DIÁLOGO COM AS SOMBRAS
Cap. 33 = o passe
Cap. 34 = recordações do passado
HERMÍNIO C. MIRANDA Cap. 35 = a crise
ÍNDICE Cap. 36 = perspectivas
DOUTRINAÇÃO E DESOBSESSÃO Cap. 37 = o intervalo
INTRODUÇÃO Cap. 38 = sonhos e desdobramentos
Cap. 39 = resumo e conclusões
PRIMEIRA PARTE - a instrumentação
Cap. 10 = o grupo Doutrinação e desobsessão
SEGUNDA PARTE - as pessoas “Qual é o teu nome?” — indaga Jesus. Responde-lhe: “
Cap. 02 = os encarnados
Cap. 03 = os médiuns
O meu nome é Legião, porque somos muitos.” E lhe imploravam com
Cap. 04 = o doutrinador
Cap. 05 = outros participantes
insistência que não os mandasse para fora dessa região (Gerasa). (Marcos,
Cap. 06 = os assistentes 5:9 e 10.)
Cap. 07 = renovação do grupo
Cap. 08 = os desencarnados Temos sob as vistas um novo livro de Hermínio C. Miranda: “DIÁLOGO
- Os orientadores COM AS SOMBRAS — Teoria e Prática da Doutrinação”.
Cap. 09 = os manifestantes
Cap. 10 = o obsessor Estamos familiarizados com os escritos do autor, pois acompanhamo-lo em
Cap. 11 = o perseguido seus estudos, ano após ano, pelas páginas de “Reformador”. Conhecemos-lhe as
Cap. 12 = deformações análises criteriosas de dezenas de obras de bastante repercussão, nas esferas da
Cap. 13 = o dirigente das trevas Religião, da Filosofia e das Pesquisas, no mundo do Espiritualismo e, mais
Cap. 14 = o planejador especificamente, do Espiritismo e do Evangelho de Jesus. Raros serão os livros
Cap. 15 = os juristas
marcantes de escritores contemporâneos e antigos, nessas especialidades, que
Cap. 16 = o executor
lhe não hajam merecido a crítica serena e construtiva. Os sistemas doutrinários
Cap. 17 = o religioso
Cap. 18 = o materialista
erguidos pelo pensamento humano, na sua longa e exaustiva elaboração, no
Cap. 19 = o intelectual curso de milênios, são-lhe objeto de estudos e elucubrações, geralmente
Cap. 20 = o vingador traduzidos em artigos e livros que a Federação Espírita Brasileira vai imprimindo e
Cap. 21 = magos e feiticeiros difundindo, aqui e fora dos próprios limites territoriais das Terras de Santa Cruz.
Cap. 22 = magnetizadores e hipnotizadores Nos últimos anos, os trabalhos de Hermínio C. Miranda têm esflorado temas de
Cap. 23 = mulheres grande importância, como sempre, mas de abordagem difícil, alguns deles pouco
estudados antes. “O Médium do Anticristo”, por exemplo. Os artigos referentes a “A
TERCEIRA PARTE o campo de trabalho Morte Provisória (5 e II)”, “Uri Geller”, “O Cinqüentenário de Lady Nona”, “A
Cap. 24 = o problema Maldição dos Faraós”, etc., fazem-nos pensar mais detidamente nas
Cap. 25 = o poder profundidades do Desconhecido.
Cap. 26 = vaidade e orgulho Ao lado de livros e artigos, os prefácios, introduções e sínteses de obras, como
Cap. 27 = processos de fuga
em “Procês des Spirites” e “Processo dos Espíritas”, de Mme. Marina Leymarie;
Cap. 28 = as organizações: Estrutura, ética, métodos, hierarquia e disciplina
“Imitation de l’Évangile selon le Spiritlsme”, de Allan Kardec. E mais o que se acha
QUARTA PARTE - Técnicas e recursos por enquanto inédito.
Cap. 29 = técnicas e recursos Experiências que se acumularam ao longo de decênios desta e de vidas
Cap. 30 = o desenvolvimento do diálogo. Fixações. Cacoetes. Dores “físicas”. Deformações. pretéritas, consolidadas graças a esforços incessantes e renovadas perquirições,
Mutilações conferem-lhe espontaneidade e simplicidade no trato dos enigmas mais sérios e
Cap. 31 = linguagem enérgica das questões complexas, de toda uma gama de assuntos no âmbito do inabitual,
Cap. 32 = a prece
permitindo-lhe escrever para os simples e os doutos, na linguagem desataviada que doutrinariamente correto e constitui valiosa contribuição para o estudo e a prática
todos entendem. dos serviços de desobsessão espírita.
A ciência de servir é uma arte rara, exigindo dedicação e persistência. Nela, o *
nosso Amigo exercita-se há muito tempo, desinibido e despreconceituoso, como Questão séria, para a qual gostaríamos de pedir atenção, é a da zoantropia,
quem se movimenta com a naturalidade própria dos que sabem da sua vocação e mais comumente citada como licantropia, O autor trata detalhadamente desse
não hesitam em seguir os rumos que devem trilhar. assunto, com proficiência. A propósito, recordamos o livro “Libertação”, de André
Escrever sobre “teoria e prática da doutrinação”, apresentando o patrimônio Luiz: quando os originais foram-nos enviados, o Diretor incumbido da análise Inicial
provisionado durante pelo menos dez anos Ininterruptos de serviço ativo, no dessas páginas mediúnicas considerou um tanto “exageradas” umas afirmativas e
demorado “diálogo com as Sombras”, não é tarefa fácil. A contribuição de Hermínio, detalhes pertinentes a um caso de licantropia. Pediu confirmação ao Espírito e
no entanto, foge ao comum dos livros de divulgação doutrinária e evangélica, no recebeu, como resposta, uma carta do médium F. C. Xavier, em que transmitia a
campo espírita. É mais um extraordinário documentário ou cartilha de orientação, solicitação do autor espiritual, no sentido de retirar dos originais aquelas palavras
descendo aos pormenores daquilo que se pode chamar de elaboração séria, que lhe haviam suscitado dúvidas, com a explicação seguinte: “Se o nosso amigo
metódica, gradativamente desenvolvida, elucidativa de todo o contexto das não pôde admitir isso, é sinal que precisamos aguardar outra oportunidade, pois
intercomunicações e interligações entre vários planos vibratórios, no atendimento os leitores, com maior razão, também não admitirão.” As palavras da carta do
responsável e cristão da assistência es piritual em desobsessão. São horas vividas médium eram aproximadamente essas, mas o sentido exatamente esse.
não apenas no circulo das tarefas mediúnlcas propriamente ditas, mas num mapa Mas o comentário particular de Chico Xavier, a pessoa que nos merece a maior
por assim dizer comportamental durante as demais horas, na vigília e no sono, credibilidade, foi este: “E na verdade, mesmo com a parte que André Luiz sugeriu
porqüanto, na verdade, como reconhece o autor, “o segredo da doutrinação é o fosse eliminada do texto, as coisas ainda ficavam bem longe da realidade, que é
amor”. bem pior do que pensamos.”
Acreditamos que Hermínio C. Miranda alcançou com o maior êxito o fim a que se *
propõs, porque não fez literatura: seu livro é vida! É compreensão, ternura, doação! O problema da obsessão — grande flagelo da Humanidade — étão grave, que
* a respectiva cura chegou a ser objeto de mensagens de Allan Kardec, em 1888 e
O livro, a rigor, não necessita de explicações ou apresentações, nem de 1889, no Rio de Janeiro (RJ), pelo médium Frederico Júnior, dada a preocupação
Interpretações; tudo nele é de meridiana clareza, O próprio autor justifica cada da Espiritualidade Superior no sentido de o assunto ser encarado com a seriedade
detalhe, cada ensino ou experiência e suas implicações, à medida que adentra na e o preparo precisos, especialmente no campo do amor e da exemplificação das
exposição simples de coisas difíceis. Ele não faz revelações especiais nem ensina virtudes cristãs. Os referidos ditados estão incorporados no opúsculo “A Prece
princípios não sabidos, em Espiritismo. No entanto, consegue aglutinar, à segura segundo o Evangelho”, de Allan Kardec, editado pela FEB (33ª edição, 6250
argumentação que faz, as pequeninas verdades que as desatenções dos estudiosos milheiro, 1979).
nem sempre permitem captar e estereotipar nas mentes e corações, numa leitura ou *
estudo ligeiro da vasta literatura espírita, mediúnica ou não. Terminadas estas páginas iniciais, convidamos o leitor a conhecer o livro de
É claro que, na tessitura de um livro desta natureza, o autor nele coloca as próprias Hermínio. Estamos certos de que, ao lê-lo, os exemplos que encerra causar-lhe-ão
idéias, nem sempre concordantes com as de outros autores igualmente editorados a nítida convicção, mais que as palavras articuladas, de que o Espiritismo é, na
pela Federação Espírita Brasileira. Trata-se do exercício natural do sagrado direito verdade, o Consolador Prometido por Jesus.
que cada qual tem de pensar por si mesmo e de abraçar os pontos de vista que lhe
parecem os melhores. Não compete à Federação censurar opiniões, ainda quando Rio de Janeiro (RJ), 22 de junho de 1979
não as encampe ou oficialize, exceto quando entrem em choque com os princípios FRANCISCO THIESEN
fundamentais da Doutrina Espírita. Ora, Hermínio C. Miranda é dos mais seguros Presidente da Federação Espírita Brasileira
estudiosos, defensores e propagandistas daqueles princípios, com os quais todos os
seus pensamentos se afinam.
Assim, deixamos aos nossos leitores o encargo de analisar tudo quanto o autor INTRODUÇÃO
expõe ou sugere, especialmente no que tanga a locais para sessões práticas de Creio necessário declarar, no pórtico deste livro, que, a meu ver, nenhuma obra
desobsessão e a métodos de trabalho, pois o mesmo direito que tem o expositor de acerca dos aspectos experimentais do Espiritismo terá valor por si mesma, Isolada
argumentar e aconselhar, têm os demais, de aceitar, ou não, os seus argumentos e do contexto dos cinco documentos básicos da Doutrina, Isto é:
conselhos. O que Importa, acima de tudo, é que “Diálogo com as Sombras” é livro * O Livro dos Espíritos;
* O Livro dos Médiuns; alguma coisa ao companheiro necessitado, seja o pão ou a palavra de consolo e
* O Evangelho segundo o Espiritismo; solidariedade. É com estas atitudes que nos asseguramos da assistência de
* O Céu e o Inferno; e Irmãos mais experimentados e evoluidos, não para nos livrar das nossas dores,
* A Gênese. nem para cumprir mandados nossos ou atender às nossas menores exigências e
É claro que a lista não termina aí. Há, na literatura espírita, um acervo considerável súplicas, mas para nos concederem o privilégio da sua presença amiga, da sua
de livros que constituem leitura obrigatória para todo aquele que se propõe a um inspiração oportuna, e da sua ajuda desinteressada, naquilo que for realmente
trabalho sério junto aos companheiros desencarnados, pois não nos devemos proveitoso ao nosso espírito, e não naquilo que julgamos o seja.
esquecer de que o Espiritismo, como doutrina essencialmente evolutiva, não termina Nunca é demais enfatizar que a organização de um grupo de trabalho
com Kardec; começa com ele. mediúnico começa muito antes de dar-se início às suas tarefas propriamente ditas,
O relacionamento com o mundo espiritual se reveste de enganosa simplicidade. com o estudo sistemático das obras básicas, e das complementares, da Doutrina
Realmente, em princípio, qualquer pessoa dotada de faculdades mediúnicas, Espírita: as de Allan Kardec, Léon Denis, Gabriel Delanne, Gustavo Geley, e certos
mesmo Incipientes, pode estabelecer contacto com os desencarnados. consciente trabalhos de origem mediúnica, como os de André Luiz. Muita ênfase precisa ser
ou inconscientemente, serena ou tumultuadamente. Alguns o fazem posta no estudo dos escritos que cuidam do complexo problema da mediunidade,
compulsoriamente ou com relutância: outros com espontaneidade; uns com respeito suporte indispensável de toda a tarefa programada. Assim, é preciso insistir: a
e amor, outros com leviandade e indiferença: e muitos sem mesmo perceberem o formação ou nascimento de um grupo émuito importante, e deve ser cercado dos
que se passa e o que deve ser feito para ordenar um fenômeno que, como tantos mesmos cuidados que precedem à formação e ao nascimento de uma criança: ou
outros, é natural, nada tendo de místico, fantástico ou sobrenatural, O importante é seja, a educação dos pais. Estão preparados para a tarefa? Desejam o filho?
que, ao Iniciarmos o trato com os Espíritos desencarnados, voluntária ou Dispõem-se aos sacrifícios e renúncias que o trabalho impõe? Estão conscientes
involuntariamente, este jamos com um mínimo de preparação, apoiada num mínimo das suas responsabilidades, dos percalços e das lutas que os esperam? Para que
de informação. Aquele que se atira à fenomenologia mediúnica sem estes petrechos desejam o filho? Sonham fazer dele um grande homem, no sentido humano,
indispensáveis, ou aquele que é arrastado a ela pela mediunidade indisciplinada ou forçando-o a uma tarefa acima de suas forças, para a qual não esteja preparado,
desgovernada, estará se expondo a riscos Imprevisíveis para o seu equilíbrio ou se dispõem a criar condições para fazer dele um ser digno, pacificado e
emocional e orgânico. A prática mediúnica não deve ser improvisada, pois não amoroso? Estão prontos a receber a tarefa com humildade? E, acima de tudo:
perdoa despreparo e ignorância. O mundo espiritual é povoado de seres que foram estão prontos e dispostos a se doarem integralmente, sem reservas, ao amor
homens e mulheres como nós mesmos, encontrando-se em variados estágios de ilimitado, sem condições e sem imposições? O amor não exige recompensa. O
desenvolvimento moral. Pelo nosso mundo de encarnados podemos inferir o outro, amor, dizia Edgar Cayce, não é possessivo; o amor é.
do lado de lá. Ali, como aquI, encontramos espíritos nobres e dotados de atributos Se estamos com essas disposições, podemos começar. E começar pelo
morais avançados, mas, igualmente, a massa imensa daqueles que se acham da planejamento, e não pela execução atabalhoada e sem preparo. Examinaremos o
média para baixo, até os extremos mais dolorosos do aviltamento moral, da assunto por partes e com as cautelas devidas.
ignorância, da revolta, da angústia, do rancor, da vingança. Como a base do Voltaremos às questões que formulamos acima, ao comparar o grupo nascente
fenômeno mediúnico é a sintonia espiritual, e como ainda nos encontramos todos com um filho. Antes, ainda no corpo desta conversa inicial, uma observação de
em estágios inferiores da evolução, nos afinamos com maior facilidade com aqueles caráter pessoal: ao planejar a elaboração deste livro, julguei necessária uma
que também se acham perturbados por desequilíbrios de maior ou menor gravidade. pequena introdução que situasse a obra em seu contexto próprio. Não foi preciso
Isto não quer dizer, obviamente, que estejamos à inteira mercê dos espíritos escrevê-la, pois já estava pronta. “Reformador” de fevereiro de 1966 publicou um
perturbados e perturbadores; velam por nós companheiros de elevada categoria, artigo intitulado “Espiritismo sem sessão espírita?”, que a seguir transcrevo, por
sempre dispostos a nos ajudar, mas não nos podemos esquecer de que eles não interessar aos objetivos deste livro.
podem fazer por nós as tarefas de que nos incumbem, nem livrar-nos das nossas *
provações, e muito menos coibir os mecanismos do nosso livre-arbítrio. Podemos, “Encontramos, às vezes, confrades que não gostam de freqüentar sessões
evidentemente, contar com a boa-vontade e a ajuda desses irmãos maiores, e, por espíritas. As razões que os levam a essa decisão — creio eu — são respeitáveis,
conseguinte, com a sua proteção carinhosa, não à custa de oferendas, de ritos pois cada um de nós sabe de si e do que, modernamente, se convencionou
mágicos, de simbolos, de “trabalhos” encomendados, mas sim, com um chamar de suas motivações.
procedimento reto, no qual procuremos desenvolver em nós mesmos o esforço É preciso, entretanto, examinar de perto essa posição e ver o que contém ela de
moralizador, o aprendizado constante e a dedicação desinteressada ao semelhante. legítimo, não apenas no interesse da doutrina que todos professamos, mas
Nunca somos tão pobres de bens materiais e espirituais que não possamos doar também no interesse de cada um.
De fato, há alguns problemas ligados à freqüência de trabalhos mediúnicos. O Há um universo a explorar. Há uma Humanidade inteira clamando por ajuda,
primeiro deles — e dos mais sérios — é o da própria mediunidade, essa estranha esclarecimento, compreensão e caridade no chamado mundo espiritual. Seus
faculdade humana sobre a qual ainda há muito o que estudar. Outra dificuldade dramas e suas angústias não são puramente individuais. O Espírito que erra,
ponderável é a organização de um bom grupo que se incumba, com regularidade e invariavelmente prejudica a alguém mais. Os erros que cometemos, prendem-nos
seriedade, das tarefas a que se propõe. a uma cadeia de fatos e de seres que se estende pelo tempo a fora. Nunca o
Há outros problemas e dificuldades de menor importância, mas creio que basta drama de um Espírito é apenas seu. Há sempre, nesta vida ou em algumas das
considerarmos aqui apenas esses dois — o que não é pouco. anteriores, elos que nos ligam a outros seres e e outras dores. Aquele que odeia,
A análise das questões mais complexas quase sempre começa pelas definições muitas vezes já está maduro para o perdão — basta uma palavra serena de
acacianas e de vez em quando é bom a gente recorrer a velhos conceitos para esclarecimento, um gesto de tranqüila compreensão para libertar, não apenas o
iluminar obstáculos novos. seu espírito da tormenta do ódio, mas também o irmão que lhe sofre as agressivas
O Espiritismo doutrinário nasceu das práticas mediúnicas, delas se nutre e delas vibrações, provocadas por antigas mágoas. Aos que ainda desejam vingar-se de
depende, em grande parte, o seu desenvolvimento futuro. O intercâmbio, entre o antiquíssimas ofensas, mostramos a inutilidade do seu intento e os novos
mundo espiritual e este, somente assumiu expressão e sentido filosófico depois que problemas com que virão agravar o seu futuro. Ao que ainda se prende a
Kardec ordenou e metodizou os conhecimentos adquiridos no contacto com os superadas teologias, ajudamos a compreender a nova realidade que tem diante
nossos irmãos desencarnados. Parece claro, também, que o eqüacionamento e a de si. A todos os que erraram, consolamos com a nossa própria imperfeição e com
solução das grandes inquietações humanas vão depender, cada vez mais, da exata a certeza da recuperação. Os que já atingiram elevados patamares de
compreensão do mecanismo das relações entre esses dois mundos que, no final de conhecimento e amor, ouvimo-los com admiração e proveito. Muitos nos buscam
contas, não são mais que um único, em planos diferentes. Logo, a prática mediúnica apenas para trazer notícias das suas próprias conclusões, da nova compreensão
é, não apenas aconselhável, como indispensável ao futuro da Humanidade. diante desse mistério sempre renovado da vida.
Convém pensar também que a própria dinâmica da Doutrina Espírita exige esse Multidões de seres que aqui viveram inúmeras vezes, como criaturas
intercâmbio espiritual, em primeiro lugar para que se observe e estude o fenômeno encarnadas, lá estão à espera de ajuda e, no entanto, são tão poucos os grupos
da mediunidade, suas grandezas, os riscos que oferece, as oportunidades de que se dispõem a esse trabalho que tão altos dividendos paga em conhecimento e
aprendizado e progresso que contém, não apenas para o médium, mas para aquele progresso espiritual.
que assiste aos trabalhos e deles participa. No exercício constante dessa atividade, vemos, cada vez melhor, a solidez
É claro que a mediunidade tem um mecanismo muito complexo e até agora inabalável da doutrina que nos legaram os Espíritos, através da lúcida inteligência
poucos foram os cientistas dignos desse nome que se dedicaram, realmente, a de Kardeç. Crentes ou descrentes, católicos ou protestantes, todos nos vêm
fundo e com a mente desarmada de preconceitos, ao estudo dela. Mas se não a confirmar as verdades mestras do Espiritismo: as de que o Espírito sobrevive à
observarmos em ação, como poderemos almejar compreendê-la um dia? Só morte física, de que reencarna, de que progride e aprende, tanto na carne como no
aprendemos a nadar pulando dentro dágua sob a orientação de quem já tenha, a Espaço; de que as leis universais são perfeitas, iniludíveis, mas flexíveis, pois
respeito, noções satisfatórias. Se é incompleto o conhecimento sem a prática exigem reparação, ao mesmo tempo que fornecem os recursos para o reencontro
mediúnica, também o é o exercício desta sem o estudo daquilo que já se sabe sobre do Espírito com o seu próprio destino. Nos dramas a que assistimos nas sessões
o fenômeno. mediúnicas, aprendemos a contemplar a transitoriedade do mal, a amarga
Evidentemente, precisamos estar atentos ao puro mediunismo sem objetivos mais decepção do suicida, a crueza do arrependimento daquele que desperdiçou o seu
elevados, como também ao animismo de certos médiuns mais interessados nas tempo na busca ansiosa das ilusões mundanas, a inutilidade das posições
suas próprias idéias que na transmissão daquilo que recebem dos companheiros humanas, o ônus terrível da vaidade, a tensa expectativa de um novo mergulho na
desencarnadOS. carne redentora, na qual o Espírito fica, pelo menos, anestesiado nas suas
Há riscos, sim. De mistificações por parte de pobres irmãos carecentes de angústias.
entendimento. De aceitação de inverdades sutilmente apresentadas sob fascinantes Lições terríveis ministradas com lágrimas e gritos de desespero por aqueles que
roupagens. De aflições — embora passageiras — causadas pelo desfile das assumiram débitos enormes diante da Lei; lições de doce tranqüilidade e de
angústias de irmãos sofredores. serena humildade dos que já superaram as suas fraquezas e vêm, sem
Será, porém, que isso constitui motivo para nos privarmos das recompensas do ostentação, apenas para mostrar como é o Espírito daquele que já venceu a si
aprendizado, das alegrias que experimentamos ao encaminhar às trilhas da paz um mesmo, na milenar batalha contra as suas próprias deficiências. Muitas e variadas
Espírito em crise? lições, aprendizado extenso e profundo para todos os que desejarem realmente
apressar os passos e encurtar a caminhada que leva a Deus. Por que, então,
desprezar esse trabalho magnífico que tanta recompensa nos traz e também aos reconhecer que o outro, que revelou melhores disposições, está mais indicado
nossos irmãos do outro lado da vida? para a função do que ele próprio. Num grupo espírita, todos são de igual
Quanto à organização dos grupos, não será tão difícil assim. Há estudos sérios e importância.
muito seguros de orientação doutrinária a respeito. É bom que o grupo seja pequeno, O problema das rivalidades é tão antigo como a própria mediunidade. O
de preferência familiar, composto de pessoas que se harmonizem perfeitamente e apóstolo Paulo tratou dele, na sua notável Primeira Epístola aos Coríntios,
que estejam interessadas num trabalho sério e contínuo. Que não se deixe capítulos 12, 13 e 14, e, especificamente, nos versículos 4 a 30 do capítulo 12. (1)
desencorajar por dificuldades ou pela aparente insignificáncia dos primeiros O primeiro passo, portanto, que deve dar alguém que pretenda organizar um
resultados, nem se deixe fanatizar ou fascinar por pseudoguias. Aos poucos, grupo mediúnico é selecionar as pessoas que irão compo-lo. É bom que isto se
demonstrada a seriedade de propósitos, os trabalhos irão surgindo, sob a orientação faça mesmo antes de se decidir que tipo de trabalho será executado — do que
de Espíritos esclarecidos. A cada bom grupo de seres encarnados dispostos à tarefa, falaremos mais adiante — e quem será incumbido da direção das tarefas. Os
corresponderá um grupo equivalente de Espíritos, num intercâmbio salutar de motivos são de fácil entendimento. Em primeiro lugar, o problema da liderança a
profundas repercussões, pois Espiritismo é doutrina, mas é também prática que acima aludimos: é possível que a pessoa mais indicada para dirigir os
mediúnica, e todos nós, ainda que nem sequer suspeitemos disso, temos trabalhos não seja aquela que se propõe, de início, a organizar o grupo,
compromissos a executar, ajustes a realizar com irmãos que nos aguardam cumprindo-lhe provar, no decorrer das gestões preparatórias, a força tranqüila e
mergulhados em ódios e incompreensões, que se envenenam a si mesmos e a nós segura da sua personalidade. Em segundo lugar, o grupo será a soma dos seus
próprios. componentes, disporá das forças de cada um e terá como pontos fracos as
“Lamentar a desgraça — dizia Horace Mann — é apenas humano; minorá-la é fraquezas dos seus participantes. Em terceiro lugar, a natureza dos trabalhos a
divino.” serem programados dependerá dos diferentes tipos de mediunidade que for
* possível reunir, do grau de sensibilidade, tato, inteligência, conhecimento e
E assim, creio que estamos prontos para entrar na matéria propriamente dita. evangelização de cada um e de todos, e da qualidade do relacionamento pessoal
entre os que se propõem trabalhar juntos nesse campo.
Rio de Janeiro (RJ), 1976 Assim, não basta juntar alguns amigos e familiares, apagar a luz e aguardar as
HERMÍNIO C. MIRANDA manifestações. Que amigos e familiares vamos selecionar? Essa tarefa é
extremamente delicada e crítica, pois dela vai depender, em grande parte, o êxito
PRIMEIRA PARTE ou fracasso do grupo. Será recomendável que a pessoa que pretenda fundar um
A INSTRUMENTAÇÃO grupo, mesmo de âmbito doméstico, de proporções modestas e sem grandes
1 O GRUPO
ambições, guarde consigo mesma, por longo tempo, as suas intenções; que se
entregue à prece constante, à meditação e ao estudo silencioso e demorado de
Voltemos às perguntas formuladas na Introdução.
cada pessoa; que examine, sem paixões e sem preferências, com toda a
Em primeiro lugar, o preparo, que consiste na educação e na instrução dos
imparcialidade possível, as potencialidades de cada um, bem como os seus
componentes do grupo que se planeja, nos leva a outro quesito preliminar: — quem
defeitos, virtudes, inclinações, tendências e temperamento. Não nos devem guiar
devem ser os componentes?
aqui as preferências pessoais: — “Vou incluir Fulano ou Sicrana porque gosto dele
A tarefa começa, pois, com a seleção das pessoas que deverão participar dos
ou dela.” É essencial que todos se estimem no grupo, mas só isto não basta.
trabalhos. Como todo grupamento humano, este também deve ter alguém que
Podemos amar profundamente uma criatura que não ofereça condições mínimas
assuma a posição de coordenador, de condutor. É preciso, não obstante, muita
para um
atenção e vigilância desde esta primeira hora. Esse motivador, ou iniciador, não
poderá fugir de certa posição de liderança, mas é necessário não esquecer nunca de
(1) Seria oportuna, sob este aspecto, a leitura do artigo “O Livro dos Médiuns de
que tal condição não confere a ninguém poderes ditatoriais e arbitrários sobre o
Paulo, o Apóstolo”, em “Reformador” de fevereiro de 1974.
grupo. Por outro lado, o líder, ou dirigente, terá que dispor de certa dose de
autoridade, exercida por consenso geral, para disciplinação e harmonização do
trabalho tão sério como esse. É claro, por outro lado, que não éaconselhável
grupo. Liderar é coordenar esforços, não impor condições. O líder natural e
incluir aqueles que, embora ofereçam outras condições favoráveis, se coloquem
espontâneo é aceito também com naturalidade e espontaneidade, sem declarar-se
na posição de adversários e críticos demolidores de qualquer outro componente
tal. É até possível que, nos trabalhos preliminares de organização do grupo, surja a
do grupo. Até a discordância ideológica acentuada, mesmo em outros setores do
sutil faculdade da liderança em pessoas nas quais mais inesperada ela parecia.
pensamento, pode criar dificuldades ao trabalho. Isto não quer dizer que todos
Nestas condições, aquele que iniciou a idéia deve ter grandeza suficiente para
tenham que pensar igualzinho, ou se transformarem em criaturas invertebradas, sem É bom começar sem grandes ambições ou planos grandiosos. O mais certo é
idéias próprias, sem personalidade e opinião. A franqueza é também um dos que, ao se planejar a instalação de um grupo, ainda não saibamos quanto à
ingredientes necessários ao bom trabalho, desde que não alcance os estágios da intenção dos espíritos que nos são familiares, nem quanto à natureza dos
rudeza que fere, mas a homogeneização dos ideais e das aspirações é condição trabalhos que pretendem realizar conosco. É certo, porém, que, sempre que um
importante para o bom entendimento que precisa prevalecer durante todo o tempo. grupo se dispõe a reunir-se, com a finalidade de entrar em contacto com os
Um só membro que desafine dessa atmosfera de harmonia, poderá transformar-se desencarnados, estes se apresentarão no momento oportuno. Isto é válido, tanto
em brecha por onde espíritos desajustados introduzirão sutilmente fatores de para os que se dedicam, com seriedade e boas intenções, quanto para aqueles
perturbação e eventual desintegração do grupo. outros que se reúnem para se divertirem ou, pior ainda, para práticas condenáveis.
É preciso entender, logo de início, que os componentes encarnados de um grupo Se a intenção é apenas fazer passar o tempo, virão os espíritos levianos,
são apenas a sua parte visível, O papel que lhes cabe é importante, por certo, mas galhofeiros, fúteis e inconseqüentes, quando não claramente mal-intencionados,
nada se compara com as complexidades do trabalho que se desenrola do outro lado do que poderão resultar obsessões penosas e tenazes.
da vida, entre os desencarnados. Lá é que se realiza a parte mais crítica e delicada E, assim, chegamos a outro aspecto da questão: Para que desejamos um
das responsabilidades atribuidas a qualquer grupo mediúnico, desde o cuidadoso grupo? Para simples estudo da Doutrina? Para conversar sobre Espiritismo? Para
planejamento das tarefas até a sua realização no plano físico, no tempo certo. Os oferecer condições à manifestação de espíritos familiares, que venham trazer
componentes encarnados já fazem bastante quando não atrapalham, não pequenas mensagens, mais ou menos íntimas? Para experimentação e
perturbam, não interferem negativamente. É óbvio que ajudam de maneira decisiva, observação de na tureza cientifica? Para tarefas mais sérias, de caráter
quando se portam com dignidade, em perfeita harmonia com o grupo; mas se não doutrinário? Para os chamados trabalhos de desobsessão?
puderem ajudar, que pelo menos não dificultem as coisas. É melhor, por isso, Esse ponto somente pode ser decidido, em definitivo, depois que tivermos
recusar, logo de princípio, um participante em perspectiva, sobre o qual tenhamos selecionado os companheiros encarnados que vão compor a equipe. Por isso,
algumas dúvidas mais sérias, do que sermos constrangidos, depois, a dizer-lhe que, logo que tenhamos resolvido, no silêncio da meditação e da prece, de que nomes
infelizmente, tem que deixar o grupo, por não se estar adaptando às condições deveremos cogitar para a composição do grupo, convém convocar uma reunião,
exigidas pelo trabalho. para exame e debate das inúmeras questões que começam a colocar-se.
É por isso que se recomenda uma longa meditação antes de decidir quanto à Essa reunião, obviamente não mediúnica, para a qual deverão ser convidados
composição humana do grupo, para não fazermos o convite senão àqueles dos aqueles cujos nomes foram lembrados para uma consulta, será aberta com a
quais podemos contar com um mínimo de compreensão, entendimento e leitura de um texto evangélico e uma prece. Em seguida, aquele que tomou a
entrosamento com os demais. iniciativa de convocá-la fará uma breve exposição de seus objetivos e intenções.
Isto nos leva a uma outra questão, que deve ser logo decidida: A reunião será conduzida com descontração e espontaneidade, à medida que
Quantos componentes encarnados deve ter um grupo? A experiência recomenda cada um apresentar sua contribuição ao debate. Serão arrolados os médiuns
que os grupos não devem ser muito grandes, pois, quanto maiores, mais difícil presentes, já atuantes, e os que tenham potencial mediúnico suscetível de
mantê-los em clima de disciplina e harmonia. Léon Denis, em seu livro “No Invisível”, desenvolvimento.
sugere de quatro a oito pessoas. O grupo pode funcionar bem até com duas Não está previsto no escopo deste livro um estudo sobre o desenvolvimento da
pessoas, pois, segundo a palavra do Cristo, bastará que dois ou mais se reúnam em mediunidade, pois o assunto, bastante complexo, tem sido tratado em várias obras
seu nome, para que Ele aí esteja. de confiança, especialmente em “O Livro dos Médiuns”, de Allan Kardec. Léon
É claro, porém, que um grupo muito pequeno tem suas possibilidades também Denis também oferece contribuição valiosa, não só em “No Invisível”, mas,
limitadas. No caso de apenas dois, por exemplo, um teria que ser o médium e o outro também, em outras de suas obras. Recomenda-se, ainda, André Luiz, em
o doutrinador, e o médium não teria condições de prolongar o trabalho sem grande “Mecanismos da Mediunidade”, “Nos Domínios da Mediunidade” e “Libertação”,
desgaste psíquico, mas é certo que, mesmo assim, alguma coisa séria poderia ser bem como o livro interpretativo de Martins Peralva “Estudando a Mediunidade”,
realizada. Acima dos oito componentes sugeridos por Denis, vai-se tornando mais todos editados pela Federação Espírita Brasileira.
difícil a tarefa, não apenas do dirigente encarnado do grupo, como de seus Creio oportuno acrescentar que esses livros não se dedicam especificamente a
orientadores invisíveis, porque a equipe se torna mais heterogénea, o pensamento ensinar como desenvolver a mediunidade, e, sim, a apresentar um panorama, tão
divaga, quebra-se com freqüência o esforço de concentração, e o prejuízo é certo abrangente quanto possível, dos diversos aspectos dessa notável faculdade
para a tarefa. É possível, no entanto, se alcançada impecável homogeneização, humana, muito mais comum do que tanta gente estaria disposta a admitir.
fazer funcionar razoavelmente bem um grupo com mais de oito pessoas, mas acima Não há fórmulas mágicas, nem ritos especiais para fazer eclodir a mediunidade
de doze vai-se tornando bastante problemática a sua eficácia. numa pessoa que a tenha em potencial.
O desenvolvimento mediúnico é trabalho delicado, difícil e muito importante, que Para não prolongar demasiadamente este período de revisão, deve ser dada
exige conhecimento doutrinário, capacidade de observação, vigilância, tato, firmeza e prioridade à “Parte Segunda” de “O Livro dos Espíritos”, que cuida “Do mundo
muita sensibilidade para identificar desvios e desajustes que precisam ser espírita ou mundo dos Espíritos”, e à Segunda Parte de “O Livro dos Médiuns”, a
prontamente cor rigidos, para não levarem o futuro médium a vícios funcionais e até partir do capítulo 14 — “Dos Médiuns”.
mesmo a perturbações emocionais de problemática recuperação. A duração e freqüência das reuniões de estudo serão objeto de debate e ajuste
No passado remoto, esse encargo era de caráter iniciático. O instrutor ia dosando entre os componentes. Não é preciso fazer a leitura de cada capítulo no decorrer
seus ensinamentos segundo as forças e a receptividade do discípulo, e este das reuniões, desde que todos o tenham estudado, segundo a programação
somente chegava aos estudos mais avançados de desenvolvimento de suas acordada, durante o período que vai de uma reunião à seguinte. A reunião se
faculdades se ao longo do processo viesse demonstrando, sistematicamente, as destina à verificação do progresso que cada um realiza na revisão, e ao debate e
condições mínimas exigidas para a tarefa a que se propunha. esclarecimento das dúvidas surgidas. Seu objetivo final será sempre o de
Evidentemente não há, hoje, necessidade de um guru que leve o discípulo, por homogeneizar os diversos graus de conhecimento doutrinário, para obter a
estágios sucessivos, até o ponto ideal. O Espiritismo desmistificou o antigo ocultismo, integração do grupo.
tornando o conhecimento básico acessível ao homem comum. Não nos Não deve subsistir nenhuma preocupação com o tempo despendido nesse
esqueçamos, no entanto, de que a técnica do desenvolvimento mediúnico ainda trabalho preparatório, que poderá ser mais longo ou mais curto, segundo o grau de
exige atenção, acompanhamento e orientação pessoal de alguém que tenha conhecimento dos seus componentes, a boa-vontade e a dedicação de cada um.
condições morais e doutrinárias para fazê-lo. A mediunidade, salvo casos especiais, Por algum tempo, até que se consiga alcançar uma fase de melhor preparo
não deve ser desenvolvida isoladamente e sem apoio dos livros essenciais ao doutrinário, torna-se aconselhável serem evitadas as manifestações mediúnicas,
entendimento dos seus componentes básicos. mesmo que haja no grupo médiuns já desenvolvidos. De certo ponto em diante —
Colocado num grupo harmonioso e bem assistido, em que funcionem médiuns e isto fica a critério daquele que se responsabiliza por esta fase dos trabalhos — as
bem disciplinados e já em plena atividade, épossível ao médium incipiente tarefas mediúnicas poderão ser iniciadas em paralelo com as de estudo. Nesse
desenvolver, pouco a pouco, suas faculdades. O dirigente do grupo deve manter-se caso, o estudo precederá as manifestações e deverá, ainda por algum tempo, que
atento a essa possibilidade. De forma alguma, porém, o treinamento mediúnico deve poderá ser longo, ocupar boa parte do horário.
ser intentado com base em obras suspeitas ou organizações que prometam Nunca é demais enfatizar a importância e utilidade desta fase preparatória, pois
resultados prontos e maravilhosos em algumas lições. É também uma imprudéncia não apenas os encarnados se beneficiam dela, como também os desencarnados
forçar o desenvolvimento sem nenhuma preocupação de estudar a questão nos que, certamente, começarão a ser trazidos pelos benfeitores espirituais, para
livros que compõem a Codificação de Kardec e a obra complementar de seus aproveitarem os ensinamentos ministrados. Esse período é, ainda, muito útil para
continuadores. afinar o grupo, ajustar seus vários componentes, revelar as tendências e
* potencialidades de cada um e, até mesmo, por um processo natural de seleção,
Após esta digressão acerca do desenvolvimento mediúnico, voltemos ao assunto excluir, sem atritos ou desgosto, aqueles que não se sentirem em condições de se
em foco. entregar ao trabalho, que exige, certamente, renúncia, dedicação, assiduidade,
Ao cabo de algumas reuniões de debate e ajustamento, o perfil do grupo que se tolerância, estudo e amor. Os impacientes deixarão o grupo espontaneamente, em
pretende implantar já deve estar suficientemente definido. Qualquer que seja a processo de exclusão natural. Não que sejam impuros (por favor!), mas por ser
natureza do seu trabalho — estudo, pesquisa, experimentação, desobsessão — não melhor que abandonem a tarefa pela metade, do que insistirem em ficar, em
deve iniciar suas tarefas especificas senão ao cabo de um aprendizado mais ou prejuízo dos resultados. No primeiro caso, estariam prejudicando apenas a si
menos longo das questões doutrinárias. Mesmo que os componentes da futura mesmos; no segundo, sacrificariam todo o conjunto. Talvez em outra oportunidade,
equipe se julguem suficientemente informados e conhece dores da Doutrina dos mais adiante, resolvam dedicar-se com maior entusiasmo e firmeza. Tarefas como
Espíritos, vale a pena uma revisão geral. Embora não gostemos de admitir, nosso essas não podem ser impostas, nem forçadas; têm que se apoiar num impulso
conhecimento é menor do que pensamos. Ademais, é difícil reunir um grupo de interior, no desejo de servir, de apagar-se, se necessário, dentro da equipe, de
pessoas — seis ou oito — que conheçam igualmente, e em profundidade, todas as modo que os resultados obtidos sejam impessoais, coletivos, não creditáveis
obras essenciais à tarefa a que se propõem. O mais provável éque o grupo se exclusivamente ao trabalho individual deste ou daquele componente do grupo.
componha de gente em diferentes estágios de conhecimento, desde aquele que tem Quem não estiver disposto a aceitar essas condições não está preparado para o
apenas vagas noções, até o que já possui conhecimentos mais profundos. Será útil trabalho.
para todos um período de atualização de conhecimentos, a começar, naturalmente, A essa altura, portanto, o grupo já deverá estar com o seu perfil suficientemente
pelo “O Livro dos Espíritos”, seguido de “O Livro dos Médiuns”. nítido. Já se sabe quais os que o compõem, quais são os médiuns, quem se
revelou com melhores condições de liderança e tato na condução da equipe, e qual a fazer dela, porque, muito melhor do que nós, estão em condições de avaliar as
natureza do trabalho a que esta deve dedicar-se, bem como a duração e freqüência nossas forças, recursos, possibilidades e intenções, bem como as nossas
das reuniões (sobre o que falaremos, ainda, em outro ponto deste livro). fraquezas. O planejamento é realizado no mundo espiritual. A nós, encarnados,
É, então, chegado o momento de especificar a finalidade e os objetivos do grupo. caberá executá-lo, dentro das nossas limitações. De tudo isto estamos
A primeira grande divisão consiste em saber se o grupo vai dedicar-se apenas a conscientes. Tudo isto aceitamos. Resta o compromisso do amor fraterno, que não
estudos ou a trabalhos experimentais. Não que uma coisa exclua a outra, mas a pode ser parcial, condicionado, a meio coração, reservado; tem de ser total.
definição é importante porque, como diziam os antigos, quem navega sem destino Começa com o relacionamento entre os componentes do grupo, que precisa
não sabe aonde vai. apoiar-se no perfeito entrosamento emocional de todos, para o que, obviamente, é
A natureza do trabalho pode variar bastante, segundo os interesses e inclinações indispensável que todos se estimem e se respeitem. Sem isso, impraticável seria
de seus componentes, especialmente daqueles que se dedicam à organização da doar o amor de que necessitam os irmãos desencarnados que nos procurarem,
equipe. É possível que desejem apenas a experimentação de caráter puramente movidos pela esperança secreta de que os conquistemos para as alegrias do
científico, com ênfase na fenomenologia, o que seria uma tarefa quase de amor fraterno. É nessa oportunidade, que se renovará em todos os encontros, que
laboratório. Não há muito a dizer aqui sobre este aspecto, dado que o assunto colocaremos em prática aquele sábio ensino de Jesus, que nos recomenda amar
escapa à minha área de competência e experiência. os nossos inimigos. Muitos espíritos, em doloroso estado de desajuste emocional,
Alguns grupos, desinteressados do aspecto prático, podem ser constituídos se apresentarão, diante de nós, como verdadeiros inimigos, irritados, agressivos, a
apenas para o estudo teórico da doutrina. Também são válidos, é claro. Outros deblaterarem em altas vozes, indignados com a nossa interferência em seus
podem combinar o estudo teórico com a experimentação científica ou mediúnica. afazeres. Sem aquele amor incondicional que nos recomendava o Cristo, como
Este livro está mais voltado para esta última opção, e é sobre ela que nos fixaremos. iremos oferecer-lhes a segurança da compreensão e da tolerância de que tanto
Suponhamos, pois, que o grupo se resolva pelo trabalho de desobsessão. necessitam?
Voltemos à imagem do filho. Já decidimos que desejamos o trabalho, já nos *
convencemos, após algum tempo de estudo teórico, de que estamos preparados Estão resolvidas, portanto, as preliminares. Temos o grupo montado e já
para ele. Estamos igualmente dispostos aos sacrifícios e às renúncias que o trabalho definimos os seus objetivos. A próxima questão que se coloca é: onde e quando
impõe. A tarefa precisa ser desenvolvida com muita assiduidade e continuidade reuni-lo?
ininterrupta. Nem sempre estaremos físicamente dispostos a ela, em virtude do Consideremos primeiro a segunda parte. A freqüência as reuniões é usualmente
cansaço, das lutas naturais da vida diária, do desgaste e das tensões provocados de uma vez por semana, à noite. Dificilmente um grupo terá condições de reunir-se
pela atividade profissional, dos inconvenientes oriundos de pequenas indisposições regularmente, durante vários anos, mais de uma vez por semana. Todos ou quase
orgânicas. todos os seus componentes têm compromissos sociais, familiares e até
O dia destinado à reunião exige renúncias diversas, pequena-nas, mas às quais profissionais, que tornam impraticável reuniões mais freqüentes. A noite é escolhida
nem sempre estamos acostumados: moderação e vigilância, por exemplo. Como os justamente porque, a partir de certa hora, estão todos com as tarefas do dia
trabalhos são usualmente realizados à noite, não podemos destiná-la ao convívio da concluidas. Uma boa sugestão seria reservar, para os trabalhos mediúnicos, a
família, aos passeios, às visitas, ao relaxamento, à leitura de livro recreativo ou à segunda-feira, a partir de 20 horas ou 20h30m, com duração máxima de duas
novela de televisão. É um dia de recolhimento íntimo, ao qual temos que nos horas. Justifiquemos a escolha da segunda-feira. Ê que ela sucede ao repouso
habituar, aos poucos. Estamos cientes disso. mais longo do fim de semana, quando já tivemos a oportunidade de nos refazer
Da mesma forma, encontramo-nos perfeitamente conscientizados das das canseiras dos dias de atividade, tanto profissional quanto no próprio grupo. Isto
responsabilidades que assumimos. Vamos nos defrontar com espíritos desajustados é especialmente válido para os médiuns, nos quais o desgaste psíquico é sempre
que, no desespero em que se precipitaram, voltam-se contra nós, muitas vezes sem grande nos dias em que atuam.
razão alguma, senão a de que estamos tentando despertá-los para realidade O outro aspecto da questão diz respeito ao local. As sessões podem ser
extremamente dolorosa, da qual se escondem aflitivamente. A responsabilidade é realizadas em casa ou convém buscar outro local, de preferência um centro, com
grande, pois, e sabemos disso. Encontraremos percalços e nos empenharemos em acomodações especiais? Alguns confrades temem a realização de trabalhos de
lutas remidas pelo bem. Mesmo assim, desejamos o grupo. Um pouco de humildade desobsessão em casa, com receio da influência negativa dos espíritos
nos fará, aqui, um bem enorme. desarmonizados que são atraidos. A questão é delicada e não pode ser
Não planejamos um grupo para reformar o mundo, nem para conquistar todos os respondida sumariamente, sim ou não. Há uma porção de condicionantes. Se for
grandes espíritos que se debatem nas sombras. Haveremos de nos preparar possível um local apropriado, num centro espírita bem orientado, o trabalho deve
apenas para a nossa pequena oferenda. Os orientadores espirituais saberão o que ser feito aí. Por outro lado, num lar tumultuado por disputas, rivalidades, ciúmes,
paixões subalternas e desajustes de toda sorte, a realização de trabalhos de O cômodo destinado às sessões deve ser escolhido com critério e extremo
desobsessão poderá agravar as condições, pois será difícil aos companheiros cuidado. Precisa ser suficientemente amplo e arejado, para acomodar bem todos
desencarnados, que orientam o grupo, assegurar um clima de equilíbrio e proteção, os participantes. Deve ser isolado, tanto quanto possível, das demais
tanto para os espíritos trazidos para serem atendidos, como para as pessoas que dependências do prédio, sendo inadmissível, por exemplo, para essa finalidade,
vivem na casa. Num lar normal, porém, o trabalho mediúnico equilibrado e bem uma passagem obrigatória para aqueles que não participem dos trabalhos, como
dirigido, sob a proteção de orientadores espirituais competentes e esclarecidos, pode uma sala de entrada que dê para a rua. A qualquer momento, uma pessoa da
funcionar sem problemas e até com benefícios para a vida doméstica. casa ou um visitante inesperado estaria tocando a campainha ou batendo à porta,
Isto não exclui a necessidade de vigilância e atenta observação, pois é evidente interrompendo o curso das atividades. O cômodo não deve ter telefones que
que espíritos infelicitados pela desarmonia interior tenderão sempre a transmitir sua possam tocar subitamente, causando choques e perturbações àqueles que se
perturbação àqueles aos quais tiverem acesso, ou seja, àqueles que deixarem cair acham concentrados. Deve estar igualmente abrigado de ruídos de tráfego ou
suas guardas, criando brechas por onde penetrem emissões negativas e gritos vindos da rua, sons de televisão ou rádio ligados nas redondezas. Quando
inquietantes. Mas isto acontece, haja ou não haja grupo mediúnico reunido em casa. possível, deve ser provido de um condicionador de ar, para as noites de verão
O que nos defende da investida de companheiros infelizes das sombras não é a intenso, dado que o mal-estar físico dos participantes dificulta sobremaneira o bom
realização de sessões bem distantes do local onde vivemos, é a prece, são as boas andamento dos trabalhos.
intenções, é o desejo de purificar-se, de aperfeiçoar-se, de servir. Para cobrar nossos Mesmo nos demais dias da semana, a sala onde se realizam os trabalhos
compromissos, os espíritos desajustados nos buscam em qualquer lugar, até nas mediúnicos deverá ser preservada. Ë preciso evitar ali reuniões sociais, conversas
profundezas de esconderijos mais abjetos na carne, ou nas furnas do mundo descuidadas, visitas inconvenientes, atos reprováveis. O ambiente costuma ser
espiritual inferior. mantido em elevado teor vibratório pelos trabalhadores espirituais, o que se nota,
Por outro lado — e isto vai dito com bastante pesar — nem todos os centros especialmente nos dias de reunião, ao se penetrar no cômodo.
oferecem condições ideais para o difícil trabalho da desobsessão. Pode haver casos O ideal, portanto, é ter um compartimento destinado somente à tarefa mediúnica.
em que o ambiente psíquico de uma instituição esteja sob a influência de rivalidades, Quando isso for impraticável, que pelo menos se tenha o cuidado de usá-lo
disputas internas, questões de ordem material ou financeira, desorientações ou apenas para atividades nobres, como a boa leitura, a música erudita, o preparo de
práticas que a Doutrina Espírita não endossa e até mesmo condena formalmente. artigos e livros doutrinários, o estudo sério.
Em tais condições, torna-se muito difícil um trabalho mediúnico sério e responsável. Essa recomendação é tão válida para a hipótese de se desenvolver o trabalho
Os espíritos perturbadores poderão encontrar meios para neutralizar tarefas que se em casa, como no centro espírita. A proteção magnética da sala mediúnica deve
anunciam, de início, promissoras. Não quer isso dizer que não haja proteção e ser preservada com todo o cuidado, para não viciar os dispositivos de segurança
amparo por parte dos espíritos bem-intencionados que nos assistem, mas, em todo do trabalho, não perturbar a harmonia do ambiente, não interferir com os
relacionamento com o mundo espiritual, há sempre a parte que compete a nós meticulosos preparativos realizados pelos companheiros desencarnados que
realizar. Essa, os Espíritos não a farão por nós. Seria o mesmo que mandar os filhos dirigem e orientam as tarefas. Ademais, com freqüência, alguns espíritos em
à escola e fazer por eles todos os deveres. tratamento ficam ali em repouso, por algumas horas, de um dia para o outro, por
O que garante a estabilidade de um bom grupo mediúnico não é a sua localização exemplo, enquanto não são removidos para instituições apropriadas.
física, geográfica; é o equilíbrio psíquico, emocional, daqueles que o comPõem. Em Quem não puder manter essas condições mínimas, em sua casa ou no centro,
ambiente perturbado, no lar ou no centro, qualquer grupo torna-se vulnerável ao não deve tentar trabalho mediúnico de responsabilidade.
assédio constante das vibrações negativas que cercam os seus componentes. Se O ingresso na sala deve ser feito apenas minutos antes do início da sessão. A
na vida diária, sob condições perfeitamente normais, já somos tão assediados pelos recepção dos componentes e a conversação inicial serão realizadas em outro
cobradores invisíveis, é claro que podemos contar com um esforço muito maior cômodo, de vez que, por maior que seja o cuidado, pode escapar um pensamento
deles, quando nos dedicamos à delicada tarefa de interferir com as suas paixões, impróprio ou uma expressão infeliz, numa conversa descontraída, especialmente
ódios e rancores. porque, após o espaço de uma semana, que usualmente vai de uma reunião à
Por outro lado, antigos comparsas de erros passados procuram sempre impedir outra, quase todos gostam de relatar experiências e acontecimentos. Torna-se,
que caminhemos pela senda áspera da recuperação, pois sabem que é com esses dessa maneira, mais difícil manter um clima de absoluta vigilância. Com
processos que nos redimimos e nos colocamos ao abrigo de suas investidas. freqüência, os espíritos nos demonstram, depois, no decorrer dos trabalhos, que
Nada de ilusões, pois. O trabalho de desobsessão não é fácil, qualquer que seja o se achavam presentes à conversação prévia. Sempre que a conversa descamba
ambiente em que se realize, e, por isso, não pode ser recomendado para um meio para assuntos menos nobres, eles fazem uma advertência amiga, pedindo que
que, do ponto de vista humano, já se encontre tumultuado e desequilibrado. fiquemos nos temas de caráter doutrinário ou, pelo menos, em conversa neutra.
Quer isto dizer que são proscritos dessas conversações prévias, por motivos mais cadeiras de cada membro. Esta é a razão pela qual cada um deve ter seu lugar
que óbvios, os comentários sobre o crime da semana, sobre o último casamento do fixo em torno da mesa, uma vez que os dispositivos ligados às cadeiras se
astro da novela, a piada do dia, ou a derrota do nosso time de futebol. destinam a fácilitar o trabalho, atendendo a características específicas de suas
Em lugar desses assuntos, que deixaremos para as frívolas reuniões sociais, a mediunidades, bem como às condições do espírito que será trazido para
temática pode perfeitamente girar em torno de questões doutrinárias. Uma boa tratamento.
sugestão é a de recapitular a semana, naquilo que pode contribuir para ajudar o Outra recomendação, que parece útil, a esta altura, ainda com relação à
desenvolvimento do trabalho. distribuição do pessoal em torno da mesa: sempre que possível, o dirigente deve
Freqüentemente, os médiuns e outros participantes têm sonhos, recebem sentar-se de forma a ficar ao lado dos médiuns e não face a face. Este conselho é
intuições ou pequenos avisos e conselhos de Espíritos amigos, ou têm a relatar ditado pela boa técnica de reuniões profanas, que recomenda que duas ou mais
contactos mantidos, em desdobramento, com mentores do grupo ou com os pessoas, que vão debater um assunto, não devem defrontar-se, para não
companheiros que estão sendo tratados ou que ainda virão a manifestar-se. Essa exacerbar o antagonismo. A razão é puramente subjetiva e psicológica. É mais
técnica se desenvolve com o tempo. Depois que todos os componentes do grupo fácil, a qualquer um de nós, alcançar um entendimento com uma pessoa ao nosso
forem alertados para as suas possibilidades e vantagens, passam a observar com lado, do que se ela estiver exatamente diante de nós. A posição frente a frente
maior atenção os acontecimentos e anotar sonhos, intuições e “recados” do mundo parece levantar em nós os resíduos e os depósitos acumulados pelos milênios em
espiritual. É evidente que esse material deve ser examinado e criticado com extremo que enfrentávamos nossos adversários em lutas pela sobrevivência. No caso das
cuidado, para que o grupo não se embrenhe pela fantasia. sessões mediúnicas, o objetivo não é disputar uma peleja de vida ou morte, mas
A experiência do pequeno grupo do qual faço parte tem sido bastante positiva dialogar amistosamente com um Espírito em estado de confusão e desespero,
neste particular. De modo geral, os “sonhos”, que são verdadeiros desdobramentos, que desejamos despertar para uma realidade que ele se recusa tenazmente a
trazem informações valiosas, que os espíritos em tratamento posteriormente aceitar. Se opomos, à sua agressividade, a nossa, nada conseguiremos. Tudo
confirmam, no decorrer do diálogo mantido com o doutrinador. deve ser feito, pois, para eliminar qualquer empecilho que possa existir entre o
Geralmente, esses contactos são preliminares ao trabalho, iniciado no mundo comunicante e o doutrinador.
espiritual, antes que a manifestação se torne ostensiva no grupo mediúnico. O tema Antes de prosseguir, façamos uma revisão geral na sala.
é tratado mais amplamente em outro ponto deste livro. Os móveis estão na posição certa e os lugares predeterminados. Todos devem
* ocupar os assentos em silêncio, sem fazer alarido e arrastamento ruidoso de
Minutos antes de iniciar a sessão, todos se dirigirão, em silêncio, ao cômodo cadeiras. Se há trabalhos de psicografia, o material correspondente deve achar-se
destinado aos trabalhos, e se sentarão em torno da mesa. Cessaram, a essa altura, sobre a mesa: papel em folhas soltas, vários lápis apontados e esferográficas, num
todas as conversas. Aquietam-se as mentes, tranqüilizam-se os corações, desligam- copo ou outro recipiente apropriado. Se os trabalhos forem mistos, ou seja, de
se das preocupações do dia, relaxam os músculos, e todos se predispõem ao psicografia e incorporação, convém que o material não fique ao alcance dos
trabalho. médiuns de incorporação, pois um espírito mais turbulento pode, num gesto
A essa altura, a sala já está preparada pelos responsáveis espirituais. No grupo do brusco, atirar os objetos ao chão. Se há psicografia, quem ficar ao lado do médium
qual faço parte, um dos médiuns viu, mais tarde, depois de recolhido ao leito, em deve estar preparado para remover as folhas, à medida que são escritas.
retrospecto, toda a sessão, desde o preparo da sala. Neste caso, o cômodo O caderno de preces destina-se a receber o nome dos encarnados e
destinado às reuniões fica completamente isolado do corpo da casa, tendo acesso desencarnados para os quais desejamos solicitar ajuda espiritual. Os nomes
apenas por uma passagem externa. Cerca de duas horas antes, a sala está devem ser escritos antes de começar a sessão, sempre em silêncio, sem
preparada físicamente para a reunião: mesa e cadeiras em posição, a água comentários. Pode ser adotado o processo de indicar com um pequeno sinal, em
destinada à fluidificação, os livros que contêm os textos destinados à leitura, material forma de cruz, os nomes das pessoas desencarnadas. Na hora da prece, serão
para eventual psicografia, papel, lápis, canetas esferográficas, o caderno de preces, o mentalizados pelos interessados.
gravador com a fita já também em posição para captar a mensagem final dos Lá está, igualmente, sobre a mesa, o livro que contém o material de leitura
mentores do grupo, uma pequena luz indireta, preferenternente de cor, pois a luz preparatória, geralmente uma obra mediúnica assinada por Emmanuel — “Vinha
branca é prejudicial a certos fenômenos mediúnicos. Sugere-se a cor vermelha. de Luz”, “Pão Nosso”, “Fonte Viva” —, ou por outro autor da preferência do grupo.
Depois de todos esses preparativos, os trabalhadores do mundo espiritual, A água destinada a ser fluidificada deve estar num jarro de vidro, juntamente
segundo viu o nosso médium, em retrospecto, inspecionam o cômodo, dando voltas com pequenos copos, de preferência ao lado da mesa, para que, num movimento
em torno da mesa e providenciando para que fossem estabelecidas certas “ligações” mais violento, não sejam atirados ao chão. Não convém que a água esteja gelada:
com o plano superior, através de aparelhos e “fios” luminosos que se prendiam às
um amigo espiritual nos disse, certa vez, que a água à temperatura normal do os grupos estariam preparados para identificar a dificuldade e corrigi-la. Por outro
ambiente se prestava mais facilmente à fluidificação ou magnetização. lado, não conhecemos, com precisão, o planejamento realizado no mundo
Quanto ao gravador de som, deve estar pronto para entrar em ação com o mínimo espiritual. É bem possível que convenha encaminhar primeiro determinado
de operações e ruídos: a fita em posição, microfone já anteriormente testado, de Espírito, por determinado médium; e se, por desconhecimento, designamos outro
preferência posto sobre um móvel ao lado da mesa principal. Se emitir luz intensa de médium, altera-se a seqüência do trabalho programado, o que acarretará
algum visor, este deve ser coberto com um objeto opaco. No momento oportuno, adaptações de última hora, que vão sobrecarregar os companheiros
bastará dar a partida. É conveniente, ao testá-lo, gravar a data da sessão. No grupo desencarnados. É que os Espíritos a serem tratados encontram-se ali, no
que freqüentamos, o gravador é reservado para a mensagem final, usualmente ambiente, e muitas vezes, depois de presenciarem um atendimento
transmitida depois do atendimento dos companheiros necessitados. Essas particularmente dramático ou tocante, o próximo companheiro já vem predisposto
mensagens, acumuladas ao longo do tempo, constituirão precioso repositório de e mais receptivo à doutrinação. Os mentores do grupo conhecem bem esse
ensinamentos e de experiência no trato com os problemas do mundo espiritual, e mecanismo e sabem melhor como dispor as manifestações.
devem ser preservadas para referência futura. Acresce ainda uma observação- Acreditam alguns que esse processo de
Todos se encontram, assim, a postos. designar cada médium, de uma vez, evita que todos sejam tomados ao mesmo
As sugestões oferecidas a seguir não são, obviamente, mandamentais, pois cada tempo e se crie balbúrdia prejudicial ao trabalho. Na minha experiência pessoal,
grupo acaba por encontrar a sua dinâmica própria, dentro do roteiro mais ou menos nunca encontrei essa dificuldade. É freqüente verificarmos que outros médiuns já
comum a esse tipo de trabalho. Proporemos, aqui, um roteiro típico, que pode, se acham ligados aos próximos manifestantes, mas, num grupo bem ajustado, os
evidentemente, sofrer variações, a critério de cada grupo. mentores terão recursos suficientes para contê-los, até que chegue a vez de
Depois de todos acomodados e em silêncio, é feita a leitura do texto do dia, falarem.
geralmente, em seqüência, ou seja, um para cada sessão. (A data da sessão deverá Em suma: a seqüência da apresentação dos desencarnados e a escolha dos
ser anotada ao pé da página.) Alguns grupos costumam comentar o texto lido; tais médiuns, que irão atuar ou não, devem ficar a critério dos dirigentes espirituais do
comentários não devem ser muito longos, nem elaborados, nem guardar tom grupo, que não têm necessidade de anunciar-nos previamente o plano de trabalho
oratório: serão singelos e sem retórica bombástica. da noite, para que ele se desenrole harmoniosamente. Pelo contrário, quanto
Em seguida, a luz mais intensa é apagada, restando apenas a lâmpada mais menos interferirmos, melhor.
fraca, que forneça iluminação discreta, de preferência em cor suave, indireta, apenas É excusado dizer que a sessão deve ter hora prefixada para começar e para
suficiente para se distinguir o ambiente, as pessoas e os objetos. Convém retirar, terminar. Os companheiros necessitados devem ser atendidos rigorosamente
neste momento, os objetos que se encontrem sobre a mesa, pelas razões já dentro do horário a eles destinado. Em hipótese alguma deve permitir-se que, por
apresentadas. iniciativa dos manifestantes, ou não, seja ultrapassada a hora. Certa vez, tivemos a
É feita a prece, que também não deve ser longa, nem decorada, ou em tom de esse respeito uma lição preciosa. Percebendo que a hora se esgotava, o espírito
discurso: uma rogativa simples, na qual se solicite a proteção para os trabalhos, a manifestante, muito ardilosamente, começou a manobrar para ganhar tempo.
colaboração dos amigos espirituais, a inspiração e a predisposição para receber os Quando o dirigente lhe disse que precisava partir, ele apelou para a boa educação:
companheiros aflitos com amor, tolerância e compreensão. — Você está me mandando embora?
Finda a prece, todos ficam recolhidos, em silêncio, concentrados, atentos, mas em E com essas e outras, o diálogo ainda se alongou por alguns minutos.
estado de tranqüilidade e relaxamento muscular. Terminado o atendimento, um dos orientadores recomendou-nos, em termos
Em alguns grupos, o dirigente encarnado dos trabalhos, ou o mentor espiritual, inequívocos, que evitássemos a repetição do ocorrido. Explicou que o trabalho
costuma designar previamente os médiuns que irão atuar, fixando-lhes até o número mediúnico é protegido e assistido por uma equipe de segurança, composta de
de Espíritos que deverão atender, bem como os médiuns que não deverão “dar obreiros do lado de lá. Esgotado o prazo, eles têm que se retirar, de vez que outras
passividade” a nenhum manifestante. Embora se trate de uma posição respeitável e tarefas inadiáveis os aguardam alhures, e o mecanismo de segurança fica
bem-intencionada, com o propósito aparente de disciplinar as atividades do grupo, substancialmente enfraquecido. Os espíritos turbulentos, sabendo disso, procuram
não é recomendável o procedimento. demorar-se, para provocar distúrbios e levar o pânico ao grupo, o que seria
Procurarei apresentar as razões. desastroso. A lição é importante.
A designação prévia do médium pode criar neste uma expectativa, e até certa Terminado o atendimento, enquanto se aguarda a palavra final dos mentores, há
ansiedade, que o leve a “forçar” uma comunicação, e até mesmo levá-lo ao uma pausa, que deve ser usada para uma pequena prece, que ajuda a repor o
fenômeno do animismo, se não estiver bem preparado para a sua tarefa e habituado ambiente em termos mais calmos, depois das várias manifestações de
ao exercício da mediunidade vigilante. Não convém correr esse risco, pois nem todos companheiros aflitos, às vezes barulhentas e indignadas.
Concluída a mensagem final, que, como vimos, convém gravar, para futura estão sempre prontos a emitir contra nós, na esperança de nos neutralizar, para
referência e estudo, os trabalhos são encerrados com uma prece. que possam continuar no livre exercício de suas paixões e desvarios. Todo
É hora dos comentários finais. cuidado é pouco. Nos momentos em que sentirmos que vamos fraquej ar,
* recomenda-se uma parada para pensar e uma pequena prece, qualquer que seja
Há sempre o que comentar, após uma sessão mediúnica. Épreciso, no entanto, o local onde nos encontremos. Os irmãos desesperados certamente nos cobrarão,
que tais comentários obedeçam a uma disciplina, para que possam ser úteis a todos. no próximo encontro, as fraquezas que conseguiram identificar em nós. É claro
É que, usualmente, os Espíritos atendidos ainda permanecem, por algum tempo, no que não nos podemos colocar como seres puríssimos e redimidos, incapazes de
recinto. Seria desastroso que um comentário descaridoso fosse feito, em total errar. Estejamos, assim, preparados para uma interpelação, pois eles o farão,
dissonância com as palavras de amor fraterno que há pouco foram ditas, pelo certamente.
dirigente, durante a doutrinação. Os manifestantes, no estado de confusão mental Certo Espírito, em grande estado de agitação — desencarnação recente, em
em que se encontram, tudo fazem para permanecer como estão. Embora circunstâncias trágicas — me pediu que falasse com sua mãe, que eu conhecia.
inconscientemente desejem ser convencidos da verdade, lutam desesperadamente Embora eu não o tenha prometido, pois não tinha ainda o que dizer à pobre
para continuar a crer ou a descrer naquilo que lhes parece indicado. Se percebem senhora, o Espírito me cobrou, logo na sessão seguinte:
que toda aquela atitude de respeito, recolhimento e carinho é insincera, dificilmente — Você não falou com a minha mãe!
poderão ser ajudados de outra vez. Respondi-lhe que não tinha ainda uma palavra tranqüilizadora para dizer a ela, e
Por isso, dizia que os comentários devem ser disciplinados. O dirigente deve não podia, evidentemente, falar do verdadeiro estado de aflição em que se
perguntar pela experiência de cada um. Os médiuns videntes sempre têm algo a encontrava ele.
dizer, pois percebem a presença desta ou daquela entidade, ou têm acesso a Outro me disse, ao cabo de uma semana particularmente angustiosa para mim,
fenômenos que usualmente interessam ao bom andamento dos trabalhos ou trazem em virtude de terrível pressão de problemas humanos, que nada tinham a ver com
indicações a serem utilizadas na sessão seguinte. Se o dirigente não dispõe do o trabalho mediúnico:
recurso da vidência, os médiuns videntes do grupo devem ajudá-lo discretamente, — Esta semana eu quase te peguei. Ainda te pego!
com o mínimo de interferência, durante os trabalhos. O mesmo se aplica aos *
médiuns clariaudientes. Os comentários finais não devem prolongar-se por muito É oportuno colocar, aqui, um argumento muito válido, em favor da continuidade
tempo. Geralmente, ao terminar a sessão, é tarde da noite, e os componentes do dos trabalhos e da assiduidade dos médiuns. Como não ignoram, aqueles que
grupo, especialmente os que moram longe, precisam retirar-se, pois o trabalho os cuidam desses problemas, os mentores espirituais escolhem, para cada
espera pela manhã do dia seguinte, com as suas lutas e canseiras. manifestante, o médium que lhe seja mais indicado pelas características da
Mesmo que a sessão tenha terminado, o comportamento de todos, ainda no mediunidade ou pela natureza do trabalho a ser realizado. Feita a ligação, o
recinto, deve ser discreto, sem elevar demasiadamente a voz, sem gargalhadas Espírito, ao voltar, nas vezes subseqüentes, virá usualmente pelo mesmo médium.
estrepitosas, embora estejam todos, usualmente, felizes e bem-humorados, por mais Se o médium falta, o trabalho junto ao sofredor fica como que em expectativa,
uma noite de trabalho redentor. suspenso, aguardando a próxima oportunidade. Assim, a não ser por motivos
Antes de se retirarem, em ordem e discretamente, é distribuída a água. muito fortes e justificados, a assiduidade dos médiuns e a continuidade do trabalho
É preciso, porém, observar que o trabalho dos componentes de um grupo são vitais ao seu bom rendimento.
mediúnico não termina com o encerramento da sessão. Mesmo durante o espaço *
de tempo que vai de uma reunião à próxima, de certa forma todos estão envolvidos Ainda uma sugestão. É sempre útil que alguém se incumba de anotar, num
nas tarefas. Inúmeras vezes, os Espíritos em tratamento nos dizem claramente que caderno, um resumo do trabalho realizado em cada reunião. Isto não é, porém,
nos seguiram em nossa atividade normal. Desejam testar a boa-vontade, avaliar a uma ata, a não ser que a sessão seja de pesquisa. Quando se trata de tarefa de
sinceridade, ajuizar-se do comportamento de cada membro do grupo, especialmente desobsessão, não é preciso ir a esses rigores. A prática de reproduzir
do médium pelo qual se manifestaram e do dirigente que se incumbiu de doutriná- sumariamente os principais aspectos de cada manifestação se revelou sempre de
los, É preciso que se tenha o cuidado para não pregar uma coisa e fazer outra grande alcance, não apenas na condução dos trabalhos, mas também, para o
inteiramente diversa. Por outro lado, aqueles companheiros particularmente aprendizado constante que representam as tarefas mediúnicas.
enfurecidos tentarão, no desespero inconsciente em que se acham, envolver-nos Anote-se a data e, querendo, o número de ordem da sessão, para referência.
com seus artifícios. Se, no decorrer da semana, oferecemos brechas causadas por Descreva-se cada manifestação e faça-se um resumo do diálogo mantido com o
impulsos de cólera, de maledicência, de intolerância, de invigilância, enfim, estaremos Espírito. Se a comunicação final for gravada, basta uma referência identificadora.
admitindo, na intimidade do ser, emanações negativas que os companheiros infelizes
Essa tarefa deve caber, de preferência, ao dirigente ou a alguma pessoa que se idoso, no auditõrio, declarou seu espanto, ao verificar que um espírita esclarecido,
mantenha lúcida — sem transe mediúnico — durante toda a sessão. como ele, tivesse medo de desencarnar. O amigo confirmou e justificou:
Sugere-se, como modelo, a série de livros publicados pela Federação Espírita — Meu caro confrade: a gente, aqui, na carne, vai levando a vida escondido,
Brasileira, sob o título “Trabalhos do Grupo Ismael”, preparados com extremo disfarçado, como se estivesse atrás de uma espessa máscara. Do lado de lá, isto
cuidado e competência pelo Dr. Guillon Ribeiro. é impossível: mostramo-nos em toda a nudez da nossa imperfeição.
Lamentavelmente, esses livros se acham, hoje, esgotados, mas bibliotecas É claro, pois, que aquele que resolver dedicar-se ao trabalho mediúnico,
especializadas dispõem de exemplares, para consulta. especialmente no que se convencionou chamar de desobsessão, precisa
convencer-se de que deve estar em permanente vigilância consigo mesmo, com
SEGUNDA PARTE _ AS PESSOAS_ 2 OS ENCARNADOS seus pensamentos, com o que diz e faz. Principalmente com os pensamentos. É
preciso desenvolver um mecanismo automático interior, que acenda uma luzinha
O trabalho do grupo mediúnico se desdobra simultaneamente nos dois planos vermelha a qualquer “fuga” ou distração maior. Não quer isto dizer que temos de
da vida, num intercâmbio tanto mais proveitoso quanto melhor for a afinização entre nos transformar em santos da noite para o dia, mas significa que devemos policiar-
os diversos componentes encarnados e desencarnados. nos constantemente. Não vamos deixar de ter as nossas falhas, mas estaremos
Estaria completamente equivocado aquele que julgasse que o trabalho se realiza sempre prontos a advertir-nos interiormente e a reajustar a mente que, com a
apenas durante a sessão propriamente dita; éocupação que toma vinte e quatro maior facilidade, pode levar-nos a escorregões de imprevisíveis conseqüências.
horas por dia. Muito do que conseguimos obter, em hora e meia ou duas horas de Exemplos? Há muitos: o envolvimento numa conversa maledicente; o distraído
sessão, depende de inúmeras tarefas preparatórias, desenvolvidas em olhar de cobiça para uma mulher atraente, na rua; uma piada grosseira e pesada;
desdobramento, durante a noite, e complementadas posteriormente. Além do mais, um pensamento de rancor ou de revolta, em relação ao chefe ou companheiro de
não podemos esquecer-nos de que os Espíritos dispõem de maior liberdade de ir e trabalho, ou de inveja, com relação a alguém que
vir, do que nós. Eles nos vigiam, nos observam, nos seguem por toda parte, na se destacou por qualquer motivo; a leitura de livro pornográfico; a assistência a
intimidade do lar, no escritório, na rua, nos restaurantes, nos cinemas. Nosso um filme pernicioso. Há milhões de motivos, diante de nós, a cada momento, pois
procedimento é minuciosamente analisado, com espírito crítico, e, quase sempre, vivemos num mundo transviado, exatamente porque reflete o transviamento da
impiedosamente, pelos companheiros invisíveis que, ainda desarmonizados, massa de seres desajustados que vivem na sua psicosfera.
procuram, por todos os meios, descobrir os nossos pontos fracos, para nos Toda atenção é pouca. A vigilância dispara o sinal de alarme: a prece, a defesa e
mostrarem que somos tão imperfeitos e pecadores quanto eles mesmos, e que, no a correção. Ninguém precisa chegar, porém, aos extremos do misticismo, a ponto
entanto, nos arvoramos em santarrões de fachada, durante as duas horas da de viver rezando pelos cantos, de olhos baixos pela rua, temendo o “contágio” com
sessão. os pecadores. Também somos pecadores, no sentido de que todos trazemos
Por isso, o procedimento diário precisa ser correto, mas não apenas por isso. É feridas não cicatrizadas, de falhas clamorosas, no passado mais distante e no
que a “atmosfera” psíquica que carregamos conosco resulta do nosso pensamento. passado recente. Por outro lado, a Providência Divina vale-se precisamente dos
Somos aquilo que pensamos, como dizia tão bem o sensitivo americano Edgar imperfeitos para ajudar os mais imperfeitos. Quem poderia alcançar estes, senão
Cayce. E isto, que era apenas uma afirmativa de caráter teórico, está hoje aqueles que ainda estão a caminho com eles? A distância entre nós e os que já se
perfeitamente documentada através da câmara de Kirlian, que capta na chapa redimiram é tão grande, em termos vibratórios — para usar uma palavra mais ou
fotográfica o espetáculo colorido e movimentado que se desdobra na aura dos seres menos aceita — que dificilmente conseguem eles alcançar-nos, para um trabalho
vivos. Ainda não estamos, ao escrever esta página, em condições de conferir direto, junto ao nosso espírito.
cientificamente e documentadamente as observações dos videntes do passado, O mesmo princípio opera, aliás, nos fenômenos de efeito físico. A doutrina
quanto à interpretação dos fenômenos luminosos produzidos na aura, ou na região explica-nos que tais fenômenos são usualmente realizados por espíritos de
perispiritual do ser. Lá chegaremos, não obstante, e haveremos de nos certificar de condição vibratória compatível com a nossa. Os espíritos elevados não participam
que a aura do ser pacificado difere muito, em forma, cor e movimento, da que diretamente de tarefas desta natureza, embora a supervisionem cuidadosamente,
circunda a pessoa desequilibrada, colérica, ciumenta, sensual, agressiva. Cada como se vê em André Luiz.
atitude mental imprime à aura suas características, da mesma forma que a gradação Como seres imperfeitos, temos, pois, de viver com o semelhante, também
espiritual é facilmente identificável pela aparência “visual” do Espírito desencarnado. imperfeito. Não há como fugir de ninguém e isolar-se em torres de marfim,
Um amigo meu, e confrade muito inteligente, certa vez escandalizou seus ouvintes, mosteiros inacessíveis, grutas perdidas na solidão. Nosso trabalho é aqui mesmo,
numa palestra pública, declarando que tinha medo de morrer. Ao terminar sua com o homem, a mulher, o velho, a criança, seres humanos como nós mesmos,
exposição, a palavra foi franqueada, para perguntas e comentários, e um senhor com as mesmas angústias, inquietações, mazelas e imperfeições. O que enxerga
um pouco mais, ajuda o cego, mas, talvez, este disponha de pernas para caminhar e Enfrentemos com disposição e coragem os empecilhos naturais que possam
pode, assim, amparar o coxo. E quem sabe se o aleijado dispõe de conhecimento obstar o comparecimento à reunião: um mal-estar de última hora, por exemplo.
construtivo que possa transmitir ao mudo? Este, um dia, no futuro, voltará a falar, para (Muitas vezes, principalmente no caso dos médiuns, já se trata de aproximação de
ensinar e construir. Somos, pois, uma tremenda multidão de estropiados espirituais, e Espíritos angustiados, ou coléricos, que transmitem suas vibrações depressivas.) É
a diferença evolutiva entre nós, aqui na Terra, não é lá grande coisa. Vivemos num possível que, à hora da saída para a reunião, chegue uma visita inesperada, ou
universo inteiramente solidário, no qual uns devem suportar e amparar os outros, ou, uma criança se ponha a chorar, inexplicavelmente agitada ou inquieta. De outras
na linguagem evangélica: amar-nos uns aos outros. Não é difícil. E é necessário. E vezes, chove ou faz muito frio, ou calor excessivo, e um pensamento de
como!... comodismo e preguiça nos segreda a palavra de desânimo. Muitos obreiros
Daí a recomendação da vigilância. Não é que tenhamos que nos isolar, numa promissores têm sido afastados de tarefas redentoras por pequeninos incidentes
redoma ou numa couraça, para nos defender dos párias, que nos cercam por toda como estes, que se vão somando, até neutralizá-los de todo. Nem percebem que
parte. Será que ainda não descobrimos que somos párias também? A vigilância é os companheiros das sombras souberam tirar bom partido dos acontecimentos,
para que fiquemos apenas com os males que nos afligem intimamente, e façamos ou até mesmo os provocaram, como no caso do súbito mal-estar próprio ou de um
um esforço muito grande para nos livrarmos deles. Ai de nós, porém, se, às membro da família. No dia seguinte, ou horas depois, o mal-estar terá passado,
deficiências que carregamos, somarmos as que recebermos por “contágio espiritual”. como por encanto, mas o trabalho das trevas já está feito: um obreiro a menos na
Isto se dará, certamente, se, em vez de cuidarmos, por exemplo, de aniquilar a nossa seara, pelo menos naquele dia. A grande vitória começa com as pequenas
arrogância, passarmos a imitar a avareza do irmão que segue ao nosso lado, ou a escaramuças. Cuidado, atenção, serenidade, firmeza.
irresponsabilidade de outro, ou o egoísmo de um terceiro. É nesse sentido que deve *
funcionar o mecanismo de advertência. Já bastam as nossas mazelas. Para que Quanto aos componentes encarnados do grupo, mais uma vez lembramos: é
captar outras que infelicitam os companheiros de jornada? vital que os unam laços da mais sincera e descontraída afeição. O bom
* entendimento entre todos é condição
Estas recomendações e sugestões nada têm de puramente teórico ou acadêmico.
São essenciais, especialmente se o grupo mediúníco se envolver em tarefas de (1) Desobsessão, Francisco Cândido Xavler e Waldo Vieira, CAP. 1, 3ª ed.
desobsessão. Os Espíritos trazidos às reuniões, para tratamento, apresentam-se FEB.
hostis, agressivos, irônicos. Que não se cometa, a respeito deles, a ingenuidade de
pensar que são ignorantes. Com freqüência enorme são inteligentes, e mais bem indispensável, insubstituível, se o grupo almeja tarefas mais nobres. Não pode
informados do que nós, encarnados. Geralmente são trazidos porque foram haver desconfianças, reservas, restrições mútuas. Qualquer dissonância entre os
incomodados na sua atividade lamentável. Chegam impetuosos e dispostos a fazer componentes encarnados pode servir de instrumento de desagregação. Os
qualquer coisa, para continuar a proceder como acham de seu direito e até de seu espíritos desarmonizados sabem tirar partido de tais situações, pois esta é a sua
dever. No desespero em que vivem mergulhados, não hesitarão em promover especialidade. Muitos deles não têm feito outra coisa, infelizmente para eles
qualquer medida defensiva, e essa defesa, geralmente, consiste em atacar aqueles próprios, ao longo dos séculos, senão isto: atirar as criaturas umas contra as
que interferem com seus planos. Cuidado, pois. Se em lugar de vigilância e prece, outras, dividindo para conquistar. Nem sempre o fazem por maldade intrínseca. Ë
lhes oferecemos o flanco desguarnecido, sintonizamo-nos com as suas vibrações preciso entendê-los. Eles vivem num contexto que lhes parece tão natural,
agressivas e acabaremos por ser envolvidos. justificável e lógico, como o de qualquer outro ser humano. Julgam-se com direito
Daí a advertência de que o trabalho mediúnico, nesse campo especializado, é de fazerem o que fazem, e, por isso, não se detêm diante de nenhum escrúpulo
tarefa para todas as horas do dia e da noite. As recomendações de comportamento ou temor.
adequado são particularmente rígidas para o dia em que as sessões se realizam. Se os componentes do grupo oferecerem condições de desentendimento,
“No dia marcado para as tarefas de desobsessão” — escreve André Luiz —, “os provocarão a desagregação impiedosamente, porque para eles isto é questão de
integrantes da equipe precisam, a rigor, cultivar atitude mental digna, desde cedo.” (1) vital importância, a fim de continuarem a agir na impunidade temporária em que se
Resguardarem-se todos na prece, na vigilância. Fugiremos ao envolvimento em entrincheiraram.
discussões e desajustes de variada natureza. Alimentação sóbria, leve. Assim sendo, é melhor que um grupo com dimensões internas encerre suas
Não custa muito, pelo menos nesse dia, abster-se de carne; e é necessário atividades, pelo menos por algum tempo, até que se afastem os elementos
prescindir do álcool e do fumo. Sempre que possível, durante o dia ou nas horas que dissonantes. Não se admite, num grupo responsável e empenhado em trabalho
precedem a reunião, um pouco de repouso físico e mental, com relaxamento sério, qualquer desarmonia interna, como disputa pelos diversos postos: dirigente,
muscular e pacificação interior. médium principal e outras infantilidades. O dirigente do grupo não é o que se senta
à cabeceira da mesa e dá instruções — ele é apenas um companheiro, um
coordenador, um auxiliar, em suma, dos verdadeiros responsáveis pela tarefa global, 3 OS MÉDiUNS
que se acham no mundo espiritual. Qualquer sintoma de rivalidade entre médiuns O capítulo 32, de “O Livro dos Médiuns”, intitula-se “Vocabulário Espírita”, e
deve ser prontamente identificado e combatido. Ainda falaremos disso, mais adiante. sugere a seguinte definição:
Por ora, basta dizer, e nunca o diremos com ênfase bastante, que deve predomlnar — Médium — (Do latim medium, meio, intermediário). Pessoa que pode servir
entre os encarnados um clima de liberdade consciente, franqueza sem de intermediário entre os Espíritos e os homens.
agressividade, lealdade sem submissão, autoridade sem prepotência, afeição sem Revelando o cuidado e o extraordinário poder de síntese que Kardec sempre
preferências, e perfeita unidade de propósitos. demonstra, essa definição é um primor de clareza. Vemos, por ela, que o médium
No momento em que o desentendimento e a desafeição começam a medrar entre é uma pessoa, isto é, um ser encarnado, sujeito, por conseguinte, às imperfeições
os encarnados, o grupo está em processo de desagregação. Isto implica dizer que e mazelas que nos afligem a todos e, portanto, tão propenso à queda quanto
os elementos perturbadores dessa harmonia interna devem ser prontamente qualquer um de nós, ou talvez mais ainda, porque sua capacidade de sintonizar-se
identificados. O responsável pelo grupo, ou quem for para isso designado, deve com os desencarnados o expõe a um grau mais elevado de influenciação.
procurar os desajustados para entendimento particular, reservado. Se não for Sabemos, por outro lado, do aprendizado espírita, que a mediunidade, longe de
possível reconduzi-los a uma atitude construtiva, não resta alternativa senão o ser a marca da nossa grandeza espiritual, é, ao contrário, o indício de renitentes
afastamento, pois o trabalho das equipes encarnada e desencarnada deve ser imperfeições. Representa, por certo, uma faculdade, uma capacidade concedida
colocado acima das nossas posições pessoais. pelos poderes que nos assistem, mas não no sentido humano, como se o médium
A decisão de afastar alguém não é fácil, e nem deve ser tomada precipitadamente fosse colocado à parte e acima dos vis mortais, como seres de eleição. É, antes,
e por ouvir dizer, pois é uma ação de natureza grave. Não apenas o grupo se privará um ônus, um risco, um instrumento com o qual o médium pode trabalhar, semear
do seu concurso, qualquer que seja a sua posição, como ele próprio, sentindo-se e plantar, para colher mais tarde, ou ferir-se mais uma vez, com a má utilização dos
como que “expulso”, quase um “excomungado”, poderá cair numa faixa de talentos sobre os quais nos falam os Evangelhos, O médium foi realmente
desânimo, quando não de revolta, que o desprotege espiritualmente e o precipita em distinguido com o recurso da mediunidade, para produzir mais, para apressar ou
imprevisíveis aflições. Não se trata de criar uma atmosfera inquisitorial de abreviar o resgate de suas faltas passadas. Não se trata de um ser aureolado pelo
espionagem mútua, de desconfianças e rivalidades, ou rancores surdos, pois disso dom divino, mas depositário desse dom, que lhe é concedido em confiança, para
também se aproveitariam os irmãos desencarnados que precisam do nosso afeto e uso adequado. Enfim: o médium utiliza-se de uma aptidão que não faz dele um
compreensão; mas os objetivos e finalidades do grupo devem ficar a salvo de nossas privilegiado, no sentido de colocá-lo, na escala dos valores, acima dos seus
paixões. Se, para isso, for necessário afastar um ou outro companheiro, teremos que companheiros desprovidos dessas faculdades.
fazê-lo. Cumprir o desagradável mandato com amor, equilíbrio e serenidade, mas Quanto mais amplas e variadas as faculdades, mais exposto ficará ao assédio
também com firmeza. Talvez o companheiro perturbador possa retornar à tarefa mais dos companheiros invisíveis que se opõem ao seu esforço evolutivo.
adiante, já regenerado, mas entre sacrificá-lo pessoalmente e sacrificar todo o De certa forma, isso é válido para todos nós, mas aqueles que dispõem de
programa, não há como hesitar. faculdades mediúnicas estão como se tivessem devassado o seu mundo interior a
Este aspecto é aqui abordado com franqueza e sem temores, porque, embora não seres desconhecidos e invisíveis, que podem ser bons e amigos, como também
mencionado usualmente nas anotações sobre trabalho mediúnico, é uma das podem ser antigos e ferrenhos desafetos ou comparsas de crimes hediondos.
grandes e freqüentes dificuldades ocorridas em inúmeros grupos. Precisamos estar Isso me faz lembrar um filme que vi há algum tempo. O jovem herói, pelo esforço
preparados para ela porque, mais cedo ou mais tarde, haveremos de encontrá-la. de um trabalhador social compreensivo, que acreditava na capacidade evolutiva
Atenção, porém: nada de processos inquisitoriais, repetimos. O bom senso e a prece do ser humano, obteve liberdade condicional. Estivera alguns anos na prisão, em
serão sempre os melhores conselheiros, em situações como essa. virtude da prática de assaltos audaciosos, bem planejados e, naturalmente, muito
Por outro lado, essas e outras decisões, isto é, todas aquelas que dizem respeito, rendosos financeiramente. Fora o líder de seu grupo, o cérebro da organização, o
por assim dizer, à gestão terrena do grupo, cabem aos encarnados. Os benfeitores planejador eficiente e hábil que facilmente submeteu todos os demais à sua
espirituais, ligados à tarefa, dificilmente nos darão ordens para admitir este vontade. Ao sair da prisão, deseja esquecer o passado tenebroso, encontra o amor
componente ou desligar aquele. Eles desejam que nós sejamos capazes de na pessoa de uma jovem, e dedica-se a trabalho humilde, de baixa remuneração,
discernir e assumir a responsabilidade pelos nossos atos. O que esperam de nós é mas honesto. É nessa fase de reconstrução íntima e esforço regenerativo, que os
um clima de harmonização, para que possam, em cada reunião, colocar diante de antigos comparsas o encontram. Começa o cerco, o assédio, com propostas,
nós a tarefa que desejam que realizemos. É preciso que ofereçamos a eles aquele ameaças, e a doce cantilena do êxito material. Tudo é tentado para afastá-lo do
mínimo de condição indispensável. caminho da recuperação. Qualquer ardil serve, qualquer pressão, envolvimento ou
oferta. Vale tudo. Seus ex-companheiros de crime desejam-no de volta ao grupo, aos na Codificação, pois nem mesmo a Kardec deixaram eles de dizer o que era
prazeres, às loucuras, à irresponsabilidade. necessário dizer, às vezes até com inesperada severidade.
A semelhança com a situação do médium é impressionante. Seus comparsas não — Por que há Deus permitido que os Espíritos possam tomar o caminho do
se conformam, e, das trevas onde se escondem, buscam-no incessantemente. Isso mal? — pergunta Kardec, segundo “O Livro dos Espíritos”, questão 123.
é particularmente agudo quando a mediunidade começa a desabrochar. Os E eles respondem:
primeiros manifestantes são, quase sempre, atormentados seres do mundo das — Como ousais pedir a Deus contas de seus atos? Supondes poder penetrar-
dores, obsessores impiedosos, verdugos que não desejam deixar escapar a presa lhe os desígnios? Podeis, todavia, dizer o seguinte: A sabedoria de Deus está na
pelos portões do trabalho regenerador. Ou, então, são associados de outros tempos, liberdade de escolher que Ele deixa a cada um, porqüanto, assim, cada um tem o
que por muitos séculos planejaram e executaram juntos crimes inomináveis. mérito de suas obras.
O médium, mais do que aqueles que não dispõem da faculdade, é um ser em E o interlocutor era Allan Kardec! Por que razão ficarão com “panos quentes”
liberdade condicional. Cabe a ele provar que já écapaz de fazer bom uso dela. A conosco, meros aprendizes primários de uma verdade que transcende, em muitos
tarefa não é fácil, porque, como todos nós, traz em si o apelo do passado, as aspectos, a nossa compreensão?
“tomadas” para o erro, as cicatrizes, mal curadas, de falhas dolorosas, o peso Assim, não se espere que os benfeitores espirituais tomem precauções
específico que o arrasta para baixo, tentando impedir que ele se escape, como um especiais para nos preservar o orgulho e a vaidade.
pequeno balão, para o azul infinito da libertação espiritual. Mais do que qualquer um Não cuidaremos, neste livro, da formação ou do desenvolvimento do médium. O
de nós, ele precisa estar vigilante, atento, ligado a um bom grupo de trabalho, assunto é demasiado complexo para um tratamento sumário e foge aos objetivos
compulsando livros doutrinários de confiança, observando suas próprias faculdades, das nossas especulações aqui. Há obras que cuidam do problema, mas é preciso
corrigindo, melhorando, modificando, eliminando, acrescentando. não se esquecer que o ponto de partida de qualquer trabalho, nesse sentido, é”O
Nada de pânico, porém. O fato de ser ele uma pessoa dotada de antenas Livro dos Médiuns”, de Allan Kardec.
psíquicas, que o põem em relação com o mundo espiritual, quer ele deseje ou não, É possível, no entanto, que as tarefas do grupo mediúnico venham, no decorrer
não quer dizer que ele esteja àmercê dos companheiros desvairados das sombras, a do tempo, revelar a existência de outros médiuns em potencial. Não é necessário,
não ser que ele próprio deixe cair suas guardas. Ele contará sempre com a proteção neste caso, colocar a pessoa em quarentena, nem desligá-la do grupo. Que ela se
carinhosa e atenta de seus guias, daqueles que estão interessados no seu progresso mantenha junto aos companheiros, na posição que sempre ocupou e aguarde a
espiritual. Procure manter um bom clima mental. Estude, leia, viva com simplicidade, sua vez. Os benfeitores espirituais saberão como conduzir o labor necessário,
vigie seus sentimentos, como qualquer um de nós. Participe da luta diária, enfrente fornecendo ocasionais indicações e instruções, até que a mediunidade nascente
os problemas da existência: profissionais, familiares, sociais, humanos, enfim. Não comece a desabrochar e possa ser utilizada.
lhe faltarão recursos, assistência, informações e, acima de tudo, trabalho mediúnico, O dirigente humano acompanhará atentamente o trabalho, ajudando o
que é da essência mesma do seu compromisso. companheiro, ou companheira, nas lides iniciais da sua empreitada. Os
Não tema, mas não seja temerário. Não deixe de estudar suas faculdades, mas fenômenos começarão espaçados e indecisoS: rápidas vidências, clariaudiência,
não se envaideça do que aprendeu nem dos recursos que conseguiu desenvolver. talvez intuições, impulsos de dizer ou escrever algo. Quando estes pequenos
Na hora da tarefa, é um simples trabalhador, como qualquer outro: nem melhor, nem fenômenos ocorrerem, o componente da equipe deve comunicar-se, tão logo lhe
pior, nem inferior, nem superior. seja possível, com o dirigente, sem interromper os trabalhos em curso, a não ser
Os dirigentes de grupos devem combater sem tréguas o “vedetismo” de alguns por motivos imperiosos; de preferência, contudo, depois de encerrada a sessão.
médiuns; o bom combate, é claro, de que nos falava Paulo, sem rancores, sem Nada de açodamento, de excitações, de fantasias, de euforia, nem de temores.
humilhações, sem prepotência. É comum, nos grupos mediúnicos, dar-se destaque Num grupo bem orientado, todas as potencialidades serão devidamente
indevido ao médium que recebe, por exemplo, o orientador desencarnado, para as estudadas e aproveitadas, quando possível e necessário.
palavras de esclarecimento e as diretrizes gerais. O ideal seria que os orientadores A mediunidade que melhor se presta aos trabalhos de desobsessão é a
se revezassem, utilizando-se dos demais médiuns, mas eles não estão interessados psicofonia, ou de incorporação. O diálogo com o desencarnado é da própria
em preservar as nossas ridículas suscetibilidades e vaidades. Se o médium que os essência da tarefa, e dificilmente a palavra falada, direta e viva, poderia ser
recebe sente-se envaidecido, trate de se corrigir; se os médiuns que não o recebem substituida, sem perda considerável da eficácia do processo. Em casos extremos,
ficam enciumados, o problema é de cada um. A experiência com os espíritos ensina- poderá ser utilizada a psicografia: o doutrinador falaria e o espírito responderia por
nos que eles são compassivos, amorosos, pacientes, tolerantes e serenos, mas são escrito, mas a experiência revela que nada substitui a palavra falada, nesse tipo de
também firmes e rigorosos, quando necessário. Isso está amplamente documentado trabalho. Com ela, sentimos com maior facilidade as reações que se processam
no manifestante, sua personalidade, seus cacoetes, seu estado de irritação ou de *
serenidade, suas ironias, suas vacilações, sua sinceridade, suas emoções. As pessoas que lidam com médiuns, que trabalham junto deles, que
Não quer isso dizer que o grupo deva reunir apenas mediuns de incorporação. Os desempenham, enfim, qualquer atividade em paralelo com eles, não devem
benfeitores espirituais terão melhores oportunidades de desenvolver suas tarefas por esquecer-se de que esses companheiros de seara são criaturas dotadas de certo
nosso intermédio, quando dispuserem de mais ampla variedade de faculdades, grau de exaltação da sensibilidade. Ou, por outra: são médiuns exatamente
operando através da vidência de um, da clariaudiência de outro, da intuição de um porque têm a sensibilidade mais aguda do que o comum dos homens e das
terceiro, ou até mesmo se utilizando, em trabalhos especiais que ainda discutiremos, mulheres. Em decorrência dessa particularidade que, no fundo, é da própria
da faculdade, que têm outros, de exteriorizarem ectoplasma, ou seja, da essência da mediunidade, são mais suscetíveis, mais sensíveis também à crítica,
mediunidade de efeitos físicos. à atitude antifraterna, à palavra agressiva, à reprimenda, tanto quanto ao elogio e à
Tal variedade de faculdades é particularmente desejável quando o doutrinador não bajulação, a que se refere André Luiz.
for dotado de mediunidade ostensiva, como vidência, ou audiência. Nesse caso, os É preciso, pois, atenção especial com os médiuns, naquilo que diga respeito à
médiuns presentes serão, as vezes, incumbidos de o auxiliarem com pequenas e sua condição peculiar de sensibilidade. Tentaremos clarificar, tanto quanto possível,
discretas observações e recomendações recebidas dos benfeitores, enquanto ele se este assunto extremamente delicado e complexo.
acha doutrinando. Isso deve ser feito com muita sutileza e de maneira breve e Evidentemente, o médium não deve e não pode ser endeusado, porque isso
sumária. exporia, a ele e ao grupo, a imprevisíveis e desastrosas conseqüências. Em breve,
Como a psicofonia é a mediunidade mais indicada para esse tipo de tarefa, André estaria recebendo “mensagens” diretas de Deus-.. Não vamos, porém, cair no
Luiz nos oferece, no seu já citado “Desobsessão”, um valioso decálogo de outro extremo, de submeter o médium a um regime disciplinar inadequado, ditado
recomendações e sugestões. Mesmo que o leitor disponha de um exemplar, parece pela prepotência e pela arbitrariedade, em nome da boa ordem dos trabalhos.
que vale a pena reproduzir aqui o texto. André considera tais cuidados “essenciais ao Médium disciplinado é uma coisa, médium inibido éoutra. É preciso que o dirigente
êxito e à segurança da atividade” atribuida aos médiuns. dos trabalhos tenha bom senso suficiente para distinguir até onde vai a disciplina,
É aconselhável, pois, aos médiuns psicofônicos: que precisa ser preservada, e onde começa o rigorismo ditatorial que leve o
* Desenvolvimento da autocrítica. médium ao pânico ou à revolta. O médium não é nem a “vedete” do grupo, seu
* Aceitação dos próprios erros, em trabalho mediúnico, para que se lhes apure a pontífice máximo, nem o escravo acorrentado aos caprichos dos desavisados que,
capacidade de transmissão. em nome da disciplina e da ordem, impõem condições inaceitáveis ao exercício
* Reconhecimento de que o médium é responsável pela comunicação que das faculdades mediúnicas.
transmite. A mediunidade é um mecanismo extremamente delicado e suscetível, que deve
* Abstenção de melindres ante apontamentos dos esclarecedores ou dos ser tratado com atenção, cuidado e carinho.
companheiros, aproveitando observações e avisos para melhorar-se em serviço. No grupo em que predominar legitimo sentimento de afeição, e compreensão
* Fixação num só grupo, evitando as inconveniências do compromisso de entre os seus diversos componentes, dificilmente surgirão problemas dessa
desobsessão em natureza, mas é preciso estar atento para que tais questões não venham a
várias equipes ao mesmo tempo. perturbar a tarefa. O dirigente deverá tratar o médium com todo o carinho e
* Domínio completo sobre si próprio, para aceitar ou não a influência dos atenção, procurando ajudá-lo na solução dos problemas que surgirem no exercício
Espíritos desencarnados, inclusive reprimir todas as expressões e palavras obscenas de sua faculdade, dando-lhe apoio e conselhos, onde e quando necessário. Deve
ou injuriosas, que essa ou aquela entidade queira pronunciar por seu intermédio. ser-lhe grato pela sua contribuição ao grupo, sem, no entanto, distingui-lo com
* Interesse real na melhoria das próprias condições de sentimento e cultura. nenhum favor especial. O médium equilibrado e disciplinado sabe que nada deve
* efesa permanente contra bajulações e elogios, conquanto saiba agradecer o esperar de diferente, exclusivo ou extraordinário. É apenas um dos componentes
estímulo e a amizade de quantos lhe incentivem o coração ao cumprimento do do grupo, nada mais, e, como tal, credor da mesma estima e respeito devidos aos
dever. demais companheiros. E, também como os demais, merecedor de uma palavra
* Discernimento natural da qualidade dos Espíritos que lhes procurem as de estímulo e gratidão, por uma tarefa particularmente difícil, exaustiva e bem
faculdades, seja pelas impressões de sua presença, linguagem, eflúvios magnéticos, realizada. Não custa, a quem de direito, uma expressão de agradecimento e uma
seja pela sua conduta geral. palmada afetuosa no ombro, que deverá estimular sua responsabilidade e não sua
* Uso do vestuário que lhes seja mais cômodo para a tarefa, vaidade.
alijando, porém, os objetos que costumem trazer jungidos ao corpo, como sejam Há manifestações difíceis, dolorosas, que deixam resíduos vibratórios
relógios, canetas, óculos e jóias. perturbadores. Em casos assim, o médium não deve ser abandonado à sua sorte,
com as dores e as canseiras resultantes. Se o dirigente não puder socorrê-lo com um os resíduos vibratórios que permanecem na intimidade do perispírito do médium,
passe restaurador, designe alguém no grupo para fazê-lo, mas diga-lhe uma breve após a desincorporação, são bastante conhecidos, sendo necessário, quase
palavra de carinho ou lhe faça um gesto de solidariedade, para que o médium sinta o sempre, quando são desagradáveis e agressivos, dispersá-los por meio de
apoio e a compreensão para a sua árdua tarefa. passes, a fim de que o médium se recomponha. Quando, ao contrário, se trata de
O leitor deverá notar, ao longo deste livro, que alguns pontos são repisados em um espírito pacificado e bondoso, o médium desperta, como costumo dizer, “em
diferentes estado de graça”, feliz, harmonizado, comovido, às vezes, até às lágrimas.
contextos. É que tais assuntos se apresentam muito intimamente interligados, à *
semelhança dos fios coloridos que fazem o desenho dum tapete, e que Uma insistente palavra final para o médium: estude, leia, faça perguntas, discuta
desaparecem aqui, para reaparecer ali, com nova ênfase. os diferentes aspectos e problemas da mediunidade, com quem demonstre ter
Um desses pontos é o relacionamento entre os componentes do grupo, seja entre experiência. “O Livro dos Médiuns” deve ser leitura e releitura constantes. Há
os encarnados, seja entre estes e os desencarnados. sempre aspectos e informações que a uma ou duas passagens deixamos
Repisaremos aqui um deles. É o do relacionamento do médium com o doutrinador. escapar. Mantenha-se ligado às cinco obras da Codificação, aos livros de André
Para que o trabalho se desenvolva com segurança e eficácia, esse relacionamento Luiz, que desenvolvem, de maneira tão ampla, não apenas aspectos específicos
precisa ser impecável. Tentemos explicar o que significa, no caso, esse adjetivo algo da mediunidade, como trabalhos desenvolvidos no mundo espiritual: “Mecanismos
pomposo. Além do seu sentido etimológico — incapaz de pecar, não sujeito a pecar da Mediunidade”, “Entre a Terra e o Céu”, “Missionários da Luz”, “Nos Domínios da
— impecável quer dizer perfeito, correto, sem mácula ou defeito. Mediunidade”, “Libertação”, “Desobsessão”, ou, ainda, “Estudando a
Médium e doutrinador devem estimar-se e respeitar-se. Estima sem servilismo e Mediunidade”, de Martins Peralva, “No País das Sombras”, de Madame
sem fanatismo; respeito sem temores e sem reservas íntimas. Quando o d’Espérance, “Memórias de um Suicida”, de Camilo Cândido Botelho, “Dramas da
relacionamento médium-doutrinador é imperfeito ou sofre abalos mais sérios, põe-se Obsessão”, do Dr. Bezerra de Menezes, “Nos Bastidores da Obsessão”, de
em risco a qualidade do trabalho mediúnico. A razão é simples e óbvia: ao incorporar- Manoel Philomeno de Miranda.
se, o espírito manifestante vem trabalhar com os elementos ou instrumental que A literatura é ampla e não há ainda limites visíveis neste vasto campo. O
encontra no médium. Se existe ali alguma reserva com relação ao doutrinador, ou, médium, tanto quanto todos nós, que lidamos com a comunicação entre os dois
pior ainda, alguma hostilidade mais declarada, é claro que a sua tarefa negativa será mundos, precisa estar bem certo de que é ainda muito pouco o que sabemos
bastante facilitada, da mesma forma que um médium mais culto fornece melhores sobre essa notável faculdade humana. Toda a humildade e
recursos para uma manifestação de teor mais erudito ou um médium de todo o respeito ante ela ainda serão poucos. Ademais, somente podemos
temperamento mais violento oferece condições mais propícias a manifestações estudar a mediunidade assistindo-a em ação, observando-a com atenção,
violentas. anotando suas peculiaridades, discutindo suas inúmeras facetas com os
Pela mesma razão, se existe entre médium e doutrinador um vínculo mais forte de companheiros que constituem a equipe de trabalho, lendo o estudo daqueles que,
afeição, o espírito agressivo fica algo contido, e ainda que agrida o doutrinador com antes de nós, já se tenham dedicado aos seus mistérios e grandezas.
palavras ou gestos, não consegue fazer tudo quanto desejava. Muitos são os que se Ninguém precisa estudá-la mais, e com maior respeito e carinho, do que o
queixam disso, durante suas manifestações, exatamente porque não logram dar próprio médium, porque é através dele que se abre o postigo pelo qual
vazão aos seus impulsos e intenções, porque as vibrações afetivas entre médium e dialogamos, mundos abaixo, com os companheiros que se acham acorrentados
doutrinador arrefecem inevitavelmente tais impulsos. às mais negras e tormentosas paixões e sofrimentos, e, mundos acima, de onde
É preciso ainda considerar que se o médium realiza esse trabalho de impregnação recebemos jatos de luz que, através de um pequenino retângulo, iluminam, por
fluídica no perispírito do manifestante, este também traz uma carga, às vezes pesada alguns momentos, de tempos em tempos, os ambientes de meia-luz em que
e agressiva, que atua energicamente sobre o perispírito do médium, havendo, vivemos.
portanto, certa “contaminação” mútua, para a qual o médium deve atentar com toda
a sua vigilância, pois, do contrário, o espírito o dominaria e faria com ele o que bem 4 O DOUTRINADOR
desejasse, como lamentavelmente acontece com freqüência. Essa contaminação, Num grupo mediúnico, chama-se doutrinador a pessoa que se incumbe de
embora transitória, é demonstrada, sem sombra alguma de dúvida, nas reações dialogar com os companheiros desencarnados necessitados de ajuda e
preliminares e posteriores do médium, ou seja, quando ainda se acha consciente no esclarecimento. Qualquer bom dicionário leigo dirá que doutrinar é instruir em uma
corpo e depois que o reassume. Com freqüência, nossos médiuns declaram que, ao doutrina, ou, simplesmente, ensinar. E aqui já começamos a esbarrar nas
sentirem a aproximação do espírito manifestante, experimentaram tal ou qual dificuldades que a palavra doutrinador nos oferece, no contexto da prática
sensação: força, ódio, tristeza, angústia ou amor, paz, serenidade. Da mesma forma, mediúnica.
Em primeiro lugar, porque o espírito que comparece para debater conosco os seus e, antes que o doutrinador possa dedicar-se a este aspecto específico, ele deve
problemas e aflições, não está em condições, logo aos primeiros contactos, de estar
receber instruções doutrinárias, ou seja, acerca da Doutrina Espírita, que preparado para discutir o problema pessoal do espírito, a fim de obter dele a
professamos, e com a qual pretendemos ajudá-lo. Ele não vem disposto a ouvir uma informação de que necessita. É nesse momento que ele precisa utilizar-se de seus
pregação, nem predisposto ao aprendizado, como ouvinte paciente ante um guru conhecimentos gerais, intercalando aqui e ali um pensamento evangélico que se
evoluído. Muitas vezes ele está perfeitamente familiarizado com inúmeros pontos adapte às condições desenvolvidas no diálogo.
importantes da Doutrina Espírita. Sabe que é um Espírito sobrevivente, conhece Isto nos leva a outro aspecto importante: o “status” moral do doutrinador. Sua
suas responsabilidades perante as leis universais, admite, ante evidências que lhe autoridade moral é importante, por certo, mas qual de nós, encarnados, ainda em
são mais do que óbvias, os mecanismos da reencarnação, reconhece até mesmo a lutas homéricas contra imperfeições milenares, pode arrogar-se uma atitude de
existência de Deus. Quanto à comunicabilidade entre encarnados e desencarnados, superioridade moral sobre os companheiros mais desarvorados das sombras?
ele nem discute, pois está justamente produzindo uma demonstração prática do Ainda temos mazelas e ainda erramos gravemente. O espírito que debate
fenômeno, e seria infantilidade de sua parte tentar ignorar a realidade. conosco sabe de nossas inúmeras fraquezas, tanto quanto nós, e até mais do que
Portanto, o companheiro encarnado, com quem estabelece o diálogo, não tem nós, às vezes, por serem, freqüentemente, companheiros de antigas encarnações,
muito a ensinar-lhe, em termos gerais de doutrina. em que fomos, talvez, comparsas de desacertos hediondos. Ele nos vigia,
Por outro lado, o chamado doutrinador não é o sumo-sacerdote de um culto ou observa-nos, analisa-nos e estuda-nos, de uma posição vantajosa para ele: na
de uma seita, que se coloque na posição de mestre, a ditar normas de ação e a invisibilidade. Tem condições de aferir nossa personalidade e nossos propósitos,
pregar, presunçosamente, um estágio ideal de moral, que nem ele próprio conseguiu pela maneira como agimos em nosso relacionamento com os semelhantes.
alcançar. A despeito disso, ele precisa estar preparado para exercer, no momento Percebe mais as nossas intenções, a intensidade e a sinceridade do nosso
oportuno, a autoridade necessária, que toda pessoa incumbida de uma tarefa, por sentimento, do que o mero som das palavras que pronunciamos. Se estivermos
mais modesta, deve ter. Não se esquecer, porém, de que, no grupo mediúnico, ele é recitando lindos textos evangélicos, sem sustentação na afeição legítima, ele o
apenas um dos componentes, um trabalhador, e não mestre, sumo-sacerdote ou rei. saberá também.
Sua formação doutrinaria é de extrema importânçia. Não poderá jamais fazer Muitas vezes, refere-se desabridamente a uma ou outra fraqueza íntima nossa,
um bom trabalho, sem conhecimento íntimo dos postulados da Doutrina Espírita. como, por exemplo:
Entre os espíritos que lhe são trazidos para entendimento, há argumentadores — Você não tem força para deixar o vício de fumar, como quer me obrigar a
prodigiosamente inteligentes, bem preparados e experimentados em diferentes deixar de perseguir aquele que me prejudicou?
técnicas de debate, dotados de excelente dialética. Isto não significa que todo Ou então, nos lembra uma situação irregular em que nos encontramos, ou um
doutrinador tem de ser um gênio, de enorme capacidade intelectual e de impecável erro mais grave cometido no passado recente, ou crimes que praticamos em vidas
formação filosófica. A conversa com os espíritos desajustados não deve ser um frio pregressas. Tudo serve. É preciso que o doutrinador esteja preparado para estas
debate acadêmico. Se o dirigente encarnado dos trabalhos está bem familiarizado situações. Não adianta exibir virtudes que não possui ainda. Deve lembrar-se,
com as obras fundamentais do Espiritismo, ele encontrará sempre o que dizer ao porém, de que somos julgados e avaliados, não pelos resultados que obtemos,
manifestante, ainda que não esteja no mesmo nível intelectual dele. O confronto aqui mas pelo esforço que realizamos para alcançá-los. Não é preciso ser santo, para
não é de inteligências, nem de culturas; é de corações, de sentimentos. O doutrinar. Aqueles que já se purificaram a esse ponto, dedicam-se a tarefas mais
conhecimento doutrinário torna-se importante como base de sustentação. O complexas, de maior responsabilidade, compatíveis com o adiantamento espiritual
doutrinador precisa estar convencido de que a Doutrina Espírita dispõe de todos os que já alcançaram.
informes de que ele necessita para cuidar dos manifestantes em desequilíbrio, mas Por outro lado, não podemos esperar a perfeição para ajudar o irmão que sofre.
isso não é tudo, porque ele pode ser um bom conhecedor dos princípios teóricos do É exatamente porque ainda somos tão imper feitos quanto ele, que estamos em
Espiritismo e ser completamente desinteressado do aspecto evangélico; ou, ainda, condições de servi-lo mais de perto. Muitos são desafetos antigos, que ainda não
conhecer a doutrina e recitar prontamente qualquer versículo evangélico, mas não nos perdoaram. É aqui que vemos a validade da palavra sábia do Cristo:
apoiar o seu conhecimento na emoção e no legítimo desejo de servir e ajudar. — Reconcilia-te com o teu adversário, enquanto estás a caminho com ele.
Voltaremos ao assunto quando tratarmos do problema específico da doutrinação. Os Não podemos impor ao companheiro infeliz uma superioridade moral
espíritos em estado de perturbação, que nos são trazidos às sessões mediúnicas, inexistente. O doutrinador é também um ser falível e consciente das suas
não estão, logo de início, em condições psicológicas adequadas à pregação imperfeições, mas isto não pode e não deve inibi-lo para a tarefa. É preciso levar
doutrinária, como já dissemos. Necessitam aflitivamente de primeiros socorros, de em conta, ainda, que muitos companheiros espirituais desarvorados, que nos
quem os ouça com paciência e tolerância. A doutrinação virá no momento oportuno, conheceram em passado tenebroso, vêem em nós mais aqueles que fomos do
que o que somos hoje, ou pretendemos ser. Se tivermos paciência e tolerância, o Marcos narra o episódio no capítulo 9 (versículos 14 a 29).
manifestante acabará por admitir que, mesmo que ainda não tenhamos alcançado Jesus cura o infeliz possesso que, segundo o pai, era possuído por um Espírito
os estágios superiores da evolução, nossa boa intenção é legítima, o esforço que mudo, que se apoderava dele em qualquer lugar, derrubava-o ao solo, fazia-o
desenvolvemos é digno, e nos respeitarão por isso. espumar, ranger os dentes, e o deixava rígido, provavelmente desacordado. Os
O doutrinador precisa, ainda, ser uma criatura de fé viva, positiva, inabalável. Ele discípulos nada puderam fazer, e, depois de curá-lo, o Cristo insiste em que tudo é
não pode dar aquilo que não tem. Se me perguntassem qual o elemento mais possível àquele que crê, e ainda mais: que aquela classe de espíritos não poderia
importante na estrutura da personalidade do doutrinador, eu não saberia dizer, mas ser tratada senão com a prece.
ficaria indeciso entre a fé e o amor, sobre o qual ainda falaremos adiante. Que tipo de Ao comentar a passagem, em “O Evangelho segundo o Espiritismo”, Kardec
fé? A fé espírita, tal como a conceituou Kardec: escreve que “a confiança nas suas próprias forças torna o homem capaz de
sincera, convicta, lógica, plenamente suportada pela razão, mas sem se deixar executar coisas materiais, que não consegue fazer quem duvida de si”. No
contaminar pela frieza hierática do racionalismo estéril e vazio. contexto, porém, as palavras devem ser entendidas em seu sentido moral. Não se
Façamos uma pausa na exposição, para um exame da fé, que tanto nos interessa, trata, é certo, de remover montanhas de terra e pedra, imagem usada pelo
neste, como em tantos outros contextos. Cristo para fixar o seu pensamento na memória dos ouvintes. “Da fé vacilante —
* diz Kardec, pouco depois — resultam a incerteza e a hesitação, de que se
Quero falar aqui daquela fé sobre a qual Paulo escreveu seu belissimo poema, no aproveitam os adversários que se tem de combater; essa fé não procura os meios
CAP. 11 da Epístola aos Hebreus: de vencer, porque não acredita que possa vencer.” (Destaque meu.)
— A fé — disse ele — é a garantia do que se espera; a prova das realidades O comentário de Kardec é de transcendental importância. Para não transcrevê-
invisíveis. Pela fé, sabemos que o universo foi criado pela palavra de Deus, de lo por inteiro, aqui, é preferível recomendar que o leitor não deixe de estudá-lo e de
maneira que o que se vê resultasse daquilo que não se vê. (1) meditar pausadamente acerca de todas as suas implicações, pois ele ocupa todo
o capítulo 19 de “O Evangelho segundo o Espiritismo”, páginas 284 a 293, da 57ª
(1) O texto citado é da Bíblia de Jerusalém. edição da FEB.
É também aí que o Codificador escreveu sua famosa sentença:
Em Paulo, a fé era o suporte das realidades que o conhecimento ainda não — Fé inabalável só é a que pode encarar de frente a razão, em todas as épocas
atingira; em Kardec é a certeza daquilo que o conhecimento, afinal alcançado, da Humanidade.
confirmou no coração do homem. Dificilmente se poderia dizer melhor, com tão poucas palavras. A conceituação
Para o Cristo, a fé do tamanho de uma semente de mostarda bastaria para de fé tornou-se, com Kardec, definitiva. Precisa ser inabalável, tem que “encarar a
remover montanhas. Para Ele, é a fé que cura o servo doente do romano pagão e razão” destemidamente, confiante-mente, sempre, em todas as épocas. Somente
estanca a hemorragia da mulher que O tocou. É a ausência de fé que Ele censura assim será inabalável. Fora disso, pode ser crença, suspeita, opinião, parecer,
docemente nos discípulos que temeram a tempestade e a morte. conjetura, presunção, mas não será fé.
É ainda a falta de fé que Ele repreende nos discípulos, ao expulsar o Espírito que Sem ela, o doutrinador estará desarmado, despreparado para a sua tarefa, por
atormentava o jovem lunático (Mateus, 17:14-20): mais bem-dotado que seja, com relação aos demais atributos necessários à sua
— Os discípulos vieram, então, ter com Jesus, em particular, e lhe perguntaram: função.
“Por que não pudemos, nós outros, expulsar esse demônio?” Respondeulhes Jesus: Ele precisa estar confiante nos poderes espirituais que sustentam o seu trabalho,
“Por causa da vossa incredulidade. Pois em verdade vos digo, se tivésseis fé do sem os quais nenhuma tarefa de desobsessão é possível, e todos os riscos são
tamanho de um grão de mostarda, diríeis a esta montanha: Transporta-te daí para ali, iminentes e inevitáveis. Ele tem de saber que, ao levantar-se para dar um passe, a
e ela se transportaria e nada vos seria impossível.” fé lhe trará os recursos de que necessita para servir. Ele deve saber que, ao
O episódio é de grande força e beleza. Os discípulos já haviam tentado, sem êxito, formular sua prece, vai encontrar a resposta ao que implora, em benefício do
doutrinar o possessor que fazia o que queria com o infeliz jovem. Batidos pelo companheiro que sofre.
fracasso, e ante a facilidade com que o Cristo resolve o problema, pedem Além disso, é a fé que lhe dá o apoio da confiança de que ele precisa para
explicações. Resposta: aventurar-se pelas ásperas e tenebrosas regiões do mais terrível sofrimento, do
fé. Sem ela, pouco ou nada podemos; com ela, “nada é impossível”. É uma mais angustioso desespero, da mais violenta revolta. Se não tem fé, não estará em
afirmativa de extraordinário vigor, feita por quem Possuía autoridade mais do que condições de realizar o trabalho a que se propõe.
suficiente para fazê-la. Coloquemo-la de forma positiva: tudo é possível àquele que Outro ingrediente necessário, na psicologia do doutrinador, é o amor. Não é por
crê. acaso que nos textos evangélicos caridade e amor são tratados como sinônimos.
Impossível seria considerar a caridade sem o amor, tanto quanto o amor Isto não esgota, ainda, o rol das aptidões que devem integrar a personalidade do
descaridoso. Por isso, traduções modernas do Evangelho substituiram por amor a doutrinador. Nem pretendemos esgotá-lo aqui, ou afirmar que somente pode
expressão caridade, que aparecia nos textos mais antigos, do belíssimo capítulo 13, investir-se na função de doutrinador aquele que possuir cumulativamente todas
da Primeira Epístola de Paulo aos Coríntios: essas virtudes. Não estamos ainda nesse estado evolutivo.
— Ainda que eu fale a linguagem dos homens e dos anjos, se não tenho amor, Prossigamos, no entanto, ainda no exame dos componentes morais e
sou como o bronze que soa e o címbalo que retine... Se não tenho amor, nada me psicológicos da personalidade de um bom doutrinador.
aproveita... O amor épaciente e serviçal... O amor não é invejoso, nem presunçoso, Se não dispuser de um mínimo de aptidões, o candidato a tal função deve
não é temerário, nem precipitado, não tem orgulho, não é interesseiro, não se irrita, procurar desenvolvê-las, ou assumir outra tarefa, para a qual, seus recursos
não se alegra com a injustiça e sim com a verdade. O amor tudo crê, tudo espera, pessoais sejam mais adequados. Uma dessas virtudes é a paciência. Não pode
tudo suporta. O amor não se acaba nunca. Se tudo se acabasse, restariam a fé, a ele, sem prejuízo sério para o seu trabalho, atirar-se sofregamente ao interrogatório
esperança e o amor. do Espírito manifestante. Tem que ouvir, aturar desaforos e impropérios, agressões
A Bíblia de Jerusalém lembra, em nota de rodapé, que a expressão do original verbais e impertinências. Tem que aguardar o momento de falar. Para isso,
grego agapô, caracteriza bem a gradação cuidadosa do sentimento que Paulo necessita de outra qualidade pessoal, não particularmente rara, mas que precisa
desejou transmitir aos seus amigos de Corinto. Agapô é o amor-benevolência, que ser cultivada, quando não despertada: a sensibilidade, que o levará a sentir
se dirige, como força construtiva do bem, em favor do próximo, diferente, portanto, do pacientemente o terreno estranho, difícil e desconhecido em que pisa, as reações
amor passional e egoísta. do Espírito, procurando localizar os pontos em que o manifestante, por sua vez,
É desse amor-doação que precisa o doutrinador. Do amor que, segundo o Cristo, seja mais sensível e acessível. Isto se faz com uma qualidade pessoal chamada
devemos sentir, com relação aos nossos próprios inimigos. É isto bem verdadeiro, no tato, segundo a qual, vamos, pela observação cuidadosa, serena, nos informando
caso da doutrinação de Espíritos conturbados, porque, ao se apresentarem diante de de determinada situação ou acontecimento, até que estejamos seguros de poder
nós, vêm com a força e a agressividade de inimigos implacáveis. Se respondermos à tomar uma posição ou uma decisão sobre o assunto.
sua agressividade com a nossa, o trabalho se perde e desencadeamos contra nós a A paciência, a sensibilidade e o tato nos facultam as informações que buscamos,
reação sustentada da cólera, do rancor, do ódio. Sem nenhuma figura de retórica, é mas não disparam, por si mesmos, os mecanismos da ação, ou seja, não nos
preciso ter, no trabalho de desobsessão, a capacidade de amar os inimigos. indicam a providência a tomar, nem nos sustentam no que fizermos. Para isso, se
- “É preciso — escrevia eu em “Reformador” de fevereiro de 1975 — ter muito pede outra disposição que poderíamos chamar de energia, que deve ser
amor a dar, para distribuí-lo assim, indiscriminadamente, a qualquer companheiro controlada e oportuna. Há de chegar-se a um ponto, na doutrinação, em que se
espiritual que se manifeste. Muitas vezes, o médium doutrinador não se encontra, na torna imperiosa a tomada de uma atitude firme, enérgica, que não pode ser
sua vida de encarnado, cercado pelo sentimento de afeição de familiares e contundente, nem agressiva. É a hora da energia, e o momento tem que ser o
companheiros. Tem seus parentes, vive rodeado de conhecidos, no ambiente de certo. Nem antes, nem depois da oportunidade. Veremos isto, quando cuidarmos
trabalho, mas não conta com grandes afeições e dedicações. A sustentação do seu do trabalho propriamente dito.
teor vibratório, no campo do amor, deverá vir de Cima, e, para isso, precisa estar Há mais ainda.
ligado aos Planos Superiores, que o ajudam e assistem a distância. Sem amor O doutrinador deve estar em permanente estado de vigilância, na mais ampla
profundo, pronto na doação, incondicional, legítimo, sincero, é impraticável o trabalho acepção do termo. Vigilância quanto aos seus proprios sentimentos e
mediúnico realmente produtivo e libertador. pensamentos, quanto às suas suposições e intuições, quanto ao que se contém
É claro que estas observações são válidas para todos os componentes do nas entrelinhas do que diz o manifestante, quanto ao que ocorre à sua volta, com
grupo, mas particularmente se dirigem ao doutrinador, porque é ele o seu porta-voz, os demais componentes do grupo, quanto à sua própria conduta, não apenas
é nele que os Espíritos desequilibrados identificam a petulante intenção de interferir durante o trabalho mediúnico, propriamente dito, mas no seu proceder diário.
com seus planos pessoais, é ele, usualmente, o responsável pela direção dos Convém repetir: não precisa ser um santo, e não o será mesmo. Vigilância e boa
aspectos, por assim dizer, terrenos, do trabalho. É lógico e natural, portanto, para os intenção não são santidade. O doutrinador precisa servir em estado de
irmãos desorientados, que se concéntre no doutrinador grande parte do esforço de alertamento constante.
envolvimento, bem como suas cóleras e suas ameaças. O médium doutrinador tem Uma questão cabe introduzir aqui: convém que ele disponha de alguma forma
que devolver todo esse concentrado ataque vibratório, transformado em de mediunidade ostensiva? Em Espiritismo, não há posições dogmáticas. Minha
compreensão, tolerância e, principalmente, amor fraterno. opinião pessoal é a de que algumás formas de mediunidade são desejáveis.
* Colocaria em primeiro lugar a intuitiva, através da qual o doutrinador possa receber
as inspirações de seus amigos espirituais, responsáveis pelo trabalho, e
desenvolvê-las junto ao manifestante, com seus próprios recursos e suas próprias momento em que o turbulento manifestante de há pouco se converte em
palavras. verdadeiro trapo humano, arrependido e em pranto, que o doutrinador deve
Em segundo lugar, poria a vidência, que certamente auxiliará na visão de cenas e mostrar toda a sua compaixão humilde e o seu respeito pela dor alheia.
quadros, ou da aparência pessoal do Espírito manifestante e de seus eventuais Tem, ainda, que ser humilde no aprendizado. Cada manifestação traz a sua
companheiros. Será também útil dispor da faculdade de clariaudiência, e, neste caso, lição, a sua informação, a sua surpresa. Em trabalho mediúnico, estamos sempre
ouviria diretamente as instruções e “recados” do mundo espiritual, que fossem de aprendendo e nunca sabemos o suficiente. Se não nos aproximarmos dele com
interesse para o seu trabalho. Isto, porém, não o coloca inteiramente a salvo de humildade, pouco ou nenhum progresso conseguiremos realizar.
alguma palavra, soprada desavisadamente, que o leve a falsos caminhos. A humildade é necessária, também, quando não conseguimos convencer o
Creio poder afirmar que não seria desejável qualquer forma de mediunidade que companheiro infeliz. Precisamos estar preparados para a derrota, em muitos
colocasse o dirigente, ou doutrinador, em estado de inconsciência. Ele precisa casos. Nada de pretensões tolas de que o trabalho foi cem por cento positivo.
manter-se lúcido durante todo o período de trabalho. Claro que positivo, em sentido genérico, ele sempre o é. Mesmo naquele que não
Uma confreira, experimentada nas lides espíritas, contou-me que certa vez se conseguimos demover de seus propósitos, se tivermos tido habilidade e tato,
encontrou ante a contingência de dirigir uma sessão de desobsessão. teremos realizado, no seu coração, a sementeira da verdade. Um dia — não
Relutantemente, concordou em assumir o encargo, pois temia que sua ostensiva importa quando — ele vai lembrar-se do que lhe dissemos e conferi-lo com a
mediunidade de incorporação interferisse com a boa marcha do trabalho. realidade. Não contemos, porém, com o êxito total da conversão imediata e
Realmente, foi o que aconteceu. Ao iniciar a tarefa do diálogo com um Espírito definitiva, ao amor, de todos os Espíritos que nos são trazidos. Muitos daqueles
manifestante, começou a sentir-se envolvida, perdeu o fio da conversação e, dramas, que se desenrolam diante de nós, arrastam-se há séculos. Não se
sentindo-se girar “como um parafuso” — disse ela —, daí a pouco estava, por sua ajustam em minutos de conversa. Humildade, pois, para aceitar esses casos e
vez, também incorporada, criando certo pânico na sessão. Depois dessa continuar lutando. Não somos super-homens, nem semideuses.
experiência, ela passou a recusar, com firmeza, qualquer solicitação para funcionar Humildade, ainda, quando precisarmos reconhecer o potencial intelectual do
como doutrinadora, dedicando-se a outras atividades, tão nobres quanto essa, para irmão espiritual com o qual nos defrontamos. E isso é muito freqüente. Não quer
as quais estava perfeitamente preparada, com a abençoada mediunidade de cura. dizer que nos devamos curvar servilmente diante dele, rendendo homenagens à
Suponho que, por isso, a faculdade mais comumente encontrada num doutrinador é, sua inteligência e ao seu conhecimento; quer dizer que precisamos admitir, às
precisamente, a intuição. Se ele procura sintonizar-se com o mundo espiritual, esta vezes, que não estamos em condições de superá-lo naquilo que constitui o seu
via de comunicação bastará ao seu trabalho. Por ela, seus companheiros mais ponto forte. Nem é essa a técnica recomendada. Suponhamos que compareça,
esclarecidos se comunicarão, com eficiência e oportunidade, para a ajuda de que ele para conversar conosco, um Espírito de elevada cultura, que lecionou em
não pode prescindir. De uma vez por todas, tiremos de nossa cabeça a noção falaz Faculdades, ocupou assentos em Academias, recebeu, enfim, as honrarias que
de que o bom doutrinador pode dispensar a colaboração dos Espíritos Superiores. tantos buscam, em vez da paz interior. Não é no terreno dele que nos vamos
Mais de uma vaidade tem sido explodida por causa disso, e não poucas obsessões medir, não é discutindo Filosofia, com ele, que vamos convencê-lo de seus
pertinazes têm resultado dessa ingênua e perigosa imaturidade. Já fazemos muito enganos. Nesse campo, ele dispõe de mais recursos do que nós. E foi justamente
quando não atrapalhamos os dedicados companheiros da Espiritualidade Maior. Se o debate inútil e o vão filosofar que arruinaram sua vida espiritual. Ele precisa de
manifestamos a tola pretensão de dispensar-lhes a ajuda, eles se afastarão, com atenção, fraternidade, respeito e sinceridade, não de debates estéreis, nos quais
tristeza, é certo, mas com serenidade e sem remorsos, de vez que jamais impõem a facilmente nos vencerá, para consolidar a sua vaidade lamentável. Um pouco de
sua presença, nem a sua vontade. Não há bom doutrinador sem a colaboração e o humildade, da nossa parte, o levará a respeitar-nos também, enquanto a exibição
apoio dos Espíritos mais esclarecidos. E, em breve, não haverá nem bom nem mau, inútil de precários conhecimentos filosóficos, e de medíocre cultura intelectual, só
porque o pretensioso ficará literalmente aniquilado pela obsessão ou pela fascinação poderá estimular nele o desprezo por nós e pela nossa posição. Nada, pois, de
de Espíritos ardilosos, que se apresentam com nomes pomposos e se arvoram, por aparentar o que ainda não somos. E, mesmo que o fôssemos, a humildade, ainda
sua vez, em doutrinadores do doutrinador, pregando estranhas e confusas idéias. assim, seria indicada.
Com isto, chegamos a outra faculdade necessária ao doutrinador: Lembremos ainda uma qualidade: o destemor. Já disse alhures que, em
a humildade. Ele vai precisar dela, com freqüência impressionante. A princípio, para trabalho mediúnico, temos que ser destemidos, sem ser temerários. Coragem não
aceitar as ironias, agressões e impertinências dos pobres irmãos atormentados. é o mesmo que imprudência.
Depois, se e quando conseguir convencer, o companheiro, de seus enganos e de O destemor é de extrema utilidade nas tarefas de doutrinação. Fustigados pela
seus erros, para não assumir a atitude do vencedor que pisa na garganta do vencido, interferência dos grupos mediúnicos em seus tenebrosos afazeres, os Espíritos
para mostrar o seu poder e confirmar a sua vaidade e seu orgulho. É a partir do violentos comparecerão possuídos de irritação, rancor e ódio, mesmo.
Manifestam-se aos berros, dão murros na mesa, ameaçam céus e terras, procuram junto ao mundo espiritual. Ainda voltaremos a este tema fascinante, lançando mão
intimidar e propõem-se a vigiar-nos implacavelmente, a atacar nossos pontos fracos de um acervo de experiências pessoais preciosas.
ou fazer um cerco impiedoso em torflo de nossa família, provocar acidentes, Em suma, o doutrinador não pode deixar de dispor de cinco qualidades, ou
doenças, perturbações. O arsenal de ameaças é vasto, e eles manipulam, com aptidões básicas:
extrema sagacidade, as armas da pressão. Se nos deixarmos impressionar pelas Formação doutrinária muito sólida, com apoio insubstituível nos livros da
verdadeiras cenas que fazem, estaremos realmente perdidos, porque nos Codificação Kardequiana.
colocaremos na faixa vibratória desejada por eles, Os benfeitores espirituais sempre Familiaridade com o Evangelho de Jesus.
nos advertem, de maneira tranqüila e segura: Autoridade moral.
— Nada de temores infundados. Sofremos apenas aquilo que está nos nossos Fé.
compromissos espirituais, e não em decorrência do trabalho de desobsessão. Amor.
É verdadeiro, isso. Seria injusto, por parte das leis supremas, que, evidentemente, As demais são desejáveis, criticas:
governam o Universo, se a paga da dedicação ao irmão que sofre resultasse em importantes também, mas não tão
sofrimento indevido e em punição imerecida. Estariam subvertidos todos os Paciência.
princípios da Justiça Divina, se assim fosse. É até Sensibilidade.
possível que uma ou outra, das ameaças esbravejadas contra nós, se cumpra, ou Tato.
seja, aconteça acidentalmente, como doença inesperada cm um de nós, ou em Energia.
membro da nossa família. Estejamos certos de que, na sessão seguinte, virá de Vigilância.
novo o irmão infeliz, para se vangloriar: Humildade.
— Eu não disse? Destemor.
Não tema, siga em frente. O trabalho está sob a proteção de forças positivas e Prudência.
abençoadas. Isto, porém, não significa que deveremos e poderemos deixar cair as Com respeito ao doutrinador, falta ainda abordar um aspecto final, antes de
guardas. A proteção existe, mas não para dar cobertura à imprudência, à prosseguir.
irresponsabilidade. Como é também o dirigente humano do grupo, precisa, como já dissemos, estar
Não custa, pois, anotar mais uma das aptidões necessárias ao bom desempenho consciente dessa responsabilidade e usar sua autoridade com muito tato, sem
do trabalho mediúnico, em geral, e do doutrinador, em particular: a prudência. abandonar a firmeza. Disciplina não é sinônimo de ditadura. Quando o grupo
Se, porém, um acontecimento desagradável realmente acontecer conosco, ou reunir-se, para debater problemas ligados ao trabalho, deve o dirigente comportar-
com alguém da nossa convivência, nitidamente ligado ao trabalho mediúnico, nem se como simples participante, para estimular a criatividade e a contribuição dos
assim devemos nos desesperar e intimidar: estejamos certos de que estava já nos demais membros. No momento de tomar a decisão, cabe a ele suportar os ônus e
nossos compromissos, e mais: os recursos socorristas virão, sem dúvida alguma. as responsabilidades decorrentes. Precisa tratar a todos, médiuns ou não, com o
* mesmo carinho e compreensão, sem paternalismos e preferências, mas sem má-
A longa digressão acerca das aptidões desejáveis a um doutrinador não deve vontade contra qualquer um dos membros da equipe. Precisa despertar, nos seus
necessariamente desencorajar aquele que pretende se preparar para a tarefa. Ele companheiros, a afeição, a camaradagem e o respeito. Poderá ser o primeiro entre
precisa saber que o trabalho é árduo, os riscos são muitos, as qualificações são, eles; certamente deverá ser o único a falar com os Espíritos; mas não e o maior”.
idealmente, rigorosas e numerosas, e nenhuma projeção especial o espera. Ao A essa altura, dirá o leitor, algo inquieto:
contrário) quanto mais apagado o seu trabalho, mais eficaz e produtivo. Dificilmente — Mas é muito difícil ser doutrinador...
um doutrinador reunirá tantos e tão grandes atributos pessoais. Procuramos, aqui, É verdade. É, sim.
traçar um perfil ideal e, como todo ideal, difícil, senão impossível de ser atingido. Que
isso não desencoraje ninguém à responsabilidade do trabalho. Os Espíritos amigos 5 OUTROS PARTICIPANTES
saberão dosar as tarefas, segundo as forças e as possibilidades de cada grupo. Um grupo mediúnico não se constitui apenas de um doutrinador e alguns
Por outro lado, o doutrinador é, usualmente, o pára-raios predileto do grupo, porque médiuns já desenvolvidos e preparados para os seus encargos. Há sempre outros
os Espíritos atribulados, trazidos ao diálogo, com ele se entendem e se companheiros, sem mediunidade ostensiva, que podem e devem participar,
desentendem. É nele que identificam a origem de seus problemas. É ele, respeitados o limite numérico e a qualificação pessoal anteriormente referidos.
usualmente, o organizador ou responsável pelo grupo, bem como o seu porta-voz Tais participantes merecem atenção e cuidados, como quaisquer outros que
integrem o grupo. Devem obedecer à mesma disciplina, e entregar-se ao mesmo
aprendizado doutrinário e à mesma atenta observação a que cada um dos demais é ciúmes pelo que ele faz, nem de elogios balofos que o percam, mas nosso apreço,
submetido, pois, ainda que não manifestamente, também trazem ao grupo a sua este sim, lhe é devido.
contribuição. São geralmente amigos e parentes de um ou outro membro, e sentem- Serão, então, dispensáveis os componentes do grupo que não ofereçam
se atraidos pelo trabalho. É necessário estudar bem e discutir com franqueza as suas condições mediúnicas? Não. Sua participação é desejável. Se estão bem
motivações. Estão interessados num trabalho sério, cansativo, contínuo e entrosados com as demais pessoas e mantém atitude construtiva, contribuem
disciplinado? Acham-se apenas impulsionados pela curiosidade passageira? para a concentração das mentes no clima de segurança e de harmonia, e prestam
Integram-se bem no grupo, mantendo boas relações de amizade com os demais serviços relevantes de apoio. Ainda que inconscientemente, muitas vezes têm
componentes? Estarão dispostos a contentar-se com uma tarefa aparentemente papel importante no grupo, fornecendo recursos vibratórios de alto valor.
inútil e apagada? É muito freqüente ouvirmos desses companheiros uma palavra de desânimo e
O trabalho, nos grupos de desobsessão, não oferece atrativos àqueles que não desinteresse, por acharem que nada estão fazendo no grupo, o que é falso. Os
estejam preparados para a dedicação, sem escolher funções e sem buscar posições nossos instrutores espirituais estão cansados de insistir em que todos os recursos
de relevo. Não apresenta, ademais, fenomenologia espetacular, para distrair aqueles humanos colocados à disposição do trabalho são aproveitados. Não é necessário
que buscam nos fatos mediúnicos apenas a manifestação mais dramática, como as que todos, indistintamente, sejam médiuns, nem mesmo desejável. Os
de efeitos físicos (materializações, transportes, levitação e outras), nem companheiros sem mediunidade ostensiva precisam convencer-se de que devem
comunicações de Espíritos luminosos ou célebres. Nada disso. O trabalho é muito manter, em qualquer circunstância, e ao longo dos anos, uma atitude construtiva e
mais humilde, exige dedicação, esforço concentrado, renúncia, paciência. O grupo disposta à cooperação. Deixem aos operadores desencarnados a incumbência de
não se reúne para divertir-se com Espíritos, mas para servir e aprender. Não decidir quanto à utilização dos recursos de cada um. A atitude negativa acarreta
esperemos revelações extraordinárias, destinadas a abalar o mundo, nem convívio dificuldades e desarmonias que prejudicam seriamente as tarefas mediúnicas, da
com os Espíritos redimidos, que fiquem à nossa disposição, para responder a mesma forma que o espírito Crítico, ou de fria observação, como se o membro do
qualquer pergunta ou fazer qualquer favor. grupo fosse mero espectador.
Por outro lado, o companheiro, ou companheira, sem mediunidade ostensiva, Por mais de uma vez, tive oportunidade de verificar casos específicos de atitudes
pode deixar-se envolver pela frustração, se não tem condições de “receber” Espíritos, assim, quando o companheiro, ou a companheira, questionou a validade da sua
escrever páginas psicográficas, ver ou ouvir os companheiros desencarnados. presença no grupo. A um desses, um dos Espíritos que se incumbiam da
Muitos buscam aderir aos grupos na esperança de que isto aconteça e, de uma hora orientação do grupo afirmou que, ao contrário, tal pessoa nos prestava excelentes
para outra, passem a funcionar como médiuns perfeitamente ajustados. Raramente serviços, como “dínamo de vibrações amorosas”, de que estava pleno o seu
a mediunidade eclode assim, espontânea e fulminante, pronta e afinada. Só coração. Esses recursos eram amplamente utilizados no trabalho, sem que ela
excepcionalmente isso acontece. A norma geral é o desabrochar lento, muitas vezes tivesse consciência do fato.
penoso, a exigir estudo, dedicação, orientação e renúncias bastante sérias. Quando Além do mais, é comum desenvolverem-se nesses companheiros preciosas
assistimos àmanifestação de um Espírito sofredor, ou de um dos instrutores mediunidades, que se acham apenas em potencial, em período de expectativa e
anônimos do Mundo Superior, através de um médium perfeitamente ajustado, não de provas, para experimentar-lhes a paciência e a tenacidade. Com o decorrer do
imaginamos quanto trabalho preparatório foi necessário desenvolver, até chegar tempo, começa a ensaiar-se timidamente a faculdade, numa rápida vidência, na
àquele ponto; quantas dores, quanta vigilância, e preces, incertezas, dificuldades e captação de uma ou outra palavra ou intuição. Quase sempre podem também ser
desenganos. Quem ouve o consumado virtuoso do piano, facilmente é levado a muito úteis como médiuns de passes, dado que praticamente todos os seres
esquecer os longos anos de aprendizado, as cansativas horas de exercício, o humanos dispõem dessa condição em potencial, se tiverem desejo de servir e
esforço constante de aprimoramento. É como se contemplássemos um produto de pureza de intenções. Há condições para desenvolvê-la harmoniosamente, sob
apurado acabamento, sem a menor noção de sua gênese e da técnica e supervisão de alguém mais experimentado. Neste caso, aqueles que não
adestramento que a sua confecção exigiu do artífice. E é por isso, também, que dispõem de faculdades para incorporação, psicografia ou vidência, poderão
muitas mediunidades ficam, por assim dizer, inacabadas, toscas e primitivas, como incumbir-se da nobre tarefa do passe reparador, tão necessária num grupo de
obras que o artista não teve suficiente dedicação e tenacidade para concluir. Dizem trabalhos práticos. A juízo do dirigente, e por ele orientados darão passes nos
que o gênio é dez por cento inspiração e noventa por cento transpiração; a médiuns, após comunicações particularmente penosas, a fim de ajudá-los no
mediunidade talvez guarde relação semelhante. Portanto, ao presenciarmos o suave reequilíbrio de suas energias e. aliviar aflições residuais deixadas pelas vibrações
fluir de uma bem treinada mediunidade, manifestemos, intimamente, nosso respeito dolorosas do manifestante em desarmonia. Podem ainda Contribuir para a
pelo médium. Ele trabalhou muito e lutou muito para que assim fosse. Nada de fluidificação da água.
Quanto ao mais, tenham paciência e portem-se com humildade e respeito. É O aprendizado dos tempos em que fiquei como simples observador revelou-se
possível que, com o tempo, venham a manifestar indícios indubitáveis de excelentes precioso, e, ainda que thnidamente e sentindo cuidadosamente o difícil terreno em
faculdades, que poderão ser cultivadas e aproveitadas. Mantenham-se em calma, que pisava, comecei a tarefa que me fora atribuida procurando corresponder às
sem açodamento ou excitação. Estudem e observem. esperanças daqueles que ma concediam.
O dirigente do grupo deverá ter sensibilidade bastante para identificar os indícios E foi assim que, inesperadamente, me achei investido de uma responsabilidade
e acompanhar cada caso individual, com sabedoria e bom senso. que nem suspeitava me seria conferida.
O participante, porém, precisa estar preparado para a eventualidade de conviver Não Posso dizer se dei boa conta dela, mas, como me conservaram no posto
com o grupo por longos anos, sem que nenhum fenômeno ostensivo se passe na pelo resto do tempo em que o grupo funcionou, creio que Correspondi à confiança
intimidade de seu ser. Não pense, porém, que é inútil, só porque não incorpora, não que em mim depositaram.
vê ou não ouve Espíritos; às vezes, sua participação é preciosa. Conserve-se firme e Este episódio é aqui documentado, apenas para enfatizar a circunstância de
tranqüilo; contribua para manter um bom ambiente de vibrações amorosas, vigie que, muitas vezes, estamos, no grupo, sendo imperceptivelmente preparados e
seus pensamentos, permaneça concentrado e em prece nos momentos mais testados para responsabilidades futuras. Esperemos com paciência. E se não
críticos. Não se aflija se a sua contribuição é menos ostensiva. Num grupo bem chegar o dia de uma participação mais dinâmica e efetiva, ou, por outra, mais
harmonizado, todos são úteis e necessários, como já ensinava Paulo, ha tantos ostensiva, não importa; não perdemos o tempo, ofertando O Pouco de que
séculos: dispomos: alguém se beneficiou mesmo com esse pequeno óbolo da viúva. Não
- Com efeito — dizia ele aos Coríntios (Primeira Epístola, capítulo 12, versículos 14 somos julgados pelos resultados, mas pela boa-vontade que evidenciarmos.
e seguintes) — o corpo não se compõe de um só membro, senão de muitos. Se o O dirigente do grupo deve estar bem atento a toda e qualquer contribuição dessa
pé dissesse: “Como não sou mão, não pertenço ao corpo”, deixaria de ser parte do natureza, estimulando-a com interesse, Colocando à disposição do companheiro
corpo, por isso? E se o ouvido dissesse: “Como não sou olho, não pertenço ao sua experiência e orientação, procurando ajudá-lo, assisti-lo no esclarecimento de
corpo”, deixaria de ser parte do corpo, por isso? Se todo o corpo fosse o olho, onde dúvidas, estudando junto com ele (ou ela) as dificuldades da tarefa, oferecendo
ficaria o ouvido? E se fosse todo ouvido, onde ficaria o olfato? sugestões, sem colocar-se na Posição de mestre infalível que tudo sabe, pois em
Nada, pois, de ambicionar, ou mesmo desejar, faculdades para as quais não questão de mediunidade precisamos ser humildes e sensatos para admitir que
estamos preparados, ou, pelo menos, ainda não estamos preparados. Tenho, sob não sabemos tudo, longe disso; aquele que souber um pouco, utilize seus
este aspecto, uma experiência pessoal. Durante vários anos freqüentei um grupo conhecimentos de maneira construtiva, sempre disposto a aprender mais, a rever
mediúnico, sem saber ao certo o que fazia. Sentava-me entre os companheiros, pontos de vista, a reaprender. Cada caso é diferente, cada manifestação é
procurava portar-me com respeito, atenção e vigilância interior. Nenhum fenômeno, diferente, uma vez que cada um de nós é um ser diferente, a atestar a infinita
nenhuma forma de mediunidade, nem mesmo uma palavra perdida, que eu tivesse capacidade criadora dAquele que nos formulou no seu pensamento e nos deu
captado, ou a fugaz visão de um companheiro desencarnado. A tudo ouvia, forma, vida e consciência.
participando dos dramas e aflições dos irmãos desarvorados, que então nos
procuravam, acompanhando com interesse as instruções e observações dos nossos 6 OS ASSISTENTES
benfeitores desencarnados. Esse grupo, constituído de pessoas que muito se Dificilmente um grupo mediúnico deixará de ser procurado por pessoas que
estimavam e se mantinham bem afinadas, não tinha, porém, a rigidez de uma desejam assistir aos seus trabalhos. Uns por mera curiosidade, outros na
disciplina mais rigorosa. Vários dos seus componentes conversavam com os esperança de se deixarem convencer, ou de se manterem na sua vaidosa e tola
Espíritos, ao sabor dos acontecimentos. Os resultados eram bons, por certo, porque descrença, outros na expectativa de uma cura, seja de males orgânicos, seja de
nos esforçávamos por manter a harmonia. Sentíamos, no entanto, que poderíamos desarmonizações espirituais, como a obsessão, estados de angústia ou de
fazer melhor a nossa tarefa, e, uma noite, antes da reunião, tomamos algumas desespero, ante a partida de pessoas queridas.
decisões mais drásticas. Como o grupo não tinha uma liderança clara e específica, Os motivos são muitos, certamente relevantes, e a nós, espíritas, custa recusar
as tarefas foram distribuídas por uma espécie de consenso geral: A, B e C se pedidos de ajuda a pessoas que, muitas vezes, nos são muito caras. O certo,
limitarão às suas respectivas mediunidades, D fará as preces de abertura e porém, é que não estaremos recusando ajuda simplesmente por não
encerramento. E, voltando-se para mim, disse aquele que estava com a palavra: concordarmos com o eventual comparecimento de alguém aos trabalhos do
— Só você falará com os Espíritos. grupo.
Senti um “frio por dentro”. Eu? Que diria, meu Deus! Aos irmãos aflitos e
desarmonizados.
Sabemos que esta reserva é quebrada, com freqüência, em muitos grupos, complicações, se o grupo não estiver muito bem preparado para essa
enquanto outros adotam a prática de abrir suas portas, em caráter permanente, seja responsabilidade.
a um público reduzido e selecionado, seja a qualquer pessoa que se apresente. Em suma: a meu ver, como regra geral, o grupo mediúnico não deve permitir a
Na minha opinião, somente em casos excepcionais se justifica a presença de presença de pessoas estranhas às suas tarefas. Somente em condições muito
pessoas estranhas ao grupo, nos trabalhos de desobsessão. Sob condições especiais, excepcionais mesmo, deverá fazê-lo, se dispuser de cobertura e
normais, ela não é necessária à tarefa que nos incumbe junto aos obsidiados que consentimento expresso dos benfeitores espirituais. Esses casos serão
buscam o socorro de um grupo mediúnico. Mais do que desnecessária, a presença previamente selecionados pelos mentores do grupo, e nem sempre conhecemos
de pes soas perturbadas, no ambiente onde se desenrola o trabalho me diúnico, as razões pelas quais assim decidem. Pode ser que o tratamento exija certos tipos
pode provocar incidentes e dificuldades insuperáveis. Sei que alguns dirigentes de conjugados de mediunidade, ou de recursos outros, de que o grupo não disponha
grupo objetarão a esse radicalismo; julgo, porém, que, como regra geral, deve ser no momento, como, por exemplo, número maior de médiuns, ou um doutrinador
preservada a intimidade do trabalho mediúnico. É preferível pecar por excesso de especial. Pode ser, também, que seja necessária a presença de determinada
rigor, do que arriscar-se a pôr em xeque a harmonia e a segurança da tarefas. Em pessoa encarnada, com a qual desejam pôr o Espírito manifestante em contacto
casos excepcionais, grupos que contem com excelentE cobertura espiritual poderão direto. Pode ser, ainda, que não desejem, com um caso especial, interferir no fluxo
admitir essa prática, mas, é bom repetir, não como norma de procedimento O grupo normal do trabalho. Ou então, estaria havendo dificuldade em atrair o Espírito a ser
pode perfeitamente assistir os companheiros encarnados sob as provações da tratado, até ó local onde habitualmente se realiza a sessão. Enfim, há sempre
obsessão, sem introduzi-los no seu ambiente de trabalho. Não é a presença física razões respeitáveis, quando um dirigente espiritual de nossa confiança propõe que
deles, junto ao grupo, que vai facultar ou fácilitar a tarefa, ao contrário, essa presença o trabalho seja feito à parte. Evidentemente, nessa hipótese, a sessão exige tais
pode causar consideráveis transtornos. Os benfeitores espirituais dispõem de cuidados que, obviamente, não poderia ser realizada sob as condições normais.
recursos mais seguros e eficazes para isso, não havendo necessidade de correr Nestes casos, os Espíritos orientadores solicitarão uma sessão especial, em dia e
riscos indevidos. Assim, a não ser que os responsáveis espirituais pelo trabalho hora previamente combinados, designando, ainda, quem dela deve participar.
recomendem taxativamente a presença da pessoa, no ambiente em que se realisam Isso, no que diz respeito a pessoas perturbadas, sob o domínio de rancorosos
as sessões, isso deve ser tormalmente evitado. obsessores ou possessores; mas, e aqueles que apenas desejam “assistir” aos
Ainda que aqueles que solicitam nossa ajuda interpretem a recusa como falta de trabalhos? Devem ser admitidos? Na minha opinião, não. Não que o grupo
caridade, ou ausência de espírito de colaboração, sabemos que assim não é. mediúnico seja uma sociedade secreta, hermética, esotérica e misteriosa, mas,
Também não se torna necessário descer a pormenores explicativos e justificativos porque é da sua essência uma atitude de recato, de sigilo, de discrição. O trabalho
dessa atitude. Basta dizer ao interessado que não é necessária a sua presença mediúnico, especialmente o de desobsessão, não é para ser divulgado, nem
física, para que o trabalho seja feito. E não é mesmo, na imensa maioria dos casos. exibido, como espetáculo público.
Pelo menos é essa a experiência que tenho tido, em vários anos de prática. Há algum tempo, um amigo a quem muito respeito e admiro, pelas nobres
O que acontece é que pessoas sob o domínio de obsessores implacáveis e qualidades de caráter e cultura, começou a observar, em seu próprio lar, a
vingativos, rancorosos e violentos, apresentam invariavelmente um componente formação de um pequeno grupo mediúnico. Sem ser espírita, mas dotado de
mediúnico, ou seja, são também médiuns, embora desgovernados, desajustados e curiosidade intelectual e pragmatismo, passou a assistir, a distáncia, algumas
ignorantes de suas faculdades e Possibilidades. sessões, e a solicitar livros, para informar-se do assunto. Ao observar que os
No livro “Nos Domínios da Mediunidade”, narra André Luiz o tratamento de um trabalhos enveredavam, como acontece com freqüência, pelo atendimento aos
caso de possessão. Hilário pergunta ao Instrutor se deve considerar o doente, por sofredores desencarnados, me fez uma pergunta perfeitamente válida:
nome Pedro, como médium: Você não acha que existe aí um problema ético bastante grave?
— “Pela passividade com que reflete o inimigo desencarnado, será justo tê-lo Queria referir-se, como explicou mais adiante, às interferências voluntárias ou
nessa conta, contudo, precisamos considerar que, antes de ser um médium na involuntárias, do grupo, em problemas de outras pessoas, encarnadas ou não, e
acepção comum do termo, é um Espírito endívidado a redimir-se.” ao trato das revelações de caráter íntimo, que ocorrem no andamento dos
E mais adiante, na página seguinte (76, da 6ª edição da FEB): trabalhos mediúnicos.
“... Por esse motivo (compromissos do passado), Pedro traz consigo aflitiva É certo, realmente que o diálogo com os Espíritos que se arvoram em
mediunidade de provação.” (Destaques meus.) cobradores de faltas alheias traz revelações e informações que devassam a
Assim, na condição de médium desgovernado, e não integrado na equipe que intimidade alheia.
constitui o grupo que se incumbe de socorrê-lo, o obsidiado, ou possesso, facilmente A pergunta, como disse é válida, e o problema, antiqüissimo. Voltemos, Uma vez
introduzirá nele um fator de perturbação e desequilíbrio, que poderá trazer sérias mais, à experiência e à sabedoria do nosso amado Paulo:
— Pelo contrário — escreve ele, na Primeira Epístola aos Coríntios, capítulo 14, De modo que, se o grupo está bem ajustado e integrado, todos se estimam e se
versículos 24 e 25 —, se todos profetizam (1), e entra um infiel, OU não-iniciado, será respeitam, não é a leviandade de um pobre Espírito, em estado de angústia, que
convencido por todos, julgado Por todos. Os segredos de seu coração serão vai desequilibrá-lo; mas, se há estranhos na sala, o problema se torna bem mais
descobertos e, prostrado de rosto ao solo, adorará a Deus, confessando que Deus sério.
está verdadeiramente entre vós. Por outro lado, mesmo abstraindo essas ocorrências mais graves, não podemos
Já naqueles recuados tempos, por conseguinte, dava-se o fenômeno da ignorar que há um clima de sintonia espiritual entre os que participam de trabalhos
indiscrição de espíritos afoitos, com relação aos segredos da intimidade alheia. Paulo, mediúnicos, tanto entre os encarnados como entre estes e os orientadores
no seu pragmatísmo via no caso o seu aspecto positivo, ou seja, o de levar o desencarnados. A introdução de um estranho causa certo desajuste, que nem
descrente, que ele chama de infiel, ou não-iniciado à crença e ao reconhecimento da sempre épossível corrigir com facilidade e rapidez.
presença de Deus entre os primitivos cristãos. E isto é legitimo e proveitoso, sem Tive, também, algumas experiências nesse sentido.
dúvida, porque muitos dos que se acham mais fortemente entrincheirados nas suas Por duas vezes quebramos, em um grupo mediúnico, a regra que havíamos
descrenças e revoltas precisam de um impacto maior para desalojarem-se do seu estabelecido, de não admitir pessoas estranhas às tarefas. Não havia problemas
Comodismo ou de sua vaidade; não podemos no entanto, perder de vista o fato de particularmente graves com essas pessoas, e nem as movia a simples
que a norma é o respeito à intimidade alheia, com todas as suas fraquezas, suas curiosidade. Num caso, tratava-se de um colega de trabalho de dois dos membros
angústias, seus desenganos e seus erros, por mais clamorosos que sejam. Quando, do grupo. Embora não-espírita, encarava com simpatia nossa Doutrina. Sua
no decorrer do trabalho mediúnico surge uma denúncia, ou revelação acerca das esposa desencarnara relativamente jovem, e ele estava profundamente abalado.
fraquezas alheias, essa informação é recebida com reserva e, se verdadeira, com A instâncias de um dos nossos companheiros, resolvemos concordar com seu
redobrado respeito e discrição. Não é para ser proclamada, divulgada ou comentada, comparecimento a uma das sessões semanais. Talvez alimentasse ele a
nem mesmo na intimidade da equipe de trabalho. esperança de uma noticia acerca da esposa ou, quem sabe? até uma palavra dela
mesma... Sentou-se em uma cadeira à parte, fora do círculo que compunha a
(1) Ao que se depreende do texto, Paulo dá o nome de profeta ao médium de mesa, e lá ficou, em silêncio e em atitude respeitosa.
Incorporação ou Psicofônico. Na verdade, sua presença não impediu a realização dos trabalhos da noite, mas
eles se arrastaram dificultosamente; havia grandes hiatos entre uma manifestação
Todos nós estamos em posição vulnerável, com relação a essas impiedosas e a seguinte, e parecia pairar no ar certa dissonância, que não conseguimos
indiscrições, que põem à mostra aspectos de nossa pobre pessoa, que vencer, e que causava inegável obstrução ao fluxo normal das tarefas da noite. É
desejaríamos continuassem em segredo. Por isso, precisamos estar preparados certo que, conscientemente, ele não contribuiu para dificultar-nos o curso do
para que tais revelações não nos apanhem de surpresa e não nos atinjam de trabalho, e isso nem passaria pelas nossas mentes; mas é evidente que a sua
maneira a desequilibrar-nos. presença desregulou qualquer coisa imponderável e acarretou a necessidade de
Uma ocasião, no desespero angustioso de me ferir, um companheiro, com cuidados adicionais, por parte de nossos benfeitores, para que a sessão pudesse
poderosos recursos de hipnotizador, trouxe ao nosso grupo o Espírito de um irmão realizar-se.
meu, desencarnado recentemente e ainda em difíceis condições de desajustamento Esse aspecto negativo repetiu-se, com as mesmas características, em
no mundo espiritual. Ou, talvez, nem o tenha trazido, mas apenas imaginado o circunstâncias semelhantes, com uma jovem a quem concedemos permissão
episódio como estratagema, na desesperada tentativa de desarmonizar-me. Dizia para assistir aos trabalhos.
ele que meu irmão estava presente, sob seu domínio, e aparentemente dirigindo-se Depois dessas duas experiências, voltamos à rígida política de não admitir
a ele, dizia: ninguém, a não ser os componentes regulares da equipe.
— Não tente escapar, que eu aperto mais o laço. Essa, portanto, é a regra, imposta pela disciplina e pela segurança da tarefa.
E voltando-se para mim:
— Ele gostava de tomar umas e outras, não é? 7 RENOVAÇÃO DO GRUPO
Graças a Deus, não me deixei Impressionar. Dei-lhe razão. Sim, infelizmente, meu Já discutimos ligeiramente o problema da exclusão de algum participante do
irmão atormentou-se com o vicio do álcool, provavelmente sob a influência obsessiva grupo mediúnico. Não creio que o assunto esteja esgotado, mas não parece
de algum antigo comparsa, ou vítima. Quem sabe se do próprio, que ora me trazia? necessário esmiuçá-lo mais. A disciplina e a coesão da equipe devem ser
Felizmente, o ardil não produziu os resultados que ele esperava. A conversa mantidas serenamente e com firmeza. Se alguém destoar, a ponto de introduzir
prolongou-se por muito tempo e extravasou para outras sessões. O companheiro um fator de perturbação, deve ser afastado, temporária ou definitivamente, se for o
acabou se convencendo, graças a Deus, e partiu arrependido e em pranto. caso. Nada, porém, de perseguições, de espionagem e de regras policiais. A
disciplina deve ser consciente, para que todos possam trabalhar de espírito infestado de frustrações, ou se deseja brilhar, poderá, com sua influência, aniquilar
desarmado e tranqüilo. Se os componentes do grupo não se entenderem, como o grupo.
poderão oferecer, aos companheiros desarvorados do mundo espiritual, o exemplo Cabe-nos, pois, examinar com serenidade, e desapaixonadamente, as suas
da solidariedade e da compreensão? As organizações espirituais geradas e credenciais. Que tem ele a oferecer? Qual a sua experiência em outros grupos ou
mantidas na sombra podem ter inúmeros defeitos, mas são implacavelmente em tarefas semelhantes? Qual o seu tipo de personalidade? Ajustado, tranqüilo,
disciplinadas. Guardemo-nos de imitar essas formas de disciplina brutal e cruel, mas leal, disciplinado? Ou agressivo, crítico, fechado, mal-humorado? Que tipo de
estejamos sempre conscientes de que nenhum trabalho de equipe se realiza sem trabalho pretende realizar? É médium? Que faculdade mediúnica tem em
um mínimo de ordem. desenvolvimento ou já desenvolvida? Tem conhecimento teórico da Doutrina?
Por mais que nos pese, e por mais que relutemos intimamente, é preciso Relaciona-se bem com as pessoas?
dispensar o companheiro que traga para dentro do grupo o fermento da dissidência, Se essas e outras inúmeras indagações forem atendidas satisfatoriamente, será
da inquietação, da indisciplina, que pode neutralizar as melhores intenções e considerada a possibilidade de recebê-lo no grupo. Neste caso, e só então,
provocar até a desagregação da deverão ser expostas a ele, também com franqueza e serenidade, as condições
equipe. dc trabalho, às quais ele deverá subordinar-se, como os demais membros. Será
Há, porém, o anverso da medalha. Como nos portarmos diante das solicitações de debatida com ele a natureza do seu encargo, ou seja, o que lhe competirá fazer na
adesão aos nossos trabalhos? equipe, e o que se espera dele.
Sempre haverá um parente, ou amigo que, tomando conhecimento da nossa Nada de processos iniciáticos, de rituais de “batismo”, de simbolismos, de
atividade, deseje participar do grupo, em caráter permanente. Devemos admiti-lo? vestimentas especiais ou cerimônias de qualquer natureza. Se nos convencermos
Em primeiro lugar: se já atingimos o número de componentes inicialmente fixado de que ele, ou ela, está em condições de integrar-se na equipe, é só apresentá-lo
como o máximo desejável, não podemos cogitar de receber mais companheiros, aos demais companheiros e começar o trabalho.
ainda que bastante credenciados. Se ainda não alcançamos o número prefixado, Apreciemos o problema, agora, do ponto de vista do candidato.
podemos considerar a possibilidade. Em qualquer caso, é necessário um exame Se deseja participar das tarefas de determinado grupo, deve certificar-se de que
bastante criterioso, franco e leal, das qualificações e intenções daquele que se está disposto ao trabalho construtivo e disciplinado. Certo, também, de que o grupo
oferece. lhe oferece as condições que ele entende como necessárias e desejáveis. É um
Não contemos, para ajudar a decisão, com uma palavra decisiva dos grupo sério, apoiado em boa base doutrinária, bem integrado e formado de
companheiros desencarnados que nos orientam. A experiência indica que, em pessoas que se estimam e se respeitam? Mais ainda: ele deve ter o que dar.
grupos responsáveis, dirigidos por Espíritos discretos e esclarecidos, as deliberações Juntar-se a um grupo para tirar partido, para buscar vantagens e privilégios, não é
quanto aos negócios, digamos terrenos, do grupo, são deixadas aos encarnados. Os estar pronto para trabalho de tanta responsabilidade.
benfeitores espirituais, mesmo consultados, recusam-se a dar ordens ou decidir se O candidato não deve impor condições, nem insistir na sua admissão a qualquer
um novo companheiro deve ser admitido, ou se outro deve deixar o grupo. O preço. Se perceber que sua adesão é inoportuna ou mesmo indesejada, ainda
problema é nosso, dos que estão do lado de cá da vida. Respeitemos esse ponto de que não indesejável, deve ter suficiente equilíbrio e bom senso para recuar ou
vista e não tentemos forçá-los a dizer o que não pretendem. Nas diversas vezes em aguardar outra oportunidade. Sua presença não deve ser impingida sob
que me vi diante do problema da admissão de um novo membro, encontrei sempre, condições.
em diferentes grupos, a mesma atitude, por parte dos amigos espirituais: o problema Suponhamos que seja admitido.
era nosso. Estejamos, pois, preparados para enfrentá-lo. Deve procurar integrar-se no trabalho, observando tudo sem espírito crítico
Como se faz isso? negativo, sem desejo de aferir virtudes e defeitos alheios. Mantenha-se discreto e
É preciso considerar, de início, que a decisão final deverá resultar de um consenso tranqüilo. Aguarde o amadurecimento de suas impressões e a sua perfeita
geral dos componentes do grupo, evitando, tanto quanto possível, que predomine a sintonização com os demais companheiros. Se tiver alguma contribuição positiva a
imposição ou a simples vontade de um só. A admissão de um novo componente fazer, com a intenção de melhorar o trabalho, precisa de tato e bom senso ao
pode alterar profundamente a estrutura e os métodos de trabalho da equipe, tanto apresentá-la. Faça-o, de preferência, em particular, ao dirigente do grupo, com
num sentido, como noutro, ou seja, tanto para o lado positivo como para o lado habilidade e na oportunidade adequada.
negativo. É possível que a sua sugestão seja acolhida, mas pode ser que o grupo tenha
O novo companheiro pode trazer um bom acervo de conhecimento ou de razões para agir da forma que, de início, pode ter-lhe parecido suscetível de
experiência, e dar impulso às tarefas, revitalizando o grupo, trazendo uma correção. Aja com prudência, mas não deixe de expressar seus pontos de vista, se
contribuição construtiva, dinamizadora e eficiente. Se, porém, está mal preparado, ou
os julgar oportunos e aplicáveis. Não se magoe, se não forem acolhidos; não se determinadas tarefas, que somente podem ser desenvolvidas com o concurso da
vanglorie, se o forem. mediunidade, ou seja, em contacto com o ser humano encarnado.
Para resumir: os trabalhos mediúnicos devem ser realizados em grupos fechados, Em “Reformador” de fevereiro de 1975, no artigo intitulado “A Doutrinação:
mas não herméticos, inacessíveis, inabordáveis. Tem que haver espaço para a variações sobre um tema complexo”, lembrei os preciosos esclarecimentos
renovação de pessoas e de métodos. O próprio estudo, e a prática decorrente do colhidos no livro “Memórias de um Suicida”, que devemos à abençoada
trato com os nossos companheiros desencarnados — tanto instrutores e mediunidade de Yvonne A. Pereira.
orientadores, como Espíritos em desequilíbrio — nos trazem contribuições Tornara-se imperioso encontrar um grupo de médiuns em condições de
importantes que, aqui e ali, aconselham correções e reajustes no método de ação. socorrerem Espíritos de suicidas:
Precisamos ter a coragem e a humildade de abandonar práticas inadequadas e “Chegara a um “impasse” o processo de recuperação. A despeito do desvelo e
adotar novos métodos, quando os antigos se revelarem insuficientes ou impróprios. competência dos técnicos e mentores da organização espiritual especializada no
Ouçamos com atenção as recomendações e as sugestões dos dirigentes espirituais tratamento dos suicidas, um grupo deles se mantinha irredutivelmente fixo nas
da tarefa. Empenhemo-nos em aprender com os nossos próprios erros. Como suas angústias. Os casos estavam distribuídos, segundo sua natureza, a três
estudantes que somos, e nada mais do que isso, aprendemos ambientes distintos: o hospital propriamente dito, o isolamento e o manicômio. Uns
mais e melhor, para nunca mais esquecer, exatamente aqueles pontos sobre os tantos desses, porém, “permaneciam atordoados, semi-inconscientes, imersos em
quais cometemos nossos piores erros, pois são eles que fazem baixar a nota das lamentável estado de inércia mental, incapacitados para quaisquer aquisições
nossas provas. E se estamos sinceramente dedicados ao progresso espiritual, facultativas de progresso”. Tornara-se, pois, urgente despertá-los para a realidade
desejamos com todo o interesse o certificado de conclusão do curso, a fim de que se recusavam, mais inconsciente do que conscientemente, a enfrentar. Trata-
sermos, tão cedo quanto possível, promovidos à admissão na próxima escola que se aqui de um conhecido mecanismo de fuga defensiva. Inseguro e temeroso
está à nossa espera. diante da dor que ele sabe ser aguda, profunda e inexorável, o Espírito culpado se
aliena, na esperança de pelo menos adiar o momento duro e fatal do
8 OS DESENCARNADOS - OS ORIENTADORES despertamento. Em casos como esses é necessário, quase sempre, recorrer à
Sempre que um grupo de pessoas se reúne para trabalho de natureza mediúnica, terapêutica da mediunidade. O Espírito precisa retomar a sua marcha e o recurso
um grupo correspondente de Espíritos se aproxima. Todos nós temos, no mundo empregado com maior eficácia é o do choque, a que o autor de “Memórias de um
espiritual, companheiros, amigos e guias, tanto quanto desafetos e obsessores em Suicida” chama de “revivescência de vibrações animalizadas”. Habituados a tais
potencial ou em atividade. Teremos que aprender a trabalhar com ambos os grupos. vibrações mais grosseiras, mostravam-se eles inatingíveis aos processos mais
Não vamos conviver apenas com aqueles que vêm para ajudar-nos, e nem seria sutis de que dispõem os técnicos do Espaço. Para que fossem tocados na
esta a finalidade de um grupo que se prepara para a difícil tarefa da desobsessão. intimidade do ser, era preciso alcançá-los “através da ação e da palavra humanas
Além disso, não podemos esquecer-nos de que somos todos irmãos, apenas -Como estavam, não entendiam a palavra dos mentores e nem mesmo os
distribuídos em diferentes estágios evolutivos. Enquanto alguns se acham à nossa distinguiam visualmente, por mais que estes reduzissem o seu teor vibratório, num
frente, por terem caminhado um pouco mais do que nós, outros nos seguem um esforço considerável de automaterialização.”
passo ou dois atrás. É da lei universal da fraternidade que todos se apóiem É para esse trabalho que os mentores espirituais solicitam o concurso dos
mutuamente, para chegarem à paz interior, que é o reino de Deus em cada qual. encarnados, que se torna, em muitos casos, insubstituível, como vimos. Não
Falemos primeiro dos irmãos que vêm nos ajudar a servir. sabemos, pois, ao iniciar uma atividade mediúnica, que tipo de tarefa nos será
É sempre um momento de emoção a primeira reunião mediúnica de um grupo. Os atribuida; podemos estar certos, não obstante, de que os orientadores espirituais
resultados podem não ser espetaculares — e geralmente não o são mesmo — do grupo somente nos trarão encargos que estejam ao nosso alcance. Sem
porque os companheiros incumbidos da nossa orientação ainda estão trabalhando dúvida alguma, já estudaram nossas possibilidades e intenções.
nos ajustes e nos testes, como o maestro competente que verifica se todos os “Memórias de um Suicida” nos fala dos longos e cuidadosos preparativos,
instrumentos estão perfeitamente afinados. Se o grupo já dispõe de um ou mais conduzidos no mundo espiritual, como preliminares à tarefa mediúnica
médiuns desenvolvidos, é certo que um Espírito amigo se manifeste, para as propriamente dita. É preciso localizar um grupo que ofereça as condições de
primeiras palavras de estímulo e encorajamento. segurança e amparo de que necessitam os Espíritos transviados.
Nessa altura, é raro que tenhamos conhecimento da natureza do trabalho que “Na Seção de Relações Externas — prossegue o mencionado artigo de
pretendam realizar conosco. É certo, porém, que eles já dispõem de um plano, muito “Reformador” — são consultadas as indicações sobre grupos espíritas que
bem estudado, compatível com as forças e possibilidades dos trabalhadores possam oferecer as condições desejadas para o delicado trabalho.”
encarnados. Os Espíritos sempre nos dizem que precisam de nós para E mais adiante:
“Verifica-se a existência de grupos em Portugal, na Espanha e no Brasil. Decide-se reencarnatórias, trazem-nos a ajuda anônima de que precisamos para dar mais
por este último e, em seguida, são examinadas as “Fichas espirituais dos médiuns” um passo à frente. Voltam sob seus passos, para estender-nos a mão, a fim de
que compõem os grupos que, a nosso turno, possamos ajudar aqueles que se acham caídos pelos
sob exame.” (Destaque desta transcrição.) caminhos. Inspiram-nos através da intuição, acompanham-nos até mesmo no
Por aí se vê que os nossos grupos e os nossos médiuns se acham desenrolar de nossas tarefas humanas. Guardam, porém, o cuidado extremo de
meticulosamente catalogados nas organizações do Espaço. Convém acrescentar não interferir com o mecanismo do nosso livre-arbítrio, pois não se encontram ao
que registros semelhantes — obviamente para outras finalidades — existem nosso lado para resolver por nós os nossos problemas, mas para dar-nos a
também nos redutos trevosos. solidariedade do seu afeto. Mesmo no trabalho específico do grupo, interferem o
Por várias vezes tive a oportunidade de testemunhar pessoal-mente essa mínimo possível, pois sabem muito bem que o Espírito desajustado precisa de ser
realidade. Espíritos desarmonizados informaram-me que estávamos sendo abordado e tratado de um ponto de vista ainda bem humano. Se fosse possível
rigorosamente observados e estudados. Nossos menores gestos e palavras eram resolver suas angústias no mundo espiritual, não precisariam trazê-los até nós.
como que filmados e gravados para exame e debate, mais tarde, nas cúpulas Essa mesma técnica foi usada com o próprio Allan Kardec. Poderiam os
administrativas do mundo das sombras, a fim de melhor nos conhecerem e poderem Espíritos Superiores, que se incumbiram de transmitir os fundamentos da Doutrina
planejar a estratégia a ser usada contra nós. Certa vez, um Espírito, particularmente aos homens, simplesmente ditar os livros que expusessem as linhas mestras do
agressivo e desesperado, dirigia-se, de quando em quando, à sua equipe invisível e pensamento doutrinário. Não foi assim que fizeram, e isso teria sido, talvez, mais
recomendava: fácil. Preferiram colocar-se à disposição de Kardec, para que ele formulasse as
— Gravem isto! perguntas, de uma óptica essencialmente humana. Os ensinamentos destinavam-
Ou então: se aos homens, e caberia aos homens, portanto, colocar as questões, de seu
— Gravaram aí o que ele disse? próprio ponto de vista, de forma que as respostas viessem já acomodadas às
Não alimentemos, pois, ilusões. Contamos com a ajuda e o apoio de estruturas do pensamento do ser encarnado.
companheiros bem esclarecidos e competentes, mas precisamos oferecer-lhes um A tarefa dos grupos mediúnicos de desobsessão apôia-se nos mesmos
mínimo de condições. princípios, pois também é trabalho de cooperação e entendimento entre os dois
São enormes as responsabilidades desses amigos invisíveis, e as qualificações planos da vida. Os benfeitores espirituais não vão ditar um breviário de instruções
exigidas, para as tarefas que desempenham junto a nós, são rígidas. Poderíamos minuciosas. É preciso que fique margem suficiente para a iniciativa de cada um,
dizer que cada grupo tem os guias e protetores que merece. Se o grupo empenha- para o exercício do livre-arbítrio, para que tenhamos o mérito dos acertos, tanto
se em servir desinteressadamente, dentro do Evangelho do Cristo, escorado na quanto a responsabilidade pelos erros cometidos. Em suma, os Espíritos não nos
Doutrina Espírita, disposto a amar incondicionalmente, terá como apoio e tomam pela mão, mas não deixam de apontar-nos o caminho e seguir-nos
sustentação uma equipe correspondente, de companheiros desencarnados do mais amorosamente.
elevado padrão espiritual, verdadeiros técnicos da difícil ciência da alma. Não desejam, de forma alguma, que nos tornemos dependentes deles, para
O trabalho desses amigos é silencioso e sereno. A competência costuma passar qualquer passo que tenhamos de dar. Dificilmente nos dizem o que fazer, ante
despercebida, porque parece muito fácil fazer aquilo que aprendemos a fazer bem. duas ou mais alternativas. Devemos ou não acolher um companheiro que se
Quando vemos um operário altamente qualificado na sua especialidade, ou um propõe a trabalhar conosco? Devemos ou não excluir outro, que não está se
desportista bem treinado, experimentamos o prazer de contemplar os gestos bem entrosando? São problemas nossos, e temos que resolvê-los dentro do contexto
medidos, a suave facilidade com que se desempenham. Lembremo-nos, porém, do humano, segundo nosso entendimento e bom senso. A função dos orientadores
seu longo período de adestramento, de estudo, de renúncia, e das suas cansativas espirituais mais responsáveis não é ditar normas. Mesmo com relação à essência
horas de trabalho monótono, de repetição e correção. do trabalho, limitam-se a aconselhar e sugerir, mas não impõem a sua vontade. E
Assim são os companheiros que nos amparam. Apresentam-se, muitas vezes, se insistimos em seguir pelas trilhas que nos afastam do roteiro da verdade e da
com nomes desconhecidos, falam com simplicidade, são tranqüilos, evitam dar segurança, não nos faltarão com suas advertências amigas, mas nos deixarão
ordens, negam-se a impor condições. Preferem ensinar pelo exemplo, discorrendo palmilhar os caminhos da nossa preferência. Só que, por esses atalhos, não
sobre a anatomia do trabalho, diante do corpo vivo do próprio trabalho. São poderemos continuar contando com o mesmo tipo de apoio e sustentação.
modestos e humildes, mas revestem-se de autoridade. Amorosos, mas firmes, leais Haverão de nos seguir a distância, amorosos e apreensivos, mas respeitando
e francos. Aconselham, sugerem, recomendam e põem-se de lado, a observar. nossas decisões, mesmo erradas.
Corrigem, retificam e estimulam. Sua presença é constante, ao longo de anos e anos
de dedicação. Ligados emocionalmente a nós, às vezes de antigas experiências
Jamais nos recomendam ritos especiais, nem nos obrigam a fórmulas dogmáticas vezes, em casos mais difíceis, incorporam-se em outro médium, para ajudar no
rígidas e insubstituíveis, como preces exclusivas, ou simbolos místicos e vestimentas trabalho de doutrinação ou de passes.
características. Encerrada a sessão, cabe-lhes recolher os companheiros aflitos, estejam ou não
Nada temos contra os grupos que seguem tais recomendações, sob orientação de despertados para a realidade maior.
seus companheiros desencarnados. Podem ser bem-intencionados e realizar Os Espíritos arrependidos e dispostos à recuperação são levados a centros de
trabalhos de valor, com êxito, mas não são grupos integrados na Doutrina Espírita, reeducação e tratamento, e entregues a outras equipes espirituais, já adestradas
entendendo-se como tal a Doutrina contida nos livros básicos da Codificação para esse tipo de encargo, enquanto a tarefa no grupo mediúnico prossegue.
Kardequiana. Merecem todo o nosso respeito e carinho; nossa experiência ensina, Durante a noite, enquanto adormecemos no corpo físico, nossos Espíritos,
não obstante, que podem realizar o mesmo tipo de trabalho, ou melhor ainda, sem desprendidos, parcialmente libertos, juntam-se aos benfeitores, para o preparo das
necessidade de recorrer a práticas exteriores de suporte. O suporte de que os grupos futuras tarefas mediúnicas. Descemos, com eles, às profundezas da dor e, muitas
mediúnicos necessitam vem do mundo espiritual superior, onde qualquer vezes, realizamos, com eles, autênticas sessões em pleno Espaço, para o
exteriorização voltada para os aspectos materiais é dispensável. Nada, pois, de tratamento preliminar de companheiros já selecionados para a experiência
velas, simbolos, imagens, ritos ou vestes especiais. Não é preciso. E se um mediúnica, ou irmãos que, já atendidos por nós, necessitam, mais do que nunca,
companheiro começar a recomendar tais processos, podemos tranqüilamente de assistência e amparo, para as readaptações e o aprendizado que os levará à
dissuadi-lo, com bons modos, éclaro, mas com firmeza. reconstrução de suas vidas, desde o descondicionamento a dolorosas e
* lamentáveis concepções, até o preparo de uma nova encarnação.
Os amigos espirituais que se incumbem de orientar o grupo raramente revelam Cabe às equipes de esclarecidos companheiros desencarnados todo esse
toda a extensão de suas responsabilidades e encargos. Somente a observação trabalho invisível, do qual participamos, às vezes, como figuras sempre
atenta, no decorrer de muito tempo de trabalho, permite-nos avaliar parcialmente a secundárias, em nossos desprendimentos.
importância de suas presenças junto de nós. O nível espiritual e o “status” moral desses companheiros revela-se na sua
Geralmente fazem parte de amplas organizações socorristas, que se maneira de agir e falar. Temos que aprender a formular sobre eles o nosso próprio
incumbem de orientar e assistir inúmeros grupos, onde se reúnem pessoas de boa- juízo. Com algum tempo de vivência na tarefa mediúnica, estaremos em
vontade, ainda que de limitados recursos. condições de fazê-lo com relativa segurança, se nos mantivermos atentos e
O trabalho que nos trazem obedece a planejamentos cuidadosos, cuja vigilantes. O grupo bem orientado, e sustentado pela prece, pelo conhecimento
vastidão e seriedade nem podemos alcançar, para entender. Todo o seu esforço é doutrinário e pela prática evangélica, contará sempre com o apoio de
conjugado com o de outros Espíritos, encarnados e desencarnados. São eles os companheiros desencarnados esclarecidos. Isto não quer dizer, porém, que
preparadores das tarefas específicas do grupo, e são eles que se incumbem de dar deveremos aceitar tudo quanto nos vem do mundo espiritual, sem análise critica. A
continuidade ao serviço, depois que o Espírito necessitado é atendido. Sabemos Doutrina Espírita não recomenda a aceitação cega de coisa alguma; ao contrário,
muito bem que a maior parte do trabalho, a mais delicada e de maior incentiva-nos a tudo examinar, para acolher apenas o que a razão sancionar. Os
responsabilidade, é feita no mundo espiritual. Os Espíritos desarvorados, seja por Espíritos esclarecidos não se aborrecem nem se irritam com esses cuidados, que
que razão for, já vêm para a manifestação mediúnica com um certo preparo prévio. entendem necessários. É preciso, entretanto, não cair no extremo oposto de tratar
Os benfeitores espirituais é que se incumbiram de localizá-los e desalojá-los de suas qualquer companheiro espiritual com aspereza e desconfiança injustificáveis. Ao
posições, muitas vezes tidas por inexpugnáveis, para trazê-los até nós. Inúmeros cabo de algum tempo de convivência, formulado o juízo sobre os nossos
recursos são utilizados para isso. Técnicas de magnetização e persuasão, ainda orientadores, saberemos identificá-los e conheceremos seus métodos de ação. A
desconhecidas de nós, são aplicadas com enorme competência e sentimento da delicadeza do trabalho e seu ponto crítico estão exatamente nesse balanceamento
mais funda fraternidade. Freqüentemente, os Espíritos atormentados nem sabem entre vigilância e confiança. Sem um perfeito entendimento entre as equipes
por que se acham numa sessão, falando através de um médium. Ignoram como encarnada e desencarnada, é impraticável um trabalho produtivo e positivo. Temos
foram trazidos, ou se dizem convidados, julgando que vieram por livre e espontânea que buscar o terreno comum da harmonização e da integração, o que não é o
vontade. Muitas vezes admitem estar constrangidos, contidos, sob controle, mas não mesmo que aceitar tudo sem exame.
sabem de onde vem a força que os contém. Essa vigilância, insistimos, é indispensável. Se o grupo trans-via-se, e vai
Os benfeitores assistem à sessão, socorrem-nos com seus recursos, nos insensivelmente afastando-se das boas práticas doutrinárias, fica entregue à sua
momentos críticos, fazem pequenas recomendações ou dão indicações sumárias, própria sorte. Esse é o momento em que outros companheiros desencarnados se
através da intuição ou da mediunidade ostensiva de algum companheiro. De outras aproximam, para substituir os mais esclarecidos. Em casos assim, poderão tentar
assumir também a identidade dos que se afastaram. Não nos esqueçamos de
que todos os métodos são válidos para aqueles que se enquistaram no 9 OS MANIFESTANTES
transviamento moral. Se não estivermos atentos, nem sentiremos a mudança, e, Variam muito as categorias de Espíritos que comparecem a um grupo
dentro em pouco, estaremos inteiramente dominados, exatamente por aqueles que mediúnico. Vimos aqueles que pertencem às equipes socorristas, dedicados ao
se opõem aos nossos planos, envolvidos numa vasta e bem urdida mistificação, bem, ao trabalho construtivo, à renúncia, ao amor fraterno. Claro que não são, nem
quando não desarvorados também, com o grupo em vias de desagregação, e até se julgam, seres redimi-dos, à soleira da perfeição. Ainda trazem, como todos nós,
obsidiados ou fascinados por Espíritos que se apresentam com nomes importantes. impurezas e imperfeições, a que dão combate sem tréguas, nas lutas redentoras
* em que se empenham, O próprio trabalho a que se dedicam, de socorro às almas
Os orientadores do grupo geralmente dirigem uma breve palavra de saudação, no que sofrem dores maiores, é um dos mais eficazes instrumentos de auto-resgate.
princípio da reunião, e uma ou outra recomendação sumária. Fazem isso mais para Ninguém precisa, e ninguém deve esperar perfeição, para servir, porque, então,
marcar sua presença, como se desejassem simplesmente dizer: “Estamos aqui, nunca chegaríamos a fazê-lo.
amigos. Não temam.” No anverso da medalha encontramos os Espíritos envolvidos em dolorosos
Durante o desenrolar dos trabalhos, portam-se com discrição e serenidade, processos de atordoamento moral. Não nos iludamos com os seus rancores, sua
interferindo o mínimo possível, sem, no entanto, deixarem de nos proporcionar toda a gritaria, sua violência e agressividade: são terrivelmente infelizes, a despeito de
assistência de que necessitamos. tudo quanto digam ou façam. A couraça de ódio de que se revestem não passa de
Em casos extremos podem provocar a contenção do manifestante, com seus uma defesa desesperada contra a infiltração benéfica do amor. Temem mais o
recursos magnéticos, ou incorporarem-se para um diálogo mais direto com o amor do que o ódio, mas desejam-no acima de tudo neste mundo. Não buscam,
Espírito, mas isto não é comum. no fundo, outra coisa, senão serem convencidos de seus erros, para retomarem o
Ao final da sessão, cessado o trabalho de atendimento aos sofredores, caminho evolutivo, abandonado, às vezes, há séculos ou milênios. E, coisa ainda
comparecem para uma palavra de estímulo e de consolo. É esta a mensagem que, mais estra nha, trazem também amor no coração, ainda que sepultado em
se possível, deve ser gravada, porque contém, usualmente, preciosos profundas camadas de desesperança e desenganos.
esclarecimentos acerca dos trabalhos, em particular, e sobre a Doutrina, em geral. Sem a pretensão de cobrir todo o terreno e esgotar o assunto, tentaremos
Nenhum trabalho mediúnico sério é possível sem o apoio desses dedicados e apresentar e estudar algumas dessas categorias.
muitas vezes anônimos companheiros, que, situados, quase sempre, em planos 10 O OBSESSOR
muito superiores aos nossos, concordam em voltar sobre seus passos e vir nos Todo o capítulo 23 de “O Livro dos Médiuns” é dedicado ao problema da
estender as mãos generosas e seguras. A colaboração que lhes emprestamos é obsessão, que Kardec considera, com a lucidez que o caracteriza, um dos
mínima, em relação à que eles nos oferecem. Fazem muito mais por nós do que nós maiores problemas decorrentes do exercício da mediunidade. Define ele como
por eles. E tudo no silêncio e na segurança daqueles que não buscam obsessão “o domínio que alguns Espíritos logram adquirir sobre certas pessoas”.
reconhecimento nem aplausos. Em artigo para “Reformador” (1), escrevi o seguinte: “... a palavra obsessão é
Se tiverem que nos transmitir alguma instrução específica, utilizar-se-ão termo genérico de um fenômeno que pode desdobrar-se em três principais
preferentemente do tempo destinado à comunicação inicial. variedades: a obsessão simples, a fascinação e a subjugação. A primeira delas é a
“Essa medida — escreve André Luiz, em “Desobsessão” —é necessária, menos perniciosa porque, usualmente, o médium — pois todo obsidiado tem forte
porqüanto existem situações e problemas, estritamente relacionados com a ordem componente mediúnico — está consciente das manobras e dissimulações do
doutrinária do serviço, apenas visíveis a ele, e o amigo espiritual, na condição de Espírito, o que certamente o incomoda, mas não o perturba a ponto de provocar
condutor do agrupamento, perante a Vida Maior, precisará dirigir-se ao conjunto, desarranjos mentais.”
lembrando minudências e respondendo a alguma consulta ocasional que o dirigente Esse artigo prossegue comentando Kardec, para dizer que a fascinação é bem
lhe queira fazer, transmitindo algum aviso ou propondo determinadas medidas.” mais grave, “porque o agente espiritual atua diretamente sobre o pensamento de
A consulta não deverá descambar para assuntos de natureza puramente pessoal, sua vítima, inibindo-lhe o raciocínio e levando-a à perigosa convicção de que as
mas cingir-se às tarefas específicas do grupo, Quando a orientação pessoal tornar-se idéias que expressa, por mais fantásticas que sejam, provêm de um Espírito de
imperiosa, os companheiros desencarnados usualmente tomarão a iniciativa de dizer elevado gabarito intelectual e moral. Seu engano é evidente a todos, menos a ele
uma palavra de esclarecimento e ajuda. As perguntas deverão ser formuladas de próprio, que segue, fascinado e servil, o Espírito que se apoderou sutilmente de
maneira sintética, e objetivamente, para não tomar tempo às tarefas de atendimento. sua mente”.
Não devemos tentar envolver os orientadores espirituais em problemas que “Na subjugação” — diz ainda o artigo —, “Kardec distingue dois aspectos: a
estejamos em condições de resolver com os nossos próprios recursos. moral e a corporal. No primeiro caso, o ser encarnado é constrangido a tomar
atitudes absurdas, como se estivesse completamente privado do seu próprio
senso crítico. No segundo caso, o obsessor “atua sobre os órgãos materiais e tramas das suas desgraças. É preciso observar, no entanto, que tudo está previsto
provoca movimentos involuntários”, obrigando a sua vítima a gestos de dramático e nas leis divinas, que, ao mesmo tempo em que permitem a cobrança de nossas
lamentável ridículo.” faltas, nos liberam, pelo resgate. A obsessão é impotente diante de Espíritos
Acha, por isso, o Codificador, “que o termo subjugação é mais apropriado do que redimidos.
possessão, de uso mais antigo”. Nessa linha de raciocínio, portanto, o que Voltaremos a cuidar do problema, quando tivermos de conversar, mais adiante,
conhecemos por possessão não seria senão um caso grave e extremo de acerca das técnicas e recursos sugeridos para o trabalho.
obsessão.
Ao reexaminar o problema, em “A Gênese”, Kardec chama a obsessão de “ação (1) “Reformador” de maio de 1074, artigo “Possessão e exorcismo”.
persistente que um Espírito mau exerce sobre um indivíduo”, enquanto que na
possessão, “em vez de agir exteriormente, o Espírito atuante se substitui, por assim 11 O PERSEGUIDO
dizer, ao Espírito encarnado; toma-lhe o corpo para domicílio, sem que este, no A vítima da obsessão é sempre uma alma endívidada perante a lei. De alguma
entanto, seja abandonado pelo seu dono, pois que isso só se pode dar pela morte. A forma grave, no passado mais recente, ou mais remoto, desrespeitou seriamente
possessão, conseguintemente, é sempre temporária e intermitente, porque um a lei universal da fraternidade, vindo a colher, como conseqüência inexorável, o
Espírito desencarnado não pode tomar definitivamente o lugar de um encarnado, sofrimento.
pela razão de que a união molecular do perispírito e do corpo só se pode operar no A falta cometida contra o semelhante expoe seu autor aos azares do resgate,
momento da concepção”. (Os destaques são desta transcrição.) mesmo que a vítima o tenha perdoado imedia tamente. Muitas vezes, a vingança
“Ensina Kardec” — prossegue o artigo — “que, na obsessão grave, o obsidiado como que se despersonaliza, passando a ser exercida não por aquele que foi
fica envolto e impregnado de fluídos perniciosos que cumpre dispersar pela aplicação prejudicado, mas por alguém em seu nome, ainda que não autorizado por ele.
“de um fluído melhor”, ou seja, por processos magnéticos, através de passes, por Não importa que o perseguido, ou obsidiado, esteja na carne ou no mundo
exemplo.” espiritual. Não importa que se lembre ou não da ofensa. Não importa que a falta
“Nem sempre, porém” — adverte Kardec —, “basta esta ação mecânica; cumpre, tenha sido cometida nesta vida ou em remotas existências. O vingador implacável
sobretudo, atuar sobre o ser inteligente (destaque do original) ao qual é preciso se acaba descobrindo o seu antigo algoz, mesmo que este se oculte sob os mais
possua o direito de falar com autoridade que, entretanto, falece a quem não tenha bem elaborados disfarces, ligando-se a ele por largo tempo, vida após vida, aqui e
superioridade moral. Quanto maior esta for, tanto maior também será aquela.” no Espaço, alucinado pelo ódio, que não conhece limites nem barreiras.
E acrescenta: Em “Dramas da Obsessão”, narra o Dr. Bezerra de Menezes, pela mediunidade
“Mas, ainda não é tudo: para assegurar a libertação da vítima, indispensável se de Yvonne A. Pereira, um caso desses:
torna que o Espírito perverso seja levado a renunciar aos seus maus desígnios; que “Aterrorizado ante as vinditas atrozes movidas pelos Espíritos de seus antigos
se faça que o arrependimento .desponte nele, assim como o desejo do bem, por amos de Lisboa, o Espírito João-José preferiu ocultar-se numa encarnação de
meio de instruções habilmente ministradas, em evocações particularmente feitas formas femininas, esperançado de que, assim disfarçado, não pudesse ser
com o objetivo de dar-lhe educação moral. Pode-se então ter a grata satisfação de reconhecido. Enganou-se, porém, visto que sua própria organização psíquica
libertar um encarnado e de converter um Espírito imperfeito.” (Destaques desta atraiçoou-o, modelando traços fisionômicos e anormalidades físicas idênticas aos
transcrição.) que arrastara na época citada.”
Ninguém poderia descrever melhor, em tão poucas palavras, o programa — Uma vez identificado o antigo devedor, mesmo sob formas femininas,
síntese do processo de desobsessão: o obsessor não deve ser arrancado à força ou desencadeou-se sobre ele toda a tormenta da obsessão.
expulso. Ele precisa ser convencido a abandonar seus propósitos e levado ao Temos tido, em nossa experiência direta, casos semelhantes. Um foi
arrependimento. Isto se faz buscando com ele um entendimento, um diálogo, pelo particularmente doloroso e aflitivo, porque os compromissos do obsidiado eram
qual procure mos educá-lo moralmente, mas sem a arrogãncia do mestre petulante, muito graves e suas dívidas cármicas acusavam reincidências lamentáveis, que o
e sim com o coração aberto do companheiro que procura compreender as suas deslocavam da posição de ex-algoz para a de joguete impotente de implacáveis
razões, o núcleo de sua problemática, o porquê da sua revolta, do seu ódio. Por mais vingadores. Começamos a cuidar dele, na esperança de minorar-lhe as dores,
violento e agressivo que seja, é invariavelmente um Espírito que sofre, ainda que não quando ainda encarnado. Por algum tempo, conseguimos aliviar a pressão que se
o reconheça. A argumentação que utilizarmos tem que ser convincente. exercia, dia e noite, sobre ele e sua família. Em nosso grupo, assistimos a um
A obsessão é, amiúde, um processo de vingança. Deseducado moralmente, como trágico e incessante desfile de companheiros desarmonizados que enxameavam
diz Kardec, o Espírito perseguidor busca alívio para o seu sofrimento fazendo sofrer em torno dele, cada qual mais revoltado e odiento. Seus compromissos eram
aquele que o feriu, tornando-se ambos infelizes e envolvendo ainda outros nas tantos, e tão sérios, que não conseguimos livrá-lo das suas dores, embora
tenhamos alcançado, com a graça de Deus, apaziguar muitos dos seus temíveis sofre, de policiamento de nossas atitudes, palavras e pensamentos. É preciso orar,
carrascos e atraí-los para as tarefas de recuperação. servir, buscar reacender a chamazinha do amor, que existe em todos nós.
Como o seu caso tinha implicações profundas com o nosso plano geral de — Vai e não peques mais — disse o Cristo.
trabalho, segundo nos explicaram nossos mentores, tratamos dele por muito tempo Por muito tempo se pensou que isso fosse apenas um tema sugestivo, para
ainda, havendo neste livro várias referências esparsas sobre ele, com os cuidados pregar sermões bonitos; hoje sabemos da profunda realidade que encerra o
necessários para não identificá-lo. ensino evangélico. O Cristo sempre ligou o problema do sofrimento, físico ou
Verdadeira multidão de Espíritos atormentava este irmão, jovem ainda na carne. espiritual, ao do erro.
Ao que me disse, certa vez, um de seus obsessores, custaram um pouco a identificá- — Estás curado — diz Ele ao paralítico, a quem mandou tomar a sua cama e
lo em sua nova roupagem. Uma vez, porém, localizado, reuniram-se em torno dele, andar —, não peques mais, para que não te suceda algo ainda pior. (João, 5:14.)
num cerco implacável, que durava as vinte e quatro horas do dia, aqueles que ainda Dessa forma, o erro — que os evangelistas chamam de pecado — acarreta o
se sentiam com suas contas por ajustar com ele. sofrimento, a punição, o resgate. Não que tenhamos de nos redimir
Seguiam-no nos seus afazeres diários e o atormentavam durante o necessariamente através do mecanismo da dor. A dor não é inevitável, porque o
desprendimento do sono, espetavam-lhe “agulhas” de todos os tamanhos, processo da libertação pode dar-se também por meio do serviço ao próximo, do
impunham-lhe longos períodos de alienação, sopravam-lhe constantemente a idéia aperfeiçoamento moral, da prece e da vigilància. Da mesma forma, aquele que foi
do suicídio, tomavam-lhe o corpo, inúmeras vezes, para as ferido pelo seu companheiro, por mais gravemente que o tenha sido, não deve
mais tresloucadas atitudes, para fugas, caminhadas, crises de mutismo; postavam- nem precisa tomar a vingança em suas mãos, para que o outro resgate a sua falta.
se diante de sua visão espiritual, sob formas monstruosas; neutralizavam o efeito de A lei do equilíbrio universal se incumbirá dele, senão hoje, no próximo século, ou no
intensivo tratamento médico e espiritual; indispunham-no com a família e próximo milênio, O resgate pode ser despersonalizado, isto é, ninguém deve nem
descontrolavam-lhe o pensamento, descoordenando-lhe as idéias. precisa arvorar-se em seu executor. Isto não significa que, ao sermos ofendidos,
Ao que nos foi indicado, em tempos da Roma antiga, exerceu, com destaque, o devamos transferir o nosso impulso de vingança às leis de Deus. São muitos os
poder, e ajudou a desencadear uma das mais terríveis perseguições aos cristãos. É que não tomam realmente a vingança em suas mãos, mas pensam, na intimidade
certo que suas vítimas daquela época o perdoaram, se foram realmente seguidores do seu ser, com o mesmo rancor:
fiéis do Cristo. Mas, e os outros, que lhe guardaram rancor? A quantos teria ele — Ele pagará!
mandado tirar a vida, os bens, os amores, as esperanças, sem que estivessem É verdade, ele pagará, seja com a moeda da dor, seja com a do amor, mas se
preparados para suportar essas perdas, com equilíbrio e resignação? emitimos o nosso pensamento de vingança e ódio, continuamos ligados ao erro,
Ao cabo de alguns anos de implacável perseguição de seus adversários, reassumimos os compromissos que poderíamos ter resgatado com aquela
enceguecidos pelo ódio, e a despeito de todo o cuidado de que foi cercado, o pobre humilhação ou aquele sofrimento, pois é certo que ninguém sofre por acaso, dado
companheiro desencarnou tragicamente. que não há reparos dolorosos como forma de punição aos inocentes.
A perseguição continuou, talvez ainda mais encarniçada, do outro lado da vida. Neste ponto, mais de uma lição encontramos, ainda e sempre, no Evangelho de
Estava agora mais exposto, mais acessível àabordagem de seus algozes, pois as Jesus. E é por isso que nenhum trabalho de desobsessão, digno e sério, deve ser
obsessões não se limitam a atingir os encarnados. Ao contrário, os desencarnados intentado sem apoio nos ensinamentos do Cristo.
são mais vulneráveis do que os encarnados, pois estes dispõem do “esconderijo” do A questão é tão Importante, tão vital à problemática do espírito, que Jesus a
corpo físico e se acham beneficiados pelo esquecimento temporário de suas faltas, o imortalizou no texto da oração dominical, o Pai Nosso:
que, de certa forma, lhes dá alguma trégua, em virtude do descondicionamento -”... perdoa-nos as nossas dívidas — relata Mateus, 6:12 —, assim como
vibratório. A lembrança constante dos crimes que cometemos nos mantém perdoamos os nossos devedores..
sintonizados com os perseguidores, e eles tudo fazem para que não nos No versículo 14, desse mesmo capítulo, Jesus é ainda mais explícito:
esqueçamos dos erros praticados. Enquanto estamos remoendo nossas faltas, — “Que se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vos perdoará o
continuamos ligados aos obsessores. vosso Pai Celestial; mas se não perdoardes aos homens, tampouco vosso Pai
Devemos, então, esquecer de tudo, como se nada tivesse acontecido? Não, perdoará as vossas ofensas.”
certamente. O arrependimento, porém, tem que ser construtivo, ou seja, ele não Sob as luzes da Doutrina Espírita, o texto adquire uma dimensão que antes não
deve paralisar-nos. Cientes ou não da gravidade das nossas faltas — e, sem dúvida havíamos notado. É que o perdão que concedemos àquele que nos feriu não lava
alguma, praticamo-las abundantemente no passado — é imperioso que nos o ofensor do seu pecado, ou seja, da sua falta, mas libera o ofendido, que, com o
voltemos para as tarefas de reconstrução interior, de dedicação ao semelhante que perdão, evita que se reabra o círculo vicioso do crime para resgatar o crime. Nesse
angustioso círculo de fogo e lágrimas, de revolta e dor, ficam presas, por séculos e
séculos, multidões eneeguecidas pelo ódio e nunca saciadas pela vingança, pois a todos os tormentos, passaram por todas as humilhações, submeteram-se a
vingança não sacia coisa alguma, ela apenas junta mais lenha à fogueira que arde. caprichos e desmandos, cumpriram ordens iníquas.
Por muito tempo achamos que toda essa doutrina do perdão fosse apenas um Um desses nos disse que estivera num dos calabouços infectos das trevas,
belo conjunto de figuras de retórica. A Doutrina dos Espíritos veio propor-nos um onde nem chorar podia. Passaram-se séculos. Só nos pôde dizer que foi um
entendimento infinitamente mais racional e objetivo: o de que o perdão liberta. Não é sacerdote e que traiu alguém. Sente agora o peso de um enorme arrependimento
uma simples teoria, é uma verdade, que o Cristo nos ensinou, mas que tanto temos e, quando convidado a orar comigo, não tem coragem de dirigir-se a Deus, pois se
relutado em experimentar. julga o último dos réprobos. A muito custo, consegue murmurar uma palavra:
Também neste ponto tivemos, certa vez, uma experiência inesquecível. Um - Jesus!...
companheiro desencarnado, em lamentável estado de desorientação, perseguido E fala baixinho, consigo mesmo:
por uma pequena multidão de implacáveis obsessores, acabou por ser recolhido — Que sacrilégio, meu Deus!
pelos trabalhadores do bem. Alguns de seus perseguidores foram tratados e Outro, também egresso de um calabouço, não conseguia articular a palavra;
reeducados moralmente, como ensina Kardec. Outros se afastaram, por sentir que a fazia entender-se por gestos. Trazia um peso na cabeça, que o obrigava a manter-
vítima punha-se fora de seu alcance. Alguns deles continuaram a ser levados ao se curvado sobre si mesmo e, além de tudo, estava cego.
grupo de desobsessão, a fim de serem doutrinados, e, no desespero em que viviam, Um terceiro apresenta-se com as “carnes” roídas pelos “ratos” e “baratas”, após
descarregavam todo o seu rancor e agressividade sobre os componentes da equipe um longo período de reclusão.
de socorro, especialmente contra o doutrinador, por ser este o porta-voz, aquele que Quase todos trazem ainda no perispírito os estigmas de suas penas: cegueira,
fala e procura convencê-los a abandonar seus propósitos, que eles julgam deformações e mutilações, e, na mente, a lembrança de torturas e horrores
justíssimos. inconcebíveis.
Pois bem. Certa noite, volta, para receber os nossos cuidados, o companheiro que Subitamente, ao cabo de agonias seculares, durante as quais resgataram-se
havia sido recolhido. Estava novamente em poder de um impiedoso hipnotizador, de através da dor, escapam à sanha de seus perseguidores, tornam-se inacessíveis
quem já o havíamos subtraído, a duras penas. Ele próprio confessou o seu drama: aos seus processos, evadem-se das masmorras e libertam-se do domínio
recaira na faixa vibratória de seus perseguidores, ao deixar tombar as guardas que o magnético sob o qual se encontravam. Em suma: a Lei disse o “Basta!” a que até
protegiam. No decorrer do diálogo revelou-se mais impaciente do que nunca, mesmo o mais terrível perseguidor tem de obedecer, ao assistir, impotente, à
exigindo, quase, solução imediata para o seu caso, pedindo a presença de parentes, escapada da vítima. Chegou ao fim o processo corretivo e reajustador. Antes, era
sem nenhum desejo de entregar-se à prece e, acima de tudo, pronto para a impossível: ninguém conseguiria interromper o curso da dor.
vingança! “Assim que estivesse em condições” — e exatamente por isso não Este é o exemplo vivo da experiência mediúnica. Espíritos superiores, e já
conseguia alcançar tais condições — “ele”, o obsessor, “iria ver...” redimidos, seguem-nos os passos, até mesmo às profundezas da dor mais
Meu Deus, como poderemos negar o perdão ao que nos feriu, se o exigimos para horrenda, sem poderem interferir senão com uma prece, ou uma vibração
nós, exatamente para as dores que resultaram da nossa imprudência em ferir os amorosa, pois o pobre companheiro transviado nem mesmo a presença dos
outros? amigos maiores pode perceber. Chegado, porém, o momento, tudo se precipita.
O obsidiado só pensa em livrar-se de seus adversários, a qualquer preço, mas Os mensageiros do bem estão apenas à espera de uma prece, ainda que
se esquece, ou ignora, que ele também está em dívida perante a lei, pois, de outra somente esboçada, de um impulso de arrependimento, de um gesto de boa-
maneira, não estaria sujeito à obsessão, o obsessor, por sua vez, procura punir o vontade ou de perdão. Lembram-se da advertência do Cristo?
companheiro que o fez sofrer, deslembrado de que ele próprio criou, com a sua — Reconcilia-te com teu adversário enquanto estás a caminho com ele, para
incúria, as condições para merecer a dor que lhe é infligida. Julga-se no direito de que não te arraste ele ao juiz, e o juiz te entregue ao oficial de justiça, e este te
cobrar, pensando assim cumprir a lei de Deus, para que a “justiça” se faça. E, de fato, ponha no cárcere. Digo-te que não sairás de lá enquanto não tiveres pago o último
a lei do equilíbrio universal coloca o ofensor ao alcance da punição, que é, em suma, centavo.
a oportunidade do reajuste. Por isso, dizia o nosso Paulo, em sua penetrante Não está bem claro?
sabedoria: E muitos ainda acham que o Evangelho é só literatura... ou só poesia, ideal,
— Tudo me é lícito, mas nem tudo me convém. inatingível... Razão de sobra teve Kardec para optar pela adoção da moral
Com freqüência, os perseguidos apresentam-se em nossos grupos, nos primeiros evangélica, pois há mais sabedoria e ciência nos textos ali preservados, do que em
momentos da libertação. Quantos dramas, Senhor! Vêm transidos de pavor, todos os tratados de psicologia jamais escritos e nos que ainda se escreverão. A
cansados de prisões tenebrosas, fugindo de obsessões que lhes parecem terem problemática do ser humano, suas complexidades e seus mecanismos de
durado uma eternidade. Esgotaram todo o cálice de profundas amarguras, sofreram
reajuste, estão inseparavelmente ligados aos conceitos fundamentais da moral. Um De outras vezes, apresentaram-se pobres infelizes, que não podiam expressar-
dia, a psicologia e a psiquiatria descobrirão o Cristo. se senão por gestos, porque a língua lhes tinha sido extirpada. Um destes, depois
de reconstituída a sua condição, em vez de agradecer a Deus o benefício que
12 DEFORMAÇÕES acabava de receber, declarou que se vingaria daquele que, em antiga existência,
O perispírito é o veículo das nossas emoções. O Espírito pensa, o perispírito mandara mutilá-lo. Foi-lhe mostrado, então, que, em existência anterior àquela, ele
transmite o impulso, o corpo físico executa. Da mesma forma, as sensações que próprio mandara cortar a língua daquele mesmo que, depois, ordenou a sua
vêm de fora, recebidas através dos sentidos, são levadas ao Espírito pelos mutilação. Nem assim ele se deu por achador aquele a quem ele privara da língua
mecanismos perispirituais. É o perispírito que preside à formação do ser, funcionando não passava de um cão, pois era um mero escravo... Havia, porém, chegado a
como molde, a ordenar as substâncias que vão constituir o corpo físico. É nele que sua vez, e ele, não resistindo à realidade, entrou numa crise de arrependimento
se gravam, como num “video tape”, as nossas experiências, com suas imagens, que o salvou.
sons e emoções. Isto se demonstra no processo de regressão da memória, Um dos casos mais dramáticos que presenciei foi o de um companheiro que
espontâneo ou provocado, no qual vamos descobrir, com todo o seu impacto, cenas havia sido reduzido, por métodos implacáveis de hipnose, à condição de um fauno.
e emoções que pareciam diluídas pelos milênios. É ele, pois, a nossa ficha de Estava de tal maneira preso à sua indução, que não podia falar, pois um fauno não
identidade, com o registro intacto da vida pregressa, a nossa folha corrida o nosso fala. A despeito de tudo, porém, acabou falando inteligivelmente, para enorme
prontuário. surpresa sua. Fazendo o médium exibir suas mãos, dissera:
Ele é denso, enquanto caminhamos pelos escuros caminhos de muitos enganos,
e vai-se tornando cada vez mais diáfano, à medida que vamos galgando estágios 1) Zoantropia, segundo o dicionário, é uma variedade de monomania em que
mais avançados na escalada evolutiva. É nele, portanto, que se gravam alegrias e o doente se julga convertido em animal.
conquistas, tanto quanto as dores. Mas, como tudo no universo obedece à lei
irrevogável da sintonia vibratória, parece que, ao nos desfazermos dos fluídos mais — Veja. Não tenho mãos, e sim cascos.
pesados e escuros, que envolvem o nosso perispírito, nos primeiros estágios Estivera mergulhado, por séculos a fio, num tenebroso antro, onde conviveu, sob
evolutivos, vamos também nos libertando das mazelas que naqueles fluídos se as mais abjetas condições subumanas, com outros seres reduzidos a condições
fixavam, ou seja, vamos nos purificando. Seria quase inadmissível a deformação semelhantes à sua, e que nem mais se conscientizavam de terem sido criaturas
perispiritual num ser de elevada condição moral. É, no entanto, muito comum racionais. Fora também um poderoso, aí pelo século 15, na Alemanha, e deve ter
naqueles que se acham ainda tateando nas sombras de suas paixões, e os cometido erros espantosos.
trabalhadores da desobsessão encontram fatos dramáticos dessa natureza, a cada Um dos companheiros do grupo forneceu-nos recursos ectoplasmáticos e, com
passo. nossos passes e o apoio que obtivemos através da prece, foi possível restituir-lhe a
Muitos casos desse tipo tenho presenciado, desde pequenos cacoetes, ou apenas forma perispiritual de ser humano. Alcançado esse ponto, um dos benfeitores
sensações quase físicas, até deformações e mutilações terríveis, culminando com as presentes informou-nos do seu nome, pois ele não sabia quem era. Retomada a
mais dolorosas ocorrências de zoantropia. (1) sua identidade, caiu numa crise de choro comovedora e teve um impulso de
Vimos, linhas atrás, alguns exemplos de mutilação provocada por “ratos” e generosidade, lamentando não ter condições de volver sobre seus passos, para
“baratas”, em masmorras tenebrosas do mundo trágico das dores. Encontramos, na salvar os companheiros que continuavam retidos nas medonhas masmorras de
prática mediúnica, inúmeros exemplos aflitivos de desequilíbrio perispiritual. onde conseguiram resgatá-lo.
Um antigo sacristão português, desencarnado, era recompensado, pela tarefa de Tivemos, certa ocasião, um doloroso caso de licantropia. Ao apresentar-se,
lançar discórdias, com abundantes “refeições”, regadas a bom “vinho” de sua terra. incorporado no médium, o Espírito não consegue articular nenhuma palavra.
Um ex-oficial nazista, que não se identificou, mostrou-se desesperado de fome. Inteiramente animalizado, sabe apenas rosnar, esforçando-se por me morder.
Renunciou a toda a arrogância, com que a princípio se apresentou, e humilhou-se, Embora o médium se mantenha sentado, ele investe contra mim, procurando
para pedir-nos, em voz baixa, para que ninguém o ouvisse, um simples pedaço de atingir-me com as mãos, dobradas, como se fossem patas; de vez em quando,
pão. ameaça outro componente do grupo. Lembro-me de vagas cenas de atividades
Tivemos casos de deformações “físicas”, como a daquele irmão atormentado que em desdobramento noturno, quando resgatamos, de sinistra região das trevas, um
trazia o braço paralítico. Quando me ofereci para curá-lo com um passe, ele declarou ser vivo que, em estado de vigília, não consegui caracterizar.
que, assim, teria mais um braço para brandir o chicote com que castigava suas Como ele não tinha condições de falar, falei eu, tentando convencê-lo de que era
vítimas. um ser humano, e não um animal. A conversa foi longa e difícil. Sabia que,
diretamente, ele ainda não tinha possibilidade de entender com clareza as palavras
que eu dizia, mas estava certo de que, aos poucos, se tornaria sensível às vibrações que ele esteve encerrado em alguma caverna escura, por tempo que não sei
de carinho e compreensão que sustentavam aquelas palavras. Falei-lhe, pois, estimar, e lá perdeu a visão e o senso das coisas. Estava ainda apavorado. (O
continuamente, por longo tempo, procurando desimantá-lo, para libertá-lo do seu médium, realmente, queixara-se de uma terrível sensação de medo, pouco antes
terrível condicionamento. Repetia-lhe que era um ser humano e não um animal; que da incorporação desse Espírito.) Olhava para trás, como se tentasse surpreender
tinha mãos, e não patas, unhas e não garras. Às vezes, ele tinha crises algum carrasco. A certa altura, parece que alguém o chicoteia violentamente, pois
assustadoras, gargalhando, alucinado. Insistia em ferir-me, com as suas “garras”, e ele se contorce e grita, desesperado. Aos poucos, porém, vamos transmitindo a ele
tentou, mesmo, agredir-me, com as duas mãos, como se ten tasse abrir-me o peito, uma sensação de segurança e calma. Digo-lhe que ele foi retirado de lá, e que
para arrancar-me o coração. Mantive calma inalterada, a despeito da profunda e está, agora, numa sala limpa, e não vai mais voltar para a sua prisão.
dolorosa compaixão, e da ternura que sentia por ele. Foi um momento que exigiu Insistimos nos passes, e, ao cabo de muito tempo, ele pareceu ter readquirido a
muita vigilância e enorme cobertura espiritual, para que o grupo não entrasse em forma humana e começou a “conferir” suas mãos, o rosto, o corpo, mas ainda não
pânico, e não se perdesse a oportunidade de servir a um irmão tão desesperado. conseguia enxergar: passou as mãos diante dos olhos, para testar. De pé, ao lado
Não podíamos esquecer, por um minuto, que ele não era um animal irracional, mas do médium, orei fervorosamente, com uma das mãos sobre os seus olhos e a
uma criatura humana, que se tornou temporariamente irracional, em decorrência do outra na nuca. Enquanto fazia isso, ele procurava me reconhecer, também pelo
seu terrível comprometimento ante as leis divinas. tato, apalpando-me as mãos, o braço, a cabeça, o rosto. O ambiente estava tenso
Tínhamos que falar a ele como a um irmão em crise, não a um lobo feroz. de emoção e do desejo de servi-lo, e creio que, por isso, realizou-se, mais uma
Aparentemente, estava em estado de inconsciência total, mas, no fundo do ser, ele vez, o suave milagre do amor. Ele começou a perceber os objetos, pela visão, e
preserva os valores imortais do espírito, com todas as aquisições feitas no rosário de voltou a conferir tudo na sala, como se estivesse colocando juntas, pela primeira
vidas que já tinha vivido. É quase certo que tivesse uma bagagem respeitável de vez, em muito tempo (séculos, talvez) as sensações do tato e da visão. Olhou os
conhecimentos e recursos, pois na escalada espiritual nada se perde, em termos de móveis, a sala, as suas próprias mãos. Examinou os componentes do grupo, um
aprendizado. É certo, ainda, que dívidas assim tão grandes e penosas, somente por um.
podem ter sido assumidas em posições de relevo, nas quais houvesse oportunidade Está calmo, agora. Parece que jatos de luz intensa o atingem nos olhos, porque
para oprimir o semelhante impunemente, sob a proteção de imunidades ele se contrai e protege a vista com os braços. Como continuo a insistir em que ele
incontestáveis. Dificilmente temos oportunidade de endívidar-nos tão gravemente, pode falar, consegue dizer uma palavra:
errando apenas contra nós mesmos. — Água!
Invariavelmente, a falta cometida sacrifica e martiriza muitos irmãos, que julgamos E fica a repeti-la, enquanto apanho o jarro, que conservamos sobre outro
meros instrumentos do nosso gozo e poder. Ademais, é preciso lembrar que o móvel, e lhe servimos vários copos, que ele bebe sofregamente,
reajuste nunca é desproporcional à gravidade da pena, e a pena é sempre desesperadamente.
compatível com o grau de consciência com o qual praticamos a falta. Não que Deus Por fim, percebo que está orando um Pai Nosso, no qual eu o acompanho,
nos castigue, como um Pai severo e frio, mas é que a nossa consciência exige de emocionado até o
nós a reparação, mesmo porque a lei universal, código sagrado que aviltamos, nos fundo do meu ser. Ao terminar a prece, me abraça, em silêncio, sem uma
coloca à mercê da cobrança. A cada falta cometida, assinamos uma promissória palavra, esmagado pela emoção, e se desprende, deixando o médium
inexorável, que um dia vencerá e nos será apresentada para resgate. Se tivermos desorientado, por alguns momentos, quanto à sua posição na sala.
acumulado a moeda limpa do serviço ao próximo, teremos com que pagar; caso O trabalho todo durou uma hora.
contrário, não resta alternativa senão a dor, e podemos estar certos de que não *
faltarão cobradores, que se apresentarão como instrumento da justiça divina, ávidos Como pode uma criatura humana ser reduzida a uma condição como essa? É
ante a oportunidade de se vingarem, ou simplesmente de darem azo às suas evidente que ainda não dispomos de conhecimentos suficientes para apreender o
frustrações lamentáveis. fenômeno em todas as suas implicações e pormenores, mas a Doutrina Espírita
Ao cabo de prolongado monólogo com o irmão alienado, uma prece comovida e nos oferece alguns dados que nos permitem entrever a estrutura básica do
alguns passes, ele começou a aquietar-se, mas ainda insistiu em atacar-me, de vez processo. A gênese desse processo é, obviamente, a culpa. Somente nos
em quando. Não havia dito ainda uma palavra, mas, à medida que se acalmava, expomos ao resgate, pela dor ou pelo amor, na medida em que erramos. A
começou a reconhecer o ambiente. Apalpou a mesa que tinha diante de si, as extensão do resgate e sua profundidade guardam precisa relação com a
cadeiras, o estofamento, a madeira, os entalhes, as cortinas, o sofá, o chão, o tapete. gravidade da falta cometida, pois a lei não cobra senão o necessário para o
Tudo que estava ao alcance de sua mão, ele apalpou, investigou, examinou. reajuste e o reequilibrio das forças universais desrespeitadas pelo nosso livre-
Pacientemente, eu ia lhe explicando o que era cada coisa em que ele tocava. Parece arbítrio. Somos livres para errar e somos forçados a resgatar. Não há como fugir a
esse esquema, do qual não nos livra nem mesmo a trégua com que somos e em imaculada pureza de intenções. É essa, às vezes, a única maneira de trazê-
beneficiados ao renascer. É exatamente para que tenhamos a iniciativa da correção los à doutrinação e à tentativa de entendimento. Esteja, porém, o grupo, atento e
espontânea, que a lei nos proporciona o benefício do esquecimento e nos concede a preparado para recebê-los, porque eles virão realmente fora de si, transtornados
oportunidade do recomeço em cada vida, como se nascêssemos puros, sem faltas e
sem passado. Não podemos, no entanto, esquecer que o passado está em nós, nos (1) Leia-se, a propósito, o CAP. 5º, “Operações seletivas”, de “Libertacão”,
registros indeléveis do perispírito, determinando todos os nossos condicionamentos, volume 7º da série André Luiz.
os bons e os outros.
Por conseguinte, a falta cria em nós o “molde” necessário ao reajuste. Disso se de ódio, ante o atrevimento daqueles que ousam provocá-los. Eles precisam
valem, com extrema habilidade e competência, fossos adversários espirituais, “lavar a sua honra”, recuperar o prestígio perante seus comandados e impor
aqueles a quem infligimos dores e penas atrozes num passado recente ou remoto. castigo exemplar ao grupo que teve a insensata ousadia de exasperá-los. Os
Muitos são os que agem pessoalmente contra nós, outros, porém, valem-se de casos mais graves de deformações perispirituais, como a zoantropia, em geral, e a
organizações poderosas, onde a divisão do trabalho nefando ficou como que licantropia, em particular, são relativamente raros, consideradas as incontáveis
racionalizada, tantas são as especializações lamentáveis. Realiza-se, então, uma multidões de seres aprisionados nas trevas pelas suas aflições íntimas. Eles
troca de favores, através de contratos, acordos, pactos e arranjos de toda sorte, em constituem importantes figuras, no tenebroso xadrez das trevas, e são guardados
que a vítima do passado — esquecida de que foi vítima precisamente porque a sete chaves e defendidos com unhas e dentes, como tivemos oportunidade de
também errou —associa-se a alguém que possa exercer por ela requintes de verificar pessoalmente, numa excursão a essas furnas da dor. Chegado, porém, o
vingança. momento do resgate, não há defesa que consiga resistir à vontade soberana de
Entra em cena, aí, a fria equipe das trevas. Se o caso comporta, digamos, a Deus, e os trabalhadores humildes da seara do Cristo conseguem trazê-los, nos
“solução” da deformação perispiritual, é encaminhado a competentes manipuladores braços amorosos, para a expectativa da libertação. A promissória maior está paga,
da hipnose e do magnetismo, que imediatamente se aproximarão de suas vítimas, e é preciso começar a reconstrução interior, pedra por pedra, com os escombros
contra as quais nada têm, às vezes, pessoalmente, iniciando o trabalho no campo de um passado calamitoso.
fértil do endívidamento de cada um. Quem não deve à lei de Deus? (1) Geralmente, como vimos, são Espíritos de consideráveis cabedais e
É claro que o hipnotizador, ou o magnetizador, não pode moldar, à sua vontade, o possibilidades, que se transviaram muito gravemente. Eles têm condições de
perispírito da sua vítima, mas ele sabe como movimentar forças naturais e os retomar a trilha evolutiva, embora ainda com muitos erros a resgatar. Recebem de
dispositivos mentais, de forma que o Espírito, manipulado com perícia, acaba por volta a consciência de sua própria identidade e recomeçam o aprendizado. São
aceitar as sugestões e promover, no seu corpo perispiritual, as deformações e usualmente recolhidos a instituições especializadas, onde vai realizar-se a tarefa do
condicionamentos induzidos pelo operador das trevas, que funciona como agente da descondicionamento. É novamente a hora de inúmeros especialistas: médicos da
vingança, por conta própria ou alheia. Nessas condições, a vítima acaba por assumir alma, cirurgiões do perispíríto, profundos conhecedores da biologia transcendental
formas grotescas, perde o uso da palavra, assume as atitudes e as reações típicas e das complexidades da mente. Comparecem planejadores, doutrinadores,
dos animais e é segregado, por tempo imprevisível, de todo o convívio com criaturas médiuns, magnetizadores, para reconstruir, com amor, o que foi destruído com
humanas normais e equilibradas. Em antros diante dos quais o inferno é uma tosca e ódio, pelos planejadores, doutrinadores, médiuns e magnetizadores das trevas. As
apagada imagem, imperam o terror, a alienação mais dolorosa, a angústia mais forças são as mesmas, os mecanismos são idênticos, os recursos são
terrível, as condições mais abjetas. Nessas furnas de dor superlativa, criaturas que, semelhantes, somente a direção é que muda, invertendo-se os sinais da
às vezes, ocuparam na Terra elevadas posições, resgatam crimes tenebrosos, que operação, pois quase sempre os dedicados operadores que nos ajudam a
entre os homens permaneceram impunes. reconstruir o Espírito, arrasado pela dor do resgate, são aqueles mesmos que, em
O trabalho de resgate desses pobres irmãos, que chegam até a perder a épocas remotas, utilizaram-se dos seus conhecimentos para oprimir, para impor
consciência da sua própria identidade, é tão difícil quão doloroso, e jamais poderá ser angústias e aflições, em nome de incontroladas ambições pessoais. O
feito sem a mais ampla cobertura espiritual. Além da dor que experimentamos ao conhecimento ficou, porque os arquivos da alma são permanentes, mas mudou a
presenciar tão espantosa aflição, estejamos certos de que a audácia de socorrer tais motivação, e o que antes feria, agora quer curar. Se antes conseguia realizar tanta
irmãos desata sobre os grupos que a manifestam toda a cólera das organizações coisa espantosa, trabalhando ao arrepio das leis divinas, sem a sustentação dos
que os subjugam. Aliás, esse é um recurso de que se utilizam os trabalhadores do poderes da Luz, que não conseguirá agora, ao voltar-se para o lado bom da vida,
bem, para desalojar de seus redutos os verdadeiros responsáveis por essas onde conta com o apoio de seus irmãos maiores?
atrocidades inomináveis. Furiosos pela temeridade dos seareiros do Cristo, eles se
voltam contra o grupo mediúnico, que precisa estar preparado, resguardado na prece 13 O DIRIGENTE DAS TREVAS
Esta é uma figura freqüente nos trabalhos de desobsessão. Comparece para organizações trevosas, ou seja, não expede ordens, nem as executa; limita-se a
observar, estudar as pessoas, sondar o doutrinador, sentir mais de perto os métodos estudar a problemática do caso e traçar os planos com extrema habilidade. Os
de ação do grupo, a fim de poder tomar suas “providências”. Foi geralmente um planejadores são elementos altamente credenciados e respeitados na
encarnado poderoso, que ocupou posições de mando. Acostumado ao exercício da comunidade do crime invisível.
autoridade incontestada, é arrogante, frio, calculista, inteligente, experimentado e Tivemos vários casos dessa natureza. Citarei um.
violento. Não dispõe de paciência para o diálogo, pois está habituado apenas a Apresentou-se mansamente. Nada de gritos, de murros ou de -violências. Sorria,
expedir ordens e não a debater problemas, ainda mais com seres que considera até. Era um sacerdote, dizia-se muito importante e foi logo declarando que não era
inferiores e ignorantes, como os pobres componentes de um grupo de desobsessão. dos que executam, pois em sua organização o trabalho era bem distribuído. Aliás,
Situa-se num plano de olímpica superioridade e nada vem pedir; vem exigir, ordenar, informou, pertencia a outro setor de atividade, mas havia sido convidado — e
ameaçar, intimidar. gentilmente acedeu, por certo — para dar “parecer” sobre o caso de que
Tais dirigentes são ágeis de raciocínio, envolventes, inescrupulosos, pois o poder estávamos cuidando, um complicado problema de obsessão. Consultara a lista de
de que desfrutam não pode escorar-se na doçura, na tolerância, na humildade, e sim “baixas” que a organização solicitante havia sofrido, entendendo-se por “baixa”,
na agressividade, na desconfiança, no ódio. Enquanto odeiam e infligem dores aos naturalmente, aqueles que se deixaram converter à doutrina do amor, através da
outros, estão esquecidos das próprias angústias, como se a contemplação do reeducação moral de que nos fala Kardec. Sente-se, evidentemente, muito
sofrimento alheio provocasse neles generalizada insensibilização. envaidecido de sua brilhante inteligência e do poder e satisfação que isso lhe dá.
Evitam descer do pedestal em que se colocam para revelar-nos seus problemas Sua meta: restabelecer o prestígio da Igreja, muito abalado nestes últimos tempos.
pessoais, mesmo porque, consciente ou inconscientemente, temem tais revelações, Acha que foi um mal sufocar o pensamento e não permitir que a razão imperasse
que personalizam os problemas que enfrentam e os colocam na “perigosa” faixa de na Igreja, que hoje estaria ainda dominando os homens. A certa altura, propõe um
sintonia emocional que abre as portas de acesso à intimidade do ser. acordo entre dois lideres: ele e eu. Digo-lhe, com toda honestidade, que não sou
Não são executores, gostam de deixar bem claro, são chefes. Estao ali somente líder e não tenho condições de negociar com ele; que procure meus superiores.
para colher elementos para suas decisões; a execução ficará sempre a cargo de Com o passar das semanas, ele verifica que o problema é mais complexo do
seus asseclas. Comparecem cercados de toda a pompa, envolvidos em imponentes que esperava, e se apresta a abandonar o caso, com o qual não pretende
“vestimentas”, portando símbolos, anéis, indicadores, enfim, de “elevada” condição. envolver-se, já que sua tarefa é noutra organização. Dar-nos-á uma trégua. Tem
Estão rodeados de servidores, acólitos, guardas, escravos, assessores, às vezes um momento de honesta candura, ou realismo, como queiram: acha-se um cínico,
“armados”, “montados” em “animais” ou transportados sob “pálios”, como figuras de pois sempre desprezou, mesmo “em vida”, aqueles que, em elevadas posições
grandes sacerdotes e imperadores. hierárquicas, consultavam a ele, simples mortal, valendo-se de sua brilhante
Um deles me disse, certa vez, que eu não o estava tratando com o devido respeito inteligência. É evidente, porém, que sente enorme satisfação ao recordar que, da
— o que não era verdadeiro — porque achava impertinentes minhas perguntas e sua “humilde” posição, manobrava os grandes, que lhe pediam conselhos e
comentários. Para me dar uma idéia da sua grandeza, informou-me que, quando se sugestões, porque já àquele tempo era um hábil articulador.
deslocava, iam à frente dele áulicos, tocando campainhas portáteis, para que todos Há um “post scriptum” a esta narrativa: a conversão deste companheiro
abrissem alas e soubessem quem vinha. representou uma perda irreparável para as hostes das sombras, porque os
Pobre irmão desorientado! Num irresistível processo de regressão de memória, impetuosos e agressivos chefes, e os executores teleguiados, sentem-se sem
invisível aos nossos olhos, mas de tremendo realismo para ele, contemplou, com condições de estudar meticulosa-mente e traçar friamente um plano de trabalho
horror, sua antiga condição: participara do doloroso drama da Crucificação do Cristo. que se desdobre como vasta e complexa operação de um xadrez psicológico. É
O impacto desta revelação, ou seja, desta lembrança, que emergiu, incontrolável, preciso prever reações, estudar personalidades, propor concessões e arquitetar
dos registros indeléveis do seu perispírito, deixaram-no em estado de choque e alternativas e opções, em caso de alguma falha ou mudança de condições
desespero, pois vinha nos afirmando, desde a primeira manifestação, que era um básicas. Nada pode ser deixado ao acaso, à improvisação, ao impulso. Por isso,
dos trabalhadores do Cristo e não desejava senão restabelecer o poderio da “sua” os planejadores gozam de enorme prestígio e respeito nas organizações trevosas.
Igreja. Pelas reações de irmãos, também desequilibrados, que se apresentaram
14 O PLANEJADOR posteriormente ao nosso grupo, para tratamento, soubemos da perda irreparável
Este é frio, impessoal, inteligente, culto. Maneja muito bem o sofisma, é excelente que representou, para as hostes da sombra, o despertamento desse
dialético, pensador sutil e aproveita-se de qualquer descuido ou palavra infeliz do companheiro. Seus comparsas compareciam dispostos a tudo para resgatá-lo,
doutrinador para procurar confundi-lo. Mostra-se amável, aparentemente tranqüilo e pois julgavam-no nosso prisioneiro. É preciso compreender bem tais reações. Os
sem ódios. Não se envolve diretamente com os métodos de trabalho das irmãos desorientados empenham-se em verdadeiras campanhas belicosas, nas
quais tudo vale e tudo é permitido, desde que os fins sejam alcançados. Formam trabalhadores do bem conferem aos planejadores. Daí o prestígio e o respeito que
suas estruturas organizacionais segundo as afinidades, por certo, mas, acima de esses brilhantes estrategistas gozam nas comunidades trevosas. Os líderes
tudo, segundo os interesses que tenham em comum. Para alcançarem os objetivos militares são bons na ação, mas quase nunca dispõem de condições para estudar
que têm em mira, organizam verdadeiro estado-maior de lideres brilhantes, meticulosamente e traçar fria-mente um plano de trabalho, que se desdobre como
experimentados e audaciosos. Toda campanha é estudada, planejada e executada vasta e complexa operação de um xadrez psicológico. Não estão lidando mais
com precisão militar e dentro de rigoroso regime disciplinar, onde não se admite o com dados concretos, como no tempo em que exerciam tais funções na Terra.
fracasso. Quem falhar perde a proteção de que desfruta, por achar-se ligado à Não basta preparar soldados e equipamentos, estudar o terreno, comprar
organização poderosa, que domina pelo terror impiedoso, destemido, agressivo, armamentos e entrar em ação. A tarefa é muito mais sutil, porque envolve
implacável. Eles sabem muito bem que, ao desligarem-se da organização, estarão inúmeros fatores imponderáveis, que subitamente emergem da imprevisível
sozinhos diante de seus próprios problemas pessoais. condição humana. É preciso prever tais reações, estudar personalidades, propor
Nessas estruturas rígidas, o planejador exerce função importantíssima, porque é concessões e arquitetar alternativas e opções, na eventualidade de alguma falha
dos poucos, ali, que conservam a cabeça fria para conceber os planos estratégicos ou mudança das condições básicas inicialmente articuladas. Nada pode ser
indispensáveis. Seus companheiros de direção costumam ser impetuosos homens deixado ao acaso, à improvisação, ao impulso.
de ação, que se entregam facilmente ao impulso desorientado de partir para a ação Há pouco, falava um desses líderes das trevas sobre a sofisticação da sua
pessoal isolada, se não tiverem quem os contenha dentro de um inteligente aparelhagem. Andaram gravando nossas reuniões em “video tape” — a
planejamento global, que proteja não apenas os interesses de cada um dos expressão é dele mesmo — para estudar-nos. Tinham nossas “fichas” completas,
componentes, isoladamente, mas também a segurança da organização. O minuciosamente levantadas, bem como gravações e relatórios a nosso respeito,
planejador é o poder moderador, dotado de habilidade bastante para demonstrar, e sendo esse material todo colhido na indormida vigilância que exercem sobre nós.
provar aos “cabeças-quentes”, que o interesse coletivo precisa sobrepor-se ao Depois de tudo documentado, estudam-nos em grupos de trabalho, cabendo,
individual, por mais forte que seja este. É preciso que cada componente da sinistra então, aos planejadores elaborar a programação da “campanha”. Mesmo
máfia espiritual compreenda que os casos pessoais de cada um — vinganças, enquanto conversam conosco, no decorrer da sessão mediúnica, acham-se
perseguições, conquistas de posições —passam a constituir objeto de cogitação ligados aos seus redutos, por fios e aparelhagem de transmissão, com o propósito
coletiva, e, como tal, têm que esperar a vez e a oportunidade, submetendo-se à de se manterem firmes, apoiados pelos companheiros que lá ficam, para que não
mesma estratégia: estudo, planejamento e ação, tudo a tempo e hora. Nada de sejam arrastados pela “fraqueza” da conversão ao bem. Esquecem-se de que, por
ações isoladas, atabalhoadas, que desperdiçam esforços e põem em risco a aqueles mesmos dispositivos, a conversa do doutrinador também é transmitida e
segurança da comunidade. Tudo se fará no tempo devido, e todos têm direito à produz lá, naqueles redutos, certos impactos, num ou noutro coração mais
utilização dos recursos da organização: seus técnicos, seus instrumentos, seus predisposto ao apelo do amor fraterno.
“soldados” e trabalhadores de toda a natureza. No interesse de todos, portanto, a *
coisa tem que funcionar com muita precisão e firmeza. O planejador é, pois, figura Um desses sutis planejadores nos causou impressão profunda. Não viera
importantíssima na ordenação dessas tarefas maquiavélicas. Sua perda acarreta especificamente para debater conosco, mas para tentar recuperar um Espírito que
uma desorientação geral. É difícil, senão impossível, para os companheiros que havíamos conseguido atrair e convencer de seus enganos. Ao incorporar-se no
permanecem na organização das sombras, admitir que alguém tão lúcido e brilhante médium, demonstra indisfarçável embaraço por encontrar-se ali. Hesita e
se tenha deixado convencer por um doutrinador encarnado. negaceia, parecendo estar realmente desarmado e perplexo. Aos poucos,
Como não conseguem admitir isso, somente podem concluir pela alternativa mais interrogado com prudência paciente, vai revelando sua história.
viável: o companheiro foi seqüestrado, violentado em sua vontade e levado Fora realmente apanhado desprevenido, pois não sabia que o grupo era aquele
prisioneiro para alguma perdida masmorra. É preciso reunir forças e desencadear e, se o soubesse, não teria vindo. É estranho que ignorasse isto...) Conhece o
uma ação fulminante para resgatá-lo. Por isso, logo após a perda de um elemento nosso mentor e, ao vê-lo, tentou recuar e voltar sobre seus passos, mas já era
importante — planejador ou executor —, fatalmente comparece ao grupo um tarde. Identifica, num membro encarnado do grupo, uma pessoa que teria
truculento representante das trevas, para levá-lo “de qualquer maneira”. É hora, conhecido na França, no século passado. É portanto, contemporâneo de Kardec e
então, da ameaça, dos gritos, dos murros, ou então, dos conchavos, das ofertas de não esconde que conhece a Doutrina Espírita, até mais do que nós, segundo
trégua. A essa altura, porém, já estão agindo à base do impulso emocional, que informa, sem falsa modéstia. Declara-se conselheiro e planejador da organização
nunca foi bom conselheiro, ainda mais em situações de crise. Équando mais à qual se acha filiado. Está convicto de que o Espiritismo precisa de uma “revisão”
precisam de um competente planejador. E o desespero de não tê-lo leva ao desvario, atualizadora e ele é um dos que colaborou no preparo de certa matriz (palavra sua)
que muitas vezes os deixa completamente desarvorados. Daí a importância que os que dará origem a uma forma “moderna” de Espiritismo. Essa matriz era
sustentada pelas emanações mentais de alguns companheiros encarnados, documentação errada. .. O engano foi, aliás, seu mesmo, porque o bedel lhe dera
atuantes no movimento e aos quais foi prometida uma fatia de poder. primeiro um dos processos, e ele, em tom áspero e imperioso:
Está perfeitamente consciente de suas responsabilidades e não deseja recuar do — Não é este, é o outro!
pacto feito com seus superiores, que prevê, para ele, uma substancial parcela de O “outro” era o dele!
poder e proteção para uma filha que estaria encarnada e muito assediada por Já me trouxeram também os autos do processo de minha “heresia”, como
Espíritos trevosos. Encaixo, a essa altura, um comentário, dizendo-lhe que nenhum também autos já arquivados, com sentença proferida, em caso que, segundo este
pacto a protegerá dos seus compromissos cármicos, com o que ele parece jurista invisível, eu havia apelado.
concordar com o seu silêncio. Afinal, admite que não fez acordo com a treva: ele é a
própria treva, e continua a sentir-se embaraçado diante de nós. 16 O EXECUTOR
Depois de uma longa conversa, meramente informativa, em que ele vai revelando Sente-se também totalmente desligado da responsabilidade, quanto às
sua história, parece tomar uma decisão mais drástica e começa a falar em altos atrocidades que pratica, pois não é o mandante; apenas executa ordens.
brados, a dar com as mãos na mesa, mas sinto nele falta de convicção. Usualmente, nada tem de pessoal contra suas vítimas inermes. Agasalham-se na
Deixo-o falar, para vazar a sua cólera, a sua frustração e o seu temor, até que ele crueldade agressiva e fria, sem temores, sem remorsos, sem dramas de
se acalma um pouco e começa a dar-me conselhos e fazer algumas confidências. consciência.
Está em crise. Lembra-se de passadas encarnações e da constante presença do Quantos deles encontramos nos trabalhos de desobsessão! São
Cristo em suas vidas, mas também das inúmeras vezes em que, a seu ver, traiu o remunerados das maneiras mais engenhosas e diversas, as que mais se ajustam
Mestre. Gostaria de voltar a ser um humilde galileu. Por fim, agarra as nossas mãos, à sua psicologia, aos seus vícios e às suas deformações.
chama-nos de amigos e nos adverte — agora com total sinceridade — dos riscos da Já vimos o exemplo do sacristão que era pago com suculentas refeições e
nossa tarefa, e parte, em pranto, orando ao Cristo. vinhos deliciosos. Há os que são compensados com prazeres mais vis. Outros são
Também a sua perda desencadeou sobre o grupo um processo de agressões estimulados a atos de particular “bravura”, com vistosas condecorações. Um deles
violentas e passionais. Ë difícil encontrar um bom planejador para repor uma “baixa” me exibia, com orgulho e frieza, uma preciosa condecoração por um gesto de
importante como essa... enorme dedicação à causa de seus mandantes: empenhara-se em castigar sua
própria irmã!
15 OS JURISTAS Outro, desses companheiros desarvorados, deixou-nos uma das mais
Muitas vezes nos encontramos com esses trabalhadores das sombras, tão comoventes lições, escrita, a princípio, com as sombrias cores do rancor, e depois,
compenetrados de suas tarefas como quaisquer outros. São os terríveis juristas do com as luminosas tintas do amor e da emoção.
Espaço. Empenhara-se num processo tenebroso e complexo, de obsessões violentas,
“Estes também — diz o artigo já citado, em “Reformador” de fevereiro de 1975 —, a serviço de um grupo que dispunha de vasto plano de atividade. Ao manifestar-se,
autoritários e seguros de si, exoneram-se facilmente de qualquer culpa porque, mal conseguia conter o seu ódio e a sua irritação. Revela sua elevada hierarquia,
segundo informam ao doutrinador, cingem-se aos autos do processo. Na sua ridiculariza, deblatera, ameaça e diz-se um dos trabalhadores do Cristo. Não se
opinião, qualquer juiz terreno, medianamente instruído, proferiria a mesma sentença teria dignado comparecer diante de nós, se não nos tivéssemos metido em coisas
diante daqueles fatos. Todo o formalismo processualístico ali está: as denúncias, os que não eram de nossa conta. Conhece-me de longa data: sempre fui um herético
depoimentos, as audiências, os pareceres, os laudos, as perícias, os despachos e, impenitente, metido a reformista. Seus “soldados” estão lá fora, à sua espera.
por fim, a sentença — invariavelmente condenatória. E até as revisões, e os apelos, Quando, sustentados por luminosos trabalhadores espirituais, começamos a
quando previstos nos “códigos” pelos quais se orientam (ou melhor, se conseguir dele alguma reação positiva, parece entrar em pânico e não consegue
desorientam).” ocultar certo temor, ele que sempre foi destemido homem de ação.
São também impessoais e frios aplicadores das “leis”. Ao cabo de algum tempo de diálogo, nas várias vezes em que compareceu ao
Um desses juizes deu-me a honra de trazer, para argumentar comigo, os autos do grupo, ofereço-me para ajudá-lo, em alguma coisa de que necessite. Pergunto-lhe
processo. Abriu sobre a mesa o caderno, invisível a mim, e começou a citar a lista de se não tem alguém a quem possamos servir.
crimes que o acusado havia cometido, desde o desencaminhamento de jovens É justamente isso que ele não entende: descobrira que, mesmo sem o saber,
inexperientes, até assassinatos. Só depois, pobre irmão, foi descobrir que estava estávamos já servindo, com todo o nosso afeto e dedicação, a um Espírito muito
lendo os autos de seu próprio processo! Trouxera consigo um servidor da sua equipe querido ao seu coração, que em antiga encarnação fora seu filho e que nunca
apenas para “carregar” os autos, coisa indigna de sua elevada condição de mais esquecera. Não podia compreender como estávamos ajudando o “menino”,
magistrado. Quando pediu ao contínuo que lhe passasse os autos, este lhe deu a a troco de nada, sem exigir coisa alguma, enquanto ele tudo fazia para perseguir-
nos. Aquilo era demais para a sua compreensão. Havia mais, porém. Descobrira que Os “religiosos” desorientados invocam também outras passagens, bem
os mais terríveis obsessores de seu filho eram precisamente os companheiros da escolhidas aos seus propósitos, como aquela em que o Cristo declara que não
sua própria organização! E, no entanto, treinara “soldados” para nos dar combate veio trazer a paz, mas a espada. (Mateus, 10:34.) Kardec tratou dessas questões
sem tréguas, a nós, que tanto nos esforçávamos por ajudar o filho... Era, de fato, no capítulo 23 de “O Evangelho segundo o Espiritismo”, ao qual deu o título de
incompreensível... “Estranha moral”. Ainda comentaremos tais problemas, quando cuidarmos
Passadas algumas semanas, obteve permissão para transmitir-nos uma especificamente das técnicas e recursos sugeridos para o trabalho de
mensagem de gratidão, de amor, de arrependimento. Consideramo-la uma das desobsessão.
coisas mais lindas e mais emocionantes que tivemos, ao longo de muitos anos de O grande problema desses queridos companheiros desarvorados é o poder.
prática mediúnica. Quando me lembro disso, ainda me parece ouvir sua voz Quase sempre exerceram, nas organizações religiosas a que se filiaram, vida após
pausada, embargada, sofrida, a chorar o tempo perdido, a ausência do filho amado, vida, posições de mando e destaque. Estão acostumados a dominar os outros,
que não lhe era possível nem visitar, mas que deixava aos nossos cuidados. Estava não a si mesmos, pois tudo se permitem, desde que os objetivos que escolheram
de partida para uma nova encarnação, que se prenunciava de muitas dores e sejam alcançados. Constituem equipes imensas, que se revezam na carne e no
renúncias, como ele precisava, para o reajuste. Sustentava-o a esperança de um mundo espiritual, mantendo estreito intercâmbio, porque também se revezam no
reencontro alhures, no tempo e no espaço, um dia... um dia... poder, aqui e lá, e, por isso, suas organizações sinistras e implacáveis parecem
Assim são eles, pobres irmãos desorientados. Não nos impressionemos com a eternizar-se no comando de vastas massas humanas, encarnadas e
sua violência e agressividade. Trazem dores milenares e, a despeito de si mesmos, desencarnadas.
preservou-se em seus corações a pequenina chama do amor. Basta um sopro de O intercâmbio, à noite, quando se acham parcialmente libertos os encarnados,
compreensão e afeto para que ela se reacenda. é intenso. Realizam-se reuniões, para debate, estudo e planejamento. André Luiz
nos dá uma pequena amostra dessa atividade em “Libertação”, no capítulo
17 O RELIGIOSO “Observações e novidades”.
É impressionante a elevada participação de transviados “religiosos” no trágico e — “Não mediste, ainda — diz Gúbio, o instrutor —, a extensão do intercâmbio
doloroso desfile de Espíritos em lamentável desequilíbrio, nas sessões de entre encarnados e desencarnados. A determinadas horas da noite, três quartas
desobsessão. Multidões de ex-prelados debatem-se, no mundo póstumo, em partes da população de cada um dos hemisférios da Crosta Terrestre se acham
angústias e rancores inomináveis, que se arrastam, às vezes, pelos séculos. nas zonas de contacto conosco e a maior percentagem desses semilibertos do
Apresentam-se, quase sempre, como zelosos trabalhadores do Cristo, corpo, pela influência natural do sono, permanecem detidos nos círculos de baixa
empenhados na defesa da “sua” Igreja. São argutos, inteligentes, agressivos, vibração qual este em que nos movimentamos provisoriamente (1). Por aqui,
violentos, orgulhosos, impiedosos e arrogantes. Parece terem freqüentado a mesma muitas vezes se forjam dolorosos dramas que se desenrolam nos campos da
escola no Além, pois costumam trazer os mesmos argumentos, a mesma teologia carne. Grandes crimes têm nestes sítios as respectivas nascentes e, não fosse o
deformada, com a qual justificam seus impulsos e sua tática. Têm os seus temas trabalho ativo e constante dos Espíritos protetores que se desvelam pelos homens
prediletos, como a cena da expulsão dos vendilhões do templo, que invocam como no labor sacrificial da caridade oculta e da educação perseverante, sob a égide do
exemplo de que a violência é, às vezes, necessária e justificável, esquecendo-se, Cristo, acontecimentos mais trágicos estarreceriam as criaturas.”
deliberadamente, das motivações daquele gesto: a vergonhosa comercialização das Prestaram bem atenção? Três quartos da população encarnada na Terra, ou
coisas sagradas e a indústria do sacrifício de pobres animais inocentes. O gesto não seja, três pessoas em cada quatro, isto é, 75 por cento! André não fala
é gratuito, nem fica sem explicações. especificamente de reuniões promovidas por religiosos, mas estas são ativas,
— Ao mesmo tempo — escreve Mateus (21:13) — os instruía, dizendo: Não está freqüentes e tenebrosas. Comparecem, investidos de enorme autoridade, aqueles
escrito: “Minha casa será chamada casa de oração, por todas as nações? que a conquistaram pela ardilosa sagacidade, pela prepotência e total desinteresse
Entretanto, fizestes dela um covil de ladrões!” pelos aspectos éticos das questões envolvidas. Ai daquele que se intromete em
A esse comércio vil, estavam associados os próprios sacerdotes. Muitos daqueles seus afazeres e tenta impedir a realização de seus planos criminosos! precisa estar
cambistas e negociantes não passavam de meros “testas-de-ferro” dos donos da muito bem preparado, vigilante, guardado na prece e assistido por Espíritos do
verdade... e do dinheiro. Emmanuel informa, em “Paulo e Estêvão”, que Zacarias, o mais elevado teor vibratório.
protetor de Abigail, conseguiu, mediante influência de certo Alexandre, parente Ao longo de muitos séculos de intriga política, e do exercício da opressão e da
próximo de Anás, “incluir-se entre os negociantes privilegiados, que podiam vender intimidação, esses pobres “ministros de Deus”
animais para os sacrifícios do Templo”.
(1) A organização visitada, enorme cidade das trevas, era dirigida por um ex-papa, Na sessão seguinte compareceu um sacerdote. Tinha forte sotaque alemão e
cuja libertação é o tema central do livro. era o “guia espiritual” do nosso companheiro encarnado, então sob tratamento em
nosso grupo. Viera em busca da filha que desaparecera, precisamente a moça da
desenvolveram apurada técnica de trituração. Dispõem de recursos extremos e semana anterior. Pobre irmão desgovernado! Ignorava que ela estava sendo
não hesitam em empregá-los, desde que atinjam seus fins. vergonhosamente explorada pela mesma “organização” a que ele servia!
Conservam, no mundo espiritual, seus paramentos, suas jóias e todos os símbolos Dizia Paulo que tudo nos é lícito, mas nem tudo nos convém; para estes irmãos
de suas posições. Vivem em “construções” suntuosas e soturnas, sentam-se em religiosos transviados, tudo convém, seja lícito ou não, desde que os ajude a
“tronos”, cercam-se de áulicos prontos a executar-lhes o menor desejo. Celebram alcançar seus objetivos. E assim, misturam os conceitos de uma deformada
suas missas pregam sermões, mantendo um ritual pomposo e meramente exterior, teologia com os ritos da magia negra e com as técnicas da hipnose e da
tal como faziam aqui na Terra. magnetização, realizando verdadeiras lavagens cerebrais, provocando pavorosas
Uma jovem desencarnada, de quem cuidamos certa vez, nos contou, com penosa desfigurações perispirituais, desencadeando processos obsessivos penosíssimos.
ingenuidade, que vivia alegremente, na irresponsabilidade da sua inconsciência. Uma das infelizes criaturas a que atendemos certa vez, nos contou a seguinte
Ligara-se a um ser encarnado, a quem estávamos interessados em ajudar, aliás, história: numa existência anterior, fora traída por uma mulher. Localizando esta
sem que ele o soubesse. Comparecia uma vez por semana à presença do nosso agora, em outra vida — não ficamos sabendo se casada com o seu antigo marido
amigo encarnado e o induzia aos desatinos dos sentidos desgovernados, —, atormentava-a livremente, com rancor e consciência tranqüila, porque um
participando, certamente, dessas orgias. Era “remunerada” com “roupas” luxuosas e sacerdote, seu amigo, a perdoava e a estimulava a prosseguir na sua deplorável
bonitas e, evidentemente, gostava da sua tarefa. Totalmente teleguiada, era simples tarefa.
instrumento sob o poder implacável de seus senhores. Há, também, entre eles, os ex-inquisidores. Ainda rancorosos, mais fanáticos do
Agindo sob hipnose, atuava precisamente naquilo que constituía o principal que nunca, mantêm os mesmos processos de tortura e de encarceramento, em
problema do companheiro encarnado: sexo. Encontrava-se muito bem preparada medonhas masmorras infectas. Quantos companheiros não socorremos,
pelos seus ínstrutores. Quando eu lhe disse que era mero instrumento em mãos apavorados, roidos pelos ratos, enceguecidos pelas trevas, ainda sentindo as
alheias, ela respondeu que não, pois gozava de inteira liberdade. Não é maldosa, é sensações de estrangulamento, carregando correntes imaginárias, com os olhos
irresponsável e perturbada. Conta que “ainda ontem, na missa, Monsenhor falou que ou a língua arrancados, mortos a fome, tuberculosos, desmembrados, alienados,
era preciso evitar o aguilhão”. Sabem, assim, que se sairem dali, por fuga ou atoleimados, muitos sem condições sequer de chorar...
fraqueza, encontrarão o espectro temido da dor, as lágrimas, o desespero. Enquanto Todo esse arsenal alucinante de opressão e miséria tem como suporte uma
estão ali, têm diversões, prazeres, vestidos bonitos e até mesmo os “tranqüilizantes” teologia que lhes é própria. Seus artífices não ignoram as verdades contidas na
psicológicos para a consciência atormentada, porque ex-sacerdotes fanatizados e Doutrina Espírita, nem têm como negá-la, diante do que sabem, mas justificam
duros ministram-lhes “sacramentos”, levam-nas às missas que celebram e suas atrocidades com frases estereotipadas, sempre as mesmas, no fundo,
absolvem-nas dos pecados que porventura tenham cometido. É, sem dúvida, um embora variadas na forma. Sim, reconhecem, é verdadeira a doutrina da
plano maquiavélico, com o qual ex-”ministros de Deus” conseguem manipular, à reencarnação, por exemplo. A Igreja a admite há muito tempo, dizem, mas
vontade, pobres inocentes úteis que lhes caem sob o poder. A despeito de seus conserva tais conhecimentos limitados a uma elite pensante, pois essas
desvairamentos, sinto-a interiormente ingénua, quase pura. Poderia ser minha filha, informações não devem ser transmitidas à massa popular. Um dia, quando
digo-lhe, e ela responde que, se eu fosse seu pai, ela não teria coragem de vir me conseguirem restaurar todo o poderio da Igreja, esses conhecimentos serão
ver. Aproveito o ensejo para dizer-lhe que, nesse caso, não anda fazendo boas liberados e o Evangelho do Cristo será novamente pregado tal como é, ou seja,
coisas, como alega, o que parece impressioná-la. Nesse ponto, ela me confessa que como eles entendem que seja. Um deles me declarou, certa vez, que existe,
veio escondida. “Eles” não podem saber... pronta, uma nova versão do Evangelho, cuidadosamente preparada, para ser
— Portanto — digo-lhe eu — você não tem liberdade, como disse... lançada no momento oportuno. Esse momento é sempre o mesmo: quando
Mais um argumento que ela intimamente reconhece legítimo. Mas, prossegue, restabelecerem novamente o domínio total sobre a Humanidade, tal como no
tagarelando inconseqüentemente, para dizer que “quando eu vou lá, todas se passado, em que era honra concedida aos reis beijarem os pés dos Papas.
escondem”. Enquanto isso, tramam, envolvem, planejam e executam, com a cumplicidade
Por fim, faço uma prece e ela se sente perdida, sem saber o que fazer. Vê uma de muitas fraquezas humanas, próprias e alheias.
jovem serena e bela que a chama, mas ela teme e hesita; acaba cedendo e parte É claro, pois, que o alvo de preferência de suas investidas é o Espiritismo, que
com ela. muitos combateram “em vida” e que prosseguem combatendo, com redobrado
ardor, quando se passam para o mundo póstumo. Os grupos espíritas de trabalho
mediúnico interferem direta ou indiretamente em seus planos. Muitas vezes, tais meu espírito sedento. Quando daqui regressei, meus irmãos, o Infinito como que
grupos se envolvem em autênticos vespeiros, ao tentarem ajudar companheiros se havia transmudado e novo cenário se me deparou. A coorte dos que me
encarnados ou desencarnados, sob o guante de terríveis obsessões. É que, em não acompanhavam, cabisbaixa e encolhida num recanto, demonstrava a sua
poucas oportunidades, os obsidiados são peças importantes no complexo jogo de contrariedade pelos efeitos que a minha visita produzira em meu espírito.” (1)
xadrez das sombras. Verdadeiras batalhas travam-se em torno de determinadas Fora daqueles que, “em vida”, segundo suas próprias declarações na sessão
figuras humanas, e os grupos que intentam salvá-las das suas aflições precisam anterior, “procurara, juntamente com outros dignitários da sua Igreja, meios de
estar realmente bem preparados, ou serão impiedosamente esmagados pela conseguir que cessassem as atividades da Federação, na propaganda do
agressividade dos poderosos dirigentes das trevas. Espiritismo, pelo considerar falsa e errônea essa doutrina, prejudicial ao
Por outro lado, o movimento espírita moderno, especialmente no Brasil, conta com Catolicismo”. Era, agora, socorrido exatamente na organização que tentara fazer
enorme quantidade de antigos sacerdotes, arrependidos de seus desatinos calar.
passados, procurando, em nova encarnação, lavar as manchas de crimes Note-se, também, em sua comunicação, a referência à coorte dos que o
hediondos que cometeram. Para os antigos comparsas, no entanto, são trânsfugas seguiam e ao desapontamento em que ficaram, ao ver o bravo cardeal render-se
desprezíveis, que espontaneamente àqueles que todos consideravam como adversários, que não
cumpre esmagar, apóstatas que têm de destruir, heréticos que precisam calar, a mereciam piedade nem consideração.
todo custo. De outro cardeal desencarnado ouvi, certa vez, a lamentosa queixa do
Quantos me têm interpelado, com as mais terríveis invectivas! Um deles, arrependimento, não pelo combate ao Espiritismo, mas pelo que deixara de fazer
conhecendo meu passado, tanto na Igreja Católica como na Protestante, me disse, de bom, quando dispunha de tantos recursos e poderes, em virtude do íntimo
com ódio e desprezo: conhecimento dos bastidores políticos da Igreja.
— Protestante e espírita, dois porcos num só... Comovente, porém, são as pequenas manifestações anônimas, em serviços
Outro, fanático e não mau, buscava-me há mais de quatro séculos, pois da última preciosos, de que somente tomamos conhecimento por via indireta. Um dos
vez em que fomos companheiros, éramos sacerdotes católicos, antes ainda da poderosos “Príncipes da Igreja”, impetuoso e arrogante, que nos tratava com
Reforma Protestante. superior condescendência, foi acolhido por um velho e humílimo criado de quarto,
Outros se empenham em “recuperar-nos”, seja com ameaças, seja com que o servira nos seus dias de glória.
promessas sedutoras ou barganhas inaceitáveis. *
A esta altura, o leitor, algo impressionado, estaria perguntando se não há Muitas são as lições dolorosas que nos ministram os dramas vividos por esses
sacerdotes de boa índole, no mundo espiritual. Certamente que sim, e, graças a pobres irmãos que insistem em declarar-se trabalhadores do Cristo. Examinando
Deus, em grande número; com muito mais freqüência, porém, entre aqueles que suas tendências, estudando suas atitudes e pronunciamentos, creio que
foram pequenos e humildes servidores da Igreja, conscientes das grandezas do poderíamos identificar duas posições básicas, neles: ambição e fanatismo.. Às
Evangelho de Jesus. São eles os serenos párocos de aldeia, monges e frades que vezes, a ambição e o fanatismo parecem coexistir no mesmo Espírito, mas
se dedicaram à caridade e ao serviço ao próximo. São muitos os que rapidamente ocorrem, também, separadas. Os ambiciosos desejam o poder, o exercício
se adaptam às condições do mundo espiritual, onde não encontram nem o céu de
gozos inefáveis, nem o inferno aterrador, nem tampouco o purgatório lendário, mas (1) “Trabalhos do Grupo Ismael”, vol. julho/1939 a dezembro/1940. Compilação
apenas as condições que criaram para si mesmos. Alguns dos mais destacados do Dr. Guillon Ribeiro, edição da FEB, 1941, página 137.
membros da hierarquia eclesiástica também vencem, com surpreendente brevidade,
o período de perplexidade em que mergulham com a desencarnação. da autoridade. Não sabem viver sem mandar, sem oprimir, sem impor sua
Um deles, manifestado no Grupo Ismael, declara, na sua segunda comunicação: vontade e suas idéias.
— “É estupenda a metamorfose que se operou no meu Espírito, desde a visita que Movem-nos ambições desmedidas, sustentadas e impulsionadas pela filosofia
vos fiz. Extraordinário fenômeno, capaz de confundir a inteligência mais atilada e a da restauração da “verdadeira” Igreja do Cristo. Quantos deles não nos têm
criatura melhor provida de conhecimentos teológicos e profanos. Estupenda, confessado sua impaciência e irritação ante a desagregação da autoridade da
grandiosa, diria mesmo fenomenal, é a obra em que colaborais, vós outros, homens velha organização eclesiásfica terrena! Não é essa a imagem da Igreja com que
terrenos, malquistos pela sociedade perversa dos vossos dias. Medito e considero: sonham. Querem-na forte, poderosa, autoritária, incontestada, ditatorial, como nos
eu, servidor da Igreja, elevado à mais alta dignidade eclesiástica, na Terra de Santa tempos idos; não essa aí, que está sempre recuando e entregando-se, como se
Cruz, venho entre vós, criaturas simples, na maioria sem grande preparo intelectual, acuada. No mundo espiritual em que vivem, conservaram os modelos medievais,
beber da água da vida que o ensino da Igreja romana nunca pôde proporcionar ao
com todo o seu cortejo de vícios, Só lhes resta reimplantar esses modelos entre os
encarnados, repondo a esclerosada organização terrena no seu antigo “esplendor”. 18 O MATERIALISTA
É certo que, para esses objetivos, encontram apoio nos mais insuspeitados setores
da atividade humana, tanto aqui, como no mundo espiritual. Para isto, ligam-se a Este não constitui problema difícil, no trabalho de esclarecimento. Viveu, na
Outros poderosos do passado, com os quais celebram pactos sinistros de apoio carne, convicto de que além da matéria nada existe; de que, além da morte, só há
mútuo, para partilharem do vasto bolo do poder, se e quando o reconquistarem. É o silêncio e a escuridão do não-ser. Às vezes, tais posições foram meramente
comum encontrarmos, entre os desencarnados, sacerdotes de elevada hierarquia filosóficas, isto é, platônicas. A despeito da descrença em qualquer tipo de
eclesiástica, perfeitamente entrosados com antigos governantes leigos que se realidade póstuma, não foram intrinsecamente maus, apenas desencantados,
revelaram indiferentes às questões puramente religiosas ou francamente hostis ao indiferentes, desarvorados intimamente, embora, na aparência, seguros e
movimento cristão, que alguns deles chegaram mesmo a combater tenazmente, tranqüilos. São mais acessíveis, e mais prontamente aceitam a nova realidade.
quando de suas passagens pela carne. Não importa. Desde que constituam bons Outros, porém, são daqueles que, descrentes da vida espiritual, entregaram-se
parceiros na conquista das posições, as tenebrosas alianças realizam-se. de corpo e alma ao culto desenfreado da ma téria. Ao contrário dos teóricos do
Quanto aos fanáticos, nem sempre são ambiciosos, no sentido da disputa do materialismo, estes são os que o praticam, em todos os sentidos. Disputaram
domínio político. Estão convencidos de que sua forma de pensar é a Única certa, fortunas a ferro e fogo, intrigando, matando, se preciso fosse, promovendo
com exclusão de todas as demais. Combatem o Espiritismo, não tanto porque negociatas, roubando, falsificando, ao mesmo tempo em que se deixaram arrastar
desejam posições de mando, mas porque o consideram uma odiosa heresia. No pelo sensualismo pesado, que avilta todos os sentidos e anestesia cada vez mais
fundo, o fanático puro serve de instrumento ao ambicioso, pois este não se interessa as faculdades e a sensibilidade. Para estes, nada é sagrado, nada importa, senão
pelo pensamento religioso em si, e sim pelo poder que uma teologia deformada e a satisfação de suas ambições, de seus desejos, de suas vontades.
bem manipulada pode proporcionar. A objetiva realidade da vida póstuma põe-nos em estado de total confusão.
Muitos desses Espíritos repetem incessantemente seus enganos por séculos a fio, Alguns deles, endurecidos nas suas convicções, continuam a viver no mesmo
buscando sempre os núcleos do poder, quaisquer que sejam as crenças em que se clima de maquinações e articulações, ainda presos aos seus interesses terrenos,
apóiam. Foram hierofantes de decadentes cultos egípcios, por exemplo; repetiram a perseguindo aqueles encarnados e desencarnados que se atravessaram no seu
experiência, como sacerdotes judeus, e voltam a insistir, como prelados católicos, caminho. Geralmente desejam a volta à carne, pois somente nela se sentem
sempre disputando posições de relevo, de onde possam manobrar. Para que essas relativamente felizes, não apenas pelo esquecimento de suas misérias íntimas,
mudanças tão radicais de posição teológica não os incomode, condicionam-se a um mas porque lhes proporciona os prazeres mais grosseiros a que se habituaram.
esquecimento das antigas circunstâncias, para não terem que enfrentar Em outros, o choque desperta para uma condição que eles não poderiam
conscientemente uma realidade estranha, como a de declararem-se em luta pela jamais admitir sem o impacto da desencarnação. Quando incorporados aos
restauração da Igreja do Cristo, quando toda a sua atividade e todas as suas médiuns, embora confusos, a princípio, acabam por reconhecer que continuam
verdadeiras convicções são um desmentido formal à doutrina de amor contida nos vivos depois da “morte”, pois estão pensando e falando, vendo e sentindo, através
Evangelhos. Às vezes, despertam para a realidade, ante o impacto traumático de de um corpo que, evidentemente, não é o seu. Lembram-se das doenças que
revelações que dormitavam em seus indeléveis registros perispirituais, como aquele tiveram, mas se recusam a admitir que “morreram”, porque isto implicaria
imponente “servidor” do Cristo que acabou descobrindo que participara reconhecer que o materialismo que professavam éinteiramente falso. A relutância
pessoalmente do drama da cruz... Outro ajudou a apedrejar Madalena... Um terceiro é, ainda, vaidade. Preferem continuar negando, por algum tempo, do que
lamentava ter queimado uma santa. Seria Joana dArc? admitirem, honestamente, que foram ludibriados por sua própria descrença na
Todos esses sabem muito bem por que fogem às lembranças do passado: é que verdade superior.
as recordações arrastam-nos, inapelavelmente, a enfrentar suas próprias É preciso conduzi-los com tato e paciência. A súbita e inoportuna revelação da
contradições íntimas, suas hipocrisias, seus desvios, suas fraquezas. O nova condição em que se encontram, poderá colocá-los em lamentável estado de
esquecimento deliberado e auto-induzido é uma fuga, um esconderijo. Enquanto choque emocional. Temos que compreender que é difícil àquele que não acredita
estão ali, acham-se abrigados da dor. Por isso, não estão interessados, na sobrevivência admitir que, a despeito da descrença em si mesmo, ele
especificamente, nesta ou naquela teologia — o que importa é a ação, o poder. No sobreviveu.
fundo, sabem muito bem que não são trabalhadores do Cristo, mas há tanto tempo Em “Reformador” de setembro de 1975, no artigo “Lendo e Comentando”, está
se condicionaram a essa atitude, que acabam por se convencer da sua relatado um caso desses, tratado com extrema habilidade e carinho por uma
autenticidade. É preciso um impacto mais violento para desalojá-los de suas terríveis excelente doutrinadora inglesa. O Espírito, por nome Tom, vivera agarrado aos
auto-ilusões. seus bens e, especialmente, ao seu ouro, e, na sua imaginação, continuava a
manipular as moedas, no mundo espiritual, totalmente desligado da nova realidade Segundo diz, há muito me segue e tem vontade de dizer algumas verdades na
que vivia. Aos poucos, vai sendo conduzido a admiti-la. minha cara, porque ainda tenho muito do homem velho, com o que concordo
plenamente. Não sabe por que não as diz, pois está certo de que, se isso
19 O INTELECTUAL acontecesse, naquela mesma noite o grupo estaria liquidado. (Está, certamente,
Nem sempre é materialista. A escala cromática aqui é ampla e variada. sentindo os controles do médium.) Fala do cerco que me vem fazendo, até
Encontramo-los de todos os feitios, variedades e tendências. Há-os descrentes, mesmo nas minhas atividades profissionais, e refere episódios verídicos, para
indiferentes, materialistas, espiritualistas, religiosos ou não. Foram escritores, demonstrar sua familiaridade com o que diz respeito à minha vida particular.
sacerdotes, artistas, poetas, médicos, advogados, nobres, ricos, pobres. Quase Conclui dizendo que, há tempos, quase conseguiram derrubar-me. (Há sempre
sempre se deixaram dominar por invencível vaidade, fracassando na provação da um quase, na bondade infinita de Deus, quando nos empenhamos na tarefa
inteligência. abençoada de servir.)
No binômio cérebro/coração, no qual o homem deve buscar equilíbrio, deixaram Ao cabo de longa conversa, despede-se, algo sonolento, mas firme nas suas
disparar na frente um dos componentes, em sacrifício do outro. Brilhantes, demoram- convicções. Oro por ele durante toda a semana e, na reunião seguinte, ele volta.
se na doce e venenosa contemplação narcisista da própria inteligência, fascinados Não está mais tão irônico e seguro de si, como da primeira vez. Perdeu a
pelos seus mecanismos, sua engenhosidade e os belos pensamentos que aparente serenidade, revelando-se profundamente irritado, furioso mesmo,
produzem. Julgam-se geniais — e muitas vezes o são mesmo. São bons ameaçador, agressivo, impaciente. Deve ser por causa da perda do valoroso
argumentadores e, quando movidos para objetivos bem definidos, tornam-se companheiro que na semana anterior o advertira, quando me chamou de débil
verdadeiramente difíceis de serem despertados, pois se acham solidamente mental e que, com a graça de Deus, conseguimos despertar.
convencidos do poder e da força das suas próprias fantasias, suas doutrinas, seus Declara-se um líder, e que, se eu tivesse visão espiritual, veria que todos os seus
sofismas e suas auto-justificações. companheiros estão ali, atrás dele, como um bloco. Estão prontos e dispostos a
Vemo-los, às vezes, na condição de ex-sacerdotes também, como exímios desencadear a luta. As ameaças são terríveis, mas sinto-o mais desesperado do
criadores de tais sofismas. Estudaram profundamente os Evangelhos e a teologia que rancoroso. Diz que transpusemos todas as barreiras e que é preciso um basta
ortodoxa. Leram os seus filósofos, escreveram tratados, pregaram sermões final.
belíssimos, do ponto de vista literário, e tanto consolidaram suas construções, que Enquanto conversamos, outro médium do grupo avisa-me que ouve bimbalhar
acabaram acreditando nelas. São estes que constituem o diálogo mais difícil para o de sinos e, em seguida, sons de órgão. Ele também ouve, mas recusa-se a
doutrinador. Não se exaltam, nem dão murros. Parecem, mesmo, suaves e reconhecer a situação, que, obviamente, teme, e insiste em retomar o debate
tranqüilos. Têm respostas prontas e engenhosas para tudo, fazem perguntas bem filosófico-religioso. É a fuga desesperada ante toda e qualquer aproximação da
formuladas, procurando confundir, para desarvorar o interlocutor. emoção, que não seja o frio jogo de palavras a que está habituado e que o
Ao cabo de algum tempo de observação atenta, descobrimos que o anestesia espiritualmente.
intelectualismo é como qualquer outra forma de fuga; é também um esconderijo, De vez em quando, dirige-se, irritado, a alguém invisível, que lhe cita trechos
para o Espírito que reluta em enfrentar uma realidade dolorosa. evangélicos. Em uma dessas, diz, nervoso:
Se conseguirmos restabelecer o vínculo, que sempre deverá existir, entre cabeça e — Eu sei. 4:19, Primeira aos Coríntios. (1)
coração, estaremos a caminho de ajudá-lo. Narrarei um caso prático, para ilustrar o Segundo me diz o outro médium, a música prossegue a vibrar dentro dele. A
que desejo dizer com isso. essa altura, ele começa a apalpar o seu médium: a face, os olhos e o corpo,
O companheiro apresentou-se irônico, aparentemente muito seguro de si. É culto, demorando-se nas mãos. Começa sutilmente a crise. Ele conclui, em voz alta, que
inteligente, bom sofista, versado em filosofia, em teologia e até mesmo nos textos são mãos de um organista (que o médium foi, realmente, em antiga encarnação,
evangélicos, que cita com a maior facilidade e propriedade. Conversamos na Alemanha). Pouco depois, ainda irritado, ante minha evidente falta de acuidade,
longamente, e ele não perde oportunidade de ridicularizar-me, ante minha pobreza diz-me que é cego! E mesmo assim domina, é um líder!, informa, satisfeito consigo
intelectual e cultural. Num momento de incontida irritação, chama-me de débil mental mesmo. Sinto por ele uma compaixão infinita e me dirijo a ele com ternura, como
e idiota, mas logo se contém, ao ser chamado àatenção por um companheiro se a pedir-lha que me perdoe por não ter notado isso antes. Pergunto se permite
desencarnado de mais elevada hierarquia, como depois verificamos. que tentemos curá-lo, e ele recusa energicamente.
Mesmo com a voz pausada, deixa escapar suas terríveis ameaças, dizendo que A essa altura, não consegue mais evitar que a música domine todo o seu ser.
nosso barco vai virar e seremos empurrados para o fundo, com barco e tudo. Fala sobre acordes que lhe causam verdadeiros choques. A crise aprofunda-se e
— Dessa vez — diz ele — não vai ser fácil. Você vai cair do galho, macaco! ele ouve agora, irresistivelmente, a música sublime de um organista incomparável.
Tenta desesperadamente fugir dela, tapa os ouvidos, bate com os cotovelos na Casos tremendos e persistentes de obsessão vingativa resultam de amores
mesa, cantarola uma canção, e diz a si mesmo: frustrados, traidos ou indiferentes. Paixões irrealizadas ou aviltadas despertam os
— Reaja, frouxo! mais profundos sentimentos de revolta. De outras vezes, são crimes horrendos,
Mas a torrente daquela música divina, que ele tem o privilégio de ouvir, arrasta-o como assassinatos, espoliações, desonras, difamações, iniqüidades de toda sorte.
irresistivelmente. Segundo me informam O vingador é aquele que tomou em suas mãos os instrumentos da justiça divina.
Não confia nela, ignora-a ou não tem paciência de esperar por ela. Não sabe,
(1) “Mas, Irei logo onde estais, se for da vontade do Senhor; o então, ainda, que o reajuste virá fatalmente, através da lei de causa e efeito. Todo aquele
conhecerei, não a palavra desses orgulhosos, mas o seu poder.” que fere com a espada, há de ser ferido por ela, segundo nos advertiu o Cristo. É
certo, porém, que chegado o momento do resgate, a lei não exige que alguém —
do mundo espiritual, ele costumava ouvir os recitais sempre do mesmo lugar, na seja quem for — tenha que empunhar a espada para ferir o irmão devedor. Pode
terceira fila à direita. Digo-lhe isso, enquanto ele parece também reconhecer, daquele dar-se muito bem que ele se fira acidentalmente, caindo sobre um instrumento, por
tempo, o seu médium atual. exemplo, ou morrendo numa intervenção cirúrgica, em princípio destinada a
Por fim, graças a Deus, a emoção daquela música inesquecível domina-o preservar-lhe a vida e, portanto, sem nenhuma intenção de cortar o fio que
inapelavelmente. Está arrasado e murmura: mantém unidos corpo físico e perispírito.
— Ele é um monstro... Tudo nele é grande.. - Em mensagem transmitida a Francisco Cândido Xavier, o “Irmão X” narra um
Refere-se, por certo, ao organista que, do invisível, toca para ele neste momento. episódio desses, em que uma atrocidade praticada no ano 177, ao tempo de
Logo a seguir, começa a chorar, vencida pela emoção que há tanto sufocou em seu Marco Aurélio, veio a ser cobrada pela lei, na tragédia de 17 de dezembro de 1961,
coração generoso. A música que ele amava, e compreendia como poucos, foi o na cidade fluminense de Niterói. As simetrias são perfeitas. Não faltou um só
instrumento sutil que a misericórdia divina utilizou para restabelecer o perdido elemento nessa cobrança coletiva e despersonalizada. Aqueles que ajudaram a
contacto entre coração e mente, que andavam divorciados. promover o dantesco episódio de Lyon, há quase dezoito séculos, reuniram-se no
Trato-o com infinito carinho e amor fraterno, e quando lhe peço perdão pela dor circo de Niterói. As mesmas correrias, o mesmo atropelo, a mesma passagem
que lhe causamos naquela crise necessária, ele retruca, entre irritado e confuso: estreita por onde alguns escaparam ao inferno. (1)
— Não peça perdão, seu tolo! Tivemos, certa vez, um caso de vingança que muito nos marcou. Alguém nos
Em seguida parte, ainda em pranto e com a visão recuperada. pedira ajuda espiritual para uma jovem em constante estado de revolta, angústia e
desajuste. Colocamos seu nome em nosso caderno de preces e aguardamos.
20 O VINGADOR Sem muita demora, duas ou três semanas após, compareceu ao grupo o Espírito
Vingar-se é ir à forra, punir alguém por aquilo que fez ao vingador e, por isso, indignado de seu perseguidor, e a história desenrolou-se. Fora seu esposo
vingança é uma palavra-chave nos trabalhos de desobsessão e esclarecimento.
Aquele que se dedica a essas tarefas, precisa estudá-la a fundo, suas origens, suas (1) “Tragédia no Circo”. “Reformador” de março de 1962.
motivações, seus mecanismos e as soluções que lhe estão abertas.
É preciso entender o vingador e aceitá-lo como ele se apresenta, se é que em antiga existência, na Idade Média. Eram gente abastada e provavelmente da
pretendemos ajudá-lo, pois ele é, antes de tudo, um prisioneiro de si mesmo, através nobreza, pois viviam num castelo. Seu drama é que, segundo ele, todos os dias,
da sua cólera e da sua frustração. Sua maior ilusão é a de que a vingança aplaca o através dos séculos decorridos, à mesma hora, ele abre determinada porta, já
ódio, quando, na realidade, o alimenta e o mantém vivo. Sua lógica é, ao mesmo sabendo o que vai encontrar: a cena inesquecível do flagrante de traição. Matou-a
tempo, fria e apaixonada, calculada e impulsiva, paciente e violenta, e sempre e suicidou-se, segundo os deformados “códigos de honra” daquela época. No
implacável. Envolvido no seu processo, ele nem sequer admite o perdão, e é capaz entanto, a tragédia, longe de pacificar seu coração ou aplacar seu rancor, ainda
de perseguir sua vítima através de séculos e séculos, ao longo de muitas vidas, tanto mais o exacerbou, porque sofreu horrores, não apenas por causa do assassinato
aqui, na carne, como no mundo espiritual. da esposa, como, também, em razão do horrendo crime do suicídio. As dores que
Quase sempre a vingança desdobra-se a partir de um caso pessoal, mas é se seguiram consolidaram seu ódio, e, desde então, ele perseguiu o Espírito da
comum encontrarmos também o vingador impessoal, aquele que trabalha para uma antiga amada. Tanto ele, como ela, tiveram outras vidas, nesse ínterim, e ela
organização opressora. Ainda veremos isso mais adiante. estava novamente encarnada. Seu desejo, agora, era o de levá-la ao suicídio (a
O vingador observa, planeja e espera a ocasião oportuna e o momento favorável. jovem sofria realmente de impulsos suicidas), para tê-la totalmente sob seu
Não se precipita, mas não esquece: sempre que pode, interfere, ainda que seja domínio. Ele sabe da sua responsabilidade e está bem consciente de que
somente para espetar uma agulha em sua vítima indefesa. responderá pelos novos crimes que pratica para vingar-se, mas isso, para ele, não
importa; o que interessa no momento — e esse momento dura séculos! — éa Consideramos diferentemente o obsessor e o vingador. Embora tenham muito
vingança em si mesma. Por outro lado, os vingadores sempre se esquecem, ou em comum, nos seus métodos de ação e no que poderíamos chamar de sua
ignoram, que não há sofrimento sem motivo. No caso, se ele sofreu traição, é filosofia, eles diferem sutilmente: obsessão muitas vezes é vingança, mas a
porque, por sua vez, já traiu também, no passado. E como poderemos negar vingança não é, necessariamente, um processo obsessivo. Não sei se me faço
indefinidamente o perdão de uma falta cometida contra nós — por mais grave que entender. O Espírito pode vingar-se longa e profundamente, sem desencadear
seja — se também precisamos de que as nossas próprias faltas sejam perdoadas? obsessões à sua vítima, empenhando-se apenas em criar-lhe dificuldades e dores,
Mas, em situações como essas, há um curioso processo emocional que o angústias e frustrações. É que o Espírito, encarnado e desencarnado, que sofre
doutrinador precisa conhecer e empregar. É o paradoxo do ódio-amor. O vingador um processo vingativo, está, de certa forma, à mercê de seu algoz, porque ao errar
pensa odiar uma criatura que ele ainda ama, a despeito de tudo. Se a odiasse expôs-se ao reajuste; mas, mesmo devendo, perante a lei desrespeitada, poderá
simplesmente, já a teria esquecido e não se manteria preso a ela durante tanto estar a salvo da obsessão em si mesma. Assistimos, às vezes, à vingança indireta.
tempo. Parece que lhe restou uma esperança de reconquista, dolorosa, tênue, Sem poderem, por qualquer razão, atingir a vítima visada, os “cobradores”
inconsciente, mas persistente. alcançam-na fazendo sofrer aqueles que a cercam e que, por suas falhas
No caso sob exame, foi realmente o que os salvou do tenebroso drama. Lembrei- pessoais e por suas conexões espirituais com a vítima, são impiedosamente
me de perguntar se não tinham tido filhos. Realmente tiveram, duas criaturinhas sacrificadas ao ódio.
encantadoras, um casal, que ele ternamente dizia que eram dois anjos. Disse-me, De um pobre irmão, envolvido em antiquíssima trama vingativa, alguém ouviu
ainda, que atrás da porta seguinte, que ele se recusava sempre a transpor, sabia que dizer, certa vez:
encontraria os filhos amados. Era preciso, no entanto, manter acesa a chama rubra — Sou o responsável por todas as dores que os teus vêm sofrendo há muito
do ódio que, temia ele acertadamente, não poderia subsistir ao lado da doçura do tempo...
amor paterno, que o colocaria em uma situação de ternura que ele queria evitar. Isto não quer dizer que a vítima indireta seja invulnerável ou inatingível, pela
Na sessão seguinte, trouxeram-lhe, por desdobramento, o Espírito da ex-esposa. santificação; é que, empenhada em sincero e honesto processo de recuperação,
Houve um diálogo emocionado, do qual percebíamos apenas as suas falas. Sente- dedicado à prece, ao serviço ao próximo, à melhora íntima, coloca-se sob a
se vazio e cansado. Não tem mais ânimo, nem para vingar-se. proteção da própria lei divina, que lhe concede um crédito de confiança, pois as
— Você é um trapo, e eu também — diz a ela. — Somos dois trapos. Vá em paz, culpas são resgatadas também através do amor e não apenas da dor...
que não a perseguirei mais. Que Deus nos abençoe... Atenção, porém, para um pormenor: isto não significa que sofram os justos pelos
E adormeceu. devedores, nem os pais pelos filhos, ou a esposa pelo marido. Não há sofrimento
É extremamente complexo o processo da vingança. De certa forma, a lei universal inocente na justiça divina. O que acontece, nesses casos, é que o vingador atinge
nos proporciona os elementos para exercê-la, porque, com sua falta contra nós, a vítima (que se colocou fora de seu alcance) através daqueles que lhe são caros,
aquele que nos feriu colocou-se à mercê da reparação, quase sempre dolorosa. E, mas que também se acham em débito perante a lei, por motivos outros.
por isso, o vingador sente-se um instrumento da justiça divina, com todo o direito de
exercê-la, esquecido de que está reassumindo um compromisso que, em parte, 21 MAGOS E FEITICEIROS
havia resgatado pela própria aflição que procura punir a seu modo. Por outro lado, ao Os trabalhadores da desobsessão não devem ignorar a realidade da magia
mesmo tempo em que ele se vinga, o ofensor libera-se pela dor, e acaba, ao longo negra, a fim de não serem tomados de surpresa nas suas tarefas redentoras. Com
do tempo, por situar-se fora de seu alcance, enquanto ele, o perseguidor, continua freqüência, terão oportunidade de observar tentativas de envolvimento do grupo e
preso à sua problemática e, portanto, às suas angústias, com um passivo enorme de de seus componentes, ou de pessoas que dele se socorrem, promovidas por
faltas ainda por resgatar. antigos magos e feiticeiros que, no mundo espiritual, persistem nas suas práticas e
Ao vingar-se, ele reabre o ciclo da culpa e expõe-se, por sua vez, novamente à lei, rituais.
que se voltará contra ele, alhures no tempo e no espaço. Extremamente complexo e delicado, especialmente porque éescassa, nesse
Se conseguirmos convencer o vingador da lógica férrea desse mecanismo, particular, a literatura doutrinária de confiança existente, o assunto precisa ser
estaremos em condições de ajudá-lo a libertar-se; caso contrário, ele seguirá escravo abordado com muita prudência e lucidez.
da sua própria vingança, de vez que o livre-arbítrio, que lhe faculta a decisão de agir, O tema não ficou indiferente a Kardec, como podemos verificar do exame das
responde do mesmo modo, pelas conseqüências amargas e inelutáveis que questões números 551 a 557, de “O Livro dos Espíritos”, sob o título “Poder oculto.
provoca. Não há outras opções: ou ele perdoa e segue à frente, ou insiste em cobrar, Talismãs. Feiticeiros”. Os Instrutores do eminente Codificador colocaram a questão
e demora-se nas sombras do sofrimento. naquele clima de prudência e lucidez de que há pouco falávamos. Obviamente, a
época não estava madura para o aprofundamento do problema, nem seria isto
apropriado no livro básico da Doutrina Espírita, cujo escopo era o de entregar aos Do que se depreende que o talismã, em si, nada vale, mas funciona como uma
homens uma síntese didática acerca do Espírito e suas manifestações, do seu espécie de condensador de energias psíquicas emanadas do operador que, pelo
relacionamento com Deus e com o Universo. Disseram, porém, o suficiente para pensamento, atrai os seres desencarnados que lhe são afins.
formular-se um juízo sobre a matéria, levando em conta as superstições que Realmente, como muito bem observa Kardec, em nota de sua autoria, em
prevaleciam àquele tempo. seguida à Questão número 555, “O Espiritismo e o magnetismo nos dão a chave
Foram muito sóbrios os Espíritos, limitando-se a respostas sumárias que, não de uma imensidade de fenômenos sobre os quais a ignorância teceu um sem-
obstante, deixaram aberturas para futuros desdobramentos. Ensinaram, por número de fábulas, em que os fatos se apresentam exagerados pela imaginação.”
exemplo, que um “homem mau” não poderia, “com o auxílio de um mau Espírito que Lamentavelmente não temos ainda um estudo aprofundado dessa curiosa
lhe seja dedicado, fazer mal ao seu próximo”, porque “Deus não o permitiria”. temática, mas é certo que o Espiritismo tem condições para desmistificar muito da
A despeito da notável economia de palavras, o pensamento contido nesse período complicada e, às vezes, ingênua ritualística da magia, retirando-lhe a aura de
é, ao mesmo tempo, amplo e exato. Naquilo que Deus não o permite, realmente, mistério e ocultismo, para explicá-la em termos de conhecimento científico, aberto,
nada podem fazer os Espíritos ainda voltados para o mal — e essa é a nossa racional, dentro do contexto das leis naturais. O Espiritismo não ignora o fenômeno,
proteção, pois o que seria de nós se tudo lhes fosse permitido? Quando, porém, nos nem o nega, como vimos. A Doutrina empenha-se em negar é o caráter
credenciamos a esse amparo? Talvez seja melhor reformular a questão: Quando sobrenatural que alguns procuram atribuir aos fenômenos, bem como as inúteis
nos tornamos vulneráveis e, portanto, expostos àcobrança? A partir do momento em complicações dos ritos, fórmulas, invocações, posturas, símbolos, apetrechos e
que nos atritamos com as leis divinas, colocando-nos, portanto, não fora de sua instrumentos de que se valem os operadores, que não passam de médiuns
proteção, não abandonados por Deus, mas submetidos às conseqüências de agindo em consonância com seus companheiros desencarnados.
nossas próprias ações. É assim que um Espírito faltoso coloca-se, por exemplo, ao Sobre a influência dos astros, por exemplo, ensina Emmanuel (1) que:
alcance de dores inomináveis, como a da obsessão. Realmente, seria desastroso — “As antigas assertivas astrológicas têm a sua razão de ser. O campo
que qualquer Espírito desajustado pudesse fazer conosco o que bem entendesse, magnético e as conjunções dos planetas influenciam no complexo celular do
mas estejamos certos de que, ao cometer nossos desatinos, abrimos a eles as homem físico, em sua formação orgânica e em seu nascimento na Terra; porém, a
portas da nossa intimidade. O próprio Cristo advertiu-nos de que, se não nos existência planetária é sinônimo de luta. Se as influências astrais não favorecem a
reconciliássemos com os nossos adversários, eles nos levariam ao juiz, e o juiz nos determinadas criaturas, urge que estas lutem contra os elementos perturbadores,
mandaria à prisão, donde somente seríamos liberados depois de cumprida toda a porque, acima de todas as verdades astrológicas, temos o Evangelho, e o
pena, até o último centavo. Evangelho nos ensina que cada qual receberá por suas obras, achando-se cada
Quanto à crença no poder de enfeitiçar, os Espíritos foram cautelosos, declarando homem sob as influências que merece.” (Destaques meus.)
que tais fatos são naturais, mal observados e, sobretudo, mal compreendidos, mas Dentro dessa mesma linha de pensamento, reconhece, o esclarecido mentor, as
que “algumas pessoas dispõem de grande força magnética, de que podem fazer influências que podem exercer, sobre Espíritos encarnados ou desencarnados, os
mau uso, se maus forem seus próprios Espíritos, caso em que possível se torna nomes que recebem, por causa da “simbologia sagrada das palavras”. Também
serem secundados por outros Espíritos maus”. os números “possuem a sua mística natural”, segundo suas vibrações. Os próprios
Sobre as fórmulas, esclarecem que todas são mera charlatanaria, e prosseguem: objetos armazenam energias que ainda não estão bem definidas para nós.
“Não há palavra sacramental nenhuma, nenhum sinal cabalístico, nem talismã, — “Os objetos — responde Emmanuel à questão número 143 —,
que tenha qualquer ação sobre os Espíritos, porqüanto estes só são atraidos pelo mormente os de uso pessoal, têm a sua história viva e, por vezes, podem
pensamento e não pelas coisas materiais.” constituir o ponto de atenção das entidades perturbadas, de seus antigos
Kardec, no entanto, insistiu, com a pergunta 554, assim formulada: possuidores no mundo; razão por que parecem tocados, por vezes, de singulares
“Não pode aquele que, com ou sem razão, confia no que chama a virtude de um influências ocultas, porém, nosso esforço deve ser o da libertação espiritual, sendo
talismã, atrair um Espírito, por efeito mesmo dessa confiança, visto que, então, o que indispensável lutarmos contra os fetiches, para considerar tão-somente os valores
atua é o pensamento, não passando o talismã de um sinal que apenas lhe auxilia a morais do homem na sua jornada para o Perfeito.” (Destaques meus.)
concentração?” O assunto mereceu também observações, ainda que sumãrias, de André
“É verdade — respondem os Espíritos —; mas, da pureza da intenção e da Luiz, em “Evolução em dois Mundos” — livro que talvez ainda levemos meio
elevação dos sentimentos depende a natureza do Espírito que é atraído.” século para desdobrar em todas as suas implicações. Diz o autor espiritual que, a
(Destaques meus.) certo ponto da história evolutiva...
(1) “O Consolador”, questão numero 140.
A organização correspondeu generosamente ao apoio que recebeu de Círo,
- ... “Iniciou-se o correio entre o plano físico e o plano extrafísico, mas, porque a muito contribuindo, com seus recursos, para consolidação das conquistas do rei
ignorância embotasse ainda a mente humana, os médiuns primitivos nada mais persa, mas, por volta do ano 500 antes do Cristo, entrou em desagregação,
puderam realizar que a fascinação recíproca, ou magia elementar, em que os especialmente por causa da tenaz perseguição de Dario Histaspes. Emigrações
desencarnados, igualmente inferiores, eram aproveitados, por via magnética, na em massa espalharam-nos pela Capadócia e pela Índia, mas ainda eram uma
execução de atividades materialonas, sem qualquer alicerce na sublimação pessoal.” força respeitável ao tempo de Alexandre, o Grande (356-323 a. C.) que, segundo
E prossegue: Spence, sentiu-se enciumado de seus poderes.
— “Apareceu então a goecia ou magia negra, à qual as inteligências superiores São profundas as implicações da magia em alguns cultos religiosos, mais
opuseram a religião por magia divina, acentuando-se a formação da mitologia em intensamente, é claro, nos primitivos, tanto quanto na medicina, na astrologia, no
todos os setores da vida tribal.” magnetismo, na alquimia e em certas correntes místicas que prevalecem até hoje.
“A luta entre os Espíritos retardados na sombra e os aspirantes da luz encontrou Lewis Spence declara, no seu erudito verbete, que, a seu ver, misticismo e
seguro apoio nas almas encarnadas que lhes eram irmãs. Desde essas eras magnetismo são idênticos para alguns ocultistas, entre os quais cita, em tempos
recuadas, empenham-se o bem e o mal em tremendo conflito que ainda está muito recentes, Auguste Comte, o Barão du Potet e o Barão de Guldenstubbé, este
longe de terminar, com base na mediunidade consciente ou inconsciente, técnica ou último autor do livro “La Realité des Esprits”, publicado em 1857. (1)
empírica.” Sir James Frazer (2) considera magia e religião uma só coisa, tão identificadas
Essa digressão introdutória tornou-se indispensável para que a nossa penetração se acham entre si. Isto é provavelmente verdadeiro
no lusco-fusco da magia conte com um suporte de bom senso e racionalismo, a
funcionar como fio de Ariadne, que nos permita transitar pelos seus meandros, sem o (1) Ver o artigo “O Tempo, o preconceito e a humildade”, em “Reformador”,
menor temor de perder o caminho de volta. agosto/1975.
Não resta dúvida de que os fenômenos elementares de magia reportam-se às (2) “The Golden Bough”, MacMilian, New York, 1951, eruditíssimo tratado sobre
eras primitivas, como nos assegura André Luiz. Embora os autores especializados magia e religião que, mesmo em forma condensada, apresenta-Se com 827
procurem distinguir magia de feitiçaria — e ainda veremos isto um pouco adiante — páginas de texto. A obra completa consta de 12 volumes.
a Enciclopédia Britânica lembra que o termo inglês para esta última — “witchcraft” — para as primitivas crenças, mas não para as religiões mais recentes, que embora
quer dizer a arte ou ofício do sábio, de vez que a raiz semântica da primeira seção da conservem sinais exteriores dos antigos cultos — simbolos, ritos, fórmulas,
palavra — “witch” — está associada com a palavra “wit”, saber. encantações —, perderam contacto com os seus aspectos esotéricos.
Realmente, os magos, originários, segundo Lewis Spence (1), da antiga Pérsia, Um conceito reproduzido por Spence informa-nos que o apelo aos deuses
eram cultores da sabedoria de Zoroastro. Possivelmente da raça média, adquiriram constitui prática religiosa, enquanto a prática da magia tenta forçá-los à
enorme prestígio, especialmente, complacência. A religião é freqüentemente oficial e quase sempre organizada,
enquanto a magia é, usualmente, proibida e secreta.
(1) “An Encyclopaedia of Occultism”, University Books, New York, 1960. Embora Spence nos fale da magia na Pérsia, sabemos que ela floresceu
amplamente no Egito, muito antes da época citada na sua obra. Os livros
ao que parece, depois que Ciro os institucionalizou, ao fundar o império persa, mediúnicos de Rochester, vários deles publicados pela FEB, narram, com
sobre o qual exerceram considerável influência político-religiosa. É evidente que esse minúcias de extremo realismo, processos terríveis de magia e ocultismo, como em
prestígio tinha que ser alicerçado em rico acervo de conhecimentos, pois o homem “O Chanceler de Ferro” e “Romance de uma Rainha”.
sempre respeita e, às vezes, teme aquele que sabe. O segundo livro do Antigo Testamento — o Êxodo — especialmente nos
“Religião, filosofia e ciência — escreve Spence — estavam todas em suas mãos. capítulos de números 5 a 13, narra o duelo entre os magos egípcios e hebreus,
Eram médicos universais que curavam os doentes do corpo e do espírito e em estrita ante a aturdida expectativa de todo o país.
consistência com essas características, socorriam as mazelas do Estado que é Já antes disso, no capítulo 4, os guias espirituais de Moisés conferem-lhe
apenas o homem em sentido mais amplo.” poderes ostensivos, pois certamente ele deveria conhecer bastante acerca dos
Distribuíram-se em três graus: os discípulos, os professores e os mestres, o que rituais e da teoria que os sustentava.
vale dizer que o conhecimento de que dispunham os grandes mestres era ministrado O Espírito que se apresenta como Jeová ordena que conduza o povo hebreu
por processos iniciáticos, à medida que o discípulo revelava condições de absorvê-lo para fora do Egito, mas Moisés revela sua impotência em convencer sua gente a
e aplicá-lo rigorosamente, segundo os métodos e interesses da Ordem. segui-lo.
— Não acreditarão em mim — diz ele — nem ouvirão a minha voz, pois dirão: Seria impraticável, num resumo como este, repassar todo o campo da magia e
Jeová não te apareceu coisa alguma. empreender sua avaliação em termos de Doutrina Espírita; poderemos, não
— Que tens tu na mão? — pergunta-lhe Jeová. obstante, tentar oferecer algumas noções colhidas em alentados livros, facilmente
— Um cajado. encontráveis no mercado, praticamente em todas as línguas vivas.
— Atira-o ao chão. Um desses autores é o médico francês, Dr. Gérard Encausse, contemporâneo
Mal atirado ao solo, o cajado transformou-se numa serpente. Ante o temor de de Allan Kardec, que, sob o pseudônimo de Papus, escreveu abundantemente
Moisés, o Espírito disse-lhe que a agarrasse pelo pescoço, o que ele fez, voltando a sobre o assunto. Seu filho, o Dr. Philippe Encausse, também médico, revelou igual
serpente a ser um mero cajado. interesse pela matéria, produzindo algumas obras sobre o assunto, como
Essa mesma “mágica”, no melhor sentido da palavra, Moisés faria diante do Faraó “Sciences Occultes et Déséquilibre Mental”.
e sua corte. Colheremos algumas informações na obra de Papus intitulada “Tratado
Segundo Will Durant (1), a crença na feitiçaria, na Idade Média, era praticamente Elementar de Magia Prática”. (1)
universal. “O Livro da Penitência”, do Bispo de Antes de mergulharmos no seu livro, creio útil transmitir ao leitor espírita uma
idéia da posição de Papus em relação ao
(1) “The Age of Falth”, Simon and Schuster, New York, 1950. Espiritismo:
“Existe, não obstante — escreve ele, à página 11 de seu livro —, uma forma de
Exeter, condena as mulheres “que professam a faculdade de modificar a mente experiências mágicas próprias para as pessoas pusilânimes, e que
dos homens pela feitiçaria, ou encantamento, como do ódio para o amor ou do amor aconselharemos a quantas desejarem divertir-se, dedicando, à sobremesa, alguns
para o ódio, bem como enfeitiçar ou roubar os bens dos homens”, ou ainda as que momentos aos fenômenos de espiritismo. Nada têm de difíceis e sim muito
declaram “cavalgar durante certas noites certos animais, com um bando de consoladores, e, afinal de contas, situam-se a tal distância da verdadeira magia,
demônios em formas femininas, ou estarem em companhia de tais”. que não há a temer nenhum acidente sério, desde que não se esqueça da
Quando a Igreja resolveu entrar em cena para coibir a prática, criou-se um clima de precaução de deixar as coisas no momento oportuno.”
terror que, ao mesmo tempo em que combatia as crendices, parecia atribuir-lhes Ao apreciar alguns aspectos da magia, da qual o Dr. Encausse é admirador
certa substância, que mais as autenticavam na imaginação do povo inculto, porque ardoroso, tentemos não ser tão radicais e superficiais como ele, em relação ao
ninguém combate aquilo que não teme. As conseqüências dessas impiedosas Espiritismo.
perseguições foram danosas e lamentáveis para o entendimento do fenômeno Papus acata o princípio, também lembrado por Sir James Frazer, acima citado,
mediúnico, e é bem provável que a notícia que os Espíritos superiores vieram trazer a segundo o qual o mecanismo da magia precisa de um veículo entre a vontade
Kardec, no século 19 pudesse ter sido antecipada de um século ou mais, se em vez humana e as coisas inanimadas. Na opinião de Sir James Frazer, toda a magia
de queimar os médiuns medievais, sob a acusação de que mantinham pactos com o baseia-se na lei da simpatia, ou seja, “as coisas atuam umas sobre as outras, a
demônio, procurassem estudá-los com respeito e interesse. A despeito disso, não distância, por estarem secretamente ligadas entre si por laços invisíveis
foram poucos os prelados católicos que, durante toda a existência, mantiveram cultos “Para isso — escreve Papus — o operador deverá aplicar sua vontade, não
paralelos de magia negra, com os seus estranhos rituais. sobre a matéria, mas sobre aquilo que incessantemente a modifica, o que a
Ao escrevermos este livro, o mundo moderno assiste, algo perplexo, a um Ciência Oculta denomina o plano de formação do mundo material, ou seja, o plano
fantástico ressurgimento da magia negra e da feitiçaria, por toda parte e, desta vez, astral.” (O primeiro destaque é meu; o segundo, do original.)
não nos países menos desenvolvidos, ou primitivos, e sim nos de mais avançada Esse plano, os magos concebem como sendo as forças da natureza, das quais,
tecnologia e mais sofisticada cultura, como a Inglaterra, os Estados Unidos, a França, por certo, tanto se utilizam os trabalhadores do bem, como os outros.
a Itália.
A Britânica, tanto quanto Sir James Frazer, atribui à magia origens nitidamente (1) Tradução de medial Shaiah, 1974, 5ª edição da Editorial Kier, Buenos Aires,
religiosas, sob a forma de cultos à base de animais sacrificados. Oferendas de do original francês “Traité Elementaire de Magia Pratique”.
sangue e de estranhas substâncias eram feitas para propiciar os deuses em troca de
favores, fosse em benefício de alguém ou com a intenção de destruí-lo. “Não cabe dúvida — prossegue Papus — que são as forças da natureza que o
Entre os ritos destinados a destruir um inimigo, por exemplo, o mais antigo, mágico deverá pôr em ação, sob o influxo da sua vontade; mas que classe de
dramático e conhecido, consiste em modelar uma pequena estátua representativa forças são essas?”
da vítima, geralmente em cera, e, com os métodos apropriados, espetá-lo com
agulhas e punhais.
Diz ele que são as forças hiperfísicas, assim entendidas as que apenas diferem astral” emanada do “imprudente que lhes deu vida”. Para a criação dessas larvas,
das energias meramente físicas nas suas origens, pois emanam de seres vivos e basta que se tenha medo dos ataques de ódio de outra pessoa, e segundo Papus,
não de mecanismos inanimados. a prática mediúnica espírita seria uma dessas causas.
No fenômeno da pronta germinação, crescimento da planta e produção de frutos, Papus oferece dois métodos diferentes para tratamento dessas “obsessões”: um
que alguns faquires teriam realizado, segundo testemunhos nos quais Papus de ação indireta, outro de ação direta.
acredita, aconteceria apenas uma abundante doação, à semente, e depois à planta Exemplifica ambos. Num deles, em Londres, optou pelo método indireto,
e ao fruto, das energias orgânicas do faquir, que se poriam em consonância com as magnetizando uma senhora na presença do obsidiado.
energias armazenadas na semente. A mulher, em transe, via uma faixa fluídica pairando em certo recanto da
“A vontade do faquir — diz Papus — põe em ação uma força capaz de residência da vítima. Orientado pela descrição da mulher, Papus desenhou a faixa
desenvolver, em algumas horas, a planta, que, em condições normais, levaria um num pedaço de papel branco, “consagrado e perfumado”, e prosseguiu:
ano para atingir aquele ponto de crescimento. A dita força não tem muitos e diversos “Terminado que foi o desenho, uma fórmula e uma prece puseram em
nomes de bom sentido; pura e simplesmente, chama-se vida.” comunicação a imagem física com a forma astral e então cortamos o desenho em
A magia seria, portanto, uma ação consciente da vontade sobre a vida. A definição vários pedaços, com a ajuda de uma grande e afiada lâmina de aço. A mulher
completa proposta por Papus é a seguinte: adormecida declarou que os cortes influiram, incontinenti, na forma astral, que,
“É a aplicação da vontade humana dinamizada à evolução rápida das forças vivas igualmente, se desfez em pedaços.”
da natureza.” E, com isto, estaria curada a “obsessão”...
À página 91, resume ele a sua teorização, ao dizer que são três as maneiras de O segundo método (direto) seria recomendável para “os casos em que a
agir sobre a natureza: obsessão toma um caráter especialmente grave”.
1ª — Físicamente, modificando a estrutura do ser ou de um ponto qualquer na
natureza, pela aplicação exterior de forças físicas, que utiliza o trabalho do homem. A (1) “Nos Domínios da Mediunidade”, CAP. 28 — “Efeitos Físicos”, edição FEB.
agricultura, em todas as categorias, a indústria, com todas as suas transformações,
entram neste quadro. Baseia-se no princípio de que as larvas e os elementais — seres algo
2ª — Fisiológica ou astralmente, modificando a estrutura de um ser, por meio da animalizados que servem aos magos — alimentam-se da substância astral de que
aplicação de certos princípios e de certas forças, não à forma exterior, mas aos é muito rico o sangue. O método consiste, pois, no seguinte: toma-se uma mecha
fluídos que circulam dentro do aludido ser. A Medicina, em todos os seus ramos, é de cabelos do obsidiado, que deverão ser incensados, consagrando-os segundo o
um exemplo desse caso, e haveremos de declarar que a Magia (ele a escreve com procedimento habitual. Em seguida, o paciente deverá aproximar-se e diante dele
letra maiúscula, embora escreva Espiritismo com letra minúscula) admite a se molhará um punhado de seus cabelos no sangue de uma pomba ou de uma
possibilidade de influir sobre os fluídos astrais que atuam na natureza e sobre os que cobaia, também consagrados sob a influência de Júpiter ou de Apolo,
atuam nos homens. pronunciando-se o Grande Conjuro de Salomão. Para isto, o oficiante deverá
3ª — Psiquicamente, atuando diretamente, não sobre os fluídos, mas sobre os vestir-se de roupas brancas.
princípios que os põem em movimento.” Em seguida, colocar o cabelo, molhado em sangue, sobre uma pequena
Vamos conferir: prancha, traçar à sua volta um círculo, desenhando-o com uma mistura de carvão
“Colaboradores desencarnados — escreve André Luiz (1) —extraiam forças de e ímã pulverizado. Escrever no interior do círculo, nos quatro pontos cardeais, as
pessoas e coisas da sala, inclusive da Natureza em derredor, que casadas aos quatro letras do tetragrama sagrado. A seguir, com a espada mágica (ou, na sua
elementos de nossa esfera faziam da câmara mediúnica precioso e complicado falta, com uma ponta de aço comum, com cabo de madeira envernizada) investir
laboratório.” (Destaques meus.) energicamente contra os cabelos, ordenando à larva que se dissolva.
O resto é aplicação prática desses princípios: se os orientamos para o bem, Segundo o autor, o processo raramente falha, pelo menos depois de repetido
obteremos resultados positivos; se os dirigirmos para o mal, arcaremos com a três vezes, de sete em sete dias.
responsabilidade correspondente. E é precisamente na aplicação que mais A reprodução destes métodos não tem por objeto aqui ridicularizar o
veementes restrições o Espiritismo teria a fazer à magia, ainda que sem tocar os procedimento daqueles que os praticam, pois como seres humanos, e irmãos
tenebrosos domínios da magia negra. nossos, merecem respeito e consideração; limitamo-nos a expô-los. Aqueles que
Ao cuidarem dos problemas da obsessão, por exemplo, mesmo os adeptos mais lidam com graves problemas obsessivos, sabem muito bem que pouca diferença
bem informados da magia, revelam um despreparo comovedor, atribuindo a base do existe entre esse procedimento e o recurso igualmente inócuo do exorcismo
fenômeno à formação das chamadas larvas, que se alimentariam da “substância eclesiástico. Num ou noutro caso, podem, no entanto, produzir resultados positivos,
inteiramente aleatórios, seja porque o Espírito obsessor ficou algo impressionado “Há uma verdadeira e uma falsa ciência — escreve Levi —; uma magia divina e
com as complexidades do ritual, ou porque resolveu, “sponte sua”, abandonar sua uma magia infernal, isto é, mentirosa e tenebrosa; temos de revelar uma e
vítima; mas é raro que um obsessor ferrenho e tenaz desista definitivamente da luta, desvendar outra; temos de distinguir o mago, do feiticeiro; e o adepto, do
apenas porque alguém o ameaçou com uma espada. charlatão.”
Por exemplos como estes, podemos admitir que os verdadeiros segredos da O estilo de Levi, como, aliás, o de Papus, também, é algo pomposo, às vezes
magia perderam-se há muito. Restaram apenas fragmentos de uma técnica que, em obscuro e nem sempre muito coerente. Ambos concordam, porém, em que o
tempos idos, foi manipulada com habilidade e competência. Os magos caldeus, conceito fundamental da magia está na movimentação, em proveito próprio, dos
persas e egípcios não ignoravam fenômenos elementares como os da obsessão, a segredos e forças da natureza.
ponto de tentarem curá-la com práticas tão ingênuas. Seus recursos e Levi defende a tese de que a resistência, num sentido, é indispensável para que
conhecimentos eram muito mais amplos e profundos. Mas, se essa técnica perdeu- a força aplicada, em sentido contrário, se robusteça e a vença. Seus dogmas não
se para os encarnados — pelo menos para os que têm escrito os tratados mais são menos surpreendentes, como este, por exemplo:
conhecidos de magia —, ela se preservou para os Espíritos desencarnados, antigos “Assim, para o sábio, imaginar é ver; como, para o mago, falar é criar. Aquele
magos que levaram para a vida póstuma os conhecimentos especializados. que deseja possuir, não deve dar-se. Só pode dispor do amor dos outros aquele
A propósito, parece ainda oportuno reproduzir uma das normas coligidas por que é dono do seu, ou seja, não o entrega a ninguém.”
Papus: Quanto ao fenômeno das mesas girantes, diz ele, “outra coisa não são senão
“Tratai de não vos servir jamais desta arte contra vosso próximo, a não ser para correntes magnéticas que começam a formar-se, e solicitações da natureza que
uma vingança justa. Mesmo assim, porém, aconselho-vos que é melhor imitar a nos convida, para a salvação da humanidade, a reconstituir as grandes cadeias
Deus, que perdoa, e que vos tem perdoado a vós mesmos. E não há ocasião mais simpáticas e religiosas”. Por isso, atribui “todos os fatos estranhos do movimento
meritória do que a de perdoar.” das mesas ao agente magnético universal, que procura uma cadeia de
A despeito do apelo ao perdão, quem achará que sua vingança é injusta? entusiasmo para formar novas correntes”. Os golpes, “raps” e os instrumentos que
Buscando novamente André Luiz, encontramos em “Nos Domínios da Mediunidade” tocam, aparentemente sozinhos, “são ilusões produzidas pelas mesmas causas”.
esta observação preciosa de Aulus: Sua descrição da evocação do Espírito de Apolônio de Tiana, em Londres, é de
— “Abstenhamo-nos de julgar. Consoante a lição do Mestre que hoje abraçamos, uma riqueza impressionante de minúcias e começa com um sabor de romance de
o amor deve ser nossa única atitude para com os adversários. A vingança, Anésia, é capa e espada, quando ele recebe, dentro de um envelope, no hotel, um cartão
a alma da magia negra. Mal por mal, significa o eclipse absoluto da razão. E, sob o cortado transversalmente, com este recado:
império da sombra, que poderemos aguardar senão a cegueira e a morte?” “Amanhã, às três horas, diante da abadia de Westminster, vos será apresentada
Outro autor bastante conceituado entre os entendidos é Eliphas Levi. O Dr. Gérard a outra metade deste cartão.”
Encausse tem-no em elevada conta e, por várias vezes, em suas obras, refere-se a Era uma senhora, e colocou à disposição dele, após os juramentos devidos,
ele com respeito e admiração. Eliphas Levi também viveu no século 19 e sua obra arsenal completo, com toda a instrumentação necessária a uma evocação. Ao
“Dogma e Ritual da Alta Magia” (1), por exemplo, foi escrita em 1855, quando o cabo de complicadíssimo ritual, um Espírito manifestou-se, realmente:
Espiritismo estava ainda na fase preliminar das mesas girantes. Embora sem — “Chamei três vezes Apolônio, fechando os olhos; e, quando os abri, um
declarar-se católico, Levi acata os principais dogmas ortodoxos: a divindade de homem estava diante de mim, envolto inteiramente por uma espécie de lençol,
Jesus, a Trindade, a existência do céu e do inferno. A despeito disso, não se furta a que me pareceu ser mais cinzento do que branco; a sua forma era magra, triste e
algumas criticas veementes, como esta, por exemplo: sem barba, o que não combinava exatamente com a idéia que primeiro tinha de
“A Igreja ignora a magia, porque deve ignorá-la ou perecer, como nós o Apolônio. Experimentei uma sensação extraordinária de frio, e quando abri a boca
provaremos mais tarde; ela nem ao menos reconhece que seu misterioso fundador para interrogar o fantasma, me foi impossível articular um som. Pus, então, a mão
foi saudado no seu berço por três magos, isto é, pelos embaixadores hieráticos das sobre o signo do pentagrama, e dirigi para ele a ponta da espada, ordenando-lhe
três partes do mundo conhecido, e dos três mundos analógicos da filosofia oculta.” mentalmente, por este signo, a não me amedrontar e a obedecer-me. Então, a
A obra de Papus é bem mais didática e ordenada do que a de Levi, mas os forma ficou mais confusa e ele desapareceu imediatamente. Ordenei-lhe que
princípios fundamentais identificam-se em vários voltasse: então senti passar, junto a mim, como que um sopro, e, alguma coisa
(1) Editora Pensamento, São Paulo. tendo-me tocado na mão que segurava a espada, tive imediatamente o braço
pontos importantes e ambos consideram o mago como o verdadeiro conhecedor e adormecido até os ombros. Julguei entender que esta espada ofendia o Espírito, e
o feiticeiro como simples imitador. Papus usa uma imagem, dizendo que o mago é o a plantei, pela ponta, no circulo junto a mim. A figura humana reapareceu logo; mas
engenheiro da magia, enquanto o feiticeiro é simples obreiro. senti tão grande fraqueza nos meus ombros e um repentino desfalecimento
apoderar-se de mim, que dei dois passos para me assentar. Desde que fiquei Por causa desse e de outros princípios e noções, não é fácil lidar com os magos
assentado, caí num adormecimento profundo e acompanhado de sonhos, de que desencarnados. Não exatamente por causa dos danos que possam causar-nos.
me restou, quando voltei a mim, somente uma lembrança confusa e vaga.” Se estamos num grupo mediúnico bem constituído e harmonizado, nada
(Destaques meus.) conseguirão contra nós. Nada sofreremos em razão do próprio trabalho de
Assim foi realizada a evocação que, sem nenhum ritual complicado, sem desobsessão, o que seria injusto, mas é claro que, como seres imperfeitos que
substâncias, círculos, espadas e vestimentas especiais, e sem evocação, realiza-se, somos, temos abertas as brechas das nossas próprias imperfeições. Como nos
a cada instante, em incontáveis sessões mediúnicas. disse um amigo espiritual, certa vez, sofreremos, no decorrer do trabalho de
Quanto à magia negra, apresenta o autor o que chama de revelação nova e que desobsessão, apenas aquilo que estiver autorizado pela nossa ficha cármica. Ë
consiste no seguinte: claro, pois, que os trabalhadores das sombras empenharão o melhor de seus
“O diabo, em magia negra, é o grande agente mágico empregado para o mal por esforços no levantamento de nossas fichas, ou seja, de nossa vida pregressa,
uma vontade perversa.” estudando-nos sob todos os ângulos, vigiando-nos, a fim de surpreenderem-nos
Também o enfeitiçamento está dentro dessa linha de raciocínios. no momento em que mostramos onde a nossa cerca está arrombada... Entrarão
“O instrumento do enfeitiçamento não é outro senão o próprio grande agente, que, em ação imediatamente. Estão convictos de que poderão atingir-nos; é só questão
sob a influência de uma vontade má, se torna, então, real e positivamente o de tempo e oportunidade, pensam eles, e, como dizia Levi, “para poder é preciso
demônio.” crer que se pode e esta fé deve traduzir-se imediatamente em atos”.
Às vezes, no entanto, deixa entrever que o domínio que muitos buscam exercer Estejamos vigilantes, porém tranqüilos e guardados na paz do Cristo. Se o
sobre o semelhante não está tanto nos ritos e nas práticas, mas na própria psicologia nosso trabalho é de Deus, sigamos em frente, serenos, confiantes, destemidos.
humana: Estejamos preparados, porém, para enfrentar os companheiros desarmonizados.
Aqueles que por longos séculos vêm praticando a magia, estão habituados a
“Acariciar as fraquezas de uma individualidade é apoderar-se dela e fazer dela um vencer pela vontade disciplinada — que aprenderam a dominar — todos os
instrumento, na ordem dos mesmos erros e das mesmas depravações.” obstáculos. Não nos impressionemos, porém, com os seus rituais, seus gestos,
Ou então: seus talismãs, suas evocações, suas palavras misteriosas e secretas.
“Todos nós temos um defeito dominante, que é, para nossa alma, como que o Temos que atuar não sobre esses sinais exteriores dos seus cultos, mas sobre
umbigo do seu nascimento pecador, e é por ele que o inimigo sempre nos pode os seus Espíritos atormentados, embora aparentemente següros e frios. Toda
pegar; a vaidade, para uns, e preguiça para outros, o egoísmo para o maior número. aquela serenidade aparente desmorona, quando conseguimos convencê-los de
Que um espírito hábil e mau se apodere desta mola, e estais perdidos.” seus trágicos enganos. Estejamos prontos para ajudá-los, pois este é o momento
De outras vezes, percebemos, de relance, por que tanto se empenham em mais grave, mais sério, mais profundamente humano de suas vidas: quando
conquistar a insensibilidade os Espíritos encarnados e desencarnados que fazem do entrevêem uma réstia de luz a iluminar-lhes o próprio coração, os escombros dos
domínio sobre o semelhante a meta de suas vidas: antigos sonhos, os fantasmas que trazem no íntimo, os desenganos, os remorsos,
“Só o adepto de coração sem paixão — escreve Levi — disporá do amor ou ódio as angústias, o desespero. É preciso tratá-los com carinho, com humildade e
daqueles que quiser fazer de instrumento da sua ciência.” singela compreensão, porque a dor do despertamento é, quase sempre,
“O magista — prossegue adiante — deve, pois, ser impassível, sóbrio e casto, esmagadora. Quem a presenciou pode fazer idéia, porque senti-la, em toda a sua
desinteressado, impenetrável e inacessível a toda espécie de preconceitos ou terror. profundidade, somente aquele que a experimentou.
Deve ser sem defeitos corporais e estar à prova de todas as contradições e de todos Lembremo-nos de que os Espíritos que na Terra estiveram envolvidos nas
os sofrimentos. A primeira e mais importante das obras mágicas échegar a esta rara práticas mágicas não desapareceram, nem se perdeu o conhecimento dos
superioridade.” mecanismos de certas leis do magnetismo, da hipnose, da manipulação de drogas
Em suma, ele tem que aprender a querer, para poder impor a sua vontade. A e fluídos, de forças naturais e de toda a parafernália que lhes proporcionava
instrumentação é secundária, quando uma vontade firme e dinâmica sustenta os poderes secretos e misteriosos, mas muito reais.
seus interesses. É preciso crer que se pode, e esta fé deve traduzir-se imediatamente Com os esclarecimentos contidos hoje na Doutrina Espírita, estamos em
em atos. condições de entender muitos desses segredos e mistérios, pois, no fundo, o
Vejam este outro conselho: mago sempre foi um médium, assistido por companheiros desencarnados, com
“Ter o maior respeito por si mesmo e considerar-se como um soberano os quais se afina bem, no interesse de ambos. Os Espíritos vivem em grupos,
desconhecido, que assim faz para reconquistar a sua coroa.” ligados por interesses comuns, e revezam-se na carne e no além, apoiando-se
mutuamente, alguns empenhados em finalidades nobres, construtivas e
reparadoras, e outros envolvidos, século após século, em lamentáveis e tenebrosas conhecedores desses trabalhos, sempre presentes para contraporem seus
práticas de dominação e vingança, tortura, perseguição, infligindo sofrimentos atrozes conhecimentos e recursos às desesperadas tentativas desses irmãos, agarrados
aos infelizes que lhes caem sob o poder maligno e infeliz. ainda ao lado escuro da vida, tentando dominar pelo terror. Um desses
O conceito de Sir James Frazer, de que a magia baseia-se na simpatia, é válido. companheiros infelizes confessou que via ao nosso lado quem, melhor do que ele,
Em Espiritismo, diríamos que se trata de sintonia vibratória. Não que a magia tenha conhecia os segredos de sua arte e a neutralizava. Mais do que isso: por
poderes por si mesma, pois ela não encontra ressonância e, por conseguinte, não processos que não se revelaram aos nossos sentidos, o mago foi completamente
alcança êxito junto àqueles que já se redimiram, ou que, pelo menos, acham-se desarmado em suas táticas, tão cuidadosamente planejadas. Nosso médium viu
defendidos pela prece, pela vigilância e pela prática da caridade, no serviço ao apenas que, em torno dele, colocaram sete lâmpadas, ou lanternas, de cores
próximo. diferentes.
* Um caso marcou época, pela sua extraordinária sofisticação. O mago era
Por mais de uma vez temos tido experiências com processos de magia, em realmente profundo conhecedor de sua arte e engendrou um mecanismo
trabalhos de esclarecimento mediúnico. Magos do passado, que continuando no magnético, através do qual mantinha, subjugadas aos seus propósitos, as mentes
Além seus estudos e práticas, comparecem, excepcionalmente, aos trabalhos de de quatro seres encarnados.
desobsessão nos quais se acham envolvidos, pois não gostam de descobrir-se. Em suma, a magia é mais comum do que desejaríamos admitir, e oferece riscos
Entre eles encontramos até ex-sacerdotes católicos que, em tempos idos, praticaram realmente sérios, contra os quais os grupos mediúnicos têm que estar muito bem
a magia e, revertidos ao mundo espiritual, retomaram suas experiências. preparados e assistidos. É claro que ela age apenas quando e onde encontra as
À visão espiritual de nossos médiuns apresentavam-se com as vestimentas e os necessárias brechas e o condicionamento da culpa, da falta, do erro, que nos
simbolos de sua preferência, ou portando “objetos”, poções, signos, velas, sintoniza com o mal e nos expõe à aproximação dos implacáveis cobradores das
substâncias e até acompanhados de acólitos, para servi-los. trevas.
Um deles trouxe-nos — certamente para intimidar-nos — um pobre ser espiritual Os magos desencarnados são, as mais das vezes, inteligentes, experimentados
inteiramente dominado, reduzido a uma deplorável Condição subumana de pavor e e conhecedores profundos das mazelas e fraquezàs humanas, pois vivem disso,
deformação perispiritual. Nosso médium viu-o atirar esse pobre espírito, de rastros, nas suas práticas funestas. Não se detêm diante de nenhum escrúpulo, não
num círculo magnético infernal, do qual a infeliz vítima não podia livrar-se, por mais temem represálias, são pouco acessíveis à doutrinação, ao apelo do amor e do
que se debatesse. Era um exemplo para nós, a fim de que deixássemos de interferir perdão. Sabem, como todo Espírito envolvido nas sombras das suas paixões
em sua atividade, disse ele. inferiores, que somente estarão protegidos da dor enquanto mantiverem em torno
Outro veio traçar signos e fazer invocações contra um de nós, especificamente. de si mesmos aquele clima de terror. Atacam para nao serem atacados, oprimem
Tinha recebido uma solicitação, selada com sangue, num terreiro. Não podia deixar para não serem oprimidos, espalham a dor para fugirem às suas próprias. Sabem
de atender ao “irmão de sangue”. Depois de seu ritual, cumprido à nossa vista, muito bem que no dia em que “fraquejarem”, ou seja, aceitarem a realidade maior,
declarou que sua vítima “estava amarrada”, e partiu. que muito bem conhecem, chegará o duro momento da verdade e começará a
Mais tarde manifestou-se outro de sua equipe — ou seria ele mesmo? — com a longa escalada de volta. E quem desceu semeando sofrimentos, só pode contar
proposta de “desfazer” o trabalho. E repetia, incessantemente: com sofrimentos durante a subida. Não há outro caminho. Por isso são
— Quer que vire, eu viro. -. Quer que vire, eu viro... implacáveis e, por -isso, demoram-se no erro que, paradoxalmente, os
Não; não queríamos que ele virasse, com o que ele ficou muito desapontado, pois compromete cada vez mais. Estão perfeitamente conscientes, no entanto, de que
obviamente teria sido muito mais fácil, para ele, alcançar seus objetivos ocultos e um dia — não importa quando — terão fatalmente que enfrentar a realidade de si
lamentáveis, se aquele a quem ele visava propusesse um “pacto”, que entregaria a mesmos, pois o mal não é eterno.
ele sua vítima, de pés e mãos atados, pronta para o “serviço”. Vendo-se recusado, Enquanto isso, utilizam-se da vontade bem treinada, para movimentar, em seu
passou para outro médium, no mesmo grupo, e apresentou-se agora com outro proveito, as forças da Natureza.
nome, embora reclamando que seu “cavalo” não prestava, porque não o obedecia.
Tinha diante de si um prato de sangue, com o qual pretendia alcançar-nos. 22 MAGNETIZADORES E HIPNOTIZADORES
De outra vez, um desses visitantes sinistros deixou sobre a mesa, segundo relato São amplamente utilizados, nos processos obsessivos, os métodos da hipnose
de um de nossos videntes, pequenas caveiras com as órbitas iluminadas por uma e do magnetismo, que contam, no Além, com profundos conhecedores e hábeis
baça luz vermelha. Uma para cada um de nós. experimentadores dessas técnicas de indução, tanto entre os Espíritos
Acontece, porém, que, empenhado em trabalhos redentores, o grupo dispõe de esclarecidos e despertos para as verdades maiores, como entre aqueles que
proteção e ajuda de companheiros redimidos, também antigos magos, profundos ainda se debatem nas sombras de suas paixões.
Lá, como entre os encarnados, os métodos são os mesmos. Para incumbências moralmente um ao outro, nos recessos da afinidade profunda”, como diz André
de importância secundária, basta uma indução superficial, mas para os Luiz.
procedimentos mais elaborados, os hipnotizadores do espaço utilizam-se de Alguns magnetizadores e hipnotizadores adotam o procedimento de segurar os
recursos extremamente sofisticados. polegares de seus “sujets”, por algum tempo, antes de iniciarem o trabalho
“... nos atos mais complexos do Espírito — ensina André Luiz, em “Mecanismos da propriamente dito. Com isto se afinizam com ele (ou ela), num intercâmbio
Mediunidade” —, para que haja sintonia nas ações que envolvam compromisso vibratório, que os coloca em condições de ajustarem-se fluídicamente.
moral, é imprescindível que a onda do hipnotizador se case perfeitamente à onda do Seja qual for, porém, o processo — e não podemos aqui fazer estudo mais
hipnotizado, com plena identidade de tendências ou opiniões, qual se estivessem profundo e extenso do fenômeno — os hipnotizadores e magnetizadores das
iungidos, moralmente, um ao outro, nos recessos da afinidade profunda. (Grifos trevas acabam por alcançar o domínio de suas vítimas depois de obterem a
meus.) aceitação de que nos fala Bemheim, mesmo que forçada. Para isso, manipulam
É claro, pois, que nisto, como em quase toda a problemática espiritual, vamos com extrema habilidade os dispositivos da culpa e da cobrança, ou seja, a própria
encontrar o mesmo dispositivo da sintonia vibratória. Os Espíritos superiores utilizam- lei de causa e efeito. O Espírito culpado, convencido dessa culpabilidade, cede e
se da hipnose para socorrer, para ajudar, para aliviar, para corrigir desvios. Os entrega-se.
desajustados, para dominar e punir. Temos presenciado alguns casos dramáticos, nesse campo. Já lembramos,
Em “Memórias de um Suicida”, o autor espiritual oferece exemplos desses algures neste livro, aquele companheiro desencarnado que, mesmo depois de
trabalhos redentores, em que espíritos altamente credenciados, competentes e resgatado e posto a salvo da faixa vibratória de seu hipnotizador, recaiu sob seu
moralizados, movimentam, com enorme respeito e carinho, os arquivos da mente, domínio, por causa de sua própria invigilância.
por métodos hipnóticos e magnéticos. (1) Mesmo incorporado ao médium, este irmão não se furtava com facilidade à
— O aparelhamento que vedes — explica um dos instrutores —, harmonizado terrível influência de seu perseguidor que, em nossa presença, tentava induzi-lo a
em substâncias extraídas dos raios solares — cujo magnetismo exercerá a influência arrastar toda a sua família, ainda encarnada, à desencarnação, sugerindo-lhe
do ímã —, é uma espécie de termômetro ou máquina fotográfica, com que idéias de ódio, vingança e morte. O pobre irmão repetia incessantemente:
costumamos medir, reproduzir e movimentar os pensamentos... as recordações, os — Odeio minha mãe... Odeio meu pai... Odeio minha mãe... Odeio meu irmão...
atos passados que se imprimiram nos refolhos psíquicos da mente e que, pela ação Matar minha mãe... Matar meu pai...
magnética, ressurgem, como por encanto, dos escombros da memória profunda de E assim por diante, sem parar, pois não apenas a sugestão se lhe ia
nossos discípulos, para impressionarem a placa e se tornarem visíveis como a implantando cada vez mais na vontade, como ainda, falando continuamente, ele
própria realidade que foi vivida!... era impedido de ouvir as observações do doutrinador. Com um esforço muito
Desdobra-se ali um processo de regressão irresistível, como recurso extremo para grande, por meio de passes de dispersão, de preces e de contra-sugestões, foi
desalojar realidades soterradas na memória profunda do ser e que precisam ser possível libertá-lo, pelo menos para uma trégua. Parou, exausto, com o médium
trazidas à tona para desencadear o mecanismo da recuperação. coberto de suor, respiração opressa e acelerada, e pediu a ajuda de Deus, pois
conseguíramos que ele dissesse que amava a mãe e não que a odiava.
(1) “Memórias de um Suicida”, psicografia de Yvonne A. Pereira, 2ª parte, CAP. 2º Com freqüéncia, também, os hipnotizadores procuram atuar sobre os membros
— “Os arquivos da alma”, páginas 220 e seguinte, da 4ª edição da Federação encarnados do grupo, lançando as bases de induções preliminares, a serem
Espírita Brasileira. desenvolvidas depois, durante o desprendimento do sono, ou mesmo durante a
vigília. Não é nada fácil lidar com esses terríveis manipuladores da mente humana.
Mas, como todo recurso do conhecimento humano, este também é neutro, isto é, Nada os detém e, para eles, tudo é válido, desde que alcancem os resultados que
tanto pode ser usado para ajudar a levantar o ser que caiu, como para fazer cair desejam.
aquele que está de pé. As vezes, os companheiros que assistem o grupo, do lado da luz, interferem de
“Defino a sugestão, no seu sentido mais lato — escreve Bernheim, em maneira sutil, mas eficaz. Certa vez, um Espírito atormentado e, certamente, hábil
“Hypnotisme et Suggestion” —, como o ato pelo qual uma idéia é despertada no magnetizador, pretendeu usar comigo a sua técnica. Pediu-me a mão. Coloquei-a
cérebro e aceita por ele.” na frente de seus olhos e lhe disse:
Passando por sobre a conotação materialista da definição proposta, pois a — Pode pegar.
sugestão é transmitida ao Espírito, e não ao cérebro, vemos que há uma condição Ele hesitou um instante e depois agarrou-a fortemente, sem que eu apertasse a
básica, que é a da aceitação pelo “sujet”. Para esta aceitação, que instaura o sua: mantinha minha mão estendida, com os dedos unidos. Algo então aconteceu
processo do domínio, é preciso que hipnotizador e hipnotizado estejam “jungidos de estranho e curioso. Através da minha mão, ele recebeu uma espécie de
choque elétrico, evidentemente uma descarga magnética, que o atingiu na altura do O Espiritismo ensina que o Espírito não tem sexo, podendo encarnar-se como
plexo cardíaco. Talvez algo temeroso, pensou em retirar logo a sua mão e não o homem ou como mulher, em diferentes existências, mas que costuma escolher,
conseguia! Embora ele é que segurasse a minha mão, e não eu a dele, e por mais preferentemente, um ou outro sexo, renascendo continuamente como homem ou
esforço que fizesse, inclusive com a outra mão tentando desprender seus dedos, só mulher. (Questões números 200 a 202, de “O Livro dos Espíritos”.) Ao comentar as
a muito custo libertou-se do laço magnético. Isto o impressionou de tal forma que, da respostas, Kardec escreveu o seguinte:
próxima vez que compareceu, começou a chamar-me, com ironia, por certo, mas “Os Espíritos encarnam como homens ou como mulheres, porque não têm
evidentemente também com respeito, de “o homem da mão” ... sexo. Visto que lhes cumpre progredir em tudo, cada sexo, como cada posição
Outro que tentava me dominar por meio de passes magnéticos, tinha atrás de si, social, lhes proporciona provações e deveres especiais e, com isso, ensejo de
segundo nos informou, depois da sessão, o próprio médium que o recebeu — um ganharem experiência. Aquele que só como homem encarnasse só saberia o que
dos nossos queridos companheiros, profundo conhecedor do assunto, que sabem os homens.”
neutralizava todo o seu trabalho junto a mim. Dessa forma, não são muito precisas as expressões Espírito feminino e Espírito
Certa ocasião, um irmão transviado, que estava sendo atendido, também se masculino, que são usadas à falta de outras. A questão é bem mais complexa do
utilizava de processos de magnetismo e magia contra o grupo. Trouxera os seus que parece à superfície.
instrumentos e as substâncias necessárias. A certa altura, percebeu a presença Certa vez, perguntei a um amigo espiritual por que difere tanto, na sua estrutura
daqueles que nos defendiam, utilizando-se, para o bem, de técnica superior à dele. psíquica, o Espírito encarnado como homem, daquele que se encarna como
Como que pensando alto, ele nos dizia que sabia o que os nossos amigos estavam mulher. O homem é mais agressivo, dado a gestos de coragem física, menos
fazendo, mas nada podia contra eles. sentimental, ao passo que a mulher inclina-se mais à compassividade, à renúncia,
Procedimentos magnéticos são também usados para reduzir seres gravemente ao recato, sendo, portanto, mais acessível à emoção e aos sentimentos. Por que
endívidados a condições de extrema e aviltante deformação perispiritual, como casos isso, se, não tendo sexo, os Espíritos deveriam ser assemelhados?
de zoantropia, sobre os quais já falei neste livro. E é pela magnetização (passes) Disse-me ele, coerente com os postulados doutrinários, que, como Espíritos,
positiva que se torna possível restituir-lhes a condição normal. conservam características em comum, mas, ao se reencarnarem, aceitam
— “Temos aqui — escreve André Luiz, em “Libertação” —a génese dos condições que lhes facultam desenvolvimento de certas faculdades, em
fenômenos de licantropia, inextricáveis, ainda, para a investigação dos médicos detrimento de outras; ou melhor, optam pelo aprimoramento de alguns aspectos
encarnados. Lembras-te de Nabucodonosor, o rei poderoso a que se refere a Bíblia? espirituais em que estejam particularmente interessados.
Conta-nos o Livro Sagrado que ele viveu, sentindo-se animal, durante sete anos. O Assim é, realmente. Como a perfeição deverá resultar, um dia, do
hipnotismo é tão velho quanto o mundo e é recurso empregado pelos bons e pelos desenvolvimento harmonioso de todas as faculdades possíveis ao ser humano, é
maus, tomando-se por base, acima de tudo, os elementos plásticos do perispírito.” natural que este tenha que ir por etapas, cultivando-as em buques, até que,
(Destaques meus.) alcançando o ponto desejado, possa encetar outras realizações.
Tentemos, não obstante, ampliar um pouco mais a questão, na esperança de
23 MULHERES alcançar uma visão mais clara de suas dificuldades. Ao responderem à pergunta
O trabalho mediúnico oferece insuspeitadas condições de aprendizado. Cada formulada por Kardec (Têm sexos os Espíritos?), os instrutores informaram o
sessão traz as suas surpresas; cada manifestação suas lições e ensinamentos. A seguinte:
contínua observação desse vaivém de companheiros desencarnados, o desfile “Não como o entendeis, pois que os sexos dependem da organização. Há entre
trágico de problemas, angústias, dores e ódios, a força irresistível do amor, as eles amor e simpatia, mas baseados na concordância dos sentimentos.”
maravilhas da prece, o poder do passe, constituem experiência inesquecível para Certamente que sentiram, esses instrutores, que não era tempo, ainda, de
aqueles que, ao longo dos anos, entregam-se a essas tarefas redentoras. aprofundar mais a questão, mas disseram o bastante para compreendermos
Uma pergunta poderá ser colocada agora. Que papel representam as mulheres, alguns pontos essenciais. De fato, a Doutrina nos ensina, alhures, que o ser
nesses dramas que se desenrolam entre os dois mundos? Há mulheres encarnado resulta de um “arranjo” entre três componentes distintos: espírito,
obsessoras? Há mulheres que se vingam, que perseguem, que odeiam? Sim, mas perispírito e corpo físico. Ao declararem que o sexo depende da organização,
em número bem mais reduzido que os homens. deixaram bem entendido que a diferenciação sexual não alcança o núcleo da
* individualidade, representado pelo Espírito imortal, pois fica contida nos limites
Antes de prosseguir, talvez sejam convenientes algumas observações de caráter extremos da organização perispiritual.
doutrinário. Por outro lado, Emmanuel informa, em resposta à pergunta número 30: “Há
órgãos no corpo espiritual?” (1), que sim, pois o corpo físico “e uma exteriorização
aproximada do corpo perispiritual”, e prossegue acrescentando que tal exteriorização Assim, da mesma forma que os problemas alimentares, os de sexo não ficam
“subordina (-se) aos imperativos da matéria mais grosseira, no mecanismo das totalmente eliminados por um passe de mágica, simplesmente porque se deu a
heranças celulares, as quais, por sua vez, se enquadram nas indispensáveis desencarnação. Espíritos enredados nas tramas da sensualidade, tombam em
provações ou testemunhos de cada individuo”. situações calamitosas no mundo póstumo. Somente os mais purificados
Essa interdependência entre corpo físico e perispírito é acentuada por André Luiz conseguem libertar-se dos apelos da carne.
(2) ao declarar que: — “Entre os casais mais espiritualizados — informa Laura a André —, o carinho
“Os cromossomos, estruturados em grânulos infinitesimais de natureza e a confiança, a dedicação e o entendimento mútuos permanecem muito acima
fisiopsicossomática, partilham do corpo físico pelo núcleo da célula em que se da união física, reduzida, entre eles, a realização transitória.”
mantêm, e do corpo espiritual pelo citoplasma em que se implantam.” (Destaques “Inútil é supor — diz um elevado instrutor (1) — que a morte física ofereça
meus.) solução pacífica aos espíritos em extremo desequilíbrio, que entregam o corpo aos
É bastante compreensível, pois, que os seres que trazem o perispírito ainda desregramentos passionais.
espesso, regressem ao mundo póstumo, pela desencarnação, com uma pesada A loucura, em que se debatem, não procede de simples modificações do
carga fluídica, profundamente impreg cérebro: dimana da desassociação dos centros perispiriticos, o que exige longos
períodos de reparação.” E, mais adiante:
(1) “O Consolador”. FEB, 4ª edição, capítulo 1 — “Ciências Fundamentais: “Convictos desta realidade universal (a aquisição gradativa das virtudes) não
Biologia”. podemos esquecer que nenhuma exteriorização do instinto sexual na Terra,
(2) Evolução em dois Mundos”, 3ª edição, CAP. 6º, página 50.. qualquer que seja sua forma de expressão, será destruida, senão transmudada no
estado de sublimação.” (Destaques meus.)
nada de materialidade e, por conseguinte, de sensações e necessidades bem Não resta dúvida, portanto, do estudo doutrinário e das observações colhidas,
semelhantes às que experimentava na carne. por Espíritos credenciados, no imenso laboratório da vida, que o sexo persiste no
Isto é confirmado pelos relatos mediúnicos, sendo a série André Luiz bastante rica mundo póstumo, até que seja sublimado. A sublimação há de marchar, por isso,
em informações desse tipo. Para não alongar demais esta digressão, sugiro a junto com a sutilização progressiva do Espírito, pois que, chegado à condição de
releitura do capítulo 99 de “Nosso Lar”, sob o título “Problema da alimentação”. pureza, o sexo será, para o Espírito, apenas a lembrança de uma experiência
Informa Lísias que, há cerca de um século, a questão alimentar era muito séria ali valiosa que, entre outras, lhe serviu de degrau para a sua escalada.
na colônia. Muitos dos recém-chegados da carne “duplicavam exigências”. Queriam Retomando, porém, nossas perguntas iniciais, poderemos responder que,
mesas lautas, bebidas excitantes, “dilatando velhos vícios terrenos”. Quando a infelizmente, Espíritos que passaram por experiências no sexo feminino também
direção da colônia tomou providências mais enérgicas para coibir os abusos, odeiam, perseguem, obsidiam. Alguns são mesmo particularmente agressivos,
estabeleceu-se um comércio clandestino com os representantes das trevas que, rancorosos e violentos. É que; levando para o Além as suas frustrações, seus
agindo, como sempre, através das brechas que as nossas paixões inferiores lhes desvios, suas ânsias, recaem, fatalmente, em faixas desarmonizadas, onde se
abrem, utilizavam-se desse lamentável intercâmbio como instrumento de infiltração e consorciam com outros seres igualmente desarvorados, para darem
assalto à vasta organização regeneradora intitulada “Nosso Lar”. prosseguimento ao exercício das paixões incontroladas. Nesse estado, continuam
Foram implantadas severas medidas de correção e reajuste, mas os alimentos mulheres, sentindo e agindo como tais. Exercem seus poderes de sedução sobre
não foram totalmente abolidos, em virtude da condição perispiritual, ainda bastante outros seres, ganham “vestimentas”, “jóias”, “sapatos” e “perfumes”, a troco de
densa, da grande maioria dos que habitam aquela colônia. favores. Prestam serviços tenebrosos junto a companheiros encarnados,
No capítulo 18 dessa mesma obra, Laura informa que: mancomunados aos seus comparsas das sombras, que lhes asseguram uma
— “Afinal, nossas refeições aqui são muito mais agradáveis que na Terra. Há “boa vida” de prazeres e proteção contra a dor que as espera fatalmente, para o
residências, em “Nosso Lar”, que as dispensam quase por completo; mas, nas reencontro, um dia, lá na frente.
zonas do Ministério do Auxílio, não podemos prescindir dos concentrados fluídicos,
tendo em vista os serviços pesados que as circunstâncias impõem. Despendemos (1) “No Mundo Maior”, FEB, 5ª edIção, CAP. 11 — “Sexo”.
grande quantidade de energias. É necessário renovar provisões de força.”
(Destaques meus.) De outras vezes, são escravizadas, reduzidas à condição mais abjeta, e
Portanto, a alimentação com substâncias concentradas é ainda indispensável, seviciadas, perambulando, dementadas, em andrajos imundos, por vales de
mesmo para aqueles Espíritos mais esclarecidos, que se entregam a tarefas sombras espessas, até que, desgastadas pelo sofrimento, tenham um impulso de
redentoras, ainda que mais humildes. arrependimento que lhes possibilite o socorro de que tanto necessitam.
Temos tido algumas experiências com espíritos femininos. Já lembrei, noutro ponto É chegado o momento de começar realmente o processo de doutrinação. Até
deste livro, o caso da irmã que se empenhava em perturbar uma família, tentando aqui — o trabalho todo durou cerca de uma hora — o tempo foi aplicado em tatear
destruir um lar, para o que contava com o apoio de um sacerdote desencarnado, que a sua personalidade e os seus problemas, a fim de obter informações. Agora, já
a incentivava, e a isentava de culpa, “absolvendo-a”, provavelmente no dispomos de alguns elementos mais concretos. Digo-lhe, de início, que sua beleza
confessionário, da responsabilidade, sob a alegação de que, em encarnação anterior, física, de que tanto se orgulha, é mera criação de sua mente, mas ela está bem
ela também fora traída. preparada para o confronto. Pede um espelho, para me provar que não tenho
Tivemos o caso de uma jovem que se suicidara por uma paixão desvairada, numa razão. Nesse ponto, não obstante, vê junto dela um Espírito de aparência
antiga encarnação na Escócia, quando aquele a quem amava abandonou-a, grávida agressiva e pejado de vibrações desarmonizadas. É um antigo esposo, de quem
e na vergonha. Localizando-o como encarnado, perseguia-o, tentando — e ela matou todos os filhos recém-nascidos e os enterrou no jardim. Não queria
conseguindo — induzi-lo a erros bastante sérios. filhos, porque eles “deformam o corpo”. Está igualmente preparada para esse
Outra — fora irmã de caridade — atormentava uma criatura encarnada, em encontro. Na organização em que vive, como favorita de um poderoso líder das
cumprimento a “ordens superiores”. trevas, tudo aquilo lhe fora mostrado em retrospecto, por meio de imagens vivas,
Vimos, também, aquela pobre companheira, teleguiada por hábeis indutores, que em filme, para que ela pudesse, numa emergência como esta, suportar a
transviava um homem encarnado e era recompensada com festas, vestidos bonitos lembrança das suas próprias atrocidades, sem se perturbar e perder o “equilíbrio”.
e prazeres. Agora, enquanto revê as cenas, está aparentemente segura e coretinua a rir-se de
Em certa oportunidade compareceu uma bem mais difícil. Já há algum tempo tudo, dizendo que não adianta mostrar-lhe nada. A despeito do seu preparo, no
vinha tentando induzir um dos componentes do grupo a uma atitude extremamente entanto, não resiste muito tempo e entra em crise dolorosa, a pobre e querida irmã.
arriscada. O caso era apresentado de maneira sutil, inteligente, como se fosse a Seu ex-marido incorpora-se em outro médiuni e atira-lhe impropérios, entre dentes,
coisa mais natural do mundo. Seria apenas a antecipação do que, segundo o chamando-a de assassina. Diz-lhe que está à sua espera e ri, de prazer insano,
Espírito, estava já programado para mais tarde. Não haveria culpa alguma, portanto. ante o desespero em que ela se precipita. Dirijo a ele algumas palavras, tentando
Era “físicamente” simpática, apresentava-se bem vestida, unhas muito polidas, acalmá-lo, e me volto para ela, para ajudá-la a enfrentar o seu problema, as suas
sorridente, educada, cordial. recordações e, principalmente, o seu futuro. Ela me responde em perfeito inglês:
Várias vezes tentou influenciar o nosso companheiro, apresentando-se ante seus - 1º burned all the bridges behind me. (Queimei todas as pontes por que passei.)
olhos espirituais, ou durante o desdobramento do sono natural. Finalmente, Respondo-lhe que tentou também queimar as pontes para o futuro e, por isso,
comparece aos nossos trabalhos mediúnicos. se sente prisioneira numa ilha sinistra. É uma longa e penosa agonia! Sente as
Ri-se, muito divertida da situação. Tem a voz suave, envolvente e doce. Diz-se mãos sujas de sangue, detesta aquele vestido vermelho, que não consegue trocar,
muito bela, elegante, esguia, bem-cuidada. Conta casos, sorri, faz gestos graciosos e e começa a temer o momento fatal em que terá de deixar o médium para enfrentar
parece imensamente segura de si mesma. Trata-me com condescendência e a nova realidade que se pastou diante dela subitamente, mas, por certo, não
superioridade. Informa que “trabalha” junto a casais e que seu objetivo é libertar a inesperadamente. Elà pressente as dores que a esperam, pois muitas vezes deve
mulher, para que todas sejam como ela, felizes e livres para gozar a vida, sem ter presenciado esse momento dramático, em outros Espíritos endívidados. De
preconceitos. De vez em quando, pára a exposição para rir, pois deixa entrever que repente, começa nela um fulminante processo de envelhecimento, ao mesmo
se decepcionou profundamente comigo. Conhecia-me apenas de nome e a tempo em que suas roupas apresentam-se sujas e em frangalhos. Ela ainda
realidade não confere com a imagem que formulou a respeito da minha aparência. consegue dizer que seu ventre secou e, por fim, desprende-se com enorme
Acha-me, provavelmente, feio, desengonçado e ridículo. Diz que no mundo em que sofrimento para o médium, que ficou com os resíduos da sua profunda e dolorosa
vive é muito poderosa, porque é a favorita. Ainda muito condescendente, aconselha- angústia.
me, como amiga, a juntar minhas coisas e partir enquanto é tempo, pois não tenho a Poucas semanas depois deste caso, tivemos outra manifestação de Espírito
menor idéia do que estou fazendo e onde estou me metendo. Esquiva-se habilmente feminino. Também é das que se dizem atraentes e sedutoras, estando,
às perguntas, muito segura, inteligente e tranqüila. Quando lhe formulo questão mais obviamente, empenhada em fascinar criaturas encarnadas e desencarnadas, a
complexa, desculpa-se, dizendo que é uma mulher e não é dada à Filosofia. serviço dos seus mandantes. Vai logo dizendo, muito sorridente, que não venha
Do mundo espiritual, sugerem-me que lhe pergunte por que fugiu de um certo com as minhas conversas macias. Ainda se fossem outras conversas... diz,
castelo inglês. Ela continua a negacear, mas se mostra visivelmente transtornada. maliciosamente. Declara-se muito sutil e por isso é destacada para missões
Por fim, perde a calma, abandona a atitude de inconseqüente e superior delicadas. Teria descoberto que o pobre doutrinador é muito amado e teve o
condescendência, e ordena-me autoritariamente que me sente, o que não quero desejo de conhecê-lo pessoalmente; no entanto, mal pode esconder seu
fazer, para permanecer junto do médium que a recebe. desapontamento. Presa aos seus condicionamentos, esperava, por certo, que eu
fosse jovem e belo, e não um desenxabido senhor de cabeça a branquear. Digo-lhe *
que realmente sou um velho sem graça e quando lhe pergunto se ela é jovem, São essas algumas experiências com Espíritos ditos femininos. As vezes,
responde corretamente que o Espírito não tem idade. A uma outra pergunta minha, elas são obsessoras implacáveis, tão violentas e agressivas como os homens, tão
declara que vive no céu, pois o céu é um estado de espírito e ela é muito feliz. A irracionais quanto eles, nas suas paixões e no desejo insaciável de vingança; mas
conversa prolonga-se aparentemente sem rumo, mas é a fase em que são colhidas são estatisticamente em número reduzido, em relação aos Espíritos masculinos e,
as informações de que necessitamos para o trabalho real de doutrinação. decididamente, mais abertas ao entendimento e predispostas ao despertamento,
Depois de reunidos os elementos que me parecem suficientes, proponho-me a porque mais sensíveis ao apelo da ternura, da emoção, do respeito à sua condição
orar. Ela protesta, alegando que eu oro demais e, mal me levanto, ela se debruça feminina, ainda que estejam transitoriamente numa posição de aviltamento, ou,
sobre a mesa, em pranto, numa crise emocionante, dolorosa. Sinto por ela uma talvez, por isso mesmo. Ao sentirem que são tratadas como seres humanos,
infinita e paternal ternura e lhe falo com muito carinho. Ela deixa cair todas as guardas reagem como seres humanos, respondendo, mais cedo ou mais tarde, às
e me conta que é uma infeliz: foi explorada pelos homens aqui, na carne, e continua vibrações da nossa afeição.
a ser explorada do lado de lá. Vive num verdadeiro campo de concentração, com O mais comum, porém, em trabalhos mediúnicos, é encontrar mulheres que
outras criaturas infelizes. Enquanto “ela” estava lá — refere-se, como depois vêm recolher nos seus braços amorosos os companheiros recém-despertos. São
apuramos, à irmã atendida semanas antes e que descobrimos ter sido uma duquesa velhos e seculares amores: mães, esposas, filhas, irmãs, que guardaram ternuras
— foi protegida; depois, não. Havia sido incumbida de uma tarefa, junto à esposa de profundas, alimentadas em esperanças que nunca se apagaram, nem mesmo
alguém que estávamos interessados em ajudar; mas, ao chegar junto a essa pobre esmoreceram. Comparecem, às vezes, ainda enoveladas, elas próprias, em
senhora, viu-a em pranto, a chorar às escondidas. Teve pena dela e ficou sem resgates dolorosos, mas quase sempre já mais avançadas no caminho da
coragem de executar friamente o seu mandato. pacificação. Algumas encontram-se de há muito revestidas de luz e harmonia. Um
(Estava presente também quando telefonei para essa amiga encarnada, para destes casos, intensamente dramático, está relatado por André Luiz, em
consolá-la de dores que me havia confiado.) Aproveito para dizer-lhe que foi aquele “Libertação”. Matilde desce aos subterrâneos da dor, para resgatar o seu amado
momento de compaixão, diante da sua vítima em perspectiva, que a salvou, Gregório, que se transviara lamentavelmente, e é com o seu amor apenas — e é
permitindo que fosse, por sua vez, socorrida. Sente-se muito desconcertada e tudo! — que enfrenta a sua cólera, numa cena inesquecível.
arrependida de ter-me tratado como tratou, de início. Quando lhe digo que tenho
idade para ser seu pai, ela me interrompe para afirmar que não teve a intenção de TERCEIRA PARTE _ O CAMPO DE TRABALHO
me ofender: Como estou, precisamente naquela noite, comemorando 56 anos de 24 O PROBLEMA
idade, digo-lhe que ela acaba de me dar o mais lindo presente: seu coração. Ela O ser humano, encarnado ou desencarnado, vive no clima da emoção,
teme seus verdugos e está apavorada ante as perspectivas de ser arrastada por pressionado ou sustentado por ela, levado por ela às furnas mais profundas da dor
eles, ao deixar o médium. Sente-se muito emocionada ante o carinho e o respeito e da revolta, ou alçado aos píncaros da felicidade e da paz. Ela nos afeta, mesmo
com que a tratamos, se diz cansada e confessa que até aos meus prejudicou quando, ocasionalmente, parece não existir em nós. É oportuno lembrar que
bastante, em suas atividades, Vê, agora, ao seu lado, uma jovem pacificada e emoção, etimologicamente, quer dizer ato de deslocar, ou seja, mover. Arrastado
tranqüila, que veio recebê-la, mas um dos emissários da sua tenebrosa organização pela emoção, o Espírito se desloca, num sentido ou noutro, caminhando para as
está presente, em outro médium, e tenta confundi-la, dizendo que a moça que a trevas de sofrimentos inenarráveis ou subindo para os planos superiores da
espera também é deles, o que não é verdade. Pergunto se ela confia em mim. Diz realização pessoal, segundo ele se deixe dominar pelo ódio ou se entregue ao
que sim. Peço-lhe que siga a moça, e ela parte, repetindo uma pequena prece que amor. Esse deslocamento o conduz a extremos de paixão, que o esmaga, ou a
lhe sugiro: culminâncias de devotamento, que o santifica, e, muitas vezes, em estágios ainda
— Jesus, me ajude! inferiores da evolução, confunde-se em nós a realidade ódio/amor, e nos
Houve, neste caso, um pós-escrito. O companheiro que se incorporou em outro confundimos nela e com ela, porque é comum tocarem-se os extremos.
médium, para ameaçá-la, perguntou se eu ainda dispunha de tempo para atendê-lo. O trabalho de desobsessão não deve ignorar essa realidade. Freqüentemente, o
Respondi-lhe que, infelizmente, não, porque tínhamos uma disciplina de trabalho, processo da desobsessão se desencadeia, de maneira paradoxal, por amor, e é
que precisava ser obedecida, mas poderíamos conversar na oportunidade seguinte, lembrando esse aspecto que conseguimos, às vezes, ajudar os Irmãos, que se
com o que ele concordou, dizendo que voltaria. No decorrer da semana, porém, atormentam mutuamente, a colocarem um ponto final nas suas angústias. O que
nossos mentores disseram-nos que ele havia sido doutrinado no mundo espiritual acontece éque temos em nós todos o instinto egoísta — e quase todos os instintos
mesmo, e que se esclarecera, não sendo, portanto, necessário trazê-lo novamente são egoístas — de conservar a posse total do objeto de nossa preferência ou
ao grupo. afeição: a esposa, o esposo, o filho, o dinheiro, a posição social, o poder.
Suponhamos que a esposa nos traia, que o filho nos rejeite, que o dinheiro ou o habitual, ligaram-na com o próprio companheiro, objeto de seus rancores, pois ele
poder nos sejam arrebatados. também dispunha de excelentes faculdades mediúnicas. Quando ela percebeu
Passamos imediatamente a odiar os que nos privaram da posse daquilo que que falava por seu intermédio, retirou-se prontamente, muito chocada. De outras
amamos ou valorizamos. Com isto, percebemos que amor e ódio são duas faces de vezes, ele tentou dialogar com ela, mas a experiência foi negativa, pois a sua
uma só realidade, luz e sombra, que em determinado ponto absorveram-se uma na palavra parecia exacerbar o rancor que a infelicitava.
outra, criando uma opressiva atmosfera de penumbra, na qual perdemos a visão dos Esse drama durou meses, semana após semana. E ela, irredutível. Certa vez,
caminhos e o senso da direção. Para desfazer esse clima de crepúsculo, que agonia sentindo que começava a ceder aos argumentos ou aos sentimentos de afeição
e desorienta o Espírito, é preciso ajudá-lo a identificar bem seus sentimentos, a fim de que colhia no grupo, ela desligou-se subitamente do médium. Nossos benfeitores,
separá-los. Estejamos certos, para isso, de uma realidade indisputável, ainda que por doce constrangimento, trouxeram-na de volta, já em pranto. Ela veio indignada,
pouco percebida: o amor, como dizia Paulo aos Coríntios, não acaba nunca. Mesmo revoltada, falando entre lágrimas:
envolvido, soterrado no rancor e na vingança, ele subsiste, sobrevive, renasce, está — Quando vai terminar esta farsa?
ali. O ódio não o exclui; ao contrário, fixa-o ainda mais, porque em termos de Pacientemente, o doutrinador lhe devolveu a pergunta com outra:
relacionamento homem/mulher, o ódio é, muitas vezes, o amor frustrado. Odiamos — Você acha, minha querida, que suas lágrimas também são uma farsa?
aquela criatura exatamente porque parece que ela não quer o nosso amor, porque Estava chegando ao fim de sua longa e penosa agonia Íntima. Começou a
nos recusa, nos traiu, nos desprezou, porque a amamos... ceder, à medida em que o amor reacendia a sua chama, a princípio timidamente, e
No momento em que conseguimos convencer o companheiro desencarnado, em depois, com todo o vigor antigo, mas agora purificado, expurgado da paixão que
crise, que ele odeia porque ainda ama, ele começa a recuperar-se, compreendendo fora a sua perda. Acabou por reconciliar-se com o seu antigo amado.
que essa é uma verdade com a qual ele ainda não havia atinado. Por mais estranho Esta história, tão verídica e dramática quanto a própria vida, teve um final
que pareça, o rancor contra a amada, ou o amado, que traiu ou abandonou, é que emocionante e, graças a esse episódio, vivi uma das mais belas e comovedoras
mantém acesa a chamazinha da esperança. Aquele que deixou de amar é porque emoções da minha experiência no trato com os Espíritos.
não amou bastante e, com menor dificuldade, desliga-se do objeto de sua dor. Cedo Certa noite, ela veio apenas para despedir-se. O drama e a dor estavam
compreende que não vale a pena perder seu tempo, e angustiar-se no doloroso encerrados. Agora, era a retomada da trilha evolutiva, a perspectiva de novas
processo de vingar-se, dado que — e isto também pode parecer contraditório — não experiências redentoras: a querida irmãzinha preparava-se para reencarnar-se,
podemos ignorar o fato de que a vingança impõe, também ao vingador, penosas perfeitamente reconciliada com a vida e com o amor. Foi-nos permitido identificá-la
vibrações de sofrimento. na nova encarnação que se iniciava sob tão belos auspícios e tão gratas alegrias
Vários casos assim temos encontrado na experiência de nossos grupos. para todos aqueles que a amavam.
Um desses foi comovente. O Espírito manifestante era de uma mulher. Seu antigo Renasceu. Uma bela criança, em lar feliz e equilibrado. Logo aos primeiros
companheiro, ora encarnado, fazia parte de nosso grupo e ela ainda trazia em seu meses de sua nova existência, tive oportunidade de vê-la. Visitava eu a família, e a
coração um rancor que 130 anos não conseguiram extinguir. Fora muito bela, jovem mãe me chamou para ver a criança. Entramos no quarto em que ela dormia
inteligente, de elevada posição social, e rompera com todas as convenções da época profundamente. A mãe acendeu a luz, sob meus protestos, pois temia que ela
para segui-lo. E por mais de um século, recolhida ao mundo espiritual, achara que acordasse, mas ela continuou dormindo. Era linda, e dormiu ainda alguns
não valera a pena o seu sacrifício e que ele não dera valor às suas renúncias e nem segundos. Depois, abriu os olhinhos, contemplou-me — seu antigo doutrinador,
as merecera. com quem sustentou batalhas impetuosas — e me deu o prêmio inesperado de
Foi muito difícil o diálogo com ela. Tudo foi tentado pelos nossos queridos amigos um belissimo sorriso... Em seguida, adormeceu novamente, como um anjo que
espirituais. Levaram-na a um encontro com ele desdobrado pelo sono — a um local, era. Senti naquele sorriso a mensagem da paz e da gratidão. Seus olhinhos
na Europa, onde viveram momentos de intensa felicidade e enlevo. Ajudavam, como exprimiam felicidade e amor. Sua expressão me dizia, na linguagem inarticulada
podiam, o doutrinador, nos seus esforços. Ela era muito brilhante e estava muito da emoção:
magoada: tinha respostas oportunas, encontrava em si mesma todas as justificativas — Ah! É você? Eu já estou aqui, amigo...
para continuar agindo daquela maneira. Afinal de contas, não pensara noutra coisa, Sem dúvida alguma, o amor também renascera com ela. Seu antigo
por mais de um século! Promoveram, os benfeitores espirituais, encontros com um companheiro recebe dela, hoje, o amor transcendental da neta muito querida pelo
filho que o casal tivera naquela ocasião e que se encontrava também no mundo avô, que mereceu também a bênção do reencontro e da reconciliação.
espiritual, bastante pacificado e dedicado ao trabalho construtivo. Reencontrou-se *
ela, também, com outra filha — esta reencarnada — à qual se dirigia com carinho e A coisa não é tão fácil quando o Espírito desajustado persegue aquele que o fez
afeição, através do médium. Nada. Certa vez, em lugar de ligá-la ao seu médium perder a posição, o poder, o dinheiro ou o amor. Quase sempre se esquece o
vingador de que ele próprio desencadeou o mecanismo do resgate quando, em conseguiu despertar em mim uma reação idêntica à sua, ou seja, também de
passado esquecido, mas indelével, cometeu faltas idênticas contra o próximo. Na irritação, para que se criasse o clima da desavença que pensam convir-lhes. Como
confusão em que se envolve, o culpado de sua queda, de suas frustrações, não são me mantinha sereno e imperturbável, ele se esvaziou pouco a pouco do seu
os seus próprios enganos, é aquele que ali está, encarnado ou desencarnado. Sua ímpeto e partiu, algo desapontado, mas ainda não convencido, talvez pensando
revolta e sua angústia como que se personalizam, objetivam-se, e é mais fácil em descobrir um método qualquer de me irritar, a fim de arrastar-me para a sua
lutarmos e tentarmos destruir uma pessoa, que identificamos como causadora de faixa vibratória, onde melhor poderia alcançar seus propósitos. Na semana
nossa derrota, do que enfrentarmos a dura realidade de que a causa está em nós seguinte deu-se a coisa mais linda. Incorporou-se ao seu médium, ao meu lado,
mesmos e que o ser a quem perseguimos foi apenas o infeliz instrumento da lei. olhou-me e disse, com voz emocionada, em tom e em palavras que nunca mais
Nossos erros são cometidos contra a lei divina; é preciso deixar a ela o trabalho de me esquecerei:
reajuste. Aquele que assume a posição de tomar a justiça divina em suas mãos, está — Não precisa armar-se. Você já me ganhou...
reabrindo o ciclo da dor, em vez de fechá-lo com o perdão. Mais uma vez é preciso Uma simples frase dessas descreve um mundo de emoções e de decisões que
lembrar aqui a técnica desobsessiva que o Cristo nos ensinou: um livro não poderia conter. Que me restava dizer a ele, senão da profunda
“Ouvistes dizer: Amai vosso próximo e odiai vosso inimigo. Pois vos digo: Amai os emoção e gratidão pela sua resposta ao sentimento da fraternidade?
vossos inimigos e rogai pelos que vos perseguem, para que sejais filhos de vosso O doutrinador tem que estar, pois, muito atento, para não deixar envolver-se
Pai celestial, que faz brilhar o seu sol sobre os maus e sobre os bons e chover sobre pelo rancor que o Espírito traz em si. Um confrade, experimentado nas lides
os justos e os injustos. (1) espíritas, e que acumulou, ao longo dos anos, extenso rol de casos curiosos,
Orar por aqueles que nos perseguem não é apenas um preceito evangélico teórico contou-me que um doutrinador desavisado, profundamente irritado com o
— e já seria muito, por certo — é um ensinamento do mais elevado valor prático, desajustado Espírito manifestante, berrou-lhe, no auge da desarmonização:
ante os companheiros com os quais nos desentendemos no passado. O rancor que — Materializa-te, que quero te dar uma bofetada!
sentem por nós sobrexiste, ou se dilui, segundo nossas próprias reações, sempre *
observadas atentamente pelos nossos cobradores. Se os odiamos também, o ódio A situação é consideravelmente mais difícil quando o doutrinador defronta-se
que nos votam sustenta-se, fica estimulado, persiste, atravessa os séculos e os com seu próprio obsessor. Neste caso, a tarefa assume implicações de natureza
milênios. Isto é uma realidade terrível, que multidões de sofredores ignoram, muito pessoal, para as quais o doutrinador tem que estar preparado. Mais adiante,
lamentavelmente. Se deixamos de odiar e passamos a orar por aquele que nos estudaremos um caso destes. Neste ponto, basta extrair da situação um
atormenta, libertamos pelo menos dois seres: a nós e a ele, além de outros que ensinamento
possam estar comprometidos no processo. extremamente precioso e que nunca deve ser esquecido: o de que o
Nunca será suficientemente enfatizada a importância deste conceito, em trabalhos arrependimento e o remorso também devem ser construtivos. Isto vale, tanto para
de desobsessão. Isto é válido também — e como! — para a maneira pela qual o que persegue, quanto para o perseguido.
recebemos nossos irmãos em desajuste e com eles dialogamos. Deixaremos para Tentemos explicar este delicadíssimo mecanismo.
debater esse aspecto mais adiante, quando cuidarmos das técnicas e recursos Imaginemos um Espírito desencarnado, envolvido num tenebroso processo de
sugeridos para o trabalho. Convém, no entanto, insistir e repetir: os Espíritos em obsessão. Ele persegue e vinga-se de alguém implacavelmente, século após
(1) Mateus, 5:43-45. A Bíblia de Jerusalém esclarece, em nota de rodapé, que a expressão odiai século, num ódio que parece não ter fim e que nunca chega à saciedade, pois é da
vosso inimigo não se encontra no texto da lei, o que é verdadeiro, pois não consta de Levíticos, 19:18, natureza do ódio jamais satisfazer-se em si mesmo. É certo que ele ignora,
de onde foi extraída a citação. Esclarece, porém, que a expressão era forçada, por causa da pobreza consciente ou não, a causa anterior que determinou o efeito da sua dor. Digamos
da língua, O vocabulário da época, ao que se depreende, não tinha uma expressão correta para que ele tenha sido assassinado, por alguém, enquanto exercia elevada posição de
descrever o sentimento que não seria nem amor, nem ódio, nem indiferença e, por isso, todo aquele mando, como um rei, por exemplo, ou déspota medieval. Toda a sua cólera, no
que não fosse amigo, seria inimigo; tudo o que não pudesse ser considerado amor, era ódio. De certa
mundo das trevas, se concentra naquele que provocou a sua desencarnação. Ele
forma, essa pobreza semántica perdura.
não quer saber que anteriormente, naquela vida ou em outra, remota ou não, ele
estado de perturbação avaliam as nossas emoções e não as nossas palavras.
mesmo praticou falta semelhante e agora recebe a visita inevitável da lei. Ele só
Estão, no fundo, ansiosos de que os convençamos de seu erro, porém jamais
sabe que aquele miserável o matou e, portanto, merece todos os castigos e
reconheceriam isso. Se no debate opusermos nossa irritação à deles, nada
punições. Além do mais, ele sabe também que, ao errarmos, expomo-nos, a
conseguiremos senão confirmá-los nos erros em que se enquistaram através do
nosso turno, à cobrança, o que, na sua maneira de pensar, dá-lhe o “direito” de
tempo, repetindo enganos e desenganos.
punir e de vingar-se.
Lembro-me de um exemplo, entre muitos, dessa curiosa posição espiritual, O
companheiro manifestou-se impetuoso e logo revelou-se indignado porque não
Suponhamos, ainda, que ao cabo de uma feliz doutrinação, aquele severo Em termos humanos, sim, fora grande, desde remotíssimos tempos, desde o
perseguidor resolva, afinal, encerrar o processo da vingança. Está cansado, chegou antigo Egito até à Europa moderna. Mas, o que é realmente a grandeza?
à conclusão de que não vale a pena continuar, porque um dos grandes infelizes é ele “O maior dentre vós seja vosso servidor” — disse o Cristo, segundo Mateus,
próprio; ou, mais grave ainda, descobriu que, no passado, ele próprio cometeu faltas 23:11, “pois o que se exalta será humilhado e o que se humilha será exaltado.”
muito mais terríveis do que aquela que pretendeu cobrar, em nome de um Deus em Em Lucas (22:24-27) o texto é ainda mais explícito:
que ele mesmo não acreditava. Pode ele, em tais circunstâncias, descer a abismos “Entre eles, houve também uma discussão sobre quem parecia ser o maior. Ele
de autocomiseração e dor. Temos tido oportunidade de presenciar arrependimentos lhes disse: Os reis das nações governam como senhores absolutos e os que
dramáticos, desesperados. exercem autoridade sobre elas se fazem chamar benfeitores; mas não assim,
É o momento de ajudá-lo a construir algo com os salvados de sua tragédia, entre vós, senão que o maior entre vós seja como o menor, e o que manda, igual
mostrando-lhe que o remorso deve ser construtivo, senão ele, que estava parado na ao que serve. Porque quem é o maior, o que está à mesa ou o que serve? Não é o
estrada da evolução, vai continuar paralisado pelo remorso. que está à mesa? Pois eu estou entre vós como aquele que serve!”
De outro lado, vejamos o perseguido, ou obsidiado. Nem sempre ele sabe por que Portanto, o conceito de grandeza formulado pelo Cristo não foi o de servir às
sofre os rigores da vingança. O erro vem de muito longe, e deve ser muito grave, nossas paixões, mas o de servir ao semelhante. Ele mesmo, cuja verdadeira
para que ele sofra daquela maneira, mas ele desconhece as causas da sua dor e grandeza era impossível de ser ocultada, confirmava-se como simples servidor.
nem sequer tem oportunidade de enfrentar, num diálogo, o seu obsessor. Como Em outra oportunidade, utilizando-se de sua impecável didática, Jesus confirmou
Espírito, ele não o ignora; apenas o véu do esquecimento o protege, como a todos e ampliou o seu pensamento, como a que nos demonstrar, sutilmente, que não
nós, de lembranças extremamente dolorosas, que não temos condição de suportar tínhamos noção real do conceito de grandeza:
com a nossa consciência de vigília. Se ele tem oportunidade, porém, de conhecer a “Em verdade vos digo que não há, entre os nascidos de mulher, maior do que
razão de sua obsessão, e entrega-se ao remorso desenfreado, dificulta a libertação João Batista; contudo, o menor no Reino dos Céus é maior do que ele.”
de seu próprio Espírito e do de seu verdugo. Por outro lado, ele não pode ignorar o Vemos, assim, que os parâmetros humanos de aferição da grandeza são
arrependimento, pois é exatamente este sentimento que lhe dá os primeiros recursos inaceitáveis em termos espirituais. Entre nós, que tudo -avaliamos segundo a
para livrar-se da dor. Sem arrependimento, colocamo-nos em posições nas quais insignificância de nossas medidas, tudo o que sobreleva à mediocridade dos
não podemos sequer ser ajudados. A situação é, pois, muito complexa e delicada, nossos horizontes torna-se grande, mesmo que do lado negativo da ética. É um
porque o mesmo sentimento de remorso que o levou a merecer ajuda, pode retê-lo à grande criminoso aquele que mata com requintes de crueldade uma pessoa ou
mercê do seu perseguidor, se não for canalizado para fins construtivos, O remorso é, duas, mas é um grande guerreiro aquele que mata milhares. É grande o que
pois, uma flor belíssima, de muitos e pontiagudos espinhos. É preciso estudá-lo, tratá- disputou e conquistou a sangue e fogo posições de mando e governou multidões
lo com serenidade, equilíbrio e humildade. Sim, estamos arrependidos do erro com pulso de ferro. São grandes os “príncipes” da Igreja, que ampliaram os
cometido contra o irmão; mas não podemos permitir que o nosso arrependimento poderes materiais da organização. É grande o escritor que obteve muito sucesso
alimente indefinidamente o seu rancor. É nisso, aliás, que ele se esforça: manter a literário, quer sua obra seja construtiva ou desagregadora.
sua vítima sempre lembrada do erro, porque o arrependimento serve dupla-mente, Nessa invertida escala de valores, a criatura evangelizada, serena, amorosa,
tanto para fazê-la sofrer, como para estimular a cobrança, que se eterniza. que leva uma existência a serviço do próximo, em renúncias ocultas e no silêncio
— Paga a tua dívida! — gritou certo companheiro desarvorado. do anonimato, passa despercebida, ignorada e até desprezada.
Mas, pagar como? Que entenderia ele por pagar a dívida? Certamente que com a Isto nos induz a colocar sob suspeita nossos critérios usuais de avaliação da
dor que resgata e com o arrependimento que nos retém preso a ela. É uma situação grandeza, pois eles nos têm levado, ao longo do tempo, a cometer tremendos
extremamente critica e delicada. enganos. Confundimos, freqüentemente, o exercício do poder com a grandeza.
Ainda voltaremos a este tema, que contém outras implicações e conotações de Os sinais exteriores do poder nada dizem sobre o gabarito moral do Espírito que
grande interesse para o trabalho de doutrinação. os detém. E muitos de nós, no passado e no presente, temos nos deixado levar
pela perigosa ilusão de que somos grandes, somente porque dispomos de
25 O PODER autoridade incontestada; mas, quantas vezes, como simples anões espirituais, não
Muitos dramas, cujos vagalhões vêm rebentar em nossas mesas de trabalho temos subido as escadarias do poder? O pior, no entanto, é que o vírus do poder
mediúnico, têm o seu núcleo principal na terrível paixão pelo poder. Um Espírito nos contamina, e a infecção instala-se em nós, por séculos e séculos. Espíritos
disse-me certa vez em que dialogávamos: atingidos por esse deslumbramento lamentável arrastam consigo, para o mundo
— Sempre fui grande! espiritual, a paixão invencível do mando, e lá se juntam às organizações trevosas,
que se utilizam deles para oprimir e espalhar a desarmonia por toda parte. Eles se
prestam a isso, contanto que lhes sejam conferidos os sinais externos do poder, as terminantemente a um diálogo que possa arrastá-los para a faixa da emoção, da
insígnias, os séquitos, os tronos, bem como o comando de vastas organizações brandura, da compaixão, da sentimentalidade. Enquanto estiverem no exercício do
opressoras, pois não aprenderam, ainda, a viver fora desse clima. poder estarão ao abrigo da dor maior, de enfrentarem a si mesmos. É mais fácil
A decepção de alguns desses Espíritos é terrível, quando se encontram privados enfrentar a dor dos outros.
daquilo que constitui o próprio ar que respiram. Kardec nos preservou a comunicação
de uma rainha indiana de Ouda. (“O Céu e o Inferno”, Segunda Parte, capítulo VIL.) 26 VAIDADE E ORGULHO
— “Vós, que vivestes nos esplendores do luxo, cercada de honras, que pensais Muito ligado ao problema do poder está o da vaidade, e também o do orgulho.
hoje de tudo isso?” Vimos como se entrelaçam, no caso da rainha indiana.
— “Que tenho direito.” A vaidade se apresenta sob muitos aspectos e é claro que nem sempre está
— “A vossa hierarquia terrestre concorreu para que tivésseis outra mais elevada associada ao exercício do poder. Às vezes, limita-se aos cuidados com a
nesse mundo em que ora estais?” aparência “física”, as vestimentas, ou à inteligência.
— “Continuo a ser rainha... Que se enviem escravas, para me servirem!... Mas... Muitos são os que nos visitam, nas sessões mediúnicas, em estado de
não sei... parece-me que pouco se preocupam com a minha pessoa, aqui... exaltação vaidosa. Há os que se julgam muito belos (ou belas), os que ostentam
Contudo, eu... sou sempre a mesma.” condecorações, jóias, mantos, séquitos de servidores e acólitos, bem como os que
E depois: alardeiam conhecimentos intelectuais estupendos. Um desses foi enfático. Dirigia
— “Tendes inveja da liberdade de que gozam as européias?” uma organização que mantinha Espíritos aprisionados sob as mais abjetas
— “Que poderia importar-me tal liberdade? Servem-nas, acaso, de joelhos?” condições do submundo das dores. Ao apresentar-se, falou imediatamente sobre
Outra grande dama, ex-rainha da França, em condições melhores do que a da si mesmo: era belo, poderoso, “divino
infeliz rainha indiana, encontrou em elevada posição, no mundo espiritual, alguém — Você me vê? — pergunta-me.
que fora obscuro servidor da sua corte e de quem agora ela dependia para ser Sempre fora importante. É o senhor daquela região (o médium havia sido
ajudada. levado, por desprendimento). Tem ali muitos prisioneiros, guardados por um velho
Muitos são, no entanto, os que se revezam nos postos de mando, aqui e lá, que, em tempos passados, fora seu escravo, e que chicoteou, em nossa
montando e dirigindo terríveis organizações especializadas no crime espiritual. presença. Quanto a mim, devo-lhe algo muito sério, pois lhe arrebatei alguém que
Dificilmente comparecem aos trabalhos de doutrinação os verdadeiros chefes estava destinado a ficar também, como prisioneiro, em seus tenebrosos domínios.
dessas organizações. Vêm geralmente seus emissários mais credenciados, Quando comparece da segunda vez, faz uma cena, fingindo ser um pobre
assessores de confiança, seus destacados líderes. enforcado, necessitado de socorro urgente e de passes restauradores. Ao
Um deles, que se apresentou como líder religioso, me disse: perceber que não conseguiu iludir-nos, ri, desapontado, dizendo que estamos
— Meu Imperador é Fulano — e disse o nome de alguém que, em tempos idos, ficando muito sabidos e perigosos. Retoma o diálogo irônico, envolvente,
comandou exércitos e povos. inteligente. Revela-se um dos magistrados do Espaço. Cabe-lhe fazer com que a
Mesmo com os chefes menores, o trato é difícil, e não devemos alimentar lei seja cumprida. Não é ele quem retém seus prisioneiros; são seus próprios
esperanças de rápidas e radicais conversações. Épreciso compreendê-los, no crimes, e eles querem ficar lá, numa autopunição inevitável. Volta a dizer que é
próprio contexto em que vivem. Como vão deixar o poder? Entregá-lo a quem? E por belo, brilhante e poderoso. Sente-se nele a evidente satisfação consigo mesmo,
quê? Como irão viver sem as pompas, as ordens, as expedições, os planejamentos, com aquilo que faz, a alegria quase infantil com que contempla a si mesmo, e à
as verdadeiras campanhas que desencadeiam contra aqueles que consideram seus sua obra sinistra.
irredutíveis adversários? Como voltar a ser um simples e endívidado Espírito, Fez com alguns companheiros encarnados um pacto. Poder versus poder. Ele
despojado de suas próprias “defesas”? os ajuda a conquistarem uma fatia de domínio, no lado de cá da vida, e eles lhe
Sim, porque sabem muito bem que, enquanto permanecerem ligados àquelas dão, por sua vez, a parte que lhe toca. A essa altura, propõe, também a mim, uma
tenebrosas estruturas, estão adiando o momento do encontro consigo mesmos, com barganha: libertará aqueles em quem estou interessado, em troca de uma
suas mazelas, suas consciências, seus remorsos. Enquanto estão ali, permanecem condição: devo “depor as minhas armas”. E, muito vivo e inteligente, antecipa
ao abrigo dos olhares amargurados de antigos amores, que o tempo não apagou. minha resposta:
Por que trocar a glória, que chega às fronteiras da “divinização”, pelo sofrimento — “Sei que você vai dizer que o amor não é uma arma...
anônimo, pela reencarnação de resgate? Não só isso, respondo-me, mas, também não tenho autoridade para fazer
O único jeito, a única saída possível, está em agarrarem-Se tenazmente ao poder, acordos. Fale com meus superiores, lá mesmo, no mundo
que exercem com a sensibilidade anestesiada. É por isso, também, que se recusam
espiritual. Tudo ele tenta, inclusive o meu envolvimento, com elogios e lisonja. 27 PROCESSOS DE FUGA
Depois, perde a paciência, indignado. Não está acostumado a resistências assim, A contínua observação desses métodos, ao longo dos anos, vai desenhando
irracionais e tolas, ele que é um “deus”. para nós um perfil mais nítido dos segredos e mistérios do transviamento moral. As
Coitado! Como é difícil cair do pedestal... mas vai aos poucos cedendo, e enquanto atitudes agrupam-se e, em cada uma delas, repetem-se os gestos, as palavras, os
entra em crise, o pior lhe acontece, pois vê sua beleza física desmoronar-se impulsos, as motivações. No entanto, guardam todas, e cada uma delas, a sua
lentamente, enquanto um súbito e estranho processo de envelhecimento destrói-lhe individualidade e as suas surpresas. Não sei como explicar esse jogo, entre o
as belas feições. Ouve choro de crianças (te-las-ia sacrificado?) e, por fim, confessa inédito e o esperado. Parece que as posições são basicamente as mesmas, mas,
que seu ódio “perdeu a força”. dentro delas, cada um toma o caminho que lhe impõem os seus fantasmas
É uma afirmativa desesperada, arrancada do fundo de si mesmo, e não deve ter interiores. Em suma: há certas constantes que se repetem, que se cristalizam, que
sido fácil para ele reconhecê-lo; a crise começou a precipitar-se nele, a partir do constituem modelos, padrões, ou o que seja, dentro dos quais a individualidade de
momento em que deixou de ser belo. Demonstrada, a ele próprio, a insuficiência da cada um se preserva, mantendo certa autonomia. Ë como se, num conceito amplo
vaidade física, as demais vaidades também entraram em colapso. de determinismo difuso, eles agissem dentro de um amplo raio de livre escolha.
* Vamos a alguns exemplos.
Quanto ao orgulho, visita-nos com igual freqüência, e vem sempre associado à Uma das constantes, identificadas nesses Espíritos que perseguem, que
vaidade ou ao poder, ou a ambos. Alguns nos invocam a velha fórmula: dominam, que espalham a dor, é a fuga. Fogem de si mesmos, das suas próprias
— Você sabe com quem está falando? dores, das suas angústias e frustrações.
Comandam vastas instituições do terror. Apresentam-se aparentemente tranqüilos Sejam quais forem as justificativas que invoquem para as suas atitudes —
e seguros, ou assaz rancorosos e agressivos. Às vezes são, de fato, muito brilhantes quando as apresentam — o mecanismo é sempre o mesmo: procuram esquecer
e cultos, artificiosos no raciocínio envolvente, na formulação de perguntas seus próprios crimes e aflições, adiar o encontro com a verdade, anestesiar-se na
embaraçosas, hábeis manipuladores do método socrático, com o objetivo de obter a insensibilidade, pelo cruel e desumano processo de acostumar-se à fria
condenação do doutrinador, através de suas próprias palavras. Que prazer sentem contemplação da dor alheia. É preciso entendê-los bem. Não são monstros
em oprimir e dominar! Que orgulho pelas posições que ocupam, conquistadas com irrecuperáveis, que merecem o santo horror e a condenação eterna. Não são
dores e sofrimentos infligidos ao semelhante! Vivem, literalmente, em pedestais, dos seres desprezíveis, que tenhamos de abandonar à sua própria sorte, para sempre.
quais nem pensam em descer, porque, se o fizerem, encontrarão seus próprios Temos que nos aproximar deles com sentimento de amor fraterno e de
fantasmas, suas culpas, suas angústias pessoais. Alguns crêem-se realmente compreensão, não com nojo, como se fôssemos os redimidos, e eles os réprobos
divinizados e onipotentes. Um deles me disse que acreditava em Deus: perdidos em seus crimes. Temos de entender que estão em fuga. A couraça de
— O fato de eu existir — afirmou —, prova que alguém me criou. que se revestem émais frágil do que parece, e não é impenetrável aos fluídos sutis
Mas, quanto ao Cristo, fora um fraco. Nada tinha contra Ele, contanto que Ele não do amor. Defendem-se da dor, atacando, agredindo, maltratando. Tentam cicatrizar
interferisse com seus planos, que eram grandiosos. suas próprias feridas abrindo ferimentos em outros corações. No fundo, sabem
Outro companheiro, chocado com o tratamento que haviamos dispensado ao seu que podem somente adiar o reencontro com as suas realidades interiores, mas
“chefe”, através de outro médium, manifestou-se irritado, até mesmo algo assustado, não ignorá-las para sempre. Quantos deles nos têm dito que sabem muito bem
dizendo-nos que nem fazíamos idéia de quem era ele, pois, do contrário, não o disso, mas que saberão “ser homens”, quando chegar, para eles também, a
teríamos tratado daquela forma. Ele era muito importante mesmo: cobrança! Enquanto não chega, prosseguem suas tarefas abomináveis. Sabem
— Ah! se você soubesse quem é ele... de suas responsabilidades, e imaginam, com bastante precisão, o que os espera
E os antigos “Príncipes” da Igreja, que comparecem tremendamente enfatuados, um dia, quando “caírem”. Por isso mesmo é que resistem, enquanto podem,
condescendendo em conversar conosco, trânsfugas miseráveis, traidores vis, buscando apoio nas organizações a que pertencem, pois essa é a lei a que se
envolvidos com uma doutrina maléfica, demoníaca, como o Espiritismo? Que apegam: a lei da solidariedade incondicional, que os protege mutuamente do dia
pompa, coitados! Que olímpica indignação! do despertamento.
Um destes me conheceu em antiga encarnação, durante a Reforma Protestante, Essa é a doutrina da fuga.
onde fôramos adversários, no campo teológico. Num “flash” de inspiração, pois estou Por outro lado, quem foge precisa de esconderijos para ocultar-se. No caso,
familiarizado com as minúcias da história da Reforma, identifiquei-o pelo nome. Era ocultar-se de si mesmo. São muitos, esses refúgios. O principal deles talvez seja o
ele mesmo. Acabamos, ambos, descobrindo as fontes ocultas de seu fanatismo esquecimento do passado. Este recurso é básico, essencial mesmo, para aquele
religioso: em tempos idos, ele fora um daqueles que apedrejaram Estevão... que precisa, perante sua própria consciência, justificar, por exemplo, uma vingança
impiedosa, que se prolonga no tempo e vara séculos ou milênios. Enquanto o
perseguidor estiver “esquecido” das origens de sua verdadeira dor, ele sente forças, O diálogo prossegue, tranqüilo, enquanto ele permanece escondido na sua
em si mesmo, para perseguir aquele que o feriu. Se ele voltar sobre seus passos, ao mansidão aparente, mas as ameaças mais claras começam a filtrar-se: não nos
seu pretérito, irá descobrir que sofreu aquele ferimento exatamente porque, antes, deixará sair dali, sem saber do que se trata, pois dignou-se a conceder-nos a
causou dor semelhante a alguém, faltando, assim, à lei universal da fraternidade, O entrevista. Ao fim de longa conversa, difícil, em que ele se mantém ameaçador, na
esquecimento o ajuda a manter acesa a chama rubra do ódio e, portanto, a da sua aparente tranqüilidade, nossos benfeitores revelam-nos que se trata de um
vingança. É vítima “inocente” de um crime inominável. Aquele miserável roubou-lhe a antigo franciscano extraviado. Aos poucos, conseguimos despertá-lo para a
mulher, espezinhou a sua honra, levou-o ao crime, ao suicídio, à miséria, a ele, que realidade que ele tanto teme enfrentar.
sempre foi bom e correto, que nenhum mal fez a ninguém... Qual teria sido o mecanismo do fenômeno, que se poderia chamar de “inversão
Se um dia ele descobre, por exemplo, que há séculos vêm os dois disputando, à de local”? Como e por que o Espírito, incorporado no médium, no cômodo em que
ponta de punhal, aquela mesma mulher, através de várias encarnações infelizes, sua realizamos os trabalhos mediúnicos, poderia julgar-se recebendo-nos em sua
perplexidade é enorme, e, muitas vezes, o impacto dessa lembrança é suficiente “câmara”? Os nossos mentores não nos explicaram o ocorrido, mas creio que não
para sacudi-lo fora de seu esconderijo psicológico e recolocá-lo na trilha evolutiva da seria fantasioso admitir, especulativamente, nesse caso, a velha e segura técnica
recuperação interior. da hipnose. Por mais defendidos que se julguem encontrar esses companheiros
De outras vezes, nem isso basta, pois são muitos os que, através de uma longa e desarvorados, em suas furnas escuras, não são invulneráveis à misericórdia
tenebrosa experiência espiritual, quase sempre no lado errado da vida, conhecem divina. Se o fossem, não teriam jamais a oportunidade de se libertarem de sua
bem o passado e, mesmo assim, prosseguem na fria execução de seus planos condição tão dolorosa. Ao passo que eles não têm condições de peso específico
medonhos. Estes também estão em fuga, mas não buscam os esconderijos para subir às regiões da luz a fim de promover distúrbios e “conquistas”, o que seria
habituais, e sim o atordoamento da ação. Enquanto estão atordoados, organizando inadmissível, os Espíritos iluminados podem descer, sacrificialmente, aos antros da
planos tenebrosos e os levando a efeito, vivem a salvo das suas próprias dores. A angústia, e o fazem com freqüência, a fim de tentar o resgate de companheiros
desesperada atividade mantém-nos, de certa forma, alheios aos seus dramas e que já ofereçam um mínimo de condições para ser ajudados.
desesperos. De algum modo, cujo conhecimento ainda nos escapa, aquele irmão deve ter
Um deles confessou-me que conhecia bem o seu passado. Ocupara, em cada sido preparado e condicionado de tal forma, pelos trabalhadores do Cristo, que,
vida, a posição que lhe convinha aos propósitos pessoais. Amava a glória e o poder, mesmo deslocado, em nosso grupo sentia-se ainda em toda a segurança do seu
acima de tudo. Responsabilidades, claro que tinha muitas. E daí? reduto, no qual condescendia generosamente em receber-nos, com as suas
Outros dizem que não se importam com o resgate. O que importa é o que fazem pouco veladas ameaças.
no momento, Isso lhes agrada. É isso que desejam fazer; seja a vingança, seja a É possível também — e esta seria uma forma alternativa de considerar o caso
disputa de maiores fatias de poder, sejam as campanhas mais amplas, em que — que o nosso médium tenha realmente sido desdobrado, sob a proteção do Alto,
emprestam sua colaboração à organização a que pertencem, e que, por sua vez, até o “local”, e de lá transmitido a mensagem que nos possibilitou o diálogo.
também os protege. Frequentemente, temos presenciado esse fenômeno do deslocamento de
A imaginação de cada um cria seu próprio mecanismo de fuga. Há os que se médiuns, que, desdobrados do corpo físico, vão ao encontro do Espírito que os
prendem aos conceitos teológicos, depois de desfigurá-los e corrompê-los, para nossos mentores desejam pôr em contacto conosco.
servirem aos seus propósitos. Isto éparticularmente válido para os antigos Deixo abertas as opções mencionadas, bem como outras que não me tenham
sacerdotes, que se apoiam em fantásticas teologias, e em textos escolhidos com ocorrido. Um dia saberemos o suficiente para entender melhor essa extraordinária
extremo cui faculdade que é a mediunidade.
dado, no próprio Evangelho do Cristo. Quantos deles temos encontrado nas *
tarefas mediúnicas! São muitos os que falam em nome de uma fé que não possuem mais, em
Lembro-me de um, em particular. Montara sua própria organização, nas trevas. nome de um Deus que não amam, de um Cristo que pretendem colocar a serviço
Apresenta-se aparentemente muito humilde e manso. Informa-me que “consentiu de suas paixões subalternas e de um Evangelho que somente citam naquilo que
em receber-nos na sua câmara”, porque a entrevista lhe foi solicitada por pessoas lhes convém, com as interpretações que lhes interessam. Não negam a
que ele respeita e admira. É claro que se vê naquilo que chama sua própria reencarnação, nem a sobrevivência, nem a comunicabilidade dos Espíritos; mas
“câmara”. É a segunda vez, em muitos anos, que concorda em tratar diretamente isto será revelado — dizem — quando a Igreja for restabelecida em toda a sua
com alguém, pois tem seus auxiliares para contactos e execução dos planos. Quer glória, ou seja, quando voltar a dominar, como instrumento de suas ambições.
saber o que desejamos dele, embora certamente o saiba. Às vezes o esconderijo é a cultura intelectual. Constroem seus próprios
sistemas, Inventam brilhantes sofismas e adestram-se em uma dialética
deformada, mas, nem por isso, frágil e desarticulada; ao contrário, bastante As instituições das trevas são estruturadas numa rígida concentração do poder,
inteligente, pois, sendo eles inteligentes, precisam de um inteligente mecanismo de nas mãos de alguns líderes, escolhidos por um processo impiedoso de seleção
fuga. natural. Sua liderança revelou-se na ação, em postos subalternos, ou confirmou-se
Enfim, cada um constrói o seu esconderijo, inventa suas defesas, segundo suas através de séculos e séculos, em que se revezam encarnados e desencarnados.
Inclinações, recursos e intenções. A finalidade, porém, é uma só: esconder-se das Muitos deles, como signatários de pactos de vida e morte, sustentam-se aqui e lá,
próprias angústias. Quando descobrimos suas motivações, estamos a caminho de onde estiverem, sejam quais forem as condições, num princípio que tem muito
poder ajudá-los a libertar-se da dor. Os indícios precisos eles mesmos no-los mais de autodefesa do que de fidelidade. São fiéis uns aos outros, não porque se
fornecem. É preciso estarmos atentos, vigilantes, pacientes e prontos a servi-los estimem, mas porque precisam uns dos outros, para manter-se no poder. Quando
naquilo que lhes convém aos Espíritos atormentados, e não naquilo que possa se reencarnam, trazem programas muito bem elaborados, e o compromisso de
estimular-lhes as paixões abrasadoras. apoio e solidariedade irrestritos, da parte dos que ficam no mundo espiritual. Assim
se explicam os êxitos, em termos humanos, que obtêm, enquanto por aqui se
28 AS ORGANIZAÇÕES: ESTRUTURA, ÉTICA, MÉTODOS, encontram, e a provisória, mas segura impunidade em que continuam a viver,
HIERARQUIA E DISCIPLiNA quando retornam aos seus domínios, após a desencarnação, por maiores que
Muito temos falado, aqui, sobre as organizações do submundo da dor e do sejam as atrocidades que cometem, como homens.
desespero. Tentemos estudá-las mais de perto. Ao que tudo indica, até mesmo enquanto na carne, mantêm-Se em contacto
É claro que jamais nos trouxeram, nossos irmãos desarvorados, os esquemas e íntimo e permanente com seus comparsas do Além, e continuam a exercer a
organogramas de suas instituições, mas, de tanto ouvi-los falar delas, creio possível parcela de autoridade de que dispõem entre eles, realizando contactos, durante os
montar, com as inúmeras peças do gigantesco “puzzle”, um quadro inteligível desse desprendimentos parciais, provocados pelo sono.
tenebroso painel de desespero e aflição. A estrutura administrativa dessas instituições está preparada para aceitar tal
Em primeiro lugar, é preciso não cometer o trágico engano de subestimá-las. Elas flexibilidade, sem prejuízo para as suas tarefas. Elas não podem falhar e, por isso,
são realmente temíveis. Foram concebidas e são operadas por inteligências há sempre alguém em condições de suprir uma ausência ocasional ou definitiva. A
privilegiadas, Espíritos longamente experimentados no mal, no exercício do poder, não ser que o líder esteja colocado em posição muito elevada, e se tenha tornado
nos meandros do sofisma. Isto não significa que, no desempenho de tarefas praticamente insubstituível, a organização sobrevive naqueles que o substituem,
redentoras do bem, nos deixemos dominar pelo pavor, no trato com seus pois há interesses poderosíssimos a proteger e personagens muito destacadas,
representantes, pois é exatamente isso que desejam e a que se acostumaram. no mundo do crime, a resguardar. Assim, dificilmente a instituição é desmantelada,
Dominam pelo terror que inspiram em toda parte, e, se cairmos nessa faixa, quando o seu chefe supremo é convertido ao bem. E também não é sempre que
estaremos correndo riscos imprevisíveis. O problema de lidar com elas é, pois, esses líderes, mesmo convertidos, podem voltar sobre seus passos e tentar
extremamente complexo. E nunca é demais repetir: não o faça quem não esteja convencer seus antigos comparsas. Uma vez convencidos a mudar de rumo,
suficientemente apoiado por Espíritos esclarecidos, devotados ao bem e caem em desgraça ante seus companheiros. O primeiro impulso destes é resgatá-
experimentados nesses trabalhos. Se o grupo conta com a colaboração de los, especialmente quando são figuras importantes, na máquina do poder.
companheiros experientes, eles saberão dosar o trabalho, segundo seus próprios Verificada, pelos seus ex-amigos, a impossibilidade de “salvá-los”, abandonam-nos
recursos e possibilidades, e as tarefas de maior responsabilidade vão sendo trazidas, à sua própria sorte, quando não procuram voltar contra eles todo o poderio da
à medida que conseguimos passar pelas preliminares, de menor envergadura. As própria instituição que antes eles comandavam.
equipes orientadas por esses dedicados trabalhadores anônimos do mundo superior São muitos os dramas e as manobras dessa hora decisiva.
manter-se-ão equilibradas, sempre que se portarem com prudência e sabedoria. Quando conseguimos colher, em nosso afeto, um desses poderosos
Como esses abnegados companheiros não impõem condições, mas limitam-se a companheiros extraviados, há uma verdadeira celeuma na retaguarda. Podemos
nos aconselhar e esclarecer, é preciso estarmos atentos às suas sugestões e contar, logo, com manifestações de indignados e agressivos assessores seus, que
observações, para interpretá-las corretamente e pô-las em prática, com segurança. o desejam de volta e ameaçam arrebatá-lo a qualquer preço, ou que o arrasam,
Se nos sairmos bem das tarefas iniciais e passarmos nos testes a que somos com a sua decepcionada hostilidade.
submetidos, em benefício de nós mesmos, não podemos esquecer-nos de que Um desses lideres portou-se com dignidade impressionante. Convencido a
precisamos manter nossa própria organização disciplinada, atenta, flexível, ajustada, abandonar suas tarefas tenebrosas, sentiu todo o peso de sua responsabilidade,
porque a “do outro lado” é tão boa ou melhor do que a nossa, em termos de estrutura ante aqueles Espíritos que levara ao transviamento. Dependiam dele, de sua
e disciplina, ainda que não o seja em objetivos e métodos. orientação, de sua palavra, e, exatamente porque confiavam nele é que foram
levados ao extremo de cometerem crimes terríveis. Competia-lhe, agora, usar
dessa mesma influência para reencaminhá-los ao bem. Ao que depreendemos da Sua ética é governada pela total ausência de escrúpulo. Nada os detém, tudo é
conversa com ele, na sessão seguinte, passou uma semana a estudar diferentes permitido, desde que os fins a que visam sejam alcançados. Aqueles, pois, que
grupos mediúnicos, a fim de decidir onde levar seus companheiros, para que fossem, resolvem organizar um grupo mediúnico de desobsessão, devem estar bem
como ele, doutrinados e despertados. Sua sinceridade era evidente, e sua franqueza preparados para enfrentá-los.
rude, mas muito realista. Confessou-nos que não vira condições suficientes nos É preciso enfrentá-los com paciente firmeza e confiança nos poderes que
grupos que visitara. Nenhuma esperança tinha ele — acertadamente — em grupos nos sustentam. Nada de ilusões, porém. Não podemos abrir brechas em nossa
cujos componentes apresentavam-se com mazelas semelhantes à dos Espíritos vigilância, porque penetrarão, sem nenhuma cerimônia, pelas portas das nossas
que precisavam de tratamento; hipocrisia, rivalidades, falta de fraternidade. Mesmo fraquezas, se assim o permitirmos, de vez que nada lhes é sagrado, e tudo se lhes
assim, estava disposto a ajudá-los, pois não teria paz enquanto não conseguisse permite.
recuperá-los também. Eles confiavam no seu antigo chefe, mas precisavam de ser
convencidos. Sua frase final foi de uma beleza transcendental: QUARTA PARTE _ TÉCNICAS E RECURSOS
— Farei com as minhas lágrimas um rosário para oferecer a Jesus... 29 TÉCNICAS E RECURSOS
* Dissemos alhures, neste livro, que cada manifestação é diferente. Nunca
Há, pois, aqueles que, uma vez convertidos, têm condições de tentar ajudar os sabemos, ao certo, as intenções do Espírito que se aproxima, que problemas nos
que ficaram, e há aqueles que não podem sequer pensar nisso, porque não lhes, traz, quais são suas características, qual a razão de sua presença entre nós. Além
seria permitido pela própria estrutura e pelos métodos da organização a que do mais, a própria mediunidade não é um instrumento de precisão, como um
pertenceram por longo tempo. No primeiro caso, é possível admitir que a instituição microscópio ou um relógio, que funcione, repetidamente, de maneira previsível e
se desfaça, desarticule-se, quando se trata de organização de menor porte, porque controlável. O médium é um ser humano ultra-sensível, de psicologia complexa,
as mais vastas, empregando milhares de servidores, endurecidos na prática do mal, incumbido de transmitir o pensamento de um desencarnado, mas está muito longe
sobrevivem a essas crises, ainda que seus líderes as abandonem, pois as estruturas de ser mero aparelho mecânico de comunicação, como um telefone ou um rádio,
resistem. Estão preparadas para isso, e dispõem de planos alternativos, para muito embora se fale em sintonia e em vibrações, quando a ele nos referimos.
emergências. Em casos excepcionais, os benfeitores espirituais valem-se do Suas faculdades sofrem influências várias, do ambiente, do seu estado de saúde,
momento de crise, ainda que ocasional e temporário, para um trabalho de da sua problemática íntima, da sua fé ou ausência dela, do seu interesse no
saneamento, que pode abalar seriamente as instituições e até mesmo neutralizá-las. trabalho, que pode flutuar, da sua capacidade de concentração, da sua confiança
Muitas vezes, porém, organizações menores filiam-se às maiores, e têm delas nos companheiros que o cercam e, especialmente, no dirigente do grupo e,
supervisão e proteção, porque os objetivos, quase sempre, são os mesmos, ou obviamente, dos Espíritos manifestantes. E mesmo estes, que são também seres
muito se assemelham os métodos de ação. E quando os grupos de socorro humanos — não nos esqueçamos disto — variam suas apresentações, de uma
espiritual começam a interferir em seus trabalhos, elas se aconchegam umas às para outra manifestação, segundo suas próprias disposições.
outras e desenvolvem planos combinados de ataque, que podem causar Por outro lado, é preciso considerar, também, que há diferentes formas de
consideráveis transtornos. mediunidade: de incorporação, ou psicofônica, de vidência, clariaudiência,
Sejam, porém, grandes ou pequenas, seus organogramas são tão bem planei psicografia, assim como há médiuns que conservam sua consciência durante a
ados e implementados como os de uma empresa. Só que, em vez de visarem a manifestação, e médiuns que passam ao que se convencionou chamar de estado
atividades industriais ou comerciais, com o fim de produzirem lucro, como as “inconsciente”.
sociedades anônimas da Terra, produzem o terror e a opressão, e lutam pelo poder e Devo abrir um parêntese, para reiterar uma antiga opinião: de minha parte,
por aquilo que entendem como glória pessoal. julgo inadequada a expressão “mediunidade inconsciente”. O Espírito do médium
Têm seus chefes, seus planei adores, seus executores, operários, guardas. não está em estado de inconsciência, simplesmente porque se afastou do seu
Conservam registros meticulosos, movimentam documentação, utilizam-se de corpo físico, para cedê-lo ao manifestante. O máximo que se pode dizer é que a
aparelhos, dispõem de tropas de choque, “armadas” e bem adestradas. Promovem consciência não está presente no corpo físico, ou, melhor ainda, não se manifesta
reuniões, concilios, debates, exposições, conferências, sermões, ritos. Promulgam através do corpo material, temporariamente ocupado ou manipulado por entidade
leis, punem os indisciplinados, condecoram e distribuem prêmios aos que se estranha à sua economia. Se o médium mergulhasse, em Espírito, no estado de
destacam por trabalhos de especial relevância. inconsciência, o manifestante assumiria posse total do seu organismo e faria com
Seus métodos são os do terror pela violência, sua incontestável hierarquia apóia-se ele o que bem entendesse. Ao escrever isso, não estou esquecido do fato de que
num regime disciplinar implàcável, rígido, inflexível. Não se tolera a falta, o deslize, a há manifestações violentas, e muito livres, durante as quais os Espíritos
revolta, a desobediência. incorporados movimentam o instrumento mediúnico aparentemente à sua
vontade, fazendo-o gritar, dar murros, levantar-se, derrubar móveis, rasgar livros e companheiros desencarnados doentes, que o neutralizando, acabam com o
cadernos, e promover distúrbios semelhantes. A mediunidade sonambúlica grupo, o que, muitas vezes, infelizmente, é verdadeiro.
assemelha-se ao estado de possessão; mas, basta invocar esta, para sentir o quanto Esteja ou não esteja o Espírito ligado ao médium antes da sessão, é certo que o
essas duas manifestações diferem uma da outra, O possesso é realmente um planejamento espiritual já tem as tarefas da noite distribuídas por antecipação, e na
médium, pois oferece condições para que outro Espírito se incorpore nele, mas o seqüência que julgar mais conveniente ao bom andamento dos trabalhos.
médium não é um possesso, no sentido de que o manifestante possa fazer, com ele, Geralmente, cada médium tem seu próprio “estilo”, para indicar o início da
tudo quanto entender, a qualquer momento e sem limite de tempo, ou totalmente comunicação: colocar as mãos sobre a mesa, respirar com maior profundidade,
sem disciplina. Num grupo mediúnico em que a supervisão espiritual seja firme e duas ou três vezes, agitar ligeiramente a cabeça ou o corpo, gemer, levantar os
segura, a mediunidade sonambúlica pode e deve funcionar perfeitamente, pois braços, numa sematologia que o doutrinador, habituado a trabalhar com ele,
muitos Espíritos necessitam ser ligados a tais médiuns. Eles provocarão distúrbios e saberá identificar, a fim de iniciar o tratamento do irmão que se apresenta.
agitar-se-ão bastante, segundo os recursos e censuras que encontrarem em seus Às vezes, o Espírito começa logo a falar, ou a esbravejar, mas, usualmente, ele
médiuns, mas não nos esqueçamos de que, não apenas os guias espirituais do precisa de alguns segundos para apossar-se dos controles psíquicos do médium,
grupo estarão atentos, para que eles não cometam desatinos, como o próprio e não consegue falar senão depois de se ter acomodado bem à organização do
médium estará presente e consciente, acompanhando atentamente a manifestação, seu instrumento, o doutrinador deve aproveitar esses momentos para uma palavra
e pode, com certeza, interferir, para que o Espírito manifestante não se exèeda, ainda de boas-vindas, saudando-o com atenção, carinho e respeito. Em alguns casos o
que lhe permitindo considerável faixa de liberdade. Espírito somente consegue expressar-se a muito custo, em virtude de seu estado
Em casos extremos os orientadores espirituais do grupo também adotarão de perturbação, de indignação, ou por estar com deformações perispirituais que o
medidas de exceção, para conter as manifestações mais violentas. Já tivemos inibem. De outras vezes, usando de ardis, ou preparando ciladas, mantém-se em
oportunidade de presenciar alguns desses casos, em que o Espírito é virtualmente silêncio, para que o doutrinador se esgote, na tentativa de descobrir suas
“manietado”, por laços fluídicos invisíveis aos nossos olhos, mas de realidade motivações, a fim de tentar ajudá-lo, com o que ele se diverte bastante.
indiscutível para ele, porque o imobiliza instantaneamente. Em certas ocasiões, vem ele revestido de um manto de mansidão e tranqüila
* segurança. Diz palavras doces, assegura-nos suas boas intenções, dá-nos
Mas, voltemos ao fio da exposição. conselhos. Um deles, certa vez, começou serenamente, com um apelo “aos
O grupo deve estar, assim, perfeitamente preparado para inúmeras formas de corações bem formados”, numa linguagem de pacificação e entendimento. Digo-
manifestação. Elas são imprevisíveis e inesperadas. O doutrinador experiente saberá lhe que estamos dispostos à pacificação e ao entendimento, desde que ele venha
identificar prontamente os primeiros sinais da incorporação, quando o Espírito em nome de Deus; mas, por mais que se esforce — coisa estranha! — não
começa a acomodar-se à organização mediúnica. É preciso, aqui, lembrar que, consegue pronunciar o nome de Deus, como eu lhe pedira. Por fim, explode em
freqüentemente, o Espírito manifestante é parcialmente ligado ao médium, horas, e irritação e “abre o jogo”, gritando que acabou a farsa. E derrama um arsenal de
até dias inteiros, antes da sessão. Nestes casos, quando se trata de um Espírito ameaças e intimidações.
desarmonizado, embora a manifestação não se torne ostensiva, porque isto Há os que fingem dores que não sentem, ou mutilações que não possuem,
implicaria admitir mediunidade totalmente descontrolada, o médium sofre inevitável como cegueira ou falta da língua. Visam, com esses artifícios, a distrair nossa
mal-estar físico, dor de cabeça, pressão sobre a nuca, sobre os plexos, sensação de atenção do ponto focal de sua problemática, ou simplesmente entregam-se ao
angústia indefinível e, até mesmo, estado febril, prostração, irritabilidade, prazer irresponsável de enganar, mistificar, defraudar, ou então, como alguns me
agressividade e vários outros sintomas de desarmonização psicossomática. O dizem, às vezes, de esgotar o médium incumbido de dar-lhes passes. Riem-se
médium experimentado e responsável deve estar preparado para isso. Não se muito dos nossos enganos. Houve um que começou fingindo uma terrível dor de
assuste, não se apavore, não tema e, sobretudo, não deixe de comparecer ao cabeça. Propus-me a ajudá-lo, o que fiz com um passe, e ele começou a rir,
trabalho, por causa dessas dissonâncias psicofísicas, pois é isso mesmo que divertindo-se com a minha falta de inspiração; mas, por estranho que pareça,
desejam os companheiros desequilibrados, ou seja, afastá-lo do trabalho. começou realmente a sentir uma dor real, o que o deixou bastante impressionado.
Esse envolvimento pode dar-se também com os demais participantes do grupo Qualquer que seja a abertura da comunicação, o doutrinador deve esperar, com
que, embora não dotados de mediunidade ostensiva, sofrem também terríveis paciência, depois de receber o companheiro com uma saudação sinceramente
pressões dos irmãos perturbados. Um dos alvos prediletos dessas penosas cortês e respeitosa. Seja quem for que compareça diante de nós, é um Espírito
aproximações é o doutrinador, tenha ou não mediunidade ostensiva. O cerco em desajustado, que precisa de socorro. Alguns bem mais desarmonizados do que
torno dele é permanente, tenaz, implacável, impiedoso, porque acham, os outros, mas todos necessitados — e desejosos — de uma palavra de
compreensão e carinho, por mais que reajam à nossa aproximação. Os primeiros emotividade. Pelo que depreendemos, tivera um passado de brilho e destaque,
momentos de um contacto mediúnico são muito críticos. aprendera a dura lição da humildade e tinha certo receio de abandonar sua
Ainda não sabemos a que vem o Espírito, que angústias traz no coração, que obscura posição espiritual, tão dificilmente conquistada, e recair nos velhos
intenções, que esperanças e recursos, que possibilidades e conhecimentos Estará processos da vaidade. Mas, graças a Deus, estava curado o querido
ligado a alguém que estamos tentando ajudar? Tem problemas pessoais com algum companheiro.
membro do grupo? Luta por uma causa? Ignora seu estado, ou tem consciência do *
que se passa com ele? É culto, inteligente, ou se apresenta ainda Inexperiente e Esse caso, aqui, veio para ilustrar algumas realidades espirituais que não
incapaz de um diálogo mais sofisticado? podemos ignorar, sem lamentável prejuízo para o Espírito manifestante.
Uma coisa é certa: não devemos subestimá-lo. Pode, de início, revelar clamorosa Exemplifico: suponhamos que, ao recebê-lo, o grupo o tratasse com superior
ignorância, e entrar, depois, na posse de todo o acervo cultural de que dispõe. condescendência e o despedisse com uma palavra de desesperança. Onde e
Dificilmente o Espírito é bastante primário para ser classificado, sumariamente como quando teria ele outra oportunidade de entendimento e recuperação? E onde, e
ignorante. Nossa experiência acumulada é muito mais ampla do que suspeitamos. quando, nós próprios teríamos a alegria de granjear uma afeição e uma dedicação
Dentre os muitos casos assim, lembro-me de um, particular-mente grato ao meu iguais àquela?
coração, porque o companheiro, depois de recuperado, passou a colaborar em Às vezes, também, embora o grupo não realize nenhum trabalho de Umbanda,
nossas tarefas, com uma dedicação Comovedora. surgem Espíritos acostumados a essas práticas. Suas primeiras manifestações
Ao apresentar-se, tinha dificuldade em expressar-se, usando o vocabulário limitado seguem, quase sempre, a técnica a que estão acostumados. Aguardemos
de uma pessoa de pouquíssima instrução. Aos Poucos, a sua história foi se pacientemente, para saber o que desejam. Nada de expulsá-los sumariamente.
desenrolando. Fora um homem de cor, e vivera em pobreza extrema, pelas ruas do Se os companheiros do mundo espiritual permitiram sua manifestação, num grupo
Rio de Janeiro, cujos bairros do subúrbio conhecia muito bem. Num infeliz acidente estritamente espírita, orientado pelos ensinamentos de Allan Kardec, haverá
de trem, perdera uma perna e, mesmo no mundo espiritual, ainda caminhava de alguma razão para isso.
muletas. Quando lhe disse que não precisava mais de muletas, podendo caminhar Aqui, também, temos uma experiência pessoal.
sem elas, ele respondeu que já o experimentara, mas levara um tombo. Ao manifestar-se, ele traçava infalivelmente o seu sinal, sobre a mesa, e
Esse querido amigo — que nos deu o nome de Eusébio — esteve aos nossos começava a doutrinar-nos. No seu terreiro, dizia, também se fazia o bem, e muito
cuidados por longo tempo. Por detrás de sua pobreza verbal, do seu limitado mais facilmente. Éramos uns “cartolas” grã-finos, reunidos em apartamento de
vocabulário e das suas curiosas expressões populares, sentíamos nele, não luxo. Ele estava muito bem lá, e não queria nada conosco. -. etc., etc.
obstante, um senso filosófico muito profundo da vida e uma das mais lindas e Provavelmente, não sabia ainda (ou pelo menos não revelara) por que estava ali,
autênticas humildades que já vi. Foi, aliás, o que o salvou e, paradoxalmente, o que entre nós.
contribuiu para que sua recuperação demorasse um pouco mais. Tentarei explicar. Por muito tempo o diálogo se manteve nesse tom; mês após mês. Só muito
Era evidente, para nós, que chegara ao fim da sua provação maior, e estava em mais tarde a história se desvendou. Tivera uma longa e penosíssima experiência,
condições de reencetar sua escalada evolutiva. Uma noite, emocionado até às ao correr dos séculos, desde que, em impulsos tresloucados, no século 16,
lágrimas, conseguiu dar os primeiros passos sem a “muleta”, o que, para ele, na sua envolvera-se em erros lamentáveis, no campo político-religioso. Fora, então, um
linguagem colorida, “não era barbante podre, não”. Suas observações eram sempre homem de grande magnetismo pessoal, de vigorosa inteligência e de muita cultura
judiciosas, sua humildade uma constante, e sua afeição e gratidão por nós, algo filosófico-religiosa.
patético, em que expandia o coração amoroso e pleno de generosidade. Nossos — Fui um verdadeiro demônio — me disse ele, certa vez, profundamente
orientadores espirituais começaram a utilizá-lo em pequenas tarefas auxiliares, com o contristado.
que ele muito se alegrou. No entanto, a despeito de sua indubitável vivência Confessou, também, que, há quatro séculos, perdera-nos de vista — a mim e a
espiritual, continuava a falar-nos na linguagem do Eusébio, simples, popular, sem outro companheiro do grupo, mas a afeição por nós lá estava, e isso o salvou,
atavios, mas conseguindo claramente expressar nobres pensamentos e demonstrar graças a Deus. Parece que sua intenção inicial era arrastar esse companheiro — o
bastante segurança. médium através do qual se manifestava — para os terreiros de Umbanda, o que
Certa noite, devido à ausência de grande número de companheiros, a sessão este recusava terminantemente, por divergência doutrinária insuperável.
alcançou um clima de maior intimidade, o que talvez lhe tenha favorecido a Não nos contou ele toda a sua terrível saga, mas uma só narrativa bastou. Tivera
superação de suas inibições interiores, para falar-nos de maneira inusitada, uma existência no Brasil, como escravo negro. Perguntei-lhe onde fora isso e ele
revelando o que de há muito entrevíamos nele: conhecimento, experiência, enfim, me respondeu:
uma respeitável bagagem espiritual, dosada e sustentada pela sua aflorante
— A gente nem sabia onde estava. Era levado de um lugar para outro, como E quantas vezes não são eles aqueles mesmos que causam desequilíbrios em
bicho. nós próprios, ou obsessões naqueles que nos cercam: parentes, amigos, colegas
Parece que foi nessa existência que se familiarizou com a utilização dos recursos de serviço, companheiros de jornada, enfim?
da Natureza, para curar. Manipulava bem esses fluídos naturais e devia trazer, no Além disso, não podemos despachá-los, mal enunciaram as primeiras palavras,
Espírito, alguma antiga experiência na Medicina, pois sempre nos demonstrou ser quando nem sequer sabemos ainda de suas motivações e de suas dores. Não
conhecedor seguro das mazelas do corpo humano e dos métodos de minorá-las. esperemos, jamais, uma expressão inicial sensata e equilibrada, amorosa e
Em mim mesmo, por meio de passes, colocou um “remendo” na coluna, que tranqüila, da parte daqueles que se acham desarmonizados. Se assim fosse, não
ameaçava quebrar-se por causa de uma rara e incurável moléstia óssea. precisariam de nós: já teriam encontrado seus próprios caminhos. Esperemos, isto
Também este integrou-se no nosso grupo, feliz em poder servir-nos, com seus sim, uma eloqüente manifestação de revolta, rancor, desespero, aflição,
conhecimentos e seu coração, curado de antigas mazelas, que tanto o infelicitaram. desencanto, ou perplexidade, segundo a natureza dos problemas que os
Era particularmente ativo e estava sempre presente para restabelecer o tônus abrasam. Contemos com mistificações e ardis, com falsidades e subterfúgios, com
vibratório dos médiuns, quando a manifestação era por demais penosa. Incorporava- ódio e agressividade, com ignorância e má-fé; em suma, com a dor do Espírito
se, logo em seguida, e, enquanto falava tranqüilamente, dava passes no seu aturdido pelo impasse que criou dentro de si mesmo. É claro que o primeiro
médium, que despertava lúcido e livre dos resíduos vibratórios do Espírito impulso de hostilidade, de um Espírito assim, tem de ser contra nós, que o
desarmonizado que o precedera. O nosso bom e querido Justino, a essa altura, fustigamos, tentando obrigá-lo a mover-se. Ele está parado no tempo e no espaço,
abandonara seus propósitos de continuar a freqüentar os terreiros. Era quem nos preso à sua problemática, empenhado numa tarefa que julga do maior relevo e
dava um passe final, quem fluidificava a nossa água e quem tratava das nossas importância; e aparece um grupo, como o nosso, para tentar arrancá-lo daquilo
pequenas mazelas orgânicas, dando-nos conselhos e passes e, vez por outra, a que constitui o seu mundo, a sua razão de ser. Não é ele quem nos incomoda e
“receita” de um chá caseiro. Manteve sua maneira algo rude de falar, sem floreios e fustiga; somos nós que o agravamos, com a inadmissível tentativa de fazê-lo
artifícios de linguagem. Talvez buscasse esconder suas emoções, sua gratidão e sua desistir dos seus propósitos. Como? Então não vemos que ele não faz mais do
alegria, pelo reencontro com os velhos companheiros, que, segundo ele, haviam se que cobrar uma dívida, ou trabalhar pelo restabelecimento da Igreja do Cristo, ou
distanciado na sua frente, o que não é verdadeiro. funcionar como juiz, num processo legitimamente constituído, em que a culpa é tão
Certa vez, num impulso rápido de inspiração, identifiquei seu Espírito nas lutas clara? Que petulância! Que impertinência!
dramáticas da Reforma Protestante, mas respeitamos seu anonimato e ele nunca É preciso deixá-los falar, pois, do contrário, não poderemos ajudá-los. É
mais deixou de trazer-nos a vibração do seu amor fraterno e do seu reconhecimento necessário conhecer a sua história, suas motivações e suas razões. E ainda que
humilde. Muito devemos a esse querido companheiro, não somente pelo que fez por relutem, demorem e usem de mil e um artifícios, eles acabam revelando a razão
nós, mas pelas inesquecíveis lições que nos trouxe. Seria difícil distinguir a gratidão de sua presença no grupo. O longo trato com eles nos ensina que têm um hábito
dele da nossa, e não é essa mesma a essência imortal do “Amai-vos uns aos peculiar de “pensar alto”. Isto se deve a um mecanismo psicológico irresistível, do
outros”? qual muitas vezes eles nem tomam conhecimento, e no qual, mesmo os mais
* hábeis e ardilosos deixam-se envolver. É que o médium lhes capta o pensamento,
Assim, a primeira regra do diálogo, com os nossos irmãos em crise, é esta: e não a palavra falada. Se o médium se limitasse a transmitir-lhes a palavra,
paciência e tolerância. Toda conversa, com eles, éum permanente exercício dessas mesmo assim, eles acabariam por revelar as suas verdadeiras posições, embora
duas virtudes. As primeiras palavras são de importância vital; são, às vezes, pudessem sonegar a verdade por maior espaço de tempo; mas é do próprio
decisivas, e podem constituir a diferença entre uma oportunidade de pacificação ou a dispositivo mediúnico converter, em palavras e gestos, aquilo que o Espírito
alienação do companheiro por mais um tempo, indeterminado, em que ele elabora na sua mente. Eles não conseguirão, por muito tempo, ocultar as
continuará a buscar alhures o que não encontrou em nós: verdadeiras causas da sua dor e a razão da sua presença, pois é isso,
compreensão para os seus problemas e suas angústias. Muita coisa vai depender, precisamente, que os traz a nós. Essas causas estão de tal forma gravadas nos
no desenrolar do trabalho, da maneira pela qual recebemos os nossos irmãos em seus Espíritos, que constituem o centro, o núcleo, em torno do qual gira toda a
crise. Nunca é demais lembrar e insistir: eles precisam de nós, justamente porque personalidade e agrupam-se os problemas mais críticos e mais urgentes. Se
não conseguem sair sozinhos das suas dificuldades, das suas perplexidades, dos conseguirmos desfazer aquele núcleo, que funciona como verdadeiro centro de
seus sofismas, da sua auto-hipnose. Mas nós, por igual, precisamos deles, porque aglutinação, a personalidade reagrupa-se em novos equilíbrios redentores.
nos trazem lições, porque nos ajudam na prática da lei suprema da solidariedade Insistimos, pois, em afirmar que o médium traduz em palavras o que ele sente no
que, a seu turno, nos libertará também. Espírito manifestante: suas emoções, seu temperamento, seus problemas, suas
desarmonias, ao mesmo tempo em que lhe reproduz os gestos, e a voz alteia-se
ou sussurra, reflete ódio ou desprezo, ironia ou, amargor, perplexidade ou aflição. Se companheiros e nossos amores seguem à frente. Estacionamos precisamente
assim não fosse, teríamos que falar com cada Espírito na sua própria língua, ou seja, porque nos falta coragem para enfrentar o olhar severo da própria consciência. É
na língua que ele falou por último, na sua mais recente encarnação, e todo médium verdade, estamos envergonhados, temerosos e angustiados, mas por que
precisaria ser xenoglóssico. demorar-nos no arrependimento, cruzarmos os braços e esconder-nos, como um
É certo, pois, que acabarão por revelar a razão de sua presença entre nós, e caramujo, dentro da carapaça das ilusões? O arrependimento somente se
depois, o núcleo de suas dificuldades maiores, muito embora seja isto o que mais dissolve no trabalho construtivo. Incontáveis multidões, no entanto, tentam fugir de
parecem temer. si mesmas, ignorando seus próprios fantasmas interiores. A culpa existe em nós;
Num caso desses, o Espírito fez um longo circunlóquio filosófico-teológico. Era impossível negá-lo, pois o erro já está cometido mesmo. O que temos de fazer,
excelente argumentador e dialético de muitos recursos. Fugia a qualquer referência agora, não é fingir que ela não existe, porque é justamente esse fingimento, essa
pessoal, a qualquer palavra que pudesse levar-nos a descobrir suas motivações. Ao fuga, que nos mantém presos, detidos, marcando passo, vendo a multidão passar
cabo do diálogo, que se estendeu por mais de uma sessão, ele não se conteve mais: por nós, em busca da paz.
seu ódio era contra mim. Seguia meus passos desde que “tua maldita mãe te Esse mecanismo tem que ser bem compreendido por aquele que se propõe
colocou no mundo”, e a dúvida que havia entre nós reportava-se ao tempo da ajudar Espíritos endívidados. É claro que também somos endívidados, talvez tanto
Segunda Cruzada. Pretendia transformar o meu lar num hospício, disse ele, pois eu quanto eles, ou até mais. Precisamos, no entanto, mostrar-lhes que estamos
cometi contra ele um crime do qual jamais me perdoaria. Se pudesse, me destruiria... fazendo alguma coisa, lutando, enfrentando os nossos espectros interiores, as
Em suma, deixa cair os véus com os quais tentou, de início, cobrir as razões de censuras da consciência, as cutiladas do remorso, conscientes de que o nosso
sua presença entre nós. Veio para isso mesmo, mas relutou o quanto lhe foi possível, erro está presente em nós, e não podemos voltar sobre nossos passos, para
pois sabia muito bem que, chegados ao cerne do problema, estaríamos em melhor desfazê-lo. Podemos, no entanto, e devemos, e temos que reconhecer, a força da
posição para o ajudar a resolvê-lo. No fundo, ele estava mesmo era cansado de sua presença em nós. Sem essa abertura corajosa, não dá sequer para começar.
sofrer porque a vingança e a perseguição tanto sacrificam o perseguido, quanto o E, como diz o provérbio chinês: a caminhada de 100 quilômetros começa com o
perseguidor. primeiro passo.
Em outro caso» depois de muito debatermos as questões suscitadas entre nós, O doutrinador precisa estar muito atento a esses sinais reveladores. Tentar
ele deixou escapar o fragmento de uma palavra reveladora. identificá-los é sua tarefa, mas que o faça com muito tato, paciência e
A certa altura do diálogo, lembro a ele a inesquecível palavra de Gamaliel, perante compreensão. Ninguém gosta de revelar suas fraquezas, seus erros, seus crimes,
o Sinédrio: suas mazelas e imperfeições. Nada de coações, de pressões, de imposições.
— Não aconteça que vos encontreis lutando contra Deus! Espere com paciência, busque com tranqüila perseverança, que a verdade virá.
Percebi que a citação o atingiu mais profundamente do que ele talvez desejasse. Lembre-se de que ela se encontra ali mesmo, na memória daquele irmão que
Resmungou que nada tinha com Gamaliel, mas evidentemente estava envolvido no sofre. Ele a dirá, se é que chegou a sua hora de mudar de rumo. Basta um pouco
doloroso “processo da cruz”, e disse: de ajuda, habilidade, tato e paciência. É preciso, também, que tenhamos a
— Eu era um sol... faculdade da empatia, ou seja, apreciação emocional dos sentimentos alheios.
Estacou subitamente e comentou consigo mesmo: Veja bem: apreciação emocional. É necessário que as nossas emoções estejam
— Veja o que eu ia dizendo. Sempre fui um soldado... envolvidas. Se apenas assistimos às agonias de um Espírito que se debate nas
Na verdade, desde a sua primeira manifestação, uma ou duas semanas antes, suas angústias, não temos empatia; somos meros espectadores. É preciso
ouvia sem cessar um alarido de vozes que berravam coisas confusas e um tilintar de aprender a vibrar com ele, sofrer com ele, compreender sua relutância em abrir-se,
armas que ele se recusava a identificar. Participara, pois, como soldado romano, ou aceitar seu temor em descobrir suas feridas, mas, a despeito de tudo isso, ajudá-lo
do próprio Templo, da penosa missão de aprisionar o Cristo, ou de conduzi-lo, ao a descobri-las...
longo da sua inesquecível via crucis. Era esse o problema que ele mais temia revelar, Estejamos certos, porém, de que a resistência será grande, a luta interior que
mas que precisava enfrentar, para libertar-se. presenciaremos será dolorosa, difícil, e muitas vezes o Espírito recuará
Este caso encerra outra lição importante. Chamemo-la a lição do arrependimento novamente, temeroso, acovardado, sentindo-se ainda despreparado.
construtivo, ao qual há referências alhures, neste mesmo livro. Neste caso, ouvimos sempre uma destas frases:
Para não transformar o tema numa composição literária, baste-nos lembrar que há — Ainda não estou preparado... Espere um pouco mais... De outra vez... Deixe-
dois tipos de arrependimento: o positivo e o negativo. O primeiro, ajuda-nos a me. Dê-me mais tempo. Preciso pensar...
reconstruir logo o que destruímos, a refazer o que não podemos mais desfazer; o Junto de um companheiro particularmente agoniado, presenciamos a dura
segundo, mantém-nos paralisados à beira do caminho, enquanto nossos batalha entre os lampejos da esperança de paz e os apelos de seu insaciado
desejo de vingança: iria, agora, abandonar tudo aquilo, que era a motivação de sua — Fale como homem! Não suporto essa voz melíflua! Será que você não tem
vida, e o tinha sido por séculos e séculos? Entregar-se à dor? Abandonar a sua sangue nas veias? Não seja covarde! Está com medo?
vítima? E a sua vingança? E, no entanto, ninguém melhor do que ele sentia a Calma, paciência, tolerância. Não altere a voz, não se deixe irritar, não reaja da
inadiável necessidade de uma atitude de renúncia, embora sabendo que apenas maneira que ele espera, pois assim não conseguirá ajudá-lo. Resista, mas resista
trocava uma dor por outra. mesmo, ao impulso de “responder-lhe à altura”, mesmo que tenha o argumento
O doutrinador não o forçou. Limitou-se a dizer, com o coração aberto à que parece decisivo. Se o tem mesmo, tanto melhor. Use-o com a mesma voz
compreensão e ao afeto: tranqüila e serena. É muito difícil um diálogo áspero entre duas pessoas, quando
— A decisão é sua. Claro que você pode continuar a fazer isso. Deus, que somente uma grita, O gritador acaba por perceber que está fazendo papel ridículo
amparou aquele a quem você persegue por tanto tempo, há de continuar e usando violência desnecessária, que cai num vazio, que o aturde e o traz à
amparando-o. Mas, e você? É isto que lhe convém? É isto mesmo que você quer? razão.
* De vez em quando, se ele insistir em falar em altos brados, faça-o compreender,
Estamos, talvez, nos antecipando. Falávamos do primeiro contacto com o Espírito em voz baixa e tranqüila, que não é preciso gritar. Que a gente somente grita
manifestante. Creio que foi possível deixar bem claro o quanto é importante essa quando não tem razão. Ele acabará por convencer-se da justeza dessa
primeira aproximação. Nela se definem muitas coisas sutis, que podem decidir o observação. Se o doutrinador cai na tolice de gritar-lhe de volta, o clima torna-se
caso, de uma forma ou de outra, libertando o Espírito, ou confirmando-o na sua dor, insustentável e a situação difícil de ser contornada. Procure dirigir a conversação
por mais alguns anos, ou séculos. para o terreno pessoal, certo de que o Espírito está negaceando, precisamente
Repitamos: o diálogo com os nossos irmãos desarvorados é um exercício de para evitar cair nesse campo, que sabe ser o mais “perigoso”, por ser o único
tolerância e paciência. E acrescentamos: muito amor. revelador do núcleo inte
À medida que ele se desenrola, estejamos atentos, mantenhamo-nos rior de sua problemática. Mas, não o force. Espere o momento oportuno.
compreensivos e discretos. É uma tentativa de entendimento, não uma discussão, Aguarde pacientemente. Siga-o na conversa, sem aumentar sua irritação, sem
uma contenda, uma disputa. O que interessa, neste momento, não é “ganhar a atritar-se com ele. Não é importante superá-lo na troca de idéias. Você não está ali
briga”, mas estudar com empatia (novamente a palavra mágica) o drama que aflige o para provar que é mais inteligente do que ele, nem mais culto, ou eticamente
companheiro. Não importa que ele leve a melhor no debate, que nos agrida, ameace melhor do que ele: você está ali para ajudá-lo, compreendê-lo e servi-lo. Não há
e procure intimidar-nos. Freqüentemente ocorre ser ele muito mais treinado, em razão alguma para pensar que você é um Espírito redimido, e ele um réprobro
pelejas dessa categoria, do que o doutrinador. Foi tribuno, orador, escritor, pensador, enredado nos seus crimes. As leis morais, o Evangelho do Cristo e a prática
teólogo; enfrentou grandes debatedores, argumentou em causas importantes, espírita nos repetem, de mil formas, a mesma lição: a de que são os próprios
adquiriu cultura e aprendeu a manejar a palavra, como poucos. Leva nítida vantagem pecadores que se ajudam mutuamente: o coxo servindo ao cego, o cego ao mudo
sobre o doutrinador que, por mais bem preparado que seja, está contido pelos e, sobre todos nós, a infinita misericórdia de Deus, a sabedoria ilimitada do Cristo e
dispositivos da encarnação e, na maioria das vezes, ignorante de fatos importantes, a assistência incansável de nossos irmãos mais experimentados, que se
que o Espírito conhece e manipula com inteligência e acuidade. Seria, pois, ingênua alongaram mais profundamente no caminho da luz.
e perigosa imprudência tentar superá-lo numa discussão. Não se esqueça, por outro *
lado, de que não pode deixar o Espírito falando sozinho, a não ser em condições É certo, ainda, que, durante esse diálogo difícil — em que, tantas vezes, o
muito especiais, que a intuição do doutrinador deverá indicar, O Espírito precisa ser doutrinador tem de aceitar o papel de um pobre, infeliz débil mental, covarde,
atendido com interesse, muito mais que com simples urbanidade. Não apenas se hipócrita, medroso —, haverá mistificações, propostas, bravatas, ameaças, ironias,
encontra na condição de visita, por assim dizer, pois veio até a nossa casa, como ele tentativas de intimidação. Mantenhamos o equilíbrio, atentos, porém, ao fato de
ficará ainda mais irritado, e difícil, se o recebemos com fria e polida cortesia, ou, pior que humildade não quer dizer submissão e aceitação sem exame de tudo quanto
ainda, quando nos deixamos envolver pela sua agressividade e respondemos com nos diz o Espírito manifestante, pois ele se encontra diante de nós exatamente
idêntica hostilidade, que o aliena cada vez mais. para que tentemos convencê-lo de seus enganos, fantasias e deformações
Estejamos certos de encontrar sempre, da parte deles, o desejo de nos arrastar à filosóficas, teológicas e psicológicas. É a sensibilidade do doutrinador que vai
discussão azeda e violenta. É o clima que convém aos seus propósitos. Na sua indicar em que ponto e em que momento interferir.
dolorosa e compreensível inconsciência, usarão de todos os recursos ao seu alcance Enquanto esse momento não chega — e geralmente ele não ocorre, mesmo,
para atingir esse fim. Quantas vezes tenho ouvido agressões iniciais, e reiteradas, na fase inicial do diálogo — esperemos com paciência, atentos às informações
como estas: que o Espírito nos fornece, dado que é com elas que vamos montando o quadro
que nos mostrará o perfil psicológico do comunicante. Atenção com os
pormenores que pareçam irrelevantes: uma referência passageira, o tom de voz, terrivelmente perturbados e desarmonizados guardam em si incrível potencial para
uma lembrança fugaz, uma observação aparentemente sem importância. Tudo as realizações futuras — aptidões, experiências e qualificações inesperadas,
serve para compor o quadro. Lembremo-nos de que o perfil que procuramos é preciosas, e, por mais fantástico que nos pareça, uma enorme capacidade de
importante, é essencial ao entendimento da personalidade daquele irmão. Embora amar.
dificilmente admita, ele precisa da nossa ajuda. Se o mencionarmos, porém, ele Um deles, muito difícil, agressivo, poderoso, quase inabordável, não pôde conter
replicará com toda a veemência, que de forma alguma precisa de nós. Está muito sua gratidão, depois de desperto: beijou, com emoção e respeito, a mão de seu
bem como está. Não poucos serão os que, ao contrário, nos farão propostas e nos aturdido doutrinador, o mesmo que, ainda há poucas semanas, ele daria tudo para
dirão as mais estranhas bravatas. destruir.
Falam-nos do enorme poder de que dispõem — e muitas vezes isso é No trabalho mediúnico de desobsessão, temos, pois, que contar com
estritamente verdadeiro — e das “providências enérgicas” que tomarão contra nós. contratempos, ferimentos e angústias, especialmente se deixarmos cair as nossas
Um deles me anunciou que iria “botar fogo” no grupo. E me perguntou: guardas. Isto é válido para todo o grupo, e não apenas para o médium, ou para o
— Como é que você quer morrer? Você fecha o grupo espontaneamente, ou nós doutrinador. O cerco aperta-se, ainda que estejamos guardados na prece e na
teremos que fazê-lo? vigilância.
Outro me Informou que tinha “ordens do chefe” para remover-me do seu caminho, — “Vigiai e orai” — disse o Cristo, segundo Marcos — “para não cairdes em
se possível, sem me ferir, mas se isso fosse impraticável, então, era para arrebentar tentação, pois o espírito está pronto, mas a carne é fraca.” (Marcos, 14:38.)
tudo a dinamite, porque a pedra tinha que ser afastada, para que eles passassem. O Espírito deseja a libertação, teme novas quedas, sonha com a paz, sofre a
Um terceiro, cujo aspecto truculento e olhar terrível o médium descreveu antes que ausência de afetos muito profundos e, de certa forma, está pronto para a vida em
se incorporasse, também pronunciou sua ameaça, apoiada numa bravata: estava plano melhor e mais purificado, ou, pelo menos, não tão difícil e grosseiro como
disposto a afastar-me de qualquer maneira, se possível por bem, pois não desejava este mundo de provas em que vivemos; mas, no fundo, mergulhado no corpo
causar-me dano pessoal, a não ser que a isto fosse obrigado. Confessa, mesmo, físico, que o sufoca, sua vontade debilita-se e a fraqueza da carne vence as
que tem por mim certa afeição e — coisa estranha, meu Deus! —sinto por ele, melhores intenções. Os seres desencarnados inferiores que nos vigiam, nos
também, uma inexplicável ternura que, não sei de onde nem de quando, vem das espionam e nos assediam, sabem disso, tão bem ou melhor do que nós, e,
telas infinitas desse continuo espaço-tempo em que vivemos. Fala-me da sua glória, enquanto puderem, hão de reter-nos na retaguarda, pelo menos, como disse um
na qual insiste. Sonha grande, mas não hesita diante da violência, para realizar os amigo espiritual muito querido, para engrossar as fileiras dos que estão parados.
seus sonhos de domínio. Já no passado cometeu, várias vezes, esse engano, Mesmo com toda a vigilância, e em prece, continuamos vulneráveis. E “eles”
embora projetando-se, na História, como um temível conquistador. A essa altura, já sabem disso: quando o esquecemos, eles nos lembram:
estamos conversando, como dois velhos amigos que se reencontraram, e não como — Você pensa que é invulnerável?
um agressivo guerreiro, surgido dos registros históricos, com um mero doutrinador Quem poderá responder que é? E as nossas mazelas, os erros ainda não
espírita, do século XX. Ao falar das suas grandezas, me diz, de maneira dúbia: resgatados, as culpas ainda não cobradas, as infâmias ainda não desfeitas?
— Você preferiu outros caminhos... Contudo, temos que prosseguir o trabalho de resgate, a despeito dos espinhos das
— Sim, é verdade — digo-lhe eu —, preferi a obscuridade. rosas, das ameaças e, logicamente, de um ou outro desengano maior. É preciso
É isso, precisamente, que ele não entende. Como pode alguém desejar viver na estarmos, no entanto, bem certos de que, em nenhuma hipótese, sofreremos
obscuridade, se pode, pelo menos, tentar a glória? senão naquilo em que ofendemos a Lei, e jamais em decorrência do trabalho de
Nem sempre, porém, essas bravatas e ameaças terminam assim, amistosamente, desobsessão, em si mesmo. Seria profundamente injusta a Lei, se assim não
num reencontro de dois seres que seguiram rotas diferentes, mas continuam a fosse. Então, vamos ser punidos porque estamos procurando, exatamente,
estimar-se e respeitar-se. praticar a Lei universal do amor fraterno e da solidariedade que nos recomenda o
Usualmente, o rancor está firme atrás delas, e pelo menos algumas das ameaças Cristo?
concretizam-se mesmo, sob variadas formas: pequenos incidentes na vida diária, Não aceitaremos a intimidação, mas não a devolveremos com uma palavra ou
mal-entendidos entre familiares, doenças inesperadas, aflições maiores. um gesto de desafio que de provocação. É necessário não intimidar-se diante da
O problema das ameaças merece alguma digressão mais ampla, porque ele tem bravata, mas sem cometer o engano de ridicularizá-la. Há uma diferença
implicações muito sérias no trabalho de doutrinação. considerável em ser íntimorato e ser temerário. Nossa bagagem de erros ainda a
Em primeiro lugar, como nos disse um Espírito amigo, certa vez, não podemos resgatar não nos permite usar o manto da invulnerabilidade, mas não deve deter
colher rosas, sem jamais nos ferirmos nos espinhos. Quanta verdade nesta imagem! os nossos passos na ajuda ao irmão que sofre. Mesmo que ele nos fira, com a
Por mais estranho que nos pareça, a uma observação superficial, os Espíritos mais peçonha de seu rancor inconsciente, quando lhe estendermos a mão, para ajudá-
lo a levantar-se, ele nos será muito grato se o conseguirmos e, no fundo, bem no vez, que eu ficaria estarrecido, se soubesse daqueles que haviam concordado
fundo de si mesmo, ele, mais do que ninguém, deseja e espera que nós consigamos com arranjos semelhantes. De um Espírito encarnado, que nosso grupo estava
salvá-lo, pois que, por si mesmo, com seus próprios recursos, ele não o conseguiu particularmente interessado em socorrer, nos foi dito que desistíssemos, porque ele
ainda. E, afinal de contas, se os espinhos nos ferirem, aqui e ali, também estaremos não voltaria: já havia “cruzado a ponte”, para o lado de lá... Tinha tudo quanto
nos libertando das nossas próprias culpas. queria, estava muito feliz, O negócio, evidentemente, fora bom para ambos os
A regra, portanto, é esta: não ridicularizar a bravata, nem desafiar a ameaça; não lados, o que, na prática comercial, indica uma boa transação concluída de maneira
responder à ironia com a mofa; não se intimidar, mas não ser imprudente. auspiciosa.
Regra semelhante poderia ser sugerida para responder à proposta, e esta precisa, Duas observações básicas é preciso ainda fazer, sobre tais propostas e
igualmente, de algumas considerações à parte. acomodações: a primeira, é mais do que óbvia, ou seja, as concessões que nos
Um grupo bem orientado e bem guardado pelos amigos espirituais invisíveis oferecem têm elevado preço, por mais inocentes que se apresentem, à primeira
começará, pouco a pouco, a obter resultados que surpreenderão não apenas aos vista. Além do mais, nada impede que desfaçam o trato, a qualquer tempo,
próprios componentes encarnados, como também aos desequilibrados Espíritos quando não mais interessar-lhes o nosso concurso ou caducar a razão pela qual
manifestantes. Estes não compreendem como pode um pequeno grupo, se valeram da nossa ingenuidade infantil. A cobrança virá, então, sobre aquele que
aparentemente tão frágil, tão reduzido, resistir à investida de tremendas e poderosas concordou com o trato e que, de suposto aliado, passa a vítima inerme de sua
organizações espirituais, votadas, há um tempo enorme, à prática do mal. Inúmeros própria tolice. A segunda observação é a de que, quando os nossos irmãos
outros seres e grupos que tentaram, no passado, impedir seus passos, deram-se atormentados propõem semelhantes transações, com a finalidade de nos levarem
mal, e foram afastados sumariamente. De modo que, passado o rompante das a abandonar o trabalho, deixar de ajudar alguém, ou fazer, enfim, qualquer
primeiras agressões, os companheiros desvairados proporão barganhas e tréguas, concessão, é porque estão começando a sentir-se algo perplexos, ante a
ou pequenas concessões. A imaginação é fértil e a experiência deles é longa, no trato resistência inesperada à sua vontade. Eles não estão habituados a fazer acordos
de situações como essa, a da resistência inesperada. A proposta pode ser um para obter o que podem conseguir pela imposição e pela intimidação, ou pelo
simples negócio. Estão acostumados a tais ajustes e transações. Acham que tudo terror. Tenhamos, porém, o bom senso de não procurar tirar partido da situação,
tem seu preço e dispõem-se sempre a pagar o preço combinado por aquilo que lhes imatura e precipitadamente. A prudência continua a ser a melhor conselheira. Além
interessa. Se podem comprar nossa desistência, por exemplo, não hesitarão em disso, não podemos permitir-nos utilizar, jamais, métodos semelhantes aos seus.
propor uma barganha: Eles compreenderão nossos escrúpulos e nosso jogo aberto e acabarão
— Está bem. O que você deseja para parar com isso? respeitando-nos por isso, estejam ou não convencidos ante a nossa
“Parar com isso” é deixá-los fazer o que entendem, encerrar as atividades do argumentação. Se a uma proposta, por mais infantil que seja, da parte deles,
grupo ou dedicar-se a outros afazeres mais inócuos e menos prejudiciais aos seus tentarmos “virar a mesa”, estaremos sintonizando-nos com o mesmo diapasão
interesses. Concordarão, por exemplo, em deixar de atormentar alguém, a que ético com que eles nos experimentam e, com isso, irá por terra a precária
particularmente estejamos dedicados, ou em liberar outros, que mantêm prisioneiros ascendência moral que porventura tenhamos alcançado sobre eles. Não
no mundo espiritual. Ou então nos oferecem coisas mais terra-a-terra, como dinheiro, podemos, jamais, esquecer-nos de que são pobres irmãos desorientados,
posição, prazeres. desesperados, dispostos a tudo, mas que necessitam de nós. Buscam
De outras vezes a proposição é mais sutil. Começam com elogios, exaltando aflitivamente alguém que não possam corromper com suas propostas, alguém
nossas fabulosas “virtudes”: que prove ser pelo menos um pouco melhor do que a média humana, com a qual
— Você não sabe a força que tem! Poderia arrastar multidões, dominar mentes... estão acostumados a lidar. Não alimentemos a ilusão de demonstrar-lhes que,
A um desses respondi que não sabia, ainda, como dominar a minha... E ele, diante de nós, são simples vermes infestados de culpas, votados à maldade
imperturbável: intrínseca, e nós, seres redimidos, que condescendemos em estender-lhes a mão
— Sabe, sim. Você sabe... Por que não fazemos um acordo? salvadora que, depois, iremos desinfetar. Absolutamente. É bem possível que
Outro convidou-me para “pregar”, na sua instituição. Já referi aqui, também, àquele sejam mais atilados psicólogos do que nós, mais experimentados do que nós,
que me propunha desfazer um “trabalho”, feito contra mim, ao que tudo indicava, por nessas duvidosas transações. Encaram suas tarefas deploráveis como complexas
ele mesmo... Há os que propõem desembaraçar-nos de pessoas que supostamente partidas de xadrez, nas quais têm, às vezes, que sacrificar uma dama, ou um
nos estariam atrapalhando, bem como, aqueles que nos acenam com “belíssimas” bispo valioso, para dar o xeque ao rei. São metódicos, dispõem de amplos e
posições, nas suas organizações. minuciosos planejamentos. Não os subestimemos jamais, que as conseqüências
Como dizia há pouco, a imaginação deles é fértil e a habilidade ilimitada, e muitos serão funestas para nós. Escarnecer de suas propostas, porque sentimos que
são os que se deixam fascinar por esse cântico funesto. Um deles me disse, certa estão fracos e algo perplexos, pode ser desastroso, e, além do mais, é desumano.
São irmãos doentes, que precisam de ajuda e compreensão, e não de que os um post scriptum. Ele visitou-nos novamente, tempos depois, para despedir-se,
confirmemos nas suas práticas, retrucando aos seus processos ardilosos com ardis muito contrito e infinitamente grato aos pequenos trabalhadores que o ajudaram:
de idêntico teor. preparava-se para reencarnar, e vinha pedir nossas preces, pois estava mais certo
Em situações como esta, costumo ter uma resposta padronizada. Não recuso a do que nunca do nosso amor fraternal.
proposta, e nem a aceito. Confesso-me simplesmente incapaz de decidir, o que é
estritamente verdadeiro. Usualmente, digo qualquer coisa assim: 30 O DESENVOLVIMENTO DO DIÁLOGO. FIXAÇÕES.
— Não tenho autoridade para tratar com você. Procure um dos nossos CACOETES. DORES “FÍSICAS”. DEFORMAÇÕES.
companheiros espirituais, aí no mundo de vocês. O que ele resolver, está bem para
MUTILAÇÕES.
mim.
Às vezes eles insistem, pois sabem muito bem o que significa a minha resposta. O Pouco a pouco, o diálogo vai se desenvolvendo, a partir de uma espécie de
tom pode ser este, como tenho observado: monólogo, pois, no princípio, como vimos, é necessário deixar o Espírito falar, para
— Está bem, mas você pode resolver a parte que lhe toca. Eles não poderão fazer que informe sobre si mesmo, o que acaba acontecendo. Muitos o fazem logo de
nada, se não tiverem o grupo, e se você acabar com o grupo, estará tudo resolvido e início, dizendo prontamente a que vieram e o que pretendem. Mesmo a estes,
não mais o incomodaremos. Caso contrário... você sabe... porém, é preciso deixar falar, a fim de nos aproximarmos do âmago de seus
A posição do doutrinador tem que continuar firme, paciente, tranqüila, e até mesmo problemas. Outros são bem mais artificiosos. Usam da ironia, fogem às perguntas,
respeitosa, pois a dor alheia jamais poderá constituir espetáculo de diversão, a não respondendo-nos com outras perguntas ou com sutis evasivas, que nada dizem. É
ser para aqueles que também estejam em desequilíbrio. É preciso respeitá-la. A comum tentarem envolver o grupo todo na conversa. Várias artimanhas são
criatura que está diante de nós, incorporada ao médium, encontra-se desatinada, empregadas para esse fim. Dirigem perguntas aos demais circunstantes; dizem
necessitada de compreensão e de amparo. Merece nosso respeito. Seria gracejos, para provocar o riso; tentam captar a atenção por meio de gestos e
profundamente desumano negacear com ela, tentando ludibriá-la com os mesmos toques, nos braços ou nas mãos dos que lhes ficam mais próximos; ensaiam a
recursos com que, no seu desespero, tentou enganar-nos. Que ela tente, isso é indução hipnótica ou o passe magnético. Muita atenção com estes artifícios. Eles
compreensível; mas que nós, também, experimentemos a mesma arma, é trazem em si uma sutileza perigosa e envolvente, pois constituem uma técnica de
inadmissível. Se não podemos provar-lhes que somos melhores do que eles — e penetrar o psiquismo alheio.
não podemos mesmo, pela simples razão de que não o somos, pelo menos na Um companheiro esclarecido e experimentado que, do mundo invisível, nos
extensão que a nossa vaidade poderia sugerir — que, pelo menos, evidenciemos orientava, costumava sempre dar uma palavra inicial, de estímulo e
que nossos métodos são melhores. encorajamento, para as árduas tarefas que nos esperavam cada noite, todas as
Um pobre irmão desses, extremamente desarvorado, atormentou-nos, por algum semanas. Ele tinha o hábito de fazer uma saudação geral, e depois dirigir-se a
tempo, com ameaças terríveis; assediou-nos, semana após semana; deu murros na cada um de nós em particular, com uma palavra mais pessoal, afetuosa e cordial.
mesa, gritou e fez tudo quanto lhe foi possível para destroçar-nos ou quebrar o nosso Seu objetivo não era o de distinguir este ou aquele, e nem mesmo de dar
moral. Acreditava na legitimidade incontestável da sua causa. Era profundamente conselhos individuais sobre nossos problemas humanos; era apenas o de
honesto consigo mesmo e, portanto, todos aqueles que se lhe opunham tinham que estabelecer, entre nós todos e ele, um vínculo positivo, que nos predispunha ao
ser removidos de qualquer maneira: pela intimidação ou pela lisonja, pela dor ou pela trabalho em equipe e certamente contribuía para que nos mantivéssemos, todos,
sedução; não importam os métodos, desde que os fins sejam alcançados. Tinha, em boa faixa de equilíbrio e concentração. Suas palavras singelas, a cada um de
porém, um grande e generoso coração, totalmente dedicado à sua ingrata causa. nós, criavam, pois, este elo, necessário ao trabalho. Neste caso, a técnica era
Não lutava especificamente contra nós, mas pelas suas idéias, e achava, como obviamente utilizada para o bem, mas, sem dúvida alguma, os Espíritos
tantos outros, que combatia o bom combate de que nos falava Paulo. Um dia, desarmonizados também a conhecem e procuram empregá-la, com finalidades
convenceu-se de seu engano, com a graça de Deus. Desceu do seu pedestal de muito diversas. Se um companheiro desavisado responde, mesmo com um
poder e arrogância — fora também um grande e, sem dúvida, um pobre transviado, simples sorriso, os resultados podem se tornar desastrosos. Tivemos disso um
no passado —, viu-se em toda a extensão de seus enganos. Nesse ínterim, um de exemplo, certa vez, quando alguém, em nosso grupo, achou graça num
nossos médiuns teve com ele um encontro, no mundo espiritual, em comentário do manifestante. O Espírito começou a dirigir-se a ele, esquecendo
desdobramento. Estava recolhido a uma instituição socorrista, e arrasado de aparentemente a presença do doutrinador e suas palavras, pois isto faz parte da
remorso, pelas atitudes agressivas e despropositadas ante o seu doutrinador e o técnica. Como o companheiro correspondeu à sua abordagem, o Espírito sentiu-
próprio grupo, que tanto se esforçava por salvá-lo. Voltou, depois, para dizer-nos se à vontade para prosseguir e foi muito franco e espontâneo ao manifestar sua
desses nobres sentimentos, redespertados em seu coração. Essa história tem ainda satisfação, por ver que encontrava apoio num dos componentes do grupo, muito
embora soubéssemos perfeitamente que este não o estava apoiando, mas generalização da conversa, que afasta o doutrinador e o coloca mais ou menos à
certamente o estava favorecendo involuntariamente. Sentiu-se fortalecido e disse, margem, numa técnica muito sutil de desmoralização.
mesmo, após longo tempo de conversa, que não Sob condições especiais, no entanto, é possível que ocorra a necessidade, ou a
se retirava — esta é outra técnica intimidadora, que ainda estudaremos — com a conveniência de alguém mais falar. Pode ser, por exemplo, que alguém, no grupo,
clara intenção de desmoralizar o doutrinador, que ficaria falando sozinho. tenha qualquer problema pessoal com o Espírito manifestante, e se sinta
Há, pois, excelentes razões para manter como regra, de raríssimas exceções, o fortemente impelido a dizer-lhe uma palavra de conciliação, fazer-lhe um pedido de
princípio de deixar que apenas o doutrinador fale com o manifestante. Ë através perdão, um gesto de fraternidade mais objetivo, além do pensamento. Também
daquele que atuam os Espíritos orientadores, que ficariam com seu esforço pode acontecer que o Espírito manifestante sinta real necessidade de uma palavra
dispersado se tivessem que dar atenção e atuar, via intuição, sobre todos os direta, com alguém presente que, por amá-lo particularmente, pode ajudar a
componentes do grupo incumbidos ou autorizados a falar com o Espírito. despertá-lo, com a emoção de uma voz que há muito não ouve, ou com um gesto
O doutrinador tem que estar, assim, bem atento aos seus companheiros de que se lembre com saudade.
encarnados, em torno da mesa, médiuns ou não, para que se mantenham firmes Em casos assim, o doutrinador julgará, segundo sua intuição ou a instrução dos
nas suas posições, o que é importante para o desenvolvimento das tarefas. Estes mentores, permitindo que outra pessoa fale ao Espírito. Claro que, mesmo assim,
companheiros não devem fechar-se na indiferença, quanto ao que se passa, pois deve continuar atento, seguindo com extremo cuidado o diálogo, para retomá-lo
emprestam seu apoio vibratório silencioso ao doutrinador; mas não devem cometer o quando julgar necessário, porque cabe a ele a responsabilidade por esse aspecto
engano de se envolver na conversa, a ponto de, mesmo mentalmente, interferir no da tarefa; é ele quem está preparado para ela, em vista de suas ligações com os
difícil diálogo que o doutrinador está tentando estabelecer, para perscrutar o companheiros espirituais, através dos dispositivos especiais a que nos referimos
arcabouço psicológico e moral do seu interlocutor invisível. alhures, neste livro.
Às vezes, os circunstantes encarnados, não bem afinados afetivamente com o Fora desses casos, que insistimos em qualificar de excepcionais, deve
doutrinador, podem introduzir perigosos fatores de desagregação no grupo, se prevalecer a regra geral do silêncio e da sustentação psicológica aos médiuns e ao
persistirem em acompanhar mentalmente a doutrinação, com um senso crítico doutrinador.
imprudente, imaginando o que diriam em tais circunstâncias. Os Espíritos Outra norma subsidiária: os circunstantes, como componentes encarnados do
manifestantes têm, freqüentemente, condições de captar-lhes o pensamento e, se o grupo, vigiem bem seus pensamentos. Mantenham-se atentos ao diálogo, mas
fizerem, certamente tirarão partido da discrepância, mesmo que ela fique imanifesta. não se envolvam nele, nem mesmo por palavras inarticuladas, ou seja, apenas
Por isso, tanto se insiste na importância da fraternidade, entendimento e pensadas.
compreensão entre todos os componentes do grupo encarnado. Não que o Enquanto isso se passa, a conversa prossegue. Ainda não dispõe, o doutrinador,
doutrinador seja infalível, perfeito, nem que esteja sempre certo e com a razão; mas de elementos suficientes para formular um juízo acerca do caso que tem diante de
ele precisará do apoio e da compreensão de seus companheiros, ainda que tenha si. Talvez já saiba, por exemplo, a que veio o Espírito, ou seja, descobriu a razão
falhado; e, com freqüência, ele falha mesmo, porque o terreno em que pisamos, no pela qual foi atraido ao grupo. Estamos tentando, digamos, subtrair, de sua
trato com esses irmãos desarvorados. é difícil. imprevisível e traiçoeiro. influência obsessiva, alguém que nos pediu ajuda. Mas é preciso saber por que ele
Dessa forma, alguém que não possa concordar com os métodos empregados (ou ela) persegue o companheiro encarnado. Qual a sua ligação com o obsidiado?
pelo doutrinador, a ponto de tornar-se criticamente negativo, deve afastar-se do De onde vem, no tempo e no espaço, o choque que se criou entre eles? Em
grupo. Ê possível, claro, que ele esteja certo, e o doutrinador errado; mas é melhor suma: quais são as fixações do Espírito? Todo processo obsessivo tem o seu
excluir-se, do que permanecer no grupo como um ponto de atrito oculto, que mina o núcleo: traição, vingança, espoliação, desamor. É, quase sempre, um caso
trabalho. Se não pode ajudar, que, pelo menos, não acarrete maiores dificuldades. pessoal, de conotações essencialmente humanas, com problemas suscitados no
Se ele estiver certo, na maneira de apreciar o trabalho do doutrinador, e este não relacionamento. Dificilmente um Espírito obsidia outro apenas porque discorda
possuir, mesmo, condições para a sua tarefa, as coisas encaminhar-se-ão para um dele em questões filosóficas ou religiosas, embora isto também seja possível, em
desfecho natural; se apenas critica e discorda em razão de distorções de sua própria casos extremos de fanatismo apaixonado.
psicologia, então nada tem a contribuir de bom para o grupo e poderá acarretar-lhe Deixemo-lo falar, mas não tudo quanto queira, senão ficará andando em círculo,
considerável dano. à volta de sua idéia central. Neste caso, continuará a repetir incessantemente a
Lembremos, pois, a validade da regra que recomenda que apenas o doutrinador mesma cantilena trágica: a vingança, o ódio, a impossibilidade do perdão, o desejo
fale com o Espírito manifestante. É comum que este procure burlar a norma, de fazer a vítima arrastar-se no chão, como um louco varrido, e coisas
tentando arrastar outros membros do grupo ao debate. Convém a eles a semelhantes. O doutrinador precisa ter bastante habilidade para mudar o rumo de
seu pensamento. Terá que fazê-lo, não obstante, com muita sutileza, arriscando,
aqui e ali, uma pergunta mais pessoal, falando-lhe de uma passagem evangélica, encerrou inadvertidamente. Não nos esqueçamos, porém, de que
que se aplique particularmente ao seu caso e sempre haverá uma ou mais, que se espontaneamente ele não sairá, não porque não queira, mas porque não sabe.
adaptam perfeitamente às circunstâncias. Deixe-o falar, porém. Se grita e esbraveja, Sua vingança é a própria razão de ser de sua vida; como vai entregá-la a alguém
procure apaziguá-lo. Não se esquecer de que, por mais errado que esteja, no seu — a um desconhecido bisbilhoteiro, como o doutrinador — a troco de uma
ódio irracional, ele está convencido dos seus direitos e, até mesmo, da cobertura realidade penosa, que é aquele momento patético em que ele descobre que a
divina. Muitos são os que invocam os dispositivos da Lei Maior, para exercerem suas causa da sua dor está em si mesmo, e não na pessoa que ele persegue e odeia?
vinganças e perseguições. Além do mais — dizem —, se podem fazer aquilo, é que Além das fixações penosas, os Espíritos conturbados costumam apresentar
Deus o permite. Ele não tem poderes para fazê-lo cessar tudo? Por que não exerce cacoetes, sob a forma de trejeitos e contrações, ou, ainda, mutilações e
tais poderes? deformações perispirituais. É certo que tudo isso está ligado ao problema interior
Atenção, pois, para essas idéias fixas. Por mais voltas que dê o Espírito, mesmo que os atormenta.
com a intenção consciente de ocultar sua motivação, ele não conseguirá isso por Já tivemos oportunidade de observar esses pormenores, aparentemente
muito tempo. irrelevantes, de muitas maneiras e sob variadas condições. Vamos a alguns
No entanto, é preciso ajudá-lo a quebrar o terrível círculo vicioso em que se debate. exemplos: citei alhures, neste livro, o episódio do pobre irmão que tinha um braço
Veja bem: ajudá-lo a quebrar, não quebrar, arrancá-lo à força. Ele tem que sair com paralisado. Notei que durante o diálogo ele não movimentava aquele membro. Por
seu próprio esforço. Ajudar a fazer não é o mesmo que fazer, pelos outros, aquilo que que seria? No momento que me pareceu oportuno, sem precipitação, perguntei-
lhes compete realizar. lhe o que havia com o seu braço. Ele não quis dizer. Ou, provavelmente, nem
Por outro lado, a fixação é, às vezes, tão pronunciada e tão absorvente, que o saberia conscientemente a razão, porque costuma funcionar, nestes casos, um
Espírito não tem condições, sequer, de ouvir o doutrinador, ou, pelo menos, não mecanismo de defesa, que parece construir uma barricada às nossas costas, para
reage de maneira inteligível ao que este lhe diz. Isto não significa que o doutrinador levar-nos a um conveniente esquecimento do passado. Simplesmente
deve calar-se; continue a falar-lhe, que as palavras irão insensivelmente se “esquecemos” das causas que nos levaram àquela situação, para poder fixar-nos
depositando nele, e mesmo que ele pareça não ouvir — e isso ocorre, mesmo, em no objeto do ódio e da vingança. Não sei, ao certo, se ele sabia a razão da paralisia
certos casos — seu próprio espírito sente as vibrações fraternas que sustentam as de seu braço. Se sabia, tentava ignorá-la. Quando me propus a curá-lo por meio
palavras. Se é que o doutrinador realmente sente o que fala ou, melhor ainda, fala o de passes, ele recusou — sem muita convicção — dizendo que, se ficasse
que de fato sente. curado, seria apenas para ter mais um braço para empunhar o chicote - -. - Mesmo
Aguarde-se, pois, o momento de ajudá-lo a sair um pouco de si mesmo. Tem que assim, levantei-me, orei e dei-lhe passes ao longo do braço imobilizado, e vi logo
haver, na sua memória, outras lembranças, outros sentimentos e até mesmo outras que ele reagia, sentindo o impacto dos fluídos que o alcançavam. E, realmente,
angústias, além daquela que constitui o núcleo da sua problemática. Coloque, de vez ficou bom, voltando a movimentar o braço. Só então, ao que parece, foi possível
em quando, uma pergunta diferente, procurando atraí-lo para outras áreas da sua liberar o seu mecanismo de censura, e ele se lembrou da cena de um passado
memória. Como, por exemplo: teve filhos? Que fazia para viver? Crê em Deus? distante, quando sacrificou, a punhal, a esposa e os filhos, que ele acreditava não
Onde viveu? Quando aconteceu o drama? Tem noticias de amigos e parentes fossem seus, pois achava que ela o havia traído. Exposto o âmago do problema,
daquela época? seu drama resolveu-se.
É claro, porém, que essas perguntas não devem ser desfechadas numa Outro sentia, ainda, a dor aguda de uma lança que o penetrara há séculos,
espécie de bombardeio ou de interrogatório. Ninguém gosta de submeter-se a quando terminou uma existência de inconcebíveis desatinos. Continuava preso ao
devassas íntimas. Com freqüência, os manifestantes reagem, perguntando se estão local onde exercera um poder discricionário, a ouvir os comentários de visitantes e
sendo forçados a processos inquisitoriais. Ou, simplesmente, se recusam a turistas sobre suas próprias atrocidades.
responder. Ou dão respostas evasivas. ..... respondem. Um terceiro tinha a voz rouca — seria um antigo câncer? —e quase inaudível.
Nem sempre estarão prontos para nos ajudarem a ajudá-los, logo nos primeiros Sua “cura”, por meio de passes, levou-o a um reexame bem menos apaixonado
contactos. O processo pode alongar-se por muito tempo, até que adquiram da figura de seu doutrinador, que ele chamara até de porco!
confiança em nós e nas nossas intenções. Outro companheiro desorientado conservava feia cicatriz sobre o olho direito,
O objetivo das perguntas não é, obviamente, o de satisfazer a uma curiosidade porque ela lhe dava uma aparência terrível, que atemorizava aqueles a quem ele
malsã e, por isso, devem limitar-se a conduzir a conversação, fornecendo-lhe pontos queria perseguir e afligir.
de apoio, sobre os quais ela possa expandir-se, a fim de afastar o pensamento do Em uma oportunidade, tivemos também um caso, intensamente dramático, de
comunicante, ainda que temporariamente, do núcleo central que o bloqueia e o um pobre sofredor, guilhotinado na França, durante a Revolução. Desde então —
impede até mesmo de buscar a saida daquele círculo de fogo e lágrimas em que se segundo apuramos em seguida — trazia a cabeça “destacada do corpo”, na mão
direita, segura pelos cabelos. O diálogo inicial foi difícil, pois convicto de que estava Já discutimos alguns aspectos teóricos desta questão. Teoricamente, sim, ele
sem cabeça, ele não tinha condições de falar. A custo, porém, o fui convencendo de pode cobrar. Não que tenha um direito assegurado nos códigos divinos, porque a
que podia falar através do médium. Vivia apavorado ante a idéia de perder de vista a idéia de direito implicaria, talvez, a da impunidade. Não sei se os juristas que me
cabeça e nunca mais recuperá-la. Enquanto a tivesse ali, à mão, mesmo decepada, lêem concordam com isto, mas parece que não podemos ser punidos por exercer
alimentava a esperança de “repô-la” no lugar. Isto foi possível fazer, com a graça de uma ação que o direito nos assegura. É claro que não falo aqui no direito humano,
Deus. Oramos e lhe demos passes. Subitamente, ele sentiu que a cabeça voltara à imperfeita imitação dos conceitos superiores do Direito Cósmico, do qual
sua posição correta. Louco de alegria, ele apalpava-se e só sabia repetir: conhecemos as primeiras letras. Creio que, se Deus me assegurasse o direito de
— Ela está aqui! Ela está aqui!... cobrar, impunemente, pela vingança, uma falta cometida contra mim, sua lei não
E conferia, com a ponta dos dedos, toda a anatomia facial e craniana: os olhos, o teria sido muito melhor do que a nossa. Não obstante, tanto numa, como noutra,
nariz, a boca, as orelhas. Estava tudo lá. E dizia: existe a idéia básica da reparação. A sociedade humana tenta a reparação pelos
— Posso falar! Estou falando! caminhos da punição; a divina, pela regeneração.
Queria saber quem fizera o “milagre” de “colar” a cabeça novamente no lugar O criminoso terreno deve pagar pelo que fez, independentemente do que
próprio. Quanto ao que lhe acontecera, não acreditava que Deus o tivesse feito, para acontece com aquele a quem ele prejudicou. A lei humana não toma
castigá-lo, pois Deus não permitiria que um homem andasse sem cabeça por tanto conhecimento da sobrevivência do espírito. A lei divina pede do ser, através de sua
tempo. Levo-o cautelosamente para uma introspecção, tentando fazer que ele própria consciência, que ele se recomponha perante a sua vítima. Ante a lei
encontre em si mesmo a razão do seu espantoso sofrimento. Explico-lhe que humana, a prisão ou a indenização redimem o criminoso; a lei divina vai adiante e
vivemos muitas existências, embora as esqueçamos. Em alguma de suas vidas lhe pede a reconciliação, mesmo que, em face dos códigos terrenos, ele esteja
anteriores ele encontraria a explicação. “Provavelmente”, digo-lhe, “você andou quite. Por outro lado, a lei humana não leva em conta o fato de que o homem sofre
também cortando a cabeça de alguém”. É verdade, isso. Ele se lembra, agora, que justamente aquilo que está nos seus compromissos cármicos, respondendo por
eram enfiéis a Jeová e, depois de condenados, ele os executava. Reviu até a fila de desatinos cometidos. E se não colocamos um ponto final nessa espiral de
espera... horrores, ela continuará a abrir-se para baixo e para o futuro, cada vez mais
Casos mais sérios de deformações espirituais exigem o concurso de médiuns dolorosa e ampla.
especiais, não apenas para recebê-los, por incorporação, como, também, para Dessa forma, não haveria direito líquido e certo de cobrarmos, nós mesmos, as
ajudar na recomposição da forma “física”, para o que é necessário dispor de algum faltas cometidas contra nós, pois que direito é esse, que reabre o ciclo da culpa e
ectoplasma, além dos passes habituais. nos obriga a pagar aquilo que consideramos simples reparação?
Mesmo para o companheiro a que há pouco nos referimos, de cabeça decepada, Mas, como explicar tudo isso, de forma convincente, ao Espírito tumultuado pela
o concurso de um médium de efeitos físicos foi decisivo. Enquanto lhe dávamos paixão da vingança? Como iremos mostrar-lhe a falácia da sua filosofia da
passes, ele parecia absorver os fluídos avidamente, procurando impregnar-se deles, reparação? Em muitos casos, ele já está convencido dessa realidade, ou seja, a
com movimentos aflitivos das mãos. de que, exercendo a vingança por suas próprias mãos, ele se inscreve novamente
Em outros casos de deformações perispirituais e zoantropia, o médium expeliu como culpado, no tribunal invisível da sua própria consciência. Não importa. Ele
realmente grande quantidade de ectoplasma pela boca, o que se percebeu, mesmo quer cobrar, assim mesmo. Quando chegar a hora da dor, ele arcará com as suas
sem a vidência, pelos movimentos irreprimíveis que fazia como se estivesse responsabilidades, e as sofrerá, diz ele, com prazer, porque pelo menos terá
vomitando em seco. saciado o seu rancor. Não sabe ele, porém, que o rancor não se satisfaz nunca,
Ainda falaremos sobre a ectoplasmia nos grupos mediúnicos, porque ela tem muito menos pelos caminhos do sofrimento alheio. Por mais absurda que pareça a
outras aplicações, além da, que há pouco mencionamos, de ajudar a reconstituir tese ao vingador, o seu ódio somente se estanca, e somente o libera da sua
lesões perispirituais e recompor seres reduzidos a formações animalizadas. própria dor, pelo perdão. Sacudido pela tormenta das suas paixões, ele nem
* percebe que também sofre, e que continua retido, indefinidamente, no processo
Mas o diálogo prossegue. Suponhamos já ter sido possível identificar o núcleo que ele próprio criou. Se conseguirmos despertá-lo para essas verdades,
principal do problema. Já descobrimos as razões fundamentais do seu drama. Não estaremos começando a ajudá-lo.
obstante, muito falta ainda para dissolver e dispersar aquele núcleo doloroso. Mesmo Nem sempre lhe adianta uma bela pregação moral, sobre as virtudes teológicas
com tudo isso presente à sua consciência, ele ainda insiste em racionalizar a seu do perdão. Ele não se mostrará sensível ao apelo, enquanto não se convencer de
jeito, o quadro que se lhe apresenta. Continua a submetê-lo ao seu próprio juízo e a que isso é uma realidade irresistível, que o interessa pessoalmente.
invocar o seu direito à cobrança. Às vezes, basta uma pergunta bem colocada, no momento oportuno. Acha ele,
por exemplo, que, com mais um século ou dois de rancor, vai conseguir o que não
conseguiu em dois ou três? Pretende continuar preso à roda-viva da aflição? Por Foi socorrido e encaminhado a uma instituição hospitalar do Espaço. A despeito de
quanto tempo? Não está cansado? Não deseja experimentar ao menos um pouco todo o cuidado, e do carinho de nossos dedicados irmãos, resvala novamente no
de paz? Pare e reflita, medite, procure encarar o processo, com objetividade e precipício da desarmonia, que o recoloca à mercê de seus perseguidores. Agora,
sangue-frio, como se estivesse apreciando um caso, não o seu caso. Por que mais desarvorado do que nunca, exige uma solução para o seu caso,
manter dois Espíritos amarrados, vida após vida, revezando-se nas posições de deblaterando contra a ineficácia dos nossos métodos de trabalho.
perseguidor e perseguido? Além do mais, a vítima às vezes se lhe escapa É hora de falar-lhe com mais firmeza, ainda que sem o mais leve traço de
irrevogavelmente das mãos pelo próprio sofrimento que lhe é infligido, pelo arrogância, de ressentimento ou de condenação. Ele precisa, ainda e sempre, de
despertamento de seu Espírito, pelo esforço que faz em ajustar-se perante as leis compreensão e de esclarecimento, mas tem que reconhecer, também, que Deus
divinas. E então o perseguidor não terá mais como atingi-lo. Poderá ainda insistir em não se acha à nossa disposição, para atender a qualquer capricho ou cumprir
persegui-lo indiretamente, através de seres que lhe são caros, mas isto é uma ordens.
vingança frustrada e o satisfaz ainda menos do que a outra. Ao longo do tempo ele Digo-lhe, pois, que ele não pediu a Deus; ele tentou exigir de Deus um imediato
ficará falando sozinho, na alienação da sua vingança sem objeto. Um dia despertará, alívio para os seus males, que, afinal de contas, são decorrência de suas próprias
afinal, para retomar a sua caminhada. E por que esperar tantos desenganos, se esse faltas contra a lei divina. Não é assim que as coisas funcionam. Por outro lado,
dia pode ser hoje, agora? também não posso lhe tirar a dor, como num passe de mágica. Ele deve
convencer-se de que precisa ser mais humilde, mais paciente. A essa altura,
31 LINGUAGEM ENÉRGICA porém, seu hipnotizador, que se achava presente, recomeçou a indução, para
Sem dúvida alguma, a tônica do nosso diálogo com os irmãos desnorteados é a impedir que ele escapasse novamente do seu poder.
paciência, apoiada na compreensão e na tolerância. Nada de precipitações e Um deles tentou aliciar a atenção de um dos componentes do grupo — uma
ansiedades. Bastam as ansiedades do irmão que nos visita e, se pretendemos jovem senhora — explorando sua repugnância por baratas e ratos. Dizia que a
minorá-las, temos que contrapor, às suas aflições, a nossa tranqüilidade. Se o sala estava cheia de baratas “astrais”,
companheiro éagressivo e violento, o esforço deve ser redobrado, da nossa parte, que subiam pelo corpo dela, e de ratos que corriam de um lado para outro.
em não nos deixarmos envolver pela sua “faixa”. A voz precisa continuar calma, em Tomou um pequeno lenço, que se achava sobre a mesa, e largou-o sobre as
tom afável, sem precisar ser melosa; mas éimprescindível que seja sustentada pela mãos que ela conservava pousadas sobre os olhos fechados. Ela se manteve
mais absoluta sinceridade e por um legitimo sentimento de amor fraterno, sem firme, e eu também não lhe disse nada, deixando-o “brincar” um pouco. Durante
pieguice. nossa conversa anterior — confirmada no prosseguimento do diálogo — ele nos
Isto não exclui, por certo, a necessidade, às vezes, de uma palavra mais enérgica; dera inequívoca demonstração de capacidade intelectual, poder de oratória,
mas, o momento de dizê-la tem que ser buscado com extrema sensibilidade, tato e habilidade como argumentador, agressividade e arrojo. Era um líder, um
oportunidade. E, se for necessário dizê-la, é preciso que a voz não se altere a ponto “professor” de Doutrina Espírita. A cena com as “baratas” e os “ratos astrais” era, no
de soar violenta, autoritária ou rude. A energia não está no tom de voz, mas naquilo mínimo, incongruente, e revelava desespero, como quem apela para um recurso
que dizemos. extremo, quando falham os outros. Percebera, por certo, que não conseguia
Certo Espírito apresentou-se-nos, certa vez, em estado de terrível agitação. Caíra convencer-nos pela argumentação. Achei, porém, que não era ainda a
em poder de implacável hipnotizador, que o reduzira ao mais extremo desespero. oportunidade de falar-lhe, mais a sério, sobre os seus “recursos”.
Aproveitando-se da incorporação ao médium e da proteção do grupo, falou Na reunião seguinte pareceu-me que o momento propício chegara. A certo
aflitivamente de seu problema. Este é o irmão a que já me referi, ao contar que, ponto, desviei sua conversação animada, sobre a “doutrina” de Kardec, para o
depois de recolhido pelos trabalhadores espirituais, recaíra em poder de seu problema das baratas:
perseguidor. Quando me levanto para ajudá-lo, reclama, em altos brados e com — Como é que você — disse-lhe eu —, um homem assim inteligente e culto,
desprezo, que de nada valem meus passes e minhas preces. Deseja morrer, que se diz líder e mestre, faz uma brincadeira como aquela, de baratinhas e
desintegrar-se. Contraditoriamente, diz, a seguir, que se vingará implacavelmente de ratinhos astrais?
seu obsessor, quando conseguir pegá-lo. Está possuído de intenso ódio e de muita Ele parece ter sido apanhado de surpresa; pensou, talvez, que, como eu deixara
revolta. A uma palavra minha, diz que sim, que pediu a Deus, mas que isso de nada passar a ocasião de falar, na sessão anterior, o episódio ficara esquecido. Algo
adiantou. desconcertado, disse-me, evasivamente, como quem se desculpa:
Este é o momento em que certa dose de energia torna-se de imperiosa — Foi o que encontrei aqui...
necessidade. Ele foi recolhido, pelo nosso grupo, em estado de pânico e aflição Mas estava evidentemente desbalanceado, e, muitas vezes, um pequeno
indescritíveis, pois desencarnara, muito jovem, em condições dolorosas e trágicas. incidente, como este, fácilita-nos o acesso à verdadeira motivação da sua
problemática. Mas, não nos esqueçamos, o momento tem que ser oportuno e, para Precisamos saber quando dizer que eles estão errados, e por quê. Nada de gritos
isso, só podemos contar com a intuição, dado que os Espíritos que nos ajudam não e murros na mesa.
nos transformam em meros repetidores de suas palavras; eles nos orientam e Esses momentos de firmeza são também necessários quando o Espírito entra
assistem, mas deixam a nosso critério a condução do diálogo. Raramente interferem no processo que costumo chamar de “crise”, ou seja, quando começa a perceber
e, quando isto se torna imperioso, fazem-no com extrema discrição, limitando-se a que está cedendo. Ainda veremos isto mais adiante, neste livro. Baste aqui dizer
transmitir uma pequena informação, para que o próprio doutrinador a desenvolva, que a energia, neste caso, tem que ser ainda mais adoçada, encorajadora, e não
com seus recursos. repressiva.
Em casos excepcionais, sob condições especiais, mentores espirituais, presentes, Em suma, a palavra enérgica é necessária, indispensável, mesmo, em
incorporam-se em outros médiuns, para doutrinar o Espírito manifestado. É freqüentes ocasiões, porque em muitos casos é fator decisivo no despertamento
comum, nestes casos, falarem com inusitada energia e firmeza, e, no entanto, sem o do irmão aturdido; mas deve ser dosada, com extrema sensibilidade, e, o
menor traço de rancor, de impaciência, de agressividade. Um desses companheiros momento certo, escolhido com seguro tato.
amados, certa vez disse um “Basta!”, com incontestável autoridade, ao Espírito que
deblaterava com arrogância e impertinência. 32 A PRECE
O problema da palavra enérgica é, pois, extremamente delicado. Se pronunciada A fé e o amor são os dois grandes instrumentos de trabalho do doutrinador.
antes da hora, no momento inoportuno, pode acarretar inconvenientes e perigos Ainda voltaremos a falar sobre o amor, esse tema inesgotável, fonte de belezas
incontornáveis, pois que não podemos esquecer-nos de que os Espíritos eternas, de reservas inexauríveis de energia criadora, de harmonias insuspeitadas,
desarvorados empenham-se, com extraordinário vigor e habilidade, em arrastar-nos sempre a nos surpreender com o seu infinito potencial.
para a altercação e o conflito, clima em que se sentem muito mais à vontade do que A fé e o amor causam impactos espantosos em nossos irmãos infelizes.
o doutrinador. Se este “topar a briga”, estará arriscando-se a sérias e imprevisíveis Quantas vezes tenho ouvido depoimentos, de comovedora sinceridade, de
dificuldades. Não pode, por outro lado, revelar-se temeroso e intimidado. Esse meio- Espíritos aturdidos ante a evidência desses sentimentos:
termo, entre destemor e intrepidez, é a marca que distingue um doutrinador razoável — Que fé absurda tem você! — disse-me um deles.
de um incapaz, pois os bons mesmo são rarissimos. E aquele que se julga um bom Ele não queria dizer que a minha fé era falsa, extravagante, ilógica ou irracional;
doutrinador está a caminho de sua própria perda, pois começa a ficar vaidoso. Os ele se surpreendia em achá-la tão legítima, tão viva, tão firme.
próprios Espíritos desequilibrados encarregam-se de demonstrar que não há E acrescentou, estupefato:
doutrinadores impecáveis. Muitas vezes envolvem, enganam e mistificam. Se o — O mundo pode desabar em cima de você, que você não se importa.
doutrinador julga-se invulnerável e infalível, está perdido: é melhor passar suas Bem dizia o nosso Paulo, especialista em tais assuntos, que “a fé é a garantia do
atribuições a outro que, embora não tão qualificado intelectual-mente, tenha melhor que se espera, a prova das realidades invisíveis” (Hebreus, 11:1). E que, mesmo
condição, se conseguir manter-se ao mesmo tempo firme e humilde. depois de tudo dito e vivido, subsistiriam “a fé, a esperança e o amor, os três...”
A interferência enérgica é, pois, uma questão de oportunidade; precisa ser decidida (Primeira Epístola aos Coríntios, 13:13.)
à vista da psicologia do próprio Espírito manifestante, e da maneira sugerida pela Uma fé assim é preciso para orar pelos nossos queridos irmãos desarvorados. A
intuição do momento. Nunca deve ir à agressividade, à irritação, à cólera, e jamais ao força e o poder da fé transmitem-se à prece, enunciada com emoção e
desafio. Qualquer um de nós redobra suas energias, quando desafiado. É humano, sinceridade.
é incontestavelmente humano, esse impulso. Quando alguém põe em dúvida um, Citando os seus amigos espirituais, Kardec escreve, em “O Evangelho segundo
que seja, dos nossos mais modestos atributos, tratamos logo de provar que, ao o Espiritismo” (capítulo 28):
contrário, é naquilo que somos bons. “Os Espíritos hão dito sempre: “A forma nada vale, o pensamento é tudo. Ore,
Ademais, seria desastroso recuar, intimidado, depois de uma observação mais pois, cada um segundo suas convicções e da maneira que mais o toque. Um bom
enérgica. O Espírito perturbado tiraria disto o melhor partido possível, para os seus pensamento vale mais do que grande número de palavras com as quais nada
fins. Uma das muitas armas que manipulam, com extrema habilidade, é a do ridículo. tenha o coração.”
Se cairmos na tolice de dizer-lhes algo que não podemos sustentar, ou em que Estes ensinamentos são, na verdade, preciosos, para qualquer tipo de prece,
transpareça uma pequena pitada de cinismo, de hipocrisia ou de prepotência, em qualquer oportunidade, mas são de capital importância na prece que
estaremos em apuros muito sérios. formulamos pelo Espírito desajustado que temos diante de nós, incorporado ao
É preciso, pois, estarmos atentos e preparados para interferir com mais energia, médium. Kardec torna isto particularmente claro, quando diz, mais adiante, no
certos de que firmeza não é estupidez, nem grosseria, e que o mais profundo amor mesmo capítulo de “O Evangelho segundo o Espiritismo”:
fraterno pode e deve coexistir no mesmo impulso de exortação franca e corajosa.
“A qualidade principal da prece é ser clara, simples e concisa, sem fraseologia inútil, acham “defendidos”, “protegidos” por “couraças” e “capacetes” invioláveis, nos
nem luxo de epítetos, que são meros adornos de lantejoulas. Cada palavra deve ter quais — esperam eles — as energias suscitadas pela prece não poderiam
alcance próprio, despertar uma idéia, pôr em vibração uma fibra da alma. Numa penetrar.
palavra: deve fazer refletir. Somente sob essa condição pode a prece alcançar o seu Dirija a sua prece a Deus, a Jesus ou a Maria, pedindo ajuda para o
objetivo; de outro modo, não passa de ruído. Entretanto, notai com que ar distraído e companheiro que sofre. Se já dispõe de alguma informação sobre ele, fale
com que volubilidade elas são ditas, na maioria dos casos. Vêem-se lábios a mover- especificamente de seu problema, como um intermediário entre ele e os poderes
se; mas, pela expressão da fisionomia, pelo som mesmo da voz, verifica-se que ali supremos que nos orientam e amparam. Eles se esqueceram, às vezes por
apenas há um ato maquinal, puramente exterior, ao qual se conserva indiferente a séculos, e até milênios, de que esses canais de acesso estão abertos também a
alma.” eles. Não têm mais vontade, ou interesse, de se dirigirem a Deus. Ou lhes falta
Lembro que os destaques não são meus; estão no original. De transcendental coragem, por julgarem-se além de toda recuperação, indignos e incapazes de
importância, para os trabalhos de desobsessão, é a observação de que a prece projetarem o pensamento a tão elevadas entidades.
“deve fazer refletir”. Muitas vezes, é durante a prece, dita em voz alta pelo doutrinador, Em alguns casos, costumo orar não apenas pelo Espírito manifestante, mas
ou por alguém por ele indicado no grupo, que o Espírito manifestante faz uma como se fosse ele próprio, com as palavras e as emoções que ele mesmo
pequena pausa para pensar. A prece o envolve em vibrações pacificadoras, em uma escolheria para dirigir-se ao Pai ou a Jesus, se estivesse em condições de fazê-lo.
ternura que, talvez há muito não experimente. Ela deve ser elaborada em torno da Certa ocasião, muito critica e importante, a prece foi elaborada como se partindo
própria temática que o companheiro nos tenha revelado, no decorrer do diálogo de nós dois: o doutrinado e o doutrinador, pois estávamos envolvidos muito
conosco. profundamente em compromissos mútuos. Dirigi-me à doce Mãe de Jesus,
Como tudo o mais que tentamos realizar nos grupos de desobsessão, a prece tem colocando diante dela o problema de dois seres que haviam errado gravemente,
seu momento psicológico ótimo, que varia, necessariamente, de um caso para outro. julgando servi-lo. Ambos havíamos sofrido, ao longo dos séculos, por causa
Em certas ocasiões épreciso orar ainda no princípio da manifestação, em virtude de daqueles enganos. Já era mais do que tempo de chegarmos a um entendimento
o estado de agitação, ou de alienação, do Espírito, não nos permitir colher, antes, um e colocarmos ponto final naquela penosa e aflitiva desarmonia, para que, juntos,
pouco da sua história e da sua motivação. O melhor, no entanto, é esperar um como irmãos que éramos, conseguíssemos retomar, ambos, a nossa caminhada,
pouco, aguardar esclarecimentos e informações que — nunca é demais recomendar sem os rancores que nos prendiam a um passado lamentável. Fosse Ela a
— não devem ser colhidas em interrogatórios e através dos artifícios da bisbilhotice. advogada da nossa causa e nos ajudasse a encontrar os caminhos da paz.
No momento propício — e mais uma vez temos que recorrer à intuição e ao senso Ele ouviu a prece, em silêncio, e acabou cedendo.
de oportunidade — convém dirigir-se ao próprio Espírito e propor-lhe a prece. São incríveis a força e o impacto de uma prece límpida, pura, singela, escorada
Dificilmente ele recusará, e, ainda que o recuse, devemos fazê-la, mesmo porque, na emoção e no afeto. O efeito é “milagroso”, surpreendente, ainda que nem
não devemos pedir-lhe permissão para orar, e sim comunicar-lhe que vamos fazê-lo. sempre instantâneo. São muitos os sofredores que se enquistaram de tal maneira
Basta dizer, por exemplo: atrás de suas defesas e de suas couraças, que precisam de algum tempo para
— Vamos orar? deixarem-se alcançar, a ponto de realizar-se neles o milagre sempre renovado do
Ou: amor. Estes ainda riem, por algum tempo, da prece — um riso nervoso, sem
— Agora vou fazer uma prece. convicção. Estão com medo, pobres irmãos. Medo da emoção que os leva à crise,
Como disse, dificilmente ele se oporá. Poderá, no máximo, dar um muxoxo e da crise que os leva à dor que os espera ao longo do extenso caminho de volta...
desinteressado, ou fazer um comentário condescendente: Entre continuar numa dor que já conhecem, e que se encontra anestesiada, e
— Pode orar, se quiser... entregar-se a outra que desconhecem, preferem ficar como estão. A prece muito
Curioso, no entanto, que muito raramente eles procuram perturbar a prece. contribui para vencer estas últimas inibições e hesitações. Ela os leva a alguns
Geralmente ouvem-na em silêncio, senão respeitoso, pelo menos comedido. Alguns, instantes de pausa, no curso dos seus pensamentos habituais. Representa uma
no entanto, insistem em continuar falando, zombando ou ridicularizando. Um deles experiência da qual se desabituaram, ou com a qual não se acham familiarizados.
procurou dramatizar as minhas palavras, tentando reproduzir, em gestos, que Alguns deles, quando pedimos para orar conosco, recusam-se, mas não tentam
acreditava muito cômicos, as imagens contidas no sentido das palavras impedir-nos. Outros, quando propomos que eles orem também, desculpam-se
pronunciadas. desajeitadamente, dizendo que “ali não há condições”. Isto é especialmente
A prece deve ser dita de preferência de pé, ao lado do companheiro manifestado, invocado pelos companheiros que foram prelados. Como se julgam alienados da
com as mãos estendidas para ele, como que a concentrar nele as vibrações e as doce intimidade do Cristo, por exemplo, não se sentem encorajados a “falar” com
bênçãos que invocamos. Alguns informam depois, ou durante a prece, que se Ele através da prece. Desculpam-se, então, com a impropriedade do ambiente, a
falta dos paramentos e dos livros adequados. Não são poucos os que continuam, no descer do pedestal de grande mestre, ou líder, para voltar a ferir os pés descalços,
atormentado mundo espiritual em que vivem, a celebrar suas missas, oficiar os ritos e pelos caminhos espinhosos da recuperação, de coração sangrando, espicaçado
os sacramentos a que estiveram habituados na vida terrena; mas, no fundo, sabem pelo remorso.
que aquilo é estranho à simplicidade e à autenticidade do Cristo e de seu Evangelho. Sendo, pois, a fé, “a garantia do que se espera e a prova das realidades
Por isso, quando convidados a orar de verdade, sentem-se atônitos e temerosos, invisíveis”, a prece é o convite para que a esperança se realize em nós, ou diante
embora reagindo, exteriormente, como se não dessem nenhuma importância a de nós. A prece é o instrumento do amor grande e puro de que nos falou o Cristo; é
qualquer ato de contrição, ou como se somente pudessem exercê-lo com os por ela que a caridade nos faz agentes da Divindade.
apetrechos a que se habituaram. Não podemos esquecer-nos de que são muitos os Ë por ela que conseguimos alçar o nosso espírito, aprisionado ainda no erro, às
que praticaram, a vida inteira, ou, mesmo, vida após vida, um culto formal e frio, culminâncias da esperança. Paulo apresentou juntos a fé, a esperança e o amor. A
aparatoso e vazio, no qual o coração e a fé não se envolveram. Para esses pobres prece nos liga porque, apoiada na fé, contempla a esperança e ajuda-nos na
companheiros desarvorados, até mesmo a prece, manifestação mais pura do doação do amor.
diálogo entre o homem e Deus, transformou-se em mero instrumento de poder,
esvaziando-se de todo o seu elevado e nobre conteúdo. Com essa prece aviltada e 33 O PASSE
despovoada de emoção, pediram favores insólitos a Deus, ou pronunciaram A técnica do passe magnético, nas sessões de desobsessão, merece algumas
julgamento sobre o próximo. Não é de admirar, pois, que ao cabo de tantos observações específicas.
desenganos, passem a não crer nela, ou continuem a entender que a prece é para Tão difundida está hoje, pelo menos no Brasil, a idéia do passe, que até os
isso mesmo, ou seja, para exigir favores de uma divindade servil, cega e injusta, que dicionários comuns contêm definições aceitáveis dele, como, por exemplo, o de
nos concede aquilo que não merecemos, ou não concede o que julgamos merecer. Caldas Aulete e o da Academia Brasileira de Letras, organizado pelo Professor
A reação, pois, difere de um caso para outro, mas pode ser grupada dentro de Antenor Nascentes, que dizem basicamente a mesma coisa:
classificações mais ou menos didáticas, como acima esboçado. Há, pois, os que se — Passes, pl. passagens que se fazem com as mãos por diante dos olhos de
comovem; os que ouvem, em respeitoso silêncio, mas ainda precisam de tempo; os pessoa que se pretende magnetizar, ou sobre a parte doente da pessoa que se
que a ridicularizam, porque temem seus efeitos; os que se recusam a dizê-la, por pretende curar por força mediúnica.
julgarem-se indignos, ou não necessitados; e os que se acham de tal maneira É certo que a definição não cobriu todo o campo de ação do passe, mas, que
alienados, que oram até mesmo com certa veemência, convencidos de que Deus, mais se poderia exigir de um dicionário não especializado em fenomenologia
ou o Cristo, virá imediatamente em seu socorro, para livrá-los da situação em que se espírita?
encontram, diante de um doutrinador impertinente. André Luiz, informando sobre o passe, do ponto de vista da medicina humana,
Um deles tomou a iniciativa de pedir-me para orar. Disse-lhe que não me cabia declara, em “Evolução em Dois Mundos”, capítulo 15:
autorizar um ato desses, por me faltar autoridade para fazê-lo. Ele ainda comentou a — “Pelo passe magnético, no entanto, notadamente aquele que se baseia no
minha atitude, algo surpreso, e preparou-se para orar. Recolheu-se a uma postura divino manancial da prece, a vontade fortalecida no bem pode soerguer a vontade
correta, juntando as mãos em frente dos olhos fechados do médium, aguardou enfraquecida de outrem, para que essa vontade, novamente ajustada à confiança
alguns momentos de silêncio respeitoso e se pôs a orar a Jesus, com muita magnetize naturalmente os milhões de agentes microscópicos a seu serviço, a fim
veemência. Falava em nome da “equipe humilde” do Cristo, e nada pedia para eles de que o Estado Orgânico, nessa ou naquela contingência, se recomponha para o
próprios, porque o Cristo sabia de suas necessidades e aspirações; mas pedia para equilíbrio indispensável.”
nós, os componentes do grupo, que estávamos muito necessitados de socorro e Pouco antes, dissera ele que:
orientação. Sua prece era um tanto oratória e, de fato, depois nos deu uma “Toda queda moral, nos seres responsáveis, opera certa lesão no hemisfério
demonstração de seus recursos de pregador, falando com entusiasmo e brilho, a psicossomático, ou perispíríto, a refletir-se em desarmonia no hemisfério somático
uma platéia invisível a nós. ou veículo carnal, provocando determinada causa de sofrimento.”
É possível que ele fosse sincero no seu apelo, porque o fanatismo é, às vezes, de Retomando o tema, em “Mecanismos da Mediunidade”, observa ainda, esse
intensa e desastrosa sinceridade; mas, no seu caso, continuei com a impressão de mesmo autor espiritual, que o passe “é sempre valioso no tratamento devido aos
que aquele era apenas mais um dos inúmeros mecanismos usados para fuga. Na enfermos de toda classe, desde as crianças tenras aos pacientes em posição
profunda intimidade do seu ser, ele deveria realmente acreditar que era um excelente provecta na experiência física, reconhecendo-se no entanto, ser menos rico de
trabalhador do Cristo, a quem orava com todo o fervor. Enquanto isso, estava ao resultados imediatos nos doentes adultos que se mostrem jungidos à
abrigo de suas próprias contradições íntimas, de suas responsabilidades maiores, e inconsciência temporária, por desajustes complicados do cérebro. Esclarecemos,
continuava a negacear diante da difícil decisão de abandonar o poder e a glória, porém, que, em toda situação e em qualquer tempo, cabe ao médium passista
buscar na prece o fio de ligação com os planos mais elevados da vida, porqüanto, Nunca é demais lembrar que, neste campo de trabalho, o conhecimento real
através da oração, contará com a presença sutil dos instrutores que atendem aos emerge da experimentação, de um ou outro engano, de falhas e de êxitos, mas
misteres da Providência Divina, a lhe utilizarem os recursos para a extensão que, em hipótese alguma, deveremos enveredar imprudentemente pelas trilhas da
incessante do Eterno Bem”. fantasia, desligados dos conceitos fundamentais da Doutrina Espírita, tal como
Observamos que os textos aqui reproduzidos referem-se especificamente ao codificada por Kardec e suplementada pelos seus continuadores. A teorização
passe curador, aplicado em seres encarnados. Como sabemos, porém, o passe é somente é válida quando escorada na experiência, mas não devemos esquecer
utilizado também para magnetizar, provocando, nesse caso, o desdobramento do que a recíproca também é legítima, ou seja, a experimentação deve balizar-se
perispírito, e até o acesso à memória integral e conseqüente conhecimento de vidas dentro daqueles conceitos fundamentais que a Doutrina e a lógica já confirmaram.
anteriores, segundo experiências de Albert de Rochas, reiteradas posterior-mente por Não sei se me faço entender. Talvez um exemplo ajude a esclarecer o que tenho
vários pesquisadores. em mente ao escrever isto.
A literatura sobre o passe magnético é vasta, mesmo fora do âmbito estritamente As faculdades psíquicas, como sabemos, são, em si mesmas, neutras. Tanto
doutrinário do Espiritismo, de vez que o magnetismo foi amplamente cultivado na podem ser empregadas nas tarefas do bem, como nas outras. Podem também
Europa, no século passado, principalmente na França. ser desenvolvidas e treinadas por métodos limpos, altamente éticos, com
Poucos estudos existem, ao que sabemos, sobre o passe aplicado aos seres seriedade e respeito, ou por meio de processos aviltantes, hediondos e totalmente
desencarnados, não apenas para fins curativos de disfunções perispirituais, como desprovidos de qualquer compromisso com a moral. Os rituais da magia negra
para provocar a regressão de memória. Parece, no entanto, lógico inferir que o também revelam e desenvolvem faculdades psíquicas, mas por processos abjetos
mecanismo é idêntico ao passe aplicado em seres encarnados. Os ensinamentos que, em virtude de permanecerem em segredo, pouca gente tem noção do nível
de André Luiz permitem-nos concluir assim, quando informam que o passe de degradação a que podem levar. É fácil imaginar que tipo de mediunidade e que
magnético, apoiado na prece, constitui poderoso fator de reajustamento para os pactos sinistros emergirão desses métodos sinistros, e que tenebrosos
desencarnados cujos perispíritos se acham lesados em decorrência de quedas compromissos acarretarão para o Espírito.
morais. Em contraposição a tais processos, a identificação da mediunidade em potencial
O perispírito, como veículo da sensibilidade e intermediário entre o Espírito e o e o seu desenvolvimento, em termos de Doutrina Espírita, devem resultar de
ambiente em que vive, está presente, tanto no encarnado como no desencarnado. cuidadoso planejamento, estudo metódico e prática bem orientada, mesmo
Sua estrutura, embora mais sutil noutro campo vibratório, é similar à do corpo físico, porque, qualquer trabalho mal orientado, nesta fase, pode criar vícios de difícil
pois é ele o modelador da nossa organização material. Dessa forma, o Espírito erradicação posterior.
desencarnado, incorporado ao médium, torna-se facilmente acessível ao passe Creio que princípios gerais semelhantes a esses aplicam-se também ao estudo
magnético e, portanto, aberto aos benefícios que o passe proporciona. do passe, nas sessões de desobsessão. Ele é realmente o recurso válido e
Na prática da desobsessão, tenho tido oportunidade de observar as possibilidades potente, no trato dos nossos irmãos desencarnados; sua técnica, não obstante,
e recursos do passe sobre companheiros desencarnados e creio poder contribuir precisa ser desenvolvida com muita prudência e seriedade.
com algumas observações, ainda que preliminares, mas bastante encorajadoras. A primeira norma que poderíamos lembrar é a de que não deve ser aplicado a
Sem dúvida alguma, o passe é recurso válido nos labores mediúnicos, mas deve qualquer momento, indiscriminadamente, e por qualquer motivo. O passe provoca
ser empregado com certas cautelas e com moderação. Nesse campo, definições reações variadas no ser humano, encarnado ou desencarnado. Ele pode serenar
precisas e definitivas não existem ainda, pelo simples fato de que o ser humano, ou excitar, condensar ou dispersar fluídos, causar bem-estar ou incômodo, curar
além de ser uma organização consciente extremamente complexa, é imprevisível. O ou trazer mais dor, provocar crises psíquicas e orgânicas, ou fazê-las cessar,
passe, como todos os demais recursos com que procuramos socorrer os nossos subjugar ou liberar, transmitir vibrações de amor ou de ódio, enfim, construir ou
irmãos desencarnados em crise, precisa ser ministrado no momento certo, com a destruir.
técnica adequada e na extensão necessária. Mas, qual o momento, qual a técnica e Precisamos estar sempre protegidos pela prece e pelas boas intenções, sempre
qual a extensão, para cada caso? Não podemos ainda — e creio que não que nos levantamos para dar passes num irmão desencarnado incorporado. Mas,
poderemos fazê-lo tão cedo — escrever normas rígidas para a tecnologia do passe para que dar passes?
sobre os desencarnados. Em vários casos ele pode ser aplicado, mas é preciso usá-lo com moderação,
No entanto, os amigos espirituais que tão generosamente se colocaram ao nosso para que, ao tentarmos acalmar um Espírito agitado, não o levemos a um estado
lado, para orientar e apoiar o nosso trabalho de doutrinação, têm-nos trazido sempre de sonolência que dificulte a comunicação com ele, justamente do que mais
o estímulo dos seus ensinamentos, e creio que algumas observações já estão mais precisamos. Se temos necessidade de dialogar, para ajudá-lo, como vamos
amadurecidas e em condições de mais aprofundados estudos e desenvolvimento. entorpecê-lo a ponto de levá-lo ao sono magnético? Às vezes, no entanto, isso é
necessário. Já debatemos por algum tempo o seu problema; o que, tinha que ser São também constantes os fenômenos de regressão de memória, quase
dito, pelo menos por enquanto, foi dito, e ele continua agitado. Neste caso, o passe sempre reportando-se a vidas anteriores, nas quais se escondem núcleos de
pode ajudá-lo a serenar-se. De outras vezes, é necessário mesmo adormecê-lo, a problemas afetivos, O passe ajuda os Espíritos, a despeito deles mesmos, nesses
fim de que, ao ser retirado pelos mentores, seja recolhido a instituições de repouso, mergulhos providenciais no passado, mas nem sempre necessariamente em
para tratamento mais adequado, ou trazido na sessão seguinte, em melhores vidas anteriores. Lembro-me, a propósito, de um doloroso e comovente caso. O
condições de acesso. Espírito era agressivo, violento e de dificílima abordagem. Seu problema central é a
O passe ajuda também a desintegrar certos apetrechos que costumam trazer, mãe. Tem-lhe ódio mortal. Ao que parece, destacou-se na vida, mas nunca pôde
como “capacetes”, “couraças”, “objetos” imantados, armas, simbolos, vestimentas esquecer-se de suas origens e perdoar a progenitora por ter sido uma pobre e
especiais. Para isto serão passes de dispersão. infeliz peixeira do cais. Quando vê diante de si o Espírito de sua mãe, de braços
Com o passe, podemos mais facilmente alcançar-lhes o centro da emoção, estendidos, grita-lhe impropérios terriveis, manda-a de volta ao cais, ameaça bater-
transmitindo-lhes diretamente ao coração as vibrações do nosso afeto, que parecem lhe e humilha-a de todas as maneiras. Creio que ele não conheceu o pai e,
escorrer como uma descarga elétrica, ao longo dos braços. segundo diz, sofreu humilhações na escola, por causa de sua vida miserável,
O passe cura dores que julgam totalmente “físicas”, pois localizam-se muito numa época de preconceitos muito severos. Ajudados por nossos passes, os
realisticamente em pontos específicos de seus perispíritos. Com passes — e neste amigos espirituais fazem com ele uma regressão de memória, até à infância,
caso precisamos também de um médium que tenha condições de exteriorizar quando, muito pequeno, ainda aceitava a mãe, porque dependia dela e a
ectoplasma — poderemos reconstituir-lhes lesões mais sérias ou deformações consciência do seu drama interior estava adormecida. Ele se tornou sonolento e,
perispirituais. com voz mansa, começou a chamar pela mãe, até que adormeceu sobre a mesa
Com o passe os adormecemos, para provocar fenômenos de regressão de e foi retirado.
memória ou projeções mentais, com as quais os mentores do grupo compõem os Na semana seguinte, voltou novamente com todo o ímpeto, agora agravado
“quadros fluídicos”, tão necessários, às vezes, ao despertamento de Espírito em pelos “ardis” que utilizamos contra ele, na sessão anterior. Ainda muito difícil, está
estado de alienação. pelo menos em condições de ouvir melhor o que lhe digo. Começo a pedir-lhe que
Com o passe podemos também ajudá-los a livrar-se da indução hipnótica alheia, procure compreender a mãe. Ele sabe que o espírito é imortal e que vivemos
ou da própria, isto é, da auto-hipnose. muitas vidas. Por que razão teria ele, por exemplo, escolhido aquela mãe, e não
De todos esses aspectos temos tido experiências altamente instrutivas e algumas outra? É porque já estava ligado a ela anteriormente. Ademais, sabia ele das
de intensa dramaticidade. Já relatei algumas ao longo destas páginas. Veremos obsessões de que ela fora vítima? Foi isto, precisamente, que rompeu o dique das
outros exemplos. suas emoções represadas: ele próprio fora seu obsessor, enquanto ela se
São mais freqüentes as oportunidades em que é preciso adormecer o Espírito, encontrava na carne e ele permanecia no mundo espiritual. A sua reencarnação
especialmente ao fim da conversa, de modo a serem conduzidos pelos através dela foi um recurso da lei divina do reajuste, necessário a ambos. Num
trabalhadores desencarnados. “flash” doloroso, ele compreendeu todo o seu drama terrível e entrou numa
É também comum o trabalho de “desfazer” vestimentas especiais, dentro das tremenda crise de remorso.
quais se julgam protegidos de nossos fluídos. Certo Espírito, além de capacete e Ao cabo de uma longa conversa — e agora é o momento em que o doutrinador
couraça, ligava-se por um fio, segundo nos explicou, ao seu grupo. Cinqüenta precisa de maior sensibilidade ainda — ele énovamente adormecido e levado.
companheiros seus haviam ficado reunidos, em rigorosa concentração, para Em suma: o passe tem importante lugar no trabalho mediúnico, mas precisa ser
sustentá-lo na sua “perigosa” missão junto a nós. O passe pode “desfazer” os fios utilizado com prudência e sob cuidadosa orientação dos trabalhadores
que ligam Espíritos aos seus redutos. Desta vez, porém, as ligações foram mantidas desencarnados. Não deve ser empregado para atordoar o manifestante,
e, no devido tempo, os mentores do grupo utilizaram-se daqueles condutos para exatamente quando precisamos de sua lucidez para argumentar com ele sobre o
levar ao grupo deles uma vigorosíssima carga fluídica, que os desarvorou seu problema; mas, às vezes, precisa ser aplicado exatamente para serená-lo e
completamente. prepará-lo para outra ocasião, em que se apresentará mais receptivo. Tenho
Numa dessas ocasiões, o fio também foi preservado, para que, através dele, se perfeita consciência das dificuldades que o problema oferece e do embaraço em
“retransmitisse”, aos comparsas do Espírito manifestado, as palavras que ele ouvia que me encontro para ser mais específico na formulação de observações
do doutrinador. concretas e de normas de ação mais definidas. Em assuntos dessa natureza, é
Com mais freqüência do que seria de supor-se, somos instruí-dos a provocar a melhor confessar a escassez de conhecimentos do que arriscar-se a ditar regras
desintegração de objetos e apetrechos, como no caso daquele que nos trouxe, para que não estão nitidamente definidas pela experiência. Se posso sugerir alguma
fins muito bem definidos, um invisível prato de sangue, que depositou sobre a mesa. Coisa, é que exercitem com parcimônia o recurso do passe em Espíritos
desencarnados e observem atentamente seus efeitos e possibilidades. Um dia determinou que se apagasse em nós, ao tomarmos novo estágio na carne, a
saberemos mais acerca desse precioso instrumento de trabalho, no campo lembrança das existências anteriores. Que seria de nós, se fôssemos obrigados a
mediúnico. viver sob o tropel das pungentes recordações de antigos e medonhos erros?
É preciso, no entanto, distinguir bem uma coisa da outra. O esquecimento
34 RECORDAÇÕES DO PASSADO proporcionado ao Espírito, na fase da reencarnação, é uma bênção, uma
Somos o nosso próprio passado. Dormem soterradas nos tenebrosos porões do concessão, para que ele tente a reconstrução de si mesmo, como se estivesse
inconsciente as razões das nossas angústias de hoje, tanto quanto estão em nós as momentaneamente desligado das suas culpas, embora ainda responsável por
conquistas positivas, que lutam por consolidar-se na complexidade da nossa elas. Com a finalidade de conceder-lhe todas as oportunidades, e colocar à sua
psicologia, tentando suplantar os apelos negativos que insistem em infelicitar-nos. disposição os melhores instrumentos, o esquecimento do passado constitui dádiva
Estamos a caminho da redenção quando damos apoio consciente às tendências do preciosa, que nem sempre ele sabe avaliar. Retornando, não obstante, à sua
bem em nós, quando estimulamos, com as nossas lágrimas, e cultivamos, com condição de espírito desencarnado, pode ser-lhe facultado o acesso à memória
amor e sofrimento, as sementeiras da paz. Se, ao contrário, nos deixamos dominar integral, para que faça um inventário geral de seu acervo espiritual — as aflições
pelas sombras que trazemos no íntimo, paramos no tempo, enquanto se que remanescem e as conquistas que já conseguiu realizar.
aprofundam em nós as raízes do desequilíbrio, no terreno fértil das paixões que Esse momento é crítico, na trajetória evolutiva do Espírito. Novamente se vê ele
julgamos tragicamente indomáveis, quando são, simplesmente, indomadas. É numa das inúmeras encruzilhadas da vida: por um lado, poderá prosseguir no
preciso saber que cabe a nós — e a ninguém mais — domá-las; mas, áspero caminho da redenção; conseguiu abrandar algumas arestas mais
enquanto nos apraz o erro, todo o nosso esforço é posto na tarefa inglória de manter contundentes do seu caráter e desenvolver umas poucas virtudes embrionárias. É
soltas as paíxões, e presas as recordações. seguir em frente, em nova aventura na carne, depois de uma pausa, para refazer-
São de incontestável importância estas noções, no trabalho de desobsessão. Para se, no mundo espiritual. É certo que, por aí dificilmente ele irá à glória imediata,
o Espírito atormentado pelos seus desequilíbrios, o futuro não importa, o passado ainda que efêmera, ou ao poder, que talvez ainda o fascine; é mais certo que
não interessa e o presente é a única realidade que aceitam e manipulam livremente, continue o percurso da dor, da renúncia, dos desenganos, porque a redenção
segundo os impulsos do momento. Comprimidos numa estreita faixa de presente, ainda vem longe, para aquele que muito errou.
que procuram viver com toda a intensidade possível, entre um futuro que ainda não Do outro lado, está o caminho aparentemente mais fácil e certamente mais
existe e um passado que procuram ignorar, esquecem-se de que não poderão, convidativo do adiamento. Ficam para depois as conquistas sobre nós mesmos.
jamais, fugir às suas responsabilidades e compromissos. Vamos primeiro “gozar” a vida, dominar o semelhante, açambarcar o poder,
Quando os advertimos dessas incongruências funestas, respondem-nos que não acumular riquezas materiais, viver, enfim, intensamente, irresponsavelmente,
estão preocupados com o futuro, dado que, ao chegar a vez de sofrerem pelos seus alegremente. Depois, veremos como acertar essas contas com o que, por largos
erros, saberão fazê-lo com dignidade e coragem. Esperam, naturalmente, ser tão séculos ou milênios, teimamos em chamar de destino. É aquele que opta por este
valentes perante a dor própria, quanto o são perante a alheia. Trágico e doloroso caminho, que também decide pelo esquecimento. Suas angústias são muitas,
engano é esse; mas, que se há de fazer? Temos a impenitente propensão para seus remorsos extremamente penosos, e ninguém pode gozar a vida com esse
rejeitar como inválida a experiência alheia. Quanto mais arrogante e belicoso o lastro de aflições. O melhor, mesmo, é esquecê-las, sepultá-las, ignorá-las, como
companheiro desarvorado, maior a dor que experimenta ao despertar para as se o passado não existisse mais em nós, e o futuro nunca fosse existir.
realidades que procurou ignorar por tanto tempo. A dor dos grandes criminosos é Dentro dessa lógica atormentada, encerra-se o Espírito endívidado num círculo
terrível, comovedora, trágica, desesperada, nesses momentos dramáticos em que o de fogo, de sua própria criação. Só poderá sair queimando-se; enquanto
Espírito se acha completamente aturdido ante a enormidade de seus erros. permanecer ali, está abrigado de si mesmo. Para proteger-se do calor que faz à
Para abrir diante dele uma janela sobre si mesmo, a chave mais importante de que sua volta, congela o coração, pois, além disso, o frio anestesia a sensibilidade e o
dispõe o doutrinador consiste em levá-lo a contemplar seu próprio passado, imuniza da dor alheia.
fortemente protegido pelos mecanismos do esquecimento deliberado. Está pronto o obsessor para a sua tarefa. É só, agora, sair em campo, buscar
Talvez por isso escreveu Sholem Asch, na abertura de “O Nazareno”: seus comparsas, perseguir seus inimigos e construir um nicho para si mesmo, no
“Não o poder de recordar, e sim o poder de esquecer, constitui uma das condições mundo espiritual, ligando-se a tenebrosas organizações, dentro das quais os
necessárias à nossa existência.” membros protegem-se mutuamente, enquanto mutuamente se servirem. Dentro
O escritor judaico não positivou no livro a sua crença na reencarnação, embora de pouco tempo — e que é o tempo, em tais condições? — o passado, que foi
seja essa a temática de que se utilizou para elaborar a sua estória, mas não se pode recalcado para os subterrâneos da memória perispiritual, passa à condição de
negar a sua intuição da verdade. É precisamente por isso que a sabedoria divina não-existente. É como se a vida principiasse novamente, do ponto em que a
inocência a deixou, há milênios sem conta, O Espírito, assim envolvido, acaba por pausa para reexame de suas posições desesperadas. Afinal de contas, o que
acreditar-se uma criatura sem passado, embora, adstrito à incoerência dos estão fazendo? Que loucura é aquela em que mergulhamos? De onde vem tudo
alienados, utilize-se, em proveito próprio, de todo o acervo de experiências e isso, no passado, e até onde irá, no futuro?
conhecimentos que traz em si, daquele mesmo passado que renega. Um desses companheiros atormentados, anti-semita irredutível, viu os quadros
Se é verdade, pois, que temos de descobrir uma fórmula para levá-lo a recordar, é do êxodo no antigo Egito, onde foi um dos membros sacrificados da corte do faraó.
igualmente verdadeiro que se torna extremamente difícil fazê-lo, porque é justamente Recuando mais, porém, foi encontrar raízes muito mais profundas, do drama, na
disso que ele foge. Quantas vezes os temos surpreendido a advertirem-se do antiga Babilônia, onde, em posição diferente, enfrentara o difícil problema da
“perigo” que representa, para eles, caírem na faixa da recordação. Como reagem, longuíssima saga do povo hebreu. Pela primeira vez, em muito tempo, perguntou-
como relutam, como temem os fantasmas interiores, que lhes pareciam me, algo perplexo:
desintegrados para sempre na poeira do tempo!... — Será que isso não tem fim?
Vários recursos são empregados, pelos mentores espirituais dos grupos de Senti que a pergunta era mais dirigida a ele próprio do que a mim, mas, disse-lhe
desobsessão, para obter dos companheiros desarvorados o mergulho necessário que sim, podemos pôr um ponto final nesses círculos viciosos, que buscam
nas lembranças recalcadas. eternizar-se dentro de nós, por um esforço da nossa vontade, que só é possível
Um dos mais comuns é o da projeção dos chamados “quadros fluídicos”. O depois de compreendermos a inutilidade do ódio e a força invencível do amor.
Espírito vê, diante de si, incoercivelmente, cenas vivas de seu passado, Às vezes, o Espírito acha-se tão profundamente condicionado ao clima vibratório
especialmente aquelas que constituem o núcleo de sua problemática, que precisa mais grosseiro, que se torna necessário aos benfeitores utilizar ectoplasma,
ser dispersado, para desatar os laços que o prendem às suas angústias e ao seu produzido por médiuns de efeitos físicos, não apenas para adensar as formas
alheamento. É evidente que as cenas não são criadas com a substância perispirituais de companheiros desencarnados, que devem tornar-se visíveis,
evanescente da fantasia; a matéria-prima, indispensável a essas montagens, como verificamos no texto de André Luiz, acima transcrito, como para formar os
encontra-se nos arquivos perispirituais do ser ali presente. Os técnicos próprios “quadros”. Num caso particularmente difícil que tivemos, um dos médiuns
desencarnados limitam-se a manipular, com respeito e dignidade, os recursos começou a expelir ectoplasma, enquanto eu dialogava com o Espírito incorporado.
necessários para desencadear o processo terapêutico, como o médico que ministra A certa altura, o ectoplasma formou, para a sua visão, as letras de um nome de
um remédio amargo, justificado pela expectativa da cura de seu doente. mulher, antigo amor, cuja lembrança ele procurava recalcar nos porões da
Não temos, ainda, os encarnados, condições e conhecimentos para apreender a memória.
essência das técnicas empregadas para a obtenção das projeções. André Luiz Em outro caso, de vigorosa dramaticidade, o Espírito viu, sobre a mesa, um
deixa-nos entrever tais processos, em “Missionários da Luz”, quando narra o trabalho grosso livro, encadernado em capa de madeira, sobre a qual estava seu nome,
de doutrinação junto a um ex-sacerdote desencarnado: “... vários ajudantes de escrito em belos caracteres de bronze. Era a história de sua própria vida. Ele sabia
serviço — escreve ele, no capítulo 17 — recolhiam as forças mentais emitidas pelos que precisava abri-lo, mas não se sentia encorajado. Era, evidentemente, um
irmãos presentes, inclusive as que fluíam abundantemente do organismo mediúnico, recurso, para levá-lo ao reexame de seus atos, ao passado, enfim. Depois de
o que, embora não fosse novidade, me surpreendeu pelas características diferentes muita relutância, fez o gesto de virar a capa. A primeira página estava em branco!
com que o trabalho era levado a efeito.” Fez uma pausa e virou mais uma: também em branco.. - Todo o livro estava em
— “Esse material — explicou o instrutor — representa vigorosos recursos branco... A lição era por demais óbvia: nada construíra naquela existência
plásticos, para que os benfeitores de nossa esfera se façam visíveis aos irmãos tumultuada, durante a qual dominara povos, ao poder da espada impiedosa.
perturbados e aflitos, ou para que As cenas são mostradas com todo o seu realismo: o movimento, os sons, as
materializem provisoriamente certas imagens ou quadros, indispensáveis ao cores, como se um “video tape” as reproduzisse, com toda a sua intensidade e
reavivamento da emotividade e da confiança nas almas infelizes.” (Destaques desta emotividade. Com muita freqüência, os Espíritos relutam em contemplá-las, e
transcrição.) procuram fugir das visões que, não obstante, tornam-se irrecusáveis, e impõem-
O instrutor prossegue, explicando que, com essas formas de energia, recolhida se, a despeito deles próprios.
dos encarnados presentes, podem os benfeitores espirituais prestar certos serviços A um deles a visão era de uma folha de papel e uma pena. Cabia-lhe assinar o
importantes àqueles que se encontram ainda presos ao padrão vibratório da carne, documento, que ele sabia ser uma sentença de morte. Fizera-o, certamente, no
não obstante já se acharem desligados dela, às vezes, há muito tempo. passado, e agora revia o momento dramático, com uma diferença: alguém
Ante o impacto dessas imagens, que parecem surgir límpidas, vivas e dramáticas, contemplava, a curta distância, fixando nele um par de olhos tranqüilos, cheios de
de um passado que julgavam morto, os irmãos desarvorados parecem saltar o amor fraterno, provavelmente os de sua vítima. Seu desespero é atroz. Pede que
circulo de fogo que os envolve, e, como se do lado de fora de si mesmos, têm uma lhe tirem da frente o papel e a pena. Que lhe cortem a mão que assinou a
sentença e que fique cego, para não contemplar mais aqueles olhos... Diz que matou encontrar-se com ele. No passado, enquanto encarnados, também teve um
uma santa, e informa: encontro dramático com ele. Ele a abandonara à sua própria sorte e ela
“uns são canonizados e outros queimados”. enveredara pela degradação mais abjeta. Quando já se encontrava na sarjeta,
* procurou-o e foi repelida. Ele se havia tornado muito importante na hierarquia
Muito freqüente é a presença de antigos e esquecidos amores: eclesiástica.
mães, esposas, filhos, ou amigos muito chegados ao coração. Se fosse realizada Os séculos se passaram, e tudo quanto ela esperava, agora, era merecer
uma pesquisa estatística sobre tais manifestações, estou certo de que as mães novamente a oportunidade de ser mãe, mãe digna. Digo-lhe que as mães são
ocupariam o primeiro lugar, destacadamente. A pureza do amor materno permanece seres humanos e, por isso, também erram. Ofereço-lhe a nossa ajuda, que ela
inalterável, ao longo dos séculos e das vicissitudes, arrosta as ingratidões, suporta as agradece, dizendo que tem de voltar para onde está, no momento.
humilhações, vence o ódio, vence tudo. Com este caso, desencadeou-se extenso processo, que se desdobrou em
Lembram-se das cenas finais de “Libertação”? É a mãe que vai buscar o filho aspectos inesperados e de profundas implicações. Nunca pudemos, no entanto,
amado, nas profundezas de seus tenebrosos domínios. Ela alcançara, já há muito, esquecer a ajuda daquela mãe humilde, e ainda mergulhada nas dores do
as regiões da felicidade; mas, e a dor de ter o seu amado preso ainda às paixões do resgate, que nos ajudou, com a sua presença amiga, a despertar o valoroso
mundo? Vai ao seu encontro, numa descida sacrificial às difíceis regiões em que ele Espírito que adormecera nas suas paixÕes, embalado pelo amor ao poder.
vive e sobre as quais reina, incontestado. Em caso semelhante a esse, o Espírito consegue divisar a figura de sua mãe,
— “Sou Matilde — diz ela — alma de tua alma, que, um dia, te adotou por filho ajoelhada diante dele, a pedir-lhe perdão. Ele reluta e resiste, porque é este,
querido e a quem amaste como dedicada mãe espiritual.” precisamente, o âmago de sua problemática: foi abandonado, por ela, à roda, e
Quantas vezes temos assistido a reencontros emocionados, que nos velam de por isso ele repete agora, a si mesmo, que não tem mãe. Oramos, damos-lhe
lágrimas os olhos! passes, e, por fim, ele não mais resiste:
Lembro-me de um deles, em particular. O Espírito vinha assediando-nos há — Tenho mãe! — diz ele. — Não sou um desgraçado!
tempos, semana após semana. Manifestou-se, primeiro aparentemente muito calmo De outra vez, num caso a que já me referi alhures, o Espírito tinha um problema
e tranqüilo. Disse que ia passando por ali e resolvera fazer-nos uma visita. Nada pessoal comigo. Era questão antiga, de mais de oito séculos! Em conseqüência
queria de especial: iria apenas observar-nos e, se fosse o caso, tomar suas desse, e de outros desenganos, vagava ainda pelas trilhas da revolta e do rancor.
providências”. Deixou no ar a ameaça ô partiu. Mal suspeitava eu da demorada O problema era extremamente difícil, porque se tratava de um caso em que o ódio
aventura que ali começava... Por algumas semanas, observou-nos. Pouco falava concentrava-se diretamente sobre um de nós, precisamente aquele que se
nas suas manifestações. Revelou, apenas, que já tinha sob seu controle alguns incumbia de doutriná-lo e esclarecê-lo. Ele se mantinha irredutível, pois minha
daqueles que dispunham de maior quantidade de “massa cinzenta”, mas começava presença obviamente reanimava nele as antigas paixões e frustrações, das quais
a deixar transparecer, também, certa preocupação, porque algum delator, a seu ver, não conseguira desembaraçar-se. Foi num desses pontos críticos do diálogo que
havia contado a nós os seus propósitos e objetivos. Na vez seguinte suas outro médium me disse que um Espírito presente desejava dizer alguma coisa
preocupações estavam ampliadas, porque descobriu que, através de processos de diretamente a ele. Era sua mãe. Elevei meu pensamento em prece e, com
regressão de memória, de nosso conhecimento, estávamos penetrando certos enorme respeito, ouvi o diálogo através do tempo, entre a mãe amorosa, que não
núcleos. Nessa mesma noite, tem a primeira visão de algo que muito o perturba. esquecera e sofria com a ausência do filho, e o filho que recusava obstinadamente
Adormece e parte. Na semana seguinte não consegue mais manter-se calmo, como o amor, porque estava achando impossível viver sem o ódio e a vingança.
das vezes anteriores. Está indignado, furioso. Diz que tudo ruiu em torno dele. Tinha Pede-lhe ela, com infinito carinho e humildade, que abandone aquela vida e
o poder de um semideus, e “fomos mexer com a sua familia!” Dá murros na mesa, venha para junto de seu coração. Todos estão juntos na família; só ele está
dominado pelo ódio e espicaçado pela humilhação. Se pudesse, me pegaria, para ausente. Não está convencido de que ele a recuse. Deseja ouvir dele próprio a
mandar queimar-me vivo! Acaba em pranto, de revolta e de impotência. negativa. E ele diz que não a quer mesmo, pois seu caso ali é outro. Que ela não
Em seguida, por outro médium, manifesta-se um Espírito feminino e conta a sua se meta; continue a fazer seus bordados. Ela lhe lembra as velhas cantigas e
dolorosa história. Foi mãe daquele que acaba de retirar-se. Foi, por certo, a sua aquele tempo em que ele orava no quarto, em silêncio, junto de Deus. Depois lhe
presença ali, junto dele, que o perturbou há duas semanas. diz que vai deixar o médium, pelo qual lhe está falando, para aconchegá-lo junto ao
— Ele é bom — diz ela —, mas muito vaidoso. seu coração. Ora, comovidamente, à Mãe Santíssima, em palavras simples,
Ainda vê nele o filho querido de quatro séculos atrás. Ela mesma ainda não está expondo o seu problema e as suas dores.
bem. Sofre muito e foi trazida somente para Quando conseguimos, afinal, despertar o amado companheiro, dirijo a ela um
pensamento de infinita ternura e gratidão, porque estou certo de que, sem o seu
concurso, não o teríamos alcançado. Bem que ela poderia também ter guardado interiores, conservava-se, no entanto, consciente e disposto a corrigir-se, muito
certa mágoa de mim, porque fui um dos agentes de sua angústia, mas não teve para embora sabendo que era longo o caminho a percorrer, em vista da profundidade a
mim uma palavra de censura ou de amargor. que descera.
Em outro caso, também muito difícil, o Espírito, autoritário e empolgado pelas suas Nunca sabemos, pois, que métodos e recursos empregarão os nossos
idéias e pelo seu rancor, recebeu, diante de nós, a visita de um menino (teria sido seu mentores espirituais, na sua nobre tarefa de despertar os companheiros que
filho ou neto?) que o desarmou com seu carinho, seus apelos, sua ternura infantil, permanecem hipnotizados às suas angústias. As vezes, utilizam-se da projeção
saltando, sem-cerimônia, para o seu colo... fluídica. Os quadros são apresentados com todo o seu vigor e realismo, com
Basta um momento assim, de ternura, de recordação, de amor, para que a luz cenários, personagens, cores, sons, movimento, emoções, mas formados com
penetre o coração angustiado desses queridos companheiros, perdidos num dédalo “material” sacado do subconsciente do Espírito, animado por meio de recursos
de sentimentos confusos, cercados de sombras, dominados pela aflição. retirados, como explica André Luiz, dos presentes em torno da mesa de trabalho.
De outras vezes, amigos e parentes acham-se presentes, mas não se revelam à Esses quadros exibem figuras humanas, também, é claro, mas continuam sendo
visão do Espírito manifestado. Respeitemos suas razões, que usualmente são projeções.
válidas: não teria ainda chegado a hora do reencontro. De outras vezes, não obstante, é necessária a presença real dos Espíritos
Numa dessas oportunidades, o Espírito viera dar uma ajuda, no caso de um ligados aos manifestantes, em recentes ou antigas encarnações. Eles se
companheiro de quem estávamos tratando. Em tempos idos, fora um dos principais apresentam aos seus olhos, conversam com eles diretamente, ou através de outro
instrumentos dos terríveis desvarios daquele a quem desejava, agora, ajudar a médium, ou se tornam semimaterializados, para poderem impressionar seus
libertar de suas angústias. Mesmo assim, ainda trazia ressaibos de ironia. Ao sentidos, mais pela presença de suas vibrações pessoais, do que pelo mero apelo
manifestar-se, fez uma saudação: da memória. Nos casos em que essa presença se faz indispensável, os
— Divino! Divino! benfeitores espirituais incumbem-se de localizar os Espíritos ligados ao irmão que
E o médium dobrava-se sobre a mesa, de braços estendidos, fazendo mesuras. precisa de ajuda, e de trazê-los ao ambiente do trabalho, ainda que estejam
Servira aos imperadores romanos. Eles ainda se julgavam deuses, dizia. Estava, encarnados, quer se encontrem endívidados ou redimidos perante a lei. Já vimos,
porém, bastante lúcido. Informou-me de que, nesse ínterim de quase dois milênios, aqui mesmo, caso em que o Espírito manteve o diálogo com a antiga esposa
tivera outras encarnações. Lamenta a perniciosa influência que exerceu sobre os — no momento encarnada — que ele assassinara na Idade Média, num
seus soberanos, açulando-lhes paixões aviltantes. Eram pobres criaturas impulso de paixão e ciúme.
desequilibradas, mas ele, não; estava perfeitamente lúcido e consciente do que fazia, É preciso, pois, muito respeito com o trabalho dos nossos mentores invisíveis,
utilizando o poder dos Césares para promover seus interesses inconfessáveis. Por depois, naturalmente, que eles demonstrarem seus conhecimentos e sua
isso, estava ainda preso a eles. Quanto ao Cristianismo, já sabia, naquele tempo, capacidade, bem como a segurança com que executam suas tarefas. Antes que
que era a doutrina melhor, mas rejeitou-a deliberadamente, porque não lhe convinha. inspirem essa confiança em nós, seria arriscado segui-los confiadamente, pois há
Digo-lhe que precisa, agora, encarar seu antigo amo, não como a um poderoso, mas Espíritos ardilosos, que se apresentam revestidos de peles de mansos cordeiros,
como a um Espírito infeliz, desarvorado e sofredor, que precisa de muita ajuda e para melhor dominar e impor as suas condições. Uma vez, porém, identificados
compreensão. como autênticos trabalhadores do Cristo, deixemos à sua iniciativa a condução dos
Promete ajudar e diz que o que o salvou foi a visão de um homem pregado à cruz, trabalhos. Isto não significa que devamos cruzar os braços e deixá-los fazer tudo;
na antiga Roma, e cujo olhar não mais esquecera, através dos tempos. Aqueles assistir a tudo sem espírito crítico e sem a necessária vigilância, de que tanto nos
olhos lhe penetravam as mais profundas e ignotas camadas do ser. falam eles. Não é tudo que eles podem fazer por nós. Mesmo o grupo mais bem
Diz-me uma palavra de muito afeto e anuncia que ficaria ali, ao lado, à minha ajustado, integrado num trabalho sério e fecundo, poderá ser sutilmente envolvido
direita, invisível ao seu antigo chefe, pois não chegara ainda o momento de pelos ardis das sombras, naquilo em que os nossos compromissos e erros
apresentar-se à sua visão. Poderia perturbá-lo. E me diz, com inesquecível toque de passados nos sintonizem com os companheiros desarvorados, muitos deles
autenticidade, que “ele” era uma criança grande, fácil de conduzir. Bastava dar-lhe a nossos antigos comparsas.
impressão de que a decisão tomada fosse dele. Eu deveria fazer isso; só que agora, É claro que os trabalhadores da seara do amor precisam de nossa colaboração,
para o bem, enquanto ele o fizera para o mal. Antes de desligar-se do médium, disse- de seres encarnados, pois, do contrário, tudo fariam sem nós. Sabem eles, no
me, ainda, que sabia dos planos, já assentados, a respeito da próxima encarnação entanto, que há sempre, em nós, um componente de incerteza, de falha, de
de seu antigo chefe, e que não iria ser nada fácil. Despedimo-nos com uma palavra descuido, que pode pôr tudo a perder. Eles nos assistem com desvelado carinho,
de afeição muito sincera e amiga. Este Espírito deixou em mim uma sensação de amparam-nos nas horas de incerteza, ajudam-nos nos momentos de fraqueza e
fraternidade, compreensão e simpatia. Conhecedor de suas próprias aflições
de desânimo, mas não podem fazer, por nós, aquilo que nos compete. Estejamos, conversa for bem orientada, ele nos respeitará e, aos poucos, irá compreendendo
pois, muito atentos. que não precisa gritar seus argumentos. Nesses casos, costumo dizer, aos
Quanto à tarefa que lhes cabe, não obstante, estejamos tranqüilos: tudo será feito, queridos companheiros desatinados, que só grita aquele que não tem razão.
desde o planejamento cuidadoso até o último pormenor da execução, com todas as O fato, porém, de reduzir o volume de seu vozerio, não significa que já esteja
opções e alternativas previamente examinadas. São eles que nos preparam o resolvido o seu problema; ao contrário, é a partir desse ponto que começa a fluir o
trabalho, dão-nos o apoio, a inspiração, os recursos e a sua presença constante, diálogo que poderá levar-nos a um entendimento com ele e ao seu eventual
segura, tranqüila. despertamento. Antes disso, a argumentação é inútil, porque ele só deseja gritar, e,
É certo, porém, que não poderão garantir o resultado, mesmo naquIlo que lhes se o tentarmos, falaremos juntos, ou ele não nos ouvirá, pensando apenas no que
cabe fazer. Não estão manipulando mecanismos cibernéticos, mas cuidando de nos dirá a seguir. Mas, pelo menos, com a voz no tom normal, abre-se uma
seres humanos, dotados de livre-arbítrio, imprevisíveis e, às vezes, muito bem perspectiva de entendimento, mesmo que ele esteja bem longe de entregar-se à
dotados intelectual-mente, e que não se deixarão conduzir pela mão, como crianças verdade. Encontra-se ainda convicto da justeza de sua posição, e a batalha verbal
timidas e ingênuas. Eles sabem, por outro lado, que somos julgados não pelos poderá ser muito longa; contudo, já é possível uma conversa entre dois seres
resultados que alcançamos, mas pelo esforço que empregamos em atingi-los. civilizados.
Procuremos respeitar-lhes o planejamento e a execução, pois a visão que têm dos De certo ponto em diante, porém, a sensibilidade do doutrinador o advertirá de
problemas suscitados é incomparavelmente mais ampla do que a nossa, embora que o manifestante começa a ceder: sua cólera esvaziou-se, sua palavra não tem
não infalível, que infalível só é a visão divina. Naturalmente que, de certa forma, mais aquele fator de convicção, seu Espírito parece cansado e disposto a uma
participamos de algumas fases do planejamento e dos contactos realizados no acomodação. Não que ele o reconheça nesses termos, pois insistirá e poderá ter
mundo espiritual, acompanhando-os em excursões pelo mundo da dor, durante os ainda surtos de reação, lutando interiormente consigo mesmo, temendo ser
desprendimentos, mas nosso conhecimento é muito limitado, para autorizar-nos a “dobrado” pelo doutrinador — o que é, para ele, uma humilhação — mas, ao
precipitar qualquer situação. Se, por exemplo, ainda não é chegado o momento de mesmo tempo, desejando-o intimamente, ou inconscientemente.
exibir uma projeção fluídica, não tentemos forçá-la, com passes e sugestões verbais, Aos primeiros sinais de que a reação salutar começou, o doutrinador deve
ao Espírito manifestado. Se os companheiros dele, ali presentes, devem ser exibidos abandonar sua técnica de contestação e argumentação, para entrar na fase de
à sua visão, ou não, também ignoramos. doutrinação propriamente dita. É hora de falar-lhe com carinhosa franqueza,
Enfim, a nossa posição é de ativa expectativa. Para isso, precisamos tentando mostrar-lhe a inutilidade de seu desesperado esforço de lutar contra Deus
(especialmente o doutrinador) estar com as antenas psíquicas permanentemente e, portanto, contra seus próprios interesses pessoais. É hora de fazer um apelo
sintonizadas com os trabalhadores invisíveis, para captar-lhes, através da intuição, as para que ele se detenha um pouco, para pensar; adverti-lo de que não precisa
sutis instruções que nos ministram. E, definitivamente, não nos envaideçamos com o “converter-se” à nossa crença, aos nossos princípios. Não iludi-lo com a paz
resultado do trabalho realizado: cabe muito pouco, a nós, dos méritos. Baste-nos a imediata, que ele sabe muito bem ser impossível: a luta continua à sua espera,
alegria do dever cumprido, a doce felicidade de ter, uma vez mais, servido de intensa e dolorosa como nunca, só que, uma vez despertado para a realidade, ele
humildes e imperfeitos instrumentos da pacificação. poderá iniciar o período do sofrimento redentor e não daquele que ainda mais o
mergulha nas profundezas do erro. O momento é oportuno, também, para dirigir o
35 A CRISE seu pensamento para a sabedoria eterna do Evangelho. Não que só agora seja
O doutrinador precisa estar atento aos primeiros sinais de que o Espírito possível falar-lhe do Cristo: éque só agora os ensinamentos de Jesus começam a
manifestante começa a ceder, para que ele próprio —doutrinador — possa ter, para ele, um sentido novo, aceitável. Mais do que nunca, ele deve estar certo
reformular a sua tática. Espíritos muito agressivos e violentos manifestam-se, de da nossa absoluta sinceridade e do nosso afeto desinteressado. Ele precisa saber
início, irritadissimos, em altos brados, dando murros na mesa, proferindo ameaças que não estamos pelejando naquele momento, por uma causa ou pelos
terríveis. Não é possível, nessa condição, argumentar com eles. É preciso esperar interesses de um obsidiado, mas por ele próprio, obsessor.
que o vagalhão impetuoso do rancor se desfaça, por si mesmo, na praia mansa. Se Argumentava eu, certa vez, com um desses companheiros desarvorados, que
opomos resistência, a explosão é inevitável e o dano pode ser irreparável. É preciso perseguia sem tréguas uma pobre criatura, quando ele me perguntou, irritado:
ter paciência e esperar. Não ficar mudo ante a sua cólera, mas não opor grito contra — Você é advogado dela?
grito, murro contra murro. A cólera passa, pois é muito difícil sustentá-la — Não — disse eu —, sou advogado seu!
indefinidamente contra quem não nos oferece resistência. Por este motivo, são tão Sabem que esta simples frase o levou a ver-me sob nova luz e a aceitar-me?
importantes os primeiros diálogos de cada manifestação. Mesmo irritado, Daí por diante, começou a ceder.
esbravejando, ameaçador, o Espírito deve ser recebido com respeito e carinho. Se a
Percebemos que a fase da aceitação chega por pequeninos e quase como covardia. Desesperançado de arrastar-me para o debate estéril, no campo
imperceptíveis sinais: começam a ouvir-nos com um pouco mais de atenção, a voz puramente filosófico, promete, afinal, pensar no assunto, pois acabou tocado pelo
desce de tom, aceitam um ou outro argumento nosso, e chegam até a uma ou outra sentimento de afeição que encontrou entre nós. Estava ameaçando ceder, mas
palavra de velada e timida afeição ou respeito. era ainda muito cedo para uma decisão final, como vimos nas próximas sessões.
Um diálogo um tanto difícil, com o brilhante e combativo Espírito de um ex- Na semana seguinte, voltou novamente agressivo e irritado, alegando que
inquisidor, foi suspenso, certa vez, a meu pedido, a fim de que eu pudesse fazer uma quase havia caído, por causa da nossa afeição, mas que conseguira reagir. Não
prece. Como sempre, ele a ouviu em silêncio, pois a prece tem esse condão de fazer está convencido, mas concordou em não gritar mais e a não nos incomodar, dali
calar a imensa maioria dos Espíritos desajustados, mesmo os mais violentos. em diante, com a sua presença. Seguirá seu caminho de sempre, e acrescentou:
Terminada a rogativa ao Alto, ele disse, como se pensasse em voz alta: — Poderia enganar você e dizer que estou convertido, mas não quero fazer
- Uma coisa é preciso reconhecer: você ora com sinceridade... A partir desse isso.
ponto, estarão mais acessíveis, mas a batalha pode durar ainda muito tempo, É honesto: responde com dignidade à nossa tentativa de aproximação e
alongar-se por outras oportunidades de manifestação e, mesmo assim, não entendimento; agradeço sua lealdade e ele segue procurando atrair-me para o
sabemos, muitas vezes, se, ao partirem, eles estão realmente convencidos e prontos debate. Qualquer argumento que lhe apresente, ele o “vira” à sua maneira, para
a mudar de rumo, ou se apenas levam uma disposição para reexaminar suas servir aos seus propositos e justificar sua filosofia de vida. Faz pouco da minha
convicções. De qualquer maneira, porém, levarão no coração as sementes de um inteligência, que ridicularizà à vontade. Bem que se esforçou — diz ele — em
futuro, que pode ser próximo ou remoto, mas que virão fatalmente a germinar, um mostrar-me o caminho: somente se deixaria convencer pela argumentação; nada
dia, em explosões de luz. mais.
Ao cabo dessa fase de maior receptividade aos pensamentos e à afeição do O doutrinador precisa estar preparado para situações assim. Em primeiro lugar,
doutrinador, pode ocorrer, então, a crise. Ë o momento mais dramático da como já vimos, o clima da discussão é o que convém a esses irmãos
manifestação: o Espírito começa a sentir que não terá forças para resistir aos apelos atormentados. A conversa mansa e a busca de entendimento não interessa aos
da Verdade. Está, ainda, sobre o fio da navalha, como diz a expressão inglesa. Sente seus propósitos. Em segundo lugar, é preciso considerar que nada temos a dizer-
fugir o terreno em que pisa. De um lado, a perder-se nas trevas do passado, um lhes que eles não saibam. Conhecem perfeitamente a sua condição de Espíritos
terrível e doloroso acervo de loucuras e desenganos lastimáveis, ilusões desastrosas desencarnados, a responsabilidade que assumiram perante a lei, o conceito da
e erros clamorosos. Do outro, a incógnita do porvir. Ele se debate entre os dois reencarnação, a imortalidade, a existência de Deus. São inteligentes e
abismos: o passado e o futuro. Ambos o chamam, ambos o atraem. Que decisão experimentados. Não é. pois, pelos caminhos frios da mente que chegaremos a
tomar? Permanecer na faixa do erro que, de certa forma, o abriga da terrível eles e, sim, através do roteiro luminoso do amor fraterno. E é precisamente por isso
realidade, ou lançar-se, de uma vez, aos braços da dor que redime? É preciso que, consciente ou inconscientemente, procuram arrastar-nos para o debate:
respeitar sua hesitação e assisti-lo no seu estado de pânico. Entre um mundo que rui terreno firme, que conhecem e no qual podem esgrimir à vontade seus
e outro que ainda não construímos, a sensação de atordoamento é inevitável, argumentos, de um ponto de vista vantajoso; quanto ao campo sentimental,
mesmo nos mais valorosos Espíritos. Temos que entender, também, que quase consideram “perigoso”, porque está minado de imprevistos. Quando menos se
todos eles estão absolutamente convencidos de sua própria verdade. Ou estavam, espera, surge do passado uma lembrança esquecida, o vulto espiritual de um ser a
até o momento. O fato de permanecerem envolvidos em erros de julgamento quem muito amaram, o apelo de uma voz cariciosa.
aflitivos, não lhes tira o valor, não lhes reduz o conhecimento, não exclui o fato de que A certo ponto, cesso a conversa e oro. Ele ainda insiste em falar e prosseguir o
são Espíritos, às vezes altamente qualificados e experientes; apenas — e isso é tudo debate, mas acaba calando-se. Quando tenta reagir “físicamente”, está preso
— operam desastrosamente, do lado negativo da faixa vibratória da vida. Não é fácil, pelos pulsos por um laço fluídico, invisível a nós, mas que o mantém fortemente
para aquele que está convicto da legitimidade de seus caminhos, pular por cima da contido, por mais que se esforce. Volta a esbravejar, ameaçar. Começa a crise
linha invisível que separa o bem do mal. Afinal, o livre-arbítrio assegura-nos, a todos, maior. É evidente que tenta, ainda, reagir, e procura acalmar-se, dizendo que estou
o direito de escolha. A decisão é difícil, mesmo. Tenhamos paciência e procuremos me esgotando inutilmente na tentativa de dominá-lo. Não tenho a menor intenção
ajudá-lo a tomá-la sem precipitação, mas com firmeza. de dominá-lo e, sim, de despertar o seu Espírito. Dou-lhe prolongados passes,
Certa vez, recebemos um companheiro excepcionalmente violento e agressivo. enquanto a crise se adensa e aprofunda.
Acostumara-se ao poder incontestado, a mandar, a punir, a intimidar, tanto na carne, Subitamente, ele começa a gritar que não quer e não pode fazer aquilo, e
quanto no espaço. Ameaçava, gritava, dava murros... Deixei-o falar, interpondo informa, realmente em pânico, que tudo está ruindo em torno dele e dentro dele.
apenas uma ou outra observação, a fim de que o ímpeto do vagalhão se quebrasse Por fim, chora, desesperado, e parte.
contra a branca areia da paciência e do amor. Claro que interpreta a minha calma
Este irmão voltou mais uma vez, na semana seguinte. Apresenta-se é apenas desespero. Alguém, de elevada condição espiritual, uma mulher, o
completamente desarvorado, mas ainda procura iludir-se, tentando convencer-se de espera no limiar da nova existência, mas ele ainda reluta. Pensa em pedir uma
que está vivendo um pesadelo, do qual vai acordar a qualquer momento. Digo-lhe licença aos seus chefes e afastar-se, por algum tempo, do “trabalho”.
que, ao contrário, agora é que ele acordou de um pesadelo multissecular. Ele está Estas crises caracterizam-se pela revolta, ante o inevitável. Há, porém, as que
arrasado. Confessa que, pela primeira vez, tem medo: está vazio e quer dormir, para precipitam no arrependimento e no remorso mais patético.
esquecer. A um desses pobres irmãos desarvorados, que se manifestara com requintes de
É o grande momento da compreensão, da ternura, do amor fraterno. Muito arrogância e ironia, vimos obrigar o médium a ajoelhar-se, em pranto. Julga-se um
respeito pela sua crise, muito carinho com as suas dificuldades, seus temores, seus abutre sem remissão. Tivera o privilégio de viver na época do muito amado
desesperos. Ele sabe, ou pressente, o que o espera, em termos de resgates Francisco de Assis, a quem conhecera pessoalmente, mas cuja mensagem, de
dolorosos, que se estenderão pelos séculos futuros, até onde e quando, somente amor sem limites, não conseguira ainda assimilar; ao contrário, dedicava-se, com
Deus saberá. É preciso ajudá-lo, com muita paciência, levá-lo, terna-mente, a dar o todo o poder de sua inteligência e de seus conhecimentos, à pavorosa técnica do
passo final, que o tira de cima do fio da navalha e o coloca no lado positivo da “crime religioso”, segundo conceituação de um dos nossos companheiros.
fronteira da nova existência, cujas perspectivas se abrem diante dele, mas que ele Em suma: a crise manifesta-se de muitas maneiras, mas dentro de certas
ainda não consegue lobrigar com precisão. É necessário assegurar-lhe, nesse configurações padronizadas: arrependimento, temor, revolta ou deslumbramento.
momento, a presença infalível de Deus em nossas vidas, o amor indubitável do Vem sempre acompanhada de profundas emoções; não é um momento que o
Cristo, que deseja que o pecador se salve, e não que seja condenado a conviver Espírito consiga viver com indiferença e frieza, sendo, por conseguinte, a
com angústias que parecem eternizar-se. Além do mais, como temos visto, nunca oportunidade preciosa, que o doutrinador não pode deixar passar, para alcançá-lo
falta, nessa hora, a presença de antigos e esquecidos amores: mães, esposas, através do sentimento, da emotividade, do afeto. Trate-o com muito carinho, guie
irmãos, amigos, que nos ajudam na fase final da doutrinação. os seus passos vacilantes pelo novo caminho que começa a trilhar. Não o force,
Este é o momento mais emocionante de todo o trabalho, O Espírito, em crise, mas procure não desperdiçar a ocasião de estimulá-lo a tomar a decisão que vai
precisa, mais do que nunca, de uma palavra de sincera afeição, mesmo que ainda mudar sua vida. Não tente enganá-lo, acenando-lhe com um paraíso imediato,
tente uma reação desesperada, de última hora. que ele sabe não estar ao seu alcance. Não o atemorize com ameaças, não
Num caso desses, o irmão entrou em crise e começou a monologar, enquanto fico carregue nas cores do sofrimento que o espera. Seja simples, humano, amoroso,
ao seu lado, em silêncio reverente. Depois de algum tempo, ele se volta para mim — realista. Ofereça-lhe a sua ajuda, mencione a assistência espiritual que estará ao
e isto me comove profundamente — e me propõe uma visita minha aos seus seu dispor, não para fazer por ele, mas para fazer com ele, o trabalho de
domínios. Diz que determinará aos seus guardas que me deixem passar livremente. reconstrução que o aguarda. Lembre a necessidade da prece constante, da
— Você sabe — acrescenta — que eu não te farei mal algum. confiança, da coragem otimista. Destaque os reencontros espirituais com os seus
Começa, em seguida, a ver cenas do seu passado distante. Ainda reage, tentando amados, que há tanto tempo o esperam. Não se esqueça de que a dor e o temor
sugestionar-se de que é forte e não vai “cair”, mas sente um arrastamento o atormentam. Coloque em seu coração a semente da esperança e mostre-lhe,
incoercível, confiante, as perspectivas da paz. A essa altura, ele não pode mais voltar sobre
— E vocês — dirige-se a companheiros invisíveis — com essas caras luminosas, seus passos, para a proteção feroz da sua antiga organização ou do seu regime
que estão aí me olhando? de irresponsabilidade pessoal. Seus ex-comparsas não mais o receberiam, senão
E para mim: para castigá-lo pela sua “fraqueza”. Ele não pode mais contar com aqueles que
— E você? Não diz nada? pensava serem seus amigos, e aqueles que o esperam, para ajudá-lo, ele não os
Só sei dizer duas palavras: conhece muito bem, ou então, sente diante deles uma vergonha mortal, pela
— Meu amigo! enormidade de seus desvarios.
Ele a repete, e depois esbraveja: Além do mais, ele teme vinganças cruéis, pois esse foi o clima em que viveu
— Maldito lago! durante séculos, ou milênios; ou assusta-se ante a perspectiva de encarnações
As visões o atormentam implacavelmente. É o lago abençoado em que pregara o extremamente penosas, em corpos deformados, cegos ou mutilados.
Cristo. Está arrasado, e diz que precisa recompor-se, pois seus soldados estão lá Um típico exemplo desses, quando o Espírito fica sobre a linha, contemplando
fora e não devem vê-lo naquele estado. Chama-me de traidor, mas não sinto nele as duas perspectivas — passado e presente — tenho-a num caso de que
nenhum ódio: tratamos.
Era extremamente rebelde, rude, agressivo e violento, fora também um
inquisidor. Ao despertar para a verdade, confessa a aflição que experimenta, diante
da enormidade de suas culpas. Não se julga digno da afeição de Espíritos tão impressão dos que ficaram nas sombras é a de que nós violentamos a vontade do
elevados, como o de sua mãe. Está perplexo ante a cegueira espiritual que, por tanto companheiro, levando-o à força, e contra a sua vontade, para “prisões” e castigos.
tempo, o impeliu a cometer tantos e tão graves desatinos, e o impediu de atender ao Acham que, se fosse possível conversar com eles, os convenceriam a voltar à vida
apelo de seus verdadeiros amigos, dos quais nem percebia a presença junto de si. de crimes. Em casos excepcionais, este reencontro é proporcionado, com as
Preocupa-se com aqueles que liderava, no mundo das sombras, que, a seu ver, cautelas que, por certo, podemos imaginar, ainda que não tenhamos condições de
ficariam agora ao abandono. Digo-lhe que Deus vela por todos nós e que uma tarefa conhecê-las
que poderia desempenhar, mais tarde, seria precisamente a de ajudar a recuperar os Num caso desses, um companheiro desarvorado manifestou-se em grande
irmãos que ainda ficaram nas sombras. Pede que oremos por ele e que o aflição, porque havíamos feito “cair” o seu chefe e ele estava reduzido a um “trapo”
perdoemos pelo tratamento que nos deu, de início, com a sua agressividade. (sua expressão). Mas, não lhe foi difícil verificar, por si mesmo, que o antigo chefe
Também eu lhe peço minhas desculpas, por uma ou outra palavra mais enérgica, não fora obrigado a converter-se, e nem desejava voltar sobre seus passos, para
necessária, às vezes, para o despertamento. Ele chora, pela primeira vez em muito, reassumir seu posto no mundo das sombras. Fora vê-lo pessoalmente.
muito tempo, segundo nos informa. E parte. Em outra ocasião o manifestante disse-nos que, durante a semana, após termos
conseguido “conquistar” o seu líder, ele se reunira com os demais companheiros,
36 PERSPECTIVAS para mentalizá-lo e ajudá-lo no seu desespero, pois interpretavam as vibrações de
O que acontece quando o Espírito, assim despertado, nos deixa? São muitos os aflição, que dele recebiam, como um apelo do ex-comparsa, que acreditavam
caminhos que se abrem diante dele. Geralmente, é levado a um local de repouso e prisioneiro nosso. Logo, porém, verificou seu engano e acabou também cedendo
tratamento perispiritual e mental. No momento é o de que mais precisa, além da aos nossos argumentos.
certeza de que os seus antigos amores acham-se novamente ao seu lado, com o Em resumo: o trabalho prossegue no mundo espiritual, junto ao companheiro
mesmo carinho de antigamente, de sempre. Trabalhadores espirituais competentes resgatado dos porões tenebrosos da dor e reconvertido à doutrina do amor; mas a
levam-nos para o repouso e a reeducação. Quase todos precisam de mergulhar em nós, encarnados, a participação — ainda que importante, em certos casos — será
nova reencarnação o quanto antes e, assim que estejam em condições, começa o mais modesta ou, pelo menos, de outra natureza, que não diga respeito
preparo, sob a direção de Espíritos especializados e altamente qualificados. especificamente ao trabalho mediúnico.
Em alguns casos, raros, eles são trazidos para despedirem-se de nós.
Certa vez, um dos nossos amados mentores utilizou-se do espaço de tempo que 37 O INTERVALO
costumamos reservar para a mensagem final, para uma prédica, emocionada e Muito trabalho, no entanto, desenvolve-se no mundo espiritual, entre uma
belíssima, a três Espíritos que, tratados pelo grupo, cerca de um ano antes, partiam, sessão e outra: trabalho complementar, como vimos, embora de menor vulto, e
agora, para a reencarnação na Terra. trabalho preparatório, muito mais amplo, difícil e constante.
É possível que a providência da reencarnação tenha que esperar mais tempo, Companheiros nossos por várias vezes nos têm falado de verdadeiras sessões
mas esse estudo e planejamento não está mais na alçada do grupo mediúnico; mediúnicas que se realizam, nas horas mortas da noite, com os médiuns
transcende suas qualificações e possibilidades, O mundo espiritual tem sua desdobrados pelo sono fisiológico. Este trabalho preparatório é particularmente
programação meticulosa, o trabalho bem dividido e especializado, que não pode ser indicado para os casos em que os Espíritos a serem tratados acham-se de tal
prejudicado com a interferência de curiosos ou de diletantes inexpertos. forma envolvidos em vibrações pesadas, que o contacto direto com o corpo físico
A partir do momento em que os companheiros são recolhidos, por esses discretos do médium poderia acarretar choques penosos e até perigosos. Nestes casos, os
e competentes trabalhadores do Cristo, tranqüilizemo-nos e demos nossas graças a mentores levam, a um ponto de reunião, tanto os componentes encarnados do
Deus, pois eles estão em boas mãos. Isto não quer dizer que a nossa tarefa estará grupo, quanto os Espíritos necessitados. A tarefa preliminar desenrola-se sob
sempre concluida nesse ponto. Poderemos ainda prestar alguma colaboração no condições que ainda desconhecemos, mas, ao manifestar-se, afinal, no grupo
plano espiritual, durante os desprendimentos do sono, mas em tarefas de menor encarnado, o Espírito está mais predisposto ao entendimento ou, pelo menos, não
importância, das quais nem tomamos conhecimento consciente a não ser tão impetuoso e violento, e talvez mais afeito à organização mediúnica.
excepcionalmente. São inúmeras, porém, as tarefas desenvolvidas durante a semana, entre uma
De modo geral, cessam os encargos do grupo mediúnico ao entregá-los aos sessão e outra, com os companheiros que se acham em tratamento e já tiveram
trabalhadores dos planos superiores. Cabe agora voltar-se para o outro médium e uma ou mais manifestações no grupo. Com freqüência ouvimo-los referirem-se
receber o novo companheiro. aos encontros que mantivemos no mundo espiritual, durante os nossos
Em raras oportunidades os mentores estabelecem contacto entre aqueles que se desprendimentos. O doutrinador tem que estar bem atento a esse pormenor. É
retardam nas trevas e os que tiveram a coragem de cruzar a linha. Ê que a primeira necessário lembrar-se de que o Espírito manifestante nem sempre está consciente
do fato de que os encarnados esquecem-se do que se passa enquanto estão seguintes da jornada não ficaram documentadas na memória do companheiro
desdobrados pelo sono comum. Por outro lado, não deve fingir que sabe de tudo, desperto. Lembra-se ele, no entanto, do uma cena fragmentária, no regresso.
porque, a uma pergunta mais embaraçosa, ele terá que confessar sua ignorância. A Estava do lado de dentro de uma caverna, cujo único acesso ao exterior era uma
atitude indicada é conservar-se na expectativa e acompanhar, com extrema atenção, espécie de chaminé estreita, aberta na rocha. Alguns companheiros ficaram de
o pensamento do companheiro manifestante, naquilo que ele vai dizendo. Não se fora, enquanto os de dentro passaram para eles, com enorme dificuldade, “algo”
esqueça de que os Espíritos nessa condição “pensam alto”, ou seja, praticamente que traziam, com extremo cuidado, nos braços, enquanto milhares de formigas
tudo quanto formular no pensamento, o médium transmite. pretas e agressivas atacavam feroz-mente aqueles que se empenhavam na
Um deles me disse, certa vez: tarefa.
— Eu sei... Você já me falou sobre isso no nosso encontro. Uma ou duas semanas depois, aquele “algo”, que havia sido resgatado,
Outros me perguntam: manifestou-se no grupo: era um ser humano!... A indignação dos guardiães do
— Por que você me chamou aqui? pobre irmão foi inconcebível, pois, segundo apuramos, aquele ser, reduzido à mais
É preciso estar preparado para uma resposta que não revele total ignorância e abjeta condição humana, era figura importante para seus esquemas nefastos. Na
surpresa, nem um conhecimento que nossa memória consciente não guarda. Em imagem das formigas agressivas, que nos atacavam, ficou documentada a reação
casos como esse, é preferível ser honesto e dizer ao companheiro que ele precisa tremenda que desenvolveram para impedir-nos.
lembrar-se de que os seres encarnados não costumam registrar na memória De outra vez, recordei-me, com extraordinária lucidez, de algumas cenas
consciente aquilo que fizeram em seus desdobramentos. ocorridas numa dessas incursões em território perigoso e agreste.
Um desses disse-me, ao reiniciar o diálogo interrompido na semana anterior: Fomos recebidos no local — escuro e opressivo — com alguns sinais de
— Acho que dei um “fora”... cordialidade ou, pelo menos, sem hostilidade. Há, depois, um “branco”, do qual
E contou o caso. Durante a semana, introduzira-se sorrateiramente em uma nada me lembro. Vejo-me, a seguir, já no final dessa visita, sendo perseguido por
reunião que mantivemos, no Espaço, com aqueles que ele chamou de nossos um grupo belicoso, que tentava agarrar-me, para retirar de mim certa quantidade
“diretores”. Ficara escondido atrás de uma coluna, a observar e ouvir, certo de que de sangue. Uma das criaturas — uma mulher — trazia nas mãos uma longa
ninguém ali sabia da sua presença. Ao que tudo indica, tencionava espionar a nossa seringa, contendo já um pouco de sangue, grosso e escuro, que pingava no chão.
reunião. Depois descobriu que, ao contrário, não apenas sabiam que ele estava ali, Nesse momento, comecei a escapar-lhes. Era como se eu levitasse. Via-os
senão que o haviam permitido, pois era até esperado... Não sei o que foi feito e dito correrem desesperadamente atrás de mim, a uns poucos metros abaixo,
nessa reunião, mas écerto que, ao manifestar-se no grupo mediúnico, na semana enquanto eu me afastava, como se voasse, pouco acima de suas cabeças.
seguinte, ele estava profundamente modificado e até mesmo atônito. Não sabia o Algumas semanas depois, apresentou-se o “chefe” daquela região tétrica, numa
que se passara com ele, mas disse que olhara num espelho e não se reconhecera. incorporação mediúnica. Estava indignado, porque eu havia escapado.
Perdera a noção da sua identidade pessoal. Isto foi o princípio de um processo de Precisavam do meu sangue para os seus “trabalhos”, e do sangue de nossos
regressão de memória em que se precipitou e ao qual me referi alhures, neste livro, e companheiros encarnados, também. Eu ficaria surpreso — disse — se soubesse
de que resultaria sua libertação. daqueles que o haviam doado espontaneamente, a troco de favores, em pactos
Em certos grupos de desobsessão, a atividade noturna, nos intervalos das que garantiam a uma parte muitos “sucessos” na vida material, e à outra, o
sessões, é muito intensa. Os mentores espirituais levam os encarnados, evidente domínio sobre seus espíritos. Ele veio disposto a arrebatar-nos o sangue,
desprendidos pelo sono, a reuniões de estudo, de trabalho, de debates e de qualquer maneira...
planejamento, ou a descidas profundas e perigosas nos antros milenares da dor, de Um de nossos médiuns conseguiu registrar, com grande precisão e
onde, às vezes, resgatamos companheiros a serem doutrinados em futuras sessões. detalhamento, uma dessas incursões. A meu pedido, escreveu todo o relato,
Já narrei aqui um caso de zoantropia, em que o infeliz companheiro ficara reduzido enquanto ainda bem vivo na memória, o que muito nos serviu depois.
à forma “física” de um fauno. Esse irmão foi resgatado ao mundo tenebroso do Nem sempre, no entanto, nos lembramos de tais, episódios. As vezes, os
sofrimento superlativo, numa incursão de que um de nós, encarnados, conseguiu próprios benfeitores espirituais incumbem-se de condicionar-nos ao esquecimento,
preservar a lembrança fragmentária, ao despertar. dado que a recordação poderia prejudicar-nos de alguma forma, ou ao trabalho.
As imagens eram as de um sonho comum, mas, como sempre acontece nesses Por outro lado, essas incursões são, às vezes, também, no mundo superior, para
casos, de extremo realismo. Os componentes do grupo, dirigidos pelos benfeitores onde nos levam, amorosamente, companheiros competentes e seguros, a fim de
espirituais, encontravam-se em vasta região desolada, sombria e agreste, que podermos assistir a reuniões de estudo e planejamento, com nossos maiores. Ê
haviam alcançado numa “condução” rústica, que fazia lembrar um jipe terreno. A difícil, porém, conservar a lembrança delas. Ficam apenas as linhas mestras das
certo ponto, pararam, desceram e fizeram o resto do percurso a pé. As peripécias
instruções recebidas, sob a forma de frases soltas, ou de símbolos, que se Outros se confessam paralisados, em pensamento e ação. Não conseguem
imprimiram nos nossos arquivos perispirituaís. mais raciocinar com clareza e levar avante os projetos em que estavam
Outro aspecto importante, que precisa ser abordado, no aproveitamento desses empenhados: perseguições, obsessões, desmandos de toda sorte. Um deles me
intervalos entre uma sessão e outra, é o da prece. Como as sessões se realizam, disse, certa vez, que havia interceptado meus “telefonemas”. A “telefonista”
usualmente, uma vez por se mana, durante os dias em que aguardamos as recebera-os em seu lugar, mas sua referência provava que ele tomara
próximas manifestações, precisamos ter a atenção voltada para os companheiros conhecimento da minha atividade mental e emocional durante a semana, pelo
que se acham em tratamento no grupo, não apenas aqueles que ainda não foram menos naquilo que fora deliberadamente dirigido para ele.
“convertidos”, mas, também, aqueles que já se acham recolhidos, para tratamento, Para resumir e insistir num ponto, já mencionado, alhures, neste livro: o trabalho
nas instituições especializadas do Além. Eles precisam de nossas preces e do nosso de doutrinação não se resume às poucas horas em que conversamos diretamente
pensamento construtivo e amoroso, tanto quanto necessitamos do apoio dos nossos com os Espíritos incorporados aos nossos médiuns; ele se projeta ao longo dos
benfeitores. A prece é o fio que realiza esse milagre. Não podemos esquecer-nos de dias e segue nas realizações da noite, quando, em desdobramento,
que os companheiros desarvorados, que receberam o primeiro impacto de uma acompanhamos nossos mentores, nos contactos e nas tarefas que se
incorporação e doutrinação, ficam com os ânimos ainda mais acirrados contra nós. desenrolam no mundo do Espírito.
Durante a semana toda haveremos de sentir-lhes a presença ou as “mensagens” Mantenhamos uma atitude vigilante, construtiva, atenta a pequenos detalhes,
vibratórias de seus pensamentos hostis. Lembremo-nos de que não o fazem por que poderiam passar despercebidos, mas que se revelam subitamente de enorme
maldade intrínseca e irredutível e, sim, por desconhecimento e defesa. Estão importância na decifração do enigma que esses amados companheiros trazem
convencidos da legitimidade de seus propósitos e da nossa posição de intrusos, que em si e que não podem resolver sozinhos.
nada têm a ver com os seus problemas pessoais e os seus planos. Sem dúvida Muita gente ainda não descobriu que a essência dos “milagres” evangélicos é o
alguma tentarão criar-nos dificuldades, quando nada com as vibrações negativas de amor. Quando o Cristo disse que um dia poderíamos fazê-los também, não estava
seu pensamento. É claro que provocarão, em nós, sensações de angústia apenas acenando com uma visão quimérica, para que fôssemos bonzinhos — Ele
indefinível, mal-estar, depressão e desânimo. Só a prece pode socorrer-nos, em tais nada disse que não se conformasse com as suas íntimas convicções, antevisões
situações. Oremos por eles, mas com fervor, com amor. É hora de pôr em prática, e experiências.
com toda a convicção, o preceito evangélico que nos recomenda amar os nossos O amor é realmente milagroso, e a prece, o instrumento daqueles que querem
inimigos. Embora não os consideremos como tais, eles assim se consideram. realizá-lo. A tarefa dos seres encarnados, num grupo mediúnico de desobsessão,
Envolvamo-los numa atmosfera de amor e compreensão, de tolerância e paciência, é pouco mais que isso: assistirem à constante realização do milagre sempre
e procuremos devolver as suas agressões mentais com o nosso pensamento de renovado do amor.
afeição e carinho, implorando a Deus que os ajude, que lhes mostre a verdade, que
lhes ilumine os corações, onde também existe amor, em potencial, pronto a emergir,
novamente, das cinzas de muitos sonhos e das sombras de muitas agonias. 38 SONHOS E DESDOBRAMENTOS
A qualquer momento que pudermos recolher-nos para a prece, especialmente nas Páginas atrás, ficou documentada uma referência sumária àatividade
horas e locais em que costumamos meditar, oremos por eles, com muito amor desenvolvida pelos componentes do grupo mediúnico, durante as horas de
mesmo. Não é difícil. Imaginemo-los como companheiros muito queridos, filhos, repouso, através de sonhos e desdobramentos. Creio que é oportuno desenvolver
parceiros de antigas lutas e até credores nossos, a quem muito devemos. Com um pouco mais o conhecimento desse aspecto, que contém importantes
freqüência impressionante o são mesmo, além de irmãos, que serão sempre, conotações, que não devem ser ignoradas, não apenas em termos gerais de
invariavelmente. A doutrinação é um ato de amor. Aquele que não souber amar sem Doutrina, como em sua aplicação prática aos trabalhos de desobsessão.
reservas, ou que somente puder amar aqueles que o amam, não está preparado Essa importância ressalta do próprio tratamento que Kardec e seus instrutores
para essa tarefa. deram ao assunto, em “O Livro dos Espíritos”. Enquanto a questão do sexo dos
É extraordinário o poder da prece. Diria, mesmo, miraculoso, não fosse tão Espíritos, por exemplo, ocupa cerca de meia página (perguntas 200 a 202), os
abusada essa palavra extraordinária. Inúmeras e repetidas vezes temos presenciado problemas relacionados com a atividade do Espírito encarnado, quando o corpo
o seu poder invencível. encontra-se em repouso, ocupam 23 páginas, no capítulo 8º, sob o título “Da
Às vezes, o irmão atormentado, ao manifestar-se pela segunda ou terceira vez, Emancipação da Alma”.
mostra-se extremamente “perturbado” pelas nossas preces. Um deles disse-me, O mesmo interesse encontramos nas obras mediúnicas em geral, mas, de
irritado: maneira muito especial, no opulento acervo de informações que nos transmitiram
— Você vive rezando...
André Luiz, Emmanuel, Bezerra de Menezes Manoel Philomeno de Miranda e período de uma hora ou duas, em que se desenvolve a tarefa mediúnica
outros, através de médiuns de absoluta confiança e respeito. propriamente dita. O planejamento e o preparo das sessões é todo feito no mundo
Por esses ensinamentos, concluímos ser muito intensa a atividade do espírito espiritual, sob a direção de competentes e dedicados servidores do Cristo. Em
parcialmente liberto pelo sono natural ou provocado. Na verdade, ficou bem claro, em diferentes oportunidades, nossos mentores têm-se referido às reuniões de que
Kardec, que o espírito encarnado aproveita-se, com satisfação, da oportunidade de participamos, às incursões no submundo do desespero, de onde resgatamos
escapar da prisão corporal, sempre que pode, e que a atividade desenvolvida, seres alucinados de dor e desorientação, e até mesmo a sessões mediúnicas,
nesses estados de libertação parcial, reflete-se nos sonhos. É nesse estado que ele com incorporação e doutrinação, tal como aqui, entre os encarnados.
consegue entrar na posse de algumas das suas faculdades superiores, pelo acesso Lembranças residuais dessa atividade permanecem em nossa memória de
aos arquivos da sua memória integral. Daí lembrar-se de encarnações passadas e vigília, ao despertarmos, e é de utilidade ao trabalho mediúnico observá-las com
até mesmo, em situações especiais, afastar a densa cortina que encobre o futuro. atenção e interesse, como, também, procurar predispor-se positivamente às
Nesse estado de liberdade parcial, o encarnado cultiva intenso intercâmbio com tarefas noturnas, enquanto o espírito se acha desdobrado pelo sono. Para isto,
encarnados e desencarnados, segundo seus interesses e afinidades. recomenda-se que, na prece que precede o sono, coloquemo-nos à disposição
Resumindo, com palavras suas, os ensinamentos recebidos, Kardec escreveu dos nossos amigos espirituais para as humildes tarefas que estiverem ao nosso
isto: alcance realizar junto deles, e peçamos a proteção divina para toda a atividade a
“Os sonhos são efeito da emancipação da alma, que mais independente se torna desenrolar-se além das fronteiras da matéria bruta. Essa atividade é realizada por
pela suspensão da vida ativa e de relação. equipes bem adestradas e precisamos estar afinados com seus componentes,
Daí uma espécie de clarividência indefinida que se alonga até aos mais afastados para que, em lugar de colaborar, não resulte nossa canhestra interferência em
lugares e até mesmo a outros mundos. Daí também a lembrança que traz à agravação de suas dificuldades. Bem sabemos, hoje, pelos informes da Doutrina
memória acontecimentos da precedente existência ou das existências anteriores. As Espírita, dos riscos que corre o Espírito desatento e desprevenido, em tais
singulares imagens do que se passa ou se passou em mundos desconhecidos, desdobramentos.
entremeados de coisas do mundo atual, é que formam esses conjuntos estranhos e Os autores espirituais de “O Livro dos Espíritos” foram inequívocos nesse, como
confusos, que nenhum sentido ou ligação parecem ter. A incoerência dos sonhos em todos os outros pontos de seus ensinamentos. Aqueles que se sintonizarem
ainda se explica pelas lacunas que apresenta a recordação incompleta que com as faixas inferiores...
conservamos do que nos apareceu quando sonhávamos. É como se a uma “... vão, enquanto dormem, ou a mundos inferiores à Terra, onde os chamam
narração se truncassem as frases ou trechos ao acaso. Reunidos depois, os velhas afeições, ou em busca de gozos quiçá mais baixos do que os em que aqui
fragmentos restantes nenhuma significação racional teriam.” se deleitam. Vão beber doutrinas ainda mais vis, mais ignóbeis, mais funestas do
Ao cuidar, mais adiante (questão 425), do sonambulismo, os instrutorês que as que professam entre vós.” (Destaques meus.)
conceituam-no como “estado de independência do Espírito, mais completo do que Muitos ignoram como isso é autêntico, duma trágica e dolorosa autenticidade.
no sonho, estado em que maior amplitude adquirem suas faculdades. A alma tem Companheiros encarnados, até mesmo declarada-mente espíritas, comparecem
então percepçães de que não dispõe no sonho, que é um estado de sonambulismo a esses núcleos de alucinação dos sentidos, ou aos centros de irradiação de
imperfeito”. doutrinas nefastas que tentam, aqui, entre nós, implantar, como “reformulações”,
“No sonambulismo — prosseguem —, o Espírito está na posse plena de si “modernizações” e “atualizações” da Doutrina Espírita, ou fundam movimentos
mesmo. Os órgãos materiais, achando-se de certa forma em estado de catalepsia, paralelos, tão logo lhes seja possível apossarem-se de organizações terrenas que
deixam de receber as impressões exteriores. Esse estado se apresenta lhes forneçam a base de que necessitam para os seus propósitos. É lá, nessas
principalmente durante o sono, ocasião em que o Espírito pode abandonar regiões tenebrosas, que se praticam as mais lamentáveis formas de lavagem
provisoriamente o corpo, por se encontrar este gozando do repouso indispensável cerebral e hipnose; é lá que são programados, com extremo cuidado e
àmatéria.” (O primeiro destaque é do original; o segundo, desta transcrição.) competência, os pobres instrumentos humanos que regressam ao nosso meio
Acrescentam, ainda, para não deixar dúvidas, que não existe diferença entre o para espalhar a discórdia, o desentendimento, a dissensão, tudo muito sutil, a
sonambulismo provocado e o natural. princípio, quase imperceptivelmente. É lá que se forjam pactos sinistros de apoio
Isto significa, portanto, para efeitos práticos, que os companheiros desencarnados mútuo, em que se envolvem tantos companheiros promissores.
que orientam os trabalhos dos grupos mediúnicos dispõem de amplas possibilidades No que diz respeito ao trabalho específico da desobsessão, portanto, todo
de colaboração da parte dos componentes encarnados, enquanto estes repousam. cuidado é pouco com a atividade em desdobramento, a fim de que não ponhamos
Na verdade, a experiência indica-nos claramente que a atividade em a perder, nas horas em que repousa o nosso corpo físico, as modestas conquistas
desdobramento, durante as horas do sono, é mais intensa e extensa do que o curto que porventura tenhamos conseguido realizar na vigília.
É preciso, porém, evitar a conclusão apressada de que todo sonho tenha algo a ainda mesmo quando ligados a envoltórios inferiores. Infelizmente, porém, a
ver com o trabalho mediúnico que estejamos realizando ou que qualquer lembrança maioria se vale, inconscientemente, do repouso noturno para sair à caça de
de atividade em desdobramento é aproveitável. emoções frívolas ou menos dignas. Relaxam-se as defesas próprias e certos
— “Na maioria das vezes — esclarece Emmanuel, em “O Consolador”, questão impulsos, longamente sopitados durante a vigília, extravasam em todas as
49 — o sonho constitui atividade reflexa das situações psicológicas do homem no direções, por falta de educação espiritual, verdadeiramente sentida e vivida.”
mecanismo das lutas de cada dia, quando as forças orgânicas dormitam em repouso (Destaques meus.)
indispensável. Em determinadas circunstâncias, contudo, como nos fenômenos Ouçamos agora Aulus, em “Nos Domínios da Mediunidade”:
premonitórios, ou nos de sonambulismo, em que a alma encarnada alcança elevada - “Raros Espíritos encarnados conseguem absoluto domínio de si próprios, em
porcentagem de desprendimento parcial, o sonho representa a liberdade relativa do romagens de serviço edificante fora do carro de matéria densa. Habituados à
espírito prisioneiro da Terra, quando, então, se poderá verificar a comunicação inter orientação pelo corpo físico, ante qualquer surpresa menos agradável, na esfera
vivos, e, quanto possível, as visões proféticas, fatos esses sempre organizados pelos de fenômenos inabituais, procuram instintivamente o retorno ao vaso carnal, à
mentores espirituais de elevada hierarquia, obedecendo a fins superiores, e quando maneira do molusco que se refugia na própria concha, diante de qualquer
o encarnado em temporária liberdade pode receber a palavra e a influência diretas impressão em desacordo com os seus movimentos rotineiros.” (Destaques meus.)
de seus amigos e orientadores do plano invisível.” (Destaques meus.) Aliás, seria bom reler todo o capítulo 11 — “Desdobramento em serviço”, dessa
Atenção, pois, com o material onírico, que precisa ser examinado, selecionado, obra, tanto quanto o capítulo 21 — “Desdobramento”, de “Mecanismos da
criticado e aproveitado com prudência, porque qualquer empolgamento já é suspeito. Mediunidade”, que estuda o sono, o sonho e o desdobramento espiritual.
Os companheiros espirituais mais responsáveis não agem à base de Vejamos, por exemplo, esta observação, já nos parágrafos finais do capítulo:
inconseqüências e entusiasmos injustificados. Mesmo nos momentos de maior “É imperioso notar, porém, que considerável número de pessoas, principalmente
alegria, pela solução de um caso particularmente difícil e delicado, eles se as que se adestraram para esse fim, efetuam incursões nos planos do Espírito,
apresentam emocionados, por certo, mas sóbrios, serenos, gratos, equilibrados. transformando-se, muitas vezes, em preciosos instrumentos dos Benfeitores da
Cuidado, pois, com “revelações” sensacionais, com “missões” importantes, com Espiritualidade, como oficiais de ligação entre a esfera física e a esfera extrafísica.”
elogios descabidos, com encontros com Espíritos que se apresentam sob (Destaques meus.)
identidades pomposas. Não faltam, pois, advertências muito pormenorizadas sobre a responsabilidade
André Luiz adverte-nos, em “Evolução em Dois Mundos”, dos riscos que o Espírito do trabalho que se realiza nas chamadas horas “mortas” da noite. Do ponto de
encarnado corre durante o desprendimento do sono, quando... vista do espírito, não resta dúvida de que são mais vivas, essas horas, do que as
“... recolhe (...) os resultados de seus próprios excessos, padecendo a de vigília.
inquietação das vísceras ou dos nervos injuriados pela sua rendição à licenciosidade, Insistimos, pois, em enfatizar que o assunto merece cuidadoso estudo,
quando não seja o asfixiante pesar do remorso por faltas cometidas, cujos reflexos profundas meditações e cautelosa aplicação prática, pois as responsabilidades
absorvem do arquivo em que se lhe amontoam as próprias lembranças.” envolvidas são enormes. Por outro lado, não nos deve atemorizar o vulto de tais
E mais: responsabilidades. André Luiz assegura-nos que podemos ser adestrados para
“Numa e noutra condição, todavia, é a mente suscetível àinfluenciação dos essa atividade, com real proveito para o nosso trabalho e, logicamente, para o
desencarnados que, evoluídos ou não, lhe visitam o ser, atraidos pelos quadros que nosso desenvolvimento espiritual. Cautela, sim; temor, não, O temor paralisa,
se lhe filtram da aura, ofertando-lhe auxílio eficiente quando se mostre inclinada à imobiliza os esforços, na ansiosa expectativa. É preciso vencer a inibição inicial e
ascensão de ordem moral, ou sugando-lhe as energias e assoprando-lhe sugestões caminhar. A prece será sempre boa conselheira, a par de recomendações óbvias,
infelizes quando, pela própria ociosidade ou intenção maligna, adere ao consórcio que ressaltam dos textos que examinamos aqui, e de outros que o leitor
psíquico de espécie aviltante, que lhe favorece a estagnação na preguiça ou a descobrirá: vigilância com os próprios hábitos diários, cuidado com a alimentação,
envolve nas obsessões viciosas pelas quais se entrega a temíveis contratos com as atenção com a saúde do corpo físico, desejo de aprender, para servir melhor.
forças sombrias.” (Destaques meus.) Antes de encerrar estas notas, uma observação ainda parece oportuna e
Mas, não é só isso: necessária. Com freqüência, nossos médiuns contam-nos episódios em que
— “Quando encarnados, na Crosta — observa Sertório, em “Missionários da Luz” participaram de trabalhos no plano espiritual, nos quais funcionaram como
—, não temos bastante consciência dos serviços realizados durante o sono físico; médiuns, também lá, desdobrados.
contudo, esses trabalhos são inexprimíveis e imensos. Se todos os homens Isso é perfeitamente possível e tem o decidido suporte da experiência. Em casos
prezassem seriamente o valor da preparação espiritual, diante de semelhante gênero de meu conhecimento, nossos médiuns compareceram a reuniões de instrução e
de tarefa, certo efetuariam as conquistas mais brilhantes, nos domínios psíquicos,
funcionaram mediunicamente, transmitindo mensagens de outros planos, sempre O grupo mediúnico é instrumento de socorro, ferramenta de trabalho, campo
que para isto se prepararam devidamente. de experimentações fraternas e escada por onde sobem não apenas os nossos
É possível, porém, um desdobramento, depois de já desdobrado do corpo físico, companheiros desarvorados, mas subimos também nós, que tentamos redimir-
ou separado dele definitivamente, pela desencarnação? Não temos o direito de pôr nos na tarefa sagrada do serviço ao próximo. O grupo merece e exige cuidados
sob suspeita o testemunho de alguns companheiros de confiança, como, por muito especiais, dedicação constante, vigilância permanente, desde antes mesmo
exemplo, André Luiz, em “Nosso Lar”, capítulo 36 — “O Sonho”, ao encontrar-se em de constituir-se. É preciso criar para ele uma estrutura robusta, mas
plano muito elevado, em companhia do luminoso Espírito de sua mãe: “O sonho não suficientemente flexível, para que possa funcionar sem hesitações e interrupções.
era propriamente qual se verifica na Terra. Eu sabia, perfeitamente, que deixara o Se o trabalho que lhe for cometido, pelos companheiros espirituais, revelar-se
veículo inferior no apartamento das Câmaras de Retificação, em “Nosso Lar”, e tinha fecundo e promissor, ele será implacavelmente assediado. Levantar-se-ão contra
absoluta consciência daquela movimentação em plano diverso. Minhas noções de ele forças obstinadas, dispostas a tudo para fazê-lo calar-se e dissolver-se. Assim,
espaço e tempo eram exatas. A riqueza de emoções, por sua vez, afirmava-se cada nada de ilusões: a medida de seu êxito, em termos espirituais, é precisamente a
vez mais intensa.” (Destaques meus.) perseguição indormida, a pressão assídua de companheiros em desequilíbrio, que
Disso tudo podemos sumarizar uma observação final: a maior parte do trabalho não hesitarão diante de nenhum recurso, para destruí-lo.
mediúnico, não é a que se realiza em torno da mesa, no dia da sessão; é a que se Por isso, na fase de planejamento, devem ficar bem definidos, além de suas
desdobra para além dos nossos grosseiros sentidos físicos, enquanto nosso corpo finalidades e objetivos, seus métodos de trabalho. Nunca chegaremos a prever
repousa. Aqui e ali, em modestas posições de meros aprendizes, participamos de todas as situações que um grupo poderá enfrentar, mas seus métodos têm que
tais atividades. Tenhamos cuidado para não comprometê-los com o nosso ser suficientemente ágeis, para as acomodações necessárias, sem prejuízo das
despreparo e a nossa incúria. Aproximemo-nos com respeito da hora em que nos tarefas que se desdobram. Nunca saberemos o suficiente em matéria de contacto
preparamos para adormecer, cansados das lutas do dia. Os companheiros que nos com os nossos irmãos desvairados pela dor e pela revolta. Cada sessão é
estão esperando podem ser aqueles que nos arrastam para os porões escuros do diferente, cada manifestação traz uma surpresa ou um ensinamento novo. É
desvario, ou os que nos guiam os passos incertos nas trilhas do bem. Depende de necessário que observemos com toda a atenção qualquer pormenor, aprendamos
nós a decisão: vamos pela escura e tortuosa viela que desce, ou preferimos a a lição que cada um deles contém e a incorporemos ao acervo da experiência.
estrada que sobe, reta e iluminada? Citarei um pequeno incidente, aparentemente sem importância.
Nossos amigos espirituais de há muito nos haviam prevenido de que, em
39 RESUMO E CONCLUSÕES hipótese alguma, deixássemos ultrapassar o horário de atendimento, como ficou
Creio haver chegado ao final da tarefa que me impus, na tentativa de fixar no papel dito e explicado alhures, neste livro. Muito bem. Redobrei o cuidado com o controle
alguns dos muitos ensinamentos amealhados, em mais de uma década, no trato do tempo e, então, veio outra observação: recomendavam-me que procurasse
íntimo e permanente com inúmeros companheiros desencarnados. Não me foi colocar o relógio diante de meus olhos, de forma que, para consultá-lo, não fosse
possível evitar que este livro se revestisse das características de um depoimento necessário virar-me e tomá-lo nas mãos, como costumava fazer. Por que a
pessoal, pela razão, que me parece muito simples e válida, de que ele é mesmo um recomendação? Muito simples: não apenas a preocupação excessiva com o
depoimento pessoal, pela própria natureza das experiências que procura transmitir. tempo pode desviar-nos do clima exigido pelo trabalho, mas porque até mesmo o
Seu objeto é o ser humano, usualmente em penoso estado de desarmonização próprio gesto de voltar-me poderia quebrar a continuidade da tarefa junto ao irmão
interior; não são quantidades físicas de substâncias químicas, cujas reações incorporado, exigindo provavelmente esforço maior dos companheiros
podemos prever, estudar e repetir à vontade, na frieza clássica dos números, dos desencarnados. Quem poderia imaginar que a mera posição de um relógio, na
pesos, das medidas. Os irmãos que comparecem aos nossos grupos mediúnicos sala de trabalho, fosse tão importante, a ponto de merecer advertência específica?
estão em crises, por vezes, seculares, e até milenares. Perderam-se no emaranhado Além de tais observações esporádicas, dos companheiros espirituais,
de suas perplexidades e não podem atinar sozinhos com a trilha que os leve para infinitamente mais experimentados do que nós, o estudo é uma necessidade
fora do poço profundo e escuro, de volta àluz abençoada do Senhor, sob a qual imperiosa, absoluta. Temos a tendência de julgar que sabemos mais do que
possam contemplar suas imperfeições e empenhar-se em alijá-las do coração. realmente sabemos. É fácil testar essa verdade. Leia você, leitor, qualquer página
O trabalho de doutrinação, chamado tão apropriadamente de trabalho de de “O Livro dos Espíritos”, ou de “O Livro dos Médiuns”, e verá que há sempre
resgate, em inglês (rescue work), só é possível em clima de total doação, de empatia, aspectos que você não havia ainda notado, observações que passaram
de profundo e sincero amor fraterno, o que o torna uma atividade do coração, muito despercebidas, ângulos insuspeitados, por mais que você esteja certo de conhecer
pessoal, essencialmente humana. Não há nele espaço para meias-verdades, bem a obra de Kardec. O mesmo é válido para qualquer outro documento
fingimentos “inocentes”, indiferença ou comodismos. doutrinário sério, como as obras complementares.
O aprendizado tem que ser constante, por várias razões. Primeiro, porque nossa emergir das profundezas do ser, como um movimento irreprimível, no qual nos
memória é falha, e leva-nos a esquecer recomendações e instruções importantes, já doamos integralmente, quer o companheiro aceite ou não, de pronto, a nossa
lidas no passado. Segundo, porque mesmo durante a leitura, a mente divaga, e entrega. O impacto do amor Sincero, no coração de um irmão que sofre, éuma
lemos trechos substanciais, sem a participação do consciente. das coisas mais impressionantes e comoventes do trabalho de doutrinação.
Um grupo, porém, não são apenas finalidades, objetivos e métodos; ele é também Vemo-lo repetir-se a cada instante, sempre o mesmo, e nunca nos cansamos de
gente. Encarnada e desencarnada. admirar a sua força positiva e construtiva. Jamais deixei de me surpreender com o
Quanto aos encarnados, nossos companheiros em torno da mesa, toda a atenção espetáculo emocionante desse impacto, o único, em nossa miserável existência
deve ser posta em selecioná-los, O grupo tem que começar de maneira certa, para de seres imperfeitos, que nos dá realmente a sensação de que o amor é um
subsistir. Se for constituído à base de elementos inconstantes e inseguros, serão milagre que podemos realizar em nome do Cristo.
remotas suas possibilidades de sobrevivência e inseguros os trabalhos, por melhores Quando Ele falou a João que nós somos deuses, creio que se referia
que sejam as intenções. especificamente ao amor em nós. Ao criar-nos, Deus colocou em nós a fagulha do
Além dos demais pontos críticos, a seleção dos médiuns é da mais alta amor, dizem os grandes instrutOres. E freqüentemente nos esquecemos de que
importância, bem como a maneira de tratá-los e integrá-los no trabalho, a fim de que uma fagulha do infinito é também infinita e, por isso, são ilimitadas as nossas
possam dar de si mesmos, em clima de segurança e confiança. O médium não deve possibilidades de crescimento, pelas trilhas do amor. Parece que o Pai imantou
dominar o grupo, nem ser dominado por ele, e sim portar-se como um dos com esse amor a nossa pequenina limalha e, por isso, somos irresistivelmente
trabalhadores que o compõem. Se a recomendação de estudar sempre é válida atraídos para Ele, através do espaço infinito e do tempo imemorial.
para o grupo, como um todo, para o médium ela adquire as proporções de uma Assim, quando conseguimos transmutar-nos em amor, ante os companheiros
obrigação. que sofrem, estamos nos colocando no sentido e na direção que segue todo o
O doutrinador não será jamais o sumo-sacerdote de um novo culto, a impor ritos Universo.
e fórmulas mágicas, a ditar ordens, como um general em campanha; ele é apenas Quem poderá resistir?
mais um trabalhador, o que não significa que a disciplina do grupo deva correr à — “Se Deus está conosco — dizia o nosso Paulo — quem estará contra nós?”
matroca. Usualmente, o doutrinador acumula as funções de dirigente encarnado dos Se me fosse pedido o segredo da doutrinação, diria apenas uma palavra:
trabalhos, pela simples razão de que, no contexto de um grupo humano, alguém — AMOR!
precisa assumir a liderança. Liderança, porém, não é despotismo. Se ele é também o
dirigente humano, precisa contar com o respeito afetuoso de seus companheiros, Fim
para que possam trabalhar todos em harmonia.
Se sentir que não tem condições pessoais para doutrinar, deve atribuir essas
funções a outros membros da equipe, que julgue mais bem qualificados.
São rigorosas as especificações de um bom doutrinador; dilicilmente reúnem-se
todas as características desejáveis numa só pessoa. Por isso, lembrei por aí, no livro,
que não há doutrinadores perfeitos; contentemo-nos em ser razoáveis e lutemos por
adquirir as qualidades que nos faltam. De minha parte, considero algumas dessas
qualidades como apenas desejáveis, e outras indispensáveis. Entre estas colocaria,
como vimos:
* Formação doutrinária
* Evangelização
* Autoridade moral
* Fé
* Amor
O grande ativador desses petrechos espirituais é, sem dúvida alguma, o amor.
Para o doutrinador, o preceito evangélico do “amai-vOS uns aos outros”, e aquele
outro, “amai os VOSSOS inimigos”, não são apenas frases bonitas, para declamar
aos Espíritos, mas condições essenciais ao trabalho. O amor fraterno, no trabalho de
doutrinação, tem que ser sentido mesmo, e não apenas fingido ou forçado; tem que