João Fortunato Soares de Quadros Júnior
São Luís
2025
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
Os materiais produzidos para os cursos ofertados pelo UEMAnet/UEMA para o Sistema Universidade Aberta
do Brasil - UAB são licenciados nos termos da Licença Creative Commons – Atribuição – Não Comercial –
Compartilhada, podendo a obra ser remixada, adaptada e servir para criação de obras derivadas, desde que
com fins não comerciais, que seja atribuído crédito ao autor e que as obras derivadas sejam licenciadas sob
a mesma licença.
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO - UEMA
Reitor Professor Conteudista
Walter Canales Sant´ana João Fortunato Soares de Quadros Júnior
Vice-Reitor Revisão de Linguagem
Paulo Henrique Aragão Catunda Jonas Magno Lopes Amorim
Pró-Reitora de Extensão e Ruan Carlos Moura Costa
Assuntos Estudantis Designer de Linguagem
Ilka Márcia Ribeiro S. Serra Clécia Assunção Silva
Núcleo de Tecnologias para Educação Ruan Carlos Moura Costa
Lígia Tchaicka - Coordenadora Geral
Designer Pedagógico
Coordenação do Setor de Divisão de Design Paulo Henrique Oliveira Cunha
Educacional Maria José Matos Rodrigues Garcia
Cristiane Peixoto - Coord. Administrativa Diagramação
Maria das Graças Neri Ferreira - Coord. Pedagógica Tonho Lemos Martins
Designer Gráfico
Ivania de Jesus Serra Barroso
Normalização
José Marcelino Nascimento Veiga Júnior
Quadros Júnior, João Fortunato Soares de
Música brasileira [e-Book]. / João Fortunato Soares
de Quadros Júnior. – São Luís: UEMA; UEMAnet, 2019.
100 p.
ISBN: 978-65-89787-02-0
1. Musica. 2. Música Colonial. 3. Música Contemporânea.
4. Música popular. I. Título.
CDU: 782/785 (81)
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
SUMÁRIO
UNIDADE 1: A MÚSICA NO BRASIL COLONIAL......................................................... 5
1.1 A música indígena e o início da colonização do Brasil................................ 6
1.2 A música no Brasil Colônia................................................................................................ 13
RESUMO................................................................................................................................................... 29
REFERÊNCIAS...................................................................................................................................... 30
UNIDADE 2: DO BRASIL IMPÉRIO À MÚSICA CONTEMPORÂNEA............ 32
2.1 A música no Brasil Império................................................................................................ 33
2.2 O Maxixe e o Choro: a transição do Império para a República............ 43
2.3 Movimento nacionalista brasileiro............................................................................. 50
2.4 Música contemporânea brasileira.............................................................................. 56
RESUMO................................................................................................................................................... 66
REFERÊNCIAS...................................................................................................................................... 67
UNIDADE 3: MÚSICA POPULAR BRASILEIRA NOS SÉCULOS XX E XXI... 70
3.1 O Samba............................................................................................................................................ 72
3.2 O Rádio.............................................................................................................................................. 78
3.3 A Bossa Nova................................................................................................................................ 81
3.4 Movimentos musicais pós-1960.................................................................................... 82
3.5 O Rock brasileiro....................................................................................................................... 87
3.6 Música popular brasileira na era da massificação......................................... 91
RESUMO................................................................................................................................................... 98
REFERÊNCIAS...................................................................................................................................... 100
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
apresentação
Você já parou para pensar no que a música brasileira representa?
De onde ela vem? O que a torna tão única, deixando sua
marca e identidade? Essas perguntas introdutórias guiarão o
desenvolvimento da disciplina. Mas, para que isso aconteça,
precisamos voltar às raízes que deram origem à música que
vivenciamos em nosso dia a dia. Assim, é essencial explorarmos
não apenas os aspectos musicais que estruturam a música
brasileira, mas também os contextos socioculturais e históricos
que moldaram os eventos artísticos responsáveis pelas
transformações do nosso cenário musical.
Inicialmente, os registros históricos apontam os povos que
contribuíram para a formação da matriz cultural brasileira, com
destaque para os indígenas, os brancos europeus (especialmente
os portugueses) e os negros africanos
Quando pensamos na música brasileira, percebemos que essa
mestiçagem também se reflete em seus aspectos musicais.
Para embarcarmos nessa viagem, vamos explorar mais sobre a
origem da nossa nação, começando pelo período da colonização
do Brasil.
4
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
Unidade 1
A MÚSICA NO BRASIL
COLONIAL
Olá, estudante! Bem-vindo(a) à nossa primeira unidade.
Nesta etapa, vamos identificar as características que estruturam
a música no período colonial no Brasil. Além disso, vamos
compreender o contexto histórico e sociocultural que influenciou
essa produção musical. Para finalizar, que tal exercitarmos a escuta
e reconhecermos auditivamente obras de diferentes autores do
Brasil Colônia?
Vamos juntos(as) nessa jornada de aprendizado?
5
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
1.1 A música indígena e o início da colonização do Brasil
O
s povos indígenas veem Instrumentos de origem indígena
na música um elemen-
to importante para di-
ferentes atividades do seu dia
a dia. Usam-na, sobretudo, na
composição dos vários rituais
que compõem a rotina da tribo,
como os de iniciação, de cura
e de morte. Os instrumentos
mais conhecidos desses povos
são chocalhos (sejam segura-
dos por hastes e tocados com
as mãos, sejam amarrados nos
tornozelos e tocados a partir da Fonte: Pinterest (2018)
movimentação dos pés), percussões em madeiras ou em membranas,
zumbidores (instrumentos que emitem sons quando agitados no ar),
flautas de diferentes tipos, materiais, tamanhos e sonoridades, e espe-
cialmente o canto coletivo, de característica essencialmente monódica.
Transmitida de forma oral, a música indígena aparece bastante vincula-
da à dança ritualística, impulsionando e dando a fluidez necessária para
a dinâmica dos gestos e a condução dos movimentos corporais.
O primeiro relato que se tem notícia sobre o primeiro contato entre
os indígenas e os portugueses no Brasil remete à Carta de Pero Vaz
de Caminha a El-Rei D. Manuel, como transcrito no livro História
social da música popular brasileira, de José Ramos Tinhorão (2010,
p. 36-37):
6
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
Segundo Caminha, no quinto dia após a chegada, ou seja, no domingo, 25
de abril [de 1500], o capitão foi com uma equipe até perto da praia de onde
os indígenas lhe acenavam e, satisfeita a curiosidade – conforme escrevia
-, “viemo-nos às naus, a comer, tangendo trombetas e gaitas, sem mais os
constranger”. Mais tarde, ainda nesse domingo, resolveram descer em terra
para tomar conhecimento de um rio que ali desaguava, “mas também para
folgarmos” e, então, um antigo almoxarife de Santarém chamado Diogo Dias,
por “ser homem gracioso e de prazer”, resolveu atravessar o rio para o lado
em que se encontravam os indígenas: “E levou consigo um gaiteiro nosso
com sua gaita. E meteu-se a dançar com eles, tomando-os pelas mãos; e eles
folgavam e riam, e andavam com ele muito bem ao som da gaita”.
Os indígenas eram considerados pelos portugueses, povos com gran-
des aptidões para a música. A respeito do fazer musical do povo indí-
gena, relata o Pe. Fernão Cardim (1847) em uma de suas cartas publi-
cadas no livro Narrativa epistolar duma viagem e missão jesuítica:
[...] e os mais delles nús, e juntos andam correndo toda a povoação, dando
grandes urros, e juntamente vão bailando, e cantando ao som de um cabaço
cheio de pedrinhas (como os pandeirinhos dos meninos em Portugal): vão tão
serenos, e por tal compasso que não erram ponto com os pés, e calcam o chão
de maneira que fazem tremer a terra: andam tão inflamados em braveza, e
mostram tanta ferocidade que é cousa medonha e espantosa; as mulheres e
meninos também os ajudam n’estes bailos, e cantos; fazem seus trocados e
mudanças com tantos gatimanhos e tregeitos que é cousa ridícula: de ordinário
não se bolem de um lograr, mas estando quedos em roda, fazem o mesmo
com o corpo, mãos e pés, não se lhe entende o que cantam, mas disseram-
me os padres que cantavam em trovas quantas façanhas e mortes tinham
feito seus antepassados; arremedam passaros, cobras, e outros animaes, tudo
trovado por comparações, para se incitarem a pellejar (Cardim, 1847, p. 36).
Ritual indígena O relato de Cardim deixa evi-
dente a simbiose entre o cor-
po e a música na prática dos
antigos indígenas, que eram
profundamente influencia-
dos pelos sons ao seu redor,
especialmente aqueles pro-
venientes da fauna e da flora.
Fonte: Wikipedia (2000) Além disso, destaca a valori-
7
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
zação da memória de seus antepassados, que se manifestava nos ver-
sos cantados. Kiefer (1997), importante musicólogo brasileiro, transcre-
ve em seu livro História de Música Brasileira um relato interessante do
francês Jean de Léry datado do ano de 1557 e que tratava da impressão
que lhe causava a música executada pelos povos indígenas:
Essas cerimônias duraram cerca de duas horas e durante esse tempo os
quinhentos ou seiscentos selvagens não cessaram de dançar e cantar de
um modo tão harmonioso que ninguém diria não conhecerem música.
Se, como disse, no início dessa algazarra, me assustei, já agora me
mantinha absorto em coro ouvindo os acordes dessa imensa multidão
e sobretudo a cadência e o estribilho repetido a cada copla: Hê, he ayre,
heyrá, heyrayre, heyra, heyre, uêh. E ainda hoje quando recordo essa cena
sinto palpitar o coração e parece-me a estar ouvindo (Kiefer, 1997, p. 10).
Assim como observado no relato acima, era bastante comum encontrar o
emprego de termos pejorativos nas cartas dos membros da Companhia
de Jesus (mais conhecidos como jesuítas) que viveram no Brasil do século
XVI, para descrever os povos ameríndios e os seus costumes. Exemplo
disso é o trecho da carta enviada pelo Pe. Manuel da Nóbrega ao Pe.
Simão Rodrigues em 1549, informando que João de Azpilcueta Navarro,
seu colega de expedição e considerado o primeiro jesuíta a aprender a
língua dos povos indígenas, “[...] à noite ainda faz cantar os meninos certas
orações que lhe ensinou em sua língua deles, em lugar de certas canções
lascivas e diabólicas que antes usavam” (Tinhorão, 1972, p.10, grifo nosso).
A respeito disso, o historiador José Ramos Tinhorão (1972), em seu artigo
A Deculturação da Música Indígena Brasileira, destaca que o uso de
termos pejorativos para referir-se à música indígena tinha também
relação com a forma pela qual os padres a ouviam, “sempre ligadas
a danças rituais, entre batidas de pés no chão, volteios de corpo e
pequenos estribilhos em uníssono”. Além disso, também corroborava
para o uso de tais qualificações o caráter assustador do instrumental
utilizado da música indígena, muitas vezes formado por “trombetas
8
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
com crânio de gente na extremidade, flautas de ossos, chocalhos de
cabeças humanas, etc.”
Os relatos de Lêry e Cardim demonstram claramente a concepção
cultural da época, a qual definia como selvagem ou culturalmen-
te inferior todo povo situado para além dos limites fronteiriços dos
principais reinos que compunham parte do que conhecemos hoje
em dia como Europa (Inglaterra, Espanha, Portugal, Itália e França),
incluindo nesse grupo também os povos negros, asiáticos, nórdi-
cos, árabes, entre outros (Laraia, 1986). Tal concepção fez com que se
criasse nos colonizadores a preocupação de impor um padrão cultu-
ral eurocêntrico aos nativos, utilizando para isso estratégias como a
catequização religiosa e o uso da música.
A estratégia de coloniza- Colonização da América espanhola
ção utilizada pelos mem-
bros da Companhia de
Jesus e os franciscanos
no Brasil foi diferente da-
quela empregada pelos
colonizadores espanhóis
no restante do continente
Americano, caracterizada
pelo extermínio em gran-
de parte dos povos indí-
genas que ali habitavam
e, consequentemente, da
sua cultura, havendo um
longo processo de luta e Fonte: Pinterest (2018)
resistência que não per-
mitiu exaurir completamente as raízes originárias desse povo. Um
exemplo disso foi o trabalho de resgate cultural desenvolvido por
9
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
professores em escolas peruanas no último século, buscando resga-
tar as raízes culturais dos antigos povos formadores daquele país,
em contraposição ao processo de desindianização historicamente
promovido pelos seus colonizadores. Sobre isso, recomenda-se a lei-
tura do trabalho de Liendo (2017) intitulado Teacher, folklore, and
the crafting of Serrano cultural identity in Peru.
Companhia de Jesus Diferentemente dis-
so, os jesuítas optaram
por aprender os diale-
tos das várias etnias in-
dígenas que existiam
naquela época para
poder introduzir a cul-
tura europeia naque-
le contexto. Segundo
Mariz (1983), em seu li-
vro História da Música
Fonte: Pinterest (2000)
no Brasil, o processo
de catequização levou os jesuítas a escreverem “autos” em português
e em língua local, ensinar as crianças indígenas a cantar, a dançar e
a tocar diferentes instrumentos de origem europeia, tais como flau-
tas, gaitas, tambores, viola e até cravo. Eles também se valeram em
grande parte do uso de cânticos baseados principalmente no canto
gregoriano. Entre aqueles que mais contribuíram para esse processo,
destaca-se o nome de Francisco de Vaccas, responsável pela música
na catedral da Bahia e pelo posto de mestre de capela no Brasil em
1554, sendo bastante importante na promoção de uma vida musical
ativa na colônia recém-criada.
10
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
Segundo Tinhorão (1972, p. 9-10), o trabalho de conversão dos gentios
desenvolvido pelos jesuítas no Brasil foi, em certa medida, facilitado
por:
[...] do ponto de vista musical, havia uma certa coincidência entre o
espírito da catequese (que visava congregar os indígenas em reduções,
sob a autoridade da Igreja), o sentido coletivo da música dos índios
(quase sempre ritual, pelo característico mágico de suas relações com
os fenômenos da natureza) e o caráter igualmente redutor de vozes da
monodia do cantochão.
Outro que se beneficiou das conexões existentes entre a música
indígena e o cantochão gregoriano foi o compositor brasileiro Heitor
Villa-Lobos. Segundo o pesquisador Moreira (2013), no artigo O estilo
indígena de Villa-Lobos (Parte I): aspectos melódicos e harmônicos,
Villa-Lobos utilizou em diversas de suas composições elementos como
“melodias em graus conjuntos, movimentos de segunda e saltos
de terça, compensação, ritmo conduzido pela palavra em pulsos,
modalismo e função ritual”, características que segundo o autor
estavam presentes tanto na música indígena com a qual teve contato
como também no canto gregoriano (Moreira, 2013, p. 24). Essa relação
estabelecida tanto no caso dos jesuítas como no de Villa-Lobos parece
conectar simbolicamente o velho e o novo mundo a partir de conceitos
como “ancestralidade, religiosidade, comunhão com a natureza (ou
deuses)”.
O pesquisador musical Edson Frederico (1999), no livro Música:
breve história, afirma que uma característica importante do povo
indígena era a sua relação com a música, levando-os a poupar as
vidas dos seus inimigos sempre que estes demonstrassem serem
músicos ou cantores. Essa relação ajudou os indígenas a absorverem
a proposta catequética dos jesuítas, sem perceber que esse processo
os distanciava das características identitárias da sua cultura, como
por exemplo abandonar “as palavras cabalísticas das suas canções
11
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
de ritmo encantatório em favor da rigorosa lógica do cânone
gregoriano” (Tinhorão, 1972, p. 10).. Esse processo de distanciamento
do povo indígena das matrizes culturais que estruturavam o seu
fazer musical foi denominado de deculturação da música indígena
brasileira (Mariz, 1983).
Como resultado dessa Sotaque de Pindaré do Bumba meu boi
deculturação, grande
parte da cultura
musical indígena no
Brasil foi perdida ou
esquecida, levando
autores como Renato
de Almeida (1958), em
seu livro Compêndio
de história da música
brasileira, a considerar
diminuta a influência
Fonte: Barros e Quadros Jr. (2019)
indígena na música
brasileira atual. Contrapondo essa visão, podemos destacar que tais
influências ainda resistem nas manifestações de caráter popular
espalhadas pelo Brasil. Exemplo disso é o Bumba meu boi do
Maranhão, composto por sotaques (como o de Pindaré) que valorizam
diferentes elementos da cultura indígena, seja na sua indumentária,
no bailado ou mesmo na música.
Além disso, são relevantes os esforços empregados por vários
estudiosos e educadores no resgate dos elementos da cultura indígena
que sobrevivem até os dias atuais, em oposição aos estereótipos
12
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
culturalmente retransmitidos ao longo dos anos. Sobre isso, merecem
destaque os trabalhos desenvolvidos por antropólogos como Rafael
José de Menezes Bastos1, por criadores e pesquisadores musicais
como Magda Pucci2 e por indígenas como Márcia Wayna Kambeba3.
Iniciativas como essas vêm proporcionando um maior conhecimento
acerca da cultura indígena, buscando a conscientização sobre sua
importância para a construção do conceito de nação no Brasil.
Magda Pucci
Márcia Wayna Kambeba
Fonte: Conexão Planeta (2018)
Fonte: O Globo (2019)
1.2 A música no Brasil Colônia
Muitos especialistas convergem na opinião de que os jesuítas foram
os primeiros professores de música europeia no Brasil (Kierfer, 1997;
Mariz, 1983). Entretanto, é importante esclarecer que as ações por
eles desenvolvidas tinham como objetivo principal a conversão dos
indígenas à religião católica, caracterizando a ação pedagógico-
1
Autor da importante obra A musicológica Kamayurá: para uma antropologia da comunicação no Alto Xingu (1999).
2
Ver video Mawaca Cantos da Floresta – Songs of the Florest (Subtitles in English) (Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=4fpZ5PZC6Nc)
3
Ver video Márcia Wayna Kambeba – Oficina sobre Música Popular Brasileira e Indígena (Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=jy0Pj9Mwja8)
13
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
musical como um meio para alcançar fins eclesiásticos. Ainda
assim, destaca a existência de pequenas escolas de música em
grande parte das aldeias civilizadas, “onde indígenas aprendiam
com facilidade a tocar flauta, viola, cravo, além do canto para oficiar
nas Missas”.
Jesuítas e indígenas
Fonte: Portal das Missões (2015)
Além disso, os Jesuítas eram responsáveis também pela criação de
autos (pequenos episódios dramáticos) em português, em língua
indígena e às vezes em castelhano, adotando santos, anjos, demônios
14
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
como “forças sobrenaturais exercidas sobre o homem, para tirar a
moralidade preconcebida, do bem dominando o mal” (Almeida,
1958, p. 51). Entre os principais compositores de autos da época se
destacam José de Anchieta, Manoel da Nóbrega, Alvaro Lobo e
Manoel do Couto.
O processo de formação musical desenvolvido pelos jesuítas nas
escolas de música resultou na instrução de diversos indígenas dentro
da perspectiva artística europeia, fazendo surgir os nheengariba,
índios músicos que acompanhavam os jesuítas nas suas missões,
bem como abriu espaço para o surgimento de “capelas” particulares,
grupos musicais provavelmente compostos por indígenas
contratados pelos senhores de engenho para garantir a execução
de música religiosa nas áreas rurais (Castagna, 2003).
Outros personagens de grande importância no cenário cultural do
Brasil colônia são os mestres de capela, vindos de Portugal na segunda
metade do século XVI durante a chegada de Dom Pedro Fernandes
Sardinha, primeiro bispo do Brasil no momento da instalação do
primeiro Governo Geral na Bahia com Tomé de Sousa. Apesar de
inicialmente concentrada em Salvador, a atuação dos mestres de
capela foi se expandindo com o passar do tempo para outros centros.
Eles tinham como responsabilidade introduzir no Brasil uma vida
cultural que se assemelhasse à de Portugal e que favorecesse a fixação
de uma civilização na recém-criada colônia. Para tanto, atuavam como
professores, regentes, compositores, cantores e instrumentistas.
Segundo Mariz (1983, p. 33), “os mestres-de-capela funcionam também
como empresários de atividades musicais, organizavam os programas,
escolhiam os intérpretes e mantinham virtual monopólio musical em
sua respectiva jurisdição”.
15
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
O repertório musical nesse período se restringia basicamente ao
cantochão e à música renascentista, em especial a portuguesa.
Entretanto, não se pode esquecer que os colonos importaram
também as danças e as músicas de cunho profano existentes na
cena cultural de Portugal, como a modinha. Segundo Almeida (1958,
p. 12), a colonização do Brasil suscitou a importação de uma ampla
variedade de elementos musicais de origem europeia, como “formas
melódicas, ritmos, tonalismo harmônico, instrumentos, formas
folclóricas em toadas, rezas, canções, romances, danças e autos”. Esse
autor destaca que, apesar da gigantesca influência portuguesa, é
impossível desprezar o fato de que povos de outras partes da Europa
também contribuíram para a construção da cultura brasileira. Por
exemplo, da Espanha, herdamos boleros, malagueñas, fandangos
e habaneras; da Itália, proveio a tradição da ópera; da França,
destacam-se algumas canções de roda infantis e a forma canção.
Dessa maneira, apesar de lenta e gradual, a música profana no Brasil
foi se desenvolvendo como resultado de uma mescla entre a música
religiosa e diferentes estilos profanos de origem europeia.
O início da exploração, no Brasil, da cana-de-açúcar pelos
portugueses a partir de 1533 marcou a transformação das relações
entre o homem branco e o indígena. Se antes o processo tinha como
base a troca de favores e de presentes, agora essa relação se torna
essencialmente laboral e comercial na tentativa de escravização
do povo indígena. A grande resistência do indígena levou-os a
serem expulsos de suas terras e empurrados para o interior do
país (Tinhorão, 1972).
16
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
Em substituição à mão de obra indígena, foram trazidos da
África vários escravos negros que já possuíam experiência no
desenvolvimento de uma agricultura organizada. A chegada desses
escravos promoveu transformações importantes no cenário musical
brasileiro. Primeiramente, ela possibilitou a expansão econômica das
principais capitanias, tais como Bahia e Pernambuco (consideradas as
principais produtoras de cana-de-açúcar no mundo). Isso possibilitou
a efervescência da cena cultural brasileira em virtude da crescente
imigração europeia para fins de exploração.
O jantar, de Jean-Baptiste Debret (1820)
Fonte: Toda Materia (2000)
17
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
Por outro lado, os negros também assumiram os postos dos
indígenas dentro dos grupos musicais da época. Considerando
que grande parte dos indígenas havia recebido formação musical
baseada na música religiosa, a chegada dos negros possibilitou uma
diversificação da qualidade dos músicos, atendendo às diferentes
demandas surgidas. Entretanto, conforme aponta Tinhorão (1972),
o escravo negro era totalmente subjugado à categoria de servil,
obrigado a executar a música de origem europeia sem qualquer
possibilidade de síntese com suas raízes africanas. Por isso, de acordo
com Mariz (1983), a música do período colonial no Brasil conseguiu
manter sua essência e estrutura eurocêntrica, apesar de ser quase
exclusivamente interpretada por mulatos ou negros. Essa situação
se manteve até a abolição da escravatura no século XIX.
O negro passa a ser a principal referência musical no Brasil. Kiefer
(1997), por exemplo, afirma que existem registros datados da primeira
metade do século XVII em que relatam a existência de bandas militares
no Brasil, compostas quase em sua totalidade por músicos negros.
Mariz (1983), por outro lado, destaca que também nesse período
teve início o surgimento das irmandades de música, uma espécie
de organização de músicos com sede na Bahia, em Pernambuco e
em Minas Gerais, constituída em sua maioria por negros, em que
apenas os sócios eram autorizados a fazer música. Assim, pequenas
orquestras e corais eram frequentemente organizados para
desenvolver atividade musical em festejos de todos os gêneros.
Do século XVII, poucos são os relatos acerca de personalidades
de destaque na música brasileira. Dentre estes, o principal é Frei
Euzébio da Soledade (1928-1692), irmão do poeta Gregório de Mattos,
músico habilidoso conhecido por tocar e improvisar lundus (cantiga
afro-brasileira para dança) em sua viola. Apesar de sua obra ter sido
18
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
completamente perdida, Almeida (1958, p. 54), destaca que Frei
Euzébio da Soledade (ou Euzébio de Mattos) compôs tanto música
religiosa quanto cantos profanos, sendo considerado conjuntamente
com Frei Antão de Santo Elias, Frei Francisco Xavier de Santa Tereza,
José de Anchieta e Alvaro Lobo os “instituidores e propagadores da
Escola tonal e diatônica de sete graus na Bahia”.
No século XVIII, surgem no Brasil as Casas de Ópera, salas de concertos
destinadas a receber as atividades musicais que não se restringiam
mais às igrejas e às casas dos mais abastados. Nesses espaços ganhou
relevância um repertório de origem italiano denominado ópera
buffa, definido por Mariz (1983) como uma composição cômica ou
dramática entremeada por música, uma tentativa de replicar a cena
cultural vigente em Lisboa naquele período. Nesses espaços se tocava
de tudo: “adaptações de trechos de óperas, minuetos, fandangos,
contradanças, modinhas e até lundus” (Mariz, 1983, p. 35). Tais Casas
de Ópera se espalharam por várias capitanias no Brasil (Rio de Janeiro,
São Paulo, Recife, Belém e Porto Alegre), com destaque para o Teatro
da Câmara Municipal (criado em 1729) e a Casa da Ópera da Praia
(em 1760), ambos sediados na Bahia.
Apesar disso, o núcleo artístico brasileiro ainda estava concentrado na
música sacra com grande atuação dos inúmeros mestres de capela.
Como exemplo, Almeida (1958) destaca a fundação da primeira Escola
de Música da Amazônia, em Belém do Pará, por volta de 1735, destinada
à música vocal. Em São Paulo, a chegada de André da Silva Gomes em
1774 possibilitou estruturar as bases do ensino e composição musicais,
bem como a organização da Capela da Sé. Em Minas Gerais, a riqueza
decorrente da exploração de minérios, a grande concentração de
indivíduos de diferentes origens culturais (mineiros, baianos, paulistas,
pernambucanos etc.), o perfil citadino e mercantilista da classe média
19
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
mineira e a tentativa de elevação social do mulato livre por meio da
música contribuíram para o despontamento de um número expressivo
de músicos, tais como Marcos Coelho Neto4 e José Joaquim Emerico
Lobo de Mesquita5, além de dar início à tradição secular das bandas
militares mineiras (Lange, 1966).
O surgimento cada vez maior de espaços específicos para produção
musical contribuiu diretamente no desenvolvimento cultural do
Brasil colônia no século XVIII. Almeida (1958, p. 55) afirma que
essas transformações fizeram com que “pelo país a fora, [fossem]
brotando ao meio do povo as melodias e os ritmos donde mais tarde
germinariam a música brasileira”. Kiefer (1997) complementa que é
desse período a mais antiga obra erudita que se tem conhecimento
na história da música brasileira, datada de 1759 e intitulada Recitativo
e Ária6, cuja autoria é atribuída ao mestre de capela de Salvador,
Caetano de Mello Jesus (Mariz, 1983).
Em 1763, a descoberta de minas de ouro e de diamante em Minas
Gerais e a necessidade de maior controle para coibir o seu contrabando
levaram à mudança da capital de Salvador para o Rio de Janeiro por
determinação do rei de Portugal D. José I e orquestrado por Sebastião
José de Carvalho e Melo (1699-1782), mais conhecido como Marquês de
Pombal. De acordo com Kiefer (1997, p. 44), o Rio de Janeiro nessa época
ainda era “um porto modesto com cerca de 25.000 habitantes”. Assim,
a mudança de status possibilitou uma consequente transformação
sociocultural da nova capital do Brasil, o que seria bastante acentuado
com a chegada da Família Real em 1808.
4
Como exemplo, sugerimos a audição da música Himno a Quatro – Maria mater gratiae, de Marcos Coelho Neto. Disponível
em: https://www.youtube.com/watch?v=dGIxZDKWtD8.
5
Como exemplo, sugerimos a audição da música Responsório de Santo Antônio, de José Joaquim Emerico Lobo de
Mesquita. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3w0T7z4RSEE.
6
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=RyrrKq5IXX8.
20
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
Padre José Maurício Nunes O principal personagem da música
Garcia, retratado por seu filho
José Maurício Jr. erudita brasileira do f inal do século
XVIII e início do XIX foi o Padre José
Maurício Nunes Garcia, um mestiço
nascido no Rio de Janeiro em 1767.
Com formação religiosa, Nunes Garcia
desenvolveu sua carreira musical
participando em bandas e orquestras
tocando vários instrumentos e
cantando. Foi nomeado mestre
de capela da Catedral e Sé, no Rio
de Janeiro, em 1798, tendo como
responsabilidades compor, reger,
interpretar e organizar as cerimônias
religiosas. Posteriormente, foi
Fonte: Wikipédia (2000)
nomeado pregador-régio da Capela
Real. Manteve até 1822 uma escola
gratuita de música que tinha como objetivo principal formar
músicos e cantores para atuarem na Catedral e Sé. De acordo
com Mariz (1983), Padre José Maurício é considerado o primeiro
grande compositor brasileiro, tendo dirigido praticamente todas
as atividades musicais da corte portuguesa entre os anos 1808
e 1811. É compositor de aproximadamente 240 obras – hinos,
motetes, antífonas, Magnif icat, Te-Deum, graduais, responsórios,
entre outras – em sua maioria de caráter sacro, das quais se
destacam Missa em si bemol (1801)7, Missa Requiem (1816)8 e a
modinha Beijo a mão que me condena (s.d.) 9. Faleceu em 1830
aos 62 anos.
7
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=58NmYeJ-jF0.
8
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=uXt3_JxMsGM.
9
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Yb0lnukEWds.
21
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
1.2.1 A modinha e o lundu
No âmbito profano, muitos historiadores destacam a forte presença
de dois tipos de música: a modinha e o lundu. Modinha definida por
Lima (2010, p. 15) como “canção lírica, que tematiza o amor ideal, po-
ética e musicalmente comprometida com o estilo vigente na segun-
da metade do século XVIII”. Para Castagna (2003b, p. 1), a modinha
tem sua origem na moda, “tipo genérico de canção séria de salão,
que incluía cantigas, romances, e outras formas poéticas, compostas
por músicos de alta posição profissional”. O autor encontra explica-
ção para o surgimento da modinha afirmando que:
Com a progressiva ascensão da burguesia e, consequentemente, com a
mudança de hábitos da nobreza, surgiu uma prática musical doméstica
ou de salão destinada a um entretenimento mais leve e menos erudito
que aquele proporcionado pela ópera e pela música religiosa. Assim,
a música doméstica urbana, praticada por amigos e familiares em
festas ou momentos de lazer, privilegiou formas de pequeno número
de intérpretes, de fácil execução técnica e de restrito apelo intelectual
(Castagna, 2003b, p. 1).
Sandroni (2001), por outro lado, destaca que a partir da década de
1780 tornou-se comum a referência à modinha enquanto um tipo
de canção em especial tanto no Brasil quanto em Portugal. Apesar
de possuírem uma raiz comum, esse autor demonstra evidências
que diferenciam a modinha brasileira10 da portuguesa11, que variam
desde a influência musical à sua rítmica característica. Por essa razão,
Tinhorão (2010, p. 121) considera a modinha como o “primeiro gênero
de canto brasileiro dirigido especialmente ao gosto da gente das
novas camadas médias das cidades”.
10
Como exemplo de modinha brasileira, sugerimos a audição da música Você se esquiva de mim, de autoria desconhecida. Disponível em: https://www.
youtube.com/watch?v=M849Q0lBr38.
11
Como exemplo de modinha portuguesa, sugerimos a audição da música Cuidado tristes, cuidado, de Marcos Portugal. Disponível em: https://www.
youtube.com/watch?v=VE9Vx_-sKuI.
22
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
Por sua vez, o lundu (também grafado como londu ou lundum)
é definido por Lima (2010, p. 15-16) como “canção mais sensual,
satírica, e às vezes crítica, também comprometida com sua época,
às vezes espúria e um pouco marginal”. Tinhorão (2010) afirma
que essa dança mesclava a coreografia tradicional do fandango
europeu ao batuque e à umbigada das tradições africanas, havendo
relatos que indicam o seu aparecimento de forma praticamente
simultânea na Bahia, no Rio de Janeiro e em Pernambuco por volta
da década de 1760. Esse autor destaca que o lundu “apresentava
ainda um traço destinado a determinar sua evolução: o estribilho
marcado pelas palmas dos circunstantes, que fundiam ritmo e
melodia no canto de estilo estrofe-refrão mais típico da África
negra” (Tinhorão, 2010, p. 103).
Retrato do Lundu no Rio de Janeiro do século XIX por Earle
Fonte: Pinterest (2017)
23
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
Mário de Andrade (1944), em seu livro Cândido Inácio da Silva e o
lundu, destaca três características comuns das letras dos lundus do
século XIX: comicidade, temática sexual e a referência a mulheres
mulatas e negras. Sandroni (2001), após analisar diferentes lundus
dessa época, chama a atenção para a recorrência de um elemento
bastante presente na gênese de vários gêneros musicais brasileiros:
a síncope característica. A título de exemplo, sugerimos a audição
das músicas Lá no largo da Sé velha12 (de Candido Inácio da Silva) e
Esta noite (s.d.)13 (de João Francisco Leal).
Síncope característica
Fonte: Elaborada pelo Autor (2019)
Domingos Caldas Nesse cenário, entra em evidência o primeiro
Barbosa nome de maior relevância na música popular
brasileira: Domingos Caldas Barbosa (1738-
1800). Nascido no Rio de Janeiro, Caldas
Barbosa se mudou para Portugal em 1770 e
é considerado entre os historiadores como o
responsável pela divulgação em Portugal e
no Brasil tanto da modinha quanto do lundu
(Sandroni, 2001). De acordo com Tinhorão
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/
Domingos_Caldas_Barbosa (2010), a difusão, sobretudo do lundu, fomentou
o desenvolvimento de vários outros gêneros
12
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dM4TYJ83_D4.
13
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=oX6Xtue4O7o.
24
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
musicais característicos de ambos os países, tais como o fado em
Portugal e o samba no Brasil, o que evidencia a grande importância
de Domingos Caldas Barbosa na convergência das culturas lusitana e
brasileira. Suas obras estão reunidas no livro Viola de Lereno (Barbosa,
1845), título que faz referência ao pseudônimo que ele adotava. Como
principais composições, merecem destaque Vou morrendo devagar14,
A ternura brasileira15 e Você trata amor em brincos16, esta última feita
em parceria com Marcos Portugal.
Para conhecer mais sobre Caldas Barbosa,
sugerimos a leitura do livro Domingos Caldas
Barbosa: o poeta da viola, da modinha e do
lundu (1740-1800), de José Ramos Tinhorão
mestre-de-capela (2004).
1.2.2 A chegada da Família Real
A invasão de Portugal por Napoleão Bonaparte obrigou a corte
portuguesa a se refugiar no Brasil, chegando ao Rio de Janeiro no
ano de 1808. Essa mudança provocou transformações de grande
impacto na sociedade brasileira, das quais podemos destacar a
14
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=LfSPbuGD-MA.
15
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=CmOGf1Bgb9c&t=93s.
16
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8o6o72zePbQ.
25
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
abertura dos portos às nações amigas de Portugal, a construção de
estradas, a criação do Banco do Brasil, da Biblioteca Nacional, do
Museu Nacional de Belas Artes e da Imprensa Nacional.
Segundo Kiefer (1997), a vida cultural no Rio de Janeiro antes da
chegada da Família Real era bastante incipiente, havendo apenas
um teatro na cidade: o Ópera Velha. Existia na época a tentativa de
criação de óperas com textos traduzidos para o português, como foi
o caso de L’Italiana in Londra (1777-1784)17, do compositor italiano
Domenico Cimarosa. Entretanto, Kiefer (1997) destaca que não se
tem notícia acerca de criações de óperas brasileiras nessa época.
Como já mencionado anteriormente, as atividades artísticas dos anos
iniciais da estadia da corte portuguesa no Brasil ficou a cargo do
Padre José Maurício Nunes Garcia. Em 1811 chega ao Rio de Janeiro
o renomado compositor português Marcos Portugal (1762-1830), a
quem foi conferida a responsabilidade pela música profana da corte,
sendo nomeado em 1813 para o cargo de diretor do recém-inaugurado
Real Teatro São João, considerado naquele momento o maior das
Américas (Almeida, 1958; Kiefer, 1997). Nunes Garcia, por sua vez, ficou
responsável pelas atividades musicais de cunho religioso realizadas
na Capela Real, criada como anexo à Catedral e Sé.
Com o passar do tempo, a presença de Marcos Portugal acabou
sobrepondo-se à figura de Nunes Garcia, concentrando em si a função
de principal compositor e promotor cultural da corte. Autores como
Almeida (1958) e Mariz (1983) sugerem a existência de um componente
racial nessa preferência, uma vez que Marcos Portugal era branco e
de origem europeia, enquanto que o Padre José Maurício era mulato
e brasileiro. Apesar da ausência de holofotes, a obra de Nunes Garcia
ainda hoje é considerada como a base da música erudita brasileira.
17
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=O9QukCUhHiI.
26
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
O investimento de D. João VI no campo artístico era tão grande que
ele contratava músicos renomados da Europa para apresentações no
Brasil, bem como financiou a missão artística francesa de 1816 chefia-
da pelo pintor Joachim Lebreton (1760-1819), que contou com a partici-
pação de importantes pintores (Jean-Baptiste Debret), arquitetos (Au-
guste Montigny), escultores (Auguste Marie Taunay) e, em especial, do
músico austríaco Sigismund Neukomm (1778-1858). Essa missão tinha
como objetivo a criação de uma escola superior de Belas Artes baseada
em uma proposta metodológica de ensino sistematizado e gradativo.
Sigismund Neukomm Neukomm, discípulo favorito do renomado
compositor clássico Joseph Haydn,
permaneceu no Brasil até o ano de 1821,
sendo nesse período professor de harmonia
e contraponto de D. Pedro I e do compositor
Francisco Manuel da Silva. Compôs algumas
músicas que apresentam relação direta com
o Brasil, tais como O amor brasileiro (1819)18
(considerada a primeira obra com um tema
brasileiro, um capricho para piano composto
Fonte: Kairos (2018) a partir de um tema de lundu), a abertura Le
Héros (1821)19 (em homenagem a D. Pedro
I) e Fantasia para grande orquestra sobre uma pequena valsa de
D. Pedro I (1816). De acordo com Kiefer (1997), Neukomm decidiu
retornar à Europa por sentir que sua estadia no Brasil estava sendo
subutilizada, muito em função das intrigas causadas por Marcos
Portugal.
A expulsão das tropas napoleônicas das terras portuguesas, conhe-
cida como Batalha de Waterloo, atrelada à elevação do Brasil à ca-
18
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=u7anVPVGdms.
19
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=iJ8zWH9q5xQ.
27
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
tegoria de Reino Unido à Portugal e Algarve em 1815, e à invasão
da Província Cisplatina (parte oriental do Uruguai) ocorrida no ano
seguinte, despertaram grande preocupação do povo português. As-
sim, iniciou-se em 1820 uma revolta em Portugal que ficou conheci-
da como Revolução Liberal do Porto, a qual exigia o retorno da corte
portuguesa à metrópole e a promulgação de uma Constituição de
caráter liberal (Owen, 1985).
O receio de perder a coroa portuguesa levou D. João VI a retornar
à Portugal em 1821 e a nomear o seu filho primogênito, D. Pedro
de Alcântara e Bragança (mais conhecido como D. Pedro I), como
Príncipe Regente. Essa mudança gerou uma redução considerável
nas finanças que sustentavam a colônia, trazendo importantes
consequências econômicas, políticas, sociais e culturais para o Brasil.
A corte portuguesa exigia que D. Pedro I retornasse à Metrópole e
que o Brasil retornasse à condição inicial de colônia. Contrariando
os desejos dos seus conterrâneos, D. Pedro I proclamou no ano de
1822 a Independência do Brasil.
Independência ou morte, de Pedro Américo
Fonte: Wikipedia (2000)
28
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
RESUMO
Nessa Unidade, você conheceu, de forma geral, o desenvolvimento
da música no período do Brasil Colônia. Para isso, a Unidade
foi estruturada em duas partes principais: 1) a música indígena
e seu processo de deculturação; 2) a música no Brasil colonial,
destacando a forte presença da música popular e a chegada da
família real como fatores transformadores. Assim, esperamos
que o conteúdo abordado sirva de suporte para a realização das
atividades previstas.
29
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Renato. Compêndio de história da música brasileira. Rio
de Janeiro: Editora Briguiet & Cia., 1958.
ANDRADE, Mário. Cândido Inácio da Silva e o lundu. Revista Brasileira
de Música, [S.l.], v. 10, p. 17-39, 1944.
BARBOSA, Domingos Caldas. Viola de Lereno: Collecção das
suas cantigas, offerecidas aos seus amigos. Lisboa: Typographia
Rollandiana, 1845.
CARDIM, Fernão. Narrativa epistolar de uma viagem e missão
jesuítica pela Bahia, Ilhéus, Porto Seguro, Pernambuco, Espírito
Santo, Rio de Janeiro, S. Vicente (São Paulo), etc. desde o ano
de 1583 ao de 1590, indo por visitador o P. Cristóvão de Gouveia.
Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1847.
CASTAGNA, Paulo. A modinha e o lundu nos séculos XVIII e XIX.
São Paulo: Instituto de Artes da UNESP, 2003b. (Apostila do curso de
História da Música Brasileira).
CASTAGNA, Paulo. Introdução ao estudo da música (erudita) no
Brasil. São Paulo: Instituto de Artes da UNESP, 2003a. (Apostila do
curso de História da Música Brasileira).
FREDERICO, Edson. Música: breve história. São Paulo: Irmãos Vitale, 1999.
KIEFER, Bruno. História da música brasileira: dos primórdios ao
início do século XX. 4. ed. Porto Alegre: Movimento 1997.
LANGE, Francisco Curt. A organização musical durante o período
colonial brasileiro. In: COLÓQUIO INTERNACIONAL DE ESTUDOS
LUSO-BRASILEIROS, 5., v. 4, 1966, Coimbra. Anais [...]. Coimbra: Gráfica
de Coimbra, 1966.
30
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: Um conceito antropológico. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1986.
LIENDO, Javier García. Teachers, Folklore, and the Crafting of Serrano
Cultural Identity in Peru. Latin American Research Review, [S.l.], v.
52, n. 3, p. 378–392, 2017.
LIMA, Edilson Vicente. A modinha e o lundu: dois clássicos nos
trópicos. 2010. Tese (Doutorado em Música), Escola de Comunicação
e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.
MARIZ, Vasco. História da música no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1983.
MENEZES BASTOS, Rafael José de. A Musicológica Kamayurá: para
uma Antropologia da Comunicação no Alto Xingu. 2. ed. Florianópolis:
Editora da UFSC, 1999.
MOREIRA, Gabriel Ferrão. O estilo indígena de Villa Lobos (Parte I):
aspectos melódicos e harmônicos. Per musi, Belo Horizonte, n. 27, p.
19-28, jun. 2013.
OWEN, Hugh. O cerco do Porto. Lisboa: A Regra do Jogo, 1985.
SANDRONI, Carlos. Feitiço decente: Transformações do samba no
Rio de Janeiro (1917-1933). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor/Editora
UFRJ, 2001.
TINHORÃO, José Ramos. A deculturação da música indígena brasileira.
Revista Brasileira de Cultura, [S.l.], Ano 4, n. 13, p. 9-26, 1972.
TINHORÃO, José Ramos. Domingos Caldas Barbosa: o poeta da viola,
da modinha e do lundu (1740-1800). São Paulo: Editora 34, 2004.
TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular
brasileira. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2010.
31
Unidade 2
DO BRASIL IMPÉRIO À
MÚSICA CONTEMPORÂNEA
Olá, estudante!
Chegamos à segunda unidade!
Nosso objetivo de aprendizagem aqui é identificar as principais
características que estruturam a música nos períodos imperial e
republicano no Brasil. Além disso, vamos compreender os contextos
históricos e socioculturais que influenciaram a produção musical.
Por fim, vamos reconhecer auditivamente obras de diferentes
autores dos movimentos musicais abordados. Vamos nessa!
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
2.1 A música no Brasil Império
P
ara contextualização histórica, o período que abrange o Brasil
Império está demarcado entre os anos 1822 (Independência do
Brasil) e 1889 (Proclamação da República). Dentro dele, podemos
destacar três momentos específicos: 1) Primeiro Reinado (1822-1831),
marcado pela administração de D. Pedro I; 2) Período Regencial
(1831-1840), momento de transição em que o Brasil foi governado por
diferentes regentes enquanto aguardava-se a obtenção da maioridade
pelo Príncipe Herdeiro, D. Pedro II; 3) Segundo Reinado (1840-1889),
período definido pela administração de D. Pedro II.
2.1.1 Primeiro Reinado
Segundo diferentes historiadores, o Primeiro Reinado ficou
caracterizado pelo autoritarismo de D. Pedro I e pela sua inabilidade
administrativa (Veiga, 2007). Nesse período foi promulgada a primeira
Carta Magna do Brasil, datada de 25 de março de 1824, redigida após
a dissolução da Assembleia Constituinte por um pequeno grupo de
apoiadores do Regente, uma constituição que fortalecia o poder do
imperador (Vainfas, 2002).
Em 1825, após três anos de lutas contra o Brasil e sofrendo forte pressão
da elite portuguesa para reaver o território brasileiro, D. João VI decidiu
reconhecer a independência da colônia e firmar a extinção do tráfico
negreiro entre Portugal e Inglaterra em 1810, acordo intermediado pela
Inglaterra e que implicou ao Brasil o pagamento de altas indenizações
tanto à Coroa portuguesa quanto à britânica. Atrelado a isso, a Guerra
33
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
da Cisplatina (1825-1828) e a inflação decorrente do encarecimento
dos preços dos alimentos contribuíram para instalar uma grave crise
financeira no Brasil, gerando consequências como a falência do Banco
do Brasil em 1829.
No campo educacional, a constituição de 1824 tornou
obrigatório o acesso à educação gratuita, direito que,
segundo Morais (2017), não era garantido a indígenas,
negros e mulheres. Em 1827 ficou estabelecida a criação de
escolas de primeiras letras em todas as províncias do país.
Além disso, surgiram também as primeiras instituições de
ensino superior no Brasil, como as faculdades de Direito
de São Paulo e de Recife.
Sob a ótica cultural, o regresso da Família Real à Lisboa representou uma
redução brusca das atividades musicais promovidas pela Coroa, apesar
de D. Pedro I ser músico de formação (foi aluno de Marcos Portugal,
Sigismund Neukomm e Padre José Maurício) e autor de importantes
composições, tais como o Hino da Independência1 e o Hino da Carta2,
adotado como hino nacional português até o ano de 1910, data da
abolição da monarquia em Portugal (Mariz, 1983). A crise financeira
levou à decadência das atividades desenvolvidas na Capela Imperial,
tornando-se um período complicado para a produção de música sacra,
dada a dificuldade de contratação de instrumentistas e cantores. Além
disso, contribuiu para essa situação o incêndio ocorrido no Real Teatro
de São João em 1824, o qual foi reconstruído e reinaugurado em 1826
sob o nome de Imperial Teatro de São Pedro de Alcântara.
1
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=W-GCpz4I0CM.
2
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=aImkhIbcjv8.
34
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
Apesar disso, Almeida (1958) destaca que, no Primeiro Reinado,
as produções musicais de maior relevância no Brasil foram as
apresentações de companhias líricas italianas com obras de renomados
compositores de ópera, como Rossini e Donizetti, que centravam
sua produção explorando o bel canto europeu. O sucesso dessas
produções fez com que muitos estrangeiros se radicassem no Brasil,
atuando como músicos e também como professores. De acordo com
Mariz (1983), o grande prestígio da ópera nesse período influenciou
fortemente a música sacra e também a modinha brasileira.
A esse respeito, observa-se a popularização de gêneros musicais
como a modinha e o lundu, sobretudo a partir de 1830, presentes nos
principais salões e terreiros de festas que ocorriam nas províncias.
De acordo com Tinhorão (2010), as produções de modinhas e lundus,
até o final do Primeiro Reinado, se dividiam entre as composições de
caráter formal, feitas por músicos profissionais e que registravam sua
autoria, e aquelas produções de caráter informal, feitas por letristas e
músicos provenientes da classe média e divulgadas na maioria das
vezes de forma anônima. Por essa razão, boa parte das produções
musicais da época são atribuídas a determinados compositores por
suas características estilísticas.
2.1.2 Período Regencial
D. Pedro I retorna para Portugal em 1831 deixando como sucessor
o seu herdeiro, D. Pedro II, uma criança de 5 anos de idade. Como
a constituição brasileira não permitia que um menor de idade
assumisse o trono, foi necessária a instauração de um governo de
transição, que ficou conhecido como Período Regencial, ocorrendo
35
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
a sucessão de quatro regências: Província Trina (regência composta
pelos senadores Francisco de Lima e Silva, Nicolau Pereira de
Campos Vergueiro e José Joaquim Carneiro de Campos); Trina
Permanente (composta pelos deputados José da Costa Carvalho,
João Bráulio Moniz e pelo senador Francisco de Lima e Silva); Una de
Feijó (regência do Padre Diogo Antônio Feijó); e Una de Araújo Lima
(regência de Pedro de Araújo Lima). Esse período ficou marcado pela
estruturação das Forças Armadas, sobretudo pela eclosão de diversas
rebeliões pelo país, tais como Balaiada (no Maranhão), Cabanagem
(em Grão-Pará), Cabanada (em Pernambuco), Guerra dos Farrapos
(no Rio Grande do Sul) e Sabinada (na Bahia).
No cenário educacional, foi instituída a descentralização da
administração escolar em 1837, determinando que as províncias se
tornassem responsáveis pela oferta do ensino elementar e secundário,
enquanto que a Coroa administraria o ensino superior. Nesse mesmo
ano foi criado o Colégio Pedro II no Rio de Janeiro, um modelo que
deveria ser seguido pelas escolas secundárias das demais províncias
(Morais, 2017).
O Período Regencial também é lembrado como o início do
Romantismo no Brasil, movimento fortemente influenciado pelos
ideais franceses e que teve como marco a publicação do livro de
poemas Suspiros poéticos e saudades, de Gonçalves Magalhães
(1836). Esse movimento tinha como objetivo inicial a criação de
uma literatura que valorizasse figuras típicas do Brasil, tal como o
o indígena. Posteriormente, ele ganhou força e se estendeu para as
demais artes, como a música.
O advento do Romantismo possibilitou o surgimento de um novo
sistema de criação musical no Brasil, a composição compartilhada
(também conhecida como parceria), elemento presente até os dias
36
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
atuais. Segundo Tinhorão (2010), esse tipo de composição foi resultado
do encontro entre os poetas eruditos, compositores das letras com
mensagens amorosas ou satíricas presentes nas modinhas e nos
lundus, e os ritmos e as melodias de origem negro-mestiço compostas
por músicos populares. As parcerias possibilitaram a popularização
desse tipo de música de forma massiva, atingindo pessoas de todas
as camadas sociais.
Com relação à música sacra, Mariz (1983) aponta que a abdicação do trono
brasileiro por D. Pedro I acarretou na extinção da orquestra da Capela
Imperial. Com isso, houve uma decadência na qualidade da produção
de música sacra no Brasil, ocorrendo na maioria das vezes a utilização
de imitações ou adaptações de área de ópera italiana nas missas.
Francisco Manuel da Silva, Nesse cenário, surge a figura de
por Luís Aleixo Boulanger
Francisco Manuel da Silva (1795-1865)
como principal compositor da época.
Discípulo do Padre José Maurício e
de Sigismund Neukomm, Francisco
Manuel tocava diferentes instrumentos
e havia integrado a orquestra da
Capela Real até o ano de 1821. Escreveu
inúmeras obras musicais, ficando
imortalizado pelo Hino Nacional
do Brasil3. Ele foi responsável pela
fundação da Sociedade Beneficente
Musical (1833) e atuou como regente
da orquestra da Sociedade Filarmônica
Fonte: Wikipedia (2018) (1834).
3
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2HnEud_VRYY.
37
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
Um ponto importante evidenciado por Kiefer (1997) foi a estruturação
cada vez maior da burguesia brasileira e sua influência na música. Se
antes as apresentações musicais eram baseadas na música sacra e
financiadas pela Coroa, nesse momento elas passam a depender do
público pagante, transmitindo aos consumidores o poder de decisão
sobre a programação cultural vigente nas províncias. Isso acarretaria
em transformações importantes e permanentes no cenário musical
brasileiro, o que será discutido em outro momento.
2.1.3 Segundo Reinado
Em 1840 ocorreu o Golpe da Maioridade, fato que pôs fim ao Período
Regencial quando declarada a maioridade de D. Pedro II, mesmo
tendo apenas 14 anos. Essa decisão foi motivada pela dificuldade
encontrada pelos regentes anteriores em administrar o país,
sobretudo pelas brigas políticas entre os membros dos Partidos
Conservador e Liberal. Segundo Barman (2012), os políticos da época
viam em D. Pedro II uma figura neutra e com a autoridade necessária
para conduzir o Brasil no processo de consolidação da independência,
dando início assim ao período conhecido como Segundo Reinado.
O governo de D. Pedro II ficou marcado como um “período construtivo
na vida brasileira, com a estabilidade política, a organização dos
quadros nacionais, a formação social do país e o desenvolvimento
das suas atividades espirituais” (Almeida, 1958, p. 69). Nesse período,
houve a solidificação do Exército e da Marinha, construção de estradas
de ferro para fomentar a mobilidade pessoal e de produtos entre
as províncias, fim gradativo da escravidão, incentivo à imigração
europeia e um grande fluxo migratório proveniente da Europa.
38
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
O desenvolvimento econômico no Segundo Reinado foi liderado
pela agricultura, com grande destaque para o cultivo do café,
responsável pelo surgimento de uma nova elite econômica em São
Paulo, denominada Barões do Café. Esse crescimento econômico,
atrelado à preferência pela mão de obra livre em detrimento à
escrava, despertou o interesse de muitos europeus em imigrarem
para o Brasil, especialmente os de origem italiana.
Na educação, surge o primeiro documento oficial em que consta a
presença da música enquanto “matéria” integrante dos currículos
escolares: o Decreto nº 1331, de 1854. Segundo esse documento, os
alunos deveriam receber no segundo grau do ensino primário “noções
de música e exercícios de canto” (Quadros Junior; Quiles, 2012, p.
176), aparecendo também como conteúdo obrigatório para o ensino
secundário. Em 1879, foi promulgado o Decreto nº 7.247, que determinou
o ensino de “rudimentos de música, com exercícios de solfejo e canto”,
bem como a inserção da disciplina música vocal nos cursos de formação
de professores, realizada nas Escolas Normais.
No campo musical, vale destacar a grande importância
do trabalho desenvolvido por Francisco Manuel da Silva
na reestruturação da orquestra da Capela Imperial, sendo
nomeado mestre compositor da Imperial Câmara em
1841. Por outro lado, deu o suporte necessário à criação de
organizações importantes para a promoção cultural do país,
tais como a Sociedade de Música do Rio de Janeiro (1841),
a Imperial Academia de Música e Ópera Nacional (1857)
e, especialmente, do Conservatório de Música do Rio de
Janeiro (1847), instituição responsável por fornecer músicos
à Capela Imperial e que atualmente configura a Escola de
Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
39
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
Outro fato importante foi a introdução do piano no Brasil. Por volta de
1850, era praticamente obrigatória a presença desse instrumento nas
salas de estar das famílias mais abastadas do Império, considerado
um sinal de etiqueta social para as moças da corte que aprendessem
a tocá-lo (Napolitano, 2002). Segundo Tinhorão (2010, p. 136), a
popularização do piano na segunda metade do século XIX possibilitou
[...] o estabelecimento de uma curiosa trajetória descendente que
conduziria o instrumento das brancas mãos das moças da elite do I e II
Impérios até aos ágeis e saltitantes dedos de negros e mestiços músicos
de gafieiras, salas de espera de cinema, de orquestras de teatro de revista
e casas de família dos primeiros anos da República e inícios do século XX.
Com isso, o piano acabou se tornando um dos principais instrumentos
do Brasil, sendo incorporado em conjuntos instrumentais populares, o
que levou ao surgimento de uma classe de música com pouca instru-
ção formal e muito swing, chamado de pianeiro (Tinhorão, 2010). Por
outro lado, surgem no país as casas de impressão e editoras musicais,
nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco, Bahia e Pará,
responsáveis direta ou indiretamente pela consolidação e dissemina-
ção de músicas de origem europeia (como a polca e a valsa) e nacional
(lundu e modinha).
2.1.3.1 O Romantismo no Brasil
Na música erudita, o Segundo Reinado foi o celeiro para o desenvol-
vimento do Romantismo brasileiro. Despontaram compositores de
grande renome e com forte influência da música europeia (sobretu-
do italiana e alemã), sendo o principal deles Carlos Gomes (1836-1896).
Paulista de nascimento, ele aprendeu a tocar vários instrumentos com
o seu pai e começou desde cedo a compor. Aos 24 anos de idade, de-
40
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
cide se mudar para o Rio de Janeiro para estudar no Conservatório de
Música da capital, onde compôs a sua primeira ópera, A Noite do Cas-
telo4 (1861). Em 1864, viaja para a Itália e inicia seus estudos no Conser-
vatório de Milão, financiado pelo Imperador D. Pedro II. Ali, desenvol-
veu sobremaneira o seu talento para a música lírica, compondo em
1870 a sua obra mais famosa: O Guarani5. Essa composição lhe rendeu
notoriedade junto aos compositores europeus (em especial Verdi), re-
tornando nesse mesmo ano ao Brasil e sendo recebido com pompas e
circunstâncias pelo povo brasileiro. Com o sucesso, Carlos Gomes aca-
bou sendo condecorado com a Imperial Ordem da Rosa, principal con-
decoração do Império. Dentre suas obras, destacam-se Fosca (1873)6,
Colombo (1892)7 e a modinha Quem sabe (Tão longe, de mim distante)
(1859)8. Após inúmeras viagens à Europa, retorna definitivamente ao
Brasil para dirigir o Conservatório de Belém em 1896, já com a saúde
bastante debilitada, chegando ao falecimento meses depois.
Carlos Gomes Apesar da grande influência italiana em
sua obra, Carlos Gomes foi responsável
por colocar o Brasil no cenário da música
internacional. Seguramente, ele foi o
compositor que influenciou e abriu as
portas para as gerações seguintes. Por
outro lado, autores como Mariz (1983)
e Kiefer (1997) apontam que é possível
verificar, sobretudo nas peças curtas
Fonte: Wikipedio (2018)
compostas por Carlos Gomes, certos
traços de intenções nacionalistas que
fundamentariam o movimento pós-Romantismo. Como exemplo,
4
Abertura de A Noite no Castelo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=PWQCUTr-E78.
5
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ZP8PB5IKQsg.
6
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=mEkn7SyBJ-w.
7
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=DRb-0dRseVw.
8
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ghDx5VgGn4o.
41
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
Mariz (1983) menciona a suíte Quilombo9, que foi escrita a partir de
motivos de danças negras.
Leopoldo Miguez Além de Carlos Gomes, merece destaque o
trabalho desenvolvido por Leopoldo Miguez
(1850-1902), responsável por disseminar no
Brasil a música de Liszt e Wagner, bem como
introduzir em terras brasileiras o poema
sinfônico como forma de composição musical.
Dentre suas obras, destacam-se Prometeu
(1891)10 e o Hino da Proclamação da República
Fonte: Conexão Planeta (2018)
(1890)11. Henrique Oswald (1852-1931) é outro
compositor romântico que merece menção. Ganhador do prêmio Il
Neige, concurso internacional de obras para piano solo promovido
pelo jornal parisiense Le Figaro, Oswald viveu Henrique Oswald
boa parte da sua vida na Itália, retornando
definitivamente ao Rio de Janeiro em 1912, já
com 60 anos. Compôs três óperas e uma grande
variedade de obras para música de câmara [tal
como Quarteto em sol maior Op. 26 (1898)12]
e peças para piano [ex.: Il Neige!...(1902)13], fato
pelo qual obteve grande importância dentro
da história da música brasileira (Almeida, 1958). Fonte: O Globo (2018)
9
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Bbomj7iwqR4.
10
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=bmGHQ95rkx8.
11
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=nKX3qxRMTi8.
12
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Cfiq89LYjE4.
13
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=GNDvydEZ3Pg.
42
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
2.2 O Maxixe e o Choro: a transição do Império para
a República
Dança popular urbana que surgiu no Rio de Janeiro nos primeiros
anos da década de 1870, o maxixe é descrito por Napolitano (2002, p.
46) como “um tipo de música mais sincopado [...], mais malicioso e
sugerindo movimentos de corpos pendulares, filho direto da habanera
afro-cubana, importada da Espanha, apimentada pelo lundu (dança)
afro-brasileiro”. Sandroni (2001, p. 68) apresenta outra visão sobre a
origem, afirmando que o maxixe herdou sua organização global de
danças europeias como a valsa e a polca – “par enlaçado, música
‘externa’ exclusivamente instrumental e participação simultânea de
todos os pares” – e incorporou do lundu os movimentos sensuais
dos quadris. Seria por essa razão que ele aparece inicialmente nos
registros históricos sob a denominação de polca-lundu.
Além do requebrar das cadeiras, o maxixe herdou do lundu também a
síncope característica. Essa dança era considerada pela sociedade da
época algo muito vulgar e de baixa categoria, levando compositores
como Ernesto Nazareth (1863-1934) e Henrique Alves de Mesquita
(1830-1906) a denominar os maxixes que compunham como tango
brasileiro, uma estratégia que permitiu uma maior aceitação do estilo
dentro dos ambientes aristocráticos do Brasil. Apesar dessa resistência,
o maxixe acabou assumindo o posto antes ocupado pelo lundu, se
tornando a principal dança brasileira na transição entre os séculos XIX
e XX e reconhecida como a primeira dança popular brasileira de par
enlaçado (Sandroni, 2001).
A primeira composição impressa e que fazia referência ao nome
maxixe foi Ora bolas!, de João José da Costa Júnior (1868-1917)
43
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
(sob o pseudônimo de Juca Storoni), datado de 1897 (Efegê, 1974).
Entretanto, Sandroni (2001) afirma que até meados dos anos 1890,
a dança do maxixe era feita ao som de diferentes tipos de música
escrita em compasso binário, com andamento vivo e que incitasse
o requebrar das cadeiras ao som de melodias sincopadas (tais como
o lundu, o tango e as polcas). Entre os principais compositores de
maxixe, merecem destaque Chiquinha Gonzaga (1847-1935) e Ernesto
de Nazareth.
Considerada uma das principais Chiquinha Gonzaga
personalidades femininas da história
da música brasileira, Francisca Edwiges
Neves Gonzaga (mais conhecida como
Chiquinha Gonzaga) estudou música
desde criança com o maestro Elias Álvares
Lobo. Compôs sua primeira peça aos 11
anos de idade denominada Canção dos
Pastores (1858)14, uma canção natalina.
Seu primeiro grande sucesso foi a polca Fonte: Terra (2010)
Atraente, composta em 1877. Entretanto,
as suas composições mais aclamadas são o maxixe Corta-Jaca (1914)15
e a marchinha de carnaval Ó Abre Alas (1899)16, o que lhe rendeu o título
de primeira compositora popular do Brasil (Marcílio, 2009). Chiquinha
Gonzaga se tornou um símbolo de transgressão social devido a sua
postura frente a diferentes convenções, como frequentar festas de
lundu, se separar do marido e criar sozinha um dos filhos, advogar
em prol da abolição da escravatura e pelo fim da monarquia (Diniz,
2009). No total, Chiquinha Gonzaga compôs mais de 2.000 músicas
de diferentes gêneros.
14
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=J1S2wyWWU-I.
15
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=q2DUzJxUbYc.
16
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=p_nMAuneusM.
44
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
Ernesto Júlio de Nazareth, carioca de Ernesto Nazareth
nascimento, se formou musicalmente em
grande parte como autodidata. Compôs
sua primeira obra aos 14 anos, uma polca-
lundu chamada Você quem sabe (1877)17.
Seu primeiro grande sucesso foi a polca
Não caio noutra, datado de 1880, que
contou com diversas reedições. Como Fonte: Radiobatuta (2000)
principais composições, merecem destaque os tangos brasileiros
Brejeiro (1893)18, Odeon (1909)19 e Batuque (1909)20. Em seu livro,
Mariz (1983, p. 101) cita um relato de Francisco Mignone sobre Ernesto
Nazareth: “[...] ele nada tinha de erudito. Era apenas um ‘intuitivo’
como Mussorg ou Villa-Lobos. A sua obra serviu de padrão e modelo
para os nacionalistas que viveram na época dele e depois. Visto desse
ângulo, ele deve ser considerado um ‘clássico’ da música brasileira
nacionalista”. Sua obra completa abarca mais de 200 composições
para piano solo, em sua maioria concentradas nos gêneros tango
brasileiro, valsas e polcas.
O choro surge no Rio de Janeiro também nos anos 1870, concebido
inicialmente não como um gênero musical, mas sim como um jeito
de tocar os gêneros musicais estrangeiros da época, como a polca, a
valsa, o schottisch e a quadrilha (Tinhorão, 2010). Segundo Diniz (2003,
p.13), o termo choro era utilizado para designar o “conjunto musical e
as festas onde esses conjuntos se apresentavam”. Com o passar dos
anos, sobretudo com a ascensão de Pixinguinha como o símbolo mais
representativo desse estilo, o termo se consolidou definitivamente
como um gênero musical, adotando originalmente uma formação
musical baseada no trio composto por flauta, violão e cavaquinho.
17
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=tUqiRjvS1_w.
18
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=t-Av_Yl25X0.
19
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zhR8q1X9uQM.
20
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8BtcKC70e5Y.
45
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
Taborda (2010) chama a atenção para a existência de grupos que
não adotavam essa formação, incorporando instrumentos como o
oficlide21, trombone, clarinete, piano, trompete, bandolim, requinta,
sax e/ou violino.
Existem diferentes versões para a origem do nome choro.
De acordo com Cazes (1998), esse termo foi cunhado para
representar a forma chorosa como os flautistas executavam
as melodias das músicas. Diniz (2003), citando uma versão
do maestro Batista Siqueira, afirma que o termo choro
representa uma mescla entre o verbo chorar e a palavra
chorus (coro, em latim). Câmara Cascudo acreditava
que choro vinha da palavra xolo, usada para designar os
bailes dos escravos realizados nas fazendas (Cabral, 2009).
Independente da origem, o fato é que esse gênero musical
se tornou um dos mais representativos elementos culturais
do Brasil no século XX.
Assim como o maxixe, o choro tem origem na fusão do lundu com
gêneros musicais europeus (como a polca). Essa música, em sua
maioria, era executada por músicos provenientes da classe média
(denominados chorões), brancos ou mulatos claros, que trabalhavam
como funcionários de repartições públicas no Rio de Janeiro, estando,
em grande parte, vinculados aos Correios e Telégrafos ou a bandas
militares (Tinhorão, 2010).
21
Segundo o Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, oficlide é um “instrumento de sopro da família dos metais. Trompa com chaves e bocal,
tubo cônico sobre si mesmo, em uso durante o século XIX”.
46
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
Antônio Callado O primeiro grande nome do choro
foi Joaquim Antônio da Silva Callado,
integrante da primeira geração do choro
e considerado como o pai dos chorões,
tendo composto aproximadamente 70
músicas, com destaque especial para
Flor amorosa (1880)22. Flautista de grande
habilidade de interpretação e improviso,
Callado influenciou toda uma geração de
Fonte: Wikipedia (2018)
chorões pela sua riqueza nas composições.
Lecionou flauta na Academia Imperial de
Belas Artes. Integrou e coordenou o conjunto O Choro do Callado,
que contou com a participação de importantes músicos, como Viriato
Figueira, Virgílio Pinto e Chiquinha Gonzaga.
Nessa época, era comum que apenas o solista – em geral o
flautista – soubesse ler partitura, cabendo aos demais elaborar os
acompanhamentos ‘de ouvido’. Segundo Diniz (2003, p.15):
Era um hábito comum o flautista desafiar, brincar, e às vezes fazer cair,
com suas armadilhas harmônicas, o cavaquinista e os violonistas. O calor
das rodas de choro, as malandragens nas execuções, a provocação dos
instrumentistas solistas – tudo colaborava para imprimir ao gênero sua
tônica de liberdade e improviso.
Por isso, muitos solistas ganharam grande projeção no meio musical,
dentre os quais se destacam Patápio Silva (1880-1907) e Pixinguinha
(1897-1973). Apontado por Diniz (2003) como o maior virtuose da flauta
brasileira, Patápio Silva estudou música com Duque Estrada Meyer no
Instituto Nacional de Música (antigo Conservatório de Música), sendo
um estudante bastante premiado. Fez diversas gravações na Casa
Edison, primeira gravadora do Brasil, bem como realizou apresentações
em várias cidades do país. Faleceu precocemente aos 27 anos.
22
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=nyDfmqzpklo.
47
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
Maestro, flautista, saxofonista, compositor Pixinguinha
e arranjador, Alfredo da Rocha Vianna
Filho (mais conhecido como Pixinguinha)
se tornou o principal nome da história do
choro. Filho de pai músico, ele iniciou seus
estudos musicais em casa ainda criança no
Rio de Janeiro, tocando em cabarés, salas de
cinema e no teatro de revista. Gravou o seu
primeiro disco aos 14 anos, sendo o “primeiro
solista brasileiro a improvisar nas gravações” Fonte: Wikipedia (2018)
(Cabral, 2009, p.9). Integrou a partir de 1914
o Grupo do Caxangá, em parceria com João Pernambuco e Donga,
ampliado em 1919 para dar origem ao grupo Os Oito Batutas, um
dos principais conjuntos de choro da década de 1920 (Taborda, 2010).
Pixinguinha trabalhou na gravadora RCA Victor durante os anos 1930,
atuando como arranjador e regente da orquestra da RCA. Compôs
um grande quantitativo de músicas, das quais podemos destacar Um
a zero (1919)23, Rosa (1937)24 e o seu maior sucesso, Carinhoso (1928)25.
Faleceu em 1973, vítima de um infarto. O dia do seu nascimento (23 de
abril) ficou registrado como o Dia Nacional do Choro.
Não poderíamos encerrar a seção destinada ao choro sem mencionar
as duas músicas mais tocadas desse gênero. Tico-tico no fubá (1917)26
foi composta por Zequinha de Abreu (1880-1935), sendo gravada pela
primeira gravação em um disco somente em 1931 pela Orquestra
Colbaz. O sucesso dessa música foi tamanho que ela fez parte da
trilha sonora de diversos filmes de Hollywood na década de 1940
(Severiano; Mello, 1997). Apesar de ser mais conhecida como uma
música instrumental, Tico-tico no fubá possui letra cuja autoria é
23
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=yLAh6-nxtk4.
24
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1uD-gjUxwuo.
25
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=C-Gg8HH1UzM.
26
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=CcsSPzr7ays.
48
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
de Eurico Barreiros e Aloísio de Oliveira e que recebeu uma versão
em inglês feita por Ervin Drake. Conta com diferentes versões e
regravações de artistas nacionais e internacionais de renome, tais
como os brasileiros Ney Matogrosso e Daniella Mercury e o norte-
americano Ray Conniff, sendo considerada a música brasileira mais
gravada no mundo (Fontenele, 2016). A performance mais recente
e com grande impacto dessa música foi feita por Roberta Sá no
encerramento dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro em 2016.
Composto em 1947 por Waldir Azevedo (1923-1980), Brasileirinho27 é
considerada a música mais emblemática do gênero choro por fundir
importantes aspectos musicais e técnicos que caracterizam esse
gênero, tais como virtuosismo e capacidade de improviso (Bernardo,
2004). Foi gravada por grandes nomes da música brasileira, como
Carmen Miranda, João Pernambuco, Armandinho e pela Rainha do
Choro, Ademilde Fonseca. Brasileirinho foi considerada uma das 100
músicas brasileiras mais importantes da história, segundo a revista
Rolling Stones (2009), tornando-se título de um documentário sobre
choro em 2005.
Napolitano (2002, p. 46) afirma que “na segunda metade do século XIX,
a linha musical polca-choro-maxixe-batuque representava um mapa
social e cultural da vida musical carioca: o sarau-doméstico-o teatro
de revista- a rua- o pagode popular- a festa da senzala”. A virada do
século convergiu para o surgimento de vários novos gêneros musicais
brasileiros, destacando as peculiaridades de cada região, tal como o
frevo em Pernambuco, o samba na Bahia e no Rio de Janeiro, o Bumba
meu boi no Maranhão etc. Esse fenômeno contribuiu diretamente
para a formação de uma identidade brasileira multifacetada, rica,
plural e bastante complexa, nos tornando semelhantes em nossas
diferenças.
27
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=MfIdOfeWK2A.
49
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
2.3 Movimento nacionalista brasileiro
O movimento nacionalista musical é caracterizado por Mariz (1983, p.
93) como o período da história da música iniciado nas últimas décadas
do século XIX e que perdurou até a Segunda Guerra Mundial, que trazia
como elemento principal o uso nas composições de um “toque patriótico
pelo aproveitamento de ritmos ou melodias populares de [cada país],
aberta ou veladamente, em peças de quase todos os gêneros” (Mariz,
1983, p. 93). No Brasil, esse movimento ficou mais evidenciado a partir da
década de 1920, sobretudo com o advento da Semana de Arte Moderna
(em 1922), havendo grande interesse em conhecer e difundir as raízes
folclóricas do nosso país. Esse momento também ficou marcado pela
realização de várias expedições antropológicas pelo interior do Brasil,
sendo provavelmente a mais famosa delas a coordenada por Mário de
Andrade no final dos anos 1930.
O nacionalismo musical teve como percussores nomes como Brasílio
Itiberê da Cunha (1846-1913), Alexandre Levy (1864-1892)28, Ernesto
de Nazareth e Alberto Nepomuceno (1864-1920), sendo este último
tido como o principal compositor do período denominado como pré-
nacionalismo. A obra Série Brasileira (1891)29, de Alberto Nepomuceno,
é considerada como o marco inicial do nacionalismo brasileiro. Kiefer
(1983, p. 106), por sua vez, concede essa honraria a Brasílio Itiberê ao
afirmar que “se as tentativas anteriores, conscientes ou inconscientes,
eram esporádicas, A Sertaneja [1869]30 está no início de um movimento
contínuo e orgânico de busca consciente, da autoafirmação nacional”.
Essa afirmação se baseia em Camêu (1970), que destaca a grande
influência da visita ao Brasil do compositor americano Louis Moreau
28
Assista a performance da obra Variações sobre um tema popular brasileiro, de Alexandre Levy. Disponível em: https://www.youtube.com/
watch?v=TrO8V0qHyxc.
29
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zRoOP5NhyzM.
30
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gzKe_L83P-c.
50
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
Gottschalk (1829-1869) em 1869 na criação de composições eruditas
brasileiras baseadas em temática popular, apropriando-se dos temas,
dos ritmos, dos títulos e da facilidade de comunicação.
Independente do elemento motivador, o importante é que a
partir desse movimento, muitos compositores se propuseram a
pesquisar a fundo o folclore brasileiro e utilizaram em boa parte
das suas obras temas e ritmos bastante enraizados no cotidiano
do povo. Isso possibilitou a popularização da música erudita no
Brasil, sendo aceita por integrantes de diferentes camadas sociais,
ainda que fosse prioritariamente consumida pelos mais ricos.
Nesse cenário, surge o maior nome da música brasileira: Heitor
Villa-Lobos (1887-1959). Nascido no Rio de Janeiro, Villa-Lobos foi
compositor, regente e instrumentista (tocou clarinete, violoncelo,
violão e piano). Adepto da vida boêmia, ele frequentou desde cedo
as rodas de choro do Rio de Janeiro, o que acabou por influenciar
suas obras de maneira considerável e que pode ser verificada na
sua série de dezesseis choros compostos entre os anos 1924 e 1929.
O grande interesse pela cultura popular o levou a empreender sua
primeira grande viagem pelo Nordeste brasileiro em 1905, quando
tinha apenas 18 anos. Segundo Mariz (1983, p. 114):
Visitou os Estados do Espírito Santo, Bahia e Pernambuco e lá extasiou-
se diante da riqueza folclórica. Meteu-se pelos bairros mais duvidosos da
cidade do Salvador e do Recife, em busca de aspectos curiosos do populário
local; embrenhou-se nos sertões daqueles Estados, passou temporadas em
engenhos e fazendas no interior. A experiência recolhida nessa viagem foi
bastante grande. A música dos cantadores, a empostação (ou desempostação)
no cantar, a afinação de seus instrumentos primitivos, os aboios dos vaqueiros,
o autos e danças dramáticas, os desafios, tudo interessou-o vivamente e
despertou-lhe o sentido de brasilidade que trazia no sangue.
51
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
De igual maneira, Villa-Lobos empreendeu Heitor Villa-Lobos
nos anos seguintes viagens para as outras
regiões do país, o que lhe rendeu vasto
conhecimento dos elementos singulares
brasileiros, contribuindo assim na produção
de um grande número de composições
baseadas em tais elementos. Como
exemplos de obras resultantes dessas Fonte: Wikipedia (2010)
expedições podemos citar Amazonas
(1917)31, Uirapuru (1917)32 e Choro nº 1 (1920)33.
A participação de Villa-Lobos na Semana de Arte Moderna de
1922 ocorreu por meio da realização de uma série de 13 concertos,
contendo por volta de 5 programas de primeiras audições, porém
nenhuma composição específica para o evento. A repercussão em
parte negativa da Semana junto à população não lhe tirou o brio,
mas lhe motivou a viajar no ano seguinte para Paris (França), com o
objetivo de continuar a compor e organizar concertos.
Em 1930, Villa-Lobos regressa ao Brasil como um compositor
renomado e bastante reconhecido na Europa. Abismado com
o descaso da música dentro das escolas brasileiras, ele elaborou
um projeto de educação musical, que obteve inicialmente o
apoio do então Interventor de São Paulo, Sr. João Alberto, e que
posteriormente foi alçado a nível nacional, coordenado por ele
mesmo desde a Superintendência de Educação Musical e Artística
(SEMA) no Rio de Janeiro. Para demonstrar o impacto da sua proposta
pedagógica, Villa-Lobos promovia várias demonstrações públicas
com corais compostos por até 40.000 vozes. Complementarmente,
ele elaborou uma coletânea com 137 arranjos de músicas folclóricas
31
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1LbpjOyi2c4.
32
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=p1sPSAD9SEc.
33
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=lqnVCIzyVEU.
52
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
brasileiras, a qual denominou de Guia Prático, para servir como uma
ferramenta auxiliar para os professores ensinarem canto orfeônico.
Esse momento da educação musical foi tão importante que todas as
reformas educacionais entre 1930 e 1961 incluíram o canto orfeônico
como elemento obrigatório no currículo escolar. Por isso, muitos
estudiosos afirmam que Villa-Lobos foi responsável pelo projeto de
educação musical mais longevo e de maior repercussão da história
do Brasil.
O período de retorno ao país Heitor Villa-Lobos e crianças numa
foi extremamente produtivo concentração orfeônica
para Villa-Lobos tanto como
compositor quanto como
promotor cultural, criando
um vasto número de obras e
dirigindo vários concertos em
diferentes estados brasileiros.
Exemplo disso foi a turnê
artística composta por 54
concertos em que ele esteve Fonte: Paoliello (2006)
acompanhado pelos pianistas
Guiomar Novaes, Souza Lima, Antonieta Rudge e Lucília Guimarães
(sua esposa), o violinista belga Maurice Raskin e a cantora Nair
Duarte Nunes. É desse período algumas das composições mais
conhecidas de Villa-Lobos, tais como as Bachianas Brasileiras
(1930-1945), sendo as mais conhecidas a Tocata34 da Bachiana nº 2
e a Ária35 da Bachiana nº 5.
34
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=wIG4h7lvj4Y.
35
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=YIrMJ_ix0FA.
53
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
Por todo trabalho desenvolvido como instrumentista, compositor,
regente, educador e promotor cultural, Villa-Lobos recebeu diversas
homenagens. Destas, se destacam o título de Doutor Honoris Causa
concedido pela Universidade de Nova York (Estados Unidos), o título
de fundador e primeiro Presidente da Academia Brasileira de Música
e a impressão do seu rosto na nota comemorativa de 500 cruzados.
Até os dias atuais, Villa-Lobos é homenageado em diferentes cidades
do Brasil, dando nome a estabelecimentos, praças, parques e ruas.
Oscar Lorenzo Fernandez Além de Villa-Lobos, outros compositores
nacionalistas também se destacaram
bastante. Oscar Lorenzo Fernandez (1897-
1948) tinha um estilo composicional
totalmente diferente de Villa-Lobos, mais
próximo aos moldes tradicionais da época,
o que lhe rendeu certa popularidade
entre os apreciadores e críticos de música
erudita. É considerado um dos principais
nomes responsáveis pela consolidação
Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Oscar_
Lorenzo_Fern%C3%A1ndez do movimento nacionalista. Dentre suas
obras, destacam-se o poema sinfônico
Imbapara (1929)36 e a suíte Reisado do Pastoreio (1930)37, com
destaque especial para a peça Batuque38, sua peça orquestral mais
conhecida. Foi professor do Instituto Nacional de Música (atual Escola
de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro) e fundou o
Conservatório Brasileiro de Música em 1936, instituição existente até
hoje e responsável pela formação de grandes músicos no Brasil.
36
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=9PN_rgtCLiA.
37
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1VhYyFk8B_A.
38
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=p7QO3APVTIU.
54
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
Considerado por Mariz (1983) como um dos Francisco Mignone
músicos mais completos que o Brasil já
teve, Francisco Mignone (1897-1986) ganhou
grande destaque no cenário nacional por
haver composto um grande número de obras
orquestrais baseadas em temas e ritmos de
origem negra e pela grande popularidade dos
seus lieder39 (canção feita para piano e cantor
solo) entre os cantores. Dentre as suas obras Fonte: Wikipedia (2015)
mais famosas se destacam Maracatu do Chico
Rei (1929)40 e Festa das Igrejas (1929)41. Em suas obras é possível notar
traços de influência de grandes compositores do cenário internacional,
tais como Debussy, Ravel, Stravinsky e Manuel De Falla.
Radamés Gnatalli A etapa final do nacionalismo (e sua
transição para a música contemporânea)
foi marcada principalmente pela presença
de dois grandes compositores. O primeiro
deles, Radamés Gnatalli (1906-1988) foi
o responsável por introduzir elementos
do jazz americano dentro da música
erudita brasileira. Conscientemente, esse
Fonte: Discogs (2000)
compositor atuava tanto na música erudita
quanto na popular. Da parte erudita, pode-
se destacar um período em que sofreu grande influência do
folclore brasileiro e um pouco de jazz, que perdurou de 1931 a 1940
e que teve em Rapsódia Brasileira (1931)42 sua obra mais famosa.
O segundo período, iniciado em 1944, traz como característica um
progressivo distanciamento do jazz, adoção de um folclorismo
39
Lied: canção feita para piano e cantor solo.
40
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2lDDpBoUaV4.
41
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=cNDK8ioaGD4.
42
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=oVRWV2TfyCA.
55
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
transfigurado, menor virtuosismo e excelência na instrumentação,
com destaque para a série Brasilianas (1944-1962), composta de 14
obras no total. Gnatalli lançou vários discos, dentre os quais chama
a atenção o Tributo a Garoto, gravado em 1982 com o violonista
Raphael Rabelo.
O segundo grande nome da etapa final Camargo Guarnieri
do nacionalismo é Mozart Camargo
Guarnieri (1907-1993). Um dos principais
discípulos intelectuais de Mário de
Andrade, Guarnieri compôs diversas
canções baseadas em textos do mestre,
como, por exemplo, a ópera Pedro
Malazarte (1952)43. Merecem destaque as
composições Dança Brasileira (1928)44 e
Uirapuru (1945)45. Sua obra obteve difusão Fonte: Wikipedia (2018)
internacional, sobretudo nos Estados
Unidos a partir do apoio recebido de personalidades renomadas, tais
como os compositores Aaron Copland e Charles Seeger e o regente
Sergei Koussevitzky.
2.4 Música Contemporânea Brasileira
Após um período de acentuada valorização do nacionalismo
brasileiro, representada pela música moderna discutida
anteriormente, ganham espaço no Brasil diferentes correntes
estéticas que aqui denominaremos pedagogicamente como
43
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3jm0Btyn6KM (parte 1) e https://www.youtube.com/watch?v=Z_C2C2SXK1I (parte 2).
44
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1Rq-AegoAEs.
45
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1QtV9j5Syfs.
56
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
música contemporânea. Rios Filho (2010, p. 27) define esse
termo como “música de concerto composta a partir do século
XX que lide com tópicos estéticos e ideológicos modernistas e/
ou seus desdobramentos/consequências/oposições de cunho
pós-moderno”. Segundo Cavini (2010, p. 77), esse tipo de música
apresenta como características comuns:
[...] emprego de linhas melódicas curtas e fragmentadas, emprego
de ritmos dinâmicos e sincopados, emprego de harmonias muito
dissonantes e encadeamento de acordes inesperados e, finalmente,
emprego de timbres totalmente novos, muitos dos quais foram obtidos
por meio dos modernos instrumentos de percussão ou mesmo de
instrumentos eletrônicos.
Várias foram as correntes estéticas que compuseram o movimento
da música contemporânea: impressionismo (ex: Claude Debussy),
expressionismo (ex: Arnold Schoenberg), nacionalismo (ex: Béla
Bartók), atonalidade (ex: Alban Berg), microtonalidade (ex: Charles
Ives), influências do jazz (ex: George Gershwin), música aleatória
(ex: Pierre Boulez), música concreta (ex: Pierre Schaeffer), música
eletroacústica (ex: John Cage) entre outras. No Brasil, essas
estéticas influenciaram as carreiras de grandes compositores,
como por exemplo Villa-Lobos, os quais iniciaram a produção de
músicas que extrapolavam as convenções musicais estabelecidas
até aquele momento. A nova música foi recebida com estranheza
pela grande maioria do público, não vendo nela as características
tradicionais de uma música, o que levou a ser considerada por
muitos como ruído.
57
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
2.4.1 O movimento Música Viva
Koellreutter A introdução das novas correntes composicio-
nais no Brasil teve como marco a chegada do
compositor e educador Hans-Joachim Koell-
reutter (1915-2005) ao Rio de Janeiro em 1937.
Nascido em Freiburg (Alemanha) e discípulo
do renomado regente alemão Hermann Scher-
chen (1891-1966), Koellreutter foi o responsável
por apresentar aos compositores brasileiros da
Fonte: Wikipedia (2018) primeira metade do século XX a teoria dodeca-
fônica de Arnold Schoenberg. Para isso, criou o
Música Viva, movimento iniciado em 1939 em parceria com Egídio de
Castro e Silva e que se contrapunha ao nacionalismo, ao buscar a reno-
vação musical brasileira a partir da adoção de uma estética musical de
caráter internacionalizante e que fundamentava-se no dodecafonismo
de Schoenberg. Esse movimento se estruturava a partir de três linhas
de atuação: formação, criação e divulgação (Kater, 2001). Além disso,
esse movimento visava também à criação de espaços apropriados para
a apresentação e difusão dessa nova música brasileira. Integravam a
primeira geração desse movimento compositores como Brasílio Itibe-
rê, Octávio Bevilácqua, Andrade Muricy, Alfredo Lage, Werner Singer e
Luiz Heitor Corrêa de Azevêdo. Posteriormente, ingressaram no movi-
mento nomes como Edino Krieger, Claudio Santoro e Guerra-Peixe.
As atividades do grupo tiveram início no Rio de Janeiro, resultando,
entre outras coisas, na publicação de 12 exemplares da revista Música
Viva. A partir de 1944, as ideias do grupo foram disseminadas a partir
de uma série de programas na estação de rádio do Ministério da
Educação. Desse período, uma série de manifestos foi publicada, dos
quais a Declaração de princípios (mais conhecido como Manifesto
58
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
de 1946)46 foi o mais impactante, documento que definia o fato
musical como algo complexo a partir dos enfoques estético, social e
econômico (Kater, 2001).
Durante o movimento também foram realizadas várias conferências,
audições públicas, publicação de boletins, entre outras ações. As ideias
de Koellreutter obtiveram aderência dos três principais centros de
composição no Brasil naquele momento (Rio de Janeiro, São Paulo e
Bahia) e foram replicadas por seus alunos. Entretanto, o movimento
Música Viva sofreu resistência de importantes compositores
brasileiros. Em 1950, Camargo Guarnieri publicou a Carta Aberta
aos Músicos e Críticos do Brasil, difundida no jornal O Estado de
São Paulo e em outros órgãos da imprensa, um manifesto contrário
às ideias e métodos de composição empregados por Koellreutter.
Para Guarnieri, era fundamental que o jovem compositor obtivesse
primeiramente uma sólida formação musical para posteriormente se
aventurar nos princípios composicionais defendidos por Koellreutter.
Segundo Mariz (1983), Guarnieri considerava o dodecafonismo um
refúgio de compositores medíocres. Por estar baseado em regras
matemáticas (isto é, não musicais), esse compositor acusava o
dodecafonismo de permitir ao leigo produzir música da mesma
maneira que alguém altamente dotado de instrução musical. A
publicação desse documento e as divergências consequentes
do 2º Congresso de Compositores e Críticos Musicais em Praga
(Tchecoslováquia) levaram à dissolução do movimento no ano de
1950, intensificando nos anos seguintes os debates entre adeptos e
contrários ao movimento dodecafônico.
Polêmicas à parte, é essencial compreender a influência dessa nova
proposta composicional introduzida no Brasil por Koellreutter, fato
46
Disponível em: https://www.latinoamerica-musica.net/historia/manifestos/2-po.html.
59
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
que extrapolou os limites da música erudita, chegando a influenciar
vários compositores da música popular, mais notadamente em
Tom Jobim (de quem foi o primeiro professor de música), Tom Zé,
Tim Rescala, Caetano Veloso e Paulo Moura. Essa iniciativa colocou
o Brasil dentro das principais correntes composicionais do mundo,
ampliando as concepções sobre o que é música e, principalmente,
sobre como se faz música. Essas ideias foram importantes também
para a estruturação de uma nova concepção de educação musical47
no país, sobretudo a partir da década de 1960, ainda mais alinhadas
às ideias da pedagogia escolanovista de John Dewey, dando suporte
à metodologia de ensino baseado em Oficinas de Música48.
2.4.2 Principais compositores da música contemporânea
no Brasil
Assim como no cenário mundial, a música contemporânea no
Brasil se desenvolveu a partir de diferentes correntes estéticas.
Aqui apresentaremos alguns dos compositores mais referenciados
na história da música brasileira do século XX e que influenciaram
diretamente no desenvolvimento desse tipo de música no Brasil.
Cláudio Santoro Dos alunos de Koellreutter, Cláudio
Santoro (1919-1989) provavelmente tenha
sido o de maior representatividade no
cenário nacional. Nascido em Manaus,
se mudou aos 13 anos de idade para o
Rio de Janeiro, onde iniciou seus estudos
musicais no Conservatório de Música do
Fonte: Wikipedia (2018)
Rio de Janeiro. Em 1940, começou a ter
47
Sobre o tema, sugere-se a leitura do livro Koellreutter educador: o humano como objetivo da Educação Musical (Brito, 2017).
48
Sobre o tema, sugere-se a leitura do livro Oficinas de Música no Brasil: história e metodologia (Fernandes, 2000).
60
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
aulas com Koellreutter e a fazer parte do Música Viva, se tornando
um dos membros mais ativos. Do período dodecafônico, merecem
destaque as obras Sonata n. 1 para violino e piano (1940)49 e as 4 peças
para piano solo (1943)50. Em 1947, Santoro conseguiu uma bolsa para
estudar em Paris com Nádia Boulanger, uma oportunidade que o fez
participar do Congresso de Compositores Progressistas, em Praga.
Nesse evento, a música dodecafônica foi condenada como “burguesa
decadente” (Mariz, 1983, p. 261), o que acabou distanciando Santoro
das ideias musicais de Schoenberg e o levou a interessar-se mais
pela cultura brasileira anos mais tarde.
Natural do Rio de Janeiro, César Guerra-Peixe (1914- Guerra-Peixe
1993) iniciou suas atividades como compositor ain-
da dentro da estética do nacionalismo, seguindo
principalmente a tendência clássica. Entretanto,
após ter aulas com Koellreutter, despertou o seu
interesse pelas novas estéticas composicionais, se
tornando o grande nome da geração pós-nacio-
nalista. Essa mudança o levou a destruir todas as
Fonte: Wikipedia (2000)
suas composições anteriores e a começar a compor
obras intencionalmente antinacionalistas, como a Sonatina para flauta
eclarinete (1944)51. Posteriormente, Guerra-Peixe tentou aproximar as cor-
rentes dodecafônica e nacionalista, “substituindo a repetição da série de
doze sons por fragmentos de células rítmicas ou melódicas” (Mariz, 1983,
p. 240). Exemplo disso foram as Miniaturas para piano52 (compostas en-
tre 1947 e 1949). Os resultados interessantes o levaram a se interessar cada
vez mais pela cultura popular brasileira e, consequentemente, a se dis-
tanciar da proposta difundida por Koellreutter, findando sua fase experi-
mentalista no ano de 1949.
49
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gSOzq9kIxGI.
50
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=iV_1WRZ_LAE.
51
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=E1LVsJKG998.
52
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=wmGQBD1_jso.
61
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
Edino Krieger Dotado de forte personalidade, Edino Krieger
(1928-) é até hoje um dos mais importantes
compositores brasileiros vivos. Nascido em
Brusque (Santa Catarina), ganhou uma bolsa de
estudos do governo catarinense para estudar
música no Conservatório Brasileiro de Música
no Rio de Janeiro em 1943, momento em que
teve a oportunidade de frequentar os cursos
Fonte: Wikipedia (2000) livres de composição oferecidos por Koellreutter
e que o levou a integrar o movimento Música
Viva. Recebeu em 1945 o Prêmio Música Viva pela obra Trio de Sopros
(1945) e foi o ganhador da bolsa de estudos do Berkshire Music
Center no ano de 1947, em que teve como membros da comissão
julgadora compositores de renome internacional como Henry Cowell
e Aaron Copland. Dentre suas obras, se destacam Música 1952 para
cordas (1952)53, Choro para flauta e cordas (1952)54 e Divertimento
para cordas (1959)55. Foi o organizador de vários festivais de música
contemporânea, sendo um dos criadores da Bienal de Música
Contemporânea Brasileira.
Suíço de nascimento, Ernst Widmer (1927-1990) Ernst Widmer
veio ao Brasil a convite de Koellreutter em 1956
e nunca regressou. Formado pelo renomado
Conservatório de Zurique, Widmer chegou
ao Brasil com a missão de dar aulas dentro
dos Seminários Internacionais de Música da
Universidade da Bahia, evento organizado por
Koellreutter e que posteriormente deu origem Fonte: Wikipedia (2000)
à criação da Escola de Música da Universidade
Federal da Bahia (UFBA). Tornou-se uma
53
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=tMf7PWe4DTE.
54
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ZCSsoY-LDmg.
55
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=C0YIuDjEM0Y.
62
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
importante referência musical na Bahia, sendo responsável pela
criação do Grupo de Compositores da Bahia, bem como pela
sua atuação em cargos de gestão dentro da UFBA. Das suas
composições, merecem destaque as obras Quasars (1970)56, Ondina
(1985)57 e Sinfonia nº 3 opus 145 (1984)58.
2.4.3 Movimentos da música contemporânea decorrentes
do Música Viva
Vários outros movimentos tiveram como base as ideias difundidas
pelo Música Viva. O primeiro deles foi a criação do Setor de Música
da Universidade da Bahia (atual Universidade Federal da Bahia
– UFBA) – S.M.U.B, programa criado por Koellreutter em 1954.
O objetivo desse programa era oferecer um “conjunto de cursos
livres de todas as matérias musicais e correlatas”, com vistas a
“proporcionar ao estudante de música um ensino musical completo,
de alto nível, baseado num programa eficiente e atualizado,
assim como oferecer aos músicos já formados oportunidade de
estudos complementares ou de extensão” (Kater, 2001, p. 343). O
S.M.U.B se tornou a sede dos Seminários Internacionais de Música
(ocorrido entre 1954 e 1962), eventos de grande repercussão e que
posteriormente deram origem à Escola de Música e Artes Cênicas
da UFBA. O desenvolvimento do S.M.U.B atrelado aos Seminários
influenciou diretamente o surgimento do Grupo de Compositores
da Bahia, criado em 1966 e composto por Ernst Widmer, Jamary
Oliveira (1944-), Fernando Cerqueira (1941-), Lindemberg Cardoso
(1939-1989), Walter Smetak (1913-1984) entre outros compositores.
Em sua Declaração de Princípios, publicada ainda em 1966, o grupo
56
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=PqjF0b8UJ04.
57
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=8Kv1MmJ84qE.
58
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=k5Urnb2jqJY.
63
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
se declarava “contra todo e qualquer princípio declarado” (Oliveira,
2010, p. 40). O Grupo de Compositores da Bahia foi responsável
pela criação de uma tradição de composição musical na Bahia, que
permanece até os dias atuais.
O segundo movimento de grande relevância foi o Música Nova, tendo
como idealizadores Gilberto Mendes (1922-2016) e Willy Corrêa de
Oliveira (1938-). Esse movimento tem sua origem no “Festival Música
Nova”, uma série de festivais idealizada e organizada por Gilberto
Mendes por meio da Sociedade Ars Viva, evento realizado até os dias
atuais. Em 1963, foi publicado o Manifesto Música Nova59, documento
que teve como signatários vários compositores brasileiros, tais como
Rogério Duprat, Régis Duprat, Júlio Medaglia entre outros. Segundo
Kater (2001, p. 350), nesse documento se reafirmavam alguns dos
princípios do movimento Música Viva, tais como:
Ênfase na criação moderna, compromisso com a contemporaneida-
de, música como arte coletiva e refutação do “mito da personalidade”,
importância da educação musical, da contribuição de outras áreas
do saber, dos meios de informação, da comunicação, internaciona-
lização da cultura e uma nova postura e tomada de posição f rente à
realidade.
Além disso, os autores do Manifesto buscaram reafirmar o
“compromisso total com o mundo contemporâneo”, além de
considerar que a “alienação está na contradição entre o estágio do
homem total e seu próprio conhecimento do mundo”. Por outro
lado, o documento enfatizava que a “música não pode abandonar
suas próprias conquistas para se colocar ao nível dessa alienação,
que deve ser resolvida, mas é um problema psico-sócio-político-
cultural”. Finalmente, o Manifesto destaca que “sem forma
revolucionária não há arte revolucionária”.
59
Disponível em: https://www.latinoamerica-musica.net/historia/manifestos/3-po.html. Acesso em: 1 out. 2019.
64
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
O terceiro e último movimento que guarda lastro com o Música
Viva foi a criação da Bienal de Música Brasileira Contemporânea.
O final dos anos 1960 e início dos 1970 foi bastante intenso para
a música contemporânea no Brasil. Especificamente no Rio
de Janeiro, o compositor Edino Krieger organizou duas edições
do Festival de Música da Guanabara (1969 e 1970), que dariam
origem à Bienal de Música Brasileira Contemporânea. Além disso,
em 1971, Krieger organizou o I Encontro de Compositores, evento
que objetivava debater acerca da política e das estratégias de
divulgação da produção musical brasileira, bem como serviu
de espaço para a criação da Sociedade Brasileira de Música
Contemporânea (SBMC).
Criada em 1975, com o apoio da Sala Cecília Meirelles (então
dirigida por Myrian Dauelsberg), a Bienal tem como foco
promover um espaço para acolher todas as tendências e gerações
musicais, tornando-se um ponto de encontro entre compositores
reconhecidos e jovens talentos. A partir de 1981, a Bienal de Música
Brasileira Contemporânea passou a ser realizada pela Fundação
Nacional das Artes (FUNARTE), instituição vinculada ao Governo
Federal. Nesses 44 anos de existência, já foram realizadas 23
edições da Bienal, havendo em cada edição uma homenagem
a compositores brasileiros de grande relevância nacional e/ou
internacional. Assim, a Bienal se tornou o principal evento de
música contemporânea no Brasil.
65
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
RESUMO
Nesta Unidade, você conheceu, de forma geral, os fatos que
contribuíram para a transformação musical desde a constituição
do Estado Brasileiro como Império até sua consolidação como
República Federativa no século XX. Para isso, optou-se por delimitar
a abordagem à música erudita produzida no século passado.
A Unidade foi estruturada em duas partes:
1) A música no Brasil Império, destacando as transformações
musicais ao longo dos diferentes reinados, com ênfase especial no
Romantismo brasileiro.
2) A transição para o Brasil República, com foco na música popular
(especialmente maxixe e choro), no movimento Nacionalista e na
Música Contemporânea.
Esperamos que o conteúdo aprendido aqui sirva de suporte para a
realização das atividades previstas.
66
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Renato. Compêndio de história da música brasileira. Rio
de Janeiro: Editora Briguiet & Cia., 1958.
BARMAN, Roderick. Imperador Cidadão. São Paulo: Editora UNESP,
2012.
BERNARDO, Marco Antônio. Waldir Azevedo: um cavaquinho na
história. São Paulo: Irmão Vitale, 2004.
BRITO, Teca Alencar de. Koellreutter educador: o humano como
objetivo da Educação Musical. 2. ed. São Paulo: Peirópolis, 2017.
CABRAL, Sérgio. Uma história secular. In: CHEDIAK, Almir. Choro. São
Paulo: Irmãos Vitale, 2009. p. 10-13.
CAVINI, Maristella Pinheiro. História da Música Ocidental: uma
breve trajetória desde o século XVIII até os dias atuais. São Carlos:
EdUFSCar, 2010.
CAZES, Henrique. Choro: do quintal ao Municipal. São Paulo: Editora
34, 1998.
DICIONÁRIO CRAVO ALBIN DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA.
Oficlice. [2019]. Disponível em: http://dicionariompb.com.br/oficlide.
Acesso em: 28 ago. 2019.
DINIZ, André. Almanaque do Choro: a história do chorinho, o que
ouvir, o que ler, onde curtir. 3. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
DINIZ, Edinha. Chiquinha Gonzaga: uma história de vida. Rio de
Janeiro: Instituto Moreira Salles; Jorge Zahar, 2009.
EFEGÊ, Jota. Maxixe, a dança excomungada. Rio de Janeiro:
Conquista, 1974.
67
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
FERNANDES, José Nunes. Oficinas de música no Brasil: história e
metodologia. 2. ed. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves,
2000.
FONTENELE, Ana Lúcia. A música popular urbana no final do século
XIX e início do século XX no Brasil e sua influência nos arranjos da
fase madura da carreira de Pixinguinha. Resonancias, [S.l.], v. 20, n.
39, p. 155-174, jul. /nov. 2016.
KATER, Carlos. Música Viva e H. J. Koellreutter: movimentos em
direção à modernidade. São Paulo: Musa Editora, 2001.
KIEFER, Bruno. História da música brasileira: dos primórdios ao
início do século XX. 4. ed. Porto Alegre: Movimento 1997.
MARCÍLIO, Carla Crevelanti. Chiquinha Gonzaga e o maxixe. 2009.
144f. Dissertação (Mestrado em Música) - Programa de Pós-Graduação
em Música, Instituto de Artes, Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquista Filho (UNESP), São Paulo, 2009.
MARIZ, Vasco. História da música no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1983.
MORAIS, Renant Araújo. A escolar de primeiras letras no Brasil
Império (1822-1889): precariedade e exclusão. Plures Humanidades,
[S.l.], v. 18, n. 2, p. 127-142, 2017.
NAPOLITANO, Marcos. História & Música: história cultural da música
popular. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
OLIVEIRA, Paula. Grupo de Compositores da Bahia (1966-1974):
desenvolvimento e identidade. 2010. Dissertação (Mestrado em
Cultura e Sociedade) - Faculdade de Comunicação, Universidade
Federal da Bahia, Salvador, Bahia.
68
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
PAOLIELLO, Guilherme. Villa-Lobos e o canto coletivo na Era Vargas
(1930- 1945). Artefilosofia, Ouro Preto, n. 1, p. 151-159, jul. 2006.
QUADROS JUNIOR, João Fortunato Soares; LORENZO, Oswaldo.
Música na escola: uma revisão das legislações educacionais brasileiras
entre os anos 1854 e 1961. Música Hodie, Goiânia, v. 12, n. 1, p. 175-190,
2012.
RIOS FILHO, Paulo. A hibridação cultural como horizonte metodológico
na criação de música contemporânea. Revista do Conservatório de
Música da UFPel, Pelotas-RS, n. 3, p. 27-57, 2010.
ROLLING STONES. 100 maiores músicas brasileiras. 2009. Disponível
em: https://rollingstone.uol.com.br/edicao/37/as-100-maiores-musicas-
brasileiras/. Acesso em: 28 ago. 2019.
SANDRONI, Carlos. Feitiço decente: Transformações do samba no
Rio de Janeiro (1917-1933). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor; Editora
UFRJ, 2001.
SEVERIANO, Jairo; MELLO, Zuza Homem de. A Canção no Tempo:
85 anos de músicas brasileiras (1901-1957). Rio de Janeiro: Editora 34,
1997.
TABORDA, Márcia. As abordagens estilísticas no choro brasileiro
(1902-1950). Historia Actual Online, [S.l.], n. 23, p. 137-146, 2010.
TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular brasileira.
2. ed. São Paulo: Editora 34, 2010.
VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Imperial. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2002.
VEIGA, Cynthia Greive. História da educação. São Paulo: Ática, 2007.
69
Unidade 3
MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
NOS SÉCULOS XX E XXI
Bem-vindo(a) à Unidade III!
Nesta etapa, nosso objetivo é explorar a música popular brasileira
nos séculos XX e XXI, identificando suas principais características
e compreendendo os contextos histórico e sociocultural que
influenciaram sua produção. Além disso, buscamos desenvolver
a capacidade de reconhecer auditivamente obras de diferentes
autores do Brasil contemporâneo.
Que seja uma excelente experência de aprendizagem.
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
O
início do século XX foi marcado por diferentes acontecimentos
que marcaram o desenvolvimento da música popular
brasileira, tanto no que diz respeito à quantidade de gêneros
musicais como também as características destes. Nesta Unidade
veremos (de maneira bastante sintetizada) alguns dos principais
fatores de influência e sobretudo um pouco dos movimentos e
gêneros musicais atuais.
Primeiramente, é importante salientar que o século XX marcou a
chegada dos registros fonográficos no Brasil, fato que possibilitou a
difusão e a comercialização física da música. A primeira gravadora
do país foi a Casa Edison, fundada em 1902 por Frederico Figner no
Rio de Janeiro e que representava vários selos da empresa alemã
Odeon Records. As gravações iniciais eram feitas com o uso de
cilindros fonográficos (utilizados nos fonógrafos criados por Thomas
Edison), sendo anos mais tarde substituídos por discos (usados em
gramofones).
A primeira música gravada pela Casa Edison foi o lundu Isto é Bom1,
composição de Xisto Bahia interpretada pelo cantor Manuel Pedro
dos Santos (mais conhecido como Baiano). O sistema de gravações
impactou o mundo da música, influenciando significativamente em
diferentes aspectos da produção musical: qualidade e potência vocal
do(s) cantor(es), tipo de instrumentação utilizada, duração, tema e
estruturação das canções etc. Dessa maneira, passaremos em seguida
a tratar de um dos gêneros que foram mais influenciados por essa
transformação e que acabou estabelecendo uma relação simbiótica
com o mercado fonográfico: o samba.
1
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=orkpDm0fY0E.
71
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
3.1 O Samba
Gênero musical de origem afro-brasileira, o samba tem sua origem
na Bahia, mas se popularizou em maior medida no Rio de Janeiro,
sendo elevado à posição de música nacional a partir dos anos 1930,
se tornando um dos principais elementos representativos da cultura
brasileira no exterior (Napolitano, 2002). A palavra “samba” surge
originalmente para identificar divertimentos populares da Bahia no
final do século XIX:
[...] na Bahia chama-se ‘samba’ o que no Rio de Janeiro se denominava
‘chiba’, no Estado de Minas , ‘cateretê’, e no Estados do Sul, ‘fandango’.
[ Trata-se de uma] dança de roça, ao ar livre, em que por instrumentos
entram o violão, a viola de arame, o cavaquinho, sob a toada dos quais
se canta e se sapateia ao ritmar das palmas, dos pratos e dos pandeiros
(Sandroni, 2003, p. 87).
Sandroni (2003) traz a ideia de que o samba tenha se originado a partir
de duas vertentes. Primeiramente, pela vertente folclórica, substitui o
batuque e dá origem ao samba-de-umbigada baiano, reforçado pela
hipótese de que o nome desse gênero tenha se originado de semba,
um gênero musical africano que significa umbigada ou batuque
(Shahriari, 2016). Tal hipótese possui, todavia, poucas evidências
históricas, sendo construída e repassada basicamente a partir de
relatos. A segunda vertente, popular, estabelece que o samba tenha
surgido dos gêneros populares brasileiros de grande popularidade em
vários locais do Brasil, sobretudo no Rio de Janeiro, tais como o maxixe
e o tango. Apesar dessa discussão, Sandroni (2003) aponta como
elemento fundamental do samba a presença da síncope característica,
algo já existente desde o lundu do século XVIII (ver Unidade 1).
A transferência da mão de obra escrava da Bahia para o Vale do
Parnaíba, atrelada ao declínio da cafeicultura, à abolição da escravatura
72
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
e ao desenvolvimento comercial dos Estados do Sudeste brasileiro
levaram à migração intensificada dos negros para a cidade do Rio de
Janeiro, habitando principalmente os bairros da periferia. De acordo
com Vianna (2004), as casas das tias “baianas”, como Amélia, Ciata
e Prisciliana, foram os redutos onde se desenvolviam as festas de
terreiro, regadas a batuques e umbigadas, dando origem à primeira
formatação do samba.
Diferentes autores apontam para a existência de dois estilos de samba
diferentes. O primeiro, estilo antigo, é caracterizado por Sandroni
(2003) como um samba mais amaxixado, feito em rodas e utilizando
instrumentos como piano, cavaquinho, violão, flauta, clarineta, cordas
e metais, isto é, instrumentos de origem europeia, sendo em grande
parte “associado a Tia Ciata e aos compositores que frequentavam a
sua casa, como Donga, João da Baiana, Sinhô, Caninha e Pixinguinha”
(p. 137). Esse autor destaca que o estilo antigo adotava como padrão
rítmico uma estrutura conhecida como paradigma do tresillo,
que corresponde à imparidade rítmica num ciclo de 8 pulsações
(3+3+2 e suas variantes), baseada fundamentalmente na síncope
característica:
Paradigma do tresillo
Fonte: Sandroni (2003)
Por outro lado, Máximo e Didier afirmam que as músicas do estilo
novo (também conhecido como estilo do Estácio) surgiram a partir
de refrãos improvisados dentro das rodas de samba, em que eram
73
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
utilizados violão ou cavaquinho e uma base percussiva compostas de
instrumentos de origem africana ou inventados no Brasil, tais como
tamborim, surdo, cuíca e pandeiro. Esse estilo aparece associado
aos compositores que viviam ou frequentavam o bairro Estácio de
Sá, no Rio de Janeiro: Ismael Silva (1905-1978), Nilton Bastos (1899-
1931), Alcebíades Barcelos (mais conhecido como Bide) (1902-1975),
e Sílvio Fernandes (também conhecido como Brancura) (1908-1935).
A estrutura rítmica predominante do novo estilo fundamentava-se
no que Sandroni (2003) chamou de paradigma do Estácio, ritmo
baseado em variações da síncope característica e estruturado
geralmente em 16 pulsações (2+2+3+2+2+2+3 e suas variantes).
Paradigma do Estácio
Fonte: Sandroni (2003)
Os sambas do início do século XX geralmente eram composições
coletivas realizadas em rodas de partido-alto2 e sem registro
de autoria. Em 1916, Ernesto dos Santos (mais conhecido como
Donga), registrou a canção “Pelo Telefone”, se tornando um marco
para o surgimento dos sambas de autoria. Além disso, iniciou-se o
surgimento de parcerias entre os compositores: um compunha o
refrão e outro compunha as estrofes. Outro fator que influenciou
diretamente na formatação do samba foi o surgimento do registro
fonográfico, em especial a criação da Casa Edison a partir de 1902,
principal gravadora do início do século (Napolitano, 2002). De acordo
com Sandroni (2003), o samba gravado era totalmente diferente
2
“Espécie de samba cantado em forma de desafio por dois ou mais contendores e que se compõe de uma parte coral [...] e uma parte solada com versos
improvisados ou do repertório tradicional, os quais podem ou não se referir ao assunto do refrão” (Lopes apud Sandroni, 2003, p. 104).
74
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
daquele praticado nas rodas de samba, apresentando uma estrutura
clara e bem definida no formato refrão e segundas partes (estrofes
com letras variadas e que não permitiam improvisos), versos em
formato de quadras e inclusão de introduções instrumentais.
Ao longo dos anos, o samba se transforma e começam a surgir
diversas variações, tais como:
• Samba-canção3: criado em 1928, o samba-canção apresenta
melodia mais elaborada, de caráter mais sentimental e andamento
lento, “uma criação de compositores semieruditos ligados ao
teatro de revista do Rio de Janeiro” (Tinhorão, 1991, p. 151).
• Samba-choro4: de maior complexidade harmônica e melódica,
pode ser definida como a versão cantada derivada do choro
instrumental e que ganhou difusão a partir de 1934;
• Samba-de-breque: essa variação tem como origem a inclusão
do “breque”5 no samba, definido por Tinhorão (1991, p. 162) como
“uma parada ou interrupção do desdobramento melódico, que
torna possível a interpolação de uma frase ou outra”. Apareceu
pela primeira vez na música Jogo proibido6, de Moreira da Silva,
em 1936;
• Samba-enredo7: o samba-enredo surge a partir da década de
1940 como o tipo de música característico das escolas de samba,
estruturado a partir de versos (ou enredo) que tinham como
objetivo dramatizar uma história escolhida como tema do desfile
carnavalesco;
3
Linda Flor (1928), de Henrique Vogeler e Luis Peixoto. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=pQ9yIqPhtgA.
4
Conversa de Botequim (1935), de Noel Rosa, Oswaldo Gogliano e Vadico. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Ph33N1EaJuE.
5
Do inglês break, então popularizado como referência ao freio instantâneo dos novos automóveis.
6
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=orkpDm0fY0E.
7
Peguei um Ita no Norte (1993), de Demá Chagas, Arizão, Bala, Guaracy e Celso Trindade. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-bA6kQlTgz8.
75
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
• Samba-exaltação: variação caracterizada pelo uso de letras
de cunho patriótico e que ressaltam as belezas do Brasil, com
acompanhamento instrumental realizado por orquestra,
tornando-a uma das variações mais sofisticadas do samba. O mais
famoso samba-exaltação é a música Aquarela do Brasil (1939)8,
composição de Ary Barroso e Aloysio Oliveira.
Até a década de 1930, o samba e seus protagonistas foram
enormemente perseguidos, tido como um gênero musical associado
a comportamentos socialmente indesejáveis, como a vadiagem e a
malandragem. Assim como na canção Lenço no pescoço (1933)9, de
Wilson Batista, o sambista era reconhecido pelo “chapéu de lado,
tamanco arrastando, lenço no pescoço e navalha no bolso”. Além
disso, a ele eram associadas atitudes corporais específicas, tais
como “a famosa ginga, a maneira de andar bamboleando o corpo
e arrastando os pés” (Sandroni, 2003, p. 169). Por tudo isso, o samba
produzido nos morros cariocas com instrumentos percussivos de
origem afro-brasileira, por músicos sem instrução formal, em sua
maioria descendentes de escravos, e com menor poder aquisitivo
era desprezado pelas populações das classes mais abastadas, sendo
caracterizado como uma música de menor valor cultural.
Entretanto, o fortalecimento do carnaval de rua com o advento das
escolas de samba (provenientes dos antigos blocos carnavalescos) e
seus sambas-enredo, a criação de espaços socialmente mais abertos
para veiculação do samba (como os botequins), a adoção do estilo
do Estácio como o “samba de raiz” e sua consequente popularização
entre todas as camadas sociais do Rio de Janeiro fizeram com que
esse gênero se fortalecesse a ponto de se transformar em símbolo
de nacionalidade, rebaixando todos os demais gêneros musicais à
8
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Z9dV3XQk76c.
9
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=vmD6D0zAGnc.
76
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
categoria de regional (Vianna, 2004). Com Beth Carvalho
isso, houve um aumento considerável
no número de gravações fonográficas e
consequente mercantilização do samba,
tornando-se o gênero musical mais
executado no período de instalação do
rádio no Brasil. Contudo, é importante
Fonte: Revista Veja (2018)
destacar que o samba continua seu
processo evolutivo, apresentando novas variações (tal como o
sambalanço, de Jorge Ben Jor) e incorporando inovações do mundo
Martinho da Vila contemporâneo, mas evitando fugir da
essência desenvolvida na sua gênese. Os
maiores nomes do samba nos últimos anos
foram Martinho da Vila10, Beth Carvalho11
e Zeca Pagodinho12, responsáveis por
abrir as portas aos artistas das novas
gerações. A importância do samba foi
Fonte: Revista Exame (2015)
muito reconhecida, chegando a ser
considerado como Patrimônio Imaterial do Brasil, título outorgado
pelo Instituto do Patrimônio Histórico Zeca Pagodinho
e Artístico Nacional (IPHAN) tanto às
matrizes do samba do Rio de Janeiro
(em 2005) quanto ao samba de roda do
Recôncavo Baiano (em 2004), que foi
também reconhecido como Patrimônio
Cultural Imaterial da Humanidade no
Fonte: Revista Versar (2018)
Brasil pela Unesco em 2005.
10
Assista a música Madalena do Jucú (1997), disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_OHjRAHd4eY.
11
Assista a música Camarão que dorme a onda leva (1983). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=vmD6D0zAGnc.
12
Assista a música Faixa Amarela (1999). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7YaHP3u4UK4.
77
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
3.2 O Rádio
A primeira transmissão de rádio Rádio
no Brasil foi realizada no dia
07 de setembro de 1922, um
discurso do então presidente da
República Epitácio Pessoa em
comemoração ao Centenário
da Independência do Brasil,
seguido da ópera O Guarani,
de Carlos Gomes. Entretanto,
Fonte: Philips (1994)
a radiodifusão se estabeleceu
apenas no ano seguinte, com a
criação da Rádio Sociedade, fundada no Rio de Janeiro por Edgard
Roquette-Pinto e Henrique Morize. Ferraretto (2012) apresenta uma
proposta de periodização do rádio no Brasil:
• Fase de implantação, que compreende o final da década de 1910
até a segunda metade dos anos 1930, correspondendo à etapa de
instalação das primeiras estações de radiotransmissão no país;
• Fase de difusão, ocorrida entre o início da década de 1930 e
a segunda metade dos anos 1960, momento marcado pelo
surgimento das radionovelas. Nesse período tem início a
publicidade radiofônica, regulamentada pelo Decreto nº 21.111,
de 1932, abrindo a possibilidade de exploração comercial dentro
das emissoras estatais, passando gradativamente de um serviço
público a um negócio comunicacional;
• Fase de segmentação, que abarca o final da década de 1950 ao
início do século XXI, etapa marcada pelo surgimento da televisão e
78
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
a necessária adaptação para coexistir com esse novo e impactante
veículo comunicacional. O rádio se remodela, fazendo surgir três
importantes figuras da comunicação: a) o comunicador popular,
possuidor de uma comunicação coloquial que buscava dialogar
com os integrantes das camadas C, D e E, responsável pela
veiculação de músicas de caráter massivo, constante prestação de
serviços e exploração do noticiário policial; b) o DJ (disk-joquei),
comunicador responsável pelo rádio musical jovem, direcionado
ao público adolescente e universitário das classes A e B; c) o âncora,
preferido pelos adultos das classes média e alta, este comunicador
era responsável pelo radio-jornalismo.
• Fase de convergência, período marcado pelo estabelecimento da
telefonia celular e da Internet no Brasil, compreendendo meados
da década de 1990 até a atualidade. O rádio começa a dialogar com
as novas mídias digitais, oferecendo conteúdos em streaming e
para download, diversificando drasticamente a sua programação
na tentativa de atingir diferentes nichos. Além disso, nos últimos
anos, várias emissoras introduziram a transmissão dos programas
de rádio com imagem, utilizando-se de plataformas como Youtube,
Facebook e Instagram.
A indústria fonográfica foi bastante impulsionada pela expansão
radiofônica, a partir dos altos investimentos de setores produtivos da
sociedade, tais como a indústria elétrica. Por outro lado, as emissoras
radiofônicas tinham nas verbas de promoção fonográfica (prática
conhecida como jabá13) uma de suas principais fontes de faturamento
(Herschmann; Kischinhevsky, 2011). Essa situação resultou na criação
de um ciclo contínuo de promoção da indústria fonográfica que
vigora até os dias atuais.
13
Termo usado para definir as “gratificações” que as grandes gravadoras oferecem às emissoras de rádio para tocar a música de seus artistas.
79
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
Ciclo de promoção da indústria fonográfica
Pagamentos das
gravadoras às rádios para
execução da música (Jabá)
Nova
Rádio Ouvinte
Música
Indústria
fonográfica
Redução da Pedidos de
Rádio
Audiência músicas pelos
ouvintes
Pagamentos das rádios aos
artistas/gravadoras pelos
Direitos Autorais
Fonte: Elaborado pelo autor (2019)
A frequente presença no rádio alavancou a carreira de muitos artistas,
alçando-os ao posto de primeiros ídolos nacionais, já na década de
1940, tais como Cauby Peixoto, Dorival Caymmi, Carmen Miranda,
Emilinha Borba e Grande Otelo, alguns destes conseguiram projeção
internacional no período como Era de Ouro do Rádio. Esse predomínio
só foi superado quando a televisão conquistou a adesão de grande
parte da população, já na década de 1960, oferecendo ao telespectador
tanto som quanto imagem. Ainda assim, pesquisas apontam que
o rádio se mantém como um dos veículos de comunicação mais
influentes no século XXI (Quadros Junior, 2017), criando novas formas
de interação com o seu público, diversificando a sua programação e
introduzindo as inovações tecnológicas que apareceram no decorrer
dos anos, dialogando, sobretudo, com a Internet.
80
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
3.3 A Bossa Nova
Música de harmonia dissonante, melodia sofisticada e ritmo
sincopado, a bossa nova é um gênero musical surgido no Rio de
Janeiro no final da década de 1950 que mescla influências do samba,
do jazz, do blues e da música impressionista de Claude Debussy
(Naves, 2004). O marco inicial desse gênero foi o lançamento da
canção Chega de Saudade (1959)14 por João Gilberto, composição de
Vinícius de Moraes e Tom Jobim, na qual foi apresentada uma batida
diferente ao violão e uma forma suave e introspectiva de se cantar,
bem distinto dos cantores que faziam sucesso até então. Napolitano
(2002, p. 62) destaca as inovações trazidas pelo novo gênero:
[...] sutileza interpretativa, novas harmonias, funcionalidade e
adensamento dos elementos estruturais da canção (harmonia-ritmo-
melodia) que deixavam de ser vistos como um mero apoio ao canto (voz).
A partir daí, houve uma espécie de limpeza de ouvidos, desqualificando
tudo que fosse identificado como exagero musical: ornamentos
dramatizantes, tessituras muito compactas, vozes operísticas e letras
passionais narrativas.
Segundo Tinhorão (2010, p. 328), a bossa nova foi uma criação de jovens
de famílias das classes média e alta do Rio de Janeiro interessados em
“tocar samba em estilo de jazz, com liberdade de improvisação e sem
preocupação de tempo”. Para além das questões musicais, pode-se
pontuar que a separação social ocorrida no Rio de Janeiro dos anos
1950, colocando os ricos na Zona Sul e os pobres nos morros e na
Zona Norte, foi um fator significativo no surgimento desse gênero
musical (Tinhorão, 1991). Essa segregação gerou como consequência
a alienação do público juvenil de maior poder aquisitivo em relação
às músicas que compunham a tradição popular naquele momento,
aproximando-se em maior medida dos gêneros provenientes
14
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=CX6XQ1huZOA.
81
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
do exterior, tais como o bebop, o jazz e a música erudita. Como
consequência, a bossa nova tornou-se o gênero musical preferido
dos integrantes das camadas sociais mais elevadas, tendo como
principais nomes João Gilberto, Tom Jobim, Vinícius de Morais, Nara
Leão, Carlos Lyra e Roberto Menescal.
Vinícius de Moraes Tom Jobim Nara Leão
Fonte: Wikipedia (1998) Fonte: Wikipedia (1998) Fonte: Wikipedia (1998)
3.4 Movimentos musicais pós-1960
Os anos 1960 foram marcados pela tentativa de nacionalização ou
aproximação da bossa nova às tradições musicais populares do
Brasil. A primeira delas foi a criação da MMPB (Moderna Música
Popular Brasileira, que posteriormente ficou conhecida como MPB)
em 1965, um movimento que trazia como inovação a tentativa de
tensionar a sutileza interpretativa e o tratamento anticontrastante
das canções (características dos bossa-novistas) com a incorporação
de elementos musicais de outros gêneros mais populares, tais como
o forró e o frevo (Napolitano, 2002). A MPB incorporou tanto artistas
provenientes da bossa nova (tal como Nara Leão e Edu Lobo), como
82
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
também agregou diversos artistas em início de carreira (como Elis
Regina, Gilberto Gil e Chico Buarque). Como exemplos dessa nova
estética musical, podemos citar as canções Arrastão (1965)15, de Edu
Lobo, Disparada (1966)16, de Geraldo Vandré e Theo de Barros Filho, e
A Banda (1966)17, de Chico Buarque.
Premiação da 3ª edição do Festival de Música Popular
Brasileira, os finalistas Gilberto Gil, Geraldo Vandré, Chico
Buarque e Elis Regina. No cartaz (ao fundo), Jair Rodrigues e
Nara Leão
Fonte: Wikipedia (1998)
15
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=nxTUla_ehJ8.
16
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=82dRs2z6iQs.
17
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=wFPPawLq_5Q.
83
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
A instalação da Ditadura Militar em 1964 e as decorrentes
transformações sociais e políticas no país, sobretudo a partir da
promulgação dos Atos Institucionais, conduziu a classe artística
à criação cada vez maior de uma arte popular revolucionária que
demonstrasse a sua ideologia e o seu engajamento políticos. Isso
foi refletido nas canções apresentadas nos diferentes festivais de
música ocorridos no Brasil, ganhando destaque cada vez mais as
canções de protesto (sobretudo contra o regime ditatorial vigente).
O primeiro espetáculo de caráter contestador foi o Opinião (1964)18,
que reuniu no palco os cantores Nara Leão, Zé Kéti e João do
Vale e simbolizou um protesto contra o processo de remoção das
favelas no Rio de Janeiro (Severiano; Mello, 1998). Tinhorão (1991)
relata que a contínua adesão do público às canções de protesto
levou ao governo brasileiro a adotar cada vez mais medidas que
promovessem a repressão e endurecimento da censura, inclusive
com a prisão e deportação de nomes importantes do cenário
artístico, tais como Ferreira Gullar e Chico Buarque.
Esse contexto também influenciou a criação de novos movimentos
musicais, como o Tropicalismo, o Clube da Esquina e o Movimento
Armorial. Sobre o primeiro, ele teve como marco inicial as
apresentações de Alegria, Alegria (1967)19, de Caetano Veloso, e
Domingo no Parque (1967)20, de Gilberto Gil, no Festival da TV
Record de 1967 (Carvalho, 2009). A tropicália (ou tropicalismo) foi
um movimento cultural brasileiro que visava à abertura da música
brasileira às tendências estéticas e inovações que aconteciam no
cenário internacional (Napolitano, 2002). Buscava realizar com o rock
americano e inglês um processo semelhante ao que a bossa nova
fez com relação ao jazz, valorizando muito mais a universalização do
18
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=p-1-4sFqfLg.
19
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=wWhnq5YcBfk.
20
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=bl7xHuEtlyg.
84
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
que a regionalização (algo defendido pela MMPB). Para exemplificar
essa distinção, trazemos a observação de Tinhorão (1991, p. 250):
[...] enquanto no acompanhamento da música Disparada, no II Festival
de Música Popular Brasileira, de 1966, um ritmista tirava som de uma
queixada de boi, na apresentação de Alegria, Alegria, um ano depois,
o cantor-compositor Caetano Veloso fazia-se acompanhar por jovens
argentinos e à base de guitarras elétricas e de percussão estereotipada
a partir do ritmo do rock de consumo.
O movimento tropicalista teve muita força no campo musical, po-
rém também avançou em outras linguagens artísticas, tais como as
artes plásticas (com Hélio Oiticica), o cinema (com Glauber Rocha)
e o teatro (José Celso Martinez Correa). Uma influência importante
que norteou esse movimento foi o movimento antropofágico, pro-
posta idealizada entre as décadas 1920 e 1930 por artistas como
Mário de Andrade e Tarsila
Jorge Benjor, Caetano Veloso, Gilberto
do Amaral, e que tinha como Gil, Mutantes e Gal Costa
princípio absorver a cultura
estrangeira, mesclá-la com
elementos da cultura na-
cional e, posteriormente, re-
gurgitá-la em forma de uma
criação nova. O tropicalismo
chega ao seu final após a pri-
são e exílio dos seus princi-
pais líderes, Caetano e Gil, o
que acabou desarticulando o
movimento a partir de 1968. Fonte: Wikipedia (1998)
85
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
Ariano Suassuna Ao contrário do que pregava o tropicalis-
mo, o movimento armorial tinha na cul-
tura popular sua principal matéria-pri-
ma, concebendo esta como a expres-
são mais autêntica de brasilidade (Lima,
2010). O seu idealizador foi o poeta e es-
critor pernambucano Ariano Suassuna,
Fonte: Todo Estudo (1998)
que conseguiu por meio da política fo-
mentar a proposta desse movimento e
articular artistas de diferentes linguagens (como pintura, música,
literatura e dança) em prol da luta contra o processo de desca-
racterização e vulgarização da cultura brasileira. O movimento Ar-
morial teve início em 1970 e a escolha do seu nome foi motivada
primeiramente pela sua ligação com a heráldica, “uma arte emi-
nentemente popular, existente desde os ferros de marcar o boi do
Sertão nordestino, até os estandartes, as agremiações carnavales-
cas, as bandeiras e escudos dos clubes de futebol” (Costa, 2011, p.
19). Em segundo lugar, pela beleza e pela curiosidade que o nome
desperta em quem ouve. O movimento se tornou bastante reco-
nhecido do público brasileiro muito em função da literatura de
cordel, da xilogravura e da música. Foram f rutos desse movimen-
to grupos como Quinteto Armorial21, Balé Armorial do Nordeste22
(atual Balé Popular de Recife) e a Quarteto Romançal23. A influên-
cia da arte armorial é sentida até os dias de hoje e tem como seu
principal expoente o artista Antonio Nóbrega24.
21
Assista Revoada (1974). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=5qQlnugi1Es.
22
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=LTpF0Rxb5TE.
23
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Dc64W8lGQ-U.
24
Assista Rasga do Nordeste (2014). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=whRRlPhck84.
86
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
3.5 O Rock Brasileiro
O rock é um gênero musical surgido nos Estados Unidos nos anos
1950, fruto da combinação entre o rock’n’roll e o rockabilly, gêneros
originados do blues, do country e do Rhythm and Blue. Suas
características principais são as letras simples acompanhadas de
música que possui um ritmo rápido e dançante, executado por um
conjunto geralmente formado por guitarra elétrica, baixo elétrico
e bateria (Starr; Waterman, 2007). Suas canções tem como base o
compasso quaternário (4/4) que utilizam uma estrutura de verso-
estribilho. Entretanto, as fusões com outros gêneros musicais e as
inovações incorporadas com o passar dos anos tornou bastante
complexa a tarefa de definir, de forma precisa, esse gênero na
atualidade.
O rock foi introduzido no Brasil no ano de 1955, com a regravação da
música Rock around the clock (1955)25, de Bill Haley & Hill Comets, na
voz de Nora Ney (Fróes, 2004). Dois anos mais tarde, Cauby Peixoto
gravou o primeiro rock legitimamente brasileiro, Rock and Roll em
Copacabana (1957)26, de Miguel Gustavo, música que obteve grande
sucesso na época. Entretanto, os primeiros ídolos desse gênero no
Brasil foram os irmãos Tony e Celly Campello, atingindo grande êxito
com o LP Forgive Me/Handsome Boy (em 1958) e posteriormente
em suas carreiras solo.
O recente sucesso do rock influenciou a criação de um movimento
musical nascido em meados da década de 1960 denominado Jovem
Guarda, também conhecido como iê-iê-iê, bastante influenciado por
ídolos internacionais como Elvis Presley e Chuck Berry, e que tinha como
Roberto Carlos
25
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ZgdufzXvjqw.
26
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zw3gQx2ZWuI.
87
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
líderes artistas como Roberto Carlos27, Erasmo Carlos28 e Wanderléa29.
Sua música tinha
Erasmo Carlos, Wanderléa e Roberto Carlos
um ritmo acelerado
e dançante, com
letras românticas e
de fácil assimilação,
conseguindo grande
penetração entre o
público juvenil. Outros
nomes importantes
desse movimento
foram Ronnie Von,
Jerry Adriani, Eduardo
Fonte: Wikipedia (2015)
Araújo e Renato e seus
Blue Caps (Zan, 2013).
As transformações ocorridas no rock mundial nos anos 1970,
especialmente lideradas por grupos como The Beatles, Rolling Stones,
Bob Dylan e Led Zeppelin, bem como o surgimento do movimento
hippie produziram efeitos significativos no rock nacional. Artistas como
Mutantes30, O Terço31, Novos Baianos32, Raul Seixas33 e Secos e Molhados34
adotaram uma proposta de criação musical diferente dos padrões
artísticos até então conhecidos. Napolitano (2002, p. 71) afirma que o
rock brasileiro nesse período pode ser caracterizado como um espaço
alternativo marcado por “incursões na contracultura e na música e poesia
de vanguarda, reclamando para si a continuidade das ousadias estéticas
e comportamentais do tropicalismo de 1968”. Esse movimento ocorreu
durante a Ditadura Militar brasileira, sendo indubitavelmente influenciado
27
Assista Se você pensa (1969). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=fNMdzJ4X7go.
28
Assista Festa de arromba (1965). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3QbimDKeBTQ.
29
Assista Prova de fogo (1967). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2vvuHpP9Hjw.
30
Assista Panis et circenses (1968). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=OipD1DO49nQ.
31
Assista Hey amigo (1975). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=tmIkBlM-KY0.
32
Assista Brasil pandeiro (1972). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=V2et7WhysRg.
33
Assista Tente outra vez (1975). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=wx0wyD1sXFM.
34
Assista Sangue latino (1983). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=whRRlPhck84.
88
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
pela constante censura e repressão sofridas durante esse período. Além
disso, tem início a realização dos festivais de rock, sendo o maior deles
o Hollywood Rock, ocorrido em 1975 e que contou com a participação
dos principais nomes de gênero no país. As transformações ocorridas no
rock mundial nos anos 1970, especialmente lideradas por grupos como
The Beatles, Rolling Stones, Bob Dylan e Led Zeppelin, bem como o
surgimento do movimento hippie produziram efeitos significativos no
rock nacional. Artistas como Mutantes35, O Terço36, Novos Baianos37, Raul
Seixas38 e Secos e Molhados39 adotaram uma proposta de criação musical
diferente dos padrões artísticos até então conhecidos. Napolitano (2002, p.
71) afirma que o rock brasileiro nesse período pode ser caracterizado como
um espaço alternativo
Representantes do Rock Brasileiro dos anos
1980 marcado por “incursões
na contracultura e na
música e poesia de
vanguarda, reclamando
para si a continuidade
das ousadias estéticas
e comportamentais do
Fonte: Rocknaveia (2014)
tropicalismo de 1968”.
Esse movimento ocorreu
durante a Ditadura Militar brasileira, sendo indubitavelmente influenciado
pela constante censura e repressão sofridas durante esse período. Além
disso, tem início a realização dos festivais de rock, sendo o maior deles o
Hollywood Rock, ocorrido em 1975 e que contou com a participação dos
principais nomes de gênero no país.
A popularização do rock ocorreu na década seguinte, com músicas que
abordavam temas mais urbanos, falando da vida cotidiana. Encabeçado
35
Assista Panis et circenses (1968). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=OipD1DO49nQ.
36
Assista Hey amigo (1975). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=tmIkBlM-KY0.
37
Assista Brasil pandeiro (1972). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=V2et7WhysRg.
38
Assista Tente outra vez (1975). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=wx0wyD1sXFM.
39
Assista Sangue latino (1983). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=whRRlPhck84.
89
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
por bandas como Titãs e Os Paralamas do Sucesso, o rock brasileiro dos
anos 1980 teve como marca o processo de redemocratização pelo qual
o Brasil passava. Assim, a música desse período mostra como principais
características uma grande influência da cena rock internacional (assim
como na década anterior), mas, sobretudo o sentimento reprimido
pelos anos de censura e a necessidade de extravasá-lo, explicitado por
meio de letras, música e/ou comportamento (Estrella, 2012). Pode-se
dizer que o movimento do rock brasileiro abrangeu grande parte do
país, o que acarretou no surgimento de bandas em diferentes Estados -
tais como Engenheiros do Hawaii40 (Rio Grande do Sul), Legião Urbana41
(Brasília-DF), Barão Vermelho42 (Rio de Janeiro), Ultraje a Rigor43 (São
Paulo), Camisa de Vênus44 (Bahia), Sepultura45 (Minas Gerais) -, tendo
no Circo Voador (no Rio de Janeiro) o seu palco mais representativo.
Também foi nesse período que surgiu o maior e mais longevo festival
de rock do Brasil na atualidade, o Rock in Rio, que teve a sua primeira
edição realizada em 1985 (Tinhorão, 2010).
Os anos 1990 foram marcados pela criação da MTV Brasil, emissora
televisiva que tinha sua programação destinada ao público jovem,
transmitindo videoclipes e notícias sobre Skank
o mundo da música nacional e mundial
(Rochedo, 2011). Nesse cenário surgem
novos nomes da cena rock brasileira que
traziam como proposta a mistura com
outros gêneros musicais de grande sucesso
no Brasil, tais como os mineiros Skank46
(rock e reggae) e Jota Quest47 (rock e Fonte: Wikipedia (1990)
funk/soul/R&B), os pernambucanos Chico
40
Assista Toda forma de poder (1986). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=I51_nZnf0aM.
41
Assista Geração Coca-cola (1985). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7tXCo-fl59M.
42
Assista Todo amor que houver nessa vida (1982). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ht6KgUt2LUE.
43
Assista Inútil (1985). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=9aHoWTs6xE0.
44
Assista Bete morreu (1983). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1_x-vt90Zyg.
45
Assista Empire of the Damned (1986). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ZLeb4BkRHaw.
46
Assista In(dig)nação (1992). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=FcjErnd0Si0.
47
Assista Encontrar alguém (1996). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Snq0sf26pPc.
90
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
Science & Nação Zumbi48 e Mundo Livre S/A49 com o seu manguebeat
(rock e maracatu), e a carioca Cássia Eller50 (rock e MPB).
O século XXI tem sido marcado pela adaptação de bandas de
outros períodos à estética e ao mercado fonográf ico atual,
pela pungente evidência de grupos mais voltados ao pop-
rock (tais como NxZero51, Detonautas52 e Pitty 53) e pelo sucesso
do rock alternativo (ex. Los Hermanos 54). Além disso, surgiram
bandas que trouxeram novas propostas de fusões com o rock,
a exemplo do Charlie Brown Jr.55 (rock e hip-hop) e do Sambô56
(rock e samba). Atualmente, o rock continua sendo um gênero
de grande representatividade para o cenário musical brasileiro,
sobretudo para o público juvenil, transitando entre o mainstream
e o underground, permanecendo ao longo das décadas como
elemento cultural de grande influência na sociedade.
3.6 Música popular brasileira na era da massificação
Após o sucesso estrondoso do rock brasileiro na década de 1980,
ganharam força diferentes gêneros musicais que dialogavam com
ritmos considerados mais tradicionais, como eram o samba e a
música sertaneja até então. Entretanto, esses novos gêneros foram
criados dentro de um processo conhecido como massificação
cultural, que vê a música como uma forma de entretenimento e
que possui como objetivo principal o lucro. Por isso, esses novos
gêneros possuíam como meta principal comum atingir um grande
48
Assista Da lama ao caos (1994). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=MXz9TX_CepA.
49
Assista Manguebit (1994). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=twwrJPk7f1I.
50
Assista Por enquanto (1990). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_nnf9w7qJgk.
51
Assista Apenas um olhar (2004). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=06WqTl0YPtU.
52
Assista Quando o sol se for (2002). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=9s3o85FqiVA.
53
Assista Admirável chip novo (2003). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=x_I74oWzjIU.
54
Assista Anna Júlia (1996). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=umMIcZODm2k.
55
Assista O Coro vai comer (1997). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=fqV5T9RDiNU.
56
Assista Sunday bloody sunday (2010). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2mF9M1Kaqg8.
91
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
quantitativo de público, de características bastante heterogêneas,
dispersos geograficamente, gerando assim números elevados de
vendas, sem a preocupação necessária com o seu valor cultural
(Quadros Jr., 2017). Dessa fórmula nasceram os gêneros musicais
brasileiros de maior repercussão: sertanejo, axé music e o pagode.
3.6.1 Sertanejo
Leandro, Chitãozinho, Luciano, Xororó, A música sertaneja surge
Leonardo e Zezé di Camargo
como uma urbanização da
música caipira. Caldas (1979)
afirma que a música caipira
tem origem no folclore
paulista, enquanto que a
sertaneja é tipicamente do
meio urbano-industrial. Para
esse autor, essa diferença
resultou na adoção de
Fonte: Hoje em Dia (1994)
objetivos e finalidades
divergentes entre eles:
Enquanto a primeira [música caipira] ainda desempenha o papel
de elemento mediador das relações sociais, evitando, com isso, a
desagregação das populações no meio rural e no interior, a segunda
[música sertaneja] tem hoje função meramente utilitária para seu
grande público, do qual faz parte também o caipira paulista, bem como
boa parte das populações do Sudeste, Sul e Centro-Oeste”.
A origem da música sertaneja remete ao ano de 1929, quando Cornélio
Pires57 gravou “causos” e alguns trechos de cantos tradicionais
que retratavam a vida do homem do campo e sua relação com a
natureza. O sucesso foi tão grande que já no ano seguinte houve um
57
Assista Jorginho do Sertão (1929). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=VTKMW1aJb7g.
92
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
aumento significativo nas gravações de discos de música sertaneja,
sobretudo pela gravadora RCA Victor. As características marcantes
dessa primeira fase são: execução musical feita em duetos (duplas
sertanejas), acompanhamento principal feito por violão e viola
caipira, letras que falavam predominantemente sobre elementos do
cotidiano do homem do campo e valorização do jeito caipira de falar.
Destacaram-se nesse período duplas como Alvarenga e Ranchinho58,
Zico Dias e Ferrinho59, Mandi e Sorocabinha60, e Mariano e Caçula61.
A veiculação no rádio, principal meio de comunicação da época,
acabaria sugerindo também a introdução de inovações para maior
mercantilização da música sertaneja. Como resultado, a temática
das letras sofreu uma drástica mudança, passando a adotar como
mote os casos de amor vividos na cidade, demonstrando claramente
a tentativa de se desligar de questões vinculadas ao meio rural e ao
interior (Caldas, 1979). Nessa perspectiva, ganha destaque a dupla
Leo Canhoto e Robertinho62 no início da década de 1970, primeira a
obter grande êxito de vendas de disco. Suas composições traziam
uma roupagem inovadora à base de instrumentos musicais
eletrônicos, com um ritmo jovem, sob influência da Jovem Guarda.
Exemplo disso foi a migração do cantor Sérgio Reis63 (integrante
da Jovem Guarda) para a música sertaneja, o que contribuiu para
a penetração mais ampla do gênero. Por outro lado, duplas como
Tonico e Tinoco64 tentaram manter as raízes na música sertaneja
tradicional.
Outro fator que influenciou na música sertaneja foi a frequente
participação em programas de televisão na década de 1980 e inclusão
desse gênero nas trilhas sonoras das novelas de maior sucesso. Isso
58
Assista Liga dos bichos (1936). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=pfwHX4WyLng.
59
Assista Que moça bonita (1935). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Gwg66HqwKgo.
60
Assista Tempo ruim (1934). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=mFKfzSI2m-A.
61
Assista A juriti (1934). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=0xdCacBuMII.
62
Assista O presidente e o lavrador (1975). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=YoqklhxAXgM.
63
Assista Panela velha (1983). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=olCirQGRkWw.
64
Assista Chico mineiro (1958). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Sp3NnkpBqJc.
93
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
contribuiu consideravelmente para o surgimento dos pop-star da
música sertaneja, como foram Chitãozinho & Xororó65, Leandro &
Leonardo66, Zezé di Camargo & Luciano67. A televisão potencializou
o número de vendas de discos, superando por vezes gêneros de
grande renome, como o rock e a MPB, tornando a música sertaneja
um dos gêneros mais conhecidos e consumidos na atualidade.
3.6.2 Axé Music
Ivete Sangalo, Durval Lelis (Asa de Águia), Bell Marques (Chiclete com Banana),
Luiz Caldas, Margareth Menezes, Gerônimo e Daniella Mercury
Fonte: Jornal Grande Bahia (2015)
A palavra axé deriva da saudação religiosa asé, termo em iorubá
utilizado no candomblé e na umbanda que significa energia, poder,
força. Axé também pode ser usado para desejar felicidade às pessoas.
Leme (2003, p. 19) define o gênero axé music como “uma produção
diretamente relacionada à música para dançar, para entretenimento
e de carnaval”. De ritmo frenético, esse gênero tem como marco
inicial o lançamento da música Fricote (1985)68, de Luiz Caldas e
65
Assista Galopeira (1970). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=kl3V0dHgq_g.
66
Assista Hoje eu acordei chorando (1983). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=InRc-AK_LQQ.
67
Assista É o amor (1991). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=KnKL6lM1q40.
68
Assista Fricote (1985). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=OEBitmbGVBs.
94
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
Paulinho Camafeu, na Bahia em 1985. Ele tem suas raízes estéticas
em diferentes gêneros da música brasileira, tais como o samba, o
frevo, o ijexá, o reggae, a salsa, o rock e a lambada (Castro, 2010).
Devido ao sucesso obtido e pelas suas características dançante
e contagiante, o axé music acabou se tornando o gênero musical
símbolo do carnaval de Salvador, sendo executada em cima dos trios
elétricos69. Em virtude da ampliação do mercado, foram criadas as
micaretas (as quais resultaram no carnaval fora de época), festas
em que o axé e os trios elétricos ganham espaço em outros locais
do Brasil, criando um cenário de dilatação do carnaval para o ano
inteiro. Segundo Trotta e Monteiro (2008, p. 6-7):
Ao estabelecer o seu público-alvo em torno da figura do jovem, a música
carnavalesca se reveste de uma série de simbologias associadas a essa
faixa etária, numa época da vida em que as relações sociais festivas são
propícias a altas intensidades emotivas e sexuais. Assim, a um evento de
grande apelo corporal (festivo e erótico) e próprio para estabelecimento
de estados alterados de consciência corresponde uma música de
grande intensidade sonora (volumes no máximo, andamento acelerado,
instrumentos e equipamentos de grande potência) que molda um
ambiente de saturação característico de uma certa sensibilidade atual,
num conjunto de características que colocam a axé music com enorme
potencial de veiculação em larga escala.
Muitos atribuem a autoria do axé music ao Acordes Verdes, grupo
liderado pelo cantor Luiz Caldas e que contava como um dos
percussionistas o cantor, instrumentista e compositor Carlinhos
Brown. Entretanto, muitos outros artistas foram responsáveis por
trazer inovações para o gênero, como os tambores do Araketu70,
as danças coreografadas do É o Tchan71, as guitarras baianas de
Armandinho72, o balé e a versatilidade de Daniela Mercury73, as mesclas
69
Criados por Dodô e Osmar na década de 1970, os trios elétricos são grandes alto-falantes acoplados em um caminhão que percorre longos caminhos
acompanhado de uma multidão de pessoas.
70
Assista Uma história de ifá (1987). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=MtBODxWiavk.
71
Assista Pau que nasce torto/Melô do Tchan (1995). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=o_-9ZjKm-z4.
72
Assista Zanzibar (1980). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=AkPxfQ4h3Ug.
73
Assista O canto da cidade (1992). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=B7XaHLJFS28.
95
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
com outros gêneros musicais de Ivete Sangalo74, dentre outros. Tais
transformações fizeram com que o axé music permanecesse até os
dias atuais como uma das músicas mais tocadas no Brasil.
3.6.3 Pagode
Criado inicialmente Encartes de CDs de grupos de pagode.
como uma variação
do samba, o pagode
nasce como gênero
musical na cidade
do Rio de Janeiro nos
idos dos anos 1970,
ganhando as rádios
e as pistas de dança
na década seguinte.
O termo pagode tem Fonte: Bhaz (2018)
origem nas festas
desenvolvidas pelos negros nas senzalas, tornando-se sinônimo para
festas alegres, com bastante bebida e cantoria. Entretanto, enquanto
gênero musical, ele nasce como uma “revolucionária forma de
compor e interpretar o samba, fruto de um movimento estrutural”
(Lopes, 2003, p. 111). Participavam desse movimento artistas como
Beth Carvalho, Zeca Pagodinho e o grupo Fundo de Quintal.
De acordo com Leme (2003), a partir da segunda metade da década
de 1980, começaram a surgir grupos de pagode que incorporavam
em suas performances elementos da música pop (instrumentos,
coreografias, vestuários, etc.), sendo em função disso denominado
74
Assista Flores (1993). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=CCY5nJfblpY.
96
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
como pagode romântico. Trotta (2007, p. 122) apresenta uma análise
interessante acerca das características desse novo gênero:
A sonoridade do pagode romântico ficou marcada pela utilização recor-
rente do teclado eletrônico, reconhecido símbolo sonoro de moderni-
dade [...] e representante da negação do ambiente acústico intimista do
“fundo de quintal”. Da mesma forma, adotaram estilos de performance
bastante análogos aos modelos de sucesso que circulavam pelo merca-
do internacional de música, desenvolvendo novas formas de participa-
ção corporal sambista: danças com passos marcados e movimentações
de palco e estética corporal fortemente influenciadas pelas vertentes
da música pop nacional e internacional. No aspecto rítmico, os artistas
de pagode romântico buscaram uma redução nas polirritmias do sam-
ba, utilizando, inclusive, em muitas gravações, um outro padrão rítmi-
co aparentado com a levada da bossa nova e com o “samba esquema
novo” que Jorge Benjor havia proposto ainda na década de 1960. Desta
forma, foi possível estabelecer uma levada de samba esteticamente me-
nos contaminada com acentos percussivos simultâneos, mais “limpa”.
Nas letras, os compositores dos grupos de pagode romântico adotaram
como temática praticamente exclusiva o amor com final feliz.
Diferentemente do samba e do pagode, o pagode romântico se
desenvolveu em grande medida nos subúrbios paulistanos, surgindo
dali boa parte dos grupos de maior representatividade na década de
1990, como Raça Negra75, Negritude Jr.76, Exaltasamba77, Katinguelê78,
entre outros. Em função das suas características e do grande sucesso
de vendas, esse gênero ganhou rapidamente espaço nas rádios de
todo o Brasil, contando também com a difusão em programas de
televisão, tornando-se uma moda entre o público de maior poder
aquisitivo no Brasil.
75
Assista Pra que mentir (1991). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=N9FVDjQ_97o.
76
Assista Jeito de seduzir (1992). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=OqItKPTBue0.
77
Assista Quero sentir de novo (1992). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=4hkq4v7heVo.
78
Assista Bem no íntimo (1992). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JYnU2dJrKvc.
97
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
RESUMO
Nesta Unidade, você conheceu, de forma geral, os fatos que
contribuíram para a transformação da música popular brasileira
nos séculos XX e XXI. Para isso, delimitamos a abordagem aos
gêneros musicais mais representativos desse período, considerando
aqueles que obtiveram maior relevância na literatura acadêmica.
Assim, a Unidade foi estruturada em seis partes: as transformações
no samba e o surgimento de seus subgêneros; o impacto do rádio
na conformação e difusão dos gêneros musicais; a bossa nova
como interseção entre a música erudita e a popular; os reflexos da
ditadura militar nos movimentos musicais pós-1960; a trajetória do
rock brasileiro, da Jovem Guarda à atualidade; e a música popular
brasileira na era da massificação, abrangendo música sertaneja, axé
music e pagode. Esperamos que o conteúdo aprendido aqui sirva de
suporte para a realização das atividades previstas.
98
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
REFERÊNCIAS
CARVALHO, Aline. Produção de cultura no Brasil: da Tropicália aos
pontos de cultura. Rio de Janeiro: Luminária academia, 2009.
CASTRO, Armando Alexandre. Axé music: mitos, verdades e world
music. Per music, Belo Horizonte, n. 22, p. 203-217, 2010.
COSTA, Luis Adriano Mendes. Antonio Carlos Nóbrega em acordes e
textos armoriais. Campina Grande: EDUEPB, 2011.
ESTRELLA, Maria. Rádio Fluminense FM: a porta de entrada do rock
brasileiro os anos 80. 2. ed. Rio de Janeiro: Outrasletras Editora, 2012.
FERRARETTO, Luiz. Uma proposta de periodização para a história do
rádio no Brasil. Revista de economía política de las tecnologías de la
información y de la comunicación, [S.l.], v. 14, n. 2, p. 1-24, 2012.
FRÓES, Marcelo. Jovem Guarda: em ritmo de aventura. 2. ed. São Paulo:
Ed. 34; Grupo Pão de Açúcar, 2004.
HERSCHMANN, Micael; KISCHINHEVSKY, Marcelo. Tendências da
indústria da música no início do século XXI. In: JANOTTI JUNIOR, Jeder;
LIMA, Tatiana; PIRES, Victor (orgs.). Dez anos a mil: mídia e música
popular massiva em tempos de Internet. Porto Alegre: Simplíssimo,
2011. p. 23-34.
LIMA, Ivaldo Marciano de França. Entre Pernambuco e a África.
História dos maracatus-nação do Recife e a espetacularização da
cultura popular. Tese de doutorado (Programa de Pós-Graduação
em História, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade
Federal Fluminense). 2010.
LOPES, Nei. Sambeabá: o samba que não se aprende na escola. Rio de
Janeiro: Casa da Palavra, 2003.
99
Brasileira Música Brasileira Música Brasile
MÁXIMO, João; DIDIER, Carlos. Noel Rosa: uma biografia. Brasília, DF:
UnB, 1990.
NAVES, Santuza Cambraia. Da bossa nova à tropicália. 2. ed. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
QUADROS JUNIOR, João Fortunato Soares. Mass media y consumo
musical en estudiantes de enseñanza secundaria en Brasil. Cuadernos
de lingüística hispánica, [S.l.], n. 10, p. 187-209, 2017.
ROCHEDO, Aline do Carmo. “Os filhos da revolução”: A juventude
urbana e o rock brasileiro dos anos 1980. Dissertação de Mestrado
(Programa de Pós-Graduação em História, Instituto de Ciências
Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense). 2011.
SHAHRIARI, Andrew. Popular world music. Nova York: Routledge,
2016.
STARR, L.; WATERMAN, C. American popular music: from minstrelsy to
MP3. 2. ed. Nova York: Oxford University Press, 2007.
TINHORÃO, José Ramos. Pequena história da música popular: da
modinha à lambada. São Paulo: Artmed, 1991.
TROTTA, Felipe; MONTEIRO, Márcio. O novo mainstream da música
regional: axé, brega, reggae e forró eletrônico no Nordeste. E-compós,
Brasília, v. 11, n. 2, p. 1-15, 2008
VIANNA, Hermano. O mistério do samba. Rio de Janeiro: Jorge Zahar;
Editora UFRJ, 2004.
ZAN, José Roberto. Jovem Guarda: música popular e cultura de consumo
no Brasil dos anos 60. Música popular em revista, Campinas, Ano 2, v.
1, p. 99-124, 2013.
100