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Benveniste Aparelho Formal Da Enunciação

O texto discute a intersubjetividade e a enunciação na linguagem, destacando a relação entre o falante e seu interlocutor. A enunciação é apresentada como um ato individual que mobiliza a língua, envolvendo aspectos como a temporalidade e a referência. Além disso, o documento explora como a enunciação cria signos e condições necessárias para a comunicação, enfatizando a importância do presente e da apropriação da língua pelo locutor.

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Benveniste Aparelho Formal Da Enunciação

O texto discute a intersubjetividade e a enunciação na linguagem, destacando a relação entre o falante e seu interlocutor. A enunciação é apresentada como um ato individual que mobiliza a língua, envolvendo aspectos como a temporalidade e a referência. Além disso, o documento explora como a enunciação cria signos e condições necessárias para a comunicação, enfatizando a importância do presente e da apropriação da língua pelo locutor.

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A intersubjetividade tem assim sua {emporalidade, seus termos, suas dimensbes. Por af se reflete na lingua a experiéncia de uma relacdo primordial, constante, indefinidamente reversfvel, entre 0 falante ¢ seu parceiro, Em iiltima andlise, é sempre ao ato de fala no processo de troca que remete experiéneia humana inscrita na Jinguagem, CAPITULO 5 0 aparelho formal da enunciacio * Todas as nossas descrigdes lingiifsticas consagram um lugar freqiientemente importante ao “emprego das formas”. O que se entende por isso € um conjunto de regras fixando as condigdes sin- {éticas nas quais as formas podem ou devem normalmente aparecer, uma vez que elas pertencem a um paradigma que arrola as esco- Ihas posstveis. Estas regras de emprego sfio articuladas a tegras de formagdo indicadas antecipadamente, de mancira a estabelecer uma certa correlagao entre as variagSes morfolégicas € as latitudes combinatérias dos signos (acordo, selegaio miitua, preposigdes e re- gimes dos nomes e dos verbos, lugar ¢ ordem, etc.). Como as esco- Ihas estdo limitadas de uma parte e de outra, parece que se obtém assim um inventirio que poderia ser, teoricamente, exavstivo, dos empregos como das formas, e em conseqiiéncia uma imagem pelo menos aproximativa da lingua em emprego. Gostariamos, contudo, de introduzir aqui uma distinggo em ‘um funcionamento que tem sido considerado somente sob 0 Angulo da nomenclatura morfologica © gramatical. As condigies de em- prego das formas nfo so, em nosso modo de entender, idénticas fis condigdes de emprego da lingua. a0, em realidade, dois mundos diferentes, © pode ser ‘itil insistir nesta diferenga, a qual implica ‘uma outra mancira de ver as mesmas coisas, uma outra mancira de as descrever e de as interpretar. © emprego das formas, parte necessitia de toda descrigao, * Langages, Paris, Didier-Larousse, 5° ano, n° 17 (margo de 1970), p. 1248, 81 tem dado lugar a um grande mimero de modelos, to variados quanto os tipos lingiifsticos dos quais eles procedem. A diversidade das estruturas lingiifsticas, tanto quanto sabemos analisélas, nao se deixa reduzir a um pequeno ntimero de modelos, que compreen- dem sempre © somente os elementos fundamentais. Ao menos dis- pomos assim de certas representagdes muito precisas, construidas or meio de uma técnica comprovada, Coisa bem diferente é 0 emprego da lingua. Trata-se aqui de ‘um mecanismo (otal e constante que, de uma maneira ou de outra, afeta a lingua inteira. A dificuldade € apreender este grande fend- ‘meno, tio banal que parece se confundir com prépria lingua, tio necessério que nos passa despercebido. A enunciagio é este colocar em funcionamento a lingua. por tum ato individual de utilizagao. \ © discurso, dirse-d, que & produzido cada ver que se fal esta manifestagao da enunciaglo, nao € simplesmente a "fala"? — E preciso ter cuidado com a condigio especifica da enunciagio: € © ato mesmo de produzir um enunciado, ¢ ndo o texto do enun- ciado, que & nosso objeto. Este ato é 0 fato do locutor que mobiliza a lingua por sua conta, A relacéo do locutor com a lingua deter- mina os caracteres lingifsticos da enunciagao. Devese considers como 0 fato do locutor, que toma a lingua por ‘caracteres lingiifsticos que marcam esta relagao. Este grande processo pode ser estudado sob diversos aspectos. Veremos principalmente trés © mais imediatamente perceptivel ¢ o mais direto — embora de um modo geral nfo seja visto em relagdo ao fenémeno geral da enunciagio — ¢ a realizacao vocal da lingua. Os sons emitidos e percebides, quer sejam estudados no quadro de um idioma parti cular ou nas suas manifestagdes gerais, como processo de aquisi¢au, de difusio, de altera jcagoes da fo- nética — procedem sempre de atos individuais, que 0 lingtiista surpreende sempre que possivel em uma produgao nativa, no inte- rior da fala, Na prética cientifica procura-se eliminar ou atenuar 95 tragos individuais da enunciaggo fénica recorrendo a sujeitos di ferentes e multiplicando os registros, de modo a obter uma imagem média de sons, distintos ou ligados, Mas cada um sabe que, para 82 \strumento, € nos , ‘0 mesmo sujeito, os mesmos sons nio so jamais reproduzidos exe: tamente, € que a nogdo de identidade nfo ¢ senfo aproximativa ‘mesmo quando a experincia € repetida em detalhe. Estas diferencas dizem respeito & diversidade das situagSes nas quais a enunciacéo 6 produzida © mecanismo desta produgzo € um outro aspecto maior do mesmo problema. A enunciagao supde a conversio individual da lingua em discurso. Aqui a questio — muito dificil e pouco estw dada ainda — € ver como 0 “‘sentido” se forma em “palavras”, em que medida se pode distinguir entre as duas noges e em que ter mos descrever sua interacio. Fa semantizacdo da lingua que esté no centro deste aspecto da enunciaglo, e ela conduz 2 teoria do signo © & anélise da significdncia '. Sob a mesma consideragao dis: poremos os procedimentos pelos quais as formas lingitisticas da enunciago se diversificam ¢ se engendram. A “gramética trans: formacional” visa a codifieé-las € a formalizé-las para dai depreen- der um quadro permanente, ¢, de uma teoria da sintaxe universal, propée remontar a uma teoria do funcionamento do espirito. Pode-se, enfim, considerar uma outra abordagem, que consis- tiria em definir a.enunciagao no quadro formal de sua realizacdo, E 0 objeto proprio destas paginas. Tentaremos esbogar, no interior da lingua, os caracteres formais da enunciaggo a partir da mani- festago individual que ela atualiza. Estes caracteres sfo, uns ne- cessérios e permanentes, os outros incidentais e ligados & particula- ridade do idioma escolhido. Por comodidade, os dados utilizados aqui sio tirados do portugués [francés] usual © da lingua da con- versagao. Na enunciagdo consideraremos, sucessivamente, © préprio ato, as situagdes em que ele se realiza, os instrumentos de sua reali © ato individual pelo qual se utiliza a Kngua introduz em primeiro lugar o locutor como pariimetro nas condigdes necessérias da enunciagZo. Antes da enunciaga0, a lingua nfo € sendo possibi lidade da lingua. Depois da enunciagio, a lingua é efetuada em 1. Tratsmos disso partcularmente num estudo publieado pela revista Semio- tica, 1, 1969 (cf. acima, p. 43-66). 83 ‘uma insténgia de discurso, que emana de um locutor, forma s que atinge um ouvinte e que susciia uma outra enunciagéo de relomo _Enquanto realizacao individual, a enunciagio pode se definir, em relagao a lingua, como um processo de apropriagao. O locutor se apropria do aparelho formal da Iingua e enuncia sua posiglo de locutor por meio de indices especticos, de um lado, e por meio de progedimentos acess6rios, de outro. (Mas imediatamente, desde que ele se declara locutor ¢ assume a lingua, ele implanta 0 outro diante de si, qualquer que seja o grau de presenga que ele atribua a este outro) Toda enunciacao €, expli- cits ou implicitamente, uma alocucao, ela postula um alocutério, or fin, ma enunciaio, Ugus se sche pmpregada pra a expressio de uma certa telagio com mundo{ A condicéo mesma dessa mobilizagio e dessa apropriagdo da lingua é, para o locutcr, a necessidade de referir pelo discurso, ¢, para 0 outro, a possibi- Tidade de co-referir identicamente, no consenso pragmético que faz de cada locutor um co-locutor. A referéncia é parte integranie.da enunciagao. ay Estas condigdes iniciais vo reger todo o mecanismo da refe- réncia no processo de enunciagio, criando uma situacio muito sin- gular e da qual ainda nfo se tomou a necesséria consciéncia,, © ato individual de apropriacdo da lingua introduz aquele que fala em sua fala, Este € um dado constitutive da enunciagio, A presenga do locutor em sua enunciagso faz com que cada insténcia de discurso constitua um centro de referéncia interno. Esta situagio Vat 3 manifester por um jogo de formas especificas cuja fungio ¢ de colocar 0 locutor em relagio constante e necesséria com sua cenunciagao. Esta descrigéo um pouco abstrata se aplica a um fendmeno lingiistco familiar no uso, mas cuja andlise teGrica esta apenas co- mecando. E primeiramente a emergéncia dos indices de pessoa (a rélagdo eu-tu) que nao se produz senfo na ¢ pela enunciagio: 0 termo eu denotando 0 individuo que profere a enunciagao, e 0 ter- 1mo tu, 0 individuo que af esta presente como alocutiio. Da mesma natureza e se relacionando a mesma estrutura de enunciago $0 os numerosos indices de ostensdo (tipo este, aqui, a4 etc.) termos que implicam um gesto que designa 0 objeto ao mesmo tempo que é pronunciada a instincia do termo, ‘As formas denominadas tradicionalmente “ pronomes pessoais”, “demonstrativos”, aparecem agora como uma classe de “individuos lingitsticos”, de formas que enviam sempre ¢ somente a “indivi duos”, quer se trate de pessoas, de momentos, de lugares, por opo- sigio gos termos nominais, que enviam sempre e somente a con- ceitosf Ora, o estatuto destes “individuos lingifsticos” se deve a0 fato dé que eles nascem de uma enunciagdo, de que so produzidos por este acontecimento individual e, se se pode dizer, “'semel-natif” Eles slo engendrados de novo cada ver. que uma enuinciacao € pro- ferida, € cada vez cles designam algo novo. Uma terceira série de termos que dizem respeito & enunci € constitufda pelo paradigma inteiro — freqiientemente vasto ¢ com- plexo — das formas temporais, que se determinam em relagao a EGO, centro da enunciagéo. Os “tempos” verbais cuja forma axial, © “presente”, coincide com o momento da enunciagio, fazem parte deste aparclho necessério®, Esta relago com o tempo merece que ai nos detenhamos, que meditemos sobre sua nevessidade, e que interroguemos sobre © que 4 fundamenta, Poder-seia supor que a temporalidade 6 um quadro inato do pensamento. Ela é produzida, na verdade, na e pela enun- ciagéo. Da enunciacao procede a instauragio da categoria do pre- sente, e da categoria do presente nasce 2 categoria do tempo. O presente & propriamente a origem do tempo. Ele é esta presenga no mundo que somente o ato de enunciagao torna possivel, porque, & necessirio refletir bem sobre isso, o homem nao dispoe de nenhum outro meio de viver 0 “agora” e de torné-lo atual senio realizando-o pela insergio do discurso no mundo. Poder-se-ia mostrar pelas ani lises de sistemas temporais em diversas linguas a posicdo central do presente, O presente formal nio faz senéo explicitar © presente inevente & enunciago, que se renova a cada produgio de discurso, € 4 partir deste presente continuo, coextensive 2 nossa prdpria pre- senga, imprime na consciéncia o-sentimento de uma continuidade 2. Os detalhes dos fatos de lingua que apresentamos aqui de um modo sin- 1ético, estio expostos em muitos capitulos de noss0s Problémes de lingus tique générale, 1 (Pati, 1965), 0 que nos dispensa de insstr sobre eles, 8 oe que denominamos “tempo”; continuidede ¢ temporalidade que se engendram no presente incessante da enuncia¢ao, que € 0 presente do proprio ser € que se delimita, por referéncia interna, entre 0 que vai se tornar presente © 0 que jd ndio 0 € mais. Assim a enunciagdo é diretamente responsével por certas clas. ses de signos que ela promove literalmente & existéncia. Porque cles nao poderiam surgir nem ser empregados no uso cognitivo da lingua. E preciso entao distinguir as entidades que tém na lingua seu estatuto pleno e permanente e aquelas que, emanando da enun: iaglo, nao existem senéo na rede de “individuos” que a enuncie- so cria e em relacdo a0 “aqui-agora” do locutor. Por exemplo: 0 “ew”, 0 “aquele”, o “‘amanha” da descrigéo gramatical nao s4o seno os “‘nomes” metalingiifsticos de eu, aguele, amanha produ- zidos na enunciagio, Além das formas que comanda, enuncia¢o fornece as con- digdes necessétias as grandes fungdes sintéticas. Desde 0 momento iit que 0 enunciador se serve da lingua para influenciar de algum modo 0 comportamento do alocutério, ele dispde para este fim de tum aparetho de fungdes. &, em primeiro lugar, a interrogacdo, que 6 uma enunciagio construida para suscitar uma ‘‘resposta”, por um processo lingiiistico que é ao mesmo tempo um processo de com- portamento com dupla entrada. Todas as formas lexicais e sintaticas ete. da interrogacio, particulas, pronomes, seqiiéncia, entonac derivam deste aspecto da enunciagao. De modo semelhante distribuir-se-do os termos ou formes que denominamos de intimacao: ordens, apelos concebides em catego- rias como o imperativo, 0 vocativo, que implicam uma relaglo viva € imediata do enunciador ao outro numa referéncia necesséria a0 tempo da enunciagéo. Menos evidente talvez, mas também certo, é 0 fato de a asser eo pertencer a este mesmo repertdrio. Em seu rodeio sintético, como em stia entonagio, a assergdo vise a comunicar uma certeza, ela & a manifestagio mais comum da presenca do locutor na enun- ciagao, ela tem mesmo instrumentos especificos que a exprimem ou que @ implicam, as palavras sim © ndo afirmando positivamente ou negativamente uma proposi¢io. A negacio como operacio 16- ica € independente da enunciagdo, ela tem sua forma propria, que 86 6 nao. Mas a particula assertiva no, substituta de uma proposigao, classifica-se como a particula sim, com a qual ela reparte 0 esta- tuto, nas formas que dizem respeito & enunciacao. De modo mais amplo, ainda que de uma maneira menos cate- gorizavel, organizam-se aqui todos 0s tipos de modalidades formais, uns pertencentes aos verbos, como os “modos” (optativo, subjun- tivo) que enunciam atitudes do enunciador do angulo daquilo que cenuncia (expectativa, desejo, apreensio), outros & frascologia (tal- vez", “sem divida”, “provavelmente”) ¢ indicando incerteza, pos bilidade, indecisio, etc., ou, deliberadamente, recusa de asser (© que em geral caracteriza a enunciagio & a acentuayio da relagdo discursiva com o parceiro, seja este real ou imaginado, in vidual ou coletivo. Esta caracteristica coloca necessariamente 0 que se pode de- nominar o quadro figurativo da enunciacgo. Como forma de di curso, a enunciagio coloca duas “figuras” igualmente necessérias, uma, origem, a outra, fim da enunciagao. a estrutura do didlogo Duas figuras na posigo de parceiros so alternativamente prote- ‘gonistas da enunciacio. Este quadro ¢ dado necessariamente com a definigdo da enunciagao. Poder-se-ia objetar que pode haver diélogo fora da enuinciacio, ‘ou emunciagio sem diélogo. Os dois casos devem ser examinades. Na disputa verbal praticada por diferentes povos e da qual uma variedade tipica € 0 hain-teny dos Merinas, nao se trata na verdade nem de didlogo nem de enunciacao. Nenhum dos dois par- 1: tudo consiste em provérbios citados e em pro- vérbios opostos citados em réplica. Nao hé uma tinica referéncia explicita ao objeto do debate. Aquele, dos dois participantes, que dispe do maior estoque de provérbios, ou que os emprega de modo mais habil, mais malicioso, menos previsivel deixa o outro sem saber o que responder ¢ & proclamado vencedor. Este jogo ndo tem senfo a aparéncia de um diflogo. Inversamente, 0 ‘‘monélogo” procede claramente da enuncia- fo. Ele deve ser classificado, nio obstente a aparéncia, como uma variedade do didlogo, estrutura fundamental. O “mondlogo” & um diélogo interiorizado, formulado em “linguagem interior”, entre um x locutor © um eu ouvinte. As vezes, 0 eu locutor € 0 tinico a 87 falar; 0 eu ouvinte permanece entretanto presente; sua presenga é necessitia e suficiente para tornar significante a enunciacéo do eu locutor. As vezes, também, 0 eu ouvinte intervém com uma objegao, ‘uma questo, uma divida, um insulto, A forma lingtifstica que esta intervenggo assume difere segundo os idiomas, mas é sempre uma forma “pessoal”, Ora o eu ouvinte substitui o eu locutor e se enun- cia enti como “primeira pessoa”; € assim em francés [portugués] ‘onde 0 “mondlogo” seré cortado por observagdes ou injungdes tai como: “Non, je suis idiot, j'ai oublié de Tui dire que...” (“Nao, eu sou um idiota, esqueci de te dizer que...”]. Ora 0 eu owvinte interpela na “'segunda pessoa” 0 eu locutor: “Non, tu n'aurais pas di lui dire que..." ["Ndo, tu (voce) ndo deverias (ria) Ihe ter dito ue...”]. Haveria ai uma interessante tipologia dessas relagdes para estabelecer; em algumas linguas verse-ia predominar 0 ou ‘ouvinte como substituto do locutor e se colocando por sua vez como ‘ew (francés, inglés), ou.em outras, pondo-se como parceiro de dig- logo © empregando tw (alemao, russo). Esta transposigio do diélogo -m “‘monélogo” onde EGO ou se divide em dois, ou assume dois papéis, presta-se a figuragdes ou a transposigdes psicodraméticas: conflitos do “eu [moi] profundo” ¢ da “consciéncia”, desdobra- mentos provocados pela “inspiragio”, etc. Esta possibilidade & fa- cultada pelo aparelho lingifstico da enunciacio, sui-reflexivo, que compreende um jogo de oposigées do pronome e do anténimo (eu/ me/mim (Je/me/moi}) >. Estas situagdes exigiriam uma dupla descricao, da forma lin- silfstica e da condicao figurativa. Contenta-se muito facilmente com invocar a freqiiéncia ea utilidade préticas da comunicacdo entre 0s individuos, para que se admita a situagao de dilogo como re- sultando de uma necessidade, abstendo-se assim de analisar as mal- tiplas variedades. Uma delas se apresenta em uma condigéo social das mais banais em aparéncia, mas das menos conhecidas, de fato B. Malinowski indicou-a sob 0 nome de comunhdo fética, qualifi cando- assim como fendmeno psicossocial com fungao lingistica. Ele a configurou partindo do papel que a linguagem ai desempe- nha. £ um processo em que 0 discurso, sob a forma de um didlogo, 3. Ver um artigo do BSL. 60 (1965), fase. I, p71 € 58 88. estabelece uma colaboracio entre os individuos. Vale a pena citar algumas passagens desta anélise * (© caso da linguagem usada no livre e fortuito intercurso social merece especial atencdo. Quando vérias pessoas sentam- se juntas em torno da fogueira da aldeia, depois de terminadas as tarefas quotidianas, ou quando batem papo, descansando do trabalho, ou quando acompanham algum simples trabalho ‘manual com um tagarelar que nada tem a ver com 0 que estio fazendo — € claro que, nestes casos, estamos diante de um ‘outro modo de usar a linguagem, com um outro tipo de fungio do discurso. Aqui, a lingua néo depende do que acontece no momento; parece estar até privada de qualquer contexto de situagio, O sentido de cada enunciado nao pode estar ligado 20 comportamento do locutor ou do ouvinte, com a intengéo do que esto fazendo. Uma simples frase de cortesia, to usada entre as tribos selvagens como nos sales europeus, cumpre uma fungio para a qual o sentido de suas palavras € quase completamente indi- ferente. As perguntas sobre a satide, os comentérios sobte 0 tempo, as afirmagdes de algum estado de coisas absolutamente Sbvio — tudo so frases trocadas nfo com a finalidade de informar, nem para coordenar as pessoas em aco e certamente que nao para expressar qualquer pensaniento. Nao hi davida de que temos aqui um novo tipo de uso lingiistico — que estou tentado a chamar comunhao fética, instigado pelo deménio da invengéo terminoligica — um tipo de discurso em que os lagos de unido sfo criados pela mera troca de palavras, .. As palavras, na comunhio fética, sio us das, principalmente, para transmitir uma significacdo, a signi cacao que 6, simbolicamente, a delas? Certamente que néo. Elas preenchem uma fungao social ¢ esse € o seu principal objetivo, ‘mas no so 0 resultado de reflexdo intelectual nem despertain, necessariamente, qualquer espécie de reflexdo no ouvinte. Mais ‘uma vez podemos dizer que a linguagem nao funciona, neste ‘eas0, como um meio de transmissio do pensamento. 4 Traduzimos aqui algumas passagens do artigo de B. Malinowski publicado fem Ogden e Richards, The meaning of meaning, 1923, p. 313 € s. 89 Mas podemos consideré-la um modo de aco? E em que relagio se situa com a nossa concepsio decisiva de contexto de situagdo? E ébvio que a situagao exterior nao participa dire- tamente na técnica de fala, Mas o que & que pode ser consi- derado situago quando um certo mimero de pessoas tage- relem juntas sem finalidade? Consiste, apenas, nessa atmosfera de sociabilidade e no fato de uma comunhio pessoal dessas pessoas. Mas esta é obtida, de fato, pela fala e a situacdo, em todos esses casos, é criada pela troca de pelavras, pelos senti- mentos especificos que formam a convivéncia gregaria, pelo vai ¢ vem dos propésitos que constituem o tagarelar comum. A situag§o, em seu todo, consiste no que acontece lingitis camente| Cada enunciagdo € um ato que serve o propésito reto de unir o ouvinte ao locutor por algum Lago de sentimento, social ou de outro tipo. Uma vez mais, a linguagem, nesta fungio, manifesta-se-nos, no como um instrumento de reflexao ras como um modo de agéo.~| Estamos aqui no limite do “didlogo”. Uma relagio pessoal criada, mantida, por uma forma convencional de enunciagao que se volta sobre si mesma, que se satisfaz em sua realizagdo, nao comportando nem objeto, nem finalidade, nem mensagem, pura enunciagéo de palavras combinadas, repetidas por cada um dos enunciadores. A anélise formal desta forma de troca lingiifsica esta por fazer’. Muitos outros desdobramentos deveriam ser estudados no cor texto da enunciagdo. Ter-se-ia que considerar as alteragdes lexicais ‘que a enuinciacao determina, a fraseologia, que € a marca freqiien- te, talver necesséria, da “oralidade”. Seria preciso também distin- guir a enuncigdo falada de enunciacdo escrita, Esta se situa em dois planos: 0 que escreve se enuncia ao escrever e, no interior de ‘sua escrita, ele faz os individuos se enunciarem. Amplas perspec- ss se abrem para a andlise das formas complexas do discurso, ‘a partir do quadro formal esbogado aqui. 5. No hd sobre ela senSo alpumas referéncias, por exemplo, em Grace de Laguna, Speech, its function and development, 1921, p. 244 mi R. Jar Kobson, Bisais de linguistique générale, tad, N. Ruwel, 1963, p. 217. 90 Tir ESTRUTURAS E ANALISES Tradugfo: Rosa Attié Figueira

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