ÍNDICE
Metodologia da Geometria: Uma abordagem para o 10º ano de escolaridade
Introdução 9
Geometria: porquê? 11
Geometria: qual? 15
Geometria: como? 17
Avaliação 29
Bibliografia 31
Geometrias e sua História
1. Geometria e História da Geometria: porquê? 33
2. Um pouco de história
2.1 Origens da geometria 34
2.2 A Geometria de Euclides 40
2.3 O problema das paralelas 48
2.4 Tentativas modernas e o aparecimento das geometrias não-euclidianas 49
3. Demonstrando … 54
4. Bibliografia 61
Actividades comentadas
Resolver problemas em geometria
Problemas em geometria 65
Os modelos geométricos 67
O computador 70
A avaliação 70
Problemas de construção 71
Problemas de contagem 76
7
Problemas de representação 78
Problemas de cortes 88
Problemas com aparente falta de dados 93
Problemas que dão significado aos números 95
Problemas de proporcionalidade geométrica 98
Problemas de lugares geométricos com recurso a referenciais 104
Problemas de geometria analítica em que a visualização evita cálculos … 107
Problemas de demonstração 115
Problemas que conduzem ao estudo de funções 120
Bibliografia comentada 123
8
METODOLOGIA DA GEOMETRIA
METODOLOGIA DA GEOMETRIA
Uma abordagem para o 10º ano de escolaridade
Introdução
Longe vão os tempos em que um professor de Geometria dos Ensinos Básico e
Secundário em Portugal se podia sentir seguramente formado, que é como quem diz,
com a sua formação completa, no momento em que lhe era concedida “licença” para
ensinar Matemática, isto é, no dia em que acabava a sua licenciatura em Matemática
(ramo Educacional) numa qualquer universidade do país; especificamente:
- longe vão os tempos em que os métodos e as técnicas que um professor de
Geometria tinha que implementar nas suas aulas eram exactamente os mesmos que ele
próprio vivenciara enquanto aluno;
- longe vão os tempos em que a ciência exacta que o professor de Geometria
ensinava aos seus alunos era um conjunto fixo e bem determinado de elementos que se
mantinha inalterado durante décadas e que se encontrava claramente sistematizado
num único livro-texto que “alguém” determinara nacionalmente;
- longe vão os tempos em que a população estudantil (em muito menor número)
não estava, ou, pelo menos, não dava mostras de estar, tão social e tão dramatica-
mente, dependente do facto de ter que aprender Matemática em geral e, muito em
particular, Geometria.
De facto, o papel da Matemática na sociedade contemporânea é muito mais
destacado do que há relativamente poucos anos atrás e, além disso, mudanças
curriculares mais ou menos profundas, mais ou menos originais e mais ou menos
clarificadas para o professor comum têm, particularmente desde a década de 50 - com o
“Sputnik” que deu origem à “Matemática (dita) Moderna” dos conjuntos e respectivas
operações e “Dieudonné” e “Piaget” que contribuíram decisivamente para a substituição,
9
METODOLOGIA DA GEOMETRIA
nos currículos, da “Geometria Euclideana” pela “Geometria das Transformações” -, vindo
a acontecer ciclicamente (o período médio de duração é de 5 anos) um pouco por todo o
mundo.
Hoje em dia, os resultados práticos que as alterações curriculares em Matemática
produziram estão à vista e são amplamente discutidos. Destacamos as seguintes conse-
quências ao nível da aprendizagem da Geometria:
- por um lado temos a impressão, a julgar pelos comentários que fazem sobre a
Geometria, que tais alterações curriculares nem sequer foram, em primeiro lugar,
verdadeiramente apreendidas pelo professor que é sempre quem tem como missão
implementá-las;
- por outro lado percebemos que as mudanças curriculares que (pelo menos de um
ponto de vista teórico) se têm vindo a implementar nas nossas escolas, se manifestam,
na vasta maioria dos nossos alunos, em conhecimentos técnicos que facilmente se
reduzem a manipulações algébricas e/ou aritméticas de valor real duvidoso.
Surpreendentemente, quando na Universidade abordamos questões específicas de
Geometria damo-nos conta que, de facto, estudantes diferentes, em anos lectivos distin-
tos, que foram ensinados por professores diferentes e com conhecimentos geométricos
diversificados parecem bloquear sempre nos mesmos temas, nomeadamente:
- conseguem manipular algebricamente (com os vícios usuais, entenda-se) as ques-
tões que lhes são colocadas; no entanto, não conseguem esboçar os entes geométricos;
- escrevem (com um vocabulário pobre, entenda-se) sobre determinados entes
geométricos; no entanto, não sabem falar sobre eles;
- lembram-se de termos-chave como isometria ou homotetia, perímetro ou área ou
volume, polígono ou poliedro, ponto, recta ou plano; no entanto, não se atrevem a
explicar, nem de cor nem por palavras suas e nem em termos analíticos nem em termos
geométricos, o significado desses nomes.
Além disto, as dificuldades sentidas por estes estudantes sobre questões de
Geometria são, por eles próprios, caracterizadas como dificuldades de visualização; as
quais são, frequente e convenientemente, remetidas para factores genéticos inatos.
Assim, a verdadeira Geometria vê-se, mais vezes do que seria desejável, ensom-
brada pelo mecanicismo da Aritmética e/ou da Álgebra nas suas formas menos naturais,
isto é, com fórmulas e receitas e respectiva memorização que estão muito longe do
conhecimento do mundo real, do processamento e da interpretação “visuais” e do
raciocínio lógico/dedutivo que costumava caracterizar a Geometria nos seus mais
nobres atributos, independentemente de ênfases históricas diversificadas: mais aritmé-
10
METODOLOGIA DA GEOMETRIA
ticas (para os Babilónicos e para os Egípcios), mais axiomáticas (para os Gregos e para
Hilbert), ou mais algébricas (para Descartes, depois de Viète e para Monge).
Geometria: porquê?
Atestadas que estão, através de estudos de investigação nacionais e internacionais,
no Ensino da(s) Geometria(s) das nossa escolas, as seguintes falhas:
1. Não reconhecimento do mundo que nos rodeia
Exemplo(s) - Geometria + Universo: qualquer fotografia de uma calçada portuguesa, um
prédio em construção, um jardim arranjado por um jardineiro; qualquer cesto, um pote de
barro ou uma panela de alumínio são recursos materiais perfeitamente adaptados para
discussões produtivas nas aulas de Geometria; qualquer insecto a que se retiram as
asas e se estudam ao microscópio ou quaisquer bolinhas de sabão obtidas a partir de
palhinhas que sopramos podem ser estudados nas aulas de Geometria.
2. Recurso a estágios desajustados de desenvolvimento mental aritmético/algébrico
Exemplo - Geometria + Sistemas Métricos: No primeiro ciclo do Ensino Básico ensina-se
que “O metro quadrado é um quadrado com 1 metro de lado “. Se é verdade que todas
as unidades de medida se podem de uma forma deveras interessante, com recurso à
evolução histórica, definir a partir do “metro” dito padrão temos, neste caso, a nítida sen-
sação que nem sempre estarão acauteladas questões de desenvolvimento mental do ti-
po aritmético/algébrico (nomeadamente as “potências”) quando se ditam tais definições.
Ora, no caso particular da medição de áreas o facto de “1 metro x 1 metro = 1 metro
quadrado” acarreta - por meio de raciocínio lógico baseado em associações que o aluno
facilmente faz, mesmo quando ninguém lhe diz para o fazer - generalizações do tipo
se “ 1 metro x 1 metro é 1 metro quadrado”, então “ 2 metros x 2 metros serão 2
metros quadrados”, daí afirmarem frequentemente que “ 2 metros quadrados é a
área de 1 quadrado com 2 metros de lado”.
3. Não apreciação dos conhecimentos informais que os alunos adquirem fora da
escola
Exemplo - Geometria + Vocabulário (terminologia): O que é um “quadrado”? Porque é
que os azulejos com que revestimos as nossas cozinhas e as nossas casas-de-banho
11
METODOLOGIA DA GEOMETRIA
não costumam ser “pentágonos”? A razão dos nomes que atribuímos aos entes geomé-
tricos é, regra geral, etimologicamente acessível para os alunos portugueses.
4. Desconhecimento e/ou não relacionamento dos conteúdos fragmentados que
foram no passado ou serão no futuro ensinados aos mesmos alunos por outros profes-
sores em outros níveis de ensino
Exemplo - Geometria + Programas curriculares a médio e a longo prazo / interdisci-
plinaridade: Relações, directas ou não, entre diferentes definições de paralelismo de
duas rectas em diversos níveis de ensino; esclarecimento destas diferenças e das
eventuais semelhanças;.
5. Incapacidade na representação (bidimensional e tridimensional) gráfica dos entes
geométricos
Exemplo - Geometria + Arte: Visitas de estudo a museus ou a galerias de arte são
motivo de proveitosas discussões sobre, por exemplo, as razões pelas quais alguns
quadrados parecem mais reais do que outros; tal actividade propicia projectos deveras
interessantes a serem conduzidos, individualmente ou em grupo, por alunos com a
supervisão do professor de Geometria.
6. Incapacidade na representação verbal de conceitos geométricos
7. Incapacidade na representação “espacial” dos entes e conceitos geométricos
Exemplo - Geometria + Manipulação (física, gráfica e mental) de objectos: o recurso a
objectos manipulativos e à construção de materiais geométricos, o estudo das formas
geométricas a partir de orientações físicas diversificadas, a ajuda do computador ou de
uma simples calculadora gráfica trazem benefícios atestados ao nível da verificação
rápida e eficaz de diferentes conjecturas geométricas; contribui-se assim também para o
desenvolvimento da, dita, intuição geométrica.
8. Desprezo pelas potencialidades lógico-dedutivo do raciocínio geométrico.
Note-se que quando nos referimos ao raciocínio lógico/dedutivo não pretendemos
significar o recurso a teorias formais de ordem axiomática pois essas, de acordo com as
normas dos Programas oficiais, não deverão ser implementadas nestes níveis de
Ensinos Básico e Secundário. Neste caso pretendemos realçar as potencialidades do
raciocínio geométrico no estabelecimento de certezas na resolução dos problemas.
Identificadas ainda outras falhas ao nível da aprendizagem que os alunos fazem
da Geometria que, em teoria, lhes ensinámos como são exemplos os inúmeros
episódios que qualquer professor costuma relatar quase de uma forma anedótica;
recordo, por exemplo, uma aluna universitária que no ano de estágio (da licenciatura em
Ensino de Física e Química) conseguiu “provar” (à maneira dela, entenda-se: admitindo
12
METODOLOGIA DA GEOMETRIA
que a raíz quadrada de uma adição é a adição das raízes quadradas das parcelas) que,
citamos:
não é possível obter-se o perímetro de uma circunferência porque se trata de
uma equação algebricamente “equivalente” à de uma recta.
Ocorre-nos por todas estas razões uma questão central: Vale a pena continuar a
apostar no Ensino da Geometria? Ou seja, justifica-se, por parte dos professores, um
esforço adicional no seu trabalho por forma a melhor ensinar Geometria aos seus
alunos? Ou será que se vislumbra, por exemplo, a hipótese de a Geometria ser, a curto
prazo, substituída por qualquer outro tópico menos problemático?
Estamos, como se entende, a questionar a importância da Geometria. É, antes de
mais, relativamente fácil encontrar citações de pessoas relevantes que, desde sempre,
atestaram esta importância. Por exemplo:
- No século IV a. C, Platão escrevia
(para além da utilidade evidente para a guerra e não só) os objectos do
conhecimento geométrico são eternos e (portanto) conduzem a mente para a
verdade e para o desenvolvimento do raciocínio... a Geometria é o conhecimento
do que existe sempre;
- No século XVI Pedro Nunes motivado pelos descobrimentos marítimos, descobria
formas concretas de ajudar os nossos marinheiros a orientarem-se no mar e publicava a
sua Geometria num livro de “Álgebra” onde encontramos conselhos de ordem didáctica
deveras interessantes:
ainda que os triângulos venham primeiro do que os quadrados, trataremos
primeiro dos quadrados,... porque por eles recebem os triângulos a sua medida;
- No século XVII, escrevia Kepler:
palavras para quê? A Geometria já existia antes da criação do mundo... foi a
geometria que forneceu a Deus o modelo para essa criação;
- Há cerca de 40 anos, o francês Jacques Hadamard manteve correspondência
escrita com alguns dos mais eminentes cientistas da época, a respeito da forma como
desenvolviam o seu trabalho. A carta que então recebeu de Albert Einstein dizia assim:
as características essenciais no pensamento produtivo ...são do tipo visual
E, Hadamard concluía o seu relato da seguinte forma:
praticamente todos (os cientistas) evitam o uso mental dos símbolos... usam
“imagens”;
13
METODOLOGIA DA GEOMETRIA
- Recentemente, o professor Alexandrov, ilustre geómetra soviético realçava tam-
bém as três razões fundamentais que também já referimos logo no início deste texto e
que justificam o ensino da Geometria aos alunos. Escrevia assim:
a Geometria é essencialmente a combinação de uma imagem viva e de uma
lógica rigorosa que se organizam e se guiam mutuamente... o ensino da Geometria
tem pois, consequentemente, como função o desenvolvimento nos alunos de três
qualidades: a imaginação espacial, a compreensão concreta e o pensamento
lógico... as duas primeiras características são fundamentais... a terceira faz, nos
dias que correm, cada vez mais sentido.
Por conseguinte destacamos, uma vez mais, em jeito de resumo as três gran-
des qualidades da Geometria, que é unanimemente escolhida como tópico obrigatório de
ensino aos cidadãos de todo o mundo. Ensinamos Geometria porque esta ciência
desenvolve simultaneamente:
- o conhecimento do mundo real,
- o processamento e a interpretação visuais (a imaginação espacial, segundo
Alexandrov),
- o raciocínio lógico/dedutivo.
Contribuir para o desenvolvimento simultâneo de tão importantes e tão diversifi-
cadas capacidades não está ao alcance de qualquer tópico que se ensine. Diz-se, por
exemplo, que o jogo do xadrez desenvolve também o raciocínio lógico dedutivo mas
dificilmente se encontrará um outro tópico - que não a Geometria - que para além dessa
função também potencialize as outras duas características fundamentais na formação de
qualquer cidadão.
Por outro lado e de um ponto de vista metodológico - seguindo o método de
Sócrates (as ideias já estão nas mentes dos alunos e o papel do professor deverá ser o
de uma parteira que as ajuda a nascer) colocamos aos alunos as perguntas pertinentes
que conduzirão à descoberta - sabemos que a Geometria trata de formas, das suas
propriedades e das suas relações e, por isso, basta tão somente olharmos à nossa
volta para rapidamente tomarmos consciência de que na Natureza são produzidas e
reproduzidas determinadas formas e que, além disso, a Natureza prefere certas formas
em relação a outras também possíveis. Por exemplo:
- O azeite que deitamos no caldo verde forma, na superfície da sopa, círculos, em
vez de qualquer outra forma geométrica.
- As colmeias das abelhas obedecem a um padrão (pavimentação) hexagonal.
14
METODOLOGIA DA GEOMETRIA
- O vento produz, na superfície dos oceanos, ondas com uma determinada forma,
em vez de ondas quadradas.
- Em qualquer instante, existe sempre na superfície terrestre pelo menos um
furacão.
- Três bolinhas de sabão, se deixadas livremente, formarão sempre ângulos de
120º. E que relação existe entre estas formas que criamos por brincadeira e as formas
patentes nas asas de determinados insectos?
Podíamos, como facilmente se entenderá, continuar a enunciar factos geométricos
que a Natureza nos oferece e perceber, de imediato, que o desejo humano de
compreender esta Natureza é, provavelmente, contemporâneo do próprio Homem. As
respostas a estas perguntas foram sendo dadas, ao longo da História, de uma maneira
simples - não necessariamente fácil, entenda-se -, através de sistemas de raciocínio
lógicos e a partir de conceitos deveras interessantes, pela GEOMETRIA.
A importância da Geometria está pois naturalmente (a partir da Natureza) paten-
teada e está subjacente - de forma consciente ou não - na sua inclusão obrigatória em
qualquer programa curricular, de qualquer nível de ensino, de qualquer escola, de
qualquer parte do mundo.
Geometria: qual?
Ilustrada a importância da Geometria é fácil perceber, como referimos, um
consenso generalizado sobre essa importância e que se manifesta especificamente na
inclusão da Geometria em qualquer programa escolar. Tal consenso deixa, no entanto,
de existir quando se trata de decidir, de entre tantas e tão diversificadas hipóteses, qual
a Geometria que vamos ensinar num determinado nível e o consenso também desapa-
rece quando temos que optar por um ou outro método de ensino da Geometria.
Tais decisões passam, como seria de imaginar, por uma avaliação rigorosa das
vantagens e das desvantagens das diversas geometrias que, actualmente, se conhecem
e são, basicamente, determinadas por especialistas (equipes que englobam matemáti-
cos, psicólogos, pedagogos, etc.) em função de pressões nem sempre explicitadas nos
documentos oficiais. Tomadas essas decisões, não está o professor de Geometria
libertado de qualquer responsabilidade na implementação desse programa nem sequer
15
METODOLOGIA DA GEOMETRIA
está o professor alheado de determinado meio social que o rodeia. Em 1986, o Professor
G. Howson - especialista inglês em desenvolvimento curricular de Matemática - escrevia
assim sobre este assunto:
Embora os professores de Matemática tenham metas e tenham razões para
ensinar Matemática, outras partes interessadas, pais, alunos, entidades emprega-
doras, etc., também têm opiniões sobre o papel a desempenhar pela Matemática
dentro do currículo escolar. As razões dos outros grupos só muito raramente se
encontram listadas com pormenor; muitas vezes só se percebem por causa das
pressões exercidas nos professores, uma vez que as pressões são um sintoma de
que as razões estão em conflito. É importante que o professor saiba que os seus
motivos para ensinar matemática não serão, muito provavelmente, partilhados por
todos aqueles com quem contacta, que estes provavelmente irão causar conflitos
e que há uma necessidade constante de mediação a ser feita e de explicação a
ser dada.
No caso português cabe, como se sabe, ao Ministério da Educação a função de
fazer, nacionalmente, chegar junto das Escolas dos Ensinos Básico e Secundário os
programas oficiais em vigor; o qual, no presente caso, foi publicado em Janeiro de 1997
através do Departamento do Ensino Secundário. Citamos de seguida algumas das
passagens que, em termos programáticos, se podem ler nesse documento. Nas páginas
18 e 19 é dito que:
A Geometria do 10º ano de escolaridade (36 aulas) é uma Geometria no
Plano e no Espaço (I):
... Resolução de problemas de geometria no plano e no espaço... Modos de
definir um plano... Intersecção de sólidos com um plano dado... estabelecimento
de relações métricas entre figuras...
... Geometria Analítica (no plano e no espaço) ...Referenciais cartesianos,
ortogonais e monométricos,... Circunferência, círculo, elipse e mediatriz,... Esfera
e plano mediador,... Vectores livres no plano e no espaço,... Componentes e
coordenadas de um vector num referencial ortonormado do espaço,... Equação
vectorial da recta no plano e no espaço, Equação reduzida da recta no plano...
E, se os professores se limitarem a ler, nesse documento, estes títulos correm
certamente o risco de não fazerem, especialmente com a Geometria Analítica, nada de
novo relativamente aquilo que tem sido enfatizado, em anos anteriores, no Ensino dessa
Geometria. A verdadeira mudança, neste caso, como noutras passagens destes
Programas oficiais, está na metodologia que se prevê ser implementada nas nossas
16
METODOLOGIA DA GEOMETRIA
aulas de Ensino de Geometria, isto é, reconhecidas todas as deficiências do ensino tal
como vinha sendo implementado até agora nas nossas escolas, propõem-se alterações
significativas mais ao nível dos métodos de ensino do que ao nível do currículo
propriamente dito.
Mais uma vez a responsabilidade da compreensão de tão importante tópico como é
a Geometria está, na forma de Geometria Analítica elementar, imputada ao professor
que, procurando acima de tudo, interessar os seus alunos conseguirá necessariamente
o tão desejável sucesso nesta disciplina, sem que isso signifique redefinir os currículos
de Geometria de acordo com preferências individuais nem evitar os capítulos de
Geometria na matéria leccionada durante o ano lectivo. Se, nas nossas aulas de
Geometria do 10º ano de escolaridade, formos capazes de arranjar para discussão
verdadeiros desafios (em vez de tarefas que a grande maioria dos nossos alunos se
sentem obrigados a cumprir), estamos de certeza a
despertar o interesse
que é a chave do verdadeiro sucesso. A perspicácia, a rapidez, o esforço, o prazer
e, enfim, a aprendizagem necessários virão então de forma imperceptível e natural.
Geometria: como?
Desde Euclides (século II antes de Cristo) até Descartes (século XVII) que a
Geometria que ensinamos aos alunos vem sendo apresentada como uma mistura de
pontos, linhas e planos que se combinam entre si, que se combinam ainda com
números, com coordenadas, com vectores e que depois se baralham e se distribuem
mais ou menos aleatoriamente.
Temos consciência de que uma confusão generalizada está patente na cabeça de
grande parte daqueles que diariamente lidam com estes problemas do Ensino e da
Aprendizagem da Geometria. Não é por acaso que muitos professores de Geometria
desenvolvem uma aversão, um desconforto ou uma insegurança pela verdadeira
Geometria e se refugiam - numa pseudo analiticidade (chamando Analítica a essa forma
de Geometria distante da verdadeira Geometria Analítica) - tomando como garantido o
conjunto dos números reais, numa metodologia manipulativa de números e equações
17
METODOLOGIA DA GEOMETRIA
onde os problemas propostos são tratados independentemente uns dos outros, comple-
tamente desligados de uma abordagem experimental. Sabe-se, por exemplo, que:
os conteúdos curriculares de Geometria vão sendo - de uma forma que se prevê
continuada e complementar em teoria, mas que, na prática, está fragmentada ao longo
dos anos e, muitas vezes, distribuída por vários professores - ensinados aos nossos
alunos; muitos desses alunos completam satisfatoriamente a escolaridade obrigatória; a
maioria deles ingressa no Ensino Secundário e, apesar disto tudo
- não compreenderam que um quadrado com x metros quadrados de área não é um
quadrado com x metros de lado;
- não sabem estimar perímetros, áreas ou volumes;
- não conhecem lugares geométricos básicos;
- não abordaram, nas suas aulas de Geometria, problemas impossíveis, ou com
falta de dados ou ainda com demasiada informação, como os que os esperam diaria-
mente fora da sala de aula;
- não conseguem raciocinar segundo um modelo lógico, quer indutivo quer dedutivo;
- não são críticos em frente dos conhecimentos que se lhes ministram;
- não colocam dúvidas pertinentes.
Por isto, sem um fio condutor lógico da inteira responsabilidade de todos os
professores de Geometria que ensinam um determinado aluno, a Geometria dificilmente
se tornará consistente e, muito menos, atraente, para o aluno comum.
É claro que são necessários muitos conhecimentos de Geometria antes de
começarmos a “brincar” com eles. Daí que as referências iniciais deste programa de
Geometria do 10º ano nos pareçam fundamentais:
este tema introduz-se a partir de actividades... (relativas a) situações concre-
tas... partindo de modelos... cubo, tetraedro, octaedro, icosaedro e dodecaedro...
E só depois se ensinará a Geometria Analítica. Historicamente foi Viète quem, por
volta de meados do século XVI, usou pela primeira vez variáveis algébricas para
simbolizar quantidades desconhecidas. Uma ideia simples e, no entanto, dificilmente
seguida pela grande maioria dos nossos alunos do Ensino Secundário. Por exemplo:
Se a grande maioria dos nossos alunos escrevem, já na Universidade (depois de 12
anos de instrução básica de Matemática), que x+y = x+ y?
então como podem alguma vez esses alunos perceber as curvas geométricas à
custa das equações algébricas?
18
METODOLOGIA DA GEOMETRIA
A disciplina que nasceu da extraordinária descoberta de Descartes - 50 anos depois
de Viète - dá pelo nome de Geometria Analítica e apesar de utilizar variáveis algébricas
é, em particular, essencial para a compreensão da “Análise Matemática” (estudo de
funções). No entanto, a Geometria Analítica não tem necessariamente que se desligar
da intuição, do experimental ou do visual; a Geometria Analítica nos dias de hoje
pode retirar grandes vantagens do uso das calculadoras gráficas e dos programas (mais
ou menos específicos e mais ou menos elaborados) de computadores portáteis; e, por
outro lado, a verdadeira Geometria Analítica deverá entender-se tão Geometria
Algébrica como Álgebra Geométrica. Por exemplo:
- tanto se pode representar, no plano cartesiano real, uma linha recta (ente
geométrico) por uma equação do primeiro grau nas variáveis x e y (ente algébrico:
ax+by+c=0, com a, b e c parâmetros reais);
- como se pode mostrar aos nossos alunos que equações nas variáveis x e y (entes
algébricos) do tipo
(x+y)2=R ou x2+y2=R ou (x+y)x2=R, com R parâmetro real
algebricamente semelhantes (são, como se sabe, frequentemente confundidas
pelos nossos alunos) são distintas como se atesta facilmente representando-as
geometricamente;
ou se pode ainda mostrar que a equação
xy=R, com R parâmetro real
é uma equação do segundo grau nas variáveis x e y, apesar de apresentar expoen-
tes 1 (são, como também se sabe, frequentemente confundidas, pelos nossos alunos,
com equações lineares a partir da identificação dos expoentes e porque não conseguem
“associar” os monómios x e y); geometricamente a resposta é visualmente clara já que
xy se pode representar como a área de um rectângulo de lados x e y da mesma forma
que x2 se pode traduzir geometricamente pela área de um quadrado de lado x, enquanto
que x+y é uma dimensão linear (passível de ser traduzida por um comprimento).
Mas os nossos alunos estão presentemente a sair das Escolas Secundárias directa-
mente para as Universidades sem saberem, por exemplo, traçar linhas; apesar de terem
sido “bombardeados” com fórmulas e receitas e manipulações algébricas repetidas
vezes sem conta nas aulas, em casa ou com os explicadores privativos tão em voga
entre os alunos de Matemática. Nem mesmo assim eles aprenderam esta Geometria
que tanta gente lhes tentou ensinar.
Um aluno (do 10º ano de escolaridade) dizia-nos no final de uma aula sobre a
“representação vectorial de uma recta que passa por um ponto e tem a direcção de um
19
METODOLOGIA DA GEOMETRIA
dado vector” e depois de haver tentado dizer ao seu professor que afinal “porque é que
uma recta agora já não passa por dois pontos...”
a ideia que o meu professor de Matemática faz da Geometria é a de nos repetir que
nós estamos redondamente enganados sempre que abrimos a boca...
Apesar de nem sempre ser esta a ideia que os alunos fazem do seu professor de
Geometria a verdade é que é possível reformular-se o modo como se ensinam as
Geometrias. Presentemente esse ensino é principalmente feito à custa da repetição
(muitos exercícios do mesmo tipo) e da mímica (imitação do que o professor faz) onde
são explorados métodos mecânicos - piores do que os de memorização simples - sem
nunca se compreenderem. A alternativa, segundo Pierre van Hiele que citaremos mais à
frente neste texto, é ensinar:
em primeiro lugar os “factos”, e só depois as “propriedades” e, finalmente, as
“relações”, partindo sempre da intuição e do experimental.
Ora, sem as bases preconizadas no programa oficial de Geometria para o 10º ano,
dificilmente se apreenderiam, em primeiro lugar os factos (revisão, eventualmente, das
definições básicas) e depois se estabeleceriam as propriedades dos entes geométricos
básicos (pontos, linhas e planos) para finalmente se conseguirem estabelecer as
desejáveis relações pois, e ainda segundo van Hiele, a passagem de um nível de apren-
dizagem de Geometria para o outro só é possível depois de cumprir integralmente os
requisitos do nível imediatamente anterior. Propõem-nos nos programas que, em linhas
gerais, ensinemos geometria a partir dos factos e das propriedades antes de passarmos
às “relações” e através de:
- processos de raciocínio geométrico individualizado,
- processos de descoberta à custa da visualização,
- métodos geométricos aplicados à Aritmética e à Álgebra em vez de métodos
aritméticos e algébricos aplicados à Geometria,
- integração da Geometria Analítica em outras disciplinas,
- exploração das componentes gráficas, verbal e gestual (manipular, gesticular,
observar).
No programa de matemática para o ensino Secundário, que temos vindo a referir,
lê-se também que:
Tanto em geometria plana como em geometria do espaço todo o ponto de vista
axiomático é excluído devendo a prática com as figuras ter um papel central e
decisivo no ensino das noções matemáticas que estão em jogo. O professor deve
propor actividades de construção, de manipulação de modelos e ligadas a
20
METODOLOGIA DA GEOMETRIA
problemas históricos fazendo surgir a partir do problema e do caminho que se faz
para a sua resolução uma grande parte dos resultados teóricos que pretende
ensinar ou recordar.
A exploração de programas adequados no computador pode ajudar eficazmente
o aluno a desenvolver a percepção dos objectos do plano e do espaço.
Devem explorar-se sempre que possível as conexões da Geometria com outras
áreas da Matemática e o seu desenvolvimento devem prolongar-se noutros temas.
Uma parte substancial da culpa na Aprendizagem da Geometria será, em última
análise, imputada aos professores que têm, algumas vezes, poucos conhecimentos de
Geometria e estão, a maior parte das vezes, pouco interessados nesse assunto.
Resta-nos pois, neste texto, e perante as explícitas orientações metodológicas
presentes nos documentos oficiais, sugerir algumas actividades concretas de imple-
mentação destas directivas (o que fazemos na parte final desta brochura) e referir alguns
cuidados teóricos presentes na abordagem dos temas de Geometria no 10º ano de
escolaridade nas nossas Escolas Secundárias. Um estudo aprofundado destas raízes
teóricas aconselha-se aos mais interessados em investigar o assunto e sumariaremos
de seguida algumas directivas sob a forma de referências que, por razões distintas mas
de alguma forma complementares, consideramos fundamentais em Didáctica da Geome-
tria, nomeadamente:
1. Jean Piaget
Jean Piaget com os seus quatro estágios (sensório/motor, pré-operatório, concreto
e formal) de desenvolvimento humano, baseados na idade cronológica dos indivíduos,
tornou-se uma referência obrigatória quando, na sequência dos seus estudos clínicos -
desenvolvidos principalmente com crianças brancas de classe média-alta na Suíça -
concluía também que:
a ordem pela qual os conceitos “espaciais” (geométricos) são apreendidos é:
primeiro os topológicos, depois os projectivos e finalmente os euclideanos.
Perceba-se, antes de mais, que tal ordem sugerida por Piaget e pelos seus
seguidores é, em termos da evolução histórica da Matemática, exactamente a ordem
inversa do aparecimento histórico das correspondentes geometrias (Grécia Clássica,
Renascença e Revolução Industrial) mas, apesar disso, os estudos de Piaget serviram
em particular para, na devida altura, justificarem profundas alterações curriculares em
Geometria que também experimentámos em Portugal.
21
METODOLOGIA DA GEOMETRIA
Parece-nos, neste momento, relevante salientar que existem interpretações diferen-
tes da teoria de Piaget sobre o assunto da aprendizagem da Geometria mas, estudados
os textos originais em vez dessas interpretações posteriores, ficamos, apesar de tudo,
com a impressão de que a teoria de Piaget foi, talvez indevidamente, utilizada como
justificação para o abandono, relativamente cedo, de materiais concretos de apoio às
nossas aulas de Geometria.
Estudos posteriores têm vindo a mostrar que, na prática, tais materiais são indis-
pensáveis em qualquer nível de Ensino - mesmo para alunos no estágio formal de
desenvolvimento (Ensino Secundário) - e que, além disso, é perfeitamente possível
encontrar alunos que, apesar de terem a mesma idade cronológica, se encontram no
caso da aprendizagem da Geometria em estágios de desenvolvimento muito distintos.
Sabemos hoje através de investigação validada que essa manipulação é não só desejá-
vel como defensável no ensino da Geometria em qualquer estágio de desenvolvimento
humano.
Sabemos também que ao desenvolvimento baseado na maturidade (idade da
pessoa) é já contraposto o desenvolvimento (segundo Vygotski, por exemplo) fundamen-
talmente baseado na instrução.
Resta-nos pois apresentar o motivo pelo qual decidimos referir Piaget nesta
listagem de referências didácticas de relevo: o método clínico - “estudos de caso”. Este
método de diagnóstico é, parece-nos, especialmente indicado numa metodologia de
ensino da Geometria como a entendemos nos Programas oficiais. Trata-se de um estilo
de estudo não estatístico que se baseia no estudo profundo de cada indivíduo (neste
caso, de cada aluno) e na consequente caracterização individual. Tal método justificará,
por exemplo, o interesse do professor por qualquer dúvida que surja na aula,
independentemente desta ser ou não comum a mais do que um aluno; isto é, a
importância das dúvidas nas aulas de Geometria não se pode medir em termos
estatísticos mas sim em termos individuais. Uma metodologia de tipo “clínica” a ser
implementada nas nossas aulas de Geometria contribuirá para o tão desejável
desenvolvimento da intuição geométrica, característica esta que nos parece
particularmente individualizada.
2. Vadim Krutetskii
Na sequência do que anteriormente referimos acerca de Piaget, justifica-se agora o
aconselhamento do leitor para o estudo de uma obra ainda não muito divulgada mas
22
METODOLOGIA DA GEOMETRIA
que, acredita-se, pode a breve prazo contribuir para reformas curriculares em
Matemática tão ou mais profundas do que as preconizadas pelo próprio Piaget. Este
autor, tal como outros autores russos, defende a instrução como forma indispensável do
desenvolvimento das capacidades dos alunos acreditando ainda que
as capacidades matemáticas não são inatas, desenvolvem-se à custa de
instrução adequada...
Krutetskii conduziu, durante 12 anos, uma investigação notável não só pela
diversidade dos métodos que empregou no seu estudo como ainda pela variedade e
pela riqueza dos problemas que utilizou. Há, por tudo isto, quem acredite que o seu
trabalho poderá vir a ter, em Educação Matemática, um impacto muito grande. Trata-se,
sem dúvida, de um trabalho muito mais relacionado com o desenvolvimento curricular
em Matemática e, portanto, mais facilmente adaptável do que o do próprio Piaget.
Krutetskii defende os seguintes quatro aspectos que, nos parecem, apresentarem ideias
chave no Ensino da Geometria:
a) Qualquer aluno tem capacidades potenciais individuais em qualquer tópico...
que não estão igualmente distribuídas em todos os tópicos e que são alteráveis por
meio de instrução adequada... As capacidades não são inatas (não se herdam),
desenvolvem-se ao longo da vida e do esforço de cada um... Qualquer criança
normal, mentalmente saudável é capaz de ser ensinada e de aprender os
programas escolares da educação secundária...
Ou seja, está basicamente nas mãos do professor de Matemática a recuperação de
cada aluno nas suas aulas já que as capacidades matemáticas não são inatas,
alteram-se por meio de instrução (eventualmente individualizada) adequada.
b) A necessidade de uma aptidão especial para o estudo e a compreensão da
Matemática é, frequentemente, exagerada... Capacidades humanas médias e
ordinárias são suficientes para - com uma boa supervisão e bons livros - lidar
com a Matemática do ensino (Básico e) Secundário.
Ou seja, não existem alunos irrecuperavelmente perdidos para a Matemática já que
capacidades humanas ordinárias bastam para a aprendizagem das matérias curriculares
dos Ensinos Básico e Secundário de Matemática. A ênfase do sucesso está, por outro
lado, colocada em bons livros e boa supervisão.
c) Na resolução de problemas em Matemática, reconhecem-se três estágios
básicos de actividade mental:
1- recolha da informação requerida para resolver o problema,
2- processamento dessa informação por forma a obter uma solução e
23
METODOLOGIA DA GEOMETRIA
3- retenção da informação relativa à solução.
A cada um destes estágios corresponderão uma ou mais capacidades (exemplos:
capacidade para desviar, sempre que necessário, a atenção; capacidade para encontrar
soluções “elegantes”; capacidade para fixar relações, etc.).
Mais à frente, a respeito de G. Polya, explicitaremos o modo como se poderão
atingir estes três estágios de actividade mental básica, nomeadamente com exemplos
concretos de desenvolvimento de um modelo sistemático e ordenado de resolução de
problemas em Geometria.
d) Na casta mental Matemática (tendência para interpretar o mundo que nos
rodeia matematicamente) identificam-se três tipos:
1- Analítico - que tende a pensar em termos logico-verbais;
2- Geométrico - que tende a pensar em termos pictorico-visuais;
3- Harmónico - que combina características dos outros dois.
Ou seja, à partida podemos admitir três tendências básicas para fazermos uso da
Matemática no mundo que nos rodeia: uma mais analítica, outra mais geométrica e
finalmente uma do tipo harmónico. Ora, segundo Krutetskii, os nossos alunos deveriam
ser instruídos no sentido de se tornarem harmónicos, isto é, combinarem um raciocínio
analítico com um raciocínio geométrico e que melhor forma de se conseguir esta
desejável harmonia que a de lidarmos com Geometria Analítica? O nosso desafio é pois
o de, à custa dos conteúdos matemáticos da Geometria do 10º ano de escolaridade
tornarmos os nossos alunos perfeitamente capazes de, consoante o problema que
pretendem resolver, pensarem quer em termos analíticos quer em termos geométricos.
24
METODOLOGIA DA GEOMETRIA
3. George Polya
Interessar os nossos alunos no nosso Ensino da Geometria é, na verdade, um
desafio crucial para a aprendizagem desejável e o sucesso de todo o processo instrutivo.
Entendemos, como já referimos atrás, que mais do que fórmulas e receitas, mais do que
técnicas e truques mágicos, mais do que ditados e cópias, na Geometria existem, acima
de tudo, ideias que os alunos deverão descobrir tanto quanto possível, sozinhos com a
orientação adequada por parte do professor. Atrevemo-nos, por exemplo, a propor o
recurso a imagens impressionantemente belas de Geometria dos Fractais para
despertarmos o interesse dos nossos alunos para questões de Geometria.
Contudo, motivar nas aulas de Geometria duas ou três dezenas de alunos com
interesses diversificados e expectativas distintas é uma missão que não tem, como seria
de imaginar, nem resposta imediata nem sequer única, ou seja, não teremos pela frente
um desafio fácil já que, hoje como há 2000 anos atrás, continua a ser verdadeira a
afirmação que Euclides terá proferido como resposta ao rei Ptolomeu I:
Não há estrada real para a Geometria...
Temos, no entanto, a certeza de que tão importante tópico na formação dos nossos
alunos merece um esforço de aperfeiçoamento didáctico e, eventualmente, científico por
parte do professor que retirará toda a satisfação no sucesso dos seus ensinandos.
Para o sucesso desta missão importa então relembrar os dois primeiros manda-
mentos do professor de Matemática que George Polya enunciou sobre o interesse e a
sabedoria; a primeira característica necessária e a segunda suficiente. Polya que nos
seus textos se dirige ao leitor utilizando o discurso directo, dizia assim:
1º Mandamento: Estar interessado na matéria
acrescentando, mais à frente:
... há um único método de ensino que é infalível: se o professor estiver
aborrecido com a matéria então toda a classe vai estar infalivelmente aborrecida
também... se um assunto não despertar o interesse do professor então não deve
ensiná-lo porque jamais será capaz de o fazer de uma forma aceitável.
Relativamente ao segundo mandamento, enuncia-o assim:
2º Mandamento: Saber a matéria
continuando depois da seguinte forma:
... o interesse é pois condição “sine qua non”, uma condição necessária,
indispensável; mas, por si só, não é uma condição suficiente. Não há interesse nem
25
METODOLOGIA DA GEOMETRIA
existem métodos de ensino que permitam explicar aos alunos um assunto que o
professor não percebe de uma forma clara.
Polya apresenta também um “esquema” de resolução de problemas de Matemática
suficientemente divulgado e, de resto, semelhante a outros esquemas que outros auto-
res têm vindo a apresentar sobre o assunto e que a seguir reproduziremos pela sua
especial aplicação ao caso da resolução de problemas em Geometria. O próprio Polya
recorre muitas vezes a problemas de geometria para ilustração dos seus modelos que
apelida de generalizáveis à Matemática e cuja leitura e estudo sugerimos ao leitor. As
quatro fazes de resolução de um problema de Matemática, segundo Polya, são:
1. Compreensão do problema
Sobre a compreensão diremos que esta se deve desenvolver como um todo, isto é,
interessa garantir que o aluno que vai resolver determinado problema consiga apreender
todo o seu enunciado; dando ao aluno algum tempo para “interiorizar” o problema que
lhe foi colocado, fazendo perguntas directas do tipo “o que é que pretendemos saber?”
ou “quais os dados do problema?” ou ainda “que condições temos no problema?”, o
professor pode eficazmente perceber se o aluno compreendeu ou não o problema que
se propõe resolver antes de começar a fazer cálculos ou a referir fórmulas, de forma
anárquica, sobre o mesmo. Um bom treino para o desenvolvimento desta fase é o recur-
so a problemas, ditos, de reconstrução; por exemplo:
O aluno relembra um problema à sua escolha e a sua resolução; depois o
professor altera o “desenho” drasticamente - dá-lhe outro sólido, roda a figura, altera
as letras, etc. - e pede novamente ao aluno que resolva este “novo” problema,
começando por estabelecer um enunciado apropriado.
2. Estabelecimento de um plano
Sobre o estabelecimento de um plano diremos que agora sim, pode fazer sentido
“partir” o enunciado, reformulá-lo em termos mais simples por forma a, por exemplo,
torná-lo semelhante a outro problema que já se resolveu; salientamos também o artigo
indefinido que é utilizado nesta fase: “um”; o que significa que, eventualmente, existem
muitos possíveis planos que se podem estabelecer e, portanto, o aluno deverá ser
deixado livremente neste seu estabelecimento de “um” plano de resolução.
Acrescentaremos ainda que esta segunda fase é, provavelmente, aquela que envolve
mais trabalho sendo muito dele frequentemente mental e que, consequentemente, é de
muito difícil avaliação. Um conselho para a avaliação desta fase é “impedir” os alunos de
usarem apagadores e, em vez disso, passarem a traçar os planos que vão abandonando
tendo sempre o cuidado de referirem o porquê desse abandono. Desta forma, os
26
METODOLOGIA DA GEOMETRIA
cadernos dos alunos podem - ainda que, aparentemente mais desorganizados - consti-
tuir instrumentos de estudo e de verdadeira revisão de matérias leccionadas de valor
muito grande para o próprio aluno; serão, como facilmente se deduz, verdadeiros
elementos de estudo individualizado. Um bom treino para o desenvolvimento desta fase
é o recurso a problemas com várias resoluções; por exemplo:
Provar que existe uma única perpendicular a uma recta e que passa por um
ponto exterior a esta.
3. Execução do plano
Sobre a execução do plano começaremos por referir que sendo, tradicionalmente, a fase
mais realçada na resolução de problemas em matemática esta não é, na realidade, de
forma alguma a mais importante; reveste-se, normalmente, de um carácter mecanicista e
manual já que a manipulação mental já foi feita na fase anterior e a solidificação dos
conhecimentos assim como a certeza desta execução serão atestadas na fase seguinte.
4. Verificação
Finalmente sobre a verificação, temos a impressão de que esta fase deveria revestir
na prática comum de cada resolução de cada problema de geometria um carácter de
“obrigatoriedade”. É nesta fase da resolução de problemas que, como referimos
anteriormente, se consolidam conhecimentos, se estabelecem as certezas e também se
descobrem novos problemas. Um bom treino para a implementação sistemática desta
fase é o recurso a sofismas geométricos (problemas que, de alguma forma, parecem
estar correctamente resolvidos, mas que se assim fosse significariam ser verdades
coisas que sabemos serem falsas); por exemplo:
Um desenho que “prove” que num dado ponto de uma recta se podem traçar
DUAS perpendiculares a essa recta.
4. José Sebastião e Silva
O professor José Sebastião e Silva deixou-nos uma obra didáctica que considera-
mos obrigatória para qualquer pessoa que, nomeadamente em Portugal, esteja interes-
sada no Ensino da Matemática. No seu “Guia para a utilização do Compêndio de
Matemática” editado em 1975 pelo GEP, escrevia assim, nomeadamente sobre o
método heurístico que defendemos no ensino da Geometria Analítica, em particular, e
que nos absteremos de comentar por serem recomendações suficientemente claras:
27
METODOLOGIA DA GEOMETRIA
O método heurístico (da descoberta) só ao princípio poderá parecer mais
moroso... a criança que aprende a nadar com flutuadores, aprende na realidade
mais devagar e pior ainda que ilusoriamente pareça aprender mais depressa...
Só errando se aprende verdadeiramente. Ai daqueles que não aprendem à
custa da experiência própria...
O treino... não deve de modo algum confundir-se com mecanização (prática
onde o aluno é habituado a não pensar)... por meio de receitas aplicadas sem
conhecimento de causa.
Para o desenvolvimento do espírito crítico, é essencial encorajar o aluno à
discussão livre e disciplinada...
O professor deve... estabelecer diálogos com os alunos e estimular a
imaginação destes, de modo a conduzi-los... à redescoberta.
Alunos e professor devem assumir as aulas de uma forma descontraída que
afaste, tanto quanto possível, a ideia da nota que irá ser atribuída no final do
período.
5. Pierre van Hiele
Os cinco níveis teóricos de desenvolvimento em Geometria inicialmente propostos
por Pierre van Hiele (reconhecimento, análise, ordem, dedução e rigor) não apare-
cem, na prática, necessariamente disjuntos. De resto o próprio autor posteriormente
reduziu para três estes níveis por meio de uma junção dos três últimos. Para van Hiele
estes níveis são atingidos a partir de um ensino e de experiências de aprendizagem
especializados e não dependem, como para Piaget, de questões cronológicas de maturi-
dade. Daí o estabelecimento de comparações entre esta teoria e a de autores russos,
alguns dos quais já citados anteriormente.
Identificar-se-ão então os seguintes três níveis que, de acordo com a terminologia
que já adoptámos anteriormente designaremos, para efeitos de aplicação directa aos
conteúdos programáticos oficiais para o 10º ano de escolaridade (e não para a formação
a longo prazo que van Hiele refere), por:
1º Factos - o aluno relembra (estuda coerentemente pela primeira vez, se for caso
disso) as definições geométricas básicas a partir da exploração de actividades diversi-
ficadas como as que são referidas noutra secção deste texto; este reconhecimento será
pois feito por meio actividades experimentais segundo uma metodologia heurística e
28
METODOLOGIA DA GEOMETRIA
com considerações visuais, verbais, gráficas, manipulativas e escritas, quando for caso
disso;
2º Propriedades - O aluno estabelece uma análise - comparando, associando,
dividindo, etc. das partes componentes e dos atributos dos entes geométricos de modo a
chegar ao estabelecimento das propriedades;
3º Relações - O aluno chega finalmente às relações específicas entre a Álgebra e a
Aritmética e a Análise com a Geometria; está então a aprender Geometria Analítica,
utilizando um raciocínio lógico/dedutivo que não é obrigatoriamente formal.
Usar-se-ão sempre materiais diversificados e recorrer-se-á, sempre que se justifi-
que, ao uso de calculadoras gráficas e/ou computadores.
A formação de conceitos geométricos faz-se, apesar desta adaptação específica
que fizemos,
ao longo de períodos de tempo relativamente grandes e requerem um ensino
específico;
pelo que não pretendemos dizer que, no 10º ano de escolaridade, os alunos adquirirão
todos os conhecimentos das formas geométricas, das suas propriedades e das suas
relações. Afinal os alunos já passaram por 9 anos de escolaridade e, muitos deles, terão
ainda mais alguns anos para serem instruídos em geometria. O que pretendemos
transmitir aqui foi que é possível os alunos estejam, muito provavelmente, deficientes em
conhecimentos geométricos elementares, justificando-se por isso um tratamento
específico à custa da utilização dos mais diversos materiais e problemas concretos como
diagnóstico desta situação e como alicerce para uma um “rigor” e um formalismo
posteriores ao Ensino Secundário.
Avaliação
A avaliação desempenha um papel quase sempre preponderante na área do Ensino
da Matemática e constitui um campo de problemas para professores e alunos.
Mudanças curriculares em Matemática trazem, como seria de imaginar, questões de
avaliação subjacentes que, por sua vez, costumam desencadear as pressões e as
forças que também dão origem a mudanças curriculares; isto é, trata-se de um círculo,
29
METODOLOGIA DA GEOMETRIA
em Educação Matemática, onde a avaliação é simultaneamente causa e efeito para as
mudanças.
Ao longo deste texto temos, de uma forma implícita, sugerido formas de avaliação
mais diversificadas do que as que tradicionalmente implementamos no nosso ensino; a
Geometria é, em particular, um tópico fértil para a organização de projectos de
investigação, elaboração de “portfolios”, implementação de avaliação informal, etc. cuja
supervisão estará, como se espera, sempre a cargo do professor. Supervisor, orientador,
educador e tutor são classificações desejáveis para o professor de Geometria que
transmitem também, implicitamente, formas de avaliação menos formais do que as
habituais e que consideramos de implementação desejável.
A fundamentação teórica sobre avaliação em Matemática é suficientemente
abundante para que, à partida, a possamos relatar neste texto; resumimos então
algumas das recomendações fundamentais que nos parecem poderem os professores
de Geometria implementar, nomeadamente:
1. A concepção da avaliação em Geometria como um processo público, participativo e
dinâmico; em vez de secreto, exclusivo e fixo.
2. O uso dos resultados da avaliação para assegurar que cada aluno tenha
oportunidade de desenvolver o seu potencial; em vez de o comparar com os outros.
3. A coerência da avaliação com o currículo e com a instrução; em vez de a tratar
como parte independente.
4. O uso de múltiplas fontes de evidência; em vez de considerar poucos dados
quantificáveis para gerar os resultados da avaliação.
5. A visão dos alunos como participantes activos; em vez de objectos de avaliação.
6. A consideração da avaliação como um processo contínuo e recursivo; em vez de
algo esporádico e conclusivo.
Sugerimos pois diversificadas formas de avaliação onde se
valore o melhor de cada aluno;
e onde se acentue a tendência para abarcar o máximo repertório possível das
habilidades de cada aluno.
30
ACTIVIDADES COMENTADAS
ACTIVIDADES COMENTADAS
Resolver problemas em geometria
Problemas em geometria
Resolver problemas em geometria é uma actividade fascinante. Não são
precisos muitos conhecimentos para ter acesso a problemas verdadeiramente
desafiantes e que se revelam de uma grande simplicidade quando os conseguimos
resolver. Simultaneamente, as imagens que podemos associar a esses problemas são
tão fortes que nos acompanham mesmo quando o problema já está resolvido. E isso é
bom porque o nosso imaginário se enriquece e nos vai permitindo fazer articulações que
acabam por ser a ferramenta mais poderosa quando temos de resolver um novo
problema.
Esta é uma das razões porque no ensino da geometria podemos ter uma
espécie de banco de bons problemas que são a base fundamental de toda a
aprendizagem.
Estes problemas conduzem-nos muitas vezes à formulação de novos
problemas. É importante ter em atenção que não é possível, nem desejável, esgotar
todas as questões que se vão colocando. Nem sempre podemos demonstrar todas as
conjecturas que se vão fazendo, não interessa cair em situações de cálculos
complicados que nos fazem desviar dos aspectos mais importantes ou que implicam
operacionalização de tantos conhecimentos que se tornam praticamente inacessíveis
aos alunos. Cada professor, em função dos alunos que tem, deve ponderar o
aprofundamento a dar aos problemas e às extensões que eles permitem. Por outro lado,
65
ACTIVIDADES COMENTADAS
é interessante que os professores, entre si, resolvam e discutam problemas mesmo que
estes não sejam para propor aos seus alunos. Para melhor conhecer os problemas e
percebermos as suas potencialidades para a aprendizagem podemos encarar cada um
deles por um ponto de vista especialmente significativo, quer da sua resolução, quer dos
conhecimentos geométricos envolvidos.
O novo programa de Matemática do 10º ano, no que se refere ao tema
geometria, considera duas partes: Resolução de problemas de geometria no plano e no
espaço e geometria analítica. Para o primeiro subtema, a lista de conteúdos é intencio-
nalmente curta, e deixando em aberto o aprofundamento a dar aos tópicos. A leitura
cuidadosa do programa para este tema, nomeadamente da sua introdução e indicações
metodológicas, ajuda a entender que na escolha das situações a explorar, e na sua
exploração, devemos ter sempre como pano de fundo os seguintes aspectos:
– valorizar as vantagens do recurso à visualização;
– valorizar os instrumentos matemáticos (simetrias, propriedades, relações) e
tecnológicos que vão sendo postos à disposição como meios de simplificação e de
enriquecimento;
– evitar cálculos supérfluos ou a complicação de cálculos que faz perder de vista
a visualização ou as ideias geométricas;
– recorrer o mais possível a modelos e representações diversas das situações;
– recorrer à argumentação e explicitação de processos de resolução, nomea-
damente na distinção entre o particular e o geral e no papel do contra-exemplo;
– evitar demonstrações pré-estruturadas.
No que respeita ao segundo subtema, geometria analítica, embora os conteúdos
sejam mais explícitos, há também uma preocupação de valorizar os aspectos de
raciocínio e evitar os cálculos que afastam da visualização. A geometria analítica não é
uma geometria, mas mais um processo para resolver problemas da geometria
euclidiana. Como tal, deve ser utilizada como um método matemático para resolver
problemas e não como um conjunto de conhecimentos e procedimentos a explorar em si
mesmos, desligados da sua utilidade e significado.
Assim, decidimos fazer uma lista classificada de problemas de vários tipos: de
construção, de contagem, de representação, sobre cortes, com aparente falta de dados,
que dão significado aos números, de proporcionalidade geométrica, de lugares geomé-
tricos, de geometria analítica, de demonstração, e problemas que conduzem ao estudo
de funções.
66
ACTIVIDADES COMENTADAS
Não há qualquer ordem subjacente à classificação que elaborámos, nem
pretendemos enfatizar a designação dada ao tipo de problema, até porque há problemas
que podiam aparecer em várias categorias. Para cada tipo de problemas damos uma
breve explicação da ideia base subjacente e fazemos comentários sobre a sua
resolução, as suas potencialidades e as suas ligações. Estes comentários, não são
exaustivos, isto é, não pretendem esgotar todas as maneiras de os resolver, apenas têm
como objectivo chamar a atenção de particularidades de exploração interessantes,
sugerir processos de resolução menos comuns e apontar algumas conexões menos
triviais.
Hoje em dia, a resolução de problemas em geometria tem que ser encarada com
os recursos disponíveis e com as preocupações metodológicas actuais. Estamos a falar
dos modelos geométricos, do computador, do trabalho de grupo e da avaliação que têm
que estar presentes nas opções que tomamos para fazer propostas de trabalho aos
alunos. Ao planificar actividades para a geometria, é importante ter presentes todas
estas perspectivas e ter em conta que há problemas mais adequados para introduzir e
explorar conceitos, outros para trabalhar em grupo, outros em que o recurso ao
computador dá-lhes novas potencialidades, outros mais favoráveis para a avaliação,
outros que podem ser mais ou menos aprofundados conforme o nível dos alunos, outros
que estão mais centrados no desenvolvimento de capacidades, etc.
Os modelos geométricos
O recurso a modelos geométricos no ensino da geometria é universalmente
reconhecido, de tal forma que a própria indústria tem vindo a produzir materiais
especificamente com este objectivo e com o apoio de equipas de investigadores e
professores. É importante conhecer alguns deles e utilizá-los mas não podemos deixar
de valorizar também o papel formativo da própria construção de alguns modelos, e além
disso ter em conta as condições financeiras das escolas. E por isso é preferível adquirir
poucos materiais, bem seleccionados, e construir os outros com os alunos. Apontamos
aqui algumas sugestões seguindo esta ordem de ideias.
Cartolina, acetato ou folha de plástico rígido
Estes materiais são bons para construir sólidos a partir das suas planificações.
Os modelos assim construídos ficam com as faces representadas, e se o material for
67
ACTIVIDADES COMENTADAS
transparente é possível unir pontos das faces com linhas ou varetas e obter outros
poliedros com eles relacionados, diagonais, referenciais, etc.
Também se podem fazer polígonos regulares e não regulares de vários tipos,
com abas que servem para os unir com elásticos. Estes polígonos são óptimos para
fazer experiências de construção de poliedros, nomeadamente dos poliedros platónicos,
arquimedianos, estrelados, deltaedros, antiprismas, etc.
Para o estudo da geometria no plano também se podem construir polígonos com
estes materiais, e experimentar padrões e pavimentações, construir puzzles, etc.
No mercado especializado há à venda polígonos de um material plástico com
encaixes, para fazer pavimentações e construção de poliedros. Este material é de
origem inglesa, chama-se Polydron, e tem sido bastante divulgado em encontros de
professores e pela Associação de Professores de Matemática.
Jogo Mikado ou espetos
Para simular rectas no espaço podem ser utilizadas as varetas coloridas do jogo
Mikado ou as varetas de madeira que usualmente se vendem para pequenas espetadas.
Este material pode ser combinado com as palhinhas, como veremos a seguir.
Palhinhas
68
ACTIVIDADES COMENTADAS
Com as palhinhas que se usam para bebidas, e passando uma linha por dentro
delas as vezes que for preciso, podem ser construídos óptimos modelos de “esqueletos
de sólidos”. Nos vértices, as linhas devem ter sempre um nó para os fixar.
Estes modelos têm algumas vantagens. Uma delas é ver-se muito bem as
posições relativas de arestas e diagonais por se poder ver o sólido por dentro (as
diagonais espaciais por exemplo, que também podem ser feitas com palhinhas). Outra é
pela facilidade de representar um referencial enfiando varetas nas palhinhas ou entre
elas. Ainda é possível obter outro tipo de relações furando as palhinhas para unir alguns
pontos das arestas com uma linha esticada.
Sobre a utilização deste material há um artigo e propostas de actividades na
revista Educação & Matemática nº 38, “Incentivando a visualização espacial através de
propriedades geométricas de tetraedros duais”, de Ana Maria Kaleff e Dulce M. Rei.
Poliedros transparentes
Para o estudo de cortes em sólidos, os modelos mais adequados são poliedros
de acrílico transparente com uma abertura que permite introduzir um líquido colorido lá
dentro. Assim, a superfície plana do líquido simula o plano de corte e se se for variando
a posição do poliedro vai-se observando as várias possibilidades de cortes.
Este material tem sido muito divulgado pela Associação de Professores de
Matemática e pode ser mandado fazer em casas da especialidade ou adquirido nesta
Associação. Sobre as potencialidades da utilização destes modelos há um artigo
bastante completo na revista Educação & Matemática nº 26, “Tudo o que há num cubo”,
de Eduardo Veloso.
69
ACTIVIDADES COMENTADAS
O Computador
Nos últimos anos têm sido desenvolvidos programas de computador especifi-
camente para o ensino da geometria – Cabri-Géometre e Geometer’s Sketchpad. Estes
programas são já bastante conhecidos de alguns professores, têm sido divulgados em
encontros de professores e sessões de formação, e experimentados com alunos em
situações de sala de aula e de clubes de Matemática. Futuramente estes programas vão
ter um peso cada vez maior no ensino da geometria, nomeadamente no ensino
secundário.
As potencialidades e interesse destes programas são de tal ordem que é
impossível apontá-los em meia dúzia de linhas e desenvolver aqui a forma de os
explorar. Chamamos a atenção, na bibliografia, de publicações em português sobre a
sua utilização e vamos assinalar, com o símbolo , algumas actividades que, embora
estejam formuladas para resolver com papel e lápis, podem, com vantagens, ser explo-
radas com este tipo de software.
A avaliação
Num tema que se intitula “Resolução de Problemas” é impensável que a
avaliação seja feita só com instrumentos do tipo dos testes tradicionais, em que as
questões são directas, de resposta única, e o que é classificado é o resultado.
A avaliação deve ter um grande peso formativo, deve reflectir a aprendizagem e
valorizar processos e produtos e, por isso, aparecer como uma vertente das actividades
de aprendizagem desenvolvidas dentro ou fora da aula. Muitas dessas actividades, de
investigação, de resolução de problemas, de construção de modelos, de trabalhos de
projecto, de pesquisa histórica, etc., podem ser objecto de avaliação, desde que o
professor lhes associe instrumentos para isso. Por exemplo, um relatório, uma exposição
oral, a resposta por escrito a uma ou mais questões particulares que se levantaram
durante a actividade, uma exposição pública de materiais produzidos pelos alunos. Todo
este tipo de trabalhos a avaliar podem ser realizados individualmente ou em grupo, na
sala de aula ou fora dela.
70
ACTIVIDADES COMENTADAS
Problemas de construção
Entendemos por construção a obtenção de figuras geométricas, no plano ou no
espaço, segundo determinadas condições. Essa construção pode ser feita através de
um desenho ou de um modelo manipulável. Actividades deste tipo, bem orientadas,
podem conduzir à descoberta de propriedades e relações, à formulação de conjecturas,
e à necessidade de as validar.
Nesta categoria integram-se muitas das actividades que podem ser desenvol-
vidas recorrendo a programas de computador. Estes programas têm grandes vantagens
em relação aos desenhos pelo facto das figuras serem dinâmicas e poderem, por isso,
ser manipuladas.
Dizemos que um polígono está inscrito numa figura se os seus vértices forem pontos da
linha que limita a figura.
Num quadrado inscreve triângulos
- um triângulo escaleno;
- um triângulo isósceles;
- um triângulo equilátero.
Num quadrado inscreve quadrados.
Uma actividade aberta como esta, que admite várias soluções, permite que os
alunos confrontem soluções e estabeleçam relações. Não se pretende obter uma
construção óptima, mas sim explorar características de cada figura para a inscrever no
quadrado. Não é fácil obter um triângulo equilátero sem recorrer às relações entre os
ângulos. Esta actividade pode ser aproveitada para introduzir ou consolidar questões de
trigonometria do triângulo rectângulo.
Qual é o máximo número de ângulos agudos que um polígono convexo pode ter? E qual
é o máximo número de ângulos rectos? Justifica.
Este problema pode ser resolvido de muitas maneiras e permite recorrer à soma
dos ângulos internos ou externos de um polígono. É uma boa maneira de rever estas
relações recorrendo a um problema novo e pouco habitual porque o que estamos à
espera é que não haja limite máximo para este tipo de ângulos. O que acontece é que
71
ACTIVIDADES COMENTADAS
para polígonos com mais de 4 lados todos os ângulos podem ser obtusos, mas há no
máximo 3 ângulos rectos ou 3 ângulos agudos. O que se pretende é que os alunos não
se limitem a observar alguns exemplos, mas que sejam capazes de argumentar a
veracidade da sua conclusão para todos os casos.
Utilizando polígonos regulares, constrói poliedros com faces todas iguais.
Basta que as faces sejam polígonos regulares para que os poliedros sejam regulares?
Quantos poliedros regulares consegues construir com:
- triângulos equiláteros?
- quadrados?
- pentágonos?
- hexágonos?
Quantos poliedros regulares existem? Estabelece, para cada um, as principais
características.
Construir um conjunto de poliedros é uma das formas mais apropriadas e
atractivas para fazer experiências de construção de modelos matemáticos. Ao longo dos
tempos, os vários tipos de poliedros – platónicos ou regulares, arquimedianos ou
semiregulares, estrelados… – têm exercido um grande fascínio sobre os matemáticos.
Os cinco poliedros regulares, também chamados sólidos platónicos, constituem
o grupo mais simples de poliedros. Todas as suas faces são polígonos regulares
congruentes (geometricamente iguais) e os seus vértices são todos do mesmo tipo, isto
é, o número de faces concorrentes em cada vértice é sempre o mesmo. Estas condições
garantem que todas as faces são congruentes, assim como todas as arestas, todos os
ângulos das faces e todos os diedros.
Esta actividade permite retomar alguns conhecimentos sobre polígonos,
regulares ou não, nomeadamente no que respeita à soma dos ângulos internos de um
polígono de n lados e à medida do ângulo interno de um polígono regular qualquer.
Naturalmente irão aparecer os casos em que os polígonos pavimentam o plano e por
isso não formam o vértice de um poliedro. Como não são só os polígonos regulares que
pavimentam o plano, fica aqui um pretexto para estudar outras pavimentações.
72
ACTIVIDADES COMENTADAS
Se, num poliedro regular, unirmos com segmentos de recta os centros de faces
consecutivas, obtemos as arestas de um outro poliedro, o seu dual.
Qual é o poliedro dual de cada poliedro regular?
Estabelece relações entre cada poliedro regular e o seu dual.
O Princípio da Dualidade estabelece que qualquer figura tridimensional
constituida por vértices, arestas e faces, tem uma figura dual, cujas faces correspondem
aos vértices da figura original e vice versa. Assim, para qualquer poliedro existe o seu
dual, mas só para os poliedros regulares é possível definir os duais de uma forma tão
simples como a que adoptámos aqui, isto é, recorrendo aos centros das faces.
Facilmente se vê que o dual de um poliedro regular é outro poliedro regular e por isso é
possível estabelecer relações interessantes entre os seus elementos.
nº lados nº de nº de nº de nº arestas
POLIEDROS por face faces vértices arestas por vértice
Tetraedro 3 4 4 6 3 Tetraedro
Octaedro 3 8 6 12 4 Cubo
Icosaedro 3 20 12 30 5 Dodecaedro
Cubo 4 6 8 12 3 Octaedro
Dodecaedro 5 12 20 30 3 Icosaedro
nº arestas nº de nº de nº de nº lados
por vértice vértices faces arestas por face
DUAIS
Num cubo podemos considerar uma diagonal em cada face, de modo que as 6 diagonais
representadas concorram só em 4 dos vértices do cubo. Esses segmentos são as
arestas de um novo poliedro. De que poliedro se trata?
73
ACTIVIDADES COMENTADAS
Não estamos muito habituados a ver um tetraedro dentro
de um cubo, mas esta relação entre os dois sólidos revela-se muito
útil no conhecimento do tetraedro, nomeadamente no que respeita
a diedros, posições relativas e estudo em referencial.
Constrói o esqueleto de um cubo com palhinhas, passando uma linha por dentro das
palhinhas (a linha pode passar dentro de cada palhinha as vezes que for necessário).
Que tipo de dificuldades se encontram na construção do cubo? Porquê?
Uma maneira de ser bem sucedido na construção do modelo é colocar palhinhas nas
diagonais das faces do cubo. Qual é o número mínimo de diagonais que se devem
colocar? Porquê?
Um poliedro cujas faces são triângulos equiláteros todos iguais chama-se deltaedro.
Constrói todos os deltaedros convexos e descreve as características de cada um deles.
Há oito deltaedros convexos e um número infinito de deltaedros não convexos,
o que faz com que esta investigação seja uma situação interessante para um trabalho de
grupo a realizar com materiais manipuláveis. Por estas razões, é também uma boa
proposta para avaliação.
Dados três pontos A, B e C, não colineares, constrói no plano por eles definido:
- o ponto equidistante dos três pontos dados;
- o conjunto de pontos equidistantes das rectas AB e AC;
- o ponto equidistante das rectas AB, AC e BC.
Discute a existência de solução para este problema com mais de três pontos
complanares.
Caracteriza os mesmos lugares geométricos, agora no espaço.
Estes problemas são conhecidos, mas usualmente formulados para triângulos.
Esta formulação do problema no plano vai consolidar e ampliar o conceito de distância e
facilitar a visualização e caracterização dos lugares geométricos no espaço. Por outro
lado dá abertura para ligar com problemas análogos como o que se segue.
74
ACTIVIDADES COMENTADAS
Tanto este problema como o seguinte constituem actividades de investigação
óptimas para trabalhar com software dinâmico.
Dados dois pontos, constrói algumas rectas que estejam à mesma distância dos dois
pontos. Explica o processo utilizado.
Encontra processos para obter uma ou mais rectas que estejam à mesma distância de
três pontos não colineares.
Discute a existência de solução para este problema com mais de três pontos.
Há uma infinidade de rectas que estão há mesma distância de dois pontos,
apesar da nossa tendência ser procurar um eixo de simetria. É por isso que este
problema se revela interessante, porque explora bastante a distância de um ponto a uma
recta. Para três pontos há três soluções e para 4 ou mais pontos, pode existir, ou não,
solução. No espaço, este problema torna-se bastante complexo.
Dada uma circunferência, encontra o seu centro utilizando
- só um esquadro;
- um compasso e uma régua.
Um ângulo recto cujo vértice é um ponto de uma circunferência, está inscrito
numa semicircunferência. Isto significa que os pontos em que os seus lados intersectam
a circunferência são extremos de um diâmetro.
Obtendo dois diâmetros por este processo, o seu ponto de encontro é o centro
da circunferência.
Utilizando a régua e o compasso recorre-se à intersecção das mediatrizes de
duas cordas da circunferência.
75
ACTIVIDADES COMENTADAS
Problemas de contagem
Contar não é uma actividade geométrica, isto é, não tem nada a ver com a
natureza da geometria. Porém, contar pode exigir capacidades de visualização e por
isso a sua ligação com a geometria tem que ser explorada.
Há processos de contagem que não são directos, isto é, em que a contagem não
é feita um a um. É possível contar rapidamente um grande número de objectos
aproveitando a forma como esses objectos estão agrupados ou relacionados. Estes
processos de contagem permitem-nos evitar erros intermédios, tão frequentes numa
contagem directa, e garantir que o número obtido está certo. É por isso que eles são
eficazes e que constituem uma actividade matemática rica, articulada e que conduz a
generalizações. Os problemas de contagens ajudam a estabelecer ligações entre a
geometria e os números.
Quantas diagonais tem um polígono convexo de n lados?
Qual é a soma dos ângulos internos de um polígono convexo de n lados?
Estes problemas podem ter sido já abordado por alguns alunos no 3º ciclo, mas
a experiência tem-nos mostrado que a maior parte dos alunos nunca pensou neste tipo
de questões.
São um óptimo ponto de partida para se começar a pegar na geometria. Por um
lado permitem a articulação de velhos e novos conhecimentos, por outro são actividades
de investigação que levam a generalizações e demonstrações simples.
Quantas arestas tem um icosaedro? E quantos vértices ?
O icosaedro tem 20 faces (ico = vinte).
Cada face tem 3 vértices 20 × 3 = 60
Cada vértice é comum a 5 faces 60 : 5 = 12
76
ACTIVIDADES COMENTADAS
Concluímos que o icosaedro tem 12 vértices.
O número de arestas pode ser calculado da mesma maneira:
Cada face tem 3 arestas 20 × 3 = 60
Cada aresta é comum a 2 faces 60 : 2 = 30
Concluímos que o icosaedro tem 30 arestas.
Este processo de contagem aplica-se a qualquer poliedro regular pelo facto das
faces terem todas o mesmo número de lado e por concorrerem sempre o mesmo
número arestas e o mesmo número de faces em cada vértice.
Vem a propósito recordar a relação que existe entre os números destes três
elementos:
Nº de faces + nº de vértices = nº de arestas + 2
para o icosaedro: 20 + 12 = 30 + 2
Esta igualdade é conhecida como a relação de Euler e é válida para qualquer
poliedro convexo. Descartes já a conhecia, embora a tenha formulado de um modo
diferente.
Quantas diagonais tem um icosaedro?
Ninguém se atreveria a fazer esta contagem um a um.
Uma forma de contar as diagonais de um poliedro é fazer o cálculo do número
total de segmentos definidos pelos seus vértices, que sabemos serem pontos não
colineares três a três. Esse número é igual à soma dos números de arestas, diagonais
faciais e diagonais espaciais, isto é, todos os segmentos que são definidos pelos
vértices.
No caso do icosaedro, como há 12 vértices, cada um deles define segmentos
com os outros 11. Portanto são 12 × 11 = 132 segmentos. Cada segmento foi contado
duas vezes, logo são 132 : 2 = 66 segmentos.
66 = 30 arestas + 0 diagonais faciais + 36 diagonais espaciais
77
ACTIVIDADES COMENTADAS
Problemas de representação
Na geometria do espaço trabalhamos com objectos a três dimensões. Podemos
ter acesso a modelos dos objectos, mas também precisamos de saber lidar com o
modelo representado no papel. Há várias formas de representar um objecto do espaço
no papel: em perspectiva, por vistas, em referencial, por coordenadas, planificado.
Desenhar a planificação permite a visualização ou o conhecimento de possibi-
lidades que, no modelo ou na representação em perspectiva, podem não ser percep-
tíveis. Estes problemas permitem o recurso a diversas planificações do mesmo modelo e
a opção da planificação mais favorável.
Desenha em perspectiva cavaleira um tetraedro e um octaedro. Quais são os elementos
que ficaram representados em verdadeira grandeza?
O desenho em perspectiva cavaleira obedece a determinadas regras que fazem
com que os poliedros mais fáceis de desenhar sejam os paralelepípedos. As faces de
frente para o observador ficam em verdadeira grandeza e as arestas paralelas são
representadas por segmentos paralelos.
Neste caso interessa-nos desenhar o tetraedro e o octaedro a partir de um
desenho em perspectiva de um cubo, visto que este é o sólido mais fácil de desenhar
em perspectiva, e do qual nos é mais familiar este tipo de representação. E para isso
vamos recorrer à construção do tetraedro a partir das diagonais faciais do cubo e à
dualidade cubo/octaedro. As posições relativas de elementos do tetraedro e do octaedro
em relação ao cubo, permitem-nos saber quais desses elementos ficam representados
em verdadeira grandeza.
Nesta representação do tetraedro não há faces em verdadeira grandeza, porque
nenhuma delas é paralela às faces de frente do cubo. Há duas arestas, as que estão
contidas nas faces de frente do cubo, que estão em verdadeira grandeza.
78
ACTIVIDADES COMENTADAS
Nesta representação do octaedro, há quatro arestas que são paralelas às faces
de frente do cubo, por isso estão representadas em verdadeira grandeza. Nenhuma das
faces está de frente, por isso nenhuma está representada por um triângulo equilátero.
Uma formiga está no centro de uma face de um cubo que tem 10 cm de aresta. A certa
altura decide mudar-se para o centro de outra face, passando por todas as outras faces.
Contudo, a formiga tem receio dos vértices e por isso nunca passa a menos de um
centímetro deles. Qual é o trajecto mais curto que a formiga consegue fazer?
Educação & Matemática, nº41 - O problema deste número
A maneira mais eficaz de responder à questão é transformar o problema num
problema do plano porque sabemos que o caminho mais curto entre os dois pontos é um
segmento de recta. Neste caso é interessante para os alunos planificar o cubo de
maneiras diferentes e, em cada uma, representar possíveis caminhos da formiga e
comparar os comprimentos dos vários trajectos obtidos.
A planificação que nos dá a solução óptima do problema é aquela em que
podemos representar o trajecto por um segmento de recta que passa por todas as faces.
Mas será que esta solução verifica a condição de passar a menos de 1 cm dos
vértices? Identificando uma simetria central (centro em C) no percurso obtido, basta-nos
79
ACTIVIDADES COMENTADAS
calcular a distância ao primeiro vértice, VA . Por semelhança de triângulos chegamos à
conclusão que VA ≈ 1,3 cm.
Agora é interessante reconstituir o cubo para melhor visualizar o caminho da
formiga. Esta visualização torna-se mais fácil se for feita com o modelo.
Uma sala tem a forma de um prisma quadrangular recto com as dimensões, em
metros, indicadas na figura. A meio de uma das paredes menores e a 25 cm do chão
está uma tomada de corrente (ponto A). Na parede oposta, também a meio, mas a 25
cm do tecto, está uma lâmpada (ponto B).
Dispomos de 10 m de fio para ligar a lâmpada à tomada e não queremos que o
fio fique suspenso. Por onde deverá passar o fio?
Adaptado de Mini-Olimpíadas da Matemática 1981/82
80
ACTIVIDADES COMENTADAS
Este problema, embora sendo análogo ao anterior, vai trazer-nos outras
dificuldades.
0,25 + 7,5 + 2,75 = 10,5 m
AB2 = 9,252 + 4,252
AB ≈ 10,18
81
ACTIVIDADES COMENTADAS
AB2 = 82 + 62
AB = 10
Como podemos verificar, só esta última planificação nos permitiu obter a solução
do problema. Vimos mais uma vez que a escolha da planificação pode não ser
indiferente para resolver um problema.
Por incrível que pareça, o fio tem que passar pelo
chão, pelo tecto e por 3 paredes para poder ser o
mais curto possível.
Escolhe três referenciais diferentes para representar um cubo. Para cada um determina
as coordenadas dos vértices do cubo.
“(Se quero saber a classe a que pertence esta curva) escolho uma recta como
AB, à qual refiro todos os seus pontos, e em AB escolho um ponto A no qual vou
começar a investigação. Digo ‘escolho isto e aquilo’ pois somos livres de escolher o
quisermos porque, embora seja necessário escolher com cuidado de modo a tornar a
equação tão curta e simples quanto possível, apesar disso, qualquer que seja a recta
que eu escolha em vez de AB, a curva resultará sempre da mesma classe, um facto
facilmente demonstrável.”
(Descartes, 1637, La Géometrie, citado em Educação e Matemática nº41)
82
ACTIVIDADES COMENTADAS
A escolha de um referencial exige alguns conhecimento das propriedades das
figuras e permite aprofundá-los. Além disso, aos aspectos em jogo nessa escolha podem
ser dados os carácteres de desafio, utilidade, decisão e argumentação. Descobrir todos
os referenciais possíveis e escolher o mais vantajoso para resolver um problema é uma
proposta muito mais rica do que simplesmente receber o objecto já colocado no
referencial, e muitas vezes duma forma que só complica a situação!
Numa proposta em que aluno tem que conhecer as propriedades da figura mas
também tem que tomar uma decisão em função duma determinada utilidade e argumen-
tar a sua escolha, são operacionalizados e desenvolvidos esquemas de raciocínio impor-
tantes, como iremos ver. Tal não acontece quando essa decisão não está em jogo.
O que interessa é escolher um referencial que aproveite as potencialidades da
figura – posições relativas, relações métricas, simetrias – de modo a facilitar a determi-
nação das coordenadas. Escolher um referencial é também escolher uma unidade de
comprimento e esta escolha deve ser feita tendo em conta as características da figura e
a posição relativa do referencial: comprimento de um lado, de uma diagonal, de um raio,
etc. Este tipo de questões deve começar no plano, escolher referenciais para polígonos
conhecidos, e só depois passar ao espaço, visto que as escolhas no espaço acabam por
se reduzir a escolhas no plano.
Neste caso, o referencial facilita porque podemos tomar como unidade a aresta
do cubo e as coordenadas decorrem imediatamente, sem necessidade de cálculos.
(0, 0, 0) (1, 0, 0) (1, 1, 0) (0, 1, 0)
(0, 0, 1) (1, 0, 1) (1, 1, 1) (0, 1, 1)
Se compararmos estas com as coordenadas de um quadrado num referencial do
plano, a vista de cima, reparamos que elas foram obtidas mantendo a abcissa e a
ordenada e acrescentando a cota 0 para os vértices da face que fica no plano xOy e cota
1 para os vértices da face oposta.
83
ACTIVIDADES COMENTADAS
Nesta escolha tivémos em conta que as faces do cubo são quadrados e as suas
posições relativas. Só precisámos do utilizar um octante.
Neste caso, a determinação das coordenadas ficará mais fácil se tomarmos
como unidade metade da aresta do cubo. Novamente sem necessidade de cálculos, e
recorrendo às coordenadas do quadrado num referencial do plano, as coordenadas são:
(1, 1, 1) (-1, 1, 1) (-1, -1, 1) (1, -1, 1)
(1, 1, -1) (-1, 1, -1) (-1, -1, -1) (1, -1, -1)
Também aqui recorremos ao facto de o cubo ter três planos de simetria,
perpendiculares dois a dois, sendo cada um deles paralelo a duas faces opostas. Uma
das vantagens deste referencial é relacionar simetrias do cubo com simetrias de
coordenadas.
Precisamos ainda de encontrar um terceiro referencial. Fazendo uma rotação de
45º segundo o eixo Oz, do último referencial, obtemos uma outra posição favorável do
cubo.
Esta adaptação foi possível porque as diagonais do quadrado são perpendicu-
lares, e o facto de serem também eixos de simetria facilita a determinação das coor-
denadas. Neste caso, há que decidir qual a unidade mais conveniente: metade da aresta
ou metade da diagonal facial.
84
ACTIVIDADES COMENTADAS
O facto de termos aproveitado as diagonais do quadrado para eixos do
referencial no plano conduz-nos agora à questão: haverá um referencial ortonormado
cujos eixos são diagonais espaciais do cubo?
Quaisquer duas diagonais espaciais do cubo são concorrentes, e portanto
complanares, mas não são perpendiculares. Por isso não existe um referencial
ortonormado que contenha mais do que uma diagonal espacial.
Se escolhermos para eixo Oz uma diagonal
espacial do cubo, é natural que a origem seja o centro do
cubo. Nesse caso, o plano xOy só poderá ser o plano
mediador da diagonal, que intersecta o cubo segundo um
hexágono regular cujos vértices são pontos médios de
arestas. A determinação das coordenadas torna-se assim
um problema de cálculo muito elaborado.
Nesta breve discussão estiveram em jogo as propriedades fundamentais de um
quadrado e de um cubo, que nos levam a concluir que de maneira nenhuma interessa
colocá-lo num referencial não ortonormado, nem noutras posições que não sejam deste
tipo.
A discussão da escolha de um referencial para um paralelepípedo qualquer é
uma extensão deste problema, em que surgem novas questões: a escolha da unidade
torna-se mais complexa e o facto das diagonais do rectângulo não serem perpendicu-
lares limita-nos a escolha da posição do referencial.
Escolhe um referencial para representar um tetraedro. Determina as coordenadas dos
vértices do tetraedro no referencial escolhido.
Escolhe um referencial para representar um octaedro. Determina as coordenadas dos
vértices do octaedro no referencial escolhido.
Para um tetraedro poderia, com algumas vantagens evidentes, escolher-se um
referencial não ortogonal. Mas isso torna mais complicado o cálculo de distâncias e
também só está previsto no programa a utilização de referenciais ortonormados.
Um referencial ortonormado é uma malha cúbica, por isso a relação que já
estabelecemos atrás entre o cubo e o tetraedro e os referenciais que escolhemos para o
cubo conduzem-nos imediatamente a soluções do problema.
85
ACTIVIDADES COMENTADAS
O que sabemos de um octaedro que nos possa ajudar aqui? Não interessa
assentar uma face num dos planos coordenados porque não há faces perpendiculares,
embora as faces sejam paralelas duas a duas. Há arestas perpendiculares, que
apontam para a utilização de um plano que as contenha como plano coordenado.
Fazendo um corte no octaedro segundo um plano que contenha duas arestas
perpendiculares, obtemos um quadrado.
O problema passa agora por um subproblema no plano, que já abordámos
anteriormente.
A escolha do referencial mais favorável para o octaedro vai depender da posição
dos outros dois vértices.
86
ACTIVIDADES COMENTADAS
Só no terceiro caso não precisamos de fazer cálculos para determinar as
coordenadas dos vértices. Se escolhermos para unidade a distância de um vértice ao
centro do octaedro, as coordenadas vão ser
(1, 0, 0) (-1, 0, 0) (0, 0, 1)
(0, 1, 0) (0, -1, 0) (0, 0, -1)
Utilizámos aqui a propriedade de num sólido regular todos os vértices estarem à
mesma distância do centro. Podemos apreciar a simetria da solução encontrada que é
consistente com a regularidade do sólido.
Também poderíamos ter chegado a estes resultados recorrendo à dualidade
entre o octaedo e o cubo.
87
ACTIVIDADES COMENTADAS
Problemas de cortes
Fazer um corte num objecto a três dimensões permite a representação e o
estudo no plano de uma situação do espaço. Pelos cortes temos acesso a dimensões e
propriedades pouco acessíveis em perspectiva ou até no próprio modelo. Por exemplo, o
ângulo das diagonais espaciais do cubo.
Por outro lado, há relações que ganham evidências quando passamos ao corte.
Por exemplo, a relação entre aresta do octaedro e a aresta do cubo dual. Quando se faz
um corte de sólidos ligados é possível estabelecer relações entre os elementos das duas
figuras obtidas. Daí o interesse de também estabelecer relações entre elementos de
duas figuras no plano.
Algumas destas relações exigem o recurso à trigonometria elementar do
triângulo rectângulo por isso constituem uma boa ocasião de ligação de conhecimentos.
Que polígonos é possível obter por corte de um cubo?
Para cada um desses polígonos indica a posição do plano de corte relativamente a
algum(s) elemento(s) do cubo.
Tudo o que há num cubo…, Eduardo Veloso, Educação Matemática nº 26
A discussão dos polígonos que é possível obter por corte num cubo e dos
planos que originam esses cortes está muito completa e bem feita no artigo referido
acima, por isso não achámos necessário desenvolvê-la aqui. No entanto chamamos a
atenção para alguns aspectos.
Esta actividade só faz sentido se for realizada pelos alunos com recurso a
modelos apropriados, como sejam cubos de acrílico transparente em que se possa
colocar um líquido colorido cuja superfície representa as várias secções. Tem a
vantagem de ser um material dinâmico que permite, ao manipular, observar um grande
número de situações, experimentar, conjecturar, verificar e argumentar.
É uma situação em que a investigação dos alunos conduz ao aprofundamento e
sistematização de conhecimentos sobre posições relativas no espaço entre rectas e
planos e entre planos. Também é uma boa altura para desenvolver capacidades de
representação, pedindo aos alunos que desenhem perspectivas e cortes para ilustrar as
várias situações, e para rever a classificação de triângulos e quadriláteros. Em alguns
88
ACTIVIDADES COMENTADAS
casos, é até possível pedir pequenas demonstrações das suas conclusões, como por
exemplo: “Não há nenhum corte que seja um pentágono regular” (ver problemas de
demonstração, pág. 115), “Não há nenhum corte que seja um polígono com mais de seis
lados”, etc.
Que polígonos é possível obter por corte de um tetraedro?
Mostra que todos os rectângulos obtidos por corte de um plano paralelo a duas arestas
têm o mesmo perímetro.
Algum desses rectângulos é quadrado? Qual é o plano que o determina?
O estudo destes cortes pode ser feito através de uma exploração análoga à que
se fez para o cubo, recorrendo a um tetraedro em acrílico transparente. Mas já que
conhecemos uma relação “tetraedro dentro do cubo”, podemos recorrer a ela para esta
investigação. Ao fazê-lo procurando dispensar em alguns casos os modelos estamos a
promover capacidades de visualização no espaço.
Se o aluno já fez a exploração dos cortes no cubo, poderá concluir e demonstrar
que os cortes no tetraedro só podem ser triângulos ou quadriláteros, e para isto nem
sequer precisa de recorrer ao modelo. Se o tetraedro tem quatro faces, um plano
intersecta no máximo quatro faces, logo o corte pode ter no máximo quatro lados.
Obtemos quadriláteros quando o plano intersecta as quatro faces, e estes só
são rectângulos quando o plano é paralelo a duas das arestas. Se virmos o tetraedro
dentro do cubo, estes são os planos paralelos a duas faces opostas do cubo.
Para provar que estes rectângulos têm todos o mesmo perímetro, o mais fácil é
recorrer a uma planificação.
89
ACTIVIDADES COMENTADAS
Estes rectângulos vão de
um caso limite a outro, e como não
há descontinuidades, um deles é
quadrado.
Mas este quadrado também pode ser visto quando fazemos o corte no cubo com
o tetraedro por um plano que passa nos pontos médios de quatro arestas do tetraedro.
Qual é a razão entre a aresta de um cubo e a do octaedro seu dual?
Qual é a raio da esfera circunscrita num octaedro?
Qualquer destes problemas se transforma num problema do plano se fizermos
um corte nos sólidos que contenha as duas dimensões que queremos comparar.
Deste corte, conclui-se imediatamente que a razão entre as arestas dos dois
sólidos é 2 (ver problemas de proporcionalidade geométrica, pág. 98). Também
90
ACTIVIDADES COMENTADAS
podemos concluir, uma vez que o centro e quatro vértices do octaedro estão contidos
neste plano, que o raio da esfera circunscrita é metade da aresta do cubo.
Quando se fala na esfera circunscrita, apetece logo pensar na esfera inscrita. À
primeira vista parece que a esfera inscrita apareceria neste mesmo corte representada
pela circunferência inscrita no quadrado, mas isso não se verifica. A esfera inscrita é
tangente às faces do octaedro e não às arestas, o corte que conviria utilizar é o que
contém os centros de 4 faces do octaedro e é uma circunferência inscrita num losango
porque os diedros de um octaedro não são rectos.
Esta relação não é tão imediata como a anterior, já exige alguns cálculos mais
complexos.
Qual é o ângulo de duas diagonais espaciais de um cubo?
Qual é a medida do diedro de um tetraedro?
Qual é a medida do diedro de um octaedro?
Serão uma mera coincidência os valores encontrados?
Qualquer destas questões se resolve muito facilmente recorrendo a cortes
adequados no cubo.
Para o ângulo das duas diagonais o plano de corte é definido pelas próprias
diagonais.
1
α 2
tg 2 =
2
2
α
2 ≈ 35,26
o
α ≈ 70,53o
91
ACTIVIDADES COMENTADAS
Para o diedro do tetraedro, temos de escolher um plano que seja perpendicular
a uma aresta do sólido. O plano que contém duas arestas opostas do cubo facilita o
estabelecimento de relações.
β 2
tg 2 = 2
β
2 ≈ 35,26
o
β ≈ 70,53o
Para o diedro do octaedro o plano de corte pode ser o mesmo porque é
perpendicular a uma aresta do octaedro.
1
γ 2
tg 2 =
2
4
γ
2 ≈ 54,74
o
γ ≈ 109,47o
Notamos que os dois primeiros cálculos deram o mesmo valor e o terceiro deu
um ângulo suplementar. Isto não é mera coincidência, o plano de corte que utilizámos
nos três casos foi o mesmo, cada face do tetraedro é perpendicular a uma diagonal
espacial do cubo, e quatro das faces do octaedro estão contidas em faces do tetraedro.
Mas para além destes cortes, é interessante visualisar esta situação no espaço
construindo um octaedro dentro de um tetraedro, unindo os pontos médios das arestas
deste último com palhinhas e linha ou construindo um tetraedro a partir de um octaedro e
4 tetraedros com polydrons ou cartolina. A este respeito ver os artigos da Educação &
Matemática nº26, Tudo o que há num cubo…, de Eduardo Veloso, e nº38, Incentivando
a visualização espacial através de propriedades geométricas de tetraedros duais, de
Ana Maria Kaleff e Dulce Monteiro Rei.
92
ACTIVIDADES COMENTADAS
Problemas com aparente falta de dados
A designação que escolhemos fala por si. O que é interessante nestes
problemas é que os dados, aparentemente em falta, acabam por estar presentes nas
relações geométricas que é possível estabelecer na figura. No caso de problemas no
espaço estes reduzem-se muitas vezes a problemas no plano através de cortes.
Embora muitos destes problemas sejam métricos, o importante da sua resolução
não é, de modo nenhum, a aplicação de fórmulas de áreas e volumes, mas sim a
visualização e a descoberta de outros dados da figura. Porém, são bons problemas para
os alunos utilizarem as fórmulas aprendidas, ou não, anteriormente.
Qual é a área da região que fica entre três circunferências
tangentes, todas com o mesmo raio?
Três troncos cilíndricos, todos com 1 metro de
diâmetro, estão empilhados como mostra a figura.
Uma mosca pousou sobre o tronco superior. A que
altura se encontra a mosca?
Olimpíadas da Matemática
Estes são dois problemas diferentes mas cuja resolução passa pelo estudo da
mesma figura, o triângulo equilátero que se obtém unindo os centros das 3 circunferên-
cias. No problema do espaço temos que começar por considerar o corte por um plano
perpendicular aos troncos.
93
ACTIVIDADES COMENTADAS
No primeiro caso, depois de feito o esquema, o problema reduz-se ao cálculo da
diferença entre a área de um triângulo equilátero de lado 2r e metade (três sextos) da
área de um círculo de raio r.
O segundo problema, feito este esquema do corte, reduz-se à determinação da
altura de um triângulo equilátero.
Duas esferas estão encaixadas num recipiente cilíndrico com as
dimensões indicadas na figura. Qual é o volume de líquido
2
necessário para cobrir totalmente as duas esferas? 3
Se o líquido cobrir exactamente a esfera maior, que parte da esfera
menor fica de fora?
9
Este é mais um problema que se resolve recorrendo a um corte e à identificação
dos elementos que interessa relacionar. Usa-se o teorema de Pitágoras e surgem
imediatamente na figura vários dados que estavam escondidos. E é a resposta à última
questão que nos mostra como estas esferas encaixam.
5 5
3 3
3 3
2 4 3 4
Esta representação de duas circunferências tangentes entre si e ao rectângulo
sugere-nos o recurso ao computador (Cabri ou GSP) para estudar a variação dos raios,
da largura do rectângulo e da altura do líquido de uma forma dinâmica.
94
ACTIVIDADES COMENTADAS
Problemas que dão significado aos números
Historicamente sabemos que muitos problemas geométricos estiveram na
génese de novos números. Por outro lado num problema geométrico pode haver sempre
uma imagem visual que permite dar um significado aos números. Os números deixam de
ser assim uns símbolos que se manipulam de acordo com certas regras, para passarem
a ser informações quantitativas e de relação métrica entre elementos de uma ou mais
figuras. Por exemplo, posso ver 2 como a medida da diagonal de um quadrado de
lado 1 ou como a razão entre a diagonal e o lado de um quadrado qualquer. A primeira
imagem situa-me 2 entre 1 e 2, a segunda ilustra a incomensurabilidade dos dois
segmentos.
O facto de estes problemas surgirem de questões métricas não significa que
sejam encarados como simples problemas de cálculo, porque eles ajudam a criar
imagens que estabelecem conexões e que promovem a operacionalização dos
conceitos. Quanto maior for a diversidade de imagens que se tem sobre um conceito e
as suas ligações, maior será a destreza com que se opera com esse conceito.
Quais são as medidas das diagonais de um cubo de aresta 1? E de aresta 2? E de
aresta 10? E de aresta a?
c 2 = 12 + 12 d 2 = 12 + 12 + 12
c= 2 d= 3
Num cubo de aresta 2, o cálculo pode fazer-se da mesma maneira:
c 2 = 22 + 22 d2 = 2 2 + 2 2 + 2 2
c= 8 d= 12
95
ACTIVIDADES COMENTADAS
Mas também se pode pensar que um cubo de aresta 2 é formado por 8 cubos de
aresta 1, por isso as diagonais são o dobro das diagonais do primeiro cubo.
c=2 2 d=2 3
A comparação dos dois resultados para cada diagonal permite concluir que
8 =2 2 e 12 = 2 3
Esta pode ser uma forma de dar um significado visual à passagem de um factor
para fora, ou para dentro, de um radical.
Qual é a medida do lado de um quadrado de diagonal 1?
Podemos fazer este cálculo de duas maneira diferentes:
utilizando o teorema de Pitágoras directamente
2 l 2 = 12
1
l 1 1
l= 2 = 2
l
ou verificando que l é igual a metade da diagonal de um
1 quadrado de lado 1
l
2l= 2
2
l= 2
Embora a racionalização de denominadores deixe de ter a importância que já
teve com a utilização da calculadora, há algumas racionalizações que são muito úteis no
cálculo mental e na comparação de medidas. Saber que o inverso de 2 é metade de
2 e associar a esta igualdade uma imagem geométrica pode vir a facilitar o
estabelecimento de outras relações.
Um cubo tem volume 1. Qual deve ser a medida da aresta de um outro cubo com o
dobro do volume?
96
ACTIVIDADES COMENTADAS
Este é também um problema de proporcionalidade geométrica, mas a sua
pertinência aqui tem a ver com a História dos números irracionais.
Desenha um círculo cuja área seja π. Qual é a medida do perímetro?
Desenha um círculo cuja área seja 2π. Qual é a medida do raio?
Este é também um problema de construção e de proporcionalidade geométrica,
no entanto pretende-se com este tipo de questões que o aluno construa imagens
significativas dos irracionais com que trabalha frequentemente.
As figuras seguintes ilustram uma construção do rectângulo de ouro.
Descreve a sequência de passos utilizada para construir um rectângulo de ouro.
Constrói, o mais rigorosamente possível, um rectângulo de ouro. Depois mede os lados
do rectângulo e obtém a razão entre o comprimento do maior lado e o comprimento do
menor lado.
Utilizando agora os teus conhecimentos matemáticos, calcula o valor exacto dessa razão
quando o quadrado inicial mede 2. Se partisses de um quadrado com outra medida, a
razão seria diferente? Porquê?
97
ACTIVIDADES COMENTADAS
Problemas de proporcionalidade geométrica
A proporcionalidade tem sido um tema muito explorado desde sempre e ao
longo da História da matemática (Tales, Pitágoras, Eudoxo…) e conduziu, como é
sabido, ao conceito de incomensurabilidade. Do ponto de vista pedagógico, é
interessante estudar agora vários tipos de comparações métricas (comprimentos, áreas
e volumes), aproveitando as relações que é possível estabelecer entre elas.
Estes problemas exploram o inesperado das variações métricas quando
mudamos de dimensão. Por outro lado ajudam a contrariar o hábito de recorrer primeiro
ao que é linear. Alguns destes problemas são questões de aplicação bastante úteis e …
desconcertantes.
Qual é a razão entre as áreas dos dois quadrados inscritos um
no outro como mostra a figura? E a razão entre os perímetros?
Um aluno que esteja familiarizado com os objectos geométricos, que tenha
trabalhado o conceito de área com base na composição/decomposição de figuras,
imediatamente se apercebe da razão entre as áreas dos dois quadrados. Naturalmente
que estamos a enfatizar a relação medida/comparação deixando para segundo plano a
relação medida/cálculo. Tradicionalmente, o trabalho sobre áreas tem sido focalizado na
utilização de fórmulas, criando a perspectiva limitada de que medir uma área é fazer um
cálculo, perdendo-se até as noções de medida e de unidade de
medida.
Para relacionar a razão entre as áreas com a razão entre os
lados é necessário ter trabalhado os conceitos de semelhança e
proporcionalidade nos aspectos em que estes raciocínios se revelam
eficazes. O conceito de semelhança introduz dois raciocínios proporcionais importantes.
Um, é o raciocínio de proporcionalidade entre medidas lineares, que está intimamente
ligado à trigonometria e à resolução de triângulos, e que praticamente tem sido o único a
ser tratado. O outro, é o de proporcionalidade entre medidas não necessariamente
lineares (comprimentos, áreas e volumes) e que permite estabelecer outras relações.
98
ACTIVIDADES COMENTADAS
Estas têm sido muito ignoradas, apesar do seu poder e eficácia na resolução de
problemas.
L A 2 V 3
Se = r (razão de semelhança) então a =r e v =r;
l
A L V 3
se a =c então = c e v =( c )
l
V L 3 A 3 2
se v =k então = k e a =( k )
l
Se, por outro lado, resolvêssemos este problema utilizando o teorema de
Pitágoras, estaríamos a reduzi-lo a um simples exercício de cálculo, que não é
necessariamente de mais fácil compreensão que o processo que propusemos. Além
disso, este cálculo não iria trazer nada de novo, enquanto o outro abre hipóteses de
generalizações a outros polígonos e até a outras dimensões.
Qual é a razão entre os lados dos dois triângulos da figura?
À semelhança do problema anterior, a comparação das áreas é muito mais
simples do que a comparação entre os lados, mas para isso interessa escolher uma
unidade de área que facilite a comparação, fugindo à tentação de utilizar uma unidade
de área quadrada. Esta actividade pode ser precedida por outras de medição de áreas
(de triângulos, hexágonos, losangos, etc) em rede triangular, tomando para unidade o
triângulo elementar. É interessante fazer notar aos alunos que as fórmulas dependem da
unidade escolhida, no caso da unidade de área ser um triângulo a fórmula da área do
triângulo será “lado ao quadrado”.
No problema em discussão, um certo vício da nossa parte poderia levar-nos a
procurar relações entre lados e ângulos conduzindo à mera aplicação de razões
99
ACTIVIDADES COMENTADAS
trigonométricas. Esta opção empobreceria o problema retirando-lhe o significado e o
carácter geométrico.
Novamente, a combinação de um raciocínio de composição/decomposição de
áreas com um raciocínio baseado em semelhanças, abre outras perspectivas.
Esta resolução é mais concreta e não exige o recurso a um raciocínio muito
complexo nem a técnicas de cálculo, por isso é mais acessível. E é esta resolução que
nos permite relacionar este problema com o anterior, identificando, numa parte dessa
resolução, o mesmo tipo de raciocínio.
Qual é a fórmula da área de um círculo de raio r quando se toma para unidade de área
um círculo de raio 1?
Esta ideia vem desenvolver a ideia já trabalhada na questão anterior, de que as
fórmulas dependem da unidade escolhida mesmo quando esta não pavimenta a figura,
como é o caso do círculo.
Como a medida da área é a razão entre a área da figura que se está a medir (πr2
) e a área da unidade (π), podemos concluir que A = r2.
Quais são os polígonos que permitem obter por dobragem, segundo um eixo de simetria,
duas figuras semelhantes à inicial?
E se a dobragem não for segundo um eixo de simetria?
Os únicos polígonos que permitem obter, dobrando segundo uma recta, dois
polígonos com o mesmo número de lados são os triângulos e os quadriláteros. Por isso
esta investigação fica limitada ao estudo de triângulos e quadriláteros, e vai exigir que se
operacionalize todos os conceitos e conhecimentos sobre estes polígonos, nomea-
damente eixos de simetria, classificações, propriedades.
Os rectângulos que permitem obter por dobragem, segundo um eixo de simetria,
dois rectângulos semelhantes ao original são aqueles em que a razão entre as
100
ACTIVIDADES COMENTADAS
dimensões é 2 . É precisamente o que acontece com os formatos de papel
normalizados tipos A, B e C da convenção DIN.
Um recipiente cilíndrico tem capacidade para um litro. Como havemos de o graduar em
decilitros?
Outro recipiente cónico tem capacidade para um litro. Como havemos de o graduar em
decilitros?
Não interessa nada conhecer as dimensões dos sólidos. No cilindro, os espaços
entre as marcas vão ser todos iguais porque as secções têm todas a mesma área e
portanto os seus volumes vão ser proporcionais à altura. Esta ideia é coerente com a
intuição, qualquer pessoa divide a altura do cilindro ao meio para obter um cilindro com
metade do volume.
No que respeita ao cone, as coisas complicam-se porque a intuição falha
redondamente. É por isso que estes problemas são tão importantes de ser trabalhados.
Como os cones de líquido correspondentes a 0,1, 0,2, … litros são todos semelhantes
ao cone do recipiente e as razões entre os volumes são 0,1, 0,2 etc, as suas geratrizes
3 3
terão que estar na razão de 0,1 0,2 , …, com a geratriz do recipiente.
Pretendemos obter uma colecção de garrafas de água mineral, semelhantes entre si,
com capacidades de 0,25, 0,33, 0,5, 1 e 1,5 litros.
A partir das medidas de uma garrafa de 0,33 litros, obtém as medidas de todas as
garrafas desta colecção.
Nesta situação, o volume dos objectos é conhecido à partida, portanto não é o
cálculo do volume que está em jogo. Por outro lado, não importa a forma da garrafa a
estudar, embora seja importante que algumas garrafas estejam à mão. Convém notar
101
ACTIVIDADES COMENTADAS
que para as marcas disponíveis no mercado as garrafas de água mineral da mesma
qualidade não são geralmente semelhantes.
A segunda parte da questão parece envolver muitos e complicados cálculos,
devido às formas elaboradas das garrafas, o que poderá fazer pensar que é uma
questão difícil. Contudo o problema é independente da forma das garrafas, o que
interessa são as razões entre os seus volumes e a relação destas com as razões entre
as dimensões lineares e as áreas das bases.
Por exemplo, para a garrafa de 0,25 l
3
razão entre os volumes = = 4
3
3
razão entre as dimensões lineares =
4
2
⎛ 3⎞
razão entre as áreas = ⎜⎜ 3 ⎟⎟
⎝ 4⎠
Para as outras garrafas o raciocínio seria idêntico. Sugere-nos até o registo dos
resultados numa tabela, e o estudo das variações das dimensões lineares em função da
capacidade. Enquanto que o volume aumenta proporcionalmente ao cubo da razão de
semelhança, a área aumenta proporcionalmente ao quadrado dessa razão.
Em todas as situações está presente a relação “dobro de”.
Para cada figura, explicita qual é a relação “dobro de” e identifica outras relações entre
medidas das figuras.
102
ACTIVIDADES COMENTADAS
Fiz um desenho numa folha de papel A4 e quero ampliá-lo para uma A3. Qual deve ser a
percentagem de ampliação? E se eu quiser ampliar para A2? E para A1?
Usando uma folha de papel A4 para a superfície lateral de um cilindro, qual é o maior
volume que se consegue obter?
Quais são os volumes que se obtêm com folhas de papel A5, A3 e A2?
Uma pizza circular dá para uma pessoa. Para quantas pessoas dá uma pizza com o
dobro do raio?
Um novelo de lã dá para tricotar uma luva. Quantas luvas é possível fazer com um
novelo de lã que tem o dobro do diâmetro?
O triângulo de Sierpinsky é um fractal que se constrói da maneira que está ilustrada na
figura:
Se a área do primeiro triângulo for 1, quais são as áreas a branco nos outros triângulos?
E as áreas a negro?
Se construísses a figura seguinte na sequência, qual seria a área a branco? E a negro?
Se o processo de construção destas figuras continuar indefinidamente, o que achas que
vai acontecer à área a branco? E à área a negro?
Estes problemas e actividades ilustram a diversidade de situações em que a
proporcionalidade geométrica se aplica. Além disso, como é o caso do triângulo de
Sierpinsky, mostram como começar a ampliar esta noção, ligando-a com a teoria dos
fractais, e dando significado visual aos conceitos de sucessão, limite e dimensão não
inteira.
Algumas destas actividades, por serem abertas ou por serem realísticas, são
bons exemplos de propostas de trabalho para avaliação.
103
ACTIVIDADES COMENTADAS
Problemas de lugares geométricos
com o recurso a referenciais
A utilização de referenciais permite que se defina e estude uma figura
geométrica a partir de coordenadas, trabalhando, portanto, numerica ou algebricamente.
Porém, esta vantagem da geometria analítica tem um perigo, o de nos fazer esquecer as
figuras de partida e passar a trabalhar com números ou expressões desligados do seu
significado. Nos problemas de representação discutimos várias questões ligadas à esco-
lha de referencial, que aqui podemos retomar ligando-as à definição de lugares geomé-
tricos através de condições.
O estudo de lugares geométricos foi já iniciado no 8º ano do ponto de vista da
sua visualização e representação. Agora vamos ampliar e desenvolver este conceito,
fazendo a ligação plano/espaço, trabalhando com distâncias expressas em função de
coordenadas, e ligando-o ao conceito de condição.
Um dos cuidados a ter no estudo das figuras pelo método cartesiano é conseguir
trabalhar uma grande diversidade de figuras sem cair em cálculos fastidiosos e
distractivos do essencial. Até porque o excesso de cálculos nada vem acrescentar à
visualização da figura e faz cair na mecanização que pretendemos evitar.
Sobre estes aspectos o programa é bem explícito: “O professor deve incentivar o
aluno a fazer em todas as situações uma figura geométrica de modo a tirar proveito da
visualização do problema e a desenvolver a sua capacidade de representação não
deixando que o aluno se limite à resolução exclusiva de equações ou à utilização de
fórmulas. Além do mais o aluno deve descrever com algum detalhe o processo utilizado,
justificando adequadamente.” Matemática - Programas 10º, 11º e 12º (p.19), DES, 1997.
Estes problemas são também um óptimo pretexto para o aluno integrar outros
conhecimentos, nomeadamente no que respeita a construções, posições relativas e rigor
de linguagem. Apesar de neste tipo de problemas estar implícito o raciocínio lógico,
achamos desejável que a sua formalização seja feita mais tarde, no 11º ano, quando os
alunos já estiverem familiarizados com a utilização do método cartesiano e integrado no
estudo de conjuntos definidos por condições, como aí está previsto. Vem a propósito
notar que o programa prevê o Tema Geral - Lógica e Raciocínio Matemático,
lateralmente ao corpo do programa, para que os seus itens sejam tratados ao longo dos
três anos. “No corpo do programa são feitas algumas sugestões para as oportunidades
104
ACTIVIDADES COMENTADAS
da abordagem destes temas, mas cabe ao professor, consideradas a maturidade dos
alunos e as condições das turmas, decidir quando e onde deve fazer a abordagem
proposta.” Matemática - Programas 10º, 11º e 12º (p.36), DES, 1997.
Coloca um quadrado [ABCD] num referencial e obtém equações das mediatrizes de
cada um dos lados e de cada uma das diagonais.
Para cada mediatriz indica a posição relativa aos eixos coordenados e a outros
elementos do quadrado.
Coloca o cubo da figura num referencial.
Define por uma condição cada um dos planos mediadores das
arestas e das diagonais faciais.
Para cada plano indica a posição relativa aos planos coordenados
e aos eixos do referencial.
Neste problema, o aluno é confrontado com situações análogas no plano e no
espaço e com equações do primeiro grau que definem rectas, no primeiro caso, ou
planos, no segundo.
Poderá ser interessante aprofundar a razão porque a mesma equação, x – y = 0
por exemplo, representa uma recta no referencial do plano e um plano no referencial do
espaço. É como se arrastássemos a recta, mantendo a relação entre a abcissa e a
ordenada de cada ponto e fazendo variar as cotas em R. Esta imagem permite
facilmente concluir qual é a relação entre a recta e o plano definidos pela equação, a
recta é a intersecção desse plano com o plano xOy, e concluir também que esse plano é
paralelo ao eixo Oz.
Num referencial do plano a equação x2 + y2 = 1 define uma circunferência de centro na
origem e raio 1. Qual é a figura geométrica que esta equação define num referencial do
espaço?
Voltando a utilizar a imagem do “arrastamento”, como no comentário anterior,
uma circunferência vai descrever uma superfície cilíndrica quando fazemos a cota variar
em R. Assim, x2 + y2 = 1 é a equação duma superfície cilíndrica, ilimitada, em que o eixo
de revolução é o eixo Oz. Se quisermos definir um cilindro, basta limitar as cotas. Por
105
ACTIVIDADES COMENTADAS
exemplo, x2 + y2 = 1 ∧ 0 ≤ z ≤ 2, representa um cilindro com raio da base igual a 1 altura
igual a 2.
Esta discussão pode ainda ser prolongada tentando interpretar as mesmas
equações quando se trocam as variáveis. Por exemplo, x2 + z2 = 1 e y2 + z2 = 1 são
também equações de superfícies cilíndricas, mas em que os eixos de revolução
passaram a ser Oy e Ox, respectivamente.
Este é mais um contributo para a ideia de que a equação de uma figura, seja ela
uma curva ou uma superfície, está relacionada com o referencial escolhido mas é
sempre o mesmo tipo de equação ou, como dizia Descartes, “a curva resultará sempre
da mesma classe” (ver Problemas de representação).
Considera, num referencial do espaço, uma esfera de centro na origem e raio r. Define o
conjunto dos pontos da superfície esférica que estão à distância k do plano xOy.
Discute a influência da relação entre k e r neste conjunto de pontos.
O lugar geométrico dos pontos que estão a uma distância dada de um plano são
dois planos paralelos a ele. Neste caso, os planos de equações z = k e z = -k. O que
vamos fazer é intersectar a superfície esférica por estes planos e obter as equações dos
cortes.
Se k > r, os planos não intersectam a superfície esférica e o conjunto de pontos
é vazio.
Se k = r, os cortes são dois pontos:
(0, 0, k) e (0, 0, -k)
Se k < r, os cortes são duas circunferências:
x2 + y2 + z2 = r2 ∧ |z| = k
A substituição do z por ± k, na equação da superfície esférica, leva-nos à
equação de uma circunferência num referencial do plano, x2 + y2 = r2 – k2. Neste caso,
nos planos z = k e z = -k, paralelos ao plano xOy.
Esta generalização poderá ser feita com os alunos, mas só depois de estudar
vários casos concretos, com dados numéricos.
106
ACTIVIDADES COMENTADAS
Problemas de geometria analítica
em que a visualização evita cálculos longos que nada acrescentam
Como temos vindo a referir e a exemplificar, a geometria analítica é um método
para resolver problemas de geometria. Como tal, deve ser trabalhado com os alunos
como uma ferramenta a acrescentar às que os alunos já conhecem e a utilizar em
articulação com elas.
Uma das ideias importantes desta articulação é o conceito de simetria, muito
ligado à visualização, e as suas traduções em termos de coordenadas e de equações.
Quando existem simetrias numa figura, nomeadamente relativas aos eixos ou aos
planos coordenados, então existem simetrias nas coordenadas dos pontos e
especificidades nas equações, e reciprocamente, como veremos nos exemplos
seguintes.
Outra ideia desta articulação, que é nova neste programa, é o conceito de
transformação afim e a sua tradução em termos de condições, como veremos para a
elipse. Qualquer destes conceitos, simetria e transformação afim, serão também
trabalhados no estudo gráfico de famílias de funções ao longo de todo o programa de
Matemática do Secundário.
Mostra que se o ponto A, de coordenadas (a, b), pertence a uma circunferência de cen-
tro na origem, o ponto de coordenadas (b, a) também pertence a essa circunferência.
Indica, pelas suas coordenadas outros três pontos dessa circunferência que, com o
ponto A, sejam vértices de um rectângulo.
Indica as coordenadas de mais alguns pontos dessa circunferência. Com os pontos
todos que obtiveste, que outras figuras consegues obter?
Este problema deve começar por ser um problema numérico, e só depois de
estudar uma situação particular, partir para a generalização.
Podemos encarar esta situação como uma simples questão de cálculo, visto que
a partir da equação da circunferência x2 + y2 = r2, e por mera manipulação algébrica, é
possível obter todos os pontos pedidos. No entanto, a segunda parte do problema, em
que se pretende que o aluno identifique as figuras definidas por esses pontos, já se torna
extremamente complexa e desinteressante, se abordada dessa maneira.
107
ACTIVIDADES COMENTADAS
Porém, uma visualização da situação e o recurso às simetrias da circunferência
relativamente aos eixos coordenados e às bissectrizes dos quadrantes, dá-nos as coor-
denadas dos pontos pedidos e permite-nos identificar as figuras por eles definidas.
A bissectriz dos quadrantes ímpares é um eixo de sime-
tria da circunferência, o ponto de coordenadas (b, a) é
simétrico do ponto (a, b) relativamente a este eixo, logo
pertence à mesma circunferência. Outra maneira de
resolver esta questão seria reforçar a ideia de lugar
geométrico, verificando que os dois pontos estão à
mesma distância da origem.
Em cada um dos casos, as coordenadas dos vértices dos rectângulos foram
obtidas por simetrias relativamente aos eixos Ox e Oy, que são simultaneamente eixos
de simetria da circunferência e dos rectângulos. Ao sobrepormos os dois rectângulos
apercebemo-nos de outras figuras. Por exemplo:
– Um quadrado de vértices (a, b), (-b, a), (-a, -b) e (b, -a). A demonstração de que esta
figura é um quadrado pode ser feita de várias maneiras. Dependendo da maturidade dos
alunos, pode ser feita para um caso particular ou para o caso geral. Uma maneira
interessante de fazer esta demonstração é recorrer ao facto de o quadrilátero ser um
rectângulo com os lados todos iguais: é um rectângulo porque as diagonais
bissectam-se no ponto (0, 0), centro da circunferência, e são iguais porque são
108
ACTIVIDADES COMENTADAS
diâmetros de uma circunferência; é um quadrado porque os seus lados são todos iguais,
a medida do lado é 2a2 + 2b2 .
– Um octógono que cabe investigar se é regular. É interessante investigar qual deve ser
a razão entre a e b para que isto aconteça. No entanto, esta verificação exige cálculos
que não são acessíveis à maioria dos nossos alunos do 10º ano, mas é um bom
problema para os professores.
Partindo das coordenadas do ponto A, por permutação e simetrias, obtivémos
oito pontos. No espaço, partindo de um ponto (a, b, c) e usando o mesmo tipo de
raciocínio, vamos obter 48 pontos. Por isso só uma parte desta discussão pode ser
passada para o espaço.
Mostra que se o ponto A, de coordenadas (a, b, c), pertence a uma superfície esférica de
centro na origem, os pontos de coordenadas (b, c, a) e (c, a, b) também pertencem a
essa superfície esférica.
Indica, pelas suas coordenadas outros três pontos dessa superfície esférica que
pertençam ao primeiro octante.
Indica, pelas suas coordenadas outros pontos dessa superfície esférica que, com o
ponto A, sejam vértices de um paralelepípedo.
Indica as coordenadas de mais alguns pontos dessa superfície esférica. Entre os pontos
que escolheres, agrupa os que pertencem a um mesmo plano paralelo a um dos planos
coordenados.
No problema do plano, tínhamos dois rectângulos inscritos na circunferência; no
espaço, vamos ter seis paralelepípedos inscritos numa superfície esférica, todos eles
com um vértice em cada octante.
109
ACTIVIDADES COMENTADAS
Como baseámos toda esta discussão na visualização, a discussão desta situa-
ção poderá ter algum desenvolvimento com alunos que tenham mais facilidade em ver
no espaço.
Se partirmos de uma circunferência com centro na origem de um referencial, e a
“esticarmos” na direcção do eixo Ox, obtemos uma elipse.
Referencial Oxy Referencial OXY
A partir da equação da circunferência da figura, obtém uma equação para a elipse.
A elipse é um lugar geométrico bastante acessível de visualizar, basta pensar na
construção de uma elipse pelo método do jardineiro. No entanto, a dedução da sua
equação, baseada numa soma de distâncias constante é extremamente pesada do
ponto de vista de cálculo. O programa de Matemática, é bem explícito na forma de obter
equações para uma elipse, “facilmente, a partir da circunferência, por meio de uma
mudança afim de uma das coordenadas”. Matemática - Programas 10º, 11º e 12º (p.19),
DES, 1997.
Este problema deve ser tratado numericamente, com casos particulares, e só
com alunos especialmente interessados, deduzir a equação no caso geral, como aqui
vamos fazer.
Sabemos que a equação da circunferência é x2 + y2 = r2. A transformação afim
das abcissas dos pontos da circunferência traduz-se por
Y = y e X = kx
Resolvendo estas equações em ordem a x e y, obtemos
X
y=Y e x= k
Substituindo x e y na equação da circunferência, obtemos uma equação para a
elipse:
X
( k )2 + Y2 = r2
110
ACTIVIDADES COMENTADAS
Esta equação pode ser transformada noutras equivalentes:
X2 2 2
k2 + Y = r ou X2 + k2Y2 = r2
Precisámos aqui de utilizar X e Y para podermos fazer a substituição sem haver
perigo de confusão, mas se representarmos as duas figuras no mesmo referencial,
teremos
x2 + y2 = r2 para a circunferência e x2 + k2y2 = r2 para a elipse.
Uma elipse tanto pode ser feita pelo “alongamento” da circunferência cujo raio
coincide com o semi-eixo menor, como pelo “achatamento” da circunferência cujo raio
coincide com o semi-eixo maior.
A partir da equação de uma circunferência conveniente,
escreve uma equação para a elipse da figura.
Como já vimos há duas circunferências, com centro na origem, que permitem
obter a equação da elipse
111
ACTIVIDADES COMENTADAS
“Achatamento” da circunferência maior: “Alongamento” da circunferência menor:
2 2
- circunferência: x +y =9 - circunferência: x2 + y2 = 4
- transformação: - transformação:
2 3
X= 3 x e Y=y X=x e Y =2 y
3 2
x= 2 X e y x=X e y= 3 Y
=Y - substituição:
- substituição: 2
X2 + (3 Y)2 = 4
3
(2 X)2 + Y2 = 9
9X2 + 4Y2 = 36
9X2 + 4Y2 = 36
Como estávamos à espera, obtivémos a mesma equação pelos dois processos.
Considera as duas elipses de equações
2x2 + y2 = 3 e x2 + 2y2 = 3
Representa as duas elipses no mesmo referencial indicando as coordenadas dos pontos
de intersecção com os eixos.
Obtém as coordenadas dos pontos de intersecção das duas elipses.
A representação das elipses em referencial não obriga a um conhecimento
especial dos parâmetros que aparecem nas equações. Basta substituir, nas equações,
uma das coordenadas por 0, para obter a outra. Além disso, depois de representarmos
uma delas, a outra obtém-se por simetria relativamente à bissectriz dos quadrantes
ímpares, uma vez que as duas equações só diferem na troca das coordenadas.
2x2 = 3 y2 = 3
3
x=± 2 y=± 3
A determinação dos pontos de intersecção, sem recorrer à
visualização e às simetrias das elipses, daria origem à
resolução de um sistema de duas equações do 2º grau a duas
112
ACTIVIDADES COMENTADAS
incógnitas, mera manipulação algébrica, e que nem é do âmbito deste programa.
Recorrendo às simetrias das elipses, facilmente se reconhece que estes pontos estão
nas bissectrizes dos quadrantes, e por isso, fazendo x = y, obtém-se
2x2 + x2 = 3
x2 = 1
x=±1
Dois dos pontos pedidos são (1, 1) e (-1, -1) e os outros dois são os simétricos
destes relativamente aos eixos coordenados (1, -1) e (-1, 1).
Considera a superfície esférica de centro na origem do referencial e raio 2.
Que figura se obtém se cortarmos a esfera por um plano?
Em cada caso, caracteriza o corte da superfície esférica pelo plano definido por:
x=0 y=1 z=3
Caracteriza, por equações, os planos tangentes à esfera que são paralelos ao plano
xOy.
Cortando uma esfera por um plano, obtém-se um círculo ou um ponto. Os
círculos que se podem obter têm, no máximo, raio 2, são os círculos máximos.
Se cortarmos a superfície esférica pelo plano x = 0, obtemos uma circunferência
de raio 2, uma vez que o plano contém o centro da esfera. Como a equação da
superfície esférica é x2 + y2 + z2 = 4, a sua intersecção com o plano x = 0 é dada por
x2 + y2 + z2 = 4 ∧ x = 0
Se substituirmos x por 0 na equação da superfície esférica, obtemos a equação da
circunferência do corte, no referencial do plano yOz:
y2 + z2 = 4.
113
ACTIVIDADES COMENTADAS
Se cortarmos a superfície esférica pelo plano y = 1, obtemos uma circunferência
de raio menor que 2, uma vez que o plano não contém o centro da esfera. Como a
equação da superfície esférica é x2 + y2 + z2 = 4, a sua intersecção com o plano y = 1
dada por
x2 + y2 + z2 = 4 ∧ y = 1
Se substituirmos y por 1, obtemos a equação dessa circunferência num referencial xOz
do plano y = 1:
x2 + z2 = 3
Concluímos que a circunferência tem raio 3 .
O plano z = 3 não intersecta a superfície esférica porque a sua cota, 3, excede o
maior valor que as cotas dos pontos da superfície esférica podem ter, 2, que é o raio.
Aliás, nenhum ponto da esfera tem nenhuma coordenada superior a 2.
Um plano paralelo ao plano xOy é um plano de equação z = k, e é perpendicular
ao eixo das cotas. Para que um destes planos seja tangente à superfície esférica, basta
que o valor absoluto da sua cota seja igual ao raio. Há por isso dois planos nesta
situação, são os planos definidos pelas equações z = 2 e z = -2.
114
ACTIVIDADES COMENTADAS
Problemas de demonstração
Este programa de Matemática exclui a abordagem axiomática da geometria
(pág. 18), porém a existência de uma axiomática não é condição necessária para que se
possam fazer demonstrações. Como está referido no texto “Geometrias e sua História”
desta brochura, a demonstração pode ser feita desde que sejam explicitamente enun-
ciadas e admitidas como verdadeiras as proposições utilizadas para as justificações.
Sobre a problemática da demonstração em geometria e o papel que ela pode ter
no ensino secundário, aconselhamos a leitura do livro Ensino da geometria: temas
actuais, da autoria de Eduardo Veloso, a publicar brevemente pelo Instituto de Inovação
Educacional.
Os problemas que vamos apresentar dão algumas ideias de como se pode
iniciar os alunos na demonstração, recorrendo a instrumentos matemáticos diversi-
ficados (conhecimentos da geometria sintética, método cartesiano, vectores) e a tipos de
raciocínios diversos.
O recurso ao computador para actividades de investigação em Ambientes
Geométricos Dinâmicos (AGD) tem vindo a revelar-se como um poderoso meio de
conduzir os alunos a fazer conjecturas e a sentir a necessidade da sua justificação.
Nesta perspectiva, o computador é um meio de experimentação que não demonstra mas
que conduz à necessidade de demonstrar. Para um aprofundamento desta problemática
deve ser consultado o artigo de Margarida Junqueira referido na bibliografia.
Não é demais reforçar que uma demonstração nunca é a única possível e que
por isso os alunos devem ser estimulados a formular as suas demonstrações, cabendo
ao professor ajudá-los a melhorar a forma de as exprimir.
Prova que por corte de um cubo não é possível obter um pentágono regular.
Começamos por admitir que é possível obter pentágonos por corte num cubo, o
que não é fácil de demonstrar, mas também não é necessário a este nível, pela
evidência que os materiais manipuláveis nos permitem obter. Basta usar um cubo de
acrílico com líquido colorido e ver a superfície do líquido intersectar cinco faces do cubo.
O que se pretende aqui demonstrar é que não é possível obter um pentágono
regular, para o que não basta fazer algumas observações e dizer que: “não é possível
115
ACTIVIDADES COMENTADAS
obter nenhum pentágono regular porque não conseguimos colocar o líquido de maneira
a ver um”.
Como o plano de corte intersecta cinco faces do cubo, quatro delas são
paralelas duas a duas. Por isso, qualquer pentágono terá sempre dois pares de lados
paralelos visto que um plano corta planos paralelos segundo rectas paralelas.
AB // CD
BC // ED
Um pentágono regular não tem lados paralelos, logo não é possível obter um
pentágono regular por corte de um cubo.
Unindo os pontos médios de lados consecutivos de um quadrilátero qualquer, obtém-se
um novo quadrilátero.
Que características tem o quadrilátero obtido?
Recorrendo a um Ambiente Geométrico Dinâmico, a experiência vai conduzir à
conjectura de que este quadrilátero é sempre um paralelogramo. Sem recorrer a esse
auxiliar pode propor-se logo ao aluno que demonstre esta proposição, o que nunca terá
o mesmo efeito do que se for o aluno a descobrir e enunciar as características desse
quadrilátero.
Para fazer esta demonstração há pelo menos dois processos bastante simples e
acessíveis a estes alunos: utilizando vectores, sem referencial, ou recorrendo à decom-
posição em triângulos.
Demonstração vectorial:
Partindo do pressuposto que dois pontos definem um segmento de recta e que
este define dois vectores simétricos, podemos considerar os vectores definidos pelos
lados dos quadriláteros. Aceitamos também como válidas as propriedades da adição de
vectores e do produto de um número real por um vector.
116
ACTIVIDADES COMENTADAS
Concluímos que os segmentos orientados [MN] e [QP] representam o mesmo
vector, logo são paralelos e com o mesmo comprimento. O mesmo se poderia concluir
para os segmentos orientados [MQ] e [NP]. Um quadrilátero com os lados paralelos dois
a dois é um paralelogramo.
Demonstração por decomposição em triângulos:
Aceitamos como pressuposto que num triângulo o segmento de recta que une
os pontos médios de dois lados é paralelo ao terceiro lado e que duas rectas paralelas a
uma terceira são paralelas entre si.
No triângulo [ABD], [MQ] é o segmento definido pelos
pontos médios dos lados [AB] e [AD], logo é paralelo ao lado
[BD].
No triângulo [BCD], [NP] é o segmento definido pelos
pontos médios dos lados [BC] e [CD], logo é paralelo ao lado
[BD].
Como [MQ] e [NP] são paralelos ao mesmo segmento, [BD], são paralelos entre si. Do
mesmo modo se demonstra que [MN] é paralelo a [QP]. Um quadrilátero com os lados
paralelos dois a dois é um paralelogramo.
Esta situação pode levar-nos a colocar mais algumas questões sobre as
relações entre os dois quadriláteros.
117
ACTIVIDADES COMENTADAS
No quadrilátero [ABCD] os pontos médios dos lados são M, N, P e Q.
Qual é a razão entre a área do paralelogramo [MNPQ] e a área do quadrilátero [ABCD]?
Provar que há uma relação entre os elementos de duas figuras, que é
independente de particularidades das figuras, também é uma demonstração.
Neste caso, a exploração em computador conduz os alunos à conjectura de que
a área do paralelogramo [MNPQ] é metade da área do quadrilátero [ABCD], mas não
serve para demonstrar o caso geral.
Esta demonstração pode fazer-se recorrendo à decomposição em triângulos e à
razão entre as áreas dos triângulos semelhantes.
1
O triângulo [AMQ] é semelhante ao triângulo [ABD], a razão de semelhança é 2
1
logo a razão entre as áreas é 4 . O triângulo [CPN] é semelhante ao triângulo [CDB], a
1 1
razão de semelhança é 2 logo a razão entre as áreas é 4 .
1 1
área [AMQ] + área [CPN] = 4 área [ABD] + 4 área [CDB]
1
= 4 área [ABCD]
Do mesmo modo se prova que
1
área [BNM] + área [DQP] = 4 área [ABCD]
Conclui-se assim que a soma das áreas dos quatro triângulos é metade da área
do quadrilátero [ABCD], e portanto a área do paralelogramo [MNPQ] também é metade
da área deste quadrilátero.
118
ACTIVIDADES COMENTADAS
A que condições tem que obedecer o quadrilátero [ABCD] para que o paralelogramo que
se obtém unindo os pontos médios dos seus lados seja:
- um rectângulo;
- um losango;
- um quadrado.
É interessante notar que a partir de uma situação se foram fazendo conjecturas
de natureza diferente que conduzem a demonstrações com características também
diferentes.
O baricentro de um triângulo [ABC] é o ponto de encontro das suas medianas. O
baricentro G define com os vértices do triângulo três vectores GA, GB e GC, tais que
GA + GB + GC = 0
Mostra que num triângulo o baricentro divide cada mediana em dois segmentos tais que
o comprimento de um é o dobro do comprimento do outro.
Vamos fazer esta demonstração recorrendo à definição vectorial de baricentro,
às propriedades da adição de vectores e ao facto de as diagonais de um paralelogramo
se bissectarem.
GA + GB + GC = 0
GB + GC = – GA
GD = – GA
Assim, podemos concluir que os pontos A, G, M e D são colineares e que os
segmentos [GA] e [GD] têm o mesmo comprimento.
Por outro lado, [GD] e [GC] são diagonais de um paralelogramo e, por isso,
bissectam-se.
1 1 1
Assim, podemos concluir que GM = 2 GD. Então GM = 2 GD = 2 GA.
Isto significa que o baricentro divide uma mediana em dois segmentos cujos
comprimentos estão entre si na razão de 1 para 2.
119
ACTIVIDADES COMENTADAS
Problemas que conduzem ao estudo de funções
Uma das potencialidades das figuras geométricas é o estabelecimento de
relações entre elementos da figura ou entre figuras. Estas relações podem ser estuda-
das de forma dinâmica, recorrendo ao software ou aos materiais já mencionados, e em
paralelo com uma abordagem gráfica e analítica.
Por outro lado, muitos conceitos sobre funções podem ser introduzidos a partir
de representações geométricas. As vantagens são várias:
– a visualização do problema;
– a visualização e interpretação de elementos críticos (domínio, contradomínio,
zeros, máximos, mínimos) e de situações limite;
– a utilização de conhecimentos anteriores e a articulação de ideias de natureza
diferente;
– a abertura para o estudo computacional.
Com o apoio das novas tecnologias, calculadoras gráficas e software, que
vieram revolucionar a lógica de trabalho com funções, podemos estudar com a mesma
facilidade uma função linear, como uma quadrática ou outra polinomial, bem como
funções irracionais, trigonométricas, etc. Por isso não há razões para não estudar todo o
tipo de funções que recorrem maioritariamente a relações entre dados de uma figura, ou
a relações entre figuras no plano e no espaço. Muitas destas relações baseiam-se em
medidas, nomeadamente perímetro, área e volume.
A lista de problemas e investigações em geometria que conduzem ao estudo de
funções é vastíssima. Vamos dar uma lista de alguns problemas, sem comentar,
remetendo para a leitura da brochura sobre Funções. A nossa perspectiva de exploração
destes problemas é iniciá-los sempre recorrendo à visualização e aos conhecimentos de
geometria inerentes, e só passar ao estudo gráfico e analítico posteriormente.
Alguns destes problemas levam ao estabelecimento de fórmulas que podem ser
obtidas fora do âmbito das funções e serem retomadas mais tarde para introduzir ou
consolidar conceitos como variável, função, etc.
Vamos propor algumas actividades que não comentaremos, deixando ao critério
do professor a sua exploração no tema Geometria e no tema Funções.
120
ACTIVIDADES COMENTADAS
Pequenas investigações sobre polígonos:
• Número de diagonais em função do número de lados.
• Soma dos ângulos internos em função do número de lados.
• Medida do ângulo interno de um polígono regular em função do número de lados.
• Medida do ângulo externo de um polígono regular em função do número de lados.
• Perímetro de um polígono regular em função do lado.
• Relação entre as duas dimensões de rectângulos equivalentes.
• Área do quadrado em função da diagonal.
• Área de rectângulos isoperimétricos em função de um dos lados.
Qual é o rectângulo de maior área que se pode inscrever num triângulo rectângulo
- dadas as medidas dos dois catetos.
- dadas as medidas de um cateto e de um ângulo agudo.
Dado um quadrado de lado k, considera-se um ponto P, que se desloca ao longo de um
dos lados e que vai gerando quadrados inscritos no quadrado dado.
Entre que valores pode variar o deslocamento?
Observando as figuras, e sem fazer cálculos, faz um esboço de um gráfico que traduza a
variação da área em função do deslocamento de P.
Define analiticamente a função e confirma o gráfico que esboçaste.
Quando é que a área é mínima? Quando é que é máxima? Qual é o contradomínio?
Há deslocamentos diferentes que dêem origem a quadrados com áreas iguais?
Estudar a variação da área de um rectângulo inscrito num círculo, em função da altura.
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ACTIVIDADES COMENTADAS
De um rectângulo com medidas a e b vamos cortar quatro quadrados nos cantos, para
obter a planificação de uma caixa aberta em forma de paralelepípedo.
Entre que valores pode variar o lado do quadrado cortado?
Define analiticamente o volume da caixa como função do lado do quadrado cortado.
Qual é a medida do lado do quadrado cortado para que o volume da caixa seja máximo?
Um cubo de acrílico transparente está assente sobre uma
aresta, num plano horizontal, de modo que a diagonal
facial representada fique vertical. Quando o enchemos de
líquido, o perímetro das secções definidas pela superfície
de líquido vai variando.
Entre que valores pode variar a altura de líquido?
Que polígonos são essas secções? Para quanto tende o perímetro quando a altura de
líquido tende para zero? Entre que valores pode variar o perímetro?
Como é o gráfico do perímetro em função da altura de líquido?
Define analiticamente a variação do perímetro da secção em função da altura de líquido
e faz um estudo completo da função.
Estudar a variação da área de um rectângulo inscrito num triângulo isósceles de base b
e altura h, em função da altura do rectângulo.
Estudar a variação do volume de um cilindro inscrito num cone com base de raio r e
altura h, em função da altura do cilindro.
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