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Trajetória Do Discurso Latino-Americanista

O autor analisa as inconstâncias dos discursos integracionistas na América Latina, destacando a necessidade de uma abordagem interdisciplinar nas relações internacionais. Ele questiona a identidade latino-americana e propõe uma avaliação crítica dos projetos de integração, considerando as complexidades históricas e sociais da região. O texto enfatiza a importância de entender as dinâmicas de poder e as interações entre diferentes esferas, como a econômica, política e cultural, para uma análise mais profunda da realidade latino-americana.
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Trajetória Do Discurso Latino-Americanista

O autor analisa as inconstâncias dos discursos integracionistas na América Latina, destacando a necessidade de uma abordagem interdisciplinar nas relações internacionais. Ele questiona a identidade latino-americana e propõe uma avaliação crítica dos projetos de integração, considerando as complexidades históricas e sociais da região. O texto enfatiza a importância de entender as dinâmicas de poder e as interações entre diferentes esferas, como a econômica, política e cultural, para uma análise mais profunda da realidade latino-americana.
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São Paulo em Perspectiva

ISSN 0102-8839 versão impressa

São Paulo Perspec. v.16 n.2 São Paulo abr./jun. 2002


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TRAJETÓRIAS DO DISCURSO LATINO-


AMERICANISTA

PAULO-EDGAR ALMEIDA RESENDE

Resumo: Para acompanhar as inconstâncias de que se revestem os esforços


integracionistas, o autor se posiciona diante de pautas de estudo, a indicar que as
relações internacionais se afirmam para os estudiosos como áreas de saber. Tendo como
foco a América Latina, os discursos integracionistas latino-americanistas são
problematizados no quadro do grande debate teórico.
Palavras-chave: alternativa; América Latina; integração.

Abstract: With the purpose of pointing out the inconsistencies present in integrationist
movement, the author considers the interdisciplinary nature of international relations,
basing his hypothesis on a large body of research. The Latin American approaches
toward integration receive special focus, and are assessed within the framework of the
larger theoretical debate.
Key words: alternative; Latin América; integration.

Novo lugar, no não-lugar. O Império sem Roma.

Hardt e Negri (2001)

Na busca de sentido do vocabulário integracionista, nada melhor do que partir de


questões fundamentais: o que vem a ser a América Latina, o que ela tem sido, quais são
as propostas da perspectiva de sua integração econômica, política, social e cultural? O
que pode resultar da proximidade geográfica e dos trajetos iniciais assemelhados dos
atuais estados nacionais, sob o estatuto de colônias ibéricas ou latinas? Do ponto de
vista econômico, político, social e cultural, qual a persistência e consistência da suposta
identidade de nascença? Na conclusão, levanta-se a possibilidade de alternativas, dadas
as brechas existentes no sistema internacional. A proposta não é analisar os eixos
básicos da política externa brasileira, mas o significado de dados da realidade do país,
indispensáveis na análise mais extensa do que vem a ser a América Latina. A posição
do Brasil com relação a vizinhos, seu enorme contingente populacional; sua dimensão
territorial, superdotada de riquezas naturais; seu produto interno bruto, sua condição de
global trader o tornam player de relevo na cena internacional. De modo altamente
negativo, todavia, pesam sua democracia de participação restrita, tumultuada pela
corrupção nas altas esferas, e seus desavantajados indicadores sociais nas escalas do
Índice de Desenvolvimento Humano da ONU e do Índice Gini, mesmo em comparação
com vizinhos do hemisfério sul.

A PRODUÇÃO DA AMÉRICA LATINA

O trabalho arqueológico e genealógico de reinvenção da América Latina, lida com a


parafernália de informações e análises constitutivas do latino-americanismo, de origens
diversas. Por essa via, o trajeto vai da mitologia e do romantismo à hegemonia. Ao
discurso dos heróis de muitas lutas, mesclam-se discursos dos founders, da estirpe
bolivariana, até os latino-americanistas de além-mar, não poucas vezes recheados de
fantasias culturais, exotismos, etnocentrismos, paternalismos.

Levando-se em conta estilos e métodos de integração, vinculados a interesses, que


impelem determinados grupos a disseminar suas idéias e tentar impor suas práticas de
América Latina, América Ibérica, Terceiro Mundo, Ocidente Cristão, é de vital
importância a avaliação da compatibilidade destas representações com a amplitude e
complexidade de projetos em curso: Mercosul, Comunidade Andina, Área de Livre
Comércio Sul-Americana, Área de Livre Comércio das Américas,
Mercosul-CAN/União Européia/Asean/China/Rússia/África, etc. Incluem-se no debate
o bilateralismo e multilateralismo. São excludentes ou se complementam; a integração
aberta prioriza quais relações inter-blocos.

Produzida no interior do Antigo Sistema Colonial, a América Latina não é inteligível se


não estiver estabelecida no marco da longa duração e do grande espaço do sistema que a
integrou, sob diferentes padrões, seja o da Conquista espanhola, seja o da Expansão
portuguesa, da Hegemonia inglesa ou norte-americana. Com alguma licença, retiram-se
categorias formuladas com objetivo analítico diverso, ao se nomear um padrão de
integração-primitiva (colonial), e um padrão de integração-ampliada. Este último
chega aos dias atuais com a intensificação de processos de internacionalização dos
mercados internos, corroendo fronteiras, nem bem constituídas. Tais referências não se
fazem na perspectiva de adotar método de exposição sintética do que se passou. Não se
trata de resumo apressado da intricada história latino-americana através dos séculos. A
pretensão é valorizar, teórica e metodologicamente, princípios de integração que nos
permitem ter idéia menos aleatória da natureza da realidade integrada. Sob o impacto da
colonização, foi obtido certo grau, ainda que mínimo, de homogeneização. A
dominação européia prefigurou a América Latina, que, a partir daí, deve a essa origem
colonial alguns de seus traços fundamentais. O impacto originário do Ocidente
configura sui generis integração, motu externo. O sistema colonial implica montagem
do Novo Mundo, na condição de elemento constitutivo no processo de formação do
capitalismo moderno, peça de um sistema, elemento decisivo na criação de pré-
requisitos do capitalismo industrial, tanto quanto na Europa a categoria original de
acumulação primitiva apontava para a formação do mercado de trabalho. Com a
diversificação regional, decorrente da vulnerável emancipação política dos novos
Estados, atualizam-se os princípios de unidade extramuros. O localismo das
Independências tem a aparência de desintegração regional. Mas, com a Revolução
Industrial, a Europa modificou seu sistema de produção. A mudança levou a uma
totalidade mais profunda e mais compacta, com a incorporação da periferia, embora em
novos termos. Transformada em potência mundial, a Inglaterra não teve dificuldade de
capitalizar os movimentos de independência no decorrer do século XIX, incapazes, por
si mesmos, de organizar novo sistema de poder. A ruptura da ordem anterior
fragmentou os grandes espaços coloniais, levando-os a se relacionar diretamente com a
nova metrópole européia. Ao mesmo tempo, o hegemonismo programado da Doutrina
Monroe exaltava o movimento pan-americanista. A política interna dos países latino-
americanos passou a ser de interesse das autoridades dos Estados Unidos, com uma
cadeia de intervenções. As relações mútuas se processam, a partir de então,
pendularmente, em situações de acomodação e conflito. Se admitimos o bordão divide
et regna, a centralidade, nos moldes capitalistas de sobredeterminação hegemônica,
dividiu a América Latina, dificultando a integração motu proprio.

Não se entenda por aí a consagração da argumentação de André Gunder Frank


(1973:27), segundo a qual a estrutura capitalista na América Latina vem desde o século
XVI até o presente, com invariabilidade de algumas de suas contradições. O que é
problemático em tal postura é a possibilidade de ela implicar, em algum grau, a
desistoricização de estruturas ou transformação da história em uma série de
permanências estruturais. Feita a ressalva, há vantagens na recuperação do passado
vivo, no sentido que ele se mantém ainda eficaz, com nova e histórica eficacidade, sem
exclusão do novo, mas resistindo à ruptura com o Ocidente Cristão, de que se ufanava
Golbery de Couto e Silva, ideólogo da Escola Superior de Guerra (1957). Caberia dizer
com Marx: não só nos atormentam os vivos, como também os mortos.

Valorização Unilateral de Determinado Padrão de Análise

Os estudos da dependência na América Latina tiveram durante o período da guerra fria


indiscutível centralidade. O grande debate se instaurou a partir da fundação da Cepal,
com ênfase nos limites do projeto de desenvolvimento nacional autônomo. Após os
encaminhamentos de projetos de industrialização a governos, economistas da Cepal dão
decisiva contribuição teórica para projetos de integração regional, a partir da segunda
metade da década de 50. O que ocorre nas décadas de 60 a 80 é o destaque para
questões internas, relacionadas com o tema do desenvolvimento. Nesta mesma Revista,
e em alguns outros textos, saltando de elipse em elipse do discurso integracionista
latino-americanista, foi exposta a constelação dos discursos básicos de tal debate, que
mudam de ênfase à medida que seus formuladores transitam pelas encruzilhadas deste
complexo continente. Retoma-se a distinção clássica entre Teorias da Dependência e
Teorias do Desenvolvimento (1975, 1995), com a atualização destas últimas pelos
neoliberais. Enfoques mais amplos ficaram marcados pela excessiva
compartimentalização, como enfatiza Oliveira (2001:49). Mais recentemente, com a
criação de cursos de graduação e pós-graduação de Relações Internacionais, como que
fomos pegos de calças curtas. Sem tradição de pesquisa mais elaborada no campo,
verifica-se a tendência predominante nas universidades brasileiras de acompanhar de
perto a produção acadêmica norte-americana, na sua vertente mais conservadora,
recheada de neos. Ficam de lado vertentes mais inovadoras, lá mesmo formuladas.
Acrescente-se certa desatenção com as contribuições européias, salvo em parte a
inglesa, como se o processo de constituição da União Européia não tivesse suscitado
estudos basilares sobre integração nos importantes centros de pesquisa da Alemanha, da
França, da Itália, da Suíça. Temos, no entanto, de admitir que, pelo menos do ponto de
vista quantitativo, a produção acadêmica dos Estados Unidos, no campo das Relações
Internacionais, tem sido mais acurada pelo incentivo recebido. O conselho de
Maquiavel ao Príncipe, de que ele conhecesse o terreno em que pisava, suscitou nos
EUA polpudos investimentos nas especializações em áreas estratégicas, daí o número
significativo de brasilianistas. Não parece exagerado divisar o cenário do harvardismo
dos porta-fólios de nossos economistas ser clonado pelos estudos da agenda
internacional de pesquisadores latino-americanos.

Outro ponto crítico é o da suposição, de caráter corporativo, de que Relações


Internacionais constituem área de saber, como postula Hoffmann (1960). Tal restrição
epistemológica tem levado a dois extremos: descritivismos ou abstracionismos, neste
último caso, no sentido de não-aceitação de que o real concreto está sujeito a múltiplas
determinações, e que assim também ocorre com as relações internacionais. No primeiro
caso, são superdimensionados os procedimentos de coleta de dados, sua ordenação
como informação, nos moldes da sociologia empírica: trata-se do modelo de
investigação administrativa, como a denominou T. W. Adorno, a qual prescinde da
análise de pressupostos e suas conseqüências. A nosso modo de ver, há vantagens de se
definir Relações Internacionais como campo de confluência de áreas de saber, para o
que são bem-vindos estudos de historiadores, cientistas políticos, economistas, juristas,
filósofos, sociólogos, antropólogos, psicólogos. Só dessa forma, no diálogo inter e
transdisciplinar, tornamo-nos capacitados para dar conta das forças profundas que
movem a história, de que nos fala Renouvin (1994), o que é retomado por Duroselle
(1981), e mais sensivelmente valorizado na produção acadêmica da França. Trata-se
sobretudo da crítica ao reducionismo operado pela história diplomática, tratadística,
jurisdicista e factual, conforme bem acentua Saraiva (1997:21-30). Com tal orientação,
não basta para a compreensão da formação dos blocos, do processo de integração,
registrar apenas as iniciativas estatal e empresarial, até mesmo sindical. Não é menos
importante a dinâmica, embora menos visível, de movimentos pelos quais fluem
solidariedades por novos canais, externos a blocos formalizados. Cabe acentuar que
uma disciplina não se constitui apenas pelo seu objeto, mas pelo trajeto teórico-
metodológico adotado na análise desse objeto. No mapeamento de trajetos adotados no
estudo de RI, há necessidade de ampliação da iniciativa multidisciplinar.

Identidade Comprometida

Há um tipo de discurso que busca dar visibilidade à América Latina, tornando-a dizível
a partir de identidade supostamente natural. Na versão local, tem sido caracterizada, não
poucas vezes, de maneira mecânica, a partir de um apriorismo geográfico. Na versão
externa mais negativa, herdada do Espírito das Leis de Montesquieu, o continente é
colocado em posição de subordinação disciplinada, ou na dispersão sob controle, efeito
determinado pela geografia física, pelo clima do trópicos. Tem-se, neste último caso, a
representação comprometida de que fala Greenblatt (1991:12-13), na qual o que é
primordial não é o conhecimento do outro, mas a ação sobre o outro, a prática sobre o
outro. É o discurso do colonizador, do império.

Idealização Identitária

Há o inócuo e até mesmo prejudicial discurso latino-americanista, sujeito a impulsos


emocionais. Seu mérito efetivo se reduz ao modo reativo com que se defronta com o
pan-americanismo, gestado pelo destino manifesto norte-americano.

Fragmentado Apelo ao Imperialismo

Reiteram-se, neste caso, observações, colhidas do nem sempre claro apelo ao


imperialismo, ora categoria econômica, ora categoria política. Tem servido como
referencial teórico para a apologia do nacionalismo autarcizante, incapaz de propostas
concretas de superação de rivalidades regionais, e que tampouco tem servido à
proclamada exacerbação da luta de classes no continente. Não se trata de negar a
categoria, mas de torná-la sujeita às vicissitudes da atual correlação de forças no
mundo.1 A crescente intersecção de traços para fora/para dentro na atual cartografia
mundial, a sinuosidade de interesses, aspirações, lealdades, suscitam importantes
realinhamentos teórico-metodológicos nas Ciências Sociais. No que mais de perto
interessa neste texto, em meio ao debate sobre a qualidade do conhecimento apropriado
à realidade latino-americana, é a referência às avaliações por que passa a
inteligibilidade dos blocos em formação, com a relativização das soberanias nacionais,
com as complexas assimetrias de nichos mais e menos desenvolvidos dentro de uma
mesma nação. Como anota Pierucci (1999:170), o Ocidente se defronta com seu outro
cultural em seu próprio território, dentro de suas próprias fronteiras geográficas,
contrariando a tese do choque de civilizações, ersatz da bipolaridade. Essa nova
realidade tem sido amplamente descrita, e analisada de forma bastante diferenciada
(Resende, 2001). Há necessidade de se aprofundar o real significado do vocabulário
integracionista das teorias em voga, para que o apelo à integração não opere como deus-
ex-machina, à esquerda ou à direita. Reificado, o vocábulo integração se transforma em
fator atuante nas análises, como se operasse, com certo automatismo, na direção do
desenvolvimento sustentável da região, ou o seu contrário, sem que seja identificada sua
natureza real. Faz-se imprescindível a decodificação das relações entre projetos
integracionistas e interesses em jogo; vinculações entre o econômico, o político, o social
e o cultural; imbricação de instituições e valores. Na falta de controle intelectual dessas
relações, a interpretação fica à deriva de procedimentos românticos, ideológicos ou de
clonagem acadêmica importada, quando não de descritivismos, à base de muita
informação e precário processamento da pletora de dados à disposição.

REALINHAMENTO TEÓRICO-METODOLÓGICO

Tornou-se lugar-comum a afirmação que a aceleração exponencial na formação de


blocos força a abertura do campo discursivo das ciências sociais. Na era dos fluxos e
redes globais, a versão expandida do capitalismo simplifica o mundo pela intensificação
dos capitais em movimento e seu séquito. Registram-se mudanças na geopolítica do
conhecimento, que estão a exigir da intelectualidade novas formas de reflexão sobre a
realidade de cada nação, de cada região neste processo de building block. Caso
contrário, as ciências sociais se tornarão tão arcaicas quanto a alquimia.

Buscam-se sugestões nos debates, com a certeza da utilidade do confronto de idéias,


como maneira eficaz de superação dos obstáculos epistemológicos, que tanto dificultam
o conhecimento da complexa realidade atual. De modo seletivo, destacam-se
alternativas teóricas na análise de projetos intergovernamentais e internacionais de
integração, tendo como critério glosar tendências básicas, duas ou três, dentro de cada
qual se situam diferentes autores com opções próximas, embora não equivalentes, pois o
debate teórico-metodológico, conotando práticas, não foge à fronteira de respostas
limitadas. Como não se pretende fazer exegese talmúdica de pensamentos em si,
acredita-se que as vantagens de tal síntese para avaliação do conhecimento da América
Latina superam a desvantagem do resvalo numa quase tipologia. Braillard (1990:18) se
vê confrontado, na edição original de sua Teoria das relações internacionais em 1977,
com a evolução do objeto, sua complexidade e diversidade de aspectos, que reclamam
estudo pluridisciplinar. Teoricamente, ou no nível da narrativa histórica, analistas não
têm economizado o uso dos prefixos neo e pós. Estamos diante de neo-realismos,
neopositivismos, neofuncionalismo, neo-socialismo, neoliberalismo, pós-guerra fria,
pós-moderno. Fica no ar, não poucas vezes, a oportunidade do uso do prefixo paleo ao
invés do neo. O prefixo neo tem caracterizado formas de revisões nos moldes de
atualização conservadora de conceitos ou de referências históricas, na dupla direção: a
de integração como ameaça ou de integração como salvação. É o esforço de fazer entrar
situações novas em esquemas antigos ou elaborados para outro contexto histórico.

As situações de oposição e conflito se colocam lado a lado dos intentos de cooperação e


integração. Imbricam-se os estudos sobre cooperação e integração com os estudos sobre
estratégias de resolução dos conflitos  as vias de solução, controle e prevenção.
Diferentes ênfases, nas pesquisas de integração/conflitos, são colocadas, com vista aos
fatores intervenientes, aos agentes de proveniência variada e a ritmo e abrangência das
relações internacionais. Basicamente, os estudos e as práticas diplomáticas latino-
americanas têm estado parametrados pelo que se convencionou chamar de realismo e
neoliberalismo. As nuanças do neo-realismo, do funcionalismo, neofuncionalismo,
institucionalismo, behaviorismo, não parecem repercutir como alternativas e sim como
acessórios, aperfeiçoamento na linha do Estado, como agente central na perspectiva
realista, e do mercado, na perspectiva neoliberal. A fuga de tais limites seria tarefa de
alguns marxistas. Estamos propondo algo mais radical, a partir de perspectiva crítica
aos apelos identitários.

A escola realista e seus autores clássicos  Carr (1981), Morgenthau (1948), ou a


teoria diplomático-estratégica da sociologia histórica de Aron (1979) , têm em
comum a concepção de que as relações entre as nações se estabelecem enquanto
correlação de forças, com o animus dominandi, cada qual visando impor seus interesses.
A ordem internacional é marcada por relação de soma zero no complicado mundo de
múltiplas soberanias. É uma posição de crítica diante dos impropriamente
cognominados de idealistas, melhor dizendo legalistas, pelo apelo a tratados,
negociações institucionalizadas. Seu grande mentor, Woodrow Wilson, não teve êxito
na proposta de criação da Sociedade das Nações, após a Primeira Guerra Mundial. O
impacto de tal concepção, antes mesmo de ter sido explicitada academicamente,
qualifica a prática da política externa de alinhamento da América Latina aos Estados
Unidos, ao mesmo tempo que se desqualificam projetos de integração regional. Bueno
(1992:168-179) fez pesquisa histórica bem respaldada em documentação sobre as visões
realistas de Rio Branco e Joaquim Nabuco nos primórdios da República, claro está, em
sentido de pragmatismo diplomático, sem explicitação teórica.

Para Rio Branco (1905), "a tão falada liga das repúblicas hispano-americanas, para
fazer frente aos Estados Unidos, é pensamento irrealizável, pela impossibilidade de
acordo entre povos em geral separados uns dos outros, e é tão ridícula, dada a conhecida
fraqueza e falta de recurso de todos eles". À base do pressuposto do balance of power,
esse quadro realista é completado por Bueno, citando os Discursos e conferências de
Joaquim Nabuco, para quem "a América, graças à doutrina Monroe, é o Continente da
Paz, e essa colossal unidade pacificadora, interessando fundamentalmente a outras
regiões da Terra  todo o Pacífico a bem dizer , forma um Hemisfério Neutro e
contrabalança o outro hemisfério, que bem poderíamos chamar o Hemisfério
Beligerante".

Na década de 60, com a reconstrução da Europa Ocidental graças ao Plano Marshall, o


realismo passa pelo crivo das críticas dos behavioristas, dentre os quais Deutsch (1966),
com seu foco no crescimento das comunicações, conduzindo à integração por
amálgama; ou Rosenau (1967), atento às ligações transnacionais. É abrandada a visão
essencialista do estado-soberano e criticada a ênfase dada de modo unilateral à noção de
soberania. O peso de variáveis econômicas, sociais, culturais na configuração da ordem
internacional é incorporado às análises. De modo reativo, os neo-realistas, dentre eles
Waltz (1954), Bull (1977), retomam a ênfase da centralidade do Estado na cena
internacional, ao qual se subordinam atores não-estatais. Manifestam seu ceticismo
quanto ao movimento de interdependência, a partir de processos econômicos
transnacionais. Halliday (1999:25-26) não vê, no entanto, mesmo no caso do
behaviorismo, de espectro ampliado na análise da realidade internacional, uma
alternativa, e sim um acessório, com relação à abordagem centrada no Estado. Em
suma, persiste a margem significativa de limitações a qualquer interpretação da
realidade internacional baseada na solidariedade.

A releitura neo-realista e a crítica behaviorista abriram, no entanto, possibilidade para


nova variedade de subcampos nos ramos da análise de política externa, da
interdependência e da economia política internacional. Nessa mesma linha de entornos
do realismo, a teoria funcionalista de integração, em sua formulação primeira, valoriza
a cooperação em vez da integração. Vale dizer, é ciosa da manutenção das soberanias
nacionais. De modo pragmático, coloca-se diante de tarefas de natureza técnica na
solução de problemas de caráter econômico. A paz se constrói na busca de solução para
questões concretas diante de necessidades, não a priori, no campo dos valores. Exclui-
se o apelo à institucionalização no plano político, como forma de preservação das
soberanias nacionais. Isso quer dizer que um de seus princípios básicos é o da não-
territorialidade da autoridade, cuja competência se esgota no exercício de determinada
atividade. Dentre os teóricos clássicos de tal posicionamento, destaca-se Mitrany
(1943).

O que nos parece de interesse na revisão da teoria funcionalista, sob a rubrica do


neofuncionalismo de Haas (1958), é o pressuposto da ramificação. O processo de
cooperação se amplia, cronologicamente, com a sucessão de novas demandas, em grau
crescente. Instauram-se práticas governamentais e societárias de ampliação da
cooperação diante de necessidades concretas, que passam a encontrar, com tais
procedimentos, o melhor caminho de solução, na medida em que surgem. Os
desdobramentos da Comunidade Européia do Carvão e do Aço levam os
neofuncionalistas a se colocarem diante do processo que, de modo germinal, vai
supondo o surgimento de novo centro decisório, órgão central de integração, ao qual se
confere a atribuição de decisões obrigatórias, o que marca a diferença fundamental da
teoria neofuncionalista e da teoria funcionalista de integração: no último caso, a
autoritas, à frente da cooperação, não se territorializa enquanto potestas; naquele, ela se
territorializa, com a construção gradual de aparatos institucionais centralizados, de
caráter não apenas econômico, mas também político (Lindberg, 1963). Essa perspectiva
tem como ponto positivo ser capaz de dar conta de vários agentes de integração.
Consegue acompanhar, dando peso, os acontecimentos que se passam fora do âmbito
das iniciativas estatais e de seu controle direto. Seu grande limite é o de seqüenciá-los,
com ênfase no elenco cronológico de demandas e respostas. O que de fato parece estar
ocorrendo é que, à medida que o processo se desencadeia, há uma constelação de
agentes que operam simultaneamente e não apenas em tempos sucessivos. Oliveira e
Sennes ( 2001:71-110) fazem, na linha do neofuncionalismo, o que denominam de
análise sincrônica da integração, a passagem do etapismo dos neofuncionalistas  a
integração num crescendo  para a integração aberta às opções dos agentes de
integração, simultaneamente. Partem da hipótese de que os atores envolvidos abrigam
percepções distintas sobre a natureza do processo, as motivações dos outros atores
envolvidos e suas próprias prioridades políticas e econômicas, sem que isso obstaculize
a acomodação de interesses.

De modo imbricado com o que se denomina, sem maior precisão de globalização, o


paradigma da interdependência complexa veicula a categoria de regime internacional
em substituição ao sistema internacional de Estados como estrutura básica da ordem
mundial: há uma rede de normas, regras e procedimentos que os players internacionais,
de diversas origens, levam em conta em suas relações. Nye (2002) reitera, após o 11 de
setembro, o fato de a unipolaridade do poder dos Estados Unidos e a multipolaridade
econômica, estabelecida entre os países de capitalismo de ponta, serem atravessadas
pela transnacionalidade de relações, que fronteiras, fora do controle de governos, de
modo isolado. Vínculos cooperativos se estabelecem, o que faz, em caso de conflito,
que a solução seja encontrada no âmbito da negociação entre Estados, empresas,
organismos internacional, etc., fora do âmbito político-militar. Nye (2002:140) enfatiza
a possibilidade de consolidação da hegemonia dos Estados Unidos, através do equilíbrio
de seu hard power, com dose crescente de soft power: "isto significa que meio milhão
de estudantes estrangeiros querem estudar nos Estados Unidos a cada ano, europeus e
asiáticos querem assistir filmes e TV americanos, que as liberdades americanas são
atrativo em muitas partes do mundo, e que outros nos respeitam e desejam a liderança
norte-americana, quando 'we are not too arrrogant'". O foco de tal análise tende a
sofisticar assimetrias, que perpassam essas mesmas relações e as tenções permanentes
daí decorrentes, mesmo que atenuadas pelo soft power.

O neoliberalismo retoma o velho encanto dos paleoliberais com o mercado e o


desencanto com o Estado. O fracasso do Plano na URSS é assumido como prova de que
o mercado deve ser aceito como principal motor da nova ordem internacional, desde
que não se lhe anteponham as arcaicas políticas sociais do Welfare State. O mercado se
apresenta como tendo potencialidades não imaginadas pelos paleoliberais. Por essa via
expressa e mundial, circulariam confortável e velozmente compradores e vendedores,
sem os entraves das lombadas alfandegárias das estreitas vias locais e estatais. O
receituário neoliberal, última versão, foi exportado para a América Latina com as teses
do Consenso de Washington, hoje avaliado pelos seus próprios autores de modo
relativamente severo. A expressão foi forjada pelo economista John Williamson em
1989. Trata-se da estratégia de ajustamento e estabilização das economias dos países
periféricos, formulada pelo governo americano, o FMI e o Banco Mundial. Baseia-se na
redução do tamanho do Estado através de privatizações, no fim do déficit nas contas
públicas e na abertura dos mercados nacionais, com o objetivo de obter a retomada dos
investimentos externos para alavancar o crescimento econômico.

O tertium quid teórico, ultrapassando a alternativa realismo ou neoliberalismo, com as


gradações intermediárias, tem sido rotineiramente posto pelas várias vertentes saídas do
marxismo, em baixa ou em crise de reformulação no continente, após o
desmoronamento da União Soviética. Interessam mais de perto as atuais reformulações
da categoria de imperialismo. O debate mais tradicional, e de menor interesse no
presente, centrava-se na caracterização mais precisa do que se entendia por
imperialismo, categoria que, pendularmente, movimentava-se entre o político, o
econômico e o cultural, sem que se determinasse a imbricação ou não destes âmbitos na
mesma categoria. Importantes reformulações destacam não apenas o papel
desempenhado pela estrutura socioeconômica, como a maior atenção com aspectos
políticos, colhidos das tradições da democracia representativa, e culturais.

DESCONSTRUÇÃO DAS POLÍTICAS IDENTITÁRIAS

Teórica e metodologicamente, o desafio é de desconstrução da precária lógica de


políticas identitárias.2 As identidades ancestrais, as solidariedades, definidas de modo
essencialista, têm apenas função reativa. Parece-nos oportuna a relativização e, em
alguns casos, até mesmo a deslegitimação de tradições ou práticas geopolíticas, que
emperram irrupções a favor de novos trajetos, como desdobramento de potencialidades.
Não é descartável o reforço de movimentos de desidentificação com memórias
nacionais. Desfazem-se, dessa forma, noções essencialistas, que atravessam os
discursos instituintes da idéia de América Latina. O geografismo força os que a habitam
à latino-americanização, no momento mesmo em que os latino-americaniza ou ibericiza.
Doutra parte, é recurso tático não desprezível de negociação a flexibilização da política
identitária, determinada pela Deusa Fortuna, com exaltação da Virtù da boa vizinhança,
de modo confuso. Contra afirmações autarcizantes de autopresença nacional no
contexto mundial, é uma forma tática de enfrentar a globalização neoliberal. No
entanto, torna-se recurso no mínimo ambíguo, quando se lhe confere função estratégica.
O conhecimento latino-americanista, segundo Moreiras (2001:10), num primeiro
sentido, aspira à forma particular do poder disciplinar, herdado do aparato
hegemonizante do estado imperial. É conhecimento que opera como instância da
agência global. Nascido da ideologia da diferença cultural, seu impulso fundamental é
de captar a diferença latino-americana, a fim de lançá-la na grade epistêmica global. É
conhecimento que azeita a máquina de homogeneização, mesmo nas ocasiões em que
julga estar promovendo ou preservando a diferença. As diferenças latino-americanas
são controladas, homogeneizadas e colocadas a serviço da representação global. O
conhecimento latino-americanista, entendido nesse primeiro sentido, busca sua própria
negação e se dissolve dentro do panóptico. Os diagramas disciplinares em geral
funcionam, basicamente, em posições determinadas, pontos fixos em que se compõem,
de modo impositivo, as identidades. Foucault3 via a produção de identidades, mesmo as
oposicionistas ou desviadas, como fundamentais para funções de domínio em
sociedades disciplinares. O par centro-periferia, sujeito à polaridade dentro/fora, leva-
nos a pensar a América Latina, até o momento presente, fora das benesses da
modernidade modernizante, o que legitima a percepção da dicotomia países
desenvolvidos/países subdesenvolvidos ou, eufemisticamente, chamados "em vias de
desenvolvimento", como se fossem potências médias.

LATINO-AMERICANISMO SUBVERTIDO DE MODO ANTIDISCIPLINAR

Há, no entanto, brechas para se pensar o latino-americanismo de modo alternativo,


subvertido de modo antidisciplinar. Por esse trajeto, desarticulam-se diferenças e
identidades (Hardt, 1995:34-36). O diagrama do controle não está orientado na direção
da posição e da identidade, mas da mobilidade e da anonimidade. Nesse caso, registra-
se atuação flexível e instável de identidades contingentes, através da repetição e da
produção de simulacros. Enquanto das janelas do panóptico capturam-se posições,
pontos fixos, identidades, nas sociedades de controle decreta-se a falência da sociedade
civil, que se torna sociedade política, com surgimento do Estado global. Império é o
nome dado por Hardt à sociedade global de controle. Empalidecem as fronteiras
territoriais, sem que se registrem conquistas. Os elementos de transcendência da
sociedade disciplinar declinam, enquanto os aspectos imanentes são acentuados e
generalizados. Segundo Hardt e Negri (2001:338), no espaço regular do império, não há
nenhum lugar de poder, que está em todo lugar e em lugar nenhum. Acaba, nem que
seja gradualmente, ou se atenua a polarização centro/periferia  os antigos pontos fixos.
É um "Império sem Roma: na transição da soberania para o plano de imanência, o
colapso das fronteiras teve lugar dentro de cada contexto nacional e em escala global.
(...) a crise geral das instituições disciplinares coincide com o declínio dos Estados-
nação como fronteiras que marcam e organizam as divisões no governo global. O
estabelecimento de uma sociedade global de controle que suavize as estrias das
fronteiras nacionais anda junto com a realização do mercado mundial e a submissão da
sociedade global ao capital" (Hardt e Negri, 2001:354).

Na superfície lisa de intersecção, a pretensão é se discutirem as reais possibilidades de


se colocar, por fora desses discursos de poderes, o imperial, o regional e o nacional,
versões disciplinares e versões de controle. Passa-se então a ter como referente primário
não as identidades nativas, os Estados nacionais ou o sistema interestatal latino-
americano, supervisionados pelo pan-americanismo, filho pródigo do monroísmo.

Com efeito, os Estados nacionais no sistema internacional estão deixando de ser o local
onde o saber e o poder se encontram na definição do valor social. Deleuze e Guattari
falam de desterritorialização. Moreiras (2001:112) fala de desreferencialização da
cultura. À medida que o capital se desprende de seu momento produtivo, ele abandona o
solo e, literalmente, levanta vôo.

Na linha de tal reflexão, trata-se sobretudo de caracterizar, com um mínimo de clareza e


objetividade, o latino-americanismo do ângulo da globalização, seja como sistema
global do capital, operando como on, it, numa esdrúxula descentralização, seja como
alternativa horizontalizante.

No primeiro caso, o eixo de raciocínio dos intelectuais institucionais da América Latina


sujeita-se à severa avaliação de alguns poucos. Moreiras (2001:41-42) reproduz as
críticas de Petras, Morley, Rafael, aos que escrevem para outros intelectuais
institucionais e trabalham dentro das fronteiras destes, seus patrocinadores estrangeiros
 instituições financiadoras, seus congressos internacionais. ( ...) os estudos da área têm
se integrado a redes institucionais mais amplas, (...) que tornaram possível a reprodução
de um estilo norte-americano de conhecimento, (...) seguiram uma lógica
integracionista, pela qual se faz coincidir a função conservadora dos estudos.

Quanto à globalização alternativa, horizontalizante, por fora das crostas identitárias


nacionais e regionais, em tal caso, a crítica divisa aí ato de abdicação de toda a história,
desde o período colonial, que lhe teria outorgado a identidade no âmbito que pertença
ao Ocidente. É a desconstrução de codificações impositivas, a favor da reinvenção da
América Latina mestiça (Resende, 2001), capaz de não apenas se redefinir, mas ir mais
longe, em novos fluxos civilizatórios, de dimensão planetária, com novas possibilidades
para as forças de liberação. Tem-se preferido a categoria de mestiçagem, sem casa
grande e senzala, como referência à natureza plural das sociedades contemporâneas,
cujas relações em rede colocam em relevo a dimensão econômica, política, social e
cultural de desidentificações. Problematizamos, ademais, as categorias de
multiculturalismo e tolerância, tidas como insuficientes ou inadequadas para
acompanhar a emergência de novas formas de conectividade social. Moriconi
(2001:74), na mesma direção, enfatiza o fato de que identidade só existe em situações
muito estabilizadas. Caso contrário, seriam dadas identificações cambiantes, ou seja,
identificações que são simultaneamente vivências de desidentificação. Desloca então o
eixo de seu raciocínio da categoria de identidade para a de posicionalidade, que se
traduz na dialética do par identidade-desidentidade, ou ainda, no perene movimento de
identificações e desidentificações. O bordão pense globalmente, aja localmente tem,
nesta maneira de pensar, a nova realidade, a inadequação de repor o dualismo do global
e do local. Ao contrário, as redes de relações nos vários níveis da convivência humana
entre os povos estão a exigir uma resposta global alternativa. A resposta local é
insuficiente, e Cuba o comprova,4 conforme acentua Hardt em sua entrevista ao jornal
Folha de S.Paulo, os movimentos de protesto são indicadores de uma conexão que
existe entre as pessoas de partes diferentes do mundo, de uma potencial convergência de
interesses que ultrapassam situações locais. Não estamos mais diante do imperialismo,
que supõe a expansão do Estado-Nação hegemônico. O império é uma forma política
que não tem confins, forças localizadas, como o Estado-Nação. O império manda para
os ares os conceitos de nação, raça, etnia, e até de povo. Para Hardt e Negri, em
Império, precisamos de novas formas de solidariedade internacional, de culturas
híbridas para enfrentar o império por fora dos mecanismos de representação.

Nessa linha de raciocínio, cabe redefinir o que vem a ser latino-americano hoje: caberia
admitir a fragilidade da dialética entre a interioridade continental e a exterioridade
imperial, como se esta última operasse de fora, nos moldes das teorias da dependência
dos anos 50, 60, 70, no contexto da guerra fria, na vigência do imperialismo disciplinar.
Centro e periferia são categorias espaciais fragilizadas na atualidade, um modelo
arquitetônico de mundo que pressupõe a rígida divisão internacional do trabalho, e
fronteiras ideológicas do mundo bipolar, que mal acompanha hoje os movimentos do
capital, que já Marx supusera tendencialmente apátrida. Encontramo-nos diante de
processos de desterritorializações que nos desafiam a traçar nova cartografia com a
mistura de lugares, com novas confluências. O controle imperial, no lugar da disciplina
recheada de lugares e identidades, é desconcertante para a construção de cenários de
resistência. É, no entanto, a maneira mais apropriada de descobrir meios adequados de
luta, o que já mostra seu fluxo em Seattle, Davos, Praga, Gênova e Porto Alegre, de
forma bastante híbrida, portanto atual. Assistimos no presente ao advento dos novos
bárbaros, a ver caminhos por toda parte, o que supõe, na bela e desafiadora imagem de
Hardt e Negri (2001:235), de estarmos chamados a nos colocar em encruzilhadas.
Incluam-se as da América Latina e do Brasil. Não são vias fáceis, mas tampouco o eram
as antigas. A dinâmica das mestiçagens é colocada em contraposição, de um lado, com
afirmações hegemônicas e uniformizantes e, de outro, contra fundamentalismos,
relativismos e nacionalismos. Velha nossa conhecida, a mestiçagem de corpos, mas,
sobretudo, cabe falar da mestiçagem de representações, de códigos, de práticas, de
gostos, de crenças. A criatividade local, regional, passa por aí e se afirma não como
entrave, mas diferencial, valorizado pela inserção positiva na realidade transnacional
mais ampla.

NOTAS

1. Deve-se ter alguma precaução em afirmar a hegemonia dos EUA, em que pesem sua
economia e sua tecnologia. Se por hegemonia entendemos coerção + consenso, há
várias manifestações em contrário, e não como protestos isolados.
2. Ultrapassa as intenções do presente texto discutir a tese de Cuche (1999). O autor
assume o relativismo cultural e o etnocentrismo como princípio metodológico. A
utilização combinada, segundo o autor, do que seria aparentemente contraditório,
permitiria a ele apreender a dialética do igual e do outro, da identidade e da diferença,
ou seja, da Cultura e das Culturas, como fundamento da dinâmica social. Admitamos
que em nome da dialética têm-se resolvido aporias, que deixam em suspenso qualquer
filosofia, mesmo tendo como respaldo Bourdieu, Pierre Jean Simon.
3. Na produção da identidade, na perspectiva de Foucault, estão em ação uma técnica,
um dispositivo, um mecanismo, um instrumento de poder, métodos que permitem o
controle minucioso das operações do corpo, que asseguram a sujeição constante de suas
forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade.
4. Nas práticas diplomáticas da América Latina, tem imperado a problemática exclusão
de Cuba em importantes reuniões de cúpula, por exigência unilateral dos EUA e
contínua pressão para que tal comportamento seja legitimado pelos demais países do
continente, o que não tem encontrado resistências decisivas. É, na melhor das hipóteses,
atitude insólita, levando-se em conta a legitimação anterior dos Trujillos e Batistas.

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PAULO-EDGAR ALMEIDA RESENDE: Professor da área de concentração de


Relações Internacionais do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais PUC-SP
e membro do GACINT-USP.

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