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São Pio X Acerbo Nimis

A carta encíclica 'Acerbo Nimis' do Papa Pio X aborda a grave ignorância religiosa que aflige o povo cristão, destacando que essa falta de conhecimento sobre a doutrina cristã é a raiz de muitos males espirituais. O Papa enfatiza a importância da instrução religiosa, que deve ser responsabilidade dos pastores de almas, e a necessidade de ensinar os fiéis sobre os mistérios da fé para evitar a corrupção dos costumes. A encíclica conclama os sacerdotes a cumprir seu dever de educar o povo na fé, a fim de promover a salvação eterna.

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São Pio X Acerbo Nimis

A carta encíclica 'Acerbo Nimis' do Papa Pio X aborda a grave ignorância religiosa que aflige o povo cristão, destacando que essa falta de conhecimento sobre a doutrina cristã é a raiz de muitos males espirituais. O Papa enfatiza a importância da instrução religiosa, que deve ser responsabilidade dos pastores de almas, e a necessidade de ensinar os fiéis sobre os mistérios da fé para evitar a corrupção dos costumes. A encíclica conclama os sacerdotes a cumprir seu dever de educar o povo na fé, a fim de promover a salvação eterna.

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CARTA ENCÍCLICA

ACERBO NIMIS
DO ROMANO PONTÍFICE PIO X
SOBRE O ENSINO DA DOUTRINA CRISTÃ

Aos veneráveis irmãos patriarcas, primados, arcebispos, bispos e outros ordinários


em paz e comunhão com a Sé Apostólica.

Veneráveis ​Irmãos, Saúde e Bênção Apostólica.

1. Os secretos desígnios de Deus Nos elevaram de Nossa pequenez ao cargo de


Supremo Pastor de todo o Rebanho de Cristo, em dias demasiado críticos e
amargos, pois o velho inimigo anda ao redor deste rebanho e lhe atira laços com tão
pérfida astúcia, que agora, principalmente, parece ter-se cumprido aquela profecia
do Apóstolo aos anciãos da Igreja de Éfeso: “Eu sei que […] se introduzirão entre
vós lobos arrebatadores, que não pouparão o rebanho” (At 20,29).

Desta mal que padece a religião não há ninguém, animado do zelo pela glória
divina, que não investigue as causas e razões, sucedendo porém que, como cada
qual as encontra diferentes, propõe diferentes meios, segundo a sua opinião
pessoal, para defender e restaurar o reinado de Deus na terra. Não proscrevemos,
Veneráveis Irmãos, os outros juízos, mas estamos com os que pensam que a atual
depressão e debilidade das almas, de que resultam os maiores males, provêm,
principalmente, da ignorância das coisas divinas.

Esta opinião concorda inteiramente com o que o Deus mesmo declarou por seu
profeta Oséias: “Não há conhecimento de Deus nesta terra. A maldição, e a mentira,
e o homicídio, e o furto, e o adultério inundaram tudo; e têm derramado sangue
sobre sangue. Por isso a terra cobrir-se-á de luto, e tudo o que nela habita cairá em
desfalecimento” (Os. 4,1 ss).

Necessidade da Instrução

2. Quão comuns e fundados são, infelizmente, estes lamentos de que existe hoje
um grande número de pessoas, no povo cristão, que vivem em suma ignorância das
coisas que se devem conhecer para conseguir a salvação eterna! – Ao dizer “povo
cristão”, não Nos referimos somente à plebe, isto é, àqueles homens das classes
inferiores a quem escusa com frequência o fato de se acharem submetidos a
senhores exigentes, e que mal se podem ocupar de si mesmos e de seu descanso;
mas também e sobretudo falamos daqueles a quem não falta entendimento nem
cultura e até se acham adornados de grande erudição profana, mas que, no tocante
à religião, vivem temerária e imprudentemente.

Difícil seria ponderar a espessura das trevas que com frequência os envolvem e – o
que é mais triste – a tranquilidade com que permanecem nelas! Com Deus,
soberano autor e moderador de todas as coisas, e com a sabedoria da fé cristã não
se preocupam, de modo algum; e assim nada sabem da Encarnação do Verbo de
Deus, nem da redenção por Ele levada a efeito; nada sabem da graça, o principal
meio para a eterna salvação; nada do sacrifício augusto nem dos sacramentos,
pelos quais conseguimos e conservamos a graça.

Quanto ao pecado, não conhecem sua malícia nem sua fealdade, de modo que não
tomam o menor cuidado em evitá-lo, nem em conseguir o perdão por tê-lo cometido;
e, quando chegam aos últimos momentos de sua vida, que convenientemente
deveriam ser empregados em atos de Caridade, o sacerdote – por não perder a
esperança de sua salvação – se vê constrangido a ensinar-lhes sumariamente a
religião; e isto, se não ocorre – desgraçadamente, com muita frequência – que o
moribundo seja de tão culpável ignorância, que tenha por inútil o auxílio do
sacerdote e julgue que possa transpor tranquilamente os umbrais da eternidade
sem ter satisfeito a Deus por seus pecados.

Por isso, o Nosso predecessor Bento XIV escreveu justamente: “Afirmamos que a
maior parte dos condenados às penas eternas padecem sua perpétua desgraça por
ignorar os mistérios da fé, que necessariamente se devem saber e crer para que
alguém se conte entre os eleitos” (Instit. 27, 18).

3. Sendo isto assim, Veneráveis Irmãos, que tem de surpreendente, perguntamos,


que a corrupção dos costumes e sua depravação sejam tão grandes e cresçam
diariamente, não só nas nações bárbaras, mas ainda nos mesmos povos que levam
o nome de cristãos?

Com razão dizia o apóstolo São Paulo, ao escrever aos de Éfeso: “E nem sequer se
nomeie entre vós a fornicação, ou qualquer impureza, ou avareza, como convém a
santos; nem palavras torpes, nem loucas, nem chocarrices” (Ef. 5, 3 ss). Como
fundamento deste pudor e santidade com que se moderam as paixões, pôs a
ciência das coisas divinas: “Cuidai, pois, irmãos, em andar com prudência; não
como insensatos, mas como circunspectos […]. Portanto, não sejais imprudentes,
mas considerai qual é a vontade de Deus” (Ef. 5, 15 ss).

Sentença justa; porque a vontade humana mal conserva algum resto daquele amor
à honestidade e à retidão, posto no homem por Deus criador seu, amor que o
impelia para o bem, não entre sombras, mas claramente visto. Depravada, todavia,
pela corrupção do pecado original e esquecida quase de Deus, seu Criador, a
vontade humana acaba por inclinar-se de todo a amar a vaidade e a buscar a
mentira. Extraviada e cega pelas más paixões, necessita de um guia que lhe mostre
o caminho de volta à via da justiça que desgraçadamente abandonou. Este guia,
que não se há de buscar fora do homem, e de que a própria natureza o proveu, é a
própria razão; mas se à razão lhe falta sua verdadeira luz, que é a ciência das
coisas divinas, sucederá que, ao guiar um cego a outro cego, cairão ambos no
abismo.
O santo Rei Davi, glorificando a Deus por esta luz da verdade que havia infundido
na razão humana, dizia: “Impressa está em nós a luz do Vosso rosto, ó Senhor”. E
indicava o efeito desta comunicação da luz, acrescentando: “Infundiste no meu
coração uma alegria maior […]” (Sl. 4, 7), a alegria com que, alargado o coração, se
corre pela senda dos mandados divinos.

Efeitos da Doutrina Cristã

4. Facilmente se descobre que é assim, porque, com efeito, a doutrina cristã nos faz
conhecer a Deus e o que chamamos suas infinitas perfeições, muito mais
profundamente que as faculdades naturais. Mais: ao mesmo tempo, manda-nos
reverenciar a Deus por obrigação de fé, que se refere à razão; por dever de
esperança, que se refere à vontade, e por dever de caridade, que se refere ao
coração, com o qual deixa o homem inteiramente submetido a Deus, seu Criador e
moderador. Da mesma maneira, só a doutrina de Jesus Cristo põe o homem de
posse de sua verdadeira e nobre dignidade, como filho que é do Pai celestial, que
está nos céus, e que o fez à Sua imagem e semelhança para viver com Ele
eternamente feliz. Mas, desta mesma dignidade e do conhecimento que dela se há
de ter, conclui Cristo que os homens devem amar-se mutuamente e viver na terra
como convém aos filhos da luz: “não em glutonarias e na embriaguez, não em
desonestidades e dissoluções, não em contendas e emulações” (Rm 13,13). Manda,
igualmente, que nos entreguemos nas mãos de Deus, que cuida de nós; que
socorramos o pobre, façamos bem aos nossos inimigos e prefiramos os bens
eternos da alma aos perecedores bens temporais. E, ainda que não tratemos tudo
pormenorizadamente, não é por acaso doutrina de Cristo a que recomenda e
prescreve ao homem soberbo a humildade, origem da verdadeira glória? “Todo
aquele, pois, que se fizer pequeno, esse será o maior no reino dos céus” (Mt 18, 4).

Nesta celestial doutrina, é nos ensinada a prudência do espírito, que serve para que
nos guardemos da prudência da carne; a justiça, para dar a cada um o que é seu de
direito; a fortaleza, que nos dispõe a sofrer e padecer tudo generosamente por Deus
e pela eterna bem-aventurança; enfim, a temperança, que não só nos torna amável
a pobreza por amor de Deus, mas, em meio a nossas humilhações, faz com que
nos gloriemos na cruz. Depois, graças à sabedoria cristã, não só nossa inteligência
recebe a luz que nos permite alcançar a verdade, mas também a própria vontade se
enche daquele ardor que nos conduz a Deus e nos une a Ele pela prática da virtude.

5. Longe estamos de afirmar que a malícia da alma e a corrupção dos costumes não
possam coexistir com o conhecimento da religião. Quisera Deus que a experiência
não o demonstrasse com tanta frequência. Mas entendemos que, quando ao
espírito envolvem as espessas trevas da ignorância, nem a vontade pode ser reta,
nem são os costumes. Aquele que caminha de olhos abertos, poderá afastar-se,
não se nega, do rumo reto e seguro; mas o cego está em perigo certo de perder-se.
– Ademais, quando não está inteiramente apagada a chama da fé, ainda resta a
esperança de que se elimine a corrupção dos costumes; mas quando à depravação
se junta a ignorância da fé, já não possibilidade de remédio, e permanece aberto o
caminho da ruína.

O Primeiro Ministério

6. Uma vez que da ignorância da religião procedem tantos e tão graves danos, e
que, por outro lado, são tão grandes a necessidade e a utilidade da formação
religiosa, pois em vão seria esperar que alguém pudesse cumprir as obrigações de
cristão sem as conhecer, convém saber agora a quem compete preservar as almas
daquela perniciosa ignorância e instruí-las em ciência tão indispensável. – E isto,
Veneráveis Irmãos, não oferece dificuldade alguma, porque esse gravíssimo dever
corresponde aos pastores de almas, que efetivamente se acham obrigados por
mandado do próprio Cristo a conhecer e apascentar as ovelhas que lhes são
confiadas. Apascentar é, antes de mais nada, doutrinar. “Eu vos darei pastores
segundo o meu coração, os quais vos apascentarão com a ciência e com a
doutrina” (Jer. 3, 15).

Assim falava Jeremias, inspirado por Deus. E, por isso, dizia também o apóstolo
São Paulo: “Cristo não me enviou para batizar, mas para pregar” (1 Cor. 1, 17),
advertindo assim que o principal ministério de quantos exercem, de alguma maneira
o governo da Igreja, consiste em ensinar aos fiéis a doutrina sagrada.

7. Parece-nos inútil expor novas provas da excelência deste ministério e da estima


que dele tem Deus. Sim, é verdade que Deus louva grandemente a piedade que nos
move a procurar o alívio das misérias humanas; mas quem negará que maior louvor
merecem o zelo e o trabalho consagrados a fornecer os bens celestiais aos
homens, e não já os transitórios benefícios materiais? Nada pode ser mais grato –
segundo seus próprios desejos – a Jesus Cristo, Salvador das almas, que disse de
Si mesmo pelo Profeta Isaías: “O Espírito do Senhor […] me ungiu para evangelizar
os pobres” (Luc. 4,18).

Importa muito, Veneráveis Irmãos, assentar bem aqui – e, insistir nisto – que para
todo e qualquer sacerdote é este o dever mais grave, mais estrito, a que está
obrigado. Porque, quem negará que, no sacerdote, à santidade de vida de estar
unida a ciência? “Os lábios do sacerdote serão os guardas da ciência” (Mal. 2, 7).

E, com efeito, a Igreja rigorosamente a exige de quantos aspiram a ordenar-se


sacerdotes. E, por quê? Porque o povo cristão espera receber dos sacerdotes o
ensino da divina lei, e porque Deus os destina a propagá-la. “Da sua boca se há de
aprender a lei, porque ele é o anjo do Senhor dos exércitos” (Mal. 2, 7). Por isso, no
momento da ordenação, diz o bispo, dirigindo-se aos que vão ser consagrados
sacerdotes: “Que vossa doutrina seja remédio espiritual para o povo de Deus; que
todos sejam prudentes colaboradores de nosso encargo, de modo que, meditando
dia e noite acerca da santa lei, creiam naquilo que leram e ensinem aquilo em que
creram” (Pontif. Rom.).

Se não há sacerdote a que isto não seja aplicável, que diremos dos que,
acrescentando ao sacerdote o nome e o poder de pregadores, têm a seu cargo o
compromisso de cura das almas, assim por sua dignidade como por um pacto
contraído? Estes hão de estar incluídos, de algum modo, na classe dos pastores e
doutores que Jesus Cristo deu aos fiéis para que não mais sejam “meninos
flutuantes, e levados, ao sabor de todo o vento de doutrina, pela malignidade dos
homens, pela astúcia dos que induzem ao erro; mas, praticando a verdade na
caridade, cresçam em todas as coisas naquele que é a cabeça, Cristo” (Ef. 4,
14-15).

Disposições da Igreja

8. Por isso, o sacrossanto Concílio de Trento, falando dos pastores de almas,


declara que a primeira e a maior de suas obrigações é a de ensinar o povo cristão
(Sess.5, c. 2 de refor.; sess. 22, c. 8; sess. 24, c. 4 e 7 de refor.). Dispõe, em
consequência, que pelo menos nos domingos e festas solenes deem ao povo
instrução religiosa, e, durante os santos tempos do Avento e da Quaresma,
diariamente ou ao menos três vezes por semana. E, não só isso, porque acrescenta
o Concílio que os párocos estão obrigados, ao menos nos domingos e dias de festa,
a ensinar, eles próprios ou por meio de outros, às crianças as verdades de fé e a
obediência que devem a Deus e a seus pais. Igualmente manda que, quando
tenham de administrar algum sacramento, instruam acerca de sua natureza os que
vão recebê-lo, explicando-o em língua vulgar e inteligível.

9. Em sua constituição Etsi Minime, Nosso predecessor Bento XIV resumiu tais
prescrições e precisou-as claramente, dizendo: “Duas obrigações impõe
principalmente o Concílio de Trento aos pastores de almas: uma, que todos os dias
de festa falem ao povo acerca das coisas divinas; outra, que ensinem às crinaças e
aos ignorantes os elementos da lei divina e da fé”.

Com razão dispõe este sapientíssimo Pontífice o duplo ministério, a saber: a


pregação, que habitualmente se chama explicação do Evangelho, e o ensino da
doutrina cristã. Talvez não faltem sacerdotes que, desejosos de poupar a si mesmos
trabalho, creiam que com as homilias satisfazem a obrigação de ensinar o
Catecismo. Quem quer que reflita descobrirá o erro desta opinião; porque a
pregação do Evangelho está destinada aos que já possuem os elementos da fé. É o
pão que deve dar-se aos adultos. Mas, pelo contrário, o ensino do Catecismo é
aquele leite que o apóstolo São Pedro queria que todos os fiéis desejassem
sinceramente, como as crianças recém-nascidas. – O ofício, pois, do catequista
consiste em escolher alguma verdades relativa à fé e aos bons costumes cristãos, e
explicá-la em todos os seus aspectos. E, como a finalidade do ensino é a perfeição
da vida, o catequista há de comparar o que Deus manda fazer e o que os homens
fazem realmente; depois disso, e extraindo oportunamente algum exemplo da
Sagrada Escritura, da história da Igreja ou das vidas dos Santos, deverá aconselhar
a seus ouvintes, como se a assinalasse com o dedo, a norma a que devem ajustar a
vida, e terminará exortando os presentes a fugir dos vícios e a praticar a virtude.

Instrução Popular

10. Não ignoramos, em verdade, que este método de ensinar a doutrina cristã não é
grato a muitos, que o estimam insuficiente e talvez impróprio para atrair o louvor
popular; mas Nós declaramos que semelhante juízo pertence aos que se deixam
levar pela ligeireza mais do que pela verdade. Certamente não reprovamos os
oradores sagrados que, movidos por sincero desejo de glória divina, se empenham
na defesa da fé ou em fazer o panegírico dos Santos; mas seu labor requer outro,
preliminar – o dos catequistas –, pois, faltando este, não há alicerces, e em vão se
fatigam os que edificam a casa. É muito frequente que floridos discursos, recebidos
com o aplauso de numeroso auditório, só sirvam para agradar o ouvido, não para
comover as almas. Em contrapartida, o ensino catequético, ainda que simples e
humilde, merece que se lhe apliquem estas palavras que disse Deus por Isaías:

“E, assim como desce do céu a chuva e a neve, e não voltam mais para lá, mas
embebem a terra, e fecundam-na e fazem-na germinar, a fim de que dê semente ao
que semeia, e pão ao que come; assim será a minha palavra que sair da minha
boca; não tornará para mim vazia, mas fará tudo o que eu quero, e produzirá os
efeitos para os quais a enviei”. (Is. 55,10. 11).

O mesmo juízo se há de fazer daqueles sacerdotes que, para melhor expor as


verdades da religião, publicam eruditos volumes; são dignos, certamente, de grande
elogio. Quantos, porém, são os que consultam obras dessa índole e tiram delas o
fruto correspondente ao labor e aos desejos de seus autores? Mas o ensino da
doutrina cristã, bem feito, jamais deixa de aproveitar aos que o escutam.

11. Convém repetir – para inflamar o zelo dos ministros do Senhor – que já é
grandíssimo, e aumenta cada dia mais, o número dos que ignoram tudo em matéria
de religião, ou que só têm um conhecimento tão imperfeito de Deus e da fé cristã,
que, em plena luz de verdade católica, lhes é possível viver como pagãos. Ah! quão
grande é o número não de crianças, mas de adultos e até anciãos, que ignoram
absolutamente os principais mistérios da fé, e, que ao ouvir o nome de Cristo,
respondem: “Quem é […] para eu crer n’Ele?” (Jo 9, 36). Daí o terem por lícito forjar
e manter ódio contra o próximo, fazer contratos iníquos, explorar negócios infames,
fazer empréstimos usurários e cometer outras maldades semelhantes. Daí que,
ignorantes da lei de Cristo – que proíbe não só toda e qualquer ação torpe, mas o
pensamento voluntário e o desejo dela –, muitos que, por qualquer razão, até quase
se abstêm dos prazeres vergonhosos, alimentam porém, em suas almas, que
carecem de princípios religiosos, os pensamentos mais perversos, tornam o número
de suas iniquidades maior que o dos cabelos de sua cabeça. – E, repitamos que
estes vícios não se acham somente entre a gente pobre do campo e das classes
baixas, mas também, e talvez com mais frequência, entre as pessoas de categoria
superior, e até entre os que se envaidecem de seu saber e, apoiados numa vã
erudição, pretendem escarnecer da religião e “blasfemar contra tudo o que não
conhecem” (Jd. 10).

12. Se é coisa vã esperar colheita em terra que não semeada, como esperar
gerações adornadas de boas obras, se oportunamente não foram instruídas na
doutrina cristã? – Donde justamente concluímos que, se a fé enfraquece em nossos
dias até parecer quase morta em uma grande maioria, é porque que se cumpriu
descuidadamente, ou se descumpriu de todo, a obrigação de ensinar as verdades
contidas no Catecismo. Inútil seria dizer, como escusa, que a fé é dada
gratuitamente e conferida a cada um no batismo. Porque, certamente, quando
fomos batizados em Jesus Cristo, fomos enriquecidos com o hábito da fé, mas esta
divina semente não chega a “crescer… e criar grandes ramos” (Marc. 4, 32) se
entregue a si mesma e reduzida a atuar como por virtude inata. Tem o homem,
desde que nasce, a faculdade de entender; mas esta faculdade necessita da
palavra materna para, como se diz, converter-se em ato. Também o homem cristão,
ao renascer pela água e pelo Espírito Santo, traz como em germe a fé; mas
necessita do ensino da Igreja para que essa fé possa nutrir-se, crescer e dar fruto.

Por isso escrevia o Apóstolo: “A fé provém do ouvir e o ouvir depende da pregação


da palavra de Cristo” (Rom. 10, 17). E para mostrar a necessidade do ensino,
acrescentou: “Como ouvirão, sem haver quem lhes pregue?” (Rom. 10, 14).

Normas

13. Pelo exposto até aqui, pode ver-se qual seja a importância da instrução religiosa
do povo; devemos, pois, fazer todo o possível para que o ensino da Doutrina
sagrada, instituição – segundo frase de Nosso predecessor Bento XIV – a mais útil
para a glória de Deus e a salvação das almas (Const. Etsi minime, 13), se mantenha
sempre florescente, ou, onde se tenha dela descuidado, se restaure. Assim, pois,
Veneráveis Irmãos, querendo cumprir esta grave obrigação do apostolado supremo
e fazer com que em todas as partes se observem em matéria tão importante as
mesmas normas, em virtude de Nossa suprema autoridade, estabelecemos para
todas as dioceses as seguintes disposições, que mandamos sejam observadas e
expressamente cumpridas:

I) Todos os párocos, e em geral quantos exerçam cura de almas, hão de ensinar a


todos os meninos e meninas, com base no Catecismo, durante uma hora inteira,
todos os domingos e festas do ano, sem excetuar nenhum, aquilo em que devem
crer e aquilo que devem fazer para alcançar a salvação eterna.
II) Os mesmos párocos hão de preparar os meninos e meninas, em época fixa do
ano, e mediante instrução que deve durar vários dias, para receber dignamente os
sacramentos da Penitência e da Confirmação.

III) Além disso, hão de preparar com especial cuidado os rapazinhos e mocinhas
para que, santamente, se aproximem pela primeira vez da Sagrada Mesa,
valendo-se para isso de oportunos ensinamentos e exortações, durante todos os
dias de Quaresma e, caso seja necessário, durante vários outros depois da Páscoa.

IV) Em todas e cada uma das paróquias, erigir-se-á canonicamente a associação


chamada vulgarmente Congregação da Doutrina Cristã. Com a qual, principalmente
onde suceda ser escasso o número de sacerdotes, os párocos terão colaboradores
seculares para o ensino do Catecismo, os quais se ocuparão deste ministério, tanto
por zelo da glória de Deus, como para beneficiar-se das santas indulgências com
que os Romanos Pontífices enriqueceram esta associação.

V) Nas cidades mais populosas, principalmente onde haja Faculdades maiores,


Institutos e Colégios, fundem-se escolas de religião para instruir nas verdades da fé
e nas práticas da vida cristã a juventude que frequente as escolas públicas, não
quais não se mencionam as coisas da religião.

VI) Porque, nestes tempos, a idade madura, não menos que a infância, necessita da
instrução religiosa, os párocos e quantos sacerdotes exerçam cura de almas, além
da habitual homilia sobre o Santo Evangelho, que hão de fazer todos os dias de
festa, na Missa paroquial, deverão determinar a hora mais oportuna para que
compareçam os fiéis – excetuando a hora destinada à doutrina das crianças – e dar
instrução catequética aos adultos, com linguagem simples e proporcionada à sua
inteligência. Para isso, valer-se-ão do Catecismo do Concílio de Trento, de tal modo
que, no espaço de quatro ou cinco anos, expliquem tudo quanto se refere ao
Símbolo, aos Sacramentos, ao Decálogo, à Oração e aos Mandamentos da Igreja.

VII) Veneráveis Irmãos, isto mandamos e estabelecemos em virtude de Nossa


autoridade apostólica. Agora, é obrigação vossa procurar, cada qual em sua própria
diocese, que estas prescrições se cumpram inteiramente e sem demora. Velai, pois,
e, com a autoridade que vos é peculiar, procurai que Nossos mandamentos não
caiam no esquecimento, ou – o que resultaria no mesmo – se cumpram com
negligência e frouxidão. Para evitar essa falta, haveis de empregar as
recomendações mais assíduas e imediatas aos párocos, para que não expliquem o
Catecismo sem prévia preparação, e para que não falem a linguagem da sabedoria
humana, mas “com simplicidade de coração e com sinceridade diante de Deus” (2
Cor. 1, 12) sigam o exemplo de Cristo, o Qual, embora revelasse “coisas que têm
estado ocultas desde a criação do mundo” (Mt 13, 35), as dizia “ao povo em
parábolas; e não lhes falava sem parábolas” (Mat 13, 34). Sabemos que o mesmo
fizeram os Apóstolos, ensinados por Jesus Cristo; e deles dizia São Gregório
Magno: “Tiveram todo o empenho em pregar aos povos ignorantes coisas simples e
acessíveis, e não coisas altas e árduas” (Moral. lib. 17, c. 26). E, nas coisas de
religião, grande parte dos homens de nossa época há de ter-se por ignorante.

O trabalho do ensino

14. Mas não quereríamos que alguém, em razão desta mesma simplicidade que
convém observar, imaginasse que o ensino catequético não requer trabalho nem
meditação; ao contrário, ele os exige maiores que qualquer outro gênero. É mais
fácil achar um orador que fale com abundância e brilhantismo que um catequista
cujas explicação mereça pleno louvor. Por conseguinte, devem todos levar em conta
que, por grande que seja a facilidade de conceitos e de expressão de que se ache
naturalmente dotado, ninguém falará da doutrina cristã com proveito espiritual dos
adultos nem das crianças sem antes se preparar com estudo e séria meditação.
Enganam-se os que, confiando na inexperiência e rudeza intelectual do povo, creem
que podem proceder negligentemente nesta matéria. Ao contrário: quanto mais
incultos os ouvintes, maior zelo e cuidado se requerem para conseguir que as
verdades mais sublimes, tão acima do entendimento da generalidade dos homens,
penetrem na inteligência dos ignorantes; os quais, não menos que os sábios,
necessitam conhecê-las para alcançar a eterna bem-aventurança.

15. Seja-nos permitido, Veneráveis Irmãos, dizer-vos ao terminar esta Carta, o que
disse Moisés: “Quem é pelo Senhor, junte-se a mim” (Êx. 32, 26). Observai,
rogamos-vos e pedimos quão grandes estragos produz nas almas a ignorância das
coisas divinas. Talvez tenhais estabelecido, em vossas dioceses, muitas obras úteis
e dignas de louvor, para o bem de vossos rebanhos; mas, com preferência a todas
elas, e com todo o empenho, todo o zelo e constância que vos sejam possíveis,
buscai esmeradamente que o conhecimento da Doutrina cristã penetre por completo
na mente e no coração de todos. “Comunique cada um ao próximo – repetimos com
o apóstolo São Pedro – o dom que recebeu, como bons dispensadores da
multiforme graça de Deus” (1 Pd. 4, 10).

Que, mediante a intercessão da Imaculada e Bem-Aventurada Virgem Maria, vosso


zelo e piedosa indústria se excitem com a Bênção Apostólica, que, em testemunho
de Nossa caridade e como penhor de favores celestes, amorosamente vos
concedemos a vós, a vosso clero e ao povo que vos está confiado.

Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 15 de abril de 1905, segundo ano do
Nosso Pontificado.

PIVS PP. X

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