ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA
A abolição da escravatura no Brasil era um assunto que estava no centro de nossa pauta política
desde que a independência do país foi conquistada em 1822. A elite econômica e política do
nosso país sabia que o reconhecimento internacional da nossa independência, sobretudo no que
se refere ao reconhecimento inglês, passava pela abolição do trabalho escravo.
A postura do nosso país, no entanto, foi a de postergar qualquer compromisso assumido, seja
com o fim do tráfico negreiro, seja com a abolição da escravatura. Em razão do perfil e dos
interesses da elite econômica do nosso país, o trabalho escravo, ao invés de ser combatido, foi
reforçado.
O tráfico negreiro, por exemplo, manteve-se bastante ativo em nosso país até 1850. Seu fim só
aconteceu de fato, por meio da Lei Eusébio de Queirós, em razão das pressões inglesas e do
risco de guerra com a Inglaterra.
O desejo das elites escravocratas do Brasil era de que o fim do trabalho escravo fosse lento e
gradual e só acontecesse quando o último escravo morresse. Foi levando essa ideia em
consideração que a escravidão permaneceu legal em nosso país por mais de 38 anos após a
proibição do tráfico negreiro.
O debate abolicionista no Brasil só ganhou mais força a partir da década de 1870, com o fim
da Guerra do Paraguai. Já no começo dessa década, registrou-se o surgimento de novas
associações abolicionistas. Em virtude da atuação dessas entidades, os grupos interessados na
manutenção da escravidão intervieram e optaram por soluções graduais.
Isso resultou na aprovação da Lei do Ventre Livre, aprovada em setembro de 1871 e que tinha
como objetivo principal controlar a causa abolicionista. A lei funcionava da seguinte maneira: a
partir daquela data, todos os filhos de escravos seriam considerados livres, mas seriam
obrigados a trabalhar por um tempo como compensação. A lei estipulava que o filho do ventre
da escrava seria livre:
aos 8 anos (nesse caso, o dono da escrava receberia uma indenização de 600 mil réis);
aos 21 anos (nesse caso, da escrava não receberia nenhuma indenização).
A Lei do Ventre do Livre, na ótica dos escravocratas, conseguiu alcançar seu objetivo principal:
fazer o movimento abolicionista, temporariamente, perder força. O movimento só se recuperou
na década de 1880, e a mobilização de parte da sociedade e dos próprios escravos foi
fundamental para que a causa tivesse sucesso.
O crescimento da causa abolicionista na década de 1880 é claramente perceptível pelo
crescimento do número de associações que atuavam pela causa. As historiadoras Lilia Schwarcz
e Heloísa Starling destacam a atuação da Sociedade Brasileira contra a Escravidão e a
Confederação Abolicionista|1|.
Além disso, o número de publicações que faziam a defesa da causa abolicionista disparou, e
pessoas influentes, como Castro Alves e Joaquim Nabuco, associaram-se à causa. Outros
nomes de destaque na defesa do abolicionismo nessa década
foram Luís Gama, José do Patrocínio, André Rebouças, entre outros.
Nesse contexto, em defesa da abolição, a publicação de artigos e panfletos e a realização de atos
públicos, como procissões e outros tipos de manifestações, tornaram-se comuns. A década de
1880, porém, viu um tipo de manifestação que foi fundamental para que a campanha tivesse
sucesso: a desobediência civil.
O grande destaque nesse momento foi a própria luta dos escravos, uma vez
que fugas e rebeliões tornaram-se comuns no período e demonstraram que a situação estava
fora do controle das entidades governamentais. Lilia Schwarcz e Heloísa Starling destacam que,
“conscientes de que a escravidão perdia a legitimidade e o consenso, grupos de escravos
ganhavam em ousadia e articulação, revoltando-se fugindo, cometendo crimes, clamando por
melhorias em suas condições de vida e por autonomia”|2|.
O resultado disso foi o aumento substancial na quantidade de quilombos, que surgiram para
abrigar o grande fluxo de escravos fugidos de seus cativeiros. Os arredores da cidade do Rio de
Janeiro e de Santos presenciaram uma quantidade enorme de quilombos formados com o intuito
de, além de abrigar os escravos fugidos, organizar formas de resistência e prestar auxílio para
outros escravos.
Esses quilombos são definidos pelo historiador Eduardo Silva como quilombos abolicionistas|
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, pois possuíam lideranças politicamente articuladas para fazer a intermediação entre a
sociedade e os escravos fugidos, além de prestar-lhes apoio, incentivar fuga de escravos, abrigá-
los em esconderijos ou deslocá-los para o Ceará (estado em que o trabalho escravo foi abolido
em 1884).
O apoio e a pressão popular foram outras formas de atuação e resistência importantes.
Propagandear o movimento era importante para garantir-lhe apoio. Nesse sentido, um símbolo
tornou-se muito influente, e o gesto de portar esse símbolo na época tornou-se um ato político,
como definem Lilia Schwarcz e Heloísa Starling|4|. Estamos falando das camélias brancas.
Essa flor era cultivada por um quilombo localizado no Leblon e foi utilizada muitas vezes para
identificar abolicionistas em ações consideradas mais arriscadas.
Por fim, somado a isso, há uma questão importante. O Estado tornou-se ineficaz no combate de
todas as formas de resistência à escravidão em nosso país, uma vez que polícia e Exército
começaram a fazer “vista grossa” em razão da quantidade de ocorrências. Assim, o movimento
abolicionista colocou-se como um “risco” para a ordem do Império, fazendo com que a
manutenção da escravidão no país fosse inviável política, econômica e socialmente.
Lei Áurea
Foi nesse quadro em que ocorreu a abolição da escravatura no Brasil. Ela não foi resultado da
benevolência da princesa Isabel, mas fruto de uma forte pressão popular e política. O Império,
sem saídas, optou por garantir a abolição da escravatura quando João Alfredo, político do
Partido Conservador, propôs o projeto da Lei Áurea.
O projeto avançou e, no dia 13 de maio de 1888, a princesa Isabel, enquanto princesa regente
do Brasil, assinou o documento que garantiu a abolição da escravatura de maneira imediata e
sem reparação. Cerca de 700 mil escravos ganharam a sua liberdade, mas sem que medidas
de integração social e econômica fossem realizadas. Isso garantiu que o negro continuasse
extremamente marginalizado na sociedade brasileira.