Malcolm X - Não É Apenas Um Problema Americano, Mas Um Problema Mundial (1965)
Malcolm X - Não É Apenas Um Problema Americano, Mas Um Problema Mundial (1965)
MALCOLM X:
Não é Apenas um Problema Americano,
mas um Problema Mundial (1965)
2ª edição
Discurso
Malcolm X:
“Não é Apenas um Problema Americano,
mas um Problema Mundial”
Igreja Metodista Colina de Milho, Rochester, Nova York. 16 de fevereiro de 1965.
Tradução livre:
Rafael dos Santos de Araujo
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O discurso — é claro — foi implacável e incendiário. De maneira didática,
Malcolm fala sobre como racismo e os problemas enfrentados pelos afro-
americanos não era uma condição exclusiva dos Estados Unidos, mas estava
intrinsecamente ligado a estruturas coloniais e imperialistas. Ele enfatiza que a
luta por igualdade e justiça faz parte de um movimento mundial contra a
opressão dos povos não-brancos que foram colonizados no passado e no
presente. Ao afirmar que a questão de direitos civis americana era na verdade
uma luta pelo reconhecimento de direitos humanos, Malcolm buscava ampliar
a irmandade internacional entre os povos não brancos para pressionar por
mudanças e condenar os Estados Unidos por crimes contra a humanidade.
Malcolm também denunciou o papel da mídia em manipular a opinião
pública, o que ele chamou de “linguagem das imagens”. A imprensa distorce os
fatos ao retratar os pretos que respondem ao racismo como violentos, enquanto
ignora ou relativiza a violência de grupos segregacionistas. O papel da imprensa
é descrito por ele como uma ferramenta fundamental no controle de narrativas,
fazendo as vítimas parecerem os criminosos e os criminosos parecerem as
vítimas. Ele afirma que a imprensa serve aos interesses do sistema, ajudando a
manter a imagem negativa dos movimentos de libertação e marginalizando suas
lideranças, enquanto cria uma imagem aceitável de forças coloniais e
imperialistas que bombardeiam mulheres e crianças em países da África e da
Ásia.
Apenas 5 dias após esse discurso, Malcolm foi assassinado com 16 tiros
enquanto discursava no Harlem.
Rafael
20 de maio de 2025
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Não é Apenas um Problema Americano, mas um
Problema Mundial (1965)
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E vocês deveriam se perguntar por que um país como a França se preocupa
tanto com um pequeno e insignificante Negro americano que o proibiu de ir para
lá, quando praticamente qualquer um pode ir para aquele país quando quiser. E
é principalmente porque os 3 países têm os mesmos problemas. E o problema é
este: que no hemisfério ocidental, vocês e eu não percebemos, mas não somos
exatamente uma minoria nesta Terra. Há pessoas no Brasil, dois terços das
pessoas no Brasil são pessoas de pele escura, iguais vocês e eu. Eles são um povo
de origem africana, ancestralidade africana e raízes africanas. E não apenas no
Brasil, mas em toda a América Latina, Caribe, Estados Unidos e Canadá, você
tem pessoas que são de origem africana.
Muitos de nós nos enganamos pensando em afro-americanos como
aqueles que estão aqui nos Estados Unidos. A América é América do Norte,
América Central e América do Sul. Qualquer pessoa de ascendência africana na
América do Sul é um afro-americano. Qualquer pessoa na América Central de
sangue africano é um afro-americano. Qualquer pessoa aqui na América do
Norte, incluindo o Canadá, é um afro-americano se tiver ascendência africana.
Mesmo no Caribe, é um afro-americano. Então, quando falo afro-americano,
não estou falando apenas dos 22 milhões de nós que estamos aqui nos Estados
Unidos. Mas o afro-americano é aquele grande número de pessoas no
Hemisfério Ocidental, do extremo sul da América do Sul ao extremo norte da
América do Norte, todos tem uma herança em comum e uma origem em comum
quando você volta às raízes dessas pessoas.
Agora, há 4 esferas de influência no Hemisfério Ocidental, no que diz
respeito aos pretos. Há a influência espanhola, que significa que a Espanha
colonizou anteriormente uma determinada área do Hemisfério Ocidental. Há a
esfera de influência francesa, que significa a área que ela colonizou
anteriormente. A área que os britânicos colonizaram anteriormente e, então,
aqueles de nós que estamos nos Estados Unidos.
A área que foi colonizada pelos espanhóis é comumente chamada de
América Latina. Eles têm muitas pessoas de pele escura lá, de ascendência
africana. A área que os franceses colonizaram aqui no Hemisfério Ocidental é
amplamente chamada de Índias Ocidentais Francesas. E a área que os britânicos
colonizaram são aquelas que são comumente chamadas de Índias Ocidentais
Britânicas, e também Canadá. E, novamente, há os Estados Unidos. Então,
temos essas 4 classificações diferentes de pessoas pretas, ou pessoas não
brancas, aqui no Hemisfério Ocidental. Por causa da economia pobre da
Espanha, e porque ela deixou de ser uma influência no cenário mundial como
era antes, muitas pessoas de pele preta da esfera de influência espanhola não
migram para a Espanha. Mas por causa do alto padrão de vida na França e na
Inglaterra, você descobre que muitos pretos das Índias Ocidentais Britânicas
estão migrando para a Grã-Bretanha, muitos pretos das Índias Ocidentais
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Francesas migram para a França. E, então, vocês e eu que já estamos aqui [nos
Estados Unidos].
Então, isso significa que os 3 principais aliados, Estados Unidos, Grã-
Bretanha e França, têm um problema hoje que é um problema em comum. Mas
vocês e eu nunca recebemos informações suficientes para perceber que eles têm
um problema em comum. E esse problema em comum é o novo clima que reflete
na divisão geral do povo preto dentro da França continental, dentro da mesma
esfera da Inglaterra e também aqui nos Estados Unidos. Então, esse clima tem
mudado no mesmo grau que o clima no continente africano tem mudado.
Quando você vê a Revolução Africana acontecendo, e por Revolução Africana
quero dizer o surgimento de nações africanas rumo à independência, algo que
vem acontecendo nos últimos 10 ou 12 anos, isso afetou completamente o clima
do povo preto no Hemisfério Ocidental. Tanto que quando eles migram para a
Inglaterra, eles representam um problema para os ingleses. E quando eles
migram para a França, eles representam um problema para os franceses. E
quando eles, que já estão aqui nos Estados Unidos, mas quando eles despertam,
esse mesmo clima é refletido nos pretos dos Estados Unidos, então, isso
representa um problema para o homem branco aqui na América.
Vocês pensaram que o problema do homem branco na América fosse
único? A França está tendo o mesmo problema. A Grã-Bretanha está tendo o
mesmo problema. Mas a única diferença entre o problema na França, na Grã-
Bretanha e aqui, é que houve muitos líderes Negros que surgiram aqui no
Hemisfério Ocidental, nos Estados Unidos, que criaram um tipo de militância
que assustou muito os brancos americanos. Mas isso esteve ausente na França e
na Inglaterra. E foi só recentemente que a comunidade Negra americana e a
comunidade britânica das Índias Ocidentais, junto com a comunidade africana
na França, começaram a se organizar entre si, e isso está assustando a França
até a morte. E a mesma coisa está acontecendo na Inglaterra. Até recentemente,
estavam completamente desorganizados. Mas recentemente, os indianos
ocidentais na Inglaterra, junto com a comunidade africana na Inglaterra, junto
com os asiáticos na Inglaterra, começaram a se organizar e trabalhar em
coordenação uns com os outros, em conjunto uns com os outros. E isso colocou
a Inglaterra em um problema muito sério.
Então, eu tive que dar a vocês esse contexto, para que vocês entendessem
alguns dos problemas atuais que estão se desenvolvendo aqui nesta Terra. E em
nenhum momento vocês podem entender os problemas entre pessoas pretas e
brancas aqui em Rochester ou pessoas pretas e brancas no Mississippi ou
pessoas pretas e brancas na Califórnia, a menos que vocês entendam que hoje o
problema básico que existe entre pessoas pretas e brancas não está confinado
em nível local, mas está confinado em nível internacional, global, nesta Terra.
Quando vocês enxergarem isso nesse contexto, vocês entenderão. Mas se vocês
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apenas tentarem enxergar isso no contexto local, vocês nunca entenderão. Vocês
precisam ver a tendência que está ocorrendo nesta Terra. E meu propósito em
vir aqui esta noite é tentar dar a vocês uma compreensão de tudo isso tão
atualizada quanto for possível.
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sobre o problema racial. Então, elas ficam cegas como um morcego e querem
que você concorde com o que elas sabem ser o exato oposto da verdade.
Então, o que eu preferiria que tentássemos fazer é sermos bem informais,
onde possamos relaxar e manter a mente aberta, e tentar formar um padrão ou
um hábito de ver por conta própria, ouvir por conta própria, pensar por conta
própria e, então, poderemos chegar a um julgamento inteligente por conta
própria.
Para esclarecer minha própria posição, como fiz mais cedo [quando
discursei] em Colgate, sou muçulmano, o que significa apenas que minha
religião é o islã. Acredito em Deus, o Ser Supremo, o Criador do Universo. Esta
é uma forma muito simples de religião, fácil de entender. Acredito em um Deus
único. E é melhor assim. Acredito em um Deus único e acredito que esse Deus
tem uma religião única e sempre terá. E que esse Deus ensinou a todos os
profetas essa mesma religião. Então, não há discussão sobre quem foi o maior
ou quem foi o melhor: Moisés, Jesus, Maomé ou alguns dos outros. Todos eles
foram profetas que vieram de um Deus único. Eles tinham uma doutrina única,
e essa doutrina foi projetada para trazer esclarecimento a humanidade, para que
toda a humanidade visse que somos todos iguais e tivéssemos algum tipo de
fraternidade que fosse praticada aqui nesta Terra. É nisso que eu acredito.
Acredito na irmandade entre a humanidade. Mas apesar do fato de que
acredito na irmandade entre a humanidade, tenho que ser realista e perceber
que aqui na América estamos em uma sociedade que não pratica a irmandade.
Ela não pratica o que prega. Ela prega a irmandade, mas não pratica a
irmandade. E porque esta sociedade não pratica a irmandade, aqueles de nós
que somos muçulmanos, aqueles de nós que deixaram o Movimento
Muçulmano Preto e se reagruparam como muçulmanos, em um movimento
baseado no islamismo ortodoxo, acreditamos na fraternidade do islã.
Mas também percebemos que o problema que os pretos enfrentam neste
país é tão complexo, tão profundo e está aqui há tanto tempo sem solução, que
é absolutamente necessário que formemos outra organização. O que fizemos é
uma organização não religiosa conhecida como a Organização de Unidade Afro-
Americana, e é tão bem organizada estruturalmente que permite a participação
ativa de qualquer afro-americano, qualquer preto americano, em um programa
que é projetado para eliminar os males políticos, econômicos e sociais negativos
que nosso povo enfrenta nesta sociedade. E nós temos isso estabelecido porque
percebemos que temos que lutar contra os males de uma sociedade que falhou
em produzir fraternidade para todos os membros dessa sociedade.
Isso não significa de forma alguma que somos “antibranco”, “antiazul”,
“antiverde” ou “antiamarelo”. Somos contra o que é errado. Somos contra a
discriminação. Somos contra a segregação. Somos contra qualquer um que
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queira praticar alguma forma de segregação ou discriminação contra nós porque
não somos de uma cor que seja aceitável para você…
Não julgamos pela cor da pele. Não te julgamos por ser branco, não te
julgamos por ser preto e não te julgamos por ser marrom. Te julgamos pelo que
você faz e pratica. E enquanto você pratica o mal, estaremos contra você. E para
nós, a pior forma de mal é o mal que se baseia em julgar pela cor da pele. E acho
que ninguém aqui possa negar que vivemos em uma sociedade que
simplesmente não te julga de acordo com seus talentos, de acordo com seus
conhecimentos, de acordo com suas possibilidades, histórico escolar ou falta de
formação acadêmica. Esta sociedade te julga somente pela cor da sua pele. Se
você for branco, você pode seguir em frente, e se você for preto, você tem que
lutar para seguir em frente a cada passo do caminho, e mesmo assim não avança.
Vivemos em uma sociedade que é em grande parte controlada por pessoas
que acreditam na segregação. Vivemos em uma sociedade que é em grande parte
controlada por pessoas racistas e praticam segregação, discriminação e racismo.
Acreditamos nisso e eu digo que [a sociedade] é controlada, não pelos brancos
bem-intencionados, mas pelos segregacionistas e racistas. E vocês podem ver
pelo padrão que essa sociedade segue em todo o mundo. Agora mesmo, na Ásia,
tem o exército americano jogando bombas em pessoas de pele escura. É como
se fosse justificável estar tão longe de casa jogando bombas em outras pessoas.
Se fosse vizinho, eu veria, mas não dá para você ir tão longe, para outro país,
jogar bombas em alguém e achar que isso é justificável. Não para mim.
Isso é racismo. Racismo praticado pelos Estados Unidos. Racismo que
envolve uma guerra contra os povos de pele escura na Ásia, outra forma de
racismo envolvendo uma guerra contra os povos de pele escura no Congo, assim
como envolve uma guerra contra os povos de pele escura no Mississippi,
Alabama, Geórgia e Rochester, Nova York. Portanto, não somos contra as
pessoas porque elas são brancas. Mas somos contra aqueles que praticam
racismo. Somos contra aqueles que jogam bombas em um povo porque eles têm
a cor de pele em um tom diferente. E porque nos opomos a isso, a imprensa diz
que somos violentos. Não apoiamos a violência, nós apoiamos a paz. Mas as
pessoas contra as quais estamos lutando apoiam a violência. Então, não
podemos ser pacíficos com eles. Eles nos acusam daquilo de que eles próprios
são culpados. É isso que o criminoso sempre faz. Eles vão te bombardear, depois
acusá-lo de bombardear a si mesmo. Vão esmagar seu crânio e depois acusá-lo
de atacar primeiro. É isso que os racistas sempre fizeram de criminoso. Eles têm
processos criminais desenvolvidos em ciência A prática deles é uma ação
criminosa. E depois usarão a imprensa para fazer parecer que a vítima é o
criminoso e o criminoso está sendo a vítima. É assim que eles fazem.
E vocês aqui em Rochester provavelmente sabem mais sobre isso do que
qualquer outra pessoa em qualquer outro lugar. Aqui está um exemplo de como
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eles fazem. Eles usam a imprensa e, através dela, derrotam o sistema, ou por
meio do público branco, porque o público branco está dividido. Alguns têm boas
intenções, outros não. Alguns são bem-intencionados, outros não. Isso é
verdade. Há alguns que não são bem-intencionados, e alguns são bem-
intencionados. E geralmente aqueles que não são bem-intencionados superam
em número os que são bem-intencionados. É preciso um microscópio para
encontrar aqueles que são bem-intencionados. Portanto, eles não gostam de
fazer nada sem o apoio do público branco. Os racistas, que geralmente são muito
influentes na sociedade, não agem sem primeiro obter o apoio da opinião
pública. Então, eles usam a imprensa para obter o apoio da opinião pública.
Quando eles querem suprimir e oprimir a comunidade preta, o que eles
fazem? Pegam as estatísticas e, através da imprensa, as divulgam ao público.
Fazem parecer que a criminalidade na comunidade preta é maior do que em
qualquer outro lugar. O que fazem com isso? Essa é uma mensagem muito
habilidosa usada por racistas para fazer os brancos que não são racistas
pensarem que a taxa de criminalidade na comunidade preta é muito alta. Isso
mantém na comunidade preta uma imagem criminosa. Faz parecer que
qualquer pessoa na comunidade preta é um criminoso. E assim que essa
impressão é dada, torna-se possível, ou abre o caminho, para a criação de uma
“ditadura policial” na comunidade preta, obtendo a total aprovação do público
branco. Quando a polícia entra [na comunidade], usa todo tipo de medidas
brutais para reprimir os pretos, esmagar seus crânios, colocar cães contra eles e
coisas do tipo. E os brancos concordam. Porque eles acham que todo mundo lá
é criminoso no fim das contas. É isso que a imprensa faz.
Essa é a jogada. Essa é uma ciência chamada “criação de imagens”. Eles te
controlam por meio dessa ciência da linguagem das imagens. Eles até fazem
você se menosprezar, criando uma imagem ruim de si mesmo. Alguns pretos de
nosso povo se alimentaram dessa imagem e a digeriram, até que eles próprios
não querem mais viver na comunidade preta. Eles não querem estar perto de
outros pretos.
É uma ciência que eles usam com muita habilidade para fazer o criminoso
parecer a vítima e fazer a vítima parecer o criminoso. Por exemplo: nos Estados
Unidos, durante os protestos no Harlem, que por sorte eu estava na África,
durante esses protestos, ou por causa deles, ou depois deles, novamente a
imprensa, com muita habilidade, retratou os manifestantes como vândalos,
criminosos, ladrões, porque estavam sequestrando alguma propriedade.
Agora, veja bem, é verdade que a propriedade foi destruída. Mas veja de
outro ângulo. Nessas comunidades pretas, a economia da comunidade não está
nas mãos dos pretos. O preto não é seu próprio senhorio. Os prédios em que eles
moram são de propriedade de outra pessoa. As lojas da comunidade são
administradas por outra pessoa. Tudo na comunidade está fora de seu controle.
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Eles não têm nenhum direito, a não ser morar lá e pagar o aluguel mais
alto pelo tipo de moradia mais precária, pagar os preços mais altos pela
qualidade mais baixa de comida. Eles são uma vítima disso, uma vítima da
exploração econômica, da exploração política e de todos os outros tipos. Agora,
eles estão tão frustrados, tão reprimidos, com tanta energia explosiva dentro
deles, que gostariam de atingir quem o estão explorando. Mas quem está
explorando não mora no bairro, é apenas o proprietário das casas, o proprietário
das lojas, o proprietário do bairro.
Então, quando o preto explode, aquele que ele quer atingir não está lá.
Portanto, ele destrói a propriedade. Ele não é um ladrão. Ele não está tentando
roubar seus móveis baratos ou sua comida barata. Ele quer atingir você, mas
você não está lá. E em vez de os sociólogos analisarem a situação como ela
realmente é, tentarem entendê-la como ela realmente é, mais uma vez eles
encobrem a questão real e usam a imprensa para fazer parecer que essas pessoas
são ladrões e vândalos. Não! Eles são vítimas de roubo organizado, de
proprietários de imóveis organizados que não passam de ladrões, de
comerciantes que não passam de ladrões, de políticos que ocupam cargos na
prefeitura e que não passam de ladrões, coniventes com os proprietários de
imóveis e os comerciantes.
Mas, novamente, a imprensa é usada para fazer a vítima parecer o
criminoso e o criminoso parecer a vítima. Isso é linguagem das imagens. E da
mesma forma que essa linguagem é praticada em nível local, você pode entendê-
la melhor com um exemplo internacional. O melhor exemplo recente em nível
internacional, para testemunhar o que estou dizendo, é o que aconteceu no
Congo. Veja o que aconteceu, tivemos uma situação em que um avião estava
lançando bombas sobre aldeias africanas. Uma aldeia africana não tem defesa
contra bombas. E uma aldeia africana não é ameaça suficiente para ser
bombardeada! Mas os aviões estavam lançando bombas sobre aldeias africanas.
Quando essas bombas caem, elas não distinguem entre inimigo e amigo. Elas
não distinguem entre homem e mulher. Quando essas bombas são lançadas
sobre aldeias africanas no Congo, elas são lançadas sobre mulheres pretas,
crianças pretas, bebês pretos. Esses seres humanos foram explodidos em
pedaços. Não ouvi nenhum clamor, nenhuma voz de compaixão por esses
milhares de pretos que foram massacrados por aviões.
Por que não teve protestos? Por que não teve preocupação? Porque, mais
uma vez, a imprensa, com muita habilidade, fez as vítimas parecerem
criminosos, e os criminosos parecerem vítimas. Eles se referem às aldeias como
“controladas pelos rebeldes”, entende? Como se dissessem que, por serem
aldeias controladas pelos rebeldes, você pode destruir a população, e tudo bem.
Eles também se referem aos mercadores da morte como “pilotos cubanos
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antiCastro2 treinados pelos americanos”. Isso torna tudo aceitável. Porque esses
pilotos, esses mercenários… você sabe o que é um mercenário? Ele não é um
patriota. Um mercenário não é alguém que vai à guerra por patriotismo pelo seu
país. Um mercenário é um assassino de aluguel. Uma pessoa que mata, que
derrama sangue por dinheiro, o sangue de qualquer pessoa. Você mata um ser
humano com a mesma facilidade com que mata um gato, um cachorro ou uma
galinha. Então, esses mercenários, jogam bombas em aldeias africanas, sem se
importar se há ou não mulheres, crianças e bebês inocentes e indefesos sendo
destruídos. Mas só porque são chamados de “mercenários”, com um nome
glorificado, isso não te empolga. Só porque são chamados de “pilotos treinados
pelos americanos”, só porque são treinados pelos americanos, isso os torna
aceitáveis. “Cubanos antiCastro”, isso os torna aceitáveis. Castro é um monstro,
então qualquer um que seja contra Castro está bem para nós, e qualquer coisa
que eles possam fazer a partir daí, está bem para nós. Eles colocam sua mente
em um saco e a levam para onde quiserem.
Mas é algo que você tem que analisar e responder. Porque são aviões
americanos, bombas americanas, escoltados por paraquedistas americanos
armados com metralhadoras. Mas, você sabe, eles dizem que não são soldados,
estão lá apenas como escolta, da mesma forma como começaram no Vietnã do
Sul, com os “conselheiros”. 20 mil deles, apenas conselheiros. São apenas
“escoltas”. Eles são capazes de cometer todos esses assassinatos em massa e se
safar, rotulando-os de “ajuda humanitária”, um ato de humanitarismo. Ou “em
nome da liberdade”, “em nome da libertação”. Todo tipo de slogan bonito e
pomposo, mas é assassinato a sangue frio, assassinato em massa. E é feito com
tanta habilidade, que vocês e eu, que nos consideramos sofisticados neste século
XX, podemos assistir e aprovar. Simplesmente porque isso está sendo feito com
pessoas de pele preta por pessoas de pele branca.
Eles pegam um homem que é um assassino a sangue frio, chamado
Tshombe3. Já ouviram falar dele? Pai Tomás4 Tshombe. Ele assassinou o
primeiro-ministro, o legítimo primeiro-ministro [do Congo], Lumumba5. Ele o
assassinou. Agora, aqui está um homem que é um assassino internacional,
selecionado pelo Departamento de Estado, colocado no comando do Congo e
sustentado pelo dinheiro dos seus impostos. Ele é um assassino. Ele é
2 Fidel Castro foi um líder revolucionário cubano que comandou a Revolução de 1959 e governou Cuba com
um regime socialista, desafiando os Estados Unidos durante a Guerra Fria.
3 Moïse Tshombe foi um político congolês anticomunista e pró-colonial. Liderou o pelotão de fuzilamento
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contratado pelo nosso governo. Ele é um assassino de aluguel. E para mostrar o
tipo de assassino de aluguel que ele é, assim que assume o cargo, ele contrata
mais assassinos na África do Sul para abater seu próprio povo. E você se
pergunta por que sua imagem americana no exterior está tão falida. Observe que
eu disse: “Sua imagem americana no exterior está tão falida.” Eles tornam esse
homem aceitável dizendo na imprensa que ele é o único que pode unir o Congo.
Um assassino. Eles não deixam a China entrar nas Nações Unidas porque dizem
que ela declarou guerra às tropas da ONU na Coreia. Tshombe declarou guerra
às tropas da ONU em Catanga6. Deram dinheiro a ele e o apoiaram. Não usam o
mesmo critério. Use o critério aqui, mude-o ali.
Isso é verdade, hoje todo mundo pode ver. Você se faz passar por doente
aos olhos do mundo, tentando enganar as pessoas que foi, pelo menos uma vez,
esperto com seus truques. Mas hoje sua bagagem de truques acabou
completamente. O mundo inteiro pode ver o que você está fazendo. A imprensa
incita a histeria no público branco. Então, ela muda de marcha e começa a
trabalhar tentando obter a simpatia do público branco. E, então, muda de
marcha e faz com que o público branco apoie qualquer ação criminosa na qual
estejam se preparando para envolver os Estados Unidos.
Lembre-se como eles se referiam aos reféns como “reféns brancos” e não
“reféns”. Eles disseram que esses “canibais” no Congo tinham “reféns brancos”.
Ah, e isso deixou todos vocês abalados. Freiras brancas, padres brancos,
missionários brancos. Qual é a diferença entre um refém branco e um refém
preto? Qual é a diferença entre uma vida branca e uma vida preta? Vocês devem
achar que há diferença, porque a imprensa de vocês especifica a branquitude.
“19 reféns brancos” causa pesar no coração de vocês. Durante os meses em que
bombas eram lançadas sobre centenas de milhares de pessoas pretas, vocês não
disseram nada e não fizeram nada. Um punhado de brancos que não tinham
nada a ver com isso, assim que suas vidas foram envolvidas, vocês ficaram
preocupados.
Eu estava na África durante o verão, quando os mercenários e os pilotos
estavam atirando empessoas pretas no Congo como se fossem moscas. Nem
sequer seria mencionado na imprensa ocidental. Não foi mencionado. Se foi
mencionado, foi mencionado na seção de classificados do jornal. Em algum
lugar onde seria necessário um microscópio para encontrá-lo. E naquela época,
os irmãos africanos, a princípio, não estavam fazendo reféns. Eles só começaram
a fazer reféns quando descobriram que esses pilotos estavam bombardeando
suas aldeias. E, então, eles fizeram reféns, os levaram para a aldeia e avisaram
os pilotos que, se jogassem bombas na aldeia, atingiriam seu próprio povo. Foi
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uma manobra de guerra. Eles estavam em guerra. Eles só mantinham um refém
em uma aldeia para impedir que os mercenários assassinassem em massa as
pessoas daquelas aldeias. Eles não os mantinham como reféns porque eram
canibais ou porque achavam que a carne deles era saborosa. Alguns desses
missionários estavam lá há 40 anos e não foram devorados. Se eles fossem
comê-los, teriam comido quando eram jovens e macios. Você nem consegue
digerir aquela carne branca e velha de um frango velho.
Isso é a linguagem das imagens. Eles usam sua capacidade de criar
imagens e, em seguida, usam essas imagens que criaram para enganar as
pessoas. Para confundir as pessoas e fazê-las aceitar o errado como certo e
rejeitar o certo como errado. Fazer as pessoas realmente pensarem que o
criminoso é a vítima e a vítima é o criminoso. Mesmo enquanto eu aponto isso,
você pode se perguntar: “O que tudo isso tem a ver com os pretos na América?
E o que isso tem a ver com as relações entre pretos e brancos aqui em
Rochester?”
Você precisa entender isso. Até 1959, a imagem do continente africano foi
criada pelos inimigos da África. A África era uma terra dominada por potências
estrangeiras. Uma terra dominada por europeus. E, à medida que esses
europeus dominavam o continente africano, foram eles que criaram a imagem
da África projetada no exterior. E projetaram a África e os povos africanos em
uma imagem negativa, uma imagem odiosa. Eles nos fizeram pensar que a África
era uma terra de selvas, uma terra de animais, uma terra de canibais e selvagens.
Isso é uma imagem odiosa. E por terem tanto sucesso em projetar essa imagem
negativa da África, nós, aqui no Ocidente, de ascendência africana, os afro-
americanos, víamos a África como um lugar odioso. Víamos o africano como
uma pessoa odiosa. E se você se referisse a nós como africanos, seria como se
estivéssemos sendo tratados como servos, ou brincando de casinha7, ou falando
sobre nós de uma forma que não gostaríamos de ser chamados.
Por quê? Porque aqueles que oprimem sabem que não se pode fazer uma
pessoa odiar a raiz sem fazê-la odiar a árvore. Você não pode odiar os seus e não
acabar odiando a si mesmo. E como todos nós somos originários da África, você
não pode nos fazer odiar a África sem nos fazer odiar a nós mesmos. E eles
fizeram isso com muita habilidade. E qual foi o resultado? Eles acabaram com
22 milhões de pretos aqui na América que odiavam tudo em nós que fosse
africano. Odiávamos as características africanas. Odiávamos nosso cabelo.
Odiávamos nosso nariz, o formato do nosso nariz, o formato dos nossos lábios e
a cor da nossa pele. Sim, odiávamos. E foram vocês que nos ensinaram a nos
7“Brincar de casinha” é usado para descrever uma forma de tratamento que reduz os indivíduos a papéis
subalternos ou estereotipados, sugerindo uma infantilização ou desumanização.
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odiar, simplesmente nos manobrando astutamente para odiar a terra dos nossos
antepassados e as pessoas daquele continente.
Enquanto odiávamos essas pessoas, odiávamos a nós mesmos. Enquanto
odiávamos a aparência que pensávamos que elas tinham, odiávamos a nossa
própria aparência. E vocês me chamam de professor do ódio. Ora, vocês nos
ensinaram a nos odiar. Vocês ensinaram o mundo a odiar toda uma raça de
pessoas e agora tem a audácia de nos culpar por odiar vocês, simplesmente
porque não gostamos da corda que vocês colocaram em volta do nosso pescoço.
Quando vocês ensinam um homem a odiar os próprios lábios, os lábios que Deus
lhe deu, o formato do nariz que Deus lhe deu, a textura do cabelo que Deus lhe
deu, a cor da pele que Deus lhe deu, você cometeu o pior crime que uma raça de
pessoas pode cometer. E este é o crime que vocês cometeram.
Nossa cor se tornou uma corrente, uma corrente psicológica. Nosso
sangue, sangue africano, se tornou uma corrente psicológica, uma prisão,
porque tínhamos vergonha dele. Acreditamos que eles diriam isso na sua cara e
negariam; mas sim, eles fizeram! Nos sentíamos presos porque nossa pele é
preta. Nos sentíamos presos porque temos sangue africano em nossas veias. Foi
assim que vocês nos aprisionaram. Não apenas nos trazendo para cá e nos
tornando escravos. Mas a imagem que vocês criaram da nossa pátria e a imagem
que vocês criaram do nosso povo naquele continente era uma armadilha, era
uma prisão, era uma corrente, foi a pior forma de escravidão já inventada por
uma raça nomeada de civilizada contra uma nação civilizada desde o início do
mundo.
Ainda vemos o resultado disso entre o nosso povo neste país hoje. Por
odiarmos nosso sangue africano, nos sentíamos inadequados, inferiores e
desamparados. E em nosso estado de desamparo, não trabalhávamos por nós
mesmos. Recorremos a vocês em busca de ajuda e, então, vocês não nos
ajudaram. Não nos sentíamos adequados. Recorremos a vocês em busca de
conselhos e vocês nos deram conselhos errados. Recorremos a vocês em busca
de orientação e vocês nos mantiveram andando em círculos. Mas uma mudança
aconteceu em nós. E qual foi? Em 1955, na Indonésia, em Bandung, houve uma
conferência8 de pessoas de pele escura. Os povos da África e da Ásia se reuniram
pela primeira vez em séculos. Eles não tinham armas nucleares, não tinham
frotas aéreas, nem marinha. Mas eles discutiram sua situação e descobriram que
havia uma coisa que todos nós tínhamos em comum: opressão, exploração e
sofrimento. E tínhamos um opressor em comum, um explorador em comum.
8 Foi uma conferência anticolonial entre 29 países africanos e asiáticos, a maioria dos quais eram recém-
independentes, que ocorreu em abril de 1955. Os países que participaram representavam uma população total
de 1,5 bilhão de pessoas, 54% da população mundial na época.
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Se um irmão que veio do Quênia e chama seu opressor de inglês; e outro
que veio do Congo e chama seu opressor de belga; outro que veio da Guiné e
chama seu opressor de francês. Mas quando você junta os opressores, há uma
coisa que todos eles têm em comum: são todos da Europa. E esses europeus
estavam oprimindo os povos da África e da Ásia.
E foi o espírito de Bandung que alimentou as chamas do nacionalismo e da
liberdade, não apenas na Ásia, mas especialmente no continente africano. De
1955 a 1960, as chamas do nacionalismo e da independência no continente
africano tornaram-se tão brilhantes e furiosas que eram capazes de queimar e
ferroar qualquer coisa que cruzasse seu caminho. E esse mesmo espírito não se
restringiu ao continente africano. De uma forma ou de outra, ele se infiltrou no
Hemisfério Ocidental e penetrou no coração, na mente e na alma dos pretos no
Hemisfério Ocidental, que supostamente esteve separado do continente
africano por quase 400 anos.
Mas o mesmo desejo de liberdade que movia os pretos no continente
africano começou a arder no coração, na mente e na alma dos pretos aqui na
América do Sul, América Central e América do Norte, nos mostrando que não
estávamos separados. Embora houvesse um oceano entre nós, ainda éramos
movidos pela mesma pulsação. O espírito do nacionalismo no continente
africano começou a colapsar; as potências coloniais não podiam permanecer lá.
Os britânicos tiveram problemas no Quênia, Nigéria, Tanganica, Zanzibar e
outras áreas do continente.
Os franceses tiveram problemas em todo o norte da África Equatorial
Francesa, incluindo a Argélia. Tornou-se uma área crítica para a França. O
Congo não permitiria mais que os belgas permanecessem lá. Todo o continente
africano tornou-se explosivo de 1954, 1955 até 1959. Em 1959, eles não podiam
mais permanecer lá. Não que eles quisessem ir embora. Não que de repente eles
se tornassem benevolentes. Não que de repente eles parassem de querer
explorar os recursos naturais dos pretos. Mas era o espírito de independência
que ardia no coração e na mente dos pretos. Eles não permitiriam mais ser
colonizados, oprimidos e explorados. Eles estavam dispostos a dar a sua vida e
tirar a vida daqueles que tentassem tirar a sua, o que era um espírito novo.
As potências coloniais não foram embora. Mas o que elas fizeram? Sempre
que uma pessoa está jogando basquete, se você a observar, os jogadores do time
adversário o cercam e ele não quer perder a bola ou simplesmente jogá-la fora,
ele tem que passá-la para alguém que esteja livre e que esteja no mesmo time. E
como a Bélgica, a França, a Grã-Bretanha e essas outras potências coloniais
estavam cercadas, ou seja, elas foram expostas como potências coloniais, elas
tiveram que encontrar alguém que ainda estivesse livre, e o único que estava
livre, no que dizia respeito aos africanos, eram os Estados Unidos. Portanto, eles
passaram a bola para os Estados Unidos. E este governo a pegou e correu como
17
um louco desde então. Assim que pegaram a bola, perceberam que estavam
diante de um novo problema. O problema era que os africanos haviam
despertado e, nesse despertar, eles não tinham mais medo. E como os africanos
não tinham medo, era impossível para as potências europeias permanecerem
naquele continente pela força. Então, nosso Departamento de Estado,
assumindo o controle, em sua nova análise, percebeu que precisava usar uma
nova estratégia se quisesse substituir as potências coloniais da Europa.
Qual era a estratégia deles? Aproximação amigável. Em vez de chegarem
lá com os dentes cerrados, começaram a sorrir para os africanos. “Somos seus
amigos”. Mas, para convencer o africano de que eram amigos deles, eles tiveram
que começar fingindo que eram nossos amigos.
O sistema não sorriu para você porque você é mau, não. Ele estava
tentando impressionar seu irmão do outro lado do oceano. Ele sorriu para você
para que o sorriso dele fosse consistente. Ele começou a usar uma aproximação
amigável por lá. Uma aproximação benevolente. Uma aproximação filantrópica.
Chame de colonialismo benevolente, imperialismo filantrópico, humanitarismo
apoiado pelo dolarismo, tokenismo9… Essa é a abordagem que eles usaram. Eles
não foram para lá bem-intencionados. Como vocês podem sair daqui e ir para o
continente africano com o Peace Corps10, a Crossroads11 e essas outras
organizações, quando estão enforcando pretos no Mississippi? Como podem
fazer isso? Como vocês podem treinar missionários lá, supostamente para
ensiná-los sobre Cristo, se vocês não deixam um preto entrar na sua igreja de
Cristo aqui em Rochester, muito menos no Sul? Vocês sabem que isso é algo
para se pensar. Sinto raiva só de pensar nisso.
De 1954 a 1964 pode ser facilmente considerado a Era do Estado Africano
Emergente. E à medida que os Estados africanos emergiam, de 1954 a 1964,
quais impactos e efeitos isso teve sobre o afro-americano, o preto americano? À
medida que o preto na África se tornava independente, isso o colocava em
posição de ser o mestre da construção de sua própria imagem. Até 1959, quando
vocês e eu pensávamos em um africano, pensávamos em alguém nu, vindo com
os tambores, com ossos no nariz. Ah, sim! Essa era a única imagem que
tínhamos de um africano. E a partir de 1959, quando eles começaram a entrar
na ONU e aparecer na televisão, você ficava chocado. Ali estava um africano que
falava inglês melhor do que você. Ele era mais lógico do que você. Ele tinha mais
liberdade do que você. Porque nos lugares onde você não podia ir, tudo o que ele
9 Prática de fazer um esforço superficial ou simbólico para parecer inclusivo com minorias.
10 Peace Corps (Corpo da Paz) é uma agência do governo dos Estados Unidos que envia voluntários para
trabalhar em países em desenvolvimento.
11 Operation Crossroads Africa (Operação África Encruzilhada) é uma organização não governamental que
18
precisava fazer era vestir seus trajes e passar direto por você. Isso tinha que te
abalar. E foi só quando você ficou abalado que começou a realmente acordar.
Assim, à medida que as nações africanas conquistavam sua independência
e a imagem do continente africano começava a mudar, as coisas se
harmonizavam, à medida que a imagem da África passava de negativa para
positiva, inconscientemente, os pretos em todo o Hemisfério Ocidental, em seu
subconsciente, começaram a se identificar com essa emergente imagem positiva
da África. E quando ele viu o preto no continente africano se posicionando, isso
o encheu de desejo de também se posicionar. Éramos a mesma imagem, assim
como a imagem africana era negativa e você ouvia falar deles de chapéu velho
na mão, olhares conciliatórios e temerosos, nós éramos da mesma forma. Mas
quando começamos a ler sobre Jomo Kenyatta12, os Mau Mau13 e outros,
descobrimos que os pretos neste país começaram a pensar na mesma linha, e
mais na mesma linha do que alguns gostariam de admitir.
Quando [os Estados Unidos] viram que precisavam apenas mudar sua
abordagem com as pessoas no continente africano, também começou a mudar
sua abordagem com o nosso povo neste continente. Assim como usaram o
tokenismo e muitas outras abordagens amigáveis, benevolentes e filantrópicas
no continente africano, que eram apenas esforços simbólicos, começaram a
fazer o mesmo tokenismo conosco aqui nos Estados Unidos. Eles criaram todos
os tipos de programas que não foram realmente projetados para resolver os
problemas de ninguém. Cada movimento que fizeram foi um movimento
simbólico. Eles nunca fizeram um movimento realmente prático de uma só vez
para realmente resolver o problema. Eles propuseram uma decisão de
desagregação na Suprema Corte que ainda não colocaram em prática. Nem
mesmo em Rochester, muito menos no Mississippi. Eles enganaram as pessoas
no Mississippi tentando fazer parecer que as integrariam na Universidade do
Mississippi. Levaram 1 Negro para a universidade, escoltado por uns 6.000 a
15.000 soldados, eu acho. E acho que isso custou 6 milhões de dólares. E 3 ou 4
pessoas foram mortas na ocasião. E foi só uma encenação.
Agora, veja bem, depois que 1 deles entrou, disseram que há integração no
Mississippi. Colocaram 2 deles em uma escola na Geórgia e disseram que há
integração na Geórgia. Deveriam se vergonhar. Sinceramente, se eu fosse
branco, teria tanta vergonha que me esconderia debaixo do tapete. E eu me
sentiria tão mal enquanto estivesse debaixo do tapete que ficaria invisível.
12 Jomo Kenyatta foi um revolucionário queniano e o primeiro presidente do Quênia. Liderança fundamental
na luta pela independência do país contra o domínio colonial britânico.
13 Os Mau Mau foram uma guerrilha nacionalista de resistência anticolonial que atuou no Quênia entre 1952
e 1960. Composto principalmente por membros da etnia Kikuyu, contou com apoio de outros grupos étnicos
como Embus, Kamba e Merus. O movimento buscava a independência do domínio britânico e a devolução
das terras tomadas pelos colonos europeus.
19
Esse tokenismo foi um programa criado para proteger os benefícios de
apenas um punhado de Negros escolhidos a dedo. E esses Negros escolhidos a
dedo receberam cargos importantes e, então, foram usados para abrir a boca e
dizer ao mundo: “Vejam quanto progresso estamos fazendo”. Eles deveriam
dizer: “Vejam quanto progresso eu estou fazendo.” Pois enquanto esses Negros
escolhidos a dedo comiam fartamente, convivendo com brancos, sentados em
Washington, D.C., as massas do povo preto neste país continuavam a viver em
favelas e guetos. As massas do povo preto neste país continuam desempregadas,
e as massas do povo preto neste país continuam a frequentar as piores escolas e
a receber a pior educação.
Durante a mesma época, surgiu um movimento conhecido como
Movimento Muçulmano Preto. O Movimento Muçulmano Preto fez o seguinte:
antes do Movimento Muçulmano Preto entrar em cena, a NAACP14 era
considerada radical. Eles queriam investiga-la. A CORE15 e todas as outras
[organizações pretas] estavam sob suspeita, sob vigilância. Nunca se ouvia falar
em [Martin Luther] King. Quando o Movimento Muçulmano Preto surgiu
falando daquele jeito [agressivo], os brancos disseram: “Graças a Deus temos a
NAACP”. O Movimento Muçulmano Preto tornou a NAACP aceitável para os
brancos. Tornou seus líderes aceitáveis. Então, começaram a se referir a eles
como líderes Negros responsáveis. O que significava que eles eram responsáveis
para com os brancos. Agora, não estou atacando a NAACP, estou apenas
contando a vocês. E isso é algo ruim, vocês não podem negar.
Portanto, essa é a contribuição que esse movimento fez. Assustou muita
gente. Muitas pessoas que não agiam corretamente por amor começaram a agir
corretamente por medo. Porque Roy e Farmer16 e alguns outros costumavam
dizer aos brancos: “Vejam, se vocês não agirem corretamente conosco, terão que
ouvi-los”. Eles nos usaram para melhorar sua própria posição, sua posição de
barganha. Não importa o que você pense da filosofia do Movimento Muçulmano
Preto, quando você analisa o papel que ele desempenhou na luta do povo preto
durante os últimos 12 anos, você tem que colocá-lo em seu devido contexto e vê-
lo em sua devida perspectiva. O próprio movimento atraiu os elementos mais
militantes, mais insatisfeitos e mais intransigentes da comunidade preta. E
também os elementos mais jovens da comunidade preta. E à medida que esse
movimento cresceu, atraiu um elemento militante, intransigente e insatisfeito.
O movimento em si era supostamente baseado na religião do Islã e,
portanto, supostamente um movimento religioso. Mas, como o mundo do Islã
ou o mundo muçulmano ortodoxo jamais aceitariam o Movimento Muçulmano
20
Preto como parte genuína dele, isso colocou aqueles de nós que estávamos nele
em uma espécie de vácuo religioso. Isso nos colocou em uma posição de nos
identificarmos por uma religião, enquanto o mundo em que essa religião era
praticada nos rejeitava por não sermos praticantes genuínos dessa religião.
Além disso, o governo tentou nos manipular e nos rotular como políticos em vez
de religiosos, para que pudessem nos acusar de sedição e subversão. Esta é a
única razão. Mas, embora fôssemos rotulados como políticos, como nunca nos
foi permitido participar da política, estávamos em um vácuo político. Estávamos
em um vácuo religioso. Na verdade, estávamos alienados, isolados de qualquer
tipo de atividade, até mesmo do mundo contra o qual lutávamos. Nos tornamos
uma espécie de híbrido religioso-político, totalmente só para nós. Sem nos
envolver em nada, apenas nos mantendo à margem, condenando tudo. Mas sem
condições de corrigir nada, porque não podíamos tomar nenhuma ação.
Mas, ao mesmo tempo, a natureza do movimento atraiu os ativistas,
aqueles que queriam ação. Aqueles que queriam fazer algo a respeito dos males
que confrontavam todos os pretos. Não estávamos particularmente
preocupados com a religião do povo preto. Porque, fosse ele metodista, batista,
ateu ou agnóstico, ele sofria no mesmo inferno. Então, percebemos que
precisávamos agir, e nós, ativistas, ficamos insatisfeitos, desiludidos. E,
finalmente, a dissensão se instalou e, por fim, uma cisão. Aqueles que se
separaram eram os verdadeiros ativistas do movimento, inteligentes o suficiente
para querer algum tipo de programa que nos permitisse lutar pelos direitos de
todos os pretos aqui no Hemisfério Ocidental.
Mas, ao mesmo tempo, queríamos nossa religião. Então, quando saímos, a
primeira coisa que fizemos foi nos reagrupar em uma nova organização
conhecida como Mesquita Muçulmana, com sede em Nova York. E nessa
organização, adotamos a verdadeira religião ortodoxa do Islã, que é uma religião
de fraternidade. Assim, ao aceitar essa religião e criar uma organização que
pudesse praticá-la, imediatamente, essa Mesquita Muçulmana em particular foi
reconhecida e endossada pelas autoridades religiosas do mundo muçulmano.
Percebemos, ao mesmo tempo, que tínhamos um problema nesta sociedade que
ia além da religião. E foi por essa razão que criamos a Organização da Unidade
Afro-Americana, na qual qualquer pessoa da comunidade poderia participar de
um programa de ação projetado para promover o reconhecimento e o respeito
completos do povo preto como seres humanos.
E o lema da Organização da Unidade Afro-Americana é “Por Todos os
Meios Necessários”. Não acreditamos que podemos vencer uma batalha em que
as regras básicas são ditadas por aqueles que nos oprimem. Não acreditamos
que podemos vencer uma batalha em que as regras básicas são ditadas por
aqueles que nos exploram. Não acreditamos que podemos continuar lutando
21
para conquistar o afeto daqueles que por tanto tempo nos oprimiram e nos
exploraram.
Acreditamos que nossa luta é justa. Acreditamos que nossas queixas são
justas. Acreditamos que as práticas malignas contra os pretos nesta sociedade
são criminosas e que aqueles que se envolvem em práticas criminosas devem ser
considerado como tal. E acreditamos que temos o direito de combater esses
criminosos por qualquer meio necessário. Isso não significa que apoiamos a
violência. Mas vimos que o governo federal demonstrou sua incapacidade, sua
absoluta falta de vontade, em proteger as vidas e as propriedades dos pretos.
Vimos casos em que racistas brancos organizados, membros da Ku Klux Klan,
do Conselho Cidadãos17 e outros, podem entrar na comunidade preta, pegar um
homem preto, fazê-lo desaparecer e nada ser feito a respeito.
Reanalisamos nossa condição. Quando voltamos a 1939, os pretos nos
Estados Unidos engraxavam sapatos. Alguns dos mais instruídos engraxavam
sapatos em Michigan, de onde eu vim, em Lansing, a capital. Os melhores
empregos que se podia conseguir na cidade era carregar bandejas no clube de
campo para alimentar os brancos. E geralmente o garçom do clube de campo era
visto como o grande figurão da cidade, porque ele tinha um bom emprego entre
os “bons” brancos.
Ele teve a melhor educação, mas engraxava sapatos na Casa do Estado, no
Capitólio. Engraxava os sapatos do governador e do procurador-geral, e isso o
deixava por dentro dos assuntos, porque ele conseguia engraxar sapatos de
gente branca que estava em lugares importantes. Sempre que as pessoas do
centro queriam saber o que estava acontecendo na comunidade preta, ele era o
garoto deles. Ele era o que se conhece como o “Negro da cidade”, o líder negro.
E aqueles que não engraxavam sapatos, os pregadores, também tinham uma
grande voz na comunidade. Era só engraxar sapatos, servir mesas e pregar.
Em 1939, antes de Hitler entrar em fúria, um homem preto não podia nem
trabalhar em uma fábrica. Estávamos cavando valas na WPA18. Alguns de vocês
esqueceram rápido demais. Nossa comida vinha do programa de assistência
social, com o selo “proibido a venda”. Eu comprava tantas coisas na loja com o
selo “proibido a venda” que eu pensei que isso fosse uma loja em algum lugar.
Essa era a condição dos pretos, e isso até 1939… Até a guerra começar,
estávamos confinados a essas tarefas servis. Quando a guerra começou, eles nem
nos aceitaram para o exército. Um homem preto não era convocado. Ele era ou
17 O Conselho de Cidadãos Brancos, assim como a Ku Klux Klan, foi uma das muitas organizações
supremacistas dos Estados Unidos.
18 Works Progress Administration (Administração para o Progresso das Obras), foi um programa do governo
22
não? Não! Não podíamos entrar para a Marinha. Lembram disso? Não
convocaram nenhum. Isso foi em 1939 nos Estados Unidos da América!
Eles te ensinaram a cantar “Sweet land of liberty19” e todo esse tipo de
coisa. Não! Você não podia entrar para o exército. Você não podia entrar para a
marinha. Eles nem te recrutavam. Eles só aceitavam brancos. Eles só
começaram a nos recrutar quando o líder Negro abriu a boca e disse: “Se os
brancos devem morrer, nós também devemos morrer”.
O líder Negro fez com que muitos pretos fossem mortos na Segunda Guerra
Mundial, que nunca precisaram morrer. Portanto, quando o Estados Unidos
entrou na guerra, imediatamente se depararam com uma escassez de mão de
obra. Até a época da guerra, não era possível entrar em uma fábrica. Eu morava
em Lansing, onde ficavam a fábrica da Oldsmobile e a da Reo. Havia cerca de 3
pretos em toda a fábrica, e cada um deles tinha uma vassoura. Eles tinham
educação. Eles tinham ido à escola. Acho que um deles tinha ido à faculdade.
Mas ele virou um “vassourólogo”. Quando os tempos ficaram difíceis e havia
escassez de mão de obra, eles nos deixaram entrar na fábrica. Não por meio de
nenhum esforço nosso. Não por meio de um despertar moral repentino da parte
deles. Eles precisavam de nós. Eles precisavam de mão de obra. Qualquer tipo
de mão de obra. E quando ficaram desesperados e necessitados, eles abriram a
porta da fábrica e nos deixaram entrar.
Então, começamos a aprender a operar máquinas. Começamos a aprender
como operar as máquinas quando eles precisaram de nós. Contrataram nossas
mulheres assim como nossos homens. À medida que aprendíamos a operar as
máquinas, começamos a ganhar mais dinheiro. À medida que começamos a
ganhar mais dinheiro, pudemos morar em um bairro um pouco melhor. Quando
nos mudamos para um bairro um pouco melhor, frequentamos uma escola um
pouco melhor. E quando frequentamos essa escola melhor, recebemos uma
educação um pouco melhor e ficamos em uma posição um pouco melhor para
conseguir um emprego um pouco melhor. Não houve uma mudança de opinião
da parte deles. Não houve um despertar repentino de sua consciência moral. Foi
Hitler, foi Tojo20 e foi Stalin21. Sim, foi a pressão externa, em nível mundial que
permitiu que vocês e eu déssemos alguns passos à frente. Por que eles não nos
recrutaram e nos colocaram no exército desde o início?
19 É um verso da canção “My Country, 'Tis of Thee” utilizada por muitos movimentos sociais, especialmente
o Movimento pelos Direitos Civis.
20 Hideki Tojo foi um general fascista e serviu como primeiro-ministro do Japão Imperial durante a Segunda
Guerra Mundial.
21 Joseph Stalin foi um teórico comunista e revolucionário soviético que liderou a União Soviética de 1924 até
23
Eles nos trataram tão mal que ficaram com medo de que se nos colocassem
no exército, nos dessem uma arma e nos mostrassem como atirar, temeram não
precisar nos dizer em quem atirar. E provavelmente não precisariam mesmo.
Foi a consciência deles.
Portanto, aponto isso para mostrar que não foi a mudança de ideia da parte
do Tio Sam que permitiu que alguns de nós déssemos alguns passos à frente. Foi
a pressão mundial. Foi uma ameaça externa. O perigo externo que fez isso, que
ocupou sua mente e o forçou a permitir que vocês e eu nos erguêssemos um
pouco mais. Não porque ele quisesse que nos erguêssemos. Não porque ele
quisesse que avançássemos. Ele foi forçado a isso.
E uma vez que você analisa adequadamente os ingredientes que abriram
as portas [das fábricas], mesmo que tenham sido forçadas, ao entender o que
realmente causou isso, você compreenderá melhor a sua posição atual. E
entenderá melhor a estratégia que precisa hoje. Qualquer tipo de movimento
pela liberdade dos pretos baseado exclusivamente nos Estados Unidos está
absolutamente fadado ao fracasso. Enquanto o seu problema for combatido
dentro do contexto americano, tudo o que vocês podem obter como aliados são
outros americanos. Enquanto chamarem de direitos civis, é um problema
doméstico dentro da jurisdição do governo dos Estados Unidos. E o governo dos
Estados Unidos é composto por segregacionistas e racistas. Por que os homens
mais poderosos do governo são racistas?
Este governo é controlado por 36 comitês, 20 comitês do Congresso e 16
comitês do Senado. 13 dos 20 congressistas que compõem os comitês do
Congresso são do Sul. 10 dos 16 senadores que controlam os comitês do
Senado são do Sul. O que significa que, dos 36 comitês que governam os
rumos e o temperamento interno e externo do país em que vivemos, 23
estão nas mãos de racistas. Racistas assumidos, frios como pedra,
completamente segregacionistas. É contra isso que vocês e eu lutamos.
Vivemos em uma sociedade onde o poder está nas mãos daqueles que são
a pior raça da humanidade. Agora, como vamos contorná-los? Como vamos
obter justiça em um Congresso controlado por eles? Ou em um Senado
controlado por eles? Ou na Casa Branca controlada por eles? Ou em uma
Suprema Corte controlada por eles?
Veja a decisão lamentável que a Suprema Corte tomou. Irmãos, vejam só!
Vocês não sabiam que esses homens da Suprema Corte são mestres não só da
lei, mas também da fraseologia jurídica? Eles são tão mestres da linguagem
jurídica que poderiam facilmente ter proferido uma decisão de desagregação na
educação, redigida de forma que ninguém conseguiria contornar. Mas eles
inventam essa coisa redigida de tal forma que, 10 anos se passaram, e há todo
24
tipo de brechas. Eles sabiam o que estavam fazendo. Eles fingem te dar algo,
sabendo o tempo todo que você não pode utilizá-lo.
Eles apresentaram no ano passado um Projeto de Lei de Direitos Civis que
divulgaram no mundo todo como se isso nos levasse à terra prometida da
integração. Ah, é! Na semana passada, o Reverendíssimo Dr. Martin Luther
King saiu da prisão e foi para Washington, D.C., dizendo que vai pedir todos os
dias uma nova legislação para proteger o direito de voto dos pretos no Alabama.
Por quê? Acabaram de ter uma legislação. Acabaram de ter um Projeto de Lei de
Direitos Civis. Querem me dizer que esse projeto de Lei de Direitos Civis
amplamente divulgado nem sequer dá ao governo federal poder suficiente para
proteger os pretos no Alabama que não querem fazer nada além de se registrar
[para votar]? Ora, é mais uma pegadinha, porque eles nos enganaram ano após
ano. Mais uma pegadinha.
Não quero que pensem que estou ensinando ódio. Amo todos que me
amam. Mas certamente não amo aqueles que não me amam. Como vemos todo
esse subterfúgio, essa trapaça, essa manobra, não apenas em nível federal,
nacional ou local, mas em todos os níveis. A jovem geração de pretos que está
surgindo agora pode ver que, enquanto esperarmos que o Congresso, o Senado,
a Suprema Corte e o presidente resolvam nossos problemas, teremos que servir
mesas por mais 1.000 anos. E esses dias acabaram.
Desde a Lei de Direitos Civis, eu costumava ver diplomatas africanos na
ONU protestando contra a injustiça que estava sendo cometida contra os pretos
em Moçambique, em Angola, no Congo, na África do Sul, e me perguntava por
que e como eles podiam voltar para seus hotéis, ligar a TV e ver cachorros
mordendo pretos no fim do quarteirão, policiais destruindo lojas de pretos com
seus cassetetes no fim do quarteirão e jogando jatos d’água em pretos com uma
pressão tão alta que rasgava nossas roupas, no fim do quarteirão. E eu me
perguntava como eles conseguiam falar tanto sobre o que estava acontecendo
em Angola e Moçambique e todo o resto, ver tudo acontecendo no fim do
quarteirão, subir no pódio da ONU e não dizer nada sobre isso?
Mas eu fui e discuti com alguns deles. E disseram que, enquanto o preto na
América chamar sua luta de uma luta por direitos civis… nesse contexto de
direitos civis, ela é considerada um assunto doméstico e permanece sob a
jurisdição dos Estados Unidos. E se algum deles ousar abrir a boca para dizer
algo sobre isso, isso é visto como uma violação das leis e das regras do protocolo.
A diferença com os outros povos é que eles não chamam suas queixas de
“direitos civis”, mas sim de “direitos humanos”. “Direitos civis” estão sob a
jurisdição do governo do país em que ocorrem. Mas “direitos humanos” fazem
parte da Carta das Nações Unidas. Querem que eu explique o argumento político
ou histórico por trás dessa distinção?
25
Todas as nações que assinaram a Carta da ONU elaboraram a Declaração
dos Direitos Humanos, e qualquer povo que classifique suas queixas como
violações de “direitos humanos”, elas podem ser levadas às Nações Unidas e
discutida pelos povos do mundo todo. Enquanto você chamar de “direitos civis”,
seus únicos aliados serão as pessoas da comunidade vizinha, muitas das quais
são responsáveis por suas queixas. Mas quando você chama de “direitos
humanos”, torna-se internacional. E, então, você pode levar seus problemas ao
Tribunal Internacional. Pode levá-los ao mundo. E qualquer povo, em qualquer
lugar da Terra, pode se tornar seu aliado.
Obrigado.
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