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A teoria racial crítica do RESENHA

https://doi.org/10.12957/rep.2024.80432

pensamento de Fanon e
suas encruzilhadas
The critical racial theory of Fanon’s thought and
its crossroads
Roberta Lima Costa1*

*Universidade do Estado do Rio de


Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
E-mail: social.robertalima28@
Resenha do livro Frantz Fanon e as encruzilhadas: teoria,
política e subjetividade, de Deivison Faustino1 gmail.com.

Como citar: COSTA, R. L. A teoria


Nascido em 20 de dezembro de 1925, em Fort-de-France, atual racial crítica do pensamento de
capital de Martinica, o psiquiatra Frantz Fanon confrontou todas as Fanon e suas encruzilhadas. Em
Pauta: teoria social e realidade
negações a que um homem negro, nascido em terras colonizadas, po-
contemporânea, Rio de Janeiro,
deria ser submetido. Fazendo sua experiência pessoal em defesa do v. 22, n. 54, pp. 215-219, jan/abr,
povo argelino guiar seus escritos, Fanon expressou em seus textos to- 2024. Resenha da obra: FAUSTINO,
das as suas frustrações ao se deparar com as diversas formas de racis- D. Frantz Fanon e as encruzilhadas:
teoria, política e subjetividade.
mo vivenciadas como médico e psiquiatra na luta pela independência São Paulo: Ubu Editora, 2022.
da Argélia. Suas obras são um legado deixado há mais de 62 anos2, Disponível em: https://doi.
e revelam um militante, pensador e dramaturgo incansável na luta org/10.12957/rep.2024.80432
antimanicomial, anticolonial, além de um pan-africanista, marxista Recebido em 18 de outubro de 2023.
humanista e pensador revolucionário. Aprovado para publicação em 28 de
outubro de 2023.
O trabalho ao qual nos referenciamos é escrito pelo professor
e sociólogo Deivison Faustino e é resultado de sua tese de douto-
rado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da
Faculdade Federal de São Carlos. Neste texto, reformulado durante
o tempo da pandemia para que pudesse tornar-se um livro e viesse
para os leitores com novas questões que não tinham sido analisadas

1 Deivison Mendes Faustino é formado em ciências sociais pela FSA, mestre em


ciências da saúde/epidemiologia pela Faculdade de Medicina do ABC e doutor
em sociologia pelo PPGS da UFSCar. É professor adjunto da Unifesp e autor
de Frantz Fanon: um revolucionário, particularmente negro, A disputa em torno
de Frantz Fanon: a teoria e as políticas dos fanonismos contemporâneos e Frantz © 2024 A Revista Em Pauta: teoria social e
Fanon e as encruzilhadas: teoria, política e subjetividade. realidade contemporânea está licenciada
com uma Licença Creative Commons
2 Frantz Fanon morreu em 6 de dezembro de 1961, aos 36 anos, decorrente de leucemia. Atribuição 4.0 Internacional.
A teoria racial crítica do pensamento de Fanon e suas encruzilhadas –
COSTA, R. L. https://doi.org/10.12957/rep.2024.80432

pelo Faustino de 2015, o autor se propõe a levantar o que pensadores e correntes teóricas
diversas apontam como expressivo do pensamento de Fanon, bem como foi a chegada do
martinicano em terras brasileiras. Mas não só. Faustino (2022) aponta também diversas
nuances do pensamento de Fanon – o que ele define como encruzilhadas –, e destaca que
as obras de Fanon devem ser entendidas como uma “teórica racial crítica” que “foca em
uma ontologia moral e social” (Faustino, 2022, p. 108), estruturando um pensamento
antirracista e podendo ser objeto dos debates raciais contemporâneos.
Nos primeiros capítulos, Faustino (2022) propõe debater os três principais eixos do
pensamento de Fanon, os quais divide em: a sociogênese do colonialismo e a interdição
do reconhecimento, a teodiceia, a dupla consciência e o duplo narcisismo e, por último,
as dimensões éticas, políticas e estéticas da luta por libertação. A sociogenia é desenvol-
vida por Fanon na formulação do seu trabalho de conclusão do curso de psiquiatria, em
1951, intitulado Ensaio sobre a desalienação do negro. Esse termo é o eixo teórico de um
debate que irá traçar a vida política e profissional de Fanon na busca pelo fim do racismo
antinegro nas sociedades coloniais, tendo como partida a sociedade francesa e como esta
sociedade acaba por impactar a psiquê dos negros e dos brancos.
Esse trabalho foi recusado por seu orientador, o que permitiu que o martinicano reali-
zasse um segundo estudo. Este acabou por resultar em uma das suas obras mais conhecidas,
Pele negra, máscaras brancas, publicada em 1952. Nesse texto, Fanon se apropria de diversos
conceitos de diferentes campos de estudos para analisar e apresentar bases para a superação
do sistema colonial e os efeitos desse sistema na saúde mental dos colonizados. Nessa cami-
nhada, Fanon apresentará também pensamentos de defesa de uma luta antimanicomial, já
que lançará para a psiquiatria a noção de que os hospícios são instituições “sadomasoquistas
de violências que existem apenas para isolar o louco da sociedade” (Faustino, 2022, p. 25),
e não para enxergá-lo como um sujeito em sofrimento – sofrimento este que perpassa os
âmbitos econômicos e sociais – que deve ser integrado à sociedade.
A sociogenia é o desenvolvimento de um fenômeno social. Essa noção se coloca
em oposição às que entendem os fenômenos como algo imutável, ontológico ou estático.
Sendo uma mediação dialética com a dimensão histórico-social, pressupõe que não se
deve excluir as experiências individuais e nem gerais dos indivíduos, mas entender que os
fenômenos são socialmente produzidos. Ao abordar essas experiências, Fanon destaca que
a colonização é um dos fatores que atravessam os indivíduos politicamente, socialmente e
ideologicamente, afetando suas subjetividades e as noções de si e do Outro.
Para desenvolver esta concepção, ele se baseou na fenomenologia de Hegel, a fim de
compreender a relação entre o Eu e o Outro. Ao analisar a sociabilidade colonial, Fanon rea-
liza um desvio da teoria hegeliana, apontando que o racismo impossibilita que a “consciência
independente” se enxergue como componente da consciência do Outro, fazendo com que a

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“consciência dominada” não se torne uma “consciência-de-si-livre”3 (Faustino, 2022, p. 58).


Nessa direção, destaca que [...] a consciência de minha existência depende da interação e, so-
bretudo, do reconhecimento dos outros para comigo, pois é na relação com o Outro – como
exterioridade objetiva – que me faço e me percebo Eu. (Faustino, 2022, p. 52).
É a partir dessa noção que Fanon apontará que quem cria o negro é o branco. O branco
europeu, ao se destacar como modelo de humanidade, acaba por descartar todos os outros que
não se assemelham a ele, entendendo-os como menos humanos. O negro, desta forma, acaba
por tentar organizar seu corpo, sua língua e seu sistema simbólico dentro dos parâmetros dos
brancos, para que desta forma seja visto como humano. Fanon (2020) afirma que, para ter
uma “consciência independente”, o negro deve recusar a negrura, mas não sem antes matar o
branco que habita perturbadoramente dentro de si (Faustino, 2022, p. 87).
Ao abordar o desejo do negro em fugir das desgraças causadas por nascer negro,
Faustino (2022) aponta como Fanon descreve tal desejo e suas implicações. A via afetiva
é vista por Fanon como uma das diversas maneiras de embranquecimento. O desejo de
embranquecer a família se torna um objetivo atrelado à fuga do ódio que nos é passado há
gerações, nos fazendo apagar qualquer simbolismo, cultura ou valor que possa remeter à
nossa existência como um objeto indesejável, o Ser negro, sem entender que, mesmo que
este se autoflagele em busca da brancura, sempre será visto a partir do seu exterior. A ra-
cialização para Fanon é um “círculo vicioso”, já que aprisiona a todos, os brancos e negros,
dentro de suas próprias raças, causando uma espécie de “narcisismo castrado”, uma vez
que ambos deixam de se reconhecerem no Outro (Faustino, 2022, p. 81).
Ao retornar à noção de colonialidade, destacamos que, para Fanon, o colonialismo
não é apenas uma expressão poética ou epistemológica, mas uma estrutura social que deu
margem e bases para o surgimento da sociedade moderna. No colonialismo, o colonizado
é visto apenas como um meio para um fim, não como um ser com desejos, vontades, pen-
samentos, motivações. Caso o colonizado produza sentido para si, para as suas ações ou
para o mundo ao seu redor, estes seriam imediatamente apropriados por seu colonizador,
que se sente o dono deste objeto. Faz-se, assim, com que, segundo Fanon (2020) e Faus-
tino (2022), os escravizados/colonizados sejam reduzidos aos seus corpos.
A partir do dualismo cartesiano, Fanon (1951) aborda o humanismo burguês, ao
apontar que dentro dessa perspectiva o corpo deve ser comandado pela razão, e através
desta última seria possível expressar a humanidade. Essa humanidade só se realizaria atra-
vés da sua relação com a natureza. O negro, entendido como mero corpo, despossuído

3 Utilizando-se do existencialismo de Sartre, Fanon se baseia no conceito de “ser-em-si” e “ser-para-si”


para formular a zona do não ser, em que a liberdade seria resultado da falta de determinação. Esse con-
ceito é trabalhado por Faustino (2022) ao longo do segundo capítulo, o qual deve servir de referência
ao leitor mais dedicado.

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de razão, “escravo das pulsões naturais e primitivas”, é entendido como um “objeto das
relações sociais empreendidas por e entre brancos” (Faustino, 2022, p. 72).
Mais adiante, Faustino (2022) introduz um tema não muito discutido por Fanon,
o duplo narcisismo. O autor entende que essa discussão é iniciada por Fanon com base
na concepção de dupla consciência de Du Bois (1999), em que este apresentará dois as-
pectos importantes: o branco já é um ser racializado; por isso, perderá um pouco da sua
humanidade ao ter uma visão distorcida sobre este processo e, através do colonialismo,
com seu narcisismo acabará construindo um ideal de ego que o fará lutar para que tudo
se encaixe neste ideal. Uma das expressões desse movimento é o negro que, desistindo de
se humanizar, acabará por aceitar seu lugar de não ser, de sujo, de imundo (Fanon, 2020).
A solução, segundo Fanon (1951), seria descartar os termos negros e brancos e caminhar
para um novo humanismo, no qual sejam articuladas as demandas particulares e univer-
sais do ser, sem essa diferenciação racial.
Sobre o término do livro Pele negra, máscaras brancas em tom pessimista, Faustino
(2022) nos alerta sobre o período em que a obra foi escrita e sobre a falta de perspectiva
de luta coletiva em busca de uma reestruturação. Somente em 1956 é que o cenário muda.
Com o surgimento de movimentos para a libertação da Argélia das amarras coloniais, que
culminam na Guerra de Independência Argelina, movimento este que perdura por oito
anos, Fanon encontra uma forma de concretizar os diagnósticos que apontou em Pele
negra, máscaras brancas.
Durante esse tempo, Faustino (2022) nos descreve que Fanon busca na “práxis re-
volucionária” um critério que possa mostrar como se apresentam as relações, recíprocas e
distintas, de identidade no interior dos diversos movimentos sociais, políticos e culturais
da época (Faustino, 2022, p. 88-89). Esse movimento seria para Fanon a possibilidade de
o povo inferiorizado ascender, tornando-se homem e se libertando das amarras coloniais
– e o ponto de discordância do psiquiatra com Hegel4.
Durante os capítulos seguintes, Faustino (2022) abordará a recepção das ideias de
Fanon por diversos pensadores e concepções teórico-ideológicas. Ele fará um passeio pela
afrocentricidade, pelo marxismo, pelas ideias pós-coloniais, pela perspectiva créole, dentre
outros, para destacar como essas correntes de pensamento se apropriaram das ideias de Fa-
non. No Brasil, o autor se atentará para a relação do martinicano com Paulo Freire, Glauber
Rocha, Florestan Fernandes, Renato Ortiz e Octavio Ianni. De forma breve, apenas para
incitar o debate, ele falará sobre como as concepções fanonianas aparecem nos trabalhos do

4 Há diversas divergências entre Fanon e Hegel, mas vamos nos ater ao fato de que na concepção fa-
noniana o escravo só alcançaria a liberdade se enquadrando no ideal branco. Para o martinicano, a
dialética é o caminho para emancipação, não o trabalho. Seria apenas através da luta política que este
indivíduo coisificado conseguiria se enxergar como um agente ativo no processo histórico e, assim, se
tornaria um homem livre em todos os sentidos.

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Movimento Negro Unificado (MNU), de Lélia González, Márcio Barbosa, Mário Augusto
Medeiros da Silva, Neusa Santos Souza e Clóvis Moura. Essa parte ocupará grande parte do
livro, possuindo mais de 160 páginas, sendo de extrema importância para os estudiosos de
Frantz Fanon e para aqueles que querem ter um debate racializado e descolonizado.
Faustino (2022) consegue, desta forma, fazer um manual/guia sobre as variadas
versões de Fanon apresentadas pelas mais diversas concepções teóricas, sem deixar de
imprimir sua própria concepção. Como Fanon, o autor nos convida a nos despirmos das
concepções mal formuladas ou mal interpretadas dos pensamentos do martinicano e en-
xergar a concepção terceiro-mundista deste como uma possibilidade do novo.
Assim como Faustino (2022) expressa em seu livro, esta resenha não pretendeu dar
conta de todos os âmbitos e encruzilhadas presentes no texto. Nossa intenção era insti-
gar o leitor a procurar essa necessária obra e, por si, compreender todas as nuances que
o autor pretende apresente das concepções de Fanon e de seu acolhimento por outros
autores. O autor pontua que sua publicação pretende apenas “oferecer um mapa que
permita visualizar as diferentes tendências” (Faustino, 2022, p. 227) para fugir de análises
superficiais e arbitrárias, já que traz concepções conflitantes e diversas sobre o pensamento
fanoniano. Isso faz com que o texto de Faustino (2022) se torne ainda mais necessário.
Além de ser um texto atual, já que o pensamento e as problematizações de Fanon são
atuais e necessárias à época em que vivemos, temos que ter em mente que esse campo de
estudo se encontra, assim como o mundo, em constante descoberta, nos fazendo estar em
constante diálogo com obras como esta.

Contribuições dos/as autores/as: Não se aplica.

Agradecimentos: Não se aplica.

Agência financiadora: Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio
de Janeiro

Aprovação por Comitê de Ética: Não se aplica.

Conflito de interesses: Não se aplica.

Referências
FANON, F. Pele negra, máscaras brancas. São Paulo: Ubu Editora, 2020.
FAUSTINO, D. Frantz Fanon e as encruzilhadas: teoria, política e subjetividade. São Paulo:
Ubu Editora, 2022.

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