MINISTRA MARIA ISABEL DINIZ GALLOTT! RODRIGUES
MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA
COORDENACAO
BIANCA BARBOSA HERINGER
GRACE ANNY DE SOUZA MONTEIRO
PALMIRA CANDIDA FARIA SANTIAGO
REJANE MARIA CHAVES DE MELO ROCHA NETTO
ORGANIZAGAO
REPENSAR
A JUSTICA
Estudos em homenagem a
Ministra Assusete Magalhiaes
@
D’PLACIDOoes Tula da Unkersiade Feder de Pemombuo~ Brasil
editoral
D’PLACIDO
Doutor Cléuio Roberto Cintra BezerraBrandio Placido Araes
Doutora Silvia Isabel dos Anjos Caetano Alves Tales Leon de Marco
‘Profesor da Universidade de isbea— ortogol
Doutor Georges Martyn —_gérbara Rodrigues
Profesor do Unvesidad de Gtent ~Fander Béla
Doutora Agata Cecilia Amato Mangiamel
PrfessmadeUnersiad de Boma fda
Doutora Ana Elsa Liberatore Silva Bechara
Femanda Aquino
(Fotogato por: Min. Sebostido Res)
Pessoal dalSP Beast Di
Fernanda Aquino
DoutorStelio Mangiam:
Professor david de Team iia Barbara Rodrigues
Doutor José Geraldo de Sousa Junior ios os cies reservados
‘Profesor Tua do hives de rsa — Bast
autor Joaquim Portes de Cerqueira César sem aautuzai rva da Gp 0 Plo
Dour en dire Consttconl pela PUCSP- Bras
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Catalogagéo na Publicagao (CIP)
a2
Repensar a justga:estudos em homenagem a Ministra Assusete
Magalhées / Ministra Maria Isabel Diniz Galotti Rodrigues, Ministro
Reynaldo Soares da Fonseca coordenaao ; Bianca Barbosa Heringer..
[etal organizacéo.- 1-ed.- Belo Horizonte, Sao Paulo: D’Plécid, 2023,
11949.
ISBN 978-65-5589-799-9
1. Direito. 2, Direito Paiblico 3. Magalhaes, Assusete Dumont Reis,
1949- | Rodrigues, Maria Isabel Diniz Gallott I. Fonseca, Reynaldo
Soares dal. Heringer, Bianca Barbosa IV. Monteiro, Grace Anny de
Souza V. Santiago, Palmira Candida Faria VI. Rocha Netto, Rejane
Maria Chaves de Melo,
dir: 341
Bibliotecdria responsavel: Fernanda Gomes de Souza (RB-6/2472
‘Nenfua parte desta oa poe ser erode, por quasqer eis,CAPITULO 6
As serventias extrajudiciais
no sistema brasileiro de
justica multiportas'
Fredie Didier Jr.
Pés-Doutorado pela Universidade de Lisboa. Livre-Docente pela USP. Doutor
em Direito pela PUC-SP. Mestre em Direito pela UFBA. Professor Titular da
Universidade Federal da Bahia, nos cursos de Graduagio, Mestrado e Douto-
rado em Direito. Membro da Associagao Internacional de Direito Processual,
do Instituto Ibero-Americano de Direito Processual, do Instituto Brasileiro
de Direito Processual e da Associagio Norte e Nordeste de Professores de
Processo. Advogado.
[email protected].
Leandro Fernandez
Juiz do Trabalho no TRT-6. Doutor e Mestre em Direito (UFBA). Membro
da Comissio Nacional de Prerrogativas da Anamatra. Membro da Associacio
Norte e Nordeste de Professores de Processo. fernandez.leandro@hotmail.
com.
Sumirio: 1. Introdugio. 2. Os servicos notariais e de registro. 3. Disciplina
normativa das serventias extrajudiciais. 3.1. Generalidades; 3.2. O papel do
Conselho Nacional de Justica na regulamentagao das serventias extrajudiciais.
4.As serventias notariais ¢ de registro no Cédigo de Proceso Civil de 2015.
5.As serventias extrajudiciais no sistema de justica multiportas. 5.1. Serventias
extrajudiciais e acesso a justiga. 5.2. Conciliagio e mediacao. 5.3. Cooperacio
interinstitucional. 5.4. Desjudicializagao da execugio civil. 6. Devido proceso
no Ambito das serventias extrajudiciais. Referéncias bibliograficas.
‘Em homenagem a Ministra Assusete Magalhies.
? Este artigo é também resultado do grupo de pesquisa “Transformacées nas
teorias sobre 0 processo ¢ 0 Direito processual”, vinculado 4 Universidade
Federal da Bahia, cadastrado no Diretério Nacional de Grupos de Pesquisa
do CNPq respectivamente nos enderegos dgp.cnpq.br/dgp/espelhogru-
po/7958378616800053. O grupo é membro fundador da “ProcNet — Rede
Internacional de Pesquisa sobre Justiga Civil ¢ Proceso contemporineo”
(http://laprocon.ufes.br/rede-de-pesquisa).
77171. Introdugao
Este ensaio destina-se a analisar o papel desempenhado pelas ser-
ventias notariais e de registro no sistema brasileiro de justiga multiportas.
A evolugao das fungées e da relevancia das serventias extrajudiciais
como instituigGes adequadas a solugao de problemas juridicos é notavel,
© que vem sendo reconhecido, mais recentemente, pelo legislador, pelo
Conselho Nacional de Justica e por parcela da doutrina.
Ao final, a partir de decisio proferida pela Segunda Turma do
Superior Tribunal de Justi¢a, sob a relatoria da Ministra Assusete Maga-
Thaes, sera abordada a nogio de devido processo no Ambito dos cartérios
extrajudiciais, sob a perspectiva do sistema de justica multiportas
2. Os servigos notariais e de registro
No Brasil, as atividades notariais e de registro nao sio realizadas
diretamente pelo Poder Pablico, mas por pessoas naturais que recebem
delegagao estatal. O local de prestago desses servicos é denominado de
cartério on serventia extrajudicial. Ambas as terminologias sio adotadas na
legislagdo, como se observa, por exemplo, no Cédigo Civil, que utiliza
somente a expressio “cartério”’, e na Lei n. 8.935/1994, principal di-
ploma normativo sobre a matéria, que conta apenas com mencées ao
termo “serventia”’.O CPC adota a denominagao de “serventia notarial
ou de registro” (arts. 53, IIL, f,e 784, XI).
As pessoas naturais responsveis pelo desenvolvimento dessas
atividades - os titulares do cartério ou serventia extrajudicial - sio
denominadas de notdrio (ou tabelido), no caso do servigo notarial, ¢ de
oficial de registro (ou registrador), no caso do servigo de registro. Ambos
sao profissionais dotados de fé publica (art. 3°, Lei n. 8.935/1994).
O art. 5° da Lei n. 8.935/1994 elenca as diversas modalidades
de titulares de serventias extrajudiciais: a) os tabelides de notas, b) os
tabeliaes e oficiais de registro de contratos maritimos, ¢) os tabelides de
protesto de titulos, d) os oficiais de registro de iméveis, e) os oficiais de
registro de titulos e documentos civis das pessoas juridicas, f) os oficiais
de registro civis das pessoas naturais ¢ de interdi¢des € tutelas € g) os
oficiais de registro de distribuicao.
* © termo “cartério” é empregado vinte e uma vezes no Codigo Civil.
* A denominagao “serventia” é usada seis vezes na Lei n.8.935/1994. Nao obstante,
em sua ementa, 0 diploma normativo é apresentado como “Lei dos cartérios”.
7718Os servigos notariais e de registro sio os de organizagio técnica e
administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segu-
ranga e eficacia dos atos juridicos (art. 1°, Lei n. 8.935/1994).
Suas atividades, no entanto, nao se confundem.
Aos notdrios compete formalizar juridicamente a vontade das
partes, intervir nos atos e negécios juridicos a que as partes devam
ou queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizando a redagio
ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais ¢
expedindo cépias fidedignas de seu contetido, e autenticar fatos (art.
6°, Lei n. 8.935/1994). O notario deve, entao, observar 0 dever de
orientagio juridica das partes, a fim de assegurar o alcance, em condi-
Ges regulares, da finalidade por elas pretendida com 0 ato ou negécio
juridico a ser praticado’.
Merecem destaque as atribuicdes dos tabelides de protesto de titulo,
aos quais compete privativamente protocolar de imediato os documen-
tos de divida, para prova do descumprimento da obrigacao, intimar os
devedores dos titulos para aceita-los, devolvé-los ou pagi-los, sob pena
de protesto, receber 0 pagamento dos titulos protocolizados, dando
quitagao, lavrar o protesto, acatar a desisténcia do protesto formulado
pelo apresentante, averbar 0 cancelamento do protesto e as alteragdes
necessirias para atualizacdo dos registros efetuados, bem como expedir
certidées de atos e documentos que constem de seus registros e papéis
(art. 11, Lei n. 8.935/1994). ;
Aos oficiais de registro compete a pratica dos atos previstos na Lei
n.6.015/1973 (art. 12, Lei n. 8.935/1994). Cabe-lhes, entao, o registro
de situagdes ou fatos juridicos que, por sua relevincia, decorrente da
possibilidade de repercussio sobre a esfera juridica de terceiros ou da
necessidade de garantia da seguranca na circulagao juridica dos bens,
devam ser acessiveis ao conhecimento de qualquer interessado*. Os
registros disciplinados pela Lei n. 6.015/1973 sao os de pessoas naturais,
de pessoas juridicas, de titulos e documentos e de iméveis (art. 1°, § 1°).
Deve haver no minimo um registrador civil de pessoas naturais em
cada sede municipal, observando-se, nos municipios de maior extensio
territorial, a necessidade de presenca de pelo menos um registrador
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros piblicos: teoria ¢ pritica. 8° ed. Salvador
Juspodivm, 2017, p. 48.
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros puiblicos: teoria e pratica, cit., p. 50.
7719civil de pessoas naturais por sede distrital (art. 44, §§ 2° e 3°, Lei n.
8.935/1994),
Em municipios nos quais 0 ntimero e a repercussio econdmica dos
atos praticados nao permitam a obtengio de significativa remuneracio,
geralmente correspondentes Aqueles mais distantes dos grandes centros
comerciais, assegura-se aos registradores civis de pessoas naturais a con~
cessiio de uma renda minima, cujo valor é fixado em ato do respectivo
tribunal de justica (Provimento n. 81/2018 da Corregedoria Nacional
do Conselho Nacional de Justica).
Cada servigo notarial ou de registro devera funcionar em um s6
local, vedada a instalagao de filial ou sucursal (art. 43, Lei n. 8.935/1994)
Os diversos tipos de servicos notariais e de registro, anteriormente
mencionados, nao sio acumuliveis, exceto no caso de municipios que
nio comportarem, em razio do volume dos servicos ou da receita, a
instalagdo de mais de um dos servicos (art. 26, Lei n. 8.935/1994).
3. Disciplina normativa das serventias
extrajudiciais
3.1. Generalidades
As atividades notariais e de registro consistem numa fungio pi-
blica em sentido amplo, nao privativa do Estado, desempenhada por
pessoas naturais, mediante delegagio do Poder Publico’ (art. 236, caput,
CF/1988).
Registradores € notirios, conquanto exer¢am atividade estatal, nio
ocupam cargo ptiblico efetivo*, Nio sao, portanto, servidores ptiblicos
em sentido estrito, mas agentes piblicos delegados, na cl
Hely Lopes Meirelles’. Seu vinculo com a Administragio Publica nao
decorre de contrato administrativo celebrado apés sucesso em licita-
ssificagio de
STE Pleno, ADI n. 1
em 20.03.2020.
* STE Pleno, ADI n. 2.891 MC, rel. Min. Septilveda Pertence, j. em 04.06.2003,
publicado em 27.06.2003; STE Pleno, ADI n. 2.602, rel. Min. Joaquim Barbosa,
redator do acérdio Min. Eros Grau, j.em 24.11.2005, publicado em 31.03.2006.
° MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 36° ed. Si0 Paulo:
Malheiros, 2010, p. 81-82.
31, rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 03.10.2019, publicado
780gio", mas da aprovagio em concurso publico de provas e titulos (art.
236, § 3°, CF/1988).
© vinculo juridico nao se estabelece, entio, com uma pessoa
juridica, mas diretamente com uma pessoal natural, que, ao assumir a
titularidade da serventia, estar sob a fiscalizacio do Poder Judiciario
e respondera em Ambito civil ¢ criminal pelos atos praticados pessoal-
mente ou por seus prepostos!' (art. 236, § 1°, CF/1988).
A retribuicio pela atividade desempenhada pelos titulares de car-
torios extrajudiciais é baseada no recebimento de emolumentos pelos
atos praticados (art. 236, § 2°, CF/1988), verba dotada de natureza
juridica de taxa".
No plano da legislagao federal, as atividades notariais e de registro
sio reguladas pelos seguintes diplomas: a) Lei n. 6.015/1973 (Lei dos
Registros Pablicos); b) Lei n. 7.433/1985 (requisitos para a lavratura
de escrituras ptblicas), regulamentado pelo Decreto n. 93.240/1986;
¢) Lei n. 8.935/1994 (normas gerais sobre os servicos notariais e de
registros); d) Lei n. 9.492/1997 (servicos de protesto de titulos e outros
documentos de divida); e) Lei n. 10.169/2000 (normas gerais para a
fixacio de emolumentos);f) Lei n. 14.382/2022 (dispde sobre o Sistema
Eletrénico dos Registros Publicos — Serp e altera diversas leis sobre a
matéria).
Leis estaduais também disciplinam 0 tema.A criagio, alteragio ou
supressio de serventias extrajudiciais € questdo que se insere no am-
bito da organiza¢io judiciaria, exigindo-se, portanto, a edigao de lei
estadual de iniciativa dos tribunais de justica (arts. 96, II, d,e 125, § 1°),
conforme decidido pelo Supremo Tribunal Federal”.
Dada a vinculagio administrativa aos tribunais de justiga, res-
ponsiveis pela fiscalizaco das serventias extrajudiciais, elas também
‘STE Pleno, ADI n. 2.415, rel. Min. Ayres Britto, j.em 22.09.2011, publicado em
09.02.2012.
“O Estado responde, objetivamente, pelos atos dos tabelides e registradores oficiais
que, no exercicio de suas fungdes, causem dano a terceiros, assentado o dever de
regresso contra o responsivel, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbi-
dade administrativa” (STE Pleno, RE n. 842.846 (Tema 77), rel. Min. Luiz Fux,
j.em 27.02.2019, publicado em 13.08.2019).
STE Pleno, ADI n. 1.624, rel. Min. Carlos Velloso, j. em 08.05.2003, publicado
em 13.06.2003.
% STR Pleno, ADI n. 1.935, rel. Min. CarlosVelloso, jem 29.08.2002, publicado em
04.10.2002; STE Pleno, ADI n. 4.223, rel. Min. Gilmar Mendes, j.em 13.03.2020,
publicado em 02.04.2020.
781devem observar os atos editados pelos respectivos tribunais para o
estabelecimento de normas técnicas destinadas a garantir o adequado
desempenho das suas fungdes, geralmente consolidadas nos Cédigos de
Normas dos Servigos Notariais ¢ de Registro.
3.2. O papel do Conselho Nacional de
Justig¢a na regulamentagdo das serventias
extrajudiciais
A Constitui¢io Federal de 1988, com a alteragio promovida pela
Emenda Constitucional n. 45/2004, confere ao Conselho Nacional de
Justica a competéncia para apreciar, de oficio ou mediante provocagio,
a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou drgios
do Poder Judiciario e para receber e conhecer das reclamagées contra
membros ou 6rgios do Poder Judiciario, inclusive contra seus servicos
auxiliares, serventias ¢ Orgios prestadores de servigos notariais ¢ de
registro que atuem por delegacio do Poder Ptiblico ou oficializados,
sem prejuizo da competéncia disciplinar e correicional dos tribunais
(art. 103-B, § 4°, If e II1).
HA extensa producio normativa do CNJ dedicada a uniformizagio,
detalhamento de comandos legais e fiscalizagio no Ambito dos servicos
notariais ¢ de registro. Parcela dessa regulamenta¢ao est contida em
Resolugdes do Conselho:
a) Resolugio n. 20/2006; disciplina a contrataao, por delegados
extrajudi
colateral, até terceiro grau, de magistrado incumbido da corregedoria
iais, de cOnjuge, companheiro e parente, na linha reta e na
do respectivo servico de notas ou de registro;
b) Resolugio n.
relacionados a inventério, partilha, separago consensual, div6rcio con-
5/2007: disciplina a lavratura dos atos notariais
sensual e extingdo consensual de uniio estavel por via administrativa.
A Resolugio foi editada inicialmente para regulamentar a aplicacio
da Lei n. 11.441/2007, tendo sido sucessivamente alterada de acordo
com a evolugao da legislaga
¢) Resolugao n. 80/2009: declarou a vacdncia dos servigos notariais
e de registro cujos atuais responsdveis nio tenham sido investidos por
meio de concurso publico de provas e titulos especifico para a outorga
de delegagdes de notas e de registro;
782d) Resolugio n, 81/2009: disciplina os concursos para ingresso,
por provimento ou remogio, na titularidade dos servigos notariais e
de registros declarados vagos;
e) Resolugio n. 155/2012: dispde sobre o traslado de certiddes
de registro civil de pessoas naturais emitidas no exterior;
J Resolugio n. 175/2013: dispde sobre a habilitagao, celebracio
de casamento civil, ou de conversio de uniao estavel em casamento,
entre pessoas de mesmo sexo;
g) Resolugdo n. 228/2016: regulamenta a aplicagio, no 4mbito
do Poder Judicidrio, da Convengio sobre a Eliminagao da Exigéncia
de Legalizacio de Documentos Pablicos Estrangeiros.
Diante da competéncia estabelecida pelo art. 103-B, § 4°, II e IIL,
da Constituigio Federal, nao surpreende que a ampla maioria dos atos
oriundos do CNJ acerca das atividades notariais e de registro sejam
provenientes da Corregedoria Nacional de Justiga. O Regimento In-
terno do Conselho prevé, sobre o tema, que compete ao Corregedor
Nacional de Justica expedir Recomendagées, Provimentos, Instrugées,
Orientag6es e outros atos normativos destinados ao aperfeigoamento
das atividades dos drgios do Poder Judiciério € de seus servigos au-
xiliares e dos servigos notariais e de registro, bem como dos. demais
érgios correicionais, sobre matéria relacionada com a competéncia da
Cortegedoria Nacional de Justiga (art. 8°, X).
Os atos sao os seguintes:
a) Provimentos: 13/2010 (emissao de certidao de nascimento nos.
estabelecimentos de satide que realizam partos); 14/2011 e 15/2011
(emissio de certidées pelos Oficios de Registro Civil das Pessoas Na~
turais em papel de seguranga unificado fornecido pela Casa da Moeda
do Brasil); 16/2012 (recepgao, pelos Oficiais de Registro Civil das
Pessoas Naturais, de indicagées de supostos pais de pessoas que ja se
acharem registradas sem paternidade estabelecida, bem como sobre o
reconhecimento espontineo de filhos perante os registradores); 18/2012
(instituigdo e funcionamento da Central Notarial de Servigos Eletr6-
nicos Compartilhados - CENSEC); 23/2012 (extravio, ou danificacao
que impega a leitura e 0 uso, no todo ou em parte, de qualquer livro
do servigo extrajudicial de notas e de registro); 25/2012 (regulamen-
tacio do uso do Malote Digital pelas serventias extrajudiciais de nota
e de registro); 26/2012 (Projeto “Pai Presente”); 27/2012 (facultativi-
dade e competéncia para 0 registro de contratos de alienagio fiducis-
ria e de arrendamento mercantil de veiculos por Oficial de Registro
783de Titulos e Documentos); 28/2013 (registro tardio de nascimento por
Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais); 30/2013 (recepcio e
protesto de cheques, em determinadas hipdteses, visando a coibir frau-
des que possam acarretar prejuizos aos devedores ou a terceiros):
33/2013 (registro © averbagio de descrigdo de Area, por Oficiais de
Registro de Iméveis, relativos 4s Glebas Puiblicas Federais situadas na
Amaz6nia Legal); 37/2014 (termo declaratorio de reconhecimento e
dissolugio de unio estavel lavrado perante o registro civil das pessoas
naturais, alteragio extrajudicial do regime de bens na uniao estavel
conversio da unio estavel em casamento, com alteragdes promovidas
pelo Provimento n. 141/2023); 39/2014 (instituicdo e funcionamento
da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens - CNIB); 43/2015
(arrendamento de imével rural por estrangeiro residente ou autoriza-
do a funcionar no Brasil, bem como por pessoa juridica brasileira da
qual participe, a qualquer titulo, pessoas estrangeira fisica ou juridica
que resida ou tenha sede no exterior ¢ possua a maioria do capital
social); 44/2015 (normas gerais para o registro da regulariza
diiria urbana); 45/2015 (manutengio e e
Auxiliar, Visitas ¢ Correigdes e Controle de Depésito Prévio pelos
titulares de delegacées ¢ responsiveis interinos do servi¢o extrajudicial
de notas e registros piiblicos); 46/2015 (Central de Informacédes de
Registro Civil das Pessoas Naturais - CRC); 48/2015 (diretrizes gerais
para o sistema de registro eletrnico de titulos e documentos e civil de
pessoas juridicas); 50/2015 (conservacio de documentos nos cartérios
extrajudiciais); 51/2015 (averbagio de carta de sentenga expedida apés
homologacio de sentenga estrangeira relativa a divércio ou separacio
judicial); 53/2016 (averbacdo direta por Oficial de Registro Civil das
Pessoas Naturais da sentenga estrangeira de divércio consensual simples
ou puro, no assento de casamento, independentemente de homologa-
cio judicial); 56/2016 (obrigatoriedade de consulta ao Registro Cen-
tral de Testamentos On-Line - RCTO para processar os inventirios ¢
partilhas judiciais e lavrar escrituras piiblicas de inventirios extrajudi-
ciais); 60/2017 (diretrizes gerais para a cobranga de emolumentos
sobre os contratos de exploracgao de energia eélica); 62/2017 (unifor-
fun-
rituragao dos livros Diario
miza¢do dos procedimentos para a aposi¢io de apostila, no ambito do
Poder Judiciario, da Convengao sobre a Eliminagio da Exigéncia de
Legalizacio de Documentos Puiblicos Estrangeiros); 63/2017 (reco-
nhecimento voluntirio e averbagio da paternidade ¢ maternidade
socioafetiva, registro de nascimento e emissio da respectiva certidio
784dos filhos havidos por reproducao assistida, modelos tnicos de certidao
de nascimento, de casamento e de ébito); 65/2017 (diretrizes para o
procedimento da usucapido extrajudicial nos servicos notariais e de
registro de iméveis); 66/2018 (prestacao de servicos pelos oficios de
registro civil das pessoas naturais mediante convénio, credenciamento
e matricula com orgaos ¢ entidades governamentais e privadas); 67/2018
(conciliagio e mediagio nos servicos notariais e de registro do Brasil);
69/2018 (teletrabalho); 70/2018 (abertura de matricula e registro de
terra indigena com demarcagio homologada e averbacao da existéncia
de demarcagio de area indigena homologada e registrada em matricu-
las de dominio privado incidentes em seus limites); 72/2018 (incenti-
vo A quitagio ou a renegociagao de dividas protestadas nos tabeliona-
tos de protesto do Brasil); 73/2018 (averba¢o da alteragio do
prenome e do género nos assentos de nascimento e casamento de
pessoa transgénero no Registro Civil das Pessoas Naturais); 74/2018
(padres minimos de tecnologia da informagio para a seguranga, inte-
gridade ¢ disponibilidade de dados para a continuidade da atividade
pelos servigos notariais ¢ de registro do Brasil); 76/2018 (periodicida~
de do recolhimento do valor da renda liquida excedente, pelos respon-
siveis interinos do servico extrajudicial de notas e registros piiblicos,
ao tribunal de justica); 77/2018 (designacdo de responsavel interino
pelo expediente); 78/2018 (compatibilidade da atividade notarial e de
registro com 0 exercicio simultaneo de mandato eletivo); 79/2018
(politica institucional de Metas Nacionais do Servico Extrajudicial);
81/2018 (Renda Minima do Registrador Civil de Pessoas Naturais);
82/2019 (averbagao, no registro de nascimento e no de casamento dos
filhos, da alteracio do nome do genitor); 85/2019 (adogio dos Obje-
tivos de Desenvolvimento Sustentavel, da Agenda 2030, pelas Corre-
gedorias do Poder Judicidrio e pelo Servico Extrajudicial); 86/2019
(possibilidade de pagamento postergado de emolumentos, act
legais e demais despesas, devidos pela apresentagao de titulos ou outros
documentos de divida para protesto); 87/2019 (normas gerais de pro-
cedimentos para 0 protesto extrajudicial de titulos e outros documen-
tos de divida e regulamentacao da implantagao da Central Nacional
de Servicos Eletrénicos dos Tabeliaes de Protesto de Titulos —
CENPROT); 88/2019 (politica, procedimentos e controles a serem
adotados pelos notarios e registradores visando a prevengio dos crimes
de lavagem de dinheiro e do financiamento do terrorismo); 89/2019
(Regulamenta o Cédigo Nacional de Matriculas - CNM, o Sistema
imos
785de Registro Eletrénico de Iméveis - SREI, 0 Servico de Atendimen-
to Eletrénico Compartilhado — SAEC, 0 acesso da Administragio
Publica Federal as informacdes do SREI e estabelece diretrizes para o
estatuto do Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrénico —
ONR); 95/2020 (funcionamento dos servicos notariais e de registro
durante o periodo de Emergéncia em Satide Ptiblica de Importincia
Nacional decorrente da pandemia da Covid-19); 97/2020 (procedi-
mentos de intimacao nos tabelionatos de protesto de titulos visando a
redugao dos riscos de contamina¢ao com 0 novo coronavirus); 100/2020
(pratica de atos notariais eletrénicos utilizando o sistema e-Notariado
¢ criagao da Matricula Notarial Eletr6nica~-MNE); 103/2020 (autori-
zacio eletrénica de viagem nacional e internacional de criancas e
adolescentes até 16 (dezesseis) anos desacompanhados de ambos ou
um de seus pais); 104/2020 (envio de dados registrais, das pessoas em
estado de vulnerabilidade socioeconémica, pelo Cartorios de Registro
Civil de Pessoas Naturais aos Institutos de Identificacdo dos Estados e
do Distrito Federal, para fins exclusivos de emissio de registro geral de
identidade); 107/2020 (proibico de cobranga de quaisquer valores dos
consumidores finais dos servigos prestados pelas centrais cartordrias);
108/2020 (envio de dados estatisticos pelas Corregedorias-Gerais de
Justiga dos Estados e do Distrito Federal, relativos 4 fiscalizagao das
obrigagdes impostas a notirios e registradores de todo o Brasil);
109/2020 (atuagdo da Corregedoria Nacional de Justica como Agen-
te Regulador do ONR — Operador Nacional do Registro Imobiliario
Eletronico); 115/2021 (instituigdo dareceita do fundo para implemen-
tacio e custeio do SREI e estabelecimento da forma do seu recolhi-
mento pelas serventias do servico de registro de iméveis); 122/2021
(assento de nascimento no Registro Civil das Pessoas Naturais nos
casos em que o campo sexo da Declaragio de Nascido Vivo ou na
Declaragio de Obito fetal tenha sido preenchido “ignorado”); 124/2021
(universalizacao do acesso por todas as unidades do servico de registro
de iméveis do Brasil ao Sistema de Registro Eletrénico de Iméveis -
SREI); 127/2022 (disciplina a Plataforma do Sistema Integrado de
Pagamentos Eletrénicos — SIPE para os servicos notariais e de registro);
133/2022 (Painel Nacional dos
los para Outorga de Delegagdes de Servicos de Notas e de Registro)
134/2022 (adequacao das serventias extrajudiciais 4 Lei Geral de Pro-
tecao de Dados Pessoais); 137/2022 (regras para o envio, ao Tribunal
Superior Eleitoral, da comunicacio de alteragdo de prenome); 139/2022
Concursos Pablicos de Provas e Titu-
786(regulamenta o Sistema Eletronico dos Registros Péiblicos,o Operador
Nacional do Sistema de Registros Piblicos, o Fundo para a Imple-
mentacio e Custeio do Sistema Eletrénico de Registros Ptiblicos, 0
Fundo para a Implementagio e Custeio do Sistema Eletrénico do
Registro Civil de Pessoas Naturais ¢ 0 Fundo para a Implementagio
e Custeio do Sistema Eletrénico do Registro de Titulos e Documen-
tos e Civil de Pessoas Juridicas, institui o Operador Nacional do Re-
gistro Civil de Pessoas Naturaise 0 Operador Nacional do Registro de
vil de Pessoas Juridicas); 141/2023 (termo
declaratério de reconhecimento e dissolucao de uniao estavel perante
© registro civil das pessoas naturais, alterago de regime de bens na
Titulos e Documentos e
unido estavel ¢ sua conversao extrajudicial em casamento);
b) Recomendagdes: 3/2012 (cientificagio prévia das partes, em de-
terminados atos notariais, quanto 4 possibilidade de obterem Certidao
Negativa de Débitos Trabalhistas — CNDT); 6/2012 (uso de papel
de seguranca unificado para a emissio de certiddes pelos Oficios de
Registro Civil das Pessoas Naturais); 9/2013 (formacio e manutengio
de arquivo de seguranga pelos responsaveis pelas serventias do servigo
extrajudicial de notas ¢ de registro); 14/2014 (especificacio do modelo
de sistema digital para implantagdo de Sistemas de Registro de Imé-
veis Eletrnico - S-REI); 18/2015 (expedigao de certidao de dbito
no estabelecimento de satide em que ocorra o falecimento); 19/2015
(instituigio de banco de dados de ébitos de pessoas no identificadas,
nos Estados que possuem Central de Registro Civil e no Distrito
Federal); 23/2016 (registro da profissio dos pais a servigo do seu pais
nos assentos ¢ certidées de nascimento dos seus filhos nascidos no
Brasil); 24/2016 (teletrabalho); 28/2018 (celebragao de convénios pelos
tribunais de justica dos Estados e do Distrito Federal com notarios e
registradores do Brasil para a instalacdo de centros judicidrios de solugio
de conflitos e cidadania - CEJUSCs); 36/2019 (vedagio aos Tribunais
de Justiga dos Estados e do Distrito Federal de regulamentarem a
averbagao de divércio por declaracio unilateral emanada de um dos
cénjuges);39/2019 (observancia das decisées da Corregedoria Nacional
de Justia relacionadas 4 veda
0 de designagao de interinos parentes
de antigos delegatarios titulares das serventias vagas); 40/2019 (prazos e
informagées a serem prestadas ao Sistema Nacional de Informagdes de
Registro Civil — SIRC pelas serventias extrajudiciais de registro de pes-
soas naturais); 41/2019 (dispensa dos Cartorios de Registro de Iméveis
da anuéncia dos confrontantes em determinadas hipéteses); 43/2019
787(procedimento prévio a ser observado por todos os registradores ci-
vis do Pais para a lavratura de registros de nascimento e passaportes);
46/2020 (medidas preventivas para que se evitem atos de violéncia
patrimonial ou financeira contra pessoa idosa, especialmente vulneravel
no periodo de Emergéncia em Satide Publica de Importincia Nacio-
nal, no ambito das serventias extrajudiciais e da execugio dos servicos
notariais); 47/2021 (medidas preventivas para que se evitem atos de
violéncia patrimonial ou financeira contra pessoa idosa, especialmente
vulneravel, no ambito das serventias extrajudiciais ¢ da execucio dos
servi¢os notariais); 49/2022 (adesdo dos drgaos prestadores de servicos
notariais ¢ de registro 4 Campanha SinalVermelho contra aVioléncia
Doméstica); 50/2022 (prevaléncia do direito fundamental ao nome
sobre exigéncias no estabelecidas na Lei de Registros Pablicos, para
fins de registro de nascimento ou de dbito de criancas);
a) Orientagoes: 4/2013 (desnecessidade de preenchimento da coluna
“CID” na Declaragio de Obito do Ministério da Satide para efeito
de lavratura de assento de dbito por Oficial de Registro Civil das
Pessoas Naturais); 5/2013 (procedimento de averbacio de descri¢io
georreferenciada de Gleba Publica Federal na Amazonia Legal);7/2018
(reestruturagio periddica das serventias extrajudiciais vagas).
A quantidade e a relevincia dos atos normativos do CNJ acerca
das serventias extrajudiciais ilustram bem a percepgio de que 0 Con-
selho assumiu, ao longo do tempo, a fungao de uma espécie de agéncia
reguladora do sistema brasileiro de justia". O Conselho nao controla
© surgimento de novos sujeitos no sistema nem estabelece disciplina
minuciosa quanto ao seu funcionamento, mas regulamenta aspectos
concernentes 4 administragao da justica, além de estimular, conduzir e
coordenar a articulacao com outras portas.
Essa importancia, relativamente as atividades notariais e de registro,
foi constatada pelo legislador. Nio por acaso, o CNJ foi mencionado
vinte e duas vezes na recente Lei n. 14.382/2022, relativa ao Sistema
Eletronico dos Registros Publicos (Serp).
4 Sobre o tema, DIDIER Jr. Fredie; FERNANDEZ, Leandro. O Consellio Nacio-
nal de Justica ¢ 0 Direito Processual: administragao judicidria, boas priticas e competéncia
normativa. Salvador, Juspodivm, 2022, especialmente p. 51-75; PAULINO, Ana
Flivia Borges. CNJ:0 regulador da atividade judiciéria. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2021.
7884. As serventias notariais e de registro no
Cédigo de Processo Civil de 2015
Elaborado sob a premissa da existéncia de um sistema de justiga
multiportas no Brasil, o Codigo de Processo Civil de 2015 nao visualiza
a heterocomposigio pelo Poder Judiciério como tnica porta - nem
mesmo como porta preferencial - para a solugio de problemas juridi-
cos. O Cédigo nao se dedica exclusivamente a disciplinar 0 processo
judicial, buscando assegurar a utilizagio do meio mais adequado para
© tratamento do problema, a exemplo da arbitragem (arts. 3°, § 1°, 42
e 359), da conciliagdo e da mediagao (arts. 3°, § 3°, 139, V, 165-175,
334, 694 e 696). Bem vistas as coisas, o CPC situa-se como uma es-
pécie de norma central de organizagao do sistema brasileiro de justica
multiportas'
Nio surpreende, entio, a existéncia de varias alusdes no Codigo 4
solugio de problemas juridicos no Ambito das serventias notariais e de
registro. © CPC prevé a possibilidade de realizagdo, por via extrajudicial,
de demarcagao e divisio de terras (art. 571), inventario ¢ partilha (art.
610, §§ 1° e 2°), homologac¢ao do penhor legal (art. 703, §§ 2° a 4°),
divércio consensual, separacdo consensual, extingdo consensual de uniao
estavel (art. 733) e usucapiao (art. 1.071, que acrescentou o art. 216-A
4 Lei n.6.015/1973, posteriormente alterado pela Lei n. 14.382/2022).
As serventias extrajudiciais também oferecem subsidios para o
aprimoramento da prestagio jurisdicional, como se dé com o protesto
(art.517, com previsao também no art.883-A da CLT), com a hipoteca
judiciaria (art. 495, § 2°) e com a averbagao premonitéria (art. 828,
com referéncia também nos arts. 54, IV, e 56 da Lei n. 13.097/2015,
exigindo-se, neste tiltimo caso, determinagio judicial). A ata notarial (art.
384, CPC), em suas variadas modalidades (como as atas de notoriedade,
as atas de presenga e declaracao, as atas de constatagao ou de inspe¢ao,
as atas da internet ¢ as atas de subsanac4o), consiste em documento
publico de grande utilidade probatéria no ambito do processo judicial.
O CPC também estabelece a competéncia do foro do lugar da
sede da serventia notarial ou de registro para a acdo de reparagao de
© Sobre o tema, DIDIER Jr., Fredie; FERNANDEZ, Leandro.“O Sistema Brasileiro
de Justiga Multiportas como um sistema auto-organizado: interagio, integragio
€ seus institutos catalisadores”. Revista do Poder Judicidrio do Estado do Rio Grande
do Norte, 2023, v. 3, p. 13-41
789dano por ato praticado em razao do oficio (art. 53, III, ), bem como
prevé, como titulo executivo extrajudicial, a certidio expedida por
serventia notarial ou de registro relativa a valores de emolumentos e
demais despesas devidas pelos atos por ela praticados, fixados nas tabelas
estabelecidas em lei (art. 784, XI).
5. As serventias extrajudiciais no sistema de
justi¢a multiportas
5.1. Serventias extrajudiciais e acesso a
justicga
A evolucio do papel desempenhado pelas serventias notariais ¢ de
registro ilustra bem a caracteristica da abertura"” do sistema brasileiro
de justiga multiportas"*.
No passado, a associagao entre acesso a justi¢a e Poder Judicidrio
era, sob a otica doutrindria, inexoravel. Essa percepgio foi atenuada
posteriormente, com o reconhecimento do importante papel de-
A responsabilidade, observe-se, nao recai sobre a serventia, que nao dispoe de
personalidade juridica, mas sobre seu titular, pessoa natural. Nesse sentido é 0
Enunciado n.77 da I Jornada de Direito Notarial e Registral: “As atividades
notariais ¢ de registros pitblicos sio desempenhadas em cariter privado, sendo
pessoal a responsabilidade civil e criminal do tabeliio e ou do registrador por seus
atos e omissGes, de modo que as serventias extrajudiciais no posstiem capacidade
processual ¢ sio desprovidas de personalidade juridica”.
"Sobre o tema, DIDIER JR., Fredie; FERNANDEZ, Leandro. “Justiga multiportas
como um ever-expanding system: um ensaio sobre a abertura como caracteristica
do sistema de justiga no Brasil”. SARLET, Ingo Wolfgang; MENDES, Gilmar
Ferreira; RODRIGUES JR., Otévio Luiz; RIBEIRO, Paulo Moura (coord.).
Coletdnea em homenagem ao Professor Arruda Alvim, No prelo,
A ideia de um iribunal multiportas foi proposta inicialmente - embora nio com
essa denominagio - por Frank Sander, em conhecida palestra proferida na Pou-
nd Conference, em 1976, posteriormente convertida em artigo que se tornou
referéncia sobre o tema (SANDER, Frank. Varieties of Dispute Processing. Hearings
Before the Subcommittee on Courts, Civil Liberties, and the Administration of Justice of
the Committee on the Judiciary, House of Representatives, Ninety-fifiht Congress, Second
Session on S. 957. Washington: US Government Printing Office, 1978). Na rea-
lidade brasileira, é mais apropriado falar de um sistema de justica multiportas do
que de tribunais (ou centros de resolucio de disputas) multiportas. Isso porque o
sistema brasileiro nao é organizado a partir de um Atrio central, ainda que virtual,
mantido e controlado por um (nico érgio, seja do Poder Judicidrio, seja de outra
instituigio governamental.
790sempenhado por Arbitros, cimaras € tribunais arbitrais e camaras de
conciliagao e mediagio.
Mas esses nio sio os tnicos sujeitos integrantes do sistema de
justiga multiportas.
Também ocupam relevante espago no sistema, por exemplo, os
entes que desempenham a fungio de tribunais administrativos, os
comités de resolugio de disputas (dispute boards), os entes de autorre-
gulacio, a justiga de paz, o terceiro responsavel pela realizagao de ava-
liagdo imparcial, instituicdes responsdveis pela manutencio de ODRs
- ferramentas sequer imaginadas como uma possibilidade no Brasil ha
pouco mais de uma década, - associagdes e autoridades (formais ou
informais) reconhecidas como legitimas por povos tradicionais ou por
determinados grupos sociais. Os préprios litigantes habitua
© Poder Piiblico, podem ser vistos como sujeitos importantes desse
sistema — veja, por exemplo, a criag3o, por entes publi
administrativas de solugio de controvérsias (CPC, art. 174, ¢ arts. 32
e 43 da Lei n.° 13.140/2015) ¢ o desenvolvimento de um sistema de
“samulas” administrativas, que auxiliam na nao judicializacao de certas
questoes (arts. 18-A e 19,1V,V eVII, Lei n. 10.522/2002; art. 30, LIN-
DB). E, evidentemente, as serventias extrajudiciais, objeto deste ensaio.
is, como
‘os, de camaras
Trata-se, entio, de sistema aberto quanto aos sujeitos, uma vez
que diferentes entes (ptiblicos e privados) sio a ele progressivamente
agregados.
Mesmo o papel desses sujeitos, perceba-se, nao € estatico.
© Judiciario nao se limita a oferecer resposta por heterocompo-
si¢do, como se percebe diante do estimulo dedicado 4 conciliagio 4
mediacio, inclusive com a criagio de estruturas e sistemas eletrénicos,
especialmente destinados a esses modos de solugdo de controvérsias,
como os Centros Judiciarios de Solugao Consensual de Conflitos (CPC,
art. 165; Resolugao do CNJ n. 125/2010, arts. 8° a 11) e 0 Sistema In-
formatizado para a Resolucio de Conflitos por Meio da Conciliagao e
Mediagao (Resolugio n.358/2020 do CNJ), que podem ser utilizados
até mesmo na fase pré-processual.
Entes que desempenham fungao de tribunal administrative podem
atuar, em diversas hipéteses, ndo apenas como uma porta de acesso a
justica adequada para a heterocomposi¢do em determinados perfis de
controvérsias, mas também como uma porta destinada 4 criagio de
791condi¢ées € incentivos 4 autocomposi¢io’’. Precisamente por isso, a
Lei n.° 13.140/2015 prevé a possibilidade de criagdo de camaras para
prevengao e solugio consensual de conflitos que envolvam entes da
Administragao Piiblica (art. 32) ou particulares entre si, em temas sub-
metidos 4 regulacao ou supervisdo de certo érgio ou institui¢io (art. 43).
No que diz respeito as serventias extrajudiciais,a Lei n. 11.441/2007
pode ser considerada como 0 marco para a identificagio da reconfigura~
cao do seu papel no sistema brasileiro de justica multiportas”’.A referida
lei alterou o CPC/1973 para permitir a realizado de inventario, parti-
Iha, separagdo consensual ¢ divércio consensual por via administrativa.
Essa modificagio representou uma evolucao na fungio desempe-
nhada pelos cart6rios extrajudiciais, que deixaram de ser um espaco
quase exclusivamente dedicado 4 obtengio de condigées auxiliares ou
de preparacao para 0 acesso a outras portas, tornando-se, eles proprios,
portas para a solugio de problemas juridicos.
Esse movimento foi acentuado ao longo dos anos, principalmente
com 0 CPC/2015 e com a edigao de atos normativos pelo Conselho
Nacional de Justia, como se vera mais 4 frente. A expansao da atuacio
dos cartérios extrajudiciais, perceba-se, ¢ constante - como se da, alias,
com a configuragao do sistema brasileiro de justiga multiportas, de for-
ma geral, - como se constata, por exemplo, com as recentes alteracdes
introduzidas pela Lei n. 14.382/2022 e pelo Provimento n. 141/2023
da Corregedoria Nacional do CNJ, relativamente aotermo declaratorio
de reconhecimento e dissolugio de unio estével perante o registro civil
das pessoas naturais, 4 alteragdo de regime de bens na uniio estavel ¢ 3
sua conversao extrajudicial em casamento.
Sem dividas, as serventias notariais e de registro sio uma das ins-
tituigdes com maior potencial para a ampliagio do acesso A justiga ¢ 0
desenvolvimento de mecanismos cooperativos com 0 Poder Judicidrio.
Enuneiado n. 17 da I Jornada de Prevengio ¢ Solugio Extrajudicial de Litigios
do Conselho da Justiga Federal:Nos processos administrativo e judicial, é dever
do Estado ¢ dos operadores do Direito propagar ¢ estimular a mediagio como
solugio pacifica dos conflitos”.
Nesse sentido, HILL, Flivia Pereira."A desjudicializacio e 0 necessirio incremento
da cooperagio entre as esferas judicial e extrajudicial”. In: ALVES, Lucélia de Sena
et al. (orgs.). 4 anos de vigéncia do Cédigo de Processo de 2015. Belo Horizonte:
D Plicido, 2020, p. 179-183.
792A existéncia de 13.440 serventias extrajudiciais no Brasil,com pre-
senca em todos os Municipios, facilita sua utilizacao pelo cidadio. Além
disso, a recente regulamentacio do Sistema Eletrénico dos Registros
Pa&blicos (SERP) pela Lei n. 14.382/2022 simplificou a comunicacgao
entre serventias e a prestacio dos seus servi¢os, facilitando a pratica de
atos ¢ sua verificabilidade em todo o territério nacional.
As serventias extrajudiciais sio sujeitos componentes do sistema
brasileiro de justica multiportas”. A integracdo entre os diversos sujei-
tos, uma das caracteristicas do sistema, permite 0 aproveitamento das
vantagens e potencialidades das serventias notariais e de registro para o
tratamento adequado de problemas juridicos, inclusive para a construgao
de solugées de maneira coordenada com a atuagio de outras portas de
acesso A justiga, de forma conjunta ou sucessiva.
Interessante exemplo de integracdo entre serventias extrajudiciais
€ 0 processo judicial pode ser encontrado no Provimento n. 63/2017
da Corregedoria Nacional do CNJ, relativo 4 usucapido extrajudicial.
O ato prevé, em seu art. 2°, §§ 2° e 3°,a possibilidade de solicitacao, a
qualquer momento, da suspensio do procedimento pelo prazo de trinta
dias ou da desisténcia da via judicial para promogio da via extrajudicial,
hipéteses nas quais as provas produzidas na via judicial poderio ser
utilizadas no Ambito das serventias extrajudiciais. O Enunciado n. 117
da Il Jornada de Prevengao e Solugao Extrajudicial de Litigios propde
que © aproveitamento ocorra em relagao aos atos processuais em geral,
nao somente em relago as provas®.
Disponivel em:
.
Forum Permanente de Processualistas Civis, Enunciado n. 707 (art. 3°, § 3°; art.
151, caput, pardgrafo tinico, da Lei n. 14.133/2021): “A atuacio das serventias
extrajudiciais e dos comités de resolucio de disputas (dispute boards) também
integra o sistema brasileiro de justiga multiportas”.
Enunciado n, 117: Em caso de desisténcia ou suspensio do processo judicial de
usucapido para utilizacdo da via extrajudicial, poderio ser aproveitados os atos
processuais ja praticados na via judicial. Justificativa: O provimento 65/2017 do
CN] estabelece diretrizes para 0 procedimento da usucapiio extrajudicial nos
servigos notariais e de registro de iméveis. Consta do art. 2°, § 3°, desse provimento
que as provas produzidas na via judicial podem ser utilizadas no procedimento
extrajudicial. O enunciado propde que também sejam aproveitados os atos pro-
cesstiais j@ praticados na via judicial na via extrajudicial. Baseia-se 0 enunciado
no principio da economia processual.
793Como observado por Renata Cortez*, nada impede a ocorréncia
de movimento em sentido contrario, com 0 aproveitamento, no processo
judicial, de provas produzidas e atos praticados perante as serventias
notariais e de registro.A medida pode ser adotada nio apenas em casos
envolvendo usucapiao extrajudicial, mas em outras hipéteses nas quais
seja possivel a escolha entre a via judicial ¢ a extrajudicial ou naquelas
em que haja interacao entre essas duas vias®.
A Resolugio n. 35/2007 do CNJ, que disciplina a lavratura dos
atos notariais relacionados a inventario, partilha, separagio consensual,
divércio consensual e extingao consensual de unido estavel por via
adininistrativa, possui, em seu art. 2°, redacdo praticamente idéntica 4
do art. 2°, § 2°, do Provimento n. 65/2017 da Corregedoria Nacional
do CNJ, relativamente a possibilidade de solicitagio da suspensio ou
da desisténcia do processo judicial, sendo silente, porém, em relagio
ao aproveitamento, em ambito extrajudicial, das provas produzidas. A
despeito da auséncia de expressa autorizacio, é perfeitamente possivel
© aproveitamento - reciproco, reitere-se - de atos praticados e provas
produzidas.
Em verdade, essas possibilidades consistem em exemplos especi-
ficos de um fendmeno mais amplo, decorrente do carater integrado
do sistema de justiga multiportas. Nao ha obstaculo ao reciproco apro-
veitamento de atos e provas entre portas de acesso 4 justiga, como o
processo judicial, administrativo, arbitral ou aquele que se desenvolve
em serventias extrajudiciais ou os comités de resolugao de disputas, por
exemplo, desde que observadas as garantias inerentes a cada um desses
métodos de solucio de problemas juridicos. Essa possibilidade é ainda
mais evidente quando os prprios sujeitos envolvidos com o problema
pactuam, em neg6cio juridico, o transporte de atos e provas*.
CORTEZ, Renata. A cooperagao judicidria interinstitucional entre as serventias extraju-
diciais ¢ 0 Poder Judicidrio e a resoligdo 350/2020 do CNJ. Disponivel em: .
HILL, Plivia Pereira.“A desjudicializagao e 0 necessério incremento da cooperagio
entre as esferas judicial e extrajudicial”. In: ALVES, Lucélia de Sena et al. (Orgs.).
4 anos de vigéncia do Cédigo de Processo de 2015, cit., p. 194-196.
2 Como destacado, especificamente em relagio 4 interacio entre as serventias ex-
trajudiciais e o proceso judicial, em HILL, Flivia Pereira.“A desjudicializagio ¢
© necessirio incremento da cooperagao entre as esferas judicial e extrajudicial”
In: ALVES, Lucélia de Sena et al. (Orgs.). 4 anos de vigéncia do Cédigo de Processo
de 2015, cit., p. 195.
7945.2. Conciliagado e mediagao
A conciliacio ¢ a mediagao também podem ser realizadas no ambi-
to das serventias extrajudiciais”, No caso da mediagio, essa possibilidade
encontra-se expressamente prevista no art, 42 da Lei n. 13.140/2015.
A Corregedoria Nacional do Conselho Nacional de Justiga esti-
mula, a propésito, a celebragio de cooperaio interinstitucional entre
tribunais de justiga ¢ notarios e registradores para a instalacao de centros
judicidrios de solugio de conflitos e cidadania nos locais em que ainda
nio tenham sido implantados, como se verifica na Recomendagio n.
28/2018.
O procedimento de concilia
tias notariais e de registro esta disciplinado no Provimento n. 67/2018
da Corregedoria Nacional do CNJ.
O processo de autorizag’o dos servicos notariais e de registro para
10 e mediagAo no ambito das serven—
a realizagio de conciliagio e de mediacio sera regulamentado pelos
Nucleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solugio de Con-
flitos (NUPEMEC) e pelas Corregedorias-Gerais de Justiga (CGJ) dos
Estados e do Distrito Federal e dos Territérios (art. 4° do Provimento
n. 67/2018 do CN)J).
Os procedimentos de conciliagio e de mediagio serio fiscalizados
pela CGJ pelo juiz coordenador do Centro Judiciério de Solugao
de Conflitos e Cidadania (CEJUSC) da jurisdi¢do a que estejam vin-
culados os servicos notariais e de registro (art. 5° do Provimento n
67/2018 do CNJ).
A atuacio como conciliador ou mediador exige a formagio em
curso que observe as diretrizes curriculares previstas na Resolugio n.
125/2010 do CNJ (art. 6° do Provimento n. 67/2018 do CNJ).
De acordo com o art. 10 do Provimento n. 67/2018 do CNJ,
podem participar da conciliagao e da mediacio a pessoa natural abso-
lutamente capaz, a pessoa juridica e os entes despersonalizados a que
a lei confere capacidade postulatéria.
Podem ser objeto da mediagio e da conciliagio os direitos dispo-
niveis e os indisponiveis que admitam transagio (art. 11 do Provimento
n. 67/2018 do CNJ).
‘obre o tema, longamente, DEBS, Martha El; DEBS, Renata El; SILVEIRA,
Thiago. Sistema Multiportas: a mediagao ¢ a conciliagio nos cartérios como instrumento
de pacificagao social dignidade humana, Salvador: Juspodivm, 2020.
795E possivel, entao, que determinadas controvérsias relativas ao di-
reito aos alimentos sejam solucionadas por conciliagio ou mediagio
perante as serventias. No caso de direitos indisponiveis, mas transigiveis,
© acordé deverd ser submetido 4 homologagio judicial (art. 12, § 1°,
do Provimento n. 67/2018 do CNJ).
E interessante observar, ainda, que 0 Provimento n. 72/2018 da
Corregedoria Nacional do CNJ prevé a possibilidade de utilizagio de
medidas de incentivo a quitac3o ou 4 renegociagio de dividas protes-
tadas como fase antecedente 4 possivel instauragio de procedimento
de conciliagio ou de mediagio.
stitucional
5.3. Cooperacao inte
Os arts. 15 e 16 da Resolugdo n.350/2020 preveem a possibilidade
de realizagio de cooperagio interinstitucional entre 0 Poder Judic
*.O rol contido no art. 16 é
cemplificativo, podendo a cooperagio ser desenvolvida com quaisquer
Instituigdes que possam “contribuir para a execucio da estratégia nacio-
nal do Poder Judiciario, promover o aprimoramento da administragio
da justiga, a celeridade e a efetividade da prestagio jurisdicional”.
TO € Outros sujeitos do sistema de justi¢:
e
Nao hi dtividas de que as serventias notariais ¢ de registro estio
entre essas instituigdes, 0 que, alis, foi reconhecido na II Jornada de
Prevengio ¢ Solugio Extrajudicial de Litigios”
Um exemplo de cooperacao interinstitucional entre tribunais de
Justiga e titulares de serventias extrajudiciais, mencionado anteriormente,
é a celebragio de convénio para a instalago de centros judiciarios de
solugio de conflitos e cidadania nos locais em que ainda nio tenham
sido implantados (Recomendagio n. 28/2018 da Corregedoria Na-
cional do CNJ).
A cooperacao com cartérios notariais e de registro pode ser utili-
zada, ilustrativamente, para a realizacao de atos de cientificacao relativos
Sobre o tema, DIDIER Jr., Fredie. Cooperagao judicidria nacional: eshoco de uma teoria
para 0 Direito brasileito (arts. 67-69, CPC).2*. ed. Salvador: Juspodivm, 2021, p.36-
37 ¢ 69-74; DIDIER Jr., Fredie; FERNANDEZ, Leandro. O Conselho Nacional
de Justica e 0 Direito Processual: administragao judicidria, boas praticas e competéncia
normativa. Salvador, Juspodivm, 2022, p. 107-111
Enunciado n. 125: A cooperagio nacional interinstitucional pode ser realizada
entre drgios judiciais ¢ serventias extrajudiciais, inclusive para a pritica dos atos
de cooperagio descritos no art. 6° da Resolucio n. 350/2020 do
couber.
796a processos judiciais, com a vantagem da caracteristica da fé publica de
que dispdem os atos praticados pelos titulares das serventias”. Atos de
cooperagao também podem ser realizados, por exemplo, para a prestagio
de informacées, para a producio de provas, para apoio na efetivagao de
tutela proviséria ou na execugio de decisio jurisdicional, para investi-
gacdo patrimonial, para a efetivacao de providéncias referentes a praticas
consensuais de resolugio de conflitos ¢ para o compartilhamento de
infraestrutura, tecnologia e informacao (art. 6°, II, VI, VIII, XI, XIX e
XX, Resolugio n. 350, CNJ)".
5.4. Desjudicializagao da execug&o civil
Varios fatores justificam a visualizacio, nas serventias extrajudi-
ciais, de uma das instituigdes preferenciais para a desjudicializacao da
execucio civil”, notadamente sua distribui¢do, em expressivo ntimero,
por todo o territério nacional, a fé publica dos atos praticados por seus
titulares, o acesso a sistemas eletrOnicos para identificagao de bens do
devedor e sua interligac¢Ao por meio de plataformas eletrnicas, sob a
supervisio do Conselho Nacional de Justica.
Independentemente da regulamentagio legal a respeito do tema, é
relevante destacar a possibilidade de celebracao de atos de cooperagao
interinstitucional para a experimenta¢’o, em ambiente controlado, de
politicas de desjudicializagio de execugées, em parceria com agentes
privados®, inclusive com as serventias extrajudiciais.
HILL, Flavia Pereira.“*A desjudicializacao e 0 necessirio incremento da cooperagio
entre as esferas judicial e extrajudicial”. In: ALVES, Lucélia de Sena et al. (Orgs.)
4 anos de vigéncia do Cédigo de Processo de 2015. Cit., p. 196
Apresentando ainda outras possibilidades de atos de cooperagio: CORTEZ, Re-
nata. A cooperacao judicidria interinstitucional entre as serventias extrajudiciais ¢ 0 Poder
Judicidrio e a resolugao 350/2020 do CNJ. Disponivel em:
® Vide, a propésito, o Projeto de Lei n. 6.204/2019, que propée a atribuigio, a0
tabeliio de protesto, da fungio de agente de execucio. Disponivel em: .
Sobre o tema, ANDRADE, Juliana Melazzi.“A cooperagio judiciiria nacional
como instrumento de descentralizacio da execugio”. In: DIDIER JR., Fredie;
CABRAL, Antonio do Passo (coord.). Cooperaao judiciéria nacional. Salvador:
Juspodivm, 2021, p. 775-798.
797O tema merece anilise especifica, cuja extensdo ultrapassa os limites
deste ensaio* - pode
tema de desjudicializagao da execucao civil, devem ser vistas como uma das
se antecipar, no entanto, que as serventias, em
portas alternativas, mas nao a tinica. E notavel, porém, o potencial das
serventias extrajudiciais para o oferecimento de importantes contri-
buigdes a efetividade da execugio civil, o que deve ser aqui registrado
6. Devido Processo no ambito das serventias
extrajudiciais
Em um sistema de justiga multiportas, é necessario repensar a
compreensio do devido processo. Pode-se mesmo falar em um devido
processo multiportas.
Em primeiro lugar, 0 termo processo, aqui, precisa ser bem inter-
pretado. Ele nao se limita ao processo judicial, mas deve ser visualizado
como método de solugdo de um problema juridico, independentemente
da porta utilizada.
O devido processo deve ser observado em cada uma das diferentes
portas de acesso 4 justiga. Ha, por exemplo, devido processo judicial,
* Sobre 0 tema, confira-se a série de cinco artigos publicados por Marcio Car-
valho Faria na Revista de Processo, da Thomson Reuters (volumes 313 a 317),
sob o titulo “Primeiras Impressdes sobre 0 Projeto de Lei 6.204/2019: Criticas ¢
Sugestdes acerca da Tentativa de se Desjudicializar a Execugio Civil Brasileira”
Essa série produto do seu pés-doutoramento na Universidade Federal da Bahia,
sob a supervisio de Fredie Didier Jr. Os artigos sao os seguintes: FARIA, Marcio
Carvalho. Primeiras impressdes sobre o Projeto de Lei n.° 6.204/2019: criticas
sugestdes acerca da tentativa de se desjudicializar a execucio civil brasileira (parte
um). Revista de Processo, Sao Paulo, v.313, mar. 2021, p. 393-416; FARIA, Marcio
Carvalho, Primeiras impressdes sobre o Projeto de Lei n.® 6.204/2019: criticas
sugestdes acerca da tentativa de se desjudicializar a execucio civil brasileira (parte
dois). Revista de Processo, Sio Paulo, v. 314, abr. 2021, p.371-394; FARIA, Marcio
Carvalho. Primeiras impressdes sobre 0 Projeto de Lei n.° 6.204/2019: criticas e
sugestdes acerca da tentativa de se desjudicializar a execugio civil brasileira (parte
Revista de Processo, Sao Paulo, v.315, mai. 2021, p.395-420; FARIA, Marcio
Carvalho, Primeiras impressées sobre o Projeto de Lei n.® 6.204/2019: criticas ¢
sugestdes acerca da tentativa de se desjudicializar a execugio civil brasileira (parte
quatro). Revista de Proceso, Sio Paulo, v.316, jun. 2021 ,p. 389-416; FARIA, Marcio
Carvalho. Primeiras impresses sobre 0 Projeto de Lei n.° 6.204/2019: criticas ¢
sugestdes acerca da tentativa de se desjudicializar a execucio civil brasileira (parte
cinco). Revista de Processo, Sdo Paulo, v. 317, jul. 2021, p. 437-474.Ver, ainda, RI
BEIRO, Flavia Pereira. Desjudicializacdo da execucao civil. Sio Paulo: Saraiva, 2013.
798administrativo, de contas, arbitral e negocial (aqui, com intima relagao
com a boa-fé objetiva*).
Algumas garantias processuais podem possuir contetido idéntico
ou muito semelhante nas distintas portas,a exemplo da imparcialidade
do responsivel pela condugao da solugio do problema juridico, como
se da com as figuras do juiz, do Arbitro, do mediador, da autoridade
deciséria no processo administrativo e dos integrantes de dispute board:
ilustrativamente.
Outras garantias poderio adquirir conformagao diferente, como se
da com a garantia da publicidade em processos administrativos ¢ judi-
ciais, em comparacio, por exemplo, com a arbitragem, como regra geral.
E natural que seja assim. Assumir a premissa da existéncia de di-
ferentes portas adequadas para a solugio de um problema pressupde
admitir a possibilidade de existéncia de distintos regimes juridicos apli-
cAveis a cada uma - e de distintas fontes normativas que os disciplinem.
O importante é perceber que um devido processo multiportas
apenas é possivel com o respeito As garantias inerentes a cada uma das
portas.
Essas reflexdes sio aplicdveis também no Ambito das serventias
notariais e de registro”. A decisio proferida pela Segunda Turma do
Superior Tribunal de Justica no RMS 58.769/RJ”, sob a relatoria da
Ministra Assusete Magalhacs, ilustra bem isso.
No caso mencionado, o Ministério Pablico do Estado do Rio de
Janeiro expediu requisi¢io ao Oficial Registrador do Cartério do 2°
‘Oficio de Itaocara, a fim de que fosse realizada averbagio de inquérito
civil na matricula de imével que teria sido objeto de loteamento irre-
gular. O oficial de registro consultou, por meio de oficio (sem adogao
do procedimento de suscitacao de divida, portanto), 0 juizo da comarca,
Sobre o tema: DIDIER JR, Fredie. “Principio da boa-fé processual no Direito
Processual Civil brasileiro e seu fundamento constitucional”. Revista do Ministério
Piiblico do Rio de Janeiro, v.70, p. 179-188, 2019; BRAGA, Paula Sarno, Aplicaao
do devido processo legal nas relasdes privadas. Salvador: Juspodivm, 2008.
Flavia Hill afirma a necessidade de reconhecimento da existéncia de um “devido
processo legal extrajudicial”, compreendido como 0 “devido processo legal a ser
observado nos cartérios extrajudiciais em razio do fendmeno da degjudicializagio”
(HILL, Flivia Pereira."*Desjudicializagao e acesso 4 justiga além dos tribunais: pela
concepgio de um devido processo legal extrajudicial”. Revista EletsSnica de Direito
Pracessual = REDP, ano 15, v.22, 2020, p. 390-391).
° ST], 2*7., RMS n.58.769/RJ, rel. Min. Assusete Magalhaes, j. em 15.09.2020,
ado em 23.09.2020.
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