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Toxicologia Ambiental

A aula aborda os fundamentos da toxicologia, com foco na história da toxicologia ambiental, suas áreas de atuação e conceitos básicos. A toxicologia, que estuda os efeitos de substâncias químicas nos organismos, evoluiu ao longo da história, destacando-se a importância de Paracelso e eventos como a publicação de 'Primavera Silenciosa'. O documento também discute as fases de intoxicação e formas de exposição a agentes tóxicos.
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Toxicologia Ambiental

A aula aborda os fundamentos da toxicologia, com foco na história da toxicologia ambiental, suas áreas de atuação e conceitos básicos. A toxicologia, que estuda os efeitos de substâncias químicas nos organismos, evoluiu ao longo da história, destacando-se a importância de Paracelso e eventos como a publicação de 'Primavera Silenciosa'. O documento também discute as fases de intoxicação e formas de exposição a agentes tóxicos.
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AULA 1

TOXICOLOGIA AMBIENTAL

Profª Monike Felipe Gomes


INTRODUÇÃO

Nesta aula serão abordados temas de fundamentos da toxicologia,


passando pelo histórico da ciência, abordando conceitos básicos de toxicologia e
direcionando-os à toxicologia ambiental, que é o tema de estudo deste módulo.

TEMA 1 – HISTÓRIA DA TOXICOLOGIA

A história da toxicologia está atrelada à história da humanidade desde seu


princípio, uma vez que a morte por envenenamento era comum e considerada um
perigo cotidiano inerente à vida. Com essa ameaça, até então corriqueira, desde
a Antiguidade são encontrados documentos que estudam efeitos de substâncias
de origem mineral, animal e vegetal, tornando a toxicologia uma das ciências
práticas mais antigas. O Papiro de Ebers (1500 a.C.) é um dos documentos mais
antigos encontrados sobre o tema e lista ingredientes ativos, incluindo metais,
venenos e vegetais tóxicos. Já o Livro de Jó (1400 a.C.) aborda a existência de
flechas embebidas em veneno.
Ainda na Era Antiga, os gregos trouxeram informações que auxiliaram a
base da toxicologia, como Hipócrates (460-375 a.C.), que postulou princípios de
toxicologia clínica e trouxe conhecimento sobre assuntos como superdosagem e
biodisponibilidade; Teofrasto (372-287 a.C.), que no seu livro De historia
plantarum trouxe informações sobre plantas venenosas; e Dioscórides (40-
90 d.C.), considerado pai da farmacologia, que iniciou a classificação de venenos
e reuniu cerca de 600 plantas. A própria palavra toxicologia vem do grego toxón,
associado a arco e flecha, fazendo uma alusão às flechas envenenadas utilizadas
para caça.
Na Idade Média, envenenamentos eram comuns e aceitos na vida cotidiana
europeia, e avanços mais concretos na área se deram graças a árabes como
Maimônides (Moses ben Maimon, 1135-1204 d.C.), que deixou escritos
relacionados ao tratamento de intoxicação por insetos, cobras e cachorros loucos.
Maimônides também foi responsável por descrever a biodisponibilidade com a
observação de que o consumo de leite, manteiga e creme de leite retardam a
absorção intestinal.
Com o Renascimento ocorreram avanços mais significativos na área, tendo
como principal nome Paracelso (1493-1541), que desenvolveu estudos sobre
farmacologia, toxicologia e terapêutica. Vários de seus princípios ainda são

2
válidos, sendo seu postulado mais conhecido – “Todas as substâncias são
venenos; não há nenhuma que não seja veneno. A dose correta diferencia o
veneno do remédio” – uma das bases da toxicologia.
Para a construção desse postulado, Paracelso considerou que:

• a experimentação é essencial na análise de respostas a substâncias


químicas;
• é necessário distinguir as propriedades terapêuticas e tóxicas das
substâncias químicas;
• essas propriedades são, por vezes, mas nem sempre, indistinguíveis, exceto
pela dose;
• é possível verificar o grau de especificidade dos agentes e seus efeitos
terapêuticos ou tóxicos.

Figura 1 – Retrato de Paracelso; xilografia de Astronomica et estrologia opuscula,


Cologne, 1567

Crédito: Everett Collection/Shutterstock.

3
Já no século XVII, Matthieu Orfila (1787-1853) pode ser considerado
fundador da toxicologia como disciplina distinta, usando análises sistemáticas
químicas e autópsias como prova legal para envenenamento. Assim, a toxicologia
se desenvolveu juntamente com outras ciências, principalmente a química
orgânica, determinando doses e efeitos de diversas substâncias orgânicas e
inorgânicas nos organismos.
No século XX, diversas substâncias novas foram sintetizadas,
impulsionadas pela Primeira Revolução Industrial, e compostos dos mais diversos
segmentos foram sintetizados pela primeira vez, como fármacos, excipientes,
conservantes, corante, inseticidas, herbicidas e inúmeras outras classes de
compostos.
Com a criação de milhares de substâncias, diversos casos de intoxicação
ocorreram ao longo do tempo e com casos muito graves, como a morte de
centenas de pacientes tratados com sulfanilamida contaminada com
dietilenoglicol em 1937; além do caso da talidomida, um fármaco consumido por
gestantes que, quando não separado de seu enantiômero, tem efeito teratogênico
em fetos, gerando diversas malformações.
Após a Segunda Guerra Mundial, a toxicologia andou a grandes passos
com agências regulatórias, como a Food and Drug Administration (FDA), sendo
fortalecidas com a criação de legislações específicas, principalmente com relação
à toxicologia de fármacos, sociedades e revistas científicas específicas da área.
Na área de toxicologia ambiental, um marco importante foi a publicação do livro
Primavera silenciosa (1962), de Rachel Carson, que trouxe discussões acerca da
utilização de agrotóxicos, especialmente do dicloro-difenil-tricloroetano (DDT),
levantando questões sobre a persistência desses compostos no meio ambiente e
efeitos tóxicos para fauna, flora e seres humanos.
Os eventos destacados no livro geraram manifestações sociais e políticas,
dando uma nova visão para os impactos negativos causados por substâncias
químicas no ecossistema. As discussões geradas na área ambiental levaram à
criação da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (Usepa) em 1970
e ao cancelamento do registro do DDT nos Estados Unidos em 1973 e, no Brasil,
em 1984.
Hoje a toxicologia ganhou importância e reconhecimento, sendo uma
ciência multidisciplinar que adota conceitos de biologia, química, matemática,

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física, farmácia, estatística e diversas outras áreas do conhecimento, tendo como
principal objetivo a proteção e qualidade de vida da humanidade.

TEMA 2 – ÁREAS DA TOXICOLOGIA

Hoje a toxicologia vai além do estudo de venenos e está voltada ao estudo


de efeitos adversos de substâncias químicas sobre os organismos, desde níveis
moleculares até níveis de população de efeito. Com a evolução dessa ciência,
foram criadas várias áreas de atuação relacionadas à natureza do agente ou à
maneira como atinge o sistema biológico.
Dentre as principais vertentes da toxicologia estão a toxicologia ambiental,
ocupacional, forense e ecotoxicologia. O Quadro 1 mostra seus principais campos
em detalhe:

Quadro 1 – Diferentes áreas da toxicologia

Área Definição
Estudo dos efeitos nocivos produzidos por substâncias
Toxicologia
químicas presentes no ambiente de trabalho e pela interação
ocupacional
com os indivíduos expostos a esses agentes
Toxicologia de Estudo dos efeitos causados por substâncias presentes nos
alimentos alimentos
Toxicologia de Estudo dos efeitos produzidos pela interação de
medicamentos medicamentos ou cosméticos com os organismos
e cosméticos decorrentes do uso inadequado ou suscetibilidade individual
Toxicologia Estudo dos efeitos de uso não médico de drogas e fármacos
social que afetam os indivíduos e a sociedade
Toxicologia Investigação médica e legal de mortes, principalmente por
forense envenenamento e uso de drogas
Toxicologia Estudo dos efeitos da interação de substâncias químicas no
ambiental ambiente com os seres humanos
Área da toxicologia ambiental que estuda os efeitos de
Ecotoxicologia substâncias químicas nos organismos presentes no ambiente
e seus impactos no ecossistema
Fonte: Gomes, 2021.

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Como o tema deste módulo é toxicologia ambiental, é importante ressaltar
as principais diferenças entre suas principais áreas. Toxicologia se liga ao estudo
dos efeitos de agentes químicos ou físicos em um organismo sob exposição; por
exemplo: um trabalhador em ambiente fabril exposto a um agrotóxico que pode
danificar sua saúde ou uma pessoa que teve a administração errada de um
fármaco e teve danos relacionados ao uso.
A toxicologia ambiental estuda os impactos de agentes químicos presentes
no ambiente que podem afetar os seres humanos; por exemplo: o despejo de uma
indústria em um rio que contamina a água que abastece uma cidade, causando
efeitos na população que a consome.
Já a ecotoxicologia estuda os efeitos desses agentes químicos nos
organismos presentes no ambiente e como podem afetar a população e o
ecossistema; por exemplo: no mesmo incidente de despejo industrial que poluiu o
rio e a água que abastece a cidade, houve também efeitos para os organismos
presentes naquele ecossistema, afetando peixes, organismos bentônicos, plantas
e aves.

TEMA 3 – CONCEITOS BÁSICOS DE TOXICOLOGIA

A toxicologia tem como objetivo estudar efeitos ocasionados pela interação


de substâncias químicas com o organismo em condições específicas de
exposição. É a ciência que estuda a ocorrência, natureza, incidência, mecanismos
e fatores de risco dos efeitos deletérios de agentes químicos. Mas, para entender
melhor a toxicologia e suas áreas, precisamos pontuar conceitos importantes:

• Efeito nocivo: transtornos da capacidade funcional; diminuição do


organismo em manter sua homeostase (tendência a resistir a mudanças a
fim de manter um ambiente interno estável, relativamente constante); e
aumento da suscetibilidade a efeitos indesejáveis de fatores ambientais
físicos, químicos, biológicos ou sociais em uma exposição por tempo
elevado;
• Veneno: termo popular utilizado para se referir a uma substância química ou
uma mistura que, em baixas doses, cause intoxicação ou morte;
• Agente tóxico (ou toxicante): substância que, em condições de exposição
específicas, é capaz de danificar um sistema biológico, alterando sua função
ou levando à morte;

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• Toxicidade: capacidade de um agente tóxico provocar efeitos nocivos no
organismo;
• Xenobiótico: toda substância química estranha ao organismo ou substância
que tenha papel conhecido no organismo, mas que em elevadas
concentrações causa efeito deletério;
• Droga: toda substância capaz de modificar ou explorar o sistema fisiológico,
podendo ser utilizada para beneficiar o organismo ou não;
• Fármaco: toda substância com estrutura química conhecida capaz de
modificar ou explorar o sistema fisiológico com o objetivo de trazer benefício
para o organismo;
• Antídoto: agente que antagoniza o efeito tóxico;
• Ação tóxica: modo de ação de um agente tóxico no organismo;
• Intoxicação: manifestação dos efeitos tóxicos. Trata-se do processo
patológico causado pelas substâncias;
• Toxina: substância tóxica produzida por microrganismos, animais ou plantas
que, geralmente, estão relacionados à defesa contra predadores.

TEMA 4 – FASES DE INTOXICAÇÃO

Ao ser exposto a uma substância toxicante, o organismo passa por eventos


complexos, que envolvem o mecanismo de intoxicação, até, enfim, apresentar os
sintomas. Para facilitar a compreensão desses fenômenos, é possível separar
esses eventos em quatro fases:

1. Na primeira fase, há uma exposição em que a parte interna ou externa do


organismo entra em contato com o agente toxicante. Aqui é importante
considerar a disponibilidade química desse agente, ou seja, quanto será de
fato absorvido dessa substância. Consideramos para a disponibilidade a
dose (ou concentração), a exposição, as propriedades físico-químicas (pH,
solubilidade etc.) e também a suscetibilidade do organismo;
2. Na fase toxicocinética, há absorção, concentração e deslocamento da
substância pelos tecidos do organismo. Essa fase envolve os fenômenos
de absorção, armazenamento, distribuição, biotransformação e excreção
das substâncias. As propriedades físico-químicas da substância
condicionam a biodisponibilidade desse agente, uma vez que, dependendo
de suas propriedades, há um maior ou menor acesso ao órgão-alvo e à

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velocidade de excreção. Por exemplo, substâncias apolares tendem a ficar
imobilizadas no tecido adiposo, enquanto substâncias polares são mais
solúveis em água e podem ter velocidade e biodisponibilidade dentro do
organismo;
3. A fase toxicodinâmica se liga às interações específicas da substância com
sus sítios de ação, específicos ou não, gerando o desequilíbrio
homeostático. Um exemplo seria a ação de pesticidas organofosforados
que interagem diretamente com a acetilcolinesterase, paralisando insetos;
4. Por fim, a fase clínica evidencia os sinais ou sintomas causados pela ação
da substância. Ou seja, é o efeito visível da intoxicação.

Glossário
Organofosforados: grupo de compostos químicos amplamente utilizados
em agropecuária como inseticidas. Trata-se de um composto orgânico com
ligação carbono-fósforo.
Acetilcolinesterase: enzima responsável pela hidrólise do
neurotransmissor acetilcolina.

4.1 Exposição

A intoxicação de um organismo está diretamente ligada à forma de


exposição a que ele foi submetido. A absorção pode ocorrer de diversas formas;
na toxicologia ambiental as mais comuns são ingestão (via gastrointestinal),
inalação e tópica (via dérmica, epidérmica e também pelos olhos). Outras vias
menos comuns na área ambiental são vias parentais (administração intravenosa,
intramuscular e subcutânea).
A exposição gastrointestinal pode ocorrer de forma acidental, pela água,
por alimentos contaminados ou pela ingestão de drogas ou fármacos. Nessa
forma de exposição, agentes lipofílicos são mais facilmente absorvidos pelas
células do trato digestivo. A exposição por inalação ocorre pela inalação de gases
ou partículas tóxicas presentes no ar, podendo se dar em locais abertos, onde há
grandes níveis de emissões de contaminantes atmosféricos ou em locais
fechados.
Um exemplo comum é a presença de monóxido de carbono (CO) em locais
fechados, que resulta da combustão incompleta e é frequente no cotidiano. Em
locais abertos, como o balanço de CO é baixo em relação a outros gases, não há

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perigo para a saúde humana; porém, em ambientes fechados, a emissão desse
gás pode causar dores de cabeça, desmaios e, em tempo mais prolongado de
exposição, pode levar à morte.
A exposição via dérmica, em geral, é menos agressiva para os humanos
devido a barreiras biológicas da pele, além de pelos, suor e camadas de gordura.
Porém exposições mais prolongadas ou em concentrações maiores podem
fomentar a penetração de substâncias potencialmente tóxicas, chegando na
corrente sanguínea.
Embora o homem tenha certa proteção com relação à exposição dérmica,
outros organismos, como peixes e anfíbios, podem ser mais suscetíveis a essa
exposição, uma vez que, se o agente toxicante estiver presente na água, a
assimilação dérmica será muito mais fácil, tanto por tempo de exposição quanto
por concentração e suscetibilidade do próprio organismo.
Além da forma de exposição, é necessário considerar sua intensidade.
Nesse sentido, fatores como frequência, dose, concentração e tempo em cada
exposição devem ser calculados. Como já foi descrito por Paracelso, a dose
correta diferencia o veneno do remédio, e várias substâncias podem não
apresentar toxicidade em determinadas concentrações ou em baixas frequências
de exposição, mas, quando esses parâmetros mudam, as consequências podem
ser severas, como no caso do monóxido de carbono, já descrito.

Saiba mais
Lipofílico: composto que tem afinidade com gorduras e óleos e se dissolve
em lipídios. Do ponto de vista químico, esses compostos têm como característica
serem apolares.

TEMA 5 – TOXICOCINÉTICA E TOXICODINÂMICA

Como foi visto no tema anterior, a toxicocinética e a toxicodinâmica fazem


parte do mecanismo de intoxicação de um organismo. Os tópicos deste tema
serão abordados com mais profundidade, pontuando a participação de cada etapa
dentro do processo de intoxicação.

5.1 Toxicocinética

A toxicocinética é o estudo da relação entre a quantidade de um agente


tóxico que atua sobre um organismo e a concentração dele no plasma,

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considerando os fenômenos de absorção, distribuição e eliminação de uma
substância em função do tempo.
Em geral, quanto maior a concentração da substância tóxica no tecido-alvo,
maior o efeito tóxico desse agente, porém, para alcançar o tecido-alvo, a
substância deve primeiramente atravessar as membranas plasmáticas. Existem
quatro formas para isso, conforme o Quadro 2.

Quadro 2 – Formas de passagem de substâncias na membrana plasmática

Essa forma de transporte não consome energia e ocorre pelo


Difusão gradiente de concentração e das características físico-químicas dos
agentes químicos
Esse processo consome energia, e as substâncias são transportadas
Transporte
com o auxílio de proteínas carregadoras contra o gradiente de
ativo
concentração
Difusão Transporta substâncias com o auxílio de transportadores, porém não
facilitada há consumo de energia por parte da célula
Processo especial cujas partículas líquidas passam pela célula por
Pinocitose
mecanismo similar à fagocitose
Fonte: Sousa, 2021.

A Figura 2 demonstra como ocorrem os processos de transporte na


membrana.

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Figura 2 – Transporte na membrana

Crédito: VectorMine/Shutterstock.

Após a absorção da substância pela célula, os próximos mecanismos


envolvidos na toxicodinâmica são a absorção, distribuição, biotransformação e
excreção, conforme a Figura 3:

Figura 3 – Principais mecanismos da toxicocinética

Fonte: Sousa, 2021, com base em Oga; Camargo; Batistuzzo, 2008.

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5.2 Absorção

Absorção é a fase em que ocorre a passagem da substância do local de


contato para a circulação sanguínea. Absorção dérmica é a que imprime uma
maior resistência de penetração de substâncias, uma vez que a pele é
relativamente impermeável para a maioria dos íons e soluções aquosas;
entretanto, diversos gases e líquidos lipossolúveis conseguem permear esse
tecido. Algumas substâncias atuam direto na pele, causando corrosão,
sensibilidade e mutações. Nesses casos, o efeito pode se restringir aos tecidos
mais externos ou estender-se a outros tecidos, causando efeitos sistêmicos.
A absorção por via respiratória é uma importante entrada de xenobióticos
nos organismos, dado que partículas menores que 1 µm podem chegar aos
alvéolos do pulmão e ser absorvidas ou removidas por fagocitose. Partículas
maiores – entre 2 e 5 µm – podem ser absorvidas pelos mesmos mecanismos,
porém ficam aderidas na região traqueobronquiolar.
Em relação aos gases, a absorção via respiratória também ocorre por
alvéolos e é determinada pelo coeficiente de partição sangue/ar, que determina a
solubilidade dos gases no sangue, sendo esse coeficiente característico de cada
substância.
A via oral também é importante e pode ser usada de forma acidental, por
ingestão de água, alimentos contaminados ou até de forma voluntária. A absorção
ocorre tanto no estômago quanto no intestino e depende de fatores como pH,
anatomia do organismo e propriedades físico-químicas da substância. No intestino
humano, a absorção é favorecida devido à presença de microvilosidades
altamente irrigadas, aumentando a área de absorção dos compostos. A presença
de mucosa e epitélios capilares no trato digestivo facilita a absorção de
substâncias lipofílicas pelo mecanismo de difusão passiva. Já os compostos
polares têm absorção menos favorecida por essa via.

5.3 Distribuição

Absorvidos, os xenobióticos são transportados para os tecidos,


principalmente pelo sangue e pela linfa. Os órgãos mais irrigados (coração,
cérebro e fígado) têm velocidade maior de distribuição do que órgãos menos
irrigados (ossos, unhas e tecido adiposo). Contudo, a distribuição também sofre

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interferência de fatores como ligação com proteínas, diferenças de pH no
organismo, coeficiente de partição água/óleo de cada substância, entre outros.
Para entender a extensão da distribuição de um agente tóxico, utiliza-se o
volume de distribuição (Vd) como parâmetro. Esse índice expressa o volume
teórico dos compartimentos em que o xenobiótico estaria uniformemente
distribuído. O volume de distribuição é calculado pela razão da dose administrada
pela concentração plasmática:

𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑𝑑(𝑚𝑚𝑚𝑚) 𝑚𝑚𝑚𝑚
𝑉𝑉𝑉𝑉 = 𝑝𝑝𝑝𝑝𝑝𝑝𝑝𝑝𝑝𝑝á𝑡𝑡𝑡𝑡𝑡𝑡𝑡𝑡 ( )
𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐𝑐çã𝑜𝑜 𝐿𝐿

Em nível de comparação, para um homem de cerca de 75 quilos, um Vd de


30-45 litros significa que a substância está distribuída em várias partes do
organismo e tem baixa concentração que permanece no plasma. Quando o valor
de Vd é baixo, isso quer dizer que uma alta concentração do contaminante
permanece no plasma. Porém a toxicidade não está apenas ligada ao Vd, uma
vez que nem sempre o órgão com maior distribuição é o que sofre mais efeitos da
presença das substâncias. É o caso do tecido adiposo, que tende a acumular
diversas substâncias, porém não sofre efeito da maioria delas.

5.4 Biotransformação

Dependendo das propriedades físico-químicas do contaminante, diferentes


caminhos de distribuição podem ser tomados. Por exemplo: substâncias
hidrofílicas têm menor absorção e excreção mais fácil; já substâncias lipofílicas
tendem a acumular-se no organismo. Após esses processos de distribuição,
podem ocorrer fenômenos de biotransformação, que abarcam toda alteração na
estrutura química da substância no organismo e têm como principal objetivo
transformar as propriedades das substâncias para inativar e/ou melhorar a
excreção dessas substâncias do organismo.
Esses fenômenos podem ser catalisados por enzimas inespecíficas e por
degradação não enzimática. As reações de biotransformação podem ser divididas
em reações de fase I e fase II.
Nas reações de fase I ocorrem processos de transformação que aumentam
a hidrofilicidade da substância por reações de oxidação, redução e hidrólise,
gerando compostos derivados dessas reações, chamados de metabólitos. Nessa
etapa os compostos têm grupamentos químicos transformados com o objetivo de

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serem levados para a fase II do sistema. Contudo, em alguns casos, as reações
de fase I podem gerar compostos mais tóxicos que os absorvidos pelo organismo,
e esse processo de gerar metabólitos ativos no organismo, sendo chamado de
bioativação.
Alguns casos conhecidos de bioativação são do pesticida Paration, que
gera Paroxon, e fármacos como codeína, que, ao ser metabolizado no organismo,
gera morfina. Nas reações de oxidação e redução de compostos lipofílicos, o
sistema citocromo P-450 (CYP) é de grande importância, pois compreende uma
ampla gama de enzimas classificadas como hemeproteínas, que têm um átomo
de ferro em seu núcleo. Já os processos de hidrólise adicionam nas moléculas um
grupo hidroxila (-OH), tornando a molécula mais hidrofílica.
Na biotransformação de fase II, ocorrem reações de conjugação dos
metabólitos gerados na fase I, adicionando grupos funcionais que aumentam a
solubilidade desses compostos em água.
Os principais processos de conjugação são estes:

• Conjugação com ácido glicurônico: ácido formado na metabolização da


glicose, e sua forma ativa doa o ácido glicurônico para se conjugar com o
xenobiótico, tornando-o mais polar e fácil de ser excretado;
• Conjugação com sulfato: íons sulfato do organismo são conjugados com
os xenobióticos, formando sulfatos ácidos (SO3) ou sulfamatos (NHSO3);
• Conjugação com aminoácidos: ocorre em xenobióticos com a presença
de um grupo carbonila (C = O), formando uma ligação peptídica com um
aminoácido, geralmente glicina;
• Conjugação com glutationa: ocorre a conjugação do xenobiótico com o
tripeptídeo glutationa. Esse mecanismo é importante para a detoxificação
de epóxidos e peróxidos; contudo, a diminuição dos níveis de glutationa
gerados por essa reação pode gerar danos de peroxidação lipídica no
organismo;
• Metilação: adição de um grupo metila (CH3) ao composto. Esse processo
é importante na transformação de compostos endógenos (que devem
permanecer no organismo), como aminoácidos e esteroides. Nesse caso,
quando o xenobiótico é metilado, sua excreção diminui.

Além dos processos estudados de biotransformação, é importante ressaltar


que nem sempre esses mecanismos funcionam da forma descrita, uma vez que

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diversos fatores podem alterar a forma como o organismo assimila um
xenobiótico. Dentre esses fatores estão a dose e a frequência de exposição,
espécie, gênero, idade, estado nutricional e estado patológico.

5.5 Toxicodinâmica

Tóxicodinâmica é a forma como os agentes tóxicos, ou seus metabólitos,


irão interagir com sítios específicos do organismo. Essas interações podem
causar alterações moleculares, bioquímicas, morfológicas e funcionais,
caracterizando o processo de intoxicação.
Estudar a toxicodinâmica é importante para entendermos os mecanismos
de ação dos agentes tóxicos e estimar a probabilidade de causar efeitos adversos
(avaliação do risco), estabelecer procedimentos preventivos, estratégias de
tratamentos e desenvolver produtos específicos que causem menos toxicidade.

Figura 4 – Esquema de interação do xenobiótico com alvos específicos da célula

Fonte: Gomes, 2021.

Dentre os mecanismos que podem surgir na toxicodinâmica estão as


interações de agentes tóxicos com receptores (macromoléculas que atuam na
comunicação química da molécula); interferências nas funções e membranas
excitáveis (alteração de membranas, interferindo, por exemplo, na passagem de
íons); inibição da fosforilação oxidativa (oxidação de carboidratos na síntese de

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ATP, prejudicando o fornecimento de oxigênio); e complexação com biomoléculas
como proteínas, lipídios e ácidos nucleicos, interferindo na sua funcionalidade.
Geralmente os efeitos adversos de um agente tóxico são proporcionais à
quantidade de agente absorvida, gerando uma relação dose-resposta (quanto
maior a dose, maior o efeito). Contudo, o efeito hormesis (relação não gradual de
dose-resposta do organismo) também pode ocorrer. As formas de quantificar os
efeitos dos contaminantes serão abordadas futuramente na apostila de avaliação
da toxicidade.
Abordar os efeitos de um contaminante na toxicologia ambiental, em geral,
não expressa a realidade da exposição dos organismos aos xenobióticos, uma
vez que no ambiente a exposição ocorre em condições diversas, podendo
aumentar ou reduzir a resposta ao contaminante. Os efeitos adversos que podem
ocorrer são aditivos (adição dos efeitos); sinérgicos (efeitos maiores do que a
soma dos efeitos individuais); potencialização (o efeito tóxico é potencializado
por um agente não tóxico); e antagonismo (o efeito de um agente tóxico é
diminuído por outro agente).

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REFERÊNCIAS

KLAASSEN, C. D.; WATKINS III, J. B. Fundamentos em toxicologia de Casarett


e Doull. Porto Alegre: AMGH, 2012.

OGA, S.; CAMARGO, M. M. A.; BATISTUZZO, J. A. O. Fundamentos de


toxicologia. São Paulo: Atheneu, 2008.

PEÑA, C. E.; CARTER D. E.; AYALA-FIERRO, F. Toxicología ambiental:


evaluación de riesgos y restauración ambiental. Tucson: University of Arizona,
2001.

SISINNO, C. L. S.; OLIVEIRA-FILHO, E. C. Princípios de toxicologia ambiental:


conceitos e aplicações. Rio de Janeiro: Interciência, 2013.

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