confunda imediatamente. A atividade vital consciente diferencia imediatamente o
homem da atividade vital animal. Precisamente apenas por isto ele é um ser genérico. Ou ele só é um ser consciente, i.e., a sua própria vida é para
ele objeto, precisamente porque ele é um ser genérico. Só por isso a sua atividade é atividade livre”. (MARX, 2015, p. 312).
3 É importante observar que aqui Marx desenvolve o duplo aspecto do trabalho na produção de mercadorias, qual seja, trabalho abstrato e trabalho
concreto útil. Para o autor (MARX, 2013, p. 118-119), “todo trabalho é, por um lado, dispêndio de força humana de trabalho em sentido
fisiológico, e graças a essa sua propriedade de trabalho humano igual ou abstrato ele gera o valor das mercadorias. Por outro lado, todo trabalho é
dispêndio de força humana de trabalho numa forma específica, determinada à realização de um fim, e, nessa qualidade de trabalho concreto e útil,
ele produz valores de uso”.

Jéssica Ribeiro Duboc


[email protected]
Mestrado em Serviço Social pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de
Juiz de Fora (UFJF)
Doutoranda em Serviço Social pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Escola de Serviço
Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

UFRJ
Escola de Serviço Social
Av. Pasteur, 250 – Urca
Rio de Janeiro – Rio de Janeiro – Brasil
CEP: 22.290-240

Maria Lúcia Duriguetto


[email protected]
Doutorado em Serviço Social pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Escola de Serviço Social
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Professora Associada da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)

UFJF
Rua José Lourenço Kelmer, s/n – Campus Universitário – São Pedro
Juiz de Fora – Minas Gerais – Brasil
CEP: 36.036-900

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Agência financiadora Aprovação por Comitê de Ética e consentimento para parti-


Jéssica Ribeiro Duboc: a pesquisa foi desenvolvida durante o cipação
mestrado, com a bolsa oferecida pela Universidade Federal de Não se aplica.
Juiz de Fora no período de 09/2017 a 03/2018, não possui núme-
ro ou protocolo, não foi financiada por projeto específico. Consentimento para publicação
Maria Lúcia Duriguetto: bolsista CNPq PQ2, número 303016/ Não se aplica.
2015-9.
Conflito de interesses
Contribuições das autoras Não há conflito de interesses.
Ambas as autoras participaram da construção e redação do artigo
que é fruto de uma pesquisa desenvolvida no mestrado em Servi-
ço Social pela autora Jéssica Ribeiro Duboc sob orientação da
autora Prof.ª Dr.ª Maria Lúcia Duriguetto.

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