Investigações em Ensino de Ciências – V12(2), pp.
227-261, 2007
APRESENTAÇÃO E REPRESENTAÇÃO DE FENÔMENOS BIOLÓGICOS A
PARTIR DE UM CANTEIRO DE PLANTAS
(Presentation and representation of biological phenomena from a vegetable garden)
UNESP- Programa de Pós Graduação em Educação para a Ciência
Departamento de Educação da Faculdade de Ciências – Campus de Bauru
Selma Rosana Santiago Manechine
UNESP - Doutoranda do Programa de Pós Graduação para a Ciência –Faculdade de Ciências
Campus Bauru
Resumo
O presente trabalho propõe uma metodologia para o ensino de ciências naturais
baseada na tríade perceber/relacionar/conhecer. A análise realizada fundamentou-se no
referencial da semiótica de Charles Sanders Peirce (1839-1914). A pesquisa foi desenvolvida
com alunos da terceira série do ensino fundamental e mostra que a metodologia adotada
possibilita-os perceber, estabelecer relações e conhecer fenômenos naturais construídos a
partir das seqüências vivenciadas.
Palavras chaves: ensino de ciências, semiótica, relação pensamento e linguagem.
Abstract
This paper proposes a methodology for science education based on the triad
perceive/associate/experience. The analysis performed relied upon Charles Sanders Peirce’s
semiotics framework. The research was develop at elementary school (nine-yar old students)
showing that the described methodology enable them the students to percieve, to set up
relationships and to experience the natural phenomena, built up from the experienced
sequences.
Key-words: science education, semiotics, thougt and language relationship.
Introdução
Um objetivo a ser alcançado pela Didática das Ciências é o de articular metodologias
de ensino com processos de aprendizagem. Nesse contexto o presente trabalho procurou
investigar como alunos constroem e representam conceitos a partir de um contexto
experencial -um canteiro de plantas - em que conteúdos de Ciências e Matemática foram
explorados por integrantes de uma terceira série do ensino fundamental.
Entendemos que o ensino de conhecimentos científicos precisa ser pesquisado a partir
das relações constituídas entre Didática e Epistemologia. Desse modo, procuramos explorar
essas dimensões calcadas no suporte lógico de construção de conhecimento. Para tanto,
buscou-se inter-relacionar o papel da experiência nos contextos de aprendizagem, da
mediação simbólica das diferentes linguagens e do eixo interdisciplinar que permeia essa
construção.
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Referencial teórico
Para subsidiar essa investigação, utilizamos o referencial teórico de Charles Sanders
Peirce, tendo a teoria sígnica como suporte de cognição e sua possível representação para se
traçar programas de conduta que busquem interpretar a realidade bem como, a compreensão
sobre o papel da experiência humana “ na” e para “a construção do conhecimento”.
Peirce, como fundador do pragmatismo rejeita o puro empirismo e o nominalismo.
Concorda com Dewey e William James de que a inteligência humana diz respeito ao
conhecimento oriundo da experiência, mas não aceita automatismos nem metodologias que
levem ao condutivismo. Denominou categorias os tipos de experiências fundamentais do
entendimento humano, podendo a partir delas construir representações. Denominou-as de
primeiridade, secundidade e terceiridade (SHOOK, 2002).
As três categorias foram o ponto de partida da semiótica e, através delas, estudou os
domínios do real. As três categorias são assim descritas:
a) Primeiridade – referindo-se aquilo que se apresenta de forma livre,
espontânea, nova, meras sensações;
b) Secundidade – referindo-se à presença do outro, da existência, da ação-
reação;
c) Terceiridade – referindo-se à característica do continuo, do pensamento e da
lei, da aprendizagem, do pensamento, da generalidade e da abstração.
(PEIRCE, 1972)
A teoria de Peirce é composta de textos que são elaborados e detalhados, com
descrições e argumentações que vão passo a passo contribuindo rigorosamente para o seu
entendimento. Devem ser analisados em conjunto com toda a sua obra, para evitarmos
julgamentos e afirmações que não correspondem ao caráter formal e lógico de seu
pensamento. Essa advertência é feita, aqui, no sentido de alertar sobre a necessidade de buscar
nos originais os meandros da sua arquitetura teórica. Os elementos recortados sustentarão as
discussões da presente pesquisa e foram selecionados com esse propósito.
Para o autor não há uma faculdade intuitiva que possa distinguir uma cognição
mediada por conhecimentos prévios de uma intuição. Não há também necessidade de uma
intuição, uma vez que, a intuição pode ser resultado de inferências e, portanto não temos a
faculdade intuitiva de distinguir diferentes modos subjetivos da consciência. Portanto, inexiste
razão para supor um poder de introspecção, indicando que o único caminho de investigação é
através da inferência de fatos externos. Não se apresentam, pois à mente, novas formas
cognitivas que não sejam determinadas por uma cognição prévia, reafirmando que não
podemos pensar sem signos.
A partir dessas considerações Peirce desconstrói a tese cartesiana que foi elaborada
apoiada no poder da introspecção ou intuição e apresenta os princípios básicos em oposição
ao espírito cartesiano, a saber:
• Não temos o poder da introspecção, mas todo conhecimento do mundo
interior é derivado por raciocínio hipotético por meio de nossos
conhecimentos de fatos externos;
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• Não temos o poder de intuição, mas toda cognição é determinada
logicamente por cognições prévias;
• Não temos o poder da pensar sem signos;
• Não temos concepção do absolutamente incognoscível.
Assim, o autor afirma que o conhecimento é derivado de nossa experiência mediata de
mundo, a partir de outros conhecimentos já adquiridos de forma mais simples, num processo
contínuo.
O terceiro princípio traz como conseqüências a idéia de que, ao pensarmos, temos na
consciência alguma imagem, sentimento, concepção, que nos serve como signo, funcionando
como manifestação fenomenal própria. “O signo tem três referências: primeira, é um signo
para algum pensamento que o interpreta; segundo é um signo de algum objeto no qual em
pensamento é equivalente; terceiro, é um signo, que em algum aspecto ou qualidade, coloca-o
em conexão com seu objeto” (PEIRCE, 1995, p.269).
Em relação aos processos cognitivos, Peirce considera duas propriedades dos signos:
a) o signo não é idêntico à coisa significada e sim difere em certos aspectos, apresentando
caracteres que pertencem a ele somente e não consegue chegar à totalidade de sua função
representativa, não dando conta da qualidade total material do objeto; b) o signo é capaz de
associar-se com outro signo do mesmo objeto ou com o próprio, propriedade essa,
denominada de aplicação demonstrativa do signo. A função representativa do signo não reside
em sua qualidade material e também não está em sua pura aplicação demonstrativa, pois é
alguma coisa que o signo é, não em relação a si mesmo ou em relação ao seu objeto, mas sim
o que é, em relação a um pensamento. (PEIRCE,1995)
Afirma que nenhum pensamento tem valor em si mesmo, mas sim em relação aos
pensamentos subseqüentes. Assim existiriam no pensamento três elementos: a função
representativa, a relação de um pensamento com outro e a maneira pelo qual ele é sentido. Ou
seja: representação, relação e qualidade.
Habermas (1991) interpreta os conceitos de representação sígnica em Peirce, e sua
função epistêmica. Ainda que não haja referencias diretas na obra peirceana sobre a relação
entre apresentação e representação é possível identificar as premissas fundamentais como
aponta o autor:
De forma a conseguir desempenhar devidamente a função de
apresentação, um signo deve, em simultâneo, poder ser ele
mesmo interpretado. (...) a referência epistêmica do signo a algo
existente no mundo enquanto ele próprio não puder, ao mesmo
tempo, dirigir-se ao espírito que interpreta, isto é, enquanto não
puder ser utilizado para fins comunicativos.Sem
comunicabilidade qualquer forma de representação é impossível
de acontecer e vice-versa. (HABERMAS, p.11-12)
Esse entendimento faz com que seja possível, ainda segundo Habermas, interpretar
que, no paradigma do pensamento representativo, o mundo objetivo é concebido como o
possível de ser representado e o mundo subjetivo como a esfera de nossas representações.
Para o autor, a filosofia de Peirce destrói essa estrutura interpretando o conceito de
representação que deixa de ser binário e surge a tríade da apresentação mediadora de signos.
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Dessa forma, a perspectiva psicológica é substituída pela perspectiva semântica: no lugar da
relação sujeito-objeto surge a relação entre linguagem e mundo (HABERMAS 1991;p.16).
A síntese desses princípios implica dizer que o pensamento é um processo mediado
por signos e em conexão com a ação humana no mundo.
Os estudiosos da sua obra demonstram que Peirce entendia a não existência da
intuição e enfatizava a interação com o ambiente como sendo fundamental. Essa idéia não
implica o empirismo, mas o pragmatismo, em que intelecto, consciência, pensamento e
processos psíquicos são funções naturais do cérebro, em interação ativa com o meio,
representando o grau de sucesso na sobrevivência humana (SHOOK, 2002).
Em outras palavras, a semiótica é uma ciência rigorosa e formal que por via dedutiva
demonstrará suas conclusões. Seus objetos que são os signos pertencem ao universo
fenomenológico e só é alcançado através de manifestações empíricas, distinguindo-se da pura
produção da razão. É preciso, ainda que dependente da razão, buscar suas explicações no
universo da experiência. A semiótica objetiva estabelecer como devem ser todos os signos
para uma inteligência capaz de aprender através da experiência. (SILVEIRA, 1992).
Dentre as várias definições de signo realizadas por Peirce, selecionamos a seguir:
(...) um signo, ou representamem, é algo que, sob certo aspecto ou de
algum modo, representa alguma coisa para alguém. Dirige-se a
alguém, isto é, cria na mente dessa pessoa um signo equivalente ou
talvez um signo melhor desenvolvido. Ao signo, assim criado
denomino interpretante do primeiro signo. O signo representa alguma
coisa, seu objeto. Coloca-se no lugar desse objeto, não sob todos os
aspectos, mas com referencia a um tipo de idéia que tenha, por vezes,
denomino o fundamento dos representamens “. (PEIRCE, 1995, p.46)
A teoria peirceana dos signos é baseada na convicção de que a relação sígnica é
fundamentalmente triádica, isto é, pautada na relação entre signo (representamem), objeto e
interpretante. Essa definição de signo pode ser amplamente aplicada, pois, para Peirce, “o
universo inteiro está permeado de signos, se é que ele não é composto apenas de signos” (CP
5.448)1. Assim também todo pensamento se dá em signos e não há pensamento sem signos.
Para Peirce, o interpretante é caracterizado como regra e hábito, pelo qual o signo é
transformado em outro signo. O conhecimento faz-se mediante signos e no decorrer da
experiência, como forma mediadora entre a conduta e o objeto.
Santaella (2001) entende que os signos estudados por Peirce são gerais e abstratos e
podem fundamentar quaisquer linguagens manifestas.
Logicamente alicerçados nas classes de signos e estes, por sua vez,
alicerçados nas categorias fenomenológicas, as matrizes das
linguagens, menos abstratas do que as classes de signos, já apontam
para os campos de manifestação dessas classes de signos em
linguagens manifestas, tais como a música, as diferenciadas formas de
visualidade e o discurso verbal. Sendo os signos mais abstratos do que
1
(CP 5.448)-indica Collected Papers : o primeiro número corresponde ao volume da obra compilada do autor e o
segundo numero ao parágrafo da citação. Essa forma de citação é usual para as obras de Peirce.
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as matrizes das linguagens, tem-se aí as bases para as variadas
modalidades em que cada uma das matrizes - sonora, visual e verbal -
se desmembra. (SANTAELLA, 2001, p.56-57)
A autora propõe as matrizes verbais, visuais e sonoras como matrizes do pensamento e
linguagem, baseada nas categorias fenomenológicas e universais de Peirce.
As relações da semiótica com as diferentes linguagens parece-nos evidente uma vez
que é a ciência que se ocupa de todos os tipos de signos e conseqüentemente de pensamentos,
o que nos faz imediatamente traçar uma outra relação que se apresenta: a possibilidade de a
partir da semiose, isto é, a ação do signo, investigarmos processos cognitivos.
(SANTAELLA, 1993).
Como vimos, a semiose é um processo mental continuo e para representá-lo o
investigador fica limitado às linguagens que o expressa. O pesquisador deve se conscientizar
que a utilização dos instrumentos de pesquisa depende das linguagens que dão suporte aos
pensamentos sem, no entanto, dar conta de representá-lo em toda plenitude, eis os limites que
a cadeia de semiose nos impõe enquanto pesquisadores.
Assim, ao se utilizar um número significativo de linguagens, o universo de
investigação do perquiridor aumenta na medida em que as linguagens possibilitam-lhe o
aporte necessário às suas representações mentais. Essas representações dependem de como
um signo afeta a mente do pesquisador. Ou seja, o olhar do investigador é sempre “um olhar
cismado”.
O processo de semiose sempre é dinâmico. Envolve criação constante de interpretantes
o que requer do pesquisador um repertório teórico consistente que lhe possibilite, a partir do
diagrama e das categorias semióticas peirceanas, efetuar uma leitura (verbal e não-verbal) do
fenômeno, leitura essa que deve ser dialógica, não-linear, atentando para as possíveis
polissemias discursivas.
As etapas desse percurso gerativo de interpretantes podem ser assim descritas:
• O pesquisador, observador, parte de percepções sincréticas sensoriais que lhe
despertam o objeto de análise sem estabelecer vínculos com os possíveis
conflitos com o real;
• A seguir, em contato com o real e com os conflitos gerados por ele, busca,
nas percepções indiciais, elementos que lhe permita relacionar os dados
“difusos” obtidos na etapa posterior aos elementos agora engendrados a fim
de perquirir as possíveis alternativas para resolvê-los;
• Por fim e ao cabo, elabora hipóteses abertas para desvelar o Objeto
pesquisado tendo em mente alcançar um interpretante formal que lhe garanta
uma possível explicação a qual será retomada em pesquisas posteriores;
Uma proposta de investigação
Para subsidiar a investigação aqui pretendida elaboramos um diagrama, representando
o conjunto das relações fenomênicas a serem observadas.
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Os diagramas e categorias são as formas possíveis de representar nossa experiência no
interior da semiótica. O objeto presente no mundo não é pela semiótica produzido, colhe-o
através da observação, (a sensibilização), por meio das inferências estabelecem-se as relações
para o fenômeno observado e por fim, chega-se a um objeto dinâmico possível de ser
formalizado. A relação com o objeto é a concretização da semiótica. O signo representa o
objeto e será genuíno, se o signo puder representar ou efetivar objeto em todas as suas
dimensões e degenerado se não puder realizar essa representação. Propomos para o presente
estudo o seguinte diagrama.
Neste diagrama, as letras R, O, I, constituem os três correlatos que definem o signo,
designadas por relações de: representamen, objeto e interpretante.
Nas relações de representamen, no domínio da primeiridade, localiza-se a percepção,
como representante da potencialidade de tudo que é possível de ser realizado, que é
indiferenciado, um continuum de possibilidades. O objeto corresponde às relações de
secundidade, em nível da significação, em que as relações dos alunos com os fenômenos
naturais se confrontam. As relações de interpretante apresentam-se através da formalização
possível das idéias, que os alunos geraram no confronto com as relações obtidas,
possibilitando ressignificá-las.
As flechas representam as relações que percorrem o diagrama e que são constituídas
pela mediação das diferentes linguagens, isto é, as linguagens visuais, sonoras, verbais, táteis.
O circulo externo representa o continuum do processo epistemológico que fundamenta a
cognição de fenômenos naturais.
A estrutura desse diagrama idealizado, para alicerçarmos o estudo pretendido permite-
nos indicar a primeira categoria que nos apresenta: a percepção. É ela que se faz presente
primeiramente na visualização, na escuta, na apreensão de cores, formas, movimentos, na
sensação tátil e na expressão das emoções que acompanham o atentar para os fenômenos
naturais.
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Em nível de secundidade, a categoria presente, que mantém em seu interior as
possíveis relações a serem estabelecidas pelos alunos no decorrer do estudo dos fenômenos
naturais observáveis, é a da significação.
Em nível de terceiridade, a categoria ressignificação será entendida como o processo
de construção do raciocínio. Para Peirce, o conhecimento é racionalidade e o ideal do
raciocínio será seguir os métodos para que o conhecimento se desenvolva mais rapidamente.
As concepções organizadas, segundo a tríade do autor, tornam possível pesquisar o
desenvolvimento do raciocínio científico de acordo com as categorias: a) abdutivo – ou da
construção de hipóteses; b) indutivo – ou da verificação das hipóteses e; c) dedutivo – ou do
desdobramento das implicações lógicas das hipóteses
Tomando, pois, o aprender juntos como o avançar ou refutar metodicamente hipóteses,
tomamos do interior de nossa experiência docente a idéia nascente, de que uma metodologia
para o ensino de Ciências Naturais deve ser constituída a partir da tríade
perceber/relacionar/conhecer e, ao colocá-la em prática, devemos investigar o potencial de
ensino através das manifestações de aprendizagem. Quais categorias para analisar o processo
de aprendizagem deveriam ser consideradas no interior dessa experiência didática? Com
certeza aquelas que permitem verificar se um pensar reflexivo, contínuo, investigativo está
sendo construído relacionalmente aos conceitos científicos vinculados às praticas sociais.
Na teoria peirceana a lógica da investigação é instaurada a partir de sua tríade do
raciocínio:
Abdução, Indução e Dedução. A Dedução é o único raciocínio
necessário... Ela principia-se de uma hipótese, cuja verdade ou
falsidade nada tem a ver com o raciocínio... A indução é o teste
experimental de uma teoria. Sua justificação é que, embora a
conclusão, em qualquer estágio da investigação, possa ser mais ou
menos errônea, a aplicação continuada do mesmo método deve
corrigir o erro. A única coisa que a indução perfaz é determinar o
valor de uma quantidade. Ela parte de uma teoria e avaliar seu grau de
concordância com os fatos. Ela nunca pode dar origem a qualquer
idéia que seja. Nem o fazer a Dedução. Todas as idéias da Ciência
surgem através de Abdução. (C.P.5.145)
Abdução é o processo de formação de uma hipótese explanatória. É a
única operação lógica que apresenta uma idéia nova, pois a indução
nada faz além de determinar um valor, e a dedução meramente
desenvolve as conseqüências necessárias de uma hipótese “pura”.
(C.P. 5.171)
Os termos Dedução, Indução e Abdução podem parecer pretensiosos para serem
utilizados como categorias de análise em processo de ensino-aprendizagem em se tratando de
crianças de séries iniciais. No entanto, o pensamento, para Peirce, desenvolve-se no interior
da experiência e para ela retorna.
A experiência é o próprio processo de aprendizagem, na medida em que alimenta os
pensamentos com a possibilidade de enfrentamento ao real, estabelecendo relações e geração
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de interpretantes: selecionando-os e tornando as idéias claras. O pensar lógico é, assim, uma
habilidade que estabelecida vai se complexificando no decorrer de contínuas experiências de
aprendizagem frutíferas. Essa habilidade não pode ser negligenciada na formação de nossos
alunos. Enfim, o elemento da lógica deve ser um dos componentes que embase as escolhas
que a sociedade nos impõem constantemente.
O objeto proposto na presente pesquisa centra-se na análise de uma metodologia de
ensino, elaborada partir desse diagrama composto pela tríade
percepção/significação/ressignificação. Nomeamos essa metodologia de
perceber/relacionar/conhecer, conforme as fases de representação dos fenômenos que
entendemos ocorrer mentalmente.
Metodologia da Pesquisa
Para viabilizar essa investigação, selecionou-se uma escola estadual que oferece a
Educação Básica para as séries iniciais. Após as devidas aprovações da direção, foi-nos
indicada à turma de 32 alunos de terceira série com que poderíamos trabalhar. A professora da
sala, indicada pela diretora, foi contatada. Propusemos oferecer atividades didáticas de
Ciências e Matemática que não interferissem no planejamento docente. Solicitou-nos então,
que deveríamos trabalhar conceitos de medidas e relações entre os seres vivos (que são
conteúdos normalmente dispostos nessa série).
As duas pesquisadoras realizaram observações, no entorno da escola e no seu interior,
procurando detectar espaços possíveis de trabalhar esses conceitos de forma integrada. Um
canteiro triangular, não utilizado pelo hortelão da escola e repleto de plantas, foi o objeto de
estudo escolhido.
É muito comum e fácil de ser observada a presença de plantas chamadas popularmente
de “ervas daninhas”, “matos”, “pragas”, em vasos, em jardins, dentre outros locais. O senso
comum diz que essas plantas devem ser retiradas, pois atrapalham o desenvolvimento das
demais. Além disso, dizem que essas plantas destroem a organização estética dos vasos e
jardins, pois crescem entre as plantas ornamentais, sem que ninguém tenha planejado o seu
plantio.
Biologicamente sabemos que fatores como luz, temperatura e umidade são
determinantes para a sobrevivência de plantas e, de outros seres vivos. Os organismos
viventes desempenham papéis diferentes e interdependes. Nessa interdependência muitos
tipos de relações ocorrem, tais como: predação, simbiose, parasitismo, epifitismo,
mutualismo, dentre outras. Essas relações podem estabelecer competição e eliminação de
espécies ou coexistência entre elas.
Quando os livros didáticos tratam de relações entre seres vivos, elegem exemplos
ocorridos entre animais, que com certeza são mais fáceis de serem compreendidos. Exemplos
dessas relações entre plantas são pouco utilizados, apesar de serem possíveis de observação.
O estudo de plantas é , geralmente,limitado à descrição de anatomia externa, usos na
alimentação e na indústria, como também as formas de reprodução. Entretanto, o
acompanhamento do desenvolvimento de plantas, o “aparecimento” de outras em um
ambiente natural ou artificial podem fornecer uma variedade de fenômenos naturais, possíveis
objetos de estudo na escola. Assim, os alunos poderiam perceber, estabelecer relações e
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construírem significados de fenômenos naturais que não são comumente enfocadas nas series
inicias.
Para a realização desse estudo, quatro horas semanais foram-nos cedidas e a
pesquisadora S incumbiu-se de ministrar as aulas, enquanto a pesquisadora A observava,
anotava e descrevia as interações que ocorriam. Essas anotações ocorriam somente por escrito
para evitar tumultuar e ou inibir as relações de ensino e aprendizagem. Pequenas intervenções
foram pela segunda pesquisadora realizada. A professora efetiva da sala acompanhou todo o
processo durante os cinco meses de aulas.
Os dados aqui descritos referem-se aos conceitos de Ciências, enquanto os relativos à
matemática serão objetos de outro relato. Nos momentos necessários em que esses conceitos
se interelacionam serão descritos. Após o término de cada atividade era realizada a sua
descrição e os dados eram organizados para subsidiar as tomadas de decisões didático-
metodológicas, procurando respeitar o que esses dados queriam “nos dizer”.
Como Instrumentos de Coleta de Dados, foram utilizadas as produções dos alunos nas
atividades didáticas planejadas. Como o intuito era avaliar a metodologia proposta e sua
potencialidade, como suporte para o Ensino de fenômenos naturais, os dados foram
organizados segundo o diagrama de investigação proposto inicialmente.
Recuperando o nosso diagrama procurávamos questionar:
a) Como os alunos perceberam o canteiro de plantas?
b) quais foram as relações por eles estabelecidas no decorrer das seqüências
didáticas elaboradas a partir dos conceitos de coexistência e competição entre
seres vivos?
c) como se deu a formalização dessas relações em referência aos conceitos
estudados durante as ações desenvolvidas pelos alunos e pesquisadores?
Esperávamos desenvolver nos alunos possibilidades de compreensão dos conceitos de
competição e coexistência entre plantas e as relações conceituais e epistemológicas que são
intrínsecas à explicação científica referente a esses fenômenos naturais. Para a concreção
desses objetivos era preciso construir didaticamente as seguintes possibilidades de
entendimento: a)Os seres vivos interagem com fatores ambientais; b) Os seres vivos
interagem entre si;
Os pressupostos, já descritos anteriormente, possibilitaram - nos elaborar uma
estrutura metodológica em que a experiência fosse fonte das ações didáticas, e o desenvolver
da aprendizagem, a partir dessa experiência, fosse potencializado por relações
interdisciplinares e que descrevemos a seguir:
Metodologia didática
O Ensino de Ciências deve propiciar ao aluno o diálogo permanente com o ambiente,
possibilitando-lhe a partir do conhecimento espontâneo ou de senso comum, adquirir uma
atitude investigativa que o permite reinterpretar e ressignificar o mundo de forma científica.
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A metodologia proposta para o ensino de fenômenos biológicos foi elaborada nos
três níveis denominados: Perceber/ Relacionar/Conhecer2
1 - Perceber-Ao iniciar as atividades didáticas sobre um conteúdo, o professor
depara-se com a necessidade de perquerir os conhecimentos que os alunos possuem, para
avaliar quais as melhores opções didáticas deve selecionar a fim de mediar o processo de
aprendizagem. Para alcançar esse objetivo, recorremos a situações em que as idéias prévias
das crianças sobre determinados assuntos pudessem ser reproduzidas ou permitissem que elas
surgissem. Foram diversas as formas utilizadas: problemas, perguntas, diálogos, observações
de imagens e de fenômenos naturais.
As atividades deveriam também possibilitar o estimular a ver, a sentir, a tocar, a
expressar sentimentos estéticos, a emitir sensações. Essa fase perceptiva engendra a
significação e conseqüentemente o conhecer.
A estimulação da percepção de fenômenos, principalmente os naturais, é pouco
utilizada com o recurso para o ensino de ciências. O professor, muitas vezes, preocupado em
trazer as explicações científicas dos fenômenos, despreza essa fase inicial, importante para o
estabelecimento da geração de interpretantes, pois se não há significação, não pode haver
representação do objeto e conseqüentemente interpretação sobre a beleza presente nas
relações entre os seres vivos, a exuberância de cores e formas, a harmonia e o equilíbrio, a
diversidade de espécies, as múltiplas possibilidades de interação, as variações entre
ecossistemas, o que deve ser admirado na natureza.
O estímulo perceptivo a esses desvelamentos é, não raro, trocado por explicações
generalizadas sobre uma realidade artificial e hipotética em que a criança tem dificuldades de
traduzí-la como sendo sua. Perde-se, desse modo, a oportunidade de tornar o ensino da
ciência desejoso ao aluno. Esse traz a sua lógica própria de compreensão de fenômenos
desenvolvida a partir de observações ou de explicações de senso comum. Trata-se de um
momento peculiar e inerente à ação docente, pois melhores escolhas facilitam o processo de
entendimento inicial necessário.
Nas séries iniciais, o próprio ambiente natural deve ser ponto de partida e o de
chegada. É nesse sentido que entendemos o experencial, ou seja, partir da experiência que o
aluno já vivenciou e a partir dessas fornecer outras possibilidades de modo a experenciar
relações entre o próximo e o mais distante.
2 - Num segundo nível, o Relacionar, um conjunto de ações didáticas, tendo como
objetivo articular possibilidades de os alunos elaborarem e reelaborarem as suas próprias
concepções sobre os fenômenos naturais.
Não se trata de entender que os alunos devam aprender um conjunto fixo de
habilidades ou de associá-las definitivamente à aprendizagem de determinados conteúdos
científicos, mas de um exercício conjunto em que sejam possíveis a identificação e relação
entre os fenômenos e com a discussão dos mesmos. Com este "fazer", inicia-se um processo
de "pensar" que, paulatinamente, vai sendo desenvolvido, proporcionando novas habilidades
sem que atitudes, balizadas pelo autoritarismo, sejam impostas. Essas habilidades podem ser
2
Essa metodologia foi descrita no manual do professor da serie Trocando idéias - Ciências Naturais elaborado
por Santos, M.L. Caldeira A.M.A, Brando F. R. Editora Scipione 2004 ( no prelo)
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incrementadas pelos alunos, através de pesquisas coletivas/individuais, buscando novas fontes
e/ou outras atividades que forem julgadas pertinentes pelos grupos e pelo professor.
Entendemos que é no interior dessa dinâmica (grupal e individual) que o aluno terá
oportunidade de construir a compreensão dos fenômenos apresentados e o professor poderá, a
partir de observação atenta ao processo, acrescentar novos desafios aos alunos, respeitando o
patamar cognitivo alcançado por cada um.
As principais habilidades discentes estimuladas a serem desenvolvidas são as
seguintes: observar, descrever, identificar, comparar, coletar dados, experimentar, somar
idéias, elaborar tabelas, gráficos, esquemas, sistematizar por meio de: textos, maquetes,
relatórios, interpretar dados e relacionar. Adquirindo essas habilidades os alunos podem mais
facilmente estabelecer analogias, confrontos, associação entre fenômenos, ainda de forma, a
princípio, não muito elaborada. Essas habilidades podem ser ampliadas, se os alunos forem
instigados a: compreender e avaliar problemas presentes no seu cotidiano, compreender
relações entre causa e efeito em situações não complexas, procurar novas evidências,
relacioná-las a novos exemplos, identificar situações contrárias, encontrar novas
possibilidades para resolução dos confrontos que forem surgindo no processo.
3 - Conhecer: Ao final de cada conjunto de atividades procuramos elaborar situações
para que os alunos adquirissem a habilidade de “organizar” e selecionar as informações
pertinentes que foram sendo trabalhadas, no decorrer do processo de ensino e aprendizagem a
fim de que os conceitos principais apreendidos fossem objetos de conclusões - ainda que
parciais. Nesse sentido, esclarecemos que uma formalização já é possível, por parte dos
alunos; pois segundo Peirce, um interpretante final, dentro da experiência realizada, é não só
possível como necessário.
Esse momento é importante para que o Ensino de Ciências não seja transformado em
“ativismo”, sem significado para o aluno. É nele que o professor, ao organizar as atividades e,
enfocando os conceitos em estudo, proporcionará aos alunos a aproximação desejada e
possível - ainda que não totalizante - sobre as explicações científicas, aceitas hoje, para os
fenômenos naturais. A partir dessa formulação para o desenvolvimento de habilidades, os
conceitos científicos vão sendo compreendidos de forma ágil e não dogmática.É nesse nível
de realização, para alcançar o interpretante formal, que os alunos não só sistematizam os
conceitos aprendidos, mas ainda comunicam idéias e trocam opiniões ;desse modo, surgem
novas hipótese e/ou corroboram as que tinham sido estabelecidas. Nessa fase, o professor
pode utilizar instrumentos como, a confecção de relatórios resumos, representações,
elaboração de folhetos explicativos, maquetes, painéis, entre outros recursos.
Essa fase de formalização é importante para que os diferentes níveis de
conhecimento e experiência possam ser redimensionados tanto por alunos,quanto para os
professores.Assim o aluno poderá: (a)organizar as informações em torno da construção de um
conceito científico ou de conjunto deles;b) comunicar as suas idéias e confrontá-las com
outras;c) construir novos argumentos;d) representar o seu aprendizado por meio de diferentes
linguagens, tais como, oral, textual, imagética, gestual, pictórica, entre outras.
Para o professor representa: a) possibilidades de conhecer o nível cognitivo de seus
alunos; b) avaliar o processo de ensino realizado; c)avaliar o processo de aprendizagem e d)
planejar as próximas ações didáticas.
237
Investigações em Ensino de Ciências – V12(2), pp.227-261, 2007
Desenvolvimento das Ações
As crianças foram convidadas a observar um canteiro de plantas e, ao mesmo tempo,
emitirem as opiniões que quisessem. O canteiro era um espaço triangular, localizado perto da
horta escolar, que não fôra utilizado pelo hortelão, talvez devido às suas dimensões (3m X 3m
X 4.5m). Nele cresciam, sem nenhum tipo de controle: comigo-ninguém-pode; alecrim;
boldo; erva cidreira; quebra-pedras; picões; trevos; roseiras, entre outras espécies variadas,
distribuídas em diferentes extratos.
As pesquisadoras esperam que as crianças o observem e as estimulam sobre o que
estavam sentindo e depois desse período de livre expressão uma das pesquisadoras
perguntou aos alunos:
— Vocês consideram que existem muitas plantas no canteiro?
O “sim” foi respondido por todos.
Em seguida, insistiu:
— Com tantas plantas presentes, será que uma planta atrapalha o desenvolvimento da
outra?
Várias hipóteses foram levantadas, nesse momento, e estão categorizadas a seguir. O
Quadro 1 traz exemplos de concepções dos alunos identificados pelos números, que se
expressaram e as idéias que foram emitidas.
Uma planta não atrapalha a outra: Uma planta atrapalha a outra
Tem muita planta. Uma esta embaraçando a
São acostumadas no canto delas. Se você outra-16
tirar sai a raiz e ela morre. Mas tem umas Acho que atrapalha pois as raízes vão
bem velhas-13 enozar e não cresce legal. E’preciso
separar.-11
Eu deixava todas aí-23 Tem uma folha enrolada na outra-28
Uma é um tipo de alpiste para outra. Cada uma deve crescer no seu lugar-19
Quando morrem caem e vira adubo. Uma Tem muita planta misturada-4
ajuda a outra-29 Será que conseguem viver apertadas?-6
Uma não ocupa o lugar da outra-4 As grandes ocupam os lugares das pequenas
e atrapalham uma a outra.-25
Quadro 1 - Exemplo de concepções dos alunos em relação à interferência de uma planta
sobre outra.
As crianças voltavam para a sala de aulas e eram convidadas a desenhar o que
quisessem sobre a observação realizada. Para dar prosseguimento às ações foi pensado em
desenvolver a seguinte seqüência didática:
Seqüência didática I-Estudo do canteiro I
a) identificar as plantas; b) relacionar os espaços entre elas; c) verificar se os
elementos essenciais à sobrevivência eram disponíveis igualmente; d) testar o plantio de uma
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Investigações em Ensino de Ciências – V12(2), pp.227-261, 2007
semente num local limpo e em outro local onde deveria haver muitas plantas. Dessa forma os
alunos foram organizados para:
1) Em duplas, os alunos coletaram cinco folhas de plantas. Essas folhas foram coladas
em papel sulfite e por eles identificadas, conforme seus nomes populares.
2) Em seguida, preencheram dois instrumentos em que deveriam observar o que
consideravam em relação às plantas coletadas. O primeiro foi desenvolvido na sala de aula e
continha os seguintes itens:
a) Quantidade de luz recebida: suficiente ou pouca;
b) quantidade de água disponível: suficiente ou pouca;
c) Espaço da planta no solo: suficiente ou pouco e
d) ar presente: suficiente ou insuficiente
3) O segundo instrumento utilizado foi uma figura triangular, representando o
canteiro, fornecida as duplas para que localizassem, naquele esquema, o local em que estavam
retirando as suas amostras.
Para darmos continuidade às atividades, sistematizamos com os alunos, os nomes das
plantas que eles conseguiam identificar e os auxiliávamos na identificação de outras que lhes
era de difícil identificação. A partir dessa atividade, foi produzida uma lista coletiva; a
pesquisadora A colocou a seguinte questão para os alunos:
Com o corte das plantas, realizado pelo hortelão no final de semana, perdemos uma
parte da nossa observação3. Como poderíamos saber se as plantas podem viver juntas no
canteiro ou, se umas atrapalham as outras?
Os alunos emitiram uma expressão do tipo “não há o que fazer”. A pesquisadora
insistiu e percebendo que precisava intervir, sugeriu:
— E se plantássemos outras plantas?
Expressões afirmativas foram emitidas. A pesquisadora exerceu com essa estratégia
didática o seu papel docente apontando caminhos para novas alternativas críticas e necessário
para que ocorram avanços na construção de hipóteses.Desse modo, por meio de
questionamentos, ela foi inquirido os alunos, garantindo a participação coletiva e fomentando
o interesse discente. Como poderá ser constatado a seguir.
- E vamos plantar o que? Pergunta ela!
Depois de uma breve negociação, optaram pelo plantio de sementes de feijão. Em
seguida problematizou:
— Como vamos saber se o feijão vai atrapalhar ou não as plantas já existentes?
3
Ao analisarmos a região após a poda das plantas, procuramos trabalhar com esse problema. . Após
dialogarmos com a classe sobre possíveis soluções sobre as conseqüências do corte, ficou determinado que
plantaríamos algumas plantas e analisaríamos o desenvolvimento dessas. Para isso nova situação metodológica
foi adotada, dividimos o território em áreas para serem estudadas e apresentamos aos grupos um desenho do
canteiro com as regiões limitadas para que eles escolhessem uma delas como área de plantio, observação e
análise.
239
Investigações em Ensino de Ciências – V12(2), pp.227-261, 2007
— Quando o feijão crescer ela vai atrapalhar as demais, disse (29)
A pesquisadora percebeu que o seu próprio discurso estava promovendo possível
distorção em relação ao entendimento dos alunos. Ou seja, o fato de haver mais plantas
significava atrapalhar as já existentes e os alunos não se ativeram ao fato de que o germinar
(ou não), e o desenvolver (ou não) poderiam indicar a possibilidade de uma nova planta aí
viver (ou não).
Desse modo a pesquisadora refez a problematização:
- Será que as sementes de feijão vão conseguir nascer no canteiro?
— Ah! Tem lugares que ainda dá! – falou (17).
- Então vamos planejar o experimento para que todos possam fazer observações,
propôs.
Desse modo, para podermos realizar todas as fases da experiência e desenvolvermos
as habilidades cognitivas que subsidiariam o trabalho, iniciamos conjuntamente uma
seqüência de atividades relativas à linguagem matemática. Para isso, tornou-se necessário que
os alunos dominassem os conceitos de estimativa, unidades padrão de medida e medidas de
comprimento (m, dm e cm). A fim de concretizarmos esses objetivos elaboramos a seguinte
seqüência didática:
1) Foram dispostas quatro fitas de papel sem numeração. A primeira de cor amarela de
tamanho de 1 m; a segunda de cor vermelha com 50 cm; a terceira de cor verde medindo 30
cm e a última de cor azul com 10 cm.
2) As fitas foram afixadas no quadro negro, uma de cada vez ,de maneira que os
alunos deveriam observar cada uma delas e estimar quais seriam suas medidas, sem que
houvesse o confronto entre elas na lousa.
Essa atividade possibilitou-nos verificar que oito dos alunos utilizaram apenas o
número como símbolo quantificador. A maioria atribuiu um juízo de valor e utilizou um
número e qualquer unidade padrão como símbolo representativo. Apenas três alunos
determinaram uma grandeza quantificando-a com um número e uma unidade padrão coerente.
Diante desses resultados, resolvemos desenvolver atividades com medidas não
padronizadas para estabelecer: 1) o conceito de unidade padrão; 2) a importância do uso de
instrumentos e 3) o ato de medir. Entendidos esses conceitos, verificamos ser necessária a
construção do conceito de metro (medida padronizada) e seus submúltiplos. Várias atividades
didáticas de medida foram propostas nas quais os alunos utilizaram régua, trena, metro de
carpinteiro e fita métrica para sistematização da representação de m, cm e dm em diferentes
instrumentos. O conceito de milímetro não foi sistematizado, pois julgamos que esse nível de
abstração era, nesse momento, difícil de ser alcançado e formalizado. Situações problema
foram propostas para verificação do nível de significação e ressignificação dos conceitos de
medida, unidade padrão e interpretação de problemas.
Para dar continuidade ao experienciado, decidimos dividir o canteiro e delimitar
espaços para os grupos semearem os grãos de feijão. Essa divisão foi realizada de forma que
240
Investigações em Ensino de Ciências – V12(2), pp.227-261, 2007
cada grupo recebesse um espaço para o plantio. Espaços livres foram deixados para permitir
o acesso dos alunos aos locais destinados a cada grupo. Foram estabelecidos 7 grupos de 4-5
alunos, e cada grupo recebeu um “território” que foi demarcado com uma bandeira numerada.
3) A cada um dos grupos foram fornecidas 10 sementes de feijão. Sugerimos que os
alunos fizessem 5 pequenas covas (com 2 cm de profundidade) em locais que o grupo
considerasse ser possível a germinação. Outras cinco sementes poderiam ser “jogadas” entre
as plantas existentes como se tivessem caído acidentalmente.
Uma breve explicação sobre as diferenças entre plantio planejado e disseminação de
sementes por pássaros, ventos, entre outros agentes, precedeu a atividade a ser desenvolvida.
Os alunos dividiram, no decorrer da atividade, as tarefas de plantar e, ao mesmo tempo,
localizar (no esquema recebido) o território que lhes foi destinado e onde as sementes
estariam sendo plantadas. Um □ ( quadradinho) representava as plantadas em cova e um ○
(círculo) denotava as que foram jogadas. Uma bandeira numerada foi colocada para localizar
o plantio de cada semente.
Dando continuidade a essa atividade, por meio de uma tabela, registraram as sementes
que haviam germinado utilizando, com código, o sinal de mais (+) e para as que não haviam
germinado, utilizaram o sinal de menos (-). A seguir, os alunos receberam uma tabela
organizada, em linhas e colunas, na qual deveriam registrar a germinação, ou não, de cada
planta, discriminando o local escolhido e o “jogado” entre as plantas.
4) De posse dos dados registrados na tabela, iniciamos a sistematização dos dados
coletados, através de gráficos. Os grupos foram orientados a construir gráficos de barra a
partir das medidas obtidas no desenvolvimento dos feijoeiros. Para tanto, receberam uma
outra tabela contendo os dados da observação que cada grupo já organizara. A partir dessas
tabelas, foi aleatoriamente escolhido uma delas (a do grupo 1) para que todos os alunos
desenvolvessem a habilidade de produzirem representações também por meio de gráficos. Foi
utilizado papel quadriculado e as primeiras noções do conceito de escala e da representação
gráfica foram estabelecidas.
5) Uma vez que os grupos haviam elaborado os gráficos correspondentes ao
desenvolvimento dos feijoeiros, solicitamos a cada grupo que os interpretassem. Para tanto,
formulamos perguntas as quais os alunos iam respondendo oralmente. No preenchimento das
tabelas, havíamos convencionado como códigos os sinais (+) e (-) para germinação, ou não,
das sementes. Convencionamos a primeira observação por eles registrada como a fase de
germinação e as demais relativas ao desenvolvimento das plantas.
Para a interpretação dos dados, solicitamos aos grupos que observassem o gráfico
construído a partir das medições por eles realizadas e, no decorrer dessa atividade, íamos
colocando questões para que, diante de problematizações, os alunos pudessem relacionar os
elementos a fim de responder o que lhes era solicitado.
Nessa atividade, procuramos verificar como o grupo interpretava o gráfico por eles
construído. Mantivemos as seqüências de diálogos que deram suporte à análise dos resultados.
Reproduzimos abaixo, os gráficos obtidos pelo grupo I, seguidos dos diálogos resultantes da
observação e análise do mesmo.
241
Investigações em Ensino de Ciências – V12(2), pp.227-261, 2007
Crescimento das m udas de feijões: Canteiro I - Região 1.
C rescim en to d as m u d as d e feijõ es 40
35
30
- U n id ad e: cm .
25
2 3 / J un
20
2 5 / J un
15
3 0 / J un
10
3 0 / J ul
0
Feijão Feijão Feijão Feijão Feijão Feijão Feijão Feijão Feijão Feijão
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Sementes Sementes jogadas entre as plantas.
plantadas
Quantidade de m udas de feijões.
Gráfico elaborado pelo Grupo 14 -
P2 – Porque existem espaços em branco no gráfico?
5 – o feijão não nasceu. (RA)
P2 – Porque?
5 – você só joga. (RA)
17 – você não plantou. (RA)
6 – não foi enterrado. (RA)
3 – tinha água, tinha luz, espaço mais ou menos jogamos em cima/faltou espaço
porque foi jogado. (RA)
P2 – A planta 3 foi plantada em local escolhido.
3 – A formiga comeu! (RA)
5 – A planta tem seus rivais: o caracol. (RA)
18 – A formiga comeu! (RA)
P2 – A planta 4 cresceu um pouco e depois morreu?
18 – A formiga comeu! (RA)
4
As iniciais colocadas após as falas dos alunos representam formas de raciocínio: RA: Raciocínio Abdutivo;RI:
Raciocínio indutivo: RD : Raciocínio dedutivo
242
Investigações em Ensino de Ciências – V12(2), pp.227-261, 2007
5 – De vez em quando uma planta atrapalha a outra e ela briga pelo espaço! (RI)
3 – tem que conviver com outros seres vivos! (RI)
P2 – Mas, além do espaço, o que mais pode ter acontecido?
17 – ter faltado água. (RI)
18 – a semente pode ter sido comida antes (RI)
Todos – Pelo caracol, formigas! (RI)
P2 – Como podemos ter certeza5 que foram as formigas, os caramujos ou outro
problema?
6 – não estávamos vendo, não dá para saber. (RD)
18 – tinha que observar todos os dias. (RD)
5 – 24 horas observando. (RD)
P2 – O que vocês aprenderam com essas atividades?
17 – As plantas aprenderam a conviver! (RD)
6 – As plantas não nasceram porque nós jogamos em lugar difícil. (RD)
18 – A semente podia não ser boa! (RD)
A seqüência discursiva foi iniciada com aquilo que Peirce definiu como abdução:
“Realizo uma abdução quando procuro expressar em uma sentença algo que vejo”. Percebe-
se, pelas respostas, que os grupos procuraram interpretar os resultados a partir da variável
experenciada. Quando refutadas as hipóteses, busca, nos elementos observados por indução, o
suporte para corroborar ou refutar as hipóteses enunciadas. Ao serem perguntados sobre a
certificação de suas hipóteses, remeteram-se aos procedimentos de observação e verificação.
A esse procedimento Peirce chama de dedução.
6) Com o intuito de verificar como os alunos organizaram os conceitos de competição
e coexistência entre as plantas e, também, com a intenção de procurar elementos de
ressignificação do processo ensino-aprendizagem, elaboramos como ferramenta um texto
perguntando quais eram os seres vivos observados no canteiro e solicitamos que os alunos
dessem exemplos de relações observadas entre esses seres vivos e entre eles e o ambiente..
Solicitamos também aos alunos que produzissem um texto argumentativo referente à
organização da experiência vivenciada.
Seqüência didática II-Estudo do canteiro II
7) Um novo espaço, tendo a mesma forma e tamanho, foi selecionado onde havia uma
árvore alta (17,3m) e bem copada que impedia a luz do sol de atingir o solo, de forma que, ao
redor de seu local de fixação, poucas espécies conseguiam coexistir. Os alunos realizaram
atividades de desenho do canteiro II, após um período de observação livre no espaço, à
semelhança do que foi realizado no canteiro I.
8) Pedimos aos alunos que fizessem o mesmo levantamento anteriormente realizado,
identificando plantas e medindo suas respectivas alturas. A intenção dessa atividade foi
permitir o estabelecimento das seguintes possibilidades de comparação:
5
O termo “ter certeza” foi escolhido por se tratar de uma expressão coloquial que as crianças utilizam em seu
repertório. Não há aqui uma conotação que se refiram as certezas que não sejam as evidentes.
243
Investigações em Ensino de Ciências – V12(2), pp.227-261, 2007
a) Os dois espaços têm a mesma forma e tamanho;
b) O espaço 1 tem um número inventariado de 17 espécies cujas alturas variam
entre 7 cm e 146 cm;
c) O espaço 2 tem um número inventariado de 4 espécies cujas alturas variam
entre 13 cm e uma espécie atinge 17,3 m;
d) Por que ocorrem essas diferenças entre espaços tão próximos?
e) Qual deve ser o fator que faz com que a distribuição de plantas entre os
canteiros seja diferente?
9) Após o inventário das espécies de plantas com as respectivas medidas, os alunos
elaboraram gráficos do canteiro I e do canteiro II. Uma vez confeccionados os gráficos, os
utilizamos para que os alunos os interpretassem comparando-os.
Gráfico 1: Representação das plantas do Canteiro I
REPRESENTAçÂO DAS PLANTAS DO CANTEIRO I
Medidas das Mudas em cm
160 146
132
140
120
100 85
77
80 71
60 45,5 49 51
37 35
40 19 19 24 25
15
20
0
de
ã
ia
ira
ho
Fe a
Pi ão
.N a
a
ch e
Al do
R im
ra
S ia
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Pe
Fu
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ue .M
C -D
os
o
Er Fo r
Er C l
id
H
C
a
u
ap
Er
Plantas do Canteiro
Gráfico 2: Representação das plantas do Canteiro II
Representação das plantas do Canteiro II
20
Medidas das mudas em metros
18
16
14
12
10
8
6
4
2
0
Clúsia Árvore Picão Arnica Fortuna
Plantas do Canteiro II
244
Investigações em Ensino de Ciências – V12(2), pp.227-261, 2007
10) Para que os alunos interpretassem quais eram os fatores que estavam
influenciando a disposição das plantas, nos dois canteiros, sugerimos uma análise dos gráficos
através de perguntas dirigidas.
11) Finalmente, solicitamos que os alunos comparassem o desenvolvimento de uma
planta presente nos canteiros I e II, bem como utilizassem tabelas e gráficos para interpretá-
los livremente.
Análise e discussão dos Resultados
Entendemos a formação dos conceitos como “sínteses de significação” que sustentam
a compreensão dos fenômenos naturais. Essas sínteses de significação se estabelecem no
confronto com a experiência, gerando, através das formas de raciocínio, interpretantes
lógicos, emocionais, energéticos. O grau de complexidade das relações estabelecidas, a partir
dos conceitos e seus significados desmembrados devem ser proporcionais às relações
estabelecidas em sua compreensão.
Concordamos com Peirce ao afirmar que o conhecimento depende da elaboração de
hipóteses. A sustentação dessas, no entanto, dependem do grau de verificação que podemos
alcançar. Assim, pensamos que o papel essencial do ensino de ciências está na construção do
raciocínio lógico, sustentado pelas diversas formas sensórias, lingüísticas, matemáticas, etc.
Ao dizer que a enunciação de um fato é abstrata, (por que não se repete nunca da mesma
forma) o que observamos, porém é concreto, traz implícita a idéia de que há um caminho a ser
percorrido entre abstração/concretude/abstração, referente ao espaço temporal dispendido
entre a percepção e a enunciação.
Dessa forma, a ação didática deve centrar-se em oferecer múltiplas possibilidades e
habilidades para que novas significações sejam estabelecidas. Essa rede de significações pode
ser tecida no que denominamos “Domínios Epistêmicos para a construção do conhecimento
em Ciências Naturais”. Domínios esses que podem ser classificados em três níveis
interconectados e sem nenhuma hierarquia preestabelecida entre eles: a) O das linguagens e
seus valores, b) o das habilidades cognitivas e c) o dos conceitos científicos.
O quadro n° 2 traz esses domínios com as categorias estabelecidas. Trata-se de uma
seleção categorial relacionada com os conceitos aqui explicitados. Outras poderão ser
acrescidas em função do nível de formalização desejável e possível, como também em relação
aos conceitos que estão sendo enfocados.
Domínios Epistêmicos para a construção do conhecimento em Ciências Naturais
1.1 Domínio das linguagens e seus valores
Linguagens Exemplos
Sinestésicas - Sensações
Não-verbais - Gestos
Simbólicas - Ler, escrever, interpretar, falar, participar
de diálogos e discussões, representar através
de: número, medidas, formas, tabelas,
gráficos, esquemas.
245
Investigações em Ensino de Ciências – V12(2), pp.227-261, 2007
1.2 Domínio das Habilidades Cognitivas
Níveis Exemplos
Perceber: juízos perceptivos – Observar, fazer inferências, constituição
de hipóteses.
Significar: estabelecer variáveis – Coletar dados, relacionar dados x
variáveis, organizar dados, interpretar.
Ressignificar: estabelecer relações causais – Concluir, representar, generalizar.
1.3 Domínio dos Conceitos Científicos
Níveis Exemplos
Observar/Identificar - Identificar entre seres vivos e fatores
ambientais
Relacionar - Estabelecer relações entre os seres vivos e
entre eles e o ambiente
Conceituar - Conceituar entre competição e coexistência
entre seres vivos e fatores ambientais.
Quadro n° 2- Categorias utilizadas para as analises dos conceitos estabelecidos
Consideramos para análise semiótica as três categorias peirceanas de primeiridade,
secundidade e terceiridade entendo-as como integrantes de um amplo processo de semiose
que se inicia com aquilo que é possível de ser percebido.
Poderíamos considerar a primeiridade como a categoria da primeira interação, das
sensações, do olhar instigativo, da dúvida. As relações que começam a se estabelecer a partir
do objeto pretendido constituem-se na secundidade. A compreensão de conceitos científicos,
responsável pela cadeia de semioses – perceber – relacionar – conhecer – inicialmente
proposta, em correlato com as relações sígnicas estabelecidas pelos alunos (na experiência
realizada no canteiro de plantas), é constituída formalmente a terceiridade.
Para tanto, procuramos investigar a dinâmica epistemológica desenvolvida, através do
signo-pensamento dos alunos, no processo compreendido entre:
a) apresentação de um objeto de estudo de fenômenos naturais – um canteiro de
plantas – para crianças com faixa etária entre 9-10 anos e alunos da 3ª série da
Educação Básica;
b) realização de atividades didáticas para possibilitar aos alunos o estabelecimento
de relações a partir do objeto de estudo, significando-as e;
c) realização de atividades didáticas para analisar as possíveis ressignificações
estabelecidas pelos alunos no decorrer do tempo de estudo efetuado.
A apresentação de um canteiro de plantas: primeiras percepções
De acordo com Peirce, a entrada dos elementos do pensamento lógico se dá via
percepção e dele saem via ação deliberada (CP 5.212). Assim, analisaremos a percepção
como entrada para o conhecimento.
Entendemos que, no primeiro momento perceptivo, no qual expusemos os alunos à
experiência do canteiro de plantas, eles poderiam, através de seus sentidos, perceber formas
difusas da organização das plantas e outras formas não difusas presentes no local. Também
podiam sentir pelo toque, pelas narinas, pelo som, pelos olhos, as nuances de cores, texturas,
formas diversas, que são atributos apresentados pelos seres vivos. Havia plantas de diferentes
246
Investigações em Ensino de Ciências – V12(2), pp.227-261, 2007
alturas; aromas de diversas flores; tons variados de verde, de cinza e de marrom; dezenas de
folhas com formato e texturas diferentes entre si. Insetos e moluscos compunham o local bem
como aves estavam nas árvores próximas.
Estimular essa percepção inicial só é possível se os alunos estiverem presentes no
ambiente natural. Representar uma flor é muito diferente de apresentá-la. Os elementos que
estimulam os órgãos sensoriais não estão todos presentes na representação, enquanto na
apresentação reside toda potencialidade da experiência. É nessa interação do objeto com o
sujeito, do aluno com o fenômeno que estarão presentes as possibilidades de geração de
significados genuínos.
Na observação, o aluno seleciona do objeto as nuances que o interessam, as que mais
chamaram a sua atenção e, é a partir da seleção efetuada que a rede de significações vai sendo
estabelecida.
Essas formas primeiras de vivenciar a experiência conterão o poder gerador de novos
signos interpretantes. Peirce coloca nas relações engendradas pelos quali-signos a origem dos
juízos perceptivos estéticos. Ora, como queremos que nossas crianças respeitem o ambiente
natural, se não lhe damos oportunidades de significar a partir dos elementos constituintes da
natureza? Admirar a diversidade, a dinâmica das relações entre os seres vivos e se encantar
com as diversas possibilidades de organização não nos é imposto pela argumentação, mas,
sim, é possível pelo desenvolvimento da noção de estética que nasce em nossos próprios
juízos perceptivos em primeiridade.
Apesar das dificuldades da pesquisadora em captar esses momentos iniciais, as
percepções que foram expressas pelos alunos estão categorizadas no quadro 3.
Categorias Alunos Domínios Epistêmicos
Citar odores 28; 3; 5. Linguagem Sinestésica/Simbólica
Tocar as plantas 20;24;29;22;12;15. Linguagem Sinestésica
Descrever cores 22;27. Linguagem Sinestésica/Simbólica
Emitir opiniões estéticas 19;7;27;16;10;4;3;6;25;1 Linguagem Sinestésica/Simbólica
2;5;18.
Emitir frases 11;9;26;21;13;23;22;29; Linguagem Simbólica
exclamativas 24;16;10
Identificar plantas 26;19;3;6;20 Linguagem Simbólica
Identificar semelhanças 6;14; Linguagem Simbólica
Relacionar com 7;13;25. Linguagem Simbólica/Significação
vivências caseiras
Quadro 3 – Resumo das reações discentes na observação do canteiro.
Embora as categorias peirceanas ocorram de modo abstrato e simultâneo, o que
impede que sejam separadas, percebemos que há predominância de umas sobre as outras. Isso
significa que existem as que facilitam a percepção da categoria em destaque, quando se
analisa determinado fenômeno.
Algumas categorias captadas pela pesquisadora podem ser identificadas como
potencialidade, espontaneidade, e pertencem à primeiridade São meros sentimentos e
emoções, como tocar nas plantas, sentir seu perfume, etc. Outras foram classificadas como
247
Investigações em Ensino de Ciências – V12(2), pp.227-261, 2007
secundidade, pois expressam algum tipo de relação ocorrida: identificar, relacionar, emitir
opiniões pessoais denota um nível de ação/ reação no processo semiótico.
Peirce ao estudar percepção e juízos perceptivos afirmou que:
Na percepção, onde uma coisa nos é dada como existente, é obvio que
há juízo afirmando que a coisa existe, uma vez que o mero conceito de
coisa não envolve alguma cognição da coisa como existente. Disse-se
que podemos imaginar qualquer conceito sem efetuar juízo, parece
que neste caso supomos apenas arbitrariamente ter uma experiência.
Para conceber o número 7, suponho, quer dizer, lanço arbitrariamente
a hipótese ou juízo de que certos pontos estão diante de meus olhos e
que julgo serem sete os pontos. Acho que é a opinião mais simples e
racional sobre o assunto, e posso acrescentar que foi a adotada pelos
melhores lógicos. Sendo assim, o que dá pelo nome de associação de
idéias é na realidade uma associação de juízos. A associação de idéias
é regulada por três princípios – semelhança, contigüidade ou
causalidade; o signo relembra a coisa significada. A associação de
idéias consiste, então ,em um juízo ocasionar outro, do qual é signo.
Ora, isto é nada mais nada menos que inferência. (PEIRCE1980, p.
79-80)
A associação de juízos perceptivos e/ou inferências podem ser observadas na tabela 2,
em que é possível verificar que ao mesmo tempo em que juízos perceptivos eram emitidos,
concomitantemente frases expressando inferências eram associadas. Exemplos: “tem muita
planta misturada”; “acho que as raízes vão enozar e não cresce legal”.
Outros alunos levantaram hipóteses: “será que elas conseguem viver apertadas?”
Identificaram semelhanças com plantas caseiras, contaram histórias de suas casas. Esses
exemplos consistem em associação de idéias.
Assim, esse movimento inicial, representado aqui pela visita ao canteiro significa
também a possibilidade didática de conhecer as idéias, preconceitos ou concepções prévias
dos alunos, associados a juízos perceptivos, inferências ,e elaboração de hipóteses.
Para Peirce, a hipótese é uma espécie de raciocínio (abdução) que difere da indução e
da dedução. É constatada somente nos raciocínios abdutivos em que é possível o
aparecimento de uma idéia nova a ser investigada. Em se tratando de didática das Ciências
Naturais, já muito se pesquisou sobre concepções prévias dos alunos e, alguns autores
entendem que as pré-concepções devem dar lugar a conhecimentos científicos, outros
concordam que é possível a coexistência das mesmas. (BASTOS, NARDI, DINIZ E
CALDEIRA, 2004)
De acordo com a semiótica peirceana, os aparecimentos dessas concepções prévias
nada mais são que idéias que se associam ao signo que está sendo ensinado. Esse
levantamento deve balizar a ação docente, para que suas futuras escolhas didáticas, recaiam
sobre aquelas que permitam ampliar as relações de significação e possibilitem novas
representações. Segundo o próprio Peirce:
248
Investigações em Ensino de Ciências – V12(2), pp.227-261, 2007
A função representativa do signo não está nem na qualidade material
nem na aplicação demonstrativa, a função representativa cifra-se
numa relação do signo com um pensamento. (PEIRCE1980, p.74).
Investigar como ocorre o estabelecimento da relação signo-pensamento é tarefa
impossível, mas tentar buscar elementos indiciais desse processo pareceu-nos possível através
de desenhos. Pedir aos alunos que livremente desenhassem o canteiro observado foi o
caminho encontrado para perceber quais foram os elementos atentados pelos mesmos à
respeito do objeto.
Entendemos que à medida em que o aluno cria uma representação, ele atualiza
elementos contidos em sua memória, isto é, corporifica a percepção da lembrança que tinha
sobre “ canteiros.
O quadro 4 apresenta um resumo das representações que foram desenhadas
imediatamente após a visita ao canteiro de plantas. Os números representam os alunos.
Representação Pictórica Alunos
Forma do canteiro 7
Presença da cerca de bambu 7;912;14;17;22;24;25;26;29
O canteiro e suas 7
cicunvizinanças
Diferentes extratos de 3;4;5;6;11;17;19
plantas
Um só extrato 10;8;12;13;14;16;22;27;28;31;22;23;25;29
Presença de outros seres 5;15;18
vivos
Dia chuvoso/nublado 3;6;10;14;23;25
Detalhes das folhas 5;11;13;14;15;18;20
Detalhes das flores 3;8;14
Aspecto de abandono 9
Sem cores 3;4;5;6;9;15;17;18;25;26;29
Com cores 7;8;11;12;13;14;16;19;20;21;27;24;23;22;28
Desenho antropormofizado 13
Presença do sol 23;13;8
Quadro 4 – Representações da observação realizada no canteiro de plantas
A análise dessa tabela demonstra a diversidade de efeitos interpretativos que a
observação do canteiro provocou nos alunos. Havia predominância de plantas mais altas
(1,5m) e com extensas folhagens o que provavelmente motivou o fato de muitos alunos
representarem um só extrato de plantas, sem se referirem às mais baixas.
Um número menor de crianças representou vários extratos de plantas. Alguns alunos
desenharam uma só folha, ainda que bem detalhada, enquanto outros detalharam as folhas no
conjunto do desenho.
Desenhos, coloridos, em sua maioria com a cor verde, foram realizados por 15 alunos
e um numero expressivo de crianças preferiu desenhar sem a utilização de cores. A cerca de
bambu foi representada por 10 alunos e somente um demonstrou perceber a forma do
canteiro. O dia chuvoso foi motivo de representação para 6 alunos, sem que esse aspecto
249
Investigações em Ensino de Ciências – V12(2), pp.227-261, 2007
tivesse sido indicado para ser observado. Três deles representaram um sol em seu desenho,
sendo que, em um deles, o sol tinha “cara”. Detalhes das flores, que eram poucas, foram
percebidos por alguns alunos, bem como e presença de outros seres vivos (aranhas, caracóis
de jardim, lesmas), sendo que um dos alunos representou o aspecto de abandono do canteiro.
Esse conjunto de interpretações que os alunos realizaram (tendo como objeto canteiro
de plantas) demonstra o nível perceptivo com que o professor pôde contar para tomada de
decisões metodológicas seqüenciais.
O Nível de Significação Obtido Através das Relações Estabelecidas
O quadro 5 sistematiza as atividades que foram realizadas pelos alunos, organizadas
segundo o domínio das linguagens, das habilidades cognitivas e dos conceitos científicos.
Nesse caso ,os alunos realizaram a atividade 2 da seqüência didática I em duplas.
Domínios das linguagens Domínio das Habilidades Domínio de Conceitos
Cognitivas Científicos
Sincréticos Observar Identificar
Signos percebidos: Signos percebidos: -identificar seres vivos (embora
-observar visualmente - observar plantas (todas as sem nomeá-los corretamente
-tocar nas plantas duplas) (todas as duplas).
-ouvir sons -identificar fatores ambientais
-cheirar plantas - observar os fatores ambientais (todas as duplas).
-experimentá-las pelo paladar (todas as duplas)
(todos os alunos)
Organizados Observar/Identificar Relacionar
Signos percebidos: Signos Percebidos:
- Expressar pela oralidade: - observar plantas e tentar - Estabelecer relações entre os
descrevem o tempo todo o que associar nomes populares seres vivos e o ambiente
estavam fazendo (linguagem duplas: (23-10), (20-29). duplas: (11-7), (3-18), (15-8),
não verbal) (27-22), (6-5), (14-4), (20-29).
- Verbalização: linguagem
verbal (todos os alunos)
Formalizados Localizar Relacinoar
Signos percebidos: Signos percebidos: - Estabelecer relações entre
- signos formalizados pela -localizar espacialmente seres vivos (não percebido)
linguagem simbólica para o duplas (23-10), (20-29), (11-7).
preenchimento das atividades (6-5), (16-8), (10-25), (28-2),
sugeridas (todos os alunos) (14-4), (9-17), (26-16).
Quadro 5: Classificação das respostas dos alunos segundo os domínios estabelecidos.
Esse quadro dispõe os signos percebidos na presente pesquisa e podemos verificar que
o domínio das linguagens requisitou signos já formalizados e, portanto, os alunos não
apresentaram nenhum tipo de dificuldades. O mesmo pode se dizer em relação as habilidades
cognitivas relacionadas à observação e identificação de fenômenos tais como: plantas como
pertencentes à classe dos seres vivos e fatores ambientais. Temos aqui a possibilidade de
apontar “síntese de significação estabelecida”:
Síntese de significação: Observação e identificação de elementos (seres vivos e fatores
ambientais) presentes no canteiro de plantas.
250
Investigações em Ensino de Ciências – V12(2), pp.227-261, 2007
Relacionam-se essas atividades com um conjunto de domínios
oriundos de diferentes linguagens e de habilidades cognitivas
referentes aos fenômenos naturais enfocados. Na mente de cada aluno
circulam signos calcados em suas vivências cotidianas, em seus
círculos relacionais, e as expressas pelas mídia e pela própria escola
Entendendo, pois, que o pensamento é constituído por uma mistura de signos. É
preciso tentar enfrentar a tarefa de compreender como se dá a formação de conceitos a partir
do conjunto sígnico que perpassa a mente dos alunos. Assim, nessa fase, notamos que os
alunos recorreram à associação de conteúdos que já compreendiam para responder às
atividades. Buscaram no seu próprio repertório constituído pelo senso comum (nomes
populares) ou na escola (conceitos estudados de seres vivos), as habilidades para identificar e
relacionar os fenômenos enfocados. As análises das questões formuladas:
A seguir, as análises referem-se às 3 questões que os alunos responderam logo após o
plantio das sementes de feijão: a) o que você plantou no canteiro? b) como foi realizado o
plantio? c) o que você acha que vai acontecer?
Em relação à primeira questão, todos responderam que haviam plantado feijões. A
segunda pergunta tinha o objetivo de verificar se os alunos haviam compreendido como fora
realizado o plantio em função das variáveis propostas: local escolhido e plantio aleatório.
O Quadro 6 representa essas respostas distribuídas nos diferentes domínios.
Domínio da Linguagem Domínio das Habilidades Domínio dos Conceitos
Cognitivas Científicos
Sincréticos Observar/Perceber Localizar/Identificar
Signos percebidos -Perceberam que plantaram -Acharam que todas as
- Nível de sensações de difícil sementes de feijões (todos os sementes iam germinar e dar
captação pelas pesquisadoras6 alunos respondentes) feijões (todos os alunos
respondentes)
Organizados Descrever Expressar
Signos percebidos: Descreveram o processo de Expressaram que se tratavam de
-Oralidade e verbalização: plantio: duas formas diferentes de
o aluno 28 ainda não conseguia plantar mas não as relacionaram
escrever e somente utilizou-se (20-25-30-15-1-4-7-26-2-16-10- com o resultado final (29-19-6-
da prática fornecida pela 9-8-31-27-28) 5-3-13)
oralidade
Formalizados Descrever Interpretar
Signos percebidos: Descreveram o processo do Interpretaram que as plantas
Os alunos, com exceção do 28 plantio e relacionaram às duas poderiam crescer, ou não,
dominaram a linguagem variáveis dependendo do local onde
simbólica para preencher as (6-17-5-14-11-12-13-23-19-29- foram plantadas (22-11-17-14-
atividades sugeridas. 22) 12-23)
Quadro 6- Classificação das respostas dos alunos nos domínios estabelecidos
6
O nível das sensações ou volições é presente para que os níveis posteriores se estabeleçam porém, é difícil de
ser observado. Situa-se em nível de primeiridade para Peirce.
251
Investigações em Ensino de Ciências – V12(2), pp.227-261, 2007
Esse quadro, ao ser analisado, permite-nos uma maior discriminação dos processos
mentais que estavam sendo mobilizados pelos alunos uma vez que as atividades de plantio
foram realizadas em grupo. Essas questões foram respondidas individualmente. Uma outra
“síntese de significação” pode ser aqui percebida.
Síntese de significação: compreender que há duas variáveis intervenientes no processo
de plantio e o estabelecimento de hipóteses a partir delas
No Domínio das Linguagens não foi exigido que os alunos tivessem amplo repertório
lingüístico para responder as questões. O aluno 28 ainda não conseguia escrever e utilizava-se
da oralidade. Notamos que os alunos estavam alfabetizados, mas alguns apresentam
dificuldades para estruturar as frases com coerência e coesão.
No Domínio das Habilidades, as perguntas intencionavam verificar a habilidade de
descrever um processo e suas variáveis. Isso foi alcançado por 11 alunos. Os demais
descreveram o processo de plantio, mas não relacionam-no às possibilidades das variáveis
(local “escolhido” e local “jogado”) interferirem no processo.
Em relação aos Domínios dos Conceitos Científicos, a pergunta “O que você acha que
vai acontecer?” procurava suscitar a previsão de acontecimentos em função das variáveis. O
número de alunos que ficaram somente na associação de idéias que “plantar resulta em
germinar e dar feijões” foi bastante significativo. Somente 6 alunos declararam que eram duas
formas diferentes “de plantar”, mas não julgaram que essas variáveis pudessem influir nos
resultados. Outros seis alunos interpretaram que as plantas poderiam ou não crescer em
função dos locais onde foram plantadas.
Análise dos diálogos estabelecidos
A seguir, trazemos as análises resultantes da interpretação dos gráficos sobre o
desenvolvimento das plantas, levando-se em consideração as duas condições de plantio:
“escolha do local” e “plantio aleatório”. O quadro 7 representa os resultados dessa análise,
segundo a categoria dos domínios.
As perguntas que foram utilizadas pelas pesquisadoras, no decorrer do processo de
interpretação dos gráficos, tiveram a função de dirigir o pensamento para favorecer a
construção das formas de raciocínio.
A análise dos resultados, constantes no quadro 7, permite-nos avaliar que os alunos
desenvolveram as habilidades de construir os gráficos, relacionar a representação gráfica ao
processo biológico experenciado e interpretar os gráficos obtidos. Dois grupos apresentaram
dificuldades para se expressarem oralmente, o que não os impediram de dominar as
habilidades requeridas para solucionar as questões propostas e os conceitos em questão.
O processo de pensar, através da elaboração de hipóteses, foi utilizado por todos os
grupos. Pudemos observar que essa fase se instaurou com relativa facilidade no início dos
trabalhos. Bastou apresentarmos a questão instigadora: “Porque existem espaços em branco
no gráfico?” A partir dessa questão, não tiveram dificuldades em estabelecer hipóteses. Essas
foram levantadas pelos grupos e referiram-se, diretamente ao fenômeno observado e às
variáveis presentes na experiência. Buscaram uma explicação racional e provável para o
processo de compreensão do fenômeno biológico ocorrido.
252
Investigações em Ensino de Ciências – V12(2), pp.227-261, 2007
Domínio das Linguagens Domínio das Habilidades Domínio dos Conceitos
Cognitivas Científicos
Sincréticos Representar Relacinar
Signos percebidos: sincréticos. - Todos os alunos construíram o Relacionaram os resultados
gráfico de colunas obtidos às duas formas de
representando as mudas com plantio
suas respectivas alturas. (todos os grupos)
Organizar Relacionar Relacinar
Grupo 6 e grupo 2 – dificuldade Relacionaram a representação Relacionaram seres vivos entre
em expressar-se oralmente gráfica ao processo biológico si e estes com fatores
desenvolvido ambientais
Grupos: 1,2,5,6 e7 (todos os grupos)
Formalizar Interpretar Compreender
Todos os grupos representaram Interpretaram o gráfico por Demonstraram a compreensão
os fenômenos através de tabelas meio de: sobre conceitos de
e gráficos - construção de hipóteses. coexistência/competição.
Grupos: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 Grupos: 1, 2,3,5,6 e 7.
- forma indutiva. Grupos: 1, 2,
3, 5, 6, 7.
- forma dedutiva. Grupos: 1, 2,
3, 6 e 7.
Quadro 7- Classificação das respostas dos alunos nos domínios estabelecidos
O raciocínio hipotético é denominado por Peirce de abdução. E à experiência, cabe o
papel de testar a hipótese construída.
A seguir, as perguntas feitas pelas pesquisadoras, tiveram o objetivo de contrapor
alguns elementos das hipóteses levantadas pelo grupo, obrigando-os a pensar em outros
aspectos da experiência, que de inicio não haviam percebido.
O processo de refutação das hipóteses recebido, no decorrer das atividades, pelas
pesquisadoras suscitaram a incorporação de novos elementos, oriundos da experiência
efetivada a fim de repensarem sobre as hipóteses levantadas anteriormente. Raciocinar
indutivamente é “um método que consiste em encontrar ou estabelecer uma predição e
concluir que ela será verificada tão freqüentemente quanto é verificada experimentalmente”.
(C.P. II, 269).
A verificação do experimento era testada no interior das predições dos alunos por
meio da questão: “Como poderemos” ter certeza “que foram as formigas, os caramujos ou
outro problema?” Puderam assim, nessa etapa do percurso, adicionar novas inferências
indutivas até que atingissem uma idéia mais geral. Desse modo, pudemos contatar uma outra
síntese de significação.
Síntese de significação: Relacionar seres vivos entre si e estes com fatores ambientais através
das formas indutivas e dedutivas do raciocínio.
Sabemos que para Peirce as categorias fenomenológicas (primeiridede, secundidade e
terceiridade) de acordo com as tríades sígnicas: representamen, objeto e interpretante,
decorrem os demais correlatos. No presente trabalho, interessa-nos investigar sobre a classe
dos interpretantes. Essa foi desmembrada por Peirce em duas séries: Rema, discente e
253
Investigações em Ensino de Ciências – V12(2), pp.227-261, 2007
argumento.7 Do ultimo (argumento) são produzidos os raciocínios: abdutivo, indutivo e
dedutivo. E são com essas séries de interpretantes que analisaremos as formas de raciocínios
atingidos (ou não) pelos alunos no decorrer da experiência. Ressaltamos que, a nosso ver, os
interpretantes em nível argumentativo podem ser expressos em primeiridade, secundidade e
terceiridade.
Os caminhos que o signo-pensamento percorre dependem das condições de construção
do diagrama mental. Esse pode ser apoiado em fatos observáveis nas experiências particulares
e aí segue meandros indutivos. Pode caminhar direto da abdução, em que há uma visão
sincrética do quadro e, portanto, geral e desse geral, deduzir. Ou seja, caminhar do geral para
o particular.
Esses diagramas são mentais e, portanto, particulares a cada aluno. Como o trabalho
de interpretação dos gráficos estava pautado em uma representação da experiência, os
elementos nela vivenciados aparecem como marcas na construção dos interpretantes dos
grupos.
O caminho abdução/ indução/dedução esta presente na discussão entre todos os alunos
da classe. Desse modo podemos perceber como as inferências abdutivas surgidas podem e
devem suscitar outras. O esquema indutivo, seguido do dedutivo, também foi instaurado pelo
diálogo coletivo e poderia ser de outra forma, por exemplo, dedutivo/indutivo. A opção
ocorreu em função da instauração do dialogo entre os alunos e as pesquisadoras; ou seja, as
diversas linguagens empregadas foram mediando e subsidiando as novas formas de
raciocínio.
A Representação dos Fenômenos
Com a intenção de verificarmos quais eram os interpretantes gerados pelos alunos,
optados por “organizar as idéias” de forma individualizada. Para tanto, utilizamos perguntas
sobre conceitos científicos, elaborados a partir de um texto pontual, e de descrição do
processo experiêncial ocorrido durante os meses em que a pesquisa ocorreu.
Nas perguntas pontuais, relativas aos exemplos de relações entre seres vivos,
percebemos que a maioria dos alunos recorreu à indução, ou seja, buscaram na observação
fatual os exemplos elencados. Já para exemplificar as relações entre os seres vivos e fatores
ambientais recorreram ao processo de raciocínio dedutivo o que era esperado, uma vez que
deveriam recorrer aos estudos oriundos das atividades desenvolvidas no contexto geral, pois
ainda não tinham elementos conceituais para particularizar exemplos.
Em relação ao texto argumentativo, concluímos que a maioria dos alunos conseguiu
gerar interpretantes que caracterizaram o entendimento das relações entre os seres vivos
engendradas pelos conceitos de competição e coexistência. O quadro 8 representa os
resultados nos domínios das categorias selecionadas.
A análise dos textos e perguntas alunos permite-nos evidenciar mais claramente as
fases do raciocínio científico.
7
A outra série constitui-se pelos interpretantes: emocionais, energéticos e lógico.
254
Investigações em Ensino de Ciências – V12(2), pp.227-261, 2007
Domínio das Linguagens Domínio das Habilidades Domínio dos Conceitos Científicos
Cognitivas
Significar Identificar Descrever
- Entenderam a função de Citaram elementos Descreveram a experiência pelo
cada signo em seu contexto presentes na experiência menos em parte (todos)
(todos os alunos) (todos)
Ressignificar Relacionar Expressar
Utilizaram forma conjunta Privilegiaram o processo de Expressaram a compreensão dos
signos lingüísticos e raciocínio dedutivo: para processos biológicos estudados no
matemáticos, entre outros: exemplificar relações entre canteiro de plantas (todos)
(todos) seres vivos 4, 8, 30, 32, 9,
12, 10, 28, 19, 24, 17, 25,
23, 18, 22, 2, 26, 16, 31, 14,
3, 5
Ressignificar Relacionar Significar/Ressignificar
Utilizaram signos Priorizaram o processo de Reelaboram o significado dos
lingüísticos e matemáticos raciocínio dedutivo: 4, 8, conceitos de competição e
para subsidiar a 30, 6, 10, 28, 19, 17, 25, 23, coexistência.
compreensão do fenômeno 18, 22, 2, 11, 3, 14, 13, 5 – 5,8,9,10,11,12,14,16,18,25,32.
biológico: 15, 9, 21, 33, 25, exemplificar relações entre
30, 5, 13, 11, 29, 4, 17, 18, seres vivos e o ambiente
3, 19, 16, 30, 32, 20, 28, 7,
6, 3, 1, 31, 8, 27, 10, 33, 26
e 2.
Quadro 8 - Representação das respostas dos alunos nos domínios estabelecidos
Para Peirce:
A abdução se inicia a partir dos fatos, em que, nesse começo, haja
qualquer teoria particular em vista, embora seja motivada pelo
sentimento de que a teoria é necessária para explicar os fatos
surpreendentes. A indução se inicia de uma hipótese, que parece
recomendar a si própria, sem que, nesse começo, haja quaisquer fatos
em particular à vista, embora sinta necessidade de fatos para sustentar
a teoria. A abdução persegue uma teoria, a indução persegue fatos.
Na abdução a consideração dos fatos sugere a hipótese. Na indução, o
estudo da hipótese sugere a experimentação que traz à luz os próprios
fatos, para os quais a hipótese havia apontado. (C.P. 7.218)
As contribuições individuais que representam concepções prévias e diagramas
mentais diferentes acabam por formar o quadro categorial existente. A indução e a dedução
praticamente se completam porque os elementos do grupo interagem, enquanto uns estão na
fase indutiva, outros já estão mais avançados.
Percebemos, na seqüência discursiva discente o suporte dos signos oriundos de
diferentes linguagens. Podemos, desse modo, afirmar que as sínteses de significação
estabelecidas foram:
- Entenderam a função de cada signo enfocado em seu contexto;
255
Investigações em Ensino de Ciências – V12(2), pp.227-261, 2007
- Utilizaram-se, de forma conjunta, de signos lingüísticos e matemáticos; (
verbalmente e/ou oralmente)
- Utilizaram-se de praticas relacionais para subsidiarem a compreensão do
fenômeno biológico;
- Utilizaram-se da linguagem pictórica, através de desenhos, para explicar os
fenômenos biológicos observados.
- Entenderam a função das representações gráficas produzidas.
Nesse percurso da apresentação, em que havia uma mistura de elementos calcados em
relações iônicas, indiciais e simbólicas; (quali, sin e legi-signos) toda a potencialidade dessa
forma de conhecer esteve presente. Desse modo, os alunos desenvolveram as habilidades de
observação, de relacionar elementos oriundos da experiência, de discriminar componentes do
raciocínio, construíram inferências, hipóteses, induções e deduções a partir de conceitos
originários na e pelas experiências realizadas e esses conceitos foram ressignificados por eles.
De forma pontual, elegeram interesses próprios (caramujo, girassol, plantaram em casa) e re-
utilizaram o conhecimento obtido fora do contexto escolar.
Assim podemos dizer que as palavras foram geradas a partir do contexto vivencial e
passaram a fazer parte do repertório dos alunos. Signos lingüísticos e matemáticos, entre
outros, mesclaram-se para descrever as relações biológicas observadas e interpretadas.
Podemos analisar esses resultados a partir das sínteses de significação aqui
estabelecidas:
Sínteses de significação: organizar mentalmente as significações estabelecidas e descrever o
processo experencial
Nossa percepção é que a produção da linguagem verbal é dirigida por processos
engendrados inicialmente por expressão de sensações, interligadas às observações relativas ao
estabelecimento do confronto com o real, que vão lhe sugerir a formalização argumentativa
que lhes possibilitam gerar interpretantes simbólicos.
E, finalmente, as crianças podem (ou não) resgatar no texto dissertado os enunciados
calcados em respostas pontuais ou podem expandir (ou não) os argumentos dando exemplos.
O que ficou evidente é que quando as atividades foram trabalhadas de forma experencial e
satisfatória; fornecendo, por exemplo, habilidades para plantar, observar, medir, fazer
gráficos, etc. as crianças resgataram o que assimilaram com o grupo e souberam relatar os
fenômenos experenciados. No entanto, percebemos que muitas delas ao ter que
individualmente reelaborar o significado por escrito, apresentam dificuldades na produção de
textos com coerência e coesão. Isso demonstra que não souberam ressignificar o aprendizado
anterior ou que algumas lacunas não foram preenchidas com sucesso. Torna-se, dessa
maneira, fulcral a necessidade de se elaborar uma nova atividade: a reescrita. Somente a partir
dessa é possível se considerar o nível de interpretantes que a criança consegue alcançar.Desse
modo, uma das dificuldades que enfrentamos foi o não domínio que algumas crianças
apresentavam em relação à produção de textos escritos. Quando eram solicitadas a falar sobre
suas idéias o faziam revelando maior grau de abstração o que não conseguiam nas praticas de
produção escrita. Percebe-se que as dificuldades de elaboração de textos escritos acabam por
interferir na representação dos conceitos apreendidos.
256
Investigações em Ensino de Ciências – V12(2), pp.227-261, 2007
O Contexto de Significação
Ao utilizarmos um canteiro de plantas, presente no interior da escola, pensávamos em
estudar semióticamente o processo de ensino-aprendizagem dos conceitos pretendidos. Mas
fomos percebendo que a experiência iniciada poderia ser orientada de forma a gerar novos
interpretantes a partir do próprio contexto selecionado inicialmente. Para tanto nos
propusemos a:
- elaborar um experimento que permitisse a compreensão de como determinado
fator ambiental pode influenciar os fenômenos mais diretamente que outros fatores.
- construir um outro canteiro que possibilitasse estabelecer comparações sobre
diversidade e disposição de plantas;
As atividades seqüenciais II mostram como se deu o processo de ensino-aprendizagem
a partir do experimento sobre fatores intervenientes na germinação e, sobre as possibilidades
de investigação potencialmente presentes no canteiro II.
Sem nos ater à particularidade de cada atividade desenvolvida, procuramos analisar
como o contexto de significação inicial facilitou a aquisição de novos conceitos e permitiu
que os alunos chegassem a conclusões satisfatórias, interpretando dados da experiência e
construindo um discurso argumentativo, embora com dificuldades ortográficas e também de
estabelecer coesão e coerências necessárias.
A seguir, analisaremos outros aspectos relevantes:
1) O experimento sobre germinação de sementes de feijão permitiu que os alunos
compreendessem que os fatores ambientais influenciam no desenvolvimento das plantas, mas
há fases desse desenvolvimento, em que um fator pode exercer mais influencia que outros.
Essa constatação só foi possível de ser verificada na interpretação dos gráficos na seqüência
II.
2) O inventário das plantas dos canteiros I e II bem, como a construção dos gráficos,
foi realizada em 4 sessões. Para a realização da seqüência I utilizamos 8 sessões de
atividades relacionadas aos conteúdos científicos,reforçadas posteriormente por mais 8, a fim
de que fosse possível aos alunos estabelecerem relações, através dos conteúdos matemáticos
enfocados. Desse modo, podemos inferir que as habilidades adquiridas na seqüência I
potencializaram o desenvolvimento do ensino-aprendizagem proporcionado pela seqüência II;
3) As conclusões referentes à comparação entre as condições do canteiro I e II foram
atingidas com relativa facilidade. a) Os grupos 1, 2, 3, 5, 6, 7 concluíram que a árvore alta
impedia a luz de chegar a todas as plantas e, por isso, havia competição pela luz e também por
água. Concluíram comparativamente que no canteiro I havia competição pelo espaço. b) o
grupo 4 concluiu que o canteiro I era mais aberto e que no II a árvore “atrapalhava a chuva”.
Mas, findadas as atividades, disseram que havia competição também pela luz no canteiro II e
no I, pelo espaço.
Ao comparar o desenvolvimento de uma mesma espécie de planta – a fortuna –
presente nos dois canteiros, mas com tamanhos diferentes, os alunos conseguiram isolar, em
suas respostas, os fatores ambientais que provavelmente influíram nas diferenças observadas.
257
Investigações em Ensino de Ciências – V12(2), pp.227-261, 2007
O quadro 9 traz os resultados das atividades II, selecionadas segundo os domínios
estabelecidos e atingidos por todos os alunos.
Domínio das linguagens e Domínio das Habilidades Domínio dos Conceitos
seus valores Científicos
Localizar Construir Descrever
-Localizaram -Elaboraram hipóteses -Elencaram fatores ambientais e sua
espacialmente: Grupos: (todos os grupos) importância para as plantas.
1,2,5,6, 7 e 4 (todos os grupos)
Medir Interpretar Expressar
-Mediram representam por -Interpretaram gráficos -Apontaram a importância dos
meio de tabelas e gráficos. comparativamente. fatores luz e espaço na interação
(todos os grupos) (todos os grupos) entre plantas.
(todos os grupos)
Comparar Concluir Compreender
-Compararam dois -Concluíram através de - Concluíram que as plantas do
gráficos diferentes (todos raciocínio dedutivo. canteiro I competem pelo espaço e
os grupos) Grupos: 1,3, 5, 6 e 7. do canteiro II competem pela luz.
-Comparam utiliznado Grupos: 1, 3, 5, e 7
discurso argumentativo.
Grupo:2 e 4.
Quadro 9 - Representação das respostas dos alunos nos domínios estabelecidos
As sínteses de significação estabelecidas foram:
Sínteses de significação: apontam a importância singular de fatores ambientais na interação
com as plantas; concluem como esse fatores atuam como promotores da competição entre as
plantas.
A análise do quadro 9 permite-nos verificar que os alunos partiram de patamares mais
complexos ao desenvolverem a seqüência didática II. Os signos-pensamentos, na seqüência
didática I, foram prontamente mobilizados facilitando a compreensão de outros fenômenos,
envolvidos nos canteiros I e II.
Conclusões
A elaboração da metodologia didática e os processos de investigação aqui
desenvolvidos tiveram como pressupostos, conforme intensamente discutido, a concepção de
signo e sua função epistêmica nos processos de compreensão de fenômenos naturais.
Essa metodologia apoiada na tríade perceber/relacionar/conhecer fornece os elementos
gerais da ação didática em ciências naturais. Articular ações didáticas é proporcionar
experiências que mediatizem o engendramento de representações sígnicas. Essas ao se
atualizarem no discurso argumentativo percorrem um processo que inicia-se na percepção e
atinge o conhecimento, respeitando as possibilidades individuais.
Em nível de estabelecimento de relações, as sínteses de significação alcançadas pelos
alunos permite-nos inferir que após a percepção inicial desenvolveram as seguintes fases:
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Observação e identificação de seres vivos e de fatores
Situação sincrética
ambientais
As variáveis ambientais no processo/ e as hipóteses
Os resultados às variáveis Fase de estabelecer relações
Seres vivos entre si e entre fatores ambientais iniciais e hipotéticas.
Aumentaram o domínio de compreensão de signos de diferentes linguagens
Indução/dedução
Compreensão de forma
Competição e coexistência geral
Aumentaram o domínio das habilidades cognitivas
Separaram fatores ambientais Fase de estabelecimento de
novas relações
dedução
Quais são os fatores que promovem competição em Fase de compreensão
particularizada sobre os
cada caso fatores promotores da
competição.
Ressignificação dos
Competição e coexistência ressignificadas
conceitos
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Assim, o processo de ensino aprendizagem experenciado corrobora o que Habermas
descreveu:
(...) o processo circular entre a construção de hipóteses, a
generalização indutiva, a dedução e renovada construção de hipóteses,
promete, unicamente, caso a abdução seja corretamente administrada,
uma assimilação autocorretiva das experiências adquiridas e um
crescimento cumulativo do saber. (HABERMAS, 1991; p.22)
Para garantir uma “abdução corretamente administrada” é preciso, no interior das
situações de ensino, apresentar fenômenos, os mais próximos possíveis da situação natural
(quanto menor for a possibilidade de construção argumentativa do aluno) e, ao mesmo tempo,
potencializar sua significação com a interpretação das diferentes linguagens. À medida que a
potencialidade abstrativa aumenta e, novas linguagens são engendradas, as experiências
podem se afastar do contexto natural e podemos utilizar representações de níveis mais
abstratos sem que o contexto natural inicial seja revisitado concretamente.
No presente estudo, a experiência de apresentação de fenômenos em um canteiro de
plantas foi fundamental para apresentar seres vivos, fatores ambientais e relações entre os
mesmos. Essa apresentação garantiu também a aprendizagem de novos signos lingüísticos e
matemáticos que foram evoluindo no decorrer das atividades.
Não estão analisados semióticamente aqui as duas representações pictóricas dos
canteiros, mas, esses desenhos permitiram-nos verificar que os alunos aumentaram o nível
perceptivo dos detalhes relacionados à organização das plantas no decorrer do processo
ensino-aprendizagem.
A apresentação permite também a inter-relação entre conhecimento, linguagens e
sentimentos. Na potencialidade da apresentação, reside o estabelecimento de relações
estéticas, desejos que, no confronto com a experiência e por meio do discurso argumentativo
(oral ou escrito) vão propiciando um saber reflexivo e prolífero para o estabelecimento de
posteriores relações significativas. As bases do pensar lógico devem ser estruturadas não de
maneira asséptica e fria, mas eivada de sentimentos e apoiadas em discursos argumentativos
construídos pelos próprios alunos ao ressignificar em suas experiências, socializando-as com
os demais colegas.
Desta forma pensamos a aquisição do conhecimento como um processo de aquisição
de novas significações engendradas no interior do contexto de relações efetivadas.A metáfora
de “rede” nos ajuda para entendermos como seria a aquisição do conhecimento de forma mais
integradora.
Cada “nó” da rede, a nosso ver, seria representado por “sínteses de significação” que
no contexto vivencial e na interação entre os locutores, são re-estabelecidas. Esse “nós”
seriam possibilidades contínuas de geração de novos interpretantes. Apresentam a
potencialidade de gerar outros interpretantes cada vez mais complexos.
Conceitos científicos são, pois, definidos como enunciados lógicos e argumentativos,
construídos por mediação de linguagens e constantemente atualizados por uma comunidade
(de especialistas; professores etc) na e pela experiência.
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O Ensino de Ciências Naturais cumpre, portanto, dessa forma, o papel de ensinar
conceitos científicos estabelecendo continuadamente relações significativas e
contextualizadas que podem ser ampliadas com discussões referentes às questões sócio-
ambientais. Estabelecido os “nós da rede”, torna-se possível expandir a rede em uma teia mais
complexa, que sustentará outras com novos nós e, assim, sucessivamente. Estéril é tentar
propor teias pré-estabelecidas para que os alunos consigam por si só (pelo menos nas séries
iniciais) estabelecer significados e tentar ressignificá-los.
Entendemos que a experiência desenvolvida com os alunos permitiu a geração de
interpretantes que subsidiam a compreensão dos fenômenos estudados e podem fomentar
novas pesquisas a partir do que realizamos no presente trabalho.
Essa conclusão baseia-se nos interpretantes gerados pelo conjunto de alunos. Uma
análise de como se deu esse processo de forma individualizada é possível de ser realizada.
Isso pretendemos concretizar num futuro próximo para dar continuidade as atividades aqui
pesquisadas e analisadas.
Referências
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