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GT 21 Educação e Relação Étnica Racial
AVANÇOS E RECUOS NAS PRÁTICAS CURRICULARES: ANÁLISE DAS
REFERÊNCIAS ESPONTÂNEAS, COMPULSÓRIAS E PEDAGÓGICASNA
EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS
Michele Guerreiro Ferreira (FAFICA/SEDUC-PE)
Janssen Felipe da Silva (CAA-UFPE/CE-UFPE)
INTRODUÇÃO
Este artigo apresenta parte dos resultados obtidos na pesquisa de Mestrado defendida
com êxito em 2013. O objetivo do presente trabalho é analisar as referências espontâneas,
compulsórias e pedagógicas que subsidiam as práticas curriculares do(a)s professore(a)s. Com
base nesses resultados consideramos os avanços e os recuos para a descolonização dos
currículos e a construção da Educação das Relações Étnico-Raciais.
A lente teórica adotada para desenvolver este trabalho baseia-se no Pensamento
Decolonial Latino-Americano (QUIJANO, 2005; GROSFOGUEL, 2010; MIGNOLO, 2008)
que nos ajuda a compreender as implicações da racionalidade eurocêntrica 1em relação à
construção sócio-histórica da raça e do racismo, do conhecimento cientifico moderno e de
seus efeitos sobre o currículo.
A Análise de Conteúdo (BARDIN, 2004; VALA, 1990) foi adotada com o objetivo
de,através da inferência, nos levara ultrapassar o limite da mera descrição, conduzindo-nos à
interpretação por meioda atribuição de sentidos dada às características do objeto que foram
criteriosamente levantadas e organizadas. Adotamos a Análise de Conteúdo Temática
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Segundo Santos, essa racionalidade é “totalitária na medida em que nega o caráter racional a todas as formas de
conhecimento que se não pautarem pelos seus princípios epistemológicos e pelas regras metodológicas” (1999,
p. 11).
(BARDIN, Ibid.), a qual se propõe a construir os núcleos ou indicadores de sentidos que
partem das categorias teóricas, ou seja, da abordagem teórica que precisamos nos apropriar
para fazer as inferências.
Organizamos o trabalho em três seções, além da presente introdução: a)
contextualização do campo empírico do estudo; b) análise das referências compulsórias,
espontâneas e pedagógicas presentes nas práticas curriculares do(a)s professore(a)s; c) e as
considerações finais que versam sobre os avanços e recuos em direção à descolonização dos
currículos escolares.
CONTEXTO DA PRODUÇÃO DO TEXTO – CONTEXTUALIZAÇÃO DO CAMPO
EMPÍRICO
Nesta seção, o objetivo é destacarmos as tensões que influenciaram mudanças na
política curricular brasileira no contexto de mobilizações dos Movimentos Sociais Negros,
demonstrando que a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana nos sistemas de ensino é resultado de uma ampla luta contra a herança colonial, uma
vez que combater o eurocentrismo dos currículos monoculturais significa mexer com sólidas
estruturas que escondem por trás do silenciamento das questões raciais, o racismo.
Para tanto, adotamos como lente teórica o Pensamento Decolonial Latino-Americano
(QUIJANO, 2005, 2007; GROSFOGUEL, 2010; MIGNOLO, 2008) que nos ajuda a
compreender os efeitos do colonialismo perpetuados através da colonialidade que é um
padrão de poder que interfere nas relações intersubjetivas e nas formas de valorização do
conhecimento e da divisão do trabalho, baseado em uma hierarquia racial inventada para
justificar a hegemonia branca eurocêntrica(QUIJANO, 2005). E nos ajuda a entender também
as lutas dos grupos subalternizados pela coexistência de diferentes formas de produção de
conhecimento, o que pode evidenciar a emancipação epistêmica (decolonialidade), em
detrimento da condição hegemônica que impera na sociedade brasileira sob os efeitos da
colonialidade.
É nesse sentido que a Lei nº 10.639/2003 “pode ser considerada um ponto de
chegada de uma luta histórica da população negra para se vir retratada com o mesmo valor
dos outros povos que para aqui vieram, e um ponto de partida para uma mudança social”
(BRASIL, 2008, p. 10). Ou seja, a Lei é um marco da luta dos movimentos negros em duas
dimensões: a primeira diz respeito a ser um marco de uma trajetória histórica de resistência e
de superação do racismo; a segunda representa um marco para a intensificação do combate ao
racismo nos currículos escolares em processos de descolonização dos pensamentos e das
práticas sociais.
A mobilização negra que conduziu a esse ponto de chegada/partidanão é algo
recente, principalmente se considerarmos as lutas e as formas de resistência encontradas por
esses atores desde o período colonial, no contexto do escravismo e nas lutas pela libertação.
Porém, é no final da década de 1970 que os movimentos sociais dirigem sua atenção
especificamente às questões de gênero e etnia, reivindicando o atendimento às suas
necessidades e ao reconhecimento de seus direitos para gozo pleno da cidadania; entre esses
direitos está o da educação das relações étnico-raciais.
As lutas dos Movimentos Negros no âmbito educacional que, no início do século
passado, se dirigiam a reivindicações pelo direito à educação passam às lutas por
desconstruir a perpetuação da desigualdade racial no sistema brasileiro de ensino.
Percebemos através das lentes teóricas adotadas que o posicionamento político
daquele(a)s que lutaram para ter garantido um espaço no arcabouço legal vigente em nosso
país a respeito da História e da Cultura de identidades que foram subalternizadas por séculos;
representa um esforço para romper com a obediência epistêmica, que é a forma como o
mundo moderno se constituiu pensando a partir dos padrões ditados pelo eurocentrismo.
Assim, o Texto Legal, ou seja, a Lei nº 10.639/2003 e suas Diretrizes Curriculares não se
restringem à condição de mero texto, mas tem rebatimento nas práticas e são estas que dão
materialidade às lutas pela decolonialidade. Para Mignolo (Ibid., p. 300),
sem o controle dos fundamentos epistêmicos da epistemologia afro e indígena,
ou seja, de teoria política e economia política, qualquer reivindicação do Estado
marxista ou liberal se limitará a oferecer liberdade e impedir que indígenas e
afros exerçam suas liberdades (Grifo nosso).
Ao considerar que as práticas curriculares do(a)s professore(a)s carregam os diversos
saberes adquiridos em inúmeras fontes e lugares (TARDIF, 2008), interessou-nos identificar o
que mobiliza o(a)s professore(a)s que foram sujeitos da nossa pesquisa de mestrado a
trabalhar com os conteúdos de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
O critério para a escolha dos sujeitos da referida pesquisa foi atuar como professor(a)
em pelo menos uma das três disciplinas citadas diretamente no Art. 26-A da LDB (Lei nº
9.394/96), ou seja, professore(a)s de Arte, Língua Portuguesa e História nas duas escolas que
foram selecionadas como campo da pesquisa.
Os sujeitos da pesquisa foram identificados como PHE1 (Professora de História da
Escola 01); PPE1 (Professora de Português da Escola 01); PHE2 (Professor de História da
Escola 02); PPE2 (Professor de Português da Escola 02) e PAE2 (Professora de Arte da
Escola 02). A Escola 01 estava sem professora de Arte no período da pesquisa.
O TRATO DA EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: AS
REFERÊNCIAS DO(A)S PROFESSORE(A)S
As práticas curriculares do(a)s professore(a)s demarcam um espaço onde acontecem
relações étnico-raciais estabelecidas dinamicamente de acordo com as ideias e os conceitos
que a classe como um todo (professore(a)s e aluno(a)s) tenha a respeito das diferenças e das
semelhanças e do seu próprio pertencimento étnico-racial constituído social, cultural,
histórica, ideológica e politicamente dentro e fora do universo escolar.
Tais ideias e conceitos podem estar pautados na colonialidade do poder(QUIJANO,
2005) e em detrimento dos conteúdos propostos pelas DCN a hierarquização nas relações
raciais pode estar implícita, ou não. Por isso, entendemos que as práticas curriculares do(a)s
professore(a)s vão estar profundamente influenciadas pelos saberes que adquirem ao longo da
vida, os quais são mobilizados em suas aulas.
Tal entendimento está alicerçado em Tardif (2008), que nos mostra que o(a)s
professore(a)s possuem um saber-fazer personalizado, uma vez que utilizam vários
conhecimentos advindos de diversas fontes para poder constituir seu trabalho docente, sua
prática.
Ao analisar os dados, identificamos que as referências do(a)s professore(a)s são de
três tipos, os quais estão subdivididos em dimensões específicas:
· ESPONTÂNEAS: Formação Familiar; Razões Pessoais; Decisão Política e
Formação Acadêmica;
· COMPULSÓRIAS: Ministério da Educação/Conselho Nacional de Educação
(MEC/CNE) e Secretaria Municipal de Educação, Esportes, Juventude, Ciência
e Tecnologia (SEEJCT);
· PEDAGÓGICAS: Livros Didáticos e Outras.
As Referências Espontâneas correspondem a duas das fontes de saberes do(a)s
professore(a)s apontadas por Tardif (2008): os saberes pessoais, que são adquiridos na
família, no ambiente de vida, na educação no sentido lato, essas fontes estão pautadas na
história de vida e na socialização primária (núcleo familiar); e os saberes provenientes da
formação profissional para o magistério, que são adquiridos nas escolas de formação de
professores, nos estágios, nos cursos de formação, entre outros. Tais referências foram
classificadas na pesquisa como: a) formação familiar, b) razões pessoais; c) decisão política e,
d) formação acadêmica.
Três professore(a)s apresentaram as Referências Espontâneas como estímulo para o
trabalho sobre a educação das relações étnico-raciais, embora os motivos sejam bem distintos
e a herança colonialesteja presente nas falas como podemos ver a seguir.
A Formação Familiar é apontada pela PPE1, que fala com forte convicção que a
fonte de sua motivação e dos saberes adquiridos para trabalhar com a educação das relações
étnico-raciais está nos valores adquiridos no seio de sua família, “A primeira base eu acho
que é a formação que eu tive em casa (...). Eu nunca vi o meu pai discriminar. Meu pai e
minha mãe, não! Eu aprendi que a gente tem que respeitar todo mundo” (PPE1).
A PAE2 aponta uma relação afetiva com uma pessoa negra como uma das fontes que
motivam o seu trabalho, o que caracterizamos como Razões Pessoais:
Porque eu digo todo dia na sala de aula: “pra mim não tem nem preto, nem branco,
nem rico, nem pobre”. Todos são iguais e eu amo do mesmo jeito. Do jeito que eu
dou um cheiro no preto, eu dou no branco, é a mesma coisa, entendeu? Pra mim, não
tem diferença. Eu mesmo sempre gostei de um neguinho, né? (a professora dá
uma gargalhada), eu fui apaixonada por um neguinho (diz rindo), mas eu, na
verdade não tenho preconceito (PAE2).
O modo como a professora se expressa deixa transparecer a colonialidade do ser, que
é um eixo da colonialidade, o qualatravés da inferiorização e subalternização, desumaniza o
outro, é ainda a negação sistemática do estatuto de humanidade do outro, como foi feito aos
africanos e indígenas. As diferenças identitárias e étnico-raciais se apresentam colocando em
xeque sua afirmação de que não tem preconceitos, na tensão entre a motivação para o trabalho
e a estereotipia ao se referir à pessoa negra a que ela diz ter sido apaixonada como
“neguinho”.
Outro dado que se revela na fala das duas professoras é a homogeneização, uma das
principais características da racionalidade eurocêntrica, a qual através da tentativa de mostrar
um tratamento universal, igual para todos, escamoteia a não problematização e o não
enfrentamento das questões raciais.
A colonialidade do sertambém é perceptível na fala do PHE2 quando o mesmo
afirma que sua principal motivação para o trabalho com tais conteúdos está na “simples
questão” (PHE2) dos preconceitos sofridos pela sua condição de negro, embora se identifique
como pardo, o que para esta pesquisa, assim como para o IBGE, representa a raça negra 2: “É
pela simples questão de mim mesmo. Eu não sou negro, mas eu tenho origem negra. Eu sou
pardo. Porém, eu já sofri preconceito de toda forma. Então, eu sinto na pele e eu sei que
isso é uma coisa construída” (PHE2).
A fala do professor revela duas questões importantes de ser analisadas: a primeira se
refere ao autopreconceito, que é o primeiro preconceito sofrido pelo professor, ao negar seu
pertencimento racial. A segunda questão refere-se à ambiguidade de sua afirmação, pois não
se identifica como negro, mas revela que trabalha os conteúdos “pela simples questão de mim
mesmo”, nessa hora o professor tende a reconhecer que é negro, mas volta atrás. Notamos a
forte influência da colonialidade do serque impede o professor reconhecer-se como negro,
apesar de na sua fala abordar sua “origem negra”, e os preconceitos sofridos pela condição de
ser negro, e na sua conclusão “eu sinto na pele”. Fanon (2008, p. 39. Grifo nosso) mostra que:
Todo povo colonizado — isto é, todo povo no seio do qual nasceu um complexo de
inferioridade devido ao sepultamento de sua originalidade cultural — toma posição
diante da linguagem da nação civilizadora, isto é, da cultura metropolitana. Quanto
mais assimilar os valores culturais da metrópole, mais o colonizado escapará da sua
selva. Quanto mais ele rejeitar sua negridão, seu mato, mais branco será.
Este mesmo professor afirma que o trabalho com estes conteúdos representa uma
Decisão Política de combate ao racismo, quando questionamos por que trabalhar com os
conteúdos de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana: “O combate ao racismo em si. A
possibilidade de o aluno conhecer o outro lado da História, digamos assim, o lado da História
do oprimido. O oprimido contando sua História” (PHE2).
A tensão com a colonialidadefica evidente quando o professor afirma que o oprimido
contando sua História é uma forma de combater o racismo, o qual ele mesmo se diz ter sido
vítima. Enquanto a colonialidade do sertenta distanciá-lo da condição de subalternizado, a
decolonialidadeo impulsiona a “contar a história do oprimido” para combater o racismo, um
das consequências da colonialidade. Quando o PHE2 diz ter sofrido “preconceito” (racismo) e
que o ensino dos conteúdos de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana é uma forma de o
oprimido contar sua história e combater o racismo; ao mesmo tempo em que não se assume
negro, coloca o racismo num campo abstrato, e não como algo concreto, vivido, inclusive por
ele mesmo.
Na mesma direção, segue as falas das professoras PPE1 e PAE2 que afirmam tratar
todos da mesma forma, respeitar todo mundo! São falas que embora queiram mostrar uma
2
Entendemos raça negra de acordo com a ressignificação política dada ao termo pelos Movimentos Negros.
valorização da diferença cultural presente na sociedade e na escola, mas que caem na vala
comum da homogeneização. Como consequência temos um currículo homogeneizador, o qual
seleciona apenas um recorte da cultura e aplica para todos, na realidade, hierarquizando e
negando as diferenças e as especificidades culturais presentes.
Em relação à Formação Acadêmica apenas a PHE1 destacou essa fonte como a
principal referência para o seu trabalho:
Eu estudei História da África na Universidade, eu fiz a disciplina História da
África, né. Então a impressão foi boa! Muito boa, por quê? Porque de repente você
abriu um leque: “olhe, minha gente, tem [ênfase] outros povos, tem [ênfase] outras
histórias, tem [ênfase] outras concepções de povos e de histórias. Então, a minha
motivação foi despertada na minha formação, na graduação com muitos
trabalhos. Eu conheci a História dos Reinos Africanos, que no livro não tinha ainda.
No livro só veio ter depois. E assim, você vai meio que é... fazendo uma série de
perguntas, né, Por que essa limitação? Por que o livro didático só traz essa visão
eurocêntrica? (PHE1).
Embora a fala da PHE1 revele tantas descobertas durante a sua formação acadêmica,
ela é a única que levanta esse elemento como preponderante, pois para o(a)s outro(a)s
professore(a)s os saberes que motivam suas práticas não vieram da sua formação acadêmica,
inclusive, este é um dado que consideramos relevante e que nossa pesquisa apontou. Quando
questionado(a)s sobre a educação das relações étnico-raciais foi abordada em sua formação,
durante a graduação, o(a)s professore(a)s respondem:
Não foi trabalhada, não (PPE1).
Eu nunca vi esses assuntos na minha formação (PAE2).
Na minha formação eu não tive tantas referências assim, não. Tive. Paguei uma
disciplina, mas assim não foi muito bom. (PHE2).
Na minha formação esse tema nunca foi abordado, não (PPE2).
Com exceção da PAE2, todo(a)s o(a)s professore(a)s concluíram sua formação
inicial após 2004, ou seja, ano em que as DCN (BRASIL, 2004b) orientam em seu artigo 1º, §
1º que “as instituições de Ensino Superior incluirão nos conteúdos de disciplinas e atividades
curriculares dos cursos que ministram a Educação das Relações Étnico-Raciais, bem como o
tratamento de questões e temáticas que dizem respeito aos afrodescendentes”. O que nós
percebemos, diante dos dados das entrevistas, é que apenas os cursos de Licenciatura em
História contemplaram tal orientação. Ressaltamos que os cursos de Licenciatura nas áreas de
Letras e Arte, que formam os profissionais que atuarão preferencialmentecom a educação
das relações étnico-raciais, bem como o curso de Pedagogia, que é o curso de dois sujeitos
desta pesquisa, não estão cumprindo satisfatoriamente a orientação legal, de acordo com os
dados levantados. Aqui, podemos perceber o efeito do veto ao Artigo 79-A da LDB, não é por
acaso que o mesmo refere-se à formação do(a)s professore(a)s.
Como vimos, a PHE1, em sua fala, destaca a desconstrução da herança
colonialpresente nos currículos monoculturais durante a sua formação, evidenciando a
importância da mesma. A ausência desse tema na formação acadêmica pode ser um dos
desafios à implementação da Lei nº 10.639/2003, mesmo após 11 anos de promulgação. O(a)s
professore(a)s das outras disciplinas, no entanto, vão buscar outras fontes e referências para o
seu trabalho, como podemos ver nas falas a seguir:
Eu busco mais nas formações continuadas (...), na continuidade da minha vida
profissional, eu procuro suprir a falta da formação inicial (PHE2).
Essa questão do Black English é que eu fiz um curso de inglês no CCAA e a
gente viu essa questão (PPE2).
Os dois professores mostram que para suprir a ausência da formação inicial, eles
buscam na continuidade do seu trabalho e nas formações continuadas encontrar elementos que
venham subsidiar suas práticas. Porém, PHE2 revela que a formação continuada promovida
pela Secretaria Municipal de Educação, Esportes, Juventude, Ciência e Tecnologia (SEEJCT)
apresenta fragilidades teóricas e metodológicas:
Na última formação que eu tive é... eles disseram que quando a gente trabalhar a
Idade Antiga, a gente também tem que trabalhar a Antiguidade Africana; a
Idade Média Europeia, eu também tenho que trabalhar simultaneamente a...
a... Idade Média Africana, digamos assim. Mas, assim, eu consigo muito isso
assim no 6º ano. Mas, por exemplo, o Reino dos Francos, ele não tem muita coisa ou
nada a ver com África, então não tem porque eu pegar e falar algo da África sobre
Carlos Magno, não é?
A primeira questão que salta aos nossos olhos é o eurocentrismoincitado na formação
continuada e o desconhecimento da organização social, política, histórica sobre o continente
africano. Para Grosfoguel (2010), esse é um efeito de uma “enredada estrutura de poder”, da
qual destacamos na fala do professor o fio da “hierarquia epistêmica que privilegia a
cosmologia e o conhecimento ocidentais relativamente ao conhecimento e às cosmologias
não-ocidentais, e institucionalizada no sistema universitário global” (Ibid., p. 464). Trabalhar
a História e a Cultura Africana não significa absolutamente transpor os discursos criados pela
própria Europa para o resto do mundo. A fala do professor revela o desconhecimento teórico
por parte do formador das próprias DCN (BRASIL, 2004a/b) para o ensino de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana e para a Educação das Relações Étnico-Raciais.
O professor mostra ainda como ele se coloca como sujeito diante de tal orientação ao
questionar como articular questões que não se relacionam, mostrando que não segue a
orientação quando acredita ser inviável tal articulação, além disso o mesmo professor afirma
que: “Eu assumo que eu não conheço o suficiente pra ter assim aquela segurança de... de
trabalhar História e Cultura Afro-brasileira, mas eu faço o meu melhor. O que eu posso, eu
faço” (PHE2).
Quando classificamos esse eixo como Referências Espontâneas estávamos nos
referindo à condição de estas estarem baseadas em questões que não expressassem uma
referência coercitiva para a prática curricular do(a)s professore(a)s, como de fato, não são.
Mas a análise das falas do(a)s professore(a)s nos revelam indícios de que as práticas
curriculares acabam por assumir um caráter espontaneísta devido à forte presença da
colonialidade. Esta se expressa de quatro formas: a) na homogeneização; b) na negação da
própria identidade racial por parte do professor; c) na falta de subsídios durante a formação
inicial; d) na presença do eurocentrismo e nas fragilidades teórico-metodológicas da formação
continuada ministrada pela SEEJCT.
Em relação às referências do tipo Compulsórias, que de acordo com Tardif (2008),
corresponde aos saberes curriculares, ou seja, aqueles ligados aos “discursos, objetivos,
conteúdos e métodos a partir dos quais a instituição escolar categoriza e apresenta os saberes
sociais por ela definidos e selecionados como modelos da cultura erudita e de formação para a
cultura erudita” (Ibid., p. 38). Correspondem assim, às determinações legais que no âmbito
global representa as políticas curriculares. Dessa forma, identificamos duas fontes para estas
referências: a) o MEC/CNE, materializado na Legislação Nacional e, b) a SEEJCT,
materializada na distribuição de Livros Didáticos sobre o tema e no acompanhamento pela
sua equipe técnica.
As citadas referências representam para o(a)s professore(a)s entrevistado(a)s
importantes motivações para a desacomodação e uma forma de incitar o trabalho com um
assunto que tem sido invisibilizado, destacando principalmente a Legislação Nacional.
Vejamos:
Se não existisse a obrigatoriedade, os professores não procurariam nem as
referências, vamos dizer, mais básicas (PHE1).
Eu acho importante porque obriga todo mundo a falar desse assunto (PAE2).
Muitos professores também têm essa resistência, assim em buscar conhecimentos
é... de História e Cultura Afro-brasileira e, consequentemente, se não for obrigado,
ele não vai se interessar e fica por isso mesmo porque o brasileiro em si tem uma
essência acomodada, entendeu? (PHE2).
Percebemos que o(a)s professore(a)s recepcionaram de forma positiva tal referência
compulsória, tanto que não se incluem nas falas sobre a acomodação em buscar “referências
básicas”. Acreditam ser importante a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-
Brasileira e Africana para pressionar mudanças nas relações raciais.
O mesmo acontece com a outra fonte compulsória, a SEEJCT, por meio da
distribuição de Livros Didáticos específicos para o trabalho com a educação das relações
étnico-raciais. A SEEJCT enviou para todas as escolas da rede uma coleção de livros para
estimular o trabalho sobre educação das relações étnico-raciais, este trabalho era
acompanhado pela equipe técnica da Secretaria que se reportava ao setor de Projetos e
Programas. Para o(a)s dois professore(a)s que mencionaram tal fonte, esta representa uma
forma de motivar o trabalho com o tema:
O material “A África está em nós”, ele foi distribuído em todas as escolas da rede do
município. Eu acredito que todo professor de História recebeu. Tem algumas
críticas, né, porque dizem que o conteúdo é muito básico. É, o conteúdo ficou muito
nos clichês, mas já é uma contribuição, porque nem o clichê tinha, né verdade? Nem
isso tinha (PHE1).
Embora a professora PHE1 aponte certa limitação da obra adotada pela SEEJCT,
ressalta que é uma importante contribuição e o professor PPE2 ainda nos mostra que:
Eu vou te confessar, na verdade, que assim esse assunto só era abordado se
realmente acontecesse alguma situação na sala de aula, ou quando eu via algum
grupo de alunos falando assim, às vezes, até um com preconceito com o outro, mas
depois desse trabalho aqui na escola é que eu fiquei mais motivado a trabalhar essas
questões (PPE2).
Ainda no tocante às referências para o trabalho com a educação das relações étnico-
raciais, identificamos que o(a)s professore(a)s também mobilizam os saberes provenientes
dos programas e dos livros didáticos usados no trabalho, aqueles que são adquiridos por
meio da utilização das “ferramentas” do(a)s professore(a)s, tais como os programas de ensino,
os livros didáticos, entre outros (TARDIF, 2008). Chamamos este tipo de referências de
Pedagógicas e caracterizamos esta fonte como a) Livros Didáticos que são de dois tipos: o
Livro “A África está em nós”3; e o livro didático adotado pela escola e, b) Outras, que são de
cinco tipos: periódicos, paradidáticos, TV, internet e acervo pessoal.
3
Coleção de livros adotados pela SEEJCT, do autor Roberto Benjamim (João Pessoa: Editora Grafset, 2006) para
o trabalho da educação das relações étnico-raciais nas escolas da rede.
Em relação ao uso das referências Pedagógicas todo(a)s o(a)s professore(a)s citaram
o Livro Didático “A África está em nós”, como uma das principais referências
desencadeadoras do trabalho sobre a educação das relações étnico-raciais. Como falamos, a
SEEJCT distribuiu para todas as escolas da rede, kits “A África está em nós”, com o intuito
de subsidiar o(a)s professore(a)s a trabalharem os conteúdos de História e Cultura Afro-
Brasileira e Africana. Além da distribuição, de acordo com o técnico da SEEJCT, o
acompanhamento era feito através de visitas às escolas realizadas pelas supervisoras regionais
(que fazem o acompanhamento sistemático das escolas), as quais olhavam os diários de classe
do(a)s professore(a)s para identificar se o trabalho estava sendo realizado. Houve também
formações continuadas sobre o tema. Assim, as escolas eram estimuladas a desenvolver
projetos pedagógicos sobre os temas abordados nos kits de livros didáticos.
De acordo com a fala do(a)s professore(a)s, identificamos uma maior organicidade
na escola E2; nesta escola, todo(a)s o(a)s professore(a)s receberam o livro didático proposto
pela SEEJCT e, tomando esse referencial, engajaram-se num trabalho coletivo para produção
de outros materiais pedagógicos para o seu trabalho. Vejamos:
Nós é que produzimos nosso material. [a supervisora] fez uma reunião com a gente e
a gente trabalhou com ela. A questão do projeto, como cada professor dentro da sua
disciplina deveria proceder, entendeu? (PAE2).
A gente fazia as sequências didáticas com materiais que a gente mesmo pesquisava,
cada professor dava sua contribuição. Nós que elaboramos o projeto, por isso que a
única escola da rede que produziu um filme foi a nossa (PPE2).
O resultado desse esforço coletivo, como o PPE2 destaca, foi um filme 4 produzido
pela escola em 2011. Este trabalho foi desenvolvido com professore(a)s, aluno(a)s e pessoas
da comunidade:
Ia ser um “curta” de vinte minutos e acabou quase virando um filme com cinquenta
minutos! Nesse filme, a gente trabalhou o problema das relações étnico-raciais,
trabalhamos a questão do trabalho da criança, né, o trabalho infantil. A gente
aproveitou um tema bem vasto. Aquele filme abriu muitos questionamentos (PPE2).
Na escola E1, além de estar sem professor(a) de Arte, não houve um repasse do
material proposto pela SEEJCT para todo(a)s o(a)s professore(a)s, como afirma a PPE1: “não
4
O foco do filme era o racismo institucional praticado pela gestora da escola contra um professor negro, mas
abordava também a questão do trabalho infantil. O filme foi distribuído para toda a comunidade em um evento
realizado no ano de 2012 na praça em frente à escola, numa noite de sábado. Neste evento, a escola pretendia
mostrar para a comunidade quais os trabalhos que desenvolveram com o(a)s aluno(a)s em relação às expressões
artísticas.
recebi. Nem mesmo o livro “A África está em nós”, não foi para o professor de língua
portuguesa, então eu não recebi. Algumas vezes eu pegava, né, dos alunos para ler” (PPE1).
Cabe destacar dois aspectos: o primeiro é a curiosidade da PPE1 que a leva a pegar
os livros do(a)s aluno(a)s para tomar conhecimento sobre o tema, uma vez que os livros
vieram da SEEJCT direcionados ao(à)s professore(a)s de História. O segundo aspecto é que
mesmo com esse direcionamento (de direcionar os livros apenas para o(a)s professore(a)s de
História), a E2 socializa o material com todo(a)s os professore(a)s para que tenham subsídios
para desenvolver um trabalho de educação das relações étnico-raciais. Tanto a curiosidade
quanto a socialização do material com todo(a)s o(a)s professore(a)s indicam que as práticas
curriculares desse(a)s professore(a)s questionam a concepção fragmentada do conhecimento e
sua lógica disciplinar, e os fazem partir do livro de História para subsidiar seu trabalho nas
outras áreas.
Em relação ao livro didático adotado pela escola, apenas o(a)s professore(a)s de
História (PHE1 e PHE2) afirmam utilizá-lo para o seu trabalho sobre a educação das relações
étnico-raciais, o que não acontece com o(a)s demais professore(a)s, pois alegam que os livros
didáticos de suas disciplinas não trazem elementos para este trabalho. Vejamos:
Eu uso o próprio livro didático, né. O livro didático está tentando incluir [os
conteúdos de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana] seguindo uma linha
cronológica, tá entendendo? Mas pelo menos, né? Já é alguma coisa (PHE1).
Nos livros de português? [os conteúdos de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana] não estão, não. Não aborda esses assuntos, não (PPE2).
Notamos que no caso do trabalho com os conteúdos de História e Cultura Afro-
Brasileira e Africana, o livro didático não é a principal referência de conhecimentos para o
ensino. Para o(a)s professore(a)s entrevistado(a)s, tal fonte, apesar de sua importância, não
responde às necessidades. A professora PHE1 expõe seu ponto de vista sobre o silenciamento
desses conteúdos nos livros didáticos: “o grande problema começa pelo currículo. Porque se
você pensar assim, os outros conteúdos já estão bem mais estruturados, sejam positivistas,
marxistas, né. Seja o que for, mas eles já estão mais estruturados no livro didático. E os da
África, não” (PHE1).
A fala da professora mostra que os conteúdos de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana ainda não estão estruturados nos livros didáticos, continuam de certa forma, sendo
silenciados. Ou a forma como estão apresentados, por não obedecer aos padrões estabelecidos
hegemonicamente enquadrando-se nos paradigmas “positivistas, marxistas” etc., não chega a
ser percebida pelo(a)s professore(a)s. Cabe registrar que a ausência ou a falta de estruturação
daqueles conteúdos nos livros adotados pela escola, referem-se aos livros que integram a
política nacional do livro didático.
É nesse sentido que o(a)s professore(a)s vão buscar em fontes Outras, referências
pedagógicas para seu trabalho. E nas referências alternativas as fontes Outras são as mais
diversas: a) livros paradidáticos; b) revistas; c) TV; d) internet e, e) acervo pessoal,
constituído por livros adquiridos pelo(a)s próprio(a)s professores, apostilas da sua formação
acadêmica etc.
A PPE1 supre a falta dos conteúdos nos livros didáticos de Português, trabalhando
com livros paradidáticos que encontra na biblioteca da escola: “A gente trabalha com os
gêneros literários. Eles pegam livros na biblioteca, por exemplo, um que falava da história de
uma adolescente que era negra, que sofria bullyingna escola, chamou muito a atenção”
(PPE1).
A PAE2 que deveria trabalhar os conteúdos de Cultura Afro-Brasileira e Africana na
disciplina de Arte afirma que não trabalha com suas turmas este tema em Arte, mas na
disciplina de Religião:
Veja bem, veja bem, por incrível que pareça em Artes eu não trabalho, nunca
trabalhei essa questão, não. Afro, não. Porque, porque... E pode até acontecer, eu
nunca observei porque as artes que eu trabalho, geralmente eu faço com eles é
reciclando, entendesse? Eu tô sempre na reciclagem disco de vinil, garrafa, tudo o
que a gente pega a gente vai reciclando... Agora quando chega em Religião... e eu
já participei de um congresso do que era com o FURNAPE, foram três semestres
cada semestre tinha oito dias de congresso, então nisso aí, foi que já que eu já
gostava da estória aí teve que assim, o que eu aprendi, o que eu vi no congresso aí eu
trouxe para dentro da sala de aula, entendeu? Aí eu tô sempre pesquisando. Veja o
caso dessa novela mesmo. Eu sempre converso com eles na sala de aula. Eu
aproveito a aula de Artes, assim, em Artes é muito difícil, mas em Religião eu tô
sempre trabalhando as questões afro. Sempre, sempre. (PAE2).
E como não tem livro didático busca suporte em revistas:
Pesquisadora (P): Esses componentes curriculares estão presentes nos livros que a
senhora trabalha aqui na escola?
PAE2: Não. Livro de Artes? Não, não tenho. Mas em Religião, em Religião tem.
Aborda muito essa questão, as revistas que eu trabalho com elas, que eu tenho
assinatura.
P: Então a senhora trabalha religião com base no livro didático ou na revista que a
senhora assina?
PAE2: Nas revistas. Elas são trimestrais. Eu recebo em casa.
P: Que revista é?
PAE2: Vida Cristã, que é das Edições Paulinas. Se você vier aqui amanhã eu posso
trazer as revistas pra você olhar, ela é trimestral aí de três em três meses ela vem,
mas eu trabalho dois meses com ela. Ela pra mim, eu trabalho dois meses, entendeu?
Pronto agora mesmo eu terminei o conteúdo que falava sobre isso aí, sobre as
questões étnico-raciais, trabalhei com eles.
A professora busca trabalhar os conteúdos de Cultura Afro-Brasileira e Africana,
apesar de não dispor de materiais na escola, ela aproveita que trabalha outras disciplinas com
as turmas e tenta abordar os conteúdos. Identificamos em sua fala marcas que expressam a
colonialidade, seja pela falta de subsídios oficiais para o seu trabalho, seja pelo referencial
adotado. Embora não nos detivemos na análise dos conteúdos expressos nos livros didáticos
nem na revista utilizada, há indícios de que o material adotado talvez estimule apenas a
tolerância em relação à cultura afro-brasileira e africana. O fato de a referência para o trabalho
não ser as religiões afro por si, mas a cristã que não deixa de ser um elemento da
herançacolonialnos currículos, vai repercutir nas práticas curriculares da professora. A
professora afirma ainda que busca referências na TV: “a gente tem uma novela agora “Lado-
a-Lado” que tá passando agora nesse horário de seis horas da tarde, que eu assisto,
justamente, por isso, pra eu ver” (PAE2).
Como alternativa à falta dos conteúdos nos livros didáticos, o PPE2 afirma que
recorre à Internet: “Eu na verdade vou buscar na internet, eu até elaborei uma apostilazinha,
né. Não foi nem uma apostila, foi uma biografia com umas quatro folhas, aí pronto. Distribuí
com os alunos, né” (PPE2).
A PHE1 que tem o subsídio do livro didático também organiza seu trabalho
buscando articular seu acervo pessoal com os livros adotados na escola:
Aí eu adoto os meus materiais da Universidade, o livro didático, o “A África está em
nós” e esse, que também é um didático, Mariana de Melo e Sousa a autora, é da
editora Ática que eu comprei porque é muito bom esse livro, deveria ter sido
adotado na rede (PHE1).
A articulação entre as diversas referências pedagógicas aparece nas falas de todo(a)s
o(a)s professore(a)s, tanto como uma forma de suprir o que falta nos materiais oficiais, como
para ampliar as possibilidades de trabalho.
CONSIDERAÇÕES
No Brasil, a atuação dos Movimentos Sociais Negros foi determinante para a
revelação de que o racismo regula(va) as relações sociais existentes nas bases da sociedade.
As mobilizações sociais foram decisivas para formalmente o país assumir que é afetado pelo
racismo.
A promulgação da Lei nº 10.639/03 é resultado advindo de dois séculos de lutas
protagonizadas pelos sujeitos que resistiram à colonização e continuam lutando pela
decolonialidade, o que nos permite afirmar que o ritmo de promoção de equidade neste campo
ainda está lento. Apesar do ritmo lento, consideramos que tal dispositivo materializa enquanto
proposta uma cosmovisão outra, direcionada para a de(s)colonização dos currículos escolares
que ainda encontram-se referenciados numa epistemologia eurocêntrica, o que em alguns
casos revela-se em racismo epistêmico(SILVA; FERREIRA; SILVA, 2013).
Percebemos nas políticas e nas práticas curriculares que em alguns momentos a
colonialidade é enfrentada, principalmenteao combater o silêncio imposto historicamente aos
povos subalternizados e às suas diferenças, principalmente manifestadas nas suas culturas e
histórias. Por isso, as políticas e práticas curriculares, em boa medida, carregam elementos
que questionam fundamentos do padrão hegemônico de poder.
Em outros momentos, no entanto, notamos muitas vezes as marcas da colonialidade
devido aos limites impostos à materialização da Lei, tais como: a falta de formação específica
que trate da educação das relações étnico-raciais para o(a)s professore(a)s; a ausência de
conteúdos específicos nos livros didáticos. Embora o(a)s professore(a)s sejam os grandes
protagonistas da implementação da referida política, o fato de selecionarem estes ou aqueles
conteúdos não representa necessariamente que o enfrentamento ao racismo e à discriminação
estejam garantidos.
REFERÊNCIAS
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História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.
BRASIL. CNE/CP. Resolução nº 1, de 17 de Março de 2004b. Institui as Diretrizes
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