REDAÇÃO DE
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Thamires R. de Mattos
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Thamires R. de Mattos
Mestre em Divulgação Científica
REDAÇÃO DE
e Cultural pela Unicamp NOTÍCIAS
1ª Edição, 2021
Editora Universitária Adventista
Engenheiro Coelho, SP
Redação de notícias
Editora Universitária Adventista
1ª edição – 2021
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Mattos, Thamires Ribeiro de
Redação de notícias [livro eletrônico] / Thamires Ribeiro de Mattos. Engenheiro Coelho:
Unaspress, 2023.
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Ed. em e-book baseada na ed. de 2021.
ISBN 978-65-89942-36-8
1. Jornalismo 2. Notícias jornalísticas 3. Redação de textos jornalísticos I. Título.
23-183080 CDD-070
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1. Jornalismo 070
Eliane de Freitas Leite - Bibliotecária - CRB 8/8415
Editora associada:
Todos os direitos reservados à Unaspress - Editora Universitária Adventista. Proibida
a reprodução por quaisquer meios, sem prévia autorização escrita da editora, salvo
em breves citações, com indicação da fonte.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO À
VOCÊ ESTÁ AQUI
REDAÇÃO DE NOTÍCIAS...........................................11
Introdução.........................................................................................12
O que é jornalismo?..........................................................................13
História.....................................................................................14
Jornalismo na era da informação............................................36
O texto jornalístico............................................................................42
Elementos fundamentais.........................................................45
Como identificar um texto jornalístico....................................49
Pauta.................................................................................................55
Considerações finais.........................................................................63
Referências........................................................................................65
ESTRUTURA TEXTUAL.............................................71
Introdução.........................................................................................72
Pirâmide invertida............................................................................73
Lead..........................................................................................96
A importância das fontes........................................................124
Continuação do texto..............................................................127
Cauda...............................................................................................132
Considerações finais........................................................................133
Referências.......................................................................................135
QUALIDADE E ATENÇÃO.........................................143
Introdução........................................................................................144
Títulos e manchetes.........................................................................145
Utilize verbos...........................................................................146
Tome cuidado com os tempos verbais...................................149
Preste atenção Ao lead............................................................151
Seja sucinto.............................................................................181
Recursos textuais.............................................................................184
Inserção de dados e
entrevistas...............................................................................184
Verbos declaratórios................................................................187
Pontuação...............................................................................191
Simplicidade...........................................................................194
Considerações finais........................................................................197
Referências.......................................................................................201
PARTICULARIDADES DA REDAÇÃO JORNALÍSTICA.207
Introdução........................................................................................208
Rádio................................................................................................209
Televisão...........................................................................................216
Revistas............................................................................................221
Exemplo de reportagem 1......................................................225
National Geographic Brasil.....................................................230
GQ Brasil..................................................................................239
Web.................................................................................................249
Por área............................................................................................252
Considerações finais........................................................................254
Referências.......................................................................................257
EMENTA
Fundamentos da redação jornalística.
A estrutura básica do texto jornalístico:
o lead e a pirâmide invertida. A
hierarquização da informação. Gêneros
textuais. A noticiabilidade informativa
e factual. A padronização das formas.
Produção de títulos.
UNIDADE 1
INTRODUÇÃO À
REDAÇÃO DE NOTÍCIAS
REDAÇÃO DE NOTÍCIAS
INTRODUÇÃO
Olá, seja muito bem-vindo(a) ao nosso material de
introdução à redação de notícias. Vemos diversas peças
jornalísticas todos os dias. Elas estão na internet, na televisão,
nos jornais impressos, na rádio e em outras mídias. É
praticamente impossível ficar por fora do que acontece ao redor
do globo. No entanto, a redação jornalística é um processo que
passa por várias etapas de análise e de escrita, a fim de mostrar
à sociedade fatos relevantes e verídicos.
Aqui, você será apresentado(a) ao mundo da redação
de notícias. Para iniciar seu aprendizado, uma introdução
ao conceito geral de jornalismo e a sua história é necessária.
Após isso, elementos técnicos sobre textos noticiosos
serão explicitados, como seus elementos fundamentais e a
diferenciação para com outros textos. Para concluir, você será
ensinado a formular uma pauta – algo que podemos chamar de
“pré-notícia”. Portanto, ao final deste material, esperamos que
você:
• saiba as origens e os propósitos do jornalismo;
• saiba identificar os elementos
fundamentais de textos noticiosos;
12
Introdução àredação de notícias
• saiba diferenciar a redação jornalística
de outros tipos de textos;
• tenha desenvolvido a percepção
para notícias em potencial;
• saiba formular uma pauta.
Bons estudos!
O QUE É JORNALISMO?
Por que você quer ser jornalista? É provável que essa
pergunta tenha sido feita na época de sua inscrição no
vestibular ou, até mesmo, em outras matérias do tema. De
qualquer forma, é importante pensar nas implicações dessa
profissão, que carrega consigo muita responsabilidade.
Respostas como: “pois escrevo bem”, “pois sou curioso(a)
e sei encontrar informações”, “porque gosto de escutar as
pessoas” ou “porque gosto de contar histórias” são válidas.
Todos esses elementos são essenciais à atuação profissional de
jornalistas. É preciso ouvir com atenção o que as pessoas têm
13
REDAÇÃO DE NOTÍCIAS
a dizer, ser curioso(a) para enxergar novas possibilidades de
histórias e contá-las bem.
O jornalismo, no entanto, emprega todas essas habilidades
para o benefício de outros. Informar e conscientizar cidadãos são
os objetivos de repórteres. Isso significa que um profissional da
área deve colocar em primeiro lugar os interesses de seus leitores
e de suas leitoras. Na prática, jornalistas devem fugir do egoísmo
ao usarem suas habilidades. Deles depende a objetividade e a
clareza de notícias que chegarão a muitas pessoas.
HISTÓRIA
São muitos os relatos sobre as origens do jornalismo, já que
diversas perspectivas são possíveis. Neste material, adotaremos
a noção de que a prática jornalística existia, mesmo que de
forma rudimentar, ainda na antiguidade. Para Sousa (2008),
jornalismo é uma representação discursiva da vida humana
na sua diversidade de vivências e ideias. Assim, pode dizer-
se que o jornalismo vai buscar a sua origem mais remota aos
tempos imemoriais em que os seres humanos começaram a
transmitir informações e novidades e a contar histórias, quer
por uma questão de necessidade (nenhuma sociedade, mesmo
14
Introdução àredação de notícias
as mais primitivas, conseguiu sobreviver sem informação),
quer por entretenimento, quer ainda para preservação da
sua memória para gerações futuras (SOUSA, 2008, p. 5).
Ao seguirmos esse raciocínio, percebemos que, embora
as técnicas de redação, entrevistas e demais elementos que
consideramos hoje não existissem, acontecimentos relevantes
eram constantemente registrados e “noticiados”. Sousa (2008,
p. 5) os chama de “fenômenos pré-jornalísticos”. Um exemplo
são as pinturas rupestres, que mostram eventos e fatos
cotidianos importantes à população da área. Isso mostra que
até comunidades primitivas precisavam transmitir, organizar e
guardar informações sobre sua atualidade.
Sousa (2008) ainda coloca que o nascimento das bases do
jornalismo, como o conhecemos, se encontra na antiguidade
clássica, junto à filosofia romana, e, principalmente, à grega.
O milênio anterior ao nascimento de Cristo foi, para os gregos,
o milênio de ouro da sua civilização. A Grécia, enriquecida
com o comércio, a agricultura e a pastorícia, ajudada pelo
clima e por um modo de vida propiciador de vidas longas e
saudáveis, gerou a filosofia, viu surgir a democracia ateniense
e o primeiro sistema jurídico digno deste nome (configurador
dos modernos estados de direito), cultivou a retórica, fez
brotar do tronco-comum da filosofia as primeiras ciências,
entre as quais a história e a geografia, e cultivou as artes (a
15
REDAÇÃO DE NOTÍCIAS
Ilíada e a Odisseia terão sido elaboradas entre os séculos IX e
VIII a. C.). A retórica, ligada à política e ao direito (vida nos
tribunais), a literatura, a historiografia e os relatos geográficos
e etnográficos foram, assim, alguns dos contributos dos antigos
gregos para a fixação, muitos séculos depois, dos valores e
formas de agir dos jornalistas, bem como para a definição
dos formatos e dos conteúdos jornalísticos, ou seja, para a
fixação das estruturas típicas das matérias jornalísticas e dos
temas abordados pelo jornalismo (SOUSA, 2008, p. 7).
Após a disseminação dos conhecimentos gregos pelo
Ocidente, o mundo mudou. Diversas áreas do conhecimento
foram desenvolvidas. Para o jornalismo, os eventos mais
importantes se deram no Renascimento, que ocorreu dos
séculos 14 a 16: o fortalecimento da indústria do papel e a
invenção da imprensa.
Na época, os meios mais utilizados para a comunicação escrita
eram o papiro, feito com fibras de uma planta que tem esse mesmo
nome, e pergaminhos, fabricados com peles secas de animais. O
material era importado do Oriente Médio pelo Império Romano
do Oriente, cuja capital ficava em Constantinopla. Hoje, essa
cidade é conhecida como Istambul, a mais populosa da Turquia.
Os turcos otomanos, no entanto, interromperam a importação
de papiro após tomar o que era o Império Romano do Oriente
em 1453 (SOUSA, 2008). Isso fez com que a indústria do papel
crescesse. Inventado na China e popularizado pelos árabes, ele
16
Introdução àredação de notícias
já havia se instalado na Europa durante
o século 9.º. Contudo, foi apenas após
a invasão dos otomanos que o material
realmente se popularizou. Sua durabilidade
era grande, o custo caiu após a abertura
de mais fábricas de papel na Europa, e o
papel trazia vantagens para quem precisava
assinar documentos, já que nada poderia ser
apagado sem deixar traços (BLOOM, 2017).
Também na década de 1450, o alemão
Johann Gutenberg, que atuava como
ourives, aperfeiçoou os tipos móveis. OURIVES
Até então, os livros eram copiados De acordo com o dicionário on-
manualmente (caligrafia). A produção de line Dicio, “ourives” é a “pessoa
que comercializa, conserta, re-
manuscritos já não atendia com qualidade
forma ou fabrica objetos feitos
e rapidez à demanda. Além disso, cópias de ouro ou de prata.”
feitas à mão eram caras e, por isso, apenas
acessíveis às famílias da classe alta.
A imprensa constituía-se de
diversos “carimbos” de letras isoladas,
que formavam palavras. Essa técnica é
conhecida como tipografia. Embora ela já
existisse há séculos, com registros datados
17
REDAÇÃO DE NOTÍCIAS
de 868 d. C., Gutenberg conseguiu fazer
com que as impressões ficassem mais
fáceis, rápidas e baratas. O primeiro livro
impresso por ele em sua invenção foi a
Bíblia em latim.
Além da imprensa, Gutenberg
também inventou a tinta para impressão,
os tipos utilizados na imprensa e o
próprio processo de produção de
livros impressos. Outro diferencial da
tipografia de Gutenberg em relação às
antigas é que seus tipos eram utilizados
em composições. Os tipos são letras,
números e gravuras que, combinados,
Página de uma das Bíblias
formam o texto e as artes em uma página. impressas por Gutenberg.
Isso significa que, para a impressão de Fonte: Wikimedia Commons (2020).
um livro que utilizasse a mesma fonte,
não era preciso fabricar inúmeros tipos;
eles poderiam ser apenas reorganizados
de uma página para a outra (BRITISH
LIBRARY, 2020).
Após a invenção da imprensa
moderna de Gutenberg, o número de
18
Introdução àredação de notícias
publicações impressas cresceu exponencialmente, facilitando
a disseminação de novas ideias. Isso contribuiu para que
ideais nascidos no período renascentista se espalhassem
com rapidez. Em consequência disso, o Renascentismo e
a invenção da imprensa também possibilitaram o futuro
desenvolvimento do iluminismo. Essa filosofia pregava o uso
da razão como forma principal de solucionar ou de lidar com
os problemas da sociedade.
SAIBA MAIS
O “latim” era a língua oficial do império romano.
Com a expansão dos poderes dessa civilização, o la-
tim se tornou a língua franca do Ocidente por cerca
de um século. No Oriente, a língua que exercia esse
papel, na mesma época, era o grego. Hoje, o inglês
é amplamente falado ao redor do mundo, sendo
considerado uma língua franca.
O iluminismo foi a força motriz de diversas revoluções
políticas, econômicas e tecnológicas nos séculos 17 e 18.
A reforma protestante, embora não diretamente ligada
ao Iluminismo, também influenciou essas mudanças
transformadoras. A junção desses movimentos, que reforçavam
a importância da análise de fatos, além do volume crescente
19
REDAÇÃO DE NOTÍCIAS
de impressões de obras, fez com que o interesse pela leitura
aumentasse, como você pode ver na figura 1.
Figura 1 – Número de livros publicados na Europa (excluindo a Rússia) de 1454 a 1800
PERÍODO NÚMERO DE LIVROS PUBLICADOS
1454-1500 12589
1500-1550 79017
1551-1600 138427
1601-1650 200783
1651-1700 330870
1701-1750 353798
1751-1800 614434
Fonte: BURINGH; ZANDEN (2009).
Em uma época favorável para a maior publicação de
materiais, surgiram as folhas noticiosas. Essas folhas, populares
no século 15, podem ser consideradas precursoras dos jornais
impressos. Elas continham anúncios de serviços e de produtos,
notícias que mostravam diferentes partes da sociedade e até
mesmo questões que poderiam afetar os negócios. Assim, o
jornalismo se firmou como um grande contador de histórias do dia
a dia. Os temas cobertos por uma folha noticiosa eram muitos:
[...] naufrágios, batalhas, descobrimentos, o divórcio d[o rei
da Inglaterra] Henrique VIII, acordos de paz, cerimónias
públicas, episódios da vida nas cortes, casamentos,
20
Introdução àredação de notícias
batizados, celebrações e festas,
crimes e criminosos, descrições
de lugares, fenómenos insólitos,
maravilhas da natureza, enfim,
uma enorme variedade de temas
que encontraríamos, sem surpresa,
em qualquer meio jornalístico dos
nossos dias (SOUSA, 2008, p. 72).
Além das folhas noticiosas, outro
material também pode ser considerado
um “antepassado” do jornal impresso:
o “livro noticioso”. Eles eram mais
volumosos do que as folhas noticiosas e,
por isso, continham maior diversidade Página do Diamond Sutra,
de informações. Ao contrário das folhas datado de 868, é o docu-
mento mais antigo escrito
noticiosas que, em geral, eram publicadas
em tipografia.
de acordo com a necessidade, esses livros
Fonte: BRITISH LIBRARY (c2020a)
tinham uma periodicidade definida. Isso
significa que, como os livros noticiosos
eram publicados com menor frequência
(semestralmente ou anualmente), as
notícias neles agrupadas possuíam valor
histórico. Assim, os conteúdos eram
menos superficiais, mas, também, menos
imediatos (fator que seria valorizado pelo
jornalismo no futuro).
21
REDAÇÃO DE NOTÍCIAS
No século 18, contudo, o cenário mudou: a Europa vivia
polarizações político-religiosas sem precedentes. De acordo
com Sousa (2008),
A Europa do século XVII cedo se encontrou politicamente
dividida entre dois modelos de governação: a monarquia
absolutista de direito divino, esplendidamente simbolizada
pelo rei francês Luís XIV, tinha por contraponto a Inglaterra
parlamentarista saída da guerra civil (1643-1648) e da
Revolução Gloriosa de 1688. As lutas de libertação e
independência faziam-se sentir em países como Portugal
e Holanda, que reagiam contra a soberania espanhola. O
Velho Continente estava, por outro lado, religiosamente
dividido entre Católicos e Protestantes e mesmo entre estes
últimos a divisão também reinava (calvinistas, luteranos,
anglicanos, puritanos...). O processo colonial avançava.
O comércio intensificava-se, agregando-se á [sic.] volta
das Bolsas de Valores. A alfabetização aumentava, até
porque era obrigatória para o ingresso em determinadas
corporações de ofícios (SOUSA, 2008, p. 75).
Com tantas mudanças, muitas informações circulavam em
veículos sem grande autoridade ou que não prezavam pelo
rigor na apuração dos fatos. Foi nesse contexto que a criação
do jornalismo moderno encontrou terreno fértil, já que a
transmissão de notícias era urgente e necessária.
22
Introdução àredação de notícias
Os primeiros veículos jornalísticos
se assemelhavam a jornais impressos
e eram denominados “gazetas”. O
nome vem de uma moeda encontrada
em Veneza, na Itália, cujo valor era
correspondente à quantia paga para
ouvir notícias em atos públicos (SOUSA,
2008). Embora a quantidade de notícias
já fosse suficiente para a produção de
Os primeiros
diversos volumes das gazetas, elas eram,
veículos
em geral, um produto híbrido: possuíam jornalísticos se
características próprias dos livros e assemelhavam
outras comuns às folhas noticiosas. a jornais
Com publicação mais frequente, eram impressos
menores em tamanho e mais atuais. e eram
denominados
Existe controvérsia sobre qual “gazetas”.
foi a primeira gazeta publicada no
mundo. No entanto, para a maioria
dos acadêmicos, La Gazette Français
inaugurou esse estilo de obra
jornalística. Publicada na França por
Marcellin Allarde Pierre Chevalier,
em 1604, La Gazette fez sucesso, e seu
23
REDAÇÃO DE NOTÍCIAS
formato se espalhou de forma rápida pela Europa. No ano
seguinte, surgiu a Nieuwe Antwersche Tijdinghe, na Bélgica.
Ela inovou ao ser redigida em mais de uma língua (flamengo
e francês) e ao publicar, além de notícias locais e nacionais,
as internacionais. Algum tempo depois, em 1615, a gazeta
alemã Deutsch Frankfurter trouxe mudança ao incluir também
notícias do dia anterior. De acordo com Sousa (2008), as
principais características das gazetas eram:
• textos simples e de caráter informativo, sem
altos graus de moralismo ou emocionalismo;
• título na primeira página, acompanhado de
datas de impressão e do nome do editor;
• ilustrações na primeira página, quando possível;
• alta periodicidade. No início, as gazetas
eram semanais, e, depois, começaram a ser
publicadas diversas vezes por semana. A
frequência aumentou até se tornarem diárias;
• profissionais contratados exclusivamente
para a produção do material;
24
Introdução àredação de notícias
• inclusão de anúncios pagos (provavelmente
iniciados com a Gazeta de Veneza), a fim de
diminuir o custo da gazeta ao público.
Devido à extensão do título, a chamaremos apenas de
“Gazeta”, como passou a ser popularmente conhecida na época
(SOUSA et al., 2009).
SAIBA MAIS
A Gazeta foi criada somente um ano após a restau-
ração da independência de Portugal (1640). Como
era encomendada pelo próprio governo do país,
seus conteúdos eram favoráveis ao então rei dom
João IV. Assim, o periódico ajudou o monarca a legi-
timar seu poder.
O primeiro periódico português e de língua portuguesa a
circular foi a Gazeta. Uma de suas seções privilegiava apenas
notícias internacionais. Veja abaixo um trecho do periódico
publicado em 3 de dezembro de 1641. A notícia foi escrita em
português arcaico e mantida em sua forma original.
25
REDAÇÃO DE NOTÍCIAS
Novas de fora do reino
Por via de Holanda foi à França uma carta de um português,
que assiste nas Índias de Castela, e da França veio a esta
cidade, a qual diz que é partida a frota com algumas naus de
guerra, mas que estarão os castelhanos temerosos de que lhe
fossem ao encontro os inimidos da Espanha, por quanto havia
nova que Pede pao General da armada de Olanda saira de
Pernambuco em companhia de uma esquadra de portugueses,
que andava nos mares do Brasil, e se fora na volta da Bermuda.
A armada Real de Castela anda dividida em duas esquadras,
uma no cabo de São Vicente, outra na barra de Cadiz
operando a frota. É general o Duque de Maqueda.
Em Madrid apertam com os portugueses, e estão
presos alguns por quererem vir para Portugal.
O Bispo de Lamego, que foi como Embaixador
ao Summo Pontifice, diz que ficava junto a
Marselha, para dali passar à Roma.
O Príncipe de Conde está sobre Perpinhão, e está posto em tão
grande aperto que dizem que sem dúvida se lhe entregará.
Monsenhor de la Mota anda com um exército poderosíssimo
à volta de Aragão, e tem saqueado alguns lugares.
De Gênova e de Veneza se diz que foi lá bem recebida
a deliberação da nobreza de Portugal, e que não se
dará socorro contra o Rei Dom Felipe, mas que será
admitido o Embaixador do Rei, Dom João o quarto.
A armada do Bispo de Bordeaux se reforma, e se
presume que vem outra vez sobre Tarragona.
O Rei da Inglaterra faz grandes léguas em seus
reinos, e dizem que quer restaurar o Palatinado.
Por pessoa que veio de Cadiz e por carta de Castro Marinho,
se soube que a Armada da Holanda fizera grandíssimo
26
Introdução àredação de notícias
destroço na armada de Castela, e
que se recolhera com [...] passados
das balas, e grandíssimo número
de gente morta (IMPRENSA
NACIONAL, 1941, p. 9-10).
Ao compararmos esse texto com o
de jornais atuais, percebemos diversas
diferenças no estilo de redação. Mesmo
assim, o redator possui certa criteriosidade
ao escolher fatos que interessarão ao
leitor do periódico (e, também, ao seu
financiador – o governo de Portugal); há
maior objetividade nas frases, que não se
delongam; a presença de um título marca
a separação de notícias internacionais; e
os fatos noticiosos escolhidos sempre se
relacionam aos interesses de Portugal, ou Capa da Gazeta, o primeiro
seja, da sociedade em questão. As notícias periódico português.
também estão separadas em parágrafos Fonte: Wikimedia Commons (2006)
diferentes. Embora o espaçamento seja
mínimo, isso ajuda o leitor a organizar
diferentes narrativas e a pensar que,
embora todos os fatos estejam ligados
ao futuro de Portugal, eles possuem
desambiguações próprias.
27
REDAÇÃO DE NOTÍCIAS
Com o tempo, as gazetas evoluíram
e aumentaram sua periodicidade,
transformando-se nos famosos “jornais
diários”. Hoje, os dois termos são
praticamente sinônimos, com alguns desses
jornais até recebendo o nome de “gazetas”.
Há um debate sobre qual teria sido
o primeiro jornal diário a ser publicado
Com o tempo,
(SOUSA, 2008). Os candidatos, todos as gazetas
europeus, são: Courante uyt Italien e evoluíram e
Duytsland (Amsterdã, Holanda, 1618); aumentaram
Einkommende Zeitung (Leipzig, Alemanha, sua
1635); Neueinlauffende Nachricht von Kriegs- periodicidade,
und Welt-Händeln (Leipzig, Alemanha, transformando-
1660); Leipziger Post-Und Ordinari Zeitung se nos jornais
(Leipzig, Alemanha, 1662); e o Daily diários.
Courant (Londres, Inglaterra, 1702).
Como as tendências europeias
ditavam muitos dos costumes nas
Américas, o jornalismo não demorou a
chegar às terras brasileiras. Por aqui, os
primeiros jornais foram fundados em
1808, e os acadêmicos debatem qual foi
28
Introdução àredação de notícias
o real precursor. O Correio Braziliense (não confundir com o
jornal de mesmo nome publicado apenas a partir do século 20)
começou a circular em junho. Ele era editado em Londres por
Hipólito José da Costa, brasileiro que buscou asilo político no
Reino Unido. Já a Gazeta do Rio de Janeiro surgiu em setembro,
e sua produção era totalmente feita em terras brasileiras
(BARBOSA, 2009).
A verdade é que, para entendermos o papel do jornalismo
no Brasil, devemos ir além de saber qual jornal foi o primeiro
a surgir. Tanto o Correio Braziliense quanto a Gazeta do Rio de
Janeiro abrigavam os primeiros jornalistas do país. Na época,
a profissão não exigia tantas capacitações específicas – e, na
realidade, nem era considerada uma ocupação trabalhista
real. O jornalismo estava no pêndulo entre a vida política e a
vivência literária.
O exercício do jornalismo no Brasil esteve durante muito
tempo associado a uma posição intermediária entre as
“verdadeiras” posições da política, como postos e cargos
políticos, e da literatura, como a publicação de livros e a
inserção em entidades e atividades artístico-literárias. O
jornalismo representava uma ocupação provisória, seja
para aumentar e complementar a renda constituindo-se
como um bico, um trabalho extra, seja como um trampolim
29
REDAÇÃO DE NOTÍCIAS
para posições destacadas em outras esferas. Desse modo, o
jornalismo constituía-se como um espaço que possibilitava
estabelecer uma série de relações que poderiam resultar
em uma posição ou na política ou na literatura. Durante
o século XIX, a atuação da imprensa era vista, por um
lado, como um instrumento estratégico de mobilização
política, por outro como uma prática de atualização, crítica
e julgamento dos fatos. Atuava contra e a favor do Estado,
movimentando-se entre os diversos grupos, facções, partidos,
movimentos e manifestações (PETRARCA, 2005, p. 2).
O jornalismo, portanto, tem consequências: ele é
influenciado e influencia a situação política, econômica, cultural
e social de determinadas comunidades. No Brasil, a imprensa
foi especialmente importante para alavancar ou enterrar alguns
personagens políticos. No Brasil imperial, os jornais eram a
principal forma de promoção de candidatos e de ideias. Assim,
indivíduos que desejavam disseminar alguma mensagem
política importante tinham, muitas vezes, ligações com jornais.
Do seu surgimento até 1880, a imprensa brasileira é
caracterizada pela panfletagem, refletindo e atuando
nas lutas políticas e questões sociais da época, como a
abolição da escravatura, a independência, o desgaste
da Monarquia e a proclamação da República. Nesse
período os jornais eram fundados principalmente por
30
Introdução àredação de notícias
escritores, padres, ex-militares, personagens políticos
e revolucionários vinculados aos movimentos sociais e
políticos do momento. Aqueles que escreviam nos jornais,
fazendo a matéria e o comentário, também faziam parte
desses grupos e movimentos (PETRARCA, 2005, p. 2).
IMPORTANTE
Contrário à opinião popular, o(a) jornalista não deve ser isento de
ideias pessoais e posicionamentos políticos. Isso, contudo, não deve
atrapalhar a comunicação efetiva dos fatos. A origem do jornalismo
brasileiro prova que é possível informar e oferecer algo a mais: visões
pessoais, explicitadas como tal, e que podem ser analisadas pelos
leitores. Como jornalista, é seu dever informar e trazer materiais para
análise crítica do público. Ao você oferecer todos os dados importan-
tes em uma história e escrevê-la da melhor forma possível, espera-se
que o leitor, espectador ou ouvinte consiga capturá-la e ressignificá-
-la para si mesmo, aplicando suas crenças pessoais como “filtros”.
REPÓRTER: TESTEMUNHA OCULAR
Na virada do século 19 para o século 20, a figura do(a)
repórter se consolidou no Brasil. Até então, jornalistas eram
mais ligados a escritores literários; repórteres, no entanto,
mostram as novidades de um país com diversas áreas não
exploradas para o público. Uma das figuras que se destacaram
é o jornalista Euclides da Cunha, com sua cobertura da Guerra
de Canudos, feita na década de 1890. Cunha lançou um livro
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REDAÇÃO DE NOTÍCIAS
com seus relatos, chamado de “Os sertões”. Confira como ele
articula suas ideias ao falar sobre a necessidade, de acordo com
o governo da Bahia, de pacificar o sertão:
Quando se tornou urgente pacificar o sertão de Canudos,
o governo da Bahia estava a braços com outras
insurreições. A cidade de Lençóis fora investida por
atrevida malta de facínoras, e as suas incursões
alastravam-se pelas Lavras Diamantinas; o povoado de
Barra do Mendes caíra às mãos de outros turbulentos;
e em Jequié se cometiam toda a sorte de atentados.
O mal era antigo. O trato do território que recortam as cadeias
de Sincorá até as margens do S. Francisco era, havia muito,
dilatado teatro de tropelias às gentes indisciplinadas do
sertão. Opulentada de esplêndidas minas, aquela paragem,
malsina-a a própria opulência. Procuram-na há duzentos
anos irrequietos aventureiros ferrotoados pelo anelo de
espantosas riquezas, e eles, esquadrinhando afanosamente
os flancos das suas serranias e as nascentes dos rios, fizeram
mais do que amaninhar a terra com a ruinaria das catas e o
indumento áspero das grupiaras: legaram à prole erradia
e, de contágio, aos rudes vaqueiros que os seguiram,
a mesma vida desenvolta e inútil livremente expandida na
região fecunda, onde por muitos anos foram moeda corrente o
ouro em pó e o diamante bruto. De sorte que sem precisarem
despertar pela cultura as energias de um solo em que não
se fixam e atravessam na faina desnorteada de faiscadores,
32
Introdução àredação de notícias
conservaram na ociosidade turbulenta a índole aventureira
dos avós, antigos fazedores de desertos. E como, a pouco
e pouco, se foram exaurindo os cascalhos e afundando os
veeiros, o banditismo franco impôs-se-lhes como derivativo à
vida desmandada. O jagunço, saqueador de cidades, sucedeu
ao garimpeiro, saqueador da terra. O mandão político
substituiu o capangueiro decaído (CUNHA, 1901, p. 93).
Após caracterizar a terra e a situação político-social do local,
Euclides da Cunha introduz um personagem importante da
história: Antônio Conselheiro, líder da oposição ao governo.
Antônio Conselheiro há vinte e dois anos, desde 1874,
era famoso em todo o interior do Norte e mesmo nas
cidades do litoral até onde chegavam, entretecidos de exageros
e quase lendários, os episódios mais interessantes de sua vida
romanesca; dia a dia ampliara o domínio sobre as gentes
sertanejas; vinha de uma peregrinação incomparável, de
um quarto de século, por todos os recantos do sertão,
onde deixara como enormes marcos, demarcando-lhe a
passagem, as torres de dezenas de igrejas que construíra;
fundara o arraial de Bom Jesus, quase uma cidade; de
Xorroxó à vila do Conde, de Itapicuru a Jeremioabo, não
havia uma só vila, ou lugarejo obscuro, em que não contasse
adeptos fervorosos, e não lhe devesse a reconstrução de um
cemitério, a posse de um templo ou a dádiva providencial de
33
REDAÇÃO DE NOTÍCIAS
um açude; insurgira-se desde muito, atrevidamente, contra
a nova ordem política e pisara, impune, sobre as cinzas
dos editais das câmaras de cidades que invadira; destroçara
completamente, em 1893, forte diligência policial, em Massete,
e fizera voltar outra, de 80 praças de linha, que seguira até
Serrinha; em 1894, fora, no Congresso Estadual da Bahia,
assunto de calorosa discussão na qual impugnando a
proposta de um deputado, chamando a atenção dos poderes
públicos para a “parte dos sertões perturbada pelo indivíduo
Antônio Conselheiro”, outros eleitos do povo, e entre eles
um sacerdote, apresentaram-no como benemérito do qual
os conselheiros se modelavam pela ortodoxia cristã mais
rígida; fizera voltar, abortícia, em 1895, a missão apostólica
planeada pelo arcebispado baiano, e no Relatório alarmante
a propósito escrito por Frei João Evangelista, afirmara o
missionário a existência, em Canudos — excluídas as
mulheres, as crianças, os velhos e os enfermos — de mil
homens, mil homens robustos e destemerosos “armados
até os dentes”; por fim, sabia-se que ele imperava
sobre extensa zona dificultando o acesso à cidadela em
que se entocara, porque a dedicação dos seus sequazes era
incondicional, e fora do círculo dos fiéis que o rodeavam
havia, em toda a parte, a cumplicidade obrigatória dos que o
temiam... E achou-se suficiente para debelar uma situação de
tal porte uma força de cem soldados (CUNHA, 1901, p. 97).
34
Introdução àredação de notícias
As descrições empregadas por Euclides da Cunha são
relatos de testemunha ocular. Ele viu o que aconteceu ou,
ao menos, escutou a história de outras fontes oculares. O(A)
repórter difere do(a) jornalista de gazetas a partir de sua
procura por histórias originais e que analisam situações e/
ou pessoas em profundidade. Não importa o quão longe uma
situação aconteça, um jornalista/repórter deverá estar sempre
pronto a escrever sobre ela.
SAIBA MAIS
Além de repórter, Euclides da Cunha era sociólogo
e engenheiro. Em Os sertões, ele descreve em deta-
lhes o relevo do sertão e as estruturas construídas
por seus habitantes. Além disso, passa ao leitor to-
das as sutilezas dos comportamentos grupais dos
sertanejos e seguidores de Antônio Conselheiro.
Suas outras áreas de atuação são visíveis nessa di-
nâmica. Embora a formação de jornalista proporcio-
ne conhecimentos diversos, é preciso estar aberto à
outras formas de conhecimento, por mais diferen-
tes que sejam. Tudo isso pode ser útil no futuro de
um repórter.
35
REDAÇÃO DE NOTÍCIAS
JORNALISMO NA
ERA DA INFORMAÇÃO
Jornalistas sempre escrevem para
outros, escutam outras pessoas, são
curiosos(as) ou contam histórias para
um público muito maior do que eles(as)
mesmos(as). A audiência dos veículos
midiáticos – jornais impressos, rádios,
televisões, websites, entre outros –
determina, em grande parte, o que
precisa ou não ser noticiado.
A audiência dos veículos
midiáticos determina,
Ao contrário dos primeiros
em grande parte, o
jornalistas, vivemos cercados por que precisa ou não ser
informação. Hoje, qualquer pessoa tem noticiado.
acesso às novidades de sua cidade, de Fonte: Unsplash
seu estado ou de seu país por meio de
diversos veículos midiáticos. Nesse
cenário, jornalistas agem como curadores
de conteúdo. Eles direcionam suas
audiências a consumir conteúdos que
possam ser relevantes ou interessantes à
sua vida. Por exemplo: para a audiência
de um jornal local, é mais importante
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Introdução àredação de notícias
saber que o bairro “X” ficará sem água amanhã do que ser
informado sobre a alta histórica na cotação da libra esterlina.
No entanto, se a mesma cidade possui um jornal voltado à
Economia, o recorde na cotação terá lugar de destaque.
Agora, analisaremos quatro introduções de notícias sobre
um mesmo evento: a eleição de Joe Biden à presidência dos
Estados Unidos em novembro de 2020.
No jornal Correio do Povo, um veículo generalista com base
em Porto Alegre, RS, a abordagem é informativa e direta. Ela
não reflete um posicionamento político explícito do jornal,
como sua satisfação ou prospectos a partir da vitória de Biden.
Um jornal local, em geral, não possui posicionamentos fortes
em relação à política internacional. Isso muda apenas quando
a cidade ou a região do periódico é fortemente afetada por
rupturas políticas fora do país. Veja abaixo a introdução da
notícia publicada pelo Correio do Povo (2020, online).
• Título: “Joe Biden é eleito o novo
presidente dos Estados Unidos”;
• Subtítulo: “Vitória na Pensilvânia foi decisiva
para conquista do político democrata”;
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REDAÇÃO DE NOTÍCIAS
• Início do texto: “Após conquistar duas viradas
nessa sexta-feira e ampliar a liderança em estados-
chave, o candidato democrata Joe Biden foi eleito
o novo presidente dos Estados Unidos. Os últimos
resultados vindos da Pensilvânia foram decisivos
para o resultado anunciado pela CNN e Fox News
neste sábado. Biden é o 46.º líder norte-americano
e conquistou o posto com 273 votos eleitorais.”
Na matéria veiculada pela Agência de Notícias Reuters,
a vitória do 46.º presidente dos Estados Unidos da América é
explicada de forma técnica. Textos provenientes de agências
noticiosas têm essa característica, já que são comprados e
divulgados novamente por outros veículos de comunicação.
Leia a seguir a introdução da matéria (HARTE E MARTINA,
2020, online).
• Título: “Colégio Eleitoral dos EUA confirma
vitória de Biden sobre Trump”;
• Início do texto: “O democrata Joe Biden venceu
nesta segunda-feira a votação do Colégio Eleitoral
que determina formalmente o ganhador da eleição
presidencial dos Estados Unidos, praticamente
encerrando a campanha do presidente Donald
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Introdução àredação de notícias
Trump em busca de reverter sua derrota. A
Califórnia, o Estado mais populoso dos EUA,
entregou seus 55 delegados a Biden, colocando
oficialmente o ex-vice-presidente acima dos 270
votos necessários para garantir a Casa Branca.”
O Valor Econômico, jornal brasileiro que aborda questões
relacionadas à economia e ao comércio, focou na transição entre
o governo de Donald Trump e o de Joe Biden. Logo no primeiro
parágrafo, a política comercial norte-americana é exposta, e
previsões para o futuro são feitas. O Valor faz até uma ponte
entre os Estados Unidos e a China – dois países que influenciam
fortemente o desempenho econômico do Brasil. Observe abaixo
a introdução da notícia (MOREIRA, 2020, online).
• Título: “Eleito, Biden avança na pauta de transição”;
• Subtítulo: “Assessores de Biden têm planejado
discretamente uma transição há meses e formaram
uma equipe de dezenas de especialistas com a
tarefa de implementar sua agenda política”;
• Início do texto: “A política comercial do
presidente eleito dos EUA, Joe Biden, será
diferente da de Donald Trump mais na retórica,
39
REDAÇÃO DE NOTÍCIAS
sem mudar muito no essencial, em relação a
proteger a indústria americana da concorrência
externa. Mas esse abrandamento já poderá bastar
para levar a uma “détente” com Pequim pelo
menos em temas centrais para a administração
Biden: sustentabilidade e comércio.”
Já no Diário do Rio Doce, um jornal local de Governador
Valadares, MG, a abordagem foi inusitada. Governador
Valadares é popularmente conhecida pelo alto número de
emigrantes aos Estados Unidos. Além disso, um dos times
de futebol da cidade se chama “Esporte Clube Democrata”.
Em uma rede social, o time fez um trocadilho com seu
nome, a fama da cidade e o partido pelo qual Joe Biden foi
eleito: Democrata. Além disso, o time se compara ao herói
Pantera Negra (no inglês, Black Panther), o qual Kamala
Harris, vice-presidente eleita na chapa de Biden, diz ser
seu preferido. Confira a seguir a matéria (DIÁRIO DO RIO
DOCE, 2020, online).
• Título: “Em rede social, democrata
brinca com vitória de Joe Biden”;
• Início do texto: “O twitter oficial do Esporte Clube
Democrata postou uma brincadeira sobre a vitória
40
Introdução àredação de notícias
de Joe Biden, presidente eleito dos Estados Unidos,
pelo partido Democrata. O tweet postado nessa
tarde deste sábado (7), tem a seguinte mensagem:
“Congratulations, President Biden! Congratulations,
Vice President Kamala Harris! Take good care of our
immigrants. All are DEMOCRATA, the Black Panther
of Governador Valadares, MG. Come and have a party
at Mamudão! É nóis!”. Resumidamente, a mensagem
parabenizava a vitória do novo presidente e pedia
cuidado aos imigrantes, além de convidar Joe Biden
para festejar no Mamudão, estádio onde o clube
manda os jogos, em Governador Valadares.”
Ao vermos as diferentes abordagens sobre o mesmo
evento, percebemos que, além de transmitir os fatos com
precisão e objetividade, é preciso que o(a) jornalista conheça
seu público. Além disso, o(a) repórter também deve estar
atento ao manual de redação de seu local de trabalho (caso
exista). Ele trará informações importantes sobre o estilo de
escrita requerido no jornal, na revista, na agência, no portal de
notícias ou no programa audiovisual em questão.
Nenhuma abordagem é melhor ou pior em si; algumas,
no entanto, podem ser nocivas, pois atribuem muita ou pouca
importância a um pedaço isolado da história. Por exemplo:
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REDAÇÃO DE NOTÍCIAS
se a notícia veiculada pelo Diário do Rio
Doce sobre a vitória de Joe Biden fosse
publicada no Correio do Povo, ela não teria
relevância. Da mesma forma, se o Valor
Econômico não desse tanta importância
à fase de transição de governo dos
Estados Unidos e as suas desambiguações
comerciais, sua notícia ficaria incompleta.
Jornalistas sempre apuram Jornalistas
informações e escrevem para um público sempre apuram
específico. Sempre pergunte a alguém com informações e
mais experiência na sala de redação quais
escrevem para
são as características de seus leitores,
um público
espectadores ou ouvintes.
específico.
O TEXTO JORNALÍSTICO
A elaboração de textos é o último (ou
um dos últimos) elementos do processo
jornalístico. Ele e seus produtos, como
reportagens para televisão ou rádio, são
as únicas coisas que realmente chegam
aos consumidores de notícias. Repórteres
42
Introdução àredação de notícias
precisam “escavar” matérias, procurar dados e entrevistar
fontes; mas, para quem está lendo ou visualizando uma nova
informação, nada disso realmente importa. O processo técnico
da escrita jornalística deve ser feito com cuidado, e, por isso,
ser constantemente treinado. Mesmo repórteres de longa data
precisam renovar suas habilidades.
É essencial dominar o texto em qualquer área do jornalismo.
Mesmo jornalistas de televisão ou rádio, que não mostram
suas técnicas de redação de forma explícita, trabalham com
palavras. Por isso, a ênfase em texto é uma constante no mundo
profissional: seja ao elaborar roteiros para reportagens no
audiovisual, matérias longas para revistas ou notas em jornais
impressos, tudo passa por uma construção cuidadosa de
palavras.
Uma peça jornalística escrita de forma “parada” não
engajará leitores. Da mesma forma, uma notícia que não é
redigida de acordo com as normas cultas da língua despertará
incômodo e não trará a sensação de confiança tão necessária ao
veículo midiático. Em resumo: não importa quão boa seja sua
história, é preciso escrever bem e construir pensamentos bem
organizados.
43
REDAÇÃO DE NOTÍCIAS
A organização e clareza no
pensamento jornalístico expressado
em texto é um dos grandes objetivos
dos cursos de bacharelado na área.
Isso é positivo para outros campos do
conhecimento, que também precisam
comunicar ideias objetivamente e com
rapidez. Por isso, jornalistas que dominam
a prática textual estão potencialmente
equipados para trabalharem em outras
áreas ou para as assessorarem (MCKANE,
2006).
Mesmo jornalistas de
televisão ou rádio, que
O texto é, portanto, a ferramenta não mostram suas técni-
vital aos profissionais do jornalismo. cas de redação de forma
explícita, trabalham com
Usar a linguagem de maneira efetiva
palavras.
é uma missão que parece fácil, mas
Fonte: Unsplash
está longe disso. Como trabalha
com histórias reais e passíveis de
desenvolvimento – ao contrário da
maioria das obras literárias –, o(a)
jornalista precisa tomar alguns cuidados
diferentes. Diversos pensadores(as) se
dedicaram a esquematizar os contrastes
entre as narrativas comuns e as
44
Introdução àredação de notícias
jornalísticas. As mais difundidas no meio acadêmico e úteis
para a prática profissional serão explicadas nos próximos
tópicos.
ELEMENTOS FUNDAMENTAIS
Você deve estar familiarizado(a) com a ideia de um texto
dissertativo. Ele, basicamente, precisa de uma introdução,
uma argumentação e uma conclusão. Praticamente qualquer
assunto é passível de escrita nesse modelo. Com o texto
jornalístico, é preciso apagar essa ideia. Nem tudo serve aos
moldes da notícia.
Jornalistas costumam dizer que a notícia sempre deve
ser ligada ao interesse público. Isso significa dizer que o texto
jornalístico se foca, de forma ampla, em assuntos que são de
interesse de todos ou, ao menos, de uma grande parcela da
sociedade (HARGRAEVES, 2005).
Na prática, fazer jornalismo não está ligado apenas à
transmissão de informações reais e importantes. O jornalista
vai além, já que deve facilitar a compreensão de seu público
em relação aos fatos e inserir comentários importantes de
pessoas internas e externas ao evento em questão (FILAK,
45
REDAÇÃO DE NOTÍCIAS
2019; RUDIN E IBBOTSON, 2002).
Um exemplo é a cobertura jornalística
da atuação dos poderes judiciário,
legislativo e executivo. Leis, decretos e
outros documentos publicados no Diário
Oficial da União são factuais. FACTUAIS
De acordo com o dicionário on-
Além disso, sua importância é line Dicio, algo factual “se pauta
somente nos fatos, mas não
inegável para grande parte da população. procura compreendê-los e/ou
No entanto, a linguagem utilizada interpretá-los”.
por juízes, procuradores, promotores,
advogados, senadores, deputados,
ministros e outros profissionais do
ramo é complexa e técnica. Cabe ao(a)
jornalista decifrar os textos e mostrar suas
implicações práticas. Como ilustração,
vamos ver a diferença entre a Resolução
n.º 43, de 29 de dezembro de 2020, e uma
notícia que a explica. Primeiro, lei abaixo a
resolução:
Dispõe sobre a prorrogação do prazo
do art. 2º da Resolução nº 42, de 21
de outubro de 2020, no que se refere
às alíneas “b” e “c” do inciso II, que
46
Introdução àredação de notícias
dispõe sobre o Programa Especial de Regularização do Fundo
de Financiamento Estudantil (Fies), nos termos dos §§ 4º e
5º do artigo 5º-A, da Lei nº 10.260, de 12 de julho de 2001.
O presidente do comitê gestor do Fundo de Financiamento
Estudantil (CG-Fies), no uso das atribuições que lhe confere
o Decreto de 19 de setembro de 2017, em observância ao
disposto na Lei n. 10.260, de 12 de julho de 2001, com redação
dada pela Lei nº 13.530, de 7 de dezembro de 2017; e o
disposto na Lei nº 14.024, de 09 de julho de 2020, resolve:
Art. 1º Prorrogar para 31 de janeiro de 2021 o prazo
de adesão ao Programa Especial de Regularização do
Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), estabelecido
no art. 2º da Resolução CG-Fies nº 42, de 21 de outubro
de 2020, salvo o disposto no inciso I, alínea a.
Art. 2º Esta Resolução entra em vigor na data de
sua publicação [...] (BRASIL, 2020, p. 20).
Embora a Resolução acima seja compreensível, a leitura não expli-
cita exatamente o que acontece. Ela não foi reproduzida integral-
mente, pois é extensa. Já no texto divulgado pela Empresa Brasil
de Comunicação (EBC), a linguagem é jornalística e acessível:
O prazo para renegociação do Fundo de Financiamento
Estudantil (Fies) foi prorrogado até o dia 31 de janeiro.
A decisão foi do Comitê Gestor do Fies, que editou
resolução publicada no publicada no Diário Oficial
da União. A medida permite que mais estudantes
47
REDAÇÃO DE NOTÍCIAS
tenham a oportunidade de renegociar suas dívidas. O
prazo anterior era até a última quinta-feira (31).
“Um dos benefícios imediatos, a partir da adesão ao programa,
é a retirada da inscrição dos nomes do financiado e de seus
fiadores dos cadastros de devedores inadimplentes, sendo
alterado o cronograma de vencimento das parcelas de
amortização”, disse o secretário de Educação Superior do
Ministério da Educação (MEC), Wagner Vilas Boas de Souza.
Podem participar da renegociação estudantes que
tenham contratos firmados até o segundo semestre de
2017, com débitos vencidos e não pagos até 10 de julho
de 2020, data em que foi publicada a Lei nº 14.024/2020,
que criou o programa de regularização. Para obter o
benefício, os contratos também não podem ser objeto
de ação judicial (AGÊNCIA BRASIL, 2020, online).
A notícia escrita pela Agência Brasil/EBC traz todos os
fatos pertinentes ao público, com detalhes sobre o contexto
da decisão do governo e uma entrevista com um dos
responsáveis pelo andamento do Fies. É um texto jornalístico
e de fácil compreensão, além de não ser tão longo quanto
à Resolução publicada no DOU. A matéria se estende
por alguns parágrafos, que oferecem mais orientações e
explicações para o leitor.
48
Introdução àredação de notícias
SAIBA MAIS
Empresa Brasil de Comunicação: A Empresa Brasil de Co-
municação, também conhecida como Agência Brasil, é a
agência estatal de notícias do país. Seus conteúdos estão
disponíveis em: https://agenciabrasil.ebc.com.br. Acesso
em: 13 dez. 2023.
COMO IDENTIFICAR UM TEXTO JORNALÍSTICO
Mesmo assim, fica a pergunta: como diferenciar um texto
jornalístico de outros? Quando a comparação é feita com leis
ou documentos cheios de palavras difíceis, é fácil ver qual
é o conteúdo noticioso. No entanto, nem sempre é assim.
Textos narrativos são constantemente confundidos com peças
jornalísticas.
Para que você não caia nesse erro, muitos profissionais
já elaboraram técnicas para definir o que é um “texto
jornalístico”. Embora o formato textual em si tenha recebido
intervenções ao passar dos anos e continue sendo renovado,
sabemos o que constitui uma notícia em si. Uma das teorias
mais disseminadas é a de Mari Ruge e Johan Galtung (1965).
McKane (2006) adaptou a tese de Ruge e Galtung e, assim,
49
REDAÇÃO DE NOTÍCIAS
chegou a três grandes grupos de valores de notícias, divididos
em alguns subcritérios:
• Critérios ligados à ocorrência do evento:
1. Frequência: a relevância jornalística de um evento
está proporcionalmente ligada à sua novidade.
Quanto mais antigos os acontecimentos, menos
passíveis eles serão de se tornar notícias. Ao passo
que jornais impressos podem considerar eventos
do dia anterior “recentes” e revistas podem
agrupá-los por mês, o rádio, em geral, os noticia
na hora, sendo popularmente conhecido como o
meio de comunicação mais “pontual”. A internet
e a televisão também fazem coberturas rápidas.
Uma exceção a essa regra é quando algum evento
antigo só é revelado ao público tempos depois.
2. Escala: quanto maior o evento (ou mais
impactante), maior a possibilidade de ser notícia.
Veja só: se um terremoto acontece, mas não
causa danos devido à sua baixa magnitude,
ele pode até ser noticiado, mas pouco espaço
será reservado à matéria. No entanto, quando
50
Introdução àredação de notícias
esse fenômeno natural acarreta mortes e/ou
perdas materiais, é noticiado extensivamente.
• Critérios ligados à natureza do evento:
1. Imprevisibilidade: quanto mais imprevisível
é o evento em questão, mais noticiável. Um
exemplo interessante é o comportamento “fora
da curva” de idosos que, muitas vezes, praticam
algum tipo de atividade esportiva de risco. Se
um jovem pular de paraquedas em uma cidade
pequena, o evento provavelmente será tratado
como comum; mas se um avô de 90 anos resolver
fazer o mesmo, poderá ser pauta de uma notícia.
2. Celebridade: quando acontecem com famosos
e famosas, coisas comuns se tornam pautas
para notícia. Embora esse comportamento seja
amplamente discutido no meio jornalístico,
é impossível negar que a cobertura da vida
de celebridades interessa à população e gera
lucro às empresas de comunicação. A fama nos
fascina, e a mídia traz imagens de bem e mal,
sucesso e fracasso, bonito e feio (KELLNER,
51
REDAÇÃO DE NOTÍCIAS
2001). Por isso, quando você termina um namoro,
isso não é motivo de um alarde midiático,
ao passo que o término da socialite Kylie
Jenner e do rapper Travis Scott, por exemplo,
foi amplamente seguido por repórteres.
3. Países de elite: algumas nações possuem mais
impacto do que outras, e, por isso, são alvo de
maior cobertura midiática. Uma eleição nos
Estados Unidos da América impacta mais a vida
do brasileiro do que uma eleição em Madagascar.
Embora as duas possuam valor e sejam
consideradas pautas, a eleição estadunidense traz
desdobramentos maiores. A cotação do dólar e
a cooperação comercial entre os EUA e o Brasil
podem mudar drasticamente após uma eleição;
já os resultados de Madagascar não afetam
profundamente a vida do brasileiro comum.
4. Continuidade: algumas histórias já cobertas
por jornalistas possuem continuações. Damos
o nome de suíte às notícias que são elaboradas
em sequência. Um exemplo comum são crimes
altamente midiatizados, como o desaparecimento
da menina inglesa Madeleine McCann em
52
Introdução àredação de notícias
2007. Até a data da escrita deste material, o
caso ainda recebia cobertura jornalística.
5. Significância: é mais fácil empatizarmos com
personagens que se parecem conosco do que com
alguém completamente estranho. Isso é comum
às notícias: procuramos saber algo sobre o que
nos é familiar de alguma maneira. Em segmentos
específicos do jornalismo, como esportes, isso
fica claro: fãs de futebol não procurarão, em
geral, notícias sobre campeonatos de rúgbi.
• Critérios sobre o tratamento, condução
ou desenrolar do evento:
1. Composição: jornais buscam um equilíbrio
entre notícias emocionalmente pesadas
e leves. Por isso, se dois assassinatos não
relacionados entre si ocorrerem no mesmo dia
e na mesma cidade, é provável que um receba
mais atenção midiática do que o outro.
2. Personificação: gostamos de histórias com
pessoas, e, por isso, é mais fácil “vender”
53
REDAÇÃO DE NOTÍCIAS
uma reportagem quando um rosto específico
é atribuído a ela. Embora isso não esteja
relacionado apenas ao conteúdo da notícia, e
sim à sua forma de elaboração, a personificação
nos lembra que fontes são importantes ao
trabalho do jornalista em três frentes: elas
reiteram ou desmentem o que já sabemos, dão
informações novas e, além disso, trazem maior
conexão entre o fato noticiado e o público.
Esses critérios não são definitivos, afinal, o jornalismo está
em constante mudança. No entanto, eles nos oferecem um
panorama geral sobre o que são notícias e o que são apenas
fofocas. É importante saber que, se um fato se encaixa apenas
em um dos subcritérios mencionados, provavelmente, não é
notícia. Portanto, analise tudo com cuidado.
Se você estiver seguro que sua história é, realmente, uma
notícia, dois outros fatores podem interferir na publicação do
material. O primeiro é a exclusividade. Jornalistas estão sempre
em busca de um “furo de reportagem”, algo que ninguém sabe,
a não ser eles. Quanto mais exclusiva for a história, maior a
possibilidade de ser noticiada. O segundo se relaciona de forma
direta a alguns dos subcritérios mencionados: o conflito. Quando
algo é perfeitamente normal, pode ser relevante, mas, talvez, não
54
Introdução àredação de notícias
seja notícia. O conflito, aqui, não significa
briga, e sim um choque entre “comum”
e “diferente”. Um exemplo fácil é a água
encanada que chega até sua residência. Se o
sistema funciona da maneira correta, não há
razão para noticiá-lo. No entanto, quando há
uma falha no abastecimento ou o sistema de
captação precisa passar por reformas, o ciclo
normal das pessoas sai do eixo e é necessário
publicar uma notícia.
Se o sistema de abas-
tecimento funciona da
PAUTA maneira correta, não há
razão para noticiá-lo. Mas
se há uma falha e a rotina
Em “jornalistês”, a palavra “pauta”
das pessoas é alterada, é
pode ser empregada para duas situações necessário publicar uma
diferentes. A primeira é sinônimo de assunto: notícia sobre o problema.
“a pauta do dia é o aumento no preço do Fonte: Unsplash
tomate”, ou “o valor do euro não é pauta
para a revista” são exemplos desse uso.
A outra situação também é relativa
aos assuntos do momento, mas, dessa
vez, “pauta” passa a ser um termo
técnico. Uma pauta jornalística é a
55
REDAÇÃO DE NOTÍCIAS
sistematização de informações que dão
o pontapé inicial à execução de uma
matéria. As pautas devem levar em
consideração os critérios de notícias, que
você conheceu no tópico anterior.
Antigamente, um profissional
era contratado exclusivamente para
a elaboração de pautas em jornais
impressos – o pauteiro. Com a agilidade
OTIMIZAÇÃO
das telecomunicações e a otimização
de recursos nos jornais e nas demais De acordo com o dicionário on-
empresas de comunicação, esse trabalho line Dicio, “otimização” é a “Ação
de melhorar um processo, um
foi absorvido pelo(a) repórter. programa, um site etc, fazendo
com que os mesmos funcionem
Uma pauta jornalística possui todos da melhor maneira possível”.
os elementos necessários para que o(a)
repórter se guie durante a pesquisa e a
escrita da notícia. Em geral, ela não ocupa
mais de uma folha digitada, e deve ser
objetiva e bem pensada. Os elementos
necessários à pauta são:
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Introdução àredação de notícias
• Retranca/título: resume em poucas palavras
o assunto da notícia a ser escrita;
• Tamanho sugerido/duração: extensão prevista
para o material final. Para materiais escritos,
geralmente é especificado em toques;
• Responsável: repórter que executará a notícia;
• Prazo de entrega/deadline: data para entrega
definitiva do material escrito pelo repórter;
• Descrição: explicação do assunto pautado, com
datas, locais, envolvidos no conflito, entre outros.
Caso a pauta seja ampla, é importante pontuar
aqui os objetivos da notícia. A descrição deve
conter todas (ou quase todas) as informações
necessárias para a escrita do lead da notícia –
prática você conhecerá na próxima unidade;
• Sugestões de fontes: nomes de pessoas que
podem ser entrevistadas para a matéria
e os respectivos contatos delas(telefone,
e-mail, endereço da casa ou trabalho);
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REDAÇÃO DE NOTÍCIAS
• Sugestões de perguntas: questões iniciais
para diferentes fontes (ou tipos de fontes);
• Observações: caso alguma coisa
pertinente não se encaixe nas categorias
anteriores, deve ser inserida aqui.
Veja a seguir um exemplo fictício de pauta.
• Retranca: Violência no litoral do PR;
• Tamanho sugerido: 3.500 toques;
• Responsável: Lucas Straub;
• Prazo de entrega: 04/01/2021;
• Descrição: O litoral do Paraná é conhecido por sua
calmaria e baixos índices de violência. No entanto,
o início de 2021 trouxe mudanças drásticas. Uma
onda de latrocínios tomou conta de Pontal do
Sul: seis pessoas já foram assassinadas desde o
natal. Todas elas tinham acabado de sair de seus
carros, que foram levados por uma quadrilha
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Introdução àredação de notícias
desconhecida. Além disso, estavam hospedadas
ou moravam na faixa entre o Balneários Monções
e Canoas. A Polícia Civil já foi acionada, mas, até
agora, não existem suspeitos. É preciso investigar
a situação para descobrir possíveis pistas e para
saber qual é o clima psicológico da cidade afetada;
• Sugestões de fontes:
1. Ana Santos, mãe de Luciano
(vítima): (41) 00000-0000;
2. Moisés Leandro, irmão de Rosemari
(vítima): (43) 11111-1111;
3. Naor Atari, esposo de Amanda
(vítima):
[email protected];
4. Oliver Daniel, delegado da Polícia Civil
responsável pelo caso: (41) 22222-2222;
• Sugestões de perguntas:
1. Polícia: Os carros roubados eram novos, do
mesmo modelo ou da mesma marca?
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REDAÇÃO DE NOTÍCIAS
2. Familiares: Qual era a idade e a
ocupação das vítimas?
3. Familiares: O que as vítimas
faziam em Pontal do Sul?
• Observações: Não foi possível localizar o telefone
de Naor Atari. Se ele não responder o e-mail, outra
opção é pedir seu WhatsApp para o delegado
Oliver Daniel. Ele está em posse de todos os
contatos de familiares das vítimas. Também é
interessante ver a condição dos balneários em
que ocorreram os latrocínios para saber se há
patrulhamento ou segurança particular nos locais.
Após receber a pauta, o(a) repórter parte para a
investigação. Nessa etapa, a pauta pode cair (deixar de ser
válida ou relevante) se alguma informação não for real ou
ficar muito velha. No caso de nosso exemplo (“Violência no
litoral do PR”), a pauta poderia cair se o(a) repórter entregasse
o texto só em 15 de fevereiro de 2021 ou se, na verdade, tudo
isso não tivesse passado de um boato.
Também há variações conforme o tipo de mídia. Em
uma pauta para telejornalismo, pode-se dar instruções
60
Introdução àredação de notícias
ao cinegrafista, pedindo para que o
profissional filme certas imagens.
Para a TV e o rádio, o tamanho
sugerido da matéria deve estar em
minutos ou segundos (os minutos são
representados por aspas simples, e
os segundos, por aspas duplas). Caso
nosso exemplo tivesse sido elaborado
para televisão, dois tópicos sofreriam A pauta pode
mudanças, que foram destacadas em cair (deixar
itálico. Confira-as abaixo. de ser válida
ou relevante)
• Tempo sugerido: 1’45”;
se alguma
informação não
• Observações: Não foi possível
for real ou ficar
localizar o telefone de Naor
Atari. Se ele não responder o
muito velha.
e-mail, outra opção é pedir seu
WhatsApp para o delegado
Oliver Daniel. Ele está em
posse de todos os contatos
de familiares das vítimas.
Também é interessante ver a
condição dos balneários em
que ocorreram os latrocínios
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REDAÇÃO DE NOTÍCIAS
para saber há patrulhamento ou segurança particular
nos locais. O cinegrafista deve procurar modelos de
veículos iguais aos roubados e filmá-los para serem
mostrados ao público, além de focar a câmera em
porta-retratos com fotos das vítimas em família.
A pauta é apenas um guia. Ela não precisa ser seguida
em sua exatidão, principalmente por jornalistas experientes.
As perguntas e as fontes sugeridas devem sofrer acréscimos
conforme o(a) repórter achar pertinente. No entanto, a pauta
jornalística é especialmente útil ao(a) repórter iniciante.
Como atualmente repórteres também atuam como pauteiros,
é fácil esquecer a importância de uma pauta escrita para a
execução de uma notícia. Caso você mesmo seja responsável por
encontrar suas pautas, faça um esforço para escrevê-las por, ao
menos, um ano ou até que você se sinta seguro para atuar sem
uma pauta escrita. Com o passar do tempo, repórteres passam a
ver exatamente como direcionar suas matérias e, por isso, nem
sempre a pauta escrita é necessária.
62
Introdução àredação de notícias
IMPORTANTE
Mantenha uma agenda com os contatos dos entrevistados em repor-
tagens anteriores, caso seja preciso falar com eles mais uma vez para
fazer novas perguntas ou obter esclarecimentos jurídicos. Antiga-
mente, jornalistas mantinham agendas de papel. Se você possui essa
prática, faça questão de anotar todos os contatos. Outra boa opção é
salvar todos eles em seu celular e fazer backup desses dados regular-
mente em algum servidor online, como o Google Drive, o Dropbox, o
OneDrive, entre outros.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste material, começamos com uma introdução ao conceito
geral de jornalismo e sua história. Após isso, os elementos
fundamentais do texto jornalístico foram apresentados, e você
aprendeu a escrever uma “pré-notícia”: a pauta.
Como vimos anteriormente, o texto é parte essencial
da ocupação do(a) jornalista. Ele é a maior ferramenta
de trabalho de repórteres através dos tempos. E issonão
será diferente com você. Um texto escrito adequadamente
comunica ao público – independentemente da época
– informações essenciais. Em meio a um turbilhão de
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REDAÇÃO DE NOTÍCIAS
conteúdos, repórteres devem ser objetivos e simples em sua
escrita, a fim de alcançar a maior quantidade de pessoas.
Essa simplicidade de conteúdo tem suas raízes no
processo de pauta. Ao sistematizarmos informações, podemos
reorganizá-las de forma a que fiquem palatáveis ao público.
A notícia só é notícia de verdade após esse processo. É preciso
analisá-la em detalhes, estudar o que realmente aconteceu e
escrever tudo com responsabilidade e cuidado.
Uma frase atribuída à William Randolph Hearst, barão
da mídia no século 20, é muito utilizada para “resumir” o que
é jornalismo: “Jornalismo é tudo que alguém quer suprimir.
O resto é propaganda” (apud MCKANE, 2006). Embora essa
filosofia tenha sido adotada com todas as forças por alguns
profissionais, ela não passa de uma falácia. O jornalismo
encontra oposição sim, mas grande parte das notícias são
de interesse público. Não há uma grande conspiração para
esconder o fato de que o jogo de futebol do seu time ocorrerá
em tal dia e hora, por exemplo.
Após o término deste estudo, espera-se que você possua uma
compreensão diferente da de Hearst sobre o Jornalismo. Outra
frase – menos conhecida – resume melhor o que aprendemos
aqui: “Jornalismo é qualquer coisa que interesse grande parte da
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Introdução àredação de notícias
comunidade e que nunca foi trazida à sua atenção” (MCKANE,
2006). Proferida por Charles Dana, editor do New York Sun durante
o século 19, ela nos mostra que jornalistas precisam exercer a
empatia. É necessário se colocar no lugar do público para saber o
que é de fato importante e relevante.
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