UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE HISTÓRIA
ANA CLARA FONSECA TORRES
Antropologia e Cultura: Das Ilhas Samoa às Inovações de Boas e
Malinowski
NITERÓI
2025
ANA CLARA FONSECA TORRES
Antropologia e Cultura: Das Ilhas Samoa às Inovações de Boas e
Malinowski
NITERÓI
2025
Franz Boas e Bronislaw Malinowski: Inovações na Antropologia e a Consolidação da Ciência
da Cultura
A antropologia moderna deve muito aos trabalhos inovadores de Franz Boas e Bronislaw
Malinowski. Esses dois pesquisadores mudaram profundamente a forma de estudar as
sociedades humanas, rompendo com teorias ultrapassadas e desenvolvendo novas estratégias
para entender a diversidade cultural. Ambos são considerados pioneiros na consolidação da
antropologia como ciência da cultura, mas com abordagens distintas e complementares.
Franz Boas: Entendendo a Cultura como um Processo Histórico e Relativo
Franz Boas, nascido na Alemanha em 1858, foi um dos primeiros a rejeitar o evolucionismo
cultural, uma ideia dominante na época que classificava as culturas em estágios que iam do
“primitivo” ao “civilizado”. Para Boas, essa visão era não só equivocada, mas também
carregada de preconceitos etnocêntricos. Ele defendia que cada cultura deveria ser
compreendida dentro de seu próprio contexto histórico e social.
Principais Contribuições:
• Relativismo Cultural: Boas argumentava que nenhuma cultura é
intrinsecamente superior a outra. Cada sociedade cria maneiras únicas de resolver seus
desafios, de acordo com seus próprios valores e contextos. Essa ideia foi uma virada de chave
na antropologia.
• Método Histórico: Para ele, não fazia sentido buscar leis universais para
explicar o desenvolvimento das culturas. Era mais produtivo entender como cada sociedade
evoluía ao longo do tempo.
• Trabalho de Campo Detalhado: Boas coletou dados minuciosos sobre povos
indígenas, como os Kwakiutl da costa noroeste do Canadá, registrando práticas cerimoniais,
mitos e estruturas linguísticas.
• Crítica ao Determinismo Biológico: Uma de suas maiores contribuições foi
mostrar que cultura é aprendida e não determinada por características raciais. Seus estudos
com imigrantes nos EUA foram fundamentais para desmontar teorias racistas.
Impacto nos Estudos da Cultura:
Seus registros com os Kwakiutl inspiraram uma geração de documentaristas e etnógrafos. O
livro The Mind of Primitive Man (1911) se tornou referência na crítica ao racismo científico.
Bronislaw Malinowski: A Revolução da Observação Participante
Bronislaw Malinowski, nascido na Polônia em 1884, trouxe uma transformação metodológica
para a antropologia. Até então, os antropólogos costumavam depender de relatos indiretos de
missionários e viajantes para estudar culturas. Malinowski mudou isso ao viver por longos
períodos com os povos que estudava, adotando o que ficou conhecido como observação
participante.
Principais Contribuições:
• Observação Participante: Durante sua pesquisa nas Ilhas Trobriand, na
Melanésia, Malinowski se envolveu ativamente nas atividades cotidianas da comunidade,
como rituais, comércio e vida social. Essa imersão permitiu que ele captasse detalhes
invisíveis para observadores externos.
• Funcionalismo: Malinowski argumentava que todos os aspectos de uma
cultura têm uma função específica para atender às necessidades da sociedade. O famoso
sistema de troca Kula, por exemplo, não era apenas um comércio de objetos, mas um ritual
que fortalecia alianças sociais.
• Etnografia Detalhada: Ele não se contentava em descrever o que as pessoas
faziam, mas buscava entender como elas explicavam suas próprias práticas.
• Cultura como Totalidade: Malinowski defendia que a cultura é um sistema
integrado, onde religião, economia, parentesco e outros aspectos estão interligados.
Impacto na Antropologia:
Seu trabalho com os Trobriandeses foi documentado em "Argonauts of the Western Pacific"
(1922), uma obra clássica da antropologia. Documentários sobre sua pesquisa mostram a
profundidade de suas interações com os habitantes das ilhas.
Pilares Complementares da Antropologia Moderna
As contribuições de Boas e Malinowski moldaram os fundamentos da antropologia moderna:
• Franz Boas: Foco na história, diversidade cultural e crítica ao racismo
científico.
• Bronislaw Malinowski: Ênfase na função das práticas culturais e na
observação participante.
Novidades Teóricas e Metodológicas Introduzidas:
1. Rompimento com o Etnocentrismo: Ambos rejeitaram a ideia de uma
hierarquia cultural, defendendo o estudo das culturas em seus próprios termos.
2. Pesquisa Imersiva: O trabalho de campo deixou de ser baseado apenas em
relatos para se tornar uma experiência de longa duração e envolvimento direto.
3. Estudo da Cultura como um Sistema: Tanto Boas quanto Malinowski
compreenderam que cada sociedade possui uma lógica própria, onde aspectos sociais,
religiosos e econômicos se entrelaçam.
Margaret Mead, orientada por Franz Boas, realizou um estudo seminal nas Ilhas Samoa
entre 1925 e 1926, cujo objetivo principal era investigar se a crise da adolescência era um
fenômeno universal ou condicionado culturalmente. Seu trabalho resultou no livro Coming of
Age in Samoa (1928), uma obra que teve um impacto significativo na antropologia e nos
debates sobre adolescência, sexualidade e educação.
Estratégias de Pesquisa de Margaret Mead
1. Observação Participante:
Mead viveu por cerca de nove meses entre os samoanos, adotando a prática boassiana de
imersão na cultura local. Ela participou das atividades diárias da comunidade, observando
rituais, conversas informais e as interações sociais dos adolescentes.
2. Entrevistas Informais:
Mead conduziu entrevistas diretas com jovens samoanas, utilizando uma abordagem
acessível para obter informações sobre suas rotinas, relações afetivas e percepções sobre a
vida adulta. Sua forma de diálogo direto foi fundamental para criar um ambiente de
confiança.
3. Comparação Cultural:
A antropóloga contrasta as experiências das adolescentes samoanas com as das jovens norte-
americanas. Para isso, utilizou seus conhecimentos prévios sobre a sociedade ocidental,
especialmente sobre as pressões e ansiedades enfrentadas pelos adolescentes nos Estados
Unidos.
4. Foco na Sexualidade e na Estrutura Social:
Mead dedicou atenção especial à forma como a sexualidade era encarada em Samoa, bem
como aos papéis sociais atribuídos às mulheres jovens. Ela buscou entender como as normas
culturais moldavam a transição para a vida adulta.
Principais Resultados do Estudo
1. Ausência da “Crise” na Adolescência em Samoa
Mead concluiu que, diferentemente dos Estados Unidos, onde a adolescência era marcada por
conflitos familiares, ansiedades emocionais e dilemas sexuais, em Samoa essa fase da vida
transcorreu de maneira tranquila. A transição para a vida adulta era suave devido à
organização cultural e social da comunidade.
2. Sexualidade Livre e Naturalizada
A sociedade samoana, segundo Mead, apresentava uma abordagem aberta e natural em
relação à sexualidade. As jovens tinham mais liberdade para experimentar relacionamentos
antes do casamento, o que, na visão da antropóloga, reduzia os conflitos e ansiedades típicos
da adolescência ocidental.
3. Estrutura Familiar e Social Flexível
Mead observou que as famílias samoanas adotavam uma educação mais permissiva e
comunitária. A responsabilidade pela criação das crianças era compartilhada entre vários
membros da comunidade, o que promovia um ambiente menos repressivo e controlador.
Distinções Entre Adolescentes Americanos e Samoanos
Aspecto Adolescência nos EUA Adolescência em Samoa
Sexualidade Tabu, cercada por culpa e Abordagem aberta e
repressão naturalizada
Conflitos Familiares Comuns, especialmente por Raros, devido à estrutura
questões sexuais e rebeldia social mais flexível
Educação Familiar Estrutura parental rígida Educação comunitária e
permissiva
Pressão Social Intensa, especialmente sobre Menor pressão para
papéis de gênero e conformidade social
comportamento
Impacto e Controvérsias
A obra de Mead provocou intenso debate acadêmico. Suas conclusões foram contestadas pelo
antropólogo Derek Freeman, que em uma obra publicada décadas depois afirmou que Mead
teria sido enganada por suas informantes samoanas. Ainda assim, seu trabalho permanece um
marco por demonstrar a importância de fatores culturais na formação dos comportamentos
humanos.