FMD
1. Definição e composição da FMD (Fasting-
Mimicking Diet)
A FMD é um protocolo alimentar cíclico especialmente formulado para
reproduzir as alterações metabólicas do jejum prolongado (≥ 48 h), porém
permitindo ingestão de calorias reduzidas e nutrientes selecionados.
Duração e frequência: Tipicamente 5 dias consecutivos por mês ou
bimensalmente (ciclos de 4–5 dias a cada 3–4 semanas).
Conteúdo calórico: 300–1 100 kcal/dia, decrescendo ao longo dos 5 dias
(dia 1: ~1 100 kcal; dias 2–5: ~700 kcal) .
Macronutrientes:
Gorduras: 45–60% das calorias, majoritariamente insaturadas (óleo de
oliva, nozes)
Carboidratos: 30–40% (complexos de baixo índice glicêmico)
Proteínas: 8–10%, principalmente vegetal (leguminosas, isolados de
plantas)
Micronutrientes: Complementação garantida de vitaminas e minerais
essenciais para evitar deficiências agudas.
Esse desenho minimiza
1. o estresse psicológico do jejum absoluto;
2. a depleção de massa magra (pela proteína vegetal moderada);
3. os riscos de hipoglicemia e desequilíbrio eletrolítico.
2. Mecanismos moleculares (vias e magnitude dos
efeitos)
2.1 Sensoramento de nutrientes e vias anabólicas
1. Insulina/PI3K–AKT–mTOR
FMD 1
FMD provoca queda de 40–50% na insulinemia de jejum e de até 60%
nos níveis de IGF-1 após cinco dias .
Essa redução inibe a via PI3K–AKT, levando a:
↓ fosforilação de mTORC1 e p70S6K (quebra de sinal anabólico)
↑ ativação de AMPK (sensível ao AMP/ATP), que reprime mTORC1 e
estimula vias catabólicas.
2. PKA–CREB
Diminuição de glicose plasmática (< 80 mg/dL) reduz a atividade de
PKA, com impacto em processos de crescimento e inflamação.
2.2 Estresse cellular, autofagia e reparo
Autofagia: Em hepatócitos e células musculares de roedores submetidos a
FMD, observa-se ↑ LC3-II e ↓ p62 em até 2× em relação ao pré-ciclo,
refletindo intensa degradação de organelas danificadas .
Regeneração pós-jejum: Na re-alimentação, proliferação de células-tronco
em medula óssea, sistema imune e epitélio intestinal é 1,5–2× maior,
promovendo “renovação” tecidual.
2.3 Inflamação e imunometabolismo
Marcadores inflamatórios:
↓ TNFα (–30%), ↓ IL-6 (–25%), ↓ PCR (–20%) após três ciclos mensais
em humanos saudáveis .
Composição imune:
Aumento da razão linfóide:mieloide em ~ 15%; índice de “idade
imunológica” cai 1–3 anos segundo clocks de metilação (Levine) .
2.4 Metabolismo lipídico e energético
Corpos cetônicos: β-hidroxibutirato até 1,5–2 mM (vs. 0,1 mM em dieta
livre), sinalizando via HCAR2 e PUFA-mediada anti-inflamação.
Oxidação de gordura: ↑ CPT1 e PPARα, favorecendo lipólise; em
camundongos, redução de 25% na gordura visceral após 3 ciclos
bimensais .
FMD 2
3. Evidências pré-clínicas (detalhamento dos
principais estudos)
Estudo Modelo Protocolo FMD Principais achados
↑ longevidade (+11%
mediana), ↓ gordura
visceral (–28%), ↓
Brandhorst et 4 dias FMD
Camundongos incidência de câncer (–
al., Cell Metab. bimensal desde 16
C57BL/6 45%), ↑ neurogênese
2015 meses
hipocampal e performance
cognitiva (–20% tempo em
labirinto)
↓ leucócitos circulantes (–
Cheng et al., 70%), seguido de ↑
3 ciclos de PF +
Cell Stem Cell Camundongos regeneração de células-
re-alimentação
2014 tronco no timo e medula
(×2)
↑ resposta tumoral
5 dias (regressão completa em
Xenoinjerto
Caffa et al., FMD/semana por 40% vs 10%), restaurou
MCF7 e
Nature 2020 4 semanas + sensibilidade em tumores
organoides HR+
fulvestranto resistentes via ↑
PTEN/EGR1
4. Evidências clínicas (descrições mais completas)
4.1 População geral e marcadores de risco
Wei et al., Sci Transl Med. 2017 (n=100; 50 FMD vs 50 controle)
Desfechos: ↓ IMC (–1,5 kg/m²), ↓ PA sistólica (–7 mmHg), ↓ HbA₁c (–
0,2 %), ↓ IGF-1 (–18 %), ↓ triglicerídeos (–15 %) após 3 ciclos.
Segurança: Eventos adversos transitórios (fadiga, tontura) em < 10%;
zero hospitalizações.
Brandhorst et al., Nat Commun. 2024 (reanálise de NCT02158897)
Achados exploratórios: ↓ resistência insulínica (HOMA-IR –0,8), ↓
gordura hepática (RLE: –3,2 %), «rewind» na idade biológica em –2,5
anos, independente de perda de peso.
FMD 3
4.2 Câncer de mama
DIRECT trial (de Groot et al., Nat Commun. 2020) (n=131, multicêntrico)
Duração: 3 dias de FMD pré-QT + dias de QT em 6 ciclos de
neoadjuvante.
Resultados: OR 3,17 para resposta radiológica; OR 4,11 para resposta
patológica 4/5 (90–100% morte tumoral); ↓ dano de DNA em linfócitos
(–40%).
Vernieri et al., Cancer Discov. 2022
Objetivo: FMD combinado a QT/imunoterapias em 101 pacientes
sólidos.
Imunofenotipagem: ↓ MDSC (–35%), ↓ Tregs (–30%), ↑ CD8⁺
intratumoral e assinatura IFNγ associada a melhor sobrevida livre de
progressão.
4.3 Diabetes tipo 2
van den Burg et al., Diabetologia 2024 (n=100 T2D, metformina)
Programa: 5 dias/mês de FMD + cuidados primários por 12 meses.
Desfechos primários: ↓ Medication Effect Score (–0,3; p< 0,001), ↓
HbA₁c (–3,2 mmol/mol | –0,3 %; p= 0,04), ↓ peso (–3,6 kg; p< 0,001).
Impacto clínico: 53% melhoraram controle glicêmico versus 8% no
controle, mantendo segurança (sem cetoacidose ou hipoglicemia
grave).
4.4 Hipertensão e obesidade
Mishra et al., npj Metab Health Dis. 2023 (n=n/d, RCT)
Comparador: 4 ciclos de FMD versus 4 meses de dieta Mediterrânea.
Achados: Ambos ↓ peso (–5 kg), circunferência abdominal (–6 cm),
colesterol total (–15 mg/dL).
Específico FMD: ↓ HbA₁c (–0,3 %), ↓ IGF-1 (–10 %), sem perda de
massa magra; MD levou ter perda magra de 4%.
5. Lacunas e direções futuras
FMD 4
1. Personalização de ciclos: Ajustar protocolos segundo idade, sexo,
comorbidades e perfil genético.
2. Biomarcadores preditivos: Metabolômicos e imunes que indiquem
“respondedor” versus “não-respondedor”.
3. Longo prazo e desfechos duros: Estudos fase III avaliando mortalidade,
eventos cardiovasculares e recidiva tumoral.
4. Mecanismos epigenéticos: Como pulsos de FMD modulam metilação,
cromatina e memórias metabólicas.
5. Segurança em grupos especiais: Idosos frágeis, crianças, gestantes e
pacientes com desnutrição ou câncer avançado.
Síntese
A FMD amplia nosso arsenal de intervenções nutricionais, combinando
tolerabilidade e eficácia: atua em vias centrais (mTOR, PI3K, AMPK), estimula
autofagia e regeneração, remodela o sistema imune e produz ganhos clínicos
em renitência tumoral, diabetes e cardiometabolismo. O desafio agora é refinar
protocolos, identificar preditores de resposta e validar benefícios em grandes
ensaios de longo prazo.
Posicionando a Dieta que Imita o Jejum (FMD): Uma Análise
Crítica Baseada em Evidências
1. Introdução: O Contexto da FMD na Nutrição Clínica
O interesse em intervenções de jejum para a promoção da saúde e longevidade
tem crescido exponencialmente. No entanto, o jejum prolongado (jejum de
água) apresenta desafios significativos de segurança, adesão e risco
nutricional. Nesse contexto, a Dieta que Imita o Jejum (FMD), desenvolvida
pelo grupo do Dr. Valter Longo, surge como uma alternativa cientificamente
formulada. Ela visa replicar os benefícios moleculares do jejum, minimizando
seus riscos e o fardo psicológico.
A FMD é, por definição, uma intervenção potente com efeitos pleiotrópicos. O
seu resumo detalha isso com precisão: ela modula vias-chave de
sensoramento de nutrientes (IGF-1, mTOR, PKA), induz autofagia, promove
regeneração via células-tronco e remodela o metabolismo e a imunidade.
A questão central para a PBE não é "a FMD funciona?", mas sim:
Para quem ela funciona?
FMD 5
Para quais desfechos?
Com qual grau de certeza podemos afirmar seus benefícios e segurança
a longo prazo?
2. A Pirâmide de Evidências da FMD: Da Molécula ao Paciente
Para posicionar a FMD, devemos organizar a evidência que você compilou
segundo a hierarquia da PBE.
2.1. A Base da Pirâmide: Evidência Pré-clínica e Mecanística (Forte, porém
Indireta)
Seu resumo é impecável nesta área. Estudos em leveduras, vermes e,
crucialmente, em roedores (Brandhorst et al., Cheng et al.) forneceram uma
prova de conceito robusta. Eles demonstraram que os ciclos de FMD podem:
Aumentar a longevidade e o "healthspan" (período de vida saudável).
Reduzir a incidência de tumores e doenças metabólicas.
Promover a regeneração de múltiplos sistemas, incluindo o imune.
Posicionamento PBE: Esta evidência é fundamental e de alta qualidade para
gerar hipóteses e justificar a investigação em humanos. No entanto, do ponto
de vista clínico, sua relevância é indireta. A translação de achados em
roedores para humanos é notoriamente incerta. Esta base, sozinha, não
justifica uma recomendação clínica.
2.2. O Meio da Pirâmide: Ensaios Clínicos com Desfechos Substitutos
(Encorajadora, mas Cautela é Necessária)
Esta é a área onde a FMD possui a maior quantidade de dados em humanos, e
seu resumo captura os estudos-chave (Wei et al., Brandhorst et al. 2024,
Mishra et al.). Os achados são consistentes e impressionantes: após 3-4 ciclos,
a FMD demonstra capacidade de melhorar um vasto painel de marcadores de
risco e desfechos substitutos:
Antropométricos: ↓ Peso, ↓ IMC, ↓ circunferência abdominal, com
preservação relativa de massa magra.
Metabólicos: ↓ Resistência à insulina (HOMA-IR), ↓ HbA₁c, ↓ glicemia de
jejum, ↓ triglicerídeos.
Endócrinos e Inflamatórios: ↓ IGF-1, ↓ PCR, ↓ TNFα, ↓ IL-6.
Idade Biológica: Redução em "clocks" epigenéticos.
FMD 6
Posicionamento PBE: Esta evidência é encorajadora e de certeza moderada.
Ela demonstra que a FMD induz respostas fisiológicas consistentes com um
perfil de risco cardiovascular e metabólico reduzido. Contudo, é aqui que o
ceticismo saudável da PBE é mais crucial. A história da medicina está repleta
de intervenções que melhoraram desfechos substitutos (ex: um marcador
inflamatório ou um nível de colesterol), mas que falharam em reduzir eventos
clínicos duros (ou até os aumentaram) em ensaios de fase III. Melhorar um
marcador de risco não é o mesmo que prevenir uma morte, um infarto ou um
AVC.
2.3. O Topo da Pirâmide: Evidência em Desfechos Clínicos Relevantes ao
Paciente (Promissora, mas Preliminar)
Esta é a evidência de maior peso, onde buscamos o impacto real na trajetória
da doença.
Oncologia (DIRECT trial, Vernieri et al.): Aqui a FMD apresenta seus
resultados mais impactantes até o momento. Aumentar a taxa de resposta
patológica completa ou quase completa ao tratamento neoadjuvante é um
desfecho clinicamente muito relevante, pois é um forte preditor de
sobrevida a longo prazo. A capacidade de remodelar o microambiente
tumoral e diminuir a toxicidade da quimioterapia é um avanço conceitual.
Diabetes Tipo 2 (van den Burg et al.): A redução da necessidade de
medicação (Medication Effect Score) e a melhora do controle glicêmico são
desfechos centrados no paciente. O estudo mostra que a FMD pode ser
uma ferramenta potente para o manejo e, potencialmente, a remissão da
doença.
Doença Cardiovascular e Mortalidade Geral: Esta é a lacuna crítica.
Atualmente, não existem ensaios clínicos randomizados de longo prazo,
com poder estatístico adequado, que tenham avaliado o efeito da FMD
em desfechos cardiovasculares duros (infarto, AVC, mortalidade CV) ou
mortalidade por todas as causas em populações de prevenção primária ou
secundária.
3. Síntese da PBE e Posicionamento Clínico Atual (Junho de
2025)
Com base na análise hierárquica, podemos posicionar a FMD da seguinte
forma:
1. Como Ferramenta Terapêutica Adjuvante (Uso Clínico Supervisionado):
FMD 7
Oncologia: Este é o campo mais maduro para sua aplicação. A FMD
pode ser considerada uma terapia adjuvante experimental e
promissora para potencializar a eficácia e reduzir a toxicidade de
quimio e imunoterapias em pacientes selecionados (ex: câncer de
mama), sempre dentro de protocolos de pesquisa e sob estrita
supervisão médica e nutricional. Não é, ainda, um tratamento padrão.
Diabetes Tipo 2: Pode ser considerada uma intervenção terapêutica
intensiva para pacientes motivados que buscam reduzir a carga
medicamentosa ou alcançar a remissão, novamente sob
acompanhamento rigoroso devido ao risco de hipoglicemia.
2. Como Estratégia de Prevenção e Otimização da Saúde ("Biohacking"):
Para a população geral ou indivíduos com fatores de risco
cardiovascular, a FMD posiciona-se como uma intervenção
experimental poderosa, mas de benefício clínico a longo prazo ainda
não comprovado.
Os ganhos em marcadores de risco são inegáveis, mas não sabemos se
eles se sustentam ou se se traduzem em uma vida mais longa e
saudável. Portanto, não pode ser recomendada como uma estratégia
de saúde pública ou como substituta de intervenções de Nível A (ex:
dieta Mediterrânea contínua, atividade física, cessação do tabagismo,
uso de estatinas quando indicado).
4. Agenda de Pesquisa Futura: As Perguntas que Precisam de
Resposta
Sua lista de lacunas é perfeita. Do ponto de vista da PBE, a prioridade máxima
e absoluta é:
Conduzir Ensaios Clínicos Randomizados (ECRs) de Longo Prazo:
Precisamos de estudos com milhares de pacientes, acompanhados por 5 a
10 anos, para responder à pergunta definitiva: A realização de ciclos
periódicos de FMD previne eventos cardiovasculares, câncer e aumenta a
sobrevida em comparação com o cuidado padrão ou com uma dieta
saudável contínua?
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Integration of a fasting‑mimicking diet programme in primary care for typ
e 2 diabetes RCT.pdf
Intermittent and periodic fasting, longevity and.pdf
A Periodic Diet that Mimics Fasting Promotes Multi.pdf
Fasting mimicking diet as an adjunct to neoadjuvant.pdf
Fasting mimicking diet cycles versus a Mediterranean diet and.pdf
Fastingmimicking diet and markers risk factors for aging diabetes cancer
and cardiovascular disease.pdf
Fasting-mimicking diet causes hepatic and blood markers changes indic
ating reduced biological age and disease risk.pdf
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