Transição Religiosa
Transição Religiosa
Introdução
Os dados dos censos demográficos do ibge mostram que o Brasil está passando por
uma grande transformação na sua moldura de filiações religiosas. A aceleração das
mudanças econômicas, sociais e demográficas, passando de uma conformação rural-
-agrária para uma configuração urbano-industrial, provocou descontinuidades entre
uma época marcada pelo baixo ritmo de mudança e uma nova era, de ritmo acelerado,
em que o tempo e o espaço são mutáveis e constantemente desestabelecidos. Na se-
gunda modernidade, como mostrou Giddens (1991), a reflexividade passa a ser uma
característica fundamental das ações humanas, havendo diferentes “mecanismos de
desencaixe” que deslocam as relações sociais dos seus contextos locais de interação.
A ordem social tradicional tem sofrido sucessivos abalos e liberado forças reprimi-
das e concentradas que explodem em novas formas de relacionamento, gerando
uma dinâmica de ondas consecutivas de mudanças e inovações que se difundem
pelo território nacional, em diferentes ritmos, às vezes superpostas, mas ainda sem
encontrar uma nova acomodação. As novas gerações vivem em um mundo diferente
daquele dos seus antepassados e são mais sucetíveis à migração religiosa, às novas
formas de pertencimento e às diferentes experiências religiosas, não necessariamente
institucionalizadas.
1. Este artigo é resultado de pesquisa que contou com o apoio recebido do Conselho Nacional de Desen-
volvimento Científico e Tecnológico (cnpq), Brasil, Edital Universal.
Distribuição espacial da transição religiosa no Brasil, pp. 215-242
tuto de Pesquisas pew (2014), mostrou que o número de pessoas que se declaram
protestantes continua crescendo em todo o continente, enquanto aquelas criadas no
catolicismo vêm deixando a religião. No total da região, 69% dos latino-americanos
identificam-se como católicos, apesar de 84% afirmarem ter o catolicismo como reli-
gião de criação. No Brasil, uma em cada cinco pessoas é ex-católica. Ainda segundo
o Instituto pew, o Brasil, embora com a maior população católica do planeta, tinha
somente 61% dos habitantes declarando-se católicos (menos que no Censo 2010).
O instituto considera que até 2030 o Brasil não terá mais maioria católica.
Diversos estudos já apontavam para o processo de perda da hegemonia católica,
como os artigos de Sanchis (1997) e Decol (1999). Em seu título, o artigo de Birman
e Leite (2002) perguntava: “O que aconteceu com o antigo maior país católico do
mundo?” Com a divulgação do Censo demográfico 2010, do ibge, os estudos se
multiplicaram. No texto “Números e narrativas”, a pesquisadora Clara Mafra, que
agregou o grande conhecimento das abordagens teóricas com a prática empírica
de consultora externa do ibge para classificação das religiões, oferece uma visão
panorâmica da dinâmica religiosa com base nos dados do Censo 2010 e observa:
“Para desenvolver suas habilidades analíticas, os especialistas de religião deveriam
ter uma quantidade maior de números brutos de origem censitária para trabalhar”
(Mafra, 2013, p. 14). Steil, comentando o texto anterior, recomenda evitar tratar
“cada igreja ou grupo religioso num território fechado, ainda que poroso e marcado
por um trânsito intenso de fiéis, símbolos, ideias e objetos” (Steil, 2013, p. 29). Mariz
(2013) chama a atenção para a necessidade de se ampliar o conhecimento sobre a
metodologia de pesquisa do ibge e as mudanças ocorridas no campo religioso.
Evidentemente, não se deve “reduzir a pluralidade do campo religioso brasileiro
à mera polarização minorias x maiorias” como apontou Fernandes (2015, p. 305).
Mas sem desconsiderar as recomendações metodológicas e teóricas e as diferentes
possibilidades de análise, alguns artigos recentes concentram suas análises nos mo-
vimentos mais agregados da mudança religiosa brasileira e estimam que os católicos
podem perder a maioria populacional até 2030 e podem ser ultrapassados pelos
evangélicos até 2040 (Alves et al., 2012; Camurça, 2013; Coutinho e Golgher, 2014).
Considerando que a transição religiosa é um fenômeno que está em curso e precisa
ser mais bem quantificado, qualificado e compreendido, o objetivo deste artigo é
analisar o processo de mudança da hegemonia religiosa entre os dois maiores grupos
religiosos do Brasil: católicos e evangélicos. Não é foco deste texto analisar o quadro
da diversidade e da pluralidade religiosa que acompanha o processo de transição,
bem como as especificidades das diferentes denominações evangélicas em curso
e do grupo dos sem religião. Outros artigos já trabalharam e deram importantes
contribuições ao estudo da questão da distribuição espacial das filiações religiosas
Existe um consenso na literatura dos estudos de religião de que a Igreja católica perdeu
sua antiga condição de monopólio e pilar da sociedade, deixando de ser “a religião dos
brasileiros” (Menezes, 2012, p. 10). Outro consenso é que, nas últimas décadas, há
uma “transformação do campo religioso no Brasil” (Sanchis, 2012, p. 5). De fato, o
declínio do catolicismo já vinha sendo objeto de estudo, pelo menos, desde a década
de 1970 (Camargo, 1971). Porém, não havia clareza e concordância sobre o ritmo e
o grau da queda da religião hegemônica. Não estava claro se era um movimento pen-
dular, de fluxo e refluxo, tipo conjuntural, ou de um processo de transição estrutural
das filiações religiosas no Brasil.
Analisando as transformações do campo religioso brasileiro com base nos dados
de uma pesquisa do final da década de 1990, Almeida e Montero (2001) constatam
que os católicos funcionam como uma espécie de “doador universal”, de onde todos os
segmentos arregimentam boa parte dos seus fiéis. Porém, consideram a possibilidade
de uma reversão da queda por meio de uma “readesão” a um catolicismo renovado
e reformado:
O quadro geral, portanto, é de perda de católicos, tendo como base os dados censitários de
1980 e 1991. Mantida esta tendência, muito provavelmente essa geração que se encontra en-
tre 26 e 40 anos produzirá, em alguns anos, uma população ainda menos católica, devido ao
crescimento vegetativo de outras religiões, além da sua capacidade de atração de novos adeptos.
Em contrapartida a esta projeção, a consolidação do movimento carismático pode inverter esse
comportamento ao promover a “readesão” ao catolicismo (Almeida e Montero, 2001, p. 93-94).
2. Almeida (2008) pensa o trânsito religioso em três dimensões: (a) como mobilidade, pluralismo, diversida-
de, mercado; (b) como circulação de conteúdos simbólicos e práticas rituais por meio de cópias, oposições,
concorrência; (c) a terceira dimensão enfoca o indivíduo, em vez da análise do ponto de vista da instituição.
3. O coeficiente de variação do censo é muito diferente da pof, assim como o grau de cobertura e a metodo-
logia das duas pesquisas. O ibge não recomenda fazer comparações desse tipo, sem as devidas precauções.
mostram hoje sérios sinais de cansaço, mais do que isso, de exaustão em sua capacidade
de reprodução ampliada” (2004, p. 17).
O Censo demográfico 2010 confirmou essas tendências. Segundo Teixeira (2012),
as estratégias realizadas no campo da Renovação Carismática Católica (rcc) não
surtiram os efeitos desejados para reverter o declínio da religião majoritária do Brasil.
Ele concorda com a estimativa feita por Alves, Barros e Cavengahi (2012) de que
os católicos terão um índice menor que 50% até 2030 e de que haverá um empate
com o grupo evangélico até 2040. Mas não chega a dizer que existe uma transição
religiosa em curso. Na apresentação do livro Religiões em movimento: o Censo de
2010, Teixeira constata que
[…] não há como negar a força do referencial cristão na sociedade brasileira. Mas já se começa
a perceber nele uma diversificação cada vez mais evidenciada. Junto com essa multiformidade
interna ao campo cristão, verifica-se também uma pluralização religiosa cada vez maior, com
visibilização crescente. (2013, p. 25).
Uma das explicações mais de fundo para o decréscimo católico é a sua grande dificuldade
para acompanhar as migrações internas que revolvem o Brasil contemporâneo. Onde os
católicos mais diminuíram e os pentecostais e sem religião mais cresceram, são as regiões
das periferias metropolitanas e as fronteiras de ocupação sem presença institucional cató-
lica. A estrutura eclesial católica centralizada e burocrática, centrada nas paróquias, não
consegue acompanhar a mobilidade dos deslocamentos populacionais como as ágeis redes
evangélicas (2013, p. 67).
Suponhamos, por fim, que o crescimento das religiões evangélicas as leve a suplantar o ca-
tolicismo em número de seguidores. O evangelicalismo se tornaria a religião da maioria, o
catolicismo, de uma minoria. Se isso acontecesse, a cultura brasileira se tornaria evangélica?
Dificilmente. O evangelicalismo seria a religião de indivíduos convertidos, um a um, e não
a religião que funda uma nação e fornece elementos formadores de sua cultura. O processo
histórico dessa mudança seria diferente daquele que forjou a cultura católica na América.
Nesse futuro hipotético, cuja factibilidade não está aqui em discussão, a condição dada para
que o protestantismo superasse o catolicismo teria implicado, primeiro, a secularização do
Estado – já completada no presente –, e depois, a secularização da cultura – que se encontra
em andamento. Porque é com a secularização que os indivíduos tornam-se livres para escolher
uma religião diferente daquela em que nasceram (2008, p. 170).
4. No Censo demográfico de 2010, com a inclusão do Dispositivo Móvil de Captura (dmc) de dados, foi
disponibilizada ao entrevistador uma lista previamente obtida na pof 2008/09, mas ainda se permitia
a inserção de denominações não existentes na lista.
5. Os indivíduos definidos como “católicos” neste artigo foram aqueles classificados no grupo 11 – “ca-
tólica apostólica romana” da respectiva variável nos censos. De forma análoga, foram definidos como
Constatamos que, na última década, pela primeira vez na história caiu o número
absoluto de católicos, como pode ser visto na Tabela 1. No meio urbano houve cres-
cimento absoluto mas redução relativa, enquanto no meio rural o declínio ocorreu
em termos absoluto e relativo. Já os evangélicos apresentaram crescimento absoluto e
relativo tanto nas áreas urbanas como rurais. Dessa forma, a razão entre evangélicos
e católicos no Brasil passou de 10,8% em 1991 para 21% em 2000 e 34,3% em 2010.
tabela 1
Número Absoluto de Católicos e Evangélicos, Taxa de Crescimento Anual e Razão entre Evangélicos
e Católicos (rec), por Situação de Domicílio, Brasil: 1991-2010
Anos Católicos Evangélicos
rec
Situação do Crescimento Crescimento
População População (%)
Domicílio médio anual médio anual
Total
Urbano
Rural
Em 1991, a rec no meio urbano era de 12%, passou para 23,1% em 2000 e
chegou a 37,8% em 2010, quase o dobro do que apresentou o meio rural (19,2%)
neste último ano. Embora o crescimento dos evangélicos seja maior nas cidades,
houve também crescimento no meio rural. Como apontado nas tendências ocorridas
nos anos de 1990 e 2000, em outros estudos ( Jacob et al., 2003; Campos, 2008), a
transição religiosa é um fenômeno geral, e continua a ocorrer de forma mais intensa
e acelerada nas aglomerações urbanas, mas avança também no meio rural.
“evangélicos” aqueles classificados nos grupos de 21 a 49, que englobam tanto os evangélicos de matriz
tradicional como os pentecostais e os não determinados.
tabela 2
Número Absoluto de Católicos e Evangélicos (por 1.000.000) e Razão entre Evangélicos
e Católicos (rec), por Região e ufs, Brasil: 1991-2010
Brasil 1991 2000 2010
Região Católico Evangélico rec Católico Evangélico rec Católico Evangélico rec
e uf % % %
Brasil 121,8 13,2 10,8 124,9 26,2 20,9 123,3 42,3 34,3
no 8,4 1,1 13,7 9,2 2,6 27,7 9,6 4,5 47,0
ro 0,8 0,2 29,3 0,8 0,4 47,3 0,7 0,5 71,1
ac 0,4 0,0 11,1 0,4 0,1 29,9 0,4 0,2 62,9
am 1,8 0,2 11,6 2,0 0,6 29,7 2,1 1,1 52,4
rr 0,2 0,0 12,7 0,2 0,1 33,8 0,2 0,1 61,6
pa 4,2 0,5 12,8 4,6 1,1 24,5 4,8 2,0 42,0
ap 0,2 0,0 12,9 0,3 0,1 25,5 0,4 0,2 44,0
to 0,8 0,1 9,3 0,9 0,2 20,7 0,9 0,3 33,8
ne 37,9 2,0 5,2 38,2 4,9 12,8 38,3 8,7 22,7
ma 4,5 0,3 6,9 4,6 0,6 14,0 4,9 1,1 23,1
pi 2,4 0,1 3,1 2,6 0,2 6,7 2,7 0,3 11,4
ce 5,9 0,3 4,3 6,4 0,6 9,5 6,7 1,2 18,6
rn 2,2 0,1 4,6 2,3 0,2 10,7 2,4 0,5 20,3
pb 3,0 0,1 3,9 2,9 0,3 10,4 2,9 0,6 19,7
pe 6,1 0,5 8,2 5,9 1,1 18,2 5,8 1,8 30,8
al 2,3 0,1 3,9 2,3 0,3 11,3 2,3 0,5 22,0
se 1,3 0,1 4,3 1,5 0,1 8,8 1,6 0,2 15,4
ba 10,2 0,7 6,7 9,7 1,5 15,1 9,2 2,4 26,7
sd 50,3 6,4 12,8 50,1 12,7 25,3 47,8 19,8 41,3
mg 13,7 1,2 8,9 14,1 2,4 17,3 13,8 4,0 28,7
es 1,9 0,5 23,4 2,0 0,8 39,6 1,9 1,2 62,1
rj 9,3 1,8 20,0 8,0 3,2 39,5 7,3 4,7 64,1
sp 25,4 2,9 11,5 26,0 6,3 24,2 24,8 9,9 40,1
su 18,4 2,6 14,0 19,4 3,8 19,8 19,2 5,5 28,8
pr 7,1 1,0 13,6 7,3 1,6 21,7 7,3 2,3 31,9
sc 3,9 0,5 13,5 4,3 0,8 18,6 4,6 1,3 27,4
rs 7,4 1,1 14,5 7,8 1,5 18,7 7,4 2,0 26,6
co 7,6 1,0 13,9 8,0 2,2 27,3 8,4 3,8 45,0
ms 1,4 0,2 13,3 1,4 0,4 26,2 1,5 0,6 44,6
mt 1,7 0,2 13,4 1,8 0,4 22,8 1,9 0,7 38,7
go 3,2 0,5 14,8 3,4 1,0 29,3 3,5 1,7 47,7
df 1,2 0,2 13,1 1,4 0,4 29,5 1,5 0,7 47,5
tabela 3
População (por 1.000) e Razão (em 100) entre Evangélicos e Católicos (rec) nas Doze Maiores Regiões Metropo-
litanas (rm), no Núcleo da rm e na Periferia da rm, 2010
Região Metropolitana Capital/Núcleo da rm Periferia da rm
Evangélico
Evangélico
Evangélico
Católico
Católico
Católico
(b/a) %
(b/a) %
Cidades/rm
(b/a)
rec
rec
rec
(B)
(a)
(a)
(a)
(b)
(b)
%
Total 35 552,1 16 597,6 46,7 20 195,5 8 316,4 41,2 15 356,6 8 281,2 53,9
São Paulo 11 120,0 4 856,9 43,7 6 549,8 2 487,8 38,0 4 570,2 2 369,1 51,8
Rio de Janeiro 5 293,2 3 381,0 63,9 3 229,2 1 477,0 45,7 2 064,1 1 904,0 92,2
Belo Horizonte 3 246,6 1 459,4 45,0 1 422,1 595,2 41,9 1 824,5 864,2 47,4
Porto Alegre 2 577,0 695,6 27,0 897,4 164,8 18,4 1 679,6 530,7 31,6
Fortaleza 2 478,3 772,4 31,2 1 664,5 523,5 31,4 813,8 248,9 30,6
Curitiba 1 988,6 80,4 40,4 1 088,3 424,6 39,0 900,3 379,5 42,2
Recife 1 856,2 1 057,6 57,0 835,3 384,3 46,0 1 020,9 673,3 66,0
Salvador 1 801,4 741,5 41,2 1 379,3 524,3 38,0 42,2 217,2 51,5
Campinas 1 660,5 745,6 44,9 636,7 273,8 43,0 1 023,8 471,8 46,1
Belém 1 268,4 632,1 49,8 863,1 397,8 46,1 40,5 234,3 57,8
Manaus 1 141,9 741,8 65,0 96,7 640,8 66,2 174,6 101,0 57,8
Goiânia 1 119,9 709,6 63,4 66,3 422,5 63,8 457,3 287,1 62,8
Fortaleza (31,2%). No núcleo das rms, as maiores recs estavam em Manaus (66,2%)
e Goiânia (63,8%) e as menores também em Porto Alegre (18,4%) e Fortaleza
(31,4%). Já nas periferias das regiões metropolitanas, o destaque cabe aos arredo-
res do Rio de Janeiro, com rec de 92,2%. Isso quer dizer que os evangélicos estão
quase ultrapassando o volume de católicos na periferia da “cidade maravilhosa”. Em
seguida, aparece a periferia da rm de Recife (com rec de 66%). Ou seja, o entorno
de Recife é a área mais avançada da transição religiosa no Nordeste, funcionando
como ponto de difusão da evangelização na região. As únicas periferias de rm que
possuem rec abaixo das respectivas capitais estavam em Manaus e Goiânia, exata-
mente as duas regiões metropolitanas, juntamente com a do Rio de Janeiro, mais
avançadas na transição.
Uma síntese das diversas escalas do território metropolitano do Brasil é apresentada
na Tabela 4. Fica ainda mais evidente que a transição religiosa que alcança um índice
de 34,3% no Brasil chega a 41,2% nas capitais, a 46,7% nas doze maiores regiões me-
tropolitanas do Brasil e alcança 53,9% nas periferias destas regiões. Esses resultados
corroboram com os achados de Jacob et al. (2003), em que os evangélicos, em geral,
e os pentencostais, em particular, marcam maior presença nas periferias das regiões
metropolitanas. Mas há de se registrar que a presença evangélica ocorre em rms de
diferentes estágios de desenvolvimento, como Rio de Janeiro, Manaus e Goiânia.
tabela 4
População e Razão entre Evangélicos e Católicos nas Doze Maiores Regiões Metropolitanas (rm),
no Núcleo da rm e na Periferia da rm, 2010
Categorias Total Católicos Evangélicos Razão %
Segundo Jacob et al. (2003), essa permanência elevada de católicos no meio rural
deve-se, em parte, à imobilidade social existente ali.
tabela 5
População (por 1.000) e Razão entre Evangélicos e Católicos (rec) Segundo Tamanho do Muni-
cípio, Brasil, 1991-2010
1991 2000 2010
Evangélico
Evangélico
Evangélico
rec (d/c) %
rec (b/a) %
rec (f/e) %
Católico
Católico
Católico
Tamanho
do município
(d)
(c)
(a)
(b)
(e)
(f)
Mais de 4 milhões 11 422,9 1 489,2 13,0 10 720,6 2 834,9 26,4 9 779,0 3 964,8 40,5
1 a 3,999 milhões 11 714,6 1 562,1 13,3 12 452,5 3 230,1 25,9 13 186,3 5 628,7 42,7
500 a 999 mil 6 463,7 905,5 14,0 8 331,2 2 530,7 30,4 8 939,3 4 124,9 46,1
100 a 499 mil 24 883,9 3 538,5 14,2 27 437,6 7 447,5 27,1 28 488,9 12 734,2 44,7
50 a 99 mil 15 939,2 1 831,3 11,5 15 914,4 3 214,6 20,2 15 077,2 4 789,1 31,8
20 a 49 mil 24 303,9 2 367,4 9,7 22 963,8 3 658,8 15,9 22 642,1 5 842,6 25,8
Menos de 20 mil 27 638,7 2 338,5 8,5 27 701,9 3 510,8 12,7 25 167,4 5 191,1 20,6
A Tabela 6 mostra que em 1991 havia apenas dezesseis municípios onde os evan-
gélicos superavam os católicos. Todos esses municípios foram formados a partir da
migração alemã e eram majoritariamente de filiação evangélica de missão, especial-
mente da igreja luterana: dois deles no estado do Espírito Santo (Laranja da Terra e
Santa Maria de Jetibá); um no Paraná (Nova Santa Rosa); cinco no estado de Santa
Catarina (Benedito Novo, Cunha Porã, Pomerode, Rancho Queimado e Schroeder);
oito no estado do Rio Grande do Sul (Condor, Imigrante, Nova Petrópolis, Panambi,
Paraíso do Sul, Quinze de Novembro, São Lourenço do Sul e Teutônia). A popula-
ção desses municípios com maioria evangélica (de missão) somava um montante de
213,4 mil habitantes em 1991. Nesses dezesseis casos, considera-se que não se trata de
transição, uma vez que eles já nasceram e desenvolveram-se com maioria evangélica.
No ano 2000, o número de cidades com maioria evangélica passou para 34 mu-
nicípios, somando uma população de 336,7 mil habitantes: dezenove estavam no
Rio Grande do Sul e tinham grande peso das igrejas luteranas. Mas surgiram muni-
cípios com forte presença pentecostal em outros estados, como Silva Jardim, único
fluminense da lista de 2000. A transição religiosa em diversos desses 34 municípios
já se completou, pois eles tinham maioria católica em 1991e passaram a ter maioria
evangélica em 2000.
tabela 6
População por Grupos Religiosos e Razão entre Evangélicos e Católicos (rec) Média nas Cidades
com Maioria Evangélica, Brasil: 1991, 2000 e 2010
Cidades com maioria População Católico Evangélico rec média
evangélica %
16 cidades em 1991 213 361 81 983 128 691 183,1
Para melhor apreender a transição religiosa brasileira, esta seção está dedicada a uma
análise espacial da expansão dos evangélicos em nível municipal. Para isso, foram
selecionados os anos de 2000 e 2010, pois é quando essa expansão se dá com maior
intensidade. Os Mapas 1 e 2 mostram a rec (em percentual) para os municípios
brasileiros em 2000 e 2010, onde quanto mais clara a tonalidade de cinza, maior a
proporção de católicos, e quanto mais escura, maior é a proporção de evangélicos
no município.
Com base na comparação visual (Mapas 1 e 2), nota-se o crescimento da razão
entre evangélicos e católicos na maioria das localidades, mas em ritmos diferencia-
mapa 1
Razão de Evangélicos sobre Católicos (por 100) para os Municípios Brasileiros, 2000
mapa 2
Razão de Evangélicos sobre Católicos (por 100) para os Municípios Brasileiros, 2010
Rio Grande do Sul os municípios estavam espalhados pelo território do estado. Por
fim, na região Centro-Oeste havia somente três municípios com maioria evangélica
sobre católicos em 2010, todos eles no estado de Goiás (Mapa 2). Os estados de Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul não tinham municípios com transição completa (rec
> 100), embora estejam avançados no processo. No Distrito Federal, os evangélicos
já representavam 47,5% dos católicos em 2010. No total, o volume populacional dos
três municípios onde os evangélicos superaram os católicos na região Centro-Oeste,
em 2010, era de 8,7 mil habitantes (sendo 3,4 mil católicos e 4 mil evangélicos).
Olhando para o Brasil como um todo, mas com uma lente mais detalhada, pode-
-se perceber que a transição está mais avançada nas grandes cidades e nas periferias
das grandes regiões metropolitanas. Mas existe uma faixa litorânea contínua que
vai da região metropolitana de Salvador até Itajaí em Santa Catarina, avançando
por todo o litoral, onde a transição está bastante adiantada, com destaque para a
região metropolitana fluminense. Em São Paulo há uma faixa avançada na transição
que ocupa quase todo o litoral e no sul do estado, em especial na microregião que
envolve o município de Registro. Portanto, os evangélicos estão conquistando áreas
crescentes do litoral.
Vale ainda destacar que no interior de São Paulo a transição vai da costa litorânea
para o interior na direção do estado de Mato Grosso do Sul. Já nas regiões Nordeste
e Norte e no nordeste de Minas Gerais há uma grande região (polígono da seca),
dominantemente rural, onde a presença católica é muito forte.
mapa 3
Agrupamentos de Municípios com Base na Razão Evangélicos/Católicos (Índice de Moran Local), Brasil, 2000
e 2010
A análise mais detalhada das correlações espaciais, realizada com Lisa, identificou
grupos de municípios com tipos de associações distintas e significativas em grande
parte do território (Mapa 3, Painel a para 2000 e b para 2010). Este método de
agrupamento utilizado (Lisa) informa sobre diferentes tipos de associações: alto-alto,
quando a rec em um município e em seu vizinho são altas; baixo-baixo, quando nos
dois municípios são baixas; e os casos que usualmente são denominados de outliers:
alto-baixo, quando a razão em um município é alta e em seus vizinhos é baixa, e
vice-versa para a categoria baixo-alto. Os demais municípios são classificados como
não significantes, ou seja, são municípios rodeados por outros com razões elevadas
e razões baixas simultaneamente, não apresentando uma tendência espacial clara.
Os resultados mostrados no Mapa 3 confirmam com significância estatística
algumas tendências encontradas nas análises descritivas anteriores, revelando con-
glomerados de municípios que, juntamente com seus vizinhos, apresentam baixo
percentual de evangélicos comparado aos católicos (baixo-baixo), especialmente
no interior do Nordeste, interior de Minas Gerais e partes da região Sul. Por outro
lado, é possível verificar grandes agrupamentos de municípios onde a participação
relativa dos evangélicos em relação aos católicos é alta (alto-alto), como em grande
parte da região Norte, em parte do litoral do Nordeste, em uma grande faixa ao
longo de litoral do Sudeste – desde o Espírito Santo até São Paulo, com destaque
para o estado do Rio de Janeiro, e em partes da região Sul.
tabela 7
Número de Municípios e Estatísticas Descritivas da Razão Evangélicos/Católicos (rec) por 100 por Tipo de
Agrupamentos (Lisa), Brasil, 2000 e 2010
Ano e estatísticas Tipo de agrupamentos
descritivas da rec Não Significante Alto-Alto Baixo-Baixo Baixo-Alto Alto-Baixo
2000
N. de municípios 3 257 1 087 1 145 42 31
Razão evangélicos/católicos (rec)
Média 14,88 36,1 4,6 8,7 16,3
P25 8,5 22,0 2,7 7,3 12,9
Mediana 12,9 29,3 4,1 9,5 14,1
P75 18,4 40,4 6,2 10,6 16,6
Mínimo 0,0 12,1 0,0 0,0 12,1
Máximo 664,3 382,0 11,8 11,9 38,8
2010
N. de municípios 3 143 1 150 1 180 42 47
Razão evangélicos/católicos (rec)
Média 23,8 52,0 8,8 16,1 26,4
P25 14,1 35,3 5,7 13,8 21,6
Mediana 20,5 45,6 8,3 17,5 22,9
P75 29,0 61,0 11,3 19,2 26,4
Mínimo 0,4 20,1 0,7 9,0 20,1
Máximo 1 104,8 368,7 20,0 19,8 82,3
Fonte: ibge, Censos demográficos de 2000 e 2010.
Considerações finais
7. Nessa análise foram considerados como matriz de vizinhança os municípios contíguos que dividiam
fronteiras (vizinhos de primeira ordem), não importando a extensão territorial destes.
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Resumo
A população brasileira vive uma grande transformação no perfil religioso. Por um lado, há um
aumento da pluralidade religiosa e, por outro, uma tendência de mudança de hegemonia entre
católicos e evangélicos. O objetivo deste artigo é focar nesse segundo aspecto do fenômeno tran-
sicional, fornecendo um panorama da transição religiosa brasileira entre 1991 e 2010, a partir
de um indicador sobre a razão entre evangélicos e católicos (rec). Além da análise descritiva
da distribuição geográfica nos níveis municipal e regional, apresentam-se mapas municipais da
rec em 2000 e 2010, mostrando as mudanças ocorridas no período, assim como uma análise de
autocorrelação espacial local. O artigo contribui para o entendimento da evolução espacial da
transição religiosa entre os dois grandes grupos cristãos no Brasil.
Palavras-chave: Transição religiosa; Católicos; Evangélicos; Brasil.
Abstract
A large transformation in the population religious profile in Brazil is under way. From one side
there is an increase of religious plurality and, from another, a tendency to a shift in the Catholics
hegemony over Evangelicals. The objective of this paper is to provide an overview of Brazilian
religious transition between 1991 and 2010, focusing on the ratio of Evangelicals over Catholics
(rec). Additionally to a spatial distribution descriptive analysis, at regional and municipal levels,
municipal maps of this ratio in 2000 and 2010 are presented, also including a local spatial auto-
correlation analysis. Results indicate how this process have been evolving spatially and indicates
the future pathway of the religious transition between these two large Christian groups in Brazil.
Keywords: Religious transition; Catholics; Evangelicals; Brazil.