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Revista ACL 2016

A Revista da Academia Cearense de Letras, publicada em 2016, homenageia diversos patronos e apresenta uma variedade de conteúdos literários, incluindo poemas, estudos e prosa de ficção. O documento também inclui informações sobre a diretoria da academia, normas para publicação e um sumário detalhado das seções da revista. Além disso, destaca eventos culturais e a importância da literatura no Ceará.
Direitos autorais
© © All Rights Reserved
Levamos muito a sério os direitos de conteúdo. Se você suspeita que este conteúdo é seu, reivindique-o aqui.
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A Revista da Academia Cearense de Letras, publicada em 2016, homenageia diversos patronos e apresenta uma variedade de conteúdos literários, incluindo poemas, estudos e prosa de ficção. O documento também inclui informações sobre a diretoria da academia, normas para publicação e um sumário detalhado das seções da revista. Além disso, destaca eventos culturais e a importância da literatura no Ceará.
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REVISTA DA

ACADEMIA
CEARENSE
DE LETRAS

Fortaleza, 2016
Patronos
1 - Adolfo Caminha
2 - Álvaro Martins
3 - Antônio Augusto
4 - Antônio Bezerra
5 - Papi Júnior
6 - Antônio Pompeu
7 - Clóvis Beviláqua
8 - Domingos Olímpio
9 - Fausto Barreto
10 - Padre Mororó
11 - Barão de Studart
12 - Heráclito Graça
13 - D. Jerônimo Tomé
14 - João Brígido
15 - Capistrano de Abreu
16 - Franklin Távora
17 - Joaquim Catunda
Revista da
18 - Moura Brasil
19 - José Albano
20 - Liberato Barroso
Academia
21 - José de Alencar
22 - Justiniano de Serpa
23 - Juvenal Galeno
Cearense
24 - Lívio Barreto
25 - Oliveira Paiva
26 - Soares Bezerra
de Letras
27 - Soriano de Albuquerque
28 - Mário da Silveira
29 - Paulino Nogueira
30 - Rocha Lima
31 - Farias Brito
32 - Cônego Ulisses Pennaforte
33 - Rodolfo Teófilo
34 - Samuel Uchoa
35 - Tomás Pompeu Ano CXXI - v. 77
36 - Senador Pompeu 2016
37 - Tomás Lopes
38 - Tibúrcio Rodrigues
39 - Araripe Júnior
40 - Visconde de Sabóia
©2017 by Academia Cearense de Letras

Fundação Demócrito Rocha


Presidente
João Dummar Neto

Diretor Geral
Marcos Tardim

Edições Demócrito Rocha (EDR)


(Marca registrada da Fundação Demócrito Rocha)

Editora Executiva
Regina Ribeiro

Editor Adjunto
Raymundo Netto

Editor Assistente
Humberto Pinheiro

Editor de Design
Amaurício Cortez

Editoração Eletrônica
Miqueias Mesquita

C387r REVISTA da ACADEMIA CEARENSE de LETRAS /


Academia Cearense de Letras. -Fortaleza, v.1- ;

n.1- ; 1896-
2016, v. 121, n. 77

1. Literatura brasileira - Periódicos - Ceará. 2. Academia


Cearense de Letras – História.

ISSN: 0102-8820 CDD: 869.905

Av. Aguanambi, 282/A - Joaquim Távora - CEP: 60.055-402 - Fortaleza-Ceará


Tel.: (85) 3255.6037 - 3255.6256 - Fax (85) 3255.6271
edicoesdemocritorocha.com.br | [email protected] | livrariadummar.com.br
Academia Cearense de Letras
Fundada em 15 de agosto de 1894
Filiada à Federação das Academias de Letras do Brasil

Diretoria do Biênio 2015 – 2016


Presidente de Honra – José Murilo Martins
Presidente – José Augusto Bezerra
Vice-Presidente – Virgílio Nunes Maia
Secretário Geral – Pedro Henrique Saraiva Leão
Secretário Geral-Adjunto – José Telles da Silva
Diretora de Finanças – Giselda de Medeiros Albuquerque
Diretora Cultural – Angela Gutiérrez
Diretor de Patrimônio – Linhares Filho
Diretora de Publicação – Noemi Elisa Aderaldo
Diretor de Memorial – José Murilo Martins
Diretor de Biblioteca – EdniloSoárez
Conselho Fiscal – Mauro Benevides, Genuíno Sales
e Pio Rodrigues Neto

Comissão de Redação desta Revista


Noemi Elisa Aderaldo (Presidente)
Linhares Filho – Sânzio de Azevedo
Horácio Dídimo

Revisão: Sânzio de Azevedo

Colaboração
Madalena Figueiredo – Bibliotecária CRB3/ 311

Sede da ACL
Palácio da Luz
Rua do Rosário, 1
CEP: 60.055-090 - Fortaleza – Ceará – Brasil
Telefone: (85) 3253.4275 e (85) 3226.0326
e-mail: [email protected]
Horário de Funcionamento:
Segunda a sexta-feira, das 8h às 16h.
Normas para publicação
1. As colaborações devem ser encaminhadas à Comissão de
Redação em cd, acompanhados de cópia impressa, digitada em
Microsoft Word.
2. Na primeira página deverão constar o título do trabalho, o nome do
autor e a sua qualificação.
3. Os títulos de livros, revistas e jornais devem ser colocados em itálico,
e não entre aspas.
4. As colaborações, cujos autores não sejam acadêmicos, deverão ser
aprovadas pela Comissão de Redação.

Aceitam-se permutas.
• As ideias e conceitos emitidos pelos colaboradores são de sua única
responsabilidade.
ACADEMIA CEARENSE DE LETRAS
122 ANOS (1894-2016)

Horácio Dídimo

FO

LE
RT I
I NIHI DIFFIC
L
1894

ACADEMIA CEARENSE DE LETRAS

O TEMPO PASSA
O RIO CORRE
A VIDA É GRAÇA
A FÉ NÃO MORRE

A CHUVA CAI
O SOL DESCANSA
CADA ANO TRAZ
NOVA ESPERANÇA

UM VENTO BREVE
TOCA DE LEVE
EM CADA FLOR

DEUS TRINO E TERNO


NOS DIZ QUE ETERNO
É SEU AMOR
Sumário

1ª PARTE – Homenagem
O Lacre do Silêncio
Horácio Dídimo.......................................................................................15
Ao Meu Amigo – Poeta José Telles
Giselda Medeiros.....................................................................................16
Adeus meu Poeta
Leda Maria..............................................................................................17
Ideal Clube de Literatura................................................................................. 18

2ª PARTE – Estudos
“O Acampamento”, de Aricy Curvello. Jomar Moraes, grande pesquisador
Sânzio de Azevedo .................................................................................23
O Amor de trovador. Poetas singulares
Luciano Maia ..........................................................................................30
Sobre Teoria dos Afetos.
Giselda Medeiros ....................................................................................34
Lembranças de Moreira Campos
Dimas Macedo .......................................................................................36
Um aspecto do conto “O Búfalo” de Clarice Lispector.
Laéria Fontenele .....................................................................................38
Muito além da crônica
Vera Lucia de Oliveira .............................................................................51

3ª PARTE – Poesia
De Marly Vasconcelos: Esta Manhã..........................................................57
De Horácio Dídimo: Na Casa dos Oitenta. Sete poetas..............................58
De Luciano Maia: Poema de Natal............................................................60
De Pedro Henrique Saraiva Leão: Paráfrase de joão cabral. Para Ricardo
Guilherme. Quando nossas cinzas............................................................61
De Giselda Medeiros: Barros Pinho: Pássaro Poeta....................................64
De Ubiratan Aguiar: Vagão da Estrela. Canto da Vida. Amei.....................65
De Linhares Filho: Adsum – Aqui estou, Poesia. Canção da convivência.
Despedida a Rogério Bessa.......................................................................68
De Teoberto Landim: Ciúme. Sedução. Amada.........................................72
Haicais de Sânzio de Azevedo traduzidos por Terezinka Pereira:
Trem noturno. Passado............................................................................76
De Henrique Dídimo: Sonetio...................................................................77
De Wânia Cysne Dummar: Pós-tempo......................................................78
De Révia Herculano: Teogonia..................................................................80

4ª PARTE – Prosa de Ficção


O Quebra-Quebra.
Juarez Leitão............................................................................................83
Nem da terra nem do mar
Giselda Medeiros.....................................................................................91
Zabelinha
Regine Limaverde ....................................................................................94
A Execução
Flávio Leitão ............................................................................................98
Café du Départ
Américo Guerreiro de Sousa....................................................................101
A segunda Guerra Mundial em Viçosa do Ceará
Mário Miranda Filho................................................................................124

5ª PARTE – Discursos
Linhares Filho, Príncipe dos Poetas Cearenses
Sânzio de Azevedo .................................................................................133
Agradecimento pelo Título de Luz
Linhares Filho...........................................................................................149
Apresentação do Livro de Contos Cãs, rugas e amor: rumo a uma cultura de
Direitos Humanos, de Ruth Villanueva Castilleja. Apresentação da Revista do
Instituto Brasileiro de Direitos Humanos (IBDH), nº 15
César Barros Leal......................................................................................155
122 anos da Academia Cearense de Letras
Mauro Benevides ....................................................................................164
O Silêncio da penteadeira. A Sereia de Ouro e o bom combate pela
construção do mundo com que sonhamos
Angela Gutiérrez .....................................................................................166
Palácio da Luz: Reduto da Cultural
Zenaide Braga Marçal .............................................................................181
Gomes de Sousa, um homem de ciência
Francisco Marialva Mont’Averne Frota......................................................185

6ª PARTE – O livro da Academia


A Silhueta das Areias ou a face granulada do inefável
Carlos Augusto Viana...............................................................................197

7ª PARTE – Literatura Intercontextual


Não sou um Produto
Texto e ilustrações: Côca Torquato...........................................................237

8ª Parte – Programação Cultural


Programação Cultural realizada pela
Academia Cearense de Letras em 2016 ...................................................253

9ª Parte – Nossos Mortos


José Telles da Silva ...................................................................................257
10ª Parte – Ata das Sessões
Relatório nº 01, Fortaleza, 12 de janeiro de 2016.....................................261
Relatório nº 02, Fortaleza, 10 de março de 2016......................................266
Relatório nº 03, Fortaleza, 14 de abril de 2016.........................................270
Relatório nº 04, Fortaleza, 17 de maio de 2016........................................273
Relatório nº 05, Fortaleza, 01 de julho de 2016........................................277
Relatório nº 06, Fortaleza, 21 de julho de 2016........................................282
Relatório nº 07, Fortaleza, 10 de agosto de 2016.....................................286
Relatório nº 08, Fortaleza, 14 de setembro de 2016.................................289
Relatório nº 09, Fortaleza, 10 de outubro de 2016...................................293

11ª Parte – Relação dos Acadêmicos e seus Endereços


Relação dos acadêmicos e seus endereços................................................299
1ª Parte

Homenagens
Ao poeta José Telles da Silva
(Bitupitá (PI) 1943 – Fortaleza (Ce) 2016)
O Lacre do Silêncio1
Para José Telles

Horácio Dídimo

Quando auroras
Se repetem
No sudário
Das palavras

Quando o frêmito
Já se espalha
Nos espelhos
Das palavras

Vem a tosse
Invencível
Das palavras

E o poeta
Rompe o lacre
Do silêncio.

1 TELLES, José. O lacre do silêncio. Fortaleza: SOBRAMES, 2004.

15
Ao meu Amigo – Poeta José Telles
(in memoriam)

Giselda Medeiros

A luz esgueirava-se, silenciosa,


Buscando as águas sonolentas do mar.
O azul das águas era como pássaros fugidios
Que ora aflorava sobre as ondas,
Ora submergia na doce amplidão da luz mortiça.

Oh! Miragem real, tu pairavas, em alarido,


Ensaiando um voo mais longínquo!

Oh! Poesia,tu planavas tonta, em ziguezague,


Bebendo a refrescante mansidão da linguagem das areias!

Oh, Bitupitá! Teus olhos encharcavam-se.


E um vinho amargo molhava a tristeza dos teus lábios!

O Poeta, sol resplandecente, crepusculava-se,


E, na espera do sorriso da manhã,
Bebeu, sôfrego, o elixir da eternidade.

No “despenhadeiro dos momentos”,


Encantou-se, “canção e mistério”,
Na espera longa de outra aurora,
Porcelana e tempo, clonando saudades!

2/6/2016

16
Adeus meu Poeta2
Leda Maria3

“... DERRAMEM meu silêncio/ pela alcova. Ele precisa da boca


das palavras/ para dizer adeus. Agora ainda procuro essências”. Parte
de um poema de José Telles, o poeta das emoções que partiu na tarde
de quinta-feira, desviando as dores que o desarmaram de tanta cora-
gem e entusiasmo pela vida.
AGORA ficamos envolvidos na saudade, na beleza de seus ver-
sos. Lembro seu silêncio e seu olhar distante, registrados em nosso
ultimo encontro, no hospital São Carlos, ao lado de outros amigos que
não sabiam ocultar as lágrimas pelo seu adormecer.

2 O Povo, Fortaleza, 4 jun. 2016


3 Jornalista

17
Ideal Clube de Literatura4
Evento tradicional no Ceará

Já são 16 anos comprometidos em revelar, para a sociedade ce-


arense, os mais novos nomes que compõem o tutano da produção
escrita do estado. Nesse tempo, ideias das mais diversas ganharam
corpo, tornando-se ao serem publicadas, referências literárias, tama-
nha a dimensão cultural alcançada, pelas mesmas.
Crescendo a cada ano, o XVIII Prêmio Estadual Ideal Clube de
Literatura é o concurso por trás desses novos escritores, dessas novas
obras que despontam como promessa da Literatura nacional. Com
cerimônia a se realizar hoje, à partir das 20h, no Salão Nobre Edson
Queiroz, no próprio Ideal Clube, o evento laureará, com mil reais, os
quinze primeiros selecionados na competição, cujas inscrições finaliza-
ram no dia 27 de novembro do ano passado.

Troféu
Já o primeiro lugar receberá em mãos, além da quantia no valor
de R$ 5 mil, o troféu Barros Pinho, nome dado em homenagem ao
grande poeta que frequentava o Ideal.
Na ocasião, estarão presentes importantes representantes da
cultura no Estado, como por exemplo o Presidente da Academia Ce-
arense de Letras (ACL), José Augusto Bezerra; o ex-Ministro do Tribu-
nal de Contas da União e advogado cearense Ubiratan Diniz Aguiar,
membro da ACL; e os presidentes do Ideal Clube, Alcimor Rocha e
Amarilho Cavalcante.
Aberto ao público e com coquetel liberado, o evento, que se
iniciará com o canto da Hino Nacional Brasileiro, terá ambientação
sonora comandada pelo pianista da instituição e, como mestre de ce-
rimônia, a jornalista e apresentadora Carla Soraya.

4 Diário do Nordeste, Fortaleza, 25 fev. 2016. Caderno 3, p. 6.

18
Seleção
Mais de 300 pessoas se inscreveram para participar do XVIII Prê-
mio Estadual Ideal Clube de Literatura nesta última edição, cujo gêne-
ro contemplado foi poesia. A comissão julgadora, presidida, presidida
pelo poeta, ensaísta e jornalista Carlos Augusto Viana, levou com se-
riedade a proposta de escolher os mais bem escritos poemas cearenses
compostos durante o ano de 2015.
“A análise dos textos é um processo rigoroso, que acontece em
sigilo absoluto e com absoluta seriedade. Tanto é que só sabemos
quem é o grande vencedor horas antes da cerimônia de premiação.”,
conta o presidente de Cultura e Artedo Ideal Clube, José Telles. Mais
especifica, contemplando apenas escritores cearenses, a maioria da
produção deste ano foi composta por jovens, conforme informa José
Telles. Em suas palavras, isso só revela o quão forte está se tornando o
polo literário do Ceará.
“Já temos um público leitor e escritor consolidado, que, com
iniciativas como essa, só tende a crescer, tirando muitas pessoas boas,
que escrevem super bem, do anonimato. No ano passado, por exem-
plo, um dos melhores contos escolhidos foi o de uma garota de 14
anos, o que mostra o quão importantes são esses concursos para gerar
um maior acesso a cultura”.

Importância
Sede de duas agremiações literárias – a Academia de Médicos
Escritores e a Academia de Letras e Artes do Nordeste, o Ideal Clu-
be é um relevante polo de produção literária e cultural do Ceará,
atualmente contando com instalações e projetos que priorizam a
arte e o conhecimento.
Perguntado sobre a expectativa para a noite de hoje, José Telles
adianta: “No ano passado, colocamos 600 pessoas no Auditório Ed-
son Queiroz, neste ano, esperamos repetir a dose, garantindo visibili-
dade à literatura estadual”.

19
2ª Parte

Estudos
“O Acampamento”, de Aricy Curvello
Sânzio de Azevedo

O poeta Aricy Curvello nasceu em Minas Gerais, viveu no Rio de


Janeiro, na Amazônia, na Europa e hoje mora na Praia de Jacaraípe,
em Serra, no norte do Espírito Santo.
Ao tempo da ditadura militar chegou a ser perseguido e preso,
o que o diferencia dos falsos socialistas que nunca viram as grades de
um xadrez e discorrem sobre marxismo-leninismo nos clubes elegan-
tes, com um copo de uísque na mão.
Não é qualquer poeta de hoje que tem a oportunidade de ver
sua obra estudada em um livro. A Arte Poética de Aricy Curvello, de
Cleber Pacheco, está neste ano de 2016 na 2ª edição pela Editora Plá-
tano (Ediplat), de Porto Alegre.
O terceiro livro de poemas do autor, Mais que os nomes do
nada, de 1996, abriga um dos seus mais conhecidos textos em verso,
“O Acampamento”, que me lembra haver lido em tradução francesa.
A versão final do poema foi publicada no livro “50 Poemas Escolhidos
pelo Autor” (Rio de Janeiro: Edições Galo Branco, 2007). Abre o poe-
ma a indicação: “Porto Trombetas, Pará”.
Dividido em seis segmentos, é composto em versos livres, não
havendo um só medido, como preconizava Mário de Andrade.
Começa o poema dizendo:

“Barracões contra o rio,


o ermo contra as tábuas.
Nenhum sinal para fixar-te, nenhum, senão fluxo
e passagem,
o significado para as águas, a relva pisada
em volta das casas.

23
Pouco adiante,

“mugem na Amazônia palavras sem poema


absurda coleção de pragas.
Onde a floresta começa, o Brasil acaba?”

Vê-se logo que não se trata estritamente de um poema des-


critivo, mas interpretativo, daí que os versos “mugem na Amazônia
palavras sem poema / absurda coleção de pragas”.
Nos versos curtos da segunda parte, depois de dizer “o que é
deus e o que é fera” e falar na “ferocidade do ar”, interpretando o
prenúncio da chuva, revela o poeta:

“esse inarticulado grito


parece a voz da luz”.

E vem a terceira parte:

“Sequer um povoado de moscas.


Um rasgão, no devastado, para se residir.
Para os lados e por detrás, floresta ainda. Adiante,
para a frente, na outra margem do rio. A pesar nos olhos e
além do som.
No princípio do mundo, a madeira atroz.
Silêncio da manhã nascendo em árvores.”

O leitor se sente dentro da floresta, vendo “a luz em vento de


clorofila e galhos derrubados”, e o último verso diz: “Só a rapidez no
acampamento contra a floresta e o rio.”
Na quarta parte sentimos, através de frases que pintam a reali-
dade, mas de forma poética, mais sugestão do que descrição:

“Os verbos ardem.


Braços grimpam.

24
Não nomes, não rostos.
Não de nenhuma aparência, como cimento
e tijolos, chegavam um povo de morenos e peixes de seda,
a fruta-pupunha, o verniz de tartarugas como crianças.”

Adiante, no mesmo bloco, lê-se:

“Verde arder e consumir-se.


(Nós nos alimentamos do que morre.)”

Esse último verso nos remete a um dos poemas de Aricy Cur-


vello que figuram numa pintura existente em praça de Uberlândia,
Minas Gerais:

“Sementes
Só florescem
Se apodrecem.”

Estes versos figuram na quarta capa d’A Arte Poética de Aricy


Curvello, de Cleber Pacheco, que afirma:

“No poema ‘O Acampamento’, o poeta trata a respeito


do provisório, da necessidade de destruir para construir,
dos opostos natureza x civilização do princípio do mundo.”

O quinto bloco se inicia assim:

“A terra
verdesuja
na luz
limpíssima
daqueles dias
naqueles dias.”

25
Adiante, depois de falar em “pássaros-tucanos”, em “casta-
nheiras, a Jaquirana-boia, mungubas, samaúmas”, lança o poeta estes
belos versos:

“Roçar de asas,
colorados estandartes em bandos de voos se
levantavam. Não, não assassinar a luz. Não me disseram
a morte próxima da orquídea e do rato silvestre, aldeias
de ninhos. Abrem, rasgam, arrebentam a terra
para as florestas perecerem
sob as primeiras, primeiras estradas.”

A sexta e última parte do poema começa com estes versos ex-


pressivos e fortes:

“Era verde
e outras cores (queimadas) se acrescentaram.
Transitamos na opinião ilusória.
Acampados no provisório, sempre, sinais
imprestáveis e um tempo sem respostas, um tempo
em que se viaja sem bagagem. Para trás, apodrecer,
cadáveres.”

Foi visto que, na primeira parte do poema, havia um verso que


dizia “a relva pisada em volta das casas”. E a última estrofe de “O
Acampamento” repete essa alusão à relva pisada. Depois de falar no
“vasto país que se descobre em barcos de grosso casco e marcha len-
ta”, o poeta encerra o poema assim:

“No tempo. No tempo o revelarás.


No tempo em que quase tudo é tarde.
No tempo, nessa paisagem além
da paisagem,
quando a imagem do tempo passar,

26
significados para as águas, relva pisada
em volta
das casas”.

“O Acampamento” revela bem a arte do poeta Aricy Curvello.

27
Jomar Moraes, Grande Pesquisador
Sânzio de Azevedo

Recebo e-mail do escritor e amigo Mont’Alverne Frota, infor-


mando-me da morte de Jomar Moraes, grande pesquisador e histo-
riador da literatura do Maranhão e abro a edição que ele organizou
d’Os Novos Atenienses, de Antônio Lobo, em 1970, e leio a amável
dedicatória manuscrita desse mesmo ano: “Para o poeta Rafael Sânzio
de Azevedo, com as homenagens do Jomar Moraes. 17.8.70.”
Posteriormente ele deixou de escrever meu nome completo,
mas o literário, Sânzio de Azevedo.
Quanto ao livro de Antônio Lobo (1870-1916), editado em
1909, dele diz Jomar Moraes na introdução: “O tempo que separa a
primeira desta edição tornou o livro raridade bibliográfica, em mãos
de uns poucos estudiosos. Doravante, passa ele de livro ‘difícil’, sob a
guarda intransponível de alguns ‘iniciados’, à condição de manancial
comum, onde se poderão abeberar todos quantos desejarem fazê-lo.”
E como esse o pesquisador e historiador resgatou vários livros
que constituem um tesouro no que toca à literatura maranhense.
Não poderei escrever aqui tudo o que desejaria sobre esse ami-
go, que só fui ver pessoalmente no Rio de Janeiro, no apartamento de
Plínio Doyle.
Quando em 1998 a ABC de Maurício Xerez reeditou O Mulato,
de Aluísio Azevedo, fiz questão de citar, na introdução, os Aponta-
mentos de Literatura Maranhense (2ª ed., 1977), de Jomar Moraes, o
qual me pediu para a Academia Maranhense de Letras um exemplar
“da edição cearense” do romance.
Em correspondência, há não sei quantos anos, Jomar me con-
vidou para Membro Correspondente da Academia, da qual ele seria
presidente de 1984 a 2006. Muito ocupado então, e sabendo que te-
ria de ir a São Luís, a fim de tomar posse do cargo, declinei do honroso

28
convite. Mas em 2014 recebi a 5ª edição dos Perfis Acadêmicos, onde
figuro (com retrato) como Membro Correspondente.
N’O Estado do Maranhão, de 19.10.2011 publicou ele um ar-
tigo intitulado “Hoje é dia de. Um trabalhador cultural”, talvez uma
série e desta vez falando de mim.
Falou da consolidação da nossa amizade, “periodicamente rea-
firmada pelas publicações que entre nós intercambiamos, sendo de
inteira justiça reconhecer (.) que Sânzio tem sido bem mais cuidadoso
em remeter-me seus trabalhos, do que eu, em remeter-lhe os meus”,,,
Graças a Mont’Alverne Frota, em 1979, centenário de nasci-
mento do poeta Maranhão Sobrinho, a revista da AML, da qual Jomar
era Secretário Geral, publicou um artigo meu sobre o poeta. E o último
livro que o historiador me enviou foi a Poesia Reunida desse poeta, nos
100 anos de sua morte.
Jomar da Silva Moraes nasceu em Guimarães, no dia 6 de maio
de 1940, e faleceu em 14 de agosto do ano de 2016, em São Luís.
É grande a importância dos estudos que escreveu sobre Sousân-
drade, e faço questão de destacar a bela biografia que publicou de
Gonçalves Dias em 1998.
Isso, sem falar nas inúmeras reedições, a que já aludi, com es-
tudos introdutórios como, além do livro de Antônio Lobo, de autores
como Teófilo Dias, Vespasiano Ramos, Graça Aranha e muitos outros.
A meu ver, ninguém poderá tentar escrever sobre a literatu-
ra do Maranhão sem compulsar as inúmeras obras organizadas por
esse operoso crítico. Nunca me abalancei a comentar nenhum es-
critor da terra de Gonçalves Dias sem recorrer aos Apontamentos
de Literatura Maranhense, de Jomar Moraes, cuja segunda edição,
aumentada, é de 1977. E esse livro traz abaixo do título este esclare-
cimento: “Uma abordagem contextual que leva em conta os fatores
políticos, sociais e econômicos.”
Perco um grande amigo e o Maranhão perde esse que talvez haja
sido seu maior historiador literário, cuja obra logrou penetração nacional.

29
Amor de Trovador
Luciano Maia

Todas as línguas apresentam as suas peculiaridades, às vezes pa-


recendo verdadeiros enigmas. Tal é o caso, por exemplo, do verbo plica-
re do latim, que em português e espanhol veio a significar chegar, (lle-
gar), e em romeno o contrário: partir (plecà). Por quê? Porque nas duas
línguas ibéricas, em terra de marinheiros, veio de plicarevelam, dobrar
a vela, chegar (a um porto). Já na Dácia (Romênia atual), terra interior,
veio de plicaretentoria, dobrar as tendas, partir (do acampamento).
O exemplo acima parece, antes de se ver a história da palavra,
um paradoxo. Examinado o caso, chega-se a uma conclusão lógica.
Também em inglês temos cold, para frio, que não vem do latim calli-
dus (= quente)! A raiz é indoeuropeia: gel (pronunciado ghel). Daí, o
latim glacies e também gelum. Deu glace em francês e gelo em portu-
guês. O alemão Kalt tem a mesma raiz de cold.
Voltando ao título destas linhas, damos aqui um dado que ape-
nas necessita de uma explicação simples: as palavras francesas que de-
rivam do latim e terminavam em -or, como calor, color, cor, dolor, flor,
doctor, senior, valor etc, na língua de Voltaire terminam em -eur: cha-
leurcouleur, coeur, douleur, fleur, docteur, segneur, valeur. Mas, então
por que amour e troubadour e não ameur e troubateur? Em latim,
são amor e trovator. Entre o latim e o francês estava o occitano, onde
estas palavras, apesar de se grafarem amor e trobador, pronunciam-
-se amur e trubadur, como, de resto, as demais vindas do latim com a
terminação -or.
Dizem os occitanos que estas duas palavras são mágicas: resu-
mem o prestígio de que gozou na Idade Média a literatura trovadoresca
em língua occitana, a lauda do amor cortês que serviu de matriz a mui-
tas literaturas ocidentais. Não somente trovadores e jograis, mas tam-
bém reis de países de línguas diferentes escreveram em occitano e prin-
cipalmente construíram poemas à maneira occitana (provençal, diziam).

30
Na Divina Comédia aparecem versos em occitano, atribuídos a Arnautz
Daniel, segundo Dante, ilmegliofabbro a compor em romance (língua
românica). Então, amor e trovador, palavras prestigiosas em qualquer
língua têm, em francês, matriz trovadoresca. A história cobrando o seu
preço: toda a região da Occitânia (sul da França) só foi incorporada ao
império francês após a trama dos reis da dinastia dos capetos e do papa
Inocêncio III, para o aniquilamento dos cátaros de língua occitana.

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Poetas Singulares
Luciano Maia

Faz algum tempo, o poeta Jorge Tufic e eu, em conversa sobre as


coisas da literatura brasileira, falávamos acerca dos tais poetas singu-
lares. O vate fenício indicou, de pronto, um nome acima de qualquer
dúvida, sendo, segundo fez questão de enfatizar, absolutamente sin-
gular: Augusto dos Anjos (1884-1914). Naquela ocasião não ficaram
definitivamente estabelecidos os critérios que determinariam poder
um poeta ser considerado singular. Concordamos, então, num pon-
to: se ao se pronunciar um texto qualquer de um poema, o ouvinte
identificar de pronto a sua autoria, sem conhecimento prévio do texto,
então, pimba!,trata-se de um poeta singular. Então, a singularidade
residiria no uso do vocabulário, na abordagem do tema e na tensão
do discurso? Talvez. O certo é que os versos seguintes: Tome, doutor,
esta tesoura e corte / minha singularíssima pessoa ou Tu não és minha
mãe, velha nefasta! (referindo-se à Natureza) parecem ser como um
indez da obra de Augusto dos Anjos.
E Castro Alves (1847-1871)? Ponderamos: romântico, ultrapas-
sa os limites dessa estética, sendo possuidor de uma verve rara, de
uma eloquência ímpar e de uma convicção muito forte, sem aludirmos
às imagens personalíssimas de alguns poemas seus: Eu sinto em mim o
borbulhar do gênio. Castro Alves, também poeta singular.
Raul Bopp (1898-1984) em sua obra Cobra Norato revela-se,
ele também, singular: Vejamos isto: Quero levar minha noiva / quero
estarzinho com ela / numa casa de morar / com porta azul pequininha
/ pintada a lápis de cor / quero sentir a quentura / do seu corpo de
vaivém / querzinho de ficar junto / quando a gente quer bem-bem.
E quanto a Manoel de Barros, ah, este é intensamente singular.
A abordagem que faz dos temas (sim, no plural) é única. Parece que o
poeta desconfia das “sinceridades” com a que de costume fazem os
que tratam da questão poética. Cabe citarmos esta passagem: 41. Pa-

32
lavras / Gosto de brincar com elas. / Tenho preguiça de ser sério. Mais
esta: O menino sentenciou: / Se o Nada desaparecer a poesia acaba. /
E se internou na própria casaca / ao jeito que o jabuti se interna. Esta
última citação alude à “Dona Lógica da Razão” que, segundo este
singular poeta, “bosteia” contra a poesia.
Poetas singulares. Mais alguns há na literatura brasileira, certamen-
te, mormente se levarmos em conta os poetas populares do Nordeste.
É tema que, comportando muitas relativizações, merece ser estudado.

33
Sobre Teoria dos Afetos
Giselda Medeiros

Bem-aventurados sejam aqueles que saem pela vida a espargir


sementes de Poesia! Porque a Poesia é sândalo. É luz. É emoção. É voo
do espírito em sua fecundidade, planando sobre as cousas efêmeras
e eternas, consubstanciado em límpidos alicerces de verdade, rumo à
incomensurabilidade do Ideal.
Assim, nítida e clara como os cristais, carregada de emoção,
chega-nos Neide Azevedo Lopes, a nos oferecer, nesse seu tratado
poético, as teorias, os enunciados de sua visão de mundo, trabalhados
sob a fina vestimenta de arrojadas metáforas, sinestesias, símbolos
e alegorias, para que nós, seus leitores, os decodifiquemos e, desse
modo, passemos a partilhar de todas as minuciosidades notáveis de
sua poesia, em seus compridos voos de aspirações e inspiração.
Assim é que Teoria dos Afetos apresenta-se-nos sob a embala-
gem do lirismo, esse fundamento que traz à Poesia as palpáveis cores
da emoção, trabalhada num ritmo intenso de luz e cores através de
palavras que denotam, sobretudo, a presença do valor visual e emoti-
vo, o que é geralmente produzido pelo efeito das metáforas, inteligen-
temente, empregadas aqui.
Diante desse arrebatamento emocional, dessa volúpia do sentir,
desse grande soluço diante das ansiedades da vida neste caos dos
espíritos e dos tempos, ainda nos arrebata, em Teoria dos Afetos, o
estilo da Autora. Considerado “o sol da escrita”, o estilo traz força e
profundidade à obra, o que está visível no livro em questão.
A Autora sabe trabalhar as palavras, impingindo nelas ora a pla-
cidez de uma música suave, ora o estrépito de um trovão. Isso porque
Neide possui rara percepção estética e sabe imprimir na palavra as
sensações visuais, olfativas, palatais, tácteis, numa exatidão primorosa
de visualização estética de cor, forma, som e sabor.

34
Nossos parabéns, pois, à Neide Azevedo Lopes pela publicação
de mais esta primorosa obra. Obrigada, Poeta, por nos deleitar com
versos e expressões tão maravilhosos como: “A taciturna tarde tece
teias”; “Escorre a noite / lenta, gotejante, morna.”; “Do vão da porta,
passam sóis e sombras”; “Esgarçada lembrança”; “A porta emoldura-
-se em alegrias”; Na sutileza dos teus dedos, cristalizam-se ausências”;
“Teus indecifráveis olhos, sentinelas sutis dos meus espaços”; e mui-
tos, muitos outros que nos enternecem olhos, coração e vida.
A obra está, agora, em nossas mãos. Que possamos, pois, apre-
ciar os versos de Teoria dos Afetos, “tecendo sonhos”, ao sabor do
“vento acordando a areia”, sob o olhar da “lua, travesseiro de seda”,
vestindo-nos com as cores de um esplendente arco-íris, na rumorosa
tarde da Poesia.

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Lembranças de Moreira Campos
Dimas Macedo

Não posso precisar quando vi Moreira Campos pela primeira


vez. Sei, no entanto que vim de Lavras da Mangabeira para morar em
Fortaleza em novembro de 1972 e que, nesse momento, eu já o trazia
comigo na bagagem, pois ele era um dos mitos literários da minha
cidade natal, ao lado de Filgueiras Lima e João Clímaco Bezerra.
Lembro-me de que, em janeiro de 1978, estive com ele no seu
gabinete de Pró-Reitor da UFC, pedindo-lhe uma apresentação para o
jornalzinho O Boqueirão, que eu havia criado, com a ajuda de alguns
colegas, em Lavras da Mangabeira, e do qual eu era o redator. Ele me
atendeu com a maior presteza, e o seu texto foi publicado em toda a
extensão da primeira página do jornal.
Tenho uma foto com ele, o Alcides Pinto, o Girão Barroso, o Cae-
tano Ximenes Aragão e o maestro Alvarus Moreno, que data de setem-
bro de 1983. Ali, eu me destacava como o único jovem entre eles, com
apenas 27 anos. Isso na casa do Alcides Pinto, na Rua Rodrigues Júnior.
Sempre convivemos de forma fraterna e bastante próxima,
ele, contando a origem de muitos personagens e cenários dos seus
contos, como se a ficção fosse o desdobramento de suas vivências
na infância, nas margens do Rio Salgado, e como se eu tivesse sido
seu contemporâneo.
Dele sempre recebi as maiores atenções e os melhores incenti-
vos. Quando entrei na Academia Cearense de Letras, em agosto de
1989, aos 32 anos, ele se antecipou e pediu para ser o relator do pare-
cer pertinente a minha admissão, fazendo, na oportunidade, um texto
bastante acolhedor e afetivo.
Não conto as vezes que lhe dei carona no meu carro, levando-
-o de volta para casa, nem quantas vezes nós nos encontramos para
conversar sobre literatura ou para discutirmos sobre as minhas obser-
vações sobre os seus contos.

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Sempre li e reli a sua ficção, deliciando-me com a sutilidade,
a precisão semântica e o achado estilístico com que recorta as suas
ironias e o tecido de todos os seus contos, entre os quais destaco: “O
Preso”, “Lamas e Folhas”, “A Gota Delirante”, “Os Doze Parafusos”
e “Irmã Cibele e a Menina”.
Moreira Campos, de forma induvidosa, é um dos melhores escrito-
res do Brasil. Não pertence somente ao Ceará ou ao Nordeste. É univer-
sal. A sua escritura literária tem o gosto da permanência e da concisão. É
sutil, libidinosa e envolvente. E esteticamente muito bem realizada.
Especialmente como contista, o autor de Contos Escolhidos
pode ser comparado a Machado de Assis, pertencendo, portanto, à
linhagem dos grandes arquitetos da estória curta, a exemplo de Rulfo,
Júlio Cortazar e Guy de Maupassant.
Vale a pena, portanto, relembrar a vida e a obra desse grande
contista cearense, assim como o fez o escritor Waldy Sombra, com o
seu imprescindível – Moreira Campos: Professor de Histórias e de Ami-
zade (Fortaleza: Premius 2011).

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Um Aspecto do Conto “O Búfalo”
de Clarice Lispector
Laéria Fontenele1

Resumo
O artigo procura realizar uma leitura do conto “O Búfalo” de
Clarice Lispector, tendo por objetivo preciso a análise de como nele
se transmitem, a partir do referencial de sua personagem principal,
as possíveis relações entre o amor, o ódio e o olhar. Tal empreendi-
mento dar-se-á a partir de uma articulação da literatura com o cam-
po psicanalítico e leva em consideração, como parâmetro metodoló-
gico, os ensinamentos freudianos segundo os quais a literatura pode
ensinar acerca da experiência do sujeito para com o inconsciente.
Palavras chave: Literatura, Psicanálise, Clarice Lispector, Olhar

One aspect of the short story “The Buffalo” by Clarice Lispector


Abstract
This article, from a reading of “The Buffalo”, a short story by
Clarice Lispector on, analyses, from its main character perspective, the
possible relations between love, anger and the regard. To fullfil its ob-
jective it articulates literature to psychoanalysis, also taking into con-
sideration, as a methodological parameter, some freudian teachings
that assure that literature may teach us about the experience of the
subject and the unconsciousness.
Key words: literature, psychoanalysis, Clarice Lispector, regard.

1 Professora Titular da Carreira Docente da UFC. Psicóloga e Psicanalista. Mestre e Doutora em


Sociologia pela UFC. Diretora do Laboratório de Psicanálise da UFC e do Corpo FreudianoEs-
cola de Psicanálise - Seção Fortaleza. Membro da Academia de Letras e Artes do Nordeste
- Núcleo Fortaleza. Autora de “A interpretação” pela Editora Zaha e de “A mascara e o véu:o
discurso feminino e a Poesia de Adélia Prado pela Editora RelumeDurmará, além de diversas
outras publicações em periódicos nacionais e internacionais e capítulos de livros em coletâneas.

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Aproximações de “O Búfalo” de Clarisse:
o olhar, o ódio e o amor
Já tivemos a oportunidade de desenvolver em outras ocasiões,
a tese de que a literatura tem para a psicanálise, e mais especifica-
mente para Freud, o valor de transmitir a experiência do sujeito para
com o inconsciente, sendo, o que aí se transmite, um saber marcado
pela falta, tendo ele a capacidade de nos conduzir à dimensão criati-
va revelada pelo efeito estético, dada sua potência de revelar a plas-
ticidade expressiva das mais diversas experiências humanas. Consi-
deramos fundamental pensar o fazer literário como uma prática da
letra. Há alguns anos atrás, ao realizarmos uma análise acerca da
escrita em seu vínculo com a pulsão, deparamo-nos, dentre outros
textos literários onde se evidenciava essa questão, com um conto
do livro Laços de família de autoria de Clarice Lispector, intitulado
“O Búfalo”, que nosinstigou a nele destacar o modo como se dá,
considerando-se a singularidade do estilo de Clarice, o emprego da
sintaxe, revelando a sua construção subversiva em sua textualidade,
como se vê logo ao princípio do conto que se inicia com uma frase
adversativa “Mas era primavera” (LISPECTOR, 1982, p. 149). Nessa
ocasião, buscávamos articular questões acerca da relação entre cor-
po e escrita, o que nos servia à crítica de um tipo de crítica literária
que procura estabelecer relações entre a escrita literária e o gênero
(FONTENELE, 2006). No contexto desse estudo, a escrita de Clarice,
tal como revelada nesse e em outros de seus textos, foi considerada
de forma sobremodo pontual . No entanto, determinados detalhes
presentes na construção de “O Búfalo”, mais especificamente o lu-
gar e o modo como nele se inscrevem o olhar da personagem e o
olhar dos animais, nos indicaram aspectos, no mínimo curiosos, que
nos fizeram suspeitar da presença de outros sentidos, ainda latentes
e não explorados por outros estudos dele realizados a que tivemos
acesso. Isso, então, nos motivou a retomarmos sua leitura, agora,
movidos por outra inquietação: a do que ele é capaz de transmitir
acerca das relações entre o amor, o ódio e o olhar. O olhar, enquanto

39
o que poderia mediar, para a personagem, a transformação do amor
em ódio é o aspecto que nele pinçamos para trabalharmos aqui.
É necessário e oportuno salientarmos que o referido recorte,
condutor da reflexão e análise que aqui faremos de “O Búfalo”, é
bastante pontual haja vista a polissemia de sentidos e a riqueza de
aspectos que podem ser considerados em sua tessitura narrativa que,
além de suas personagens, apresenta em sua textualidade elementos
centrais concernentes à sua significância e à sua literalidade. Tal pode
ser atestado pelas diversas análises e ensaios que já motivou no campo
da crítica literária e que, independente da relevância e pertinência de
que se revestem, não serão aqui repertoriadas devido ao foco preciso
que adotaremos para trabalhá-lo. Essa delimitação - as relações entre o
amor, o ódio e o olhar - não tem a pretensão de defini-lo como sendo
o sentido último da referida narrativa, uma vez que nos posicionamos
contrariamente a todo tipo de análise do texto literário que resulta na
produção de interpretações últimas, as quais acabam por reduzir a
significância de um texto a um sentido unívoco e, portanto, totalitário.
Antes de passarmos ao estudo a que nos propomos, considera-
mos ser necessário situar o leitor que o nosso interesse em tratar das
relações entre o olhar e a transformação do amor em ódio, não assume
o sentido usual dado a esses três elementos no imaginário de nossa
cultura. Em verdade, os tomamos, no sentido teórico que lhes é dado
pela psicanálise, em seu vínculo específico com a pulsão, essa sendo a
que faz torção entre o corpo e alma humana. Freud (1994.a) a define
precisamente como a medida de exigência que o corpo faz à alma no
sentido da busca de sua satisfação. Contrariamente ao que ocorre com
o instinto, que possui um objeto invariável que lhe serve à satisfação,
o objeto da pulsão é, nela, o que há de mais variável. A transforma-
ção do amor em ódio, ao lado dos demais modos de expressão da
dinâmica pulsional humana – reversão da pulsão em seu oposto, re-
calque e sublimação -, mereceram especial atenção de Freud (1994.a),
dada a sua relevância para a clínica psicanalítica, que, segundo ele,
teria como um dos seus propósitos o de restabelecer os prejuízos da

40
capacidade de amar ocasionado pelas neuroses. Freud, nesse mesmo
estudo sobre os destinos da pulsão, nos apresenta os destinos pulsio-
nais mais arcaicos presentes em nosso funcionamento anímico, dentre
eles ocupa-se da mudança de conteúdo da pulsão através do exemplo
da transformação de amor em ódio – que segundo ele é o único caso
em que se observa uma mudança dessa ordem e ressalta ser mais fre-
quente que a mescla entre amor e ódio seja dirigida a um mesmo ob-
jeto, manifestando-se dessa forma a ambivalência de sentimentos tão
presente nos laços que estabelecem os seres humanos entre si. Nesse
artigo, nos adverte para o fato de que o amor não admite apenas um
oposto – no caso, o ódio -, mas que também se opõe a ele o “ser ama-
do” e a indiferença, que também serve de oposto ao ódio. É vasta a
discussão em torno do amor em Freud, Lacan, e entre autores contem-
porâneos (FERREIRA, 2004, 2005), não apenas por que existem forma
diferentes na sua manifestação, mas sobretudo porque o conceito de
amor acha-se compreendido em toda a discussão psicanalítica acerca
da transferência, condição mesma dos laços humanos e igualmente
condição necessária ao início de um tratamento analítico e aquilo que
confere ao analista o seu poder na condução de uma cura. Não sendo
nosso propósito repertoriar as teorizações feitas sobre o amor no cam-
po, psicanalítico, mas precisamente situar o sentido em que tomamos
o olhar, o amor e ódio, resta-nos apenas lembrar a contribuição de
Lacan (1985;1998) a essa questão, tanto na sua discussão acerca das
origens do eu e da formação da imagem especular em sua relação
com o que Freud (1994.b) denominou de narcisismo. Na estruturação
de nosso psiquismo e no processo que leva à edificação de nosso eu,
Lacan (1998) destaca duas polaridades, uma imaginária e outra simbó-
lica que nos servem para fazer face à nossa precariedade original, tanto
do ponto de vista de nosso inacabamento orgânico original – a nossa
dependência do constitucional do outro para sobrevivermos - , quanto
face ao mundo de linguagem, essa sendo a polaridade que se refere
ao real como sem sentido. Para Lacan, o eixo imaginário é constituído
pela linha que serve de espelhamento entre o eu e o outro – e nela

41
ocupa um lugar especial a metáfora do espelho como o que condensa
o valor do olhar do outro na construção da imagem do corpo pró-
prio- , alteridade essa necessária e, ao mesmo tempo, aquilo que faz
obstáculo à alteridade simbólica, que seria a linha entre o Sujeito e o
Outro, a qual graças a esse obstáculo é interrompida, fazendo com que
o sujeito receba do Outro, a sua mensagem de forma invertida. Com
isso, queremos apenas destacar, que o eixo imaginário encontra-se em
consonância com a polaridade amor e ódio, sendo aquilo que marca o
modo como se dão as primeiras relações do eu com o objeto, campo
da ambivalência mais primitiva, mas não menos estranha e familiar a
cada representante da espécie humana, pois deixa cicatrizes, por certo
diferentes, na estrutura de cada eu. No eixo simbólico, a falta - meta-
forizada pela relação interrompida entre o Sujeito e o Outro – serviria
de limite à ambivalência entre amor e ódio, na medida em que deixa
espaço ao amor enquanto o que promove a produção de sentidos e
não de um sentido único para os enigmas do real.

O olhar, a construção da personagem e a vontade de ódio


Como é característica de todo conto, trata-se de uma narrativa
sintética, em que os detalhes adquirem um valor especial. A persona-
gem central, de “O Búfalo”, é construída a partir dos seguintes traços:
trata-se de uma mulher sem nome, vestida com um “casaco marrom”,
mergulhada em um espaço público – o zoológico - para onde se dirigiu
com um propósito bem definido, o de aprender a odiar com os ani-
mais. Dentre esses elementos que servem à construção da personagem
chama-nos especial atenção, o lugar que nela ocupa o casaco marrom,
substantivo que, assim qualificado, assume no texto um vínculo associa-
tivo com os significantes “inverno” e “jaula”. Seu traje e cor, comuns
às vestimentas de inverno, que em geral são escuras, encontram-se
textualmente equiparados ao significante “tristeza”. Ela, a mulher em
passeio pelo zoológico, é descrita em completa dissonância com o seu
entorno e em conflito com os seus sentimentos. Diz a voz narrativa logo

42
no início do conto: “Mas era primavera. Até o leão lambeu a testa gla-
bra da leoa. Os dois animais louros. A mulher desviou os olhos da jaula,
onde só o cheiro quente lembrava a carnificina que ela viera buscar no
Jardim Zoológico.” (LISPECTOR, 1982, p.149). E mais adiante:

Mas isso é amor, é amor de novo”, revoltou-se a


mulher tentando encontrar-se com o próprio ódio
mas era primavera e dois leões se tinham amado.
Com os punhos nos bolsos do casaco, olhou em
torno de si, rodeada pelas jaulas, enjaulada pelas
jaulas fechadas. Continuou a andar. Os olhos esta-
vam tão concentrados na procura que sua vista às
vezes se escurecia num sono, e então ela se refazia
como na frescura de uma cova. (p.149)

Com seu olhar voltado para os animais ela procurava encontrar-


-se com seu próprio ódio, mas os olhos dos animais só a devolviam o
seu amor, equiparado no texto à primevera, à luminonisdade, ao sexo
e ao brotar da vida.
Percorre, então, obstinada as jaulas de outros animais em busca
de sua aprendizagem do ódio, então fracassada diante da cela do casal
de leões. Todavia, o que encontra, de forma sucessiva, em sua busca é:
uma girafa, tal uma virgem de tranças recém-cortadas; o hipopótamo
de amor humilde por se manter apenas carne; os macacos, em levita-
ção pela jaula que ela desejava matar num exato ponto entre os olhos,
desejo desfeito ao deparar os olhos de um macaco, que a “olhavam
sem pestanejar” e que revelam-se a ela sem o seu brilho fálico pois
eram os olhos doentes de um macaco velho. Diz a voz narrativa:

— a mulher desviou o rosto, trancando entre os


dentes um sentimento que ela não viera buscar,
apressou os passos, ainda voltou a cabeça espan-
tada para o macaco de braços abertos: ele conti-

43
nuava a olhar para a frente. “Oh não, não isso”,
pensou. E enquanto fugia, disse: “Deus, me ensine
somente a odiar.”
“Eu te odeio”, disse ela para um homem cujo crime
único era o de não amá-la. “Eu te odeio”, disse mui-
to apressada. Mas não sabia sequer como se fazia.
Como cavar na terra até encontrar a água negra,
como abrir passagem na terra dura e chegar jamais
a si mesma? (LISPECTOR, 1982, p.151)

É a sua reação ao que vê nos olhos do macaco, a sua súbita pie-


dade pelo macaco velho, que serve ao propósito de figurar a razão de
sua busca e de seu impasse, queria odiar o homem que amava e que
não correspondia ao seu amor, mas como odiá-lo por isso?
O primeiro tempo do conto conclui-se a partir desse episódio e
de sua reiteração através de seu encontro com o elefante, que supor-
tava o próprio peso e tinha os olhos, “numa bondade de velho, presos
dentro da grande carne herdada” (LISPECTOR, 1982, p.151), e com
o camelo corcunda, de cílios empoeirados, mastigando a si próprio e
que a remeteram à paciência de “sua carne herdada” (p151-152). O
que se destaca, então nesse primeiro tempo do conto é que a suces-
são de animais, em relação metonímica com a personagem, parecem
devolver, do espelho de seus olhos, a sua própria imagem, a imagem
de uma mulher enjaulada, mas sua jaula, o seu casaco marrom, era o
seu amor. A procura por aprender a odiar com os animais, captando
em seus olhos o seu próprio ponto de ódio é marcada pelo fracasso,
pois falta aos olhos encontrados o brilho capaz de despertar o fascínio
característico da imagem fálica, não é resplandecente a imagem que
esta mulher recebe da tela do Outro, senão como não amá-la, como
não deixar-se fascinar pelo brilho que emana de si?
Dois aspectos se destacam dessa problemática e designam ao
que Jacques Lacan, especificamente ao seu Esquema L, nos informa
acerca dos primórdios do amor em sua constituição subjetiva, ocasião

44
em que o objeto amado estaria confundido com o ideal do eu do
sujeito. Essa confusão tanto remete ao eixo imaginário, da ambivalên-
cia amor-ódio que se produz na identificação em espelho entre o eu
e o outro idealizado [ a – a’], como a ele enquanto entrecortando o
eixo simbólico, que vai do Sujeito ao Outro [(Es) S – A], ou seja para a
dimensão faltosa do Outro e que daria substrato para uma forma de
amor para além dos engodos do amor paixão. Dessa forma, se o amor
se passa no nível imaginário não o faz sem operar um efeito preciso
por sobre o simbólico, qual seja a de provocar uma perturbação da
função do ideal do eu. Amar é, portanto, ser feito enamorado. O que
pede essa mulher, qual é de fato a sua demanda ao Outro? Seria de
fato o encontro com o seu próprio ódio? Seria ser amada ou ser reco-
nhecida como amante?
Torna-se evidente, nesse primeiro tempo do conto, que o olhar
dos animais não devolve a essa mulher o brilho capaz de captá-la,
uma vez que:

É o Outro que me reflete as imagens. Se uma pessoa


se aproxima e eu a fito, se trato de fixar os olhos
em seu rosto, eu sinto que ela me olha e me sinto
acompanhado pelo olhar; é muito importante, para
isso, que haja um reflexo brilhante nos olhos. Ou
seja, ali a tela não é a pessoa toda, é a superfície
corneal do olho. Um olhar do Outro para mim tem
valor porque, nos olhos do Outro, reflete-se a luz
que vem até mim com um brilho que me capta.”
(NASIO, 1995, p.53)

Não por acaso, o momento em que a personagem confronta-se


com o olhos figurados, cada qual à sua maneira, opacos - o do ma-
caco velho, cujas pupilas eram veladas por uma membrana branca e
gelatinosa; os olhos bondosos do, igualmente velho, elefante; os olhos
recobertos por cílios empoeirados do camelo em trapos - é justamente
o que a conduz à impossibilidade de ver o ódio onde fora procurar.

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No zoológico, não realizou, até então, o seu desejo de apreender o
ódio, só encontrou a paciência e a suavidade da primavera. Foi, então,
devolvida por esse obstáculo à sua própria solidão. Dar-se-á, então, a
cena em que ocorre a vacilação da fantasia dessa mulher, que faminta
de sonhos, desde o princípio, tem a vista escurecida pela fome e pelo
sono que abate seus olhos, despertando, como veremos a seguir, para
a sua dura realidade.

A solitária violência: a alegria do mergulho no ar


No segundo tempo do conto, interrompe-se a busca da mulher
pelos olhos cheios de ódio das supostas feras enjauladas. A mulher
toma outro caminho, o do pequeno parque de diversões do jardim zoo-
lógico. Por lá “foi sozinha ter a sua violência” (LISPECTOR,1982,p.152).
Posicionou-se na fila dos namorados à espera, como eles - muito em-
bora sem par -, por um lugar na montanha russa – que ainda parada
é equiparada no texto a uma igreja e a personagem vê o mais puro
amor no verde da erva que brotava da terra. No entanto, súbito, num
“vôo de vísceras”, a montanha russa em movimento a suspende, em
fúria, de si mesma. Sente seu corpo, tornado puro objeto de mecânicas
manobras, manobras a que se submetia alienadamente. Sentada em
tão estranha Igreja, em vertigem e em espanto, sente “a alegria de um
novo mergulho no ar insultando-a com um pontapé, dançando des-
compassada ao vento, dançando apressada, quisesse ou não quisesse
o corpo sacudia-se como o de quem ri, aquela sensação de morte às
gargalhadas” (p.152). Deparou, então, não sem ter os próprios olhos
feridos, a sua condição de objeto: “faziam dela o que queriam”(p.152).
Foi como uma morte que a mulher fez tal constatação.
Do espanto da morte, sobrou o silêncio, com que de volta foi
jogada, e o seu recato pela sua condição cruelmente exposta. “Fazia
o possível para que não percebessem que estava fraca e difamada,
protegia com altivez os seus olhos quebrados”. Entre uma morte ale-
gre e uma morte triste, constata sua nudez, que a faz indagar a sua
condição de mulher. (LISPECTOR,1982, p.154).

46
Seriam os seus olhos que estariam quebrados, ou sua quebra in-
dica a existência de algo que no espelho, constituído entre o Sujeito e
o Outro, obscurece a sua visão. Retomando o Esquema L, é importan-
te ressaltar o efeito que tem esse espelho na necessária transformação
da imagem do eu (a) em imagem d outro (a’) e da imagem do outro
(a’)na imagem do eu (a) (DARMON, 1994).
Seus olhos sofrem, após essa experiência, um dano maior do que
aquele do sono que, ao princípio do conto, escurecia a sua vista, impe-
dindo-a de ver. Agora quebrados, no entanto, estariam em condições
de ver a escuridão para além da primavera que ainda pôde surpreender,
em repetição, na jaula do quati, mas agora ela se sentiu olhada pelo
olhar do quati, um olhar que lhe parecia perguntar algo. Fugiu desse
olhar. Mas a fuga foi vã, o olhar inquiridor desse animal a fez entender
que a jaula estava do lado dela. Diz, então, a voz narrativa:

O mundo de primavera, o mundo das bestas que na


primavera se cristianizam em patas que arranham
mas não dói. oh não mais esse mundo! não mais
esse perfume, não esse arfar cansado, não mais
esse perdão em tudo o que um dia vai morrer como
se fora para dar-se. Nunca o perdão, se aquela mu-
lher perdoasse mais uma vez, uma só vez que fosse,
sua vida estaria perdida — deu um gemido áspero
e curto, o quati sobressaltou-se — enjaulada olhou
em torno de si, e como não era pessoa em quem
prestassem atenção, encolheu-se como uma ve-
lha assassina solitária, uma criança passou correndo
sem vê-la. (LISPECTOR,1982, p. 155)

Precisaria, então, do animal que a ensinasse a odiar, mas agora


já entendia que a sua genealogia residia em sua capacidade de perdo-
ar. Em sua piedade.

47
O encontro com o olhar do búfalo:
a confluência erógena do amor e do ódio
Eis então o terceiro tempo do conto, nele, um búfalo negro olha
para a mulher que, de longe, sente-se por ele olhada. Tal era a no-
vidade disso, que ao sentir a reafirmação desse olhar, os seus olhos
não mais escureceram, foram tocados pela intensa brancura da coisa
branca que espalhara-se dentro dela e que contrastava com “o corpo
enegrecido de tranquila raiva” do búfalo. Uma morte branca, da qual
o búfalo a desperta e que a conduz à veneração. Uma espécie de gozo
extático se produz.
Nesse desfecho, observa-se a contraposição do claro e do escu-
ro, do amor e do ódio, do abrir e do fechar de olhos e de seus efeitos
por sobre a personagem. Ela, agora, transforma-se em presa desnuda,
nesse momento, sua nudez não mais é ofensiva como aquela descor-
tinada pelo seu voo na montanha russa, não mais está escondida em
um corpo aprisionado por um casaco marrom:

E os olhos do búfalo, os olhos olharam seus olhos.


E uma palidez tão funda foi trocada que a mulher
se entorpeceu dormente. De pé, em sono profundo.
Olhos pequenos e vermelhos a olhavam. Os olhos
do búfalo. A mulher tonteou surpreendida, lenta-
mente meneava a cabeça. O búfalo calmo. Len-
tamente a mulher meneava a cabeça, espantada
com o ódio com que o búfalo, tranquilo de ódio, a
olhava. Quase inocentada, meneando uma cabeça
incrédula, a boca entreaberta. Inocente, curiosa, en-
trando cada vez mais fundo dentro daqueles olhos
que sem pressa a fitavam, ingênua, num suspiro de
sono, sem querer nem poder fugir, presa ao mú-
tuo assassinato. Presa como se sua mão se tivesse
grudado para sempre ao punhal que ela mesma
cravara. Presa, enquanto escorregava enfeitiçada ao

48
longo das grades. Em tão lenta vertigem que antes
do corpo baquear macio a mulher viu o céu inteiro
e um búfalo. (LISPECTOR,1982, p. 155)

Ela vê o céu e o búfalo, agora fisgada, agora fascinada e em


vertigem. Veria ela, finalmente, os seus traços se transformarem nos
traços do búfalo? Seria essa uma morte que, diferentemente daquela
da montanha russa, a conduziria a um outro despertar, aquele que
remeteria aos tácitos segredos que se fabricam, num piscar de olhos
entre a vida e a morte, entre o sexo e a finitude, entre o amor e ódio?
Nesse terceiro tempo, parece se cumprir o circuito da pulsão
escópica (olhar-se / olhar / ser olhado) e com ele, em homologia ter-se-
-iam se cumprido os destinos do objeto do amor.
Para concluir, voltemos à nossa indagação inicial, o que diz essa
mulher da relação entre a pulsão de ver e a experiência do amor e do
ódio, senão que toda pulsão guarda algo de escópico em sua estrutura
mesma, o que Marco Antonio Coutinho Jorge e Paul Laurent Assoun
já tiveram oportunidade de assinalar (JORGE, 2000; ASSOUN, 1995)
a propósito da substituição da centralidade da pulsão olfativa pela
pulsão escópica (pulsão de ver) na constituição da sexualidade huma-
na e, com isso, a possibilidade mesma de tornar crônica a confluência
entre o erotismo, a morte e o sexo.

Bibliografia
ASSOUN, P. L. O olhar e a voz. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 1999.
DARMON, M. Ensaios sobre a topologia lacaniana. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1994.
FERREIRA, N.P. A teoria do amor na psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2004.

49
FERREIRA, N.P. Amor, ódio & ignorância: literatura e psicanálise. Rio de
Janeiro: FAPERJ, Contra Capa Liv., Corpo Freudiano, 2005
FREUD, S. Pulsões e destinos da pulsão. In. Escritos sobre a Psicologia
do Inconsciente. Vol.1. Rio de Janeiro: Imago, 2004.a
_________. À guisa de introdução ao Narcisismo. In. . Escritos sobre a
Psicologia do Inconsciente. Rio de Janeiro: Imago, 2004.b. v.1
JORGE,M.A.C. Os fundamentos da psicanálise de Freud a Lacan. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
LACAN, J. O Seminário, Livro 2. O eu na teoria de Freud e na Técnica
Psicanalítica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985.
__________. O estádio do espelho como formador da função do eu In:
______. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
LISPECTOR, C. O Búfalo. In: Laços de Família. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1982.
NASIO, J-D. O olhar em Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.
E-mail: [email protected]

50
Muito Além da Crônica
Vera Lúcia de Oliveira

“Narrar é resistir”, disse Guimarães Rosa. Mas, à parte esse sen-


tido heroico, narrar é contar, explicar o mundo, compartilhar histórias,
boas histórias, como faz Edmílson Caminha – escritor cearense radi-
cado há 25 anos em Brasília - neste O professor, Beethoven e o ladrão
(Brasília: Thesaurus, 2016), como, aliás, em toda a sua já vasta obra
composta de crônicas, biografias e crítica literária.
Os artigos e crônicas desse novo livro que acabamos de receber
confirmam a vocação de grande viajante do autor que, sobretudo no
seu Com a mala na cabeça, mostra que viajar é preciso. E é uma arte:
viajar para conhecer autores, rever lugares e obras que há muito ha-
bitam a sua fértil imaginação de grande observador culto e amador
da literatura. Amador no sentido de quem ama, de quem faz o seu
trabalho por amor, por prazer, por compromisso com a estética, que
não é outra coisa senão a beleza e a verdade na arte. Nessa busca pelo
belo, o autor segue a tradição dos grandes viajantes, como Goethe
e Nietzsche na Itália, Rousseau na França e Suíça, sem falar do nosso
turista aprendiz, Mário de Andrade, em suas andanças pela Amazô-
nia. Ele (que não deixou Macunaíma ir à ”Europa e França”, e que
também não saiu do país), deixou-nos as mais saborosas impressões
do norte do Brasil, porque o olho do observador é que engrandece a
paisagem. Assim Caminha em suas viagens. Não cantou a natureza
da Amazônia, como Mário, nem as laranjas douradas da Itália, como
Goethe e Nietzsche, mas a cultura, que sempre buscou com a mala
e muitas ideias na cabeça, ao lado da amada Ana Maria. Em Recife,
deparou com a extraordinária “Babilônia” de Brennand, cuja obra não
poderia receber melhor denominação, uma vez que resgata a sexua-
lidade desenfreada daquela mítica cidade “sem lei”, ou melhor, go-
vernada pelo sexo, transformando-o em esculturas que encantariam
Freud. Em Nova York, ao contrário, o autor viveu uma experiência que

51
poderíamos chamar de mística, pelo inusitado encontro com um padre
às altas horas e pela comunhão de almas no silêncio profundo numa
igreja deserta, onde quatro amigos puderam compartilhar o sagrado,
o que encantaria Jung. Em Quixadá, encontrou Rachel de Queiroz, a
“Senhora do Não me Deixes”, de quem guardou a impressão de uma
mulher simples, contadora de histórias, vestida de chita, culta, mas
sempre sertaneja de sua Macondo. Assim, de Recife a Nova York, de
Quixadá a Paris, de Fortaleza ao México, as viagens são muitas e ricas,
e as histórias também.
Mas o que mais chama a atenção no livro é a generosidade
do autor. Amigo de seus amigos, sempre osvê grandes e generosos;
na verdade, ele o é mais que todos, pois avalia autores e obras com
os olhos do coração. Quem fala dos outros fala muito e mais de si
mesmo. Caminha louva os artistas de sua admiração, seja pela exce-
lência do trabalho, seja pela honestidade e/ou caráter irrepreensível.
E também pela “grandeza humana”, expressão que lhe é cara. E que
vale para ele. Entrevistou os maiores nomes da cultura nacional, como
Drummond, de quem se tornaria amigo dileto e referência como es-
tudioso de sua obra; ainda Otto Lara Resende, Dorival Caymmi, João
Cabral, Gilberto Freyre, que o chamou de “colega”, etc. etc. etc. E não
poderiam faltar os nomes internacionais, a exemplo de John Dos Pas-
sos e do gigante do cinema americano e mundial Orson Welles, entre
muitos outros. Grande leitor, Caminha leu tudo e mais um pouco e
nos presenteia com suas impressões de jornalista atento e de humo-
rista que não perde a piada, que ri de si mesmo como no divertido
episódio de sua tenra infância. Conta-nos ainda do seu não namoro
com a Medicina, sonho que não era seu, por isso irrealizado. Pelo que
a Literatura e os leitores agradecem.
E Caminha fez muito: fez crônicas que são artigos, artigos que
são ensaios e crônicas ao mesmo tempo, ou seja, fundiu os gêneros
pela densidade que dá às primeiras e pela leveza e emoção e subjetivi-
dade que dá aos segundos, os quais, muitas vezes, em alguns autores,
se tornam aborrecidos pela pretensão crítica e reflexiva pedantes de

52
quem está preocupado em exibir a própria erudição e em escrever
mais para si mesmo que para os leitores. Não o nosso autor, que é um
ensaísta de fôlego e de delicadeza, e um cronista que vai além, muito
além da crônica, que, com certeza, deixaria honrado o “avozinho”
Pero Vaz de Caminha, nosso primeiro narrador, cronista da poética
Carta do descobrimento. E ancestral de todos os Caminhas, como o
tio-bisavô Adolfo Caminha, autor de A Normalista e Bom-crioulo, e
do artista Alcides Caminha, pseudônimo do impagável Carlos Zéfiro.
A maçã não cai longe do pé!

53
3ª Parte

Poesia1

1 A ordem dos poemas segue a das cadeiras dos acadêmicos


De Marly Vasconcelos

Esta Manhã

Esta manhã tão calma e cheia de memórias.


Varanda lapidada de orvalhos e gritos
boia nos olhos do espelho
e na esfera da lâmpada.

Esta manhã tão quieta e secreta.


Atravessa a linha do horizonte
como um coral ou face humana
onde minutos, relógios, algazarras avançam.

Esta manhã tão diáfana e branca.


Nunca é deserta, nem mutilada.
Refúgio de palavras e de faces
é como se fosse sempre infância.

Esta manhã me assume na pupila


e sigo precisa
inesperadamente limpa.
Esta manhã que passa.

57
De Horácio Dídimo

Na Casa dos Oitenta


Para Maria Evendina

I II
É hora de bendizer Pela fé que nos sustenta
A Santíssima Trindade Pelo amor que não se cansa
De louvar, de agradecer Para a casa dos OITENTA
Sua infinita bondade. Levamos nossa esperança

Com a Sagrada Família Voamos na nossa nave


Jesus, Maria e José Por estes céus de platina
Seguimos a nossa trilha Sobrevoamos a casa
Guardamos a nossa fé Tão grande e tão pequenina

São OITENTA melodias Levamos muitas centelhas


Mais OITENTA ave-marias OITENTA chamas fagueiras
Cantando na nossa orquestra OITENTA focos de luz

Pelo amor que nós vivemos OITENTA rosas vermelhas


Por tudo o que recebemos OITENTA verdes palmeiras
Fazemos a sua festa OITENTA estrelas azuis

58
De Horácio Dídimo

Sete Poetas

Em qualquer tom
Leio o Drummond

No frontispício
Leio o Vinícius

Com pedra e cal


Leio o Cabral

Com luz e chama


Leio o Quintana

De popa a proa
Leio o Pessoa

Nos carrilhões
Leio o Camões

A vida inteira
Leio o Bandeira

59
De Luciano Maia

Poema de Natal

Repica o sino, é noite e as orações


suplicam sejam ditas e escutadas.
Mas já ninguém percebe os seus dobrões
sob as estrelas tristes e apagadas.
O céu não se ilumina dos clarões
de outrora, quando em noite destrancadas
comovidos, diante dos portões
do firmamento, as vistas deslumbradas
vivíamos a data em seu fulgor
e a lembrança nos vinha do augural
nascimento do Cristo Redentor.
Antes, noite-de-festa inaugural
é lucro do argentário mercador
hoje o frio festejo do Natal.

Fortaleza, dez. 2016

60
De Pedro henrique saraiva leão

paráfrase de João cabral


Para Noemi Elisa

a rua corta
a praça, ávi
da parte a vida

enquanto passa
, a pressa espreita na praça
onde os amantes
por amor ou mor
te se des
encontram e dobram
cantos

contei aos ventos


os meus segredos;
às ondas do mar
cantei meus versos –
se mais quiserem me conhecer
perguntem às estátuas,
conversem com os pássaros,
escutem os rios
e as nuvens que por mim
passaram –
indaguem da lua
pois viu tudo e tudo
ouviu

61
para Ricardo Guilherme

os móveis lá de casa
heram pessoas da família —
hoje cheiram a mofo
em gavetas onde cupins
trilham sonhos indormidos—
ouvia-se a asma do vovô
o ronco da vovó
o sussurro dos fantasmas
o uivo do vento e dos arma
dores onde embalei esperanças
e pendurei ilusões —
erotempo do sempre
quando aranhas teciam teias
nos cantos dos pássaros,
impermanentes

62
Quando nossas cinzas

quando nossas cinzas se encontrarem


sopradas pelos ventos da saudade
quando nossos sussurros ’inda ecoarem no infinito;
a ausência estiver cheia de ti
e o ar souber só a teus perfumes —
quando passos que ouço a distância
parecem ser dos teus pés —
quando a cal da eternidade apagar as nossas manchas,
entre as dores do parto e a paz do porto,
as marcas dos passos sumirem no caminho
e as pedras cansarem de esperar —
quando só o éter me desgrudar de ti
e ficares nos meus dedos mesmo assim,
quando relâmpagos clarearem nossas noites
quais espasmos doutros tempos,
quando

63
De Giselda Medeiros

Barros Pinho – Pássaro e Poeta

No início, era o rio.


As águas, com cheiro de vento,
revoltas muralhas de sonho,
ninavam o poeta e seu azul lúcido de fantasia.,
seu absurdo e seu mistério.

O poeta, grávido de ritmo e de palavras,


de fantasia e de realidades,
lavava sua solidão nas águas cheirosas de seu rio.
Vida, mulher, paixão – tripé de sua Poesia
azul como o infinito, como as águas do rio Parnaíba!

No início, era o rio.


E com ele a “Carta do Pássaro”,
Lida sob a maciez da luz
Do arco-íris do Poeta!

64
De Ubiratan Aguiar

Vagão da estrela

Minh’alma transcende
É algo que se acende
Diante de mim
Sem começo, sem fim
E meus olhos ao vê-la
Brilham tal qual a estrela
Sem começo, sem fim.

Da matéria se desprende
Fluido que não se estende
As entranhas donde vim
E se torna paz, assim
Que ao senti-la, percebê-la
Passeio no vagão da estrela

Sou passageiro espacial


Bilhete na mão, pessoal
Turbilhão de ideias, sonhador
Poeta da matéria, pensador
Amante da vida por querê-la
Apaixonado no vagão da estrela

65
De Ubiratan Aguiar

Canto de Vida

Vou fazer
Um canto de vida em cada canto,
Em cada vida um poema,
Um verso escrito no chão do teu corpo
Falando de amores,
De emoções do ser e suas reações

Vou falar do lugar santo


Das minhas confidências
Nas estrofes, reminiscências.
Vou falar de cada lugar
Iluminado de sol ou de luar
Fazendo vida em cada canto

Vou dizer da paz interior


Do silêncio feito murmúrios
Do aconchego, do xamego
Das mãos se procurando
Dos lábios se encontrando
Nesse canto, canto de vida

66
De Ubiratan Aguiar

Amei

Amei a mim em você,


amei você em mim,
em cada gesto, em cada afeto,
no sorriso desabrochando,
vendo o vento levando
um pouco de mim e de você.

Amei a hora, o segundo,


o momento escuro, sem luz,
onde a vida se reproduz
no interior mais profundo.
Amei a nuvem que passa
em teus braços que me abraçam.

Amei naquela hora


a saudade que demora,
que teima em não sair
e não deixa você vir.
Amei o futuro distante,
feito de mim e de você.

67
De Linhares Filho

Adsum - Aqui Estou, Poesia

Chamaste-me, Poesia, e estou presente


com todo o ser e sobretudo a mente,
sem sandália e com túnica inconsútil,
elevando o essencial e odiando o fútil.
Eis-me aqui para obter, ante a assembleia,
a unção pela criação, o ardor e a ideia.
Louvores pelo estro dos meus dias,
(contra a reprovação de algum Eutias),
juntam-se à abnegação de uma renúncia
para a final escolha com a pronúncia
consagradora, e eis que sou escolhido:
por favor de uma Luz reconhecido
como Poeta. Confirmam os meus pares
o que a Poesia manda pelos ares.

68
De Linhares Filho

Canção da Convivência

Nossa febre, nossos sonhos,


a nossa mútua atração
ora e em dias que virão.
Nossas almas, esses dois
frutos, nascidos inconhos,
que se uniram mais, depois.
Nossos corpos conectados,
cada um ao outro se doando,
todo dia mais buscando
ficar de amor encantados.
Nossas surpresas, conquistas;
umas de Deus sendo pistas.
Nossa alegria conjunta
pela nossa convivência,
que a Aldebarã já nos junta,
sentido impondo à existência.
Nossa parcela de sono
após irmos navegar,
tornando-se o inverno o outono
por força de muito amar.
O nosso desfeito entono
no empenho de nos perdoar.
A receptiva renúncia
para a chama conservar,
dando-se aquela por núncia
do eterno bem se alcançar.
Teus frenesis de paixão
e os meus frêmitos de amor

69
por chão, mar, aonde se for,
como picos de emoção
e extremos de adoração,
muitas vezes repetidos,
os revezes compensando,
sem nos deixarem contidos
ante as dores vindo em bando.
Nossa saudosa maloca
transformada num navio
por dom, labor, desafio.
Tudo isso, o que nos toca,
fogo que arrefece o frio,
são coisas de que dispomos,
são as coisas com que somos,
as que dão prazer ou doem,
coisas, enfim, que constroem.

70
De Linhares Filho

Despedida a Rogério Bessa


Para Conci

Companheiro de lides culturais,


vejo-te agora mudo no caixão.
Dói-me tanto saber que nunca mais
hás de atiçar com os versos a emoção.

Ao intelecto a recorrer demais,


chegaste, no poetar, à perfeição
como em quaisquer ações existenciais,
que à meta celestial te levarão.

No afã da reinvenção de novo Orfeu,


a experiência da Língua te ajudou:
nenhum significante se perdeu.

Como cristão e poeta o teu esquema,


num requinte inventivo ou em simples voo,
prendeu-se a altas virtudes e ao fonema.

71
De Teoberto Landim

Ciúme

O medo de te perder,
real ou irreal,
Invadiu minha
privacidade
com ameaças perceptíveis
de sonho amargo.

Sentimento descorado
reduziu a auto-estima,
já era obsessão.
Inesperadamente,
apareceram as dores no peito
cravadas
pela humilhação.

Atônito, vi crescerem
as fronteiras
entre imaginação e fantasia.
e senti raiva,
crença e certeza
embora vagas,
imprecisas.

Prenhe de dúvidas traiçoeiras,


delirante,
amargurei o fel
provado, antes,
por Otelo,
instintivo e natural.

72
De Teoberto Landim

Sedução
Sem pensar em conseqüência
eu me embalava
sem convicção da coisa certa.

A lua cheia exalava


o desejo emanado de tua pele
em chamas.

Afundado em noites acumuladas


e medo de falhar,
senti que desânimo
já não era,
que restava um bom tempo
a navegar.

Momento raro,
hoje em dia.
Mas com freqüência poderia,
sem medo de arriscar,
cruzar portões, romper algemas.

Senti plenitude
na leveza do ser,
uma liberdade no ar.

Em silêncio
as palavras têm poder.
e, com um gesto, apenas,
incensos derramaram-se

73
no salão,
e um vinho seco
adocicava a sedução.

Não há limites para o encantamento,


só desejos e fantasias, valores abstratos,
profundezas ocultas de mim mesmo,

74
De Teoberto Landim

Amada

Tu és o mar
que me arrasta
que me inunda,
mas me ancoras
no teu porto
oceano.

Na calmaria,
alçando as velas,
quebro as fronteiras
e sigo delirante
o cheiro do teu corpo
em maresia.

SuSSurrOs.

Exausta,
mas satisfeita,
em clima de maré
mansa,
declaras-me
morto o desejo.

E eu em balbucio,
silenciosamente,
és minha.

75
Haicais de Sânzio de Azevedo
Tradução de Terezinka Pereira2

Trem noturno Passado

A luz na cabeça Eterna lembrança


a cobra ligeira corre dos medos e dos brinquedos
pela noite espessa. do tempo de criança.

Night train Past

Light on head Eternal memory


The fast snake runs of the fears and games
Through the dense night. of the childhood time.

Tren nocturno Pasado

La luz en la cabeza Eterno recuerdo


La culebra ligera corre de los miedos y juegos
Por la noche esspesa. del tempo de la infância.

2 Escritora brasileira, nascida em Minas Gerais, e residente nos Estados Unidos, onde preside a
InternationalWritersandArtistsAssociation (IWA)

76
Sonetio
Para meu tio Horácio Dídimo

Henrique Dídimo3

Nos equinócios de outono


Folhas de papel em branco
Caem esperando poesia
Da margem clara do dia.

Cada folha é escrita


Por um mistério da vida
Guardam camadas sutis
Nas sombras do que se diz.

Colhendo tanta palavra


O poeta junta os dias
Em livro, semeia e lavra.

Tempo de chuva ou de estio:


É quando muda a estação
Que renasce o “poetio”.

3 Poeta e Cineasta

77
Pós –Tempo
Wânia Cysne Dummar4

Você esqueceu querido, o quanto pesam os anos no tempo?


Sempre galopando indômito os espaços por ele permeados,
o tempo não se detém para revogar nenhum certificado de vida
temporária,
tatuando cada existir nas entrelinhas de uma data impressa no ocaso
dos instantes.

O tempo não volta atrás, meu jovem


nem tampouco negocia as etapas já vivenciadas,
que poderiam provocar um novo’’ vir a ser” impactante em outros
amanhãs.
O tempo é nó cego, é faca afiada e convencionou dividir gerações
em blocos
do antes e depois,
do antigo e atual,
para desconsolo de incautos caminhantes.

A rota do tempo teceu pontes de ferro blindando possibilidades de


acesso
a desejos imprevisíveis, sujeitos a fraturarem estágios forjados por
épocas que se dissipam.
Negá-lo seria ato imperdoável para a categoria existencial dos etéreos
viventes.
O que vem deixando teus olhos aflitos a espera de uma revolução
silente, a qual impeça

4 Jornalista, membro do Conselho Editorial do Jornal O Povo, membro da Academia de


Letras e Artes do Nordeste-ALANE, membro do Conselho Estadual de Politicas Culturais.
– Diretora e Presidente do Conselho Temático de Responsabilidade Social Empresarial da
Federação das Indústrias do Ceará CORES-FIEC e membro do CORES da Confederação
Nacional das Industrias - CNI.

78
o perigo que uma ultrapassagem atemporal, possa colocar em risco
este sentimento pulsando no tempo presente.

Não, meu querido,


por mais que persista essa ternura ingênua, sensivelmente humana,
a vida impõe limites e penas aos que ousam romper barreiras
impostas por códigos firmados,
sendo notório, que o tempo não deixou de herança um regulamento
final,
anunciando que não se deve proibir
o amor acontecer no pós-tempo dos crédulos mortais.

79
Teogonia
Révia Herculano

Saí do Caos, do seu constante abraço sobre Gaia.


Desabrigado, voei.
ungi-me de sol, sonhei com a lua,
vaguei pela floresta, lancei-me sobre a espuma.
-Vênus se desnudava entre pérolas-
Enquanto eu caminhava sobre a areia,
Um andarilho descalço mostrou-me o livro da vida .
Havia uma pedra
e havia um fruto .
Vi-me ante a Noite que dormia sob claros cílios.
Próximo à quintessência hesitei.não havia sombras,
havia o Éter, o Éter, o Eterno.
Asas para o esplendor fuga do obscuro.
Ato Puro!

80
4ª Parte

Prosa de Ficção
O Quebra-Quebra
Juarez Leitão

Fortaleza, 1942. As notícias da guerra inundam a cidade. Por


toda parte, comentários apaixonados. Os cartazes que chegam do Rio
de Janeiro e São Paulo ilustram o desenrolar do conflito, noticiando,
sobretudo, o avanço dos Aliados sobre as forças do Eixo (Alemanha,
Itália e Japão) depois da participação direta dos Estados Unidos pro-
vocada pelo ataque japonês às bases americanas de Pearl Habour, no
Hawaí, em 1941. Nas casas comerciais, restaurantes e barbearias a
reprodução colorida das armas utilizadas exibia em grandes cartazes os
novos bombardeiros, aviões de transporte, panzers, tanques, blindados
e porta-aviões, assim como o mapa das batalhas e os números - nem
sempre verdadeiros – do sucesso das Democracias Ocidentais sobre
o Nazifascismo, numa reviravolta da situação de franca superioridade
alemã até o começo daquele ano de 1942. A propaganda largamente
desenvolvida no rádio, nos cartazes e nos discursos flamejantes proferi-
dos nas praças por oradores de ocasião aguçava a curiosidade e punha
em ebulição exaltada o sentimento belicoso da população.
As circunstâncias de animosidade que levariam o Brasil a partici-
par da Segunda Grande Guerra se apresentaram assim que os Estados
Unidos ingressaram no conflito. Os ministros das Relações Exteriores
de todas as Repúblicas do Continente Americano, reunidos, decidiram
reafirmar o Pacto Panamericano, que rezava, em sua Resolução XV,
que “Todo atentado de um Estado não americano contra a integrida-
de e inviolabilidade do território, contra a soberania e independência
política de qualquer Estado americano será considerado um ato de
agressão contra todos os Estados de nosso continente.”
Embora continuasse a se declarar neutro, o Brasil ofereceu a
cidade do Rio de Janeiro para sediar uma reunião de emergência dos
ministros plenipotenciários do continente, em janeiro de 1942, em
que quase todos (Chile e Argentina recusaram) assinaram um docu-

83
mento declarando que “As repúblicas americanas, em solidariedade
aos Estados Unidos, injustamente agredido, romperiam suas relações
diplomáticas com o Japão, Alemanha e Itália.”
A comunicação brasileira entregue aos embaixadores do Eixo na
Capital Federal, em 28 de janeiro de 1942, informando-lhes o rompi-
mento de nossas relações diplomáticas e comerciais com seus países
foi considerada por eles como uma espécie declaração de guerra.
Datam desse episódio o início efetivo de ações de represália,
exercidas principalmente pela Alemanha, contra o Brasil. Navios mer-
cantes brasileiros passaram a ser postos a pique em águas do Caribe
e na travessia do Atlântico. Em 18 de fevereiro, o navio Buarque e o
paquete Olinda são afundados a tiros de canhão por submarinos ger-
mânicos. E, a partir de agosto de 1942, o torpedeamento de nossos
navios passa a ser feito em nossas próprias águas territoriais.

O Governo Vargas abrigava germanófilos e pró-aliados. Osval-


do Aranha defendia desde 1939 o alinhamento com as Democracias
Ocidentais. Mas os generais Dutra e Góis Monteiro, além do ministro
Francisco Campos, eram francamente partidários do Eixo.
Getúlio Vargas, durante algum tempo, hesita, aguardando de
cima do muro para ver para que lado a vitória penderia. Entretanto, foi
arrebatado pelos fatos e teve que se decidir pela política de hemisfério
e honrar o panamericanismo. Não sem antes barganhar: para ceder o
Nordeste do Brasil para a instalação de bases norte-americanas exigiu
em troca uma usina siderúrgica, a Volta Redonda ou Companhia Side-
rúrgica Nacional.

Em Fortaleza, a partir do meio do ano, o estado de guerra começou


a se formar na consciência coletiva. No dia 16 de junho passam a circular
os dois primeiros ônibus movidos a gasogênio, pois a gasolina e o óleo
diesel começavam a escassear. Pertenciam à Empresa Vitória. Dois dias
depois, uma determinação municipal tirava de circulação todos os carros
particulares a gasolina. Era a instalação do racionamento de combustível.

84
A providência da Prefeitura de Fortaleza logo ganhou abrangên-
cia estadual. No final do mês de agosto, o racionamento foi nacional-
mente decretado pelo Governo Federal.

Sabia-se que a normalidade do mundo estava quebrada e que,


em qualquer lugar e a qualquer instante, as pessoas poderiam ser atin-
gidas pelas desgraças da guerra. Ninguém dormia tranquilo.

De repente, nos vimos diretamente envolvidos nos acontecimentos.


No dia 17 de agosto a Ceará Rádio Clube, com a música carac-
terística do anúncio de fatos extraordinários, divulgava a nota do DIP -
Departamento de Imprensa e Propaganda – informando que cinco na-
vios mercantes brasileiros haviam sido torpedeados em nossas costas:
“Aníbal Benévolo”, “Araraquara”, “Araras”, “Baependi” e “Itagibe”.
A notícia acrescentava que os ataques vitimaram 629 brasileiros e que
alguns cearenses poderiam estar entre os mortos. Essa possibilidade
tornava aquele ato criminoso praticamente uma agressão pessoal para
cada habitante do Ceará.

Enquanto o rádio repetia com estardalhaço a terrível notícia, os


jornais imprimiram edições extraordinárias, que eram disputadas a co-
toveladas pela população emocionada.
Nessa noite, Fortaleza dormiu revoltada e essa revolta haveria de mar-
car o dia seguinte como uma das datas mais dramáticas de nossa história.

18 de agosto de 1942. Fortaleza acordou sob forte impacto


emocional.
Pela manhã, realizou-se uma missa na igreja do Patrocínio pela
alma das vítimas dos navios nacionais afundados. Grande afluência de
pessoas lotou o templo e parte da Praça José de Alencar.
Dali parece que somente as mulheres retornaram para casa: os
homens ficaram no centro da cidade a cata de informações e de al-
gum fato novo.

85
Por volta das nove horas já se formara uma aglomeração em
frente à Faculdade de Direito, na Praça da Bandeira. Dois dias antes
já houvera outra mobilização na faculdade, com falas acusatórias aos
nazistas que estavam atacando os navios brasileiros e também aos
“galinhas verdes” conterrâneos, integralistas brasileiros e cearenses
assim apelidados porque usavam uma farda verde em seus desfiles e
paradas. Os adeptos de Plínio Salgado eram declaradamente simpati-
zantes de Hitler e Mussolini, títeres fascistas.
Agora a aglomeração era maior. Eram estudantes daquela escola
e de outros estabelecimentos de ensino superior e secundário que, exal-
tados, ouviam discursos nacionalistas dos colegas exigindo do Governo
Federal a declaração formal e explícita de guerra aos países do Eixo.

Às dez horas começou o deslocamento dos estudantes para o


centro da cidade. A passeata, que a cada quarteirão era engordada
pelo ingresso de populares, veio pela rua Senador Pompeu porque
ali estavam localizadas as redações de quase todos os jornais. Depois
de garantir a matéria para as manchetes das publicações, dobrou
na rua Guilherme Rocha em demanda da Praça do Ferreira, coração
palpitante da cidade.

O Centro, já fervilhava. Segundo declara Stênio Azevedo, na


época funcionário das Lojas Pernambucanas - empresa de origem ale-
mã e aqui dirigida por alemães – os bondes chegavam carregados e
voltavam praticamente vazios de passageiros.

Na Praça do Ferreira o estado de exaltação ia chegando a um ponto


de iminente precipitação. O velho professor Euclides César, famoso ora-
dor nacionalista, faz um discurso inflamado que terminava com a con-
clamação de “Morram os estrangeiros assassinos, fora os alemães!!!”
Foi tomado nos braços pela multidão como um herói. Outros ora-
dores se sucediam na escadaria da Coluna da Hora e cada um terminava o
discurso com uma declaração de ódio aos alemães, italianos e japoneses.

86
Os comerciantes de origem estrangeira começaram a temer
o pior. Alguns fecharam as portas de seus estabelecimentos, o que,
como veremos, não adiantou muito.

Fora o próprio Governo Federal que estimulara o revanche, pois,


pela Portaria 5.408, de 28 de abril de 1942, decretara que, diante
do torpedeamento de nossos navios, “os bens e direitos dos súditos
alemães, japoneses e italianos, pessoas físicas ou jurídicas, respondem
pelos prejuízos que resultarem de atos de agressão praticados pela
Alemanha, pelo Japão e pela Itália contra a vida e os bens de brasilei-
ros e do Estado do Brasil.”
Aquilo que deveria ser oficial, através de ressarcimento legal se-
gundo os trâmites julgados e autorizados pela justiça, foi entendido,
no calor apaixonante da vingança e diante de circunstâncias de indubi-
tável precipitação, como um incentivo à pilhagem e o natural “direito
ao botim” que as hordas bárbaras cultivaram com tanto afinco nos al-
bores da Idade Média quando saqueavam e depredavam vilas, aldeias
e cidades do combalido Império Romano.

Às onze horas um grito ecoou na praça: “Estão quebrando a


padaria do espanhol!!!”
A Espanha, embora não estivesse na guerra era protegida de
Adolfo Hitler, que dera apoio militar e político ao general Franco para
tomar o poder e instalar uma ditadura de direita na Península Ibérica.

Ao grito que informava a primeira agressão, a multidão correu


em direção da rua Pedro Borges esquina com a Gal. Bezerril e, a partir
daquele momento, tornou-se incontrolável.
Quebrada a padaria, partiram os manifestantes para o vale-tudo
numa onda furiosa e irascível que agora não tinha mais chefe, nem
senso, nem freio. Tudo o que à frente da horda enlouquecida cheirasse
a estrangeiro era atacado, invadido, saqueado, depredado e queimado.

87
O saque e o fogo eram as armas da multidão, disposta a varrer da
cidade a presença dos que pudessem ter o sangue, a nacionalidade ou al-
guma simpatia suposta ou verdadeira por alemães, italianos e japoneses.
As Lojas Pernambucanas, gerenciadas por alemães, a Casa Ve-
neza, sapataria de italianos, a Camisaria do Álvaro e a loja A Cruzeiro,
de partidários do Integralismo, foram sendo atingidas uma a uma. To-
das tiveram as portas arrebentadas e sofreram a ira brutal dos depre-
dadores. E até mercearias e sorveterias de pessoas que simplesmente
tinham sobrenomes estrangeiros também foram golpeadas pelo braço
nervoso do povo.
A polícia a tudo assistia com espantosa neutralidade. Nas fotos
batidas por Thomaz Pompeu Gomes de Matos, que hoje formam pre-
cioso documentário do terrível episódio, podemos ver a passividade
dos milicianos, alguns deles até sorrindo das cenas dantescas que tes-
temunhavam com complacente indiferença.
O interventor Menezes Pimentel, com todo o seu secretariado,
se encontrava ausente da capital em uma fazenda próxima, não se
sabe se em função de alguma estratégia política ou desculpa armaze-
nada para o dia seguinte.
Perto do meio dia o fogo já devorava várias lojas, de onde saíam
populares sobraçando os produtos do saque. O botim mais rendoso
era o das peças de pano das lojas Pernambucanas e os sapatos da
Casa Veneza.

Foi quando se lembraram do japonês. Do único filho da Terra


do Sol Nascente que morava no Ceará. Um japonês, sim, senhor, que
agora teria de pagar pelas ações de seu país naquela guerra.

Jusaku Fujita, primeiro oriental a habitar em Fortaleza, manti-


nha no bairro de Otávio Bonfim o Jardim Japonês, onde produzia e
fornecia à cidade flores e hortaliças. Desembarcara na capital do Cea-
rá, depois de ter tentado a vida de imigrante no Peru, no Chile e na

88
Bolívia. Chegara nos anos 20, dera um duro danado em nossa terra
para sobreviver, mas, finalmente, estava, nos inícios dos anos 40, se
firmando como um horticultor próspero e conceituado.
Casara com uma cearense, se batizara na Igreja Católica e se
fizera aceito na comunidade, pois era um cidadão pacato e trabalha-
dor. Com a sua mulher gerou 14 filhos, embora apenas seis tenham
conseguido sobreviver.

Naquele dia de ira a família de Jusako Fujita viveria uma dura


experiência.
As lojas de estrangeiros no centro da cidade, invadidas e saque-
adas, ardiam em pleno meio dia daquela terça feira de agosto. Mas o
furor da massa não estava saciado.
De súbito, do meio da multidão, foi berrada uma convocação:
“Vamos pegar o japonês do Otávio Bonfim!”
A lembrança macabra reacendeu o instinto bárbaro da turba.
Imediatamente, todo aquele povo saiu correndo em direção do alvo in-
dicado. A sorte é que da Praça do Ferreira para o Jardim Japonês era um
bom pedaço de chão e isso talvez tenha salvado a vida da família Fujita.
Um cunhado do Senhor Jusako ouviu na praça a decisão do
ataque. Mais que depressa pegou o carro e foi avisar os parentes.
Os Fujita estavam almoçando quando o homem chegou alvoroçado,
exclamando que deviam fugir imediatamente sob pena de serem tru-
cidados pela multidão ensandecida. Saíram com a roupa do corpo,
tomaram o carro e escaparam dali.
A multidão foi chegando na horta e no jardim pisoteando e des-
truindo tudo. Enquanto muitos se entregavam à frenética operação de
arrancar as plantas e inutilizar as mudas, outros tomavam de assalto a
casa, derrubando portas e escoiceando as paredes, dando chutes nos
móveis e puxando a instalação elétrica. E foram levando tudo: telhas,
caibros, madeiras, pias, sofás, camas, roupas, pratos, talheres e pane-
las. Uma invasão ao modo de Átila, o feroz chefe dos hunos.

89
Da casa, destelhada e vazia, ficaram só as paredes, cercadas de
desolação. Um cenário de Hiroshima.
O menino João Batista, que tinha seis anos, guardou para sem-
pre aquelas imagens de espanto e incompreensão. E é ele que relata,
hoje, capitão da reserva do exército brasileiro e empresário bem suce-
dido da construção civil:
“Chorei muito porque tinham levado minha roupinha de mari-
nheiro. Com aquela idade não entendia a amplitude do problema. Só
sei que minha mãe chorava muito.
A família que nos amparou teve uma solidariedade incomum.
Nos levaram para a casa deles, mesmo sem ser abastados. Nos prote-
geram, nos salvaram. Passamos vinte dias na casa dessa família.
Ninguém pode imaginar como seria se tivéssemos ficado em
nossa casa até a chegada dos atacantes. Teria sido uma coisa terrível.”

Jusako Fujita era um homem disposto. Quando estava no meio


do infortúnio, vendo tudo o que construíra ser rudemente destruído,
pensou em se matar. Foi apenas por um instante. Logo sentiu o peso
de sua responsabilidade de pai de família e recobrou a coragem. Teria
que criar seus filhos e a todos educar.
Já sofrera outras desditas e sobrevivera intacto em sua dignida-
de. Haveria de se erguer novamente.
Recomposto em suas esperanças voltou para o lugar de sua casa
e de seu Jardim Japonês, no Otávio Bonfim, apesar dos riscos de um
novo esgar de insensatez da emoção popular.

A guerra continuava. Aquela, feita pela loucura humana e que


iria produzir mais de 50 milhões de cadáveres. E a sua, a guerra do obs-
tinado imigrante, para construir uma família honrada neste belo país.

90
Nem da Terra Nem do Mar
Giselda Medeiros

Caminhou resoluto em direção ao mar. Não estava a rigor para o


banho. Carregava no corpo uma camisa branca de linho envelhecido e
uma surrada calça jeans. Nos pés, um sapato batido, mas ainda lustro-
so. Ia como se fosse cumprir uma promessa. Tinha as mãos cruzadas
sobre o peito a apertar algo de encontro ao coração. Daquela vez
daria certo. Haveria de dar.
A praia estava deserta. Só ele e o mar. O mar das grandes na-
vegações, das epopeias, o mar dos portugueses. dele também! Tinha
certeza, daria certo!
Estava seguro de que tudo sairia a contento. Tudo, tudo, como
planejara. Não passara tantas noites a queimar neurônios, em vão.
Além do mais, aquele mundão azul sempre o fascinara. Faltava pou-
co para ser uma vela branca a flutuar sobre as ondas num amplexo
de cumplicidade. Ele e ela, em sua indigência, ambos uma só criatu-
ra, adentrando aquela massa líquida, poderosa, numa valsa arrepian-
te, que o próprio Strauss não ousara jamais compor. Uma valsa sobre
a brancura assustada das ondas espumantes. E tudo aquilo dele. o
mar e as velas a correrem noite adentro, tremendo de escuridão.
Depois o olhar do peixe antevendo a morte (não, a morte não! É a
liberdade que busca), as algas, as pérolas que nunca pôde tê-las. Ser
a maresia, misturar-se às pedras marinhas, ser água a correr lavando
a areia, em contínuo ir-e-vir.
Estremece. Quer retroagir. Volta o olhar para o que deixou
atrás. Mas só lhe restam as pegadas na areia, fundas, alinhadas, for-
mando um caminho sem retorno. Para. Aguça o ouvido. Nada ouve,
além do murmúrio queixoso das ondas, em sua canção solitária. Ah,
essa música a enfeitiçá-lo, a chamá-lo: “vem”! Jura nunca ter ouvido
canção mais linda!

91
Decide-se e, novamente, seus passos imprimem na areia outros
rastros, fundos, alinhados, esticando o caminho sem retorno. Os olhos
são gaivotas em voo raso. Nada veem senão o mundo azul, seu infinito
aberto para a liberdade.
Ninguém saberá dele (afinal, é apenas mais um dos muitos de-
sempregados). Quem saberá de suas angústias, de seus medos (pou-
cos, pois os vencia: aquela não lhe era uma prova?! aqueles passos
caminhando para a liberdade. não pareciam corajosos?!). Família não
tinha (não legaria a ninguém a sua infelicidade).
De repente, estanca em plena via-sacra. As pernas lhe são enor-
mes pesos a impedirem o movimento dos pés. Arreia, sobre a areia,
suando gelado, as pernas dobradas, genuflexas. Depois, todo o corpo
em languidez mórbida se horizontaliza. Quer levantar-se, ordenando
que se apresse, falta pouco, muito pouco. O mar está a poucos passos.
Vamos, falta pouco!
A noite vai chegando. a noite que o viu, faz pouco tempo, lá, no
cimo da torre, feito morcego, balançando ao vento. A noite, a mesma
que lhe viu os pulsos vermelhos, atados, recosturados à miséria da
vida. A noite, a mesma que o viu por entre as rodas da imensa carre-
ta, depois, no silêncio do quarto, entre outros moribundos, ligados a
uma engrenagem moderna. A noite, a mesma que lhe testemunhou
o encontro com a Palavra – a Bíblia – que lhe deram numa tentativa
de salvação e que não pôde ler. Era analfabeto. Sombras. apenas som-
bras. E nem sabia ler!
O céu plúmbeo, fechado, conspirava. A lua não apareceu. Tam-
pouco as estrelas. Tudo escuro. E ele nem sabia ler! Era um verme!
Bem que poderia deixar-se ficar, ali, na areia, misturado à inutilidade,
para continuar a ser pisado. Oh, não, isso não quereria mais! O mar
está ali, tão próximo. Falta pouco!
Arrastar-se até ele. E, por que não?! Não foi assim que sempre
vivera? Esforça-se, numa luta titânica (?). A roupa lhe pesa, os sapatos
impedem-lhe o movimento. Já não pode carregar a Bíblia. Precisa das
mãos livres para remar na areia. Também nem sabe ler. Resolve livrar-se
dos supérfluos. Inútil a peleja.

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O mar, ali à sua frente, geme também as suas angústias e as
daquele homem, completamente nu, misto de gente e réptil, em seu
esforço para alcançá-lo. Está quase vencido. Vamos, falta pouco para
o nascimento!
As mãos pesadas agarram-se à areia, afundando-se nelas, como
raízes. Qual Tântalo, o homem sofre o desespero de ver o mar ao seu
alcance e não poder tocá-lo, juntar-se a ele, ser dele. As unhas, os
dedos, tudo são tentáculos encravando-se na carne branca das areias
anoitecentes. E suas lágrimas misturam-se às águas das poças que
refletem somente a escuridão do seu olhar.
E a noite vai crescendo. em sombras e desespero. desespero de um
grito, qual lâmina de aço, a cortar a quietude das areias para resvalar, em
seguida, até condensar-se e impregnar-se, na noite, feito tatuagem.

93
Zabelinha
Ser feliz sem motivo é a mais autêntica
forma de felicidade.
Carlos Drummond de Andrade

Regine Limaverde

Era uma rua da periferia. Chamava-se Princesa Isabel ou Dona


Isabel. Para nós, de casa, era Zabelinha. Uma rua animada. Em um de-
terminado quarteirão da Zabelinha, vivi dos 3 aos 13 anos. Idade das
descobertas, das primeiras paixões, do despontar para o mundo, da
descoberta do outrem, das brincadeiras infantis e de tantas outras pro-
curas e achados. Gosto de pensar na minha infância cheia de gaiatices
e danações. Fui, desde cedo, muito sociável. Andava muito na rua,
na casa das amigas, o que me fez ser veículo de todas as doenças da
primeira idade para meus irmãos mais novos. Levei, para casa, coque-
luche, sarampo, papeira, catapora. Contraí hepatite A, fui operada de
apendicite, retirei cedo minhas amígdalas, tive furúnculo, verruga nos
pés, quebrei perna, o escambau. Isso não me impediu de ser primeira
de classe, tirar o primeiro lugar no exame de admissão do Colégio 7
de Setembro, de jogar vôlei, nadar, declamar sob a regência de uma
declamadora muito exagerada, que havia na época, e de levar carão
do Dr. Edilson nos ensaios de declamação de “Língua Nacional” para
dizê-la na PRE9, em um programa, que o colégio tinha, no dia 7 de Se-
tembro. Não tinha noção de que declamava Filgueiras Lima, um poeta
da Academia Cearense de Letras, cuja cadeira, um dia, eu ocuparia.
O quarteirão era cheio de animação. Começava com uma bo-
dega na esquina, chamada Zé Rosa, cujo proprietário era o mesmo.
Tinha uma serviçal que logo ficou grávida dele e que o chamava de
Seu Zé Rosa. Pois bem, nessa bodega comprei minha primeira coca-
-cola que, até hoje, amo e que meu filho chama de veneno. Quando
ele chega a casa para almoçar, vai logo perguntando para a secretária:

94
- hoje tem veneno para o almoço? Foi nessa mercearia, também, onde
comprei meu primeiro cigarro (depois de roubar dinheiro do bolso do
meu pai) e pipers, um bombom de hortelã, que se usava para disfarçar
o cheiro horrível da boca depois de um forte cigarro BB.
Rio, rio das lembranças quando falo no pessoal que habitava
essa rua. Tinha uma oficina cujo dono (tadinho!) tinha varicocele. E
ficava sentado numa cadeira de balanço com aquele mondrongo en-
tre as pernas à mostra de quem passasse. Nessa oficina trabalhava o
Gipão, um bichão grande, cheio de músculos e que namorava a cozi-
nheira da minha casa. Quando precisava de operário para esvaziar a
fossa, o papai chamava o Gipão, que, atolado em fezes, tomava goles
e goles de cachaça para aguentar o mau cheiro exalante do terrível
trabalho. Mais adiante, tinha umas vitalinas enjoadas e uma delas,
talvez a mais chata, me preparou para a primeira comunhão. – Quem
é Deus? - É o Criador do céu e da terra. Ele está presente em todos os
lugares. E tome Ato de Contrição, Creio em Deus Padre, Salve Rainha.
Decorei tudo e fiz minha primeira comunhão na Igreja de São Benedi-
to com os cachos todos arriando do meu cabelo liso e que havia sido
colocado no Toni a noite toda. Toni era um fixador de cheiro horrível e
que deixava o cabelo todo enroladinho. Foi um festão nesse dia, com
direito à visita das minhas duas avós e um presente que ainda hoje
possuo, um certificado do feliz dia da minha primeira comunhão e que
meu pai mandou colocar em moldura.
Na época, duas coisas me alegravam: a posse de uma mala, da-
quelas de madeira e cobertura de papel encerado, comprada no Mer-
cado S. Sebastião, bem cafona, mas que tinha fechadura, e latas de
biscoitos sortidos que eu degustava encantada. Juntava toda a minha
mesada para ter esses dois tesouros. Na mala guardava provas do co-
légio, chocolates e bilas (tinha uma bolsa de cabeçulinha que ganhava
nos jogos com os meninos da rua). Eram de todas as cores: amarelas,
azuis, verdes, róseas. Essas bilas me fascinavam.
Aos domingos brincávamos de guisado. Comprava fogareiro de
barro e panela também no Mercado São Sebastião que ficava perto

95
e, assim, aprendi a fazer carne, feijão, arroz e outras comidas mais. A
mamãe morria de nojo de provar essas iguarias, mas foi uma maneira
sacrificada e brincalhona de eu aprender a cozinhar.
Mais adiante, havia uma família que tinha muitos filhos. Alguns
homens que levavam nomes de heróis brasileiros e mulheres mais ve-
lhas do que eu. Havia um, o mais novo, que tinha o apelido de “Rato”.
Os mais danados do quarteirão, quando queriam insultá-lo, jogavam
cascas de queijo no terraço da sua casa. Era um papoco!
Em frente à minha casa moravam os pais do Pintor Antônio
Bandeira. Minha avó era muito amiga da D. Maria. E quando diziam
para ela sobre as danações do Seu Sabino, seu marido, ela falava: -
quem comeu a carne, que roa os ossos.
Havia uma vizinha que morava com o marido cujo nome era Seu
Rolinha. Ela dizia assim: - só tomo banho quando meu corpo pede.
Havia uma que era a rainha da rua. Tinha três meninos dana-
díssimos!!! Eu adorava brigar de luta livre com o do meio. Às vezes,
eu perdia as lutas e ficava danada e saía atrás dele com uma corda na
mão. Nas lutas, quando o adversário gritava penico, penico era pra
gente sair de cima dele.
Vizinho à minha casa morava um casal muito decente que tinha
três filhos e uma filha. Eu era apaixonada pelo mais velho que usava
Fleur de Rocaille, o perfume da mãe. A mulherada do quarteirão ado-
tava um caderno com perguntas às quais todas nós respondíamos.
Seu nome era caderno de Disparate. Nele fazíamos todos os tipos de
perguntas para, dependendo das respostas dos meninos, sim, por-
que todos os adolescentes das redondezas assinavam o ponto nessa
brincadeira, sabíamos quem paquerava quem. Na primeira página, a
gente se identificava e tínhamos, então, um número. Através dele
sabíamos o perfil de todos os entrevistados. Meu galã era moreno dos
olhos verdes e, através da brincadeira, soube que ele também tinha
interesse por mim. Sua mãe possuía uma fábrica de soutiens. Naquele
tempo, os sustentadores de peitos eram acolchoados. E a minha pri-
meira providência, ao começar o namoro com o moreno, foi comprar

96
um soutien que eu, ao empurrar a mão sobre a peça, entrava toda.
Eu achava lindo desfilar na rua com uma roupa que eu mesma havia
costurado, usando meu soutien acolchoado. Cartei muito alto com
os peitos maiores do que na verdade eram. Depois que me mudei
para Aldeota e abandonei a Zabelinha, ainda recebi uma visita do meu
moreno dirigindo uma Rural Willis, mas cedo, troquei-o por outro.
Minhas exigências foram se refinando.
As pessoas da Zabelinha eram muito humildes e me ensinaram
muita coisa boa. Durante o tempo em que morei lá tive tristezas, co-
nheci a morte, a vida, despertei para o sexo, entrei para adolescência,
menstruei aos 12 anos depois de ser beijada na bochecha pelo meu
primeiro namorado, despertei para poesia, para a leitura (li Os sertões
aos 13 anos de idade), estudei muito, e fui feliz colecionadora de cha-
pas de políticos, de lápis pretos, de cadernos com misses Ceará, Brasil
e Universo e organizadora de álbuns de artistas. Meus preferidos eram
Rock Hudson e Elizabeth Taylor. Foi lá que soube como um nenê era
feito, fato que me impressionou. Foi lá que consegui o primeiro lugar
no Exame de Admissão, depois de estudar e rezar um rosário todos os
dias. Foi lá que previ meu futuro de viajante, gostando de malas. Foi lá
que aprendi a ser gente. Tenho saudades da Zabelinha.

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A Execução
“Quanto menos sabedoria, maior a felicidade”
(Erasmus de Rotterdam)

Flávio Leitão

Não se sabe ao certo porque o Professor Absalão, um protestante


fundamentalista, conhecedor de cor do significado de todos os milha-
res de nomes bíblicos que povoam as incontáveis histórias do Sagrado
Livro, dera aos seus 12 filhos epítetos de personagens do livro santo.
Dizem os mais aproximados a ele que se tratava de tradição fa-
miliar quincentenária, iniciada na época do tataravô de seu tataravô,
para comprovar sua origem judaica da qual sentia um santo orgulho.
Por exigência da mulher, contudo, que, por seu turno, primava
em ser uma católica ortodoxa, ao nascer-lhe o primeiro da numerosa
prole, levou-o à pia batismal da igrejinha de sua cidade natal, onde,
paraninfado pelo piedoso padre Moacir, recebeu o incomum nome
de Obede.
Parecia ter o pai poderes de pitonisa, pois, se o significado do es-
drúxulo nome é definir “aquele que serve”, passou realmente Obede
toda sua vida servindo, desinteressadamente, com esfuziante alegria
que lhe era inerente, aos mais necessitados da sociedade moderna –
os sofridos e injustiçados operários. Serviço, aliás, duro de ser desem-
penhado, mas que ele executava com afinco e denodo,na qualidade
de advogado trabalhista.
É do conhecimento de todos que a lei trabalhista é benevolente
para com o operário, fugindo, assim, ao raciocínio lógico do sofista
Cálicles de que “a lei é a vontade do tirano”.
Mas, apesar da assertiva grega de ser“justo o que convém ao
mais forte”, o Dr. Obede saía-se vitorioso na maioria de suas lides a
favor de seus constituintes, indiscutivelmente os mais fracos nesse
tipo de contenda.

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Mesmo diante da justíssima sugestão de Santo Agostinho, o Bis-
po de Hipona, de que a lei deva tratar diferentemente os socialmente
desiguais, havia um grande fosso cultural separando as duas partes,
dificultando, sobremaneira, o trabalho de Obede.
De um lado,as matreirices de alguns patrões, tudo contribuindo
para anular a aparente benesse da lei e, consequentemente, tornar ár-
duo o trabalho de Obede; do outro lado, o operário bobo, analfabeto,
desconhecedor de seu valor intrínseco.
Com o passar do tempo, entretanto, primando por se comportar
como intransigente defensor do operariado nas frequentes contendas
entre patrão e operário, tornou-se Obede conhecido e próspero ad-
vogado, detentor de famosa banca advocatícia, mesmo tendo optado
pelo lado mais fraco da contenda.
Recusara, em várias ocasiões quando ainda jovem, tentadoras
ofertas para engajar-se em escritórios de grandes empresas, que o
compensariam com substancial e invejável salário.
A todo canto de sereia recusou-se ouvi-lo, sem desdém, mas
com determinismo, mantendo-se fiel aos ditames de seu foro íntimo,
que o impelia ao devotamento total aos pertencentes ao lumpem pro-
letariado, no dizer do jargão marxista.
Certa tarde, reaparece-lhe no escritório, fim de expediente, um
cliente operário, praticamente analfabeto, muito cioso da religião que
abraçara - o pentecostalismo.
Era desses que se julgam arautos da fé cristã, passando ao exer-
cício intempestivo e enfadonho da citação automática de alguns dísti-
cos bíblicos, que logo identificam os seguidores de Lutero, terminando
pelo “Deus seja louvado!”.Terminada a litania, indaga ao Dr. Obede
pelo seu processo.
Verificadas as fichas cadastrais de todos os constituintes ini-
ciados pela letra J, finalmente chega-se à do senhor José Ataliba da
Silva Beraldo.
O Dr. Obede faz uma leitura dinâmica da ficha e abre-se em
um agradável sorriso, afirmando: seu Beraldo, o juiz deu-nos ganho

99
de causa. Infelizmente, seu ex-patrão recusou-se a pagar, razão por-
que vou ter que executá-lo.
Seu Beraldo demonstrou certo grau de alegria, mas depois, en-
tre constrangido pelo inusitado da proposta que acabara de ouvir de
seu advogado e, ao mesmo tempo, querendo um mínimo de justiça,
replicou: Doutor, eu sou da religião Pentecostal, assim, não concordo
em executar o ex-patrão, muito embora ele o mereça.
Prefiro, portanto, por causa dessa santa religião, que o senhor
mande apenas dar uma boa pisa no homem.

100
Café du Départ
Américo Guerreiro de Sousa

A humanidade divide-se orgulhosamente em dois grupos prin-


cipais: o daqueles que amam Paris e o dos que juram por Londres.
Em torno das duas cidades já houve desacatos, grandes discussões e
mesmo troca de tabefes. Porque a paixão que qualquer dessas capitais
desperta pode ser perigosa, sobretudo quando os seus devotos já be-
beram além da justa medida.
Eu pertencia, nesse tempo, ao grupo mais restrito, mas não me-
nos entusiástico, dos que preferiam uma terceira cidade, um grupo,
que gostava de vaguear sozinho por esse mundo de Cristo e apreciava
sobretudo a bela ruína, a reminiscência clássica. Comparado com os
dois grupos anteriores, o meu podia considerar-se o dos intelectuais,
verdadeiros ou pretensos, o dos poetas românticos, com ou sem ver-
sos, e, infelizmente, também o dos snobs. Para mim, nem Paris nem
Londres, Roma é que era. Mas, lá bem no fundo, do que eu sentia ver-
dadeiramente a falta era da minha ensolarada Lisboa e dos seus bair-
ros antigos, com cheiro a sardinha assada, gritos de mães berrando
com os filhos traquinas e tudo o mais, incluindo, pelas manhãs frescas,
alguma guitarra acompanhando voz de fado castiço. Talvez esta pre-
ferência pelo meu modestíssimo beco natal lhe faça a si, Madeleine,
perdoar-me a traição de colocar Roma acima da sua idolatrada Paris
nas minhas prioridades de viajante modesto. Não me pergunte a razão
por que, já nesse tempo, eu tinha de ser diferente do resto do mundo.
Nem eu o saberia explicar, mas julgo que apenas por espírito de con-
tradição. Acabara de fazer dezoito anos, e talvez isto explique e me
perdoe todas as idiossincrasias.
De modo que quando, no outono de 1968, tem graça que
neste mesmo Café du Départ, Place de Saint Michel, n’est-ce pas?,
você me perguntou por que tencionava trocar Lisboa por Paris se
eu detestava a França, julguei detetar-lhe um despeito na voz que

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me pareceu quase incompreensível. É certo que você não se sentia
muito confortável com o calor que fazia essa tarde, já se irritara com
o empregado por se ter enganado na bebida que lhe pedira, enfim,
não estava nos seus melhores dias. Você morava na Rua Cujas, mas
era neste café-restaurante que nos encontrávamos a maioria das ve-
zes. A si convinha-lhe o sítio por não ser longe da sua casa; a mim o
local do encontro não fazia grande diferença, apesar do preço exor-
bitante que estes exploradores de turistas cobram pelo chocolate
quente. Mas este café tinha a vantagem de, sendo perto do Sena,
permitir uma volta pelos bouquinistes ou ir ver passar as barcaças,
se do nosso encontro mais não resultava do que o amuo frequente
de dois jovens, pouco mais do que adolescentes, que começavam a
apaixonar-se um pelo outro, sabendo antecipadamente, porque até
aí chegara a nossa intuição, que esta seria uma história sem futuro.
Tínhamos backgrounds, feitios e tendências muito diversos, e por-
tanto estávamos sujeitos a discussões frequentes.
Eis-nos nesse dia à beira de um desses arrufos que nos estraga-
riam pelo menos a tarde. Para espairecer a irritação que me provocara
um qualquer dos seus ditos, olhei a praça, cheirei um sopro do rio que
me chegou envolto no odor abafado das viaturas. Procurei refugiar-me
em pensamentos de largo e ative-me àquilo que estava mais perto, o
Sena.Gostava muito dos barcos do Sena, mas talvez gostasse mais ain-
da dos seus belos nomes: os bateaux-mouches, as péniches, os esprits
yachts como aquele, todo envidraçado, climatizado e equipado com
um pont soleil onde um dia você, lisonjeada pelo meu fascínio da água
descendo, quis à viva força oferecer-me o aperitivo, apesar de a sua
bolsa, nesse outono em que decidira prescindir da ajuda dos seus pais,
não estar muito mais abonada do que a minha. Não mais esqueci esse
seu gesto encantador, querer pagar-me um Martini seco na .como se
chamava ela? Ah sim, Péniche Evasion, ora aí está, bela memória tem
você ainda, Madeleine. E que nomes tão sugestivos para um horizon-
te que todo se abria em flor, refiro-me tanto ao seu nome proustiano
como ao nome do barco, que é real. Mas onde ía eu?

102
De modo que quando você me perguntou por que me queria
exilar de Portugal se não gostava da França, havia despeito e um certo
rancor na sua voz. Era uma pergunta inesperada para quem acabara
de se declarar há pouco “une femme de gauche”, sabendo decerto
que qualquer Português que fizesse vinte anos e não fugisse depressi-
nha do país corria o risco de ir parar com os ossos a África. Por outro
lado, e não querendo aprofundar muito o assunto, Paris não é o mes-
mo que a França, e nunca lhe dissera que não amava o seu país, nem
muito menos a sua capital, embora, a esse respeito, eu nunca tivesse
sido de grandes efusões. Não bastava já abrir os pulmões com deleite
aos eflúvios do rio, pelas manhãs frescas, e saudar os pores-do-sol do
alto de Montmartre como se fossem os últimos das nossas vidas, e fi-
car depois, calado, imerso na imensa nostalgia que me dava o grande
horizonte visto da sua casa, sobre os telhados sujos do imenso casario?
Que mais era preciso para render homenagem à sua cidade sem par?
Oriunda de Bezançon, patriota ao modo único dos franceses, incapa-
zes de conceberem não ser o seu país um modelo de civilização para
todos os outros (nunca conheci nenhum seu compatriota que, sobre-
tudo viajando no estrangeiro, não pronuncie a palavra França menos
de três vezes por minuto), você não concebia que um Portuguesito de
Lisboa não idolatrasse Paris acima de todas as coisas, essa cidade de
que você era tão orgulhosa e que me soube mostrar tão bem. Recen-
te professora de Geografia num lycée não muito longe deste café, a
sua ambição desse tempo era, imagine-se, tornar-se guia de turistas.
Cinco anos mais novo do que você, eu aparentava ser para si uma boa
cobaia nesse seu intuito profissional, tanto mais que, fora dos meus
maus momentos, que também os tinha, eu era de temperamento as-
saz submisso, ao contrário de si, toda fogo e revolta. Anarquista de
data recente, não me perdoava que zombasse ao recordar como o ge-
neral De Gaulle, só com o seu ar de velha águia teimosa e um discurso
duro na televisão, pôs fim, de um dia para o outro, ao grande espírito
revolucionário desse famoso mês de Maio. E desculpe se ainda hoje
eu arrisco entornar a água do copo por cima da sua bela blusa de seda

103
lilás, assim a abaná-lo tanto com as convulsões do meu riso, mas aqui-
lo foi tão cómico, ver na manhã seguinte ao discurso entre paternal e
ameaçador do Presidente todo o francês e toda a francesa tomando o
metro disciplinadamente para o emprego, com aquele ar embaraçado
de colegial apanhado em falta, greves terminadas, acabou a festa,
meninos e meninas, daqui a uns anos a gente, isto é, os nossos netos
repetirão a façanha, e farão uma revoluçãozinha semelhante, nada
como uma boa festa nas ruas.
Ah, falava-lhe das razões da minha admiração pela sua animo-
sidade, na sua voz e no seu olhar claro de criança mimada — a única
nota duma certa pureza infantil que conservou através dos anos - pois
era isso e não outra coisa o seu despeito por eu, já nesse tempo, iro-
nizar muito por acreditar em tão pouco. Em maio de 1968, quando
nos conhecemos, eu tinha apenas, como lhe disse, dezoito anos. Mas,
amante de leituras, nascido já com um grosso volume de História na
cabeça, sabia antecipadamente no que costumam dar as movimen-
tações de rua sem controlo majestático, digamos assim. Além disso
era realmente um pequeno burguês na minha formação ideológica-
burguês, palavra de que ao tempo se abusava, tão céptico das vossas
revoluções como das nossas e das outras todas. No fundo, eu via e
previa um paralelismo fatal entre o vosso Maio célebre e o nosso 25
de Abril a haver, se me permite a mistura de tempos, agora que me é
possível pôr ambos os eventos no mesmo saco e efabular um pouco
sobre as minhas intuições da época: ambos teriam de fracassar.
Dizia você que, com estas admiráveis qualidades, mais a in-
suspeitada capacidade de adivinhar, me deveria sentir bem no país
de onde vinha, o país dos milagres de Fátima, das procissões para
fazer chuva, “o país de Salazar”. Esta frase tinha na sua boca dois
séculos de revolução francesa mal contados e não sei quantos anos
de menoscabo por Portugal, provinciana colónia cultural do seu país
durante muito tempo, depois da dependência política sob a pata na-
poleónica, coartada embora pelos esforços dos nossos amigos ingle-
ses, que também acabaram por comer uma bela fatia desse torrão “à

104
beira mar plantado”, o único Camões que você sabia citar, na sua en-
graçada pronúncia. Claro que não me sentia bem no país de Salazar
e não seria apenas pelo peso da ditadura. Muito do meu desconforto
tinha a ver comigo e resultava tão só do descontentamento de mim
mesmo, do meu umbigo. Mas a parte política existia, mesmo assim, e
sempre foi a mais fácil de explicar. Quanto à razão para o exílio mais
óbvia, a fuga ao serviço militar, não era a que mais me preocupava:
ainda faltava algum tempo para correr esse risco e, por outro lado, o
desejo de mudar de ares tornara-se tão premente, tão obsessivo, que
mesmo a África me pareceria mal menor, comparado com o sufoco
da vida em Portugal.
Expliquei-lhe portanto, nesse dia, o que era o Portugal de en-
tão. Disse-lho com acrimónia, com raiva até, embora lhe tivesse fa-
lado também das minhas incríveis saudades do Castelo de São Jorge
e do bairro circundante onde nasci e brinquei, ali nas espaldas do
Castelo Mágico. Afiancei-lhe que na realidade eu não detestava nem
Paris nem a França, não detestava nada. Sentia-me apenas demasia-
do cansado, a despeito da minha tenra idade, para sentimentos fortes
em relação a tudo o que não fosse eu, o meu umbigo, o tal umbigo
que agora ando a ver se decifro com a sua ajuda. Derradeira crise da
adolescência, diz você? Não lhe chamaria derradeira, mas aceito o
diagnóstico. Estava num período de depressão, uma depressãozinha
feita de tédio e desamor por tudo. Tinha acabado de entrar na Uni-
versidade, a tirar Germânicas, e aquele curso de Letras parecia-me
uma enorme perda de tempo. Tempo para quê não o sabia, e essa
ignorância do meu objectivo na vida era o que mais me oprimia. De
modo que encontrar o seu sorriso no oceano do meu desafeto geral,
começou por ser bem refrescante. Posso garantir-lhe que gostei de si
logo à primeira vista, um desejo físico, a vontade imediata de sabore-
ar um gelado apetitoso em dia de calor.
Vá lá, não se ofenda com a comparação, sabe que eu adoro ge-
lados, na realidade o símile pretende ser lisonjeiro, que há de melhor
do que um bom gelado quando se tem sede? E você era um belo ge-

105
lado, acredite. Aceito no entanto que compará-la a um gelado é talvez
algo fescenino, aliás pouco rigoroso, pois lá ardente é você, mas como
fugir a essas frases simples sem as tornar banais e ridículas? Eu gostava
de si mais de que alguma vez ousei confessar-lhe, e gostando de si,
uma bela mulher loira, bem francesa, superficial mas com pretensões
a filósofa, snob aspirando à simplicidade cruel e no entanto capaz da
maior solidariedade com os povos oprimidos, as raças abandonadas,
os pobres. Natural que, amando-a como a amava, também tivesse um
fraco pelo seu país, pois assim é o homem: uma bela mulher valoriza
muito o seu entorno. Até a pátria, conceito cujo valor já nesse tempo
me parecia um tanto caduco e hoje me começa a parecer francamen-
te duvidoso, quando penso no papel das fronteiras no sofrimento de
tantos deserdados da terra à procura de um local para trabalhar e
viver, longe dos seus horríveis lugares de origem onde só existe fome,
doença e morte, até uma pátria, coisa abstracta e bastante ilusória
se não inteiramente irreal, adquire um peso específico, um vulto, um
certo encanto quando se ama alguém seu natural.
Sendo assim, como explicar as nossas frequentes discussões, os
nossos arrufos, a vontade de tudo acabar? As discussões começavam,
muitas vezes, por resultar da graça que me dava considerar-se você uma
anarquista devota, em perfeito contraste com a sua aparência de me-
nina bem vestida e bem tratada, confortável num meio que lhe dava
tudo o que é preciso para viver contente, e você vivia contente, como
atestava o tom dourado da sua pele bem cuidada, no princípio desse
outono ventoso e frio. Aposto que tinha passado o verão em Saint Tro-
pez, com os pais ricos a sustentá-la, despedindo-se em beleza de uma
vida de menina bem, antes de entrar no mercado de trabalho, onde
aspirava de facto à independência. Já não me lembro é se Saint Tropez
ainda estaria por essa altura na moda, depois da associação à Françoise
Sagan do Bonjour Tristesse e seus escândalos, mais imaginários do que
reais, diga-se de passagem, sobretudo se vistos com os olhos de hoje.
Mas dinheiro e snobismo realmente não lhe faltavam, quando
a conheci nesse Maio de 68. Estava você prestes a iniciar a sua futura

106
actividade de professora do liceu, mas dir-se-ia que o seu futuro seria,
antes, embaixatriz ou pelo menos uma jornalista de revista de luxo,
tal era o seu aspecto de fina parisiense vestida à lapage. A revolução
surgira-lhe na vida como o condimento emotivo para o seu tédio an-
cestral, uma forma de espanejar o espírito. Do que bem me lembro
é de que você desapareceu sem aviso nem notícias durante três se-
manas, no início de Agosto, e quando finalmente nos encontrámos
de novo vinha bem bronzeada e com um halo tão sedutor que me
deu vontade de lhe fugir, porque me senti tão pálido, tão magro, tão
olheirento, uma verdadeira insignificância a seu lado. Era isso tudo
e mais o meu ciúme por achar que quem você adorava era o Cohen
Bendit, o Santo Bendito, como eu lhe chamava com mal disfarçado
rancor ciumento. Não? É muito gentil em protestar, mas se o que digo
não fosse verdade já você teria, durante estes anos que nos separam
do Maio de 68, ido a Portugal dezenas de vezes, uma no verão e
outra na Páscoa de cada ano, pelo menos, e conheceria o Castelo
de São Jorge e as ruelas estreitas e íngremes do bairro onde nasci, e
toda a história, arquitetura e geografia de Portugal tão bem como eu.
Não foi a Portugal mas foi à Turquia, foi à Grécia, adorou Malta, e foi
à Polónia, ao Paquistão e até a Goa, ver se aquilo se tinha realmente
transformado na terra prometida dos hippies, como constava. Mas
que eu saiba, nunca foi de facto a Portugal, o que, se quer que lhe
diga, fez você muito bem: essa inesperada lacuna numa professora
de Geografia e numa mulher tão amiga de viajar talvez lhe tivesse
sido benéfica ao conservar-lhe intacta a boa imagem que, pelos vistos
e apesar de tudo, conserva ainda do meu país, impressão que lhe
ficou pela forma magnífica como fizémos a Revolução de Abril.
A Revolução de Abril foi um hino à liberdade? Diz bem, um
hino à liberdade e à vida, à poesia da vida sem polícia política nem di-
tadura. A Revolução dos Cravos, que maravilha! Quando me exaspe-
ro com os meus compatriotas mais lerdos busco sempre na memória
esse admirável evento e a forma sublime como ensinámos ao mundo
a técnica de fazer uma revolução moderna a preceito, sem guilho-

107
tina, sem execuções, quase sem violência, ainda que com algumas
prisões e vários exílios. Se visitasse o meu país, antes do 25 de Abril,
você deixaria de me admirar o garbo, não há quadro que resista a um
caixilho barato, e desculpe a imodéstia do belo perfil, mas não, não
é vaidade idiota, é simples ironia.
Dizia-lhe eu que quando, uns anos antes do famoso Abril, no
outono de 1968, você me perguntou por que tinha fugido de Por-
tugal, eu respondi-lhe, sério para variar, que detestava buracos, e
Portugal era isso, um buraco sujo com cheiro a creolina. As pessoas
moviam-se numa lentidão exasperante, com uma espécie de falta
de ar ou de vontade de o respirar. As crianças aprendiam a doutrina
do céu, purgatório ou inferno para quem nesta vida não se portas-
se bem, e Portugal era grande, maior talvez do que a Europa toda
junta, se se reunissem num mesmo mapa as colónias portuguesas
espalhadas por esse mundo vasto. Disse colónias mas chamavam-
-se províncias, lapsus lingua e perdoável a quem conviveu durante
tantos anos com jóias linguísticas desse quilate. A alienação foi tão
grande que até a língua se me dobrou ao pronunciar palavra tão feia.
Colónia, que horror. Éramos tão grandes como dois ou três desertos
do Sara, só nos faltava o petróleo. Estava toda a gente morta e os
que detinham o poder fingiam-se apressados e muito ocupados e
estavam sempre em reunião, mania nacional que ainda perdura, mas
há realmente que manter um certo ar de importância. Alguns jovens
deixavam crescer o cabelo para que os vizinhos se rissem alvarmente
e parecessem apenas animais idiotas e não descendentes encartados
dos velhos inquisidores. Eu próprio andei de trunfa durante alguns
anos, mas hoje vejo que isso era apenas o meu velho horror de ir ao
barbeiro. Portugal era de facto um buraco escuro e pestífero com
muito tipo de moscas alimentando-se em toda a espécie de mon-
turos e alguns zângãos ricos que viviam bem, ainda que cheios de
tédio. Metiam-se nos carros de luxo e lá passavam o tempo. Quando
algum deles calcava a rua buzinando claretim sentia-se nitidamente
o cheiro a refogado e a dormidas espapaçadas em noites quentes.

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Porque os zângãos raramente largavam o Mercedes, fazia parte da
pose deles. Aí cozinhavam discursos e mais besuntadelas e do tubo
de escape dos mais bonitos saíam, às vezes, rosas para todos, como
no caso exemplar da Rainha Isabel, que qualquer criança portugue-
sa, por mais inculta, conhece. Os sans-cullotes precipitavam-se então
para apanhar as rosas e, se um ou outro ficava esborrachado nas
rodas das viaturas dos zângãos, isso não tinha importância, significa-
va um sans-culotte a menos, como em tantos países da Africa ainda
hoje, tem toda a razão. Eu dizia que significava uma culotte a menos
para um sans-cullote e tudo vogava às mil maravilhas.
País vendido aos turistas. De dia ainda havia o sol, apregoado
em posters pela Empresa dos Caça-Papa1vos — que o Abril é bonito
em Portugal (tem dias.), e os mortos lá se iam distraindo apanhando
borboletas. Mas à noite, oh, à noite, as casas fechavam-se sobre o
nosso cadáver, as paredes estreitavam-se até ao grito e sentia-se nas
ruas o cheiro das gargantas sufocadas, e por vezes das janelas saía
música, as crianças choravam longamente, os pais sentiam-se pais
até morrerem de pura paternidade, as mulheres abriam as pernas
para se distraírem com os seus homens naqueles dias sem fim nem
princípio, tão iguais como a face eterna do Deus que nos regia im-
placável por cima das nuvens, pintado pelas mãos desses zângãos
de que lhe falei, tão tristes como uma criança solitária sentada nos
degraus duma velha igreja vazia, tão desesperantes como eu estar
para aqui a falar ainda e a frio desse mundo já tão longínquo donde
toda a vida fugira.
Mas agora calo-me porque quero beber esta bica em silêncio,
saborear o meu copo de água vendo lá ao fundo aquela barcaça cheia
de turistas passeando no Sena. Talvez eu descubra a Arte de Cavalgar
Toda a Sela, primeira edição, num daqueles bouquinistes de que você
tanto fala e gosta de ouvir falar, sem que no entanto, segundo diz,
consiga descobrir o que há de importante num livro velho, porque
você mudou, passou a ser despudoradamente cartesiana, anti-saudo-
sista, tão racional como uma lapa movendo-se a horas certas na área

109
restrita da pedra que lhe pertence. Calo-me porque reconheço agora
que, depois desta conversa toda, não lhe disse nada daquilo que era
verdadeiramente importante para mim e que me fazia tanta falta e eu
não podia encontrar em Portugal, como também não encontrei em
França e, mesmo que não me tivesse cansado de viajar, certamente
não encontraria em qualquer parte do mundo, essa coisa importante
e indescritível, ou talvez eu não a conheça exactamente e seja prefe-
rível calar-me. E calo-me porque há em mim uma espécie de pudor
que me levava nessa altura a ocultar dos outros e de mim próprio o
motivo do meu descontentamento e que era a principal razão por
que viajava tanto. Agora calmamente, embora com aquela imprecisão
das palavras humanas, digo-lhe: no fundo eu estava-me nas tintas
para o salazarismo, sempre pensei que, se fosse pobre, assaltaria um
banco ou esfolaria um rico, e que não há regime político que possa
realmente explicar a infelicidade das pessoas. Simples desculpa para a
incapacidade, um regime político. O crime é uma virtude e um valor
nos países em que não haja liberdade. Quer isto dizer que estou a ser
contraditório, que estou prestes a defender um certo terrorismo, que
no fundo sou um revolucionário autêntico como dantes se definia, isto
é, um homem que sabe que um homem não é apenas uma barriga e
uma necessidade de segurança, mas um bem e sobretudo uma neces-
sidade de liberdade sem fim, mesmo que esta seja conquistada graças
ao extermínio das códigos. Mas não pense que para mim justiça é a di-
tada pelos homens. Eu acredito numa justiça que derive do indivíduo,
e que não possa ser coartada pelas leis, acredito na liberdade plena,
seja lá isso o que for. Eu sou um caso perdido, agrada-me dizer, para
compensar que o mundo é demasiado pequeno para o meu feitio, e
desagrada-me até às lágrimas dizer-lhe que toda a vida tenho tentado
lutar contra este instinto de conservação, de adaptação, que faz de
mim — mas eu ainda confio no futuro — um ser bem comportado
excepto quando não posso mais.
Nesse tempo houve um dia em que não pude mais com a prisão
sufocante que era Portugal. Que não tivesse encontrado em França,

110
onde havia uma revolução no ar, mais liberdade ou mais esperança do
que no meu país onde o salazarismo ia aliás morrendo, ao contrário
do seu onde a democracia se tornava uma mulher adulta, é o meu
problema inexplicável, mas isso também não me interessaria agora
explicar-lho, desculpe-me a franqueza.

Mas voltemos ao 25 de Abril, aquilo que ainda hoje mais nos in-
teressa recordar. Ah, o 25 de Abril. Não alterou grandemente a rotina
quotidiana da maioria das pessoas, sobretudo das mais humildes, em-
bora tivesse afetado, e não pouco, as vidas de uma minoria possiden-
te, a que teve de se exilar, por exemplo. Alguns dos meus compatriotas
nem se aperceberam muito das mudanças que aí vinham. Pergunte
a um pastor das montanhas de Trás-os-Montes o que lhe disse o 25
de Abril. Nada, absolutamente nada. E muitos outros houve que não
se dignaram prestar muita atenção aos acontecimentos que
diariamente iam enchendo os jornais com notícias frescas, por vezes
escaldantes: o discurso de demissão do Spínola, a sua fuga posterior,
em Março de 1975, para o Brasil, as sucessivas quedas de ministérios,
a cada vez maior ameaça de subversão de forças demasiado obscu-
ras para que fossem tomadas simplesmente como manifestações de
esquerdas demasiado juvenis, demasiado exaltadas no seu súbito des-
pertar para a liberdade e a vida para poderem ser tomadas a sério
pela maioria prudente e conservadora da Nação. E no entanto, que
festa! Eu estava lá por acaso, semi-clandestino, de qualquer modo
incógnito, para não ser preso como refractário pois, como sabe, no
verão de 1968 escapara-me do serviço militar e viera refugiar-me no
seu belo país, diria mesmo, debaixo das suas saias, e desde aí a minha
vida era um permanente viajar por esse mundo. O 25 de Abril deu-se
no intervalo de uma das minhas dezenas de viagens, numa altura em
que, mais uma vez uma boa amiga, me dera o favor do refúgio da
sua casa e, por assim dizer, do seu seio. Eu estava lá e vi - a frase mais
dramática, solene e repetida que pronunciaram as bocas dos homens
e mulheres meus contemporâneos. E vi desde a primeira hora do pri-

111
meiro dia até que o cansaço e a desilusão me fizeram deixar de ver,
primeiro, e voltar mesmo as costas e ignorar, quando a descrença se
instalou definitivamente.
Formavam-se grupos de curiosos, no Rossio, no Carmo, em fren-
te ao quartel da Guarda Nacional Republicana, um pouco por todo o
lado onde surdiam militares de barba por fazer e cara de quem não
tinha tomado o pequeno almoço, e assistiam meio divertidos, meio
incrédulos ao desfilar ensonado dos pesados tanques pelo empedra-
do das ruas estreitas. Houvera um assomo de golpe anterior, poucos
dias antes, ninguém acreditava em revoluções em Portugal. Se aqueles
militares a fizeram foi, não há que negá-lo, porque estavam fartos de
andar com a casa às costas, da Metrópole para o Ultramar e vice-versa,
fartos de serem corneados pelas mulheres, quando estavam longe de-
las, e o mesmo se diga quando voltavam a estar juntos, que a vida
de guerrilha, sobretudo enquanto se espera ou se está colocado em
centros urbanos, dá para muito tédio e muita aventura, entre jovens,
homens ou mulheres. Havia também a questão das promoções, claro,
miliciano passar à frente de homem do quadro, que desaforo, a isso,
no entanto, obrigava a carência de pessoal formado na Academia Mi-
litar. É o aspecto menos nobre da coisa, mas não se pode escondê-lo,
nada se deve ocultar na História, pois só a verdade é revolucionária,
frase muito repetida na época.
Mais bonito do que o 25 de Abril foi o Io de Maio. Eu contei—
lhe, escrevi—lhe uma longa carta emocionada que terminei em pran-
to, embora nunca lhe revelasse esse pequeno detalhe. Porque em Por-
tugal um homem só chora escondido na retrete e mesmo escondido
tem vergonha dessa fraqueza. O 1º de Maio foi de facto uma grande
festa, e não vale a pena a comparação com a vossa Libération,cada
povo tem os seus Natais incomparáveis. O português tem alguma ten-
dência para a melancolia, e quando a vidinha é inundada por alguma
inesperada e rara alegria não existe espectáculo mais lindo no mundo.
Saí de manhã, ainda céptico com aquela história do golpe dos
militares, mas logo vi que o povo se apossara da rua, apesar dos apelos

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repetidos para que ficasse em casa, e concluí que o movimento era
irreversível. Tive mesmo a ilusão de que o povo pudesse tomar conta
da situação, esquecido de que o povo é apenas um chavão usado
para uso dos caça—moscas, tanto da direita como da esquerda, duas
designações que hoje perderam todo o sentido, quero crer. Mas deixe-
-me recordar-lhe o que lhe escrevi nessa altura, porque aquilo só visto,
a alegria das multidões, a cortesia dos polícias de cravo na lapela, o
júbilo de toda a gente porque julgávamos que tínhamos recuperado a
liberdade, a única palavra deste mundo que ainda hoje me faz supor-
tar todos os inconvenientes e me alegra e me condena à solidão. Eu
acreditei, como muitos, que se tudo corresse bem, em pouco tempo
Portugal saltaria o fosso que o separava dos países mais desenvolvidos
da Europa. Como era ingénuo! Mas quando pensava isso, eu não pen-
sava no fosso económico, pensava no fosso da dignidade, o único fos-
so verdadeiramente importante, porque a pobreza não tem de ser um
defeito, e entre uma criança pobre do Bairro do Castelo e uma criança
rica dos Champs Elisées, talvez seja melhor perguntar-lhes quem é
que foi mais feliz, para ter a certeza. Nada pode superar a alegria dos
convívios e dos jogos na rua quando se é menino saudável, dou-lhe eu
essa achega para o debate.
Mas foi de facto uma Revolução única, feita com uma organi-
zação impecável e como sabe com flores nos canos das espingardas.
Não foi preciso disparar muitos tiros, e aqueles que se dispararam
saíram naturalmente da culatra e foram imediatamente perdoados
e esquecidos. A vontade, a serenidade e autoconfiança das forças
armadas e do povo destruíram em poucas horas a organização apo-
drecida daquilo a que chamávamos, um tanto exageradamente, o
fascismo,que não o era exactamente, sendo contudo suficientemente
mau para não precisar de labéus menos rigorosos, e viram—se minis-
tros a fugir por buracos na parede, Marcelo e Tomás colocados num
avião e enviados para a Madeira, a Pide destruída e quase linchada
pelo Povo. Só visto, realmente. Eu vi e ainda sonho com isso. Eu cho-
rei nas ruas, eu gritei os mais incríveis slogans porque toda a gente

113
os gritava, uma grande alegria inundou—me o peito, e posso—lhe
dizer isto, eu senti, pela primeira e única vez na vida, que agora va-
lia a pena viver, que a vida tinha um sentido. Não era exaltação de
momento, ilusão romântica. Era a descoberta de que o sentido único
da existência de um homem é trabalhar para a colectividade, como
o sabem as formigas, é reconstruir constantemente o mundo. Acre-
ditei que a respiração colectiva era possível e que a vida tinha um
sentido geral. Acreditei no Povo, nesse maravilhoso povo que fazia
uma Revolução distribuindo flores e uma grande, uma enorme sere-
nidade, uma calma impressionantes — como alguém que dormiu o
suficiente e acordou repousado e pronto para o trabalho. Tudo me
parecia modificado naquele país e nada parecia poder voltar atrás.
Ninguém poderia vencer este povo que, pelo menos durante uma
semana, viveu como sobre uma nuvem de júbilo, que conheceu a
liberdade a nascer da casca, que acreditou nela como uma galinha
acredita no seu pinto. Eu conheci essa ideia enorme da liberdade,
e conheci a gentileza do povo mais melancólico da Europa (a frase
les portugais sont toujours gaisé das menos verdadeiras), conheci o
significado da expressão amor do próximo, solidariedade. Engraça-
do como as grandes movimentações de massas trazem agregadas
a si palavras e frases: a mais célebre em Portugal foi o Povo Unido
Jamais Será Vencido, importada talvez do Chile de Salvador Allende,
e como não recordar as russas Perestroika e Glasnost, ou a polaca
Soiidarnoć. Claro que a mais famosa foi a Liberté, Égalité, Fraternité
da vossa famosa revolução, a mãe de todas as revoluções, frase esta
que nos transporta para uma das personagens históricas da nossa
contemporaneidade, o triste, famigerado e infeliz Sadam Hussein,
com a sua célebre saída da Mãe de Todas as Guerras. Liberdade,
gentileza e amor pelo semelhante, eram essas as palavras que baila-
vam em todos os corações. E a Revolução de 25 de Abril de 1974 foi
a primeira revolução hippie do mundo, no que o ideal hippie desses
anos em que eu não perdera de vista a adolescência teve para mim
de fascínio: a liberdade, a inconvenção, o cabelo comprido.

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O pior foi depois, o roubo da alegria pelas habituais monstruo-
sidades. As reuniões estrategicamente controladas para obterem de-
terminados efeitos por indivíduos que se diziam revolucionários mas
eram apenas manipuladores de massas e batoteiros, os discursos ocos,
a argumentação sem fundamentos, o comportamento irresponsável,
a ignorância impante. Como dizia um patrão que eu tive, o mais im-
portante não são as rosas, e a forma improvisada e irresponsável como
foram tomadas decisões de enormes consequências para a economia
e a vida do país tornaram a imagem dos cravos nos canos das espin-
gardas, a banalização dessas adoráveis flores singelas e do seu símbo-
lo insuportáveis aos espíritos mais críticos. A liberdade pode ser uma
masmorra tão odiosa quanto a tirania, quando é abusada. Apenas
no sentido exacto das proporções reside o caminho para melhorar os
humanos destinos, mas nesse tempo a famosa liberdade era apenas
uma música tonitruante e embriagada de ruídos infernais, inundadas
as rádios e as televisões de um parlapatar, um filosofar, um psicologar
entontecido e impune, e viram-se belos seres humanos de cravos na
lapela que tinham desistido da sua independência de juízo, silenciados
pela pressão intolerável de uma opinião sectária que perdera o norte e
o critério. Exalto-me ao recordar o pior desse tempo, tem razão, volte
a cabeça, feche os olhos para não ver a minha máscara de raiva. Mas
deixe-me falar, dizer tudo aquilo que nunca ousei dizer por respei-
to humano e cobardia social ou política. Não faça caso se deliro um
pouco, sempre fui de extremos quando a minha apatia se dissipa. O
homem é e sempre será um ser imprevisível, um ser tecnocratizado,
um ser pantragicado por sucessivos escalonamentos de ideias em devir
permanente. Seja como for, do mal o menos e da combustão a que
fizer menos fumo. Saiba—se viver até ao fim e conserve—se o ar de
quem ainda espera e acredita. Compreendeu este bocadinho? Não.
Tenha paciência. Mas era assim que se discutia e concluía em certos
meios, sobretudo nas esquerdas mais finamente culturais.
Diz você que decerto exagero, e diz bem. Mas tudo aquilo foi
delirante. Houve um período, no verão de 1975, em que possuído

115
do maior proselitismo, eu almoçava às cinco horas da tarde um breve
sanduíche e de longe dizia um adeus subtilíssimo a tudo aquilo que
me afastasse dos meus deveres de alfabetizador público, porque tam-
bém eu, imagine, também eu me metera a revolucionário e educador
das massas. Sempre apressado, cheio da importância da minha nobre
missão, convicto do meu papel, nunca me senti mais orgulhoso e útil.
Compreendia a importância de estar ali. Tanta gente à minha volta,
como podia sentir-me tão sozinho? Eu queixara—me do mundo mor-
to e do choro das crianças com fome, mas que fizera para alterar a
situação? E foi essa a única altura em que pensei em si, no seu entu-
siasmo revolucionário do Maio de 68, e compreendi—a tão bem, olhe,
julgo que a amei verdadeiramente à distância, sem você saber nada
disto, amei a recordação de si como anarquista que fora, já que a rea-
lidade contemporânea da sua pessoa me dizia antes que não passava
de uma burguesa rica bem intencionada como tantas “femmes de
gauche” desse tempo. Sim, como adolescente eu limitara-me a encai-
xotar as fraldas e ala, que aí vai ele, à procura dum raio de sol na água
dum copo e, nesse refrigério, safar-me à tropa e sobretudo à África,
à guerra possível.Tanta inocência, tanta alma junta, tanta lágrima ao
canto do olho, tanta chuva na alma, e tudo por causa do meu umbigo,
da minha autopiedade, tudo por causa de mim, homem só por gosto
e por desgosto, ainda hoje não consigo distinguir, um homem sem
importância e ainda por cima curto de vistas, silenciado pela força dos
exércitos e das polícias, e da sua própria incapacidade para falar. Re-
voltado esbofeteei—me e aproveitei com ambas as mãos a magnífica
revolução que passava.
Era o tempo em que as ruas de Lisboa e de outras cidades se
esvaziavam e um milhão de pessoas que saía para fora, ia simples-
mente de férias de verão. Reinava assim um silêncio que, como todos
os totalitarismos, roçava pelo magnífico. De vozes só o tonitruar de
metralhadoras lá longe na floresta estrangeira. Mas às vezes, no cair
da tarde, quando a alma fica presa à cabeça unicamente por um cor-
del, no silêncio da rua do Madrigal eu ouvia o som dulcíssimo da voz

116
de alguém que já não chama. Era a sua voz, a sua voz que deixara de
me falar. Levada para o ignoto de um casamento há muito anunciado
mas que eu sempre me recusara a acreditar, de tal modo me parecia
o matrimónio incompatível com a sua alma de anarquista convencio-
nal. Na maré confusa da vida, a sua pessoa desligara-se subitamente
da minha existência. Soube-o por um telegrama seu em que havia
três erros de ortografia numa curta frase de menos de dez palavras.
Marriage dimange le sair je pense bises a toi.Desculpo com a pressa
de quem precisa de ir tratar das mil coisas urgentes e graves do ca-
samento o dimange e o sair, será talvez soir, mas ao à de toi nunca
você lhe pôs o acento, estivesse ou não apressada. E aí está como uma
mulher culta uma “femme de gauche” do mais erudito, com diploma
de professora de geografia e tudo, comete destas faltas capazes de
diminuírem a estatura à mais sublime das personagens. Quanto ao
convencionalismo e ao lirismo lusitano de que me acusa,com esse seu
ar de Cassandra irónica, diziam—me as palavras que me ensinaram
ao entendimento que me deram que este meu lirismo lusitano há de
sempre ouvir canções nos locais mais remotos do universo. Mas não
eram canções, nem era lusitanismo essa sua despedida em forma de
luto.Telegrama para mim, como para muitos portugueses, sempre es-
teve associado a anúncio de morte e enterro, embora também pu-
desse ser a aniversário ou a coisa desse jaez. Aquele seu telegrama
representava para mim outra coisa,claro, muito mais confusa e diáfana
e subtil. Mas era também um toque a finados, o toque a silêncio, a
separação definitiva, a ausência para sempre. E era também, vá-se lá
saber porquê, o toque-toque do burrinho duma qualquer aldeia lon-
gínqua, daquela que nunca tive, pois, como sabe, nasci em Lisboa. Era
uma mistura de imagens e ideias de inenarrável solidão. Pela primeira
vez, eu compreendia, e isto no meio de uma ardente revolução cujos
ideais eu comungava com o maior fervor, compreendia que o único
drama que profundamente pode atingir um homem não é a glória ou
a desgraça de um movimento de massas mais ou menos heróico, mas
a grande dor, a autêntica tragédia é uma semi-analfabeta incapaz de

117
escrever dimanche correctamente anunciar a um homem que, a partir
daquela tarde não poderão mais ver-se, tocar-se, insultar-se, porque
haverá sempre pendente sobre as cabeças recíprocas o labéu de uma
palavra em letras garrafais, a palavra TRAIÇÃO. Sim, porque você aca-
bara de me anunciar que me atraiçoara, e me atraiçoara para sempre.
Traíra-me no que mais sagrado eu tinha de mim: a imagem de um ser
estampado a ferrete indelével no seu espírito. Afinal o ferrete indelével
não tinha sequer a consistência de uma casca de banana que se des-
pega do fruto. Bises à toi, que desplante! Amarfanhado embebedei-
-me nessa noite como já não o fazia há muito tempo, uma bebedeira
aparentemente alegre e jocosa no meio de alguns amigos de ocasião
com quem me juntara ao sair para comer camarões e lagostas. E feliz
na minha bebedeira, consegui jamais apagar de mim a sua imagem
de elegante noiva numa igrejinha de França, sem chorar nem morrer.
Apenas alegre de vinho, de uísque, mais tarde, pela noite fora, e de-
pois enjoado, quando em um quarto de hora eu vomitei dez anos da
minha primeira juventude, antes de cair na cama, levado aos ombros
pelos meus camaradas de revolução, que, nem por momentos, soube-
ram ter a seu lado um homem que morrera e parecia feliz.
Você teve a decência de, dois ou três dias depois do telegrama,
me ter escrito uma carta com os pormenores dos preparativos do seu
casamento, e, pasme-se, convidando-me amavelmente para o even-
to. Era um convite implícito para continuarmos amigos, mas naquele
momento eu não podia apreciar devidamente a graça de ter escolhido
uma péniche para o cocktail pós-cerimónia. A coisa passaria desperce-
bida se eu não me lembrasse do aperitivo que você me oferecera no
pont soleil da Evasion, numa admirável tarde quente de outubro de
1968, ainda os ecos revolucionários do maio desse ano não se tinham
dissipado inteiramente. Isso marcara o início da nossa relação e você
queria agora frisar que a mesma teria agora de terminar, e com a mes-
ma beleza circundante, a mesma Torre Eiffel a presidir aos nossos des-
tinos, empoleirada lá do alto esguio dos seus ferros, a mesma Notre
Dame a abençoar-nos a solidão em braços distintos, você nos de um

118
simpático jornalista italiano com bigode e patilhas, tão revolucionário
como eu fora nos meus dias, mas mais prático nas relações humanas;
eu cingido nos meus próprios braços, como aliás estive na vida a maior
parte do tempo. Era também, provavelmente, uma homenagem, tal-
vez um pouco cínica, ao meu gosto pelos barcos do Sena, quem o
poderia julgar? A sua mistura de candura, sinceridade, boa vontade
e estupidez roçava por vezes o incrível. Para um espírito liberal como
eu me julgava então, tudo isto podia passar por brincadeiras mais ou
menos afectuosas, mas eu estava apaixonado, e tudo o que não fosse
trazer de volta a sua horrível pessoa me fazia sofrer terrivelmente.
Claro que não fui ao seu casamento, mas no dia do evento pas-
sei o dia e a noite a imaginar-lhe todos os pormenores. Não é que o
desejasse, mas era-me impossível evitar as imagens do que se estaria
passando a uns três mil quilómetros do meu pequeno apartamento
ao Castelo de São Jorge. Vi-a portanto ajoelhar-se nos degraus do
altar de uma pequena e anódina igrejinha algures perto do Sena, jurar
amor eterno ao seu italiano, e depois virem todos, noivos, padrinhos e
convidados num cortejo alegre até ao cais de Javel Bas, junto à ponte
de Mirabeau, onde o Bateau Albatros os esperava para o alegre e in-
formal cocktail.Sempre pensei que, com o seu incrível humor, escolhe-
ria a Péniche L’Equité para a sua despedida de solteira e boa rapariga,
a igualdade sendo um dos seus ícones de “femme de gauche”. Mas
não, teria de ser o Albatros, teria de me mergulhar, nem que fos-
se à distância, no espírito líquido e sagrado, profundamente místico,
do meu poema favorito de Coleridge. Quantas vezes lhe recitara essa
obra-prima da culpa sem remissão e do remorso sem culpa formada,
o poema Rime of the Ancient Mariner, nos poentes alvacentos do só-
tão da Rua Cujas onde, se não tínhamos discutido muito essa tarde,
fazíamos amor, vigiados por uma fresta da clarabóia pelo céu cinzento
desse outono mágico. Perdê-la significou para mim perder para sem-
pre o mundo mágico da adolescência. Foi perder Paris que afinal eu
amava, e todos os seus ícones: a música do belga Jacques Brel e do
bem francês George Brassens, como a da Piaf, naturalmente , da Piaf

119
que no entanto nunca consegui igualar à da nossa Amália Rodrigues
(de novo comparar duas incomparáveis) haveriam de suavizar-lhe a
perda, em instantes de nostalgia mais aguda, mas o brilho do encan-
tamento puro não voltaria mais. Que eu já tivesse idade para ser pai,
guerreiro, marido e revolucionário de barba cerrada e cenho franzido
e duro, quando afinal verificava com horror não passar de um adoles-
cente serôdio era coisa que nunca me afligiu nem envergonhou. Nem
a minha inteligência conseguia decifrar o enigma da sua menoridade,
de modo que caí numa grave e severa melancolia, seguida de uma
verdadeira depressão.
No meu delirium tremens eu até via os cimos das montanhas
que se avistam para os lados de Sintra coloridas de anil e espuma. Eu
via a presença do Adamastor enorme desenhar—se no céu estrangei-
ro que cobria a sua cabeça velada de renda e pensava na água e no
raio de sol que jamais nos banhariam juntos. E compreendi que afinal
o que eu procurava tão ansiosamente no coração duma revolução não
era mais nada senão o placebo para as minhas frustrações de homem
e não era nela nem em nada que não fosse a minha própria vida que
residia o segredo daquilo que eu buscava e que era nem mais nem me-
nos a felicidade impossível.Desiludido com a banalidade das minhas
angústias revolucionárias, entrei em mim mesmo, fechei-me em casa,
cerrei as janelas e deitei—me a dormir profundamente. A Revolução
para mim tinha terminado. Eu era apenas o burguesinho que você
sempre tinha adivinhado em mim, nada tinha de heroico nem revolu-
cionário, uma vez que que para mim a felicidade nunca poderia estar
numa revolução, mas apenas em mim mesmo, se é que alguma vez eu
poderia atingir essa plenitude, se é que alguma vez eu mereceria essa
paz. Seguiram-se meses de mais procura, uma procura febril, mas essa
febre era apenas a ilusão de uma mente doente de amor traído.
Um dia cansado de tanta procura em vão, de tanto ruído de
viaturas inútil, de tanta gente hostil, de tanta casa erguendo—se de-
safiadora para um céu chocho e sem brilho nenhum, subi os dezasseis
andares de um hotel, disposto a dali lançar-me abaixo. O motorista

120
de taxi bem que me avisou da poluição da atmosfera, poluídos an-
dávamos nós e o tempo estava cada vez mais cinza. Meti-me pois no
elevador daquele hotel de luxo, que era enorme e muito frio, e no
espelho lá estava o meu carão medonho olhando tristemente para
mim dizendo-me coisas que já não conseguia ouvir. O que eu via era o
tempo, o tal tempo sem significado, que não anda nem desanda, pre-
so às folhas da minha infância mas desligado pelo acontecer posterior,
pela guerra e pela morte, pela estupidificação consentida e provocada
pelas aulas na universidade (a que assistira de lenço no nariz,que o
cheiro a tédio sufocava, o tempo angélico dos seus suspiros agora
que, em vez de falar a fornico, ou a fornico falando, falando, perdoe-
-me, querida amiga, mas deixe-me que fale fornicando, assim, olhos
nos olhos, presos através do escuro no não sei quê. Obrigado, muito
gentil da sua parte. Não, não costumo lavar-me imediatamente a se-
guir ao coito, detesto a vista das toalhinhas pequenas, prefiro tomar
banho quando me for embora.
Falava-lhe há pouco do meu suicídio frustrado do alto de um
hotel de luxo. Pois ali estava eu, dezasseis andares acima do solo, es-
taca de ossos, sem sangue no abdômen, sem cor no rosto que um
espelho indiferente e frio reflectia por entre as folhas artificiais de um
enorme vaso de magnólias de pano encerado que alguém se lembrara
de colocar numa coluna de ferro verde a um canto do elevador, presu-
mivelmente para decoração dúbia do recinto escurecido, subindo num
maquinismo que um botão pusera em marcha a meu comando. Ía-me
matar porque me voltara a doença da descrença e a horrível depressão
que a acompanha, eu que me perdera de novo, eu a procura vã da
razão para uma existência sem objectivo aparente, eu triste e até com
alguma fome. Maquinalmente as mãos do meu cadáver um pouco
atrasado enfiaram-se nos bolsos das calças do cadáver ambulante em
que me tornara a depressão, desta máscara acinzentada em que me
tinha refugiado, e as mãos tornaram-se dentes afiados que me arra-
nharam a pele com desespero. Eu, o eu que importa, insignificante
no alto daquele prédio gigantesco, ia dar cabo de mim sem nunca ter

121
feito nada, nem sequer um grande pecado, ou mesmo um pequeno
crime, eu inocente e no fundo assustado de tão grande altura e,agora
debruçado no parapeito do terraço, cheio de vertigens. O que eu de-
sejava, compreendi—o então, não era o aniquilamento mas apenas
uma vida com mais horizonte. Não. O que eu deveria fazer era saltar
para a rua, sim, mas não de forma brutal como antecipara, mas de
mansinho, como quem respira. Iria andar de barco no rio, dormir a
sesta à sombra das árvores no campo, ouvir música em todo o lado,
amar todas mulheres possíveis e de preferência ao mesmo tempo para
não perder oportunidades nenhumas, embriagar—me na noite, rir até
partir as cordas vocais, escrever um poema com letras sangrentas, e
sobretudo dormir tanto que, se alguma vez acordasse, tudo estaria
alterado à minha volta. Só assim daria razão do tempo que me fora
destinado, só assim seria justo que o meu coração batesse, só assim
haveria motivo razoável para a angústia perdoável, só assim eu aca-
baria por justificar os meus olhos outrora tão puros de adolescente
ingénuo contemplando as cores maravilhosas dum ocaso sobre o mar.
Enfim, bebamos o nosso chocolate, que há multo arrefece nas
chávenas. Este café-restaurante não se chama então exactamente
Café Du Départ? Há mesmo quem não lhe ponha acentos nenhuns,
como você fez ao à toi do horrível telegrama com que anunciou o seu
primeiro casamento, aquele que se realizou a um dimange. De facto
a tabuleta original e o toldo vermelho o que rezam é um Le Depart
Saint-Michel com muito menos graça do que a minha inocente cor-
ruptela. Não tão inocente como isso? Aí está você, como sempre a
chercher Le midi à catorze heures. Quem não adora a sua velha língua
francesa? Brindo realmente à vossa saúde, à sua e à da nossa querida
França, o país donde veio o pai Henrique, o Conde que deu origem
ao nosso querido Portugal. Que vivam ambos enquanto existem. Mas
faz-se tarde, se ainda quer mostrar-me como preservou devidamente
encaixilhada essa bela fotografia do tanque apinhado de rapaziada
festejando o regresso à alegria da primavera. Enviei-lha juntamente
com um cravo nesse já tão longínquo Abril de 1974. Fico feliz por

122
julgar ter-me reconhecido no moço gadelhudo da camisola amarela
com enormes olheiras. Eu de facto pouco ou nada dormi no dia em
que essa foto foi tirada mas, agora que a analiso com toda a atenção,
verifico que afinal ouve aí uma troca qualquer, pois o rapaz na foto-
grafia não sou eu, nem sequer alguma vez eu vestiria uma camisola
amarela de gola alta em pleno mês de Abril. Desculpe se a desapontei,
mas mais culpa teve você em concluir que só lhe poderia mandar uma
foto se eu nela estivesse. Por quem me julga? Um narcisista? Nada
disso, minha querida amiga. Juro-lhe que o cravo, o cravo, sim, esse é
verdadeiro. Que ternura da sua parte em ter-lhe preservado a corola.
E aqui está, minha amiga, a razão por que me vê deitado de
novo a seu lado, no aniversário desse dia bendito da Revolução dos
Cravos, quarenta e um anos contados dia a dia, quarenta e um anos
em que tudo foi envelhecendo, até nós, até a primavera. Hoje ainda
mais descrente e desiludido do que dantes, mas resignado. E sabe,
descobri que a resignação pode ser também uma espécie de esperan-
ça, uma esperança adulta, rejuvenescida. É pelo menos uma atitude
de maturidade, como compreender que se cresceu e não é mais per-
mitido acreditar no Pai Natal. Todas as revoluções humanas falham,
mas têm que ser feitas.
Espero que o prazer que me deu tenha sido recíproco, queri-
da amiga.

123
A Segunda Guerra Mundial em Viçosa do Ceará
Mário Miranda Filho1

O rádio divulgava notícias alarmantes de que a Alemanha fervia


como um caldeirão, promovia a invasão da Polônia e da Tchecolos-
váquia e em breve as tropas chegariam à França e de lá alcançariam
a África de onde formariam uma cabeça de ponte ao Brasil, à região
Nordeste, por estar mais perto da África.
A princípio o ditador Getúlio Vargas apoiava os Nazi-Fascistas,
o que ficou claro quando deportou para a Alemanha Olga Benário
Prestes, mulher do líder comunista Luiz Carlos Prestes, a qual veio a
falecer num campo de concentração. Como o Brasil não se decidia,
cuja decisão só ocorreria muito tempo depois, com a provocação de
afundamento de navios brasileiros em plena região costeira, por parte
da frota Alemã. Contudo, há historiadores que afirmam que tais afun-
damentos foram promovidos por fragatas americanas, como se ale-
mãs fossem, para forçar o Brasil a entrar na guerra ao lado dos aliados.
Como a União Federal demorou a se decidir, alguns municípios
se adiantaram à decisão da Pátria, numa verdadeira e incontrolável
explosão de patriotismo, como sói acontecer somente nos períodos de
Copa do Mundo de futebol.

Com efeito, na sempre bela e culta Viçosa do Ceará havia


um clima pronunciado de insatisfação com Getúlio Vargas
por sua indecisão e um clima de muito medo do ditador
Hitler. Atendendo aos anseios populares, a Câmara de
Vereadores, em sessão solene, porém agitada e cheia de
entreveros, por deliberação unânime, inclusive com todos
os votos da oposição que em ocasiões anteriores sempre
votava contra qualquer projeto de lei enviado pelo Execu-
tivo, resolveu declarar guerra à Alemanha.

1 Mário Miranda Filho é Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Ceará, exer-
cendo as suas funções em Fortaleza.

124
Não obstante, precederam à declaração de guerra, durante a
discussão da matéria, inflamados discursos com tons nacionalista, re-
gionalista e municipalista, o que chamou a atenção de toda a popula-
ção que queria adentrar o recinto da Câmara sem espaço suficiente,
o que motivou o presidente da casa a exigir a urgente participação da
Guarda Municipal para impor a ordem.
Em um dos muitos pronunciamentos que proferiu, o vereador
Amílcar Sampaio relembrou e enalteceu a glória de Viçosa do Ceará
na Guerra do Paraguai e nos momentos cruciais da Monarquia, na
pessoa de seus filhos ilustres, os generais Tibúrcio e Sampaio, tendo
assegurado, de forma enfática, que a terra dos generais não poderia
calar, ficar impassível diante da política escravocrata e imperialista do
ditador Adolfo Hitler, esquecendo, no frigir dos ovos, que cá no Brasil
vivia-se, igualmente, em um regime ditatorial. Contudo, o edil, depois
de pronunciar o seu discurso desculpou-se da falha junto a alguns
companheiros que reclamaram do seu esquecimento.
Por sua vez o vereador Tarcísio Calado, ilustre representante do
Distrito de Passagem da Onça, famoso por querer aprovar na Câmara
o dia da cachaça, com a intenção de apressar os trabalhos disse de
forma enfática, ao ocupar a tribuna que “não tardará muito, talvez
nem o tempo necessário para que eu finalize meu solene e patriótico
pronunciamento e as tropas de Hitler já terão desembarcado em Ca-
mocim e tomado o rumo de Granja para atingir a bela e verdejante
Viçosa do Ceará, berço de Clovis Beviláqua, em questão de poucas
horas, para nos escravizar a todos e roubar nossas riquezas”. Uma
senhora de meia idade que possuía dois filhos militares, que a tudo
assistia com redobrada atenção, antes de sofrer um desmaio e ser con-
duzida para fora do recinto, “para pegar ar frio”, segundo disse uma
das mulheres que ajudaram a conduzi-la, gritou: “Valha-nos Nossa
Senhora da Conceição, é o fim do mundo!”
Muito afoito, o vereador Chiquinho Nogueira que do mundo só
conhecia Viçosa e Granja e a distância que as separa, por conduzir tro-
pas de burros, antes de assumir a vereança, discorreu que“seria melhor

125
e mais acertado não esperar o inimigo, mas massacrá-lo no seu próprio
território, e para o total êxito da empreitada, o Governo de Viçosa, por
intermédio de seus vários órgãos, formaria e treinaria uma tropa de
elite em curto espaço de tempo. Foi aí que a sessão pegou fogo. O tri-
buno foi aplaudido de pé, efusivamente e a partir de então ocorrera um
verdadeiro pandemônio; ninguém mais se entendia, o povo participava
e interferia nos debates, todo mundo ao mesmo tempo, até que o pre-
sidente da Câmara que então presidia a histórica sessão teve a sensatez
de pedir ordem na casa, sob pena de ordenar a retirada dos recalcitran-
tes. Nesse momento fora reintroduzida no recinto a mãe dos militares
que havia desmaiado, e passou a gritar, repetidas vezes, “guerra não”,
mas logo parou e ficou atenta ao que dizia o presidente da Câmara.
Os trabalhos tiveram prosseguimento e o presidente da Câmara
teve mais uma vez a sensatez de solicitar ao excelentíssimo colega
Chiquinho, que informasse à Câmara e ao povo de Viçosa com que
tropas invadiriam a Alemanha ou como se defenderiam caso Viçosa
fosse invadida. O vereador, que desconhecia quase tudo desse imenso
mundo, nunca tendo ido sequer à Capital do Estado, informou que já
contava como certa na chefia das tropas o brioso e valente Sargento
da Polícia Militar Teodoro Facundo, viçosense ilustre, chefe da invicta
Guarda Municipal, que no seu entender já havia dado demonstrações
inequívocas da sua coragem e bravura, quando efetuou a prisão, usan-
do de sua própria força e disposição,do valentão, forte e alto, ladrão
do cofre da igreja matriz, pelo que por ocasião da prisão do malfeitor,
de que todos tinham medo, fora efusivamente saudado pelo padre,
beatas, comerciantes que se viram a salvo de perigoso marginal “dos
lados de Camocim”, assegurou o orador.
Excelência, fale-nos das tropas, interrompeu o presidente da
mesa, já impaciente.
- Sim, as tropas!!! Secundaram-no algumas pessoa da galeria.
Aqui chegou a hora de colocar o chocalho no gato.
- As tropas, disse o orador, serão formadas por desocupados,
presidiários e filhos de agricultores pobres que se engrandecerão ao

126
retornarem da guerra como heróis. E quando falou em presidiários fez
uma leve pausa e prosseguiu:
- Principalmente ladrões, estupradores, homicidas e prostitutas.
O presidente da Câmara o interrompeu para proferir:
- Dessa forma o nosso município estará muito bem representa-
do!!! Houve risos e gargalhadas gerais.
O vereador Itamar Conde pediu um aparte, o qual lhe fora con-
cedido, ocasião em que assegurou que na Cadeia Pública só havia
cumprindo pena dois presidiários e as prostitutas que existiam “eram
incubadas e poucas” e os agricultores eram a grande maioria da popu-
lação. Desse modo somente os agricultores pegariam em armas. Isso é
injusto; irão servir de bucha de canhão!!!
Ocorreu nesse momento um alvoroço geral. O presidente voltou
a pedir ordem. Uma pessoa do povo, do meio da plateia perguntou
ao presidente se poderia fazer uso da palavra, por breve instante. A
palavra lhe fora concedida.
- Obrigado, senhor presidente. Mas acho que se aprovada a for-
mação das tropas o nosso município ficará marcado, de forma indelé-
vel e eternamente, por promover a violência e o preconceito e a dis-
criminação contra as categorias nomeadas pelo vereador Chiquinho.
- Muito bem, aprovado!!! Gritaram algumas pessoas. Outra
pessoa do povo levantou-se e pediu a palavra. O presidente, sempre o
mais sensato e educado, por força do cargo que ocupava a concedeu
mais uma vez. O rapaz que pediu a palavra era filho de um planta-
dor de amendoim dos lados do Quatiguaba que já tinha concluído
seus estudos secundários em Sobral e tempos depois brilharia como
advogado na Capital. Não era nada mais nada menos que o futuro
Dr.Frutuoso Correia, que assim se expressou naquela oportunidade:
- Senhor presidente. Eu como Viçosense estou disposto a inte-
grar as tropas – no que fora demoradamente aplaudido. E continuou:
Agora eu gostaria de perguntar aos senhores vereadores quais os que
também integrariam as tropas, ou somente irão à guerra os filhos dos
agricultores pobres, para servirem de bucha de canhão?

127
Neste momento ocorreu um silencio perturbador, de causar im-
paciência. Os nobres vereadores se entreolharam e o presidente di-
rigiu o olhar para cada um deles, como querendo ver a resposta no
rosto. Alguns baixaram a cabeça e outros baixaram cabeça e ombro
como a quererem se esconder. O presidente então proferiu: vamos
dar continuidade aos trabalhos ouvindo cada um dos excelentíssimos
senhores vereadores, pois o momento é de desprendimento, de en-
trega do egoísmo e de interesses particulares em favor da Pátria, tão
necessitada do auxílio de todos os seus filhos, independentemente
de classe social, religião, cor, profissão. Inicialmente pergunto ao no-
bre vereador Amílcar Sampaio, bravo filhodo sítio Passagem da Onça,
deste Município, se gostaria de integrar as tropas. Logo se ouviu a
resposta contundente:
- Eu não posso ingressar nas hostes viçosenses porque a minha
mãe está doente e precisa da minha presença e auxílio o dia todo,
tendo dito a mim o seu médico que o seu processo de cura é muito
longo e requer redobrados cuidados. Sinto muito não poder mostrar
ao canalha do Adolfo Hitler do que sou capaz para defender a Pátria
e a Democracia no campo de guerra. Em seguida o presidente fez a
mesma pergunta ao vereador Tarcísio Calado, que respondeu cate-
górico: Não posso porque não tem quem cuide do meu sítio que é o
sustentáculo da família, não podendo ser abandonado assim, de uma
hora para outra.
Vereador Chiquinho Nogueira, por favor, tenha a bondade de se
pronunciar, o senhor que tanto tem se manifestado em defesa da Pátria
e de suas instituições democráticas, desde quando assumiu a vereança.
- Muito agradecido, senhor presidente. Não posso porque sou
arrimo de família.Enfim, todos os vereadores se esquivaram.
A sessão fora encerrada depois de grande alvoroço e confusão
visto que todos os vereadores queriam interferir na redação final da
ata que finalizou com insultos violentíssimos contra a Alemanha e o
ditador Hitler, constando a declaração de guerra à Alemanha, por
parte do Município de Viçosa do Ceará, por intermédio da Câmara

128
de Vereadores, e do povo de Viçosa, constando, ademais, que não
enviaria tropas, por enquanto. Durante o encerramento dos traba-
lhos o Sr. Presidente determinou que fossem extraídas cópias da de-
claração de guerra e enviadas aos órgãos competentes, inclusive ao
Ministério das Relações Exteriores e ao Itamaraty, ou o que os corres-
pondia à época, para as providências legais.
A sessão começou às 09 horas da manhã e terminou às 11
horas da noite, com ligeiro intervalo para almoço. Resta saber se Hi-
tler tomou conhecimento dessa decisão estapafúrdia e o que seria da
ordeira e pacata população de Viçosa do Ceará se o General Romel
invadisse o Brasil por Camocim. Um ébrio contumaz que perambulava
pela praça em frente à Câmara, falava, falseando a voz: se declararem
guerra eu mato ou morro. Ou corro pro mato ou fujo pro morro.
Contudo, devo acrescentar, por dever de Justiça que não só a
Câmara de Vereadores de Viçosa do Ceará declarou guerra à Alema-
nha, neste Ceará bravio. Outras mais seguiram-na no encalço. Ubajara
também o fizera. Ibiapina seguiu o exemplo. O resto é folclore.

129
5ª Parte

Discursos
Linhares Filho, Príncipe dos Poetas Cearenses
Sânzio de Azevedo

Quando, no início de 1966, regressei ao Ceará, após mais de


seis anos em São Paulo, encontrei em Fortaleza vários poetas jovens
que eu não conhecia. Entre eles, estava Linhares Filho, que se tornou
meu amigo.
Em 1968 publicou ele seu livro de estreia, Sumos do Tempo,
com introdução de Braga Montenegro, para mim o maior crítico do
século XX em nossa terra.
Constatando que a poesia de Linhares Filho é feita de concen-
tração e de essência, acrescenta: “Há neste breve livro meia dúzia de
poemas (.) em que o poeta derrama (ou sugere apenas) toda a sua
angústia existencial, o seu desencanto e, ao mesmo tempo, sua afir-
mação nas misteriosas realidades da poesia e do ser.”
Se não me falha a memória, quem falou no lançamento do livro
foi Moreira Campos, contista maior, que destacou as inúmeras conota-
ções presentes no último verso de “Momento 6”, em que o poeta diz:
“e há mais que o simples ser em cada coisa.”
Um dos mais altos pontos desse livro é o poema “A Minha Mãe,
Habitante da Morte”, do qual falarei logo mais. Em Sumos do Tempo
não há nenhum soneto. Mas no segundo livro, Voz das Coisas, de
1979, há onze desse tipo de poema, dos quais destaco o “Soneto
Suplicante” que, antes de editado o livro, incluí na minha Literatura
Cearense, de 1976, por gentileza do autor.
Destaquei nele a busca do Absoluto, não lhe faltando o requinte
da rima composta (Dai-me / andaime) nos tercetos que ora leio:

“Às minhas construções dai prumo e sorte,


do salitre interior livrando-as. Dai-me
escapar ao negror da eterna morte.

133
Elevar-me do pó do contingente
e aos cimos ir do subterrâneo andaime,
tal como girassol que a luz pressente.”

Ao comentar esse livro, Otacílio Colares disse ser o autor “um


dos mais representativos valores das nossas letras e que, sabiamente,
por meio de seus versos sempre altiloquentes, nos faz despertos para
ouvir a inefável voz das coisas”.
Frutos da Noite de Trégua, de 1983, traz um poema que é dos
meus preferidos, o “Soneto dos Quarenta Anos”, em que o autor,
pensando no seu percurso buscando as alturas, diz nos tercetos:

“Penosamente irei sempre subindo,


a perseguir ideal radioso e lindo,
e a enfrentar impiedades e furores.

Até que tu, Hora Suprema, aplaques


meu coração, que descerá aos baques,
mas dando eco triunfal às minhas dores.”

De 1987 é Tempo de Colheita, que abre com um poema de


Artur Eduardo Benevides, intitulado “Soneto ao Poeta Linhares Filho”:

“Em teu vulto de asceta com que passas,


Esquivo e magro, cauteloso e exato,
Encontras transcendência em qualquer fato,
À sombra de teus Tejos e Alcobaças.

Em teu gesto romântico e pacato


Não te perdes em guerras ou negaças.
És sempre o mesmo. E segues pelas praças
Cumprindo, em alto verbo, o teu mandato.
Se versos não fizesses, mesmo assim

134
Um poeta serias. Com tal fim,
Mediterrâneo e luso buscas ser.

Visionário e amante por destino,


Registras em teu Canto peregrino
Os gemidos do mundo a perecer.”

Como que em resposta a esse poema, Linhares Filho, no mesmo


livro, incluiu o “Soneto ao Poeta Artur Eduardo Benevides”, o qual,
depois de celebrar a ânsia de viagens do grande poeta, diz, nos versos
finais dessa composição:

“Fecunda solidão de embarcadiço!


Transformas tua dor em glória e Canto,
pois é com o Belo e o Amor teu compromisso.

Enquanto, ao mar colhendo sal e encanto,


tens um fulgor com que o meu verso atiço,
teu estro humano e lídimo decanto.”

E passo a falar de Andanças e Marinhagens, de 1993, livro que tive


a honra de prefaciar. Dele, muito teria a dizer, mas me contenho e destaco
alguns textos, como o que dá título ao volume, e que se inicia dizendo:

“Contra o amor não puderam tantas águas,


Nem mesmo naufragando-nos em mágoas.”

Fala o poema de muitas viagens, mas quero transcrever quatro


versos ainda da primeira parte:

“Pensavas, bem mais jovem e a cantar,


enquanto te beijava e a tarde vinha,
em construirmos na serra uma casinha
singela, lá bem perto de um pomar.”

135
Anoto, de passagem, um exemplo de intertextualidade, nos dois
últimos versos reproduzidos, pois há alusão a uma valsa brejeira de
Capiba, intitulada “Lá na Serra”, e gravada no selo Continental por
Dilu Melo em 1948, com lançamento no ano seguinte.
Além dos versos para Ceiça, Mônica, Catarina e Isabel (filhas
do poeta e de Mariazinha), quero fazer uma menção especial ao poe-
ma “A Machado de Assis Sesquicentenário”, cujo título seria mudado
para “A Machado de Assis, Morto Vivo”, no livro Itinerário (Quarenta
e Cinco Anos de Poesia), de 2015. A última estrofe diz:

“És trágico, mas és eterno na arte.


Por isso, estou aqui para saudar-te.”

E dizem os dois versos finais:

“Até o dia, afinal, da grande muda!


A Dor dos que ainda ficam te saúda!”

Na referida introdução, digo eu que o último verso desse poema


é um dos mais belos de toda a poesia cearense, e que representa o que
todos nós poderíamos dizer ao grande mestre do pessimismo:

“A Dor dos que ainda ficam te saúda!”

Seja-me perdoada a imodéstia de revelar que Artur Eduardo Be-


nevides, em artigo no jornal Notícias Culturais, citou essa minha opi-
nião, concordando com ela.
Horácio Dídimo, poeta cuja estreia em livro se deu pouco antes da
de Linhares Filho, escreveu vários poemas sobre o autor aqui homena-
geado. Leiamos pelo menos um deles, sobre Andanças e Marinhagens:

“Linhares, poeta irmão,


depois de longas viagens,

136
retira do coração
andanças e marinhagens.

Como a mina traz o ouro,


como o rio faz as margens,
retira do seu tesouro
andanças e marinhagens.

Andanças e mais andanças,


que são tantas as mudanças
passo a passo, noite e dia!

Marinhagens, marinhagens,
que são tantas as paragens
no mistério da poesia!”

Italo Gurgel fez esta observação: “Linhares Filho não descarta a


precisão da forma. (.) Não teme, por exemplo, o desafio do alexandri-
no. Nem renega poemas em moldes fixos, como o soneto.”
Por sua vez, Dimas Macedo, prefaciando Rebuscas e Reencon-
tros, de 1996, sexto livro do poeta, diz: “Nele redescubro, eterna e
rediviva, a partitura existencial e filosófica, a poesia de conotação me-
tafísica e elegíaca e a escritura substancial e palpitante de um dos
nossos maiores escritores.”
Peço licença para uma reminiscência pessoal: quando jovem, em
São Paulo, tive a coragem de mostrar a Guilherme de Almeida os origi-
nais do meu primeiro livro de poemas e, considerando ultrapassado o
verso de doze sílabas, disse-lhe, meio encabulado: “Mestre, há aí dois
sonetos em alexandrinos.” E ele me perguntou: “E o que tem isso?”
Pergunta que para mim foi uma aula de arte poética.
Conto isso porque Rebuscas e Reencontros abriga pelo menos
três sonetos em alexandrinos. Escolho um deles, “Em Vão”, que é
dedicado a Dulce, Miceno e Maria Pia, irmãos do poeta. Transcrevo o
primeiro quarteto e os dois tercetos:

137
“Trago comigo ainda o mugido dos bois.
Andorinhas, porém, levaram a primavera,
e triste aqui fiquei em longa e absorta espera,
sem poder transformar no antes o depois.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Enternece-me o rito antigo do ambiente,


que em meu peito plantou uma rica semente
de alegria e de amor que nunca esquecerei.

Procuro reencontrar-me. Em vão busco uma trilha.


O mesmo já não sou: o meu ser já não brilha
na glória de um alpendre ou junto à velha grei.”

Carlos Augusto Viana, em artigo no Diário do Nordeste, em


dezembro de 1996, dedica um parágrafo a esse soneto “Em Vão”
e, entre outras coisas, observa que o poema, “ligado ao passado,
encontra no alexandrino clássico o ritmo ideal para que o tempo sa-
grado da infância possa, outra vez, ressurgir, acompanhado de seus
mitos e ritos”.
Ainda nesse livro o poeta diz, à sua amada e musa, o soneto
“Bodas de Pérola”, escrito em 1995, em Colônia (ou Köln, como
grafa o autor):

“De pérolas oferto-te um colar,


que são na rota lágrimas vertidas.
Sem as penas não se unem duas vidas,
que por amor decidem navegar.

Ensinou-nos a dor a muito amar


e com esmero sarar nossas feridas.
As horas de prazer vêm mais queridas
na calma, após um proceloso mar.

138
Para a celebração das nossas bodas,
sirvo-te do melhor vinho da Terra
e me serves amêndoa com avelãs.

Proclamo-te a reeleita dentre todas,


pois de ti nosso rumo se descerra,
a surgir do teu corpo nas manhãs.”

Cantos de Fuga e Ancoragem é de 2007, e tem introdução de


Francisco Carvalho que, após afirmar que se utiliza o poeta frequen-
temente “dos pilares da racionalidade, sem deixar, obviamente, de
recorrer aos privilégios da intuição”, acrescenta: “Louvada por figuras
do porte de Carlos Drummond de Andrade, conhecido por sua parci-
mônia nos elogios, Lêdo Ivo, Ivan Junqueira, Gilberto Mendonça Teles
e Abgar Renault, para citar apenas os nomes de maior visibilidade na
galáxia das Letras, a poesia de Linhares Filho, considerada na sua pers-
pectiva geral, impõe-se pela densidade do seu lirismo, pela diversidade
de temática, pela transparência de suas construções estilísticas, pelo
humanismo impregnado de expectativas e de impulsos metafísicos.”
Quando às vezes eu telefonava para a casa de Linhares Filho,
atendia Mariazinha que, ao me cumprimentar para depois chamá-lo,
informava-me estar ele contemplando peixes em um aquário. Daí eu
entender melhor a bela “Elegia ante o Aquário”, desse livro:

“O meu peixe carmesim


de belas barbatanas, longa cauda,
hoje amanheceu morto à flor da água.
Busco e não acho a causa mortis.
Ressinto-me com a sua pouca sorte.
Ainda ontem vinha, aos ziguezagues,
comer de uma ração para o cardume.
Parecia entender os meus cuidados,
que se tornam agora só queixume.
Sem esquecer do humano a fome e a alma ferida,

139
sou homem por também amar
a beleza da vida
como a de um peixe assim.
A morte do meu peixe carmesim
mais do que a indesejável falta dele
dá-me saudades de mim.”

A sensibilidade do poeta com relação ao sofrimento de outrem


já se havia expressado, entre outras vezes, como no livro Tempo de
Colheita, de 1987, no “Romanceiro de um Morto Vivo”, sete poemas
sobre a tragédia que vitimou Tancredo Neves. Cada vez mais fala o
poeta do passar do tempo, e em 2010 lança No Limiar do Inverno,
sobre o qual constatou Pedro Paulo Montenegro: “O poeta vive numa
perspectiva mística, teocêntrica, dominada pela ideia e presença de
Deus e do Amor.”
Para confirmar essa observação do crítico, basta ler os primeiros
versos da “Prece pela Poesia”:

“A Poesia não é Deus, mas Deus é poesia,


porque é a suprema Beleza,
a suprema Elevação,
o Libertador de toda comoção
e o Criador de toda a Natureza.”

Nos anos 90 escreveu Artur Eduardo Benevides: “De Sumos do


Tempo, de 1968, até agora, Linhares Filho consolidou, definitivamen-
te, o prestígio de seu nome na Poesia Cearense, com obras de muita
expressividade linguística e domínio arquitetônico do verso, nas for-
mas fixas ou livres, e em metros longos ou curtos, isométricos ou hete-
rométricos. ”Continua o tempo em seu caminhar eterno e, em 2013,
dá-nos o poeta Junto à Lareira Invisível, que abre com os “Momentos
Impressivos da Terra Santa”.
Para Vera Moraes, o livro, que traz meditações sobre religião e
humanidade, é um “mergulho visceral em indagações sobre origem

140
e conhecimento, recusa da alienação provocada pela massificação da
vida cotidiana, indicando firme desejo de desvendamento de um pro-
cesso de busca e de apreensão do Ser”, cuja totalidade, segundo ela,
“jamais se revelará a nós, em sua plenitude”.
Ao longo de seus livros, o poeta celebrou escritores vivos e mortos.
A lista contém muitos nomes, mas sempre cito Machado de Assis, Castro
Alves, Bilac, Cruz e Sousa, Jáder de Carvalho, Antônio Girão Barroso,
Mário Quintana, Augusto Frederico Schmidt, Vinícius de Moraes, Miguel
Torga, Martins Filho, Artur Eduardo Benevides, Moreira Campos, Otacílio
Colares, Drummond, Braga Montenegro, Lêdo Ivo, Gilberto Mendon-
ça Teles, Ivan Junqueira, Dias da Silva, Dimas Macedo, Carlos Augusto
Viana, Barros Pinho, José Alves Fernandes, Horácio Dídimo, Pedro Paulo
Montenegro e entre outros o pintor e poeta Otacílio de Azevedo, o que
me comoveu. É tão grande porém a generosidade de Linhares Filho que
encontrou meios de homenagear em verso o menor dos companheiros,
este eterno aprendiz das Letras que neste momento vos fala.
Drummond escreveu: “Tempo de Colheita está aqui, a fazer-me
companhia poética. Que belo poema (para citar um entre tantos ou-
tros) ‘O Trajeto da Criação’.”
Esse poema, destacado pelo autor de Boitempo, termina com
estes belos versos:

“Das trevas todo em luz e só deleite e mel,


ou só denúncia e ardor, revoo e encanto,
surge aquele que é um teorema,
para que o mundo se recrie e se complete:
-- com a manhã, das mãos aflitas do poeta,
nasce o Poema.”

Prometi que falaria ainda de “A Minha Mãe, Habitante da Mor-


te”, e faço-o, reproduzindo um trecho do discurso com que Moreira
Campos se dirigiu ao poeta, quando o saudou em seu ingresso em
nossa Academia.

141
D. Zezé, esposa do contista maior, havia sido aluna de pintura
de D. Maria da Conceição Esteves Linhares, mãe do poeta, e aprovei-
to o ensejo para ler justamente a parte do discurso em que Moreira
Campos fala do poema, dirigindo-se ao autor usando o tratamento
acadêmico:
“É precisamente a essa mãe privilegiada que dedicastes um dos
vossos mais belos poemas, pela essência e pelo valor dos símbolos,
trabalho inserto no livro Sumos do Tempo, sob o título ‘A Minha Mãe,
Habitante da Morte’, cuja leitura me permito, pelo menos em alguns
trechos”. E transcreve estes versos:

“Tua branca rede já não se arma


para a sesta. Todavia, guardo,
com o ranger longínquo dos armadores,
a placidez do teu sono,
a entreter o meu sonho.

. . . . . . . . . . . . . . .

Teus pincéis dormem


com a resignação de pincéis.
Minha alma imperfeita,
a despeito de teres sido
artista perfeita, pede, todo dia,
os últimos retoques.
Santa e elmo,
no navio em que eu encontrar borrasca,
os teus olhos serão santelmo.
No silêncio noturno não se ouvem mais
os passos cautelosos com que fechavas
a janela que dá para a rua,
no entanto percebo,
na lã escura da noite,
o abrigo do teu xale.”

142
Diz ainda o contista: “Alcançastes pela elegia particular o uni-
versal, que é a grande lição da arte: é que aí estão eternizadas todas
as grandes mães”, conclui.
Ao comentar esse poema na minha Literatura Cearense, há exa-
tos 40 anos, lembrei que o poeta se serve de dois vocábulos diferentes,
“santa” e “elmo”, para evocá-los dentro de um terceiro, “santelmo”,
num artifício de verdadeiro artista.
Antônio Girão Barroso sentenciou: “pode-se dizer (.) que Linha-
res Filho é um dos nossos melhores poetas, ocupando por esse e por
outros motivos uma posição de destaque na literatura cearense”.
E José Alcides Pinto disse ser ele “Um dos mais autênticos inte-
lectuais de sua geração”. E acrescentou: “Sua obra fala por si mesma,
por sua expressividade, seus valores estéticos.”
Para Edigar de Alencar, “Seu Tempo de Colheita (belo título)
impressiona pelo alto e harmonioso nível poético. Uniforme na alta
dimensão que você lhe deu de ponta a ponta.”
Caetano Ximenes Aragão escreveu: “Sua poesia, como um rio
de águas benfazejas, chega até nós e nos basta.”
Alves de Aquino celebra a obra do poeta na “Décima para Li-
nhares Filho”, que diz: “Na rebusca de alinhares / O canto à noite de
trégua, / Itinerário de léguas / De invernos e limiares / Notícias: quem,
Linhares, / Para remexer o húmus / Do tempo com seus desrumos?/
Quem antes, durante, após / Ouve das coisas a voz?/ Tu, só, e teu
Verbo: Sumos.”
No citado livro Junto à Lareira Invisível, há um poema em versos
octossílabos, no qual o autor fala de Lavras da Mangabeira, sua cidade
natal. Dedicado aos escritores Dias da Silva e Batista de Lima, intitula-
-se “Falta de Lavras”:

“Lavras, eu te busco incessante


entre os confins da longa ausência,
com a fidelidade de amante
e a inquietação de minha essência.

143
Revisitando-te em meu sonho,
passeio pelas tuas ruas,
miro-te o céu, piso o teu solo
como quem, ansioso e tristonho,
quer ressentir delícias tuas
e reencontrar antigo colo.
As amenidades de outrora
ficaram, represas, contigo.
Dá-me, ao menos, de minha aurora
Os reflexos que não consigo.”

Caio Porfírio Carneiro, cearense radicado em São Paulo, disse ao


poeta: “Você não se vale de metáforas no verso, o todo metafórico
exsurge, por inteiro, no todo do poema, de qualquer dos seus poemas
tomados ao acaso.”
Edmílson Caminha, cearense de Brasília, afirma: “De Sumos do
Tempo aos Novos Poemas, a coletânea nos dá a conhecer a bela tra-
jetória do poeta que não se apaga ante o ilustre professor, o brilhante
ensaísta e o arguto crítico que se encontram em Linhares Filho.”
Depois de se referir aos 50 Poemas Escolhidos pelo Autor, escre-
veu Anderson Braga Horta: “Os poemas estão mais ou menos no mes-
mo plano – altiplano. Não obstante, eu tomaria por paradigmas maio-
res do poeta o soneto ‘Conquista’ e o poema ‘O Trajeto da Criação.’”
Reproduzo os tercetos de “Conquista”:

“Contemplo do alto a máquina do mundo,


como quem subjugou a onda e o frio,
e do esplendor de tudo já me inundo.

Aporto no limiar do próprio Ser,


fiando altivo à parca um desafio:
faz-se de morte o tempo de viver.”

144
Giselda Medeiros diz ser o poeta “vigoroso e lírico, telúrico e
filosófico, elegante e erudito na exteriorização de sua arte, a qual não
define nem classifica os objetos, os seres, antes os sente, para trans-
formá-los em beleza diante dos nossos olhos”.
E Aíla Sampaio, ao lembrar que No Limiar do Inverno é um can-
to da maturidade, completa: “O próprio título alude a um marco e é
sugestivo de um momento de transição, quando o poeta se assume
homem maduro, senhor de suas emoções; e poeta afinado com seu
instrumento: a palavra e sua expressividade.”
Penso que foi a extensão da obra poética de Linhares Filho que
levou Pedro Henrique Saraiva Leão, num micropoema, a dizer nas pri-
meiras linhas:

“diz-me, poeta, di-lo a mim


por que não murcham
as flores do teu jardim!”

Já falei aqui dos Cantos de Fuga e Ancoragem, de 2007, mas


creio não haver feito menção a Notícias de Bordo, do ano anterior, e
que é a seleção de textos de sete livros do poeta. Aludindo à cono-
tação náutica dos títulos desses livros, Jorge Tufic, poeta amazônico
que, para sorte do Ceará, veio radicar-se aqui, dá parabéns a Linhares
Filho “por mais essa grande viagem da palavra que se faz barco, e do
barco que tanto serve para singrar as águas revoltas, quanto a doce
tranquilidade das antemanhãs de sonhos e descobertas”.
E justamente tratando de Notícias de Bordo Noemi Elisa Aderal-
do constatou: “Os poemas todos são de grande qualidade, tanto em
forma quanto em conteúdo, mas o que neles logo e sobretudo chama
a atenção é o requinte artesanal de sua estrutura vérsica, que lhes
confere atraente perfeição formal.”
Para Iranildo Sampaio, “Linhares Filho é um investigador paciente da
grande poesia. Um poeta autêntico, em cujos versos os mitos se confinam.”

145
Sobre Itinerário, Gilberto Mendonça Teles disse tratar-se de um
“livro que não só enriquece a literatura cearense, como também dá
dignidade ao trabalho intelectual de Linhares Filho e conecta a poesia
do Ceará ao melhor da poesia brasileira e da latino-americana”.
Escreveu Adriano Espínola: “Linhares Filho retoma a dicção gra-
ve da geração de 45. Quero dizer com isso que o poeta encara com a
maior seriedade os graves problemas do homem, em termos existen-
ciais, sociais e metafísicos.”
Dirigindo-se ao poeta, Angela Gutiérrez diz: “Você me fez mer-
gulhar em mares e rios de belas palavras, ao enviar-me (.) seus dois
livros de poesia: Cantos de fuga e ancoragem e o sumo dos sumos,
Notícias de bordo.”
Em longo artigo no Diário do Nordeste, Lourdinha Leite Barbosa
assinala, entre outras coisas: “Em inúmeros poemas de Linhares Filho,
eu lírico, vida e mundo se interligam num emaranhado cujos limites
se esfumam. A causa disso não é somenteo uso da primeira pessoa
do discurso, é toda a expressão poética: vida e palavras pulsando em
uníssono.”
Segundo Pedro Lyra, “a poesia de Linhares Filho guarda, ao nível
da expressão, o equilíbrio estilístico que o identifica: um poeta tribu-
tário da tradição do nosso lirismo, seduzido pelo prestígio do eterno e
beneficiado por um firme domínio da linguagem”.
Dias da Silva escreveu: “Itinerário é um caminho que vai dar no
universal. Mesmo nos momentos mais reservados e confessionais (há
sempre uma zona de privacidade em cada ser humano) há sempre o
sentimento do mundo e do todo. A dor toda do mundo. Lembran-
ça de todo mundo. Tons religiosos de todos. Angústia existencial do
mundo inteiro.”
“Andanças e Marinhagens é título precioso de um livro de poe-
mas preciosos, que li de uma só vez”, escreveu Abgar Renault.
E o saudoso Nilto Maciel disse ao poeta: “seus melhores mo-
mentos, para mim, são aqueles em que você se volta para o ser em si,
o existencial, o mais profundo do ser”.

146
Nunca esquecerei meus encontros com Linhares Filho quando,
dos anos 70 para os anos 80 do século passado, cursamos nosso Dou-
torado em Letras na UFRJ, ele, em Literatura Portuguesa, sendo sua
orientadora acadêmica a professora Cleonice Berardinelli, e eu, em
Literatura Brasileira, sob a orientação do professor Afrânio Coutinho.
“Por fim, quem é Linhares Filho?” Foi esta a pergunta com que
Rodrigo Marques encerrou a entrevista que fez com o poeta, e que
está nas páginas finais de Cantos de Fuga e Ancoragem. E esta é a
resposta de Linhares Filho:
“Embora sem prejuízo da suprarrealidade, mas considerando que
minha poesia é bastante confessional, minha biografia coincide muito
com o eu lírico que se apresenta em meus versos. Escolheria o ‘Poema
algo cômico de minha essência’ para através dele dizer quem eu sou.
Ali está o homem laborioso, sonhador, detentor de alguns equívocos,
ansioso do sublime, consciente de sua pequenez, integrado na dor hu-
mana, fiel à crença religiosa, celebrador da vida, enfim o que pode dizer:

‘Sou, sobretudo, o que compõe sonatas


de luz e cores, com as notas do tempo,
para deleite da vida e alívio do mundo.
O que persegue, pelo espaço, a cada metro,
emoções para o filtro do poema.’”

Vai longa a minha fala, mas peço licença ainda para dizer pelo
menos os tercetos do belo soneto “Bodas de Ouro”, em que o poeta
fala a Mariazinha:

“Ganhamos dons de luz: nossos netos e filhas,


os quais, com o conviver de doces maravilhas,
consolo nos darão ao fim do entardecer.

E uma ideia feliz nos empolga e persuade:


ficarmos, ainda, em Deus juntos, na eternidade,
para realização cabal do nosso ser.”

147
E nesse momento, em que Linhares Filho assume o Principado
da Poesia Cearense, é justo que seja lido o soneto com que ele se
despediu daquele que foi seu antecessor. Leiamos “Despedida a Artur
Eduardo Benevides”:

“Poeta maior, a dor nos avassala


ante o teu corpo pálido, sem vida.
Do fraterno convívio em nós se instala
a lembrança ao limiar da despedida.

Sinto, porém, que o mar, que não se cala,


e que te foi canção mui preferida,
embalará, assim como ora o embala,
teu sono, mesmo após tua partida.

Príncipe, pois criador lúcido e forte,


ostentarás a marca, que não some,
da predestinação de poeta exata.

Cantaste tanto o Amor que, em frente à morte,


teus versos hão de repetir teu nome
como o de seresteiro em serenata.”

E, para encerrar a minha fala, repetirei as palavras que um dia


pronunciei no Curso de Letras da Universidade Federal do Ceará:
“Linhares Filho é um desses artistas verdadeiros, um poeta no
sentido mais nobre do termo. A poesia se faz com palavras, já o lem-
brou Mallarmé na anedota famosa, e Linhares Filho é dos que co-
nhecem os sortilégios da linguagem, os segredos da arte de erguer
universos com a constelação dos signos. Em suma, ele é poeta, senhor
do verbo e do verso, pastor de metáforas e recriador do mundo.”

148
Agradecimento pelo Título de Luz
Linhares Filho

Magnífico receber a unção da honraria, que com generosidade


me conferis, justamente neste evento celebrativo dos 122 anos do
nosso sodalício, renovado em suas produções intelectuais e sobretudo
em sua estrutura física pela operosidade de um Presidente, que o re-
vestiu de opulentas formas de beleza, valorizando a tradição que vibra
sob aquele teto e dignificando tudo o que em nome das Letras e da
Ciência, da Arte e da Cultura se efetua ali.
Dois grandes poetas, Batista de Lima e Dimas Carvalho, comete-
ram, há alguns meses, surpreendentemente, a simpática maldade de
propor, numa concorrida reunião da Academia de Letras e Artes do
Nordeste, os nomes de dois amigos e companheiros de grupo literá-
rio, o do poeta-irmão Horácio Dídimo e o meu, como candidatos ao
título de Príncipe dos Poetas Cearenses para sucessão do poeta maior
Artur Eduardo Benevides. Aceitamos o desafio ou aventura, mas sem
intenção de digladiar-nos, haja vista a promessa que fizemos de cada
um votar no outro para a eleição do agraciado.
A Academia Cearense de Letras, a que ambos pertencemos, aco-
lheu a ideia dos proponentes, e o seu dinâmico Presidente, o escritor e
bibliófilo José Augusto Bezerra, na reunião do dia 24 de junho, entendeu,
sabiamente, que o consenso, na apresentação de um só candidato, é que
seria recomendável para a instituição representativa da intelectualidade
cearense. O meu amor à Poesia não me animou ao desapego a mim mes-
mo, e entreguei-me à decisão judicatória dos confrades presentes, que
se declararam incapazes de uma escolha daquele teor entre dois colegas.
Sem deixar de amar a Poesia, mas cheio de um exemplar e cris-
tão altruísmo, o poeta Horácio Dídimo renunciou à competição. Diante
disso, deu-se, sob a regência do Presidente, a generosa aclamação ao
meu nome para detentor do título que me banha de luz e que recebo,
afinal, humildemente, mas como um reconhecimento ao meu esforço
de trabalhador intelectual e à minha diuturna dedicação à Poesia.

149
E o Magnificat de minha alma agradecida e enlevada quero can-
tar, valendo-me dos criativos versos do poema “sol”, de Horácio Dí-
dimo, numa prova de fraternal apreço e real admiração ao poeta: um
sol maior/ sorriu de leve/ no meu enfim// mais do que nunca / mil vezes
mil/ sinto que sim// festejemos/ eu festejemos/ eu somos dois// morreu
o antes/ e agora é verde/ como um depois
Naturalmente, esse dois em um, conforme a sugestão dos ver-
sos, desejo que aluda, no meu caso, a mim e à Musa Mariazinha, que,
além de inspirar-me e doar-se de modo absoluto a este seu amador, foi
a principal entusiasta da ideia de atribuir-se o título em foco ao seu po-
eta. Seguiram a Mãe no entusiasmo as filhas, que aqui se encontram,
aplaudindo-me com os meus netos e os meus genros: Ceiça, Mônica,
Catarina e Isabel.
A vossa benevolência, meus confrades e confreiras, representan-
do a da intelectualidade da Terra alencarina, inseriu-me, de maneira
definitiva, entre os poetas, consagrando-me como um desses. Poeta -,
(já que assim acho que nasci), eis o título que busquei desde o convívio
com os livros da biblioteca de meu Pai, sob a orientação dele e o apoio
de minha Mãe, no limiar da adolescência, em Lavras da Mangabeira,
passando depois pelo incentivo sério e lacônico do meu professor de
Português no Seminário São José do Crato, Mons. Pedro Rocha de
Oliveira, diante das redações que eu lhe apresentava, e que recebiam,
invariavelmente, a nota máxima. É que eu vinha alicerçando, com o
domínio da langue (língua), a conquista da parole (linguagem da cria-
ção). Todavia nunca pensei na nobreza que me adicionais ao título de
poeta, fazendo-me iludir-me com a presunção de não ser um simples
cultor da Poesia.
Quero dizer-vos que vossa é que é a verdadeira nobreza, a par-
tir do gesto desprendido do amigo-irmão Horácio Dídimo, e nunca
ambicionei um alcândor literário superior ao do embevecimento da
estesia ou da libertação e fascínio próprios da catarse poética. Vós,
porém, em vossa generosidade fraterna, me ofereceis muito mais: a
inserção histórica do meu nome numa sucessão iluminada de glória,

150
que se compõe destes que são, sim, incontestavelmente, os Príncipes
da Poesia Cearense: Pe. Antônio Tomás, Cruz Filho, Jáder de Carvalho
e Artur Eduardo Benevides.
Celebrei em versos a personalidade e a poesia de três desses
autores, e recebi do último, pelos meus poemas, as mais elogiosas
opiniões críticas. Por ser Benevides, no meu entender, um dos maiores
poetas brasileiros de todos os tempos, não será substituído, apenas
sucedido por quem vos fala. Dediquei-lhe quatro metapoemas, focali-
zando-lhe a poesia e a figura humana de cantor do mar, das viagens,
da solidão, da morte, do sentimento telúrico, das coisas belas e su-
blimes da vida, sobretudo do amor, sob cujas bênçãos foi um eterno
seresteiro. E propus ao Departamento de Literatura da Universidade
Federal do Ceará a indicação do seu nome para Professor Emérito,
título pelo qual o saudei em memorável solenidade, após haver sido
ali seu enlevado aluno.
A Terra da Luz pode gloriar-se de ser uma produtora extraordi-
nária de poetas e poetisas, que o confirme a reveladora pesquisa de
José Murilo Martins, intitulada Poetas da Academia Cearense de Letras
(1894-2009), livro pelo qual se conclui que muitos cultores da Poesia,
no passado e no presente, mereceram ou merecem a honraria que
o vosso favor me atribui. E não devemos desprezar poetas não per-
tencentes à Academia, como não podemos deixar de lembrar, nesta
ocasião, o luminoso nome de nossa colega Giselda Medeiros, deten-
tora do merecido título de Princesa da Poesia Cearense. A ela, minha
homenagem.
Quantos poetas possuem, atualmente, no Ceará, em verdade,
pela sua obra, perfil principesco como estes, que já partiram: José Al-
bano, Francisco Carvalho, Filgueiras Lima, Carlos Gondim, Antônio Sa-
les, Otacílio de Azevedo, Júlio Maciel, Mário Linhares, Otacílio Colares,
Antônio Girão Barroso, Gerardo Melo Mourão!
Meus colegas, escolhestes acertadamente o representante vos-
so para saudar-me, de modo consabido, o maior crítico e historiador
da Literatura Cearense, com repercussão nacional, o grande poeta,

151
ensaísta e esticólogo Sânzio de Azevedo. Não só por seus méritos,
por mim exaltados em prosa e verso, mas ainda pela amizade fraterna
que nos aproxima há muito tempo, acertastes na escolha do ilustre
acadêmico como vosso representante. A ele fico eternamente grato
pelo autorizado pronunciamento, apesar de generoso, sobre minha
poesia, depois dos que sobre esta escreveu.
Muitos amigos integrantes de nossa Academia e de outras insti-
tuições hipotecaram-me seu apoio antes da reunião acadêmica do dia
24 de junho, aos quais agradeço comovido.
A Deus, que não se cansa de iluminar-me com o seu Espírito e
de valer-me com a sua misericórdia, agradeço profundamente, por
proporcionar-me a ajuda de eu me sentir, com a presente láurea, mais
motivado a viver a existência que me concedeu, e peço-lhe que me
faça sempre colocar o transcendente acima das coisas passageiras des-
te mundo como o próprio recebimento da honraria em estima.
Ao Presidente José Augusto Bezerra, grande tirocínio de admi-
nistrador, meu admirativo respeito pela isenção, correção e sabedoria
na condução do processo, que me outorga o elevado título que rece-
bo. A ele, também, o meu cordialíssimo reconhe- cimento, bem como
a vós todos, que viestes cumprimentar-me.
Minha fervorosa gratidão ao confrade Mons. Manfredo Ramos
pelo presente de valor infinito que me ofereceu, junto a palavras co-
moventes, uma Santa Missa gratulatória, e agradeço com admiração
a homenagem que me prestou o confrade Cid Carvalho, aproximando
dos meus os seus objetivos culturais, adotados há anos, e que remon-
tam à nossa juventude de liceístas.
Confesso-me penhorado ainda com a acolhida do Ideal Clube,
o qual se representa pelas pessoas do ilustre Presidente Amarílio Ca-
valcante e do Diretor Cultural, o dileto amigo e grande poeta Carlos
Augusto Viana, sucessor do saudoso poeta José Telles.
Tenho consciência da responsabilidade, que me pesa aos om-
bros, diante do que me ofertais em nome da intelectualidade cearen-
se, e sinto mesmo que em nome da própria Terra de Sol e Mar. Cons-

152
cientizo também, como machadiano, a possibilidade de pessoas e
setores visualizarem como ridícula a obtenção do título em causa, mas
confio muito mais, romanticamente, na sinceridade dos sentimentos
fraternos dos meus confrades. Certo é que, em matéria de poesia, se
minha mente inclina-se mais para uma atitude realista, a alma e o co-
ração buscam uma posição mais neorromântica e/ou neossimbolista,
seguindo eu, assim, a intelectualização da sensação de um Fernando
Pessoa, que escreveu: O que em mim sente ‘stá pensando.
Procurarei esforçar-me para dignificar, cada vez mais, a comen-
da de que agora sou detentor. Espero que a Poesia jamais me aban-
done com as qualidades com que a entendo -, o belo, o elevado, o
comovente e o criativo, enquanto desejo ser sempre fiel a ela dentro
de minha concepção estética de professar um sincretismo de concilia-
ção entre o clássico e o moderno.
Meus amigos, imagino estar aqui, comigo, participando desse
galardão, além da Academia Cearense de Letras, o grupo Sin de Lite-
ratura; comigo, minha Terra natal, Lavras da Mangabeira, com o seu
Boqueirão e o seu Rio Salgado; comigo, o Departamento de Literatura
da UFC; comigo, a Academia de Letras e Artes do Nordeste; comigo,
a Associação dos Ex-alunos do Seminário São José do Crato; comigo,
a Associação Brasileira de Bibliófilos.
Estava em Lisboa, em 1987, quando recebi a notícia de que mi-
nha Terra me concedia, através da Secretaria de Cultura e Desporto, o
Prêmio Estado do Ceará, de Poesia, daquele ano, pela publicação do
meu livro Tempo de Colheita. Emocionado, não me contive e enviei
ao Ceará esta mensagem, sob o título de “Carinho Telúrico”, a qual,
na solenidade de entrega dos prêmios, foi lida por minha filha Ceiça:

Um carinho de mãe com o filho ausente,


o que vem encontrar-me em Portugal.
O cearense calor meu peito sente
e a brisa do distante carnaubal.

153
Acaso minha Terra me pressente
a saudade no solo de Cabral.
Grata a quem lhe ofertou o peito e a mente,
manda-me eterna flor de um seu rosal.

Recolho enternecido a que me veio


refulgente. Ah, Ceará! sempre assisti
à glória e à dor que guardas no teu seio.

Vira-te a turbação quando parti.


Apaziguado quero ver-te e cheio
de luz triunfal, quando me for daqui.

E agora, deixai-me delirar, pressentindo nas faces, como amo-


ráveis beijos poéticos, a brisa do mar de Iracema e a aragem quente
do meu sertão, representantes do prêmio maior e eterno que a Terra
Cearense confere ao filho que tanto a ama.

154
Apresentação do Livro de Contos Cãs, rugas
e amor: rumo a uma cultura de Direitos
Humanos1, de Ruth Villanueva Castilleja
César Barros Leal

Regresso ao mês de agosto do ano de 1998, quando participei


do 12º Congresso internacional de Criminologia, na Coréia do Sul,
e tive o privilégio de conhecer um grupo de intelectuais mexicanos.
Naquele evento falei sobre o sistema penitenciário brasileiro, numa
sessão que versava os Direitos Humanos e a Justiça Criminal na Amé-
rica Latina. Ao final da exposição, recebi um convite irrecusável do
professor universitário Jesús Cureces Ríos para proferir uma palestra,
no ano seguinte, no II Congresso Nacional de Segurança Pública e Cri-
minologia, promovido pela Cetys Universidade, em Tijuana, na Baixa
Califórnia, uma bela cidade, localizada na fronteira do México com os
Estados Unidos, confinando com San Diego e pouco valorizada pelos
que se restringem a visitar sua cinzenta zona comercial.
O que não sabia - e vim a percebê-lo mais adiante - é que
o ilustre criminólogo Jesús Cureces Ríos convidara para participar do
evento quase todos os conferencistas mexicanos que haviam compa-
recido a Seul. Foi, pois, um inesperado e precioso reencontro, que
evoco com emoção e saudade e que constituiu para mim um divisor
de águas. A partir daquele Congresso, há quase uma década, minha
vida se enriqueceu com uma sucessão de fatos que a marcariam de
modo definitivo e convergiriam para uma direção: México, fascinante
país que se converteu em minha segunda pátria, aonde retornaria de-
zenas de vezes e no qual publicaria livros e faria meu doutorado e pós-
-doutorado no mais prestigioso centro universitário da América Latina,
a Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM).
Entre os intelectuais com quem convivi em Seul e pude rever
em Tijuana estava a Dra. Ruth Villanueva Castilleja, catedrática da

1 No original: Entre canas, arrugas y amor: rumbo a una cultura de Derechos Humanos.

155
UNAM, integrante da Academia Mexicana de Ciências e do Conselho
Consultivo do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos, de cujas obras,
principalmente na área do direito do menor – terminologia que por lá
ainda se adota –, sempre fora um leitor assíduo. No decurso dos anos
seguintes nossos caminhos voltariam a se cruzar com frequência.
A amizade com a Dra. Ruth se alargou e se consolidou com o
fluir do tempo. Em 2005, convidei-a para uma preleção em Fortaleza
sobre Menores Infratores e Direitos Humanos, no Fórum Permanente
dos Direitos Humanos Prof. Dr. Antonio Augusto Cançado Trindade.
Naquela oportunidade, visitou, com sua filha Magda, a Creche Ama-
deu Barros Leal (http://www.crecheamadeubarrosleal.org.br), que fun-
damos há 15 anos e se destina preferencialmente a filhos de presos.
Hoje, uma das mais festejadas juristas mexicanas, doutora em
Direito e Ciências Penais, Ruth é uma de minhas duas orientado-
ras no pós-doutorado que realizo no Centro de Estudos Latino-
-americanos da Faculdade de Ciências Políticas e Sociais da UNAM.
Em sua companhia tenho visitado, em diferentes regiões de seu
país, centrais de monitoramento eletrônico à distância, tema da
pesquisa que agora desenvolvo. Esses contatos, que me permitiram
conhecê-la melhor e dimensionar a trajetória de sua vida – integral-
mente dedicada à causa da criança desvalida, do adolescente infra-
tor – me fizeram admirá-la ainda mais pela grandeza de sua obra,
que não se circunscreve à profusão de livros e artigos publicados
em revistas especializadas, senão também ao ensino superior, às
conferências proferidas no México e em outros países, à organiza-
ção de congressos anuais, de caráter nacional e internacional, e à
direção de um centro universitário de excelência.
Faço estas digressões com o objetivo de contextualizar nossa
amizade - que encaro com enorme desvanecimento - bem como a
produção intelectual da humanista Ruth Villanueva Castilleja, na qual
se incluem inumeráveis livros sobre temas vinculados ao menor, com
ênfase sobre seus direitos constitucionais e a imperiosidade de sua
tutela, de sua proteção integral.

156
De sua obra, vasta e predominantemente jurídica, centro-me em
duas que representam a incursão da versátil autora por outras áreas da
literatura. Refiro-me, em primeiro lugar, ao Teatro Penitenciario, pu-
blicado em 2008 pela Editora Porrúa, e que reúne quatro peças de
inexcedível primor (Pedro; Fuga para três, Liberdade para uma; Sem
Liberdade; e Em Prisão), em cujas páginas se evidencia sua enorme ex-
periência nesta seara, haurida durante o largo período em que dirigiu
uma prisão feminina e exerceu as funções de Diretora de Supervisão
Penitenciaria da Comissão Nacional de Direitos Humanos. O livro - uma
edição melhorada da Pequeña Muestra de Teatro Penitenciario - re-
trata, de modo contundente, sem rebuços, o drama essencialmente
humano das mulheres encarceradas, o que a autora faz como “parte
do processo educativo dentro do sistema presidial”, buscando provo-
car, nos leitores e nos eventuais assistentes de suas apresentações, uma
reflexão sobre o locus iníquo dos seres humanos privados de liberdade,
sujeitos, na cotidianidade do cárcere, a toda sorte de mazelas. Confes-
sando expressamente a influência de Paulo Freire (Pedagogia do Opri-
mido) e Augusto Boal (Teatro do Oprimido), reitera sua proposta de
conscientização dos problemas que afligem os seres humanos, máxime
aqueles que, desfavorecidos da fortuna, considerados cidadãos de se-
gunda categoria, povoam esquecidos e humilhados, o mais das vezes à
espera de julgamento, os subterrâneos da justiça criminal.
A ideia subjacente nas peças - onde o argot tempera a lingua-
gem prisional, o que concede mais realismo e dramaticidade à ence-
nação intramuros, ainda mais porque os personagens costumam ser
interpretados pelas próprias presas -, é a de apresentar comportamen-
tos de desesperança, situações-limite, que ensejam a identificação das
mulheres com o espaço carcerário, permeado de violência, aporias,
inconformismos, sonhos e desilusões.
Poucas pessoas no país de Diego Rivera estão aptas a escrever,
com tanta densidade e verossimilhança, composições teatrais que
se centrem no universo dos cativos, uma ressalva assinalando-se a
seu favor: as peças têm uma proposta intrínseca, tal como anota a

157
própria Ruth em sua apresentação: “propiciar o debate e a reflexão,
promovendo assim a prevenção de condutas antissociais; promover
na população carcerária reconhecimento de situações de risco; criar
situações para a análise de diferentes condutas antissociais e as con-
sequências destas; possibilitar a convivência sob um critério de res-
peito e tolerância”.
A segunda obra é esta que traduzi ao português e agora tenho
o orgulho de apresentar ao público. Sob o título sugestivo Entre cãs,
rugas e amor: rumo a uma cultura de Direitos Humanos (no origi-
nal: Entre canas, arrugas y amor: rumbo a una cultura de Derechos
Humanos), aqui se enfeixam dez contos singelos, sem pretensões de
inovação, cujo pano de fundo é o intento – louvável e característico da
autora – de representar uma ferramenta pedagógica (“um apoio”), di-
rigida ao fomento da educação e da cultura e ancorada no acendrado
respeito aos direitos humanos (particularmente da instituição sagrada
da família, da figura dos pais, do avô, do idoso), a partir dos primeiros
anos de vida, em que se molda a personalidade e se sedimentam os
valores essenciais de cada ser humano e que norteiam toda sua exis-
tência no plano familiar e social.
Altruísmo, confiança, atenção e afeto são algumas das palavras
chaves, que emergem com pujança das páginas de cada um desses
pequeninos e despretensiosos contos, aos quais se segue sempre uma
gama de atividades e interrogações que poderão servir ao educador
como instrumentos capazes de reforçar seu labor educativo, na defini-
ção de valores, direitos e deveres.
Mediante leituras eminentemente vivenciais, no sentido da des-
coberta do novo, do saudável, do lúdico, persegue-se a descoberta
- por parte da criança - de conceitos e noções que lhe assegurem uma
educação de qualidade, uma consciência de seu papel no seio da famí-
lia, da importância de sua atitude em relação ao outro, ao semelhante,
o que vem a ser um ponto de partida e equilíbrio para seu bem-estar.
Emblemática a inclusão, no final, dos dez princípios que com-
põem a Declaração Universal dos Direitos da Criança, a afiançar o pro-

158
pósito da contista de fazer deste opúsculo algo maior do que uma
mera coletânea de contos. Contos que, afinal, breves, concisos, de
enredo enxuto, frases e diálogos curtos, com poucos personagens,
haverão de transmitir uma mensagem educativa a quantas crianças
tenham a chance de lê-los e se entretenham com um gênero que, em
palavras de Maupassant, é muito mais complexo do que o romance
em sua criação.
Um tributo se impõe à Dra. Ruth Villanueva Castilleja por um
gesto magnânimo: a doação parcial dos lucros da venda do presente
livro à Creche Amadeu Barros Leal. Um ato generoso e cativante que
expressa o caráter e a nobreza de quem escolheu como apanágio de
sua vida o ideário da retidão e da solidariedade.
Obrigado, estimada amiga, em nome de centenas de crianças,
carentes de uma mão amiga, que desde sua fundação nos têm inspi-
rado, com seu sorriso, seu crescimento individual, a dar o melhor de
nosso esforço para garantir sua inclusão num mundo que se pretende
seja menos cruel, mais humano, atento à materialização de seus direi-
tos fundamentais.

159
Apresentação da Revista do Instituto Brasileiro
de Direitos Humanos (Ibdh), nº. 15
César Barros Leal *

O Instituto Brasileiro de Direitos Humanos (IBDH) tem a satisfa-


ção de dar a público o décimo-quinto número de sua Revista, instru-
mento pelo qual contribui com periodicidade anual e distribuição gra-
tuita (graças ao respaldo do Banco do Nordeste) ao desenvolvimento
do ensino e da pesquisa na área dos direitos humanos, visando a pro-
movê-los, de forma ampla, mas principalmente na realidade brasileira.
No entendimento do IBDH, o ensino e a pesquisa em direitos humanos
giram em torno de alguns conceitos básicos, devendo-se afirmar, de
início, a própria universalidade dos direitos humanos, inerentes que
são a todos os seres humanos, e consequentemente superiores e ante-
riores ao Estado e a todas as formas de organização política. Por con-
seguinte, as iniciativas para sua promoção e proteção não se esgotam
— não se podem esgotar — na ação do Estado.
Há que destacar, em primeiro plano, a interdependência e indi-
visibilidade dos direitos humanos (civis, políticos, econômicos, sociais
e culturais). Ao propugnar por uma visão necessariamente integral de
todos os direitos humanos, o IBDH adverte para a impossibilidade de
buscar a realização de uma categoria de direitos em detrimento de ou-
tras. Quando se vislumbra o caso brasileiro, dita concepção se impõe
com maior vigor, porquanto desde seus primórdios de sociedade pre-
datória até o acentuar da crise social agravada nos anos mais recentes,
nossa história tem sido até a atualidade marcada pela exclusão, para
largas faixas populacionais, seja dos direitos civis e políticos, em distin-
tos movimentos, seja dos direitos econômicos, sociais e culturais.
A concepção integral de todos os direitos humanos se faz
presente também na dimensão temporal, descartando fantasias
* Em parceria com Antônio Augusto Cançado Trindade.

160
indemonstráveis como a das “gerações de direitos”, que têm
prestado um desserviço à evolução da matéria, ao projetar uma
visão fragmentada ou atomizada no tempo dos direitos protegi-
dos. Todos os direitos para todos é o único caminho seguro. Não
há como postergar para um amanhã indefinido a realização de
determinados direitos humanos.
Para lograr a eficácia das normas de proteção, cumpre partir da
realidade do quotidiano e reconhecer a necessidade da contextuali-
zação dessas normas em cada sociedade humana. Os avanços nesta
área têm-se logrado graças, em grande parte, sobretudo, às pressões
da sociedade civil contra todo tipo de poder arbitrário, somadas ao
diálogo com as instituições públicas. A cada meio social está reservada
uma parcela da obra de construção de uma cultura universal de obser-
vância dos direitos humanos.
Os textos, em vários idiomas, que compõem este décimo-quinto
número da Revista do IBDH, a exemplo das edições anteriores, enfei-
xam uma variedade de tópicos de alta relevância atinentes à temática
dos direitos humanos. O presente número antecede a realização em
Fortaleza do V Curso Brasileiro Interdisciplinar em Direitos Humanos:
Igualdade e não Discriminação, no período de 5 a 14 de setembro de
2016, uma iniciativa conjunta do IBDH e do Instituto Interamericano
de Direitos Humanos (IIDH), contando com a parceria e o apoio de
numerosas instituições.
Este Curso anual, que reúne uma centena de participantes na-
cionais e estrangeiros, representa um divisor de águas na trajetória do
IBDH, abrindo-lhe portas para alianças estratégicas com instituições
públicas e privadas.
No presente domínio de proteção impõem-se maior rigor e pre-
cisão conceituais, de modo a sustentar a vindicação dos direitos hu-
manos em sua totalidade, e a superar o hiato existente entre o ideário
contido na Constituição Federal e nos tratados em que o Brasil é Parte
e nossa realidade social. Essa dicotomia entre “falar e agir” provoca
um considerável desgaste e uma descrença generalizada. Isso é deplo-

161
rável, na medida em que devemos não apenas conhecer nossos direi-
tos, mas também saber defendê-los e exigir sua proteção por parte do
poder público, reduzindo assim o espaço ocupado pela injustiça, pela
violência e pela arbitrariedade.
Proclamações de direitos não são suficientes, como já alerta-
va há décadas o lúcido pensador Jacques Maritain, para quem não
é admissível perverter a função da linguagem, a serviço dos que nos
roubam a fé na efetivação dos direitos humanos, inerentes aos seres
humanos e à sua condição de dignidade. Aos direitos proclamados
se acrescem os meios de implementá-los, inclusive diante das arbitra-
riedades e mentiras dos detentores do poder. Entende o IBDH que o
direito internacional e o direito interno se encontram em constante
interação, em benefício de todos os seres humanos.
Assim sendo, o IBDH persiste em manifestar sua estranheza ante
o fato da não aplicação cabal do art. 5º, § 2º, da Constituição Fede-
ral Brasileira vigente, de 1988, o que acarreta responsabilidade por
omissão. A juízo do IBDH, por força do art. 5º, § 2º, da Carta Magna,
os direitos consagrados nos tratados de direitos humanos em que o
Brasil é Parte se incorporam ao rol dos direitos constitucionalmente
consagrados. Impõe-se tratá-los dessa forma, como preceitua nossa
Constituição, a fim de alcançar uma vida melhor para todos quantos
vivam em nosso país.
Nesse sentido, o IBDH volta a repudiar as alterações introduzi-
das pelo posterior art. 5º, § 3º, da Emenda Constitucional nº 45 (pro-
mulgada em 08.12.2004), o qual revela inteiro desconhecimento da
matéria, na perspectiva do Direito Internacional dos Direitos Humanos,
dando ensejo a todo tipo de incongruências — inclusive em relação a
tratados de direitos humanos anteriores à referida Emenda — ao su-
jeitar o status constitucional de novos tratados de direitos humanos à
forma de aprovação parlamentar dos mesmos. Esta bisonha novidade,
sem precedentes e sem paralelos, leva o IBDH a reafirmar, com ainda
maior veemência, a autossuficiência e autoaplicabilidade do art. 5º, §
2º, da Constituição Federal brasileira.

162
Na mesma linha de pensamento, o IBDH também repudia as
críticas de determinados detentores do poder a decisões de órgãos
internacionais de supervisão dos direitos humanos, pelo simples fato
de serem tais decisões desfavoráveis ao Estado brasileiro. Algumas crí-
ticas, reveladoras de ignorância, chegam ao extremo de proporem re-
presálias a órgãos internacionais que estão cumprindo o seu dever, em
defesa dos justiciáveis. A esse respeito, nunca é demais recordar que
os Estados Partes na Convenção Americana dos Direitos Humanos,
que reconheceram a competência compulsória da Corte Interameri-
cana de Direitos Humanos, assumiram o compromisso de dar plena
execução às Sentenças da Corte Interamericana. Isto se impõe bona
fides, em razão do princípio geral do direito pacta sunt servanda. A
nenhum Estado Parte é dado evadir-se do fiel cumprimento de suas
obrigações convencionais.
Reiteramos, enfim, que a Revista do IBDH, como repositório de
pensamento independente e de análise e discussão pluralistas sobre os
direitos humanos, persegue o desenvolvimento do ensino e da pesqui-
sa sobre a matéria no Brasil. Desse modo, na tarefa de consolidação de
um paradigma de observância dos direitos humanos em nosso meio
social, espera o IBDH dar uma permanente contribuição.

163
122 Anos da Academia Cearense de Letras
Mauro Benevides2

Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados:

Nesta quarta-feira, nos salões do Ideal Clube, a Academia Ce-


arense de Letras estará comemorando 122 anos de existência, em
jantar festivo, comandado pelo Presidente da Arcádia, bibliófilo JOSÉ
AUGUSTO BEZERRA, que, ali, realiza gestão profícua, assinalada por
expressivas realizações, entre as quais a modernização das dependên-
cias da ACL no vetusto Palácio da Luz – sede tradicional do sodalício,
guardado, obviamente, o arcabouço arquitetônico, como se exige em
edifícios seculares, resguardadas as suas linhas originais.
Ao lado da outorga aos Acadêmicos de Medalha alusiva ao
magno evento, dar-se-á a chancela formal do novo PRÍNCIPE DOS
POETAS CEARENSES, em substituição ao saudoso ARTUR EDUARDO
BENEVIDES, falecido em 2014, recaindo a indicação no poeta e Aca-
dêmico LINHARES FILHO, com saudação formal a cargo do escritor e
acadêmico Sânzio de Azevedo.
Ressalte-se que, na sequência desta tradição inapagável, é im-
perioso realçar que o primeiro Príncipe foi o saudoso PADRE ANTONIO
TOMÁS, seguindo-se CRUZ FILHO E JADER DE CARVALHO, todos con-
sagrados como figuras exponenciais de nossa Literatura, com projeção
além fronteiras.
Artur Eduardo Benevides, o último dos escolhidos, integrou o
Grupo CLÃ, que teve por inspiração a linha modernista de Mário de
Andrade, compondo o núcleo cearense, como maiores figuras, além
de Artur, os escritores Antônio Girão Barroso, Martins Filho, Fran Mar-
tins, João Clímaco Bezerra, Braga Montenegro, e tantos outros que se

2 Discurso pronunciado pelo Deputado em sessão no dia 15 de agosto de 2016.

164
eternizaram pelo talento fulgurante, expressado em apreciável biblio-
grafia, divulgada a partir de 1950.
Certa vez, como jornalista iniciante, entrevistei alguns dos com-
ponentes do Grupo Clã, deles ouvindo preleções que os tornavam
identificados com a renovação modernista que o Grupo Clã encarnaria
fulgurantemente.
Ao falecer, aos 91 anos de idade, Artur Eduardo Benevides dei-
xou um número expressivo de trabalhos literários, principiado pelo
NAVIO DA NOITE, que assinalou a sua estreia nas letras cearenses.
O evento de amanhã terá esse significado rememorativo, ora
recordado com um misto de saudade e de renovada admiração ao
último deles, por razões de todos conhecidas, sobretudo o afeto a
quem, na sua última publicação, indagava enfaticamente: “Será que
fiz TANTO e, diremos nós, pela literatura?”
Obviamente, sim. Artur foi um dos mais brilhantes de sua gera-
ção e a obra tornar-se-á imperecível.

165
O Silêncio da penteadeira1
Angela Gutiérrez

Senhor Presidente da Academia Cearense de Letras, Bibliófilo


José Augusto Bezerra, Senhor Diretor da Editora da UFC, Prof. Clau-
dio Guimarães, Profa Fernanda Coutinho, Artista plástico Descartes
Gadelha, Sra Angela Laís Pompeu Rossas Mota, minha mãe, em seus
noventa e nove anos, Dr. Oswaldo Gutiérrez, meu marido, meus queri-
dos filhos Oswaldo e Priscila, Daniel e Sunny, Angela Laís e Davi, meus
amados netos e netas Rafael, Oswaldo Neto, Lina, Isabela, Taís, Alícia,
Eduardo César e Luísa, caros colegas acadêmicos e acadêmicas, ami-
gas e amigos, senhores e senhoras,
- Venha reconhecer o Palácio da Luz em seu novo esplendor!
Imagino que todos recordem esse apelo, cravado em forma de
post-scriptum no texto em que meus anfitriões convidaram nossos ami-
gos e amigas a virem dar boas-vindas a O silêncio da penteadeira.
Constato, com prazer, que apelo e convite foram atendidos e agradeço
a gentileza de terem vindo para reconhecer o Palácio da Luz, sede da
Academia Cearense de Letras desde 1989, e acolher meu livro caçula.
Minha entusiasmada insistência em mostrar-lhes o Palácio da
Luz, patrimônio arquitetônico, histórico, cultural, aqui plantado desde
os tempos coloniais, reside no fato em si mesmo (a alegria cidadã de
ver recuperado este prédio tão importante para a História de Fortaleza
e do Ceará, sede de nossa centenária instituição cultural, fundada em
1894); e na possibilidade de repercussão do fato como um fermento
cultural para seu entorno, o próprio centro da cidade.
Nossa ainda bela capital nem sempre recebeu os cuidados de-
vidos a seu patrimônio arquitetônico, cultural e histórico, muito ao
contrário. Constatamos, com tristeza, que, ao longo do tempo, não
se disseminou a preocupação de alguns fortalezenses em preservar a

1 Depoimento da escritora e acadêmica, no lançamento do livro O silêncio da penteadeira, de sua


autoria, em 30 de agosto de 2016, no Palácio da Luz, sede da Academia Cearense de Letras

166
memória dos traços que diferentes gerações deixaram em nossa arqui-
tetura e geografia urbana. E, embora assistamos ao tímido nascer da
conscientização sobre a importância de resguardar os bens patrimo-
niais da cidade, como memória de sua gente, precisamos alardear aos
quatro ventos e comemorar com efusivo júbilo a bela restauração de
nossa sede, capitaneada com esforço tenaz pelo Presidente da Aca-
demia Cearense de Letras, Bibliófilo José Augusto Bezerra, com apoio
e parceria de pessoas, entidades e instituições beneméritas. Além de
comemorar a restauração do Palácio da Luz, devemos mesmo ressaltar
essa ação cultural como bom exemplo de cuidado patrimonial. Ao
restaurar este palácio repleto de memória do nosso povo – daqueles
que ergueram suas paredes, dos que o habitaram com responsabili-
dade de dirigir os destinos do Ceará, dos que, enfim, deram vida ao
Palácio da Luz – pois bem, restaura-se, também, o respeito aos que
nos precederam e aos que nos sucederão como herdeiros da Cidade
Amada, usando aqui a poética expressão com que Artur Eduardo
Benevides sempre se referia a Fortaleza.
Não me alongarei, porém, em revelar-lhes mais detalhes do tra-
balho aqui realizado – ressaltemos -, em tempos mundialmente con-
siderados como áridos, secos, enfim, difíceis para semeaduras pro-
missoras e boas colheitas. O próprio Presidente da Casa de Thomaz
Pompeu o fará, com maior pertinência e conhecimento, na reabertura
oficial deste Palácio, em fins deste ano de 2016.
Retornemos, então, ao lançamento d’O silêncio da penteadeira.
Agradeço à madrinha do livro, Fernanda Coutinho, que me instigou
a publicar esse texto, guardado há alguns anos, e para ele escreveu
um encantador posfácio, que, tenho certeza, vocês lerão com prazer;
agradeço, também, à brilhante colega e amiga, a apresentação do
livro nesta sessão de lançamento, com um texto em que revela, como
sempre, e sei que os presentes concordarão comigo, sua competência
crítica aliada a uma escrita delicada e generosa. Obrigada, Fernanda.
Atrasemos o calendário e voltemos a 2011. Isso porque, como
todas as vezes em que sou convidada a falar sobre algum de meus livros,

167
sempre me pedem para começar do começo, ou seja, de como nasceu
o livro, que semente lhe deu vida. Assim, já aprendi a lição e começarei
do começo, pelo instante de criação d’O silêncio da penteadeira.
Pois bem, no ano de 2011, lia em meu quarto, quando, ao
levantar os olhos do livro, vi minha imagem refletida no espelho da
penteadeira, que já vem há muitos anos na família. Tendo sido da
casa de campo de minha bisavó Angela, passou para minha avó Laís,
depois para minha mãe, Angela Laís e – finalmente -, para mim, An-
gela Maria. Sou grata a minha mãe, por essa penteadeira do sítio de
Mondubim, que me inspirou um livro, mas, sobretudo por outras for-
tes contribuições suas à minha carreira como escritora. Aprendi com
Mamãe a contar histórias, (embora nunca com sua inimitável graça!),
encantei-me com suas relembranças de família e da cidade de For-
taleza, aprendi a amar seu avô, meu bisavô, Thomaz Pompeu, tão
presente em sua infância e em sua memória. Aqui, no Palácio da Luz,
como primeiro Presidente da ACL, patrono da Cadeira 35 e membro
de outras entidades culturais, Thomaz Pompeu está representado em
vários retratos a óleo e – surpresa! – estará representado em outra arte
na reabertura do Palácio, não é, Descartes?
Voltemos à Penteadeira! Depois de algum tempo, percebi que,
ao me olhar no espelho, na verdade, não me via, mas imaginava quan-
tas histórias essa penteadeira refletira em seu espelho, quantas cenas
de vida guardara. Porém, como já maturava a ideia de escrever sobre
temas e ambientes que não me fossem familiares, não queria que mi-
nha voz narrativa fosse a de uma escritora doublé de professora, nem
desejava, naquele instante, recriar a memória familiar. Queria sair de
Fortaleza e ir para o sertão. Assim fiquei um tempinho olhando, olhan-
do para o espelho e fabulando. Logo em seguida, sentei-me diante
do espelho – espelho? , quero dizer da tela, tela do computador, e
escrevi muitas páginas, tal como vocês as lerão. Por alguns dias, voltei
a escrever com certa urgência em ver como os fios da narrativa se en-
trançariam e se desentrançariam e, de repente, o texto estava pronto.
Alerto: ao dizer pronto não digo que todos os fios foram desenleados.

168
Acredito que é preciso deixarmos alguns fios à espera que a mão do
leitor deslinde pouco a pouco o que embaralhamos.
Ao me deslocar para o sertão, outras histórias foram surgindo
e resultaram nos contos curtos e entrelaçados da coletânea Os sinos
de Encarnação, publicada em 2012. Enquanto isso, O silêncio ficou
guardado. Não se enquadrava na moldura e na tela da coletânea. Os
contos de Os sinos de Encarnação são curtos e cada um é, ao mesmo
tempo, autônomo e parte de um mosaico maior - a coletânea. As
tramas de cada conto se mesclam umas às outras por uma Sherazade
das minhas terras de dentro, chamada Encarnação, que vai, ao longo
do tempo e no ziguezague de seus passos, contando e entrelaçando
as duas dezenas de histórias da coletânea.
Já a estrutura d’ O silêncio da penteadeira é bem diferente. Não
há histórias marginais e, sim, um eixo narrativo que roda sobre si mes-
mo, em constante retorno ao começo. Fernanda Coutinho, aliás, lem-
bra a litania ou ladainha a propósito da reiteração das perguntas de
Pequena, que se centram em buscar-se nas outras mulheres da família
que, aliás, não conheceu. Como futura herdeira da penteadeira em
que se miraram sua bisavó, sua avó, sua mãe, Pequena procura em seu
espelho as respostas que ninguém lhe quer ou pode dar. Em um de
seus monólogos, ou diálogos fracassados com o espelho, diz: “Só tu
podes me dizer quem elas foram e quem vou ser.” [Que escritor pode
fugir ao tema do espelho? Aquela lâmina que nos mostra o rosto que
nunca veremos diretamente com o olhar – o nosso, e quando o vemos
espelhado, enxergamos tudo ao contrário, o que está à direita vemos
à esquerda e vice-versa. Atravessaríamos a noite no Palácio se come-
çássemos a recordar agora o tema do espelho na literatura!].
Diferentemente de meus romances – O mundo de Flora e Lu-
zes de Paris e o fogo de Canudos -, que, na tentativa de ampliar e
diversificar o universo ficcional, lançam mão de grande número e tipo
de materiais narrativos, como cartas, diários, bilhetes, cartões postais,
documentos, estórias marginais, fotos, desenhos, narrativas orais, di-
álogos dramáticos, reproduções de telas e desenhos, notícias de jor-

169
nal, e muitos mais; O silêncio da penteadeira atém-se ao essencial, o
drama de Pequena em busca de si mesma manifesta-se em três tipos
de linguagem que pede de empréstimo ao teatro: o monólogo de
Pequena diante do espelho (em itálico, no livro), seus diálogos com as
outras personagens (em redondo), e o que eu imagino como um coro
de tragédia (em negrito) ou um narrador que não é personagem, pois
está fora da trama, que não é onisciente, mas tanto pode ver as ações
da protagonista, como enxergar seus pensamentos e sentimentos.
Embora a ação desse, digamos, conto dramático não contenha,
pelo menos, aparentemente, quase nada de dados autobiográficos,
Descartes Gadelha diz que o livro é muito parecido comigo. Pois é aqui
que Descartes entra na história do livro.
Mais um salto no tempo, e chegaremos no ano passado, em
2015, quando, por conta dos 25 anos de publicação da primeira edição
d’O mundo de Flora, algumas amigas, professoras universitárias e escri-
toras, citadas aqui em ordem alfabética – Cleudene Aragão, Fernanda
Coutinho, Inês Pinheiro Cardoso, Vania Vasconcelos e Vera Lúcia Albu-
querque de Moraes, criaram, generosamente, um calendário de encon-
tros em torno de meu primeiro livro e insistiram, gentilmente, que eu
publicasse O silêncio da penteadeira, para que seu lançamento fizesse
parte dessa rememoração. [Só há poucos dias, descobri que O mundo
de Flora também foi lançado em um 30 de agosto, um dia como hoje!]
Analisado e aprovado para publicação pela Editora da UFC, que
é conduzida com eficiência e simpatia pelo Prof. Claudio Guimarães,
e iniciada a editoração do livro pelo talentoso programador visual e
capista da Editora, Val Macedo, encontro-me, casualmente, com Des-
cartes Gadelha. Usando seus poderes de mago, o artista adivinha que
estou editando um livro. Enuncio o título - O silêncio da penteadeira
– e Descartes, imediatamente, o considera muito sugestivo. Pergunto
se faria uma ilustração para a capa do livro; responde-me com outra
pergunta: quando vou ler os manuscritos? No dia seguinte, entrego
os manuscritos a Descartes. Dias depois, o caro amigo chega em mi-
nha casa com vários rolos de papel que pareciam papiros. Eram 26

170
desenhos. E Descartes criou, assim, um outro silêncio da penteadei-
ra, nascido de sua leitura singular e de seu traço inconfundível. Não
nego que chorei ao ver suas ilustrações. Na hora em que as vi, lembrei
que eu ficara maravilhada com os desenhos de Descartes para contos
do inesquecível Moreira Campos publicados, em 2014, pela Confraria
dos Bibliófilos do Brasil: Moreira Campos Centenário; Vinte e um con-
tos selecionados. E agora eu teria também um livro todo ilustrado por
Descartes?! Muito para meu pequeno Silêncio! Assim, o artista mu-
dou o rumo do livro, pois, com a riqueza de ilustrações, novo formato
era preciso! E outro tipo de papel, capa dura, sobrecapa. Penteadeira
começa outra vida.
- Ah, quase todos meus livros têm apelido: O mundo de Flora é,
simplesmente, Flora; Luzes de Paris e o fogo de Canudos atende pelo
nome de Luzes; e assim por diante. O silêncio da penteadeira ganhou
dois, às vezes é Silêncio e, às vezes, Penteadeira.
Pois bem, continuemos. Dessa forma, para bem abrigar os dois
silêncios, o de Descartes e o meu, Val Macedo refez, comigo ao lado,
na própria editora, em um diálogo muito produtivo, toda a programa-
ção e paginação do livro. Intercalamos, com minuciosa distribuição de
espaço, o desenho e o texto, o Silêncio que se lê e o Silêncio que se vê.
“E o resto é o silêncio?” Não. O resto é alegria. O presidente
desta Casa me convida para lançar o Silêncio aqui, no Palácio. Aceito
encantada. Com o livro na mão, espero que o Palácio fique luzindo de
beleza. Aproveito para preparar o convite, claro, em parceria com Val
Macedo, dessa vez, via e-mail, pois a Editora estava em obras. Clau-
dia Queiroz, eficiente secretária da Academia e gentil amiga, me dá
uma mão na distribuição dos convites y en muchas otras cositas más.
Madalena Figueiredo, bibliotecária da Academia e amiga, também co-
labora. E aí está o livrinho que, enriquecido pelo talento generoso de
Descartes, chega a vocês. Tomara que os leitores gostem dele como
minha mãe gostou. Aliás, gostou tanto que já o ouviu muitas vezes,
a primeira vez, lido por mim de um corrido, e Mamãe só me deixou ir
para casa quando cheguei ao ponto final. Tomara que vocês gostem

171
do livro como o Descartes, que escreveu, enquanto lia os manuscritos:
“Não consigo parar de ler, nem de desenhar.”
Como se aproxima o fim dessa singela conversa, preciso dizer
que este livro, como todos que já escrevi ou virei a escrever, pertence
a meu pai, meu guia na biblioteca da vida, Luciano Cavalcante Mota,
habitante de minha saudade, e a meu marido, Oswaldo Augusto Gu-
tiérrez Adrianzén, habitante de meu amor. Amado, amante, amigo!
Precioso dom que Deus me deu!
E aqui encerro minha fala com palavras de um encantador per-
sonagem criado pelo inesquecível e querido Ariano Suassuna, n’ O
Auto da Compadecida, obra tão merecidamente amada pelos brasi-
leiros. Refiro-me às palavras com que, invariavelmente, Chicó respon-
dia ao espanto de João Grilo diante das narrativas de suas aventuras
cheias de estripulias fantasiosas que o amigo lhe contava: “Não sei,
só sei que foi assim.”

172
A Sereia de Ouro e o Bom Combate pela
Construção do Mundo com que Sonhamos
Angela Gutiérrez2

Cumprimento a anfitriã desta solenidade, a Família Queiroz,


aqui representada por filhos, genros, netos e bisnetos dos empresários
Edson e Yolanda Queiroz, reportando-me, especialmente, aos filhos
do casal: Chanceler Airton Queiroz, Senhoras Renata Queiroz Jereissa-
ti, Lenise Queiroz Rocha e Paula Queiroz Frota; Saúdo os amigos que
integram o Sistema Verdes Mares, salientando o jornalista Antônio
Pádua Lopes; Cumprimento as autoridades presentes, o Presidente
da Academia Cearense de Letras, José Augusto Bezerra, os agraciados
com o Troféu Sereia de Ouro em 2016 e em anos anteriores, nossas
famílias, convidadas e convidados,
Rememoramos, no ano de 2016, quatro séculos de encanta-
mento, como diria Guimarães Rosa, do imenso poeta e dramaturgo
William Shakespeare. Ao longo de sua vida e com a força de seu talen-
to genial, o bardo inglês antecipa-se ao futuro das artes de represen-
tação, ao criar uma dramaturgia que se revelaria como um dos mais
fortes paradigmas da história desse gênero e ao construir, em 1599, o
Globe Theatre, prédio com formato aproximado do Coliseu de Roma,
realizado em madeira, que prefigura o teatro como espaço específico
para a representação cênica. Edifica, assim, uma ponte entre o teatro
que o antecede - das tragédias gregas encenadas em arenas ao ar
livre, algumas até hoje existentes, aos espetáculos de saltimbancos e
menestréis apresentados em praças das vilas medievais, mas também
em castelos, aos autos, nos átrios de igrejas, às diferentes exibições
tradicionais de rua. - , e o que vem depois, especialmente as represen-
tações que assumem características próprias de ambiente interno, a
partir da adoção do teatro à italiana, edifício planejado precisamente

2 Discurso pronunciado pela Acadêmica Angela Maria Rossas Mota de Gutiérrez, como ora-
dora dos agraciados, na Solenidade de Entrega do Trofeu Sereia de Ouro, concedido pelo
Sistema Verdes Mares, no dia 30 de setembro de 2016, no Theatro José de Alencar.

173
para a dramatização artística e o deleite do público, de que o Theatro
José de Alencar, que nos abriga nesta noite, é herdeiro.
Assim como as praças eram, e ainda o são, palco para a arte
teatral, os edifícios construídos para o espetáculo dramático cons-
tituem-se também como espaços para outras manifestações de vida
social. Desse modo, importantes acontecimentos históricos aconte-
ceram e acontecem no palco do TJA, e entre eles, ressalto a instala-
ção da Universidade Federal do Ceará, em 1955, em sessão presidi-
da pelo reitor-fundador, Prof. Antônio Martins Filho, que, para maior
honra de todos os agraciados por essa comenda, recebe o Troféu
Sereia de Ouro, em 1974.
O teatro oficial do Ceará, idealizado desde meados do século
XIX, e erguido somente no início do século XX, é considerado como
uma das mais belas obras da arquitetura de ferro no país. Recebeu o
nome do cearense que dignificou e consolidou as letras brasileiras,
ao pintar, na ficção narrativa e na dramaturgia, um amplo afresco de
nossa história, dos costumes das várias regiões do vasto país e do Rio
de Janeiro de seu tempo, o Segundo Império.
Inaugurado em 1910, o Theatro José de Alencar registra, em
sua memória centenária, espetáculos de variadas artes, da encenação
dramática à música erudita, com orquestras sinfônicas; ao shows de
Bossa-Nova, com um banquinho e um violão; às manifestações tradi-
cionais - bumba-meu-boi, maracatu -, à dança e ao balé clássico, ao
canto, às comédias, às operetas. Após a grande reforma e recupera-
ção deste teatro, sua reinauguração, em 1991, foi comemorada com
belo espetáculo, Narração da Viagem à Província do Ceará, que conta
nossa história a partir de poetas e prosadores da terra, com roteiro e
direção de Aderbal Freire-Filho, ilustre dramaturgo cearense, posterior-
mente laureado com a Sereia de Ouro.
Aqui estamos, neste espaço de arte e memória, para escrever
mais uma página da vida cearense. Dando continuidade à tradição ini-
ciada em 1971, o Sistema Verdes Mares promove hoje a quadragésima
sexta edição da cerimônia em que entrega o Troféu Sereia de Ouro a

174
quatro cearenses. Relata Dona Yolanda Vidal Queiroz, em seu livro de
memórias, Momentos, publicado em 2015, que a criação do troféu
surgiu da intenção de seu marido e fundador do grupo empresarial
que leva seu nome, Edson Queiroz, de agraciar quatro personalidades
de relevo à época. Conta-nos Dona Yolanda que, no ano anterior, Ed-
son Queiroz, em conversa com Mino, artista a quem encomendara o
desenho de um ícone para representar a TV Verdes Mares, explicitara
que essa emissora deveria ser reconhecida por um símbolo marítimo.
Nas palavras da memorialista: “Mino argumentou que a sereia estava
nos mares e encantava, o que tinha relação com a atração que a TV
iria exercer sobre as pessoas” (p.153). Aceita a sereia e a partir de sua
imagem, foi, também, posteriormente, elaborado o troféu, em prata
de lei, recoberta de ouro.
Dona Yolanda era a alma mater das cerimônias da Sereia de
Ouro, que preparava e presidia. A solenidade de hoje é a primeira sem
a presença de quem aportou significação social, histórica e cultural a
esse acontecimento. Ao lamentar sua ausência, nesta noite, sei que
minha voz representa não só a dos agraciados de 2016 e dos anos an-
teriores, como a da Família Queiroz e dos convidados. Durante quase
cinco décadas, Dona Yolanda dignificou a entrega do Troféu Sereia de
Ouro com a fortaleza dos cearenses que enfrentam a vida de cabeça
erguida e a gentileza dos filhos de nossa terra acolhedora.
Não é novidade a constatação de que a galeria dos premiados
em 46 edições do Troféu Sereia de Ouro apresenta amplo painel dos
cearenses que se distinguem em diferentes áreas de conhecimento,
ação e cultura, desde dignatários religiosos, cito o notável Carde-
al Aloísio Lorscheider, a industriais, menciono o inesquecível amigo
e respeitado empresário Ivens Dias Branco (representado nesta sole-
nidade por Dona Consuelo Dias Branco e família), a artistas, lembro
Aldemir Martins, Estrigas, e Heloísa Juaçaba, a médicos, recordo Fer-
nando Pompeu e Dr. Haroldo Juaçaba, a poetas e romancistas, cito,
com prazer, Artur Eduardo Benevides, Patativa do Assaré e Rachel de
Queiroz, primeira escritora a ser laureada com a Sereia. Saliento que

175
aqui destaquei apenas alguns agraciados que já não se encontram na
vida terrena, mas povoam nossa memória.
Nas grandes áreas a que os quatro premiados deste ano per-
tencemos: Medicina, Direito, Cinema e Literatura, há, na galeria de
sereiados (eis um neologismo já perfeitamente integrado à fala e es-
crita cearense!) nomes admiráveis que nos antecederam e enobrecem
a comenda que nos é outorgada. Considerando que os currículos dos
agraciados de hoje já foram lidos no protocolo desta cerimônia, res-
saltarei apenas as linhas mestras que orientam as realizações das per-
sonalidades cearenses que, por terem honrado o Ceará em suas áreas
de atuação e avançado o amanhã, recebem o Troféu Sereia de Ouro,
tão respeitado em nosso estado e no país.
Nascido em Coreaú, cidade que floresceu em sesmarias férteis
à margem do rio de mesmo nome indígena que significa “bebedouro,
água ou viveiro de curiás”, o médico Anastácio Queiroz Sousa, des-
de o início de sua carreira, demonstra interesse pela saúde em nossa
região, quando se especializa em Medicina Tropical e em Doenças In-
fecciosas, nos Estados Unidos, e passa a dedicar-se a essas áreas. Na
brilhante carreira acadêmica que vem construindo na Faculdade de
Medicina da UFC, como professor na graduação e em dois programas
de pós-graduação stricto sensu, como pesquisador e coordenador do
Núcleo de Medicina Tropical, Dr. Anastácio contribui para o adianta-
mento da ciência, no país e no mundo, no âmbito de suas especiali-
dades médicas. No percurso de sua atuação em saúde pública, des-
taca-se nos cuidados com as populações mais vulneráveis a doenças
infecciosas e tropicais que atende no Hospital São José e na excelência
de sua gestão como Secretário de Saúde do Estado do Ceará, quando
instaura projetos para melhoria do sistema de saúde, em que sobressai
o grande sucesso do programa de redução da mortalidade infantil. Dr.
Anastácio credita-se, assim, ao justo reconhecimento de seus pares e
da sociedade, manifestado por prêmios e títulos e por sua participação
em respeitáveis entidades como a Sociedade Americana de Medicina
Tropical e a Academia Cearense de Medicina.

176
Na cidade que se distingue por sua aura mística em torno da
figura do Padre Cícero Romão, nasceu o Desembargador Teodoro
Silva Santos, que se declara fervoroso devoto do religioso que, há
mais de um século, atrai a Juazeiro do Norte romeiros da região nor-
destina. Criança do sertão, com dezessete irmãos, o menino Teodoro
cedo compreende a recomendação de sua mãe, Sra. Alaíde Silva San-
tos, para dedicar-se aos estudos. Desloca-se para a capital e aqui cur-
sa Ciências Jurídicas e Sociais. Ao encaminhar-se para Pós-Graduação
em Processo Penal e Mestrado em Direito Constitucional, desenha sua
área de atuação no magistério que vem a exercer na Unifor, na Escola
Superior do Ministério Público do Ceará e na Escola Superior da Ma-
gistratura. Seus conhecimentos acadêmicos, registrados em artigos
que publica em periódicos nacionais e estrangeiros e em livros, com
destaque para sua tese de mestrado e para a obra intitulada Princípio
do direito ao silêncio e de não produzir provas contra si, que proxima-
mente apresentará ao público, aliam-se à experiência como Promotor
e Procurador de Justiça do Estado do Ceará e no atual desempenho
como Desembargador do Tribunal de Justiça do Ceará, para a consoli-
dação de sua vitoriosa carreira jurídica, que o fez merecedor de honro-
sas comendas, entre elas, o título de Cidadão Fortalezense e o Mérito
Judiciário do Trabalho Comenda da Ordem Alencarina.
“Minha casa é sempre Fortaleza”, declara em reportagem pu-
blicada ontem pelo Diário do Nordeste Karim Ainouz, conterrâneo
que honra nossa cidade e leva o nome do Brasil além, muito além de
nossas fronteiras. Logo após sua graduação universitária em Arqui-
tetura e mestrado em Cinema, Karim Ainouz define-se como rotei-
rista e diretor, na área de vídeo e cinema, em 16 e 35 mm, curtas e
longas, documentário e ficção e como artista visual, participando de
instalações e exposições em importantes museus de arte. Ao parti-
cipar, mundo afora, de cursos, workshops, residências e tutorias (e
aqui ressalto sua atuação em Fortaleza, na Escola Porto Iracema das
Artes), em que expande sua experiência e gera novos conhecimen-
tos para os integrantes desses programas, Karim exerce a função

177
de mestre, considerando-se a sábia definição de Rosa pela voz de
Riobaldo, que aprecio como um lema: “Mestre é quem, de repente,
aprende”. Seu longa de estreia, Madame Satã, de 2002, já marca
o tom de destemor e originalidade da filmografia de Karim Ainouz,
hoje respeitado nacional e internacionalmente por haver merecido
importantes prêmios, mas, sobretudo, pela entusiástica recepção
crítica e de público, que o consagra como um dos mais relevantes
cineastas da contemporaneidade.
Como dizem os franceses: - Chapeau, Senhores! É com honor
que recebo em tão digna companhia a comenda que o Sistema Verdes
Mares nos atribuiu!
Nasci em Fortaleza, bem perto deste teatro, na casa de meu
bisavô, Thomaz Pompeu. Com minha mãe, aqui presente, na beleza
e sabedoria de seus quase 100 anos, Angela Laís Pompeu Rossas
Mota, exímia contadora de histórias e guardiã da memória da família
e da cidade, aprendi a arte de entrançar histórias, e com meu pai,
Luciano Cavalcante Mota, habitante de minha saudade, meu mestre
e guia, a de amar a literatura e o dom da vida. De leitora apaixonada
tornei-me estudante e professora de Literatura na UFC, dedicando-
-me sempre a temas literários que me apaixonam. Na gestão uni-
versitária, agindo em conjunto com colegas, alunos e funcionários,
plantamos as sementes do Mestrado em Letras, do Instituto de Cul-
tura e Arte - ICA e recuperamos a dignidade da Casa de José de
Alencar. No Doutorado e no Pós-Doutorado, na UFMG, busquei as
faces de Antônio Conselheiro na Literatura e na História. No convívio
permanente com a literatura, descobri-me escritora. Se meu livro de
estreia, O mundo de Flora, comemora 25 anos, e a ele vários outros
se seguiram, acaba de nascer o caçula, O silêncio da penteadeira. es-
critos todos enquanto me dedicava à UFC, cuidava de Oswaldo Filho,
Daniel e Angela Laís, atuava na Academia Cearense de Letras e no
Instituto do Ceará, acolhia Priscila, Sunny e Davi, dividindo sempre
a vida e o amor com meu marido Oswaldo, com quem aconchego
nossos oito netos que nos trazem a alegria da renovação.

178
Assim somos nós, os agraciados de hoje, seres humanos com
suas lutas e esperanças. Nos tempos sombrios que vivemos, em
que, todos os dias, assistimos ao desespero de irmãos que tentam
atravessar o mare nostrum e outras paragens, fugindo a guerras e
perseguições políticas, religiosas, étnicas e de gênero, em busca da
liberdade e do direito de viver; em que sabemos do desamparo da-
queles que, em pleno século XXI, morrem de fome, sede e por falta
de acesso a tratamentos de saúde. A luta pelo direito desses irmãos
e irmãs e a esperança de um mundo mais justo nos movem. Reco-
nhecendo os avanços sociais e o desenvolvimento de Fortaleza, do
Ceará e do Brasil, nos últimos anos, cultivamos, no entanto, a espe-
rança de muito mais para nossa capital, nosso estado e nosso país.
Aspiramos a uma Fortaleza mais atenta às necessidades e anseios
de seus cidadãos, que se esforce para reverter o futuro inscrito na
testa de tantas crianças que perambulam pela vida. Queremos um
Ceará que resolva seus seculares problemas de convivência com o
semiárido, sobretudo em episódios de seca, que, aliás, encobrem
enfermidades sociais gravíssimas. Lutamos por um Brasil que res-
peite e aperfeiçoe seu regime democrático, em que os três poderes
republicanos representem dignamente os interesses da nação e os
direitos de nossa gente, mantendo o estado de direito, praticando
a honestidade transparente e combatendo, com o devido respeito a
nossa Carta Magna, a corrupção que degrada o país desde o Brasil-
-Colônia. Sonhamos com um mundo em que todos tenham direito
a comida, moradia, trabalho, educação, saúde, cultura, respeito e
paz. O mesmo mundo que Francesco, na pequena cidade medieval
de Assis, sonhou! O mesmo mundo a que se referia Martin Luther
King, ao bradar: “I have a dream!” Um mundo que mantenha,
como o mestre carpina de João Cabral, a esperança no “espetáculo
da vida. mesmo quando é a explosão de uma vida Severina”. No
fio dessa esperança, lembramos a canção Imagine, de John Lennon,
por ser uma utopia do presente, ao propor que o mundo contem-
porâneo constitua uma grande irmandade.

179
Enfim, agradecemos ao Sistema Verdes Mares e à Família de
Edson e Yolanda Queiroz, a concessão do Troféu Sereia de Ouro, que
tanto nos honra e que nos impulsiona a continuarmos o bom combate
pela construção do mundo com que sonhamos.

180
Palácio da Luz: Reduto da Cultura3
Zenaide Braga Marçal4

No livro Cidade de Mathias Beck – 1991, organizado pelo Dr.


Eurípedes Chaves Júnior, constam comentários de Raimundo Girão
sobre algumas edificações de Fortaleza, entre elas o Palácio da Luz,
do qual diz o historiador: “é uma construção antiga, sem melhores
acabamentos. Vale pelo tradicional”. Sabe-se que a sua construção
data do final do século XVIII e que era a residência do Capitão-Mor
Antonio de Castro Viana. Foi sede da Câmara Municipal, e comprada
pelo Governo Imperial em 1814.
Segundo o mesmo historiador, o aspecto que apresenta hoje é
o resultado de várias transformações por que passou, principalmente
por ter sido muito danificado por força da revolução que derrubou o
Pres. José Clarindo de Queirós, em 1892. “Seu telhado era em beira-
-e-bica, mas na reconstrução substituíram os beirais pela platibanda
que hoje o encima”.
Como sede do Governo do Estado, foi palco de decisões polí-
ticas de muita importância para o Ceará, bem como de memoráveis
festas. A sua denominação provém do fato de haver o jornalista e abo-
licionista José do Patrocínio ter dado ao Ceará o título de Terra da Luz.
Com a transferência da sede do Governo para o Palácio da Abo-
lição, passou a abrigar, sucessivamente, a Secretaria de Cultura, a Bi-
blioteca Pública, a Casa de Raimundo Cela e a Academia Cearense de
Letras, a qual permanece até hoje.
O Palácio da Luz é uma edificação que tem tido uma história, eu
diria um destino, bastante feliz. Como vemos, sempre abrigou insti-
tuições que dignificam a sua existência. Há muitos prédios que, tendo
sorte diferente, foram ocupados por organizações de caráter não mui-
to nobre, como cassinos e outras atividades duvidosas.

3 (Trabalho apresentado em reunião mensal da AJEB-CE – 2003)


4 Escritora. Membro da Associação Brasileira de Jornalistas e Escritoras – Seção do Ceará – AJEB-Ce

181
Por isto repito que esta casa é uma casa feliz. Atualmente, está
sob a responsabilidade da entidade cultural maior que ela abriga, a
Academia Cearense de Letras, a mais antiga do nosso País. Os seus di-
rigentes são contagiados pela magia acolhedora desta casa centenária
e abrem suas portas imensas, diga-se de passagem, a várias instituições
literárias e culturais, tais como: Academia Cearense da Língua Portu-
guesa, Academia Fortalezense de Letras, Academia Feminina de Letras
do Ceará, Academia Cearense de Retórica, Academia de Letras dos Mu-
nicípios do Estado do Ceará, Associação de Jornalistas e Escritoras do
Brasil, União Brasileira de Trovadores, Sociedade Cearense de Geografia
e História, Movimento Cultural Terça-Feira em Prosa e Verso e outras.
Tudo nesta Casa respira tradição e Cultura. Num tempo em que
reinam a violência, a desonestidade e o descaso pela cultura, ela bem
poderia ser definida como um oásis, pois aqui bebemos conhecimen-
to e saber, no sentido maior destas palavras, e matamos a sede que
possamos ter de crescimento intelectual, através da convivência, não
só com os mestres do fazer literário, mas com pessoas que têm em
comum conosco o amor às Letras e às Artes.
Parece-nos, às vezes, terem alma os inanimados. – Muitos dirão
que isto é coisa de poeta. No entanto, não é raro sentirmos algo pare-
cido em relação a algum objeto de nossa particular estima. Penso que
isso se deve ao fato de colocarmos nesse objeto um pouco do nosso
amor, um pouco da nossa alma.
Sabemos que, muitas vezes, uma casa guarda em si vibrações de
fatos nela acontecidos. Diz-nos Saint-Exupéry no seu livro Terre des Hom-
mes que “o admirável de uma casa não é apenas que ela nos abrigue
ou nos aqueça ou, ainda, que nos pertençam suas paredes. Mas que ela
tenha lentamente despertado em nós esse sentimento de ternura”.
No Palácio da Luz sentimos isto. Esta Casa parece abraçar-nos
quando aqui chegamos, sejamos veteranos ou estejamos ainda en-
saiando os primeiros passos na vida literária. E a todos nós que aqui
comparecemos, regular e frequentemente, ela abre seu coração, suas
entranhas, e acabamos por dedicar-lhe verdadeira afeição.

182
Embora conscientes do respeito que ela nos inspira, sentimo-nos
aqui bem à vontade e, com o tempo, chegamos mesmo a ter a sensa-
ção de que ela é um pouco nossa, tal é a energia positiva que vibra no
espaço desta Casa centenária.
Acredito que isso se deve ao teor dos assuntos aqui tratados, vol-
tados para o estudo, seja da literatura com um todo, seja do nosso ama-
do idioma no qual Camões cantou sua pátria e seus amores e nosso
insigne poeta José Albano, na sua “Ode à Língua Portuguesa”, disse:
“Nenhuma se conhece que traslade, / afora tu sòmente, / do
coração doente – a saüdade”.5
Nesta Casa, uns se expressam em prosa; outros, em verso; ou-
tros, ainda, em música ou canto. Pelas suas dependências circulam
escritores, poetas, retores, músicos e cantores, em reuniões regulares
ou em datas festivas, quando a Casa se engalana, parecendo sorrir
feliz e se mostrando em todo o seu esplendor!

Reflexões
(a partir da leitura de – Palácio da Luz- Reduto da Cultura)
Somente quem costuma frequentar reuniões no Palácio da Luz
pode aquilatar a importância de tudo o que foi feito na reforma aí
empreendida pelo então presidente da Academia Cearense de Letras
-José Augusto Bezerra.
Apenas uma alma empreendedora e sensível seria capaz de ima-
ginar as mudanças que foram efetuadas no corpo dessa Casa, bené-
ficas nos seus mínimos detalhes, desde a estrutura até o acabamento
final, na decoração digna de um palácio, no caso, o nosso querido
Palácio da Luz. Tudo feito com esmero e bom gosto, com vistas ao
conforto e bem-estar dos Acadêmicos e dos visitantes.
Fico a pensar o que sentiria o saudoso historiador Raimundo
Girão, já “encantado”, se viesse ao nosso Palácio. Ele que adotou e

5 Grafias usadas por José Albano

183
amou Fortaleza como se seu filho fosse e que disse: “Cidade que não
era minha e que eu fiz minha [.] e onde construí a vida, gerei os filhos,
cansei dos meus labores, descansei nos meus lazeres, fruindo a ventu-
ra dos que podem ser felizes”. – In: Cidade de Mathias Beck: aspectos
da Fortaleza de sempre.
Imagino a beleza das expressões que ele usaria, dirigindo mere-
cidos elogios ao responsável por essa transformação.
Como sócia efetiva da AJEB, cujas reuniões acontecem nessa
Casa, tenho a felicidade de aí estar mensalmente. Assim, não poderia
deixar de louvar a valorosa iniciativado estimado Acadêmico, Escritor e
Bibliófilo José Augusto Bezerra.
Parabéns, amigo!

184
Gomes de Sousa, Um Homem de Ciência
Francisco Marialva Mont’ Alverne Frota6

Bem-aventurados os que a si mesmos se estatuaram


em atos memoráveis, e, sem deixarem os seus retra-
tos à posteridade, esquecediça ou desdenhosa, vi-
vem a sua vida póstuma desinteressadamente pelos
benefícios que lhe herdaram. Rui Barbosa – Bustos
e estátuas – Discurso do Jubileu na Biblioteca Nacio-
nal – Escritos e Discursos Seletos.

A Universidade Estadual do Maranhão se espraia sobre a carto-


grafia do nosso Estado com o objetivo de promover a ascensão inte-
gral do homem. Esse desiderato, essa cosmovisão se enfeixa na oferta
da educação humanística, técnica e científica. Na busca da liberta-
ção e promoção do homem, a UEMA interage com a comunidade
no desenvolvimento social, econômico e político do Estado. Com tais
propósitos, cultiva, incentiva, defende e preserva as manifestações do
patrimônio cultural e natural do Estado e da Nação.
A UEMA é uma universidade multicampi dispersa em diversos
municípios no Estado, com desconcentração organizacional. A ado-
ção desse modelo enseja a inclusão social e, por igual, a redução das
desigualdades sociais. Temos carências, mas vamos progredindo. Há
urgente necessidade de alargar nossos objetivos, dependentes que
ficam do avigoramento financeiro dos recursos que nos são repassa-
dos pelo Estado. Deve haver uma relação direta e equânime entre a
expansão dos objetivos da UEMA e seu orçamento. Quando estiver
na pauta das decisões o contingenciamento, como medida de política
econômica, reflita o órgão mantenedor que nada há mais caro ao

6 *Discurso proferido em 16.12.2011 na Sessão Extraordinária do Conselho Universitário da


Universidade Estadual do Maranhão-UEMA, na solenidade de outorga da Medalha Gomes de
Sousa de Mérito Universitário. O autor é professor emérito da sobredita universidade.

185
governante, ao gestor, que o aprimoramento do homem maranhense.
A libertação do povo maranhense será promovida pela implantação
do humanismo universitário. É à Universidade Estadual do Maranhão
que incumbe promover esta revolução cultural para que o maranhense
seja feliz e ganhe a plenitude da cidadania. Guardo a compreensão
ético-cristã que o homem é maior que o Estado. E mais: que o Estado
existe para promover o homem. Só assim o homem será o agente do
desenvolvimento econômico e social do Estado.
A UEMA alcança neste dezembro 30 anos. É uma universidade
promissora com o alargamento da graduação presencial e à distância,
da pós-graduação stricto sensu e lato sensu, da pesquisa, do ensino
e da extensão, com o reconhecimento ou renovação dos cursos pelo
Conselho Estadual de Educação e pela avaliação institucional. Ainda
destaco o fortalecimento do Núcleo de Tecnologias para a Educação
da UEMA - UEMANET e o Núcleo Geoambiental, este com o Laborató-
rio de Geoprocessamento, Laboratório de Meteorologia e Laboratório
de Recursos Hídricos. É um alento: 66 professores estão em programas
de Doutorado Institucional e 29 em diversos programas fora da UEMA;
no Mestrado Institucional participam 43 professores e em cursos fora
do Estado 19 professores. É um mundo novo!
Decano dos professores do Curso de Administração, célula ma-
tricial da Universidade Estadual do Maranhão, participo desta sessão
solene do Conselho Universitário que outorga a Medalha Gomes de
Sousa de Mérito Universitário a vários professores da Casa. Cresce
minha emoção por ser um dos distinguidos com essa honraria. Aqui
expresso, em nome deles e no meu, os agradecimentos à UEMA. A
honraria nos deixa orgulhosos.
A Medalha Gomes de Sousa de Mérito Universitário tem, tal
como refere o art. 1º, da Resolução nº 376/2003,CONSUN/UEMA, de
18.09.2003, “a finalidade de galardoar personalidades, de dentro ou
de fora do território maranhense, merecedoras de particular reconhe-
cimento por suas realizações nas áreas da Educação, da Cultura, da
Ciência, das Artes e da Tecnologia”.

186
Quem é Gomes de Sousa, cuja insígnia honorífica exorna nosso
peito? É maranhense. Nasceu na Fazenda Conceição, no município de
Itapecuru-Mirim, a 15 de fevereiro de 1829 e faleceu em Londres, em
1º de junho de 1863. Vida curta com percurso iluminado. Aos 12 anos
foi para Olinda, mas logo retornou pelo falecimento do irmão José,
estudante de Direito naquela cidade. Em 1843, para atender à von-
tade paterna, se matriculou na Escola Militar. Já em 1845 ingressou
na Faculdade de Medicina. Abandonou o curso médico e, em 1847,
retornou à Escola Militar e requereu os exames vagos de todas as dis-
ciplinas da grade curricular do curso de Engenharia. Foi-lhe negada a
pretensão. Não desanimou. Fez alguns exames, em 1848, com o que
obteve o grau de bacharel em Ciências Matemática e Física e, em se-
guida, o de doutor em Matemática, com a Dissertação sobre o modo
de indagar novos astros sem auxílio das observações diretas, publicada
no Rio de Janeiro na Tipografia Teixeira & Cia. Por concurso se tornou
professor substituto da Escola Militar com 19 anos. Retomou os estu-
dos médicos. Nessa porfia desmedida se esgotou e, em 1849, voltou à
fazenda Conceição, em Itapecuru, onde se refez e, sem perda de tem-
po, estudou Direito Constitucional, Economia Política e Filosofia. Não
parou. Nessa azáfama chegou à Corte em 1850 e, levado por Gon-
çalves Dias, passou a escrever na Revista Guanabara. Temperamento
exasperado, ardeu uma polêmica sobre seus trabalhos a respeito da
Exposição Sucinta de um Método de Integrar Equações Diferenciais
Parciais por Integrais Definidas e Resolução das Equações Numéricas.
O contendor era da Escola Militar, Joaquim José de Oliveira.
Seguiu para a Europa em 1854, a pedido de Pedro II, para estu-
dar o problema da reforma do sistema carcerário brasileiro. Em Paris,
em 56, se tornou doutor em Medicina, após completar os estudos que
realizou no Rio. Na Alemanha, reencontrou Gonçalves Dias em Dres-
de. Nesse ano, o físico George Gabriel Stokes fez uma comunicação
à Royal Society of London com o resumo da Memória sobre a deter-
minação das funções incógnitas que entram sob o sinal de integral
definida, de Gomes de Sousa, já apresentada pelo autor, em 1855, à

187
Académie des Sciences de Paris. Publicou a Coleção de memórias de
análise e física matemática. Algumas delas foram levadas ao exame da
Academia de Ciências de Paris.
Em Leipzig, em 1859, publicou a Anthologie Universelle. Choix
des meilleures poésies lyriques de diverses nations dans les langues ori-
ginales.Casou-se em Londres e, em seguida, retornou ao Brasil. Tinha
sido eleito deputado pelo Maranhão. Exerceria a atividade parlamen-
tar de 1861 a 1867, destacando-se, nesse exercício, seu discurso sobre
o assoreamento do Porto de São Luís e que, anos depois, serviu como
um dos argumentos para a construção do porto do Itaqui.
Depois de exercer atividade multifária como emérito pesquisador,
Gomes de Sousa retornou à Europa, em 1857, e da Inglaterra aportou
no Maranhão na companhia de Rosa Edith, sua mulher. E fez, mal che-
gou à Província natal, exaustiva viagem pela hinterlândia do seu Estado.
Esclarece Antônio Henriques Leal no Panthéon maranhense:

Meteu-se a caminho e não houve paragem impor-


tante que deixasse de examinar, desde o Mearim
até Caxias, e os sertões mais remotos até Carolina,
beirando depois as margens do Itapicuru até sair de
novo na cidade de São Luís.

O casal se esfalfou e a consequência foi lamentável: a mulher


não resistiu e sucumbiu de febre tifoide, a 18 de fevereiro de 1860.
Viúvo, Gomes de Sousa foi residir no Rio, no clima ameno de Santa
Teresa. Estava doente. Casou-se com Paulina Guerra, a 8 de fevereiro
de 1863. Viajou para Londres à procura da cura dos pulmões, o que
não ocorreu. Faleceu em 1º de junho de 1863.
Condoído com a morte do amigo, Antônio Henriques Leal fez o
balanço das perdas que o deixavam pesaroso:

A fatalidade pesava sobre o Maranhão! Seus quatro


maiores engenhos tinham desaparecido em pouco

188
mais de um ano e todos longe dos amigos e da pá-
tria, e sem acharem até hoje – três deles – sepultura
na terra natal! João Lisboa, na capital do reino de
Portugal, a 26 de abril de 1863, Gomes de Sousa
em 1º de junho do mesmo ano. Odorico Mendes
a 18 de agosto de 1864 em Londres, e por último
Gonçalves Dias, a 3 de novembro desse mesmo
ano, tendo o oceano por sudário!

Esta notícia biográfica objetiva dar conhecimento da trajetória


do grande maranhense Gomes de Sousa.
Os estudos de Antônio Henriques Leal, Humberto de Campos,
Ubiratan d´Ambrosio, Malba Tahan, Clovis Pereira da Silva, João Bace-
lar Portela e Lino Raposo Moreira buscaram dar maior detalhamento
sobre a vida e obra do cientista Gomes de Sousa.
Circunda a obra desse ilustre matemático, assentada em varia-
dos trabalhos e memórias, um halo de ouropel, de esplendor aparen-
te, produzido pela queima do incenso de turiferários que mais desser-
vem que alargam a visibilidade do homem ilustre, do cientista Gomes
de Sousa. A vida afanosa e o permanente culto à ciência garantem
a perdurabilidade da obra e estima póstuma de Joaquim Gomes de
Sousa, na justa proporção do seu merecimento
Trinta e cinco anos à frente da Disciplina Direito Administrativo
no Curso de Administração garantem-me a certeza de que a Universi-
dade Estadual do Maranhão se confunde com minha vida.
O magistério deu-me permanente convívio com a mocidade e
com os livros. Sempre vivi cercado de livros que são muitos e prestan-
tes. Tenho livros preciosos, raros, cuja aquisição foi uma conquista.
Guardo na minha biblioteca a edição princeps da Anthologie
Universelle de Joaquim Gomes de Sousa, editada em Leipzig, por F. A.
BROCKHAUS em 1859, com 944 páginas, dedicada ao Dr. Luís Antô-
nio Vieira da Silva, o Visconde Vieira da Silva, poliglota, autor dos livros
História interna do Direito Romano privado até Justiniano e História da
Independência da Província do Maranhão.

189
A Anthologie Universelle, organizada por Gomes de Sousa, foi
antecedida pelo Florilégio da poesia brasileira, de F. A. Varnhagen
(1850) e Harmonias brasileiras, de Antonio Joaquim de Macedo Soares
(1859), ambas de feição nacionalista, ao contrário da última, que tinha
característica cosmopolita. Essa constatação se comprova com a inclu-
são de poesias líricas de dezessete idiomas: alemão, inglês, francês,
italiano, português, espanhol, russo, polonês, sérvio, boêmio, húnga-
ro, holandês, dinamarquês, sueco, grego moderno, latim e grego.
Do Préface da Anthologie transcrevo o tópico em que o organi-
zador dá as razões da escolha dos poemas líricos reunidos:

Cette base fixée, nous avons fait notre choix, en


ne nous laissant guider que par le point de vue de
l’esthétique, dans ce que les diverses littératures
nous présentaient de plus parfait. L’impossibili-
té où nous nous trouvions d’apprécier par nous-
même, avec l’intelligence convenable, toutes les
langues qui, dans notre pensée, devaient être re-
présentées dans notre oeuvre, nous a déterminé
à réclamer l’assistance de personnes compétentes
sous tous les rapports. Ce secours nous était dou-
blement nécessaire, car un choix semblable, n’im-
porte par qui il sera entrepris, gardera tou¬jours
l’empreinte d’un caractère individuel, qui ne pour-
rait pas satisfaire le goût de la généralité des lec-
teurs. Sans vouloir nous - même rendre jnstice à
nous et aux amis qui nous ont si obligeamment
prêté leur concours, et sans vouloir donner à notre
travail l’autorité d’un code du bon goût littéraire,
nous espérons cependant que l’on reconnaîtra que
le plan que nous nous sommes proposé était le
seul qui pût satisfaire le goût général.
Quant à l’espace que nous avons donné aux di-
verses littératures, nous ne nous sommes point lais-

190
sés guider par une inclination particulière, mais par
la pensée bien naturelle de donner plus d’é¬tendue
à celles qui sont les plus connues.
Nous nous sommes donné une certaine liberté
dans l’ordre suivi pour les langues, telle que le
comportait un ouvrage qui présente une collection
de poésies lyriques de diverses peuples, de même
que pour l’ordre des auteurs et de leurs oeuvres,
n’ayant , en faisant notre travail, comme nous
l’avons dit, d’autre point de vue que celui d’offrir
au public une Anthologie Universelle. [Fizemos a
seleção destes poemas líricos guiados apenas pelo
ponto de vista estético naquilo que as diversas lite-
raturas nos apresentaram de mais perfeito. A im-
possibilidade de apreciar por nós mesmos, com a
devida lucidez, todas as línguas que gostaríamos
de ver representadas em nossa obra levou-nos a
solicitar a assistência de pessoas competentes com
ampla visão de mundo. Essa ajuda nos era dupla-
mente necessária, porque semelhante escolha,
empreendida por quem quer que fosse, guardaria
sempre marca de caráter individual, impossível de
satisfazer o gosto de leitores em geral. Sem pro-
curar justificação para nós mesmos e para amigos
que tão gentilmente nos auxiliaram, e sem que-
rer dar ao nosso trabalho autoridade de código de
bom gosto literário, esperamos todavia reconhe-
çam que o nosso plano tem apenas um objetivo:
satisfazer o gosto geral.
Quanto ao espaço que demos às diversas literaturas
não nos deixamos guiar por inclinação particular,
mas pela intenção de dar maior amplitude às que
são mais conhecidas.

191
Agimos com liberdade na ordem de apresentar as
línguas, considerando nossa obra como uma expo-
sição de poesias líricas de diversos povos, e de igual
modo quanto à ordem de autores e obras, não ten-
do, como já ficou dito, outra meta além desta: ofe-
recer ao público uma Antologia Universal.
Wilson Martins, na História da inteligência brasileira (v. 3, 1855
1877), acentua:

A obra científica de Gomes de Sousa, a que faremos


referência no momento oportuno, seria um pouco a
imagem da Anthologie Universelle: magnífica ruína
de um edifício majestoso cuja construção jamais se
concluiu[.].

Na relação dos poetas líricos de língua portuguesa da citada An-


tologia Universal, consta Gonçalves Dias com os poemas Canção do
Exílio, O Canto do Guerreiro, O Canto do Piaga, Epicédio, A Flor do
Amor, Leito de Folhas Verdes, Marabá e Sobre o Túmulo de um Meni-
no, inseridos nas páginas 617 a 628.
Esse livro, esse cimélio, de 152 anos, vai integrar, por minha do-
ação, o acervo da Biblioteca da Universidade Estadual do Maranhão.
Mais tivera, mais daria à UEMA, minha universidade!

192
Folha de rosto da Anthologie Universelle de Joaquim Gomes de
Souza, do exemplar doado pelo acadêmico Mont’Alverne Frota.

193
6ª Parte

O Livro da Academia
A Silhueta das Areias
ou A Face Granulada do Inefável
Carlos Augusto Viana

A leitura de A silhueta das areias (TELLES, 2014) descortina um


discurso de que se evola a maturidade estética, tanto pelo domínio
de múltiplas formas quanto pela diversidade temática, constituindo
a cristalização definitiva da escritura de José Telles. Há, portanto, um
pacto indissolúvel entre o poeta e a palavra.
Jorge Tufic, na orelha deste livro, soletra, com propriedade, a
cartilha singular da voz lírica de José Telles:

Poesia tirada de muitos sopros, gemidos e urros


quando a linguagem se instala nas raízes da pa-
rábola. A silhueta das areias, o novo poemário de
José Telles, dá-nos uma nova perspectiva do verso
livre, como expressão de liberdade para dizer, mas
também, e sobretudo, como a forma a que adere a
qualquer temática, adoçando-lhe o travo, por mais
diverso que ele seja. Ao ritmo lento que sua leitura
oferece, estiliza-se a metáfora da linguagem poética
sobre os vários temas que lhe servem nessa nova
colheita de auroras e crepúsculos, e aqui, afinal, es-
trelece a revelação de um cotidiano salvo dos para-
lelos e paradoxos que nos tornam a existência numa
trágica aventura. Refaz-se, contudo, a nova parceria
entre a esfinge e o caminhante. Densifica o texto
de José Telles a profundidade que ela alcança no
gênero das inovações e do eu lírico, tão belo e tão
fraterno como o necrológio que dedica à memó-
ria do grande cronista e poeta Airton Monte. Mas
onde quer que se abram as folhas deste Manual
afetivo, ou relicário de afetos e saudades, correm

197
parelhas os títulos que encimam a bela rapsódia e
os valores estéticos de sua própria oficina, de resto
inconfundível (TUFIC, 2014, s/p).

Juarez Leitão, ao apresentar este número ao público, quando de


seu lançamento, destacou, a princípio, a primorosa edição de Geraldo
Jesuíno, vestindo o livro, enquanto produto, de inaugural beleza. Após
ressaltar que, de há muito, acompanha a escritura de José Telles, ob-
servou que, a obra deste poeta,

construiu-se como um edifício que vai ganhando


altura e bom acabamento a cada andar, com jane-
las e varandas vastas e belas a receber as brisas do
tempo, os ecos da memória e os sopros oscilantes
das circunstâncias.
Escolheu desta vez o cenário das areias, filho que é
de uma aldeia litorânea, a Vila de Bitupitá, onde, cer-
tamente, tantas vezes viu imprecisas formas nas ma-
drugadas nebulosas, algumas verdadeiras e outras
inventadas pelos seus anseios de menino cismador
possuído dos sonhos e desejos de um longo navegar.
[.]Sabe o poeta, o Zé Telles e os outros afilhados da
luz, que não nos basta copiar a vida, mas novamen-
te instituí-la como oficina de sonhos e horizonte de
esperanças, a estrada solar por onde haveremos de
caminhar todos os dias entoando as doces canções
de liberdade (LEITÃO, 2014, p. 100-103).

O poema “Entardecer” é composto por três estrofes assimétri-


cas, com o metro livre, mas com um intrigante jogo de rimas:

198
Estou ilhado de mortos
o Adolfo quase 100 anos
a Lana um câncer de mama.

O André amputou o pé
a Elvira um tumor de ovário
o Sérgio é nonagenário
a Helena nunca mais fez um poema.

O Jonas enlouqueceu
ninguém sabe que fim levou a Darília
e nem notícias do Romeu
o Rui foi morar em Brasília ao lado do aeroporto.
(TELLES, 2014, p. 123).

“Estou ilhado de mortos” (v. 1) – aponta uma constatação de-


soladora – a lâmina inexorável da morte a ceifar, aqui e alhures, os
que são caros ao eu lírico; se este, por sua vez, encontra-se “ilhado
de mortos” (v. 1), é porque a ausência da matéria cristaliza ainda mais
a imagem dos que se foram; e, assim, estes, em seu inefável silêncio,
tomam conta de gestos e de pensamentos. Há, ainda, os que habitam
a antessala da morte: “Adolfo” (v. 2), sob a ameaça da longevidade; e
“Lana” (v. 3), corroída por um câncer.
Na segunda estrofe, as aproximações sonoras dos termos “An-
dré” e “pé” (v. 4) tingem o poema com notas de humor negro. No
segundo verso, o que ganha relevo são as elipses mentais, ordenado-
ras da mensagem, pois, a ausência do léxico verbal abre caminho a
uma polissemia: teria “Elvira” (v. 5) também “amputado” um “tumor
de ovário” (v. 5) ou estaria por este sendo invadida? Considerando-se
a natureza circular da morte, com suas escolhas aleatórias, “Sérgio”
(v. 6) percorre a mesma estrada que “Adolfo” (v. 2). No último verso,
“Helena” quebra a atmosfera geral que envolve a composição, impli-
cando outra natureza de perda: o abandono pela poesia.

199
Na última estrofe, a vida, com sua sucessão de perdas, substitui
a imponderabilidade da morte; é o momento em que o eu lírico depara
o grotesco, incrustando em si a consciência de que, no mundo, nem as
coisas nem os seres estão em plena harmonia: a loucura tomou conta
de “Jonas” (v. 8); não existem notícias de “Darília” (v. 9), tampouco
de “Romeu” (v. 10); e o “Rui” (v. 11), indo “morar em Brasília” (v. 11),
optou pela fuga espacial, como perspectiva de mudança, mas, “ao
lado do aeroporto” (v. 11), continua entregue às “lições de partir”.1
A fusão das temáticas do amor, suas vicissitudes, e das múltiplas
faces do erotismo, é recorrente na escritura poética de José Telles – o
que se constata, sem muito esforço, na leitura cronológica de seus
livros. Em A silhueta das areias, o poema de abertura, sob o título “In-
timidade”, já surge como constatação de tudo isso:

Nunca começo a amar pela nudez,


nossas intimidades revelam seus segredos,
o diálogo se oculta no silêncio
ou se esconde em gestos poucos

Pelo prazer de caminhar


a nudez se alonga em sua pele,
beijo-lhe a carne e a louça de seu ventre,
entro despido em sua boca

Para protegê-la,
visto seu corpo com o meu corpo (p. 43).

1 Tal leitura , posta nesta última expressão entre aspas, foi motivada por um poema de Manuel
Bandeira, sob o título “Lua Nova”, no qual o eu lírico assim traduz o seu estado emocional:
“Meu novo quarto/ Virado para o nascente:/ Meu quarto, de novo a cavaleiro de entrada
da barra./// Depois de 10 anos de pátio/ Volto a tomar conhecimento da aurora./ Volto a
banhar meus olhos no mênstruo incruento das madrugadas. /// Todas as manhãs o aeropor-
to em frente me dá lições de partir:/ Hei de aprender com ele/ A partir de uma vez/ – Sem
medo,/ Sem saudade / sem remorso.” Disponível em: <http://poemasdebandeira.blogspot.
com.br/2011/01/lua-nova.html>. Acesso em: 05 jan. 2016.

200
Em seu estudo sobre o erotismo, Georges Bataille o compreende
como inerente, de modo singular, à natureza humana, pois, em vez
de ligar-se absolutamente à reprodução da espécie, como acontece
no reino animal, a isto transcende, convertendo--se em algo lúdico.
A partir disso, anuncia-se uma série de tensões: a descontinuidade –
cada ser é um território único; e a solidão, um fim inexorável de todos;
em contrapartida, a continuidade, pois cada um dos seres humanos se
alimenta da ilusão de completude a ser encontrada no outro (BATAIL-
LE, 2004). O ser humano seria, portanto, como as ondas do mar, que
se alteiam e se fragmentam incessantemente.
Neste poema, José Telles tece, através da plasticidade de me-
táforas, o estado da continuidade: as “intimidades” (v. 2) dizem dos
“segredos” (v. 2), despindo, de modo pleno, outra nudez: a da pas-
tosa subjetividade dos seres, daí a afirmação: “Nunca começo a amar
pela nudez” (v. 1). Ocultado pelo “silêncio” (v. 3), o “diálogo” (v. 3)
advém não mais das palavras, mas dos “gestos”, inaugurando uma
linguagem outra, fundindo elementos eróticos e estéticos: “a nudez
se alonga em sua pele” (v. 6), daí a conversão do umbigo em “louça
de seu ventre” (v. 7). Na última estrofe, o eu lírico aspira proteger e
a si mesmo e à amada dos perigos da descontinuidade, singrando as
águas da fusão absoluta: “visto o seu corpo com o meu corpo” (v. 10).
Em duas estrofes simétricas, com versos livres e rimas predomi-
nantemente toantes, “Poema para ninar aeromoça” é de um lirismo
delicado e terno, todo alicerçado em jogos especulativos:

Se eu amasse uma aeromoça


quando em casa ela chegasse
cansada e mais leve que o ar
nela poria meus beijos e abraços
e bailando nos céus como dois pássaros
em nossas fantasias e quimeras
o amor seria eterna primavera
e a vida uma canção por terminar
Queria tanto amar uma aeromoça

201
para ter sempre aquele amor de despedida
beijar-lhe a boca cheia de saudade
sem hora de chegada ou de partida
e quão mais exultasse sua vaidade
mimoseando seu corpo apaixonado
deitá-la-ia soberana entre meus braços
a fruir e amar dois corações amados (TELLES, 2014, p. 44).

A escolha do léxico “aeromoça” e não “comissária de bordo”


conduz o tempo e o espaço deste poema a um passado mais ou me-
nos distante – quem sabe o das “asas da Panair”, quando as viagens
de avião eram timbradas pelo glamour e pela elegância, e por sobre
a “aeromoça” pairava uma nuvem de mistério, uma carta geográfica.
Tudo, neste poema, especulações líricas: se “amasse uma ae-
romoça” (v. 1), a voz poemática, num erotismo mais estético do que
real, sempre irá senti-la mais nos céus do que na terra, pois, chegando
a casa, ela, ainda que “cansada” (v. 3), seria “mais leve que o ar” –
portanto, um ser fugidio, translúcido; por isso, os dois, mesmo em
casa, bailariam “nos céus como dois pássaros” (v. 5), e Eros os levaria
em direção à música – a mais abstrata das artes: “a vida uma canção
por terminar” (v. 8).
A confissão “Queria tanto amar uma aeromoça” (v. 9) reforça a
experiência pretérita; e nada parece dissuadi-lo da empreitada: pouco
lhe importa a sensação permanente de “amor de despedida” (v. 10)
e de “saudade” (v. 11), tampouco a imprevisibilidade dos encontros
– “sem hora de chegada ou de partida” (v. 12), pois, em todos os
momentos, a ausência transmuta-se em presença: “a fruir e amar dois
corações amados” (v. 16).
Inúmeros são os poemas que, antes de sua leitura, já chamam
a atenção por conta dos recursos formais. É o caso, por exemplo, de
“Piano orvalhado com a solidão caseira”, cujas estrofes apontam a
presença de dois movimentos, numa alternância entre pausas breves
dos dois primeiros versos e o ritmo prolongado do terceiro:

202
Precisamos de algum tempo
para ouvir um piano
– aquele piano complacente com as coisas proibidas.

Não preciso sequer


tocar tuas entranhas
dá-me apenas a paisagem de teu corpo para ser aplaudi-
da. (p. 45).

No primeiro movimento, a metonímia “ouvir um piano” (v. 2),


como extrema necessidade, supõe um acordo da alma com o cor-
po. Quanto à construção do texto, imprime-se um curioso recurso:
o deslocamento da inicial indeterminação de “um piano” (v. 2) para
a determinação incisiva: “aquele piano” (v. 3), pois, o que é empós
enfatizado é a sua associação com a transgressão, já que possui com-
placência com “as coisas proibidas” (v. 3).
Na última estrofe, os versos insinuam uma transfiguração, a par-
tir da sugestão não de um “piano” (v. 2) enquanto instrumento mu-
sical, mas, sim, de um “corpo” (v. 6), esclarecendo que, em verdade,
é deste que se evolam as modulações; a música advém da própria
mulher, da “paisagem” (v. 6) em que se misturam os elementos.
A dicção maviosa e a alternância do ritmo dão ao poema “Diga
qualquer coisa” um gradativo alumbramento, pondo em relevo a ex-
ploração das potencialidades da linguagem coloquial:

Aonde você
Nesse deserto de silêncios?
A palavra ainda existe
nem que seja para revelar o segredo dos mortos

Diga que ainda vive


e que podemos repetir os favores do amor
Se a saudade me marca

203
a culpa é desse jeito de amar
que você guarda em seu corpo

A seu abraço
quem há de resistir?
Toda minha espera
rendeu-se ao seu silêncio
sou pura solidão (p. 47).

A metáfora“deserto de silêncios” (v. 2) traduz um estado emo-


cional em que a falta se faz presença no eu lírico: o termo “deserto”
integra a atmosfera semântica de sol, lua, calor, solidão e tentação,
por isso aproxima o viajor dos grãos de areia. Apesar de tudo, “A pala-
vra ainda existe” (v. 3), nem mesmo que sirva apenas para ressuscitar o
que o tempo dissipou. Rogativo, o eu lírico lança apelos a um “corpo”
(v. 9) ausente, para que este se anuncie vivo e a ele retorne em pro-
messas de “amor” (v. 6); e tudo se torna mais espontâneo, pelo em-
prego do estilo mesclado, a partir da linguagem prosaica, coloquial: “a
culpa é desse jeito de amar / que você guarda em seu corpo” (v. 8 e v.
9). Assim, a sua “espera” (v. 12) direciona-se ao momento em que se
liberte do desolado abandono: “sou pura solidão” (v. 14).
José Telles é poeta de intrigantes recursos expressivos; consegue
uma harmonia entre a forma dos poemas e suas respectivas mensa-
gens. Vejam-se, então, os jogos de armar do emprego consciente do
paralelismo sintático em “Choro por aqueles”:

Que nunca tocaram o sino plangente das igrejas


que nunca se despiram no ventre das lagoas
que nunca dançaram no solo monacal das chuvas

Que nunca navegaram em mares avoengos


que nunca pisaram a lama generosa dos salgados
que nunca se perderam no labirinto das luas

204
Que nunca desafiaram o rio em sua paz
que nunca tiveram a ilusão de ser saudade
que nunca mentiram entre juras e jamais

Que tiveram a infância apressada como o dia


que perderam a inocência no vazio das lembranças
que nunca foram sagrados virtuosos coroinhas

Que não fruíram o estilhaço da pedra na vidraça


que não tremeram ao fremir da palmatória
que não cresceram como as magnólias e os gatos. (p. 51).

O título do poema “Choro por aqueles” funciona também como


o primeiro verso e se estende às demais estrofes como se comportasse
o papel de um refrão. A princípio, o eu lírico alude a elementos confi-
guradores da vida nas cidadezinhas do interior, onde a voz do “sino”
(v. 1) – como um cronômetro coletivo – ordena o digladiar-se entre as
forças da vida e da morte; depois faz referências ao contato livre com a
natureza, quer nos banhos nas “lagoas” (v. 2), quer nos movimentos da
“chuva” (v. 3), pois, esta, vinda do céu, fertiliza a terra e, sendo filha das
nuvens pesadas e da tempestade, comporta em si os símbolos do fogo –
pela ação dos relâmpagos – e da água, com toda a carga de renovação.
A segunda estrofe aponta como fundamental, enquanto ri-
queza da existência, o encontro do ser com as configurações de seu
passado, representadas pela metáfora “mares avoengos” (v. 4), bem
como o ato de guardar a imagem da “lama generosa dos salgados”
(v. 5) – metonímia da colheita árdua da sobrevivência diária; por fim,
a ideia de que é mister percorrer o “labirinto das luas” (v. 6), isto é,
entregar-se ao devaneio, ao sonho, entrelaçando ao duro cotidiano o
tecido da fantasia.
A imperiosidade de quebrar regras, de ir de encontro às ordenações
que procuram regular a vida social, bem como os artifícios que brotam
das relações humanas são a preocupação temática da terceira estrofe. É

205
mister tirar do “rio” (v. 7) a “paz” (v. 7), da mesma forma como é preciso,
de quando em vez, iludir-se a si mesmo, bem como servir-se também das
máscaras sociais: “nunca mentiram entre juras e jamais” (v. 9).
Um tom de ironia, quase deboche, toma conta da quarta estro-
fe: “que nunca foram sagrados virtuosos coroinhas” (v. 12). Antes, o
sujeito da escrita lamenta a punição indelével de uma “infância apres-
sada” (v. 10), pois esta condena o ser à perda da fruição; e, por outro
lado, ressalta a inutilidade de um mergulho profundo no “vazio das
lembranças” (v. 11).
Na última estrofe, a nota transgressora reaparece com “o es-
tilhaço da pedra na vidraça” (v. 13); há, ainda, um resgate do sadis-
mo que palmilhava a infância dos tempos já idos, a partir do “fremir
da palmatória” (v. 14); o poema se fecha com uma intertextualidade
com Machado de Assis, recuperando uma passagem do capítulo “O
menino é o pai do homem”, de Memórias póstumas de Brás Cubas,
em que o protagonista se reconhece um verdadeiro “menino diabo”,
afirmando que crescera “como as magnólias e os gatos”2 (v. 15) – um
símile resgatado por José Telles.
A composição “Sob o luar de sua pele”3 se estrutura em quatro
dísticos, com versos livres e uma única toante na última estrofe:

Como um beija-flor
você pousa em minhas tardes

Sua tez morena


desliza ameaçada entre meus beijos

Tempestades de prazeres
Agonizam em nossa alcova

2 Neste romance, o defunto-autor, Brás Cubas, ao recontar sua vida, desenha a cena geral da
condição humana; ele, Brás Cubas, possui uma natureza complexa, cheia de contradições,
ambicioso e retraído, vaidoso e displicente, apaixonado e indiferente. Num laivo naturalista,
reconhece-se fruto de uma educação perniciosa: “Cresci, e nisso é que a família não inter-
veio; cresci naturalmente, como crescem as magnólias e os gatos” (ASSIS, 1997, p. 526).
3 Dedicatória: “. pourelle” (p. 52).

206
O novo se revela
toda vez que toco o luar de sua pele (p. 52).

Símile e metáfora desdobram-se, na primeira estrofe, para que o


espaço e o tempo do encontro dos amantes trescale uma experiência
idílica. Cobre-se a mulher quase que completamente de abstrações: a
metonímia “tez morena” (v. 3) não a singulariza. Há uma progressiva
passagem do tempo: a princípio, as “tardes”; por fim, “o luar de sua
pele” (v. 8), delimitando as horas do encontro.
O tema do andarilho solitário, em busca da amada, da qual não
tem qualquer referência – motivo caro aos poetas do Romantismo – é
o motivo de “O amor em vigília”:

Em
tua busca
sigo rastros de navios
torturados pelos ventos
uma esperança
navega numa lágrima

Existe
uma ameaça
de porto em minha dor
a solidão tropeça
em nossa crença
minha procura
amanhece em silêncio (p. 53).

Tudo, neste poema, dirige-se a uma atmosfera vaga, incorpó-


rea, a configurar um sonho – não como linguagem do inconsciente,
mas como desejo, aspiração, justificado este estado pelo termo “vi-
gília”, presente no título. Desse modo, o eu lírico singra os mares
da noite, onde tudo diz respeito a fugas: “rastros de navios” (v. 3);
“ventos” (v. 4), permanecendo acordado até amanhecer “em silên-

207
cio”. A lógica do poético é estabelecida pela constelação semântica
da ideia de navegação: “navios” (v. 3); “navega” (v. 6); “porto” (v.
9). O ser – insone – é todo “procura” (v. 12).
Em “Lábios orvalhados pelo riso”, José Telles, em seis tercetos
simétricos, com versos livres e algumas rimas ocasionais, esplende sua
arte e seu engenho:

O corpo
(sala e antessala)
ainda exala o perfume dos lençóis

As ancas
tosca simetria
onde espio do amor o gesto insano

O colo
bela geografia
onde desafio em romaria o mais profano

O ventre
doce embriaguez
onde amanheço toda vez que estou insone

Nos seios
de haveres satisfeitos
agasalho meu corpo e deito meus prazeres

Nos lábios
orvalhados pelo riso
pouso e piso o chão da eternidade (p. 57).

A técnica para a realização deste poema inverte a do cultismo


barroco: recolho e disseminação, pois, a princípio, assoma um “corpo”
(v. 1), trescalando o “perfume dos lençóis” (v. 3), para, desde então, ser,

208
paulatinamente, fragmentado em “ancas” (v. 4), em “colo” (v. 7), em
“ventre” (v. 10), em “seios” (v. 13) e em “lábios” (v. 16). Do primeiro ao
quarto terceto, as metáforas são elaboradas a partir de elipses mentais:
“sala e antessala” (v. 2); “tosca simetria” (v. 5); “bela geografia” (v. 8);
“doce embriaguez” (v. 11); nos dois últimos, pelo sentido conotativo
dos verbos: “agasalho” e “deito” (v. 15); e “pouso e piso” (v. 18).
A concepção de arte pela arte aproxima a poesia da escultura
em “O banho de Afrodite”, mas se os parnasianos compreendiam a
poesia como conceito, para José Telles, ela é puramente imagem:

A mão desliza suavemente


entre a nudez e o corpo,
resplandece a tez que bem conhece
os caminhos do prazer

A água codifica cada atalho


e flui preguiçosa
na maciez das espumas vãs.
O suor se despede
colado às curvas de frondosas algas

A toalha passeia prazerosa


entre aconchegos e conchas;
na moldura
vândalos prazeres tombam enfurecidos
a nudez perfura a noite (p. 60).

O escultor ático Praxíteles concebeu, no século IV, a.C., uma das


mais famosas leituras da deusa do amor: Afrodite de Cnido – a primei-
ra em que ela aparece completamente nua, no momento em que se
preparava para um banho: a roupa na mão esquerda, e a mão direita
cobrindo, maviosamente, os genitais. Como bem se percebe, neste
poema, José Telles não visa à transmutação da palavra em mármore,
tão somente, através de metáforas, sugere os movimentos que se des-

209
prendem da estátua: “A mão desliza suavemente / entre a nudez e o
corpo” (v. 1 e v. 2) – instante em que os tecidos escorrem por sobre
o corpo, desnudando-o pouco a pouco. A metáfora final – “a nudez
perfura a noite” (v. 14) – aponta a capacidade das obras de arte, por-
tadoras do belo, de atravessar os séculos, constantemente atualizada.
A natureza prosaica, puramente coloquial, do título “Vem
comigo”4 vai de encontro à lhaneza do discurso lírico de seus versos,
brancos e livres, dispostos em três tercetos, num ritmo que progressi-
vamente se prolonga:

Vem comigo
ouvir a tristeza da noite
juntos entenderemos a canção que vem do silêncio.

Vem comigo
tocar os lábios da esperança
juntos recolheremos o espólio das perdas

Já não existe o indez de tua culpa


pousa em meus olhos o vigor de tua nudez
e conduz minha solidão para o encantamento (p. 62).

O eu lírico convida a musa para uma integração absoluta com a


natureza: “juntos” (v. 3), os dois devem vestir-se da mesma “tristeza
da noite” (v. 2), alimentando-se da “canção que vem do silêncio” (v.
3). Ungidos pelos “lábios da esperança” (v. 5), terão o “espólio das
perdas” (v. 6). Sem quaisquer indícios de “culpa” (v. 7), a vigorosa
“nudez” (v. 8), pousada em seus “olhos” (v. 8), é puro alumbramento.
Sendo aberta, consoante pensamento de Umberto Eco, toda
grande obra de arte literária provoca feixes de interpretações5, bem

4 Dedicatória: “Para Hermília Lima” (p. 62).


5 Esta compreensão parte do princípio de que a obra literária, por natureza ambígua, não
constitui um universo fechado em si, daí ser passível a múltiplas interpretações, desde que
alicerçadas num sólido rigor teórico (ECO, 1988).

210
como, por conta de sua natural riqueza, está sempre instigando o
leitor, desconcertando-o, levando, assim, ao questionamento de cer-
tezas; quando não, ao encontro do que suscita o que não é de todo
revelado, como no poema “A falta”:

Escorre
o mosto da dor
e fere.
Consola-me o ousio
que infere e compensa
a falta.
Uma ausência pula o muro
e amanhece dona de meu quintal. (p. 63).

Composto em uma única estrofe, com versos livres e rimas bran-


cas, este poema é um dos mais herméticos dentre os que compõem o
livro A silhueta das areias. Uma série de especulações se inscreve em
torno do léxico “mosto” (v. 2), dentre essas a possibilidade de a “dor”
(v. 2) ser uma experiência recente, tanto pelo uso do tempo verbal no
presente como pelas pausas dramáticas que as formas “escorre” (v. 1)
e “fere” (v. 3) encerram.
A “falta” (v. 6), motor do universo poemático, revela a sua face
desafiadora, conduzindo o eu lírico a enfrentá-la e, ao mesmo tempo,
render-se ao seu império. Por fim, a “falta” (v. 6) diz que sua verda-
deira face é, sobretudo, “uma ausência” (v. 7), que, por não mais ser,
torna-se cada vez mais palpável, mais viva; por ter ido (sugestão advin-
da da imagem “pula o muro”, v. 7) é, a rigor, a senhora do “quintal”
(v. 8); ou seja, dos mínimos movimentos cotidianos.
A tentativa de realizar uma exegese da escritura de José Telles re-
cai, inevitavelmente, a partir de sucessivas leituras, na questão metalin-
guística. No discurso de qualquer poeta (quando, evidentemente, este
é tocado verdadeiramente pela poesia), o cultivo da metapoesia forne-
ce a dimensão de sua consciência crítica, uma vez que o que motiva o

211
poeta é exatamente a problemática da criação, bem como os efeitos
que o poema provoca no autor / leitor. Nesse sentido, a contemplação
do fazer poético – a poesia em seu estado de essência – abre diversos
caminhos por que se pode palmilhar o exercício de uma escritura.
Em “Canção germinal do amor eterno”6, José Telles explora
diversas possibilidades rítmicas:

Olha de lado.
Finge. Troca de mesa.
Agora, sorri para tua sombra
ou para minha silhueta

Recolhe este gesto


e sente devagar
o solene germinar de uma paixão

O mosto do amor
que entre nós deixou seu rastro
tem o gosto de todas as partes de teu corpo

Agora,
abusa de teu gesto insano
e deixa teu corpo sentir que ainda me deve

O dia a dia
entre nós se desespera
sem saber o que é novo, o que é velho
e quanto tua boca da minha se apodera
resplandece o prazer que se renova (p. 65-66).

A metáfora “O mosto do amor” (v. 8), por um processo de per-


sonificação, é o sujeito dos verbos das quatro primeiras estrofes. Nesta
trama poética, Eros serpenteia por entre os amantes, transitando de

6 Dedicatória: “Para minha Ana Karena” (p. 65).

212
um para outro: “Agora, sorri para tua sombra / ou para minha silhue-
ta” (v. 3 e v. 4). Após deixar “seu rastro” (v. 9), para que seja seguido
pelos amantes, e trazer em si o sabor “de todas as partes” (v. 10) do
corpo da amada, “o mosto do amor” (v. 8) derrama-se por sobre a
sede, nunca saciada: “ainda me deve” (v. 13). Para os amantes, o coti-
diano ainda não se revelou de todo: “sem saber o que é novo, o que é
velho” (v. 16); tudo é ainda uma permanente renovação: “resplandece
o prazer que se renova” (v. 18).
Nos poemas de circunstância, José Telles demonstra toda sua ha-
bilidade em, por meio de metáforas e, pela sucessão destas, em alego-
rias, redesenhar um quadro prosaico – a saída de uma administradora
de um restaurante, seus efeitos por sobre amigos e frequentadores do
espaço – em pura poesia, consoante os versos de “Uma rosa em fuga”7:

No ar um espaço vazio
uma dor por onde espio
uma saudade a chorar

A viuvez amarga o sal da melancolia


nos olhos indormidos de quem ama

Toalhas em lágrimas molhadas


já não suportam a solidão da porcelana

De Ruth o amor zeloso


protegia a solidão dos bêbados
perdida no linho das madrugadas pagãs

Hoje, à dor servida,


lágrimas se inclinam sobre as mesas
escondidas no azul impermeável do silêncio

7 Dedicatória: “À imensa Ruth” (p. 67).

213
E por ironia
essa dor mal consumida
diminui bastante o consumo de alegria

O pôr do sol espera tua volta, ó Ruth!


e, de tristeza tocada, chora
uma rosa em nossas mãos querendo fuga (p. 67-68).

A anástrofe – “De Ruth o amor zeloso / protegia a solidão dos


bêbados / perdida no linho das madrugadas pagãs” (v. 8 a v. 10) –,
posta no primeiro verso, apresenta a personagem lírica do poema:
“Ruth” (v. 8), bem como o espaço de sua performance: um bar-res-
taurante, cujo “espaço vazio” (v. 1) alude à sua abrupta ausência, daí
a alegoria: “Toalhas molhadas de lágrimas / já não suportam a solidão
da porcelana” (v. 6 e v. 7). A metáfora “linho das madrugadas” (v. 10)
realça o “amor zeloso” (v. 8) de “Ruth” (v. 8) – uma proteção aos que
se lançavam aos braços da embriaguez.
No segundo movimento, o advérbio “hoje” (v. 11) aponta um
novo momento: o da ausência de Ruth, por isso, “lágrimas se inclinam
sobre as mesas” (v. 12), e nada mais há, diante da desolação, do que o
“azul impermeável do silêncio” (v. 13) – um brilhante jogo sinestésico a
sugerir, ao longe, o lume da tarde de um céu a cair por sobre o movimen-
to granulado das marés: “O pôr do sol espera tua volta, ó Ruth!” (v. 17).
O poema “Mãe”, em versos livres e brancos, inseridos em seis
estrofes, comove o leitor pela espontaneidade dos sentimentos, advin-
da do tom confessional:

As mães falam com Deus.


Sua mão é pluma que cai;
Seu abraço, aconchego e cura.

O que podemos oferecer-te,


se todos os caminhos já são teus,

214
todos os beijos já pousaram em tua face,
todas as dores navegam em teu sorriso,
enfim, os céus a ti pertencem?

Ou, simplesmente, preferirias que


o mundo voltasse a ser criança
para nele dourar-me aquela infância?

Ou, quem sabe, preferirias mimosear


a sisudez de meus conflitos para
minimizar a ilusão dos meus sonhos?

Ou, talvez, pomposamente,


à revelia dos deuses,
galardoar-me com todas as estrelas?

Mãe, essas dúvidas, bem sei,


são querenças molhadas de saudade
– lágrimas do meu dia-a-dia (p.70-71).

O axioma “As mães falam com Deus” (v. 1) resume o tema cen-
tral desta composição. A metáfora “Sua mão é pluma que cai” (v. 2)
é uma imagem por que se reflete a plenitude da delicadeza, reforçada
esta por outra metáfora, agora oriunda de uma zeugma8, “seu abra-
ço, aconchego e cura” (v. 3).
A forma verbal “podemos” (v. 4) revela ser o eu lírico porta-voz
da saudade e das dores de outros irmãos, a quem a palavra-poesia não
se revelou; desse modo, as interrogações a partir de “O que podemos
oferecer-te” (v. 4) desembocam em enumerações conotativas de uma
inescrutável pobreza, em contraste com riqueza a vestir a subjetivida-
de da mãe: dona de “todos os caminhos” (v. 5); guardiã de “todos os
beijos” (v. 6); e elmo para as procelas: “todas as dores navegam em

8 Zeugma: omissão de um termo oracional já expresso.

215
teu sorriso” (v. 7). Por fim, reconhece o eu lírico que suas incertezas
são, deveras, “querenças molhadas de saudade” (v. 19) – espelho de
suas dores cotidianas.
Sob o título de “A maestrina”9, José Telles compõe mais um
poema de circunstância, em versos livres brancos, em três estrofes,
progressivamente alongadas, como sugestão do clímax do espetáculo:

De repente,
mãos ensandecidas bailam no ar,
o império da maestrina desnuda cordas violadas.
No paço, uma multidão de silêncios
se submete ao esplendor dos sonhos e dos gestos

Ela ginga, dança e some


na vastidão das coisas invisíveis
e avança nos acidentes da pauta
como quem inaugura a boca desejada.
Elegante e graciosa
incorpora a fluidez do ritmo
e assiste, em harmonia, à solenidade dos acordes.

Ao olhar vigilante
desfilam, em salvas, sinfonias e prazeres,
movimentos apontam para os céus,
(recobertos com lençóis de arte),
Alpendrando lírica nos segredos de Deus.
Suas mãos ainda bailam
no estribilho das cordas e se espalham
querendo ninar a solidão do mundo
Quando tudo termina,
a reverência de seu corpo
se aventura até o último silêncio,
procurando abrigo nos escaninhos de Deus. (p. 72-73).

9 Dedicatória: “À raríssima Inês Martins” (p. 72).

216
As “mãos ensandecidas” (v. 2) que “bailam no ar” (v. 2) aludem
aos movimentos da “maestrina” (v. 3) a desnudar “cordas violadas” (v.
3), diante de uma plateia – “uma multidão de silêncios” (v. 4) – extasia-
da. A “vastidão das coisas invisíveis” (v. 7) comporta as modulações dos
“acordes” (v. 12). A metáfora “lençóis de arte” (v. 16) sugere a presen-
ça de um toldo que, magicamente, abriga a todos os que, “no paço”
(v. 4), desprendem-se do mundo lá fora, alimentando-se do mosto do
alumbramento, pois, da “maestrina” (v. 3) as “mãos ainda bailam” (v.
18), multiplicando-se em afagos para a “solidão do mundo” (v. 20);
cerrada a música, as notas prosseguem ainda sua travessia em direção
ao sagrado: “procurando abrigo nos escaninhos de Deus” (v. 24).
Na composição “Desabafo”, mais uma vez, o homem e o poeta,
implicando uma maneira singular de construir metapoema; os versos
brancos e livres armam uma única estrofe:

Aqui estou
a tecer teias para esconder
amores
são vazadas mas são minhas
não preciso
de artimanhas para coser
estas linhas (p. 79).

Ao comparar seus poemas a “vazadas” (v. 4) “teias” (v. 2), o eu


lírico confessa pobreza e precariedade, sugerindo que os “amores” (v.
3), a que aspira esconder, escorrem de suas mãos e se perdem no tem-
po. A expressão “mas são minhas” (v. 4) confirma certo orgulho da
espontaneidade de seu ofício, já que ele não necessita de “artimanhas
para coser / estas linhas” (v. 6 e v. 7). Mas, afinal, estas linhas o que
dizem? O amargor da existência nua? Um rosário de perdas? Os fios
que, desprendidos do novelo, mais o fazem crescer? Todas as respos-
tas estão depositadas – não nas “linhas” (v. 7) –, mas nas entrelinhas:
“A obra de arte é a razão de ser do objeto estético, mas só alcança

217
a sua finalidade quando é percebida como obra de arte, ou melhor,
como objeto estético” (RAMOS, 1973, p. 29).
Em três dísticos, com simetria nos versos ímpares e nos pares,
todos brancos e livres, José Telles estrutura “O amanhecer das possibi-
lidades”, com sucessivas sugestões:

Tivemos o mesmo rio


fomos herdeiros do mesmo pôr do sol

Beijos eram plumas


caindo levemente no solar de nossa infância

Sinto a nudez de tua ausência


celebro o amanhecer das possibilidades (p. 80).

A trama deste poema é urdida a partir do contraponto entre o


passado e o presente – descortinados estes pelas formas verbais: “Ti-
vemos” (v. 1); “eram” (v. 3); “Sinto” (v. 5); e “celebro” (v. 6). Desse
modo, infere-se que, num tempo do longe, os amantes vivenciaram,
idilicamente, a paixão – “o mesmo rio” (v. 1) e o “mesmo pôr do sol”
(v. 2). As metáforas “beijos eram plumas” (v. 3) e “solar de nossa
infância” (v. 4) contribuem para a edificação de uma atmosfera oní-
rica, de um estado permanente de devaneio. Na atualidade, porém,
a “ausência” (v. 5), encarnada numa “nudez” (v. 5) converte priscas
promessas em “possibilidades” (v. 6) reais.
José Telles é um poeta essencialmente lírico; seu discurso, por-
tanto, configura-se como a projeção de emoções, de sentimentos, de
volições; ou seja: através de um eu, o canto percorre as múltiplas pre-
ocupações humanas, fundindo-se, assim, o sujeito e o objeto, como
acontece em “Poema das ausências”10:

10 Dedicatória: “À Regine Limaverde” (p. 81).

218
Onde
o silêncio
que me deixa falar os vãos tormentos?

Onde
a solidão
que me permite a companhia dos mortos?

Onde
a tristeza
se minh’alma lacrimeja enluarada pelas ruas?

Onde
a saudade
que me deixa ao sabor de toda ausência?

Onde
o amor
que deixa minha dor ao dispor do suicídio? (p. 81).

Mais uma vez, o poeta recorre ao paralelismo sintático como


mecanismo por que possa construir suas especulações. Desolado,
desconsolado, o eu lírico enumera, como aniquiladoras, as ausências
do “silêncio” (v. 2), da “solidão” (v. 5), da “saudade” (v. 11) e do
“amor” (v. 14), pois, ao experimentá-las, intensamente, a poesia lhe
foge, e nada mais pode consolá-lo. O tom emotivo desses versos é
intensificado pelo ritmo, especialmente sedimentado na estilística da
repetição. No caso específico de José Telles, em A silhueta das areias,
a reflexão acerca da força das palavras ou mesmo do estado poético
são expressões recorrentes, quer em poemas como um todo, quer
em momentos de digressões.
Modesto Carone, num estudo de literatura comparada, no qual
percorre a relação entre as poesias de João Cabral de Melo Neto e
Paul Celan, afirma que o “metapoema, entendido como linguagem e

219
indagação e demonstração da linguagem do poema que se faz con-
temporaneamente à sua constituição estética efetiva, é um ponto de
encontro privilegiado” (CARONE, 1979, p. 41). A partir de composi-
ções desta natureza, o leitor, adentrando no território da metapoesia,
percebe que “as coisas se fazem mais amplas, / mais largas, ou mais
largamente / e deixam ver os interstícios / que a olho nu não se sen-
te, /// e que há na textura das coisas / por completas que sejam elas;
laboratório: que parece / tornar as coisas mais abertas” (MELO NETO,
1986, p. 99); e se, assim se fazem, é, justamente, “para que as entre-
mos por entre, / através do fundo, do centro; / laboratório: onde se
aprende / a aprender as coisas por dentro” (p. 99).
Não menos desafiadora é a leitura do poema “Ortografia do
silêncio”. Neste, mais uma vez, José Telles serve-se do metro curto,
de tonalidade livre, em rimas brancas, realizando um poema em
dois movimentos:

No peito,
invertebrado silêncio;
no poema,
vértebras fragmentadas

dor saía
pelo vermelho do crepúsculo
e pelo outono das metáforas (TELLES, 2014, p. 87).

A primeira estrofe apresenta, como alicerce de construção, o


recurso da expressão nominal. Assim, a ausência do verbo contribui
para tornar mais vivo, mais carnal, o sentimento de estagnação. En-
contra-se o eu lírico paralisado pela ação de um “silêncio” (v. 2), que,
“invertebrado” (v. 2) parece invadi-lo por inteiro, sufocando-o. Neste
instante de impasse, a poesia surge como elemento de uma possível
salvação, ainda que no “poema” (v. 3) haja “fragmentadas” (v. 4) as
“vértebras” (v. 4), ou seja, que o poema ainda não se revele ao poeta

220
em seu estado de plenitude, que ele, portanto, ainda se arraste pelas
águas turvas da elaboração criadora.
No segundo movimento, o eu lírico abandona os liames da inte-
rioridade e dá conta de uma cena externa: lá fora, o “crepúsculo” (v.
6) avermelhado funciona como alegoria do estado de desespero, de
angústia, enfim, dos sentimentos tortuosos, como se pode constatar no
“Grito”, de Edvard Munch, pois, nesta composição, o pintor norueguês:

Pretende expressar como uma súbita excitação transforma


todas as nossas impressões sensoriais. Todas as linhas pa-
recem conduzir a um outro foco da pintura – a cabeça que
grita. É como se todo o cenário participasse da angústia
e excitação desse grito. O rosto da pessoa que grita está
distorcido, de fato, como o de uma caricatura. Os olhos
arregalados e as faces escovadas lembram a cabeça de um
morto. Alguma coisa muito terrível deve ter acontecido, e
é tanto mais inquietante porque nunca saberemos o que
esse grito significou (GOMBRICH, 1999, p. 564).

Como os símbolos são sempre ambivalentes, o vermelho vivo,


solar, incita, também, à ação, sendo ainda calor e intensidade – como
uma possibilidade de reação a partir da possibilidade do poético – este,
por sua vez, é sugerido pelo “outono das metáforas” (v. 7), quando,
por fim, a “dor” (v. 5), recém-saída, converte-se em poesia.
Formado por três tercetos, em versos livres e brancos, o poema
“Crepúsculo” é todo armado em jogos metafóricos:

Nossas auroras
tombaram envelhecidas
a primavera se despediu sem rosa

Os sonhos
pássaros feridos
em voos vãos

221
Tua fuga,
Crepúsculo
Deste solo de amor (p. 92).

Emil Staiger entende que a plenitude da arte poética é atingida


pela poesia lírica, cuja essência advém da presentificação do passa-
do, sendo esta tecida pela memória, daí a recorrência dos poetas
líricos a expressões nominais (STAIGER, 1966, p. 79). A partir de tais
considerações, observa-se que, neste poema, José Telles tece, nos
dois últimos tercetos, metáforas, por meio de construções elípticas,
portanto nominais.
O poeta explora a profusão de cores sugerida por “auroras”
(v. 1) como um processo por que tinge, no presente, a dissipação
das volições vivenciadas no passado. A metáfora “tombaram” (v. 2),
atrelada a “envelhecidas” (v. 2), configura a corrosão a que tudo se
submete; e somente o estado poético pode cultivar a eternidade das
coisas transitórias. Assim, o que, antes, eram “sonhos” (v. 4), agora,
transmutou-se em “pássaros feridos” (v. 5), de “voos vãos” (v. 6).
A “fuga” (v. 7) da amada lanceta o “solo de amor” (v. 9), a que o
“crepúsculo” (v. 8) esteriliza.
Em “Velhas juras”11, José Telles, em três estrofes assimétricas,
retorna ao espaço sagrado da infância e, pelo viés da memória, re-
constrói cenas dispersas:

De minha vila
quando partia
deixava minh’alma em mãos alheias
repousando
na superfície líquida dos sonhos

As estrelas
partilhavam comigo a distância e a solidão

11 Dedicatória: “À Adelaide” (p. 95).

222
brancas espumas
competiam com a fragilidade das juras

Dos sonhos
apenas uma dor a mim tocou (TELLES, 2014, p. 95).

Em “minha vila”, o pronome adjetivo enfatiza uma posse, não


agrária, mas ritualística – espaço da sagração, a que, mesmo partindo,
sentia-se, permanentemente, atado: “deixava minh’alma em mãos
alheias” (v. 3), em estado de latência, singrando a “superfície líquida
dos sonhos” (v. 5) – espécie singular de espelho, a mover-se nas águas
da memória.
Muito próximo da plasticidade das composições simbolistas, tudo
nestes versos vai ao encontro do vago, do incorpóreo; por isso o poe-
ta mais sugere do que, objetivamente, descreve. A expressão sensorial
“brancas espumas” (v. 8) amplia a ideia das ondas do mar por sobre a
praia e da luz das “estrelas” (v. 6) iluminando os caminhos da “solidão”
(v. 7) – mas algo intemporal, que não se consegue delimitar. De resto, a
desoladora constatação: “apenas uma dor a mim tocou” (v. 11).
No âmbito dos questionamentos acerca da criação literária ou
da incidência da palavra sobre o ser, “A fonte” aborda essa temática
com inquestionável propriedade:

Na intimidade do silêncio
muitas vezes não percebo
se é noite ou se é dia
mas é de lá que recolho
com muita paciência
alguma sabedoria. (p. 106).

A que remete o silêncio que não à expectativa da criação? A


imagem que suscita é do poeta sob o desafio da folha em branco de
papel (ou qualquer outro meio). Absorto, ante o ato criador, dissol-

223
vem-se aos olhos do homem os indícios temporais; o “silêncio” (v.
1), enquanto fonte, é água inesgotável e, como quer que seja, sem-
pre oferece algum fruto aos que têm fome. A poesia como alimento,
como possibilidade de resgate, no plano das volições, das coisas que
pelejas cotidianas transformam em perdas.
De todos os poemas encomiásticos12, a voz poemática abando-
na a sua dicção equilibrada, em muitos arroubos volitivos, em “Ária de
amor e de adeus a Airton Monte”:

Adeus Airton
hoje morre o canto
morre o conto
morre a palavra-poesia
morrem todos os boêmios
em suas epifanias

Só não morrem alguns acadêmicos


epidêmicos
endêmicos
com seus olhos avinagrados
fartos do acre silêncio do remorso

Adeus Airton
chora teu leitor
que lavava os olhos
com o cetim de tua prosa
com a leveza de teu canto bem urdido

Você Airton
era o café da manhã de nossas mesas
o nosso pão com manteiga festejado
líamos todas as manhãs

12 Poesia de louvor.

224
com a submissão dos apaixonados
como se cada palavra fosse um beijo

Adeus Airton
leva contigo a Praia de Iracema
o Estoril
a noite que te viu florescer
em pura boemia

Vai Airton
escrever onde o vento espalhe tuas letras
onde somente os deuses possam lê-las
– deuses do Olimpo
limpos das crostas periféricas
e do remorso do gesto

Vai Airton
salva a memória dos inúteis
com a tua palavra densa
que sangra
que desintegra as ancas
da tristeza dos covardes

Hoje
há uma imensidão de saudade
espalhada pelas ruas
só tu Airton
poderias deixar tanta saudade
hoje é o dia nacional da saudade

Não uma saudade de morte


de perda
de choro
É saudade do morto

225
é a perda da palavra
é a saudade da viuvez de tua insônia
da mágica leveza de teu silêncio

Saudade de tua fagia por cerveja


de tua mania de amigos
de tua simplicidade operária
de tuas madrugadas que se esvaíram
com o sabor das auroras
e que se embriagaram com tua embriaguez

Saudade
de teu canto que fazia da noite
cama e mesa
para exultar uma dor de cotovelo
que nasci

saudade das fêmeas


que se acalentaram no colo de tuas palavras
para saborear a gravidez dos sonhos
complacente com todas as virgindades

Saudades de ti meu caro Airton


agora monta teu pegasus
e vai fazer o pastoreio das estrelas
e traz notícias de lá. Amém! (p. 110-113).

José Telles, a partir do estilo mesclado, ou seja, pelo entrelaça-


mento da poesia com a prosa, desenha um retrato lírico, sugestivo de
Airton Monte. Infere-se, pela leitura, que ele ocupou – e ainda ocupa –,
no Ceará, o posto de cronista maior, sentando-se em iluminada cadeira
– a mesma, antes, habitada, hierarquicamente, por João Brígido, Caio
Cid, Milton Dias e Ciro Colares. Assinava seus escritos (quase diários) no
jornal O Povo, mas o fazia por pura convenção. Não há quem não lhe

226
reconheça a janela em que, de quando em vez, debruça-se para, de um
solar de nuvens, contemplar as nossas dores, as nossas alegrias ou, tão
somente, os filamentos que o cotidiano nos oferece em seu estranho
banquete; portanto, um amigo de alpendre, guardião do que, em nós,
converte-se em sagrado: o apreço à amizade, a flor nos túmulos, os cor-
redores da memória, um fragmento de tarde, o desejo e suas vicissitu-
des, o digladiar-se entre Eros e Tânatos, o cotidiano familiar, a literatura
e outras artes.; enfim, a condição humana.
Na primeira estrofe deste poema, José Telles diz de sua lamú-
ria através da nasalização extraída da paronomásia13 – “canto” (v. 2)
/ “conto” (v. 3); a dramatização da perda imprime-se na passagem:
“morre a palavra-poesia” (v. 4) – implicando a fusão absoluta do ho-
mem com o artista: morto, Airton Monte levou metonimicamente
consigo “os boêmios” (v. 5) e secretas revelações: as “epifanias” (v. 6).
Na segunda estrofe, o sujeito da escrita demonstra, em seu la-
mento, desprezo – uma sanha – pelos conservadores, ridicularizados
pela sequência de rimas, cuja disposição força pausas dramáticas:
“acadêmicos / epidêmicos / endêmicos” (v. 7 a v. 9). De valor expres-
sionista, a imagem “olhos avinagrados” (v. 10) intensifica a corrosão
destes personagens pelo “remorso” (v. 11).
Na terceira estrofe, a sucessão metafórica “que lavava os olhos /
com o cetim de tua prosa” (v. 14 e v. 15) é uma síntese dos efeitos que a
crônica de Airton Monte fazia incidir sobre seus leitores – órfãos agora.
O “canto bem urdido” (v. 16) reproduz a maquete de seu laboratório.
A quarta estrofe, por sua vez, pertence ao mesmo movimento
da anterior: porque existem outras fomes, Airton Monte, “pão com
manteiga” (v. 19) servia, ele mesmo, a seus leitores, dando a “todas
as manhãs” (v. 20), ora sublimação, ora incentivo.
Na quinta estrofe, surge a geografia afetiva de Airton Monte: a
“Praia de Iracema” (v. 24); o “Estoril” (v. 25); tudo conformado pela
vasta sugestão da palavra “noite”, espaço-tempo do lúdico e do lírico.

13 Figura de linguagem que extrai expressividade da combinação de palavras que apresentam


semelhança fônica (e/ou mórfica), mas possuem sentidos diferentes.

227
A transfiguração da realidade é a tônica da sexta estrofe, pois o
“vento” (v. 29), espargindo as “letras” (v. 29), leva-as até aos “– deu-
ses do Olimpo” (v. 31).
Na sétima estrofe, José Telles ressalta ora o caráter de remição
das crônicas de Airton Monte, ora a lâmina de seus escritos: “que de-
sintegra as ancas / da tristeza dos covardes” (v. 38 e v. 39).
As seis últimas estrofes integram um só movimento: a partir de
“Hoje” (v. 40) a “traz notícias de lá. Amém!” (v. 72), tudo gravita em
torno da conversão de Airton Monte em uma “imensidão de sau-
dade” (v. 41) que, como um rio, ganha as “ruas” (v. 42) da cidade,
provocando a sua morte uma comoção geral: “hoje é o dia nacional
da saudade” (v. 45). Não propriamente uma “saudade de morte / de
perda / de choro” (v. 46 a v. 48); mas “a perda da palavra” (v. 50), o
esvaziamento de seus hábitos: a “fagia por cerveja” (v. 53); a “ma-
nia de amigos” (v. 54); principalmente, a sua “simplicidade operária”
(v. 55) – nesta última passagem, José Telles cultiva uma metáfora de
rara plasticidade, uma fotografia psicossocial de Airton Monte, sua
gaucherie, que o fazia herdeiro dos sapatos de Carlitos. O poema se
fecha com uma visão mí(s)tica: montado em seu “pegasus” (v. 70),
transfigurado, vai pastorear “estrelas” (v. 71), deixando todos os que
o amavam à espera de “notícias de lá” (v. 72).
De notável intensidade lírica, pelas sensações que provoca no
leitor, é o poema sob o título “O velho”, escrito em versos livres, com
rimas brancas e edificado em quatro movimentos:

Uma paisagem
esquecida no abandono da sala

No canto
uma velha cadeira
é apenas um tardo balouçar

228
Olhares fartos
contornam a tristeza
e apressadamente se vão

Na face
Esmorecida
palavras enrugadas de adeus (p. 124).

O tema é a solidão a que está condenada a velhice. O espaço


é uma casa, ainda que os elementos da arquitetura estejam tão so-
mente insinuados: na sala de uma casa, numa das paredes, há um
quadro desbotado, com o registro de um cotidiano que há muito já se
dissipou; a um “canto” (v. 3), uma “velha cadeira” (v. 4), o “velho” –
captado pelo leitor apenas por elipses mentais – entrega-se a um lento
e monótono “balouçar” (v. 5); indiferentes, os “olhares fartos” (v. 6)
guiam-se por outras preocupações; no “velho”, cada ruga é a caligra-
fia de um “adeus” (v. 11).
A reiteração do discurso também ocorre no poema “Herança”.
Neste, o poeta José Telles compõe três estrofes simétricas, em versos
livres, rimas brancas, na confecção de três movimentos:

Minhas manhãs
são feridas
de uma aurora abandonada

Minhas tardes
são viúvas
de um pôr do sol suicida

Minhas noites
são amigas
de dores enluaradas (p. 126).

229
As marcas temporais comparecem nesse poema sob a forma de
alegoria: os estágios da experiência humana relacionam-se, inexora-
velmente, com exercícios de aprendizagem. Ressalta-se, como recurso
expressivo, o emprego, nas três estrofes, do enjambement como meio
para a representação mais precisa do transbordamento da emoção, uma
vez que rompe a linearidade da frase. Desse modo, o pensamento, por
instantes, é suspenso, tornando ainda mais forte a sensação emocional.
A partir do filme Amour, do cineasta austríaco Michael Haneke
– uma produção de 2012 –, professores da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte produziram um ensaio, que, consoante uma
perspectiva crítica, da película extraíram discussões acerca das relações
entre o público e o privado, as debilidades do corpo envelhecido e a
aproximação da morte, além de aspectos afetivos e relacionais que são
acionados no filme:

Existe, na sociedade ocidental, pela sua formação histórica,


uma sensação de afastamento do membro familiar idoso. Tal
situação encontra respaldo em uma miríade de fatores, con-
tudo, o que mais chama a atenção e parece que inicialmente
se coaduna com a situação [.] é a solidão como modo de
vida. (ARAÚJO; MERGULHÃO; NÓBREGA, 2016, s/p).

O poeta José Telles, em jogos elípticos e metafóricos, conduz o


leitor à seguinte conclusão sobre o estado da velhice: é o travo amargo
da derrota.
No poema “A última paisagem”, José Telles especula o que pode
a palavra, transmutada em poesia, dizer de si mesmo e do poema:

Tenho medo das palavras:


douram os cílios dos segredos

Em minha órbita de pedra


vejo a imensidão de minhas perdas
com vontade de consumir o mundo

230
Uma dor retorna ao peito
com a seta do silêncio e da última paisagem

Cruzo algumas pontes,


comemoro a indignação dos rios
não me comove a covardia de suas margens

A imortalidade das coisas não me toca,


sou da árvore ferida a folha que, escondida no silêncio,
cai! (TELLES, 2014, p. 140).

O eu lírico confessa que tem “medo das palavras: / douram os


cílios dos segredos” (v. 1 e v. 2), ressaltando-lhes o hercúleo poder de
devastação interior, ao mesmo tempo em que desvelam o que, até
então, protegia-se sob a crosta das pálpebras. A metáfora “minha
órbita de pedra” (v. 3) diz de um ser emocionalmente petrificado, que
perlustra suas imensuráveis “perdas” (v. 4), mesmo que ainda tomado
pela fome de viver. A “dor que retorna ao peito” (v. 6) é, em sua gran-
de carga simbólica, a palavra resumitiva que a ele volve em forma de
poesia; assim, a “seta do silêncio e da última paisagem” (v. 7) é a ale-
goria do ato de escrever, que, pela memória, converte o passado em
presente. Dá-se, portanto, início a uma viagem: cruza “algumas pon-
tes” (v. 8), comemora “a indignação dos rios” (v. 9) e se não se apieda
da “covardia de suas margens” (v. 10) é porque, não a irrompendo,
não dilata a sua fruição – estado a que o eu lírico aspira. A última
metáfora – “sou da árvore ferida a folha que, escondida no silêncio,
cai!” (v. 12) – alude à fusão entre o poeta e o poema: este cai sobre
a folha de papel e aí imprime o poeta: “a árvore ferida” (v. 12). Neste
último verso, o emprego da anástrofe mostra a exploração primorosa
que José Telles faz dos recursos expressivos: se escrevesse “sou a folha
da árvore ferida que, escondida no silêncio, cai!” tornaria ambíguo o
referente da forma verbal “cai!” (v. 12).

231
“Rituais do fim” é outro metapoema, em que também ocorre
a projeção homem / poesia, num dístico extremamente criativo, em
versos simétricos, em ritmo alexandrino:

Percebo a solidão com extrema liquidez


mas não consigo soletrar o meu silêncio (p. 141).

Nestes dois versos, o eu lírico registra o momento em que a au-


sência da palavra põe o homem diante de suas limitações, fazendo-o
reconhecer-se pobre e incompleto.

Referências
ARAÚJO, Allyson Carvalho de; MERGULHÃO, Danilo Rafael da Silva;
NÓBREGA, Pedro Ricardo da Cunha. Representação do envelhecimento
em Amour: notas sobre os processos socioespaciais na velhice.
Disponível em: <http://www.seer.ufrgs.br/index.php/RevEnvelhecer/
article/view/37348/27669>. Acesso em: 07 jan. 2016.
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. Rio de Janei-
ro: Nova Aguilar, 1997. (Obra completa, v.1)
BATAILLE, Georges. O erotismo. São Paulo: Arx, 2004.
CARONE, Modesto. A poética do silêncio. São Paulo: Perspectiva, 1979.
ECO, Umberto. Obra aberta. São Paulo: Perspectiva, 1988.
GOMBRICH, E. H. A história da arte. Rio de Janeiro: LTC, 1999.
LEITÃO, Juarez. O poeta José Telles e a silhueta das areias. Revista da
Academia Cearense de Letras. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha,
n. 75, p. 100-103, 2014.
MELO NETO, João Cabral de. Poesias completas. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1986.
RAMOS, Maria Luiza. Fenomenologia da obra literária. São Paulo: Fo-
rense Universitária, 1973.

232
STAIGER, Emil. Conceptos fundamentales de poética. Madrid: Rialp, 1966.
TELLES, José. A silhueta das areias. Fortaleza: Premius, 2014.
TUFIC, Jorge. A silhueta das areias. In: TELLES, José. A silhueta das
areias. Fortaleza: Premius, 2014.

233
7ª Parte

Literatura Intercontextual
“Não Sou um Produto”
Esta série dá sequência a pesquisa que venho fazendo há algum
tempo. Trata-se de morar numa cidade, Fortaleza/CE, que ocupa o
terceiro lugar no Nordeste em violência contra a mulher, ficando atrás
apenas em Salvador/BA (19,76%) e Natal/RN (19,37%).
Em Fortaleza uma em cada cinco mulheres (18,97%), já sofreu
algum tipo de violência física. De acordo com a Organização Mundial de
Saúde existem três dimensões de violência contra a mulher: a emocio-
nal, a sexual e a física. Não à toa a Lei de Combate à Violência contra a
Mulher leva o nome de uma vítima nossa conterrânea, Maria da Penha.
Minha intenção é lembrar que a humanidade é regida por éticas
universais. Respeito, Compaixão e Solidariedade são sentimentos que
devem pautar a nossa vida. É sempre mais fácil e covarde agredir o
mais frágil. Dados recentes mostram que as mulheres negras e pardas,
em certas regiões do País, são as mais agredidas.
Procurei mostrá-las numa posição de Empoderamento do pró-
prio corpo.
São imagens que falam.
Venho juntando Códigos de barras para usá-los em colagens
(tudo na nossa vida moderna tem um código de barras), em que espe-
ro desafiar as certezas morais do espectador.

Côca Torquato

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243
245
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249
8ª Parte

Programação Cultural
Programação Cultural realizada pela
Academia Cearense de Letras em 2016

Ciclo de Conferências 2016

A cidade de Fortaleza na Literatura


COORDENAÇÃO: Profa. Dra. Angela Maria Rossas Mota de Gutiérrez
-Diretora Cultural da ACL
ORGANIZAÇÃO: Profa. MS. Regina Cláudia Pamplona Fiúza - Diretora
Administrativa
APOIO: Secretaria da Cultura – Secult- Ce / Governo do Estado do Ceará

Programação

16/11
Fortaleza: a cidade como chão poético de um povo apaixonado
José Borzacchiello da Silva

17/11
Fortaleza florescida: o baú de memórias da cidade na ficção de Angela
Gutiérrez
Élder Vidal

22/11
O Teatro e a Cidade
Oswald Barroso

Leituras do Cancioneiro da Cidade de Fortaleza


Angela Gutiérrez

253
23/11
A Fortaleza de Rachel de Queiroz
Maria de Lourdes Dias Leite Barbosa

Fortaleza em imagens
Nirez (pseud. profissional e literário de Miguel Ângelo de Azevedo)

254
9ª Parte

Nossos Mortos
JOSÉ TELLES DA SILVA nasceu em Bitupitá (Pi) no dia 12 de mar-
ço de 1943 e faleceu em Fortaleza, no dia 2 de junho de 2016. Médico
pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará, em
1970, fez residência médica em Anestesia no Hospital dos Servidores
do Estado, curso de especialização na Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro, PUC-RJ, e o curso Post Graduating in Anesthesiolo-
gy, Nova York, 2000 e 2001. Foi Chefe dos Serviços de Anestesiologia
e Coordenador da residência médica do Hospital Geral de Fortaleza
e do Instituto Dr. José Frota. Autor de vários trabalhos científicos pu-
blicados em revistas da especialidade e detentor do prêmio Laringos-
cópio de Ouro como responsável pela melhor residência médica em
Anestesiologia no Brasil.
Poeta, com grande atividade no mundo das letras como apresen-
tador de obras literárias, organizador de coletâneas da Sobrames e da
Feira Ideal do Livro. Colaborou com as revistas da Academia Cearen-
se de Letras, Contemporânea, Literapia, Urupema, Literatura, Espiral e
Acta literária (editor e coordenador). Tem as seguintes obras publica-
das: Conversando, 1996; Poemas estivais, 1997; Sermões de pradaria;
O lacre do silêncio, 2004; O solo das chuvas, 2007; e, no prelo, Canto
itinerante. Organizador e editor de seis fascículos dos livros Poemas de
mesa. Recebeu vários prêmios literários entre os quais se destacam o
Prêmio Osmundo Pontes de Literatura, poesia – 2007 e o Prêmio 50
anos da Faculdade de Medicina da UFC (2º lugar, gênero Poesias).
Foi fundador e presidente da Sociedade Brasileira de Médicos Es-
critores – SOBRAMES, secção do Ceará, presidente da Academia de Le-
tras e Artes do Nordeste - ALANE, da Academia Fortalezense de Letras
e Diretor Cultural do Ideal Clube. Titular da cadeira nº 34 da Academia
Cearense de Letras, tendo se destacado com a desenvoltura e talento
que lhe eram peculiares, deixando saudades nos seus confrades.

257
10ª Parte

Atas das Sessões


Relatório nº 01

Fortaleza, 12 de janeiro de 2016

Prezados confrades da ACL:


Apresentamos o resumo da nossa reunião de 12/01/2016. Fo-
ram informados pelo Presidente José Augusto Bezerra e debatidos pe-
los presentes os seguintes assuntos:
Inauguração do nosso auditório 2. Criado para reuniões com até
50 pessoas, teve seu momento histórico inicial com o Ciclo de Confe-
rências da ACL, de 2015. A Acadêmica Angela Gutiérrez, Diretora Cul-
tural da Academia e coordenadora do evento, discorreu sobre este: Os
150 anos de Iracema. Falou do sucesso da abertura, com o Acadêmico
Antônio Torres, da ABL, das palestras que se sucederam, as quais foram
bem prestigiadas, apesar de não terem tido divulgação plena, pois ainda
não se tinha certeza sobre se o novo auditório estaria pronto para a data
de abertura do mencionado Ciclo.
O Acadêmico César Barros Leal, Presidente do Instituto Bra-
sileiro de Direitos Humanos (IBDH), agradeceu a parceria da ACL no
Curso Brasileiro de Direitos Humanos, ocorrido em Fortaleza, no mês
de agosto. O Presidente José Augusto Bezerra disse que pode atestar
a liderança do Acadêmico César Barros Leal, nesta área, em âmbito
nacional e internacional, e que foi uma satisfação para a ACL poder
colaborar com aquele excepcional evento.
Criação, na biblioteca da entidade, da galeria Osmundo Pon-
tes, com os quadros da importante artista espanhola Angelines Olea,
que pertenciam ao homenageado e que ele doara à ACL. Configu-
ram um recanto aprazível, numa bela recepção aos consulentes que
adentram a biblioteca.
Registro do apoio da empresa Grendene, que fez doação à ACL,
para esta fase final de trabalho. Registro também do apoio dos parcei-

261
ros culturais Tales de Sá Cavalcante, Pio Rodrigues Neto e Oto de Sá
Cavalcante com a mesma finalidade.
Informação de que os dois quadros grandes e pesados do auditó-
rio e da sala da Presidência precisaram de suportes especiais, implanta-
dos nas paredes, para sustentarem as respectivas obras artísticas.
Colocação dos grandes degraus da entrada, com uns três
metros de extensão, em marmorite branco, material utilizado antiga-
mente, substituindo os anteriores, que estavam quebrados e precisa-
vam ter o mesmo material e estilo dos originais. Foi um trabalho de
alta precisão técnica, porquanto, segundo a arquiteta Andréa Alen-
car, só havia uma pessoa capaz de reproduzir e montar as referidas
peças em Fortaleza. Pesadíssimos e com detalhes especiais difíceis de
se integrarem, degraus e outras partes foram finalmente montados
e tudo deu certo. O conjunto da entrada foi complementado com o
novo portão que foi desenhado de acordo com os antigos desenhos
do palácio. Ainda receberá ele os símbolos em aço da ACL, que estão
sendo confeccionados.
Registrada a recuperação da antiga mesa artística do palácio, que
agora está no salão nobre, e das outras duas grandes estantes, a qual fi-
cam adornando o corredor de entrada, sendo que em uma delas também
foram colocados vidros protetores para os livros que ali se abrigarem.
Registrada a aquisição de cadeiras em cor preta para a sala da
secretaria, as quais combinam com os sofás da mesma cor, já adquiridos
anteriormente, formando um conjunto harmônico para aquele recanto
de entrada, que acolhe visitantes e membros da entidade.
Registrado que os nossos banheiros estão adaptados para defi-
cientes. É possível que, por enquanto, tal só exista na ACL, dentre as
instituições culturais da cidade.
Registrada a organização, em espaços planejados, das seguintes
galerias, as quais receberão os nomes designativos em letras de aço,
que estão sendo confeccionadas: Galeria dos membros atuais; dos só-
cios fundadores; dos ex-presidentes da ACL; da Padaria Espiritual e da
Academia Francesa (estes dois últimos conjuntos, só existentes na ACL).

262
A subestação elétrica continua sendo implantada em ritmo ace-
lerado. Informou-se que a empresa que a está construindo, trabalhou
nos feriados de Natal e Ano Novo. O presidente destacou a ajuda do
colaborador Affonso Taboza, que está sempre disponível.
Foi mencionado que a distribuição dos quadros nas paredes
procura contemplar, de forma harmoniosa, as obras históricas, exce-
to o quadro de Côca Torquato, que, por suas cores e simbolismos,
forma um belo conjunto com o quadro Vaqueiros, do pintor Rescala,
no Auditório 2. Representa, simbolicamente, uma homenagem, aos
pintores contemporâneo, e, também, aos membros da entidade, por
ser a sua autora esposa do Acadêmico da ACL, Virgílio Maia, atual
Vice-presidente. Outros quadros modernos, que forem considerados
importantes, irão figurar no memorial do piso inferior, que será criado.
A posse do Acadêmico Durval Aires Filho, no dia 20 de novembro,
transformou-se num importante acontecimento social e cultural, haja
vista que, apesar de ter sido no horário das nove horas da manhã de
uma sexta feira, lotou o auditório com um grande número de Acadê-
micos e com importantes personalidades, incluindo o atual Governador
do Estado do Ceará, Camilo Santana; o Presidente da Assembleia Le-
gislativa, Zezinho Aguiar; o Vice-presidente do Tribunal de Justiça, De-
sembargador Francisco de Assis Filgueira Mendes, representando o TJ e
também a sua Presidenta, Desembargadora Maria Iracema Martins do
Vale, ausente por problema de saúde; os ex Governadores do Estado do
Ceará, Adauto Bezerra e Lúcio Alcântara; o empresário Ivens Dias Bran-
co; dezenas de desembargadores e líderes da sociedade fortalezense,
das mais variadas áreas. Foi uma manhã memorável. Os discursos foram
leves e agradáveis e o fato tornou-se histórico por ter-se transformado
na primeira solenidade ocorrida no novo Auditório da ACL. Observe-se
que também naquele auditório foi visto pela primeira vez, por trás e ao
alto da mesa diretora, o belo símbolo da entidade, medindo 1.30m x
0.97m, feito em mármore sintético e pintado com folhas de ouro.
Informado pelo Presidente José Augusto Bezerra que se está res-
gatando a área externa da ACL, que restou do antigo Jardim do Palácio

263
da Luz. Estava esquecida desde a época em que foi cortado pela Rua Gui-
lherme Rocha e sem condições mínimas de uso. A porta que dava acesso
interno para o local foi restaurada. O piso está sendo refeito, inclusive
na parte de encanações, porque, além do péssimo estado, possuía várias
caixas de passagens de esgoto, que umedeciam o piso e penetravam nas
paredes do subsolo, com risco para partes elétricas e estruturais. As cai-
xas de passagens tiveram de ser rebaixadas para se poder andar normal-
mente. Os corrimões e os gradis estão sendo recuperados. Uma manta
cobrirá um recanto na parte final do piso, para proteger a subestação
elétrica, no andar inferior. Aquele local poderá servir de palco para uma
pequena orquestra, um coral ou similares. As paredes foram pintadas e
os postes antigos internos estão sendo recuperados, inclusive na parte
elétrica, para que possam voltar a iluminar como outrora. Grandes jarros
com plantas serão ali colocados. Constituir-se-ão numa pequena remi-
niscência do imenso jardim, que ali um dia existiu. Surgirá uma área em
que, vez por outra, um grupo de acadêmicos e familiares (umas sessenta
pessoas), poderão fazer tertúlias ao luar. Em termos de entidades cultu-
rais, cremos que será a única que possuirá uma área externa, privada, no
próprio local onde, juntamente com a Igreja do Rosário, ao lado, surgi-
ram os primeiros prédios públicos de Fortaleza. Por este fato, histórico e
cultural, chamaremos a esse espaço de “Jardim dos Poetas”.
Natal da ACL. A primeira parte ocorreu no auditório: lançamento
pelo autor, Acadêmico Sânzio de Azevedo, do precioso livro sobre As Atas
Perdidas da Padaria Espiritual, que será o livro oficial dos 120 anos da
entidade. Notável palestra da Acadêmica Angela Gutiérrez, que inclusive
levou os presentes a cantarem, com ela, algumas canções eternas. En-
trega de medalhas aos benfeitores: Secretária Cláudia Queiroz, Arquiteta
Andréa Alencar e o Coordenador do projeto da reforma do Palácio da
Luz, junto ao MINC, engenheiro Olímpio Rocha. Foi sorteada uma pin-
tura, doada pelo acadêmico João Soares. A segunda parte aconteceu no
salão nobre, onde se achava um conjunto de presépios e outras figuras
natalinas decorativas; um bolo gigante dos 121 anos da ACL, do qual
os participantes puderam levar um pedaço como lembrança; uma ho-

264
menagem tradicional às aniversariantes do mês: Regina Fiúza, Lourdinha
Leite Barbosa, Tereza Leite e a decana das instituições culturais cearenses,
Suzana Ribeiro; uma distribuição da agenda ACL 2016; um brinde afetivo
da ACL aos Acadêmicos e um coquetel natalino, resumiram a imagem de
paz e harmonia cristã, hoje existente na Casa de Thomás Pompeu.
O Presidente justificou a ausência do Acadêmico Ednilo Soárez,
que fora a Brasília em nome da FA7 receber o importante selo de
qualidade do curso de Direito, outorgado pela OAB a apenas 139 fa-
culdades brasileiras.
Foi demonstrada pela Presidência a difícil tarefa de prorrogar o
projeto de restauração do Palácio, para o final de 2016, pelo MINC. Tal
feito, negado de início, só se tornou possível porque o Sr. Ivens Dias Bran-
co, nosso sócio benemérito, ao apagar das luzes, quando já tínhamos
esgotado todas as outras instâncias, mandou uma carta ao próprio
MINC, dizendo da importância do projeto para o Ceará e informando
que gostaria de colaborar com ele no ano de 2016 e só poderia fazê-lo se
estivesse em vigor. Foi aprovado com a observação “excepcionalmente”.
Nada mais havendo a constar, a Presidência agradeceu a presen-
ça de todos, bem como o espírito fraterno que ali prevaleceu, dando
por encerrada a produtiva reunião.

Cordialmente,
José Augusto Bezerra    
Presidente

Acadêmicos Presentes: Angela Gutiérrez, César Barros Leal, Giselda


Medeiros, José Augusto Bezerra, Juarez Leitão e Ubiratan Aguiar.

265
Relatório nº 02

Fortaleza, 10 de março de 2016

Prezados confrades da ACL:


Apresentamos o resumo da nossa reunião de 10/03/2016. Fo-
ram informados pelo Presidente José Augusto Bezerra e debatidos pe-
los presentes os seguintes assuntos:
Registro feito ao trabalho da arquiteta Andréa Alencar na restau-
ração do recanto denominado “Jardim dos poetas”, onde se destaca
o refazimento de toda rede de canos d’água que descia do teto bem
como da rede de encanação embutida no solo. Recriação das caixas
de coletas que receberam os novos canos e consequente rebaixamento
delas que estavam até 40 centímetros acima da altura do piso e impe-
diam a passagem dos transeuntes. Restauração dos dois seculares pos-
tes ornamentais, com três luminárias, que estavam inativos, incluindo a
parte elétrica interna deles, por parte da ACL, e a parte externa da rede
elétrica, pela Prefeitura, após visita do Presidente José Augusto Bezerra
ao Prefeito Roberto Cláudio, que orientou, de imediato, o Secretário da
Regional do Centro da cidade. Os postes, belos e antigos, retiradas as
ferrugens, revisadas algumas brechas e pintados, após anos no escuro,
voltaram a acender, o que também trouxe mais segurança àquela parte
exterior da entidade. Compra pela ACL e colocação em locais escolhi-
dos, de jarros importados com bonitas plantas ornamentais especiais,
escolhidas por paisagista. Colocação de placa de aço com o nome de
Jardim dos Poetas, registrando datas e dados do novo espaço. Outros
aspectos emblemáticos serão ali colocados. Esse recanto, esquecido e
abandonado, já foi parte do glamouroso jardim do Palácio da Luz. É
uma sorte podermos ali recriar o único lugar externo conhecido dentre
as Instituições congêneres de Fortaleza, em que se poderão vivenciar
tertúlias culturais à luz da lua e no local em que a cidade nasceu.

266
Finalização dos detalhes de preços e forma da nova subestação
elétrica, para construí-la dentro das exigências da COELCE, incluindo
a utilização de um exaustor, já que ficará na parte de baixo e uma co-
berta de manta asfáltica, pois não poderá ter risco de vazamentos de
água. Tudo feito, o projeto já foi novamente para a COELCE.
Definição de que homenagens a acadêmicos e personalidades, feitas
pela ACL, como medalhas, placas, bustos ou nomes de salas vão acontecer.
Explicação do ofício feito para a SECULT, no qual se procura dar
continuidade ao pagamento mensal, pelo Estado, da conta de luz da
ACL, agora em nome da própria ACL, ao invés de ser no nome da
Casa de Cultura Raimundo Cela, como é feita deste quando a ACL
ocupou o Palácio da Luz. Apesar de muitas dificuldades para tal, mas
contando com a boa vontade do atual Secretário Fabiano dos Santos
Piúba, estamos esperançosos de que dê certo o nosso intento.
Informação de que o livro Falas Acadêmicas, coordenado pelo
Acadêmico Murilo Martins, e editado por esta gestão, está no prelo e
de que deverá ser entregue aos membros da entidade numa das duas
próximas reuniões.
Esclarecimento de que os custos de manutenção da entidade es-
tão muito altos, em razão do aumento de tudo e de que o número de
funcionários é demasiado para as necessidades da entidade, mas que
a demissão de alguns é dispendiosa, e não temos provisão para isto.
Embora a atual gestão tenha conseguido desligar um dos mais antigos
funcionários (trabalhava sem carteira assinada), ainda assim o déficit
mensal é de aproximadamente dezessete mil reais, o que é um alto
risco. Temos tido o apoio de algumas personalidades, as quais nos dão
ajuda permanente, mas as colaborações são as mesmas há quatro anos
e as despesas aumentaram muito nesse espaço de tempo. Há o risco
de algum desses apoiadores deixarem de colaborar, nesta época difícil,
bem como o pagamento de vários sócios estão com altos atrasos.
Visita do Presidente José Augusto Bezerra ao Sr. Gastão Bitten-
court, da FECOMÉRCIO, e consequente visita dele à ACL, no que pode-
rá resultar em alguma nova ajuda, mesmo que modesta, possivelmente.

267
Registrado que as despesas com material da parte externa das
instalações da nova subestação elétrica, no valor de R$ 8.000,00, fo-
ram assumidas pela COELCE, após contato da atual gestão com as
pessoas encarregadas, o que foi importante para nossa entidade.
Registro da inauguração da Galeria Osmundo Pontes, na Bi-
blioteca Justiniano de Serpa, com quadros da artista espanhola An-
gelines Olea, doados pelo próprio Acadêmico homenageado à ACL,
há muitos anos. Tornou-se um belo espaço artístico na área reserva-
da para os consulentes.
Regine Limaverde sugeriu o nome do confrade Ubiratan Aguiar
como candidato para a Presidência da entidade, na próxima gestão,
possivelmente em conjunto com o da confreira Angela Gutiérrez.O
Presidente José Augusto Bezerra disse que via com bons olhos os
nomes sugeridos, mas pedia que esse assunto só fosse tratado após
o mês de julho, pois a distância, no momento, ainda era longa e po-
deria causar divisões ou divergências desnecessárias, antes da hora,
no que todos concordaram.
A acadêmica Angela Gutiérrez falou sobre o esboço inicial do
novo Ciclo de Conferências, trazendo pormenores que foram aceitos
inicialmente pelos presentes, mas que serão aprofundados nas pró-
ximas reuniões.
Foi feito o destaque dos aniversariantes do mês: 02/03 – Teoberto
Landim; 07/03 – Virgílio Maia; 11/03 – Juarez Leitão; 12/03 – José Telles;
14/03 – Regine Limaverde; 21/03 – Mauro Benevides; 22/03 – Carlos
Augusto Viana; 23/03 – Horácio Dídimo; 31/03 – Murilo Martins.
Nada mais havendo a constar, a Presidência agradeceu a presen-
ça de todos, bem como o espírito fraterno que ali prevaleceu, dando
por encerrada a produtiva reunião.

Cordialmente,
José Augusto Bezerra    
Presidente

268
Acadêmicos Presentes: Angela Gutiérrez, Cid Carvalho, Ednilo So-
árez, Ernando Uchoa, Horácio Dídimo, José Augusto Bezerra, José
Telles, Juarez Leitão, Linhares Filho, Lourdinha Leite Barbosa, Regine
Limaverde, Ubiratan Aguiar

269
Relatório nº 03

Fortaleza, 14 de abril de 2016.

Prezados confrades da ACL:


Apresentamos o resumo da nossa reunião de 14/04/2016. Fo-
ram informados pelo Presidente José Augusto Bezerra e debatidos pe-
los presentes os seguintes assuntos:
Registro da colocação de batedores para as portas de vidros,
que não existiam, em razão de peculiaridades técnicas, já que o piso
e as laterais não suportam essas colocações. O surgimento de um
novo tipo de batedor, simples e confiável, foi ótimo, pois a atual
gestão colocou quase uma dezena de novas portas de vidro, com o
nome da ACL aposto, e necessitava de algo assim, mormente nos
auditórios e na secretaria, para o ar interior não escapar, sobrecarre-
gando a refrigeração.
Informação da visita de inspeção da COELCE, que fez várias
exigências novas para a subestação elétrica já construída no subsolo.
Essas coisas encarecerão e atrasarão a implantação da referida. Mas
vamos cumprí-las, pois ela é, como fora a retirada da parede do audi-
tório, imprescindível para a entidade.
Visita do Sr. Pádua Lopes, Superintendente do Jornal Diário do
Nordeste, o qual, muitas vezes, visitara profissionalmente o Palácio da
Luz, quando nele moravam os governadores do Estado. Ficou emocio-
nado com a presente reforma e disse que provavelmente fosse esse o
prédio histórico mais bem conservado de Fortaleza atualmente. Disse
que ficara belo, semelhando um palácio europeu, e que o jornal faria
uma grande matéria sobre esta reforma e requalificação.
A visita ao BNB, do Presidente José Augusto Bezerra, com o con-
frade Lúcio Alcântara, o qual, em todos os sentidos, está sempre pron-
to a colaborar. O objetivo era conseguir apoio para a finalização dos

270
últimos trabalhos de restauração da ACL, haja vista que as despesas
extras com a nova subestação elétrica, ocasionadas pelas exigências
da COELCE, perturbaram nosso plano financeiro de trabalho. O edital
cultural do BNB, sugerido pelo seu Presidente, não se adapta às ne-
cessidades da ACL e ficamos de enviar a este um novo pequeno pro-
jeto, pois as dificuldades financeiras e políticas do momento limitam
os horizontes de apoio. Mas, temos a expectativa de que se poderá
conseguir um modesto suporte desta instituição bancária.
Os consertos do telhado da ACL: em razão das fortes chuvas,
este apresentou alguns problemas. Vamos observar as novas chuvas
para vermos se ficaram bem feitos e se apresentam vazamentos em
outros pontos.
Os aparelhos de ar condicionado, apesar de todos novos, foram
internamente limpos por empresa especializada, e pôde-se observar que
a eficiência deles melhorou sensivelmente, pois haviam acumulado mui-
ta sujeira em pouco tempo, principalmente pelas reformas no prédio.
O confrade Dimas Macedo, um dos principais articuladores do
trabalho de interiorização da ACL, falou das previsões para a Acade-
mia Lavrense de Letras e mostrou o dinamismo daquela célula cultural
do nosso estado.
A Acadêmica Angela Gutiérrez falou do convite que recebera para
dar uma palestra na cidade de Quixeramobim, o que representa mais um
apoio para o mesmo projeto de interiorização cultural da nossa entidade.
A FECOMÉRCIO adquiriu à ACL, por R$ 1.600,00, vinte livros
sobre A História do Brasil em Manuscritos, do acadêmico José Augusto
Bezerra, que os doara à Academia para propiciar-lhe aquela aquisição.
Os livros, segundo os diretores do órgão adquirente, serão distribuídos
em centros culturais interioranos, do Ceará.
Ficou acertado que neste semestre, ainda, procuraremos enca-
minhar à definição do nome do novo Príncipe dos Poetas Cearenses.
Foi aprovada a cobrança de 13ª mensalidade aos acadêmicos,
como já é feito em algumas entidades culturais que têm altas despesas
no mês de dezembro, como a nossa.

271
Sucesso no lançamento do novo livro do Acadêmico Luciano
Maia, Aldeia Lonxana, no Ideal Clube, no dia 22 de março, com gran-
de participação do mundo cultural. Estiveram presentes, entre tantos,
o Presidente da ACL e vários Acadêmicos da nossa Instituição.
O excelente lançamento do novo livro do Acadêmico Horácio
Dídimo, Sonetilhos, no BNB Clube. Belíssima e concorrida festa, presti-
giada, entre muitos, pelo Presidente ACL e vários confrades.
Eficiente, e cheia de boa vontade, a revisão do livro Falas Acadê-
micas, feita pelo estimado confrade Sânzio de Azevedo.
O contrato assinado com a COELCE para a interligação da nova
subestação elétrica da ACL.
Justificaram as ausências os prezados confrades Ednilo Soárez,
Pedro Henrique Saraiva Leão e Giselda Medeiros.
Foi feito o registro dos seguintes Acadêmicos aniversariantes
do mês: 15-Genuíno Sales; 20-Ernando Uchoa; 28-Eduardo Diatahy
B. de Menezes.
Nada mais havendo a constar, a Presidência agradeceu a presen-
ça de todos, bem como o espírito fraterno que ali prevaleceu, dando
por encerrada a produtiva reunião.

Cordialmente,
José Augusto Bezerra    
Presidente

Acadêmicos presentes: Angela Gutiérrez, Marly Vasconcelos, Ernan-


do Uchoa Lima, Linhares Filho, José Augusto Bezerra, Ubiratan Aguiar.

272
Relatório nº 04

Fortaleza, 17 de maio de 2016.

Prezados confrades da ACL:


Apresentamos o resumo da nossa reunião de 17/05/2016. Fo-
ram informados pelo Presidente José Augusto Bezerra e debatidos pe-
los presentes os seguintes assuntos:
A Acadêmica Angela Gutiérrez fez uma síntese mais apurada do
plano de trabalho para o Ciclo de Conferências 2016, que será subme-
tido ao apoio da SECULT, conforme reunião prévia entre o Presidente
da ACL José Augusto Bezerra e o Secretário da Cultura do Ceará, Fa-
biano dos Santos Piúba. O referido projeto incluirá, entre outras coisas,
a edição dos dois últimos livros das Falas Acadêmicas.
Conserto de novos vazamentos no teto, ocorridos durante as
chuvas, em parte já recuperados. A empresa que fez a reforma está
dando a devida manutenção, mas não se sabe se ela fará nova pintura
nas paredes prejudicadas.
Colocação de bela estátua e grande jarro artísticos no novo Jar-
dim dos Poetas, o que muito aprimorará o local.
Informação de que a COELCE pretende ligar a subestação elétri-
ca da ACL no dia 21/05/2016 (sábado). O custo duplicou em virtude
de novas exigências da COELCE, mas a Presidência disse que não se
poderá perder essa oportunidade, principalmente porque o pagamen-
to da despesa da tarifa mensal deverá ser feito pela SECULT, após
intensa fase de convencimento junto àquela Secretaria.
Contatos com o Prefeito Roberto Cláudio, o empresário Pio Rodri-
gues e o Presidente da FECOMÉRCIO, Gastão Bittencourt, pelo Presidente
José Augusto Bezerra, no sentido de se conseguir apoio para a finalização
do projeto de restauração do Palácio da Luz nos detalhes finais.
Está se tentando conseguir mais um apoio final de R$ 50.000,00
junto ao BNB, embora a fase política e econômica atual esteja, com-
preensivelmente, dificultando as coisas.

273
Informação de que o Sr. Olímpio, nosso encarregado junto à CO-
ELCE, visita quase diariamente a entidade, no sentido de que a previsão
de ligação do dia 21/05/2016 não falhe, pois, inclusive, a parte interna
da entidade será totalmente desligada e, se não for feita a nova liga-
ção, via subestação, a ACL ficará sem luz até a solução do problema,
mas a Presidência informou que é um fator de risco calculado e que já
decidiu que a ligação ocorrerá, ficando na espera de que dê tudo certo.
Ao confrade Dimas Macedo relatou a importante festividade,
que incluirá a presença do governador do Estado Camilo Santana,
quando se comemorará os 200 anos de Fundação do Município de
Lavras da Mangabeira, em data programada para o dia 20 de maio
de 2016. A Academia Lavrense de Letras, no dia 16 de novembro de
2015, reuniu-se em Fortaleza, conjuntamente com a ACL, outorgando
o diploma de Sócio Honorário ao Presidente José Augusto Bezerra.
Desta feita fará a outorga do título de Sócio Honorário ao Confrade
Ednilo Soárez, querido e dinâmico Presidente do Instituto do Ceará.
Registrado o esforço para se colaborar com as exposições sobre
o artista Raimundo Cela, que ocorrerão no RJ e em SP. O presidente
José Augusto Bezerra lamentou não haver condições técnicas para o
transporte da tela do grande artista, existente no auditório principal,
para o local das exposições nos outros estados. A plenária da reunião
aprovou, antecipadamente, por unanimidade, o pedido da curadora
da exposição, Dra. Denise Mattar, acreditando-se na possibilidade do
transporte ser feito, porquanto, após exposição do Presidente José Au-
gusto Bezerra, todos concordaram em atender também a um pedido
pessoal do Chanceler Airton Queiroz sobre o assunto.
O ritual de escolha do novo Príncipe dos Poetas ficou delineado,
mas o Presidente José Augusto Bezerra ainda quer estudar melhor a
questão, para minimizar a exposição do nome de Acadêmicos e da
entidade ao grande público.
Uma rápida exposição da situação financeira da ACL, neste
ano delicado, embora o Presidente José Augusto Bezerra mantenha
o otimismo perante o futuro. Mais uma vez foi solicitado aos sócios

274
inadimplentes que coloquem suas mensalidades em dia, porquanto
isto também é muito importante.
O falecimento da irmã da Acadêmica Lourdinha Leite Barbosa,
Maria das Graças Dias, pelo que se registrou um voto de pesar da ACL
à estimada confreira.
A colaboração da ACL, feita pelo Presidente José Augusto Be-
zerra, no documentário da TV Assembleia, que está sendo feito sobre
o Barão de Studart.
A presença do presidente José Augusto Bezerra, na solenidade
de despedida do Cônsul Honorário da Alemanha, Dieter Gerding, que
sempre foi entusiástico participante das atividades culturais promovi-
das pela Academia Cearense de Letras.
Solicitada a maior presença possível de Acadêmicos na soleni-
dade que será feita pela Assembleia Legislativa do Estado, às 18h do
dia 20/5/2016, em homenagem ao nosso confrade Mauro Benevides,
pelos seus 60 anos ininterruptos de atividade política.
Registrou-se os aniversariantes do mês, a saber: dia 7, Noemi
Elisa Aderaldo; dia 10, Paulo Bonavides; dia 16, Lúcio Alcântara; dia
17, Batista de Lima e dia 25, Pedro Henrique Saraiva Leão.
O Presidente fez o convite para os presentes conhecerem a su-
bestação elétrica da ACL, que já está pronta, no subsolo da entidade.
Alguns Acadêmicos se dispuseram a fazer a visita.
Nada mais havendo a constar, a Presidência agradeceu a presen-
ça de todos, bem como o espírito fraterno que ali prevaleceu, dando
por encerrada a produtiva reunião.

Cordialmente,
José Augusto Bezerra
Presidente

Relação dos Acadêmicos que participaram da reunião: Angela Gu-


tiérrez, Cid Carvalho, Dimas Macedo, Ednilo Soárez, Horácio Dídimo,
João Soares Neto, José Augusto Bezerra, Linhares Filho, Lúcio Alcântara,
Pedro Henrique Saraiva Leão, Pedro Paulo Montenegro, Ubiratan Aguiar

275
Relatório nº 05

Fortaleza, 01 de julho de 2016.

Prezados confrades da ACL:


Apresentamos o resumo da nossa reunião de 24/06/2016. Fo-
ram informados pelo Presidente José Augusto Bezerra e debatidos pe-
los presentes os seguintes assuntos:
O sucesso referente ao projeto Integração Cultural Interestadu-
al, que teve o apoio da ACL e de dezenas de outras instituições cultu-
rais nacionais e cuja abertura foi em nosso auditório maior no dia 15
de junho de 2016.
A importante solenidade, patrocinada pela Assembleia Legisla-
tiva do Estado do Ceará, em homenagem aos 60 anos de atividade pú-
blica do nosso confrade Mauro Benevides, no dia 20 de maio de 2016.
O encontro entre o Presidente do BNB e os Acadêmicos José
Augusto Bezerra e Lúcio Alcântara, no qual se buscou aprovar um
projeto de R$ 50.000,00 para as despesas finais da reforma do Palácio
da Luz. O encontro poderá ser positivo, mas esperaremos para vê-lo
acontecer, pois as dificuldades conjunturais não permitem nenhuma
segurança para aprovações. Registraram-se as inúmeras exigências
burocráticas do BNB e explicou-se que tudo tem sido atendido de for-
ma urgente, haja vista o nosso interesse pela definição do assunto.
A interligação da subestação elétrica da ACL pela COELCE, nos
dias 20 e 21/05/2016. Foi considerado fato histórico pelo Presidente José
Augusto Bezerra, pois foi o sucesso de delicados desafios técnicos, finan-
ceiros e administrativos. Ressaltou ele que, embora tenha passado quase
despercebido, um fato igualmente importante foi o da SECULT continuar
pagando as taxas de consumo mensal da ACL. Um marco administrati-
vo, válido para o presente e para os anos afora, porquanto se conseguiu
um documento da SECULT, dizendo que ela estava de acordo, o que nos

276
livra de questionamentos que sempre nos perseguiram. Foi enviada cor-
respondência explicativa sobre o assunto para os Acadêmicos.
Conseguiu-se que a Prefeitura pintasse os dois lados da parte
externa do Palácio da Luz, pelo lado que dá para a Praça dos Leões,
coisa delicada, pois, como o prédio é do Estado, a Prefeitura não que-
ria pagar. Agora a Presidência está tentando que a Prefeitura pinte
também os outros dois lados, com o argumento de que ela deve ter-
minar o que já começou.
Reunião preliminar do Presidente José Augusto Bezerra com a
Acadêmica Angela Gutiérrez, Diretora Cultural da ACL, traçando as
linhas iniciais do Ciclo de Conferências de 2016. A Presidência já con-
versou com o atual Secretário da Cultura, e, em tese, já conseguiu o
apoio da SECULT para isto. Esclareceu que no mesmo projeto está-se
incluindo o patrocínio do livro com as Conferências do Ciclo (números
3 e 4), e da reimpressão do livro v.1, das Falas Acadêmicas, o qual foi
editado há quarenta anos (1976) e está esgotado. Se tudo der certo,
a coleção Falas Acadêmicas ficará completa, do v. 1 ao v. 4, pois o v. 2
já foi editado e entregue aos Acadêmicos.
O Presidente José Augusto Bezerra informou que já teve uma
terceira reunião com o Presidente da FECOMÉRCIO, Gastão Bitten-
court, e está finalizando o apoio da entidade para que todo mês, na
época de lua cheia, se promova uma tertúlia cultural no Jardim dos
Poetas, porquanto é o único local cultural externo entre as entidades
culturais da cidade e rememorará permanentemente o primeiro im-
portante grande jardim de Fortaleza e o lugar por onde se iniciou a
edificação de importantes prédios da nossa cidade, e além disso a ACL
receberá uma ajuda financeira para suas atividades em contrapartida.
A Presidência informou que é sua intenção oferecer a medalha
dos 120 anos, folheada a ouro, a cada um dos Acadêmicos atuais.Os
gregos ensinaram que era dever dos que fizeram algo juntos, agradece-
rem primeiramente aos deuses e depois aos homens. Não apenas com
palavras, mas também com algo real, para que os pósteros pudessem
lembrá-los. Criaram efígies, medalhas, bustos, estátuas e monumentos.

277
Ofertar, para eles, era tão importante quanto receber, pois ambos os
destinatáros, os da oferta e os da recepção, se sentiam honrados.
Na reinauguração da Praça dos Leões, o Prefeito, o Secretário da
Regional Centro e o representante do Governador destacaram que a
Academia Cearense de Letras tem sido um parceiro ativo para solução
dos problemas. De modo especial, relevamos a consecução da segu-
rança 24h na praça, que praticamente estava descartada, por causa do
IPHAN, mas que pela intermediação da ACL, na sua sede, conforme
correspondência informativa já feita para os acadêmicos, o assunto foi
reposicionado. Inúmeras outras parcerias junto com a Prefeitura deram
certo, tais como o deslocamento de famílias habitantes da praça para
albergues; retirada de delinquentes que comercializavam drogas; po-
das, limpeza das árvores e pintura delas; vinda da 10ª RM para fazer
solenidades militares na praça, por várias vezes, o que inibiu a ação
de moradores indevidos (em uma dessas batidas foram descobertas
e apreendidas vinte e seis facas que estavam escondidas nas areias e
em certos recantos da praça); colocação diurna permanente da Guar-
da Municipal; recuperação da iluminação dos postes no que é o atual
Jardim dos Poetas, que estavam apagados há bastante tempo; retirada
da parada de ônibus da Sena Madureira, que era um ponto impossível
de ser controlado, pois havia se tornado em um mercado persa; há
uns poucos dias foi colocada, finalmente, uma ótima iluminação no-
turna em toda a praça; encaminhamento de solicitação para pintar-se
a borda da calçada direita do quarteirão da Sena Madureira (meio fio),
transformando-o em local de estacionamento para visitantes da praça.
A viagem do Presidente José Augusto Bezerra a São Paulo, para
participar da Grande Exposição Raimundo Cela, um Mestre Brasileiro,
no Museu da Arte Brasileira da Fundação Armando Álvares Penteado,
que reuniu mais de 150 obras do renomado artista cearense, que tem
uma das suas principais obras no Auditório maior da ACL.
Registro do enorme pesar de toda a nossa geração e de modo
especial da ACL, pelo falecimento de D. Yolanda Queiroz. O fato cons-
ternou a cidade. A ACL registrou seu pesar em nota à família.

278
Informação do Presidente José Augusto Bezerra de que a Acadê-
mica Regine Limaverde está-se recuperando de cirurgia no ombro e de
que brevemente estará em nossas reuniões. Sugeriu que os confrades
ligassem para ela, como forma de carinho e estima, pois isso era um
dos nossos prazeres e deveres acadêmicos.
Disse que a reinauguração do Palácio da Luz poderá ser no ani-
versário da ACL, comemorado em 17 de agosto. Mas como ainda
faltam inúmeros pequenos detalhes que ele persegue, não se podia
definir com segurança, no momento.
A Acadêmica Angela Gutiérrez, secundada pela Diretora Adminis-
trativa Regina Fiúza, e os demais Acadêmicos presentes, Ernando Uchoa
Lima, Pedro Paulo Montenegro, Beatriz Alcântara, Lúcio Alcântara, Ubi-
ratan Aguiar, Durval Aires, Linhares Filho e Lourdinha Leite Barbosa, re-
gistraram sua satisfação pela forma de trabalho do atual Presidente José
Augusto Bezerra, tendo o acadêmico Lúcio Alcântara sugerido que fos-
se feito um livro de memórias, que seria assinado por todos os acadêmi-
cos, referentes aos feitos da gestão. O Presidente agradeceu as palavras
sinceras e disse que aquele momento não estava previsto, mas que era
honroso sentir o carinho de todos e que, realmente, cada Acadêmico,
ao seu modo, dera um pouco de si para o que estava sendo feito.
O tema sobre a escolha de um novo nome para suceder Artur
Eduardo Benevides, como O Príncipe dos Poetas Cearenses, foi de-
batido num clima descontraído e, após os dois que estavam sendo
indicados, Linhares Filho e Horácio Dídimo, haverem dito que votariam
um no outro, o Presidente José Augusto Bezerra, disse que os dois
tinham os mesmos méritos, bem como outros que, voluntariamente,
tinham declinado das suas candidaturas, mas que a tradição era de
que apenas um nome fosse aclamado, para se evitar uma votação.
A unanimidade, falou ele, seria bom para a entidade e não exporia
o nome de nenhum acadêmico. De imediato, o Acadêmico Horácio
Dídimo disse que gostaria de fazer uma proposta: a de que o nome
indicado fosse o de Linhares Filho. O Presidente José Augusto Bezerra
pôs em votação a propositura, havendo ela sido aprovada por unani-

279
midade. Vários acadêmicos se pronunciaram enaltecendo o espírito de
desapego existente, particularmente o do Acadêmico Horácio Dídimo
e a reunião terminou em clima de alegria pelo fato de, mais uma vez,
a ACL haver saído fortalecida pela união.
Nada mais havendo a constar, a Presidência agradeceu a presen-
ça de todos, bem como o espírito fraterno que ali prevaleceu, dando
por encerrada a produtiva reunião.

Cordialmente,
José Augusto Bezerra
Presidente

Relação dos Acadêmicos que participaram da reunião: Angela


Gutiérrez, Beatriz Alcântara, Durval Aires Filho, Ernando Uchoa Lima,
Horácio Dídimo, José Augusto Bezerra, Linhares Filho, Lourdinha Leite
Barbosa, Lúcio Alcântara, Marly Vasconcelos, Pedro Paulo Montene-
gro, Ubiratan Aguiar

280
Relatório nº 06

Fortaleza, 21 de julho de 2016.

Prezados confrades da ACL:

Apresentamos o resumo da nossa reunião de 21/07/2016. Fo-


ram informados pelo Presidente José Augusto Bezerra e debatidos pe-
los presentes os seguintes assuntos:
Comunicação da publicação do edital sobre a vaga aberta na
ACL com a perda do estimado confrade José Telles.
Registro, para júbilo da entidade, da escolha da Acadêmica An-
gela Gutiérrez para ser uma das recebedoras do Troféu Sereia de Ouro,
de 2016.
Informação de que o laureado artista plástico Descartes Gadelha
aceitou a incumbência de fazer, em mármore polido, os bustos dos
dois primeiros presidentes da entidade: Tomás Pompeu e Barão de
Studart. A assinatura dele será mais um motivo de enaltecimento para
o valor daquelas peças na entrada da ACL.
A pintura externa da ACL está sendo conseguida pelo Presiden-
te José Augusto Bezerra junto ao Prefeito Roberto Cláudio, com a
interferência do Secretário Municipal do Centro, Dr. Ricardo Sales, já
que o prédio é do Estado.
Confecção da placa da sala da secretaria, com o nome do Ex-
-presidente Eduardo Campos.
Confecção e afixação da placa de agradecimento ao BNB, por
sua ajuda à reforma do Palácio da Luz, conforme cláusula contratual
do convênio.
Refazimento da placa da biblioteca, que estava muito pequena,
e da placa do Jardim dos Poetas, que continha erro ortográfico, tudo
em aço polido e com botões de destaque.

281
Relevado o fato de haverem sido atendidas todas as solicitações
da ACL, junto à Prefeitura, em seus pleitos referentes à reforma da
Praça dos Leões, que agora está bela, sem moradores e excelentemen-
te iluminada durante a noite.
Colocação de um jarro gigante e uma atraente estátua no Jar-
dim dos Poetas, o qual se enriquece e começa a adquirir feição cada
vez mais de acordo com o imaginário do seu nome.
Preparação e envio do relatório nº 26 para os Acadêmicos.
Início da reforma da entrada do subsolo, pela rua Sena Madu-
reira, que envolverá despesas de reforma e de reconstrução parcial
de paredes, confecção de portas internas e externas, pintura in-
terna, criação de rede elétrica inexistente, aquisição de luminárias,
apliques e adereços adequados, reforma da escada atual, retirada
de grades de ferros que foram colocados para segurança, mas que
desfiguram a entrada e as ferragens originais, colocação de travas
de segurança nas atuais portas de entrada e confecção de portão
lateral de segurança, de acordo com o padrão das ferragens ori-
ginais. Deve-se colocar câmeras de segurança para saber tanto da
entrada de alguém pelas portas principais inferiores, como da saída
de alguém pela escada para o primeiro andar. Paralelamente está
se pintando a sala lateral da entrada, embaixo, pois o seu visual é
importante para se manter a boa aparência observada por quem
adentrar pela rua Sena Madureira. Essa é uma pequena amostra da
complexidade para se restaurar condignamente qualquer parte de
um local histórico, por menor que seja.
Primeiros contatos com a SECULT para conseguirmos verba para
o Ciclo de Conferências e para a publicação dos livros Falas Acadêmi-
cas, ainda faltantes.
Informação de que a secretária Cláudia Queiroz tirou férias de
11 a 20 de julho.
Esclarecimento de que, após longas conversas, conseguiu-se a
doação à ACL de importante mobiliário do Ex-governador do Estado
do Ceará, João Thomé de Saboya, que morou no Palácio da Luz. Os

282
móveis irão compor a decoração da sala da Presidência da ACL. En-
riquecerão o acervo histórico da entidade, além de se tornarem atra-
ções por sua beleza artística.
Registro da belíssima solenidade ocorrida na ACL, no dia 29 de
julho, em homenagem aos 170 anos da Princesa Isabel, a qual contou
com representação da família imperial e mais participantes de outros
Estados da Federação. Foi presidida pelo Acadêmico José Augusto
Bezerra e transcorreu dentro de significativo ritual, destacando-se a
palestra proferida pelo escritor José Luís Lira, troca de pequenas lem-
branças, pronunciamento das autoridades presentes e o lançamento
de um libreto bibliográfico sobre o tema, de autoria de José Luís Lira e
José Augusto Bezerra.
Doação de R$ 5.000,00 à ACL pelo empresário Roberto Macêdo.
Aquisição por um dos acadêmicos de duas cadeiras imperiais
que formarão o conjunto de entrada, juntamente com os bustos dos
primeiros Presidentes da ACL e o belíssimo quadro de Georgina de
Albuquerque, a introdutora do impressionismo no Brasil.
Esforço no sentido do recebimento de R$ 50.000,00, prometi-
dos pelo BNB, para esta parte final da reforma da ACL, o qual tem sido
dificultado pela situação de crise do País, mas imaginamos que enfim
conseguiremos. O Presidente José Augusto Bezerra ressaltou a impor-
tante contribuição do Acadêmico Lúcio Alcântara que tem trabalhado
fortemente pela solução do assunto.
O Presidente destacou o apoio jornalístico de Lúcio Brasileiro,
um amante do Palácio da Luz, da Praça dos Leões e da ACL.
O Presidente José Augusto Bezerra passou às mãos da Acadê-
mica Giselda Medeiros, para análise, pedido da escritora Ana Luíza
Almeida para ser sócia correspondente da ACL.
Foi feito o destaque para os seguintes aniversariantes do mês:
05-Marly Vasconcelos; 14-César Barros Leal e Giselda Medeiros;
24-Carlos d’Alge.
Após o Presidente José Augusto Bezerra consultar os participan-
tes e nada mais havendo a constar, agradeceu a presença de todos,

283
bem como o espírito fraterno que ali prevaleceu, dando por encerrada
a produtiva reunião.

Cordialmente,
José Augusto Bezerra
Presidente

Relação dos Acadêmicos que participaram da reunião: Angela


Gutiérrez, Ernando Uchoa, João Soares Neto, José Augusto Bezerra,
José Batista de Lima, Juarez Leitão, Lourdinha L. Barbosa, Regine Lima-
verde, Ubiratan Aguiar.

284
Relatório nº 07

Fortaleza, 10 de agosto de 2016.

Prezados confrades da ACL:

Apresentamos o resumo da nossa reunião de 10/08/2016. Fo-


ram informados pelo Presidente José Augusto Bezerra e debatidos pe-
los presentes os seguintes assuntos:
Correspondência da ACL para a família do Sr. Ivens Dias Branco,
com os votos de condolências pela perda irreparável do inesquecível
Sócio Benemérito da entidade.
Demonstrada a necessidade de aquisição de som novo para o
auditório grande, porquanto se faz imprescindível um equipamento à
altura de todo o conjunto de mudanças ali implementadas.
Continuidade dos contados junto ao BNB, SECULT e FECOMÉR-
CIO, no sentido de conseguirmos recursos para o término da reforma
do Palácio da Luz.
Informação de que a acadêmica Noemi Elisa já está quase em
condições de retorno à ACL, segundo contato do Presidente José Au-
gusto Bezerra, com ela.
Visita do Sr. Fred Saboya e família à ACL, para constatar a loca-
lização dos móveis que foram doados por aqueles familiares à nossa
entidade para o projeto de encontro e recolhimento de peças históri-
cas de pessoas que viveram no Palácio da Luz.
Mostra das cortinas que foram instaladas na ACL, as quais rece-
beram as mais eloquentes palavras de aceitação. Informação também
que outras cortinas semelhantes estão sendo providenciadas.
Registrado que o Cliff Villar, do jornal O POVO, esteve na ACL,
acertando com o Presidente José Augusto Bezerra e com a Diretora
Cultural, Angela Gutiérrez, a edição de um livro em formato monu-

285
mental sobre a história da Academia. As linhas gerais foram ajustadas
e ficou de voltar o mais breve, com os detalhes.
Ressaltados os pormenores da festividade de aniversário da ACL,
na qual será apresentado o novo Príncipe dos Poetas Cearenses, Linhares
Filho, que providenciará o convite para a solenidade, a qual ocorrerá em
agradável jantar nos salões do Ideal Clube, no dia 17/08/2016. Ficou re-
gistrado o apoio e o empenho do confrade Carlos Augusto Viana, Dire-
tor Cultural do Ideal Clube, para que tudo aconteça conforme o previsto.
O Presidente José Augusto Bezerra informou que naquela cele-
bração também será outorgada a medalha 120 anos –Benemérito, a
cada membro da entidade. Segundo ele, será um esforço da institui-
ção, dirigido justamente aos verdadeiros guardiões e mantenedores da
Academia Cearense de Letras.
Aprovado o modelo apresentado para o que será a bandeira
da Academia Cearense de Letras. Na inauguração do Palácio da Luz
já deverá constar nas panóplias instaladas nos auditórios, principal e
convencional da Instituição, bem como na sala da Presidência.
Aprovada a participação da ACL, como colaboradora, no con-
certo literomusical, promovido pela Orquestra Sinfônica do Ceará, em
homenagem às Academias de Letras Cearenses, no Teatro José de
Alencar, no dia 13 de outubro de 2016.
Aprovada a outorga de diplomas de agradecimento aos acadêmi-
cos ou não, que tenham colaborado para a reforma do Palácio da Luz.
A Acadêmica Angela Gutiérrez informou que o lançamento do
seu novo livro, O Silêncio da Penteadeira, ocorrerá no dia 30 de agosto
de 2016, às 19h, no Auditório maior da ACL, e aproveitou a oportuni-
dade para fazer o convite aos seus pares.
O Acadêmico Teoberto Landim, que, para nossa satisfação, está
retornando fortemente às atividades da ACL, ofereceu um exemplar
do seu novo livro Escalador de Sonhos e falou sobre seu conteúdo,
mostrando os desafios de se escrever, trabalhando ao mesmo tempo
em importantes outras missões.

286
O Monsenhor Manfredo falou da alegria de participar de mais
uma proveitosa e elevada reunião e disse que agora iria marcar a data
para o lançamento do seu novo livro, no auditório maior da ACL.
O Presidente José Augusto Bezerra esteve presente na solenidade
da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo, na sessão em reme-
moração à D. Yolanda Queiroz, quando foi o orador convidado para
falar sobre a vida e a obra daquela importante personalidade cearense.
Também falaram de forma brilhante, cada um ao seu estilo, sobre D.
Yolanda, os Acadêmicos da ACL, Lúcio Alcântara e Cid Carvalho.
Foi distribuído entre os presentes à reunião o libreto Princesa Isabel
– a Redentora, edição comemorativa dos 170 anos da Princesa Imperial.
O Presidente José Augusto Bezerra, após consultar os participan-
tes e nada mais havendo a constar, agradeceu a presença de todos,
bem como o espírito fraterno que ali prevaleceu, dando por encerrada
a produtiva reunião.

Cordialmente,
José Augusto Bezerra
Presidente

Acadêmicos Presentes:Angela Gutiérrez, Beatriz Alcântara, Cid Car-


valho, EdniloSoárez, Ernando Uchoa, José Augusto Bezerra, Linhares
Filho, Lourdinha Leite Barbosa, Lúcio Alcântara, Mons. Manfredo Ra-
mos, Regine Limaverde, Teoberto Landim, Ubiratan Aguiar.

287
Relatório nº 08

Fortaleza, 14 de setembro de 2016.

Prezados confrades da ACL:


Apresentamos o resumo da nossa reunião de 14/09/2016. Fo-
ram informados pelo Presidente José Augusto Bezerra e debatidos pe-
los presentes os seguintes assuntos:
Visita ao Secretário da Cultura, Fabiano Piúba, para agradecer a
liberação de R$ 45.000,00 para a ACL, no sentido de viabilizar o Ciclo
de Conferências 2016, bem como entregar, por escrito, a solicitação de
colocar o nome da Academia Cearense de Letras na fachada do prédio.
Estudo para criação de uma Comenda Cultural que encerraria as
festividades dos 120 anos e que teria o nome de Uma Lenda do Cea-
rá, em alusão ao subtítulo do livro Iracema, que completou 150 anos
neste período comemorativo. Tal medalha só seria outorgada uma vez
por ano a pessoas que já tivessem falecido e se tornaria uma comenda
marcante da cultura cearense e brasileira.
Contato com a transportadora que trará as duas cadeiras estilo
imperial adquiridas no RJ por um acadêmico.
Contato com a Dra. Regina Leitão da FECOMÉRCIO no sentido
de liberar uma verba de R$ 20.000,00, já acertada para finalização de
aparelhamento do local e das atividades culturais no Jardim dos Poetas.
Atualização, junto ao governo do estado, de uma senha eletrônica
que possibilita conversações mais rápidas com os órgãos governamentais.
Foi proposta à SECULT a publicação dos livros Falas Acadêmicas
com uma verba diretamente da Governadoria do Estado.
O detalhamento do novo Ciclo de Conferências deixou de ser
feito em virtude da ausência da Diretora Cultural, Angela Gutiérrez,
por motivo de saúde.

288
Foi encaminhada a confecção da bandeira da entidade e das
placas faltantes com informações históricas sobre obras de arte ou de
pessoas homenageadas com o nome delas em salas da ACL.
Informado o estudo para uma iluminação na fachada, pela Sena
Madureira, para que o nome Palácio da Luz fique em sintonia com a
realidade, pois a frente da ACL, à noite, está muito escura.
O Presidente informou que está procurando ver a possibilidade
de implantar um sistema de pequenos pinos que dificultam ou impe-
dem a localização de pombos na fachada da ACL, pois sujam todas as
paredes e também restaurações realizadas.
Registrado o pleno êxito da reunião de aniversário da ACL no Ideal Clu-
be, no dia 17/08/2016, quando foi cumprido um significativo protocolo, o qual
constou da entrega da medalha 120 anos - Benemérito aos membros da ACL,
tendo sido feito um pequeno resumo da vida de cada homenageado. Foi entre-
gue a mesma bela medalha ao Secretário da Cultura, Fabiano Piúba, ao Secretá-
rio da Regional do Centro, Ricardo Sales, ao Presidente do Ideal Clube, Amarílio
Cavalcante, e à fundadora da SAL – Sociedade Amigas do Livro, a querida Su-
zana Ribeiro. Todos, permanentes parceiros e benfeitores da nossa Academia.
A segunda etapa da homenagem constou da apresentação ofi-
cial do novo Príncipe dos Poetas Cearenses, Linhares Filho, à comunida-
de cultural e também à comunidade social, dada a representatividade
das ilustres personalidades não pertencentes à ACL, que vieram presti-
giar o acontecimento. O novo Príncipe foi saudado, de forma magistral,
pelo laureado Acadêmico da ACL, Sânzio de Azevedo, seu amigo e
contemporâneo de atividades literárias, que traçou um impressionante
perfil, no tempo e no espaço, do homenageado, citando dados e fatos,
com preciosas interpretações, o que foi uma verdadeira aula. O novo
Príncipe dos Poetas fez um discurso de acolhimento da indicação de
forma também monumental, em peça literária que juntamente com
o da saudação, ficará nos anais da entidade, tanto pelo alto nível das
reflexões, quanto pela sonoridade poética das suas oralidades. Logo
após, seguiu-se um régio jantar, que recebeu a aprovação de todos. O
Presidente José Augusto Bezerra mencionou que, após a solenidade,

289
levou o confrade Sânzio de Azevedo para sua residência e ainda ecoava
em seus ouvidos as palavras do Sânzio, ditas baixinho, dentro do carro
e falando apenas para ele mesmo, que foram: - que noite maravilhosa!
Providenciada a abertura de uma conta na CEF para o recebimen-
to da verba para o Ciclo, conforme convênio com a SECULT. Registre-se
a burocracia desse fato, principalmente pelos bancos estarem em greve
e, tanto o Presidente José Augusto Bezerra como a Tesoureira, Giselda
Medeiros, tiveram que ir pessoalmente duas vezes à Agência, em horá-
rios diferentes, para atender as possibilidades internas da CEF.
Informado que o Minc está cobrando da entidade, em prazo
curtíssimo, o valor de R$ 15.000,00, referente à prestação de contas
do prêmio Osmundo Pontes, de 2004. A entidade recorreu e espera
um desfecho para dar uma definição a essa pendência.
Já encomendadas as cortinas faltantes para os demais locais da
ACL, aprovadas por todos.
Registrado o fato de que a ACL fez um ofício cobrando forte-
mente o cumprimento da segurança 24h para a Praça dos Leões, pro-
metida pela Prefeitura. Na realidade a ACL demanda a instalação do
trailer que proporcionará o apoio para os vigilantes poderem cumprir
decentemente suas atividades. Da mesma forma a ACL está cobrando
aos Poderes responsáveis uma solução para a implantação do estacio-
namento na rua Sena Madureira, para as pessoas que desejem visitar
a Praça dos Leões (General Tibúrcio).
Foi reiterado o convite para o lançamento do livro do confrade
Carlos Augusto Viana sobre a obra do poeta José Telles, no próximo
dia 15/09/2016, no Ideal Clube, às 19:30h.
Igualmente foi lembrado que o lançamento do livro Estação da
palavra, do Acadêmico Ubiratan Aguiar, ocorrerá no mesmo local, no
dia 22/09/2016. Solicitou-se a presença dos confrades ao evento.
Em virtude de, no dia 20/09/2016, terminar o prazo de inscrições
para a vaga que fora aberta para a sucessão do estimado confrade
José Telles, foi definida a seguinte Comissão Especial de Acadêmicos
para apreciação e parecer prévio, cumprindo-se orientação estatutá-

290
ria, sequencial, após o encerramento das inscrições: Beatriz Alcântara,
Ernando Uchoa lima e Regine Limaverde.
Informada a conclusão do belíssimo trabalho referente aos no-
vos jarros encomendados para o Jardim dos Poetas, cujas fotos se-
guem anexas, enviadas pela internet.
Informado que o parecer da Acadêmica Giselda Medeiros sobre
o pedido da escritora Ana Luíza Almeida, para ser sócia correspon-
dente da ACL, foi favorável, sendo acatado pelos presentes. Deverá
se proceder a coleta de 21 assinaturas e só após se informará à so-
licitante, a aprovação do seu nome. A secretária Cláudia Queiroz se
encarregará das providências administrativas.
Foi feito o destaque para os seguintes aniversariantes do mês:
07-Ubiratan Aguiar e 14 – Dimas Macedo.
O Presidente José Augusto Bezerra, após consultar os participan-
tes e nada mais havendo a constar, agradeceu a presença de todos,
bem como o espírito fraterno que ali prevaleceu, dando por encerrada
a produtiva reunião.

Cordialmente,
José Augusto Bezerra
Presidente

Acadêmicos Presentes: Beatriz Alcântara, Durval Aires Filho, José Au-


gusto Bezerra, Lourdinha Leite Barbosa, Linhares Filho, Luciano Maia,
Marly Vasconcelos, Pedro Henrique Saraiva Leão, Regine Limaverde,
Teoberto Landim, Ubiratan Aguiar.

291
Relatório nº 09

Fortaleza, 10 de outubro de 2016.

Prezados confrades da ACL:

Apresentamos o resumo da nossa reunião de 10/10/2016, o


qual, como os 29 outros anteriores, tem rigorosamente o mesmo va-
lor de ata, porquanto todos os fatos e acontecimentos ocorridos nas
reuniões são minuciosamente registrados. Foram informados pelo
Presidente José Augusto Bezerra e debatidos pelos presentes os se-
guintes assuntos:
Lançado no dia 15 de setembro, no Ideal Clube o livro sobre o
nosso Ex-acadêmico José Telles. A obra foi ricamente apresentada pelo
Acadêmico Carlos Augusto Viana, numa emocionante e bem organi-
zada cerimônia.
Solicitação feita pela ACL à SECULT, para colocar externamente,
no Palácio da Luz, o nome da Academia Cearense de Letras, para identi-
ficação. Esse trâmite é necessário em razão de a edificação ser tombada.
Colocação de três novos jarros internos, no Jardim dos Poetas,
com bouganvilles coloridos plantados, conforme orientação da arqui-
teta, e também um grande jarro externo, na esquina da Sena Madu-
reira com Guilherme Rocha, onde um dia existiu a estátua de um leão
e que há décadas estava abandonado. Ficou ótima a providência e
recebemos congratulações de pessoas comuns, bem como de profis-
sionais que vieram pessoalmente elogiar a iniciativa.
As reformas do Palácio da Luz e da Praça dos Leões tem recebi-
do extensa cobertura de televisões e jornais.
Registrada uma pequena pendência da entidade com o MINC,
sobre o Prêmio Osmundo Pontes 2004, mas que está sendo resolvida.

292
Providências para colocação do novo som no auditório grande,
com doze caixas distribuídas por entre as sancas do local, o que o ni-
vela aos melhores níveis técnicos da atualidade.
Recebimento pela ACL e, individualmente, pelos membros, do
livro Safira não é flor, romance do importante colaborador da entida-
de, Pádua Lopes.
Em andamento a publicação de três livros: Os Brilhantes, de Ro-
dolpho Theóphilo, prefaciado pelo Acadêmico Sânzio de Azevedo; O
Cajueiro do Fagundes, de Araripe Júnior, prefaciado pelo Acadêmico
Pedro Paulo Montenegro e Em Sonhos, de Alba Valdez, prefaciado
pela Acadêmica Angela Gutiérrez. Fazem parte da coleção Clássicos
Cearenses, cujo convênio para edição de um total de nove volumes
raros foi firmado pela ACL e a Fundação Demócrito Rocha. Esses três
livros iniciais deverão ser publicados até o final de dezembro, espera-
-se, pois já estão em processo de finalização.
Reiterado que a eleição para a cadeira nº 34, que está vazia,
ocorrerá no próximo dia 28/10/2016.
Registrada a presença do Presidente da ACL e de outros aca-
dêmicos no auditório da Reitoria, para prestigiar a posse do escritor
Roberto Victor, filho do colaborador Roberto Ribeiro, da AFL, no dia
27/09/2016.
O Presidente informa que está estudando a necessidade e a via-
bilidade de se colocar um novo ar condicionado no salão menor.
Registrada a entrega do Troféu Sereia de Ouro à Acadêmica An-
gela Gutiérrez, no dia 30/09/2016. A agraciada falou em nome dos
outros homenageados e deixou uma preciosa mensagem, a qual, atra-
vés de importantes reflexões, entusiasmou o público presente, que
a ovacionou em vários momentos do seu marcante discurso. A ACL
sente-se orgulhosa de, mais uma vez, ter um dos seus membros entre
os homenageados com a importante láurea.
Participação da Presidência na reunião mensal na casa do Aca-
dêmico Juarez Leitão, para o encontro “Tapioca e café”, que congrega
dezenas de importantes literatos. São servidos deliciosos ágapes, por

293
entre curiosos e interessantes causos literários, que se sucedem em
original bate-papo até tarde da noite.
Encontro da Presidência e da Acadêmica Angela Gutiérrez, com
o renomado artista Descartes Gadelha, ultimando-se os preparativos
para a conclusão dos dois bustos que adornarão a entrada da ACL,
bem como do quadro sobre o Palácio da Luz em sua gênese, que está
sendo criado pelo excepcional pintor.
Apresentada a bandeira da ACL, a qual foi aplaudida pelos pre-
sentes. Segundo depoimentos de alguns que ali estavam, distingue-se
pela simplicidade e expressividade, em sua plenitude.
Mencionado o esforço para se diminuir ou eliminar a presen-
ça de pombos nas paredes da entidade. A Presidência está procu-
rando usar recursos que apenas afugentem e não prejudiquem as
mencionadas aves.
A data definida para nossa reunião natalina foi o dia 12/12/2016,
a qual coincidirá com a eleição da nova Diretoria.
Após longa demanda, finalmente conseguiu-se, junto a Prefeitu-
ra, a iluminação da fachada da ACL, que estava na escuridão, à noite.
A funcionária Cláudia Queiroz passou a exercer a função de Di-
retora Administrativa Adjunta, a partir deste mês de novembro.
Informado o lançamento da obra Náufragos do Porto, sexto livro
do confrade Ednilo Soárez, Presidente do Instituto do Ceará, que ocor-
rerá no dia 27/10/2016, na rua Agerson Tabosa, ao lado da Faculdade
7 de Setembro.
Entrega pelo confrade Luciano Maia, que é um Acadêmico
muito conceituado internacionalmente, também, de um original da
importante Revista Ápices – de Buenos Aires, publicada sob a respon-
sabilidade do escritor Raul Lavalle. O Presidente agradeceu, em nome
da ACL, a grata contribuição trazida para a entidade, a qual contém,
entre outros importantes artigos, a tradução de uma valiosa bula papal
do acervo do Acadêmico José Augusto Bezerra.
Foi feito o destaque para o aniversariante do mês: 14/10 – F.S.
Nascimento.

294
Após o Presidente José Augusto Bezerra consultar os participan-
tes e nada mais havendo a constar, agradeceu a presença de todos e
bem como o espírito fraterno que ali prevaleceu, dando por encerrada
a produtiva reunião.  
        
Cordialmente,
José Augusto Bezerra
Presidente

Relação dos Acadêmicos que participaram da reunião: Durval Ai-


res Filho, Ednilo Soárez, Ernando Uchoa, Giselda Medeiros, José Au-
gusto Bezerra, Linhares Filho, Luciano Maia, Ubiratan Aguiar

295
296
11ª Parte

Relação dos Acadêmicos


e seus Endereços
Distribuição dos Patronos e Acadêmicos
por Ordem de Cadeiras1

Acadêmicos da primeira fase,


sem patronos e sem cadeiras
Farias Brito – Drumond da Costa – José Domingues Fontenele –
Benedito Sidou - Franco Rabelo – Pedro de Queirós – F. Alves de Lima
– Valdemiro Cavalcante – Álvaro Mendes – José Carlos Júnior – Virgílio
de Morais – José de Barcelos – Antônio Bezerra – Eduardo Studart –
Adolfo Luna Freire – Eduardo Salgado – Alcântara Bilhar – Valdivino
Nogueira – Henrique Théberge – Rodrigues de Carvalho

OBS - * - Acadêmicos que ocuparam duasou três cadeiras du-


rante sua vida na Instituição.
Cadeira 1
PATRONOS OCUPANTES
 José de Alencar (1922)  Justiniano de Serpa
 Adolfo Caminha (1930)  Ermínio Araújo
 Adolfo Caminha (atual)  Sidney Neto
Atual: Sânzio de Azevedo
Rua Leonardo Mota, 1080 - Apto. 501 - CEP 60.170-041 - Fortaleza - Ceará

Cadeira 2
PATRONOS OCUPANTES
 Paulino Nogueira (1922)  Guilherme Studart
 Agapito dos Santos (1930)  Amora Maciel
 Álvaro Martins (atual)  Luís Sucupira*
Atual: José Batista de Lima
Rua José Alves Cavalcante, 1163 - CEP 60.822-570 - Fortaleza - Ceará

1 Conforme estudo realizado pelo acadêmico José Murilo Martins, titular da cadeira nº 4

299
Cadeira 3
PATRONOS OCUPANTES
 Senador Pompeu (1922)  Tomás Pompeu
 Álvaro Martins (1930)  (Luís Sucupira)
 Antônio Augusto (atual)  Martins Filho
Atual: Carlos Augusto Viana
Rua: Manoel Jacaré, 171/1500 - CEP 60.175-110 - Fortaleza - Ceará

Cadeira 4
PATRONOS OCUPANTES
 Joaquim Catunda (1922)  Antônio Augusto
 Antônio Augusto (1930)  J. J. Pontes Vieira
 Antônio Bezerra (atual)  (Raimundo Girão)
 Milton Dias
 Joaryvar Macedo
Atual: José Murilo de Carvalho Martins
Av. Beira Mar, 3660/401 - CEP 60.165-121 - Fortaleza - Ceará

Cadeira 5
PATRONOS OCUPANTES
 Adolfo Caminha (1922)  Alf. Castro
 Antônio Bezerra (1930)  Antônio Furtado
 Antônio Papi Júnior (atual)  Fran Martins
Atual: Eduardo Diatahy Bezerra de Meneses
Rua Marlio Fernandes, 140 - Guararapes - CEP 60.810-025 - Fortaleza - Ceará

Cadeira 6
PATRONOS OCUPANTES
 Fausto Barreto (1922)  Tomás Pompeu Sobrinho
 Antônio Pompeu (1930)  F. Alves de Andrade
 Antônio Pompeu (atual)  Natércia Campos
Atual: Virgílio Maia
Rua Joaquim Nabuco, 250/600 - CEP 60.125-120 - Fortaleza - Ceará

300
Cadeira 7
PATRONOS OCUPANTES
 Liberato Barroso (1922)  Antonino Fontenele
 Araripe Júnior (1930)  (Cruz Filho)
 Clóvis Beviláqua (atual)  Mário Linhares
 Nertan Macedo
Atual : Marly Vasconcelos
Rua Martinho Rodrigues, 88 - Fátima - CEP 60.411-280 - Fortaleza - Ceará

Cadeira 8
PATRONOS OCUPANTES
 Álvaro Martins (1922)  (Alba Valdez)
 Capistrano de Abreu (1930)  Valter Pompeu
 Domingos Olímpio (atual)  Fernandes Távora*
 Aderbal Sales
Atual : Horácio Dídimo
Rua Moreira de Sousa, 525/403 - Parquelândia - CEP 60.450-080 - Fortaleza – Ceará

Cadeira 9
PATRONOS OCUPANTES
 Tomás Lopes (1922)  Carlos Câmara
 Domingos Olímpio (1930)  (Fernandes Távora)
 Fausto Barreto (atual)  Alencar Matos
 João Clímaco Bezerra
Atual : Genuino Francisco de Sales
Rua Manuel Jesuíno, 728 - Varjota - CEP 60.175-270 – Fortaleza - Ceará

Cadeira 10
PATRONOS OCUPANTES
 Lívio Barreto (1922)  Sales Campos
 Farias Brito (1930)  Matos Peixoto*
 Gonçalo Mororó, padre (atual)  Abelardo Montenegro
Atual : Ednilo Soárez
Av. Beira Mar, 4777/1500 - CEP 60.165-121 - Fortaleza - Ceará

301
Cadeira 11
PATRONOS OCUPANTES
 Antônio Bezerra (1922)  (Otávio Lobo)
 Fausto barreto (1930)  Carvalho Júnior
 Guilherme Studart, Barão (atual)  Joaquim Alves
 José Valdivino
Atual: Dimas Macedo
Rua Fonseca Lobo, 1355/801-A - CEP 60.175-020 - Fortaleza - Ceará

Cadeira 12
PATRONOS OCUPANTES
 Araripe Júnior (1922)  (Cursino Belém)
 Franklin Távora (1930)  (Joel Linhares)
 Heráclito Graça (atual)  Natanael Cortez*
 J. C. Alencar Araripe
Atual: José Augusto Bezerra
Av. Rui Barbosa, 748/800 - CEP 60.115-220 - Fortaleza - Ceará

Cadeira 13
PATRONOS OCUPANTES
 Martinho Rodrigues (1922)  Soares Bulcão
 Heráclito Graça (1930)  (Natanael Cortez)
 Jerônimo Tomé, dom (atual)  Misael Gomes
 Ribeiro Ramos

Atual: Padre Francisco Manfredo Tomás Ramos


Rua Tavares Coutinho, 1736/601-Varjota - CEP 60.155-190 - Fortaleza - Ceará

Cadeira 14
PATRONOS OCUPANTES
 Antônio Ibiapina (1922)  Jorge de Sousa
 Jerônimo Tomé (1930)  (Misael Gomes)
 João Brígido (atual)  Jáder de Carvalho*
 José Maria Barros de Pinho
Atual: Ernando Uchoa Lima
Av. Beira-Mar, 4320/500 - CEP 60.165-121 - Fortaleza - Ceará

302
Cadeira 15
PATRONOS OCUPANTES
 Antônio Martins (1922)  José Lino da Justa
 João Brígido (1930)  (Jáder de Carvalho)
 João Capistrano de Abreu (atual)  Braga Montenegro
Atual: Padre Francisco Sadoc de Araújo
Rua da Ressurreição, 926 - Bairro: Pe. Ibiapina - CEP 62.022-345 - Sobral - Ceará

Cadeira 16
PATRONOS OCUPANTES
 Antônio Ibiapina, padre (1922)  Júlio Ibiapina
 João Moreira (1930)  Antônio Teodorico
 João Franklin Távora (atual)  Joel Linhares*
 Newton Gonçalves
Atual: Maria Beatriz Rosário de Alcântara
Av. Antônio Justa, 3320/300 - CEP 60.165-090 - Fortaleza - Ceará

Cadeira 17
PATRONOS OCUPANTES
 José Avelino (1922)  Álvaro de Alencar
 Joaquim Catunda (1930)  Renato Braga
 Joaquim Catunda (atual)
Atual: Paulo Bonavides
Rua Manoelito Costa, 281- Lagoa Redonda - CEP 60.831-374 - Fortaleza - Ceará

Cadeira 18
PATRONOS OCUPANTES
 Soares Bezerra (1922)  (Andrade Furtado)
 Joaquim José Vieira, Dom (1930)  Otávio Lobo*
 José Cardoso de Moura Brasil (atual)  Antônio Girão Barroso
 Geraldo Fontenele
Atual: Angela Gutiérrez
Rua Deputado Moreira da Rocha, 865 - CEP 60.160-060 - Fortaleza - Ceará

303
Cadeira 19
PATRONOS OCUPANTES
 Antônio Tibúrcio, general (1922)  Raimundo Arruda
 José Albano (1930)  Martinz de Aguiar
 José Albano (atual)  Mozart Soriano Aderaldo
Atual: Juarez Leitão
Rua Silva Jatahy, 760/1000 - CEP 60.165-070 - Fortaleza - Ceará

Cadeira 20
PATRONOS OCUPANTES
 Tristão Araripe (1922)  Antônio Drumond
 José de Alencar (1930)  Antônio Sales*
 José Liberato Barroso (atual)  Clodoaldo Pinto*
Atual: Cid Sabóia de Carvalho
Rua Gustavo Sampaio, 1999 - Alagadiço - CEP 60.455-001 - Fortaleza - Ceará

Cadeira 21
PATRONOS OCUPANTES
 Oliveira Sobrinho (1922)  Raimundo Ribeiro
 José Liberato Barroso (1930)  (Clodoaldo Pinto)
 José de Alencar (atual)  Filgueiras Lima
 Raimundo Girão*
 Osmundo Pontes
Atual: Regine Limaverde
Rua Leonardo Mota, 460/202 - CEP 60.170-040 - Fortaleza - Ceará

Cadeira 22
PATRONOS OCUPANTES
 Paula Nei (1922)  Quintino Cunha
 Justiniano de Serpa (1930)  Leiria de Andrade*
 Justiniano de Serpa (atual)  Alba Valdez*
 Eduardo Campos
Atual: César Asfor Rocha
Av. Beira Mar, 1400 / 700 - CEP 60.165-121 – Fortaleza - Ceará

304
Cadeira 23
PATRONOS OCUPANTES
 José Sombra (pai) (1922)  José Sombra Filho
 Lívio Barreto (1930)  Elias Mallmann
 Juvenal Galeno (atual)  Henriqueta Galeno
 Florival Seraine
Atual: Luciano Maia
Rua Paula Ney, 155/200 - CEP 60.140-020 - Fortaleza - Ceará

Cadeira 24
PATRONOS OCUPANTES
 Heráclito Graça (1922)  Ferreira dos Santos
 Mário da Silveira (1930)  (Júlio Maciel)
 Lívio Barreto (atual)  Gastão Justa
Atual: Pedro Paulo Montenegro
Rua Visconde de Mauá, 3302 - CEP 60.125-125 - Fortaleza - Ceará

Cadeira 25
PATRONOS OCUPANTES
 Valdemiro Cavalcante (1922)  Francisco Prado
 Gonçalo Mororó. Padre (1930)  Demócrito Rocha
 Manuel de Oliveira Paiva (atual)  Carlyle Martins

Atual: Pedro Henrique Saraiva Leão


Rua Marcos Macêdo, 1301/301 - CEP 60.150-190 - Fortaleza - Ceará

Cadeira 26
PATRONOS OCUPANTES
 Visconde de Sabóia (1922)  (Leiria de Andrade)
 José Cardoso de Moura Brasil (1930)  (Otávio Lobo)
 Manoel Soares Bezerra (atual)  Andrade Furtado*
 Otacílio de Azevedo
Atual: Lúcio Gonçalo de Alcântara
Av. Antônio Justa, 3320/300 - CEP 60.165-090 - Fortaleza - Ceará

305
Cadeira 27
PATRONOS OCUPANTES
 Rocha Lima (1922)  (Cruz Filho)
 Manuel de Oliveira Paiva (1930)  Papi Júnior*
 Manuel Soriano  Epifânio Leite
de Albuquerque (atual)  Adonias Lima* – Durval Aires
Atual: César Oliveira Barros Leal
Rua José Carneiro da Silveira, 15/301 - CEP 60.150-260 - Fortaleza - Ceará

Cadeira 28
PATRONOS OCUPANTES
 João Brígido (1922)  (Antônio Teodorico)
 Oto de Alencar (1930)  José Sombra Filho*
 Mário da Silveira (atual)  Leonardo Mota*
 Júlio Maciel
 João Jacques
Atual: Giselda Medeiros
Rua Castro Alves, 725 - CEP 60.130-210 - Fortaleza - Ceará

Cadeira 29
PATRONOS OCUPANTES
 Farias Brito (1922)  (Matos Peixoto)
 Paulino Nogueira (1930)  Carlos Studart Filho
 Paulino Nogueira (atual)  Itamar Espindola
 José Costa Matos
 José Alves Fernandes
Atual: Ubiratan Diniz Aguiar
Rua Barbosa de Freitas, 1850/1300 - CEP 60. 170-020 - Fortaleza - Ceará

306
Cadeira 30
PATRONOS OCUPANTES
 Alberto Nepomuceno (1922)  (Beni Carvalho)
 Senador Pompeu (1930)  Adauto Fernandes
 Raimundo Rocha Lima (Atual)  Josaphat Linhares*
Atual: Linhares Filho
Rua Mário de Alencar Araripe, 185 - CEP 60.833-500 - Fortaleza - Ceará

Cadeira 31
PATRONOS OCUPANTES
 Domingos Olímpio (1922)  (Fernandes Távora)
 Pompílio Cruz (1930)  Mozart Damasceno
 Raimundo Farias Brito (atual)  Leite Maranhão
 Cursino Belém
 Cláudio Martins – Francisco Carvalho
Atual: Maria de Lourdes Dias Leite Barbosa
Rua Bento Albuquerque, 399/702 - CEP 60.190-080 - Fortaleza - Ceará

Cadeira 32
PATRONOS OCUPANTES
 Franklin Távora (1922)  (Leonardo Mota)
 Raimundo Rocha Lima (1930)  (Josaphat Linhares)
 Raimundo Ulisses Pennafort,  J. V. Ribeiro Ramos
cônego (atual)  Moreira Campos
 Rachel de Queiroz
Atual: Napoleão Nunes Maia Filho
Rua Cônego Braveza, 475 - CEP 60.822-820 - Fortaleza - Ceará

307
Cadeira 33
PATRONOS OCUPANTES
 Visconde de Sabóia (1930)  (Antônio Sales)
 Rodolfo Teófilo (atual)  (Tomás Pompeu Filho)
 Perboyre e Silva
 Otacílio Colares
Atual: Noemi Elisa Aderaldo
Rua Andrade Furtado, 333 / Apto 101 - CEP 60.192-070 - Fortaleza - Ceará

Cadeira 34
PATRONOS OCUPANTES
 Samuel Uchoa (1930)  (Papi Júnior)
 Samuel Uchoa (atual)  Dolor Barreira
 J. Figueiredo Filho
 Denizard Macedo
 Vinicius Barros Leal
Atual: José Telles da Silva (vaga – Falecimento, 2 junho 2016)
Rua Barbosa de Freitas, 101/702 - CEP 60.170-020 - Fortaleza - Ceará
Eleito: Flávio Leitão – (28 outubro de 2016)

Cadeira 35
PATRONOS OCUPANTES
 Manuel Soriano Albuquerque (1930)  João Augusto Frota, Padre
 Tomás Pompeu (atual)  Teodoro Cabral
 Livino de Carvalho
 Cândida Galeno
 Argos Vasconcelos
Atual: João Soares Neto
Rua Ildefonso Albano, 200/100 - CEP 60.115-000- Fortaleza - Ceará

308
Cadeira 36
PATRONOS OCUPANTES
 Tibúrcio Rodrigues (1930)  Rodolfo Teófilo
 Tomás Pompeu, senador (atual)  J. Martins Rodrigues
 Hugo Catunda
Atual: Carlos Neves d’Alge
Rua São Gabriel, 300/1701 - Aldeota - CEP 60.135-450 - Fortaleza - Ceará

Cadeira 37
PATRONOS OCUPANTES
 Tomás Lopes (1930)  (Adonias Lima)
 Tomás Lopes (atual)  Mozart Firmeza
 Manoel Albano Amora
Atual: Teoberto Landim
Av. Barão de Studart, 1966/502 - CEP 60.120-001 - Fortaleza - Ceará

Cadeira 38
PATRONOS OCUPANTES
 Tomás Pompeu (1930)  (Júlio Maciel)
 Tibúrcio Rodrigues (atual)  Monte Arrais
 Menezes Pimentel
Atual: F. S. Nascimento
Rua Prof. Francisco Gonçalves, 1104/202 - CEP 60.135-430 - Fortaleza - Ceará

309
Cadeira 39
PATRONOS OCUPANTES
 Ulisses Pennafort, Cônego (1930)  Moreira Azevedo
 Tristão de A. Araripe Júnior (atual)  Beni Carvalho*
 Cruz Filho*
 Plácido Aderaldo Castelo
 José Rebouças Macambira
Atual: Mauro Benevides
Rua Tiburcio Cavalcante, 700/21.and. - CEP 60.125-100 - Fortaleza - Ceará

Cadeira 40
PATRONOS OCUPANTES
 Luis Miranda (1922)  Antônio Tomás, Padre
 Valdemiro Cavalcante (1930)  Emídio Barbosa
 Visconde de Saboia (atual)  Carlos Oliveira Ramos
 Tomás Pompeu Filho*
 Artur Eduardo Benevides
Atual: Durval Aires Filho
Rua Nelson Studart, 227 - CEP 60.811-040 - Fortaleza - Ceará

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