XXII SEMEAD novembro de 2019
ISSN 2177-3866
Seminários em Administração
Desenvolvimento de uma Ferramenta de Precificação para Jogos de Futebol
RODOLFO RIBEIRO
ESCOLA DE NEGÓCIOS FATEC-SEBRAE
DESENVOLVIMENTO DE UMA FERRAMENTA DE PRECIFICAÇÃO PARA
JOGOS DE FUTEBOL
1. INTRODUÇÃO
Segundo pesquisa do Ministério do Esporte (2017), o esporte mais popular no Brasil é o
futebol e essa preferência nacional foi originada na década de 1920 (Deloitte, 2011; Fujita,
2018). Diversos autores destacam o papel desse esporte na cultura brasileira, como Damo
(2018) e Damatta (1994). Além de seu papel cultural, há o lado econômico do futebol
brasileiro. Notório exportador de jogadores (Alvito, 2006; Rodrigues, 2010), os principais
clubes do país possuem faturamentos que os colocariam entre grandes empresas. Na
perspectiva econômica mundial, os vinte maiores clubes em faturamento cresceram, de 97 à
2018, 9,6% em média no volume total de suas receitas (Deloitte, 2019). Os clubes de maior
faturamento no mundo em 2018, por exemplo, arrecadaram 8,3 bilhões de euros (Deloitte,
2019). No Brasil, o clube de maior faturamento no ano de 2017 arrecadou R$ 595 milhões
(Itaú BBA, 2018), bastante abaixo da maior arrecadação mundial, de € 750,9 milhões, obtida
pelo espanhol Real Madrid (Deloitte, 2019).
Para movimentar suas receitas, os clubes possuem algumas fontes principais de receita:
bilheteria, direitos de transmissão dos jogos, venda de jogadores e demais receitas de
exploração de produtos e serviços (Deloitte, 2019). Em nível mundial, descontadas as receitas
de vendas de jogadores (menos previsíveis), a receitas de bilheteria equivalem à 17% do
volume arrecadado pelos clubes. Já no Brasil, o montante equivalente à bilheteria
correspondeu à 15% em 2017.
Segundo Ekelund (1998), a representatividade dessas receitas se alterou ao logo do tempo,
devido aos diversos aspectos de macroambiente que mudaram ao longo do tempo, fazendo
com que a importância de certos stakeholders variasse bastante. Apesar dessas alterações,
pode-se afirmar que a receita adquirida com a venda de ingressos dependerá,
majoritariamente, de alguns fatores, tais como:
- capacidade de oferta do clube (capacidade do estádio onde manda seus jogos);
- quantidade de jogos realizados;
- tamanho de sua torcida;
- interesse da torcida em acompanhar os jogos.
Esses fatores tendem a variar de forma muito diferente no curto e longo prazo. A capacidade
de oferta só se altera mediante reformas nos estádios ou construção de novos equipamentos,
com considerável investimento em sua construção. A quantidade de jogos em cada temporada
tende a ser previsível, com exceção de campeonatos com fases eliminatórias. A torcida de um
clube tende a variar pouco no curto prazo, pois depende da combinação de fatores sociais e do
desempenho no clube (Ribeiro, 2017).
Este artigo tem o objetivo de apresentar o desenvolvimento de uma solução de precificação de
ingressos e de previsão de demanda para um clube de futebol. Esta solução foi desenvolvida
durante uma intervenção em um clube cujo escopo envolveu a sistematização de uma política
de preços de ingressos. A metodologia utilizada foi a regressão múltipla, pois o objetivo era
compreender o comportamento de uma variável dependente (público pagante) em função de
variáveis dependentes (adversário, campeonato, preço, horário, etc). Os principais interesses
do clube envolviam uma interpretação menos subjetiva de como o preço afeta o público
pagante e a compreensão dos trade-offs entre ocupação máxima e receita máxima a cada jogo.
1
2. CONTEXTO INVESTIGADO
Dado o objetivo deste trabalho, o conceito fundamental que o envolve é a lei da demanda, ou
seja, quanto menor o preço de um produto, maior será a quantidade demandada (Pindyck &
Rubinfeld, 2002). Dado o nível de lealdade observado nos torcedores, definidos como
indivíduos com alguma ligação psicológica com uma equipe (Hunt, Bristol & Barshaw,
1999), assume-se que cada clube é monopolista de sua demanda no curto prazo. O tamanho da
torcida tende a variar de forma sensível apenas no longo prazo, dado que seu crescimento está
amparado em fatores sociais e esportivos para a conversão de novos indivíduos em torcedores
(Ribeiro, 2017).
A previsão de demanda é um dos pontos centrais na gestão de uma empresa (Sampron, 2005).
Isso porque toda a alocação de recursos produtivos (matéria prima e mão de obra) depende da
quantidade a ser produzida e, consequentemente, vendida pela empresa. Um mau
dimensionamento da demanda compromete, dessa forma, toda a alocação de recursos de uma
companhia, seja no caso de excesso de demanda, gerando perda de vendas, ou no caso de
excesso de capacidade, gerando perda por ociosidade (Slack; Chambers & Johnston, 2009).
Assim sendo, a escolha e uso de um método adequado de previsão de demanda é um dos
pontos principais do planejamento empresarial.
Em termos gerais, pode-se compreender a demanda de uma empresa como consequência de
dois fatores principais: as condições do ambiente e a atratividade de sua oferta (Sampron,
2005). Diversos materiais de básicos de estratégia e marketing, como Porter (2004) e Kotler e
Keller (2012) sugerem que os fatores de ambiente estão fora do controle da empresa,
enquanto há uma perspectiva de que o ambiente pode ser influenciado pela organização
(Barney. Hesterly & Rosemberg, 2007). Em termos de curto prazo, no entanto, a preocupação
da organização em relação ao planejamento de sua demanda estará mais relacionada com a
atratividade de sua oferta.
2.1 Abordagens de Planejamento de Demanda em Livros de Gestão
Durante o planejamento, portanto, uma organização deverá escolher entre um método
apropriado para previsão e demanda para dimensionar adequadamente seus recursos e
minimizar os riscos de uma demanda superestimada ou subestimada. Os principais livros
componentes das bibliografias de cursos de gestão no país são pouco úteis para a escolha de
um método apropriado de previsão. A obra de Kotler e Keller (2012), por exemplo, sempre
utilizada em disciplinas de marketing, é pouco específica na escolha de um método de
projeção de demanda. O livro menciona a importância de um sistema de marketing que tenha
informações internas e de ambiente. Além disso, os autores citam a diferença entre a demanda
como função dos investimentos da indústria e das condições do ambiente. Como as condições
do ambiente variam de forma mais lenta, com impactos de longo prazo, a demanda de curto
prazo tende a ser de maior controle da organização. Os métodos citados por Kotler e Keller
(2012) são: potencial total de mercado, potencial de mercado por área e indexação
multifatorial. Essas variáveis, no entanto, são de difícil conhecimento por parte das empresas.
Além disso, pequenas variações em potencial de mercado, por exemplo, geram enorme
diferença na demanda final.
A obra de Hisrich, Peters & Shepherd (2014), utilizada em disciplinas vinculadas ao
empreendedorismo e à administração geral, tampouco elucida a questão da escolha de um
método apropriado. Os autores argumentam que “para começar, o empreendedor deve
pesquisar tudo o que puder sobre as outras novas empresas do seu setor” e que “mudanças de
estratégia também afetam as vendas e precisam ser incluídas nas estimativas” (Hisrich, Peters
& Shepherd, 2014, p.235-236).
2
Nessa questão de mensuração da demanda, um livro texto comum que endereça de forma
mais complexa métodos de previsão é o utilizado em disciplinas de produção e operações,
como Slack, Chambers e Johnston (2009). Além de apresentar diferentes métodos, cuja
abordagens podem ser qualitativas (painel, delphi e planejamento de cenários) ou
quantitativas (séries temporais, média móvel, ajustamento exponencial e modelos causais), os
autores discutem a aderência desses métodos no curto e no longo prazo.
Pode-se assumir, no entanto, que a demanda de mercado ou de uma empresa específica é uma
função de causa-efeito, na qual as variáveis explicativas envolvem não só fatores de ambiente
(poder de compra, nível de emprego e renda, etc) como também fatores da empresa
(qualidade da oferta, competição, incentivos comerciais, etc). Como Slack, Chambers e
Johnston (2009) sugerem, no curto prazo a inércia de variáveis de ambiente é grande, fazendo
com que o peso de fatores específicos da empresa seja maior quando o horizonte de
planejamento é curto.
Lemos (2006) divide os métodos de projeção de demanda em dois grandes grupos:
qualitativos e quantitativos. Métodos qualitativos costumam utilizar julgamentos baseados na
experiência de profissionais envolvidos. O método Delphi, por exemplo, combina a opinião
de diversas pessoas envolvidas no processo, estimulando um consenso na previsão (Slack,
Chambers & Johnston, 2009). Já métodos quantitativos adotam uma formulação matemática
para a previsão. Esses métodos podem utilizar a própria demanda como fator de previsão
(média móvel, por exemplo) ou adotar abordagens causais (modelos de regressão).
Outro fator a ser considerado é a especificidade do objeto de interesse na mensuração.
Produtos diferentes possuem variações muito distintas em função das características
específicas de sua demanda (sazonalidade, competição, elasticidade e tipo de produto – bem
inferior ou superior, por exemplo). Portanto, um planejador pode escolher um método mais
apropriado analisando em quais condições seu objeto de planejamento está enquadrado.
Um material que aborda diversas questões de forma a auxiliar o interessado na escolha de um
método apropriado é o elaborado por Farris et al (2012). Os autores indicam que o preço
ótimo a ser definido é aquele que maximiza a receita, orientando a construção de uma curva
de demanda que possibilite o cálculo do preço que gere o resultado desejado. Contudo, os
autores reconhecem que a determinação do preço ótimo requer o conhecimento da
elasticidade e que isso só é possível mediante a estruturação de uma série de dados (preços de
reserva e/ou resultados de testes de mercado). Naturalmente, esses dados envolvem um custo
associado à coleta e, além disso, de sistemas e pessoas capacitadas para utilizá-los.
Pindyck e Rubinfeld (2012), abordar a definição de preços de acordo com a estrutura de
mercado, também endereçam o assunto com objetividade. Porém, a abordagem de acordo com
as estruturas requer a correta classificação da estrutura enfrentada pela empresa e o tratamento
adequado de variáveis, como destacado por Farris et al (2012).
2.2 Mensuração de Demanda no Objeto Pesquisado
Souza (2004) abordou a previsão de público do campeonato brasileiro de futebol com
modelos de regressão bastante satisfatórios. O autor chegou em modelos finais bastante
explicativos (r² = 0,55), porém sem o preço como variável explicativa do público presente nos
estádios. No entanto, a modelagem desenvolvida não envolvia um clube específico, e sim
qualquer jogo da série principal no Brasil. Para explicação do público de todos os clubes,
variáveis como renda da cidade, desemprego, atratividade do confronto e qualidade do elenco
mostraram-se significantes.
Benevides et al (2015) apresenta uma análise bastante extensa de estudos de demanda
relacionados ao futebol. Os autores destacam que a maioria dos trabalhos destaca que a
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relevância de “fatores econômicos, estruturais e de qualidade da partida são comuns nos
estudos sobre a demanda por futebol” (Benevides et al, 2015, p.102).
Ribeiro et al (2015) abordou não a demanda em si, mas a intenção de compra de torcedores.
Como se assume que a intenção é um razoável antecedente da compra efetiva, os resultados
sugerem que rivalidade, horário e campeonato/fase, além de preço, afetam a demanda de um
jogo. Além disso, os autores avaliam que a percepção de segurança desloca sensivelmente a
demanda, aumentando o consumo quando o torcedor não sente percepção de risco de
violência em um determinado jogo.
Ao analisar esses trabalhos, nota-se que a preocupação dos autores esteve vinculada à
explicação da demanda como um todo, e não de um clube específico. Há diversos outros
trabalhos nessa linha, com resultados semelhantes aos já abordados.
Analisando cada clube individualmente, é razoável supor que o preço é variável explicativa
do público. Há diversas evidências de que um jogo pode não ter tido seus ingressos esgotados
por preços muito altos, conforme reportagens do Globo Esporte (2013, 2018). Contudo, há
jogos que, mesmo com ingressos baratos, não possuem a demanda esperada (Globo Esporte,
2018). É razoável assumir, portanto, que o preço ideal varia de acordo com o jogo, sendo
possível que alguns jogos tenham uma capacidade de público abaixo da capacidade do
estádio.
3. DIAGNÓSTICO DA SITUAÇÃO PROBLEMA
A situação problema pode ser descrita como resultante de duas características principais:
- a dificuldade de sistematização de uma política de preços de ingressos, devido às múltiplas
variáveis que compõem um jogo;
- a existência de um conflito entre as áreas interessadas na precificação dos ingressos
(finanças, marketing e comunicação, principalmente).
Conceitualmente, pode-se admitir que a demanda por um jogo de um time de futebol tende a
se aproximar de uma demanda enfrentada por um monopolista. Isso porque torcedores de um
time não consideram comprar ingressos para acompanhar outras equipes, dado o seu nível de
lealdade com a equipe previamente escolhida. Ou seja, a definição de preços de um jogo de
uma equipe A não afeta a demanda por ingressos para um jogo da equipe B, pois não há
intersecção entre os interessados nas partidas.
A demanda de um bem pode ser influenciada também por efeitos renda e substituição, por
exemplo (Pindyck & Rubinfeld, 2002). Contudo, esses fatores não tendem a ser
representativos de um jogo para outro (o intervalo médio entre jogos no período analisado foi
de 9 dias). De acordo com McAfee (2002), há duas estratégias básicas de precificação:
discriminação direta (cobrar diferente de cada consumidor, de acordo com uma característica
específica) e indireta (tornar a oferta disponível para qualquer consumidor). A definição de
preço de ingressos, pela legislação brasileira, impede a prática da discriminação direta. Caso o
clube opte por uma oferta, deve torná-la disponível para todos os consumidores.
Iniciou-se uma análise dos jogos pregressos do clube, com um prazo de 5 anos de análise.
Segundo a direção do clube, nesse período de tempo o clube oscilou bastante em termos de
desempenho esportivo, disputando jogos de alto interesse e partidas de baixíssimo interesse
por parte do torcedor. A tabela 1 exibe um resumo dos dados analisados.
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Tabela 1 – Dados Analisados para Desenvolvimento do Modelo
Variável Valor
Jogos 302
Jogos em casa 151
Jogos fora de casa 151
Média 24.192,2
Desvio Padrão 15.512,3
1º Quartil 12.408
Público Mediana 19.987
3º Quartil – Público 31.941,5
Mínimo – Público 3.013
Máximo – Público 66.214
Ticket Médio 29,6
Desvio Padrão – Ticket 13,3
1º Quartil – Ticket 23,6
Ticket
3º Quartil – Ticket 30,8
Mínimo – Ticket 10,8
Máximo – Ticket 121,9
Pelos dados expostos na tabela 1, nota-se a extrema variabilidade da demanda (desvio-padrão
elevado e 59% dos jogos com valor abaixo da demanda média). Outra particularidade na
demanda dos jogos é a relação entre preço e público. Pela lei geral da demanda (Ferguson,
1999), espera-se uma relação inversa entre preço e quantidade vendida de um bem. Uma
análise preliminar de público pagante e preço do ingresso, no entanto, mostra que os jogos de
maior público foram, em média, aqueles com maior preço de ingresso, conforme exibido no
gráfico 1 (r = 0,22).
Gráfico 1 – Comparação de Quantidade Vendida e Preço
75000
60000
45000
30000
15000
0
R$- R$30,00 R$60,00 R$90,00 R$120,00 R$150,00
Assumindo que a lei geral da demanda se aplica nesse caso e que ingressos de um jogo não
são bens de Giffen, essa relação sugere que cada jogo é visto de forma particular pelo público
interessado. Consequentemente, as partidas têm valores subjetivos distintos para o torcedor.
Assim, quando um jogo com ingresso “caro” (R$ 121,85) possui público de 61.766 pagantes,
pode-se assumir que este jogo está mais barato, em termos relativos, do que um jogo com
ingresso à R$ 42,34 com 3.013 pagantes. Um dado que suporta esse raciocínio é a pesquisa de
Ribeiro et al (2014), na qual a satisfação do torcedor com o desempenho de seu time depende
do varia em função do que é conquistado em cada competição disputada pela equipe, tendo as
competições disputadas pesos muito distintos na composição da satisfação do torcedor. Diante
desses dados, as seguintes premissas teórico-conceituais foram assumidas:
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p1: um modelo de definição de preços terá maior poder explicativo ao focar na demanda de
um clube específico, já que cada clube é monopolista de sua demanda. Essa premissa é
suportada pela característica particular da demanda dos clubes, formada majoritariamente por
seu público torcedor. Como o torcedor raramente troca de time (Damo, 2001; Hunt, Bristol &
Barshaw, 1999), um modelo de preços analisando um clube específico tende a fornecer maior
compreensão da demanda;
p2: os preços praticados por um clube devem explorar o potencial de cada jogo, permitindo ao
clube a extração de excedente de demanda quando possível e pretendido. Ou seja, ao
compreender a função de demanda de seu público, o clube pode escolher o quanto extrair do
excedente do consumidor, optando por estratégias de receita máxima ou ocupação máxima em
cada jogo;
4. INTERVENÇÃO PROPOSTA
Dada a variância dos dados, técnicas de extrapolação como média móvel e suavização
exponencial não eram recomendadas (Slack, Chambers & Johnston, 2009). Partiu-se então,
para um modelo causal, no qual a maior necessidade era a interpretação do preço como uma
variável componente da previsão do público. Conforme o gráfico 1 exibe, um passo anterior
era necessário: a definição de um fator de valoração para cada partida. Adotou-se a premissa
exposta na equação 1:
𝑃𝑟𝑒ç𝑜
Equação 1: 𝑃ú𝑏𝑙𝑖𝑐𝑜 𝑝𝑎𝑔𝑎𝑛𝑡𝑒 = −
𝑖
Nessa equação, o público pagante dependerá da relação entre preço e importância do jogo.
Assim, para jogos com o mesmo i, preços maiores diminuem o público. De forma análoga,
para jogos com o mesmo i, preços menores aumentam o público.
A mensuração de um i apropriado envolveu a definição de que o i deveria variar de acordo
com o campeonato e fase disputados. De forma simplificada, as equipes brasileiras disputam
dois tipos de competição: as que envolvem jogos eliminatórios e as de pontos corridos. Para
as competições de jogos eliminatórios, adotou-se que cada fase posterior é preferível à
anterior (i de uma semifinal deve se superior ao i de uma fase quartas de final, por exemplo).
Nas competições de pontos corridos, o i de um jogo com o time disputando posições mais
altas na tabela deveria ter maior valor que o i de um jogo com a equipe jogando por posições
intermediárias.
Após a obtenção de um i que invertesse a relação ingresso e público previamente observada,
ajustando-a para a lei geral da semana, partiu-se para a elaboração de um modelo de regressão
múltipla. As variáveis para composição do modelo foram:
- preço/i;
- horário da partida (categorizado em oito valores diferentes);
- adversário (categorizado em três valores distintos);
- desempenho esportivo (número de vitórias, saldo de gols, gols pró) em um intervalo de
partidas variando de um à cinco;
- estreia de reforço contratado;
- campeonato;
- necessidade de vitória em confronto eliminatório;
- estádio no qual a partida é jogada;
- condições de clima (chuva na cidade no dia do evento);
- intervalo de tempo entre jogos como mandante;
- ações comerciais variadas, como lançamento de uniforme e apresentação de reforço.
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Essas variáveis foram geradas combinando dois elementos: estudos prévios sobre o objeto e
reuniões com a diretoria do clube, nas quais eram discutidas variáveis que se acreditava terem
influência sobre o público. Algumas variáveis apresentam difícil categorização, como o
“estilo do jogo” do time ou “raça” da equipe nos jogos. Essas variáveis, diferentes do
desempenho em si (vitórias, saldo de gols, etc), apresentam dificuldade na criação de critérios
de mensuração e foram excluídas do modelo inicial produzido.
A tabela 2 exibe o modelo gerado, com suas variáveis finais. Por motivo de confidencialidade,
omitiu-se o nome da variável e os parâmetros estimados foram divididos por uma constante,
para que a privacidade do modelo fosse mantida.
Tabela 2 – Modelo de Demanda Gerado
Variável β Sig. % de Variação
(Constante) 6.044,2 ,000 -
Preço/i -1.398,5 ,000 20,1%
x2 1.799,4 ,000 12,5%
x4 27,8 ,033 8,9%
x5 -1.913,4 ,031 13,2%
x6 697,2 ,048 4,8%
x7 -543,5 ,005 3,8%
x8 147,7 ,000 8,2%
x9 2.348,7 ,000 16,3%
Interação entre x2 e x3 (níveis superiores) 849,1 ,000 5,9%
Interação entre x2 e x3 (níveis inferiores) -501,7 ,004 3,5%
Interação x3 e x7 (níveis inferiores) -429,8 ,074 3,0%
Variável Dependente - Público Pagante
Ajuste do modelo
R² = 0,723
O valor do r² obtido apresentou-se bastante satisfatório, com 72,3% da variância explicada em
função das variáveis independentes. Conforme a significância dos parâmetros estimados,
adotou-se o critério de tolerância para aceitação do parâmetro estimado de 0,1. Isso porque o
resultado com a tolerância de 0,1 foi ligeiramente superior ao obtido com tolerância de 0,05 e
os parâmetros estimados possuíam o sinal esperado.
No total, onze variáveis foram consideradas significantes para a previsão de público, sendo o
preço/i a de maior poder de impacto no público. O intervalo de influência dessa variável no
público equivale a 20,1% do potencial das demais variáveis mapeadas. Algumas variáveis
mostraram-se significantes apenas na interação com outras variáveis. Um exemplo disso seria
o horário da partida. Não há um horário essencialmente “bom” ou “ruim”, mas sua
combinação com um determinado perfil de campeonato, por exemplo, pode diminuir o
público potencial de uma partida.
Inicialmente, foram criadas vinte e quatro categorias de i, de acordo com a competição e fase
disputada. O melhor ajuste do modelo ocorreu com doze valores finais de i. Ou seja, há
algumas competições e fases cuja relação com o preço influencia de forma similar a demanda
de um jogo.
Os resultados obtidos mostram que as premissas adotadas foram válidas na formulação da
ferramenta de definição de preços. O valor de r² obtido, essencialmente maior do que em
trabalhos verificados anteriormente, como o de Souza (2004) e Benevides et al (2015),
mostrou que o preço como variável dependente adiciona poder explicativo relevante na
interpretação da demanda dos jogos. Assim, a adoção de uma perspectiva de demanda
monopolista mostrou-se bastante válida nesta situação.
A segunda premissa também permite, a partir da exploração de uma política de preços, a
prática de estratégias diferentes de acordo com o momento do clube. Para cada condição de
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fatores envolvida em uma partida, há preços diferentes que fazem com que a receita máxima
seja obtida. Isto é, a receita máxima é obtida com preços diferentes jogo a jogo. Isto sugere
que clubes que queiram maximizar público ou renda podem adotar uma precificação dinâmica
de seus jogos.
Pindyck e Rubinfeld (2002) mostram que o preço que maximiza o lucro de um monopolista é
aquele no qual a receita marginal iguala-se ao custo marginal. Neste caso específico, não se
torna necessário a análise do custo marginal para cada nível de preço praticado. Essa
particularidade ocorre pela razão do custo variável ser próximo de zero na venda de ingressos.
Isto é, os custos envolvidos na comercialização são essencialmente fixos. Nem sequer a
impressão do ticket mais é algo representativo, dado o volume de vendas pela internet
registrado atualmente (mais de 80% dos ingressos no clube analisado).
5. RESULTADOS OBTIDOS E CONTRIBUIÇÃO TECNOLÓGICA SOCIAL
Após a obtenção do modelo exposto na tabela 2, foi iniciado um processo de definição do
preço do ingresso com o cenário de receita máxima para cada jogo disputado pela equipe. Nos
oito jogos subsequentes à criação do modelo, foram obtidos os resultados expostos no gráfico
2.
Gráfico 2 – Comparação entre público real e previsto
60000
50000
R² = 0,9493
40000
30000
20000
10000
0
0 10000 20000 30000 40000 50000 60000
A relação entre público previsto e observado a partir da adoção do modelo de precificação de
ingressos mostra que, com a implementação de uma ferramenta analítica, obteve-se uma
melhor previsão do público esperado para um jogo. Além disso, nesse intervalo, a variação
entre o preço mínimo e máximo foi de 284%, mostrando que o maior excedente possível pode
ser capturado com um preço para cada partida.
Os doze valores de i diferentes obtidos, que gerencialmente significam que o clube possui
doze produtos diferentes em relação à atração de público ao estádio de acordo com o preço
praticado, permitem ao clube a exploração de uma política de preços transparentes ao
torcedor. Isto é, conhecendo como a demanda varia de acordo com o preço para cada partida
disputada, é possível comunicar ao torcedor com antecedência qual o preço máximo que será
cobrado em cada jogo disputado pelo clube ao longo da temporada. Essa prática pode ser um
instrumento de minimização da insatisfação com valores altos de ingressos em jogos
específicos, já que a queixa recorrente é o aumento súbito dos valores.
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Há inúmeros benefícios oriundos de uma melhor previsão de demanda nesse caso. O
dimensionamento de serviços de alimentação e bebidas, por exemplo, é um desses benefícios.
Com uma previsão de público mais aderente à realidade observada, os parceiros envolvidos
no estádio conseguem estabelecer com maior segurança seus estoques, dimensionando
produtos e mão de obra de acordo com a demanda projetada pelo clube. O prévio
conhecimento de jogos de baixa demanda, por exemplo, facilita a formatação de programas de
incentivo sem canibalização de receita. Em jogos de maior demanda, extrai-se maior
excedente do público com valores maiores de ingresso.
Outra aplicação bastante prática dessa abordagem é a assertividade de uma escolha de
transferência de mando de jogos. Em jogos de baixa demanda, o clube pode optar por
transferir o jogo para uma praça com demanda reprimida. Isso tem o potencial de aumentar
consideravelmente a arrecadação, embora possa gerar insatisfação no público torcedor local.
Caberá ao clube o equilíbrio dos trade-offs envolvidos em uma decisão desse tipo. O
conhecimento prévio de público potencial para cada jogo em função do preço praticado
permite também a criação de pacotes de ingressos que não canibalizem a receita individual de
cada jogo. Ou seja, a precificação de pacotes ocorre com menor assimetria de informação.
Outra função da abordagem é a interpretação correta de qual o potencial de arrecadação em
função de um melhor desempenho esportivo. Estimando-se corretamente a arrecadação de
bilheteria a priori, é possível compreender qual o nível de investimento aceitável no elenco de
jogadores para ter um time competitivo. É notório que o desempenho esportivo não depende
apenas da qualidade dos jogadores contratados, mas o dimensionamento correto da receita
incremental gerada facilita as decisões de investimentos em atletas.
Finalmente, vê-se na metodologia desenvolvida uma ferramenta que dá ao clube a
possibilidade de ter uma relação transparente com o público torcedor na comunicação dos
preços que serão praticados ao longo da temporada. Ao conhecer previamente os preços, a
variação dos valores tende a gerar menos insatisfação em jogos cujo preço será alto. Afinal,
não haverá surpresas por parte do torcedor quando o time praticar o preço combinado de
forma antecipada.
A partir dos resultados obtidos nessa pesquisa, abre-se uma oportunidade para a melhoria de
resultados com a captação de variáveis subjetivas por meio da tecnologia. As variáveis
indicadas pela diretoria como “raça” e “estilo de jogo” podem ser categorizadas mediante
algum esforço de análise de big data, a partir das interações dos torcedores do clube com a
instituições em redes de relacionamento.
Referências
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Análise Social, 41, 451-474.
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competitiva. São Paulo: Pearson.
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Futebol Brasileiro. Revista da USP, 22, 10-17.
Damo, A. (2018). Futebóis – da horizontalidade epistemológica à diversidade política.
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Deloitte (2011). Muito além do futebol: Estudo sobre esportes no Brasil.
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Farris, P.W.; Bendle, N.T.; Pfeifer, P.R.; Reibstein, D.J. (2012). Métricas de Marketing. Porto
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