TÓPICOS DE HISTÓRIA
DA MATEMÁTICA
A espiral de Arquimedes e a Trissecção do Ângulo
Aplicação de Áreas
Apolônio e as Cônicas
PROFMAT - USP
Leandro Aparecido Nogueira
Prof.: Wagner
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1. A Espiral de Arquimedes e a trissecção do Ângulo
A Espiral de Arquimedes, curva importante, permite resolver dois
problemas clássicos da geometria grega, a trissecção do ângulo e a quadratura
do círculo.
“Se uma linha reta traçada em um plano se move uniformemente em torno de
uma extremidade fixa e retorna à sua posição de partida, e se ao mesmo tempo
em que a reta se move (uniformemente), um ponto partindo da origem se move
(uniformemente) sobre a reta, este ponto irá descrever uma espiral no plano. ”
Baseado na noção de proporcionalidade, temos que a espiral é uma curva
gerada por um ponto que se move sobre um segmento de reta com velocidade
constante ao mesmo tempo em que este segmento de reta se move, também
com velocidade constante, circularmente com a extremidade fixa e a outra sobre
uma circunferência. A partir dessa definição mecânica, Arquimedes define a
propriedade fundamental da espiral:
Consideremos a espiral com extremidade O e R e o círculo
correspondente de raio OR. Então, Arquimedes mostra que se dois segmentos
de reta, OO2 e OO1 são traçados da origem até os pontos da espiral e se estes
segmentos prolongados cortam o círculo respectivamente em R2 e R1, temos
que estes segmentos estarão entre si na mesma razão que os arcos de
circunferência correspondentes.
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Ou seja,
OO2 ∶ OO1 ∶∶ arcoRR2 ∶ arcoRR1
Com efeito, quando a reta OR gira, os pontos R1 se movem com
velocidade uniforme sobre a circunferência enquanto os pontos O1 se movem
com velocidade uniforme sobre o segmento de reta OR. Sendo assim, quando
R chega a R1, o ponto O chega a O1 e quando R chega a R2 o ponto O chega a
O2.
O problema de dividir um ângulo em três partes iguais era um dos
problemas importantes da geometria grega. Sabemos dividir um ângulo em duas
partes iguais com régua e compasso, mas muitas foram as tentativas frustradas
de encontrar um procedimento análogo para o caso da trissecção do ângulo.
Uma aplicação da Espiral de Arquimedes é justamente permitir achar uma
solução para este problema. Isso é feito como segue.
Seja o ângulo POQ que desejamos dividir em três. Marque os pontos Q1
e Q2 de modo que dividam OQ em três partes iguais. Traçamos, então, dois
arcos de circunferência com centro em O e com raios OQ1 e OQ2 que cortarão o
trecho de espiral que vai de O a Q em dois pontos O1 e O2. Então, as retas OO1
e OO2 trissectam o ângulo POQ.
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Com efeito. Tracemos uma circunferência de raio OT0, que define a
espiral, e marquemos os pontos T 1 e T2 sobre a mesma, prolongando OO1 e
OO2. Sejam os pontos T 0 e T os pontos de encontro dos prolongamentos de OP
e OQ com a circunferência de raio OT0 respectivamente. Pela propriedade da
espiral, o arco de circunferência T0T1 está para o arco T0T assim como o
segmento OO1 está para o segmento OQ. Mas, mas por construção,
OO1=OQ1=OQ/3, o que demonstra que o segmento OO1 trissecta o ângulo POQ.
Isto porque o arco T0T1 divide T0T em três. Este procedimento permite dividir um
ângulo em um número, n, de partes: é suficiente dividir o segmento OQ em n
partes.
A principal propriedade da espiral, que é bastante útil para problemas de
construção, está no fato de associar uma razão entre arcos (ou ângulos) a uma
razão entre segmentos. A espiral estabelece uma proporcionalidade entre uma
distância em linha reta e uma medida angular, o que permite reduzir o problema
de dividir um ângulo em partes iguais ao problema simples de dividir um
segmento de reta em partes iguais. A distância entre a origem e um ponto sobre
a espiral é proporcional ao ângulo formado pela reta inicial e pela reta que
compõe este ângulo.
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2. Apolônio e as Cônicas
Antes de começar a apresentar a maneira de Apolônio abordar as cônicas, é
necessária uma breve introdução às aplicações de área da geometria grega e
os tipos de curvas cônicas.
2.1. Aplicação de Áreas
O que é, na terminologia matemática grega, aplicar uma figura (poligonal) a
uma reta dada? Esse problema consiste em construir a figura dada de tal
maneira que o segmento de reta seja um de seus lados. Em geral, é exigido que
a figura construída, preencha algumas exigências. Por exemplo, sejam ABCDE
um polígono e KL um segmento de reta (Figura 3.14). Aplicar ao segmento KL,
por exemplo, um paralelogramo, com área igual a ABCDE, significa construir um
paralelogramo KLRS de que KL é um dos lados, e cuja área seja igual a área de
ABCDE. Pode também ser pedido que o paralelogramo atenda a outras
exigências, como, por exemplo, ter o ângulo SKL igual a um ângulo dado. Na
maioria das aplicações, o paralelogramo aplicado é um retângulo, ou seja, o
ângulo SKL é reto. Neste material, nos limitaremos a este caso.
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Os gregos usavam três tipos de aplicação de áreas, listados a seguir:
1. Aplicação parabólica;
2. Aplicação elíptica;
3. Aplicação hiperbólica.
2.1.1. Aplicações Parabólicas:
Uma aplicação parabólica (Veja a Figura 3.15) consiste em aplicar a um
segmento (de) um paralelogramo (DEFG) igual a uma figura dada (S), com um
ângulo especificado (ABC). Ou seja, construir um paralelogramo, de que um dos
lados é um segmento dado, e igual a área de uma figura poligonal dada.
2.1.2. Aplicações Elípticas:
Em sua formulação geral, uma Aplicação elíptica ou com falta consiste em
aplicar a um segmento de reta AB, um paralelogramo, com um ângulo dado,
igual a um polígono dado, e de tal maneira que o que falta para completar a
figura a todo o segmento AB seja um paralelogramo semelhante a um
paralelogramo dado (Figura 3.16). No caso que nos interessa, o de retângulos,
o problema é reformulado da seguinte forma: Dado o polígono C, pede-se que
seja construído o retângulo ASUT, com área igual à de C, e tal que SBRU seja
um quadrado dado. O quadrado SBRU é o “que falta” para que ASUT tenha AB
como lado, isto é, esteja aplicado a AB.
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2.1.3. Aplicações Hiperbólicas:
Uma Aplicação hiperbólica ou com excesso consiste em aplicar a um
segmento de reta AB, um paralelogramo, com um ângulo dado, igual a um
polígono dado, e de tal maneira que ele excede o segmento AB por um
paralelogramo semelhante a um paralelogramo dado (Figura 3.17). Dado o
polígono C, pede-se que seja construído o paralelogramo APOR com área igual
à de C, e tal que BPOQ seja semelhante ao paralelogramo D. O paralelogramo
BPOQ é o “excesso” para que ABQR tenha lado AB, isto é, esteja aplicado a AB.
2.2. Cônicas
Apolônio foi o primeiro a conceber as cônicas como interseções de uma
mesma superfície cônica circular, não necessariamente reta, cortada por planos
de inclinações diferentes. Seu livro mais célebre, escrito no século III a.E.C.,
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chamado Cônicas, traz um apanhado de muitos resultados sobre cônicas,
obtidos até aquele momento por seus antecessores, mas contém também
inovações importantes. Uma das novas concepções introduzidas por Apolônio,
utilizadas até hoje, é a consideração de um cone de duas folhas. A partir deste
cone, as seções cônicas passarão a ser caracterizadas do seguinte modo: se o
plano corta todas as geratrizes sobre uma mesma folha do cone, obtemos uma
elipse; se o plano é paralelo a uma das geratrizes, obtemos uma parábola; e se
o plano corta as duas folhas do cone, obtemos uma hipérbole.
Veremos agora o modo como Apolônio construiu a parábola e sua relação
com o método de aplicação de áreas. Seja o cone da Figura 3.18, de vértice T,
cortado pelo plano de seção P1:
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O triângulo TVW está em um plano que corta o cone em seu eixo TM (reta
pelo vértice até o centro da base). O segmento VW é a interseção deste plano
com a base do cone, que faz ângulos retos com o segmento EZ (no qual o plano
de seção intercepta a base). O plano de seção P1 corta TVW no segmento AH.
Um planoP2 paralelo à base corta o cone em uma circunferência com PQ como
diâmetro e intercepta o plano de seção em KO. O ponto K está sobre o cone e
sobre plano de seção, sendo assim um ponto da cônica.
O Triângulo QKP é semelhante aos triângulos QOK e OKP. Como
os triângulos QOK e OKP são semelhantes, então:
𝐾𝑂 𝑄𝑂
= KO² = QO x PO
𝑃𝑂 𝐾𝑂
Seja KO a meia proporcional de QO e PO. Sabemos, pela propriedade da
circunferência, que o quadrado de lado KO tem área igual à de um retângulo de
lados QO e PO (Veja a Figura 3.19). Por um abuso de linguagem, ou seja,
modernizando a linguagem matemática de Apolônio, que usa somente palavras,
diremos que KO2 = QO × PO. Mas, na figura 3.19, BA foi construído para ser
paralelo a VW e igual a QO. Logo,
BA ∶ TA ∶∶ VW ∶ TW
PO ∶ AO ∶∶ WV ∶ TV
Como BA = QO, podemos obter destas proporções que:
QO × PO ∶ TA×AO ∶∶ VW 2 ∶ TW×TV.
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Definimos agora um segmento N por
N ∶ TA ∶∶ VW 2 ∶ TW×TV.
Segue-se desta definição que
N ∶ TA ∶∶ QO×PO ∶ TA×AO.
Mas sabemos que
KO2 = QO×PO, logo podemos dizer que
N ∶ TA ∶∶ KO2 ∶ TA×AO.
Por outro lado,
N ∶ TA ∶∶ N×AO ∶ TA×AO.
Destas duas igualdades podemos tirar a relação
KO2 = N×AO
Para Apolônio, o significado da relação KO2 = N×AO era que o quadrado de
lado KO aplicado parabolicamente (ou seja, exatamente) sobre N fornece um
retângulo de lado AO.
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De maneira semelhante, Apolônio estuda a elipse e a hipérbole, relacionadas
a aplicações por falta e por excesso, respectivamente.
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