Sobre o conceito e a
prática da pesquisa-ação
Felipe Addor e Celso Alexandre Souza de Alvear
“Trata-se de conhecer para agir,
de agir para transformar”.
Michel Thiollent, 1996
Este capítulo foi desenvolvido a partir da releitura de dois trabalhos de revisão
bibliográfica desenvolvidas por pesquisadores do Soltec/UFRJ. Primeiro, recupera-
mos a reflexão desenvolvida ao longo da dissertação de mestrado acerca da estra-
tégia metodológica da pesquisa-ação (Addor, 2006). O intuito do trabalho foi o de
analisar o percurso metodológico que vinha sendo traçado pela equipe do Soltec/
UFRJ no projeto Pesquisa-Ação na Cadeia Produtiva da Pesca (Papesca), entre os
anos de 2004 e 2005, em Macaé, na primeira experiência de atuação extensionista
do Núcleo.1 Para tanto, Addor (2006) procurou fazer um estudo mais amplo sobre
o conceito de pesquisa-ação para que essa pesquisa desse subsídios para analisar o
quanto a metodologia em desenvolvimento no projeto estava afinada com os pre-
ceitos metodológicos propostos pelos teóricos da pesquisa-ação, tendo como refe-
rência principal o autor Michel Thiollent.
Além disso, atualizamos as reflexões sobre o conceito a partir da tese de Alvear
(2014), que traz um debate sobre o uso de metodologias, como a pesquisa-ação, no
desenvolvimento de sistemas de informação para movimentos sociais. Essa tese uti-
liza-se da análise de dois estudos de caso – o Portal Comunitário da Cidade de Deus
e o sistema de informação da economia solidária Cirandas.net – que fazem parte do
projeto Tecnologias da Informação para Fins Sociais (Tifs) do Soltec/UFRJ.
Destacamos, inicialmente, as diferentes origens do que hoje viria a ser conhecido
como a pesquisa-ação. Em seguida, com base em diferentes atores, apresentamos os
pilares da pesquisa-ação, destacando três pares de conceitos que estruturam sua
1
Os resultados deste trabalho podem ser vistos com mais detalhes em capítulo sobre a Papesca, no pri-
meiro livro da coleção.
120 Participação e democracia
proposta metodológica: conhecimento e ação; pesquisador e ator; conhecimento
científico e conhecimento popular. Por fim, contextualizamos a colocação em prá-
tica dessa proposta metodológica de pesquisa.
a história da pesquisa-ação
Como a construção de uma estratégia metodológica de pesquisa não é pontual,
é difícil delinear precisamente a origem da pesquisa-ação. Diversos pesquisado-
res são citados como precursores na utilização dos seus princípios.2 No entanto, é
amplamente aceito que o psicólogo norte-americano Kurt Lewin (1890-1947) foi
quem, em meados da década de 1940, formulou e sistematizou a pesquisa-ação nos
moldes conhecidos atualmente. Ela nasceu de uma insatisfação quanto aos métodos
e princípios de pesquisa presentes no momento, que não abordavam as demandas
percebidas na realidade. Susman e Evered (1978) indicaram que o primeiro artigo
em que Lewin usou o termo pesquisa-ação (action research) foi publicado em 1946
e se chamava Action Research and Minority Problems [Pesquisa-ação e problemas
das minorias], indicando, segundo os autores, “a preocupação de Lewin de que a
ciência tradicional não estava ajudando na resolução dos problemas sociais críticos”
(1978, p. 587).
Lewin teve o mérito de quebrar paradigmas vinculados à pesquisa naquela
época,3 com ênfase em dois. A primeira ruptura foi em relação à participação dos
trabalhadores. Como afirmou El Andaloussi (2004, p. 75), Lewin defendeu a parti-
cipação dos trabalhadores nas pesquisas sobre o trabalho e nas tomadas de decisão,
em uma proposta alternativa à taylorista4 prevalecente na época, pois acreditava que
“a participação dos atores no trabalho, em um clima democrático, permite maior
rendimento”. A segunda ruptura de Lewin foi sua proposta de uma relação mais
próxima entre pesquisa e ação, incentivando os pesquisadores a saírem de seus
2
El Andaloussi (2004, p. 73) destaca: Hess, que defende que suas origens podem ser atribuídas a autores
como Mayo, Roesthlisberger e Dickson; e Thirion, para quem Dewey seria a fonte. Masters (1995) cita:
McKernan, que coloca como pioneiros Collier, Lippitt e Radke e Corey; McTaggert, que fala de Moreno
com seus trabalhos de desenvolvimento de comunidades em Viena; e Freideres, que menciona Fals-Borda
e o próprio Freideres. Masters define, ainda, grandes movimentos que tiveram influência na construção da
pesquisa-ação desde o século XIX.
3
Susman e Evered (1978, p. 589) falam de “seis características da pesquisa-ação que servem como cor-
retores das deficiências da ciência positivista”: é orientada para o futuro; prevê colaboração; implica um
desenvolvimento sistemático; gera teoria embasada na ação; é agnóstica; é situacional.
4.
Referente a Frederick Winslow Taylor (1856-1915), engenheiro americano que se dedicou ao estudo da
metodização para maior eficiência dos processos de trabalho na indústria. Sua obra central é Princípios
de administração científica (São Paulo: Atlas, 1990), em que aplica os métodos científicos aos problemas
de administração, baseando-se em leis, regras e princípios definidos. Segundo o autor, esses métodos são
aplicáveis a todo tipo de atividade humana.
Sobre o conceito e a prática da pesquisa-ação 121
laboratórios para se depararem com controvérsias do mundo real (Thiollent, 2005,
p. 173), passando de observadores distantes a envolvidos na resolução de problemas
concretos (Greenwood; Levin, 1998, p. 19).
Tendo esse movimento como origem, o conceito da pesquisa-ação disseminado
hoje é fruto de duas vertentes: a primeira, mais presente nos países industrializados,
conhecida pela aplicação em organizações de diversas naturezas (escolas, empre-
sas, cooperativas) para resolução de problemas; a segunda, mais forte na América
Latina, utilizada em movimentos sociopolíticos, a partir dos anos 1960 (Thiollent,
1997).
Nos países latino-americanos e em outros países em desenvolvimento, a pes-
quisa-ação ganhou um caráter emancipatório. Nesse contexto, a pesquisa-ação é
voltada principalmente para o engajamento sociopolítico de movimentos sociais,
grupos oprimidos ou grupos mais pobres da sociedade. Por outro lado, no contexto
norte-americano ou europeu, muitas vezes a pesquisa-ação tem um caráter mais
pragmático, ou seja, busca o envolvimento e a participação dos envolvidos como
uma forma de a ação ter maior eficácia (Thiollent, 1996, p. 14).
Greenwood e Levin (1998, p. 15) detalharam a primeira vertente vinculando
o movimento lewiniano ao que chamaram de tradição ou movimento da demo-
cracia industrial5 na Europa, que, segundo eles, foi o primeiro esforço sistemático
e significativo da pesquisa-ação em países ocidentais industrializados. Os princí-
pios de Lewin foram levados, por volta dos anos 1950, para a Europa pelo Instituto
Tavistock de Relações Humanas (Tavistock Institute of Human Relations), do Reino
Unido, e foram utilizados por pesquisadores para aplicação de seus trabalhos dire-
tamente em experimentos diários. Em sua obra sobre essas experiências, os autores
Trist e Bamforth (apud Greenwood; Levin, 1998, p. 20), em 1951 mostraram que a
tecnologia da produção e a organização do trabalho estão intrinsecamente ligadas,
quebrando a tradicional abordagem taylorística do trabalho, “em que a pesquisa
está sempre enfocada em achar o meio mais tecnicamente eficiente para organizar o
trabalho em grupos responsáveis e segregados, que lidam apenas com um elemento
claramente identificado e delimitado do ciclo de produção”. No entanto, por ques-
tões políticas, essas experiências não foram muito longe no país.
A abordagem lewiniana foi levada à Noruega,6 entre os anos 1960 e 1970, no
âmbito do Projeto de Democracia Industrial Norueguesa,7 que objetivava realizar
experiências de incentivo à democracia no chão de fábrica, o que foi chamado de
reorganização sociotécnica do trabalho. Foi criada a ideia dos grupos semiautôno-
mos, que propiciavam maior motivação aos trabalhadores e possibilitavam parti-
5
“Industrial democracy tradition or movement”.
6.
Por intermediação do psicólogo norueguês Einar Thorsrud (Greenwood; Levin, 1998).
7.
Norwegian Industrial Democracy Project.
122 Participação e democracia
cipação efetiva dos trabalhadores na tomada de decisão (Greenwood; Levin, 1998,
p. 21). Lewin é creditado por alguns slogans vinculados à pesquisa-ação como
“Nada é tão prático como uma boa teoria” e “A melhor maneira de compreender
alguma coisa é tentar mudá-la”8 (Greenwood; Levin, 1998, p. 19).
Posteriormente, grandes empresas suecas, como a Volvo, atraídas pelo sucesso
das aplicações em ambientes produtivos noruegueses, adotaram práticas similares.
Entretanto, os diferentes objetivos buscados fizeram que essas tivessem como meta
central a eficiência, deixando em segundo plano o discurso da democracia. Assim,
a “democracia industrial ganhou a reputação na indústria mais como um meio
eficiente de organizar o trabalho na produção em linha de montagem do que um
caminho para um sistema mais justo” (Greenwood; Levin, 1998, p. 25). A aplicação
dos princípios sistematizados por Lewin na organização industrial baseou-se na
busca pela eficiência produtiva, deixando para trás, ao longo desse caminho, os
pilares democratizantes de sua origem. Greenwood e Levin (1998, p. 26) afirma-
ram, ainda, que o pensamento da democracia industrial influenciou movimentos
em outros países, como na construção do modelo japonês, país onde a cultura de
trabalho em grupo representou um solo fértil para esse movimento.
A segunda vertente histórica da pesquisa-ação, construída na América Latina,
teve início com o movimento da pesquisa participante, que, apesar de represen-
tar uma alternativa metodológica à pesquisa tradicional, não seguia exatamente os
padrões lewinianos, pois possuía “um propósito muito mais crítico, compromissado
e emancipatório” (Thiollent, 2005, p. 173). Thiollent (2005, p. 173) apresenta como
as principais contribuições para o movimento, os pensamentos de Paulo Freire e
Orlando Fals Borda, as influências dos textos de Antonio Gramsci e Jürgen Haber-
mas, e, depois dos anos 1980, no Brasil, as movimentações de Carlos Brandão, João
Bosco Pinto e Pedro Demo. Nessa época de luta pela redemocratização, a pesquisa
participante se apresentava como uma alternativa para a maior atuação das pessoas.
Nos anos 1990, esta pesquisa continuou evoluindo e já se via alguma presença da
pesquisa-ação.
Segundo Kemmis e Mctaggart (2005), a vertente latino-americana da pesquisa-
-ação tem suas raízes associadas à teologia da libertação e a abordagens de desen-
volvimento comunitário neomarxistas, estando todas, portanto, voltadas para a
resolução de problemas de grupos oprimidos. Essa vertente tem como uma de suas
principais premissas o entendimento de que, apesar de as ciências sociais ortodoxas
se identificarem como neutras, elas possuem uma visão ideológica e servem para
manter as relações de poder e os interesses dos grupos no poder.
8.
No original: “Nothing is as practical as a good theory”; “The best way to understand something is to
try to change it”.
Sobre o conceito e a prática da pesquisa-ação 123
Para Rahman (1991, p. 27), a pesquisa-ação, no contexto latino-americano, sur-
giu do ativismo e da militância de ex-universitários, que depois buscaram o equilí-
brio entre o ativismo e a reflexão, questão central do World Symposium on Action-
-Research and Scientific Analysis, que aconteceu em Cartagena, na Colômbia, em
março de 1977. A partir do fim dos anos 1980, com o seu reconhecimento inclusive
por organismos internacionais, a pesquisa-ação começou a ser apropriada, coop-
tada e muitas vezes distorcida.
Para Fals Borda (1991b, p. 154), os pesquisadores da PAR (Participatory Action
Research) costumam priorizar aplicações de tecnologias apropriadas às necessi-
dades de grupos excluídos/oprimidos. Além disso, é muito comum trabalhar com
sistemas de conhecimento voltados para pequenos grupos e para resgate/fortaleci-
mento de culturas tradicionais. No caso brasileiro, podemos ver, atualmente, muitas
ações que buscam desenvolver tecnologias sociais, conceito relacionado a tecno-
logias apropriadas a grupos contra-hegemônicos, que utilizam a metodologia da
pesquisa-ação.
Segundo Fals Borda (2001, p. 27), o ano de 1970 foi um ponto de virada, no qual
vários pesquisadores sociais largaram as universidades e decidiram envolver-se,
mais ativamente, na transformação social. Havia uma vontade de combinar rigor
científico e métodos críticos com o conhecimento popular, em uma construção
coletiva do conhecimento. Pretendia-se, dessa forma, uma desconstrução científica
e uma reconstrução emancipatória do conhecimento. Para alcançar esse objetivo,
havia três desafios a ser enfrentados.
O primeiro desafio era desconstruir a ciência como verdade, mostrando que esta
é uma construção social. A partir da convergência do conhecimento acadêmico
com o popular, seria possível a criação de um conhecimento mais amplamente apli-
cável, que poderia ser voltado, principalmente, para ajudar classes sociais oprimi-
das. Assim, há uma busca pela recuperação crítica do conhecimento popular, não
caindo na armadilha de um populismo (Fals Borda, 2001, p. 28).
O segundo desafio era criar uma teoria a partir de um envolvimento forte com
a prática, com a intervenção e os processos de ação social. Para tanto, dialogou-se
muito com a educação popular (relação pesquisa e ensino). Além disso, a prática
e seus resultados são uma forma de validar as teorias (Fals Borda, 2001, p. 29-30).
O terceiro desafio era estabelecer uma relação diferente entre pesquisadores e
pesquisados, para além da relação sujeito e objeto. Nesse sentido, era necessário tra-
tar os pesquisados como seres pensantes e reflexivos. Devia-se fugir de uma visão
liberal de participação, que tende à manipulação, possibilitando a combinação do
conhecimento científico com o popular. Assim, os questionários tinham que ser
construídos conjuntamente, desde o início. Também era muito comum o uso de
grupos coletivos de reflexão, que estabelecia resultados mais confiáveis, e era fun-
damental tratar também a questão da linguagem, para permitir uma relação hori-
zontal entre todos (Fals Borda, 2001, p. 30).
124 Participação e democracia
Como tarefas emergenciais da pesquisa-ação (Fals Borda, 2001, p. 33), estavam,
portanto: (i) a transformação multidisciplinar e institucional, com a busca pelo tra-
balho multidisciplinar e a articulação entre técnica, cultura e ciência; (ii) o estabele-
cimento de rigor e de critérios de validade, combinando métodos quantitativos com
qualitativos, triangulando resultados, através da examinação indutiva e dedutiva e da
avaliação crítica dos resultados; (iii) a busca por generalizações, investigando gran-
des projetos de pesquisa e de diálogo com teoria, para análise de macroproblemas.
Segundo Thiollent (2005), o início do século XXI veio acompanhado de um mo-
vimento internacional de renovação da pesquisa-ação, estando presente em um maior
número de áreas, inclusive as técnicas. Mesmo no meio acadêmico, houve um cres-
cimento significativo nos últimos anos. No entanto, parte considerável das pesquisas
classificadas como pesquisa-ação não reflete seus princípios metodológicos: “Tem-
-se observado a existência de uma grande quantidade de pesquisas que se deno-
minam pesquisa-ação pelo simples fato de o pesquisador ter colhido informações
diretamente no campo de observação com o público” (El Andaloussi, 2004, p. 71).
Porém, por possibilitar uma construção teórica mais próxima da realidade por
meio do envolvimento dos trabalhadores, a pesquisa-ação atraiu muitos pesquisa-
dores, como constatou El Andaloussi (2004, p. 58): “Nos últimos cinquenta anos,
os pesquisadores, insatisfeitos a respeito dos paradigmas e dos métodos de pesquisa
ditos clássicos, vêm explorando outras possibilidades”.
o conceito da pesquisa-ação
Pela análise da bibliografia sobre pesquisa-ação percebe-se que a compreensão do
termo é muito variada, inclusive na classificação dada por diversos autores.
Morin (2004) e Thiollent (1996), por exemplo, a consideraram como um método
ou estratégia de pesquisa: “O termo pesquisa-ação designa em geral um método
utilizado com vistas a uma ação estratégica e requerendo a participação dos atores”
(Morin, 2004, p. 56), e
a metodologia pode ser vista como conhecimento geral e habilidade que
são necessários ao pesquisador para se orientar no processo de investiga-
ção, tomar decisões oportunas, selecionar conceitos, hipóteses, técnicas e
dados adequados. [...] à luz do que procede, a pesquisa-ação não é conside-
rada como metodologia. Trata-se de um método, ou de uma estratégia de
pesquisa agregando vários métodos ou técnicas de pesquisa social, com os
quais se estabelece uma estrutura coletiva, participativa e ativa ao nível da
captação de informação. (Thiollent, 1996, p. 25)
Já El Andaloussi (2004, p. 16) a classificou não como um método, mas como um
paradigma de pesquisa:
Sobre o conceito e a prática da pesquisa-ação 125
A pesquisa-ação não é uma simples técnica, nem um método de investigação
de campo. Também não é uma simples prática de coleta de dados para a pes-
quisa. Ela se apresenta como um paradigma que possui suas próprias fina-
lidades, seus próprios fundamentos teóricos e suas próprias características.
Na definição da pesquisa-ação, um ponto comum presente é a questão da atua-
ção do pesquisador, o qual deve extravasar as paredes dos laboratórios e vincular-
-se diretamente às situações e problemas reais presentes na situação estudada. No
entanto, uma das maiores controvérsias identificada na revisão realizada é se no
termo pesquisa-ação está embutida a participação dos atores na identificação de
problemas e na elaboração de soluções. De um modo geral, todos aceitam que os
atores sociais devem ser inseridos na ação; mas isso não é senso comum para a
fase de identificação de problema e elaboração de soluções. Como veremos mais
adiante, enquanto alguns autores (Thiollent, 1996; Morin, 2004; Desroche apud
Thiollent, 1997; El Andaloussi, 2004; Gauthier apud El Andaloussi, 2004; Green-
wood e Levin, 1998) propõem que no conceito de pesquisa-ação já vem embutida
a questão da participação dos trabalhadores em todas as etapas do processo; outros
(Lewin; Masters, 2000) não fazem essa vinculação direta e classificam diversos tipos
de pesquisa-ação, sejam estas participativas ou não.
Greenwood e Levin (1998, p. 6),9 por exemplo, foram enfáticos em afirmar que
“pesquisa-ação se refere à conjunção de três elementos: pesquisa, ação e partici-
pação. A não ser que os três elementos estejam presentes, o processo não pode ser
chamado de pesquisa-ação”. Thiollent (1997, p. 14), na mesma linha, define que
A pesquisa-ação consiste essencialmente em acoplar pesquisa e ação em um
processo no qual os atores implicados participam, junto com os pesquisa-
dores, para chegarem interativamente a elucidar a realidade em que estão
inseridos, identificando problemas coletivos, buscando e experimentando
soluções em situação real. Simultaneamente, há produção e uso de conhe-
cimento.
Morin (2004, p. 56) defendeu que “o termo pesquisa-ação designa em geral um
método utilizado com vistas a uma ação estratégica e requerendo a participação
dos atores”. El Andaloussi (2004, p. 102), depois de analisar vários autores sobre a
definição de pesquisa-ação, expôs sua opinião de que ela é “um jogo de articulação
entre teoria e prática, segundo estratégias que associam o pesquisador e os atores
em um dispositivo elaborado em comum para realizar o projeto”. Desroche (apud
Thiollent, 1997, p. 36) definiu a pesquisa-ação como aquela em que “os autores de
9
Greenwood et al. (1993) informam que “nossos colegas escandinavos ficam surpresos pela insistência
americana em adicionar o termo ‘Participatory’ à ‘Action Research’. Na perspectiva deles, pesquisa-ação é
impossível sem participação”.
126 Participação e democracia
pesquisa e os atores sociais encontram-se reciprocamente implicados: os atores na
pesquisa e os autores na ação”. O autor elaborou um quadro no qual ele define oito
diferentes tipos de participação, apresentado na tabela 1.
Tabela 1 – Pesquisa-ação e tipologia das participações
Pesquisa
de explicação de aplicação de implicação
Tipo de
SOBRE PARA PELA Participação
a ação e seus atores a ação e seus atores ação e seus atores
1 + + + Integral
2 + + – Aplicada
3 + – + Distanciada
4 + – – Informativa
5 – – + Espontânea
6 – + – Usuária
7 – + + Militante
8 – – – Ocasional
Fonte: Desroche (apud Thiollent, 1997, p. 108).
Gauthier (apud El Andaloussi, 2004, p. 99) também entende a participação
como pressuposto da pesquisa-ação. Baseado no quadro de Desroche, o autor ela-
borou uma nova proposta de análise e classificação dos tipos de pesquisa-ação,
como apresentamos na tabela 2, mas deixando claro que “em cada um dos casos, os
atores fazem parte tanto da dinâmica ‘pesquisa’ quanto da dinâmica ‘ação’” (Gau-
thier, 1993, apud El Andaloussi, 2004, p. 99).
Tabela 2 – Tipologia das pesquisas-ações
Finalidades Iniciativas Forma
Tipos (A) Adaptação (P) Pesquisador (A) Ação
(T) transformação (A) Atores (S) Sobre a ação
Recuperadora A A S
Integradora A A A
Avaliativa A P S
Aplicada A P A
Conscientizadora T A S
Integral T A A
Distante T P S
Militante T P A
Fonte: Gauthier (1993 apud El Andaloussi, 2004, p. 100).
Sobre o conceito e a prática da pesquisa-ação 127
O pioneiro Lewin não entendia a participação como um pressuposto da pesquisa-
-ação. Segundo Adelman (apud El Andaloussi, 2004, p. 75), Lewin e seus colabo-
radores fizeram quatro classificações da pesquisa-ação: ação pesquisa diagnóstica;
ação pesquisa participativa; ação pesquisa empírica; e ação pesquisa experimental.
Dentre estas, apenas a segunda coloca a participação como uma condição necessá-
ria para sua realização.
Masters (1995) segue o tipo de classificação de Lewin, ao categorizar a pesquisa-
-ação em três tipos: pesquisa-ação técnica; pesquisa-ação deliberativa ou colabo-
rativa; pesquisa-ação participante ou emancipatória. No primeiro caso, o objetivo
do pesquisador é testar uma intervenção particular baseada numa estrutura teó-
rica previamente especificada. Seria papel do pesquisador identificar o problema e
definir a intervenção a ser feita, em que a comunidade seria inserida, e haveria um
acordo mútuo para implementação do projeto. A segunda classificação apresenta
uma visão mais pragmática da pesquisa-ação, que enfoca, centralmente, na identifi-
cação e resolução de problemas. Já a terceira procura aumentar a consciência cole-
tiva dos participantes ao longo de todo o processo, mostrando maior preocupação
com métodos participativos.
O livro Information systems action research: an applied view of emerging con-
cepts and methods, organizado por Kock (2007), exemplifica bem a vertente norte-
-americana pragmática da pesquisa-ação. Não contém nenhuma citação da questão
emancipatória, de autonomia ou da abordagem latino-americana da pesquisa-ação.
Apenas um artigo discute a questão da distribuição de poder dentro de uma pes-
quisa-ação, mas não se posiciona sobre buscar criar uma estrutura mais balanceada
de poder. Ou seja, praticamente não há uma perspectiva política, e muito menos
crítica, na abordagem norte-americana da pesquisa-ação, principalmente no que
tange aos trabalhos com sistemas de informação.
Para a maioria desses autores do livro organizado por Kock (2007), a pesquisa-
-ação tem dois objetivos: resolver um problema imediato e desenvolver novo conhe-
cimento científico (Baskerville, 2007, p. 313). Assim, o foco da discussão dos artigos
está em como garantir a cientificidade da pesquisa-ação. Nesse sentido, Naraya-
naswamy e Grover (2007) propõem que todo artigo sobre uma pesquisa-ação deve
descrever os seguintes aspectos: desenho do estudo, questões de controle, estrutura,
metodologia, aplicação e aprendizado.
Muitas vezes, há uma confusão entre o conceito da pesquisa-ação e o da pes-
quisa participante, sendo considerados sinônimos. No entanto, há diferenças entre
eles, principalmente nos métodos utilizados. Enquanto a pesquisa-ação está las-
treada numa perspectiva de ação com base no conhecimento acumulado, a pes-
quisa participante, não. Na primeira, existe uma “vontade de ação planejada sobre
os problemas detectados na fase investigativa”. Na segunda, prevê-se um “conjunto
de discussões entre pesquisadores e membros da situação”, porém “nem sempre há
uma ação planejada” (Thiollent, 1997, p. 21).
128 Participação e democracia
Por não ter como objetivo a ação concreta para além da formação das pessoas
envolvidas, o método da pesquisa participante é diferente inclusive quanto à parti-
cipação das pessoas. Como uma de suas metas principais é a conscientização, não
há exigência de haver convergência de interesses nos envolvidos na situação pesqui-
sada. Como ressalta Thiollent (1997, p. 22), muitas vezes “a pesquisa participante
lida com situações de contestação de legitimidade do poder vigente”. Já a pesquisa-
-ação, por ter como objetivo a ação, e esta depender das diferentes instituições e
pessoas afetadas no contexto, “requer legitimidade dos diferentes atores e con-
vergência de interesses”. Isso significa que a pesquisa-ação pode ser participativa,
estando mais próxima da pesquisa participante, mas não deve ter como pressuposto
a participação dos atores, como vimos anteriormente.
Apesar das diferenças, esses dois tipos de pesquisa nascem de uma mesma natu-
reza, como contraponto à pesquisa tradicional, positivista.10 A tendência que se
percebe atualmente, segundo Thiollent (2005, p. 186), é de dirimir as diferenças
colocadas entre as duas classificações de pesquisa, em direção a uma fusão em torno
de uma pesquisa-ação participativa, hoje conhecida por PAR (Participatory Action
Research).
Em função dessa controvérsia, é importante esclarecer que a pesquisa-ação pres-
supõe a participação dos atores em todas as etapas do processo de diagnóstico e
resolução dos problemas, ou seja, pode ser entendida como a PAR, definida por
Thiollent (1996, p. 14):
[...] a pesquisa-ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é
concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a reso-
lução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes
representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo coo-
perativo ou participativo.
Mesmo quando estamos falando de métodos participativos, a participação efe-
tiva dos atores pode ter vários níveis. Sherry R. Arnstein (1969, p. 216), analisando
políticas sociais do governo estadunidense, propõe uma escala de classificação para
identificar as diferentes formas de participação cidadã, como é ilustrado na figura 1.
Todos se promovem como métodos participativos, no entanto apenas alguns real-
mente permitem a participação.
10
El Andaloussi (2004, p. 62) apresenta o princípio essencial dos positivistas: “Toda observação de um
fato particular, por indução, deve levar a uma teoria geral, a qual deve permitir, por dedução, explicar e
predizer todos os fatos particulares”.
Sobre o conceito e a prática da pesquisa-ação 129
Controle pelo cidadão
Delegação de poder Poder cidadão
Parceria
Aplacamento
Consulta Participação simbólica
Informação
Terapia
Não participação
Manipulação
figura 1 – Oito níveis na escada de participação cidadã
Fonte: Arnstein (1969, p. 217).
Na figura 1, os dois “degraus” de baixo representariam formas de “Não participa-
ção”; formas de “educar ou curar” as pessoas. Abrem-se espaços para a participação
cidadã, mas sem que as opiniões sejam de fato consideradas. Os três níveis seguintes
possibilitam que as pessoas ouçam as informações e/ou deem suas opiniões, mas
sem influenciar, necessariamente, as tomadas de decisões, sendo classificado como
“Participação simbólica”. Nesse formato, os cidadãos conhecem seus direitos, e suas
opiniões e reivindicações são consideradas, mas não há nenhum comprometimento
de que elas influenciariam nas políticas públicas. É uma participação controlada
(Arnstein, 1969, p. 219).
Os últimos três degraus da escada podem ser considerados, segundo a autora,
como níveis de “Poder cidadão”. Na Parceria, representantes reais da sociedade dia-
logam com os tomadores de decisão e é feito um acordo de compartilhamento de
planejamento e de tomada de decisão. Não pode haver mudança unilateral após as
decisões coletivas, existindo uma real distribuição de poder. Na Delegação de poder,
os representantes da comunidade possuem a maioria dos assentos em conselhos
deliberativos e grupos tomadores de decisão. Finalmente, o formato de Controle
pelo cidadão ocorre, na maioria das vezes, quando pessoas da comunidade geren-
ciam um programa ou uma instituição que trata de questões locais, como escolas
públicas, às vezes sem intermediários entre a fonte de financiamento e a organiza-
ção (Arnstein, 1969, p. 223).
Essa sistematização é útil no sentido de definir o objetivo que um projeto que
utiliza os princípios da PAR deveria ter. Mesmo não começando com um controle
completo dos cidadãos, deve-se buscar subir paulatinamente a escada, até que seja
alcançado seu degrau mais alto. Não significa que uma pesquisa só pode ser con-
siderada PAR quando estiver no maior nível de participação; mas alcançá-lo deve
ser seu objetivo.
Nas próximas seções, discutiremos os principais aspectos que caracterizam a
pesquisa-ação e que a diferenciam de outros métodos de pesquisa.
130 Participação e democracia
conhecimento e ação
Um pilar forte na conceituação da pesquisa-ação é a relação entre conhecimento e
ação. Esse também é um dos maiores desafios dos adeptos da pesquisa-ação.
A pesquisa-ação procura quebrar o método da pesquisa tradicional de pesquisar
com o objetivo primordial de desenvolver conhecimento. Ela “encontra um con-
texto favorável quando os pesquisadores não querem limitar suas investigações
aos aspectos acadêmicos e burocráticos da maioria das pesquisas convencionais”
(Thiollent, 1996, p. 16). Seus métodos preconizam que a geração de conhecimento
não deve ser apenas para a troca entre pares acadêmicos, para ser publicada em
revistas e para servir de fonte de livros e teses. Ela tem como meta auxiliar a cons-
trução de ações para a transformação da situação real estudada. “A relação entre
conhecimento e ação está no centro da problemática metodológica da pesquisa
social voltada para a ação coletiva” (Thiollent, 1996, p. 39).
Rahman (1991, p. 13) aponta que pessoas pobres e oprimidas, quando se tornam
autoconscientes, transformam seu ambiente, progressivamente, pela práxis. Para o
autor, muitos trabalhos de pesquisa-ação são inspirados pelo materialismo histó-
rico, mas divergem de uma interpretação que acredita que é papel da vanguarda
fazer a transformação social.
Um elemento essencial para a pesquisa-ação é a existência de uma relação entre
dominação dos meios de produção e de dominação da produção de conhecimento.
Assim, para transformar a sociedade, não basta, apenas, a coletivização dos meios de
produção, mas é necessário, também, democratizar o processo científico, a geração
de conhecimento, reconhecendo e permitindo que outros agentes historicamente
excluídos do processo possam gerar conhecimento, e que este seja aceito no circuito
científico (Rahman, 1991, p. 14-15). Para isso, é necessária a criação de uma ciência
realmente popular (Fals Borda, 1991b, p. 151).
Outro elemento essencial é a criação de uma organização autônoma, a partir da
formação de novos grupos ou do fortalecimento de grupos existentes. Para tanto, é
necessária a busca da autoconsciência dos indivíduos e, da conscientização, como
proposto por Paulo Freire. Espera-se, assim, que os agentes possam tornar-se sujei-
tos da pesquisa-ação, o que não é fácil, pois grupos oprimidos são, tradicional-
mente, vítimas de uma estrutura de dominação, e têm dificuldades para superar
suas atitudes de subordinação (Rahman, 1991, p. 16-17).
Por outro lado, o adepto da pesquisa-ação deve também estar atento para evitar
o ativismo militante e colocar a ação como objetivo único, descuidando do rigor
científico necessário a qualquer tipo de pesquisa. Essa ação deve lastrear-se numa
base de conhecimento construída em conjunto pelos saberes científico e popular:
“Entrosado com o trabalho dos profissionais, o do pesquisador consiste em cui-
dar do equilíbrio entre rigor científico e realidade dos fatos” (El Andaloussi, 2004,
p. 156).
Sobre o conceito e a prática da pesquisa-ação 131
Portanto, a pesquisa-ação é adequada para situações complexas em que a pes-
quisa e a mobilização das pessoas são indispensáveis para o direcionamento e a
concretização das ações, como defendem Thiollent (1996, p. 15), “é preciso que a
ação seja uma ação não trivial, o que quer dizer uma ação problemática merecendo
investigação para ser elaborada e conduzida”; e El Andaloussi (2004, p. 145), “trata-
-se de uma ação que é a base de um projeto no qual o pesquisador e os atores estão
implicados para exercer uma mudança, uma inovação, uma transformação dentro
de uma dada problemática”.
Thiollent (1996, p. 18) conclui que a pesquisa-ação possui um duplo objetivo:
a) Objetivo prático: contribuir para um melhor equacionamento possível do
problema considerado como central na pesquisa, com levantamento de solu-
ções e proposta de ações correspondentes às ‘soluções’ para auxiliar o agente
(ou ator) na sua atividade transformadora da situação.
b) Objetivo do conhecimento: obter informações que seriam de difícil acesso
por meio de outros procedimentos e aumentar nosso conhecimento de deter-
minadas situações.
O desafio está em equilíbrar os dois objetivos, promovendo esse diálogo entre
conhecimento e ação, sem pender para nenhum dos lados; como previne Thiollent
(1996, p. 20): “É preciso evitar, de um lado, o tecnocratismo e o academicismo e,
por outro, o populismo ingênuo dos animadores”. Não devemos procurar, como
defende Paulo Freire (1987, p. 53), “nem um diletante jogo de palavras vazias –
quebra-cabeça intelectual – que, por não ser reflexão verdadeira, não conduz à ação,
nem ação pela ação. Mas ambas, ação e reflexão, como unidade que não deve ser
dicotomizada”.
Pesquisador e ator
Uma segunda problemática na realização de pesquisas aplicadas é a relação do pes-
quisador com os atores. Por ator entendemos
toda pessoa, grupo de pessoas ou instituições que tenham alguma influência
na situação avaliada ou sofram suas consequências. São tanto sujeitos quanto
objetos da realidade considerada e interagem entre si. Assim, como estão
de algum modo envolvidos no problema, poderão se envolver na tentativa de
solucioná-lo por meio da realização do projeto. Provavelmente cada um dos
atores – indivíduos, grupos ou instituições – terá uma compreensão dife-
rente da mesma situação. (Campos et al., 2002)
Durante muito tempo, o papel tradicional do pesquisador foi o de forçar um
distanciamento do seu objeto de estudo. Não deveria haver trocas entre ele e o meio,
132 Participação e democracia
pois isso impediria que sua análise tivesse um valor científico, já que estaria afetada
pelo objeto de estudo, e que a situação real fosse avaliada, já que ela teria sofrido
interferência da presença do mesmo (El Andaloussi, 2004). Na pesquisa-ação, o
pesquisador deve estabelecer a maior troca possível com os atores. Para a realização
do projeto é fundamental a construção de relações de confiança entre os participan-
tes, que possibilite o trabalho conjunto e solidário: “A pesquisa-ação participativa
implicante é um sistema aberto que permite trocas, informação e formação mútua,
criando um clima de reciprocidade, com relações de igualdade, confiança e demo-
cracia” (El Andaloussi, 2004, p. 138).
Esse “sistema de trocas” promove a construção de uma base de conhecimento
sólida e homogênea entre os atores, o que fomenta a ação coletiva. Tanto os pesqui-
sadores trazem e fornecem seus conhecimentos científicos adquiridos em livros,
em oficinas e em salas de aula para a sociedade, quanto esta agrega seus saberes
empíricos, baseados no cotidiano, no trabalho diário e no acúmulo de conhecimen-
tos realizado ao longo de gerações. Percebe-se, com isso, uma formação recíproca:
A articulação entre pesquisa e ação, a participação nas diferentes fases do
processo e a negociação de cada uma das ações põem os atores e o pesquisa-
dor em uma posição de formação em que uns aprendem com os outros. Os
conhecimentos se constroem à medida que os atores e o pesquisador avan-
çam na resolução dos problemas. (El Andaloussi, 2004, p. 139)
Esse método tem um papel importante de preparação para quando as ações
começarem a ser tomadas. Além do próprio conhecimento – sempre em constru-
ção –, forma-se, nessa relação dialógica, um grupo conciso e solidário que será o
responsável pela transformação. Sem a vinculação dos atores e dos pesquisadores
por meio de confiança, respeito, amizade e afetividade, o trabalho conjunto tem
grandes chances de fracassar. O pesquisador precisa ter o cuidado de deixar claras
suas intenções e obter, ao longo da pesquisa, aceitação e confiança das pessoas, con-
forme destaca Dione (apud El Andaloussi, 2004, p. 93):
A capacidade de reconhecer o interlocutor que está na frente, um do outro,
a importância de cumprimentá-lo pelo nome e, se possível, de situá-lo com
relação aos seus próximos, a seu pai, seus tios, ou seu clã, e também, aos
acontecimentos recentes ou antigos nos quais esteve envolvido, determinam
profundamente a comunicação que poderá se iniciar entre dois indivíduos.
Nessa perspectiva, há uma mudança no paradigma da pesquisa. Os pesquisado-
res passam a se envolver como atores. A pesquisa-ação, “com objetivo emancipa-
tório e transformador do discurso, das condutas e das relações sociais”, não é feita
pelos atores, sobre eles ou para eles; é realizada com eles (Morin, 2004, p. 55).
Sobre o conceito e a prática da pesquisa-ação 133
Cada parceiro é, ao mesmo tempo, pesquisador e ator na resolução de pro-
blemas. A reorganização das relações sociais na pesquisa-ação em torno da
negociação redefine as representações dessas relações e permite transformar
as lógicas reputadas opostas em sinergia dinâmica e construtiva. (El Anda-
loussi, 2004, p. 138)
Por outro lado, a pesquisa-ação pressupõe a aproximação do ator, do trabalha-
dor, aos métodos reflexivos utilizados pelo pesquisador. Espera-se construir nos
atores uma consciência crítica e uma reflexão sobre o seu cotidiano. Mas não sig-
nifica que o pesquisador deva procurar levar o ator para a realidade de seu labora-
tório. Como afirma Morin (2004, p. 83), “para o pesquisador que se faz ator, não se
trata de trazer ao seu laboratório o ator que se torna pesquisador, mas de ajudá-lo a
construir suas próprias teorias ou lições de prática”.
Conhecimento científico e conhecimento popular
No processo da pesquisa-ação, duas preocupações ligadas à construção do conhe-
cimento devem ser constantes. Primeiro, os pesquisadores devem sempre procurar
passar o máximo de seu saber científico para os atores. Além de todo o conhe-
cimento técnico, os pesquisadores devem transmitir os métodos de pesquisa, de
análise e de mobilização, com o objetivo de contribuir para a formação de indiví-
duos com maior capacidade de intervenção em sua realidade e para a busca de sua
emancipação social, que, num ponto ideal, não precisarão mais do apoio da univer-
sidade para realizar outros projetos. Ou, como destacou El Andaloussi (2004, p. 17):
“Para que os indivíduos deixem de ser espectadores e se tornem cidadãos na vida
da cidade”. Nessa transmissão, o pesquisador não pode se ater a ministrar pales-
tras, pois isso não garante o real aprendizado. Deve procurar transmitir de diversas
formas como os conhecimentos teóricos e metodológicos podem contribuir para
a situação cotidiana dos atores. Tentar envolvê-los em cada processo da pesquisa,
em cada oficina metodológica, é uma estratégia que pode ajudar (Thiollent, 1996,
p. 66).
Em segundo lugar, os pesquisadores devem estar muito bem preparados e aten-
tos para abrir espaços que facilitem emanar o conhecimento empírico dos trabalha-
dores – o que é muito importante para a construção da problemática real. Conse-
guir assimilar esse conhecimento facilita a identificação de dificuldades concretas
e diminui a possibilidade de definir ações/soluções que não impactem diretamente
nos principais problemas ou que não tenham viabilidade, principalmente socio-
política (Thiollent, 1996, p. 67). Para tanto, deve-se estar comprometido com a
compreensão da própria lógica de pensamento dos atores envolvidos. Esse fato nos
remete ao que Miguel de Simoni (2000) propõe para projetos com comunidades,
134 Participação e democracia
para os quais devemos realizar um processo baseado em três etapas: ir para ver; ir
para viver; e ir para ver com os olhos dos outros. Ou como Latour (2000) defendeu, o
pesquisador deve procurar compreender a sociológica em que se baseia o ator para
fazer suas asserções; sobre que articulação de fatos, experiências e raciocínios aquela
opinião é formada. A compreensão dessa sociológica contribui na compreensão dos
problemas e também na construção das ações.
A troca de saberes proposta pela pesquisa-ação é uma de suas grandes vanta-
gens sobre outras formas mais tradicionais de pesquisa. A participação ativa dos
trabalhadores enseja uma aproximação de sua realidade muito maior do que a
pesquisa que não pressupõe a intervenção deles. Para atingir um equilíbrio com-
plementar dos dois tipos de conhecimentos, científico e popular, faz-se necessária
uma metodologia precisa e rigorosa que forneça aos participantes da pesquisa-ação
um ambiente que os deixe à vontade para se colocar, mesmo contradizendo outros
atores, mas com toda abertura e respeito para ouvirem outras opiniões, a ponto
de mudarem as suas. Opiniões divergentes são construtivas e contribuem para o
aprendizado dos participantes, conflitos pessoais, não. Um clima conflituoso entre
atores tende a ser desagregador e a não permitir que se atinjam conclusões e pro-
postas objetivas (Dubost apud Morin, 2004, p. 68).
Com métodos participativos próprios, estrutura-se uma complexidade muito
mais próxima da realidade:
Às vezes, o bom senso popular está mais próximo do que se pode chamar de
verdade, em termos realistas. Noutros casos, há nas generalizações popula-
res exageros, unilateralidade, ou erros cometidos em função do predomínio
de uma ideologia ou de crenças particulares. Mas isto não quer dizer que as
generalizações dos pesquisadores sejam sempre de melhor qualidade [...]. A
nossa perspectiva exige um controle mútuo estabelecido de forma dialógica
a partir da discussão entre pesquisadores e participantes. (Thiollent, 1996,
p. 38)
Como defende Thiollent (1996, p. 101), o estabelecimento dessa relação dos
saberes formal e informal em um enriquecimento mútuo constitui um “desafio para
o futuro em matéria de metodologia de pesquisa e de ação em diferentes áreas de
atividade”.
Para Fals Borda (1991a, p. 3-4), um dos principais elementos da pesquisa-ação é
a aquisição de conhecimento, que é combinada com a construção de um poder con-
tra-hegemônico, voltado para pobres, grupos oprimidos, classes sociais mais baixas
e suas organizações e movimentos sociais. Para isso, é necessária uma vivência e
um comprometimento autêntico com os grupos, o que possibilita ver para que e
para quem o conhecimento está sendo construído. Dessa forma, é estabelecida uma
união dos internos e externos às classes oprimidas, para a transformação social.
Sobre o conceito e a prática da pesquisa-ação 135
Para o autor, existe uma tensão dialética entre o conhecimento acadêmico/car-
tesiano e o conhecimento da vivência/popular, o que leva à rejeição da assimetria
sujeito-objeto. A pesquisa-ação entende que a ciência não é neutra e que é apenas
uma das formas de construção de conhecimento; uma forma válida, mas que pro-
duz verdades relativas. Além disso, é enviesada por questões de classes, das quais os
cientistas fazem parte (Fals Borda, 1991a, p. 4-7).
A pesquisa-ação tem como principais técnicas (Fals Borda, 1991a, p. 8): (i) a
pesquisa coletiva: uso de dinâmicas de grupos, debates, assembleias, comitês, dis-
cussões, argumentação e consenso para coletar e sistematizar informações; (ii) a
recuperação crítica da história: uso de conhecimento popular e de história oral para
levantar a história – a partir da visão dos oprimidos, principalmente com os mais
velhos – que permita entender melhor o contexto; (iii) a valoração e a aplicação da
cultura popular: com o uso de elementos culturais como música, artes, esportes e
outras expressões lúdicas e recreacionais; e (iv) a produção e a difusão de novos
conhecimentos: com o retorno do conhecimento gerado.
Por fim, para Fals Borda (1991a, p. 10), é necessária uma busca contínua na cria-
ção de uma linguagem comum (ou um código compartilhado) aos pesquisadores e
aos atores da pesquisa-ação, para que o conhecimento gerado possa ser apropriado
por eles (agentes internos da pesquisa-ação).
prática da pesquisa-ação
Não existe um passo a passo que oriente os praticantes da pesquisa-ação. Por pro-
curar valorizar as características da situação, do local e dos atores envolvidos, cada
projeto tem suas especificidades, e uma tentativa de produzir uma fórmula para
estabelecer um método preciso de atuação só levaria ao insucesso e ao desrespeito
aos princípios da pesquisa-ação. É difícil estabelecer um processo metodológico de
pesquisa-ação que sirva a todas as ocasiões e lugares (Thiollent, 1997).
A pesquisa-ação vai além dos limites das ciências sociais, de sua origem, e é
aplicada nas mais diversas áreas. Como mostra Thiollent (2005, p. 175), além de
seus campos tradicionais de utilização (educação, organização, serviço social, saúde
coletiva, extensão rural e comunicação), desde os anos 1990, ela tem sido aplicada
também em outros campos como educação ambiental, design participativo e arqui-
tetura, ergonomia, desenvolvimento local, engenharia de produção, sistemas de
informação e extensão universitária. O Soltec/UFRJ vem experimentando a aplica-
ção da pesquisa-ação nestes campos em seus projetos.
A utilização da pesquisa-ação vem aumentando no meio acadêmico, inclu-
sive com uma maior abrangência de áreas, o que parece indicar uma proximidade
maior que as universidades procuram com as comunidades. Como afirma Thiol-
lent (2005, p.184), “se o papel da universidade for redefinido de modo a desenvol-
136 Participação e democracia
ver conhecimentos e formas de interação com o conjunto dos atores da sociedade,
dentro de formas democráticas de atuação, a pesquisa-ação encontrará um espaço
mais favorável”. A realização de projetos com a sociedade, como forma de troca dos
conhecimentos acadêmico e popular, exige metodologias participativas, por todos
os princípios que pressupõem, e por isso, a pesquisa-ação pode ajudar, pois ela pos-
sibilita dinamizar a extensão universitária (Thiollent, 2005, p. 185) em direção a
uma maior valorização do popular.
Os objetivos de projetos de pesquisa-ação não necessariamente estão resolvidos
e alcançados em seu fim. A geração de conhecimento e a resolução de problemas
podem, muitas vezes, ser alcançadas, mas um terceiro objetivo ainda está em pauta:
a formação de cidadãos. A realização desse tipo de projeto pauta-se por procurar
estabelecer uma organização social democrática diferente da que hoje vemos. Como
se preocupa Zuñiga (apud Thiollent, 1996, p. 45), o impacto sociopolítico deve ser
constantemente analisado, pois
a pesquisa-ação é inovadora do ponto de vista científico somente quando
é inovadora do ponto de vista sociopolítico, isto quer dizer, quando tenta
colocar o controle do saber nas mãos dos grupos e das coletividades que
expressam uma aprendizagem coletiva tanto na sua tomada de consciência
como no seu comprometimento com a ação coletiva.
Principalmente quando nos referimos a pesquisas-ações que trabalham com
situações complexas de comunidades, a busca da emancipação dos atores locais
pode conferir um sucesso maior ao projeto do que a simples resolução de proble-
mas pontuais levantados. Uma metodologia que as conscientize, que possibilite sua
participação e influência nas decisões, e lhes dê maior compreensão dos potenciais
de sua mobilização, tende a representar resultados mais efetivos, em longo prazo,
para a comunidade. Uma pesquisa-ação voltada para o desenvolvimento local com
cidadania, como o caso da Papesca, estudado em Addor (2006), não deve colocar
a questão da formação nas entrelinhas, mas como um terceiro objetivo, no mesmo
patamar ou até mais alto que a construção de conhecimento e a concretização de
ações para transformar a realidade.
A pesquisa-ação não pode ser aplicada a qualquer tipo de cenário. Algumas con-
dições devem ser respeitadas para que seja possível realizar um projeto com essa
estratégia metodológica, e a maioria delas não depende única e simplesmente da
vontade ou atuação dos pesquisadores. O principal fator nesse sentido é o interesse
dos atores e a capacidade de mobilização. Não será viável realizar um projeto de
pesquisa-ação se as necessidades percebidas pelo pesquisador não forem comparti-
lhadas pelas pessoas realmente inseridas na situação (Thiollent, 1997, p. 25). Nesse
sentido, o pesquisador está sempre a andar numa corda bamba sobre a qual ele tem
que se equilibrar. De um lado, está o risco da vertente tecnocrata, com o respeito
Sobre o conceito e a prática da pesquisa-ação 137
excessivo aos instrumentos e aos métodos científicos, que leva a um isolamento
dos conflitos reais da pesquisa. Do outro, o perigo de, ao tentar não se prender a
métodos e ferramentas, tender ao ativismo militante, sem a preocupação da cienti-
ficidade das ações e do registro dos métodos.
Na concepção da pesquisa-ação, um grande desafio consiste em desenvol-
ver a instrumentalidade sem excluir o “espírito crítico”. De um lado, o uso
intensivo de instrumentos sem consciência seria inadequado e, sem dúvida,
de caráter “tecnocrático”. Por outro lado, a postura do tipo “consciência sem
instrumento” leva os pesquisadores a uma forma de vivência sem produção
de conhecimento. (Thiollent, 1997, p. 26)
Segundo Thiollent (1996, p. 8-9), a pesquisa-ação se ajusta, principalmente, no
nível intermediário, entre o nível microssocial (indivíduos ou pequenos grupos) e o
nível macrossocial (sociedade e grandes movimentos nacionais ou internacionais),
portanto, é uma metodologia apropriada à análise de grupos, coletividades ou ins-
tituições. Além disso, tem como foco os aspectos sociopolíticos, em vez de aspectos
psicológicos. Outro elemento importante da pesquisa-ação é o seu foco na análise
de ações, e não nos aspectos estruturais de uma determinada realidade. Isso não
quer dizer que os aspectos estruturais não devam ser levados em conta na análise,
já que estes influenciam nas ações e nas relações sociais, mas que não é a prioridade
na análise.
Buscando concretizar essas últimas considerações, poderíamos dizer que não
faria muito sentido fazer uma pesquisa-ação sobre o Movimento Sem Terra (MST),
sobre a favela Santa Marta ou mesmo sobre uma determinada ONG, mesmo que
pequena. Porém, poderíamos fazer uma pesquisa-ação sobre um mutirão realizado
pelo MST em uma determinada localidade, ou sobre a realização de um curso de
educação para jovens e adultos na Santa Marta, ou sobre um projeto de fortale-
cimento da pesca realizado por uma ONG. Isto porque, por ter como elemento
central uma ação, um elemento concreto, para buscar entender a realidade, a pes-
quisa-ação, normalmente, tem uma base indutiva, ou seja, parte do particular para
o geral, porém, ela não se limita a isso, o objetivo é sempre um movimento de vai
e vem entre o particular e o geral, entre a ação e a reflexão (Thiollent, 1996, p. 9).
Desde o início de uma pesquisa-ação, é muito importante ter claro qual é a ação
que se pretende fazer e quais são os seus agentes. Deve-se estabelecer, conjunta-
mente, a ordem de prioridade dos problemas a serem pesquisados e das soluções a
serem implementadas. Além disso, a pesquisa-ação não pode ficar limitada apenas
à resolução de um problema, mas deve buscar aumentar a consciência de todos
os participantes sobre o problema, evitando um simples ativismo e aumentando a
emancipação e a capacidade dos próprios participantes de resolver seus problemas
de forma autônoma (Thiollent, 1996, p. 16).
138 Participação e democracia
No caso de uma pesquisa-ação dentro de uma organização que possui hierar-
quias preestabelecidas, um ponto muito importante é evitar a manipulação da
pesquisa-ação por grupos que têm mais poder ou mais capacidade de influência.
Deve-se buscar estabelecer uma negociação entre os participantes e cuidar para que
todos os diferentes grupos estejam representados (Thiollent, 1996, p. 17).
é preciso ter clareza entre os objetivos da pesquisa e os da ação, e da relação
entre esses objetivos. Enquanto o objetivo da ação costuma ser o de resolver um
problema prático, sendo normalmente bastante específico, situacional, temporal e
contextual, o objetivo da pesquisa envolve a geração de um conhecimento novo
que, dificilmente, seria obtido por meio de outros procedimentos, e tem um caráter
mais geral. É fundamental buscar um equilíbrio e uma conciliação entre esses obje-
tivos ao longo da pesquisa-ação (Thiollent, 1996, p. 18).
Para auxiliar na práxis, Thiollent (1996) aborda doze temas relacionados com
a prática da pesquisa-ação. Segundo o autor, esses temas não possuem uma ordem
fixa, e ao longo da pesquisa se estabelece, entre eles, um “vaivém” em função das cir-
cunstâncias. Apenas o primeiro e o último podem ser considerados como “o ponto
de partida e o ponto de chegada”. Os temas são os seguintes:
• Fase exploratória: “Consiste em descobrir o campo de pesquisa, os interessa-
dos e suas expectativas, e estabelecer um primeiro levantamento (ou “diag-
nóstico”) da situação”.
• Tema da pesquisa: é a designação do problema prático e da área de conheci-
mento a serem abordados.
• Identificação dos problemas:11 definição dos principais problemas a partir
dos quais a investigação será desencadeada.
• Lugar da teoria: “O projeto de pesquisa-ação precisa ser articulado dentro de
uma problemática com um quadro de referência teórica”, “o papel da teoria
consiste em gerar ideias, hipóteses ou diretrizes para orientar a pesquisa e as
interpretações”.
• Hipóteses: não é fundamental para a pesquisa-ação. “Uma hipótese é sim-
plesmente definida como suposição formulada pelo pesquisador a respeito
de possíveis soluções a um problema colocado na pesquisa.”
• Seminário: técnica principal para “conduzir a investigação e o conjunto do
processo”. “O papel do seminário consiste em examinar, discutir, e tomar
decisões acerca do processo de investigação.” São momentos coletivos da
pesquisa-ação em que pesquisadores e atores debatem e decidem os cami-
nhos do trabalho.
11
Embora esse tema apareça no livro (Thiollent, 1996) como “colocação dos problemas”, utilizamos neste
capítulo, por indicação do autor, o conceito “identificação dos problemas”.
Sobre o conceito e a prática da pesquisa-ação 139
• Campo de observação, amostragem e representatividade qualitativa: refere-
-se às definições do campo de aplicação da pesquisa-ação, e das formas de
representação do universo da população considerada pelo projeto.
• Coleta de dados: apresenta as técnicas para a coleta de informações necessá-
rias ao prosseguimento da pesquisa.
• Aprendizagem: ao longo do processo, os pesquisadores devem estar preocu-
pados com o processo de aprendizagem dos participantes.
• Saber formal/Saber informal: ressalta a importância da troca entre os saberes
dos especialistas e técnicas e o dos interessados.
• Plano de ação: “Para corresponder ao conjunto dos seus objetivos, a pesquisa-
-ação deve se concretizar em alguma forma de ação planejada.”
• Divulgação externa: além do retorno da investigação aos interessados, deve-
-se procurar divulgar externamente os resultados obtidos no projeto.
Esses temas não pretendem apresentar-se como etapas ou como uma estrutura
lógica de procedimentos para o desenvolvimento da pesquisa-ação. Seu papel é,
acima de tudo, o de estimular os praticantes da pesquisa-ação a construírem suas
práticas sem descuidar-se dos rigores científicos e dos procedimentos metodológi-
cos básicos para a legitimidade de uma pesquisa.
No embate existente no meio universitário pela defesa da cientificidade da pes-
quisa-ação e da própria extensão, a realização de projetos de forma ativista, sem
preocupar-se com a sistematização de informações, com a construção e a difusão
do conhecimento e com a autoanálise metodológica, dará razão aos contrários às
práticas extensionistas e aos pesquisadores do modo tradicional, ao diminuírem
sua importância na indissociabilidade com a pesquisa e o ensino.
Segundo Thiollent (1996, p. 20-24), é importante manter algumas das exigências
do ideal científico, o que não se confunde com uma visão positivista da ciência. A
pesquisa-ação não deixa de ser um “laboratório social”, ou seja, um experimento
semicontrolado que envolve seres humanos e, por isso, é tão importante seu caráter
participativo e cooperativo na definição dialogada de seus objetivos entre os pesqui-
sadores e os atores. No diálogo entre o conhecimento acadêmico e o conhecimento
popular, constroem-se soluções melhores para problemas concretos, gerando, até
mesmo, novos conhecimentos acadêmicos mais úteis e voltados para a população
de uma forma mais ampla.
Uma vez que a pesquisa-ação trabalha com aspectos mais qualitativos que quan-
titativos, deve-se buscar estratégias para manter a objetividade dessa metodologia
de estudo. Uma das estratégias é a construção do consenso, entre os pesquisadores
e os atores, sobre o que está sendo observado e interpretado. Além disso, pode-se
triangular as observações qualitativas com dados quantitativos, quando possível.
Por fim, é por meio da argumentação que se busca interpretar os dados obtidos, o
que permite gerar análises de cunho provável e plausível (Thiollent, 1996, p. 30).
Dessa forma, a pesquisa-ação se diferencia do ideal positivista, pois não tem como
140 Participação e democracia
objetivo chegar a uma verdade, mas a fortes indícios ou indicativos de uma propo-
sição.
Por mais que seja uma metodologia mais indutiva que dedutiva, é fundamental
que o início da pesquisa-ação estabeleça algumas hipóteses, ainda que sejam explo-
ratórias. Diferentemente do que ocorre em experimentos das ciências da natureza,
nessa modalidade de pesquisa não é possível controlar todas as variáveis, nem os
fenômenos possuem total repetitividade (mesmo nas ciências da natureza isso não
é totalmente possível, como mostram os estudos sociais da ciência). Porém, no caso
da pesquisa-ação, as hipóteses têm como objetivo principal nortear a pesquisa, faci-
litando a definição das estratégias e dos mecanismos da pesquisa.
A relação entre conhecimento e ação é um dos problemas centrais da pesquisa-
-ação. Essa relação envolve a passagem de uma proposição descritiva ou indica-
tiva (por exemplo, “o maior problema da Cidade de Deus é a educação”) para uma
proposição normativa ou imperativa (por exemplo, “Temos que construir uma
escola”). Como não há uma relação direta nessa passagem, os pesquisadores devem
ter cuidado para não impor sua visão, buscando contribuir através dos conheci-
mentos que têm, mas respeitando a vontade dos atores, os quais, no fim, serão aque-
les que sofrerão as consequências das decisões tomadas pela proposição normativa
ou imperativa.
Voltando a exemplos concretos, uma pesquisa-ação sobre uma passeata do MST
dificilmente faria sentido, ao contrário do exemplo do mutirão dado anteriormente.
O nível de influência que o pesquisador teria sobre a ação, no primeiro caso, seria
muito pequeno, enquanto, no segundo, haveria uma maior possibilidade de estabe-
lecer hipóteses antes da ação e de ter algum controle sobre as variáveis que influen-
ciam na ação.
considerações finais
Como pudemos ver no levantamento bibliográfico sobre pesquisa-ação, há uma
diversidade na compreensão do que vem a ser esse conceito, direcionados, princi-
palmente, pela sua construção histórica. Por um lado, as diferentes vertentes desse
conceito, em uníssono, trazem a perspectiva de ruptura ao vincularem a construção
de conhecimento, a pesquisa, a um objetivo efetivo de transformação da realidade,
a ação. Por outro, há entendimentos da pesquisa-ação que não rompem com a ideia
tradicional de que a sistematização e o gerenciamento do conhecimento devam ser
de responsabilidade exclusiva dos tradicionais pesquisadores, descartando qualquer
proposta de inclusão dos trabalhadores ou atores locais, que no caso são apenas o
objetivo da pesquisa, no processo de pesquisa.
A pesquisa-ação é um dos principais conceitos utilizados no Soltec/UFRJ, ao
lado de outros como economia solidária, tecnologia social, extensão e desenvol-
Sobre o conceito e a prática da pesquisa-ação 141
vimento local, representando nossa principal referência metodológica. Seus prin-
cípios e diretrizes estão presentes em todos os projetos que desenvolvemos. Vale
ressaltar, portanto, que utilizamos, para nossa reflexão e prática, a perspectiva da
concepção participativa da pesquisa-ação. No Brasil, em geral, o termo pesquisa-
-ação já vem acompanhado da proposta de participação dos atores em todas as eta-
pas do processo. Entretanto, quando necessário, esclarecemos que nossa concepção
do conceito está ligada ao que é internacionalmente conhecido como Participatory
Action Research (PAR).
A experiência da Papesca representa grande berço da construção da estraté-
gia metodológica do Soltec/UFRJ que, embora seja estruturada nas diretrizes da
pesquisa-ação, possui suas particularidades e individualidades, que procuram ser
levadas a todos os projetos que realizamos até hoje. O estudo feito sobre a Papesca
em Addor (2006) permitiu perceber a dificuldade na concretização de projetos que
utilizam a pesquisa-ação como orientadora de seus princípios e métodos. A par-
ticipação e a conscientização dos atores locais requerem uma grande dedicação à
prática do projeto, o que já havia sido alertado por Morin (2004). Por vezes, há
divergência entre o projeto profissional do pesquisador e as demandas apresentadas
para a realização da pesquisa.
Na atuação da Papesca, foram obtidas conquistas que só foram possíveis por essa
cuidadosa preocupação acerca da metodologia de envolvimento dos atores locais
nas diferentes etapas do processo, o que permitiu claros avanços na formação crí-
tica dos trabalhadores da cadeia produtiva da pesca. Além disso, foram conjugadas
opiniões de trabalhadores da pesca e de especialistas, de locais e de pessoas de fora,
de descascadeiras de camarão e de secretários municipais, de cooperados e de fun-
cionários de ministérios. Esse mosaico de experiências dos participantes foi funda-
mental para que se construísse uma análise coletiva precisa e completa da situação
da cadeia produtiva de pesca, que dificilmente seria resultado de uma estratégia de
pesquisa que não previsse a participação ampla e irrestrita.
Atentos aos conselhos de Thiollent, tivemos uma grande preocupação de dedi-
car-nos à geração do conhecimento para difusão, tanto para o meio acadêmico
quanto para a comunidade envolvida, com a elaboração de relatórios, cartilhas,
artigos e trabalhos acadêmicos. Entretanto, ainda pecávamos por não conseguir-
mos estabelecer um equilíbrio entre a teoria e a prática, tendo sido identificado uma
maior dedicação às realizações práticas e aos contatos com os atores. Para os que
trabalham com a pesquisa-ação no contexto universitário, imaginamos que esse
seja um dos maiores desafios.
Em mais de uma década de existência do Soltec/UFRJ, ainda acreditamos que
a estratégia metodológica da pesquisa-ação representa um caminho de mudança
real dos tradicionais paradigmas de pesquisa acadêmica, podendo trazer benefícios,
principalmente no que concerne à integração entre ensino, pesquisa e extensão no
âmbito universitário. O seu reconhecimento como método científico de pesquisa
142 Participação e democracia
está atrelado a cada vez mais conseguirmos mostrar como a consolidação de espa-
ços horizontais e dialógicos de interação com a sociedade pode contribuir para uma
nova estratégia de geração de conhecimento e de construção de tecnologias. Uma
estratégia que permita que a universidade pública esteja mais próxima da realidade
da maioria da população brasileira e obtenha maior importância na transformação
de sua realidade.
referências
ADDOR, Felipe. A pesquisa-ação na cadeia produtiva da pesca em Macaé: uma aná-
lise do percurso metodológico. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produ-
ção) – PEP/Coppe/UFRJ, Rio de Janeiro, 2006.
ALVEAR, Celso A. S. Tecnologia e participação: sistemas de informação e a constru-
ção de propostas coletivas para movimentos sociais e processos de desenvolvimento
local. Tese (Doutorado em Engenharia de Produção) – PEP/Coppe/UFRJ, Rio de
Janeiro, 2014.
ARNSTEIN, Sherry R. Ladder of citizen participation, Journal of the American Ins-
titute of Planners, p. 216-224, jul. 1969.
BASKERVILLE, R. L. Educing theory from practice. In: KOCK, N. (ed.). Informa-
tion systems action research: an applied view of emerging concepts and methods.
Nova York: Springer, 2007.
BROSE, Markus. Metodologia participativa: uma introdução a 29 instrumentos.
Porto Alegre: Tomo, 2001.
CAMPOS, Arminda E. M. et al. Elaboração e monitoramento de projetos sociais.
Brasília: Sesi, Departamento Nacional, 2002.
EL ANDALOUSSI, Khalid. Pesquisas-ações: ciências, desenvolvimento, democra-
cia. São Carlos: EdUFSCar, 2004.
FALS BORDA, O. Some basic ingredients. In: FALS BORDA, O.; RAHMAN, M. A.
Action and knowledge: breaking the monopoly with participatory action-research.
Nova York: Intermediate Technology Pubs/Apex Press, 1991a.
______. Remaking knowlegde. In: FALS BORDA, O.; RAHMAN, M. A. Action and
knowledge: breaking the monopoly with participatory action-research. Nova York:
Intermediate Technology Pubs/Apex Press, 1991b.
______. Participatory (action) research in social theory: origins and challenges. In:
REASON, P.; BRADBURY, H. Handbook of action research: participative inquiry
and practice. Londres: Sage, 2001.
Sobre o conceito e a prática da pesquisa-ação 143
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
GREENWOOD, Davydd J.; LEVIN, Morten. Introduction to action research: social
research for social change. Califórnia: Sage, 1998.
GREENWOOD, Davydd J.; WHYTE, William Foote; HARKAVY, Ira. Participatory
action research as a process and as a goal. Human Relations, v. 46, n. 2, 1993, p. 175-
192. Publicação do Tavistock Institute of Human Relations.
KEMMIS, S.; MCTAGGART, R. Communicative action and the public sphere. In:
DENZIN, N. K.; LINCOLN, Y. S. (org.). The Sage handbook of qualitative research.
3. ed. Londres: Sage, 2005. p. 271-330.
KOCK, N. (org.). Information systems action research: an applied view of emerging
concepts and methods. Nova York: Springer, 2007.
LATOUR, Bruno. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade
afora. São Paulo: Ed. Unesp, 2000.
LIANZA, Sidney et al. A pesquisa-ação na cadeia produtiva da pesca em Macaé.
In: LIANZA, S.; ADDOR, F. Tecnologia e desenvolvimento social e solidário. Porto
Alegre: Ed. UFRGS, 2005. p. 211-218.
LIANZA, Sidney; ADDOR, Felipe. Tecnologia e desenvolvimento social e solidário.
Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2005.
MARQUES, Ivan da Costa. Engenharias brasileiras e a recepção de fatos e artefatos.
In: LIANZA, S.; ADDOR, F. Tecnologia e desenvolvimento social e solidário. Porto
Alegre: Ed. UFRGS, 2005. p. 13-25.
MASTERS, J. The history of action research. In: HUGHES, I. (ed.). Action research
electronic reader. The University of Sydney. 1995. Disponível em: <www.iopp.ru/
pub/21sept06_M2.doc>. Acesso em: 6 nov. 2014.
MORIN, André. Pesquisa-ação integral e sistêmica: uma antropopedagogia renova-
da. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.
NARAYANASWAMY, R.; GROVER, V. A critical assessment of information sys-
tems action research. In: KOCK, N. (org.). Information systems action research: an
applied view of emerging concepts and methods. Nova York: Springer, 2007.
RAHMAN, M. A. The theoretical standpoint of PAR. In: FALS BORDA, O.; RAH-
MAN, M. A. Action and knowledge: breaking the monopoly with participatory ac-
tion-research. Nova York: Intermediate Technology Pubs/Apex Press, 1991.
SIMONI, Miguel. Engenharia de produção da exclusão social. In: THIOLLENT, M.;
ARAÚJO FILHO, T.; SOARES, R. L. S. Metodologia e experiências em projetos de
extensão. Niterói: Eduff, 2000.
144 Participação e democracia
STRINGER, Ernest T. Action research. 2. ed. Califórnia: Sage Publications, 1999.
SUSMAN, Gerald I.; EVERED, Roger D. An assessment of the scientific merits of
action research, Administrative Science Quarterly, Cornell University, v. 23, p. 582-
601, dez. 1978.
THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. 7. ed. São Paulo: Cortez, 1996.
______. Pesquisa-ação nas organizações. São Paulo: Atlas, 1997.
______. Perspectivas da metodologia de pesquisa participativa e de pesquisa-ação
na elaboração de projetos sociais e solidários. In: LIANZA, S.; ADDOR, F. Tecnolo-
gia e desenvolvimento social e solidário. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2005, p. 172-189.
Pantone 2607U
Coleção
Pesquisa, Ação e Tecnologia
Coleção
organizadores
FLÁVIO CHEDID HENRIQUES
FELIPE ADDOR
Pesquisa, Ação e Tecnologia
Vendo, neste retrospecto, a impor- Em comemoração aos dez anos do Núcleo de Solidarieda- A criação do Núcleo de Solidarie-
tância das contribuições que se con- de Técnica (Soltec), programa do Núcleo Interdisciplinar para o dade Técnica (Soltec/UFRJ) em 2003 e o
cretizaram, de um lado, na formação Desenvolvimento Social (Nides/UFRJ), a coleção Pesquisa, Ação desenvolvimento de suas múltiplas ati-
de alunos e na elaboração de teses,
e Tecnologia apresenta, em três volumes, o histórico, as experi- vidades ao longo de uma década cons-
ências, os desafios e as perspectivas de programas e projetos do
dissertações, trabalhos de conclusão de tituem fatos significativos na história
Núcleo. Estudantes, técnicos, professores e pesquisadores do Sol-
TECNOLOGIA,
curso e publicações, e, do outro lado, em tec compartilham e avaliam suas vivências no fortalecimento da da UFRJ e na busca de modelos de atua-
ações substantivas nas comunidades e relação entre universidade e sociedade, ressaltando a importância ção universitária que integrem de modo
TECNOLOGIA,
PARTICIPAÇÃO
na sociedade, considero que o lança- de projetos de extensão universitária para essas duas esferas e des- efetivo o ensino, a pesquisa e a extensão.
tacando sua relação inexorável com o ensino e a pesquisa. PARTICIPAÇÃO
TECNOLOGIA, PARTICIPAÇÃO E TERRITÓRIO
mento da Coleção Pesquisa, Ação e Entre os vários aspectos positi-
E TERRITÓRIO
Com o terceiro volume desta coleção, procura-se destacar,
Tecnologia, em homenagem aos dez vos da iniciativa, destacam-se a inter- E TERRITÓRIO
anos do Soltec, é um importante ins- particularmente, a relação intrínseca entre pesquisa e extensão. disciplinaridade entre a engenharia e as
Estão registradas as diversas reflexões teóricas e metodológicas REFLEXÕES A PARTIR
trumento de memória da iniciativa, no ciências sociais; a adoção de métodos
REFLEXÕES A PARTIR
desenvolvidas ao longo desses dez anos, seja individualmente, DA PRÁTICA EXTENSIONISTA
qual os leitores poderão encontrar seja coletivamente, e que ilustram a importância da busca da ge- de pesquisa-ação e de pesquisa parti-
ideias para novos desdobramentos.
A experiência do Soltec/UFRJ
ração e da sistematização de conhecimento na prática da exten- DA PRÁTICA EXTENSIONISTA cipativa; a forte participação dos estu-
dantes de graduação e pós-graduação, FELIPE ADDOR
são. A maioria dos artigos origina-se de trabalhos de mestrado e
FLÁVIO CHEDID HENRIQUES
constitui um grande exemplo para doutorado realizados pelos pesquisadores do Soltec. inclusive no planejamento, na gestão e organizadores
muitas universidades brasileiras. Destacam-se, portanto: reflexões sobre os conceitos e a prá- na execução dos projetos; a franca inte-
tica da economia solidária, em particular os termos autogestão, FELIPE ADDOR ração com comunidades, grupos po-
autonomia e assessoria; análises sobre o tema da participação, FLÁVIO CHEDID HENRIQUES
Michel Thiollent pulares e instituições sociais externas;
Professor aposentado da Coppe/UFRJ
com destaque para a pesquisa-ação e a questão democrática e da organizadores várias e amplas contribuições em ma-
e professor do Programa de Pós-graduação participação popular na América Latina; debates sobre a relação
em Administração da Unigranrio entre tecnologia e sociedade, e como a primeira pode servir como téria de desenvolvimento social, eco-
ferramenta para a transformação da segunda; e, por fim, a pers- nomia solidária e tecnologias sociais.
pectiva de atuação no território, refletindo sobre abordagens de Fico satisfeito por ter podido par-
desenvolvimento local e participação, além de trabalhar os temas ticipar, ainda que de modo limitado,
da comunicação comunitária, da justiça ambiental e da impor- da fase inicial da experiência, em par-
tância das redes sociais.
ticular da concepção e do ensino da
disciplina Gestão de Projetos Solidá-
rios (GPS), da Escola Politécnica da
UFRJ, e no assessoramento metodo-
lógico de alguns projetos.
ISBN 978-85-7108-388-2
www.editora.ufrj.br
Editora UFRJ tel.: (21) 2541-7946
capa Livro3_Soltec.indd 1 20/07/15 14:35