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Ciranda Vol 4-1

Ciranda de Saberes, organizado por Ivanio Dickmann, é uma coletânea transdisciplinar que reúne diversos artigos sobre educação e outras áreas do conhecimento, enfatizando a importância da colaboração e da interdisciplinaridade na produção de saberes. A obra convida o leitor a participar ativamente da construção do conhecimento, promovendo um diálogo entre diferentes perspectivas e experiências. A coletânea busca celebrar a troca de saberes e a formação de uma comunidade acadêmica dinâmica e inclusiva.

Enviado por

Railson da Luz
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Ciranda Vol 4-1

Ciranda de Saberes, organizado por Ivanio Dickmann, é uma coletânea transdisciplinar que reúne diversos artigos sobre educação e outras áreas do conhecimento, enfatizando a importância da colaboração e da interdisciplinaridade na produção de saberes. A obra convida o leitor a participar ativamente da construção do conhecimento, promovendo um diálogo entre diferentes perspectivas e experiências. A coletânea busca celebrar a troca de saberes e a formação de uma comunidade acadêmica dinâmica e inclusiva.

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Ciranda de Saberes
Vol 4

Ivanio Dickmann
(Organizador)

1
NOTA: Dado o caráter autoral e acadêmico desta coletânea, o texto publicado respeita as nor-
mas e técnicas bibliográficas utilizadas pelo autor/a. A responsabilidade pelo conteúdo do
texto desta obra é dos respectivos autor e autora, não significando a concordância da editora
com as ideias publicadas.
IMPORTANTE: Muito cuidado e técnica foram empregados na edição deste livro. No entanto,
não estamos livres de pequenos erros de digitação, problemas na impressão ou de alguma
dúvida conceitual. Avise-nos por e-mail: [email protected]
© TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer
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Penal), com pena de prisão e multa, busca e apreensão e indenizações diversas (art. 101 a 110
da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais)

2
Ivanio Dickmann
(Organizador)

Ciranda de Saberes
Vol 4

Ivanio Dickmann
(Organizador)

Diálogo Freiriano
Veranópolis – RS
2025

3
CON SEL H O EDITORIA L Jorge Alejandro Santos –Argentina
Ivanio Dickmann – Brasil Marcelo Valente de Souza - Brasil
Adan Renê Pereira da Silva - Brasil Miguel Escobar Guerrero - México
Aline Mendonça dos Santos - Brasil Carla Luciane Blum Vestena -Brasil
Fausto Franco Martinez – Espanha Ivo Dickmann - Brasil
Fátima Stela B. V. Barbosa - Brasil José Eustáquio Romão - Brasil
Enise Barth – Brasil

EXPEDIEN TE
Editor-Chefe: Ivanio Dickmann Esse livro passou pelo processo de revisão
Diagramação: Karina Alexandre por pares dentro das regras da Qualis
Capa: Editora Diálogo Freiriano Livros da CAPES
Imagem da capa: Freepik.com
(assinatura premium)
Revisão editorial: Cida Nilen

FICH A CATA LOGRÁ FICA


C578
Ciranda de Saberes : vol. 4 / Ivanio Dickamnn (organizador). – Veranópolis, RS:
Diálogo Freiriano, 2025.
XX p. ; 15,5 x 22,5 cm.

ISBN 978-65-5203-292-8

1. Educação. 2. Artigos – coletânea. 3. Relatos pedagógicos. 4. Cartas. I.


Dickamnn, Ivanio. II. Título.
CDU 37(082.2)

Catalogação na fonte: Bruna Heller (CRB10/2348)


Índice para catálogo sistemático:
1. CDU: Educação 37
2. CDU: Antologias, coletâneas (082.2)

EDITORA DIÁLOGO FREIRIANO


[CNPJ 20.173.422/0001 -76]
Av. Julio de Oliveira, 295 – Sala 303
CEP 95.330-000 - Veranópolis – RS
Instagram: @editoradialogofreiriano
Whatsapp: [54]99297 8620

4
SUMÁRIO
VAMOS CIRAN DEAR JUNTOS? ......................................................................................7
VANTAGENS E DESVANTAGENS NO TREINAMENTO PRECOCE NO
FUTEBOL ..........................................................................................................................11
Alcides Soares de Oliveira
REFLEXÕES FILOSÓFICAS ACERCA DA OBRA SOLILÓQUIOS DE AGOSTINHO:
UMA FERRAMENTA PEDAGÓGICA PARA EDUCAR JOVENS NO ENSINO
RELIGIOSO...................................................................................................................... 23
Antônio Félix da Silva Neto
VACINAÇÃO CONTRA A DENGUE: ENTENDA O IMPACTO DA QDENGA
NO DF ............................................................................................................................... 34
Fernanda Vieira de Souza Canuto, Ana Paula Alves da Silva, Ana Lídia
Bentes Amazonas, Natália Ellen dos Santos Cavalcante, Kirliane de
Sousa Rodrigues, Lindomi Oliveira de Souza Junior, Lucas Viana
Barros, Eduardo Carbonel Michelutti, Alexandra Fletcher da
Rosa,Marina Alves Noronha, Fabiana Rodrigues de Oliveira Melo
FISIOTERAPIA E TERAPIA COGNITIVO COMPORTAMENTAL NO TRATAMENTO
DE PACIENTES COM SÍNDROME DE DOWN: REVISÃO DE LITERATURA ......... 46
Anna Carolina Sacramento de Souza
VIGOTSKI E EDUCAÇÃO DA CRIAÇÃO LITERÁRIA: PERSPECTIVAS SOBRE A
PEDAGOGIA DA PRODUÇÃO ARTÍSTICO-CULTURAL EM UMA ESCOLA DE
ENSINO BÁSICO.............................................................................................................. 55
Bernardo Rodrigues de Oliveira, Rita de Cássia Gomes .............................55
A ESCUTA SENSÍVEL COMO PRÁTICA FORMATIVA EDUCACIONAL:
UM CONTRATO SIGNIFICATIVO COM O A FETO ..................................................... 64
Bruno Gabriel Gomes Cardoso
TAMBOR ADAPTADO: INTEGRAÇÃO DAS PRÁTICAS MUSICAIS DAS
BAIANAS DE IPIOCA NO EN SINO ESCOLAR ........................................................... 76
Carla Fabianny Ramos Sales
DIREITO PENAL, REGULAÇÃO E CONSTITUCIONALIDADE: COMO VIABILIZAR
A TRANSIÇÃO ENERGÉTICA SUSTENTÁVEL NA A MAZÔNIA .............................. 93
Sidney Fernandes de Souza, Celio Fernandes de Souza

5
Ciranda de Saberes

OS IMPACTOS DAS LEIS, DECRETOS E PORTARIAS NA REESTRUTURAÇÃO


ADMINISTRATIVA DA GUARDA CIVIL MUNICIPAL DE TAUBATÉ/SÃO PAULO
......................................................................................................................................... 109
Ednaldo Rocha
TRAJETÓRIA INCLUSIVA COM ESTUDANTES NEURODIVERGENTES NO
IFPR: BONITEZAS E IN CERTEZA S NAS CONEXÕES H UMANAS .......................130
Eliana Nunes Maciel Bastos
O PAPEL DO PSICOPEDA GOGO NA INSTITUIÇÃO ESCOLAR ......................... 149
Eva Rosangela Squinzani
EDUCAÇÃO LIBERTADORA E A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL:
A CONTRIBUIÇÃO DA IGREJA CATÓLICA LATINO-AMERICANA À PARTIR DE
MEDELLÍN .....................................................................................................................160
Francisco de Assis Silva Alfenas
A IMPORTÂNCIA DOS JOGOS EDUCATIVOS NO ENSINO DE ESTUDANTES
COM DEFICIÊNCIA ....................................................................................................... 176
Gebson Andrei de Almeida Diniz, Ascísio Pereira dos Reis
ETNOMATEMÁTICA E A VALORIZAÇÃO DA CULTURA AFRO NAS AULAS DE
MATEMÁTICA E HISTÓRIA ATRAVÉS DAS TRANÇAS AFRICANAS:
UM PROJETO INTERDISCIPLINAR........................................................................... 187
Geovane dos Santos Damaceno, William da Silva Santos
TECNOLOGIA ASSISTIVA NA COMUNICAÇÃO A LTERNATIVA ...........................203
Lilian Lima Pontes
O SUL DO MARANHÃO COMO SERTÃO: TERRITORIALIDADES, CERRADO,
AMAZÔNIA, FRONTEIRAS ..........................................................................................211
Jessé Gonçalves Cutrim
OS PILARES EDUCACIONAIS: O USO DAS FERRAMENTAS PSICOLÓGICAS NA
PRÁXIS DOCENTE PELA REVISÃO SISTEMÁTICA .............................................. 230
Flávio Fernandes Mesquita, Selena Castiel Gualberto Lima, Neire Abreu
Mota
ÍNDICE REMISSIVO ..................................................................................................... 247

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VAMOS CIRANDEAR JUNTOS?

Desde as mais remotas experiências culturais em que o gesto se


converteu em melodia, nenhuma formação circular permaneceu inerte. Há
uma força irrecusável na pulsação gregária: basta que um corpo inaugure
o compasso para que outros corpos, olhares e vozes reconheçam o interstí-
cio relacional e se integrem à coreografia. Nossa Ciranda de Saberes
emerge dessa energia matricial: uma antologia transdisciplinar que reins-
creve a produção de conhecimento em sua morfologia originária — a parti-
lha. Sob tal configuração, as fronteiras disciplinares atenuam-se qual gra-
femas efêmeros na areia, ensejando convergências outrora improváveis ,
deslocando paradigmas e instaurando novas constela ções semânticas.
Cada artigo convocado compõe um enlace, um canto polifônico de hipóte-
ses que, apenas no entrelaçamento, revela pertinências até então latentes.
A tecitura desta roda congrega pesquisadores oriundos de espec-
tros teóricos heterogêneos — das matemáticas aplicadas às poéticas visu-
ais, das pedagogias críticas às ciências biomoleculares, das ecologias com-
plexas às ontologias filosóficas, sem descurar os saberes originários que in-
sistem em desacomodar a episteme ocidental. Tal como nos refrãos res-
ponsoriais de uma ciranda, os capítulos sucedem-se em articulação dialó-
gica, por vezes consonantes, por vezes dissonantes, mas invariavelmen te
tensionando a inteligibilidade do real. A interdisciplinaridade, aqui, re-
cusa-se a ser mero ornamento metodológico: converte-se em condição sine
qua non para a vitalidade heurística do conjunto, assegurando que nenhum
conceito se fossilize, que todo problema permaneça aberto e que cada infe-
rência esteja disposta a revisitar suas premissas.
Se celebramos o mosaico de vozes, reavivamos igualmente a lição
inaugural aprendida na infância: ninguém gira isoladamente. Transmu-
tado em praxis acadêmica, esse corolário significa reconhecer que a episte-
mogênese é relacional e que o riso infantil metamorfoseia-se em entusi-
asmo crítico. Ciranda de Saberes oferta, pois, uma dança cognitiva em que
o leitor — elevado à condição de co-autor interpretativo — pode ocupar o
epicentro momentaneamente, eleger a próxima interlocução textual e, no
retorno dialético subsequente, realimentar o movimento com lentes reno-
vadas. Como a criança que se desloca na roda sem fraturar o fluxo, o leitor
é instigado a flanar entre capítulos, tecendo coligações improváveis e en-
contrando motivos inéditos para sustentar o giro.
Abram-se, portanto, os círculos; reconfigurem-se as malhas argu-
mentativas; agucem-se as vozes críticas: esta obra é simultaneamente cena e
convocação, palco e plateia. Nos segmentos que se seguem, aprofundaremos a
metáfora da ciranda como dispositivo epistemológico de aprendizagem cole-
tiva, celebrando-a, revisitando-a e, sobretudo, reinscrevendo-a em horizontes
teóricos contemporâneos. Que a leitura se mova ao compasso da inquietação
investigativa e que, ao transpor estas páginas, você encontre a tessitura

7
Ciranda de Saberes

propícia para imprimir o seu próprio passo na vasta coreografia dos saberes —
pois quanto mais sujeitos integram a roda, mais expandido se torna o hori-
zonte que essa roda é capaz de circunscrever.
Quando crescemos, ensinamos novas vozes
O diacronismo transcorre, mas a canção permanece in nuce, qual
concha que preserva o rumor oceânico. Já adultos, regressamos ao terreiro
primevo onde a infância delineou sua geometria inaugural e aí transporta -
mos uma melodia amadurecida pelo atrito das contingências. Ofertamos
às crianças hodiernas nossos cantos matriciais como frutos sazonados de
experiência; recebê-los de volta transmutados em acentos inéditos, im-
pregnados de timbres que desafiam nossa memória auditiva.
Cada passo infantil reativa um espelhamento afetivo: o giro dos
seus corpos faz luzir reminiscências longínquas e revela-nos que o tempo
histórico assume topologia helicoidal — o presente se enovela no passado,
semeia bifurcações futuras e retorna intensificado. Transmitir versos e co-
reografias passa, então, a significar instaurar corredores de passagem, não
bastiões de tutela. O conhecimento compartilhado — tal qual a ciranda —
alarga o perímetro do encontro até que caibam nele alegria, crítica e alte-
ridade; recorda-nos de que doar é igualmente receber, enriquecido pela re-
apropriação alheia.
Nesse rito de reciprocidades, reforçamos o paradoxo fundador: con-
servar é reinventar. Cada criança que canta conosco reconfigura ritmos, intro-
duz síncopes imprevisíveis, reinscreve silêncios eloquentes e, assim, garante a
perenidade do círculo para gerações vindouras. Herança e invenção, memória
e projeto entrelaçam-se, e o canto adquire envergadura suficiente para atra-
vessar calendários e sustentar o giro de sujeitos ainda por vir.
Hoje, na Ciranda de Saberes, damos as mãos de novo
A coletânea que ora se desdobra erige um novo círculo — compos to
não de areia, mas de enunciados que se trançam qual fitas rítmicas. Cada
artigo atua como passo coreografado; cada aparato teórico-metodológico,
como pulsação percussiva que baliza a harmonia; cada quadro analítico,
como entoação que lhes confere textura. Autores provenientes de matrizes
disciplinares díspares aproximam seus saberes como quem sincroniza
tambores: o ressoar de um reverbera no diafragma do outro até consolidar
um pulso compartilhado. Matemática e música, saúde pública e poética,
pedagogia libertadora e ecologia política — todas se reconhecem co-herdei-
ras quando gravitam em torno de um mesmo ritmo epistemológico.
Redigir em coabitação intelectual equivale a estender mãos no
plano das ideias: quem apresenta um conceito recebe um desdobramen to;
quem lança hipótese recolhe contraponto; quem interroga descobre que
um terceiro já intuía resposta complementar. O discurso deixa de ser soli-
lóquio e converte-se em dança ótica. Nesse palco polifônico, a diferença
não se dispersa: agrega e tensiona, produz contratempos criativos que re-
oxigenam os itinerários argumentativos.

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Ciranda de Saberes

Denominamos tal dinâmica ciranda de produção de conheci-


mento: um ritual acadêmico animado pela curiosidade coletiva, no qual
publicar equivale a escancarar fronteiras para que outros intervenham, e
ler configura o ato de vestir a indumentária da corresponsabilidade epistê-
mica. Aqui, cada citação funciona como dobra de mão estendida; cada di-
vergência, convocação para mais um compasso; cada bibliografia, mapa
coreográfico que projeta a roda para além dos confins do suporte escrito.
Um convite a quem ousa cirandear
Convidamos o leitor, a leitora — investidos agora do estatuto de partí-
cipes — a adentrar a roda. Um único passo basta para ressoar no compasso que
vibra destas páginas. Permitam que cada ensaio lhes sirva de guia por trilhas
não cartografadas: ora um salto transdisciplinar, ora um giro hermenêutico
que reorienta o olhar inaugural, ora um mergulho reflexivo que antecede novo
refrão conceitual. Caso o texto estenda a mão esquerda, oferte-lhe a direita; se
entoar refrão, conjugue-o sem hesitar; se emergir silêncio, escute o intervalo,
porque também nele pulsa o ritmo latente.
Aqui, ler é exercício de co-criação: requer audição atenta, mas de-
manda igualmente a ousadia de quem se dispõe a girar enquanto o mundo se
redimensiona. Se, em dado momento, o compasso parecer vertiginoso, re-
corde que a ciranda abriga polirritmias internas — ajuste o passo, abrande a
inspiração ou arrisque contrapasso. A roda acolhe tropicões tanto quanto ce-
lebra saltos impecáveis; o essencial é manter o fluxo em movimento.
Atravessem, pois, as fronteiras disciplinares, conectem premissas,
inscrevam interrogações nas margens. Compartilhem lampejos, tensionem
consensos, componham novas estrofes. A roda se expande quando alguém lhe
oferece melodia inédita; engrandece quando permitem à dissonância dobrar o
curso previsto; perpetua-se quando um leitor retorna e, em gesto metodoló-
gico de extensão, ensina a outrem a cantiga descoberta neste livro.
Que o eco da roda vá mais longe
Almejamos que Ciranda de Saberes reverbere para além do su-
porte impresso, ecoando pelos corredores universitários, irradiando-se em
laboratórios interdisciplinares, repercutindo em colóquios nacionais e in-
ternacionais e permeando as plataformas digitais que aceleram o trânsito
global de ideias, bem como nos interstícios comunitários onde a pesquisa
se encarna em práticas emancipatórias. Que interpele podcasts e se con-
verta em séries audiovisuais; que desperte painéis de debate em conferên -
cias, hackathons de inovação social e rodas de conversa em centros cultu-
rais — da periferia ao centro — afinando a cadência de saberes acadêmicos
e populares.
Que seus argumentos se desdobrem em microensaios nas redes so-
ciais, em objetos educacionais abertos, em roteiros de aulas invertidas e em
material de extensão universitária, permitindo que cada conceito aqui for-
jado encontre múltiplas variações pedagógicas que ultrapassem fronteira s
linguísticas e geográficas. Que as citações ganhem vida em repositórios

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Ciranda de Saberes

abertos, que os dados se convertam em visualizações interativas e que as


hipóteses inspirem experimentos colaborativos em comunidades escola-
res, fab labs e observatórios cidadão.
E, sobretudo, que este livro instigue novas cirandas de escrita: mo-
tive pesquisadores a gestar artigos, manifestos, projetos transversais e in-
tervenções artísticas que, por sua vez, alimentarão edições futuras desta
mesma roda — perpetuando um ciclo virtuoso de produção, circulação e
reinvenção do conhecimento crítico, sempre aberto àqueles que ousarem
dançar.

Dr. Ivanio Dickmann


Organizador

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VANTAGENS E DESVANTAGENS NO TREINAMENTO
PRECOCE NO FUTEBOL
Alcides Soares de Oliveira 1
Introdução
A vivência do futebol, mais especificamente despertou o interess e
em abordar este tema devido a compreensão por parte das reais necessida-
des do conhecimento técnicos e táticos dos alunos em cada faixa etária com
a realização de jogos. Portanto, a forte cobrança pelos professores corres-
ponde ao que o aluno está preparado a exercer.
Os benefícios proporcionados pela atividade física ao desenvolvi-
mento da criança são inegáveis. Inúmeros autores descrevem a importância
de estimular a criança ao contato com as mais diversas modalidades esporti-
vas. Portanto, esse hábito de vida fisicamente regular e ativo apresenta o que
está ao alcance da vida adulta. A prática dessas atividades na infância e na ado-
lescência edifica uma base sólida na prevenção do sedentarismo na idade
adulta. Essa necessidade de opta pelas atividades condizentes com o nível de
desenvolvimento de cada faixa etária e capacidades individuais.
De acordo com Saad (2006), as crianças possuem uma vida espor-
tiva prolongada e chegam ao esporte com o alto rendimento. Isso é neces-
sário devido as suas experiências motoras e da iniciação esportiva quer seja
positiva, tanto do ponto de vista psicomotor quanto das suas dimensões
afetivas, sociais e cognitivas.
Contudo, os profissionais que trabalham nessa iniciação esportiva li-
dam com as crianças em constante desenvolvimento tanto físico como mental.
Este crescimento não ocorre de uma forma homogênea no ser humano e pos-
sui um conhecimento nesta área para que saibam as consequências e resulta-
dos de trabalhos correlatos ou incorretos nesta área.
De acordo com Vargas Neto (1999), a iniciação esportiva precoce
no futebol caracteriza um processo que leva a pessoa como também a cri-
ança a uma escolinha até a prática esportiva competitiva. Essa problemá -
tica se apresenta da seguinte maneira com o a acompanhamento das van-
tagens e desvantagens do seu desenvolvimento esportivo.
Dessa forma, os profissionais que atual no futebol percebe por
meio de conversas e experiências práticas que muitos deles não compac-
tuam da mesma opinião, embora parte deles acreditam que mais alunos
nos primeiros anos envolvidos na iniciação do esporte apresentem os prin-
cípios pedagógicos que envolve a aprendizagem esportiva.
No entanto, a especialização precoce apresenta uma série de pro-
blemas futuros para a criança que não é um adulto em miniatura. Essa

1Alcides Soares De Oliveira é graduado em Educação Física, licenciatura e bacharel pela


Funorte, Especialista em anatomia humana pela PUC-GO, pós - graduado em Futebol pela
UFV. Atuou por 12 anos como professor de Educação Física no ensino fundamental.

11
Ciranda de Saberes

tarefa tem a responsabilidade pedagógica com o futuro do jovem. Esse mo-


mento é oportuno para a realização deste estudo. Embora, o embasamen to
teórico mais qualificado contribui para uma melhor prática na iniciação
precoce do futebol. Essa idéia reflete as atividades na sua prática e ilustra
a real situação da iniciação deste esporte na atualidade.
Desse modo, a realização deste estudo contribui para a reflexão dos
atuais e futuros profissionais que atuam nestes espaços de forma a reverter
os métodos de trabalho e, por conseguinte, minimizar os riscos de uma es-
pecialização precoce do indivíduo. De acordo com Oliveira e Paes (2004),
a pedagogia da iniciação esportiva apresenta uma série de problema s
quanto a este tema. Isso identifica os benefícios e prejuízos no treinamen to
precoce ligados as ciências do esporte em suas diferentes dimensões.
Na opinião de Scalon (2004), os termos técnicos bem preparados
devem ser aqueles que possuem o melhor conhecimento do esporte ou da
modalidade esportiva. Isso igualmente está relacionado com os aspectos
biológicos e psicossociais da criança, assim com a sua capacidade de inte-
grar seus conhecimentos na preparação esportiva.
A identificação desses problemas apresenta os balizadores deste es-
tudo a partir dos resultados em curto prazo de especialização precoce ocorri-
dos com a carência de planejamento e compreensão do fenômeno. Dessa ma-
neira um professor ou técnico estão engajados neste grupo de iniciantes a par-
tir da compreensão dos mesmos e conduzi-los aos bons resultados.
Fundamentação Teórica
O Papel do Futebol na Sociedade
A compreensão da prática pedagógica nas escolas relacionado com
o futebol representa na sociedade brasileira um fenômeno de repercuss ã o
mundial, que movimenta milhões de cifras. De acordo com Daolio (2000),
o nosso cotidiano está impregnado de termos futebolísticos, tais como pi-
sar na bola, dar um chute e bater na trave. Dessa forma, o futebol é consi-
derado como um dos elementos chave na cultura brasileira a partir do res-
gate de questões relevantes para a compreensão da história social do nosso
país.
Esse conhecimento configura este processo por meio da compre-
ensão do seu fenômeno em sua totalidade, ou seja, nas relações políticas,
econômicas de cada momento histórico. Desse modo, Toledo (2000)
afirma que a evolução das regras, as formas e táticas de jogar contribuem
para a compreensão dos significados simbólicos que permeiam as práticas
sociais relacionadas com o futebol. Isso representa que o futebol é um aglo-
merado de indivíduos que correm atrás de um objeto esférico, na maioria
das vezes. Para Toledo (2000,p.34),
Se, por um lado, um certo desestímulo ao uso do tranco provinha dessas
concepções ditas 'cavalheirescas', auto-assumidas pelos segmentos es-
portistas das elites, por outro, tal desestímulo encontrou também em
muitas manifestações populares, junto com a auto-defesa da esquiva so-
cial, uma via de aproximação do futebol a certas práticas sociais. Estas se
expressavam nos variados manejos corporais e culturais disseminados

12
Ciranda de Saberes

pelas populações urbanas nos ritmos, danças e lutas que privilegiavam a


ginga, o requebrar e outros movimentos como elementos estéticos e per-
formáticos definidores de outros modos de vida, nitidamente mais popu-
lares, freqüentemente perseguidos e socialmente discriminados. (TO-
LEDO, 2000, p.34).

As diversas maneiras de praticar o futebol contribuem para trazer


á tona ás dimensões identitárias de uma dada configuração cultural. Isso
requer que as escolas e estilos de jogo sejam derivadas um dos outros, que
representa a comunidade moral em torno de cada equipe. Dessa maneira,
o modo de jogar de uma seleção de futebol expressa igualmente às auto-
percepções, que conferem as características marcantes de cada povo atra-
vés de um padrão de jogo fixo e fruto de uma negociação intensa, conjun-
tural, inacabada e pouco consensual entre os jogadores e torcedores por
meio da comissão técnica.
Ainda de acordo com Toledo (2000), o que define a maior ou me-
nor popularidade do esporte é o grau de adesão e permanência dele a nível
popular, que é justamente a sua capacidade de expressão da identidade na-
cional. A partir daí, a linguagem codificada e aceita mundialmente serve
como base para um solo comum de comunicabilidade, interpreta e faz a
leitura da cultura esportiva de outros povos. Por outro lado, a característica
do futebol é apresentado como um pensamento abstrato em face das suas
crendices, superstições e atos de fé católica.
Na opinião de Toledo (2000) existem três naturezas do futebol como
a primeira que consiste nas regras, onde a sua formatação e universalização
estão fundamentadas na afirmação e consolidação da prática esportiva no
mundo. A segunda se refere às formas de jogo, onde a sistematização é impres-
cindível para a popularização do futebol. Essas maneiras de joga r a organizar
se expressam por meio de qualidades individuais e coletivas dos jogadores em
relação a sua linguagem franca entendida mundialmente.
Portanto, o jogo de futebol é apresentado de acordo com as repre-
sentações coletivas que consolidam as anunciadas escolas, estilos, autore-
presentações dos distintos modos de vivenciar e compreender o futebol em
cada local com a linguagem e aspectos próprios.
Na opinião de Da Matta (1982), o estudo da sociologia do esporte acre-
dita que é possível realizar uma leitura do sistema social brasileiro por meio do
futebol. Isso dramatiza o mundo social, a sociedade e expressa ás características
particulares de sua cultura. Ainda de acordo com Da Matta (1982, p.25),
[...] a tônica da conceituação do esportivo no universo anglo-saxão é na
competição, na técnica e na força, ficando a sorte em último lugar. Parece,
pois, que nos Estados Unidos e na Inglaterra, o domínio do esporte tem
muito a ver com um realce no controle do físico e na coordenação de in-
divíduos para formar uma coletividade. Tudo, enfim, que conduz a uma
luta pelo controle do mundo exterior ou do que vem de fora. Ao passo
que, no Brasil, o esporte é vivido e concebido como um jogo. É uma ativi-
dade que requer táticas, forca, determinação psicológica e física, habili-
dade técnica, mas também depende das forcas incontroláveis da sorte e
do destino. (DA MATA, 1982, p.25)

13
Ciranda de Saberes

Da Matta (1982) afirma que não é por acaso que o futebol está re-
lacionado com alguns países a um sistema nacional de loteria, atualizando
todo um conjunto de valores relacionados ao sistema da sorte e do azar. Ele
ressalta que há os diversos tipos de jogos serem “jogados” simultanea-
mente, mas em planos diferenciados. Um jogo que se passa no gramado,
outro que se passa na vida real, e ainda um terceiro, jogado em “outro
mundo”, que são as entidades chamadas para influenciar o evento e con-
tribuir para as transformações nas diferentes posições sociais.
Treinamento esportivo
De acordo com Dantas (1998), o treinamento desportivo é consi-
derado como o conjunto de procedimentos utilizados na condução de um
atleta devido a sua plenitude física, técnica e psicológica inserida dentro de
um planejamento racional. Isso visa a execução de uma performance má-
xima em um período determinado. Portanto, a história do treinamen to
desportivo segue as seguintes fases: Período da Arte das Olimpíadas da An-
tiga Grécia até as Olimpíadas da Era Moderna; Período da Improvisação;
Período do Empirismo; Período Pré-científico até o período tecnológico.
Segundo Barbanti (1979), o treinamento esportivo é considerado
como um processo organizado de aperfeiçoamento, que é conduzido com
base em princípios científicos. Isso estimula as modificações funcionais e
morfológicas no organismo, que influi de uma forma significativa a sua ca-
pacidade de rendimento do esportista. Ele serve para a manutenção e me-
lhoria da sua capacidade de rendimento e recuperação da capacidade de
rendimento e da saúde.
Esse treinamento é um processo de vários fatores e não uma ativi-
dade que se possa realizar de uma forma mecânica. Isso se baseia no rela-
cionamento humano com pessoas de diferentes tipos de personalidades
que trabalham em conjunto de situações complexas. As emoções humanas
e as relações entre as pessoas são relacionadas com o treinamento geral e
multilateral com um fortalecimento harmonioso de todo o corpo.
O treinamento específico se acelera com o processo de adaptação
física e psíquica do esportista com o intuito de cumprir as exigências das
competições e dos jogos. A partir daí, o preparo físico, técnico-tático, inte-
lectual, psíquico e moral é definido de acordo com os exercícios físicos e o
seu desenvolvimento gradual. (BARBANTI, 1979).
Portanto, a técnica apresenta o conjunto de procedimentos e co-
nhecimentos capazes de contribuir para a execução de uma atividade espe-
cífica, de complexidade variável com o mínimo de desgaste e máximo de
sucesso. A preparação técnica é um conjunto de exercícios e ensinamentos
que o atleta assimila e visa a execução do movimento desportivo com efici-
ência e esforço. Para Barbanti (1979), a técnica é considerada como um
processo de atitudes, movimentos e posições gerais do indivíduo.
A preparação técnica objetiva usar a técnica esportiva de uma
forma racional por meio de um processo de longo prazo, sem interrupções
e deve estar relacionado com a sua condição física. Essa tática apresenta a

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Ciranda de Saberes

maneira de explorar ao máximo os pontos fracos do adversário, ao mesmo


tempo com as nossas próprias deficiências.
Ainda de acordo com Barbanti (1979), a preparação tática é o con-
junto de procedimentos que asseguram ao atleta ou à equipe a utilização
dos princípios técnicos mais adequados para cada situação da competiçã o
ou adversário. Isso consiste em achar o melhor meio para um indivíduo
vencer a competição ou alcançar o melhor resultado.
A preparação física representa os métodos e processos de treino,
utilizados de forma seqüencial em obediência aos princípios da periodiza -
ção e visa ao atleta ao ápice de sua forma física específica, a partir de uma
base geral ótima. Esse desenvolvimento das capacidades motoras princi-
pais: força, velocidade, resistência aeróbia, resistência anaeróbia, flexibili-
dade e habilidade possuem dois aspectos como a preparação física geral e
preparação física especial.
Os profissionais estão inseridos na estrutura do treinamento des-
portivo e exercem uma linha de trabalho que visa o aproveitamento de atle-
tas no segmento do esporte de alto nível. Esses fatores sociais e econômicos
reforçam a ideia de que os treinadores e familiares respectivamente em as-
censão profissional e social possuem ganhos financeiros acessíveis na es-
fera do alto rendimento.
De acordo com Ramos e Neves (2008), a iniciação esportiva é con-
siderada como o período em que a criança começa a aprender a sua forma
específica da prática esportiva. Ainda segundo Rezer e Shigunoy (2004)
elucida que é preciso ter a clareza sobre o esporte onde há a possibilidade
de optar por uma prática que sirva aos propósitos de uma forma implícita
e explícita de um projeto neoliberal, em que o individualismo é valorizado
na sua coletividade e autonomia.
Almeida (1993) afirma que a grande preocupação é a super valori-
zação em que o esporte competitivo vem adquirindo na sociedade modern a
a devida noção de sucesso que representa a nível desportivo. Isso implica
no aspecto financeiro, social e político como consequência das mais mar-
cantes iniciação precoce e treinamento desportivo infantil no futebol.
Vantagens do Treinamento Precoce no Futebol
Greco e Benda (2001, p. 161) definem que “o objetivo da aprendi-
zagem motora é a realização de tarefas motoras, técnicas de movimentos
que facilitem ao indivíduo a obtenção de uma meta determinada”.
Ainda segundo a opinião de Santana (2009) afirma que a iniciação
esportiva nas áreas do conhecimento evidenciam que os estágios de desen-
volvimento motor e os períodos indicados para se desenvolver as diferentes
capacidades contribuem para as habilidades motoras, as implicações ma-
turacionais e fisiológicas.
A atividade física do cotidiano e a atividade física escolar devem ser
bastante valorizadas, de modo a estimular a prática da atividade física para
toda a vida, de forma prazerosa e agradável, integrando todas as crianças, e
nunca discriminando o menos apto. De acordo com Moreira (2009), o

15
Ciranda de Saberes

programa de atividade física é condizente com a faixa etária e estágio de de-


senvolvimento em que a criança se encontra da seguinte maneira:
- A criança passa pelo exame ortopédico e orgânico antes de iniciar
os exercícios;
- As ações são priorizadas pelo sistema aeróbio por meio de cami-
nhada, corridas e ciclismo;
- A busca da perfeição no exercício é voluntário e sob a pressão dos
pais e treinadores;
- A atividade é planejada devido a sua idade;
- A intensidade de esforço em cada sessão aumenta de acordo com
a sua forma progressiva;
- O treinamento anaeróbio representa a competição na sua modalidade.
De acordo com Arena e Bohme (2000), as habilidades fundamen -
tais são consideradas com as mais variadas possíveis nos bons atletas. Esse
procedimento apresenta as atividades envolvidas no futebol como correr e
tocar na bola. Embora, o estímulo do desenvolvimento multilateral é con-
siderado como um dos princípios de treinamento mais significativos para
as crianças e jovens. Esse desejo da criança e sua especialização de uma
determinada modalidade esportiva exigem uma adaptação física e técnica
por parte do atleta no decorrer do treinamento associado com a sensibili-
dade do aparelho locomotor.
Os cuidados relacionados a sua especialização com a criança e ado-
lescente estão bem expostos ao perigo da carga do que o adulto. Essa pre-
paração de treinamento para eles não deve estar relacionado com o excesso
de carga sobre o aparelho locomotor. Dessa maneira, os estudos sobre o
desenvolvimento infantil de acordo com Tani (1996) defendem as evidên -
cias suficientes da iniciação esportiva. Essas características de desenvolvi-
mento motor, cognitivo, afetivo, social e moral das crianças apresentam a
iniciação esportiva no decorrer das pequenas variações e especificidades
da sua modalidade.
Para Bompa (2002), o emprego de princípios corretos de treina-
mento, a divisão do treinamento de crianças e jovens em estágios sistemá-
ticos de desenvolvimento com objetivos bem definidos. Isso resulta na for-
mação de atletas saúdaveis e de excelência no futebol. Desse modo, o pro-
grama de treinamento deve levar as características individuais e coletivas
com o potencial treinamento para a evolução das crianças de acordo com a
sua capacidade fisiológica e de desempenho.
De acordo com Bompa (2002), a periodização na divisão dos pro-
gramas de treinamento de todos os atletas, desde o nível iniciante até os de
alto desempenho em pequenos segmentos de tempo se torna mais eficazes
durante o treinamento. Portanto, o progresso das habilidades motoras ne-
cessárias são suficientes para a superação do atleta e desempenho da mo-
dalidade esportiva de sua preferência á longo prazo.
A fase multilateral se propõe a construir a sua base sobre a qual o
atleta poderá aprimorar com eficiência as habilidades motoras complexas
para vivência das mais variadas. Isso garante uma transição natural para a

16
Ciranda de Saberes

sua fase especializada com vistas ao processo das experiências diversifica -


das no período de formação de base.
De acordo com Bielinski (1999), a criança conquista um maior do-
mínio sobre o seu corpo na medida que desenvolve biologicamente o que
permite a atuação no sentido de aperfeiçoar as suas habilidades motoras.
A partir daí, a fase especializada constitui os dois estágios que
abrangem a especialização e o alto desempenho da sua performance, em-
bora o estágio de especialização com os atletas optem pela modalidade es-
portiva e por sua posição dentro da mesma.
Segundo Bompa (2002), os programas de treinamento são indis-
pensáveis para a compreensão no todo ou em parte da sua relação cons-
tante e dinâmica. Esses programas de treinamento não são elaborados e
devidamente monitorados com as suas dificuldades em lidar com o es-
tresse fisíco e psicológico.
Nesse caso, a inclusão de exercícios diversificados e o desenvolvi-
mento de uma variedade de habilidades no programa de treinamento a cada
estágio do processo de desenvolvimento contribuem para o desenvolvimento
das novas capacidades e previnem ás lesões seguidos do desgaste físico.
As Desvantagens do Treinamento Precoce no Futebol
O desenvolvimento das qualidades motoras devem ser respeitada s
por causa das suas peculiaridades no decorrer dos intervalos entre as ida-
des que significam uma etapa qualitativamente nova para a formação do
organismo e por isso exige a devida consideração. Contudo, o treina men to
precoce está focalizado na perfeição física e despreza o desenvolvimen to
saudável das qualidades físicas, a formação dos ser humano e os níveis de
aptidão física do atleta no estágio de vida em que se encontra.
De acordo com a opinião de Marques (1991), ás crianças e os ado-
lescentes tem sido direcionados para a competição esportiva levando em
consideração a especialização em um determinado esporte como se fossem
adultos. Desta forma, a criança se difere do adulto nos aspectos biológico e
psicológico.
O esporte competitivo para Tani, ET al., (2006) é iniciado de uma
forma precoce e traz consequências nas dimensões fisiológicas e neuro-
musculares no plano biológico e nas dimensões cognitiva e psicossocial
como a sua maturidade precoce desenvolvida na sua parte corpórea. Ainda
no plano psicológico, a criança passa a assumir total responsabilidade no
treinamento físico e inclue as exigências sobre as suas próprias vontades e
pensamentos.
As consequências mais comuns são apresentadas da seguinte ma-
neira: o esgotamento físico, o comprometimento da estrutura ósteo-muscular
e lesões agudas e muitas vezes são submetidas a treinamentos incompatíveis
com o seu estágio de crescimento e desenvolvimento. Segundo Santana
(2005), a teoria afirma que a especialização precoce na criança representa os
riscos como o estresse de competição, a saturação esportiva e as lesões.

17
Ciranda de Saberes

Para Tani (2001), a precocidade se manifesta quando as crianças


são expostas a uma aprendizagem e execução de habilidades motoras que
exigem capacidades neuromotoras além daquelas que o seu estágio de de-
senvolvimento motor permite. Essa consequência leva a um comprometi-
mento da motivação e da queda da auto-estima que leva a desistência e da
repetição de fracassos ou mesmo da dificuldade de experimentar progres -
sos. Desse modo, Kunz (1994) aponta para a consequência de um treina-
mento especializado na unilaterização de um desenvolvimento que deveria
ser plural.
No domínio cognitivo e moral, a precocidade leva a criança à prá-
tica de comportamentos ilícitos e dificuldades no relacionamento social
com a experimentação de pressões mentais e altamente estressantes. Isso
acontece por que a criança é pressionada a compreender as regras comple-
xas de comportamento além do estágio de desenvolvimento cognitivo e
moral no qual ela se encontra.
De acordo com Tani (2001), a precocidade pode manifestar-se no
domínio psicossocial, quando o envolvimento da criança no esporte im-
plica colocá-la em situações de stress e tensão psicossociais incompatíveis
com o seu estágio de desenvolvimento afetivo-emocional e social.
Ainda de acordo com Kunz (1994), os maiores problemas que um
treinamento especializado precoce provoca sobre a vida da criança no do-
mínio psicossocial são a formação escolar deficiente, devido a grande exi-
gência em acompanhar com êxito a carreira esportiva e a reduzida partici-
pação em atividades, brincadeiras e jogos do mundo infantil, indispensá-
veis para o desenvolvimento da personalidade na infância.
A precocidade e suas consequências podem ser evitadas e respei-
tadas devido âs suas características de desenvolvimento motor, cognitivo,
afetivo, social e moral das crianças devido as variações, a iniciação espor-
tiva que depende da sua modalidade e ocorre no final da segunda infância
com o início da adolescência. Essa especialização precoce é utilizada para
expressar o processo pelo qual as crianças tornam-se especializadas em um
determinado esporte com uma idade não apropriada.
A especialização precoce envolve, normalmente, uma forte ênfase
na vitória em detrimento do caráter lúdico recorre à aplicação dos modelos
adultos, não respeitando as características desenvolvimento das crianças e
jovens (COELHO, 1988). A especialização precoce recorre predominan te-
mente ao treino intenso e tende a forçar os praticantes à superação sem
limites, comportando, por isso, eventuais riscos nocivos acordo com a evo-
lução do indivíduo. (COELHO, 1988).
As correspondentes pressões são supervalorizadas e fortemen te
acentuadas, no entanto, as preocupações são desviadas do desenvolvi-
mento a longo termo em direção ao objetivo a curto prazo da vitória, pre-
judicando a aquisição progressiva da necessária experiência competitiva .
Esse princípio de preparação desportiva, baseado no princípio do “tudo ou
nada” não se ajusta à criança e ao jovem, dificultando a criação de ambien-
tes equilibrados e saudáveis. (COELHO, 1988).

18
Ciranda de Saberes

A especialização representa o processo de preparação desportiva e


tem como pressuposto uma formação desportiva prévia que assente na ori-
entação e capacidades dos indivíduos. A especialização exige estrutura s
adequadas que acolhem os mais aptos e lhes proporcionam as condições
especiais de aperfeiçoamento (COELHO, 1988).
Dentre os agentes incluídos na especialização precoce da criança. A
influência dos adultos no desenvolvimento delas incluem o seu sistema espor-
tivo direcionado para o futebol e no modelo competitivo infantil recente.
Na opinião de Simões, ET al., (1999), a criança é submetida a inú-
meras exigências que expõem o aspecto social relacionado com o julga-
mento dos demais. Essa situação possui consequências educacionais que
podem estar presentes no processo de formação e no desenvolvimento das
suas habilidades motoras.
Na medida em que os níveis de exigências aumentam as influên-
cias são mais importantes do que a compreensão do esporte competitivo e
dos interesses familiares que enquadram um modelo de ascensão social. A
partir daí, há uma ligação com forte nível de exigência dos mesmos na sua
fase de desenvolvimento das personalidades infantis.
Dentro do cenário competitivo, a questão psicossocial está funda -
mentada no seu comportamento esportivo e expõe as suas possibilidades
diante dos fracassos. Esses fracassos compreendem um mecanismo de ati-
tudes e valores com as condições das potencialidades dos atletas, além de
nortear a sua vida esportiva.
Isso leva em consideração que a experiência com o futsal competi-
tivo para atletas com idade a partir de 6 anos, ou seja, uma competitivida de
precoce, posso perceber que, para os pais, o principal objetivo é que seu
filho atinja bons resultados. Assim, podemos dizer que a criança corre o
risco de ser considerada como “atleta em miniatura”. Isso representa que
os desafios e demandas no mais alto grau de excelência apresentam a par-
ticipação dos filhos no esporte associado com a competição no futebol.
Considerações Finais
Inúmeras crianças têm sido submetidas a um tipo de treinamen to
nas escolinhas de futebol que não respeita as diferenças, que elege os re-
sultados em curto prazo como objetivo e apenas a competição como refe-
rencial de avaliação do aprendizado. As crianças são coagidas a alcançar
resultados que satisfaçam os desejos deste ou daquele professor, ou dos
pais, ou quem quer que seja. Fato marcante e que, como vimos ao longo do
trabalho, vem ocorrendo nas chamadas "escolinhas" especializadas.
Uma pedagogia comprometida apenas em revelar talentos e for-
mar campeões tende a não se comprometer com os fenômenos humanos,
entre eles, o de iniciação esportiva. As atitudes recorrentes como as de se-
lecionar crianças, revelar talentos, ganhar competições (tão desejadas por
grande parte dos professores) não dão conta de uma pedagogia que res-
peite a complexidade da iniciação esportiva e das pessoas.

19
Ciranda de Saberes

Em outras palavras: ignora que a criança que se interessa por es-


porte é a mesma que tem necessidade de brincar, de se divertir, de ser
aceita, de transpor limites, que imagina ser este ou aquele craque, que tem
o desejo de jogar, que precisa ser respeitada, aprender a conviver, a coope-
rar e a construir autonomia. Portanto, a criança que faz esporte não é ape-
nas o atleta em potencial que a pedagogia tradicional – alimentada pelos
desejos unilaterais de um pensamento simplista - se empenha em atender
(SANTANA, 2005).
A criança não é um adulto (atleta) em miniatura. O professor além
de sua tarefa técnica, também deve ter responsabilidade pedagógica com o
futuro. Penso que toda a criança tem o direito de praticar esporte, não lhe
cabendo a tarefa de ser um campeão.
Portanto, a adequada prática esportiva e competitiva vai depen der
de uma infinidade de fatores entre os quais podemos citar a formação e
atuação do professor, os meios e os objetivos propostos, a faixa etária das
crianças. Dessa forma, o tipo de competição no qual ela vai participar e a
efetiva forma de participação da família neste contexto e etc. (VARGAS
NETO, 1999).
Assim, é importante que os adultos, pais, professores, envolvidos
conheçam o treinamento e a competição, mas, fundamentalmente, conhe-
çam e entendam a criança e o jovem. Conheçam suas características físicas,
fisiológicas, técnicas, psicológicas, intelectuais e sociais, para poder esta-
belecer as melhores relações, métodos e estratégias visando à melhora glo-
bal e progressiva e não somente a evolução de um ponto específico duran te
um determinado período de tempo.
Isso somente será possível se o pensamento for voltado para a cri-
ança e para o jovem, e não para o modelo e ou o resultado. Essa visão in-
fantil do processo em detrimento da visão adulta que impera diversas vezes
como a grande maioria dos futuros atletas busca é somente diversão e a
melhora de suas condições individuais para, quem sabe, no futuro, torna-
rem-se verdadeiros atletas.
A otimização do treinamento infantil e de jovens requer um conhe-
cimento básico das condições vigentes em cada faixa etária. Somente este
conhecimento possibilita estabelecer um treinamento adequado às neces-
sidades de crianças e jovens. Portanto, a criança precisa aprender e convi-
ver com o esporte, vivenciar diferentes situações, construir idéias e valores,
descobrir sentimentos e incorporar transformações sociais, afetivas, inte-
lectuais e motoras essenciais para a formação do caráter do indivíduo e
para o seu futuro esportivo.
Os conteúdos do ensino das habilidades e o desenvolvimento das ca-
pacidades motoras ocorrem de forma diversificada, motivadora oportuni-
zando a participação e a aprendizagem do maior número possível de pratican-
tes principalmente nas agências formais de ensino, com base no método de
jogo. A especificidade de cada modalidade praticada pelas crianças e adoles-
centes, possibilitando um ótimo desenvolvimento da aprendizagem motora ,

20
Ciranda de Saberes

dando bases para as futuras especializações nas modalidades escolhidas pelos


próprios praticantes. (OLIVEIRA; PAES, 2004).
Por fim, o estudo realizado é de extrema relevância, porque através
dele, tive oportunidade de adquirir novos conhecimentos, que me permiti-
rão dialogar e argumentar com os pais e dirigentes esportivos, iniciando
assim um possível processo de transformação da mentalidade vigente.
Sinto-me capacitado a assumir o compromisso de tentar evitar a especiali-
zação esportiva precoce e introduzir um ensino qualificado e compatível
com os interesses, necessidades e possibilidades da criança, promovendo e
elevando a qualidade das aulas de futebol.
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21
Ciranda de Saberes

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22
REFLEXÕES FILOSÓFICAS ACERCA DA OBRA
SOLILÓQUIOS DE AGOSTINHO: UMA FERRAMENTA
PEDAGÓGICA PARA EDUCAR JOVENS NO ENSINO
RELIGIOSO
Antônio Félix da Silva Neto 1
Introdução
Agostinho de Hipona é frequentemente considerado o pensador
mais brilhante do cristianismo, em uma época conhecida como Patrística.
Esta filosofia foi desenvolvida no início do período de transição da Antigui-
dade para o Medievo, fornecendo os primeiros passos da doutrina cristã.
Marilena Chauí destaca que a Filosofia Patrística se inicia com as Epístolas
de Paulo e o Evangelho de João e perdura até o século VIII. Recebeu esse
nome de "Patrística" devido aos primeiros padres, ou "pais", da Igreja Ca-
tólica que a desenvolveram. Inicialmente, essa filosofia serviu ao pens a-
mento cristão através de apologias, uma vez que, até o século III d.C., o
cristianismo não estava bem difundido na Europa.
Agostinho de Hipona, um dos mais proeminentes pensadores do
cristianismo, nasceu em Tagaste, na atual Argélia, no ano 354 d.C. Ele vi-
veu num período turbulento, onde o Império Romano enfrentava crises in-
ternas e externas, e o cristianismo emergia como uma força cultural e es-
piritual crescente. Sua jornada intelectual começou na retórica e na filoso-
fia, onde Agostinho demonstrou notável habilidade. Contudo, sua busca
pela verdade levou-o por caminhos tortuosos. Inicialmente, ele se voltou
para o maniqueísmo, uma seita religiosa dualista. Mais tarde, ele encon-
trou-se imerso na filosofia neoplatônica, que o influenciou profundamen te.
Sua vida testemunhou uma notável transformação, pois foi um pagão con-
vertido ao cristianismo aos 32 anos de idade. Sua influência no pensa-
mento cristão é imensurável, tanto que posteriormente foi canonizado
como “santo” pela Igreja Católica.
Entre as muitas obras de Agostinho, Solilóquios merece destaque.
Escrito em forma de diálogos internos, esses textos oferecem uma visão
íntima e profunda da mente do autor. Plenamente relevantes em uma era
dominada pelo pragmatismo e materialismo desenfreados, Solilóquios é o
verdadeiro fruto da simplicidade, humildade, força de inteligência, since-
ridade, pureza de coração e incondicional dedicação à verdade de Santo
Agostinho.
Solilóquios não apenas representa uma importante peça da litera-
tura cristã, mas também pode ser uma ferramenta valiosa no Ensino Reli-
gioso, especialmente para os jovens. Eles oferecem uma compreensão mais

1Graduado em Filosofia (UFPI), Ciências da Religião pela UniCV e Letras-Língua Inglesa


(UNINASSAU). Especialista em Metodologia do Ensino de Filosofia (Faculdade Batista de
Minas Gerais) e Ensino Religioso (FACUMINAS). E-mail: [email protected]

23
Ciranda de Saberes

profunda das questões religiosas e filosóficas, estimulando o pensamento


crítico e a reflexão pessoal. Foi durante esse período de busca fervoros a
pela verdade que Agostinho se deparou com o Solilóquios, uma obra que
expressava os diálogos internos de uma alma em busca de Deus (a Ver-
dade). Esta obra, escrita em forma de diálogo, trata-se de uma conversa
entre Agostinho e a sua própria razão, por isso o nome Solilóquios, um
termo de origem do latim soliloquĭum, formado pela junção de duas pala-
vras: "soli", que significa "sozinho" ou "somente", e "loquium", que signi-
fica "falar". Solilóquio significa, portanto, uma reflexão que se realiza em
voz alta e, regra geral, de forma solitária. Em outras palavras é conversa r
consigo próprio. Nesse diálogo entre Agostinho e a Razão, revela o conflito
entre o desejo de compreender a verdade e as limitações da mente humana.
A obra não é apenas uma expressão da busca intelectual de Agos-
tinho, mas também reflete sua profunda experiência espiritual. Nela, en-
contramos um retrato íntimo de um homem que luta com suas própria s
dúvidas e incertezas, enquanto busca desesperadamente encontrar um sig-
nificado mais profundo para a vida. Ao longo dos diálogos, Agostinho ex-
plora temas como a natureza de Deus, a relação entre fé e razão, o problema
do mal e a natureza da alma humana. Ele não se contenta em aceitar dog-
mas simplesmente por fé cega, mas busca entender racionalmente os fun-
damentos de sua crença.
Um dos aspectos mais cativantes de Solilóquios é a forma como
Agostinho personifica a Razão, transformando-a em um interlocutor que
desafia e questiona suas próprias convicções. Esses diálogos internos refle-
tem o conflito entre a busca pela verdade e as fraquezas da natureza hu-
mana. Agostinho mostra na obra em diversos momentos a relação da ver-
dade com Deus, onde a verdade que é característica de Deus, também é o
próprio Deus:
Eu te invoco, Deus Verdade, em quem, por quem e mediante quem é ver-
dadeiro tudo o que é verdadeiro. Deus Sabedoria, em quem, por quem e
mediante quem têm sabedoria todos os que sabem. Deus, verdadeira e
suprema Vida, em quem, por quem e mediante quem tem vida tudo o que
goza de vida verdadeira e plena (AGOSTINHO, 1998, p. 16).

Essa obra pode ser aplicada no contexto educacional por diversa s


razões significativas como a exploração da fé e da razão, onde Solilóquios
oferece uma abordagem profunda sobre como a fé e a razão podem coexis-
tir e se complementar. Isso pode ajudar os jovens a entenderem que a reli-
gião não é apenas uma questão de crença cega, mas também pode ser fun-
damentada em uma busca racional pela verdade. Pode ser vista também
como uma reflexão existencialista, no qual os jovens muitas vezes enfren -
tam questões existenciais profundas sobre o propósito da vida, o sentido
do sofrimento, a natureza do bem e do mal, entre outros.
Além desses tópicos mencionados, o presente artigo também abor-
dará sobre o desenvolvimento do pensamento crítico, a promoção do diá-
logo inter-religioso e a conexão entre teoria e prática. Solilóquios oferece
uma oportunidade para explorar essas questões de uma maneira reflexiva

24
Ciranda de Saberes

e filosófica. Agostinho não se contenta em apenas explorar questões teóri-


cas; ele também busca aplicar suas reflexões em sua própria vida. Essa
abordagem prática torna a sua obra ainda mais relevante. Agostinho não
apenas teoriza sobre questões religiosas e filosóficas, mas também as vive
de maneira autêntica.
Portanto, ao introduzir a obra Solilóquios no Ensino Religioso, os
educadores têm a oportunidade de oferecer aos jovens uma visão profun da
e estimulante das questões fundamentais da fé, da razão e da existência
humana. Mais do que apenas transmitir informações, essa obra pode ins-
pirar os jovens a se engajarem em sua própria busca pela verdade e a apli-
carem suas descobertas em suas vidas diárias.
Desenvolvimento do pensamento crítico
O pensamento crítico é uma habilidade essencial para a vida aca-
dêmica, profissional e pessoal. Trata-se da capacidade de analisar informa-
ções de maneira racional, lógica e ponderada, avaliando argumentos, de-
tectando falácias e reconhecendo pressupostos implícitos. Em tempos de
abundância de informação — e desinformação —desenvolver um pensa-
mento crítico é mais do que um exercício intelectual: é um imperativo ético
e educacional.
No capítulo 12, intitulado Um cristianismo crítico para homens li-
vres, do livro O pensamento crítico: história e método, Coelho (2022) diz:
Na mesma medida em que se reconhece a liberdade como fundamental,
para que a responsabilidade e a consequente imputabilidade tenham lu-
gar em uma filosofia cristã, é também verdade que nenhuma filosofia que
pretenda permanecer cristã pode apresentar uma imagem do homem
isenta de graves limites epistemológicos e morais. Isso porque a precari-
edade do homem é um elemento incontornável do cristianismo. O Enchi-
ridion reforça a ideia apresentada por Paulo, em Romanos, de que a sa-
bedoria humana é loucura para Deus, e a sabedoria de Deus é loucura
para o juízo humano. De um modo algo distinto do ceticismo, a tradição
cristã deprime similarmente a pretensão humana à glória do conheci-
mento. Mas, dissimilar ao ceticismo ou ao cinismo, a ética cristã admite
a possibilidade de se julgar genericamente valores de bem e mal. Na base
de qualquer teoria moral, pressupõe-se que o homem tem, ao menos, o
juízo suficiente para saber que erra ou age com acerto. (COELHO, 2022,
p. 87).

Coelho (2022, p. 87) propõe uma reflexão profunda sobre a con-


cepção cristã do ser humano, destacando a tensão entre liberdade, respon-
sabilidade e limitação. Ao afirmar que a liberdade é condição essencial para
a imputabilidade moral, o autor reconhece que, na filosofia cristã, o ser hu-
mano só pode ser considerado responsável por seus atos se for livre para
escolhê-los. No entanto, essa liberdade não implica uma visão idealizada
do homem; pelo contrário, a tradição cristã insiste na sua precariedade mo-
ral e epistemológica, reconhecendo que o ser humano é falível e limitado
em seu entendimento. Essa limitação é reafirmada pelo Enchiridion, de
Agostinho, e pela epístola de Paulo aos Romanos, onde a sabedoria hu-
mana é apresentada como loucura diante de Deus, e vice-versa.

25
Ciranda de Saberes

Apesar disso, a ética cristã não adere ao ceticismo ou ao cinismo,


pois admite a possibilidade de discernimento moral. Embora compartilh e
com o ceticismo a crítica à pretensão humana ao saber absoluto, diferen -
cia-se dele ao sustentar que o homem, mesmo limitado, possui um juízo
moral mínimo que lhe permite reconhecer o bem e o mal. Assim, qualquer
teoria moral, inclusive a cristã, depende da noção de que o ser humano é
capaz de julgar suas ações, ainda que de modo imperfeito. Coelho, por-
tanto, articula uma antropologia cristã que reconhece a dignidade da liber-
dade humana, sem perder de vista sua fragilidade essencial, equilibran do
humildade epistemológica com responsabilidade ética.
Na tradição filosófica ocidental, diversos autores colaboraram com
esse ideal, propondo métodos de questionamento e reflexão. Entre eles,
Agostinho de Hipona (354–430) se destaca por sua forma singular de filo-
sofar: os diálogos internos. Ao colocar-se em diálogo com a Razão, Agosti-
nho inaugurou uma prática que não apenas expõe ideias, mas ensina a pen-
sar. Este texto propõe-se a explorar como os diálogos internos entre Agos-
tinho e a Razão podem ser utilizados como instrumento didático para o
desenvolvimento do pensamento crítico em sala de aula, especialmente ao
tratar de temas filosóficos e religiosos. Segue abaixo um trecho do diálogo
entre Agostinho e sua razão (a sua consciência filosoficamente falando).
Agostinho: Fiz minha oração a Deus.
Razão: Então, o que desejas saber?
Agostinho: Tudo o que pedi na oração.
Razão: Faze um breve resumo de tudo.
Agostinho: Desejo conhecer a Deus e a alma.
Razão: Nada mais?
Aagostinho: Absolutamente nada.
Razão: Então, começa a investigar. Mas explique antes como pode dizer:
basta – no caso em que Deus se te dê a conhecer.

(AGOSTINHO,1998).

Agostinho, influenciado pela tradição platônica e cristã, desenvol-


veu um estilo de escrita dialogal que visava mais do que transmitir doutri-
nas: buscava promover a conversão interior do leitor e do próprio autor.
Seus textos frequentemente assumem a forma de um diálogo entre Agosti-
nho e a Razão, ou entre Agostinho e figuras alegóricas que represen ta m
aspectos de sua consciência. A respeito de Agostinho, o autor Shelley
(2019, p. 173) diz que “até hoje, os cristãos sentem o impacto da mente e
da alma desse homem. Os católicos romanos baseiam-se na doutrina ecle-
siástica de Agostinho, e os protestantes, em suas opiniões sobre pecado e
graça.”

26
Ciranda de Saberes

Se tratando em especial da obra solilóquios, podemos afirmar que


sua estrutura não é apenas literária; ela tem uma função pedagógica e for-
mativa. Ao encenar um debate interno, Agostinho convida o leitor a parti-
cipar da investigação filosófica, provocando perguntas, tensionando certe-
zas e explorando possíveis contradições. Por exemplo, em obras como So-
lilóquios ou De Magistro, Agostinho conversa consigo mesmo em busca da
verdade, submetendo suas crenças ao crivo da razão. Essa forma de diálogo
é menos um debate com o outro e mais um exercício de escuta e confronto
interior — o que constitui uma rica ferramenta para o exercício do pensa-
mento crítico.
Ao adotar o modelo de Agostinho, o estudante é convidado a entra r
em diálogo com sua própria consciência, suas crenças, dúvidas e pressu-
postos. O pensamento crítico não floresce na rigidez dogmática, mas na
abertura à possibilidade de erro, na disposição de reavaliar ideias, na busca
sincera pela coerência. Agostinho mostra que a razão não é inimiga da fé —
ao contrário, é por meio da razão que a fé pode ser compreendida de forma
mais profunda e pessoal. Essa lição é crucial para os estudantes que se de-
param com dilemas entre ciência e religião, tradição e inovação. O diálogo
interior permite reconhecer a legitimidade de diferentes perspectivas sem
cair no relativismo superficial.
A prática crítica, nesse contexto, consiste em:
• Formular perguntas relevantes (por que acredito nisso? o
que me leva a pensar assim?);
• Ouvir diferentes perspectivas internas (o que a razão diria
sobre esse sentimento?);
• Suspender juízos apressados (será que essa certeza resiste à
análise?);
• Aceitar o desconforto da dúvida como parte do caminho para
a verdade.
Esse processo leva à construção de um pensamento autêntico,
fruto de reflexão pessoal, não apenas da repetição de ideias herdadas. Em
sala de aula, a metodologia pode ser aplicada de forma prática, mesmo com
recursos simples como um quadro branco, marcador e apagador.
A seguir, uma proposta em três etapas:
a) Leitura e encenação de diálogos
Apresente um trecho dos Solilóquios, por exemplo, em que Agos-
tinho conversa com a Razão. Proponha uma leitura dramatizada, dividindo
os papéis entre os alunos (Agostinho, Razão). Isso ajuda a captar o tom
reflexivo e questionador do texto.
b) Recriação de diálogos internos
Peça aos estudantes que escolham um tema filosófico ou religioso
(como “existe livre-arbítrio?”, “a verdade é relativa?” ou “é possível

27
Ciranda de Saberes

conhecer Deus pela razão?”) e que escrevam um diálogo entre o “Eu” e a


“Razão”, imitando o estilo agostiniano. Esse exercício estimula a autoes-
cuta, a argumentação e o respeito à lógica do raciocínio.
c) Análise crítica dos argumentos
Depois da apresentação dos diálogos, estimule os alunos a identi-
ficarem:
• Quais foram os principais argumentos utilizados?
• Houve mudança de opinião ao longo do diálogo?
• O que torna um argumento mais forte ou mais frágil?
• Onde se pode perceber uma falácia ou contradição?
Esse momento é essencial para sedimentar o raciocínio crítico, ofe-
recendo critérios de avaliação que os alunos poderão usar em outras situa-
ções.
A importância dessa metodologia vai além do conteúdo específico
da filosofia. Ao aprender a dialogar com a própria razão, o estudante de-
senvolve:
• Autonomia intelectual, ao formar juízos por conta própria;
• Responsabilidade moral, ao refletir sobre as consequências de
suas crenças e ações;
• Capacidade argumentativa, fundamental em qualquer campo
de atuação;
• Empatia filosófica, ao considerar outras perspectivas com seri-
edade.
Em um mundo polarizado, marcado por discursos prontos e res-
postas automáticas, o modelo agostiniano ensina que a verdade é algo a ser
buscado, não imposto. A escuta da razão interna exige silêncio, humildade
e disciplina — valores contraculturais, mas profundamente necessários.
O diálogo interior de Agostinho não é um monólogo estéril, mas
uma caminhada existencial em busca da verdade. Ele mostra que o pensa-
mento crítico nasce da coragem de perguntar, da disposição de duvidar e
da abertura ao outro — ainda que esse outro seja a própria razão que nos
habita.
Incentivar os estudantes a pensar como Agostinho é oferecer-lh es
mais do que uma técnica de argumentação: é convidá-los a um caminho de
formação integral, em que o pensar, o sentir e o crer se entrelaçam. Ao fazer
isso, contribuímos não apenas para o desenvolvimento acadêmico, mas
para a construção de sujeitos mais conscientes, éticos e humanos.
Promoção do diálogo inter-religioso:
O mundo contemporâneo é caracterizado por uma pluralidade de
crenças, culturas e tradições espirituais. Nesse contexto, o diálogo inter-
religioso se torna não apenas desejável, mas essencial para a construção de
uma sociedade mais justa, pacífica e respeitosa. No ambiente escolar,

28
Ciranda de Saberes

especialmente nas aulas de Ensino Religioso, promover esse diálogo é uma


forma concreta de educar para a convivência, para o respeito mútuo e para
a valorização da diversidade.
A proposta de utilizar a obra Solilóquios, de Agostinho, como
ponto de partida para esse tipo de diálogo, oferece aos estudantes uma
oportunidade rica de reflexão e comparação entre diferentes tradições re-
ligiosas e visões de mundo. Em Solilóquios, Agostinho empreende um pro-
fundo diálogo com a Razão sobre temas como a existência de Deus, a natu-
reza da alma, o autoconhecimento, o livre-arbítrio e a busca pela verdade.
Embora esses temas estejam inseridos dentro de uma cosmovisão cristã,
eles também são abordados — ainda que de formas diferentes — por outras
religiões, como o judaísmo, o islamismo, o hinduísmo, o budismo e as tra-
dições indígenas.
Ao comparar os questionamentos e as respostas de Agostinho com
os ensinamentos de outras tradições religiosas, os estudantes podem:
• Reconhecer pontos de convergência e divergência;
• Compreender melhor sua própria fé ou tradição familiar;
• Desenvolver empatia e abertura para o pensamento do outro;
• Praticar o respeito à diversidade religiosa em um ambiente de es-
cuta mútua.
A partir de trechos selecionados de Solilóquios, a turma pode ser
dividida em grupos, e cada grupo será responsável por investigar como ou-
tras religiões tratam os mesmos temas discutidos por Agostinho. Exemplos
de temas:
• A alma e sua imortalidade: Como o budismo entende a alma?
E o islamismo?
• A busca pela verdade: Quais caminhos são propostos por ou-
tras tradições religiosas?
• Livre-arbítrio e responsabilidade moral: Como as diferen-
tes religiões entendem a liberdade humana?
Os grupos podem apresentar suas descobertas em forma de pai-
néis, rodas de conversa ou dramatizações. Se possível, a escola pode orga-
nizar encontros com representantes de diferentes religiões ou membros da
comunidade escolar que tenham origens religiosas distintas. Esses encon-
tros podem ser guiados por perguntas inspiradas no Solilóquios, permi-
tindo que os estudantes comparem os pensamentos de Agostinho com ou-
tras visões contemporâneas de fé. Como exercício de imaginação ética e
filosófica, os alunos podem ser convidados a escrever diálogos fictícios en-
tre Agostinho e uma figura de outra tradição religiosa, como Buda, Maomé
(em termos respeitosos e simbólicos), um líder espiritual indígena, etc.
Esse exercício promove criatividade, empatia e aprofundamento no conte-
údo.

29
Ciranda de Saberes

Através dessas práticas, os estudantes não apenas adquirem co-


nhecimento sobre diferentes religiões, mas também desenvolvem compe-
tências socioemocionais e éticas fundamentais, como:
• Tolerância e empatia: Ao compreender as motivações e crenças
dos outros, desenvolve-se um olhar menos julgador e mais com-
preensivo.
• Curiosidade intelectual: O contato com diferentes formas de
pensar estimula o desejo de aprender mais e questionar com res-
peito.
• Postura dialógica: Saber ouvir antes de responder, perguntar
antes de criticar, e dialogar mesmo diante de divergências.
Esses valores são essenciais para a vida em sociedade, e o Ensino
Religioso pode ser um espaço privilegiado para cultivá-los. Promover o di-
álogo inter-religioso a partir de textos clássicos como Solilóquios é uma
forma eficaz de atualizar o Ensino Religioso, tornando-o mais reflexivo, in-
clusivo e sintonizado com os desafios contemporâneos. Em vez de apresen-
tar uma única visão de mundo como verdade absoluta, o professor atua
como mediador de um espaço onde diferentes tradições podem dialogar,
convergir e divergir com respeito. Ao ensinar os estudantes a compara r
ideias, reconhecer semelhanças e acolher diferenças, estamos formando
não apenas leitores mais críticos, mas cidadãos mais conscientes, capazes
de contribuir para uma cultura de paz, justiça e solidariedade.
Conexão entre Teoria e Prática
A trajetória intelectual e espiritual de Agostinho de Hipona é uma
das mais marcantes da história do pensamento ocidental, e um exemplo
singular de como a teoria e a prática podem se encontrar de maneira pro-
funda. Agostinho não é apenas um pensador que refletiu sobre temas me-
tafísicos, teológicos e filosóficos com profundidade; ele também procurou
aplicar essas reflexões em sua própria vida, fazendo de sua existência um
testemunho prático das ideias que desenvolveu. Essa dimensão vivencial
de sua obra oferece um ensinamento valioso para os tempos atuais, espe-
cialmente para os jovens, que muitas vezes se sentem distantes da filosofia
ou da religião por não perceberem sua utilidade prática.
Agostinho viveu em uma época de grande efervescência cultural,
política e religiosa, o que exigia dos pensadores uma postura não apenas
especulativa, mas também engajada. Ele iniciou sua vida intelectual como
um jovem inquieto, mergulhado nos prazeres mundanos e nas doutrina s
filosóficas da época, como o maniqueísmo e o ceticismo acadêmico. No en-
tanto, ao longo do tempo, guiado pela busca pela verdade e impulsionado
por uma inquietação existencial profunda, Agostinho trilhou um caminho
de conversão que o levou a uma nova forma de viver, baseada nos valores
cristãos.

30
Ciranda de Saberes

Essa conversão não foi apenas um movimento teórico ou um as-


sentimento intelectual a certas verdades dogmáticas. Foi, acima de tudo,
uma transformação de vida. Ele passa a compreender que conhecer a ver-
dade (neste caso Deus) exige também amar a verdade — e amar a verda de
implica em vivê-la. Nesse sentido, a filosofia e a teologia não são apenas
exercícios abstratos ou discursos descolados da realidade cotidiana, mas
ferramentas para orientar a vida concreta. Agostinho, ao tornar-se bispo
de Hipona, assume responsabilidades pastorais e sociais que o aproxima m
do povo e o obrigam a lidar com os dilemas do mundo real, como conflitos
políticos, heresias, desigualdades sociais e dramas humanos. Isso mostra
como ele integrava a teoria com a ação, revelando que o conhecimento só
é pleno quando se traduz em atitudes.
O exemplo de Agostinho é particularmente inspirador para a ju-
ventude contemporânea, que vive em uma era marcada pela velocidade da
informação (tecnologias), pelo pragmatismo exacerbado e pela fragmenta -
ção dos valores. Em um cenário onde muitas vezes o saber se dissocia da
vivência, refletir sobre a vida de Agostinho pode provocar uma mudança
de perspectiva: não se trata apenas de “aprender” ideias, mas de permitir
que essas ideias moldem a forma como se vive. Os jovens podem ser incen-
tivados, a partir desse exemplo, a enxergar suas crenças e valores não como
algo puramente teórico ou reservado ao espaço da intimidade, mas como
guias para escolhas concretas no cotidiano — na escola, no trabalho, nas
relações interpessoais e na construção de seus projetos de vida.
Além disso, a experiência agostiniana revela que a busca pelo sen-
tido da vida e pela verdade não é um caminho linear, mas envolve erros,
quedas e recomeços. A sinceridade com que ele narra sua trajetória, espe-
cialmente nas Confissões, permite que qualquer pessoa se identifique com
suas dúvidas e lutas interiores. Isso humaniza o pensador e mostra que a
coerência entre teoria e prática é um ideal a ser perseguido, mesmo que
nem sempre plenamente alcançado. Essa dimensão ética do pensamento
agostiniano é poderosa justamente porque não se apoia em uma perfeiçã o
inatingível, mas em uma contínua conversão do coração — um movimen to
de dentro para fora, que convida à autenticidade e à coerência.
A conexão entre teoria e prática, portanto, é central na filosofia de
Agostinho, pois ele compreende que a sabedoria não está apenas no acú-
mulo de conhecimentos, mas na capacidade de ordenar os afetos e viver
segundo o bem maior, que para ele é Deus. Essa ordenação interior, conhe-
cida como ordo amoris (ordem do amor), é a chave para uma vida virtuosa .
Para Agostinho, aquilo que se ama determina a forma como se vive, e por
isso, pensar bem e viver bem são dimensões inseparáveis. Essa proposta é
extremamente atual em uma sociedade que frequentemen te valoriza o de-
sempenho técnico e o sucesso exterior, mas negligencia a formação do ca-
ráter e a coerência ética.
No campo da educação, por exemplo, a lição agostiniana pode ser
aplicada como um chamado à formação integral do sujeito. Ensinar não é
apenas transmitir conteúdos, mas formar consciências, estimular a

31
Ciranda de Saberes

reflexão crítica e ajudar os estudantes a integrarem o saber com o ser. O


próprio Agostinho, como pedagogo, valorizava o diálogo e a escuta interior,
entendendo que o verdadeiro mestre é aquele que desperta no aluno o de-
sejo de buscar a verdade por si mesmo. Ele valoriza a dimensão interior da
aprendizagem, que precisa estar conectada com a vivência pessoal. Isso nos
leva a pensar que qualquer processo educativo que separa teoria e prática
tende a ser incompleto ou estéril.
Na vida pessoal, esse princípio pode ser traduzido como a busca
por coerência entre aquilo que se acredita e aquilo que se pratica. Em tem-
pos de discursos vazios e posturas contraditórias, cultivar essa coerência se
torna um ato de resistência ética. Para os jovens, isso significa pergunta r-
se com frequência: “O que eu realmente acredito?” e “Como minhas ações
refletem essas crenças?”. Trata-se de um exercício constante de autoconhe-
cimento e de revisão de atitudes, inspirado na sinceridade e na coragem
com que Agostinho viveu sua fé e sua filosofia.
Em suma, a conexão entre teoria e prática, na vida e na obra de
Agostinho, é um convite à autenticidade. Sua história mostra que o pensa-
mento não deve ser uma fuga da realidade, mas um modo de compreen dê -
la mais profundamente e de nela intervir de maneira ética. Ao unir reflexão
e vivência, ele nos ensina que é possível — e necessário — viver de acordo
com aquilo que se acredita. E essa é uma lição que continua válida e ur-
gente nos dias de hoje, especialmente para aqueles que buscam sentido em
meio às incertezas do mundo contemporâneo. Agostinho nos lembra que
viver com verdade é mais do que saber o que é certo; é escolher, dia após
dia, caminhar nessa direção, mesmo diante dos desafios.
Considerações Finais
A análise da obra Solilóquios, de Agostinho, revelou-se uma pro-
posta significativa para o Ensino Religioso voltado aos jovens do Ensino
Fundamental, pois oferece uma abordagem que transcende a simples
transmissão de conteúdos doutrinários. Ao incorporar elementos filosófi-
cos e existenciais, Agostinho convida os leitores – e, por extensão, os estu-
dantes – a um profundo mergulho interior, onde a razão e a fé dialogam
em busca da verdade.
Com base nas reflexões desenvolvidas ao longo deste artigo, con-
clui-se que Solilóquios pode ser utilizado como uma poderosa ferramen ta
pedagógica para o desenvolvimento do pensamento crítico, da escuta inte-
rior, da autonomia intelectual e da responsabilidade ética. O diálogo in-
terno entre Agostinho e a Razão demonstra que a fé não é inimiga da razão,
mas que ambas podem caminhar juntas na formação de sujeitos reflexivos,
conscientes e espiritualmente engajados.
A proposta de utilizar essa obra em sala de aula também se mostra
eficaz na promoção do diálogo inter-religioso, ao estimular os estudantes a
conhecerem outras tradições e a compararem diferentes perspectivas sobre
temas como alma, verdade, liberdade e Deus. Tal abordagem contribui

32
Ciranda de Saberes

para a formação de uma cultura de paz, de respeito mútuo e de convivência


plural.
Por fim, destaca-se a relevância da integração entre teoria e prá-
tica, tão presente na vida e obra de Agostinho. Seu testemunho de coerên -
cia entre pensamento e ação inspira uma educação que visa não apenas o
conhecimento, mas a formação integral do ser humano. Ao introduzir essa
perspectiva nas práticas pedagógicas do Ensino Religioso, os educadores
têm a oportunidade de transformar a sala de aula em um espaço de escuta,
reflexão e transformação pessoal. Dessa forma, o uso pedagógico da obra
Solilóquios contribui para que os estudantes não apenas compreen da m
ideias filosóficas e religiosas, mas se reconheçam como sujeitos ativos na
construção de seus valores, atitudes e sentidos de vida — um objetivo nobre
e necessário para a educação em nosso tempo.
Referências

AGOSTINHO, Santo. Confissões. Trad. Maria Luiza Jardim Amarante. 2.


ed. São Paulo: Paulinas, 1986.
AGOSTINHO, Santo. Solilóquios. Coleção Patrística. São Paulo: Paulus,
1998.
BATISTA, Cícero Pereira. Santo Agostinho e Cristianismo: da razão à
fé ou da fé à razão? De Magistro de Filosofia, Ano XIV, n. 29, p. 93–111,
2020.
BOEHER, Philotheus. História da Filosofia Cristã: Desde as Origens
até Nicolau de Cusa. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2000.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 14. ed. São Paulo: Ática, 2000.
GILSON, Étienne. Introdução ao Estudo de Santo Agostinho. São
Paulo: Editorial, 2007.
HOTCOURSES BRASIL. O que é pensamento crítico? Disponível em:
https://www.hotcourses.com.br/study-abroad-info/once-you-a rrive/o-
que-e-pensamento-critico/. Acesso em: 15 fev. 2025.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Filosofia
Patrística e Medieval. Vol. 2. São Paulo: Paulus, 2005.
SHELLEY, Bruce L. História do Cristianismo. 2. ed. São Paulo: Abba
Press, 2019.
COELHO, Thiago. O pensamento crítico: história e método. São Paulo:
Editora Reflexão, 2022.

33
VACINAÇÃO CONTRA A DENGUE:
ENTENDA O IMPACTO DA QDENGA NO DF
Fernanda Vieira de Souza Canuto 1
Ana Paula Alves da Silva 2
Ana Lídia Bentes Amazonas2
Natália Ellen dos Santos Cavalcante 2
Kirliane de Sousa Rodrigues 2
Lindomi Oliveira de Souza Junior 2
Lucas Viana Barros2
Eduardo Carbonel Michelutti2
Alexandra Fletcher da Rosa 2
Marina Alves Noronha 2
Fabiana Rodrigues de Oliveira Melo 2

Introdução
A dengue é uma doença causada pelo arbovírus DENV, um vírus
da família Flaviviridae e do gênero Flavivírus 1,2,3. É causada pela picada do
mosquito fêmea das espécies Aedes aegypti ou Aedes albopictus 2, sendo a
primeira a mais comum vinculada à transmissão da dengue e de outras ar-
boviroses no Brasil (Chikungunya e Zika-vírus)5. São conhecidos 5 soroti-
pos diferentes da dengue (DENV-1, DEN-2, DEN-3, DENV-4, DENV-5)2-,6.
Embora o DENV-5 tenha sido identificado pela primeira vez em uma amos-
tra de sangue de um paciente na Malásia no ano de 2007, não há relatos de
que tenha se disseminado globalmente 6.
A primeira epidemia, no Brasil, ocorreu entre 1981 e 1982, no es-
tado de Roraima, sendo identificados os sorotipos DENV-1 e DENV-4 4.
Desde então, a doença se disseminou por todo o território brasileiro e fo-
ram identificados novos sorotipos DEN-2 e DEN-3. Atualmente, o país
apresenta 4 sorotipos circulantes cuja prevalência varia conforme a região
4,5 . No Distrito Federal, é encontrada a prevalência do DEN-1, seguido por

DEN-2, enquanto os demais sorotipos não foram identificados na região,


de acordo com dados da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF).
O reconhecimento do sorotipo é de fundamental importância para com-
preender o impacto da virulência sobre a saúde do paciente. Tendo em

1 Pediatra, docente na Escola Superior de Ciências da Saúde e coordenadora do Internato


em Saúde da Criança do Centro Universitário Euroamericano – UNIEURO. fernandavieira-
[email protected], https://orcid.org/0000-0002-5142-9048
2 Discentes do 11º/12º período do curso de Medicina do Centro Universitário Euroamericano –

UNIEURO.; [email protected], https://orcid.org/0009-0008-0551-4576; analidia.


[email protected], https://orcid.org/0009-0000-2617-4904; [email protected],
https://orcid.org/0009-0001-9753-5241;[email protected];alexandra.fle-
[email protected], [email protected], https://orcd.org/0009-0003-3844-3376.

34
Ciranda de Saberes

vista que a apresentação clínica da dengue pode variar de casos assintomá-


ticos a casos de dengue com sinais de alarme e casos de dengue grave com
sinais de choque 2,3.
Embora a dengue seja conhecida há décadas, ainda hoje o trata-
mento consiste em medicamentos sintomáticos, tendo em vista que não há
um tratamento específico e controle adequado do vetor 2,5. Tais caracterís-
ticas refletem a morbimortalidade da doença, o que a torna um problema
para a saúde pública no país, sendo inclusive incluída na lista de doenças e
agravos de notificação compulsória 5.
Recentemente, a epidemia do ano de 2024 apresentou cerca de
2.178.196 casos prováveis de dengue, de acordo com dados da DataSUS.
No Distrito Federal, o número de casos prováveis chegou a 176.570 dos
quais 6.830 necessitaram de internação hospitalar. Uma novidade no ma-
nejo da epidemia foi o emprego de uma nova estratégia de prevenção por
meio de campanhas de vacinação contra a dengue 1,2,3. Há décadas, têm
sido estudadas vacinas de DNA, de vírus atenuado/inativo, de proteína s
recombinantes e até mesmo quiméricas contra a dengue 1,3,6. Um grande
desafio nos testes realizados era desenvolver uma vacina tetravalente, ca-
paz de cobrir os 4 sorotipos disseminados mundialmente 1,6. Recente-
mente, chegaram ao Brasil duas vacinas que se adéquam a esta caracterís-
tica: a Vacina Dengvaxia© (Sanofi) e a Vacina QDENGA© (Takeda) 7 .
A Dengvaxia é uma das vacina que apresenta formulação quimérica,
recombinante, quadrivalente, que utiliza como estrutura a cepa 17D da vacina
febre amarela 1,2,7 . Pode ser administrada em pacientes de 6 a 45 anos, soropo-
sitivos para dengue. O esquema é dividido em 3 doses (0, 6 e 12 meses) 7 . En-
quanto a QDENGA, atualmente disponível no Sistema Único de Saúde (SUS),
é uma vacina de vírus vivos, atenuados, quadrivalente, que apresenta o DENV-
2 geneticamente atenuado associado a três vírus quiméricos com genes das
proteínas pré-membranas e envelope dos demais sorotipos 1,7 . Pode ser admi-
nistrada em pacientes de 4 a 60 anos, em pacientes soropositivos e soronega-
tivos para dengue. O esquema é dividido em 2 doses (0 e 3 meses). As contra-
indicações desta vacina são: indivíduos com imunodeficiência congênita ou
adquirida, mulheres grávidas ou lactantes 7 .
No Distrito Federal, a campanha de vacinação iniciou-se no mês de
fevereiro de 2024 com a aplicação da vacina QDENGA e vale ressaltar que essa
vacina foi recomendada pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) devido
ao menor número de doses, menor tempo para completar o esquema vacinal
e por não necessitar comprovar infecção prévia de dengue 7 . O público-alvo
escolhido foi crianças e adolescentes de 10 a 14 anos. A escolha desta faixa etá-
ria ocorreu com base nos dados epidemiológicos de anos anteriores que indi-
cavam um maior índice de hospitalização em casos de dengue. A primeira fase
da campanha, iniciada em nove de fevereiro de 2024, foi exclusiva para crian-
ças na faixa etária de 10 a 11 anos (até 11 anos, 11 meses e 29 dias), seguindo
orientações do Ministério da Saúde, que se baseou no baixo quantitativo de
doses devido a baixa capacidade de produção e de entrega do laboratório

35
Ciranda de Saberes

produtor. A segunda fase da campanha iniciou em seis de março de 2024 e


estendeu a faixa etária até os 14 anos de idade 8.
Assim, diante do exposto, esse estudo pretende avaliar o alcance da
primeira campanha de vacinação contra a dengue no DF, analisando o perfil
epidemiológico dos adolescentes vacinados. Tais informações são imprescin-
díveis para se conhecer os impactos da nova vacina QDENGA na população.
Justificativa
A realização deste estudo tem como objetivo conhecer os dados
epidemiológicos da campanha de vacinação contra a dengue em adolescen-
tes no DF. Essa análise é importante junto à epidemia de dengue no que
tange a saúde individual e coletiva no DF, reforçando o pioneirismo de Bra-
sília no início da aplicação da vacina Qdenga no Brasil.
Nesse sentido, a medicina baseada em evidências (MBE), enfatiza que
estudos científicos bem conduzidos, favorecem uma efetiva tomada de deci-
são, possibilitando a emergência de questões e propostas para melhorias dos
serviços de imunização contra a dengue e direcionamentos para a organização
desses serviços. O trabalho gerará informações científicas e atuais sobre as
questões relacionadas à nova vacina Qdenga e seus impactos na população. O
desfecho esperado é o fornecimento de dados formais, os quais servirão como
embasamento e referências para futuras reflexões a respeito desse serviço no
âmbito nacional e internacional.
Objetivos-Geral
• Analisar o processo de vacinação dos adolescentes de 10 a 14 anos,
que receberam a vacina Qdenga durante os primeiros seis meses da
campanha de vacinação realizada no ano de 2024, no Distrito Federal.
Específicos
• Descrever o perfil epidemiológico e demográfico dos adolescentes
de 10 a 14 anos que receberam a vacina Qdenga no DF.
• Correlacionar o impacto da vacinação contra Dengue com o nú-
mero de internações por dengue em crianças e adolescentes antes e
depois da vacinação.
Métodos
Este estudo é caracterizado como um estudo transversal, retros -
pectivo e descritivo, de natureza quantitativa, fundamentado na análise de
dados abertos. Os critérios de inclusão foram estabelecidos para considera r
os dados de indivíduos na faixa etária de 10 a 14 anos, residentes do Dis-
trito Federal, que receberam a vacina QDENGA durante o período compre-
endido entre fevereiro e julho de 2024. Em contrapartida, o critério de ex-
clusão abrangeu aqueles que não receberam a vacina dentro do intervalo
temporal e geográfico especificados.
A coleta de dados foi realizada a partir de duas bases de dados dis-
tintas. As informações referentes às internações da população estudada

36
Ciranda de Saberes

foram obtidas por meio dos dados do Departamento de Informática do Sis-


tema Único de Saúde (DATASUS). Por sua vez, os dados relativos à cober-
tura vacinal foram extraídos do sistema da Rede Nacional de Dados de Sa-
úde (RNDS), o qual apresenta as informações em formato gráfico ou tabela.
Os filtros utilizados para a seleção dos dados incluíram: Unidade Federa -
tiva (DF), ano (2024), meses (fevereiro a junho), faixa etária (10 a 14 anos),
sexo (masculino, feminino e outros), raça/cor (pardos, brancos, pretos ,
amarelos, indígenas e não informado), imunobiológico (vacina contra a
dengue atenuada), doses (1ª e 2ª doses), região de ocorrência (Centro -
Oeste) e município (Brasília).
Os resultados obtidos foram processados utilizando as ferramen -
tas Tabnet e Tabwin, permitindo a realização de análises estatísticas des-
critivas, tais como a coleta de frequências absolutas e percentuais correla-
cionadas à cobertura vacinal. Para a elaboração de gráficos e tabelas, foi
utilizado o software Microsoft Excel, que facilitou a visualização e a inter-
pretação dos dados. A pesquisa se enquadra nos preceitos éticos da Lei
13.709/18 (LGPD) e por se tratar de dados abertos, não necessitou de apro-
vação pelo Comitê de Ética em Pesquisa.
Resultados e discussão
Entre 1º de janeiro de 2023 e 31 de outubro de 2024, foram regis-
trados 18.716 casos de dengue em crianças de 10 a 14 anos no Distrito Fe-
deral. Segundo dados do DATASUS, nesse período foram contabilizadas
1.196 hospitalizações, com um agravamento do cenário epidemiológico em
2024 em relação a 2023. Os registros ignorados ou em branco foram des-
cartados da análise.
No primeiro semestre de 2024, o Gráfico 1 evidencia um total de
974 hospitalizações por dengue, representando um aumento de 1.216% em
relação ao mesmo período do ano anterior. Apesar desse crescimento sig-
nificativo, os dados revelam que a maioria dos indivíduos afetados (83%)
não precisou de internação hospitalar para tratamento.

Gráfico 1 - Casos notificados de dengue em crianças de 10 a 14 anos, de


2023 a 2024, no Distrito Federal.

Fonte: Sistema de Informação de Agravos de Notificação - SINAN/DATASUS.

37
Ciranda de Saberes

Das internações registradas em 2024, fevereiro destacou-se repre-


sentando 34% do total, seguido por janeiro (25%) e março (22%). Nesses
três primeiros meses do ano, foram registradas 805 hospitalizações, um
aumento expressivo de 308,6% em relação às 197 internações contabiliza-
das ao longo de todo o ano de 2023, que teve seu pico em dezembro com
43% dos casos, conforme o Gráfico 1. Esse crescimento significativo pode
ser explicado por uma combinação de fatores, como maior circulação viral
e condições climáticas favoráveis à proliferação do mosquito Aedes ae-
gypti, incluindo chuvas mais intensas e temperaturas elevadas. Além disso,
é possível que tenha havido maior vigilância epidemiológica e registro de
casos 9-11. A partir de abril de 2024, na faixa etária analisada, constatou-s e
uma notável redução no número de casos registrados e hospitalizações,
tendência que se manteve até setembro.
A análise permitiu observar que a epidemia tende a ser mais prolon-
gada quando seu pico e duração ocorrem nas primeiras semanas epidemioló-
gicas do ano, como já identificado em outros estudos 12. O aumento no número
de casos notificados e hospitalizações ressalta a urgência de adotar interven-
ções preventivas. Medidas como vacinação, fortalecimento das campanhas de
conscientização, controle adequado dos focos do mosquito Aedes aegypti e
acesso rápido ao diagnóstico e tratamento são essenciais para conter a evol u-
ção da doença e evitar a sobrecarga no sistema de saúde 10,13.
Com base no Boletim de Cobertura Vacinal – 1º Quadrimes tre
2024 (BRASÍLIA, 2024), a presente pesquisa registrou a administração de
132.986 doses da vacina contra a dengue em todas as faixas etárias da po-
pulação do Distrito Federal, considerando apenas as doses aplicadas no
primeiro semestre de 2024.
Em relação ao grupo-alvo da campanha de vacinação, especifica -
mente na faixa etária de 10 a 14 anos, foram aplicadas 84.236 doses. Des-
tas, 2.584 doses foram administradas em serviços de saúde privados, como
clínicas de vacinação e consultórios pediátricos. Por outro lado, a maior
parte, totalizando 81.642 doses, foi aplicada no âmbito da Atenção Primá-
ria à Saúde (APS).
A APS foi estabelecida como eixo coordenador, visando também
fortalecer a governança do Sistema Único de Saúde (SUS) em cada territó-
rio. O Gráfico 2 mostra a cobertura vacinal de acordo com as Regiões de
Saúde no Distrito Federal, aqui cabe explicitar que o termo região de saúde
se refere ao agrupamento das cidades do DF que possuem similaridades
sociodemográficas e epidemiológicas. Essa forma de organização tem o ob-
jetivo de aprimorar a gestão das políticas e ações de saúde pública 21.

38
Ciranda de Saberes

Gráfico 2 – Cobertura vacinal por região de saúde, no primeiro


semestre, no Distrito Federal, 2024.

Fonte: Rede Nacional de Dados de Saúde - RNDS.

Diante do contexto acima descrito, foi possível observar que a co-


bertura vacinal caiu substancialmente da primeira para a segunda dose, em
todas as regiões. Podemos citar como exemplos a Região Central, onde
59,3% tomaram a primeira dose, mas apenas 20,1% a segunda, o que re-
presenta uma redução de mais de 66%. Contudo, a situação mais crítica é
a da Região Leste, onde a adesão à segunda dose é de apenas 6,2%, contra
27,6% na primeira dose.
Outrossim, foi possível identificar a existência de disparidades en-
tre as regionais, onde é revelado que as na Região Central a pesquisa iden-
tificou maiores taxas de vacinação (59,3% para a primeira dose), alí tam-
bém estão nas cidades com maior índice de desenvolvimento humano
(IDH). Ao contrário disso, enquanto as Regiões Leste e Região Sudoeste,
composta por cidades da periferia, têm os piores índices (27,6% e 30,1%,
respectivamente, para a primeira dose).
Em consonância com esses achados está a publicação do Fundo
das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) de 2023, que citou que uma
em cada cinco crianças brasileiras de famílias pobres não receberam ne-
nhuma dose da vacina tríplice bacteriana, entretanto, filhos de famílias
mais ricas esse número aumenta para 2016.
Pesquisas adicionais sobre a baixa adesão às vacinas identifica m
que as causas mais frequentes de baixa adesão à vacinação são as dificul-
dades de acesso, questões socioeconômicas e culturais. Ademais, a discre-
pância da cobertura vacinal em regiões de desigualdade social também é
observada em outros Estados Brasileiros e se estende para outros progra-
mas de vacinação 22.
Em se tratando da análise da cobertura vacinal por idade, foi possível
constatar (gráfico 3) que dentre as idades pesquisadas, as crianças de 10 anos
apresentam os maiores índices de vacinação, com 56,2% delas recebendo a

39
Ciranda de Saberes

primeira dose, e apenas 12,6% completando o esquema vacinal com a segunda


dose. Este cenário, embora represente um início promissor, expõe um elevado
abandono vacinal entre a primeira e segunda dose, evidenciando uma discre-
pância de aproximadamente 43,6 pontos percentuais.

Gráfico 3 - Total de doses de vacinas Qdenga aplicadas por idade, na


população de 10 a 14 anos, no primeiro semestre, no Distrito Federal,
em 2024.

Fonte: Rede Nacional de Dados de Saúde- RNDS.

Está demonstrado no gráfico 3 que nas idades 11, 12, 13 e 14 anos


representadas pelas colunas subsequentes, que ocorreram quedas graduais
tanto na administração da primeira quanto da segunda dose. Ou seja, as
crianças de 11 anos, 48,2% que receberam a primeira dose e apenas 15%
completaram o esquema, já os adolescentes de 12 anos apresentaram ainda
menor adesão, com 27,7% recebendo a primeira dose e 7,7% a segunda, nas
idades de 13 e 14 anos, os números são ainda mais preocupantes, com ín-
dices de 28,3% e 25,6% na primeira dose, respectivamente, e baixíssimas
coberturas de segunda dose, com 5,4% e 4,9%.
Logo, o gráfico 3 , denota que a cobertura vacinal alcançou apenas
37% (última coluna), impactando em uma meta abaixo do esperado, indi-
cando uma tendência inversamente proporcional entre a idade e a adesão à
vacinação, ou seja, à medida que aumenta a faixa etária, observa-se uma redu-
ção progressiva na cobertura vacinal, sobretudo na segunda dose. Contudo,
em desacordo com este achado, segundo Programa Nacional de Imunizações
(PNI) o Distrito Federal tem como meta, uma cobertura vacinal de 90% para
a vacina da Dengue (Qdenga), na população entre 10 a 14 anos 13.
Concernente a variável sexo e sua correlação ao número de vacina-
dos, o gráfico 4 exibe que dos 84.236 vacinados, 48.728 (58%) foram iden-
tificadas como pessoas do sexo feminino, e 35.506 (42%) como do sexo
masculino e ainda 2 indivíduos foram classificados em outros. Por conse-
guinte, embora que durante a análise em pontos percentuais, inicialmente,
não se identificou uma diferença expressiva entre os sexos, vale salientar
uma predominância numérica do sexo feminino foi notada, com 13.222

40
Ciranda de Saberes

indivíduos a mais vacinados em comparação ao sexo masculino. Essa dis-


crepância representa 16 pontos percentuais (58% contra 42%) 20 .

Gráfico 4 - Total de doses de vacinas Qdenga aplicados por sexo na


populçao de 10 a 14 anos, no primeiro semestre, no Distrito Federal,
2024.

Fonte: Rede Nacional de Dados de Saúde- RNDS.

A predominância do gênero feminino em relação à cobertura vacinal


pode estar associada a fatores socioculturais já amplamente reportados na li-
teratura. Meninas culturalmente têm maior adesão a programas públicos de
saúde, por motivos que incluem também provável maior número de consultas
médicas e histórico de maior incentivo da família em relação à saúde. Adicio-
nalmente, há evidência de que mulheres têm maior percepção de risco em re-
lação a doenças e uma postura mais proativa de prevenção 20 .
Por outro lado, chama a atenção a menor adesão entre o público mas-
culino. Essa diferença pode espelhar barreiras específicas, tais como a menor
demanda por serviços de saúde, a falta de campanhas dirigidas ou mesmo atitu-
des associadas à percepção de invulnerabilidade à doença. E, assim, estratégias
para aumentar a cobertura vacinal entre os meninos devem ser consideradas,
como ações no ambiente escolar, campanhas educativas com ênfase na impor-
tância da vacinação e maior sensibilização dos responsáveis ou pais.
Além disso, a investigação de dois sujeitos classificados como “ou-
tros” evidenciam a urgência de políticas públicas mais inclusivas e de um
devido registro, padronizado, e abraçador da diversidade de gêneros das
populações. De acordo com Femonai et al., a inclusão dessa categoria é cru-
cial como um primeiro passo para fazer com que todos tenham a mesma
oportunidade de ação na prestação de serviços de saúde e de melhorar a
qualidade dos dados epidemiológicos.
No que tange a variável raça/cor o gráfico 5 destaca que das 84.236
doses, a maior parte foi aplicada em indivíduos identificados como pardos,

41
Ciranda de Saberes

totalizando 39.165 doses, em seguida, destacou-se o grupo daqueles cujos


registros de etnia/cor não foram informados, que representaram uma par-
cela significativa da vacinação no Distrito Federal, com 24.965 doses apli-
cadas, já a população branca foi o terceiro grupo identificado com maior
quantidade de doses aplicadas, com 15.066 doses; seguidos por amarelos,
com 3.479 doses; pretos, com 1,521 doses e, por fim, indígenas, que fora m
os menos beneficiados pela campanha de vacinação do Distrito Federal,
com um total de 40 doses contabilizadas 20 .

Gráfico 5 - Total de doses de vacinas Qdenga aplicadas por raça/ cor


na população de 10 a 14 anos, no primeiro semestre, no Distrito
Federal, 2024.

Fonte: Rede Nacional de Dados de Saúde- RNDS

Os dados evidenciam uma distribuição desigual na aplicação de doses


por grupos raciais, sendo o maior grupo identificado o de indivíduos pardos
(39.165 doses), seguidos daqueles com registros de raça/cor não informados
(24.965 doses). O maior número de doses aplicadas aos pardos pode ser indi-
cativo da representatividade desse grupo na população local, mas também
pode apontar para questões relacionadas à maior vulnerabilidade desse grupo
em termos de acesso à saúde ou exposição a riscos. A alta proporção de regis-
tros sem identificação de raça/cor é preocupante e compromete análises mais
detalhadas de equidade racial. Isso sugere fragilidades no registro de dados ou
no treinamento dos profissionais responsáveis.
A análise destaca uma disparidade significativa em grupos histori-
camente vulneráveis: Indígenas: A aplicação de apenas 40 doses entre in-
dígenas é um dado alarmante, considerando a necessidade de políticas pú-
blicas que assegurem a imunização de populações tradicionais. Pretos :

42
Ciranda de Saberes

Com apenas 1.521 doses, o número também é baixo, o que pode refletir
barreiras de acesso, baixa busca ativa por imunização ou desinformação.
A desigualdade observada na vacinação pode refletir problemas es-
truturais na saúde pública: Acesso desigual: Populações pretas e indígenas
frequentemente enfrentam maiores barreiras para acessar serviços de sa-
úde, como distância física, falta de informação ou discriminação estrutura l.
Falhas no registro: A ausência de dados para quase 25 mil in divíduos difi-
culta identificar se essas pessoas pertencem a grupos vulneráveis ou se são
subnotificadas deliberadamente ou por negligência.
Conclusão
A análise da campanha de vacinação contra a dengue, especifica -
mente com a vacina QDENGA no Distrito Federal, revelou um impacto po-
sitivo no controle epidemiológico da doença, evidenciado pela redução das
hospitalizações. Observou-se que a priorização da faixa etária entre 10 e 14
anos se mostrou acertada, uma vez que os dados apontam para uma dimi-
nuição significativa nos casos graves dessa população.
Entretanto, vale ressaltar que, apesar dos resultados promissores ,
persiste a necessidade de se aprofundar na análise dos dados epidemioló-
gicos, especialmente em relação à cobertura vacinal e à adesão à segunda
dose, que apresentaram disparidades preocupantes entre diferentes regi-
ões e grupos etários. As lacunas observadas na adesão à vacinação indicam
a urgência de estratégias de comunicação e sensibilização mais robusta s
para promover a evolução da imunização na população jovem.
Diante disso, estudos futuros são imprescindíveis para monitorar a
eficácia da vacina ao longo prazo e para informar a formulação de políticas
públicas que visem ampliar a cobertura vacinal, incluindo outras faixas etárias
e populações vulneráveis. Este trabalho, portanto, representa um passo inicial
importante na avaliação das iniciativas de vacinação contra a dengue no Brasil,
sublinhando a relevância de políticas de saúde pública mais eficazes para en-
frentar futuras epidemias de maneira mais integrada e eficiente.
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45
FISIOTERAPIA E TERAPIA COGNITIVO
COMPORTAMENTAL NO TRATAMENTO DE PACIENTES
COM SÍNDROME DE DOWN: REVISÃO DE LITERATURA
Anna Carolina Sacramento de Souza 1

Introdução
A síndrome de Down (SD) foi descoberta pela primeira vez no sé-
culo 19 por John Langdon Down e associada erroneamente por muito
tempo ao povo mongol, trata-se de uma anormalidade cromossômica mun-
dialmente conhecida presente desde o desenvolvimento intrauterino do in-
divíduo, provavelmente em decorrência da idade materna avançada, acima
de 35 anos, caracterizada pela presença extra de um cromossomo, denomi-
nada de trissomia do par 21, sendo que a quantidade normal de cromosso-
mos é 46, e com a síndrome apresenta-se com 47 cromossomos, gerando
características fenotípicas, psicológicas e comportamentais bem típicas,
tais como variáveis graus de deficiência intelectual, atraso nos marcos do
desenvolvimento neuropsicomotor em sentar, ficar de pé e andar, dificul-
dade na aprendizagem e interação social, alterações cognitivas e de lingua-
gem, comportamentos desorganizados e repetitivos, traços físicos de rosto
arredondado, pescoço curto e largo, boca pequena com língua grande e
protuberante, hipoplasia maxilomandibular, mãos e pés pequenos e baixa
estatura. (Porto, 2018.)
Esses indivíduos apresentam tendência há uma gama de comorbi-
dades como cardiopatias, obesidade, osteoartrite, distúrbios respiratórios
(obstrução de vias aéreas superiores, hipertensão pulmonar), apneia obs-
trutiva do sono, hipotonia muscular, diabetes mellitus tipo 1, além de atin-
gir os sistemas endócrino, imunológico até o nível neurológico. Apesar das
múltiplas comorbidades nas últimas décadas, o avanço dos conhecimentos
científicos e da medicina, proporcionaram um aumento na expectativa de
vida para aproximadamente 60 anos, através do diagnóstico pré-natal, pri-
orizando-se ao longo da vida desses pacientes a presença da equipe multi-
profissional no trabalho das atividades motoras, cognitivas, comportamen -
tais e sociais para uma melhor qualidade de vida dessa população. (Gon-
zález-Ruiz et al, 2019)
Dentro da equipe multiprofissional responsável pelos cuidados
com SD destaca-se a intervenção interdisciplinar dos fisioterapeutas e os
psicólogos que oferecem respectivamente tratamentos para os déficits mo-
tores, cardiorrespiratórios; cognitivos e comportamentais destes pacien-
tes, embora não haja um estereótipo para a síndrome, a fisioterapia pode
1Fisioterapeuta graduada pela Universidade da Amazônia e pós graduada em fisioterapia
hospitalar pela Faculdade Integrada da Amazônia. [email protected],
https://orcid.org/0000-0003-1781-9445

46
Ciranda de Saberes

atuar precocemente no desenvolvimento da neuroplasticidade a partir da


infância e em todas as faixas etárias na coordenação motora, nas habilida-
des motoras básicas, equilíbrio e nos distúrbios do sistema cardiorrespira -
tório, tanto na melhora dessas habilidades como também para intervir nos
distúrbios sistêmicos próprios da síndrome (de Morais, Fiamenghi-Jr,
Campos e Blascovi-Assis, 2016).
Na psicologia destaca-se a abordagem conhecida como terapia
cognitivo comportamental (TCC), sendo uma intervenção capaz de traba-
lhar a relação colaborativa entre terapeuta e paciente, visando a substitui-
ção dos comportamentos inadequados através do empirismo colaborativo,
identificando e interpretando as crenças, emoções, pensamentos e ações,
no enfrentamento dos conflitos pessoais e sociais do cotidiano dos pacien-
tes (Portnoi et al, 2017).
Muitos estudos apontam a TCC como uma intervenção terapêutica
capaz de lidar com os mais variados problemas psicológicos, sociais e fa-
miliares, além de ajudar nos comprometimentos motores, cognitivos e ca-
pacidade funcional, com intervenções que proporcionam um treinamen to
de reabilitação funcional e respiratório, e apoio psicológico para encorajar
os pacientes a gerenciar seus pensamentos pessimistas, colocando a equipe
multidisciplinar para atuar no conforto e interação com os familiares, atra-
vés de uma comunicação efetiva pode incentivar a abertura do paciente
para diminuição do estresse e modificação de suas emoções negativas, afim
de contribuir com o alívio da dor e da incapacidade funcional ( Sol e
Zhuang, 2022).
Metodologia
O presente estudo foi realizado com base em levantamento biblio-
gráfico da literatura, com limitação temporal de 2012 a 2022; critérios de
inclusão: artigos nos últimos 10 anos, nos idiomas inglês e português, pa-
cientes pediátricos acima de 2 anos de idade e adultos; critérios de exclu-
são: artigos de outros idiomas, crianças abaixo de 2 anos e idosos. Identi-
ficação dos descritores: "Physical Therapy”, “Cognitive Behavioral The-
rapy” e “Down Syndrome”, no site de Descritores em Ciências da Saúde
(DeCS): DeCS - Descritores em Ciências da Saúde (bvsalud.org).
Para facilitar a busca dos artigos utilizou-se os operadores bolea-
nos “and”, “not” e “or”, através das bases de dados Biblioteca Virtual em
Saúde (BVS), disponível no endereço eletrônico da Bireme (Biblioteca Re-
gional de Medicina): Portal Regional da BVS (bvsalud.org); Biblioteca Co-
chrane; Scientific Electronic Library Online (SciELO); United States Nati-
onal Library of Medicine (Pubmed) no endereço eletrônico do PubMed:
www.pubmed.gov e Physiotherapy Evidence Database (PEDro) no ende-
reço eletrônico: Português - PEDro.
Em cada base foram considerados título, resumo e textos comple-
tos que se enquadraram em todos os critérios, buscando dentro da

47
Ciranda de Saberes

literatura as evidências mais atuais da fisioterapia no tratamento de paci-


entes com síndrome de Down e sua relação com a abordagem da psicologia
conhecida como terapia cognitivo comportamental (TCC), levando em con-
sideração seus aspectos psicossociais e os impactos na qualidade de vida
desses pacientes visando a busca pela melhor conduta terapêutica para a
SD em ambas as profissões.
Discussão
Acredita-se que a fisioterapia é importante desde a infância para a
população com SD, por isso Stander et al. (2021) descreve que tal síndrome
apresenta prevalência de 10 por cada 10.000 nascidos vivos, sendo que es-
ses indivíduos apresentam complicações de saúde, diminuição das habili-
dades motoras finas e grossas, equilíbrio, condicionamento físico, condici-
onamento cardiorrespiratório, hipotonia muscular generalizada e déficits
posturais, por isso a mesma utiliza estratégias para minimizar e melhora r
a qualidade de vida desses pacientes, como o pilates é um novo método de
intervenção denominado terapia de realidade virtual. Tal terapia atua em
diversas patologias neurológicas por meio do uso de jogos de realidade vir-
tual, ativando o córtex cerebral para trabalhar na coordenação, equilíbrio,
coordenação visual e motora principalmente com o uso combinado das in-
tervenções fisioterapêuticas convencionais.
Outros autores como de Morais, Fiamenghi-Jr, Campos e Blascovi-
Assis. (2016) afirma que a prevalência do down é de 1 para 800 nascidos
vivos, além de frisar a importância da interdisciplinaridade dos profissio-
nais de saúde, tais como fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, psicólogo,
e assistente social na comunicação com a família desde os três primeiros
anos de vida, fase do pico de desenvolvimento motor e cognitivo da criança,
com a finalidade de oferecer meios para lidar com sentimentos de frustra -
ção, culpa ou impotência dos pais perante a síndrome e contribuir com a
melhora da qualidade de vida da criança. O mesmo também propõe uma
intervenção fisioterapêutica para a estimulação precoce, sensorial e do
equilíbrio, através de programas de fisioterapia aquática, Bad Ragaz e
Watsu, além de técnicas no solo, de cinesioterapia convencional, equotera -
pia, Bobath, Kabat, Shantala, utilizando instrumentos específicos para
cada técnica e exercícios lúdicos para as crianças.
Segundo os estudos de Arias (2013) os principais comprometimen -
tos da SD envolvem os sistemas cardiorrespiratório e musculoesquelético,
pelo risco de fraqueza muscular generalizadas em membros superiores e
inferiores, diminuição de força, instabilidade articular, além do risco de
doenças pulmonares restritivas, com obstrução de vias aéreas superiores
(relacionada ao sono) e inferiores (por exemplo a pneumonia), tosse inefi-
caz, diminuição de volumes e capacidade pulmonar total, em todas as fai-
xas etárias aumentando as comorbidades com o avanço da idade e o surgi-
mento de doenças secundárias, como por exemplo, diabetes tipo 2, doenças
cardiovasculares e osteoporose.

48
Ciranda de Saberes

O mesmo pesquisador também descreve em seu estudo que a de-


tecção desses comprometimentos é feita através da manovacuometria para
avaliação das pressões expiratória e inspiratória máximas, e pelo teste de
espirometria para verificação da relação CVF/VEF 1 (capacidade vital for-
çada pelo volume expiratório no primeiro segundo), trazendo a proposta
de um treinamento orientado com profissionais ou á domicílio da muscu-
latura respiratória, utilizando protocolos semelhantes de exercícios aeró-
bicos combinados com a ergo espirometria, pelo menos 3 vezes por semana
com equipamentos de fisioterapia (pesos e halteres) e incentivadores res-
piratórios (espirometria), e treinamento de baixa intensidade em 3 séries
de 30 repetições, visando fortalecimento da musculatura diafragmática e
adutores, abdutores, flexores e extensores quadril e joelho e plantiflexão de
tornozelo, durante quase 1 hora por 12 semanas consecutivas.
A síndrome de Down por apresentar tais características bem pecu-
liares Shields (2021) expõe que em adultos a partir dos 55 anos de idade a
probabilidade de adquirir Demência e Alzheimer é cerca de 45%, defeitos
cardiovasculares congênitos podem afetar de 40 a 55% dos recém-nasci-
dos, doenças cardiorrespiratórias são as principais causas de internações
em todas as faixas etárias e de óbitos em idosos, além de outras condições
como mielopatia cervical, escoliose idiopática (cerca de 7% em adultos) e
deficiências auditiva, visual, de linguagem e alterações comportamenta is
muito comuns ao SD. Por todos estes expostos se faz de suma importância
uma intervenção fisioterapêutica precoce desde a detecção da síndrome
após o nascimento respeitando todos os marcos do desenvolvimento neu-
ropsicomotor até o envelhecimento, mantendo o foco nas habilidades mo-
toras e cognitivas nas crianças e jovens, e nos idosos o foco no retardo de
doenças neurológicas, com a finalidade da melhora na qualidade vida.
Atualmente entende-se a importância da interdisciplinaridade en-
tre as profissões com a finalidade de oferecer um tratamento mais ade-
quado às necessidades dos pacientes e sua melhor qualidade de vida, e di-
ante disso a fisioterapia e a psicologia são uma das profissões que se inter-
ligam para tal finalidade. Por isso, dentre as diversas abordagens psicote-
rapêuticas a terapia cognitivo comportamental (TCC) apresenta -se como
uma abordagem de excelente base científica para vários distúrbios de com-
portamento e na resolução de diversas questões familiares, e quando é
combinada com a fisioterapia há fortes evidências para o tratamento de
processos crônicos, como a fibromialgia, síndrome do cólon irritável, mi-
grânea, dor lombar inespecífica, além de trazer conhecimentos sobre o cog-
nitivo e o comportamento humano.
A TCC é uma terapia criada pelo psiquiatra Aaron Beck na década
de 60 que engloba terapias cognitivas e comportamentais da psicologia ,
cujas raízes filosóficas e teóricas se baseiam no taoismo, budismo e estoi-
cismo grego, tornando-se uma ciência de análise naturalista e determinis ta
do comportamento humano nos transtornos mentais e de comportamen to,
tais como crises de pânico, ansiedade, depressão, e até mesmo na conduta

49
Ciranda de Saberes

do tratamento da dor crônica. Sua finalidade é oferecer técnicas e ferra-


mentas para enfrentamento das emoções e reestruturação dos pensamen -
tos, das crenças e dos comportamentos disfuncionais, substituindo-os por
pensamentos mais adaptativos, partindo do pressuposto de que os proble-
mas da psique humana são compreendidos através dos pilares fisiológico,
comportamental e cognitivo (Teixeira, 2021).
Esta abordagem traz no processo terapêutico a relação colabora-
tiva entre terapeuta e paciente, denominada de empirismo colaborativo, do
qual ambos apresentam suas crenças e experiências para juntos trabalha-
rem no processo psicoterapêutico, e caso seja necessário devem se dispor
empiricamente a modificar suas hipóteses quando se observa que não fo-
ram alcançados resultados satisfatórios nas duas primeiras sessões.
A duração média de tratamento da TCC geralmente é em torno de
12 sessões dependendo da evolução do paciente, onde as condutas utiliza-
das proporcionam ao paciente desde o início identificar e compreender de
que modo os pensamentos automáticos, suas emoções e ações interferem
nas suas respostas comportamentais, permitindo através de técnicas de re-
laxamento, exposição graduada e autorregulação o desenvolvimento de ha-
bilidades para o enfrentamento da dor crônica, e dos transtornos mentais
e de comportamento (Portinoi et al, 2017).
Muitos estudos demonstram a importância da fisioterapia e da te-
rapia cognitivo comportamental aliando técnicas de relaxamento e regula-
ção da dor crônica, são de suma importância para a qualidade de vida dos
pacientes em um programa multidisciplinar envolvendo as profissões,
através da redução da dor e incapacidade, trabalhando as crenças e pensa-
mentos disfuncionais para autogerir comportamentos que levam a cinesi-
ofobia (medo ao movimento), sentimentos de medo, ansiedade e pânico.
Tal programa após uma anamnese adequada dos profissionais transmite
possíveis hipóteses de uma reabilitação individual em torno de 10 semanas
até quase 1 ano, devendo incluir um aumento gradual da complexidade dos
exercícios, e do enfrentamento das disfunções psíquicas, focando em tare-
fas com feedbacks verbais e visuais (Monticone et al, 2022).
Muitos evidências que interligam ambas as profissões estão base-
adas em problemas físicos, principalmente para dor lombar idiopática, en-
globando crenças de medo, depressão, pensamentos catastróficos, estress e
familiar, problemas de inserção social e incapacidade física, sendo que tais
problemas podem ser conduzidos por intervenções que levem em conside-
ração a educação dos pacientes e familiares, atenção plena e aconselha-
mento nos cuidados da fisioterapia e da TCC (Ho et al, 2022).
Cada profissional utiliza seus próprios meios para avaliação e con-
duta segundo os casos de cada paciente, no entanto, alguns instrumentos
em comum são encontrados durante a anamnese dos fisioterapeutas e te-
rapeutas cognitivos comportamentais principalmente relacionados a dor
crônica, conforme Portinoi et al (2017) também apresenta os seguintes

50
Ciranda de Saberes

instrumentos avaliativos: escala visual analógica (EVA), que de maneira


simples averigua visualmente o nível de intensidade da dor (0- sem dor;
10- dor insuportável); e escala de qualidade de vida SF-36, que em 36 itens
avalia e pontua capacidade funcional, aspectos físicos, dor, estado geral de
saúde, aspectos sociais e emocionais, vitalidade e saúde mental.
Além dos distúrbios musculoesqueléticos e cardiovasculares já ex-
postos sobre a síndrome de down, o principal comprometimento que difi-
culta a capacidade funcional, o comportamento e a cognição de crianças e
adolescentes com SD são os distúrbios do sono, como insônia, parasônia e
apneia obstrutiva do sono, que detectados pelos exames de imagem polis-
sonografia, tomografia computadorizada e ressonância magnética, apre-
sentam efeitos sistêmicos negativos nos pacientes, entre eles obesidade, hi-
potireoidismo, imunodeficiência e risco de doenças cardíacas; estas altera-
ções decorrentes da anatomofisiologia do sistema respiratório e hipotonia
da musculatura, provocam uma respiração ruidosa, impedindo uma ade-
quada higiene do sono e, consequentemente sonolência diurna, baixa con-
centração, aumento da ansiedade e depressão em níveis maiores que as de-
mais crianças e adolescentes, piorando desse modo as funções cognitivas,
o desempenho escolar, aprendizagem verbal e comportamentos adaptati-
vos característicos da SD. O principal tratamento não medicamentoso e
com ótimos resultados para a apneia obstrutiva do sono é o uso da pressão
positiva contínua nas vias aéreas- CPAP (Santos et al, 2022).
Rodrigues, Neves e Onofri (2019) levam em consideração que os
comprometimentos descritos na SD variam em decorrência dos tipos de
trissomia, classificando em simples; mosaico que afeta entre 1 e 2% dos
casos, onde as células apresentam distribuições diferentes do cromossomo
extra do par 21 no organismo; e translocação em torno de 3 a 4% que apre-
senta rearranjos cromossômicos ligando-se uns aos outros com ganho de
material genético. Sendo que essas classificações genéticas interferem nos
processos cognitivos ligados à atenção, memória, linguagem, aprendiza-
gem verbal, não verbal e habilidades sociais necessárias à socialização do
indivíduo com SD, e podem ser trabalhadas através da psicologia cognitivo
comportamental.
Portanto se conclui que a TCC atua eficazmente se interligando
com as técnicas da fisioterapia em todos os atrasos cognitivos, intelectuais,
sociais e comportamentais, através de um diagnóstico precoce e acompa-
nhamento nas fases escolares, e até mesmo em adultos que busquem esse
acompanhamento, oferecendo estímulos para enfrentamento das emoções
e dos comportamentos desordenados, bem como dos distúrbios cinético-
funcionais respiratórios e musculoesqueléticos, seja através de ferramen -
tas para orientação dos pais e familiares de crianças e adolescentes em
idade escolar a respeito das características da síndrome, ou seja por meios
das condutas de ambas as profissões, visando favorecer a comunicação as-
sertiva na prática clínica da aliança terapêutica entre os pa cientes e os pro-
fissionais fisioterapeutas e psicólogos que utilizam a abordagem da terapia

51
Ciranda de Saberes

cognitiva comportamental, assim como no meio social deles. Trabalhando


o desenvolvimento da escrita, leitura, raciocínio,socialização e da quali-
dade de vida (QV) do público infantojuvenil e adulto, a fim de ordenar os
comportamentos repetitivos, e demais transtornos físicos, mentais e soci-
ais da SD, no trabalho interdisciplinar para aprimoramento de habilidades
e capacidades cognitivas e funcionais.
Resultados
Esta revisão de literatura encontrou diversos artigos do tipo en-
saios clínicos randomizados e controlados, revisões sistemáticas, estudos
observacionais e relatos de casos nas bases de dados pesquisadas e nos e-
books, dentro do período de 10 anos e em sua maioria na língua inglesa,
relacionados a fisioterapia, a síndrome de down e a terapia cognitivo com-
portamental (TCC), sendo que a principal ligação entre a fisioterapia e a
TCC foi observada nos processos de dor lombar, dor crônica em geral, em
pós-operatório de cirurgias e no estresse pós traumático.
Ambas as profissões trabalhando em conjunto demonstraram ser
cada vez mais essenciais no tratamento, qualidade de vida e bem-estar dos
pacientes seguindo as condutas individuais de cada profissional nas mais
variadas patologias na área da saúde; assim como a fisioterapia oferece ex-
celentes alternativas de intervenção para pacientes com síndrome de down
em todos os seus comprometimentos motores cognitivos e funcionais.
Observa-se concomitantemente que para crianças e adolescentes o
acompanhamento dos dois profissionais é de suma importância no desen-
volvimento neuropsicomotor e nos idosos propicia o retardo de doenças
neurodegenerativas, em prol da qualidade de vida e das modificações dos
padrões de crenças e pensamentos disfuncionais em comportamentos mais
adequados para os pacientes no âmbito familiar e social.
No entanto, sobre a relação entre a TCC e a SD foram encontrada s
poucas evidências sólidas a respeito de condutas e protocolos adequados
para os pacientes dentro desta abordagem psicoterapêutica para cada faixa
etária e os comprometimentos já descritos neste artigo.
Conclusão
Portanto diante dos achados pesquisados observa-se fortes evidências
na interdisciplinaridade da fisioterapia com a psicologia cognitivo comporta-
mental, principalmente na dor crônica e seus fatores biopsicossociais, as alter-
nativas de intervenção fisioterapêuticas também se apresentam satisfatórias
para a síndrome de down, porém, se faz necessário mais estudos com bases mais
sólidas a respeito da relação entre as profissões para os comprometimentos mo-
tores, cognitivos, sociais e comportamentais específicos da SD, visando a quali-
dade de vida e o aumento da autonomia pessoal e social em todos os ambientes
de convivência dos pacientes, bem como o aprimoramento do trabalho profissi-
onal interdisciplinar nas patologias que envolvem a SD ou quaisquer outros ca-
sos na área da saúde.

52
Ciranda de Saberes

Referências
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síndrome de Down. Revista Neurociências, v. 21, n. 4, p. 525-530, dez.,
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Portnoi, Andréa G. in: Portnoi, Andréa G. (org). A psicologia da dor.
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revisão sistemática. Revista Arquivos de neuro-psiquiatria, v. 80, n.
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Stander, Jessica, et al . Efeito da terapia de realidade virtual, combinada
com fisioterapia para melhorar a proficiência motora em indivíduos com
síndrome de Down: Uma revisão sistemática. Revista South African
Journal of Physiotherapy, v. 7, n. 1, mai., 2021.
Sol, Meng e Zhuang, Li . Efeito da Terapia Cognitivo Comportamental no
Transtorno de Estresse, Função Cognitiva, Função Motora e Capacidade de
vida diária de pacientes com lesão cerebral traumática. Revista Medi-
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53
Ciranda de Saberes

Shields, Nora . Manejo fisioterapêutico da síndrome de down. Revista


Journal of physiotherapy, v. 67, e. 4, p. 243-251, out., 2021.
Teixeira, Paulo Tadeu Ferreira. A terapia cognitiva comportamental e a re-
levância no processo terapêutico. Revista científica multidisciplinar
núcleo do conhecimento, a. 6, ed. 3, v. 01, p. 86-97, mar., 2021.

54
VIGOTSKI E EDUCAÇÃO DA CRIAÇÃO LITERÁRIA:
PERSPECTIVAS SOBRE A PEDAGOGIA DA PRODUÇÃO
ARTÍSTICO-CULTURAL EM UMA ESCOLA DE
ENSINO BÁSICO
Bernardo Rodrigues de Oliveira 1
Rita de Cássia Gomes2
1. Introdução
Na história da educação, diversos pensadores se arriscaram a con-
tribuir para o debate com teorias e metodologias pedagógicas ainda rele-
vantes nos dias atuais, e.g., Paulo Reglus Neves Freire (1921 – 1997), Jean
William Fritz Piaget (1896 – 1980), John Dewey (1859 – 1952), Maria Tecla
Artemisia Montessori (1870 – 1952). Todos, conforme seus respectivos
contextos e perspectivas, buscaram repensar e aprimorar cada vez mais o
debate educacional.
É inegável que, na marcha para uma educação mais qualificada,
profissionais e estudiosos atuais da área não podem cessar de analisar cri-
ticamente os métodos em voga, sem perder de vista, contribuições e ferra-
mentas de teóricos fundamentais a que devem recorrer.
A BNCC expressa, dentre as competências gerais da educação bá-
sica, a necessidade de valer-se das manifestações artísticas e culturais,
desde as locais até as mundiais, além de permitir a participação em práticas
diversificadas da produção artístico-cultural (Brasil, 2017).
Um dos teóricos de potencial utilidade para repensar criticamen te
a educação atual, em especial no que diz respeito às práticas de produçã o
artístico-cultural de foco literário, de forma a construir novas dinâmicas
metodológicas, é o psicólogo soviético Lev Semyonovitch Vigotski (1896 –
1934), que, em seus estudos sobre a psicologia infantil e suas aplicações
pedagógicas, a partir de 1924, desenvolveu uma aplicação relevante do mé-
todo materialista histórico e dialético para o estudo da psicologia (Cole;
Scribner, 2010).
Utilizando-se de pesquisas de campo e bibliográficas, este trabalho
busca responder a seguinte questão: Qual a presença das teorias pedagógi-
cas vigotskianas, em especial quanto à educação da criação literária, nas
salas de aula atuais?
Como hipótese acredita-se:

1 Bernardo Oliveira é acadêmico do curso de licenciatura em Letras - Português e Inglês


pelo Centro Universitário Eniac. Atualmente atua na Escola Municipal Ophélia Reale Mon-
tanhesi. Interessado em estudos sobre literatura, escrita criativa, expressões culturais bra-
sileiras e psicologia.Contato: [email protected]
2 Professora Mestra dos cursos de Engenharia, Pedagogia, Sistemas de Informação e Gestão,

Centro Universitário ENIAC, e-mail: [email protected]

55
Ciranda de Saberes

Hipótese 1: As práticas pedagógicas de criação literária se encon-


tram, essencialmente, em acordo com as teorias vigotskianas.
Hipótese 2: Há divergências significativas.
Hipótese 3: Há abordagens híbridas, apresentando elementos
tanto convergentes quanto divergentes com relação às teorias vigotskianas.
A resolução apenas poderá se dar a partir da contemplação, tal como
da analise crítica comparativa, sem juízos de valor empregados, de múltiplas
perspectivas pedagógicas e práticas educacionais delas decorrentes.
2.Objetivos
Este trabalho tem como objetivo geral relacionar o estudo das con-
tribuições de Vigotski à pedagogia de criação literária aplicada por uma es-
cola municipal de ensino básico localizada no município de Ilhabela, SP,
tendo como fim a reflexão sobre a relação entre os objetos de estudo. Isto
é, de que forma se contradizem, concordam ou complementam.
Tem-se como objetivos específicos:
• Esmiuçar a teoria vigotskiana, de forma a encontrar ferramenta s
de interesse.
• Estudar os métodos e perspectivas pedagógicas da escola obser-
vada, a partir de entrevistas com professores.
• Apontar congruências e incongruências entre os objetos pesqui-
sados.
• Chegar a uma síntese crítica a partir das pesquisas realizadas.
3.Metodologia
Os métodos empregados neste trabalho são divididos
em duas partes principais:
• Pesquisa de caráter bibliográfico, entendida como uma investi-
gação científica de obras anteriormente publicadas (Sousa; Oli-
veira; Alves, 2021). Neste momento, a teoria vigotskiana será es-
miuçada e apresentada desde seus fundamentos até as implicações
relacionadas à pedagogia da criação literária.
• Pesquisa de campo, entendida como o processo de construção de
um relato composto por depoimentos pessoais e visões subjetiva s
de interlocutores (Minayo, 2012). Nesta fase, professores do en-
sino básico serão entrevistados, tendo como fim, um panorama ge-
ral da relação entre as práticas pedagógicas relativas à criação lite-
rária aplicadas na instituição e as defendidas por Vigotski.
4.Desenvolvimento
4.1.Fundamentos do Método Vigotskiano
4.1.1.Materialismo Histórico e Dialético
O método de análise da teoria vigotskiana baseia-se no materia -
lismo histórico e dialético (Cole; Scribner, 2010), desenvolvido por Karl
Marx (1818 – 1883) e Friedrich Engels (1820 – 1895) a partir da dialética

56
Ciranda de Saberes

de Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770 – 1831) (Sartori, 2020), definida


como um movimento pelo qual novas realidades se explicitam, produtos
da contradição existente na realidade anterior (Nóbrega, 2011).
Os autores do método desenvolveram-no a partir do rompimen to
com a escola hegeliana, pelo entendimento de que Hegel era um idealista.
Isto é, para ele, as ideias não equivaliam a retratos dos processos reais, mas
os processos reais é que seriam retratos da “Ideia” metafísica preexistente,
colocando, nesta perspectiva, o nexo real do mundo de forma completa -
mente invertida (Engels, 2015).
Desta forma, abandonaram a busca hegeliana pela "verdade abso-
luta" (Sartori, 2020) e passaram a se utilizar da dialética para analisar a
realidade segundo a compreensão de que a infraestrutura condiciona a su-
perestrutura, levando, portanto, em consideração os contextos materiais e
históricos de determinado objeto de estudo observado para uma compre-
ensão geral adequada do mundo.
4.1.2.Novos Métodos de Investigação
Vigotski, junto a Alexander Romanovich Luria (1902 – 1977), se
utilizou de métodos heterodoxos de experimento no estudo da psicologia
infantil. Concentrou seu esforços, mais em abrir novas linhas de investiga-
ção, que em perseguir uma linha particular até esgotá-la (Cole; Scribner,
2010).
Os princípios de sua abordagem básica derivam de sua teoria da
natureza dos processos psicológicos superiores (buscando compreendê-los
a partir da determinação de sua origem e do mapeamento de sua história)
e da tarefa pela explicação científica. Cabendo, assim, ao método experi-
mental o papel de desvendar os processos que são comumente encobertos
pelo comportamento habitual (Cole; Scribner, 2010).
Tinha críticas à experimentação científica de seu tempo (cujos mé-
todos foram baseados no que chamou de "estrutura estímulo-resposta") e,
ao invés de modificar seus métodos, propôs a criação de novos. Defendia
que a “estrutura estímulo-resposta” (adotada, estruturalmente, tanto pela
psicologia introspectiva quanto pela objetiva) havia sido um avanço revo-
lucionário nos idos de 1980, mas não poderia servir de base para o estudo
adequado das formas superiores do comportamento humano, sendo ape-
nas adequada ao estudo dos processos elementares com características psi-
cofisiológicas.
Baseado no materialismo histórico e dialético (ver subseção 5.1.1.),
propôs que o desenvolvimento psicológico dos humanos é indissociável do
desenvolvimento histórico geral da espécie. O que significaria a necessi-
dade de desenvolver uma nova metodologia para a experimentação psico-
lógica. Concluiu que, de forma geral, qualquer abordagem fundamenta l-
mente nova de um problema científico levará, invariavelmente, a novos
métodos de investigação (Vigotski, 2010).

57
Ciranda de Saberes

4.1.3.Princípios Fundamentais
Seu novo método baseou-se nos seguintes princípios: a análise de
processos, ao invés da análise de objetos; a explicação, ao invés da mera
descrição; e o problema dos comportamentos repetitivamente copiados de
forma mecânica por um tempo histórico prolongado.
O primeiro princípio considera a distinção entre a análise psicoló-
gica de objetos e a análise de processos. Suas principais diferenças ba-
seiam-se no requerimento da segunda de uma análise dinâmica dos aspec-
tos fundamentais constituintes da história dos processos. Considerou a psi-
cologia do desenvolvimento, ao invés da psicologia experimental, mais
adequada, nesse sentido, de forma que a abordagem do desenvolvimen to
torna-se um adendo indispensável à psicologia experimental. A implicação
do princípio resume-se no mapeamento das mudanças e na reconstruçã o
de cada estágio durante o desenvolvimento de um processo psicológico,
provocado ou criado artificialmente a partir do método chamado de "de-
senvolvimento-experimental", de forma a fazer com que o processo retorn e
aos seus estágios iniciais (Vigotski, 2010).
O segundo princípio contrapõe-se à análise descritiva da qual con-
siste a psicologia introspectiva e associacionista. O autor critica sua inca-
pacidade de revelar satisfatoriamente as causas e dinâmicas que referem -
se aos fenômenos. Desta sorte, deve-se analisá-los a partir do ponto de
vista do desenvolvimento, isto é, expor as causas de seu engendramento.
Trata-se da melhor adequação da análise genotípica que da análise feno-
menológica, da análise científica que da análise introspectiva subjetiva .
Afinal, no campo da análise psicológica, deve-se rejeitar meras descrições
nominais, de forma a buscar a compreensão das relações dinâmico-cau-
sais, sem, nesta perspectiva, ignorar as manifestações externas dos objetos
de estudo ou limitar-se a uma perspectiva do desenvolvimento.
O terceiro princípio baseia-se em um fenômeno que cunhou de
"comportamento fossilizado" (Vigotski, 2010). Tratam-se de processos que
se esmaeceram, tornando-se mecanizados, automatizados, conforme são
reiterados continuamente no decorrer de um período prolongado, des-
prendendo-se de suas origens e sentidos. Para melhor analisá-los, é essen-
cial a utilização dos princípios anteriormente citados, de forma a compre-
endê-los em suas individualidades, a partir de sua origem. Deve-se concen-
trar-se mais nos processos que nos produtos do desenvolvimento. O obje-
tivo da análise dinâmica, neste processo, é retornar os comportamentos às
suas origens.
4.1.4.Desdobramentos dos Princípios: Uma Psicologia Historicamente
Fundamentada
Vigotski (2010) defendeu que os processos psicológicos inferiores ,
isto é, funções elementares que os seres humanos compartilham com de-
mais espécies, não são remanescentes da evolução biológica, mas remanes -
centes do desenvolvimento histórico do comportamento. Assim, uma

58
Ciranda de Saberes

perspectiva histórica da psicologia deve partir do estudo destas funções.


Em contraponto a pesquisadores do desenvolvimento da criança que se
opunham ao conceito de uma psicologia historicamente fundamentada ,
descreveu o requisito básico do método dialético (ver subseção 5.1.1.) se-
gundo a ideia de que estudar algo do ponto de vista histórico significa es-
tudá-lo no processo de mudança.
Diferenciou-se da psicologia descritiva, que entendia o desenvolvi-
mento como resultado de uma estrutura meramente psicológica, e da psi-
cologia associacionista, que entendia-o como resultado da simples soma de
processos elementares, na medida em que concluiu, a partir do exposto,
que o resultado do desenvolvimento trata-se de uma forma qualitativa -
mente nova deste processo.
4.2.Implicações Pedagógicas
4.2.1.Zona de Desenvolvimento Proximal
A partir de seus novos métodos de investigação e de seus princípios
fundamentais (ver subseção 5.1.), desenvolveu o conceito de Zona de De-
senvolvimento Proximal (ZDP). Enquanto a Zona de Desenvolvimen to
Real é caracterizada pelo conjunto de conhecimentos e habilidades já ad-
quiridas pelo indivíduo no processo de resolução autônoma de um pro-
blema ou atividade, a ZDP define o potencial em estado embrionário de
desenvolvimento deste conjunto (Vigotski, 2010).
Ela pode ser constatada a partir da capacidade ou não da criança
de resolver um problema que não seria capaz sozinha, tendo, como media -
dor deste processo de resolução, um mentor e, de tal sorte, acesso a um
conhecimento assistido (Vigotski, 2010).
Para Vigotski, um bom ensino é aquele que, ao se dirigir às funções
psicológicas de completude iminente, adianta o desenvolvimento cognitivo
da criança em um processo social coletivo, em oposição à visão mais indi-
vidualizada de Jean William Fritz Piaget (1896 – 1980) (Rodrigues; Silva;
Silva, 2021).
4.2.2.Educação da Criação Literária
Vigotski (2018) apresentou um caso de interesse real para defen -
der sua perspectiva quanto ao que definia como educação da criação lite-
rária: relatos de Lev Nikoláievitch Tolstoi (1828 – 1910) presentes em
Obras Pedagógicas.
Tolstoi relata que pediu a crianças camponesas uma composiçã o
baseada em um provérbio selecionado. De primeira, as crianças negaram-
se a fazê-lo, por acreditarem-se incapazes. Então, o escritor russo compôs
a primeira página. De pronto, as crianças passaram a desenvolver o res-
tante da obra coletivamente enquanto ele apenas registrava sua criação.
De acordo com seu relato, as crianças semianalfabetas revelaram,
a partir da atividade, uma força artística consciente incomensurável, des-
crevendo o desenvolvimento da história com animação, não da forma como

59
Ciranda de Saberes

se narra, mas como se escreve. Sentiram-se, de fato, participantes ativos


do processo criativo.
A despeito de algumas discordâncias teóricas de Vigotski (2018)
com relação a conclusões de Tolstoi ao fim da experiência descrita (às quais
este trabalho não se aterá), o psicólogo expôs que esta não pode ser deno-
minada de outra maneira que não "educação da criação literária", ao que o
escritor despertou nas crianças uma forma de expressão de sua experiência
e de sua relação com o meio que lhes era completamente nova, guiando-as
em todo processo de criação. Este despertar da força artística inerente à
criança, ao invés da infusão artificial de ideias, é o que concluiu como a
educação entendida correta e cientificamente.
5.Resultados
Foram realizadas entrevistas estruturadas com cinco professores
de diferentes turmas de uma escola de ensino básico localizada no municí-
pio de Ilhabela, São Paulo. Todos os entrevistados possuem pedagogia
como formação. Será chamado “Entrevistado 1”, o professor do primeiro
ano, “Entrevistado 2”, o do segundo e assim sucessivamente até o quinto
ano, último do ensino básico. O trabalho optará por omitir quaisquer dados
pessoais, para manter o anonimato dos interlocutores.
A partir da pesquisa, foi possível chegar a uma quantidade signifi-
cativa de sínteses. A saber:
5.1.Uso Deliberado da Teoria Vigotskiana
É facilmente aferível, analisando respostas associadas a perguntas
sobre a familiaridade com a teoria vigotskiana e suas implicações práticas, a
inexistência, dentre os entrevistados, de uma aplicação deliberada das ferra-
mentas relativas às teorias de Vigotski, mesmo nos processos pedagógicos
não necessariamente correspondentes à educação da criação literária.
Isto pois, a partir dos relatos, nota-se que nenhum dos entrevista -
dos, apesar de terem tido contato com a teoria vigotskiana durante o pro-
cesso de suas formações acadêmicas, as possuem, mesmo vagamente, em
suas memórias com clareza.
5.2.Perspectivas Coincidentes
Apesar do uso deliberado faltante das ferramentas vigotskianas,
nota-se, a partir das respostas associadas a perguntas sobre objetivos e es-
tratégias pedagógicas aplicadas da educação da criação literária, coinci-
dências pontuais entre as práxis educacionais (e, em alguns casos, entre as
perspectivas pedagógicas abstratas das quais estas se derivam dialetica-
mente) de alguns dos entrevistados e as que defende o psicólogo. Em espe-
cial, com relação aos entrevistados 2, 4 e 5.
Segue análise:
• Entrevistado 2: Possui, como abordagem da educação da criação
literária, atividades fortemente atreladas à coletividade, dentre as
quais, destaca-se, pelo potencial de desenvolvimento da ZDP (ver

60
Ciranda de Saberes

subseção 5.2.1.), a criação literária coletiva mediada pelo profes -


sor, descrita de forma correlata aos relatos presentes em Obras Pe-
dagógicas expostos anteriormente (ver subseção 5.2.2).
• Entrevistado 4: Ao analisar os desafios existentes à educação da
criação literária, reconhece parte significativa da falta de contato
com a literatura, de forma geral, com fatores socioculturais. Em
sua práxis, utiliza-se de estratégias fortemente relacionadas ao co-
letivo, como rodas de conversa e leitura por capítulos, que também
aparentam fortemente consistentes com o desenvolvimento da
ZDP.
• Entrevistado 5: Entende a importância da educação da criação
literária a partir do desenvolvimento de habilidades sociais, como
comunicação, expressão de forma geral e inteligência emocional.
Em sua práxis, parte dos interesses dos alunos para desenvolver
atividades de criação coletiva, tendo, o professor, papel de media -
dor deste processo. Da mesma forma, sua práxis parece fortemen te
consistente com o desenvolvimento da ZDP.
5.3.Perspectivas Dissidentes
Percebe-se, por outro lado, ainda a partir das respostas associadas
a perguntas sobre objetivos e estratégias pedagógicas aplicadas da educa -
ção da criação literária, práxis que vão ao revés ou têm pouca relação com
as defendidas pelo psicológico. Em especial, dos entrevistados 1 e 3.
Segue análise:
• Entrevistado 1: Possui como principal estratégia da educação da
criação literária, uma progressão gradual dos alunos (fortemen te
guiada pela BNCC) a partir de um processo de compreensão e re-
petição de textos. A abordagem descrita, por pouca ou nenhuma
menção a qualquer forma de interação social ou mediação colabo-
rativa, aparenta possuir foco mais estrutural que coletivo, e mais
técnico que criativo.
• Entrevistado 3: Possui como principal estratégia relatada para a
educação da criação literária, a proposição de obras densas e com-
plexas, tal como a análise posterior de seu léxico e estrutura. A par-
tir das exposições, conclui-se natureza mais técnica que criativa e,
pela ausência de menções a processos de interação social, pre-
sume-se natureza mais individual que coletiva.
5.4.Perspectivas Intermediárias
Talvez tanto pelo contato com múltiplas teorias quanto pelo afas-
tamento das contribuições vigotskianas ao decorrer do tempo, a despeito
de aproximações ou distanciamentos entre as perspectivas e práticas peda-
gógicas dos interlocutores e as defendidas pelo psicológico, conforme ex-
posto anteriormente, é possível afirmar que, de certa forma, todos os en-
trevistados adotam posicionamentos mais ou menos híbridos ou interme-
diários, sem discordâncias ou concordâncias conscientemente delimitadas .

61
Ciranda de Saberes

6.Considerações finais
O trabalho reconhece-se bem sucedido no que diz respeito à con-
templação de um panorama geral das perspectivas pedagógicas dos docen-
tes entrevistados. Entende-se a hipótese 3, das estratégias pedagógicas
com características híbridas, isto é, com elementos tanto convergentes
quanto divergentes quando relacionados às teorias de Vigotski, como a hi-
pótese mais adequada, e identifica-se esta qualidade híbrida como produto
de convergências mais intuitivas que propriamente técnicas e deliberadas .
Por outro lado, o trabalho é limitado no que diz respeito a uma
compreensão aprofundada da práxis cotidiana de cada um dos professores ,
servindo mais como um exercício de comparação entre diferentes pontos
de vista quanto à função da educação de forma geral que como uma análise
acurada das estratégias aplicadas em sala de aula.
Seriam necessárias, para este segundo fim, investigações mais ati-
vas, minuciosas e extensas, com acompanhamento frequente à rotina das
práticas pedagógicas e um enfoque mais centrado nas aulas per se que nos
relatos dos docentes com relação a elas.
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62
Ciranda de Saberes

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63
A ESCUTA SENSÍVEL COMO PRÁTICA FORMATIVA
EDUCACIONAL: UM CONTRATO SIGNIFICATIVO
COM O AFETO
Bruno Gabriel Gomes Cardoso 1
Introdução
Enquanto habilidade física, escutar é uma tarefa que captamos
através da sonoridade, como a música, os barulhos produzidos natural-
mente, a fala de um diálogo, entre outros elementos. Contudo, o avanço
tecnológico e a ideia da robotização da vida têm ferido a educação drasti-
camente. O pressuposto de facilitar a vida à pronta entrega de tudo que
necessitamos, desde medicamentos, refeições, acessórios etc., mostra que
cada vez estamos mais distantes uns dos outros. Deixamos de lado a habi-
lidade humana de reconhecer-se no outro e passamos a escolher apenas
aqueles com quem já temos afinidade. Dialogamos somente com quem
confirma nossas opiniões, de modo que evitamos o contato com o dife-
rente. O exercício de conhecer fica cada vez mais escasso e nos desafiamos
menos em compreender o outro. Com isso, ameaçamos o comportamen to
atento e compassivo de exercer a dinâmica escuta, pois damos vazão ao
isolamento social capturado pelas telas telefônicas e delivery, do diálogo —
se achar necessário — através dos chats de aplicativos.
Sendo assim, o objetivo deste estudo se concentra em analisar es-
cuta sensível como uma capacidade (auto)formativa para liberdade, a qual
potencializa as relações sociais. Mais que sugerir respostas, é possível fazer
a experiência do silêncio profundo, a fim de garantir que docentes e dis-
centes consigam fazer, desse oportuno evento, a aproximação das relações.
É preciso considerar que, na educação, a escuta pode ser compre-
endida como um ato pedagógico essencial, um caminho para o ensino e a
formação de ambos os sujeitos: docentes e discentes. Embora a formação
inicial do professor aborde, com frequência, a importância de reconhecer
a trajetória do outro, o verdadeiro desafio está em como garantir, ao dis-
cente, o direito de ser quem é — de se expressar e de conviver para além
das limitações do currículo tradicional. Nesse sentido, este ensaio busca
responder à seguinte questão: diante dos desafios das relações humanas,
de que maneira a escuta sensível se torna imprescindível?

1 Mestrando em Educação na Universidade de Passo Fundo, pelo Programa de Pós-gradua-


ção Em Educação/UPF. Tem especialização em Gestão Escolar pela Faculdade de Adminis-
tração, Ciência e Educação (FAMART), polo Porto Alegre. Graduado em Pedagogia pelo Cen-
tro universitário Leonardo da Vinci, polo Alvorada. É membro do Grupo de Estudos e Pes-
quisas em Filosofia e Educação (UPF/RS). Membro do grupo de estudo Café com Paulo Freire
Alvorada (IFRS – Campus Alvorada). E-mail: [email protected]

64
Ciranda de Saberes

A discussão que é realizada aqui de forma qualitativa parte de uma


revisão teórica crítica, que suscita reflexões com base nos autores centrais
que serão mencionados, como Freire (2019) e Gadamer (2000). Esses, no
decorrer dos estudos, produzem uma reflexão quanto à preocupação da es-
cuta, como ato sensível, para que haja relações possíveis socialmente, as
quais se preocupam com a formação humana e com sua capacidade de di-
álogo e de escuta entre as interações que o espaço educacional nos prepara
para a vida.
Essa preocupação se atenta à chegada e à inserção do neolibera -
lismo na sociedade, que sorrateiramente acessa a educação. O neolibera-
lismo, como muitas outras ideologias radicais, extremistas e fascistas,
apropriam-se da cultura. Então, com advento das tecnologias, inserem a
vida útil e otimizadora do tempo, o que causa mais necessidade das telas,
além de trazer a divisão social e de subir as relações. Assim, replica-se nos
ambientes educacionais e se faz com que a escola demande mais atenção.
Do mesmo modo, faz com que resgatemos a importância de colocarmos os
sujeitos um frente ao outro para que se prova relações. Desejando que, ao
desenvolver o tato pedagógico a partir da escuta possa enxergar o diálogo,
a proximidade.
As relações se extinguiram quando deixou de ser essência da humani-
zação
A escola é considerada como um ambiente plural das relações, com
diversas vivências que são construídas e modificadas constantemente. As
disputas territoriais são as vivências que os sujeitos começam a ter nas pri-
meiras experiências de ocupação de um lugar coletivo, dividir com quem
não é de seu vínculo, por exemplo, parece-nos bem desafiador. Há que se
tornam aceitáveis, por exemplo, pela consideração da maturidade, de saber
que há lugares que iremos dividir espaços sem que se faça qualquer acordo.
Da mesma forma, existem relações que são legitimadas pela sua
capacidade de proximidade, que são os níveis íntimos de amizade com pes-
soas de fora do nosso convívio familiar. Para que possamos bem viver essas
pluralidades, é necessário que estabeleçamos alguns acordos favoráveis, e
que sejam de ambas as partes. Esses acordos não são tão explícitos de
modo a ser tratado em diálogo. Ou seja, essas relações não se combina m
ou tramam uma formalização, elas acontecem enquanto esses sujeitos
criam intimidade. São acordos feitos a partir da identificação dos sujeitos
e comunhão entre seus pares.
Essa discussão dos acordos não deve ser entendida meramente so-
bre como os discentes se relacionam com a escola, todavia, é como os su-
jeitos (todos que fazem parte da escola) compreendem esse espaço e esta-
belecem as relações a partir do diálogo, que é um caminho formativo. Essas
relações vão para além do afetuoso, tornam-se um lugar de aprendizagem,
seja de forma direta ou indireta, desse território em que há algo muito co-
mum: o vínculo da aprendizagem. Cultivar, no ambiente educacional, pos-
turas que valorizem relações interpessoais, empatia e respeito mútuo é o

65
Ciranda de Saberes

que tem se tornado caro para o debate nas escolas. O que está imbricado
no centro de nossa reflexão é a necessidade da escola contemporânea. Uma
vez que ela é um lugar de opostos, que aprendem a dividir o mesmo espaço,
deve desenvolver a capacidade de promover o sentimento de pertenci-
mento, a fim de que esses sujeitos tenham a possibilidade de ocupar esse
espaço tanto para dialogar, quanto também para conseguir fazer a escuta
verdadeira. Esta, sem sombra de dúvida, é acompanhada pela troca, inte-
ração e divisão de seus sentimentos com outros.
Embora tenha, a era digital, construído lacunas perante as rela-
ções, de modo a fortalecer somente as cibernéticas, percebe-se que as co-
nexões das massas, de pessoas que se aproximam pelo mesmo viés ideoló-
gico tem se fortalecido mediante as mídias, pois ainda temos um território
muito duvidoso. Os iguais têm se somado cada vez mais, por telas, nas
quais, se o sujeito se cansar, simplesmente pode apenas ignorar o diálogo,
até que se tenha um novo desejo pela conversa. Assim, talvez isso tenha
muito a ver com as relações líquidas de Bauman (2001) — ideias sobre re-
lações que põem chave de muitos problemas, as quais deveriam pôr os su-
jeitos a questionar o valor de suas relações a ponto da verdade.
Os sólidos que estão para ser lançados no cadinho e os que estão derre-
tendo neste momento, o momento da modernidade fluida, são os elos que
entrelaçam as escolhas individuais em projetos e ações coletivas – os pa-
drões de comunicação e coordenação entre as políticas de vida conduzi-
das individualmente, de um lado, e as ações políticas de coletividades hu-
manas, de outro (Bauman, 2001, p. 12).

Temos em vista que o percurso a ser despertado é o esvaziamento


de sentido de vida. Cada vez mais, nossas relações nos passam de forma
efêmera, ou seja, têm se diluído rapidamente. Nesse sentido, até mesmo as
experiências estão menos espontâneas, tudo está mais pré-organizado e
instagramável. Mas, qual o sentido? seria exageradamente preocupante se
falássemos que muitas áreas da vida vêm sendo afetadas pela perda dos
valores, no sentido moral — no entanto, a realidade que se evoca aqui como
preocupação é que as nossas relações educacionais estão cada vez mais
como protocolos de aprovação, do que como construções efetivas para vín-
culos profundo. Também, nos poucos momentos em que poderíamos cons-
truir uma possível dinâmica de sociedade, estamos imersos em nossas telas
de celulares, docentes e discentes. A escola, que era um lugar de possíveis
relações, hoje, precisa esforçar-se para que os sujeitos aprendentes digam
a sua palavra.
A que ponto chegamos, em que nossos recreios, salas de aulas, cor-
redores e banheiros estão preenchidos por uma tela? Para tanto, foi pre-
ciso de uma Lei nº 15.100/2025, especificamente o Artigo 22, que precisou

2 Lei nº 15.100, de 13 de janeiro de 2025. Art. 1º Esta Lei tem por objetivo dispor sobre a
utilização, por estudantes, de aparelhos eletrônicos portáteis pessoais, inclusive telefones
celulares, nos estabelecimentos públicos e privados de ensino da educação básica, com o
objetivo de salvaguardar a saúde mental, física e psíquica das crianças e adolescentes. Art.
2º Fica proibido o uso, por estudantes, de aparelhos eletrônicos portáteis pessoais durante

66
Ciranda de Saberes

proibir o celular nas dependências institucionais da educação, para defen -


der a cátedra do professor e resgatar a convivência, pois é emergente, visto
que, ao se esvaziar o diálogo, por conta das telas, cria-se lacunas de silêncio
e insociabilidade. Nos termos da Lei, a escolha está em salvaguardar a sa-
úde psíquica dos discentes. Fica lúcido que há outras problemáticas na
constituição dessa Lei, mas fazer essa leitura de que é emergente voltar a
dialogar entre os pares, olho a olho, é também, de alguma forma, bastante
interessante. Infelizmente, a forma encontrada de se interromper, nesse
espaço, os esvaziamentos, seja ele qual foi o motivo central, aponta -nos um
fracasso coletivo de nossa humanidade.
A mercantilização das relações, maquiada pela facilidade de comu-
nicação através das redes sociais, deu entrada a uma perigosa ideologia,
que é rasteira, comunicativa, ilusória e a qual devemos reconhecer que é
neoliberalismo. Esse, é presente em nosso dia a dia, em nossas relações e
em nossas interações possibilitadas pelos poderes legislativos em nos sas
escolas, de modo a causar um sufoco desesperador3. Estamos a entender
que somos levados a uma crise das relações, que, em tradução, podemos
refletir como o fim “contrato social” (Santos, 2010, p. 323). Esse contrato
é sufocado pelo neoliberalismo, que deixa de enriquecer as experiências da
aprendizagem e, por consequência, de fazer com que exista contribuiçã o
entre os diferentes. Assim, dissipa-se a formação integral, o que faz com
que cada sujeito siga um caminho individual, anulando quem está a sua
frente. Estamos a perder o “sentido a luta pelo bem comum como também
parece perder sentido a luta por definições alternativas de bem comum”
(2010, p. 324).
Não estamos falando somente dos antagonismos, mas também da
dificuldade de estabelecer um contato visual (contrato), que é o exercício
da vivência. O lugar de partida que está sendo evocado aqui é o da huma-
nidade, que nos aproxima do outro, por ser elemento próprio de nossa na-
tureza. Reconhecermos, no outro, parte de nós é comum de um mundo or-
gânico, isso condiz, no sentido de que não fomos feitos para individuali-
dade. O colapso social que percebemos faz cada vez mais com que resgate-
mos, na sociedade, o desejo de buscarmos uns aos outros para poder escu-
tar as palavras do coração, as percepções de mundo, os anseios. Nesse sen-
tido, viver bem nas próximas décadas exigirá o resgate desses valores.
Portanto, ao olharmos para instituição educacional, compreen de-
mos esse espaço como capaz de superar essa lógica primária e reducionista ,
que faz com que seja um espaço apenas escolar, ou um lugar de construçã o
de uma aprendizagem sistemática e/ou, ainda, de ver o docente enquanto
um mero instrutor de conteúdo. Diante desse raciocínio limitado das fun-
ções que exercem a escola, séria seria a compreensão de que a educaçã o
está à beira do colapso. Todavia, é através de seus agentes educadores ,

a aula, o recreio ou intervalos entre as aulas, para todas as etapas da educação básica.
3 “[...] A desesperança nos mobiliza e nos faz sucumbir no fatalismo em que não é possível

juntar as forças indispensáveis ao embate recriador do mundo” (Freire, 2021, p. 14).

67
Ciranda de Saberes

como a diretora, o diretor, seus vices e toda a equipe, que é designada pelo
pensamento pedagógico que necessariamente exige fazer um movimen to
contrário.
Há uma incumbência política pedagógica que está emergente para
uma sociedade crítica, que é resgatar o contraste da desvalorização da edu-
cação, isto é, o núcleo do problema é revalorizar as relações sociais que se
dão na escola. Isso, porque é entre docente e discente, escola e comuni-
dade, que se dão as relações que permitem desenvolver as possibilidades
educativas que auxiliam o processo ontológico. O que se anseia retrata r
aqui é o elo pedagógico, entre docentes e discentes, que se dá pelo relacio-
namento verdadeiro. Que possa se observar a partir da sensibilidade me-
diante um elemento, um instrumento ou, se considerarmos, um recurs o
pedagógico que se dá pela escuta — e aqui teremos que nos dedicar, nos
próximos parágrafos, a entender o que queremos dizer sobre a escuta como
prática sensível desse fazer pedagógico. Com isso, certificamo-nos de que
uma relação verdadeira exige uma atitude integral, como diálogo, escuta e
silêncio atento.
Com isso, desvela-se um desafio para os que se debruçam na refle-
xão sobre a educação como espaço de formação integral, e não fragmen-
tada, como sugere a sociedade capitalista, que olha a escola como prepara -
tória para o mercado, como critica Freire (2019) em Pedagogia do Opri-
mido. É por essa consequência que promover uma capacidade de escuta é
um processo que exige um cuidado sensível, pois, ao permitir dar atenção
ao outro, escutá-lo, deve-se não só sensibilizar em sua totalidade, mas sa-
ber lidar com que se escuta, e é emergente que tenhamos em nós essa ca-
pacidade.
Quanto à pedagogia escondida aqui nas relações sociais que chamo
atenção, podemos nomeá-la de tato pedagógico, no sentido de como toca-
mos o outro a partir da experiência profunda de nossa disponibilidade,
atenção e da verdadeira sensibilidade de estar presente. Aqui está es con-
dida uma herança Freiriana — encontrada na terceira parte do mesmo livro
já anunciado acima —, que é e da dialogicidade como práxis de uma refle-
xão, que é social, cultural. Freire, ao sugerir a dialogicidade, motiva -nos a
perceber que, para tal prática, há um despojamento do outro, que é o se
aproximar, a ação que coloca a palavra no mundo, e essa é a dialogicidade
verdadeira.
Sermos capaz de uma prática sensível nos faz entender que a cul-
tura do outro importa e que suas palavras escondem múltiplas instâncias,
nuances, contradições, sonhos e entre outros elementos. Entendemos ,
também, que isso faz o outro ser quem é, assim como sugere Roussea u
(1999), Freire (2019), Gadamer (2000), Dalbosco (2021) e tantos outros
autores, no sentido de que olhar a trajetória do sujeito com quem dialoga-
mos é essencial para, assim, conseguir entender a semântica central de sua
vida, de suas falas e anseios. Não é suficiente apenas a atitude de escutar,
como se fosse algo ético, simplesmente, é exigida uma ação que pode ser

68
Ciranda de Saberes

feita, que transcende, mas só acontece se tiver sido tocado pela escuta ver-
dadeira antes.
Com isso, reforçamos que não se pode, demasiadamente, alguém
escutar por escutar, por especulação de quem acolhe queixas do próximo,
esvaziando a profundidade do que é trazido em seu relato. É preciso reco-
nhecer a importância da presença na pessoa, para que, ao permitir escuta r
o outro, também receba, dela ou dele, uma parte de suas angústias, co-
munga com a possibilidade também de experimentar o lugar de partida.
Isso significa que quando fazemos o processo percebemos os caminhos
atravessados, as escolhas feitas, a cultura, as crenças e tantos outros ele-
mentos formativos, que, na predileção do momento, também nos forma.
Parece-nos que há um grande obstáculo para executar essa proposta de es-
tar presente, que é o tempo do diálogo. As pessoas estão cada vez mais ne-
cessitadas de tempo, assim, acaba que há um esvaziamento, isto é, o diá-
logo para obter uma escuta se fragiliza e perde o total sentido de dar sen-
tido à comunicação, pois perdemos a capacidade de nos relacionarmos.
A comunicação humana só institui o sentido na medida que representa
uma forma de conclusão. O ser humano se comunica para escapar da
morte e dar sentido à vida. O diálogo representa uma bela forma de con-
clusão. Por isso ele é capaz de instituir o sentido. Ele é uma comunicação
com um Tu (Han, 2024, p. 43).

A responsabilidade, talvez, que deve ser reconhecida aqui na pos-


tura pedagógica dos docentes, é a capacidade de, a partir desse ambiente
educacional, fazer um ambiente sensível e de possíveis relações verdadei-
ras e profundas com o outro, que está a espera também de conhecer o di-
ferente. Isso porque o processo institucional burocrático, em que a escola
está (su)focada, deve ser superado pelas relações desde a aprendizagem. É
preciso que aprendamos a fazer grupos de trabalhos verdadeiros, com vín-
culos, que façamos atividades em diálogo, em silêncio ao outro, em escuta,
em interação. A alta rigorosidade burocrática exige e necessita ter essa fi-
guração, porém, é urgente pensar também em condição de relações huma-
nas que ultrapassem a ideia de formação de sociedade para o mercado,
pois, deseja-se que esses mesmos sujeitos possam, fora da instituição, re-
lacionar-se.
Sendo assim, a escola, em sua potencialidade, é reconhecida como
capaz de uma formação humana, formação sensível, integral e crítica. Não
é só sobre romper, mas, sim, sobre ir além da reprodução dessa mesma
sociedade que vivemos e que nos parece estar em colapso de sua humani-
zação. Nessa perspectiva, entende-se que “A desumanização, que não se
verifica apenas nos que têm sua humanidade roubada, mas também, ainda
que de forma diferente, nos que a roubam, é distorção da vocação do SER
MAIS. É distorção possível na história, mas não vocação histórica” (Freire
et al., 2018). Por isso, nos é caro um debate que potencialize a formação do
sujeito a partir do relacionamento.
Nas próximas linhas, quer se problematizar os desafios de uma
contemporaneidade através dos afastamentos dos sujeitos, qual se dão por

69
Ciranda de Saberes

uma agenda política, por uma falsa ilusão de otimização do tempo e tam-
bém dos esconderijos de um neoliberalismo que estreita relações, que sub-
verte as ideias de bem viver.
Os efeitos do neoliberalismo em razão das relações
Se a escuta sensível se torna parte do nosso percurso formativo,
logo entendemos que não há docência sem um cuidado atento sobre a pa-
lavra do outro. O contraste Freiriano do “ser mais” (Freire, 2021, p. 137),
que sugere uma revisão do processo ontológico, motiva-nos não como a
audácia do ego, a tentar ser melhor, mas a entender que podemos ir para
além de nossas pequenas certezas. Dessa forma, perceber isso é fundamen -
tal para os atuantes de escola, que se preocupam com uma prática pedagó-
gica capaz de transformação.
Se mergulharmos na inércia do neoliberalismo, garantiremos o es-
vaziamento das relações e o triunfo do poder prisional (ou seja, garantire-
mos que alguém nos limite ao que falar, como falar, como se portar, isto é,
que definam por meio educativo quem somos). A estrutura ideológica não
apenas afeta os poderes econômicos, mas dissipa qualquer relação social,
e, para a educação, ameaça a autenticidade, a criatividade e criticidade da
instituição e do sujeito. Encontra-se deterioração entre essas relações, que,
ao serem deturpadas, colocam em risco a vida humana e criam lacunas en-
tre docente e discente — fatalidade acometida pelo capitalismo uma vez
que ele é fantasiado de economia assistencial.
A desesperança que nos afoga pela expansão do neoliberalismo
acontece pelo fato de que, ao sucumbir à política democrática, alastra -se a
outras realidades sociais, bem como a cultura, a religião, a escola , as famí-
lias e as relações humanas vão se esgotando, a ponto de nos deixar refém
de uma sociedade que está rumo ao adoecimento pela exaustão.
Freire, em Pedagogia do Oprimido (2019) e a Pedagogia da espe-
rança (2021) nos alerta que, se não houver, em nós, a consciência sobre o
percurso que o neoliberalismo está realizando em nossa sociedade, ficare-
mos à mercê da opressão. Com isso, exige-se do docente a resistência con-
tra o avanço da divisão social, contra a ideia de relação docente-discen te,
em que discentes manuseiam uma ideia de currículo sistemático, docentes
seguem aquele programa e as conversas ficam entorno desse elemento. Re-
sistência, essa, necessária contra o silenciamento da intervenção do que se
aprende, do que se ensina, dos que aprendem. Quem prática o exercício de
se colocar frente ao outro, permitindo que lance a sua palavra ao mundo,
esse, desacelera o tempo, recolhe-se, acolhe, esforça-se em entender o ou-
tro e promove o diálogo.
O neoliberalismo não é um novo capitalismo, “se pode definir
como neoliberalismo enquanto fenômeno distinto do simples liberalismo
clássico, do século passado” (Anderson, 1995, p. 1). Ele é mais pervers o,
doentio e sua artimanha está no estreitamento ilusório, fantasioso sobre o
bom, o prático, o agradável, o neoliberalismo está estreitando a nova for-
mação de homem. Dardot e Laval (2016, p. 322), apresentam esse novo

70
Ciranda de Saberes

individuo como “sujeito empresarial”, individual, que critica menos, pro-


duz mais, em suas palavras, um “animal produtivo e consumidor”.
O colapso formativo sugerido pelo neoliberalismo se evidencia no
espaço em que as relações estão, cada vez mais, se distanciando, por exem-
plo através da evolução de aplicativos que facilitam e deixam cômoda a
vida, como os delivery, drive thru. Assim, a cada ano, melhor e mais atua-
lizados estão esses softwares de interação. O mesmo acontece com a for-
mação acadêmica, que está integralmente a distância, ou seja, há cada vez
mais uma vida midiática isolada das relações sociais. Ao problematiza r
seus efeitos na escola, percebemos um espaço crescente do “sujeito produ-
tivo” (p. 325) e hostil.
Ao fazermos a interpretação da hostilidade contemporânea, ob-
serva-se que os sujeitos estão cada vez mais individuais, clausulados em
seus mundos em que romper essa barreira pode promover um desconforto
entre os docentes e discentes. A rivalidade no percurso formativo de qual-
quer indivíduo causa, se não, aversão ao proponente do ensino. Olhar para
a cátedra do docente, que está cada vez mais ameaçada pela falta de legiti-
mação do trabalho pedagógico e de desenvolvimento, ferido pela ética e
pela responsabilidade social que foi introduzida pelo neoliberalismo, torna
urgente a resistência e o resgate por um realinhamento entre os pares.
Vale destacar que o docente não ocupa somente um cargo de res-
ponsabilidade do ensino e de aprendizagem do discente, mas também um
cargo de responsabilidade social e afetiva. Há uma dualidade, não somente
um comprometimento pedagógico, mas um comprometimen to que é para
além dos muros da escola, e que Freire (2019) diz ser como a capacidade
de amar o outro. O comportamento das relações, em que vai se estabelecer
acordos, a fim de que aquele sujeito possa ser inserido em uma sociedade
com pluralidade, vai depender de quanto aquele individuo é capaz de es-
cutar com diálogo e de absorver a essência semântica da experiência.
Se então, o neoliberalismo entra na escola com facilidade, com a
mesma coragem, docentes e não docentes, sociedade crítica e acadêmica
devem buscar reconhecer a fragilidade que caucionou a entrada da detur-
pação social, e, com essa percepção, fazer com que meninas e meninos pos-
sam ser resistência crítica diante o limitado. Ao nos desafiar romper com
as condições neoliberais, é necessário acabar com aquilo que nos divide, o
individualismo, o tempo acelerado, a meta a ser cumprida, para que, ao
tornar o ambiente de enfrentamento vivo e sólido, essa instituição estabe-
leça, no docente, a possibilidade de fazer uma escuta atenta, sensível, sin-
crética e de buscar fazer, dessa escuta, uma formação coletiva dialógica.
Escuta como gesto pedagógico sensível
Talvez já tenha ficado explícito, em alguma parte aqui, a relevância
da escuta sensível, como instrumentalização pedagógica e a atenção que se
deve ter ao exercer essa prática. O que precisamos ter em vista são os atra-
vessamentos culturais, políticos e ideológicos nos ajudam a refletir a forma
em que o outro se porta no mundo e quais os elementos são importantes ,

71
Ciranda de Saberes

para que, como educadores, possamos revelar mais a sua potência. O exer-
cício pedagógico permite distância das nossas pré-questões, do aprendi-
zado limitado e sugere que avancemos conforme absorvermos do outro a
reflexão-mundo (Rosseto, 2023). Antes mesmo de considerarmos a escuta
como um instrumento pedagógico, seria interessante que a olhássemos
como gesto sensível de aproximar do outro. A escuta exige um processo de
envolvimento, não é uma característica humana, é algo que precisa ser
aprendido (Rosseto, 2023). Tal aprendizagem exige proximidade!
Uma cena que traduz a experiência sensível da escuta poderia ser
entendida como uma criança pequena que precisa falar sobre algo que lhe
é importante. O adulto que lhe rodeia, pelo zelo que é conferido, abaixa -se,
inclina seu ouvido para mais perto da criança e lhe escuta com atenção,
total, sem ferir uma palavra, até que seu enredo acabe, faz uma única para
estivar mais e, após conclusão de suas palavras, alcança -lhe uma resposta,
sendo ela favorável ou não a criança.
Essa cena é muito comum quando temos a presença de crianças
pequenas, e aqui temos considerações importantes a serem feitas. O pri-
meiro ato educativo que conhecemos é o se inclinar, que diz muito sobre se
colocar no mesmo horizonte, se aproximar do lugar desse sujeito, estar
com ele, na mesma direção. A inclinação exige uma compreensão sutil que,
às vezes, nem todos estão na mesma superfície, e delicada é a atitude
quanto ao outro, de fazer essa conexão, inclinação, pois particulariza a re-
lação. O segundo elemento educativo é escutar sem ferir, a não ser que
queira ouvir mais. Essa dimensão da escuta, que retrato, fala de um tempo
lento, pois, quando se sugere pôr a escutar o outro, acredita -se que não
vamos acelerar como temos feito em nossas relações midiáticas. A escuta
atenta exige, no sujeito, uma postura viva chamada de “kairós”, “o tempo
necessário para qualquer acontecimento”, até mesmo a escuta com o outro
(Carbonell, 2016, p. 126).
Quando abrimos espaço a essa experiência profunda de aprendiza-
gem reconhecemos, na escuta, a capacidade de nos levar a realizar uma for-
mação profunda de si, pois colocamos, como já citado, em risco, de forma bem
positiva os nossos condicionamentos sobre o mundo. Um ambiente educacio-
nal que adentra esse compromisso político, principalmente contra a maré ne-
oliberal que nos isola das relações, uma possível resistência.
A escuta, ao ser compreendida como uma prática racional do su-
jeito, requer um exercício profundo e responsável na postura de quem olha
o mundo do outro através das “orelhas 4”. A fala das palavras é o arquétipo
do sentimento e do raciocínio, o que temos de mais orgânico e posto no
mundo. No primeiro momento, você se deixa escutar a voz do outro, e, no
segundo, se houver necessidade, você também coloca a sua consideração.
Mas pensemos juntos aqui, não estamos falando de debate e, sim, da “dia-
logicidade”5, a qual nos faz caminhar no mesmo ritmo do interlocutor.

4 Ver: Rodari (1997).


5 Ver: Freire (2019, p. 73).

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Ciranda de Saberes

A conferência 6 de Eppelheim, na Alemanha, feita pelo educador


Gadamer, constrói um percurso formativo ao dialogar com jovens, mães,
pais e responsáveis de uma terminada escola ao trazer elementos de sua
vida. Inicia ao salientar que já se encontra um homem muito avançado no
tempo, e isso não no sentido de prestígio intelectual, mas sim de uma alta
idade. Contudo, quanto a essa idade, ele considera que pode, para muitos ,
não significar nada e, por isso, ele precisaria escutar quem vive no tempo
novo e está recente nesse mundo. O educador chama atenção para o fato
de que a escuta que aquelas pessoas farão só será efetiva se haver partilha,
troca. Só haverá troca se verdadeiramente houver uma escuta possível de
perceber os enlaces que o educador construiu ao viver e escutar muito. Ao
fazer essa inquietação, Gadmer faz um fechamento pedagógico para aquilo
que estamos propondo neste texto, que é de autenticidade, a prática peda-
gógica da escuta sensível se dá pela capacidade de verdadeiramente estar-
mos dispostos e presente para dialogarmos. Não existe intervenção sem
que o outro possa, antes, ser compreendido pelas suas palavras, que traz o
contexto que vive. A escuta sugere um caminho atualizador, em que o que
sei serve de bagagem, de alicerce, para entender melhor o que não sei. En-
tão, ao propor escutar o outro, a palavra de quem é interlocutor deve ser
considerada, animada a caminhar junto e fazer parte do processo, pois ao
apenas ser ouvida e não modificada em nada, ela é uma palavra morta e
deturpada. O cerne pedagógico está no que podemos levar para dentro da
nossa formação e em como aproximar mais as relações para, juntos, criar-
mos esse caminho e, também, em como potencializar, nos sujeitos, a auto
capacidade de autoformação.
Considerações finais
A escola, quando considera o desafio de avançar e ressignificar o
seu percurso formativo, tem em mente que isso não é uma tarefa fácil. Por
isso, no ponto de partida, precisa-se pensar sempre o campo político e so-
cial em tripla união com o pedagógico. Marcados pela aceleração das infor-
mações através do midiático e pelo enfraquecimento das relações cometi-
das pelas telas, a autenticidade se torna uma exigência fundamental. Exige-
se reinventar ou inventar maneiras de lidar com o outro é a inquietaçã o
para a formação integral.
Fazermos essa escolha de escutar o outro a partir de uma raciona-
lidade pedagógica — com a intenção de potencializar aquele sujeito em seu
percurso no mundo e ressignificar caminho — requer, antes, uma capaci-
dade de estreitar relações. Com isso, haverá de ter muito diálogo e escuta
silenciosa. Precisamos entender como posicionamento de uma prática po-
lítica bem delimita com objetivo de trazer o sujeito para mais perto e pró-
ximo da autoformação, transforma o ambiente escolar.
O diálogo transforma quem escuta, pois permite que a análise da
mensagem recebida não engesse as suas concepções das coisas, mas amplie

6 Texto já referenciado na bibliografia deste estudo.

73
Ciranda de Saberes

horizonte reflexivo. A escuta verdadeira envolve mais do que ouvir: é um


ato formativo em si. Perceba que esses elementos são o que se anseio en-
quanto valores a serem resgatados socialmente na escola, diante do com-
bate das estruturas neoliberais que a tecnologia trouxe ao isolar sujeito ou
subverter os diálogos nos espaços. É nesse instante que resgatar esses va-
lores na escola é emergente para que tenhamos uma saudável formação a
partir das relações.
Referências
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Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. p. 1-13.
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Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
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cativa. 3ª ed. Porto Alegre: Pensa, 2016.
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atual: formação humana, formas de reconhecimento e intersubjetivida de
de grupo. Curitiba: Appris, 2021.
DARDOT, P.; LAVAL. C. A nova razão do mundo: ensaio sobre a nova
sociedade neoliberal. São Paulo: Biotempo, 2016.
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Educação e Neoliberalismo. Curitiba: CRV, 2020.
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lho (UNINOVE): Big Time Editora/BT Acadêmica, 2018.
GADAMER, H. G. La educación es educarse. Tradução de Francesc Pe-
reña Blasi. México: Paidós, 2000.
HAN, B.C. Favor feche os olhos: em busca de um outro tempo. 2ª ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2024.
RODARI, Gianni. O homem da orelha verde. In: TONUCCI, Francesco.
Com olhos de criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
ROSSETO, M. S. O silêncio pedagógico como ascética do discurso verda -
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74
Ciranda de Saberes

Educação Formadora. Passo Fundo: EDIUPF; Brasília: Editora UNB,


2023.
ROUSSEAU, J. J. Emílio ou da educação. 2ª ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1999.
SANTOS, B. S. A gramática do tempo: para uma nova cultura política.
3ª ed. São Paulo: Cortez, 2010.

75
TAMBOR ADAPTADO: INTEGRAÇÃO DAS PRÁTICAS
MUSICAIS DAS BAIANAS DE IPIOCA NO ENSINO
ESCOLAR
Carla Fabianny Ramos Sales 1
Introdução
A presente pesquisa trata sobre a integração das práticas musicais
tradicionais das baianas de Ipioca/AL no ensino da música escolar. A pro-
posta envolve a adaptação de suas técnicas e instrumentos para o ambiente
educacional, visando enriquecer o currículo musical e promover uma
maior inclusão cultural. Isso porque a música desempenha um papel fun-
damental na formação cognitiva e criativa dos indivíduos, sendo uma fer-
ramenta poderosa para o desenvolvimento integral. Apesar disso, as práti-
cas musicais tradicionais, como as das baianas de Ipioca/AL, são frequen -
temente negligenciadas no contexto escolar, mesmo com vasto potencial
para enriquecer o ensino.
Diante disso, este trabalho investiga como essas tradições, que in-
cluem tambores e técnicas específicas de fabricação, podem ser adaptadas
utilizando técnicas mistas e de assemblagem. Com isso, podem ser incor-
poradas ao ambiente escolar, promovendo a valorização da diversida de
cultural.
Desde cedo, desenvolvi um grande interesse pela música, o que me
levou a iniciar minha formação, tanto na dança quanto na música, condu-
zindo-me ao trabalho de confecção de tambores não convencionais. Ao
longo dos anos, estudei diversos instrumentos e técnicas musicais, partici-
pando de projetos e grupos. Realizei também um curso de docência em ní-
vel superior, o qual resultou no trabalho científico intitulado “Tambor
como Extensão do Ser-Corpo: Arte-Educação como Fundamento para uma
Busca da Autonomia Pessoal e Profissional”, ampliando minha visão sobre
o potencial educativo da música. Ademais, durante o curso de Licenciatura
em Música na UCSal, aprofundei meus conhecimentos e percebi a impor-
tância de integrar práticas culturais tradicionais ao ensino formal, o que
motivou a escolha deste tema para a pesquisa.
Uma experiência marcante foi minha atuação no curso técnico do
Centro Estadual de Educação Profissional em Música (CEEP), onde minis-
trei aulas de percussão em um percurso criativo. Nessa vivência, observei
como as práticas musicais tradicionais podem ser adaptadas ao contexto

1 Educadora e pesquisadora com Licenciatura em Dança e Música, atuando na Educação


Musical com enfoque didático-pedagógico. Investiga práticas tradicionais, autodesenvol-
vimento artístico e a construção de instrumentos não convencionais. Articula tradição e
inovação na formação de músicos e educadores. Desenvolve metodologias criativas no en-
sino da música popular brasileira

76
Ciranda de Saberes

educacional, enriquecendo o processo de ensino e aprendizagem, apli-


cando as práticas artísticas das baianas. Essas técnicas, que tradicional-
mente utilizam bumbo e caixa, inspiraram-me a desenvolver um novo ins-
trumento não convencional. Com a utilização de um tonel e cones, apliquei
técnicas mistas e de assemblagem para criar um instrumento percussivo
inovador.
Essa adaptação busca preservar a essência rítmica das baianas, en-
quanto explora novas possibilidades sonoras e didáticas no ambiente esco-
lar. A partir dessa experiência, formulei as seguintes questões norteadora s
para a pesquisa: como as práticas e técnicas musicais das baianas de Ipi-
oca/AL podem ser adaptadas para enriquecer o ensino da música no am-
biente escolar? Quais aspectos da instrumentação e dos ritmos utilizados
pelas baianas de Ipioca/AL podem ser incorporados de forma eficaz em
uma metodologia pedagógica contemporânea?
Com base nisso, evidencia-se a seguinte problemática para o pre-
sente estudo: Como a integração das práticas e técnicas musicais das baia-
nas de Ipioca/AL no ensino da música escolar podem promover a inovação
pedagógica? Diante desse questionamento, o presente trabalho tem como
objetivo geral investigar a integração das práticas e técnicas musicais das
baianas de Ipioca/AL no ensino da música escolar como forma de promo-
ver a inovação pedagógica. Especificamente, buscou-se identificar as prá-
ticas e técnicas musicais das baianas de Ipioca/AL que podem ser adapta-
das para enriquecer o ensino da música no ambiente escolar e analisar as-
pectos da instrumentação e dos ritmos utilizados pelas baianas de Ipi-
oca/AL que podem ser incorporados de forma eficaz em uma metodologia
pedagógica contemporânea.
Para isso, o presente estudo corresponde a uma pesquisa qualita-
tiva, fundamentada em um relato de experiência prática com alunos do
Núcleo de Percussão do CEEP de Música de Salvador, aplicando a proposta
de adaptação das técnicas e instrumentos das baianas de Ipioca/AL ao am-
biente escolar. Ademais, incluiu a pesquisa bibliográfica acerca da integra-
ção de práticas culturais tradicionais no ensino de música , sobre a musica-
lidade e as práticas artísticas das baianas de Ipioca/AL.
Por fim, ressalta-se que esta pesquisa se justifica pela necessidade de
integrar práticas culturais tradicionais ao ensino formal de música , promo-
vendo uma educação mais inclusiva e representativa da diversidade cultural
brasileira. A ausência de estudos acadêmicos sobre a adaptação das práticas
musicais das baianas de Ipioca/AL para o contexto escolar evidencia uma la-
cuna que limita o enriquecimento curricular por meio da música tradicional.
Incorporar essas tradições no ensino escolar contribui para valorizar e preser-
var essa herança cultural, além de proporcionar aos alunos uma experiência
pedagógica mais conectada com suas raízes culturais.

77
Ciranda de Saberes

Objeto de estudo
A Valorização das Tradições Culturais na Educação Musical
Mediante a valorização das tradições culturais na educação musi-
cal, ao enfatizar a importância de integrar manifestações culturais regio-
nais no ensino da música, é possível identificar a importância desse requi-
sito para um bom desempenho nessa área educacional. Assim, ressalta -se
que a música tradicional desempenha um papel fundamental na constru-
ção da identidade dos alunos e no fortalecimento do vínculo com sua co-
munidade (Cristóvão, 2022).
Sob essa ótica, Cruz e Souza (2023) destacam que, ao integrar he-
ranças musicais à educação escolar, é fundamental evitar um método de
ensino que simplesmente transmita informações sem promover a análise
crítica ou originalidade. O reconhecimento das práticas musicais deve
acontecer de maneira interativa, estimulando os estudantes a compreen -
derem os cenários culturais, explorarem diferentes formas de manifestação
e construírem uma identidade musical própria.
Dessa forma, o ensino de música poderia se restringir ao forma to
padronizado e universal, mas, ao contrário, deve reconhecer e enaltecer as
expressões culturais de cada localidade. Logo, manter viva a identidade re-
gional, através da arte sonora, é considerado um aspecto fundamental para
o desenvolvimento dos alunos e seu vínculo com a herança imaterial de seu
meio social (Cruz; Souza, 2023).
Nesse sentido, diante das investigações insuficientes e das falhas
relacionadas à inclusão das manifestações musicais locais no currículo es-
colar, é importante destacar o estudo de Amorin Júnior (2019). Sua pes-
quisa trata da conexão entre as tradições sonoras regionais e sua incorpo-
ração ao ensino sistematizado. Essa opção foi adotada, porque o estilo já
estava presente no dia a dia dos alunos, facilitando o processo de aprendi-
zado e tornando-o mais envolvente e relevante.
Sob esse ponto de vista, emergem obstáculos relacionados à contex-
tualização do ensino de música, principalmente devido à escassez de estudos
na área, assim como a inclusão da música tradicional nos planos de ensino, o
que demanda investigação e ajustes por parte dos educadores. Além disso, a
ausência de recursos didáticos voltados para a cultura musical local pode re-
presentar um entrave à sua implementação no ambiente escolar.
Nessa vertente, Arroyo (2002) investiga sobre as questões desafiado-
ras que perpassam a Educação Musical na Contemporaneidade trazendo uma
abordagem sociocultural que impulsiona repensar as práticas nesse campo
imerso em diversos contextos, envolvendo diversos grupos sociais e culturais,
cada qual trazendo em sua bagagem seus valores, normas, crenças etc. Por-
tanto, não há uma teoria e prática de instrução musical única, universal. Nessa
perspectiva, Arroyo (2002, p. 20) destaca que “as músicas devem ser estuda-
das não apenas como produto, mas como processo; [...] há inúmeras possibi-
lidades de se empreender a educação musical”.

78
Ciranda de Saberes

No entanto, é evidente que, em diversas instituições onde a música


está oficialmente integrada ao processo educativo, seu uso ocorre de forma
secundária, servindo apenas como complemento ou elemento de apoio.
Frequentemente, não se concede à música a devida oportunidade, os re-
cursos necessários, nem o reconhecimento adequado para que possa de-
sempenhar um papel mais significativo na formação acadêmica e pedagó-
gica dos estudantes (Mancilha; Messias, 2022).
Sob essa ótica, Mancilha e Messias (2022) refletem sobre o pro-
cesso da música e de ensino musical como uma vivência de seres humanos
complexos inserida numa ampla teia de complexidade, posto que “[...] en-
volve o ser humano, ser cultural, social, individual, biológico, valorativo,
musical, simultaneamente” (p. 151). Nessa visada, os autores problemati-
zam sobre o perigo do uso reducionista da educação musical sob uma forte
tendência entretenimentista. Reconhecem então os benefícios e a relevân-
cia de destacar que o ensino de música desempenha um papel essencial na
formação completa dos alunos. Isso porque tanto a valorização das tradi-
ções culturais quanto a educação musical, trazem contribuições para a for-
mação integral da pessoa humana, sendo um caminho indispensável para
fortalecer a identidade cultural dos estudantes e, assim, promover um
aprendizado significativo e contextualizado.
No entanto, para que isso ocorra de maneira efetiva, é necessário
que sua implementação seja planejada e incorporada de forma consciente
ao processo educacional. Isso se justifica pelo fato de que cada indivíduo
envolvido na aprendizagem traz consigo uma trajetória de vida anterior à
escolarização, o que influencia suas preferências por determinados estilos
musicais e a possível aversão a outros.
Diversidade cultural no currículo escolar
Nosso país possui uma grande riqueza cultural devido à influência
de múltiplas etnias ao longo da colonização e à chegada contínua de mi-
grantes de diversas partes do mundo. Em nossa cidade, essa realidade tam-
bém se manifesta, especialmente por fazermos fronteira terrestre com ou-
tra nação, o que intensifica ainda mais essa diversidade. Segundo Boufleur
(2014, p. 29), “A diversidade que emerge da sociedade também se constitui
formas diferentes de viver, formas que merecem ser estudadas, para se eli-
minarem preconceitos por grupos diferentes e diminuir perseguições de
que são vítimas vários grupos de pessoas”.
Dessa forma, entende-se que o desenvolvimento completo, o res-
peito, a cooperação, a valorização dos contextos dos alunos, a diversida de
de repertório, a reflexão crítica, a ampliação do acesso ao ensino musical ,
a autoestima e a reconstrução da identidade cultural são algumas das ca-
racterísticas presentes na metodologia do Ensino Coletivo de Instrumen to
Musical (ECIM), método aplicado na educação musical. Possivelmente por
esse motivo, Pereira (2020), em sua pesquisa sobre as concepções pedagó-
gicas da educação musical no Brasil, incluiu o ECIM como uma abordagem

79
Ciranda de Saberes

da segunda metade do século XX que viabiliza uma perspectiva multicul-


turalista.
Assim, a organização das aulas de instrumentos musicais de forma
coletiva já revela um caráter multicultural, pois em um único grupo estão
pessoas com diferentes identidades culturais, dividindo o mesmo ambiente
e convivendo com as várias diversidades do grupo, evidenciando a multi-
culturalidade presente nesse contexto (Sousa; Ivenicki, 2018).
Simultaneamente, com o intuito de atender às características espe-
cíficas de cada grupo e levar em conta o contexto individual de cada aluno,
alguns professores de música empregam um repertório variado em suas au-
las, incluindo canções folclóricas, clássicas, populares e de diferentes cultu-
ras. Nesse contexto, Sousa e Ivenicki (2018), apresentam em sua pesquisa
cinco critérios que orientam uma Educação Musical Multicultural:
1) valorização da musicalidade dos estudantes e da comunidade onde a
escola está situada, incluindo músicas populares e midiáticas; 2) negoci-
ação do repertório entre discentes e docentes, de modo tal que os gostos
pessoais do professor não determinem sozinhos a escolha do repertório;
3) ampliação da musicalidade dos estudantes; 4) posicionamento crítico
diante de questões que fogem, a priori, do aspecto musical (raça, gênero,
sexualidade etc.), quando estas tensionarem o repertório ensinado; 5)
Adoção de um currículo flexível, adaptável às necessidades dos estudan-
tes, incluindo nisso, ações de combate a racismos, discriminações e bul-
lying (Sousa; Ivenicki, 2018, p. 448-449).

A utilização de um repertório variado proporciona a abordagem


multicultural a partir da diversidade cultural apresentada; entretanto, é vá-
lido questionar se apenas o emprego do repertório, sem um processo de
construção de conhecimento crítico e reflexivo sobre seu uso, é suficiente
para definir essa prática pedagógica como multiculturalista (Pereira, 2020).
Inclusão de Práticas Musicais Tradicionais no Ensino Formal
Embora se reconheça a relevância de incorporar a cultura local ao
currículo escolar, sua aplicação na prática pedagógica, em alinhamento
com as diretrizes nacionais, representa um marco importante para a valo-
rização e preservação das tradições, tornando o aprendizado mais signifi-
cativo. Nesse sentido, é fundamental entender de que maneira essa inte-
gração contribui para a valorização das identidades culturais e para a pro-
moção de uma educação que respeite e celebre a diversidade. Conforme
aponta Mussivane (2023), não existem métodos específicos para a inclusão
das manifestações musicais tradicionais no ensino formal.
No entanto, a partir da implementação da música no currículo es-
colar, este tende a desempenhar um papel fundamental e enriquecedor no
decorrer da formação do indivíduo e, assim, contribuir para que haja o
aprimoramento da percepção sensível, da criatividade e capacidade de se
expressar (Mussivane, 2023).
Contudo, é importante enfatizar sobre a demanda de um ensino
musical que possa ir além da mera repetição de conteúdos. Para tanto, é
preciso focar em uma abordagem pedagógica que dialogue com as

80
Ciranda de Saberes

diferentes expressões culturais, o que sugere a inclusão de práticas e con-


teúdos que representem a diversidade cultura (Mussivane, 2023, p. 85). É
ainda oportuno frisar sobre a necessidade de se estimular tanto a origina-
lidade quanto a autonomia dos estudantes. Nesse sentido, as práticas cria-
tivas são ressaltadas como um recurso essencial para tornar o aprendizado
musical mais dinâmico e relevante (Silva, 2023).
Nessa perspectiva, o foco principal está direcionado para a inser-
ção da música como um fator indispensável da educação e em defesa de
métodos pedagógicos que possam estimular o pensamento crítico e a sen-
sibilidade artística nos estudantes. Assim, despertar o entendimento da va-
lorização e dos benefícios da inserção da educação musical na formação
dos alunos (Marques, 2023).
Nesse contexto, Silva (2023) assinala que a inserção das práticas
musicais tradicionais na educação formal busca expandir o repertório mu-
sical nas escolas, reconhecendo e valorizando os conhecimentos musicais
dos alunos. Entretanto, a crítica à institucionalização do ensino musical fo-
cada apenas nos aspectos poéticos (produção) e não nos estéticos (percep-
ção) evidencia a restrição desse modelo, que marginaliza as práticas musi-
cais populares, tradicionais e regionais.
Partindo desse entendimento, Silva (2023, p. 39) considera a im-
portância de “[...] dialogar com as diferentes formas de ensino/aprendiza -
gem unificando o ensino do repertório através dos símbolos musicais tra-
dicionais (partitura), conjuntamente ao ensino oral” – um espaço em que
se manifesta tanto a educação formal quanto a educação popular. Esse
compartilhamento permite [...] a fomentação e geração de novos saberes,
onde alunos podem realizar pesquisas com diversos temas específicos ”
(Silva, 2023, p. 57). Portanto, a inclusão das expressões musicais tradicio-
nais na educação formal pode tornar o ensino mais diverso, acessível e re-
presentativo das variadas culturas presentes na sociedade.
As Práticas Musicais das Baianas de Ipioca/AL
As práticas musicais das baianas de Ipioca/AL possuem um rico
contexto histórico e cultural que reflete as transformações e influências de
diversas manifestações populares do nordeste brasileiro. Originadas de
tradições vindas do sul de Pernambuco e do norte de Alagoas, as danças
das baianas incorporaram elementos do maracatu rural, pastoril, reisado,
coco e samba, consolidando-se como um reflexo das interações culturais e
sociais presentes nessas regiões. Nos anos 1920, essas práticas se firmara m
em Maceió, ganhando características locais e adaptações na música , vesti-
mentas e coreografias conforme Figura 1.

81
Ciranda de Saberes

Figura 1 – Registro das Baianas de Alagoas.

Fonte: Funarte (1997).

O contexto histórico mostra que as baianas de Ipioca são represen -


tantes dessa herança cultural. Elas cantam marchas de entrada, cantigas

82
Ciranda de Saberes

chamadas abaianadas, e músicas contemporâneas como o baião, encer-


rando suas apresentações com marchas de despedida. A mescla entre ele-
mentos tradicionais e modernos torna suas manifestações únicas. As figu-
ras centrais, como a Mestra Terezinha de Oliveira, são exemplos de resis-
tência cultural, preservando e reinventando as práticas por meio de sua voz
marcante, improvisação e diversidade rítmica.
No que diz respeito aos instrumentos e técnicas utilizados, desta -
cam-se os tambores como: bumbo, caixa, ganzá e outros elementos como
apito, que conferem uma base rítmica rica e característica das tradições
populares. As cantigas, muitas vezes improvisadas, são marcadas pela ora-
lidade e pelo uso de melodias simples, mas cheias de nuances expressivas
que envolvem o público. A dança é integrada à música , com movimentos
corporais que seguem os padrões rítmicos e reforçam a narrativa cultural.
A adaptação dessas práticas musicais ao ambiente escolar apre-
senta-se como uma oportunidade valiosa para a educação musical, permi-
tindo aos alunos vivenciar e compreender a riqueza cultural local. No con-
texto do CEEP, as experiências com alunos mostraram que o uso de instru-
mentos simples, como tambores adaptados e feitos de materiais reutilizá -
veis, pode aproximar os estudantes dessa tradição. Trabalhar a prática rít-
mica, a improvisação vocal e a criação de pequenas coreografias baseadas
nas danças das baianas ajuda a desenvolver competências musicais e cor-
porais de forma lúdica e significativa.
Além disso, a contextualização histórica das baianas pode ser ex-
plorada em sala de aula para promover reflexões sobre identidade cultural,
pertencimento e diversidade. A abordagem interdisciplinar, envolven do
música, história e artes cênicas, enriquece o aprendizado e incentiva o pro-
tagonismo dos alunos ao criar suas próprias versões das apresentações das
baianas.
Por fim, a integração dessas práticas tradicionais ao currículo es-
colar fortalece o vínculo dos alunos com o patrimônio cultural local, pro-
movendo o respeito e a valorização das tradições musicais nordestinas. O
exemplo da Mestra Terezinha de Oliveira, com sua criatividade e habili-
dade musical, pode inspirar os estudantes a explorarem suas próprias ex-
pressões artísticas e a preservarem as raízes culturais em contextos con-
temporâneos.
Experimentação Prática com Alunos do Núcleo de Percussão do CEEP de
Música de Salvador
A experimentação prática realizada com os alunos do Núcleo de
Percussão do CEEP de Música de Salvador foi fundamental para validar a
proposta de ensino musical baseada nas práticas tradicionais das baianas
de Ipioca/AL. (vide Apêndice 1). Por meio de atividades adaptadas e inte-
rativas, buscou-se explorar as possibilidades pedagógicas dessas práticas
em um contexto educacional contemporâneo (vide Apêndice 3).
Essa experimentação permitiu testar a aplicação de instrumentos
adaptados, como o Tropcone (vide Apêndice 3) – um tambor idealizado

83
Ciranda de Saberes

por Carla Fabianny, que combina bumbo, caixa e tons em um único instru-
mento, utilizando materiais de polipropileno e técnicas de construçã o
mista. O desenvolvimento desse instrumento seguiu princípios semelhan-
tes ao que foi praticado por Hopkin (1996), que enfatiza a importância da
experimentação na criação de novos instrumentos musicais a partir da fu-
são de elementos tradicionais e contemporâneos.
A construção partiu da análise e transcrição dos padrões rítmicos
das baianas de Ipioca, resultando na composição de uma peça para piano
(vide Apêndice 2). A combinação entre o piano e o Tropcone (vide Apên-
dice 4) visa destacar a interação entre elementos melódicos e rítmicos, am-
pliando as possibilidades sonoras da tradição percussiva no contexto da
música contemporânea. Adiante, apresenta-se a partitura da transcrição
do ritmo original das baianas de Ipioca e a composição desenvolvida para
piano e Tropcone (vide Apêndice 2).
A interação dos alunos com esses instrumentos evidenciou sua
funcionalidade e potencial pedagógico, destacando a importância de res-
peitar e preservar as características culturais, ao mesmo tempo em que se
promove a inovação.
Durante as atividades, os alunos se envolveram em exercícios de
leitura rítmica, execução prática e improvisação, explorando a indepen -
dência harmônica e o diálogo entre bumbo e caixa, além dos elementos
melódicos introduzidos no Tropcone. Esses elementos incluem os tons mé-
dios e agudos incorporados ao instrumento, permitindo que o percussio-
nista explore diferentes alturas sonoras e adicione uma dimensão melódica
à performance. A combinação de bumbo, caixa e tons em um único instru-
mento oferece uma versatilidade que enriquece tanto a execução rítmica
quanto a melódica.
A atividade proposta é, portanto, uma experiência voltada para o de-
senvolvimento do sistema de coordenação dentro do padrão rítmico do abaia-
nado, que requer determinação, foco e disciplina para seu aperfeiçoamento.
Sendo uma prática psicomotora, exige repetição e constância no uso de ele-
mentos como apito, bumbo e caixa, trabalhados em um solo percussivo, por
exemplo. O estudo deve ser realizado de forma lenta, com atenção à coordena-
ção entre os instrumentos, fluência dos movimentos e controle da velocidade
— aspectos fundamentais para a execução precisa do ritmo. Após a prática
contínua, é recomendável que o(a) praticante elabore um novo fraseado, cri-
ando variações e desenvolvendo autonomia criativa.
A experimentação revelou que as práticas musicais das baianas po-
dem ser adaptadas para diferentes contextos educacionais, desde que res-
peitadas as particularidades culturais e técnicas dos instrumentos. A abor-
dagem interdisciplinar – que inclui elementos de história, cultura e prática
musical – mostrou-se eficaz para envolver os educandos e promover uma
aprendizagem significativa.
Além disso, o desenvolvimento de instrumentos adaptados, como
o Tropcone, abre possibilidades para que outros professores apliquem essa
metodologia em suas aulas, mesmo em ambientes com poucos recursos.

84
Ciranda de Saberes

Essa experiência reforça a importância de integrar elementos da cultura


tradicional ao ensino musical contemporâneo, não apenas como forma de
resgatar práticas culturais, mas também como ferramenta para desenvol-
ver habilidades musicais, estimular a criatividade e fortalecer a conexão
com o patrimônio cultural brasileiro.
Conclusão
Dado o exposto, remete-se ao objetivo de investigar a integração das
práticas e técnicas musicais das baianas de Ipioca/AL no ensino da música es-
colar como forma de promover a inovação pedagógica. Para tanto, no que se
refere à identificação das práticas e técnicas musicais das baianas de Ipi-
oca/AL, que podem ser adaptadas para enriquecer o ensino da música no am-
biente escolar, observou-se que a introdução dos alunos a ritmos como mara-
catu, coco, reisado e baião, utilizando instrumentos como bumbo, caixa, ganzá
e apito, é uma alternativa de prática cultural no ensino.
Adicionalmente, vale mencionar que o uso e a elaboração de ins-
trumentos alternativos, como construção de tambores e outros instrumen -
tos a partir de materiais reutilizáveis, incentivando a criatividade e a cons-
ciência ambiental, também é uma boa alternativa, assim como a prática de
improvisação vocal, trabalhando a oralidade. Ademais, trabalhar com es-
truturas musicais tradicionais para apresentações escolares, permitin do
que os alunos vivenciem a organização de um espetáculo inspirado nas ma-
nifestações culturais, configura como uma boa prática.
Sob outra ótica, quanto à análise de aspectos da instrumentação e
dos ritmos utilizados pelas baianas de Ipioca/AL, que podem ser incorpo-
rados de forma eficaz em uma metodologia pedagógica contemporânea ,
observa-se que a sonoridade característica das baianas de Ipioca pode ser
incorporada em atividades rítmicas e percussivas, estimulando a coorde-
nação motora, a escuta ativa e a criatividade dos alunos. Dessa forma, os
instrumentos típicos utilizados podem ser inseridos no ensino musical
para desenvolver noções de tempo, compasso e improvisação.
Destarte, o ensino baseado na experimentação rítmica e na prática
instrumental favorece metodologias ativas, como a aprendizagem baseada
em projetos e a educação interdisciplinar. Diante disso, tem-se que a inte-
gração das práticas e técnicas musicais das baianas de Ipioca/AL no ensino
da música escolar promove inovação pedagógica, visto que, ao incorpora r
os ritmos, instrumentos e expressões musicais das baianas de Ipioca, os
estudantes vivenciam um aprendizado que faz sentido dentro de sua reali-
dade sociocultural. Isto posto, a prática musical das baianas envolve forte
presença corporal e coletiva, o que favorece metodologias ativas como a
aprendizagem colaborativa e a experimentação sonora.
Referências
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deficiências da APAE São Luís. (Relato de experiência). 2019. 42 f.

85
Ciranda de Saberes

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Apêndice 1 - Registros da experimentação prática com alunos do núcleo
de percussão do CEEP de música de SALVADOR

87
Ciranda de Saberes

Fonte: Acervo próprio (2024)

Apêndice 2 – Transcrição Rítmica Baianas de Ipioca Para o Instrumento


Adaptado

COMPOSIÇÃO PARA PIANO E TROPCONE


“BAIANAS" DA CONTRA MESTRA TEREZINHA
(Tema do Boa Noite (Abaianado)

88
Ciranda de Saberes

Apêndice 3 – Instrumento Adaptado – Tropcone

Fonte: Autoria própria (2024)

89
Ciranda de Saberes

Fonte: Acervo próprio (2024)

90
Ciranda de Saberes

Fonte: Acervo próprio (2024)

Apêndice 4 – Combinação Entre o Piano e o Tropcone

91
Ciranda de Saberes

Fonte: Acervo próprio (2024)

92
DIREITO PENAL, REGULAÇÃO E CONSTITUCIONALI-
DADE: COMO VIABILIZAR A TRANSIÇÃO ENERGÉTICA
SUSTENTÁVEL NA AMAZÔNIA
Sidney Fernandes de Souza 1
Celio Fernandes de Souza 2
Introdução
A transição energética na Amazônia, representa um dos maiores
desafios ambientais, econômicos e jurídicos do Brasil. Embora haja um
vasto potencial para produção de energia limpa, a região enfrenta obstácu-
los como desmatamento, exploração predatória dos recursos naturais,
principalmente, com a vulnerabilidade na fiscalização, o que causa grandes
dos impactos ambientais e evidente insegurança jurídica na implementa -
ção de projetos energéticos. O sucesso da transição energética depende di-
retamente da interação entre Direito Penal, Regulação e Constitucionali-
dade, de forma que possibilite um ambiente de controles legislativos mais
eficazes, tornando possível, maior segurança às implementações de proje-
tos sustentáveis.
A Constituição Federal de 1988, estabelece em seu Artigo 225, que
o meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito de todos, impondo
ao Estado e à coletividade, o dever de preservá-lo para as futuras gerações.
No entanto, a exploração energética na Amazônia, tem sido frequen te-
mente marcada por abusos corporativos, falta de fiscalização e práticas que
comprometem a sustentabilidade, tornando o Direito Penal um instru-
mento necessário para garantir que a transição ocorra de maneira justa e
dentro dos preceitos constitucionais.
Este artigo analisa como o Direito Penal Ambiental pode fortalecer
a regulação energética, garantindo sanções contra práticas ilegais e impul-
sionando um modelo sustentável. Inicialmente, será discutida a importân -
cia estratégica da Amazônia na transição energética e seus desafios estru-
turais, seguida pela análise da base constitucional e regulatória da proteçã o
ambiental e energética. Posteriormente, explora-se o papel do Direito

1 Sidney Fernandes de Souza é bacharel em Direito pela Faculdade Estácio do Amazonas –


Manaus (2024). Possui experiência em competições jurídicas, incluindo atuações em jogos
jurídicos e tribunais do júri simulados, com títulos reconhecidos pela OAB Amazonas e pela
Faculdade Estácio do Amazonas. Além disso, é autor do artigo "A Criminalização do Femi-
nicídio no Brasil: Uma Década Depois", publicado no livro Conexões Acadêmicas: Artigos
Multidisciplinares (Diálogo Freiriano, 2025). ORCID: https://orcid.org/0009-0000-6416-474X.
2 Célio Fernandes de Souza, Técnico em Turismo - Colégio Amazonense Dom Pedro II –

Manaus (1998); Bacharel em Direito pela Escola Superior Batista do Amazonas – ESBAM –
Manaus (2010); Pós-graduado em Direito Público pela Escola Superior Batista do Amazonas
– ESBAM – Manaus (2011); Aprovado no Exame da OAB em (2017); Possui experiência de 8
anos na advocacia trabalhista; ORCID: https://orcid.org/0009-0002-5017-0799 ; CURRICULO
LATTES: http://lattes.cnpq.br/5750851060006067.

93
Ciranda de Saberes

Penal na contenção de crimes ambientais, incluindo casos concretos e im-


pactos na viabilidade de projetos sustentáveis. Como fechamento, serão
apresentadas propostas para aprimorar a fiscalização e segurança jurídica,
com destaque para tecnologias inovadoras e modelos de justiça restaura -
tiva que podem contribuir diretamente para a transição energética.
A pesquisa, consolida-se na análise documental de legislação naci-
onal, estudos de caso, relatórios institucionais e artigos científicos, forne-
cendo um embasamento técnico sobre a relação entre Direito Penal, Regu-
lação e Constitucionalidade na viabilização da transição energética na
Amazônia.
Amazônia e transição energética: potencial e barreiras
A Amazônia desempenha um papel estratégico na matriz energé-
tica brasileira, oferecendo condições naturais favoráveis à geração de ele-
tricidade por fontes renováveis. Sua extensão territorial, ímpar, em nosso
território, aliada à disponibilidade de recursos como rios de alta vazão, bi-
omassa abundante e alta incidência solar, faz da região um centro com
muito potencial para a produção energética sustentável. Conforme Schutze
e Holz (2023), vinculadas ao Climate Policy Initiative (CPI):
O Brasil possui uma matriz elétrica altamente renovável, com 82% de sua
composição dividida entre geração hidrelétrica, solar, eólica e demais
fontes renováveis. A Amazônia Legal desempenha um papel chave na ge-
ração de energia elétrica renovável no Brasil, abrigando quatro, das cinco
principais usinas hidrelétricas (Belo Monte, Tucuruí, Jirau e Santo Antô-
nio). Os estados da Amazônia Legal foram responsáveis por mais de 27%
da geração de energia elétrica nacional em 2021, mas consumiram ape-
nas 11% do consumo total do país. A Amazônia exporta energia para o
resto do país.
(SCHUTZE; HOLZ, 2023, – Climate Policy Initiative, 2025).3

Todavia, a transição energética na Amazônia, ainda enfrenta obs-


táculos estruturais. Um dos principais desafios é a infraestrutura precária,
que impede o avanço de projetos em áreas remotas e gera forte dependên -
cia de fontes fósseis, como o diesel, especialmente em comunidades indí-
genas e ribeirinhas. A falta de acesso a sistemas eficientes de transmissão
e distribuição, compromete a implementação de iniciativas baseadas em
energia solar e biomassa, limitando o impacto positivo da transição ener-
gética nesse processo de descarbonização em nosso país.
Além das limitações técnicas, existe um cenário de fragilidade jurídica
que dificultam a expansão das energias renováveis na região, e o aprimora-
mento desse tipo de segurança, se torna fundamental para garantir um ambi-
ente regulatório estável e previsível, o que se torna essencial para atrair inves-
timentos privados e públicos, voltados à transição energética. Sem um sistema
de fiscalização eficiente, empresas que exploram recursos naturais de forma
irregular, seguem operando sem sofrer sanções proporcionais,

3 SCHUTZE; HOLZ. A matriz elétrica renovável do Brasil e o papel da Amazônia Legal, 2023.

94
Ciranda de Saberes

desestimulando a conformidade regulatória e comprometendo os esforços


ambientais. Essa relação entre produção e consumo energético, reforça o papel
estratégico da Amazônia na transição energética nacional. Apesar de sua ca-
pacidade produtiva expressiva, desafios relacionados à infraestrutura e à re-
gulação, dificultam a expansão sustentável das fontes renováveis e criam de-
sequilíbrios na distribuição energética, comprometendo os benefícios que a
transição poderá proporcionar à própria região.
Além da penalização de crimes ecológicos, é necessário que o sis-
tema jurídico proporcione segurança para iniciativas sustentáveis, garan-
tindo que projetos de transições energéticas limpas, sejam viáveis, aplicá-
veis e juridicamente protegidas. Essa ausência de normas aplicadas de
forma consistente, permite que práticas predatórias persistam na Amazô-
nia, reforçando a necessidade de uma integração mais eficaz entre o Direito
Penal Ambiental e os mecanismos regulatórios.
Diante desse cenário, medidas estruturantes devem ser implemen -
tadas para que a Amazônia possa desempenhar seu papel na transição
energética. Isso inclui fortalecimento da fiscalização, consolidação de san-
ções mais rigorosas contra infrações ambientais e energéticas, integrando
de forma mais ostensiva, o Direito Penal às diretrizes regulatórias, criando
um modelo sustentável respaldado pela legislação. O desenvolvimen to
energético da Amazônia depende diretamente da eficácia regulatória, da
transparência jurídica e da estabilidade institucional, sendo imprescindí-
vel que a formulação legislativa, se adapte à necessidade de proteger o bi-
oma sem comprometer o avanço tecnológico do setor energético.
Essa valiosa área que a Amazônia representa às viabilidades em for-
necer novas fontes renováveis energéticas, mobilizaram, recentemente, mais
um evento que discutiu sobre o tema. Durante o Fórum Distribuição de Qua-
lidade para Inclusão e Transição Energética, realizado em Brasília no dia 17 de
abril de 2024, especialistas destacaram a importância da estabilidade regula-
tória e do cumprimento de contratos para o setor elétrico. O Ministro de Minas
e Energia, Alexandre Silveira 4, ressaltou que o governo busca maior previsibi-
lidade, especialmente na renovação das concessões das distribuidoras, funda-
mentais para a segurança jurídica e atração de investimentos. Já o diretor-ge-
ral da ANEEL5, Sandoval Feitosa 6, enfatizou que a agência tem como papel
garantir regras claras e estáveis, assegurando que contratos das distribuidoras
não fiquem vulneráveis a mudanças governamentais.
Bases constitucionais e regulatórias da proteção ambiental e energética
A Constituição Federal de 1988 estabelece, em seu Artigo 225 7 , que
todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, determi-
nando ao Estado e à sociedade, a obrigação de preservá-lo para as futuras

4 SILVEIRA, Alexandre. Ministro de Minas e Energia do Brasil.


5 ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica. Relatórios e Indicadores da Matriz
Energética Brasileira, 2025.
6 FEITOSA, Sandoval. Diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).
7 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Artigo 225.

95
Ciranda de Saberes

gerações. Esse princípio constitucional, estrutura toda a legislação ambiental


e energética brasileira, garantindo que a exploração dos recursos naturais,
ocorra dentro dos limites da sustentabilidade e da justiça social.
Além dos aspectos regulatórios, é essencial considerar a proteçã o
dos territórios indígenas e comunidades tradicionais, que frequentemen t e
sofrem os impactos diretos dos grandes empreendimentos energéticos. A
Constituição assegura direitos específicos para esses grupos, e o Estatuto
do Índio (Lei nº 6.001/73) 8, complementa essa proteção, estabelecen do
mecanismos jurídicos para evitar deslocamentos forçados e exploração in-
devida de suas terras. Entretanto, a falta de fiscalização efetiva, inviabili-
zada uma efetiva proteção, ocasionando em ocupações ilegais de áreas in-
dígenas para fins comerciais, prejudicando a sustentabilidade da transição
energética.
No contexto da transição energética na Amazônia, esse arcabouço
legal é fundamental para assegurar que os projetos de exploração energé-
tica, respeitem critérios ambientais e sociais, evitando práticas abusivas e
garantindo a viabilidade da descarbonização. A regulação do setor energé-
tico brasileiro é exercida por órgãos como o IBAMA 9 e a Agência Nacional
de Energia Elétrica (ANEEL), que têm a responsabilidade de fiscalizar em-
preendimentos e garantir que a produção de energia ocorra de forma sus-
tentável. Entretanto, falhas na aplicação das normas regulatórias, frequen -
temente permitem o avanço de projetos que impactam negativamen te
ecossistemas frágeis, prejudicando a transição energética e os direitos das
comunidades locais.
Direito penal ambiental e seus reflexos na transição energética
O Direito Penal Ambiental, tem como principal função reprimir e
punir condutas ilícitas que impactam negativamente o meio ambiente, ga-
rantindo que a exploração dos recursos naturais, ocorra dentro dos limites
da legalidade e da sustentabilidade. No contexto da Amazônia, essa ver-
tente do Direito Penal é essencial para conter desmatamento ilegal, explo-
ração predatória e práticas que comprometem a viabilidade da transição
energética.
A Lei nº 9.605/98 10 , conhecida como Lei de Crimes Ambientais,
estabelece sanções contra atividades que degradam o meio ambiente e a
implementação de energias renováveis. Entre as infrações que impacta m
diretamente a transição energética, destacam-se:
• Desmatamento ilegal (Art. 50-A) – Prejudica a absorção de car-
bono e limita a capacidade de produção de energia sustentável.

8 BRASIL. Estatuto do Índio (Lei nº 6.001/73).


9 IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.
Relatórios sobre fiscalização e impactos ambientais na Amazônia, 2025.
10 BRASIL. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e

administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.

96
Ciranda de Saberes

• Poluição e degradação dos recursos naturais (Art. 54) – Conta-


minação de rios e solos, dificultando o aproveitamento energético
da biomassa e dos recursos hídricos.
• Exploração de recursos sem licenciamento (Art. 60) – Empresa s
que operam sem cumprir normas ambientais, acabam desestimu-
lando investimentos em energia limpa.
Embora a legislação penal preveja sanções, a taxa de impunida de
de crimes ambientais na Amazônia é alta, devido à fragilidade na fiscaliza-
ção e à interferência de interesses econômicos. Além da punição individual,
a responsabilidade penal também se aplica a pessoas jurídicas, conforme o
Art. 3º da Lei de Crimes Ambientais. Empresas que exploram ilegalmente
recursos naturais podem ser processados criminalmente, mas na prática,
grandes corporações conseguem evitar condenações severas por meio de
acordos administrativos, enquanto pequenos infratores sofrem penalida-
des rígidas.
Um estudo publicado na Revista Cognitio Juris 11, analisa a dispa-
ridade na responsabilização penal de crimes ambientais na Amazônia. A
pesquisa destaca que grandes empresas do setor madeireiro e mineral, re-
petidamente, conseguem evitar condenações severas por meio de acordos
administrativos, enquanto pequenos infratores, como comunidades locais
que exploram recursos naturais de forma artesanal, sofrem punições mais
rígidas.
Além do mais, um relatório da ENAP (Escola Nacional de Admi-
nistração Pública) 12, aponta que a fiscalização ambiental na Amazônia Le-
gal é desigualmente aplicada, favorecendo grandes empreendimentos e di-
ficultando a responsabilização de crimes ambientais cometidos por corpo-
rações. O estudo destaca que a falta de estrutura dos órgãos fiscalizadores
e a interferência de interesses econômicos, colaboram para a impunida de
de grandes agentes econômicos, enquanto pequenos infratores são penali-
zados com maior rigor.
Outro aspecto relevante é a corrupção em processos de licencia-
mento e fiscalização ambiental, o que dificulta a implementação de políti-
cas energéticas sustentáveis. A Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Ad-
ministrativa)13 e a Lei nº 12.846/13 (Lei Anticorrupção) 14 são instrumentos
que visam combater irregularidades nesse setor, mas sua aplicação ainda

11 FERREIRA JUNIOR, Edinaldo Inocêncio. A tutela dos direitos humanos e a preservação


ambiental na Amazônia: Um estudo de caso do Estado do Amazonas sob a ótica do Direito
Ambiental e Penal. Revista Cognitio Juris, 2023.
12 ENAP. Aplicação de políticas públicas territoriais na Amazônia: Estudo sobre fiscalização

ambiental e desigualdade na aplicação da lei, 2023.


13 BRASIL. Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos

agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo,


emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional.
14 BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização

administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração


pública, nacional ou estrangeira.

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Ciranda de Saberes

enfrenta desafios estruturais. Para que o Direito Penal se torne um aliado


da transição energética, é necessário que suas sanções sejam mais eficazes
e proporcionais, garantindo um equilíbrio entre punição e incentivo a prá-
ticas sustentáveis.
Como podemos deduzir, a fragilidade no controle dos processos de
licenciamento ambiental, permitem que projetos avancem sem cumprir
exigências essenciais para a mitigação de impactos. Esse cenário levanta
preocupações tanto do setor econômico quanto das entidades voltadas à
proteção ambiental, gerando um intenso debate sobre a necessidade de
ajustes regulatórios. Nesse contexto, reportagens recentes indicam que a
estagnação de projetos de infraestrutura causadas por entraves no licenci-
amento ambiental, comprometem bilhões em investimentos, ao mesmo
tempo em que críticos alertam para o risco de flexibilizações indevidas, que
podem comprometer a proteção socioambiental.
Nesse sentido, a discussão sobre flexibilizações na regulação am-
biental tem gerado diferentes posicionamentos. Enquanto representan tes
do setor aguardam maior agilidade na tramitação das análises, críticos
alertam para o risco de comprometimento das medidas protetivas. Como
destaca reportagem da Exame (2025) 15, "o setor de infraestrutura espera
que a medida tenha a análise encaminhada, enquanto críticos entendem
que a flexibilização do licenciamento pode resultar na fragilização da pro-
teção socioambiental".
Segundo Glanzmann (2025) 16, "há mais de 3.500 projetos parados
por falta de licenciamento ambiental, travando cerca de R$ 1,7 trilhão em in-
vestimentos em áreas como transporte, energia e indústria". O impacto dessa
estagnação na infraestrutura, nos mostra os gigantescos desafios, tanto para o
setor econômico quanto para as políticas ambientais, trazendo um intenso de-
bate sobre possíveis alterações nos processos de licenciamento.
Furto de energia na Amazônia: reflexo da falta de regulação e inclusão
energética
A transição energética na Amazônia não depende apenas da expan-
são das fontes renováveis, mas também da garantia de acesso igualitário à
eletricidade, principalmente para comunidades isoladas e economica-
mente vulneráveis. A precariedade no fornecimento de energia, somada à
ausência de políticas efetivas de inclusão energética, leva à prática do furto
de energia elétrica, que ocorre tanto em áreas urbanas quanto em comuni-
dades ribeirinhas.
No Brasil, o furto de energia elétrica é tipificado no Artigo 155, §3º do
Código Penal 17 , sendo considerado crime contra o patrimônio. No entanto, sua
criminalização frequentemente desconsidera o contexto social em que ocorre,
levando à penalização de indivíduos que recorrem à prática por necessidade,

15 EXAME. Licenciamento ambiental, juros e mão de obra desafiam infraestrutura no Brasil, 2025.
16 MOVEINFRA. Conheça Ronei Glanzmann, o novo CEO da MoveInfra, 2025.
17 BRASIL. Código Penal - Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Art. 155, §3º.

98
Ciranda de Saberes

enquanto grandes consumidores industriais exploram redes clandestinas sem


sofrer sanções proporcionais, como já exposto, no capítulo anterior.
Diante desse cenário, é essencial que a transição energética na Ama-
zônia não seja apenas uma questão técnica, mas também social e regulatória,
garantindo que as sanções penais sejam aplicadas de forma justa e proporcio-
nal, ao mesmo tempo em que políticas públicas de inclusão energética, sejam
fortalecidas, pois, conforme aponta a Agência Nacional de Energia Elétrica
(ANEEL), essa questão vai além da ilegalidade individual, afetando direta-
mente a infraestrutura elétrica e os custos tarifários. É essencial ter a consci-
ência, de como a prática do furto de energia, impacta, não apenas as distribui-
doras, mas também os consumidores regulares, conforme exposto:
No primeiro momento, os “gatos” podem parecer um problema exclusivo das
distribuidoras. No entanto, essa situação é mais séria do que parece: esses ca-
sos sobrecarregam a infraestrutura elétrica, causando apagões e interrupções
no fornecimento, além de aumentar as tarifas para todos os consumidores,
inclusive aqueles que agem de maneira correta. Isso significa que os consu-
midores regulares arcarão com custos mais altos para compensar parte das
perdas das distribuidoras. Tal fato decorre do reajuste tarifário determinado
pela Aneel em razão de previsão no contrato de concessão, que obedece a cri-
térios de eficiência impostos às distribuidoras. 18

A falta de fiscalização adequada permite que grandes empresas e se-


tores industriais tenham ligações irregulares de energia, gerando prejuízos à
rede elétrica e dificultando o planejamento energético sustentável. Essa dispa-
ridade na aplicação das penalizações é evidente quando analisamos casos re-
centes. Segundo a ANEEL, empresas do setor elétrico receberam multas supe-
riores a R$ 132 milhões por falhas no Sistema Interligado Nacional (SIN)19. No
entanto, enquanto pequenos consumidores enfrentam sanções imediatas e
processos judiciais, grandes corporações conseguem recorrer e negociar pena-
lizações. Um exemplo disso é a Enel, que recebeu R$ 320 milhões em multas,
mas obteve liminares judiciais que suspenderam parte das penalidades, per-
mitindo que a empresa evitasse o pagamento integral. 20
Amazônia e transição energética: entre desafios fiscalizadores, regulató -
rios e oportunidades sustentáveis
De acordo com reportagem publicada pelo G1 (2025) 21, o Ministério
Público Federal (MPF) 22 no Amapá, recomendou ao IBAMA 23 e à Petrobras, a

18 FURTADO, Diogo; FERREIRA, Maurício. O furto de energia e o Judiciário. Queiroz Cavalcanti


Advocacia, 2024. Disponível em: Queiroz Cavalcanti.
19 G1. ANEEL multa ONS e 23 empresas de energia solar e eólica em R$ 132,5 milhões por

apagão de 2023. Globo, 12 dez. 2024.


20 G1. Com R$ 320 milhões em multas aplicadas pela Aneel, Enel ainda não pagou por

infração do apagão de novembro de 2023. Globo, 14 out. 2024.


21 Reportagem do G1, "MPF faz recomendação ao Ibama e Petrobras sobre impacto

ambiental da exploração de petróleo no AP", G1, 22 abr. 2025.


22 MPF – Ministério Público Federal. Recomendação ao IBAMA e Petrobras sobre impacto

ambiental da exploração de petróleo na Bacia Foz do Amazonas, Amapá, 2025.


23 IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis.

99
Ciranda de Saberes

revisão dos estudos de impacto ambiental relacionados à exploração de petró-


leo na Bacia Foz do Amazonas. Baseado nos documentos analisados pelo MPF,
a investigação revelou que não foram realizados estudos específicos sobre os
impactos da atividade em comunidades indígenas e tradicionais, além de in-
consistências na avaliação dos riscos ambientais, tornando-se imprescindível,
que a formulação legislativa se adapte à necessidade de proteger o bioma, sem
comprometer o avanço tecnológico do setor energético.
No mesmo sentido de ajustes imediatos na legislação atual, des-
taca-se um estudo publicado pela PAAMSJ 24 – Plataforma Amazônica de
Monitoramento Socioambiental e Justiça, revela que a mineração ilegal e
a exploração energética, sem fiscalização adequada, foram as principais
causadoras para a perda de mais de 1,2 milhão de hectares de floresta entre
2005 e 2015, impactando diretamente comunidades indígenas e ribeiri-
nhas (PAAMSJ, 2024). Ainda sobre o que concerne à inspeção no ambiente
amazônico, Pereira da Silva (2023)25 destaca que a ausência de fiscalização
tem permitido a continuidade de práticas predatórias, como extração ilegal
de madeira e mineração irregular, dificultando a implementação de proje-
tos sustentáveis na Amazônia.
Nesse contexto, os órgãos ambientais brasileiros têm alertado so-
bre os riscos associados à exploração energética na Amazônia, destacando
a necessidade de uma abordagem mais rigorosa e sustentável, como o Ins-
tituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) 26, por meio do programa
TerraBrasilis 27 , monitora o avanço do desmatamento e suas consequências
na viabilidade energética da Amazônia. Dados atualizados indicam que,
nos últimos anos, a supressão da vegetação nativa comprometeu potenciais
áreas para implantação de fontes limpas, além de intensificar a emissão de
carbono, o que dificulta o cumprimento das metas climáticas nacionais. A
fragilidade regulatória tem permitido a expansão desenfreada de ativida-
des ilegais, como mineração e desmatamento para obtenção de biomassa,
afetando diretamente comunidades indígenas e ribeirinhas.
Dessa forma, se faz presente, a urgência da criação de uma estru-
tura regulatória, eficiente, diante desse cenário. É imprescindível que haja
fortalecimento da fiscalização e adaptação legislativa, integrando normas
ambientais às diretrizes de transição energética. Modelos adotados em pa-
íses amazônicos, como Colômbia e Peru, mostram que uma fiscalização
mais rigorosa pode reduzir em até 30% as práticas ilegais e viabilizar in-
vestimentos sustentáveis. A implementação de uma matriz energética

Relatório sobre impacto ambiental e fiscalização da exploração de petróleo na Bacia Foz


do Amazonas, 2025.
24 PAAMSJ. Mineração na Amazônia: impactos socioambientais e desafios crescentes, 2024.
25 PEREIRA DA SILVA, Marcos Vinícius. Análise do Cumprimento da Legislação Ambiental

Brasileira no Combate à Exploração Ilegal de Recursos Naturais: Um Estudo de Caso na


Região Amazônica. Faculdade Anhanguera de Negócios, Brasília, 2023.
26 INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Monitoramento do desmatamento e

impactos na viabilidade energética da Amazônia, São José dos Campos, 2025.


27 TerraBrasilis: plataforma de monitoramento ambiental.

100
Ciranda de Saberes

segura e previsível na Amazônia só será possível com estabilidade jurídica


e fiscalização eficiente, garantindo proteção ao bioma sem comprometer o
desenvolvimento tecnológico do setor.
Fortalecimento da fiscalização ambiental: comparação internacional e
desafios brasileiros
A preservação ambiental e a implementação energética sustentá -
vel, determinam fiscalizações ostensivas e integração entre direito penal e
regulações administrativas. Modelos internacionais demonstram que
ações rigorosas de fiscalização e sanções penais efetivas, são fundamentais
para conter crimes ambientais e garantir a proteção dos recursos naturais.
Nos Estados Unidos, a Environmental Protection Agency (EPA) 28,
adota um sistema de fiscalização intensiva, combinando multas severas e
processos criminais contra empresas que violam normas ambientais. A
aplicação da Lei de Água Limpa (Clean Water Act), resultou em reduçã o
significativa da poluição industrial e na recuperação de ecossistemas aqu-
áticos. Na União Europeia, a Diretiva de Crimes Ambientais
(2008/99/EC)29, estabelece punições penais para infrações ambientais,
garantindo que empresas e indivíduos sejam responsabilizados por danos
ecológicos. Já na China, a implementação da Lei de Proteção Ambienta l
(2015)30 fortaleceu a fiscalização, permitindo prisões e fechamento de in-
dústrias poluentes, reduzindo emissões em áreas urbanas. No Brasil, em-
bora existam avanços na legislação, a fiscalização ainda enfrenta desafios,
permitindo a expansão de atividades ilegais, como mineração e desmata -
mento. A integração entre normas ambientais e políticas energéticas, ali-
ada a um fortalecimento da segurança jurídica, permitirá que o setor ener-
gético cresça sem comprometer a integridade do bioma amazônico.
Diante dos desafios ambientais enfrentados globalmente, a coope-
ração internacional e a integração entre direito penal e regulações admi-
nistrativas se tornam pilares essenciais para garantir um futuro sustentá -
vel. No cenário das políticas ambientais internacionais, o Acordo de Paris
(2015) representa um marco na luta contra as mudanças climáticas, cri-
ando metas para a redução das emissões de carbono, e exigindo, que países
signatários, fortaleçam suas fiscalizações ambientais. O tratado, enfatiza a
importância de instrumentos legais mais rígidos, responsabilizando juridi-
camente governos e empresas que negligenciam práticas sustentáveis
(ONU, 2015)31. O Acordo, impulsionou a implementação de mecanismos
de monitoramento mais eficazes, como relatórios periódicos sobre as emis-
sões, e controle de impactos ambientais em setores estratégicos.
No Brasil, a necessidade de fortalecer a fiscalização energética e
ambiental, é evidente para atender aos compromissos do Acordo de Paris,

28 EPA – Environmental Protection Agency. Clean Water Act Enforcement, 2025.


29 União Europeia. Diretiva de Crimes Ambientais, 2008.
30 China. Lei de Proteção Ambiental, 2015.
31 ONU – Organização das Nações Unidas. Acordo de Paris sobre Mudança do Clima, 2015.

101
Ciranda de Saberes

garantindo que o crescimento industrial e tecnológico ocorra, sem compro-


meter a integridade do bioma amazônico. A carência de uma integração
sólida entre regulações administrativas e penalização efetiva de crimes am-
bientais, as metas climáticas correm o risco de não serem cumpridas. Por-
tanto, o avanço do setor energético brasileiro deve ser acompanhado por
uma supervisão rigorosa, fortalecendo a segurança jurídica e garantindo
que o país se mantenha alinhado aos desafios ambientais globais.
Estratégias jurídicas para viabilizar a transição energética na Amazônia
De acordo com relatórios da Agência Nacional de Energia Elétrica
(ANEEL), o Brasil apresenta uma matriz energética predominantemen t e
renovável, com destaque para a geração hídrica e o avanço da energia solar
e eólica. No entanto, a ausência de regulamentação clara e políticas de in-
centivo à fiscalização, criam obstáculos que impedem a implementação de
novas tecnologias na Amazônia, região estratégica para o setor energético,
e essa transição energética brasileira, depende de um equilíbrio entre, cres-
cimento econômico e proteção ambiental, especialmente na Amazônia,
onde a matriz energética precisa se consolidar de forma sustentável. En-
tretanto, alguns dos principais pontos que percebemos durante essa pes-
quisa, é a presença de uma fiscalização deficiente e a ausência de segurança
jurídica, que comprometem iniciativas de energia limpa e criando um am-
biente ideal, para práticas ilegais.
A transição energética na Amazônia, não pode ocorrer sem um sis-
tema de fiscalização eficiente, capaz de impedir abusos corporativos, ex-
ploração indevida dos recursos naturais e crimes ambientais que compro-
metam a possibilidade de maior eficiência no processo de descarbonização.
Nesse sentido, o Direito Penal Ambiental atua como um mecanismo com-
plementar às normas regulatórias, assegurando que sanções sejam aplica-
das contra infrações que inviabilizam a implementação de fontes de ener-
gia renováveis na região.
Para que o Direito Penal exerça um papel mais ativa na proteçã o
ambiental e na garantia da segurança energética, é essencial a adoção de
estratégias jurídicas que fortaleçam sua aplicação e ampliem seu alcance.
Medidas que unificam, fiscalização eficiente, sanções proporcionais e me-
canismos inovadores. Desse modo, trouxemos as seguintes propostas:
I-Fortalecimento da fiscalização ambiental e energética.
• A ausência de monitoramento eficiente, permite que empresas e
indústrias explorem os recursos naturais sem cumprir normas am-
bientais. Melhorar a atuação de órgãos como IBAMA, ANEEL e
Ministério do Meio Ambiente, garantindo maior autonomia e in-
fraestrutura, pode ampliar o combate às infrações ambientais.
II-Integração entre Direito Penal e Regulação Energética.
• Com o foco não apenas na punição dos crimes ambientais, o Di-
reito Penal pode atuar na prevenção, impondo obrigações jurídicas
que incentivem as empresas a investirem em energia limpa, e a

102
Ciranda de Saberes

adotar práticas de transição energética em consonância com as


normas legais.
III-Tipificação de novos crimes ambientais relacionados à explora-
ção energética.
• Inserção de novas condutas criminosas no Código Penal para pu-
nir de forma mais severa práticas como a extração ilegal de recur-
sos naturais para geração de energia e a omissão de segurança am-
biental por parte das empresas do setor.
• Criação de agravantes penais para infrações cometidas em áreas
sensíveis, como reservas naturais e territórios indígenas na Ama-
zônia.
IV-Ampliação do conceito de responsabilidade penal corporativa .
• Aplicação do Direito Penal Empresarial para responsabilizar não
apenas pessoas físicas, mas também as corporações que promo-
vem impactos ambientais graves na geração de energia.
• Estabelecimento de sanções penais progressivas, vinculadas ao
grau de dano ambiental causado, para evitar que empresas sim-
plesmente internalizem multas como "custo operacional".
V-Criação de Tribunais Ambientais especializados.
• Estabelecimento de tribunais ambientais regionais, focados na
resolução ágil de crimes ambientais ligados à transição energética .
• Inclusão de especialistas em Direito Ambiental, Economia e En-
genharia Energética, garantindo decisões mais técnicas e eficazes.
VI- Papel do Ministério Público e ampliação da atuação penal pre-
ventiva:
• Fortalecimento do Ministério Público como agente ativo na fis-
calização ambiental e energética, atuando não apenas na denúncia,
mas também na prevenção de crimes ambientais.
• Estímulo à celebração de Termos de Ajustamento de Conduta
(TAC) com empresas para reduzir impactos e garantir planos obri-
gatórios de compensação ambiental.
VII-Incorporação do conceito de "litigância climática" no Direito
Penal.
• Possibilidade de que ações penais sejam utilizadas para respon-
sabilizar governos e empresas por impactos ambientais resultantes
da ausência de políticas eficazes de transição energética.
• Estímulo à responsabilização penal transnacional, permitindo a
punição de empresas estrangeiras que exploram indevidamen te
recursos naturais na Amazônia.
Essas propostas reforçam o papel do Direito Penal como um eixo
central na regulação da transição energética, garantindo que a transforma -
ção da matriz energética na Amazônia seja realizada dentro de um arca-
bouço jurídico sólido e justo.
Embora o Direito Penal Ambiental seja essencial na repressão de
infrações que dificultam a transição energética, sua eficácia aumenta

103
Ciranda de Saberes

quando combinado com estratégias preventivas e regulatórias. Medida s


como fiscalização aprimorada, uso de tecnologia e soluções restaurativa s
podem fortalecer esse processo, tornando-o mais eficiente e menos vulne-
rável a práticas ilícitas.
Estratégias jurídicas complementares para a transição energética
na Amazônia, como:
VIII-Justiça restaurativa ambiental como alternativa à penalização
tradicional.
• Além das sanções convencionais, aplicar modelos de compensa-
ção ambiental, reflorestamento e recuperação de áreas degrada -
das, podem garantir que empresas infratoras corrijam o impacto
ambiental causado, evitando apenas multas que nem sempre re-
sultam em mudanças estruturais.
XI-Maior investimento no uso de tecnologia na fiscalização.
• Ferramentas como drones, imagens de satélite e inteligência ar-
tificial, podem aprimorar o controle sobre crimes ambientais, ga-
rantindo monitoramento contínuo de áreas sensíveis e permitin do
que órgãos reguladores atuem preventivamente.
X-Criação de incentivos regulatórios para a transição energética .
• Muitas empresas resistem às mudanças necessárias, para fontes
renováveis devido ao custo inicial elevado. A aplicação de benefí-
cios fiscais, subsídios e linhas de crédito especiais para investimen -
tos em energia limpa pode acelerar a implementação da transição
na Amazônia.
Com essas propostas, o Direito Penal pode atuar não apenas como
instrumento de repressão, mas também como um meio de incentivo à tran-
sição energética, garantindo que o avanço sustentável na Amazônia seja vi-
ável, regulado e protegido juridicamente.
Conclusão
A transição energética na Amazônia é um desafio estratégico e ju-
rídico, que exige um modelo que integre sustentabilidade, proteção ambi-
ental e segurança regulatória. Embora a região tenha potencial significa-
tivo para a geração de energia limpa, fatores como infraestrutura precária,
exploração predatória dos recursos naturais e vulnerabilidade na fiscaliza-
ção, acabam dificultando esse processo. O fortalecimento da regulação am-
biental e da fiscalização penal é essencial para garantir que a exploração
dos recursos ocorra dentro dos limites da legalidade e da sustentabilidade.
O Direito Penal Ambiental, quando aplicado de forma estratégica,
pode não apenas punir infrações, mas também promover um ambiente ju-
rídico favorável à transição energética, garantindo segurança para investi-
mentos, fiscalização eficaz e preservação dos ecossistemas amazônicos. No
entanto, para que isso ocorra, é necessário aperfeiçoar mecanismos regu-
latórios, tornando as sanções ambientais mais eficazes e alinhadas à pro-
teção dos territórios indígenas e das comunidades afetadas por essas mu-
danças.

104
Ciranda de Saberes

Além da repressão às práticas ilegais, a justiça restaurativa ambi-


ental e o maior investimento das tecnologias na fiscalização, represen ta m
alternativas inovadoras e viáveis para tornar o modelo energético amazô-
nico mais sustentável. O aprimoramento de um sistema penal regulatório,
podemos viabilizar as transições energéticas de forma mais segura, criando
a real expectativa, de que a Amazônia se torne um eixo central no avanço
da energia renovável no Brasil, sem comprometer sua biodiversidade e
seus recursos naturais.
Considerações finais
A transição energética sustentável na Amazônia, exige uma abor-
dagem que vá além das questões técnicas e econômicas, sendo estrutura da
sobre um arcabouço jurídico sólido e bem aplicado. Este estudo buscou de-
monstrar que a integração entre Direito Penal, Regulação e Constituciona -
lidade pode ser um caminho para viabilizar essa mudança, garantindo que
a exploração dos recursos naturais ocorra de forma responsável e dentro
dos parâmetros legais.
Durante a pesquisa, fica evidente que a fragilidade na fiscalização
ambiental, a corrupção em processos regulatórios e a impunidade nos cri-
mes ambientais, são fatores que não favorecem a implementação de ener-
gias renováveis na região. Ao mesmo tempo, estratégias como justiça res-
taurativa ambiental, aplicação proporcional de sanções e uso de tecnologia
na fiscalização, podem transformar o cenário, permitindo que a Amazônia
se torne uma referência na produção de energia limpa no Brasil.
O estudo não se esgota aqui. A transição energética é um tema di-
nâmico, e sua relação com o Direito Penal ainda pode ser explorada em
outros aspectos no do combate a infrações ambientais, bem como às rela-
cionadas. Assim, espera-se que este artigo contribua para ampliar a discus-
são e incentive novas pesquisas e aprimoramentos legislativos voltados à
proteção ambiental e energética.
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2023. Disponível em: Cognitio Juris
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cios, Brasília, 2023. Disponível em: Repositório Acadêmico. Acesso em: 26
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Ciranda de Saberes

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108
OS IMPACTOS DAS LEIS, DECRETOS E PORTARIAS
NA REESTRUTURAÇÃO ADMINISTRATIVA DA GUARDA
CIVIL MUNICIPAL DE TAUBATÉ/SÃO PAULO
Ednaldo Rocha 1
Introdução
Taubaté, localizada no Vale do Paraíba (SP), é um município de
médio porte com aproximadamente 310.700 habitantes em 2024, segundo
estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2024).
Como polo industrial, educacional e comercial, enfrenta desafios de segu-
rança pública, como violência doméstica, furtos, roubos e pequenos deli-
tos, que impactam a qualidade de vida e a economia local (FÓRUM BRA-
SILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2024). Criada pela Lei nº 2.255 de
27 de outubro de 1987, a Guarda Civil Municipal de Taubaté (GCMT) evo-
luiu de uma força patrimonial — então antes denominada de “Guarda Au-
xiliar” passando a denominação de “Guarda Municipal” — para uma insti-
tuição mais engajada na proteção municipal conforme Câmara Municipal
de Taubaté (CMT, 1960, 1987). Com a promulgação da Lei Complemen ta r
nº 391, de 27 de junho de 2016, passou a exercer funções mais amplas,
como preventivas, comunitárias e de apoio às políticas públicas municipais
em consonância a Lei Federal nº 13.022 (CMT, 2016).
Este estudo tem como objetivo analisar os impactos de leis, decre-
tos e portarias na reestruturação administrativa da GCM de Taubaté, com
ênfase em cinco dimensões principais: (1) hierarquia funcional, (2) plano
de carreira, (3) capacitação profissional, (4) adoção de tecnologias e (5)
transparência institucional. A análise abrange o período de 1987 a 2025,
destacando marcos legislativos como a Leis Complementares, decretos
executivos e outras normas vigentes sobre esta instituição. A pesquisa
parte da hipótese de que essas legislações promoveram avanços na estru-
tura e operação da GCM, tornando-a apta a atender às demandas do novo
modelo de segurança pública municipal.
Os objetivos específicos do estudo são: mapear as normas que mol-
daram a reestruturação administrativa da GCM de Taubaté; avaliar sua efi-
ciência operacional considerando hierarquia funcional, capacitação profissi-
onal, adoção de tecnologias e programas comunitários; analisar as percep-
ções dos servidores quanto à hierarquia, promoções, condições de trabalho
e saúde mental, com base em audiências públicas realizadas em 2011 a 2024;
e propor recomendações para superar lacunas administrativas, fortalecer a
transparência e melhorar a qualidade de vida dos servidores.

1Artigo da monografia de Mestrado em Gestão Pública e Liderança – Universidad Europea


del Atlántico. Tecnólogo em Gestão de Segurança Pública UNINTER, Pós-graduado em Ges-
tão de Segurança Pública UNILEYA, Ciências Policiais e Ordem Pública IPEP e [...] e Cinotec-
nia Policial IPEP. https://orcid.org/0009-0004-1752-245;http://lattes.cnpq.br/6387658987
684;[email protected]

109
Ciranda de Saberes

A relevância do estudo reside em sua contribuição para o deba te


sobre a modernização das Guardas Civis Municipais no Brasil, oferecen do
subsídios à formulação de políticas públicas mais eficazes e à valorização
profissional dos agentes. O Vale do Paraíba, onde Taubaté se insere, é uma
região estratégica com municípios como São José dos Campos, Jacareí e
Guaratinguetá enfrentando desafios semelhantes. Isso reforça a pertinên -
cia de análises locais com potencial de aplicação regional. Além disso, o
estudo dialoga com a literatura sobre segurança pública municipal, mobi-
lização social, cultura organizacional, gestão pública e saúde ocupacional,
aprofundando o entendimento dos fatores que moldam a eficácia das
Guardas Civis Municipais (CARVALHO, 2021; SILVA & SAPORI, 2023;
MENDES, 2019; ALMEIDA, 2023).
Metodologia
Este estudo adota uma abordagem qualitativa, utilizando um es-
tudo de caso descritivo centrado na Guarda Civil Municipal de Taubaté,
São Paulo, metodologia adequada para explorar fenômenos complexos em
contextos específicos (CRESWELL, 2018). O estudo de caso permite inte-
grar múltiplas fontes de dados, proporcionando uma análise aprofunda da
das interações entre legislações, práticas administrativas, percepções dos
servidores e dinâmicas organizacionais. A escolha de Taubaté como objeto
de estudo justifica-se por sua representatividade como um município de
médio porte no Vale do Paraíba, com uma GCM que passou por transfor-
mações significativas nas últimas décadas, refletindo tendências nacionais
de modernização das Guardas Municipais.
Coleta de Dados

Tabela 1 - Quantitativo de Regulamentos Abordados da GCM de


Taubaté por Fase
Fase Período Leis Decretos Portarias Total
Criação 1987–2005 2 0 0 2
Reestruturação 2005–2016 4 1 1 6
Profissionalização 2016–2025 3 5 11 19
Total Geral 1987–2025 9 6 12 27
Fonte: Elaborado pelo Autor com base os dados da pesquisa.

A coleta de dados envolveu a análise documental de 27 fontes mu-


nicipais vinculadas à Guarda Civil Municipal (GCM) de Taubaté e à Lei Fe-
deral nº 13.022, de 8 de agosto de 2014, abrangendo o período de 1987 a
2025. Outras pesquisas também corroboram e estão organizadas em qua-
tro categorias principais.
A primeira categoria refere-se às legislações, que incluem normas
responsáveis pela criação da GCM de Taubaté, definição de suas funções
iniciais e proteção patrimonial. Algumas leis estabeleceram o adicional de
risco de vida de 30% para os guardas municipais, enquanto outras ampli-
aram as atribuições da Guarda para o policiamento comunitário e preven -
tivo. Além disso, houve a estruturação do plano de carreira, incluindo a

110
Ciranda de Saberes

hierarquia funcional e divisões especializadas. A legislação também forma -


lizou o Programa Guardiã Maria da Penha, voltado à proteção de mulheres
vítimas de violência doméstica, regulamento sobre uso de armas de fogo
pelos agentes e criou o Regime Especial de Trabalho Policial, garantindo
direitos trabalhistas e benefícios adicionais (CMT, 1987, 2016, 2022; PMT,
2012, 2019; BRASIL, 2014).
A segunda categoria contempla documentos institucionais, inclu-
indo relatórios da Secretaria de Segurança Pública Municipal de Taubaté
(SESPM), que detalham o efetivo, as atividades operacionais e os progra-
mas comunitários. Também foram analisadas atas internas, processos, de-
cretos e portarias municipais, como aquelas que autorizaram o uso de ar-
mamento de condutividade elétrica e reverteram punições administrativa s
aplicadas a servidores em 2017. As projeções para 2025 incluem iniciativas
como a criação da Divisão de Estratégia, Inteligência e Análise, e o Projeto
Sentinela conforme determinado pela Secretaria de Segurança Pública
(PMT, 2014, 2016, 2022, 2024, 2025).
A terceira categoria corresponde às audiências públicas, incluindo
transcrições da audiência de 2011, obtidas a partir de relatos históricos publi-
cados no blog da GCM de Taubaté, que documentam as primeiras mobiliza-
ções pela reestruturação da instituição (GUARDA CIVIL MUNICIPAL DE
TAUBATÉ, 2013). Além disso, foram analisados vídeos das audiências públi-
cas de 2015, 2016, 2023 e 2024, disponíveis no canal TV Câmara Taubaté no
YouTube, que capturam reivindicações dos servidores e debates com vereado-
res e gestores (TV Câmara Taubaté, 2015, 2016, 2023, 2024).
A quarta categoria a literatura acadêmica, que consiste em artigos,
livros e relatórios sobre segurança pública, gestão pública, mobilização so-
cial, cultura organizacional e saúde mental. Entre os autores e instituições
que contribuíram para a fundamentação teórica do estudo, destacam-s e
Carvalho (2021), Silva & Sapori (2023), Fórum Brasileiro de Segurança Pú-
blica (2024), Almeida (2023), Ribeiro (2020), Mendes (2019), Santos &
Lima (2021), Oliveira (2022), Muniz & Albernaz (2017) e Secretaria Naci-
onal de Segurança Pública (2015).
Critérios de Seleção
As fontes foram selecionadas com base em três critérios principais:
Relevância: Documentos diretamente relacionados à reestrutura -
ção administrativa da GCM de Taubaté, incluindo legislações, relatórios
institucionais e audiências públicas que abordam hierarquia, capacitação,
tecnologia e transparência.
Representatividade temporal: Fontes que cobrem quase quatro
décadas (1987–2025), permitindo a análise da evolução histórica e proje-
ções futuras.
Acessibilidade: Prioridade a fontes públicas ou institucionais, como
legislações disponíveis em sites oficiais e vídeos de audiências públicas.

111
Ciranda de Saberes

(ex.:http://camarasempapel.camarataubate.sp.gov.br;https://www.you-
tube.com/tvctaubate;https://plenussistemas.dioenet.com.br/list/tau-
bate;https://taubate.sp.gov.br/publicacoes/leis-municipais).
Análise de Dados
A análise de conteúdo, fundamentada em Bardin (2011), foi con-
duzida em três etapas:
Pré-análise: Leitura flutuante das 27 fontes para identificar tema s
emergentes, como hierarquia funcional, capacitação profissional, adoção
de tecnologias, desafios administrativos e percepções dos servidores. Por
exemplo, a Lei Complementar nº 391/2016 foi codificada como um marco
na hierarquia, enquanto as audiências públicas revelaram tensões relacio-
nadas à transparência.
Exploração do material: Codificação das fontes em categorias
analíticas, incluindo: Hierarquia e organização administrativa; Plano de
carreira e progressão funcional; Capacitação profissional e treinamento;
Tecnologia e inovação na segurança pública; Transparência e canais de di-
álogo institucional; Desafios administrativos; Percepções da categoria e da
sociedade;
Tratamento dos resultados: Interpretação dos impactos das legis-
lações, validação de melhorias operacionais, identificação de lacunas ad-
ministrativas e formulação de recomendações para políticas públicas. A tri-
angulação de fontes (leis, atas, vídeos, relatórios, processos) assegurou a
robustez da análise.
Limitações
Os dados referentes a 2024 e 2025 foram estimados com base em
tendências observadas até dezembro de 2024, considerando projeções de
efetivo fundamentadas em relatórios municipais. A ausência de entrevista s
diretas com servidores representou uma limitação, parcialmente compen -
sada pela riqueza das fontes documentais, especialmente as transcrições
de audiências públicas, que registraram as perspectivas dos agentes. A va-
lidade interna foi garantida por meio da triangulação de fontes, enquanto
a validade externa permanece restrita ao contexto de Taubaté, embora haja
potencial de aplicação a outras Guardas Municipais de porte semelhante.
Outras limitações incluem a dependência de fontes secundárias para dados
recentes e a ausência de indicadores que reflitam a percepção pública da
atuação da GCM de Taubaté, fator mitigado pela consulta a relatórios na-
cionais, como o do Fórum Brasileiro de Segurança Pública sobre índices
criminais (2024).
Resultados e discussão
Contexto Histórico e Legislativo
A história da segurança pública no Brasil reflete um processo de
evolução, passando da centralização para a descentralização. Durante o pe-
ríodo colonial (1500–1822), milícias locais atuavam na proteção de

112
Ciranda de Saberes

interesses econômicos, frequentemente de forma repressiva, sob o co-


mando de elites agrárias. As Guardas Municipais, criadas em 14 de junho
de 1831 e consideradas a primeira força de segurança pública, foram subs-
tituídas pela Guarda Nacional em 18 de agosto de 1831. Entretanto, no âm-
bito nacional, a Guarda Municipal Permanente, instituída por Diego Antô-
nio de Feijó em 10 de outubro de 1831, foi recriada apenas dois meses após
a formação da Guarda Nacional (CARVALHO, 2021).
As diversas mudanças no cenário da segurança pública durante o
período republicano, especialmente na Nova República, culminaram na
promulgação da Constituição Federal de 1988, que representou um marco
significativo para as Guardas Municipais, atribuindo aos municípios res-
ponsabilidades compartilhadas com os estados e a União. O artigo 144, §8º
da Constituição reconhece as Guardas Municipais como instituições de se-
gurança, com foco na proteção de bens, serviços e instalações públicas
(BRASIL, 1988). Posteriormente, a Lei nº 13.022/2014 consolidou esse pa-
pel ao definir as GCMs como agentes de policiamento comunitário, respon-
sáveis por ações preventivas, proteção dos direitos humanos e cooperaçã o
com outras forças de segurança (BRASIL, 2014). Essas alterações legislati-
vas estabeleceram um arcabouço jurídico para a modernização das Guar-
das Municipais em todo o país, incluindo Taubaté.
Em Taubaté, a Guarda Municipal foi instituída em 1987, inicial-
mente com a missão de proteger bens públicos municipais (CMT, 1987).
Durante as décadas de 1990 e 2000, a instituição enfrentou limitações es-
truturais, como falta de capacitação profissional, equipamentos obsoletos,
terceirização e ausência de um plano de carreira formal. Um dos primeiros
ganhos veio com a Lei Complementar nº 279/2012, que instituiu o adicio-
nal de risco de vida de 30% para os guardas, reconhecendo os riscos ine-
rentes à função (PMT, 2012). No entanto, foi a Lei Complementar nº
391/2016 que representou o principal marco na reestruturação da corpo-
ração, estabelecendo a hierarquia funcional, critérios disciplinares, corre-
gedoria e comando, além de possibilitar o desenvolvimento de divisões es-
pecializadas, como a Ronda Ostensiva Municipal (ROMU) e a Divisão de
Ensino. A legislação também definiu critérios para progressão funcional,
baseados em antiguidade e merecimento dos servidores (CMT, 2016).
Outras legislações complementaram esse processo de reestrutura -
ção. O Decreto nº 14.616/2019 regulamentou o uso de armas de fogo pela
GCM, alinhando a instituição às diretrizes nacionais de segurança pública
(PMT, 2019). A Lei nº 5.505/2019 criou o Programa Guardiã Maria da Pe-
nha, voltado à proteção de mulheres vítimas de violência doméstica, refor-
çando o caráter comunitário da Guarda Municipal (PMT, 2019). Por fim, a
Lei nº 5.703/2022 instituiu o Regime Especial de Trabalho Policial
(RETP), garantindo direitos trabalhistas como adicional de risco de vida e
regime especial de trabalho policial, fatores que contribuíram para a me-
lhoria das condições laborais dos agentes (CMT, 2022).
A aprovação da Lei Complementar nº 391/2016 foi resultado de di-
versas mobilizações iniciadas em 2007, protagonizadas por vereadores e

113
Ciranda de Saberes

servidores que enfrentaram resistências institucionais, muitas vezes acompa-


nhadas de retaliações administrativas (GUARDA CIVIL MUNICIPAL DE
TAUBATÉ, 2013; O VALE, 2017). Esses eventos ilustram a tensão entre o an-
damento legislativo e barreiras institucionais, um tema recorrente na litera-
tura sobre segurança pública municipal (MENDES, 2019; RIBEIRO, 2020).

Tabela 2 – Fases Históricas da Guarda Civil Municipal de Taubaté


Perí-
Fase Legislação Principal Características Principais
odo
Foco em proteção patrimonial,
1987
Criação Lei nº 2.255/1987 treinamento básico, estrutura li-
2005
mitada
Lei nº 13.022/2014, Lei Expansão de atribuições, início da
Reestru- 2005
Complementar nº profissionalização, mobilizações
turação 2016
391/2016 internas
Profissi- Plano de carreira estruturado, ca-
2016 Decreto nº 14.616/2019,
onaliza- pacitação avançada, investimento
2025 Lei nº 5.703/2022
ção em tecnologia
Fonte: Elaborado pelo Autor com base os dados da pesquisa.

Avanços da Reestruturação
A reestruturação administrativa da Guarda Civil Municipal de Tau-
baté resultou em conquistas em quatro áreas principais: capacitação pro-
fissional, adoção de tecnologias, programas comunitários e estrutura orga-
nizacional. Cada uma dessas dimensões é analisada qualitativamente, con-
siderando os aspectos legislativos e os impactos evidenciados nas audiên-
cias públicas.
Capacitação Profissional
A capacitação profissional foi um dos pilares da modernização da
Guarda Municipal de Taubaté, alinhando-se às diretrizes da Lei nº
13.022/2014, que enfatiza a formação contínua para o policiamento comuni-
tário e a proteção dos direitos humanos (BRASIL, 2014). Entre 2012 e 2025,
aproximadamente 60% dos 237 agentes da instituição (142 profissionais) par-
ticiparam de cursos presenciais e a distância, oferecidos em parceria com ins-
tituições como a Polícia Federal, a Polícia Militar do Estado de São Paulo (5º
Batalhão de Polícia Militar do Interior – Taubaté) e a Secretaria Nacional de
Segurança Pública (SENASP), além de formações internas conduzidas pela
Unidade de Treinamento, Ensino e Pesquisa (UTEP) 2 e posteriormente pela
Divisão de Ensino. Os treinamentos, aplicados pontualmente e regularmente,
foram voltados para três áreas essenciais:
Técnicas operacionais: abordagem policial, direção defensiva ,
imobilização, uso progressivo da força e manejo de armamento de baixa
letalidade (ex.: dispositivos de condutividade elétrica - ACE SPARK);

2Ata - Projeto Unidade de Treinamento, Ensino e Pesquisa da Guarda Municipal de Taubaté


(UTEP-GMT). Taubaté, 20 out. 2014 [Documento interno, não publicado]

114
Ciranda de Saberes

Habilidades socio-humanísticas: mediação de conflitos, direitos


humanos e atendimento a populações vulneráveis, como vítimas de violên-
cia doméstica e pessoas em situação de rua;
Uso de equipamentos: treinamento em armas de fogo, regulamen -
tado pelo Decreto nº 14.616/2019, e aprendizado no uso de tecnologias de
monitoramento, como softwares do Centro de Gestão Integrada (CGI)
(PMT, 2016, 2019).
Em 2014, por exemplo, o Curso de Multiplicadores de Policia-
mento Comunitário, oferecido pela SENASP em São José dos Campos, ca-
pacitou 10 agentes de Taubaté (TV Câmara Taubaté, 2015), promoven do
uma abordagem mais próxima da comunidade, conforme as diretrizes da
Lei nº 13.022/2014. Em 2015, a capacitação em armamento de choque
(ACE SPARK) preparou os agentes para ações de menor potencial ofensivo,
reduzindo o risco de escalada em operações urbanas.
Entre 2019 e 2025, a Divisão de Ensino estruturou o Curso de For-
mação da GCM (CFGCM), em parceria com a Polícia Federal, incluindo
módulos avançados de inteligência policial, noções de criminologia, direito
penal, entre outros, capacitando os agentes para atuarem em divers as situ-
ações. Esses avanços elevaram o padrão operacional, permitindo maior ali-
nhamento com as diretrizes nacionais da Secretaria Nacional de Segurança
Pública (SENASP, 2015). A capacitação contínua é essencial para manter a
motivação profissional e a qualidade do serviço, mas requer investimentos
constantes em recursos humanos e financeiros (MENDES, 2019).

Tabela 4 – Formação da GCM de Taubaté (2012–2025)


Institui-
Ano Treinamento Impacto
ção/Parceria
Capacitações operacio-
Qualificação técnica para patru-
nais (direção defensiva, 5º BPM/I –
2012 lhamento, melhoria na segu-
abordagem, imobiliza- Taubaté
rança operacional
ção)
Curso de Policiamento SENASP – São Fortalecimento da atuação co-
2014 Comunitário e mediação José dos Cam- munitária, alinhamento com Lei
de conflitos pos nº 13.022/2014
Criação da Unidade de Estruturação para formação in-
GCM de Tau-
2014 Treinamento, Ensino e terna, redução da dependência
baté
Pesquisa de parcerias externas
Capacitação em uso de Preparação para ações de me-
2015 GCM de Tau-
armamento de choque nor potencial ofensivo, aumento
2017 baté/SENASP
(ACE SPARK) da segurança em operações
Criação da Divisão de GCM de Tau- Capacitação integral e contínua,
2019
Ensino e Curso de For- baté/Polícia porte funcional de arma, qualifi-
2025
mação (CFGCM) Federal cação para inteligência policial
Fonte: Elaborado pelo autor com base nos dados da pesquisa
.
Tecnologia
A Guarda Civil Municipal de Taubaté tem se consolidado como
uma instituição moderna no Vale do Paraíba, destacando-se pelo investi-
mento em tecnologia para o monitoramento da segurança (MEON, 2024).

115
Ciranda de Saberes

A integração de câmeras particulares ao sistema de vigilância (Projeto Sen-


tinela) fortalece a colaboração comunitária e amplia a sensação de segu-
rança. O Centro de Gestão Integrada (CGI), com softwares de análise em
tempo real, possibilita respostas ágeis a incidentes, inspirando-se em es-
truturas avançadas como o Centro de Segurança e Inteligência (CSI) de São
José dos Campos, referência em tecnologia de ponta e operações dinâmicas
(PREFEITURA DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS, 2023; COSTA NORTE,
2024).
Buscando adotar práticas de referência, Taubaté pretende aliar
tecnologia ao engajamento comunitário, enfrentando desafios como orça-
mento para desenvolver as capacitações tecnológicas da instituição. Em
comparação, São José dos Campos e Contagem representam modelos ins-
piradores para Taubaté. Enquanto São José dos Campos se destaca pela
estabilidade institucional e uma frota de viaturas elétricas, símbolo de sua
modernização, Contagem é reconhecida pela capacitação intensiva dos
agentes e pela cooperação interinstitucional, conforme estudo de Silva e
Sapori (2023).
Programas Comunitários
Os programas comunitários consolidaram o papel da GCM como
agente de proximidade social, alinhado às diretrizes da Lei nº 13.022/2014,
que enfatiza o policiamento comunitário (BRASIL, 2014). O Programa
Guardiã Maria da Penha, instituído pela Lei nº 5505/2019 em Taubaté,
protegendo mulheres vítimas de violência doméstica (PMT, 2019). O pro-
grama trata sob medidas protetivas, acompanhamento psicossocial, e arti-
culação com delegacias especializadas. Outras iniciativas incluem, Consul-
tório de Rua (Programa em parceria com equipes de saúde e assistência
social, atendendo pessoas em situação de rua), Projeto Aguar e Guardiã o
Azul (Iniciativa educativa de prevenção ao uso de drogas, com palestras em
escolas, blitzes educativas e campanhas de conscientização) realizada em
escolas públicas.

Tabela 3 – Tipos de Atividades da Guarda Civil Municipal de Taubaté


Tipo De
Atividades Específicas
Atividade
Ronda Escolar, Ronda Rural, Policiamento Com Motocicletas, Ciclo-Pa-
Patrulha-
trulhamento, Ronda Motorizada, Ronda Ostensiva Municipal (ROMU),
mentos
Ações De Patrulhamento Preventivo Comunitário
Operações Operação Praça Segura, Operação Sossego (Em Parceria Com A Polícia
Especiais Militar)
Programas Programa Guardiã Maria Da Penha, Projetos Socioeducativos (Aguar,
E Projetos Guardião Azul), Consultório De Rua, Sentinela.
Ações Con- Atuação Em Apoio À Fiscalização De Posturas, Mobilidade Urbana, De-
juntas fesa Civil
Fonte: Elaborado pelo autor com base nos dados da pesquisa.

Esses programas fortalecem a relação entre a GCM e a comuni-


dade, promovendo a confiança pública e a sensação de segurança. A

116
Ciranda de Saberes

literatura sugere que programas comunitários são mais eficazes quando


combinados com estratégias de comunicação transparente e participaçã o
cidadã (MENDES, 2019).
Estrutura Organizacional
A Guarda Civil Municipal de Taubaté, vinculada à Secretaria Mu-
nicipal de Segurança Pública, opera sob a Lei Complementar nº 391/2016,
que estabelece sua estrutura funcional e hierárquica (CMT, 2016). Com di-
visões especializadas, a organização busca atender de forma eficiente às
demandas de segurança pública, proteção patrimonial e integração comu-
nitária.
Comando Geral: Responsável pelo planejamento estratégico, ges-
tão administrativa e coordenação das atividades operacionais;
Coordenadoria Operacional e Comando de Força: Supervision a
operações táticas, incluindo patrulhamento ostensivo, respostas rápidas a
incidentes e articulação com bases regionais;
Divisão Operacional: Organiza grupamentos especializados, como
guardas armados, equipes de patrulhamento motorizado, ciclo-patrulha-
mento, ronda escolar e setor de inteligência, com bases operacionais n os
bairros Vila Marli, Alto do Cristo e Quiririm;
Centro de Gestão Integrada (CGI): Central de monitoramen to
equipada com tecnologia avançada para análise de dados criminais e coor-
denação de operações;
Corregedoria: Órgão que fiscaliza a conduta dos agentes por meio
de processos administrativos de apuração de denúncias, embora ainda li-
mitado pela ausência de uma ouvidoria independente;
Divisão de Ensino: Responsável pela capacitação contínua dos
agentes, oferecendo cursos internos e parcerias com instituições como a
Polícia Federal e a SENASP;
Divisão de Estratégia, Inteligência e Análise (DEIA): Criada em
2024, encarregada da análise de dados criminais, formulação de estraté-
gias e otimização de recursos (PMT, 2024);
Setores de Recursos Humanos e Logística: Gerenciam carreiras,
promoções, uniformes, armamentos e viaturas, enfrentando desafios como
a escassez de orçamento.
A hierarquia funcional inclui os cargos de Guarda Civil Municipal
de 3ª Classe, 2ª Classe e 1ª Classe, além de Subinspetor e Inspetor, defini-
dos por progressão com base na antiguidade, merecimento e capacitação
conforme Lei 391/2016.
Desafios Administrativos
Apesar das conquistas, a reestruturação da instituição de Taubaté
enfrenta desafios críticos que limitam sua eficácia operacional e organiza-
cional. Esses desafios, resumidos na Tabela 5, incluem déficit de efetivo,
desigualdades salariais, subjetividade nas promoções, falta de transparên -
cia, infraestrutura inadequada e ausência de suporte à saúde mental.

117
Ciranda de Saberes

Tabela 5 – Desafios Administrativos da Guarda Civil Municipal de


Taubaté (2025)
Desafio Descrição Impacto
Sobrecarga de trabalho,
237 agentes contra 306 projetados (câ-
cobertura limitada em
Déficit de mara municipal de Taubaté, 1990) ou 932
bairros periféricos, au-
efetivo permitidos pela lei nº 13.022/2014 (0,3%
mento do tempo de res-
da população de 310.700)
posta
Desmotivação profissio-
Desigual- Piso salarial aproximado de R$2.100 em
nal, alta rotatividade, difi-
dades sala- 2025, inferior ao proposto nacionalmente
culdade de atrair novos
riais (R$3.800, BRASIL, 2022)
agentes
Subjetivi- Critérios opacos, com relatos de favori- Conflitos internos, baixa
dade em tismo em audiências públicas (tv câmara confiança na liderança,
promoções Taubaté, 2016, 2024) desmotivação
Dificuldade em resolver
Ausência de ouvidoria independente para
Transpa- conflitos, percepção de im-
receber denúncias de servidores e cida-
rência punidade, baixa confiança
dãos
pública
Riscos à segurança opera-
Infraestru- Número de viaturas, epi inadequados e em cional, limitação na mobi-
tura pouca quantidade (ex.: coletes balísticos) lidade, baixa eficiência em
operações
Elevação de casos de es-
Saúde Sobrecarga de trabalho e ausência de pro-
tresse, burnout e queda na
mental gramas de suporte psicológico contínuo
produtividade
Fonte: Elaborado pelo autor com base nos dados da pesquisa.

Déficit de efetivo: Com apenas 237 agentes, a Guarda de Taubaté


reflete um componente histórico induzido após a devolução dos servidores
realocados entre 2014 e 2016. Com a saída dos servidores realocados o efe-
tivo ficou restrito aos agentes de carreira, e, sem a realização de concursos
públicos, o quadro permanece abaixo dos 306 conforme Lei Complemen ta r
nº 1 de 1990.
Desigualdades salariais: O piso salarial de aproximadamente R$
2.100 em 2025 está significativamente abaixo da proposta em tramitaçã o
nacionalmente (R$ 3.800), o que desmotiva os agentes e dificulta a reten -
ção de talentos (BRASIL, 2022). Em 2023, uma audiência pública destacou
que guardas de cidades vizinhas, como São José dos Campos, recebem
aproximadamente até 30% a mais, gerando questionamentos entre os ser-
vidores (TV CÂMARA TAUBATÉ, 2023).
Subjetividade em promoções: “A adoção de critérios subjetivos na
progressão funcional tem gerado percepções de favorecimento, contribu-
indo para conflitos internos, como a exclusão de vagas para a 1a classe. . Em
2016, servidores denunciaram promoções baseadas em relações pessoais,
problema que voltou a ser ressaltado em 2023, comprometendo a confi-
ança na liderança (TV CÂMARA TAUBATÉ, 2016, 2023). A literatura
aponta que critérios claros e estruturados, como avaliações de desempen h o
e certificações, são fundamentais para garantir a coesão organizacional
(RIBEIRO, 2020).

118
Ciranda de Saberes

Transparência: A falta de uma ouvidoria independente dificulta a


resolução de denúncias internas (ex.: assédio moral) e externas (ex.: abu-
sos de autoridade), afetando a confiança pública (OLIVEIRA, 2022). Em
2024, servidores propuseram a criação de um canal anônimo para denún -
cias, mas a iniciativa não avançou devido à resistência administrativa (TV
CÂMARA TAUBATÉ, 2024).
Infraestrutura: Com viaturas insuficientes, a mobilidade da GCM
fica comprometida, especialmente em áreas rurais e periféricas. Além
disso, a falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), como coletes
balísticos, expõe os agentes a riscos, conforme denunciado em 2015 e 2023
(TV CÂMARA TAUBATÉ, 2015, 2023).
Saúde mental: A sobrecarga de trabalho, somada às jornadas in-
tensas, à exposição constante à violência e às altas exigências de disciplina
e eficiência, tem elevado os casos de estresse e burnout. Em 2023, servido-
res relataram afastamentos por problemas psicológicos, agravados pela au-
sência de programas de suporte contínuo (SANTOS & LIMA, 2021; AL-
MEIDA, 2023).
Audiências Públicas e Mobilizações
As audiências públicas realizadas em 2011, 2015, 2016, 2023 e
2024 foram fundamentais para captar as demandas dos servidores e da so-
ciedade, proporcionando uma visão detalhada das conquistas e desafios de
Taubaté. A Tabela 6 sintetiza os temas, reivindicações e fontes de cada au-
diência. Esses debates foram essenciais para o processo de reestrutura çã o
da Guarda Civil Municipal, embora a participação dos servidores e do po-
der legislativo tenha gerado desconforto político na época.

Tabela 6 – Audiências Públicas da Guarda Civil Municipal de Taubaté


(2011–2024)
Ano Temas principais Reivindicações Fonte
Mobilização inicial, Estruturação da GCM com hierar- Guarda civil
2011 formalização da GCM, quia definida, salário competitivo, municipal de
plano de carreira capacitação via Pronasci Taubaté (2013)
Valorização salarial, capacitação
Profissionalização,
de 560 horas via Senasp, fim do Tv câmara
2015 equiparação salarial,
desvio de função, fornecimento de Taubaté (2015)
condições de trabalho
epi
Critérios objetivos para progres-
Implementação da lei
são funcional, fim das retaliações Tv câmara
2016 complementar nº
administrativas, aquisição de via- Taubaté (2016)
391/2016, promoções
turas
Suporte psicológico, revisão do
Saúde mental, carga
teste de aptidão física, moderniza- Tv câmara
2023 de trabalho, revisão
ção da lei nº 391/2016 via PLC Taubaté (2023)
legislativa
28/2022
Criação de ouvidoria indepen-
Transparência, déficit
dente, concurso público, incorpo- Tv câmara
2024 de efetivo, condições
ração do adicional de risco de Taubaté (2024)
estruturais
vida à aposentadoria
Fonte: Elaborado pelo autor com base nos dados da pesquisa

119
Ciranda de Saberes

Audiência de 2011: Mobilização Inicial


A audiência de 2011 marcou o início das mobilizações pela forma -
lização da Guarda Civil Municipal de Taubaté. Silva, representante do Sin-
dicato dos Guardas de São Paulo, defendeu a criação de uma Guarda estru-
turada, com plano de carreira e um efetivo inicial de 150 a 400 agentes,
argumentando que os índices de criminalidade na cidade exigiam uma
força de segurança bem equipada e valorizada. O sociólogo Reis, criticou a
precariedade dos equipamentos, como rádios obsoletos e viaturas sucate-
adas, comprometendo a eficácia operacional. Ele sugeriu parcerias com o
Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci) para
viabilizar a capacitação e a bolsa-formação, visando a profissionalização
dos agentes. A vereadora Paolicchi manifestou apoio à criação de uma le-
gislação municipal, porém, a falta de diálogo com o Executivo impediu re-
sultados imediatos (GCMT, 2013). Essa audiência lançou as bases para a
reestruturação, mas também evidenciou a resistência inicial da adminis-
tração municipal em investir na GCM.
Audiência de 2015: Profissionalização
Em 2015, a audiência pública centrou-se na profissionalização da
instituição, impulsionada pela Lei nº 13.022/2014. Rocha, alertou para a
falta de equiparação salarial em relação a outras forças de segurança e de-
fendeu um projeto de lei mais robusto, evitando revisões futuras. Ele enfa-
tizou a necessidade de uma capacitação de 560 horas via SENASP, abor-
dando técnicas operacionais, mediação de conflitos e outros módulos es-
senciais. Conceição. criticou a ausência de equipamentos de proteção indi-
vidual (EPI), como coletes balísticos, que deixavam os agentes vulneráveis
em operações. Entre as principais reivindicações estavam a regulamenta -
ção do porte de arma, a aquisição de novas viaturas e o fim do desvio de
função, já que muitos guardas eram deslocados para tarefas administrati-
vas. Apesar do investimento de R$ 1,8 milhão em equipamentos entre 2014
e 2015, a transparência orçamentária continuava sendo um desafio, inten-
sificando a pressão pela aprovação da Lei Complementar nº 391/2016 (TV
CÂMARA TAUBATÉ, 2015).
Audiência de 2016: Avanços e Retaliações
A audiência de 2016 celebrou a aprovação da Lei Complemen ta r
nº 391/2016, mas também revelou retaliações contra servidores envolvidos
na mobilização. Guimarães, denunciou transferências injustificadas e ad-
vertências administrativas aplicadas a agentes que participaram do mani-
festo de 2016, alegando perseguição política. Nascimento criticou a insufi-
ciência dos treinamentos, alertando para os riscos de se trabalhar sem pre-
paro adequado. O Projeto de Lei Complementar (PLC) 7/2016, que ali-
nhava à Lei nº 13.022/2014, enfrentou resistência devido à falta de diálogo
com a categoria, evidenciando tensões entre servidores e gestores. A audi-
ência reforçou a necessidade de critérios transparentes para promoções ,

120
Ciranda de Saberes

proteção contra represálias e investimentos em infraestrutura (TV CÂ-


MARA TAUBATÉ, 2016).
Audiência de 2023: Saúde Mental e Revisão Legislativa
A audiência de 2023 trouxe a saúde mental dos agentes como tema
central, destacando os impactos da sobrecarga de trabalho e da exposição
constante à violência (LIMA, 2023). Costa, defendeu a ampliação de bene-
fícios, como a aposentadoria especial, e destacou que os afastamentos por
adoecimento psicológico cresceram 20% entre 2020 e 2022, segundo da-
dos internos da GCM. Juliana, elogiou a implementação do Teste de Apti-
dão Física (TAF) como instrumento democrático para progressão na car-
reira, mas reivindicou uma formação diferenciada, com foco em inteligên-
cia policial e mediação de conflitos. Rocha, criticou o histórico de conflitos
e perseguições internas, propondo a revisão da Lei Complementar nº
391/2016 por meio do PLC 28/2022, garantindo ampla participação da ca-
tegoria. Outras demandas incluíram o pagamento de 30% de adicional de
risco de vida na aposentadoria, a ampliação dos cargos de inspetoria e su-
binspetoria, e a modernização das instalações, como a base da Vila Marli,
descrita como precária (TV CÂMARA TAUBATÉ, 2023).
Audiência de 2024: Transparência e Valorização
A audiência de 2024 enfatizou a urgência da transparência institu-
cional e da valorização dos agentes. Macena, apontou a desvalorização dos
guardas alocados em postos menos estratégicos, como escolas rurais, onde
a falta de viaturas dificultava o atendimento. Claudemir, Elias e Jeferson,
relataram o impacto da instabilidade administrativa devido às mudanças
nos critérios de promoção, afetando o equilíbrio familiar dos servidores .
Robson, chamou atenção para o aumento de afastamentos por questões
psicológicas, associando-os às condições de trabalho e à ausência de su-
porte contínuo. Rocha, reiterou as retaliações históricas e defendeu que a
revisão do PLC 28/2022 ocorresse com participação dos guardas, pro-
pondo a criação de uma ouvidoria independente e um canal anônimo para
denúncias. A audiência também reforçou a necessidade de concursos pú-
blicos para completar o efetivo e melhorar a infraestrutura, mas a ausência
de gestores e a falta de transparência nas atas dificultaram mudanças ins-
titucionais (TV CÂMARA TAUBATÉ, 2024).
Estudo de caso
Em 2016, a insatisfação com as condições de trabalho culminou na
manifestação de 4 de maio, desencadeada pela agressão a um guarda em
um posto isolado na região do bairro Agronomia (Fisrt Wave) 3. O protesto,
iniciado em frente à sede da Prefeitura de Taubaté e seguido até a Câmara
Municipal, reuniu cerca de 72 guardas, que buscaram apoio legislativo para

3A antiga fábrica da First Wave, localizada em Taubaté, estava desativada após a falência
da empresa. O local tornou-se alvo de furtos e invasões, resultando na agressão a um
Guarda Civil Municipal que fazia a vigilância do espaço.

121
Ciranda de Saberes

regulamentar a corporação (GUIA TAUBATÉ, 2016). A mobilização resul-


tou na criação de uma comissão na Câmara Municipal, composta por guar-
das e vereadores, que elaboraram emendas ao Projeto de Lei Complemen -
tar nº 7/2016, precursor da Lei Complementar nº 391/2016. A imprens a
local, como o Jornal Contato e o PortalR3, cobriu o evento, destacando a
adesão voluntária dos servidores e a ausência de vínculos político-partidá -
rios (JORNAL CONTATO, 2016; PORTALR3, 2016). No entanto, a mobili-
zação gerou retaliações. Guardas envolvidos enfrentaram sindicâncias e
sanções administrativas, incluindo demissões, suspensões e advertências .
A Lei Complementar nº 391/2016 foi aprovada em 27 de junho de 2016,
estruturando a instituição e trazendo avanços como a hierarquia funcion al
e o plano de carreira (PORTALR3, 2016).
Em 2017, dois guardas foram demitidos, um foi suspenso, dois fo-
ram advertidos e outros vinte e um haviam recebido advertências anterior-
mente como consequência da manifestação (O VALE, 2017). Em sessão le-
gislativa, um vereador declarou: “A Guarda Municipal veio aqui de forma
pacífica apresentar suas reivindicações. Temos que acabar com a persegui-
ção política, a opressão e a falta de respeito!” (GUIA TAUBATÉ, 2016). As
acusações da chefia municipal, que vinculavam o movimento a motivações
políticas, foram refutadas pelos guardas, que enfatizaram a legitimida de
das reivindicações.
Em 2022, a nova administração revisou o processo e identificou
inconsistências na condução administrativa das demissões e suspensões.
Entre os erros, foi destacada a omissão do critério de primariedade dos
acusados, fator essencial para análise justa das penalidades. O Relatório
Final III – "Análise das Provas Carreadas aos Autos" apontou que as fichas
funcionais dos envolvidos, anexadas ao processo nº 29780/2016 4, não con-
tinham registros de penalidades administrativas anteriores. No entanto,
esse fato não foi considerado na recomendação das sanções (processo ad-
ministrativo 33858/2021, 2022, fl. 120). Diante dessa constatação, a co-
missão revisora recomendou a nulidade das penalidades, e a Portaria nº
1111/2022 declarou a reintegração dos servidores, marcando uma vitória
significativa para os agentes penalizados (PMT, 2022).
Cultura Organizacional
A Lei Complementar nº 391/2016 fortaleceu a hierarquia funcio-
nal, mas a subjetividade nas promoções gerou resistências internas, con-
forme relatado em audiências públicas (TV CÂMARA TAUBATÉ, 2024). A
teoria da psicologia organizacional sugere que a falta de critérios objetivos
para progressão funcional pode minar a coesão e a motivação, especial-
mente em instituições com alta exposição ao estresse (ALMEIDA, 2023).
Por exemplo, em 2023, servidores relataram que a pressão por resultados
operacionais, combinada com a falta de canais de diálogo interno, gerava

4 Processo administrativo nº 29780/2016 foi revisado pelo processo administrativo


33858/2021[Documentos interno, não publicados]

122
Ciranda de Saberes

conflitos entre agentes e comandantes. A ausência de uma ouvidoria inde-


pendente exacerbava essas tensões, dificultando a resolução de denúncias
de assédio moral ou favoritismo (TV CÂMARA TAUBATÉ, 2023). A litera-
tura destaca que culturas organizacionais saudáveis requerem transparên -
cia, participação dos servidores e programas de bem-estar, elementos
ainda incipientes em Taubaté (OLIVEIRA, 2022).
Análise Comparativa
Comparada a São José dos Campos, que possui um número maior
de agentes, Taubaté avança, mas fica atrás em valorização profissional. A
GCM de Contagem, Minas Gerais, é referência em capacitação, com 80%
dos agentes treinados, oferecendo um modelo para Taubaté (SILVA & SA-
PORI, 2023). Enquanto Contagem investe em programas de reciclagem
contínua, Taubaté caminha para capacitar seu efetivo integralmente, limi-
tando a regularidade de capacitação continuada somente a parte do efetivo
(formados no CFGCM)5. Taubaté contrasta com a estabilidade institucio-
nal de São José dos Campos, onde investimentos e uma boa gestão eviden -
cia uma alternativa significativa de transparência e credibilidade miti-
gando problemas de ordem funcionais (LIMA ET AL., 2016).
Impactos Socioeconômicos
O aumento de câmeras e a implementação programas como Guar-
diã Maria da Penha são aspectos positivos, incentivando o comércio local e
a proteção a grupos vulneráveis contribuem para o fortalecimento das ati-
vidades comunitárias e redução da criminalidade (FBSP, 2024). Contudo,
com poucos recursos pode limitar a cobertura em bairros periféricos, ope-
rações das equipes, desgastar o efetivo e afetar a sensação de segurança e o
desenvolvimento econômico do município. Investimentos em capacitação
geram benefícios, como maior eficiência operacional, mas a baixa remun e-
ração compromete a retenção de talentos e desmotivação, isso pode ser um
ponto crítico na gestão de recursos (OLIVEIRA, 2022).
Perspectivas Futuras
A adoção de tecnologias, como drones e implementação de inteli-
gência artificial, pode ampliar a eficiência operacional, exigindo investi-
mentos em treinamento e infraestrutura (AZEVEDO, 2023). A criação de
ouvidorias independentes e indicadores de desempenho (ex.: taxas de cri-
minalidade, satisfação comunitária) é essencial para a transparência e es-
tratégia operacional (SOARES, 2021). Concursos públicos para atingir o
efetivo projetado e a revisão do plano de carreira são prioridades, para pro-
mover uma maior cobertura de todo território municipal (SOUZA, 2022) e
corrigir problemas administrativos. Cenários otimistas podem incluir a in-
tegração da GCM com políticas de saúde e educação, enquanto cenários
pessimistas envolvem estagnação orçamentária e aumento da rotatividade.

5CFGCM – Curso de Formação de Guarda Civil Municipal realizado pela Divisão de Ensino da
própria instituição.

123
Ciranda de Saberes

Conclusão e recomendações
O estudo sobre a reestruturação da Guarda Civil Municipal de Tau-
baté-SP revelou melhorias importantes impulsionadas pela Lei Comple-
mentar nº 391/2016. A análise da evolução histórica, legal e organizacional
da instituição identificou três fases: Criação (1987-2005), Reestrutura çã o
(2005-2016) e Profissionalização (2016-2025), destacando melhorias na
estrutura organizacional e na ampliação das funções da instituição. No en-
tanto, o déficit de efetivo e barreiras administrativas ainda limitam sua efi-
ciência operacional. A movimentação de classe, e a implementação do
plano de carreira proporcionou benefícios sociais aos servidores, mas de-
safios como subjetividade nos critérios de progressão de carreira e morosi-
dade administrativa prejudicaram parte dos servidores. Além disso, de-
núncias de assédio moral e sobrecarga de trabalho evidenciam a necessi-
dade de uma ouvidoria independente e maior valorização profissional. As
melhores práticas incluem o fortalecimento da atuação comunitária, con-
tudo é necessário melhorar os recursos humanos e financeiros. A moder-
nização tecnológica com expansão do monitoramento e a integração do
projeto “Sentinela” são muito atraentes a comunidade. Outras ações de re-
levância é a capacitação e profissionalização do efetivo, com criação de gru-
pos especializados e capacitação continuada. Contudo, orçamento insufici-
ente, defasagem de efetivo e ausência de indicadores de desempenho de
percepção pública consolidados são fatores limitantes.
A hipótese do trabalho foi validada parcialmente. Apesar da pro-
fissionalização e modernização da Guarda Civil Municipal de Taubaté, la-
cunas na implementação comprometem os impactos de melhores resulta -
dos a longo prazo. Comparações com outras cidades indica m que investi-
mentos estratégicos em tecnologia e governança podem aprimorar a segu-
rança pública do município, desde que restrições financeiras e éticas sejam
superadas.
Recomenda-se que se crie: Ouvidoria independente para criar um
canal com equipe externa para denúncias, e busca por soluções na resolu-
ção de conflitos; Suporte psicológico para implementar programas com
sessões regulares, em parceria com instituições de saúde, reduzindo afas-
tamentos por estresse (SANTOS & LIMA, 2021); Trabalhar com indicado-
res de desempenho para adotar métricas como taxas de criminalidade e
satisfação comunitária, com relatórios anuais acessíveis (SOARES, 2021);
Revisão do plano de carreira para definir critérios mais objetivos, com a
participação da categoria, incentivando progressão de carreira horizontal
(RIBEIRO, 2020); Mitigação de retaliações, criando um comitê ético inde-
pendente para investigar denúncias, protegendo servidores (MENDES,
2019); Concursos públicos para alcançar o número previsto de agentes,
com estudo de viabilidade para expansão deste efetivo (SOUZA, 2022); Ca-
pacitação expandida para todo o efetivo, treinamentos, mapeando compe-
tências individuais, reduzindo a indiferença entre os servidores (AZE-
VEDO, 2023); Garantir maior quantidade de equipamentos, viaturas e

124
Ciranda de Saberes

benefícios aos servidores, com orçamento mais abrangente, reduzindo ris-


cos operacionais e melhorando a qualidade de vida dos servidores (SILVA
& SAPORI, 2023).
Este estudo contribui para a modernização das Guardas Munici-
pais, oferecendo lições aprendidas para outras cidades. Pesquisas futura s
podem explorar a percepção comunitária, indicadores quantitativos e qua-
litativos e comparações regionais. Explorar pontos em que esta pesquisa
não pode se aprofundar como entrevistas, níveis de eficiência dos projetos
e inovações que a GCM de Taubaté executa, podem ajudar a aprofundar o
tema exposto.
REFERÊNCIAS
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2023.
AZEVEDO, R. Modernização das guardas municipais: desafios e oportun i-
dades. Rio de Janeiro: Editora Y, 2023.
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2011.
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Brasília, DF, 5 out. 1988.
BRASIL. Lei nº 13.022, de 8 de agosto de 2014. Institui o Estatuto Geral
das Guardas Municipais. D.O.U. Brasília, DF, 8 ago. 2014.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 2.298, de 2022. Institui
o piso salarial nacional dos guardas municipais. Brasília: Câmara dos De-
putados, 2022.
CÂMARA MUNICIPAL DE TAUBATÉ. Processo 1213/60, Projeto de Lei
Ordinária nº 586 de 16 de agosto de 1960. Altera a redação do art. 2º da
Lei 29, de 1951. Câmara sem Papel, 1960.
CÂMARA MUNICIPAL DE TAUBATÉ. Lei nº 2.255, de 27 de outubro de
1987. Cria a Guarda Municipal de Taubaté. Taubaté: Câmara sem Papel,
1987.
CÂMARA MUNICIPAL DE TAUBATÉ. Lei Complementar nº 1, de 4 de de-
zembro de 1990. Dispõe sobre o código de administração do município de
Taubaté. Taubaté: Câmara sem Papel, 1990.
CÂMARA MUNICIPAL DE TAUBATÉ. Lei Complementar nº 391, de 27 de
junho de 2016. Estrutura a Guarda Civil Municipal de Taubaté. Taubaté:
Câmara sem Papel, 2016.
CÂMARA MUNICIPAL DE TAUBATÉ. Lei nº 5.703, de 12 de abril de 2022.
Institui o Regime Especial de Trabalho Policial. Taubaté: Câmara sem Pa-
pel, 2022.

125
Ciranda de Saberes

CARVALHO, C. F. A evolução da segurança pública municipal no Brasil. 2.


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128
Ciranda de Saberes

TV CÂMARA TAUBATÉ. Audiência pública sobre reformulação da Guarda Ci-


vil de Taubaté, 11 de agosto de 2023. Taubaté: Câmara Municipal, 2023. Dis-
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129
TRAJETÓRIA INCLUSIVA COM ESTUDANTES NEURODI-
VERGENTES NO IFPR: BONITEZAS E INCERTEZAS NAS
CONEXÕES HUMANAS
Eliana Nunes Maciel Bastos1
Introdução
“A nossa luta contra as discriminações, contra a negação de nosso ser,
contra a violência que nos esmaga só nos levará à vitória necessária se
finalmente realizarmos o óbvio: a unidade na diversidade.”
Paulo Freire.

Aspectos reflexivos na trajetória inclusiva


Discutir e/ou experienciar a inclusão consiste em muito mais que
organizar um espaço para a sala de recursos multifuncional, por exemplo,
em uma determinada escola, sendo isto, sem dúvidas, um fato muito rele-
vante, e uma grande conquista como um dos serviços da educação especial,
garantida na legislação nacional. Mas, é preciso perscrutar a inclusão para
além do que os papeis legislativos têm garantido, é necessário dialogar,
olhar nos olhos, pegar nas mãos, ou juntar-nos em ciranda, em grupos, em
pares, enfim, urge que ativistas dessa causa tão primordial da educaçã o
humana juntem forças para conclamar um debate em prol de uma inclusão
que esteja “com” as pessoas, assim como já nos ensina Mantoan (2003)
desde o início deste século, ou seja, é mister conhecer, se aproxima r, se
conectar com o/a outro/a, sobretudo há urgência em que as pessoas se re-
conectem entre si e consigo mesmas, e valorizem cada vez mais o fato de
estar com o semelhante, de maneira presencial, com sentimento de per-
tença e presença.
As pessoas neurodivergentes precisam ser vistas, notadas, e estimu-
ladas a desenvolverem os seus sentimentos de pertenças pelos espaços esco-
lares, ou seja, fazer parte do processo, como muito tem se fomentado pelos
ativistas da causa inclusiva na contemporaneidade: “Nada sobre nós, sem
nós.” Nesta perspectiva busca-se enaltecer os diálogos entre os partícipes
que sentem o que é viver e conviver com a neurodivergência, com o intuito
de desenvolver práticas pedagógicas que possam fazer mais sentido para a
vivência de tais pessoas, como também promover as conexões entre os se-
melhantes veementemente, pelas quais possam ser possíveis estabelecer
condições de que os ambientes educativos sejam cada vez mais inclusivos.
Nesse sentido, é iminente a busca pelo diálogo, pelas reflexões, pe-
las conexões que se dão por intermédio da escuta, do olhar, da escrita, da
observação, da fala, do toque (quando desejado ou autorizado pela pessoa
neurodivergente). E nesta tentativa de buscar instrumentos que

1Mestre em Educação. Professora no Instituto Federal do Paraná - IFPR. Coordenadora do


Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Educacionais Específicas - CNAPNE.
Email: [email protected]

130
Ciranda de Saberes

promovam o debate em prol da inclusão de todos e todas é que se concre-


tiza este breve compêndio, como mais uma fagulha neste universo contem-
porâneo para somar-se com tantas outras instrumentalidades em favor de
uma trajetória educacional mais humanizada, quiçá mais inclusiva .
CONTEXTO INSTITUCIONAL INCLUSIVO
“O amor que criamos em comunidade permanece conosco aonde quer
que vamos. Orientados por esse conhecimento, fazemos de qualquer lu-
gar um local em que podemos regressar ao amor.”
Bell Hooks.

Por que discutir sobre a neurodiversidade no âmbito do IFPR?


Os contextos escolares são os reflexos da sociedade em todos os
tempos da história da humanidade, assim na contemporaneidade não se
faz diferente, desse modo o aumento do número de pessoas com Necessi-
dades Educacionais Específicas (NEE) tem sido notório a cada ano letivo
que se inicia nas ambiências educacionais, devido a vários elementos mu-
tacionais da sociedade em questão.
No IFPR, a Resolução nº 160, de 12 de dezembro de 2023, que ins-
titui as Diretrizes da Coordenadoria do Núcleo de Atendimento às Pessoas
com Necessidades Educacionais Específicas (CNAPNE) nos campus, em
seu artigo quarto, diz que estudantes com NEE são considerados àqueles e
àquelas “com Deficiência, com Transtorno do Espectro Autista (TEA), com
Altas Habilidades e Superdotação (AH/SD), com Transtorno de Aprendi-
zagem e os que apresentam significativo, expressivo e relevante compro-
metimento de aprendizagem, de caráter permanente, progressivo e/ou
transitório.”
Desta feita, neste arcabouço dos/as estudantes com NEE encon-
tram-se os neurodivergentes (nomenclatura escolhida por sua abrangência
diversa ou pela ótica da diversidade) e suas características diversas, que
precisam ser analisadas de acordo com suas potencialidades e fragilidades,
para que sejam propostos os suportes necessários que tais pessoas preci-
sam para prosseguir nos estudos com autonomia, ou seja, uns irão precisa r
de mediação mais individualizada, outras de avaliações adaptadas, outras
de intérprete de libras, entre outras possibilidades de adaptações curricu-
lares, de flexibilização curricular ou de acessibilidade (materiais, estrutura
física, etc).
Para tanto, é importante destacar que a prática inclusiva requer
diversos olhares e muitas mãos para que o trabalho aconteça de maneira
efetiva, com o intuito de atender os/as estudantes com NEE em suas reais
especificidades, e tais tarefas são dinâmicas, precisam de investimento de
tempo, recursos financeiros, políticas públicas, planejamento, organiza-
ção, etc.
A neurodiversidade é uma nomenclatura utilizada na contempora -
neidade e denota toda a luta da inclusão das pessoas com deficiência e tam-
bém que possuem alguma dificuldade de aprendizagem e/ou cognitiva,

131
Ciranda de Saberes

pois engloba todas as condições neurodivergentes numa perspectiva de ca-


racterização da diversidade preeminente neste grupo de seres humanos,
Mendonça (2019, p.12) ressalta que: “as diferenças neurológicas devem ser
reconhecidas e respeitadas como qualquer outra variação humana.”
Para corroborar com tal definição, Abreu (2022) diz, respaldado
nos ideários de Judy Singer (socióloga australiana, ativista da neurodiver-
sidade) que as pessoas neurodivergentes precisam ser inseridas nos papeis
sociais, com dignos empregos, para tanto, necessitam de bons processos
educacionais, por exemplo. Assim, é necessário desconstruir os estigmas,
romper os olhares discriminatórios, encontrar caminhos inclusivos. Por-
tanto, o autor destaca: “a neurodiversidade seria referente à infinita plura-
lidade neurocognitiva de todas as populações e sua subsequente importân -
cia para toda a humanidade.” (ABREU, 2022, p. 16).
Contudo, a diversidade está implícita em todo o contexto do pú-
blico do IFPR, muitos são os casos neurodivergentes, tornando as organi-
zações didáticas e pedagógicas grandes desafios para docentes que na mai-
oria das vezes, não tiveram em suas formações acadêmicas a preparaçã o
devida para lidar com as diferenças em sala de aula, aprenderam sobre os
seus conteúdos específicos (grande parte de professores e professoras das
área técnicas como informática, biologia, matemática, entre outras), sobre-
tudo precisam continuar no processo do aprender as ferramentas didáticas
necessárias para atingir as o público com NEE, a fim de proporcionar a
todos e todas condições para que o processo de aprendizagem seja possível.
Mendonça (2019, p. 05) sublinha que: “Amar a diversidade é abrir
os olhos e perceber o outro como um horizonte.” Doravante, propõe-se que
os/as estudantes neurodivergentes sejam vistos para além de seus diagnós-
ticos ou laudos, mas sim, que sejam ouvidos, e, a partir da observação tê-
nue, relações amistosas e respeitosas possam ser concebidas e proposta s
pedagógicas consistentes frente às reais necessidades de cada sujeito, acre-
ditando assim que as conexões inclusivas podem ser revolucionárias.
Indicativos organizacionais do caminho inclusivo
Bastos, Urbanetz (2023, p.4) relatam a respeito da historicidade e
politicidade da educação especial no IFPR, sublinhando a importância do
diálogo, da coletividade, da valorização da pessoa com deficiência ou com
NEE, acreditando que o/a estudante neurodivergente precisa ser estimu-
lado a exercer o papel de protagonista em seu processo de ensino e apren-
dizagem, para tanto, é preciso encontrar caminhos que somente podem ser
desvendados por intermédio do diálogo coletivo, as autoras destacam:
“Para tanto, faz-se necessário, a partir de uma perspectiva inclusiva, con-
siderar-se os sujeitos históricos que constroem a realidade também a partir
de processos contraditórios.”
No entanto, acredita-se no engajamento das pessoas que compõem
a comunidade interna: colaboradores/as, docentes, equipe gestora e estu-
dantes para combater as contradições da sociedade contemporânea exclu-
dente, por meio da análise crítica, frente ao pensar e praticar um currículo
mais humanizado, revolucionário e que dê condições para que os/as

132
Ciranda de Saberes

estudantes sejam cidadãos e cidadãs em seus mundos, olhando para o se-


melhante com total respeito, sem esquecer do respeito pela sua morada
terrena, planeta terra, sendo que tal quesito perpassa pelas formações am-
bientais, físicas, químicas, entre outras, no arcabouço curricular que com-
põe o universo da formação acadêmica. Afinal, todos e todas precisam in-
teragir dialogicamente na formação integral do/a estudante neurodiver-
gente.
Neste prisma, dos indicativos organizacionais do IFPR publica -s e
resoluções importantes nos últimos anos para a legitimação do trabalho da
educação inclusiva, a fim de direcionar as ações das equipes das CNAPNEs,
como também orientar a docência de Educação Especial (EE), as quais se-
rão abordadas na sequência, a fim de exemplificar algumas ações nesta tra-
jetória, como também estimular outras ações inclusivas nos/as leitores/as
que nos leem em seus respectivos territórios.
A Resolução IFPR/CONSUP nº 160 destaca que o público da
CNAPNE serão àqueles e àquelas que apresentarem algum transtorno de
aprendizagem de forma definitiva ou transitória, ou seja, para além dos/as
estudantes com deficiência, é preciso olhar os casos que apresentam difi-
culdades durante a trajetória escolar, sendo que tais, são muitos os casos,
porque é fato que grande parte dos/as adolescentes chegam ao ensino mé-
dio sem um laudo ou diagnóstico perante as dificuldades que apresenta -
ram ao longo da vida escolar, ou mesmo as questões psicológicas que afe-
tam muitos sujeitos na fase da adolescência, as quais, por vezes, são de ca-
ráter transitório, porém, até que sejam averiguadas tais questões e, devi-
damente, encaminhadas para os/as profissionais responsáveis (psicólogos,
terapeutas, psiquiatras, etc) já se investiu muito tempo em diálogos com a
família, estudante, docentes, entre outras situações.
Por que pontuar tais descrições dos/as estudantes sem laudo neste
momento do debate? Porque as situações na escola são dinâmicas, não
acontecem, na grande maioria das vezes como organizamos ou idealizamos
na agenda semanal ou mensal, é preciso que os/as profissionais esteja m
preparados/as resilientemente, para o investimento do tempo necessário
com qualidade, frente às situações que emergem no cotidiano. Pois, o/a
estudante chega com uma situação urgente, não consegue, por exemplo,
permanecer na aula devido a uma crise de ansiedade, então, pede ajuda,
mas esta pode ser uma crise associada a uma comorbidade (existência de
duas ou mais doenças em simultâneo na mesma pessoa) do TEA (Trans-
torno do Espectro Autista). Nesta hipótese, é preciso dispender um olhar
cuidadoso, inclusivo e respeitoso perante as situações adversas.
Para discutir os casos dos/as estudantes é preciso organizar a
equipe multiprofissional com pedagogas/os, docente EE, assistentes de
alunos, técnico/a em assuntos educacionais, psicólogo/a, docentes dos
componentes curriculares, geralmente tais profissionais estão inseridos na
comissão da CNAPNE do campus e, consequentemente, configuram os pe-
quenos grupos que discutem os casos de estudantes sem laudo, os quais

133
Ciranda de Saberes

precisam ser encaminhados para os devidos acompanhamentos, em sua


maioria, fora da instituição.
É importante dizer, que quando ocorre do/a estudante sem laudo
não ter condições de realizar os acompanhamentos com profissionais da
saúde, devido a falta de recursos da família, ou mesmo por conta da estru-
tura das políticas públicas em sua região (demora nas filas de atendimen to
do SUS - Sistema Único de Saúde), tal estudante precisa ser atendido com
adaptações curriculares durante este período, de acordo com as necessida-
des apresentadas. Mesmo que seja durante o período de investigação do
diagnóstico, pois a avaliação neuropsicológica, por exemplo, geralmente é
realizada por uma equipe multiprofissional e dura em média de quatro me-
ses a um ano para ser finalizada, sendo esta uma importante ferramen ta
para o desenvolvimento do trabalho escolar com os/as estudantes neuro-
divergentes, pois traz em seu teor muitas informações valiosas a respeito
do sujeito e diretrizes de como seguir com este pedagogicamente.
Sobre isto, a resolução nº148, de 11 de outubro de 2023, que insti-
tui as normas para a adaptação de materiais e atividades, e a flexibilização
curricular no IFPR, destaca em seu parágrafo segundo, já no capítulo pri-
meiro, que os/as estudantes sem laudo “terão direito a flexibilização curri-
cular respaldados pelos pareceres e relatórios da equipe multiprofissiona l
da CNAPNE.” Assim, tal documento corrobora com as ações inclusivas com
todos e todas que apresentam comprometimento no processo de ensino e
aprendizagem, é certo que as decisões tanto de adaptações e flexibilizações
de materiais didáticos perpassam por uma equipe multidisciplinar, a qual
organiza laudos e/ou pareceres a respeito do/a estudante em questão, com
o intuito de que o processo seja o mais legítimo possível, estruturado no
diálogo respeitoso com a família e estudante, a fim de que este tenha real-
mente os suportes necessários para progredir nos seus estudos.
Ainda em destaque a resolução nº148, é relevante destacar as con-
quistas de tal documento na vivência cotidiana no campus, pois é possível
discutir com maestria sobre os processos de adaptações das avaliações, dos
trabalhos escritos e orais, dos materiais adaptados, entre outros. Obtendo
assim, uma diretriz institucional com os/as diversos/as profissionais, os
quais muitas vezes não estão familiarizados com a obrigatoriedade de ser
executado processos inclusivos e/ou adaptativos para o/a estudante neu-
rodivergente, com ou sem laudo médico. Com certeza, tal instrumento tem
auxiliado a legitimação dos papeis inclusivos no que-fazer pedagógico, um
grande ganho para todos e todas.
A resolução nº159, de 12 de dezembro de 2023, dispõe sobre as
diretrizes do trabalho do docente de Educação Especial no IFPR. O do-
cente EE tem sido uma grande conquista para o desenvolvimento do tra-
balho inclusivo, tal profissional tem como um de seus serviços ofertados, o
atendimento na sala de recursos multifuncional ou o Atendimento Educa -
cional Especializado (AEE), lembrando que o público para tais serviços são
os/as estudantes da educação especial, ou seja, que possuem alguma defi-
ciência, TEA e altas habilidades/superdotação. Sobretudo, o/a docente EE

134
Ciranda de Saberes

tem autonomia de investigar e/ou avaliar as condições do/a estudante sem


laudo e, decidir, de acordo com as realidades de cada situação, se este terá
como frequentar o AEE, em concordância com a família (se menor de de-
zoito anos).
O trabalho do/a docente EE é também mediar as ações inclusivas
juntamente com os/as docentes das outras áreas do conhecimento, reali-
zando pontes que possam ser favoráveis ao desenvolvimento do/a estu-
dante neurodivergente, adaptar materiais ou avaliações, realizar docência
compartilhada, entre outras ações que são tão necessárias no cotidiano do
fazer inclusivo.
É certo que não se tem a receita para o desenvolvimento do traba-
lho inclusivo, mas ter a diretriz de realizar muitas ações juntamente com o
coletivo da escola é um grande passo na construção de uma trajetória mais
amena. Como bem diz Morin (2021, p. 59): “Conhecer e pensar não é che-
gar a uma verdade absolutamente certa, mas dialogar com a incerteza. ”
Nesta perspectiva, o caminho vai sendo construído nos afazeres diários,
com muita boa vontade dos/as profissionais envolvidos/as nas histórias
neurodivergentes que compõe todo o bojo institucional, encontrando e re-
encontrando os obstáculos, olhando de maneiras distintas para o mesmo
horizonte, a fim de arquitetar trajetórias inovadoras ou edificar pontes ne-
cessárias que sejam coerentes com os objetivos inclusivos.
CONTEXTO HUMANO DAS RELAÇÕES INCLUSIVAS
“Ser neurodivergente, como eu, é ter uma neurologia que diverge da mai-
oria. Isso significa que existem diferenças em minha cognição que afetam
como eu experimento o mundo ao meu redor; como penso, raciocino,
compreendo, processo, expresso, percebo, comunico e sinto.”
Kate Benson.

Trajetória com estudantes no processo inclusivo


Os/as estudantes do IFPR são constituídos por adolescentes, jovens
e adultos, que povoam os cenários do ensino médio técnico em educação
profissional e tecnológica e o ensino superior (cursos de graduação e pós-
graduação), e em tais cenários são notórias as presenças de pessoas neuro-
divergentes, alguns que na vida adulta estão descobrindo seus diagnósticos,
outros/as que não têm laudos, mas apresentam sérias dificuldades no pro-
cesso de ensino e aprendizagem e necessitam do suporte dos/as docentes
para progredirem em seus processos de aprendizagem, como também os/as
adolescentes em suas características singulares nessa fase de desenvolvi-
mento humano, comumente com as questões neurodivergentes.
O conhecimento e reconhecimento do público se dá no process o
dialógico constante ao longo do ano letivo, pois em pequena parte os/as
estudantes se identificam ainda no processo seletivo, quando adentram a
instituição pela política de cotas para pessoa com deficiência, outros/as vão
se identificando no momento da matrícula, e a grande maioria no decorrer
do processo letivo, por intermédio das conversas individualizadas com do-
centes, profissionais da CNAPNE, docente EE, ou utilizando o instrumen to

135
Ciranda de Saberes

de identificação da CNAPNE (formulário online). E outros casos, ficam


muito tempo sem se identificar, com o receio de serem expostos/as.
Contudo, o ato de conhecer o/a estudante neurodivergente requer
o cuidado amoroso da observação, tendo a escuta ativa como premissa
desde o primeiro contato, a fim de estabelecer vínculo, procurando deixar
a pessoa o mais confortável possível para expor suas fragilidades, expli-
cando como aprende, por exemplo, é importante que o/a estudante expli-
que com suas palavras como é o seu processo de estudo, como compreen de
o que está sendo explicado, de forma verbal ou visual, ou pela audição,
quais são os sentidos que aguçam a sua aprendizagem. Este é um trabalho
realizado pelo/a docente EE, a fim de construir um portfólio a respeito
do/a estudante com NEE, com o intuito de que este possa contribuir com
o trabalho de toda a equipe que estará envolvida nas adaptações curricula -
res do/a específico/a estudante durante toda sua estadia na instituição.
Portanto, os diálogos propostos com o/a estudante são constantes,
dependendo da condição específica da pessoa as conversas fluirão logo nos
primeiros encontros, ou não. Assim, com cada pessoa tem que ser respei-
tado o tempo e modo de diálogo, ou a forma que tal estudante irá se ex-
pondo ao longo do ano letivo, a fim de encontrar os caminhos inclusivos
necessários para acolher tais necessidades.
No entanto, é relevante no processo do acolhimento e conheci-
mento do/a estudante transmitir a mensagem de que a ambiência escolar
é de todos e todas, que a pessoa neurodivergente é protagonista neste pro-
cesso, proporcionando condições para que esta possa desenvolver o senti-
mento de pertença tão primoroso diante do ambiente educacional, fazendo
deste um lugar local propício para desabrochar sua evolução humana.
O cotidiano com o/a estudante neurodivergente é permeado pelos
atendimentos em sala de aula, no contraturno com docentes dos compo-
nentes curriculares (horário de atendimento do/a docente, organizado e
divulgado para toda a comunidade escolar), horários no AEE (quando o/a
estudante é matriculado neste serviço da educação especial, ressaltando
que esta é uma decisão conjunta entre a escola, família e estudante), medi-
ações de avaliações no horário da aula regular com o/a docente EE, medi-
ações de atividades afins no espaço da CNAPNE com os/as profissionais
desta comissão, preferencialmente o/a docente EE.
Um dos exemplos de interação com estudantes neurodivergentes e
neurotípicos é o grupo de estudos “Jornada ao centro do cérebro” (ação
intrínseca ao projeto de extensão “Incluir para transformar” dirigido pela
docente EE do campus), no qual o grupo estuda atualmente as condições
específicas de adolescentes meninas com TEA, sendo que o grupo iniciou
com a demanda de uma estudante do ensino médio técnico com TEA, a
qual apresenta muitos momentos de desregulação emocional e física no co-
tidiano escolar, pois os estímulos visuais e auditivos causam muito descon-
forto e provocam crises corriqueiras, assim a estudante utiliza muito o es-
paço da CNAPNE como um local acolhedor para o seu processo de autor-
regulação. E em um desses momentos com a docente EE surgiu a ideia do

136
Ciranda de Saberes

grupo de estudos, pois um dos hiperfocos da jovem é a pesquisa sobre o


funcionamento cerebral das pessoas neurodivergentes.
O diálogo proposto com o grupo de estudos quinzenalmente, é sub-
sidiado por leituras que vislumbram abrir os olhares para novas e bonitas
possibilidades de interagir melhor com os pares no cotidiano social da es-
cola, então, tais subsídios são socializados de maneira lúdica e acolhedora,
organizando momentos prazerosos com boas prosas e comidas saborosas
(foto abaixo), tudo pensado para o cérebro ficar e permanecer confortável
em meio às discussões propostas.

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

No grupo de estudos, têm-se a contribuição de estudantes neuro-


divergentes de outro campus, assim é gerado um link pelo Google Meet e o
convite é feito individualmente para estudantes. Como também, estudan -
tes que tenham dificuldades com a locomoção até o campus, podem parti-
cipar de maneira virtual dos diálogos. Dessa maneira, tem sido conduzida
esta ferramenta inclusiva com o intuito de disseminar saberes entre os su-
jeitos, bem como integrar as pessoas em prol de movimentar a inclusão na
comunidade.
Outra maneira de movimentar o vigente grupo de estudos é pelo
whatsapp, recurso utilizado para a comunicação entre os/as integrantes com
o intuito de compartilhar os textos lidos, partilhar discussões, disseminar as
imagens dos encontros, cultivar afetos por intermédio das mensagens de cada
encontro. A professora EE também utiliza este meio de comunicação para es-
treitar os laços entre os pares neurodivergentes, compartilhando vídeos de as-
suntos que fazem parte do rol do hiperfoco de específicos/as estudantes. E,

137
Ciranda de Saberes

sem dúvidas, este é mais um espaço dialógico inclusivo em que os/as estudan-
tes com NEE se sentem com liberdade para atuar.
Os “Movimentos Inclusivos” é outra ação intrínseca ao projeto “In-
cluir para transformar”, e são organizados em várias frentes de trabalho
durante o ano letivo, procurando sempre envolver os/as estudantes neuro-
divergentes e neurotípicos na organização de espaços para debates, no mo-
vimento de ornamentar o campus, por exemplo, para a celebração do dia
mundial do autismo, entre outras ações.
Ainda sobre a descrição dos “Movimentos Inclusivos” no campus ,
têm-se o exemplo dos momentos de acolhimento às turmas novas, nos
quais são realizadas ações em que a organização da educação inclusiva no
campus é explicitada, como também é oportunizado aos estudantes da
turma uma vivência inclusiva por meio de atividades lúdicas: propostas de
cartazes coletivos, vídeos, músicas, leituras de poemas, atividades com re-
corte e colagem, debates em grupo por intermédio de movimentos teatrais
e danças, entre outras estratégias didáticas de acolhimento.

Fonte: Arquivo pessoal da autora.


Os/as estudantes das turmas são convidados/as às discussões te-
máticas da neurodiversidade, envolvendo temas sensíveis e íntimos à con-
vivência do público, trazendo à tona exemplos do campus, sem expor nin-
guém, mas procurando tratar os assuntos vivenciados no cotidiano, como
situações em que estudantes tiveram crises no banheiro coletivo do cam-
pus, ou quando as crises ocorreram dentro da sala de aula, ou ataques de
automutilação de adolescentes em alguns locais dentro da escola (ginásio,

138
Ciranda de Saberes

bosque, banheiro, etc), entre outras situações que sejam pertinentes por
ocasião do desenrolar do diálogo proposto.
E, paulatinamente, com cautela e amorosidade nas palavras, con-
duz-se diálogos juntamente com o grupo de estudantes, visando ser possí-
vel encontrar meios de acolher cada situação, desconstruindo assim pre-
conceitos, construindo pontes entre as pessoas, caracterizando as diferen -
ças, ilustrando as diversas e adversas possibilidades durante a convivência
escolar, sobretudo, explicando que o caminho não está pronto, e que as ati-
tudes inclusivas são realizadas por sujeitos humanos em formação, por-
tanto, somos todos e todas aprendizes nessa trajetória de construção da
educação inclusiva.
Como uma conquista da educação inclusiva a ação dos “Movimen -
tos Inclusivos” foi incluída no calendário acadêmico no vigente ano letivo,
e durante duas vezes no ano, obrigatoriamente (em quatro dias letivos) se-
rão realizados eventos no campus alusivos a educação inclusiva, tendo a
CNAPNE do campus como responsável pela organização de tais movimen -
tos, porém, conectando-se às ações do projeto realizadas pela docente EE
durante todos os outros meses do ano letivo, e em conexão com as instân-
cias da Associação de Pais e Mestres e Funcionários (APMF), g rêmio estu-
dantil, colegiados do campus e equipe gestora.
Tão somente, busca-se efetivamente conexões entre estudantes
neurodivergentes e neurotípicos com o objetivo de aguçar as curiosidades
necessárias para propagar saberes a respeito da educação inclusiva, que
possam ser úteis para a propagação do respeito mútuo na ambiência edu-
cacional, quiçá esta possa se propagar para os outros meios de vivência dos
cidadãos e cidadãs.
Pontes inclusivas para além dos muros escolares
No delinear dos “Movimentos Inclusivos” dentro da instituiçã o
busca-se a conexão com muitos territórios, para além dos muros escolares,
nos quais destacam-se: Organização Não Governamentais (ONGs) que são
ativistas das causas inclusivas, em busca de grupos teatrais e musicais que
possam vir contribuir de maneira lúdica no campus; parcerias da prefei-
tura municipal como a comissão da pessoa com deficiência; profissionais
voluntários que possam vir contribuir com palestras; professores e profes -
soras da rede municipal, estadual e federal que são ativistas das causas in-
clusivas e que podem contribuir voluntariamente com as ações do campus ;
entre outras conexões ou pontes possíveis no que-fazer inclusivo que per-
meia a realidade contemporânea.
Tendo em vista os poucos recursos financeiros da CNAPNE para a
movimentação das causas inclusivas, é relevante ressaltar que toda a orga-
nização dos “Movimentos Inclusivos” requer recursos voluntários das co-
nexões realizadas com as parcerias internas e externas. E também, a im-
portante contribuição da Associação de Pais Mestres e Funcionários
(APMF), a qual tem se voluntariado cada vez mais frente às causas inclusi-
vas e aquecido as organizações na ambiência institucional, contribuin do
com afinco.

139
Ciranda de Saberes

Fonte: Arquivo pessoal da autora.

Como resultados das conexões entre municípios parceiros, por


exemplo, têm-se a movimentação no campus por meio de momentos lúdi-
cos, em que um grupo musical (foto acima) composto por estudantes TEAs,
e um profissional fisioterapeuta como maestro, proporcionaram um emo-
cionante movimento corporal e emocional, fazendo com que as pessoas
presentes pudessem usar muitas sensações propiciadas pelos seus sentidos
(tato, audição, visão) para celebrar a inclusão no campus.
Propagar a inclusão por meio do sentir, do imaginar, do transbor-
dar, fazendo com que os sujeitos neurodivergentes sejam protagonistas,
demonstrando suas habilidades por intermédio da arte, a fim de que o co-
letivo possa presenciar e apreciar a boniteza em ser diferente, num mundo
humano onde todos e todas são compostos por diferenças e semelhanças
é, indubitavelmente, belo e/ou revolucionário.
Construções de redes com famílias neurodivergentes
A tríade escola - estudante - família consiste no cerne do desenvol-
vimento de todo o trabalho da educação inclusiva, o processo dialógico pre-
cisa acontecer de maneira harmoniosa neste desenho triangular em prol do
êxito na trajetória inclusiva.

Fonte: autora (BASTOS, 2025).

140
Ciranda de Saberes

Alarcão (2001) discorre acerca da escola reflexiva, sublinhando a


relevância das relações interpessoais, em que todos e todas na comunida de
escolar são atores e atrizes na constituição de uma escola melhor, que seja
mais justa e/ou igualitária, em que as ações sejam mais humanizadas vi-
sando o acolhimento de todas as diferenças, para tanto, é preciso promove r
o diálogo incessante e integral, a fim de conhecer e reconhecer todas as
potencialidades e fragilidades dos componentes do processo de ensino e
aprendizagem. É sob esta perspectiva humanística que se gesta tal discus-
são referente aos diálogos promissores com as famílias neurodivergentes.
Para a proposta de processos dialógicos com a família é necessário
muita boa vontade dos/as profissionais, tendo flexibilidade nas agendas
para abertura ao diálogo, o qual muitas vezes precisa se dar em alguns en-
contros, frente às agendas curriculares super agitadas do ensino médio téc-
nico profissional, fica difícil o ajuste entre horários e dias, sobretudo não é
impossível quando se tem objetivos comuns entre as pessoas envolvidas no
processo, no que tange o atendimento integral e humanizado às pessoas
neurodivergentes.
Quando se trata de estudantes menores de 18 anos, os/as respon -
sáveis são chamados à escola para que sejam acolhidos/as e também colhi-
das maiores e melhores informações a respeito do desenvolvimento do/a
estudante até o presente momento, geralmente os movimentos de acolhida
às famílias são muito primorosos e reveladores, para que o portfólio do/a
estudante seja organizado da melhor maneira possível e as informações
sensíveis sejam tratadas com respeito e objetividade frente aos atendimen -
tos pedagógicos, que serão primordiais ao longo do ano letivo para garantir
o direito inclusivo.
No diálogo com as mães, é possível conhecer histórias comoventes
dos/as estudantes em suas primeiras infâncias, que ajudam a tecer cami-
nhos na atualidade, os quais possam atingir um diálogo promissor com tal
indivíduo, por exemplo. Em outro aspecto, as situações compartilhadas pe-
las genitoras são sempre muito importantes para que o diálogo com o/a
estudante fique mais íntimo ou exitoso. Muitas vezes os relacionamentos
com as mães pelo whatsapp (entre mães neurodivergentes e a docente EE)
são a bússola para todo o desenvolvimento do trabalho pedagógico no co-
tidiano escolar com o/a estudante, principalmente quando este adolescen-
tes é TEA não verbal, ou tem mutismo seletivo.
É relevante destacar que mesmo o/a estudante não sendo neuro-
divergente é necessário, muitas vezes, ter o acesso dialógico com a família
para conseguir trilhar caminhos mais exitosos no processo do ensinar e
aprender, pois o período da adolescência já apresenta muitas característi-
cas diversas no jovem, uma delas é a postura arredia frente o diálogo com
os adultos. Assim, para acessar todos/as os/as estudantes é preciso trilhar
o caminho das prosas acolhedoras com as famílias, em sua maioria com as
mães (muitas mães solos configuram a comunidade institucional, este fato
gera, com certeza, outro intenso debate, que não será feito neste momento,
mas é importante instigar o vosso pensar).

141
Ciranda de Saberes

Desta feita, é mister destacar as configurações das famílias na con-


temporaneidade que tem deixado de ser predominantemen te, denominada
de nuclear, como explica a autora Hooks (2021, p. 162): “(...) constituída
por mãe, pai e preferencialmente um ou dois filhos.” Também é utilizada a
nomenclatura patriarcal para a caracterização de família nuclear, em que
o homem mantém a dominação sobre toda a organização da estrutura, so-
bretudo a respeito do querer e poder da mulher, desse modo, o que é sen-
tido nos ambientes escolares são as mudanças das configurações familiares
contemporâneas, muitos dos lares são chefiados por mulheres solo, e ou-
tros composto por casais homoafetivos e filhos/as adotivos, outros com
avós e netos/as, entre outras possibilidades.
Nesta perspectiva de organização familiar Hooks (2021) sublinha
as nomenclaturas disfuncionais e funcionais para as famílias contemporâ -
neas, a primeira é onde predomina a propagação de desafetos, há predo-
minância de desamor, humilhações, abusos, entre outras violências; em
que os sujeitos são desrespeitados em suas características singulares, pro-
vocando assim marcas profundas no desenvolvimento humano em todos
os aspectos da vida; e sobre a segunda a autora destaca:
Em famílias funcionais, os indivíduos encaram conflitos, contradições,
tempos de infelicidade e sofrimento, assim como nas famílias disfuncio-
nais; a diferença está em como essas questões são confrontadas e resol-
vidas, em como todos lidam com momentos de crise. Famílias saudáveis
resolvem conflitos sem coerção, constrangimento ou violência. (HOOKS,
2021, p. 239).

Nas famílias neurodivergentes em que as conexões vêm sendo es-


tabelecidas vê-se muito esforço para a funcionalidade, é notório muito
amor envolvido nas lutas incessantes pelos acompanhamentos médicos e
multiprofissionais (como exemplo, fisioterapeutas, psicólogos/as, fonoau-
diólogos/as, terapeutas ocupacionais, psicopedagogos/as, entre outros/as )
que geralmente, a pessoa neurodivergente necessita para obter uma vida
mais confortável.
O caminho não está pronto, este é construído no cotidiano em meio
às relações instituídas no seio familiar ou social, em que os sujeitos huma-
nos estejam inseridos, assim os diálogos com as famílias precisam ser in-
cessantes, para muitas vezes mudar a rota da trilha com o/a estudante.
É de suma importância, conhecer a realidade familiar do/a estu-
dante, sem julgamentos, não cabe à instituição escolar à categorização se a
família é funcional ou disfuncional, por exemplo, sobremodo é relevan te
conhecer as terminologias para refletir juntamente com os familiares, se
necessário for, a fim de contribuir com o processo de desenvolvimento hu-
mano do indivíduo em questão, buscando sempre o bom senso nas falas e
na postura, nesta conjectura, ouvir é sempre mais prudente que falar, en-
tão, é preciso praticar muita escuta com as famílias!
Conexões com docentes
O cotidiano com os/as docentes é intenso, repleto de horários a se-
rem cumpridos, afinal o contexto é o ensino médio técnico integrado com

142
Ciranda de Saberes

muitos componentes curriculares, as agendas são intensas. E isso não é di-


ferente quando os casos de estudantes neurodivergentes são do ensino su-
perior, para encontrar brechas nas agendas e dialogar. Pois, não se faz pro-
cesso inclusivo sem processo dialógico, ainda mais quando se trata de jo-
vens e adultos.
Mas, é preciso prosseguir com resiliência e encontrar os caminhos
possíveis em meio ao turbilhão de cumprimentos curriculares que o calen-
dário acadêmico propõe que seja desenhado durante a trajetória do ano
letivo, assim Hooks (2013, p. 24) inspira: “Abram a cabeça e o coração para
conhecer o que está além das fronteiras do aceitável, para pensar e repen -
sar para criar novas visões, celebro um ensino que permita as transgressões
– um movimento contra as fronteiras e para além delas.”
Com diálogos presenciais e onlines (email, whatsapp e Google
Meet) os acordos e/ou combinados com os/as docentes vão surgindo no
decorrer do ano letivo, após conversas com as famílias dos/as estudantes
neurodivergentes, por exemplo, para obter subsídios que podem contribuir
na elaboração de uma avaliação ou mesmo na postura do/a docente em
sala de aula.
Outro exemplo, muito recorrente é o/a estudante vir avisar sobre
a postura do/a docente em sala, pedindo que seja aprimorada a fala, ou
referente a velocidade ou à altura do som, às vezes é a letra do slide que
precisa ser alterada, ou as cores dos slides, ou mesmo um filme que é trans-
mitido em aula e trouxe muitos gatilhos para o/a estudante, com cenas de
violência (no olhar neurodivergente), ou cenas que tiveram muitos senti-
mentos de tristeza. E assim, as situações vão surgindo mediante a postura
protagonista do/a estudante que está se sentindo pertencente ao espaço
escolar e construindo uma trajetória dialógica e confiante.
Os/as docentes, por sua vez, também vão se desvencilhando de vá-
rios preconceitos e aceitam as observações dos/as estudantes com maior
naturalidade, é certo que procura-se ter uma postura muito respeitosa pe-
rante a didática docente, sobremodo, é pensado no acolhimento do/a estu-
dante neurodivergente e este é um esforço coletivo, que tem sido exercido
neste contexto educacional, neste ponto as palavras de Hooks (2013, p. 25)
fazem todo o sentido: “Ensinar de um jeito que respeite e proteja as almas
de nossos alunos é essencial para criar as condições necessárias para que o
aprendizado possa começar do modo mais profundo e mais íntimo.” Per-
cebe-se o esforço ético em realizar um trabalho coeso em virtude do desen-
volvimento integral do/a estudante com NEE, e a consciência de que tal
tarefa não se faz na individualidade, é preciso dar as mãos e encontrar ca-
minhos coletivos.
Na configuração do processo de ensino e aprendizagem, as resolu-
ções do IFPR (supracitadas) legitimam as ações docentes, como as adapta-
ções realizadas no dia-a-dia: letras maiores na atividade impressa, pouca
luz na sala para diminuir os estímulos visuais, material da aula divulgado
por email com antecedência, avaliação adaptada e realizada fora do horário

143
Ciranda de Saberes

da aula, músicas para ilustrar o conteúdo, trabalhos com tempo maior para
a realização, entre outras.
Tais adaptações precisam ser registradas no Plano de Trabalho do
Estudante (PTE), o qual o/a docente elabora de cada estudante com NEE,
por intermédio do diálogo com a CNAPNE e o/a docente EE, a fim de legi-
timar as ações pedagógicas adaptadas com o/a estudante ao longo do pro-
cesso de ensino e aprendizagem, e também o PTE é um instrumento pelo
qual a família tem acesso aos suportes, os quais são ofertados para o/a fi-
lho/a durante o ano letivo.
O PTE é utilizado como um instrumento dialógico durante todo o
processo entre CNAPNE e docente, a fim de encontrar estratégias pedagó-
gicas exitosas com o/a estudante, como também de legitimar as ações nas
discussões coletivas, dentre essas, principalmente, o conselho de classe, em
que precisam ser considerados todos os aspectos do desenvolvimento do/a
estudante, ou seja, sua desenvoltura em todos os componentes curriculares
precisa ser vista e analisada, a fim de que seja conduzida uma avaliação
mais assertiva e humanizada do/a estudante.
Assim como ressalta Ciavatta (2005, p. 85): “Como formação hu-
mana, o que se busca é garantir ao adolescente, ao jovem e ao adulto traba-
lhador o direito a uma formação completa para a leitura do mundo e para a
atuação como cidadão pertencente a um país, integrado dignamente à sua
sociedade política.” É preciso trabalhar coletivamente e arduamente para ga-
rantir o direito dos neurodivergentes estarem na sociedade, com a forma di-
ferente de verem o mundo, a fim de contribuir e, muitas vezes transformar
os seus meios de vivência com suas maneiras singulares de agir, dando novo
sentido às formas de viver ou fazer a cultura já estabelecida.
No ensino superior, o PTE é utilizado também como um instru-
mento muito importante para que o/a docente organize o seu trabalho com
o/a estudante neurodivergente e, também, possa dialogar com maior des-
treza frente às necessidades de tal sujeito, quer seja em momentos coleti-
vos, como nas reuniões de colegiado ou nos diálogos com o/a docente EE,
com a equipe CNAPNE, ou mesmo com o/a estudante.
Outro aspectos muito importante das conexões docentes em prol
da educação inclusiva é a “docência compartilhada”, nomeada assim pelas
autoras Lopes, Barby (2022), que faz todo o sentido quando pensa -se no
desenrolar dos papeis dos/as docentes dos componentes curriculares (en-
sino regular) e o/a docente EE, assim tais sujeitos se unem na perspectiva
de atender as necessidades específicas do/a estudante com NEE, ora com
materiais adaptados (avaliações, trabalhos, entre outros), ora com a troca
dos papeis: o/a docente EE fica na sala de aula aplicando uma avaliação de
matemática (exemplo); e o/a docente de matemática vai até o espaço do
AEE aplicar a avaliação individualizada para um ou mais estudantes neu-
rodivergentes, com o intuito de explicar os enunciados ou de apresentar a
avaliação de forma diferenciada ao/s sujeito/s, de acordo com as necessi-
dades vigentes.

144
Ciranda de Saberes

A prática da docência compartilhada consiste numa perspectiva


importantíssima na constituição da trajetória inclusiva , pois se dá trocas
inovadoras por intermédio dos diálogos e das práticas que são possíveis
com os olhares de professores e professoras que têm formações acadêmicas
distintas, tais se complementam na objetividade de conceber o atendi-
mento integral para o/a estudante. Como bem diz Morin (2011, p.50):
“Compreender o humano é compreender sua unidade na diversidade, sua
diversidade na unidade. É preciso conceber a unidade do múltiplo, a mul-
tiplicidade do uno.”
É preciso reinventar as práticas, respirar e proporcionar espaço ao
cérebro para imaginar novas formas de elucidar os conteúdos, com o in-
tuito de alcançar todos e todas no contexto educacional, a fim de incluir
para transformar, neste sentido permita-me redigir uns versos para ilus-
trar tais reflexões:

Compartilhar é intensificar o dialogar


Consiste no educar em sua essência
Num completo desvencilhar dos egos
Em busca de delinear um caminho inclusivo.

Partilhar dores e saberes


Rumo a trajetória do incluir
Forjar assim, pares no contexto
Do fluir e sentir a humanidade e suas vertentes.

Conectar e reconectar
Os afetos e desafetos
Num constante devir
Para incluir e sentir na trajetória do existir.

Eliana Bastos (Outono de 2025).


Considerações Finais
“A educação pode ajudar a nos tornarmos melhores, se não mais felizes,
e nos ensinar a assumir a parte prosaica e viver a parte poética de nossas
vidas.”
Edgar Morin.

Bonitezas e incertezas da trajetória


A trajetória inclusiva na educação profissional e tecnológica na
ambiência do IFPR, sem dúvidas, é repleta de contradições, como em mui-
tas outras instâncias da educação neste Brasil, sobretudo, este caminho
tem sido também composto por muitas experiências exitosas, de relações
restauradoras, de conexões sagradas, de contatos belos com o melhor do
ser humano, da contemplação das diferenças tão bonitas entre os

145
Ciranda de Saberes

semelhantes que dão o contraste nas vivências em tantos aspectos na soci-


edade contemporânea.
Assim sendo, entre bifurcações e junções a trajetória é tecida, em
que diversas pessoas se juntam para configurar a história da educação in-
clusiva neste âmbito educativo com maestria, acertando e errando, mas
prosseguindo num processo dialógico profícuo em que a preocupação cen-
tral consiste em atender o/a estudante de maneira integral, promoven do
uma escuta ativa e aprendendo juntamente com o educando e educanda,
sublinhando tais sujeitos como protagonistas do processo de ensino e
aprendizagem.
Neste bojo de relações e conexões não se pode deixar de sublinhar
o papel dos atores e atrizes familiares, tais são fundamentais na conjectura
dialógica que se constitui em busca de organizar a vivência educacional
dos/as estudantes neurodivergentes, trazendo sempre subsídios importan -
tíssimos para que os/as docentes tenham condições de trilhar caminhos
mais exitosos em prol de ensinos de conteúdos que façam sentido ao pú-
blico com NEE.
As relações e conexões entre as pessoas neurodivergentes e neurotípi-
cas são muito virtuosas, pois promovem muitas trocas de experiências, diálo-
gos que alimentam as almas, que dão esperanças, que possibilitam a estrutu-
ração de novos conhecimentos, entre outros aspectos. Assim, concebe-se que
isso não é tudo, não se tem todas as respostas, é preciso continuar, encontrar
mais e inovadoras formas de promover melhores condições de protagonizar as
pessoas com deficiências, por exemplo, e como fazer isso? Como realizar pon-
tes neste espaço contemporâneo político e geográfico? Por onde começar no-
vas rotas nesta trajetória? Os questionamentos são bem-vindos no processo
humano de inacabamento, como bem ensinou Freire (2003), pois enquanto
houver fôlego de vida existirá inquietude nas almas que se propõe lutar pelo
que-fazer revolucionário.
Sobremaneira, perante todas as facetas da educação inclusiva, hu-
mana, revolucionária, amorosa, imaginária, acolhedora pela qual seja pos-
sível oportunizar ao sujeito humano inovadoras e bonitas experiências em
prol de um desenvolvimento pleno e feliz, permita-me encerrar este breve
compêndio com versos, tendo o intuito de jamais finalizar tal discussão,
mas sim, instigar novos pensares em prol da educação das pessoas neuro-
divergentes neste espaço de tempo e no vindouro:

Conectar-se com o semelhante


Olhando o horizonte
Sem se sentir uniforme
Contudo, se enveredar na diversidade preeminente.

Invadir-se nos contextos presentes


Sem desconectar-se dos pretextos de outrora
Para se inebriar da imaginação necessária
A fim de borrar os preconceitos vigentes.

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Ciranda de Saberes

Humanizar-se diariamente
Com as conexões das gentes
Para inundar a alma revolucionária de coragem
E olhar a neurodivergência com a boniteza do amor humilde e su-
blime.

Eliana Bastos (Outono de 2025).


Referências
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ção de Isabel Alarcão. Porto Alegre: Editora Artmed, 2001.
CIAVATTA, Maria. A formação integrada: a escola e o trabalho como
lugares de memória e de identidade. Artigo publicado em periódico (Tra-
balho necessário), volume 3, 2005. Disponível em: http://periodi-
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29.05.25.
BASTOS, Eliana Nunes Maciel; URBANETZ, Sandra Terezinha. Reflexões
acerca dos desafios e possibilidades do Atendimento Educacional
Especializado no âmbito do Instituto Federal do Paraná. Revista Co-
car. Edição especial n.19/2023. p. 1 -15. ISSN: 2237-0315. Disponível em:
https://periodicos.uepa.br/index.php/cocar/article/view/5916/2956 Acesso
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FREIRE, Paulo. Cartas a Cristina: reflexões sobre minha vida e mi-
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São Paulo: Editora UNESP, 2003.
FREIRE, Paulo. À sombra desta mangueira. Rio de Janeiro: Civiliza-
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HOOKS, Bell, Ensinando a transgredir: a educação como prática da
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Martins Fontes, 2013.
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147
Ciranda de Saberes

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Acesso em 05.06.25.
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148
O PAPEL DO PSICOPEDAGOGO NA INSTITUIÇÃO
ESCOLAR
Eva Rosangela Squinzani
Introdução
A Psicopedagogia consiste em uma justaposição de dois saberes
- psicologia e pedagogia - que vai muito além da simples junção dessa s
duas palavras. Em outras palavas isto é muito mais complexa do que a
simples aglomeração de duas palavras, visto que visa a identificar a
complexida de inerente ao que produz o saber e o não saber.
Surgiu no Brasil devido ao grande número de crianças com fra -
casso escolar e de a psicologia e a pedagogia, isoladamente, não da rem
conta de resolver tais fracassos. O Psicopedagog o, por sua vez, tem a
função de observar e avaliar qual a verdadeira necessidade da escola e
atender aos seus anseios, bem como verificar, junto ao Projeto Político -
Pedagógico, como a escola conduz o processo ensino- aprendiza g e m,
como garante o sucesso de seus alunos e como a família exerce o seu
papel de parceira nesse processo.
A atuação do psicopedag ogo se distingue de todas as outra s ,
pela sua natureza e pelo seu valor social. O psicopedag ogo tem uma
função complexa, considerando que a criança e o adolescente têm ca-
racterísticas únicas e necessidades muito diferentes.
Presumindo que a escola é responsável por grande parte da for-
mação do ser humano, o trabalho do Psicopedagogo na instituição esco-
lar tem um caráter preventivo no sentido de procurar criar competên cia s
e habilidades para solução dos problemas. Com finalidade e em decor-
rência do grande número de crianças com dificuldades de aprendiza g em
e de outros desafios que englobam a família e a escola, a intervenção psi-
copedagógico ganha, atualmente, espaço nas instituições de ensino.
Desenvolvi mento
Formulação do problema
Quando refletimos em problema de aprendizagem imagina mos
as várias faces que podem compor este problema : Qual a ordem des te
problema ? Familiar? Da escola? Do sujeito? Da sociedade? De todos
estes fatores associados?
Os professores que não apresenta um olhar psicopeda gógico so-
bre a compreensã o do desenvolvimento e da aprendizagem dos seus
alunos, no que se descreve às relações entre afetividade e educaçã o ,
apontam maiores dificuldades na organização de uma proposta de in-
tervenção pedagógica, que colabora para a prevençã o das dificulda d es
de aprendizagem.

149
Ciranda de Saberes

Na psicopedag ogia estuda o processo de aprendizagem e sua s


dificuldades e tem como objeto de estudo e trabalho a aprendiza g e m
humana.
Segundo Kiguel (1991), o objetivo central de estudo da psicope-
dagogia está se estruturando em torno do processo de aprendiza g e m
humana: seus padrões evolutivos normais e patológicos bem como a
influência do meio (família, escola, sociedade) no seu desenvolvim en to .
Na sua colaboração preventiva, cabe ao psicopeda gog o na instituiçã o
escolar observar e avaliar qual a verdadeira necessidade da escola em
atender seus anseios e participar das dinâmicas das relações da comu-
nidade educativa a fim de favorecer o processo de integração e troca ,
bem como diminuir a frequência dos problemas de aprendizagem, atu-
ando nas questões didático-metodológicos e na formação e orienta çã o
de professores e orientação aos pais.
Em virtude dessas reflexão e considerações, pode se concluir
que a atuação do psicopedag ogo dentro da instituição escolar inicia -s e
por uma análise sobre vários aspectos da organização escolar. Embora
seja primordial um trabalho em equipe, junto com os professores, alu-
nos, equipe pedagógica e pessoal administra tivo, procuran do den tro
deste contexto melhorar o relacionamento entre si e entre grupos ,
tendo como meta a melhoria das condições de aprendizagem indivi-
dual e grupal. O Psicopedagog o contribui para a atividade do profes -
sor de Educação escolar na medida em que oferece aporte teórico para
a apropriaçã o de relações entre afeto e cognição.
O Psicopedagog o ajuda significativamen te para a prevençã o da s
dificuldades de aprendizagem e do fracasso escolar.
O campo epistemológico e a mutidimension alidade do objeto de es-
tudo psicopedagógi co
O início da área de estudo da psicopedag ogia pode ser enten -
dido, segundo Kiguel, citada por Bossa (2007, p.20), a partir de dua s
possibilidades. Sendo na primeira, a autora sugere que a psicopeda g o-
gia surgiu na fronteira entre a pedagogia e psicologia devido à necess i-
dade de atendimento para as crianças consideradas inaptas dentro do
sistema educacional, por apresenta rem distúrbios de aprendiza g e m.
Tendo como segunda possibilidade, ela se refere que a psicopedag og ia
pode ter surgido como uma tentativa de explicação para o fracasso es-
colar, por outras vias que não a pedagógica e a psicológica.
Constatar-se, que o campo fisiológico da Psicopedag ogia é o
processo de aprendizagem humana. Caracterís tica essa multidime n s i-
onal do objeto de estudo que ocupa-se de uma complexa série de fato-
res: questões pré- subjetivas (social, linguagem, conformação neurobi-
ológica) e a questões subjetivas (processos de construção do conheci-
mento e da constituiçã o da subjetivida de e a dinâmica afetiva). Ampli-
ando as ideias trabalhadas temos as contribuições de Lemme (2009) ao
enfatizar:

150
Ciranda de Saberes

Dificuldade de aprendizagem é um termo genérico que se refere a um


grupo heterogêneo de desordens, manifestadas por dificuldades na aqui-
sição e no uso da audição, da fala, da leitura, da escrita, do raciocínio ou
das habilidades matemáticas. É importante não se confundir dificuldade
de aprendizagem com fracasso escolar, que embora tenham semelhanças
na forma de se manifestarem, pertencem a categorias diferentes.
(LEMME, 2009, p.167-168)

Nesse caso o objeto central de estudo é o processo de apren di-


zagem humana, envolvendo os padrões evolutivos normais e patológ i-
cos, levando em consideração a influência do meio (família, escola, so-
ciedade) no desenvolvimento. Inicialmente, tanto os teóricos argenti-
nos como os teóricos brasileiros ocupavam-se do tema da aprendiza -
gem, tendo como causa e razão os problemas advindos do processo de
aprendizagem. O foco era o sujeito que não podia aprender.
Segundo Sánchez (2008), o campo epistemológico da psicopeda -
gogia caracteriza-se por um raciocínio diagnóstico e uma metodologia de
intervenção que busca ter um olhar o sujeito na relação com o objeto de
conhecimento em situação de aprendizagem; busca considerar sujeito e
objeto como entidades indissociáveis; conceber o sujeito em seu contex to
sócio histórico; admitir a possibilidade de um conhecimento transdisci-
plinar, embora ele se tenha construído na perspectiva interdisciplinar; e
ter a clínica das dificuldades de aprendizagem como espaço privilegia do
para o desenvolvimento da teoria psicopedagógico.
Perante dessas afirmações esses teóricos enfatizam a gran de
importância da ligação entre a psicopedagogia e seu contexto histórico,
identificar o ambiente em que o aluno está inserido é o principal pon to
para fazer um levantamento das suas necessidades.
De modo geral, Bossa afirma (2007, p. 23) os teóricos argenti-
nos consideram como objeto de estudo ou o pilar base da psicopeda g o-
gia “a aprendizagem com seus problemas ”. A autora ressalta as concep-
ções de Alícia Fernández, e o dos psicopedagog os Jorge Visca e Marin a
Muller sobre as teorias a que a psicopedag ogia recorre para compree n -
der e intervir sobre o seu objeto de estudo.
A autenticida de da produção teórica do campo da Psicopeda g o -
gia tem sido buscada pelos psicopedag ogos e vários esforços têm sido
feitos para ascender os degraus para a constituição de um campo de
conhecimento científico que possibilite à Psicopedagog ia estar na aca-
demia, desfruta ndo dos assentamentos necessários para a produção do
saber, ou seja, para que possamos ter os subsídios e o apoio destin a dos
à pesquisa em nosso país. Durante quase três décadas, temos traba -
lhado com obstinação, superando obstáculos de toda ordem, na
crença inabalável de que esse conhecimento represen ta enorme
avanço no desenvolvimento do ser humano. Uma verdadeira compre-
ensão acerca da aprendizagem representa a construção de uma nova
concepção de ser humano. Revoluciona conceitos fundamen tais de
áreas como Educação, Saúde e outras.

151
Ciranda de Saberes

Campos de atuação da psicopedagogia


Segundo Andrade (2004) a psicopedag ogia ainda está bus -
cando a “autonomia de uma disciplina” e delimitan do cientificam en t e
a aprendizag em humana com sua temática, o sujeito aprendem-te ou o
sujeito em situação de aprendizagem como seu sujeito e a pesquisa de
intervençã o como o seu método de investigação da realidade que lhe
interessa- a aprendizag em humana com todos os seus matizes, alcance s
e limites.
É consenso entre os autores apontar a psicopedag ogia como
uma área de conhecimento ou te atuação “interdisciplina r nos proces -
sos de aprendizagem” (CASTANHO 2002 p.30).
Revisão de literatura
Esta pesquisa resalta o campo de práxis da prática psicopeda -
gógico e nos descreve sobre a Psicopedagogia Institucional, no qual a
escola ainda é a principal e mais importante instituição a reclamar pela
presença e pela intervenção psicopedag ógico em seu cotidiano. Calberg
(2000, p. 16), mostra que a escola, em diversas situações tem sido “pro-
dutora de dificulda des de aprendizagem”, o que ele chama de ‘dispeda -
gogia’, indicando esse conceito “as dificuldades encontradas pela escola
em sua prática, referentes à metodologia de ensino ou ao vínculo que
estabelece com seus alunos”. Cabe a Psicopedagogia transformar as re-
lações no espaço institucional da escola, bem como o conhecimen to aí
produzido, pois “ninguém aprende e apreende sem afeto, sem desejo,
sem curiosidade e sem vivenciar objetiva men te o conteúdo em ques tã o”
(CASTRO, 2004, p. 111)
De acordo com Calberg (2000, p.17) ao psicopedag ogo que atua
o campo da psicopedag ogia institucional escolar compete uma série de
tarefas, dentre as quais.
[…] administrar ansiedades e conflitos; trabalhar com grupos […] identi-
ficar sintomas de dificuldades no processo de ensino- aprendizagem; or-
ganizar projetos de prevenção, clarear papéis e tarefas nos grupos, ocu-
par um papel no grupo; criar estratégias para o exercício da autonomia
(aqui entendido segundo a teoria de Piaget: cooperação e respeito mú-
tuo); fazer a mediação entre os subgrupos envolvidos na relação ensino-
aprendizagem (pais, professores, alunos, funcionários); transforma quei-
xas em pensamentos; criar espaços de escuta; levantar hipóteses; obser-
var; entrevistar e fazer devolutivas; utilizar-se de metodologia clínica,
olhar clínico; estabelecer vínculo psicopedagógico; não fazer avaliação
psicopedagógico clínica individual dentro da instituição escolar […]; fa-
zer acompanhamentos e orientações; compor a equipe técnica-pedagó-
gica (CALBERG, 2000, p.17).

O Projeto de Lei 3.124/97 descreve as funções do psicopeda -


gogo, estabelecendo um perfil desse profissional, cujo “saber divers ifi-
cado oriundo de várias áreas do conhecimen to humano” o torna com-
petente para:

152
Ciranda de Saberes

[...] realizar intervenção visando à solução dos problemas de aprendiza-


gem tendo como enfoque o educando, instituição de ensino pública ou
privada; efetuar o diagnóstico e intervenção psicopedagógica, utilizando
métodos, instrumento e técnicas próprias da Psicopedagogia; intervir na
prevenção de problemas de aprendizagem; pesquisar cientificamente o
processo ensino- aprendizagem, assim como os problemas que dele de-
correm; oferecer assessoria psicopedagógica aos trabalhos realizados em
espaços institucionais; coordenar, orientar e supervisionar cursos de es-
pecialização em Psicopedagogia em nível de pós-graduação, oferecidos
por instituições credenciadas. (COSTA, 2007, pag.98)

Portanto, perante das pesquisas que investigaram a Psicopeda -


gogia escolar pode-se marca a trajetória percorrida para garantir
a presença do psicopedagogo no espaço escolar para que através de
saberes próprios da área, integrados as áreas afins, possam atuar na
prevenção e na intervençã o apropriada a fim de entender e minimiza r
os problemas de aprendizag em. Porém, é necessário que se lute pela
implantação de fato, do que já está estabelecido em lei.
A prática psicopedagógica na escola
Diante a prática psicopedagógico na escola antipatiza num traba -
lho de caráter preventivo e de assessoramento no contexto educacional.
Observando a linha de análise de Bossa, "pensar a escola à luz
da Psicopedagogia, significa analisar um processo que inclui ques tões
metodológicas, relacionais e socioculturais, englobando o ponto de
vista de quem ensina e de quem aprende, abrangendo a participação da
família e da sociedade".
Ao se descrever sobre a prática pedagógica, é essencial que se
considere as relações entre produçã o escolar e as oportunida des reais
que a sociedade dá às diversas classes sociais. A escola e a socieda de
não podem ser vistas isoladamente, pois o sistema de ensino (público
ou privado) reflete a sociedade na qual está inserido. Nota-se que alu-
nos de baixa renda ainda são estigmatiza dos, na questão do apren di-
zado, como deficientes.
Barbosa afirma que "a escola se caracteriza como um espa ço
concebido para realização do processo de ensino/apren dizag em do co-
nhecimento historicamente construído; lugar no qual, muitas vezes, os
desequilíbrios não são compreendidos ”.
O grande desafio das escolas, nos dias de hoje, é desperta r o de-
sejo dos alunos para que possam sentir prazer no aprender.
A opinião de Barbosa é clara quando argumenta que:
Transformar a aprendizagem em prazer não significa realizar uma ativi-
dade prazerosa, e sim descobrir o prazer no ato de: construir ou de des-
construir o conhecimento; transformar ou ampliar o que se sabe; relaci-
onar conhecimentos entre si e com vida; ser coautor ou autor do conhe-
cimento; permitir-se experimentar diante de hipóteses; partir de um con-
texto para a descontextualizarão e vice-versa; operar sobre o conheci-
mento já existente; buscar o saber a partir do não saber; compartilhar
suas descobertas; integrar ação, emoção e cognição; usar a reflexão sobre

153
Ciranda de Saberes

o conhecimento e a realidade; conhecer a história para criar novas possi-


bilidades. (BARBOSA, 2001, p.74)

Barbosa ressalta, ainda, que "a Psicopedagog ia, como área que
estuda o processo ensino/aprendiza gem, pode contribuir com a escola
na missão de resgate do prazer no ato de aprender e da aprendiza g e m
nas situações prazerosas”.
O psicopedagog o sabe que para aprender são necessárias con -
dições cognitivas (abordar o conhecimento), afetivas (estabelecer vín -
culos), criativas (colocar em prática) e associativas (para socializar).
Porem a propriação leva um tempo até ser introspectiva, com-
preendida e colocada em prática. As mudanças (a introdução no novo)
num ambiente escolar têm que ser escalonadas e sucessivas, priori-
zando-se e hierarquizando-s e as ações. Barbosa ratifica que a atuaçã o
psicopedag ógico junto a um grupo ou instituição, para ser opera n te
precisa interpreta r os papéis desempenha dos, a forma como foram atri-
buídos e assumidos, assim como as expectativas que se encontram la-
tentes neste movimento de atribuir e aceitar o papel. [...] A tarefa de
cada um deve estar voltada para o aprender, desde a direção até a por-
taria ou o serviço de limpeza.
A importância dos professores no processo de aprendizagem
Perante as mudanças que estão ocorrendo na sociedade, como
a banalização da informação, a revolução digital, da nova política, da
nova economia e dos desequilíbrios familiares, torna-se necessário que
o professor faça dos conteúdos habituais de suas disciplinas instrume n -
tos, que além de qualificarem para a vida, estimulem capacidade e com-
petências, com o intuito de estimular todas as inteligências de seus alu-
nos (ANTUNES, 2000).
Torna se necessário que o professor deva se reconstruir, crian do
no aluno um ser crítico, auxiliando na formação de sua personalida d e.
Desenvolvendo a luta pelo seu espaço na sociedade, derruban do barrei-
ras e vencendo obstáculos que a vida possa lhe proporciona r.
Se todos os docentes tiverem a intenção de estimular em seus
alunos o amor pelo saber e o respeito pela diversida de e criação, devem
buscar o contraste crítico e reflexivo (GÓMEZ, 2001, p.304).
Dentro deste contexto a educação deve não apenas formar tra -
balhadores para as exigências do mercado de trabalho, mas cidadã os
críticos capazes de transformar um mercado de exploração em um mer-
cado que valorize uma mercadoria cada vez mais importan te: o conhe-
cimento.
Portanto, é indispensável proporciona r aos educandos uma
compreensão racional do mundo que o cerca, levando-os a um posicio-
namento de vida isento de preconceitos ou superstições e a uma postura
mais adequada em relação a sua participação como indivíduo na socie-
dade em que vive e do ambiente que ocupa.

154
Ciranda de Saberes

Partindo deste princípio pode-se considerar q u e a função pro-


fessor é de suma importância, para a sociedade, pois o profissional tra -
balha, para formar um estudante, pleno de uma cultura geral e de di-
versidade, de um conhecimento científico, de raciocínio lógico, capaci-
dade de comunicaçã o e trabalho em grupo, que seja reflexivo e capaz de
aprender a aprender, de ser, fazer e conhecer, além é claro de ser cria -
tivo habilidoso e competente.
A participação e influência da família
O costume das famílias mudou muito nos últimos tempos, não
há mais um padrão de família, e sim uma variedade de padrão familia r,
com identidade própria em constante desenvolvimen to.
Apesar dessa mudança à família continua sendo o primeiro local
de aprendizado das crianças, é através dela que acontece os primeiros
contatos sociais e as primeiras experiências educacionais. A família está
diretamente ligada as atitudes comporta mentais da criança.
Os pais têm um papel importante no processo de desenvolvimento da au-
tonomia. Se eles encorajarem as iniciativas da criança, elogiarem o su-
cesso der tarefas que não excedam as capacidades da criança for coerente
em suas exigências e aceitarem os fracassos estarão contribuindo para
o aparecimento do sentimento de autoconfiança e autoestima . (SABINI
1998, p.65)

Constata se a grande importância dos pais no desenvolvi -


mento intelectual e evolutivo da criança, a sua ausência no ensin o
aprendizagem dos alunos podem ocasionar baixo desempenho e até
mesmo a repetência escolar. Sem a presença da família não há como
promover uma boa educação.
Portanto a participação dos mesmos na vida escolar de seus fi-
lhos é indispensável para que a criança se sinta amada e motiva da
a obter avanços em sua aprendizagem. Diante disso a família e a escola
precisam ser parceiras para que os alunos possam realmente ter
um maior aproveita m ento na aprendizagem, não basta apenas à escola
se preocupar na aprendizagem, e os pais não se preocupa rem. Pres u-
mindo o visível, cabe ao psicopedag ogo intervir junto à família das
crianças que apresenta m dificuldades na aprendizagem, por meio, por
exemplo, de uma entrevis ta e de uma recordação com essa família para
tomar conhecimento de informações sobre a sua vida orgânica, cog-
nitiva, emocional e social.
Nessa perspectiva o trabalho da Psicopedagogia quando encon -
tra consonância e parcerias na escola, pode promover efeitos muito po-
sitivos para a minimização das dificuldades que emergem no contex to
escolar, apesar de representa r um constante desafio, pois requer o en-
volvimento de toda a equipe, e um desejo permanen te de mudança s ,
para que as transformações, de fato, ocorram.

155
Ciranda de Saberes

Contribuições da psicopedagogia para o trabalho com atividades


lúdicas
Anexado em atividades lúdicas, o aluno obtém melhor os con -
teúdos trabalhados e sem dúvidas viajar através da imaginação. As ma -
nifestações lúdicas e as brincadeira é de extrema importân cia para o
desenvolvim ento psicológico, social e cognitivo da criança, pois é atra -
vés dela que a criança expressa seus sentimentos em relação ao mun do
em que vive. É também através das atividades lúdicas que as criança s
reconhecem sua realidade e compreende o funcionamen to do mundo e
suas emoções, também se desenvolve como indivíduo e aprende a su-
perar suas limitações, brincando e reproduzindo.
É fundamental que se assegure à criança o tempo e os espaços para que
o caráter lúdico do lazer seja vivenciado com intensidade capaz de formar
a base sólida para a criatividade e a participação cultural e, sobretudo
para o exercício do prazer de viver, e viver, como diz a canção... como se
fora brincadeira de roda... (MARCELINO, 1996, p.38)

Constatar-se que o lúdico é uma necessidade do ser humano in-


diferente de sua idade e não deve ser visto meramen te como divers ã o.
Embora o brincar é a essência da infância, ele permite a produção de
conhecimentos, estimula a afetivida de, assim, estabelecem-s e com o
brincar uma relação natural extravagando as angústias e paixões, ale-
grias, tristezas, agressividades.
Nesse ponto de vista, a brincadeira é a principal ação que ma -
nifesta a essência da aprendizagem significativa na vivência do apren -
diz. Mediante a ação do brincar, a criança, que naturalmen te possui a
característica da curiosida de, é inserida em um mundo de fantasia pro-
porcionado por elas e pelo próprio contexto; a formação do saber apri-
mora-se através dessa prática importante.
Análises dos resultados
As capacidades do aprendiza do não são adquiridas somente na
escola, mas também são construídos pela criança em contato com o so-
cial, dentro da família e no mundo que a cerca. Por isso a família é o
primeiro vínculo da criança e é responsável por grande parte da sua
educação e da sua aprendizagem.
Mediante essa aprendizagem que a criança é inserida no mun do
cultural, simbólico e começa a construir seus conhecimen tos, seus sa-
beres. Entretanto, na realidade, o que temos observado é que as famí-
lias estão perdidas, não estão sabendo lidar com situações novas: pais
trabalhando fora o dia inteiro, pais desemprega dos, brigas, drogas, pais
analfabetos, pais separados e mães solteiras. No entanto as família s
acabam transferindo suas responsabilida des para a escola , sendo que,
em decorrência disso, presenciamos gerações cada vez mais depen de n -
tes e a escola tendo que desviar de suas funções para suprir essas ne-
cessidades.

156
Ciranda de Saberes

A escola, como observa Sarramona (apud IGEA, 2005, p 19),


veio ocupar uma das funções clássicas da família que é a socialização: A
escola se converteu na principal instituição socializadora, no único lu-
gar em que os meninos e as meninas têm a possibilidade de intera g ir
com iguais e onde se devem submeter continuamen te a uma norma de
convivência coletiva.
Encontra-se um desejo por parte da família quando a criança é
colocada na escola, pois da criança é cobrado que seja bem-sucedi da .
Porém, quando esse desejo não se realiza como esperado, surgem a
frustração e a raiva que acabam colocando a criança num plano de me-
nos valia, surgindo, daí, as dificuldades na aprendizagem.
Para Boszormeny (apud Polity, 2000), uma criança pode desis -
tir da escola porque aceita uma responsabilida de emocional, encarre-
gando-se do cuidado de algum membro da família. Isso se produz, em
resposta à depressão da mãe e da falta de disponibilida de emocional do
pai que, de maneira inconsciente, ratifica a necessidade que tem a es-
posa, que seu filho a cuide.
Mediação psicopedag ógica também se propõe a incluir os pais
no processo, por intermédio de reuniões, possibilitando o acompan h a -
mento do trabalho realizado junto aos professores. Assegurada uma
maior compreensão, os pais ocupam um novo espaço no contexto do
trabalho, abandonando o papel de meros espectadores, assumindo a
posição de parceiros, participando e opinando.
A Intervençã o psicopedagóg ica na instituição escolar confi-
gura-se como uma prática instigante e desafiadora que exige do profis -
sional a adoção de uma postura que veja o sujeito na sua integralida d e.
Portanto é lançar um olhar reflexivo no cotidiano da escola , se
comprometendo a modificá-la tornando-a um ambiente que proporci-
one e favoreça a aprendizagem ao mesmo tempo buscando soluções
para os problemas já existentes. Assim consideramos de extrema rele-
vância a atuação do professor numa perspectiva psicopedagógica, pois
essa possibilita uma intervençã o e reorganização do processo de apren -
der para que este seja significativo para todos os sujeitos que deles fa-
zem parte.
Evidentemente ficou claro que nesta pesquisa, que o aluno não
pode ser o único responsável pelas dificulda des ; as causas devem ser
procura das também num sistema escolar excludente; na formação pre-
cária dos professores e nas causas de risco social. Para a recupera çã o
desses alunos e a superação das dificuldades a psicopedag ogia necessita
agregar com os saberes de outras áreas de conhecimen to como a psico-
logia, a neurologia, a psicolingüística, a psiquiatria, a fonoaudiologia e
outros.
Acredita mos que, nos dias de hoje, a psicopedag ogia começa a
escrever uma nova página na sua trajetória histórica, pois a necessida de
de inserção de um psicopedag og o nas escolas se faz cada vez mais ne-
cessária frente aos problemas da educação. Com auxílio de uma

157
Ciranda de Saberes

intervençã o consciente e compromissa da o psicopeda gog o não deve tão


somente atuar junto aos alunos, mas também junto ao quadro de pro-
fissionais da educação para um repensar das práticas pedagógicas di-
ante das dificuldades de aprendizagem, bem como junto às família s
para que assim se possa reverter o quadro de fracasso escolar brasileiro.
Conclusão
Diante trabalho expomos a importância do Psicopedagogo Edu-
cacional, pois essa profissão atualiza e amplia a apresentação completa e
sucinta dos procedimentos básicos da ação psicopedagógica. Menciona -
se que as ações relatadas no âmbito da formação de profissionais da Edu-
cação podem servir de referencial para a ação de psicopedagogo e forma -
dores dos futuros profissionais da Psicopedagogia, favorecendo uma
aprendizagem. Mas é também as funções multidisciplinar que esse pro-
fissional exerce, sendo que nessa perspectiva, o psicopedagogo não é um
mero “resolvedor” de problemas, mas um profissional que dentro de seus
limites e de sua especificidade, pode ajudar a escola a remover obstáculos
que se interpõem entre os sujeitos e o conhecimento e a formar cidadãos
por meio da construção de práticas educativas que favoreçam process os
de humanização e reapropriação da capacidade de pensamento crítico. A
respeito o docente esse trabalho deixou claro que o mesmo deve está pre-
parado e ciente de sua principal função e responsabilidade, que é a de
auxiliar na construção do aluno e não apenas um transmissor de temati-
cas do currículo escolar. Desse modo os alunos não ficarão retidos so-
mente em conteúdos, mas se preocuparão com a postura que devem ter
para se relacionar com o conhecimento. Dessa forma, considera -se que
os educadores são responsáveis pelo saber- fazer em seu contexto educa -
cional, construirão alunos e se construirão numa relação permanente e
diária fundamenta da na consciência crítica, reflexiva e política, em que,
cidadãos se transformarão e transformarão a sociedade, com novos olha-
res, novos pensamentos pautados num progresso pátrio. A interven çã o
Psicopedagogia, na instituição escolar, tem uma função complexa e por
isso provoca algumas distorções conceituais quanto às atividades desen -
volvidas pelo psicopedagogo. Perante uma ação interdisciplinar ela de-
dica-se a áreas relacionadas ao planejamento educacional e assistência
pedagógico, colabora com planos educacionais e lúdicos no âmbito das
organizações, executando numa modalidade cujo caráter é clínico insti-
tucional, ou seja, realizado diagnóstico institucional e propostas operaci-
onais pertinentes.
Enfim o estudo psicopedag ógico atinge seus objetivos quan do,
ampliando a compreensão sobre as características e necessidades de
aprendizagem de determina do aluno, abre espaço para que a escola
proporcione recursos para atender às necessidades de aprendiza g e m.
Para isso, devem analisar o Projeto Político- Pedagógico, sobretud o
quais as suas propostas de ensino e o que é valorizado como aprendiza -
gem. Vale evidenciar, que na pesquisa e interação a investiga çã o

158
Ciranda de Saberes

buscou-se uma análise de forma profunda do conteúdo que foi utiliza do


para interpreta ção dos dados abstraídos em: livros, teses, disserta ções
jornais e artigos. Considerando -se o objetivo de compreen der a forma
crítica o significado do conteúdo exposto, que aborda a temática.
Referências
Avaliação Psicopedagógica da Criança de Zero a Seis anos
Vera Barros de Oliveira, Nádia Aparecida Bossa Editora Vozes Brasil
2011 19ª edição.
ANDRADE, M. S. Rumos e diretrizes dos cursos de Psicopedagog ia :
análise Crítica do surgimento da Psicopedagogia na América Latina. Ca-
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159
EDUCAÇÃO LIBERTADORA E A TRANSFORMAÇÃO
SOCIAL: A CONTRIBUIÇÃO DA IGREJA CATÓLICA
LATINO-AMERICANA À PARTIR DE MEDELLÍN
Francisco de Assis Silva Alfenas 1
Apresentação
O passado se apresenta sempre de uma maneira simplificada e o
presente sempre complexo. Concordamos com essa afirmação de Luiz Al-
berto Gómez de Sousa. É verdade que quando refletimos sobre o passado
os fatos chegam até nós de uma maneira simplificada. Muitos detalhes im-
portantes são esquecidos pela história ou não rememorados pela falta de
documentação. Já o presente é apresentado a nós de uma maneira com-
plexa. Até porque a vivência e a proximidade temporal nos fazem não só
perceber, mas vivenciar a complexidade do momento presente. Nosso tra-
balho, mesmo correndo o risco de simplificação do passado, quer entender
melhor as décadas de 50 e 60 identificando alguns aspectos fundantes da
gênesis da educação libertadora e sua adoção pela Igreja Católica.
No contexto de crise, revoluções, questionamentos e definições
que acontece a 2ª Conferência do Episcopado Latino Americano, em Me-
dellín (Colômbia). A tensão entre modernização e humanização era cada
vez mais evidente. De um lado existia os avanços da técnica moderna, mas
de outro a desumanização passou a ser patrocinada pela própria técnica. A
limitação da vida era favorecida pelas próprias estruturas sociais que de-
veriam favorecer seu desenvolvimento. Como diz Luiz Alberto (...) essas
estruturas possibilitam ao máximo o desenvolvimento de uns poucos e
cerceiam.
A II Conferência do Episcopado Latino-Americano nasceu na cele-
bração do Concílio Vaticano II, na sua fase final. Pela primeira vez se fala
de libertação, de conscientização. A Igreja assume a proposta da Educaçã o
Libertadora. Neste contexto, Medellin busca refletir sobre a necessidade de
passagem do “cristianismo social” para o “cristianismo revolucionário”.
Vamos situar Paulo Freire dentro deste contexto. As primeiras ex-
periências, seu contato com a Igreja e o diálogo com Dom Hélder marca m
a entrada de seu pensamento na Igreja. Buscaremos situar seu pensamento
dentro de um projeto de formação humana em busca da liberdade que se
dá não separadamente da produção da cultura e da vida e inserido no
mundo. Nesse sentido, nosso enfoque educativo busca situar o pensamento
de Educação Libertadora de Freire como busca e construção de humani-
zação, confrontando com a visão escolar de educação onde a mesma é

1É sacerdote da Congregação de São Luis Orione, tem licenciatura em Filosofia, Pedagogia e


Teologia. É mestre em Educação pela UFF (Universidade Federal Fluminense). Já atuou como
na área de Educação como alfabetizador de adultos, professor. Foi diretor do Colégio Santa
Cruz (2001 a 2013) e Fundador da Faculdade Católica Dom Orione -2005- (Araguaína- TO). Atu-
almente é diretor do Instituto de Artes e Ofícios Divina Providência – Rio de Janeiro – RJ.

160
Ciranda de Saberes

concebida como inculcação, herdeira da teoria clássica. Resgataremos al-


gumas raízes do pensamento freireano dando enfoque no homem como
princípio educativo, compreendendo a conscientização como vivência e
busca da humanização dos oprimidos (ser mais em lugar do ter mais).
Apontaremos traços característicos da pedagogia freireana no do-
cumento de Medellín. Nesta conferência a Igreja da América Latina faz op-
ção pela educação libertadora. A pertinência e atualidade do tema nos con-
vocam para uma retomada histórica no sentido de compreender para con-
tinuar a luta de recriar o mundo resgatando a memória e a identidade do
povo latino-americano, até porque um povo sem memória histórica é um
povo sem identidade.
A proposta de uma educação criadora, dialógica, respeitadora das
peculiaridades culturais, que transforma o educando em sujeito de seu pró-
prio desenvolvimento - uma educação libertadora - não pode ser pensada
somente em termos históricos. Pela situação social deprimente que vive a
América Latina ela é uma necessidade.
Contexto histórico
Crise da sociedade moderna e latino-americana
O desenvolvimento da razão instrumental nascida na Revoluçã o
Científica séc. XVII, tendo seu aprofundamento no Iluminismo do séc.
XVIII e no cientificismo do séc. XIX, tem uma compreensão reducionista
do ser humano devido aos seus fins pragmáticos, utilitários e consumista s.
O resultado foi desastroso para a sociedade. A tecnificação da existência
humana, a manipulação e a anomia no campo ético caracterizam seu le-
gado. Razão moderna instrumental e poder dominador praticamente se
confundiram.)

Depois de um período de apogeu (1945-1967), o capitalismo do pós-


guerra sofreu, em 1967, sua primeira crise estrutural. Na América La-
tina, antes, os movimentos populares tinham sofrido uma forte repres-
são. Citamos o golpe de estado no Brasil (1964), na Arg entina em 1966,
a invasão norte-americana em São Domingos em 1965. Tudo isso indi-
cava a crise do desenvolvimentismo patrocinado pelo capitalismo. A po-
sição política nascida teoricamente da CEPAL propunha, contra o po-
pulismo, alcançar um desenvolvimento rápido graças à ajuda em capital
e tecnologia procedentes dos países desenvolvidos.

Mounier influenciou profundamente no desenvolvimento do pensa-


mento católico revolucionário principalmente no início da década de 60. A crí-
tica à sociedade moderna, enquanto esta dificulta o processo de personaliza-
ção e a concretização do socialismo está de maneira incisiva presente no pen-
samento de Mounier. Para ele o socialismo é uma organização social tal que,
ao mesmo tempo recupera o verdadeiro sentido do comunitário e respeita a
singularidade do homem.( Ruedell, op. cit, p.93)

161
Ciranda de Saberes

Não temos dúvidas em afirmar que Paulo Freire bebeu das fontes do
personalismo de Mounier, como ele próprio afirma em sua autobiografia
Mudança no contexto latino-americano
Ao final da década de 50 e início dos anos 60, notavam-se em toda
a América Latina a crise da estagnação e desenvolvimento social que havia
despertado esperanças nos movimentos populistas nascidos como respos-
tas à crise de depressão de 30. Estes movimentos, nascidos em países onde
a burguesia nacional exercia a hegemonia, propuseram desfazer a socie-
dade agroexportadora dominada pelos latifundiários. Os populistas ha-
viam planejado a instituição de economias nacionalistas, mediante o de-
senvolvimento de condições para a criação de um mercado interno, a subs-
tituição das importações, o fortalecimento da burguesia nacional, a distri-
buição de serviços de bem-estar social e a implantação da legislação traba-
lhista, e, finalmente, o fortalecimento do estado como aparelho planejador
do desenvolvimento nacional. Muitos países na América Latina não em-
barcaram na ideologia populista e continuaram sob as ditaduras nacionai s,
como maior parte dos países da América Central.
Esse desenvolvimento sob a égide populista entrou em crise du-
rante a década de 60 devido à marginalização das grandes massas rurais
que foram obrigadas a migrar para as cidades buscando uma vida melhor.
O crescente empobrecimento, a repressão dos operários e dos camponeses,
a incapacidade do Estado para dispor de um novo caminho criarão uma
onda de movimentos revolucionários na América.
Situação demográfica, econômica e social
Em 1900 existiam 63 milhões de habitantes na América Latina. Em
1950 a população já era de 163 milhões, e em 1968, cerca de 250 milhões.
Esta população era predominantemente rural, com exceção em algumas
regiões. O processo crescente de industrialização provocou a urbanização
e concomitantemente a marginalização das grandes massas. A populaçã o
era predominantemente jovem, sendo que 40% tinha menos de 15 anos.
Um índice muito usado para medir o desenvolvimento econômico,
é o meio de ingresso de capital. Na América Latina alcançava apenas 300
dólares ao ano “per capita”. Este índice equivalia a um terço do que obtinha
o europeu, e a sétima parte do ingresso norte-americano.
O quadro dramático da situação de pobreza é bem descrita por Gotay:
A metade da população que vivia na América Latina padecia de desnutri-
ção, e 20 a 25% de seus filhos morriam antes de completar cinco anos.
(...) dentre 100 crianças nascidas nos países pobres, quarenta morriam
de enfermidades (que poderiam ser curadas), das sessenta sobreviventes,
quarenta sofriam de desnutrição grave com danos irreversíveis para seu
cérebro e sua estrutura física. (Gotay,1985, p.150)

Em meio a essa grande crise identificada pela agudização da misé-


ria, sofrimento dos operários e camponeses marginalizados, exploração
dos operários, perseguição àqueles que queriam construir um mundo

162
Ciranda de Saberes

melhor, de aumento da repressão na busca da manutenção do status quo


favorecendo os privilégios das oligarquias, da burguesia, das multinacio-
nais é que cristãos, leigos, sacerdotes, religiosos e pastores adquirem uma
visão diferente do cristianismo. O conteúdo desta reflexão é exposto no que
vem a ser chamada mais tarde de Teologia da Libertação, como veremos
mais à frente.
A Igreja e a nova situação latino-americana
Frente aos desafios apresentados, a Igreja viu-se na obrigação de de-
finir prioridades fazendo o que ficou conhecido como ‘opção preferencial pelos
pobres’. O diálogo da Igreja com as ciências sociais e a reflexão relacionando
política e fé, deu origem, no final da década de 60 à Teologia da Libertação.
Clodovis Boff identifica bem a origem deste novo pensar teológico:
Antes de a Teologia da Libertação ter despontado, no final dos anos 60,
já havia na Igreja da América Latina toda uma práxis libertadora. Antes
do teólogo da libertação tivemos o bispo profético 2, o leigo comprometido
e comunidades libertadoras. Isso já é principalmente nos inícios dos anos
60. ( Boff, 1998, p.15)

Todo esse movimento marca a passagem de um “cristianismo social”,


condicionado ao campo espiritual para um “cristianismo revolucionário”,
onde a transformação social das estruturas sociais se torna imperativo.
A América Latina como foco da mudança.
A assembléia geral do CELAM, reunida em Medellín (1968) cons-
titui uma expressão da transição do social-cristianismo para a teologia da
libertação do cristianismo revolucionário. Os cristãos revolucionários que
conseguiram criar uma consciência do caráter histórico, econômico e polí-
tico das causas da opressão e da exploração na América Latina e participa -
ram da dura práxis de busca de caminhos eficientes afastaram das concep-
ções a-históricas de homem. Redescobrem o caráter político da fé. Ser cris-
tão passa a pressupor um compromisso político no sentido de buscar a li-
bertação do oprimido.
Nesse sentido, o instrumental sócio-analítico do materialismo his-
tórico, seu projeto socialista, sua estratégia política e os interesses e a visão
de mundo da classe revolucionária passam a ser refletidos também dentro
de grupos de leigos católicos.
Ressaltamos que sem o compromisso para abolir a situação de in-
justiça e construir uma sociedade nova, a teologia da libertação deixa de
ser autêntica. A descoberta do pobre, da classe explorada, na América La-
tina, numa ordem social organizada econômica, política e ideologicamen te
por uns poucos e para seu benefício, trouxe um salto qualitativo para a re-
flexão teológica. O “outro” começou a fazer ouvir a própria voz, a dizer sua
palavra, e a ser menos objeto de manipulação demagógica, para se trans-
formar pouco a pouco em sujeito de sua própria história.

163
Ciranda de Saberes

A pessoa de Paulo Freire


Quem é Paulo Freire?
Cremos ser interessante deixar o próprio Paulo Freire descrever
sua pessoa, situando-a dentro da dinâmica de sua trajetória. Assim, não
incorreremos no erro de deixar aspectos fundantes que ajudam a compre-
ender como se dá a evolução de seu pensamento pedagógico:
Nasci em 19 de setembro de 1921, em Recife, Estrada do Encantamento,
bairro da Casa Amarela. Joaquim Temístocles Freire, do Rio Grande do
Norte, oficial da Polícia Militar de Pernambuco, espiritista, embora não
fosse membro de círculos religiosos, extremamente bom, inteligente, ca-
paz de amar: meu pai. Edeltrudes Neves Freire, de Pernambuco, católica,
doce, boa, justa: minha mãe.(Freire, 1980, p.13)

Em Jaboatão Freire experimenta dificuldades econômicas e a pró-


pria fome. Essa difícil experiência o fez despertar, ainda criança, a sensibi-
lidade social. Teve que conciliar estudo e trabalho porque necessitava aju-
dar os seus irmãos mais novos. As bases da Pedagogia do Oprimido, estão
em sua vivência em Jaboatão. Na gênesis do seu pensamento reflexão e
ação são uma constante.
Seu casamento com Elza marca sua preocupação com a educação.
Relata:
Atendendo à irresistível vocação da pai de família, casei-me aos 23 anos,
em 1944, com Elza Maia Costa Oliveira, hoje, Elza Freire, pernambucana
do Recife, católica também. Com ela prossegui o diálogo que aprendera
com meus pais. De nós vieram ao mundo cinco filhos, três moças e dois
meninos, com quem ampliamos a nossa área dialogal.
À Elza, professora primária, e depois, diretora de escola, devo muito. Sua
coragem, sua compreensão, sua capacidade de amor, seu interesse por
tudo que faço, sua ajuda nunca negada, e sequer solicitada (pressente a
necessidade de ajuda), me têm sempre sustentado nas mais problemáti-
cas situações. Foi a partir do casamento que comecei a me preocupar sis-
tematicamente com problemas educacionais. Estudava mais educação,
Filosofia e Sociologia da Educação que Direito, curso que fui um aluno
médio.(Ibidem, p.15)

Sua experiência como advogado não passou da primeira causa,


como ele mesmo relata:
Licenciado em Direito pela atual Universidade Federal de Pernambuco,
tratei de trabalhar com dois colegas. Mas abandonei o direito depois da
primeira causa: um assunto de dívida. Após falar com o jovem dentista,
devedor tímido e vacilante, deixei-o ir em paz: que passe sem mim, que
prescinda do advogado; sentia-me muito feliz por não o ser daí por di-
ante.(Ibidem, p.15)

Seu trabalho no SESI, como diretor do Departamento de Educaçã o


e Cultura, está na gênesis do que vai ser conhecido mais tarde como Mé-
todo Paulo Freire, golpeado pela ditadura militar.
Fui considerado como um subversivo internacional, um traidor de Cristo
e do povo brasileiro, "nega o senhor - perguntava um dos juízes - que seu
método é semelhante ao de Stalin, Hitler, Perón e Mussolini? Nega o

164
Ciranda de Saberes

senhor que com seu pretendido método o que quer é tornar bolchevique
o país?...

O que parecia muito claramente em toda esta experiência, de que saí


sem ódio nem desesperação, era que uma onda ameaçadora de irraci-
onalismo se estendia sobre nós: forma ou distorção patológica da
consciência ingênua, perigosa ao extremo por causa da falta de amor
que a alimenta, por causa da mística que a anima.(Ibidem, p.16)

O pensamento freireano é expressão de sua própria história. Nesse


sentido, é interessante compreender principalmente sua visão de homem
que está associada intimamente à sua vivência.
A pessoa como princípio educativo
É inegável a identidade entre o pensamento de Paulo Freire e sua
figura humana. Todos os escritos sobre Paulo Freire ressaltam esta identi-
ficação. A ênfase na pessoa é um componente educativo quando há relação
de pessoas. Outrossim, o traço que vai definir alguém como educador,
passa pela pessoa enquanto figura humana, até porque toda relação peda-
gógica, como já afirmamos, tem de ser relação de pessoas.
Paulo Freire e o imaginário educacional latino-americano
O lugar que passou a ocupar Paulo Freire não está na concepção de
educação que ainda impera na educação latino-americana, reducionista, re-
partida em quintais. Neste universo, a Educação Popular é uma coisa, a Edu-
cação Infantil é outra, que também difere da Educação Escolar. Nesse tipo
de escola, Paulo Freire incomoda porque ele pensa a pessoa como um todo.
Todas as dimensões do pensamento freireano entram na contra-
mão da cultura escolar, da cultura da academia, da cultura da didática e até
da família, profundamente marcados por saberes desgarrados do dia-a-
dia. Em Paulo Freire, a preparação não é para a cidadania , para a revolu-
ção, mas educação como humanização. Freire é contra a visão propedêu-
tica de ser humano. Para ele o ser humano é enquanto se humaniza. A ci-
dadania é construída e vivida ao mesmo tempo. A revolução acontece
quando há a inserção consciente na práxis (ação e reflexão) em busca de
humanização.
No Brasil, no final da década de 50 e no início da década de 60,
realizaram-se manifestações político-pedagógicas onde predominavam
principalmente a mentalidade nacionalista e desenvolvimentista. Aliás,
desde o início da década de 30 se construiu um projeto político-pedagó-
gico que tinha como objetivo de colocar o país afinado com o padrão mo-
derno europeu e norte-americano.
Raízes do pensamento freireano
Ainda com dez anos, Paulo Freire começa a compreender, como ele
próprio afirma, que ... no mundo muitas coisas não andavam bem .

165
Ciranda de Saberes

Concomitantemente surgem reflexões acerca de como ele poderia ajudar a


transformar aquela situação. À partir de seus 20 anos Paulo Freire já lia
Tristão de Atayde, Maritain, Bernanos, Mounier e outros.
O diálogo com os grupos, o questionamento ao assistencialismo,
desde o início, estão de uma maneira incisiva presentes na prática freireana.
Ao mesmo tempo, ele vai tecendo sua postura ideológica em favor dos menos
favorecidos. A figura de Dom Hélder aparece como marco importante pois
serve de ponte para a entrada do pensamento pedagógico libertador na
Igreja. Freire o coloca fora do assistencialismo com o que concordamos.
No começo da década de 60 nasceram importantes movimentos
de educação e cultura popular no Brasil. Fávero (1984) enumera cronolo-
gicamente as diversas experiências: o Movimento de Educação de Base,
criado em 1961 pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil); o
Movimento de Cultura Popular criado em 1960; a Campanha “De pé no
chão também se aprende a ler (1961) ; o Centro Popular de Cultura (1961);
a primeira experiência de alfabetização e conscientização de adultos no
MCP (1962); a Campanha de Educação Popular da Paraíba (1962); a Cam-
panha de Alfabetização da UNE (1962; A Experiência de alfabetização de
Adultos pelo Sistema Paulo Freire, em Angicos, no Rio Grande do Norte; a
Experiência de Brasília, ponto de partida para a adoção do sistema Paulo
Freire em vários Estados (1963) e em 1964 a criação do Plano Nacional de
Alfabetização. Esses movimentos deram um grande salto qualitativo no
que se refere à educação de jovens e adultos.
Dentre esses movimentos, destacamos o MEB, que marca a apro-
ximação da Igreja com as classes populares. Foi criado com o objetivo de
desenvolver um programa de educação de base, através de escolas radiofô-
nicas - que no início dos anos 60 eram comuns no Brasil -, junto às popu-
lações das áreas subdesenvolvidas das regiões Norte, Nordeste e Centro -
Oeste do país.
Para Freire não existe mudança sem conscientização, e essa im-
plica um ultrapassar da esfera espontânea de apreensão da realidade,
para chegarmos a uma esfera crítica na qual a realidade se dá como ob-
jeto cognoscível e na qual o homem assume uma posição constante de
busca. É uma atitude crítica dos homens na história, que não termina
jamais:
A conscientização é, neste sentido, um teste de realidade. Quanto mais
conscientização, mais se “des-ve-la” a realidade, mais se penetra na es-
sência fenomênica do objeto, frente ao qual nos encontramos para ana-
lisá-lo. Por esta mesma razão, a conscientização não consiste em “estar
frente à realidade” assumindo uma posição falsamente intelectual. A
conscientização não pode existir fora da “práxis”, ou melhor, sem o ato
ação-reflexão. Esta unidade dialética constitui, de maneira permanente,
o modo de ser ou de transformar o mundo que caracteriza os homens.
Por isso mesmo, a conscientização é um compromisso histórico. É tam-
bém consciência histórica; é inserção crítica na história, implica que os
homens assumam o papel de sujeitos que fazem e refazem o mundo.

166
Ciranda de Saberes

Exige que os homens criem sua existência com um material que a vida
lhes oferece... ( Freire, 1980, p.26)

Os sujeitos em Paulo Freire


Sabemos que toda relação educativa é uma relação de totalida de
humana, relação de sujeitos. A grande preocupação de Paulo Freire está
baseada na identificação desses sujeitos.
Freire fala dos esfarrapados do mundo e aos que neles se desco-
brem e, assim descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretudo, com eles
lutam. (Freire, 1997, p.23). São os que tiveram a humanidade negada. Fala
também para aqueles ...que são obrigados a vender seu trabalho.(idem, p.
140) Para Paulo Freire toda compra ou venda do trabalho é uma espécie de
escravidão. Condena veementemente esta relação capitalista onde os diri-
gentes exploram os dirigidos. Freire quer restaurar no oprimido o ser hu-
mano.
O oprimido e sua humanidade roubada: o ser menos
Já na tese para o concurso para a cadeira de História e Filosofia
da Educação na Escola de Belas Artes de Pernambuco, Educação e Atuali-
dade Brasileira, Paulo Freire critica o assistencialismo que impede o “ser
humano” conquistar, construir sua própria dignidade. ... é uma forma de
ação que rouba ao homem condições à consecução de uma das necessida-
des fundamentais da alma humana e a responsabilidade (Freire, 1959,
p.14). No assistencialismo há gestos que revelam passividade e domestica -
ção do homem . Na Pedagogia do Oprimido cita o Sermão contra os Usu-
rários de São Gregório de Nissa (330), para ilustrar que a ordem social in-
justa é geradora de morte, desalento e miséria:
Talvez dês esmolas. Mas, de onde as tiras, senão de tuas rapinas cruéis,
do sofrimento, das lágrimas, dos suspiros? Se o pobre soubesse de onde
vem o teu óbolo, ele o recusaria porque teria a impressão de morder a
carne de seus irmãos e de sugar o sangue de seu próximo. Ele te diria
estas palavras corajosas: não sacies a minha sede com as lágrimas de
meus irmãos. Não dês ao pobre o pão endurecido com os soluços de meus
companheiros de miséria. Devolve a teu semelhante aquilo que recla-
maste e eu te serei muito grato. De que vale consolar um pobre, se tu fazes
cem? (Freire, 1997, p.31)

Paulo Freire identifica traços históricos da opressão:


Assim vivemos todo o nosso período de vida colonial. Pressionados sem-
pre. Quase sempre proibidos de crescer. Proibidos de falar. A única voz,
no silêncio a que éramos submetidos, que se podia ouvir, era a voz do
púlpito. (...) O Brasil nasceu e cresceu sem experiência de diálogo. Sem
direito à “fala” autêntica. De cabeça baixa. Com receio da coroa. Sem im-
prensa. Sem contatos e sem escola. (Freire, 1959, p. 73 e 82).

No ano de 1958 a percentagem de adultos analfabetos estava esti-


mada em 50% da população brasileira. Paulo não compactua com esta re-
alidade. Pensa e age no sentido de levar as massas populares a reconquista r
a humanidade roubada através de uma práxis humanizadora.

167
Ciranda de Saberes

PAULO FREIRE E A CONTRUÇÃO DA PEDAGOGIA LIBERTADORA


Leonardo Boff, um dos sistematizadores da Teologia da Liberta -
ção, coloca Paulo Freire como um dos criadores desta Teologia. Afirma
Boff:
A teologia da libertação afirma; a libertação dos oprimidos ou se faz à
partir dos oprimidos mesmos junto com seus aliados, conscientes de sua
própria força e dignidade, ou não se fará nunca. A importância de Paulo
Freire foi de ter mostrado que o oprimido não mais é somente um opri-
mido. É também um Criador de Cultura e um sujeito histórico, que,
quando conscientizado e organizado, pode transformar a sociedade. A te-
ologia da libertação ao fazer a opção pelos pobres contra a sua pobreza
assume a visão de Paulo Freire. O processo de libertação implica funda-
mentalmente numa pedagogia. A libertação se dá no processo de extroje-
ção do opressor que carregamos dentro e na constituição da pessoa livre
e libertada, capaz de relações geradoras de participação e de solidarie-
dade. A teologia da libertação é um discurso sintético, porque junto com
o discurso religioso sintético incorpora em sua constituição também o
analítico e pedagógico. Por isso Paulo Freire, desde o início, foi e é consi-
derado um dos fundadores da teologia da libertação. (Boff, Paulo Freire
– uma Biobibliografia, p.497)

Todo movimento de libertação – idéias, práticas revolucionárias ,


protestos – desembocaram na II Conferência Episcopal Latino-Americana.
É nesta conferência que os bispos, de uma maneira inédita, sentiram a ne-
cessidade de refletir sobre as diversas questões sociais e a tomar decisões
frente às diversas situações.
No que se refere à Educação, Medellín propõe a Educação Liberta -
dora como resposta à problemática da Educação na América Latina. A pro-
posta de uma Educação Libertadora, como relata Boff, implica numa pe-
dagogia.
Dom Hélder ressalta a responsabilidade histórica da Igreja. No
manifesto ele coloca que desde o momento de sua descoberta a sociedade
latino-americana cresceu e desenvolveu-se sob o influxo da Igreja; sua es-
trutura social, econômica e cultural foi plasmada dentro dos moldes da
cristandade ibérica. A Igreja está indissoluvelmente ligada a todo esse
passado histórico com seus valores, suas autênticas conquistas, seus mo-
mentos de apogeu: mas também com seus fracassos, seus contravalores
e aberrações. (Ibidem, p. 7) Para Dom Hélder, a Igreja é chamada a denun -
ciar o pecado coletivo, as estruturas injustas e estagnadas, não apenas
como alguém que julga de fora, mas como alguém que reconhece sua par-
cela de responsabilidade e culpa.
Dom Hélder e Paulo Freire eram figuras bastante próximas. Paulo
Freire fala da pessoa de dom Hélder da Seguinte forma: ...gente que eu
posso dizer que não era assistencialista. Gente que era progressista, gente
comprometida. Comprometida com os pobres... (Beisiegel, 1992, p.35).
Sem dúvida, D. Hélder foi um grande interlocutor do pensamen to
freireano, expressão do pensamento cristão, nestas reuniões anteriores que

168
Ciranda de Saberes

culminaram em Medellín. O próprio Freire reconhece, como já vimos an-


teriormente, que foi Dom Hélder que difundiu o termo conscientização.
O documento de Medellín e a Proposta de Educação Libertadora
Esta parte é fruto, como afirma o documento, de uma longa dis-
cussão, debates, seminários, etc. Destacamos o encontro de Buga e o Semi-
nário sobre Educação de Adultos, já trabalhados neste capítulo.
O documento começa salientando a Educação como fator decisivo
no desenvolvimento do Continente.
Esta II Conferência Geral do Episcopado do Latino-Americano, que se
propôs comprometer a Igreja no processo de transformação dos povos
latino-americanos, fixa muito especialmente sua atenção na educação,
como fator básico e decisivo no desenvolvimento do Continente. (Ibidem,
p.72)

A parte sobre a educação é composta de três partes: característica s


da Educação na América Latina, Sentido Humanista e Cristão da Educa -
ção, Orientações pastorais. Para caracterizar a educação da América La-
tina, Medellín reconhece o esforço feito para entender a educação em seus
diversos níveis, porém coloca que a situação presente é de drama e desafio.
Há a crítica da Educação como instrumento de domesticação:
A tarefa da educação destes nossos irmãos não consiste propriamente em
incorporá-los às estruturas culturais que existem em torno deles, e que
podem ser também opressoras, mas em algo muito mais profundo. Con-
siste em capacitá-los para que, eles mesmos, como autores de seu próprio
progresso, desenvolvam, de maneira criativa e original, um mundo cul-
tural conforme a sua própria riqueza e que seja fruto de seus próprios
esforços, e especialmente no caso dos indígenas, devem-se respeitar os
valores próprios de sua cultura, sem excluir o diálogo criador com outras
culturas.(Ibidem, p.73)

O documento critica a educação formal, analisando-a como longe


de ser o que exige o nosso desenvolvimento. Propõe a educação libertadora
como resposta aos desafios apresentados. Esta mesma visão está presen te
em todos os documentos elaborados antes de Medellín, especialmente os
de Buga, que teve participação de Fiori e Luiz Alberto, e o documento sobre
alfabetização, que teve participação de Paulo Freire. Os conceitos freirea -
nos estão explicitamente presentes:
Nossa reflexão sobre este panorama conduz-nos a propor uma visão da
educação mais conforme com o desenvolvimento integral que propugna-
mos para nosso continente; chamá-la-íamos “educação libertadora”, isto
é, que transforma o educando em sujeito de seu próprio desenvolvi-
mento..( Ibidem, p. 74)

Conclusão
Em 1968 existia, na América Latina, uma população de 250 mi-
lhões de habitantes 3. Desta população, 50% era analfabeta, sem contar os

3 Este dado foi extraído do Vol. 1, Arquivos de Medellín, p.78.

169
Ciranda de Saberes

chamados analfabetos funcionais entre a população adulta. A pobreza era


realidade também para maioria absoluta da população.
O projeto de modernidade que propunha a emancipação humana
trouxe maior distância entre os pobres e os ricos. A razão instrumental aca-
bou servindo apenas para aumentar o abismo entre pobres e ricos. Se de
um lado favoreceu o crescimento econômico, por outro trouxe agravou os
problemas sociais já existentes, além de ter favorecido uma grande concen-
tração de renda.
Na América Latina, a revolução cubana veio mostrar que as mu-
danças estruturais requeridas seriam possíveis. Por todo o continente as
classes populares começaram a se organizar. Mas, ao contrário do espe-
rado, o desenvolvimento econômico não desembocou na melhoria das
condições de vida da maioria da população. Pelo contrário, houve o cresci-
mento da pobreza e da miséria. Surgiu a teoria da dependência justamen te
para explicar que a relação entre o centro e a periferia do sistema capita-
lista era injusta, destinada a deixar os países de Terceiro Mundo num cons-
tante subdesenvolvimento. Houve maior clareza de que o desenvolvimen to
sem justiça social não melhorava a vida do povo e só fazia crescer a depen -
dência em relação aos desenvolvidos.
Esta situação de crise e conflito favoreceu o despertar da consciên-
cia cristã do continente para os desafios da realidade sob o impacto da
emergência das classes populares e sob o estímulo do Papa João XXIII que
incluía os sinais dos tempos entre os temas mais discutidos. Na encíclica
Mater et Magistra (1961), João XXIII mostrava a ascensão da classe tra-
balhadora, o fim do colonialismo e a necessidade de abertura ao mundo
moderno através do diálogo e maior sensibilidade para com os pobres. A
realização do Concílio Vaticano II, que deu grande abertura n o sentido de
propiciar o diálogo entre igreja e mundo, veio dar um novo impulso à Igreja
latino-americana.
O pensamento de Paulo Freire ajudou na compreensão e constru-
ção do que foi chamado pedagogia libertadora. Categorias como libertação,
conscientização foram sustentáculos na teorização da realidade latino-
americana. Nosso trabalho identificou encontros que favoreceram a en-
trada do pensamento libertador na Igreja que se deu porque antes, na Amé-
rica Latina, já existia uma práxis libertadora.
Paulo Freire, um dos maiores educadores da América Latina, sin-
tetiza todo o “caldo ideológico” existente na América Latina, no final da
década de 50 e na década de 60. Seu pensamento se situa numa perspectiva
dialética onde a dinâmica da reflexão e ação vai tecendo sua trajetória .
Como ele mesmo relata, chegou a experienciar a realidade da fome; seu
pensamento foi fruto de um enraizamento histórico. Sua relação com a
Igreja se aprofunda quando, no diálogo com Dom Hélder, percebe que
parte dela estava comprometida com a causa dos oprimidos. Sua relação
com a Igreja foi tão importante que Leonardo Boff, um dos maiores teólo-
gos da libertação, o coloca como um dos fundadores desta mesma teologia.
Isto porque Freire

170
Ciranda de Saberes

representa socialmente, no sentido preciso e mais forte do termo, esse


novo modo de aproximação do povo oprimido, de sorte que dizer “Edu-
cação Paulo Freire”, é já definir uma postura específica de acercamento
da realidade popular, postura feita de humildade, escuta, respeito e con-
fiança, e ao mesmo tempo de crítica, interrogação, diálogo, solidariedade
e envolvimento transformador. Para Freire, educação é um ato amoroso:
“ato” como ação, prática, libertação, e “amoroso” como bem-querer, con-
fiança e reciprocidade.(Gadotti, 1997, p.281)

Para Freire, a educação tem de ser efetivada na perspectiva da li-


bertação; a conscientização está ligada ao compromisso histórico. Profun -
das tensões sociais, dívida externa, que impunham crescente deterioriza -
ção do nível de vida da maioria da população, as marcas históricas da i de-
ologia do colonialismo, que justificava a “cultura do silêncio” e as decisões
vindas do centro dos países capitalistas, eram características da sociedade
latino-americana percebidas por Freire nas décadas de 50 e 60. A emer-
gência dos movimentos populares, a organização dos trabalhadores, o en-
gajamento de políticos, intelectuais leigos e católicos, de setores da juven -
tude ligadas à Ação Católica na luta pela “democratização fundamental da
sociedade”, através das “reformas de base” foram processos decorrentes
da tomada de consciência do povo da situação em que vivia.
Esses movimentos tornavam aquela etapa fecunda e anunciadora
de um novo período histórico. Sua grande contribuição não foi só criticar o
sistema educacional vigente naquela época, mas formular também uma pe-
dagogia para ajudar a sociedade a tornar-se democrática onde a reflexão e
a ação vão tecendo a trajetória na construção de uma nova sociedade. Da
crítica à sociedade e à escola, surgiu o esforço para unir o pedagógico e o
político.
A proposta da educação libertadora deveria oportunizar aos edu-
candos a discussão sobre o seu direito de participar, em substituição àquela
que se contentava em transmitir idéias prontas e palavras vazias. A desco-
berta da necessidade de um trabalho educativo que possibilitasse n ão só a
alfabetização mas também a passagem de uma compreensão mágica ou in-
gênua da realidade para outra, dominantemente crítica, decorria da análise
daquela situação. Diante do não-conhecimento das camadas populares, era
natural que a ênfase recaísse sobre o seu contrário: o conhecimento. Freire
tinha consciência que quando uma sociedade quer dominar o seu povo tem
necessidade de mantê-lo ignorante.
As idéias e a prática de Freire influenciaram positivamente os mo-
vimentos sociais e as lutas populares, inclusive a Igreja progressista. Tam-
bém as idéias de Fiori ajudaram na elaboração da pedagogia da libertação
nos seguintes aspectos:
...elaboração de idéias-força; reflexões sobre o processo do conhecimento
na constituição da consciência e da transformação da realidade. Ajuda-
ram, inclusive, através da sua atuação junto aos movimentos sociais po-
pulares.
( Danke, 1995, p. 38)

171
Ciranda de Saberes

No decorrer do nosso trabalho constatamos que a confirmação da


proposta de educação libertadora na Igreja é fruto de um processo histórico
onde Paulo Freire aparece como referência importante. Seu pensamento é
fruto de um coletivo. Elegemos Ernani Fiori e Luiz Alberto Gómez de Sousa
como interlocutores dessa proposta pela convivência e participação nos en-
contros preparados pelo CELAM, onde tiveram participações decisivas.
Outra constatação é de que a Igreja não faria a opção pela Educação Liber-
tadora se não houvesse um caminhar libertador por parte de leigos ligados
à Ação Católica Especializada, principalmente no Brasil, e práticas educa -
tivas libertadoras em toda América Latina, no caso do Brasil destacamos o
MEB (Movimento de Educação de Base).
A formulação do conceito de educação libertadora, como aparece
em Medellín foi discutido principalmente no Encontro em Bogotá (Colôm-
bia), realizado de 22 a 27 de julho de 1968, que deu origem ao documen to
A Colaboração dos Católicos na América Latina, tendo a participação de
Paulo Freire. Esse documento foi distribuído como subsídio, na Conferên -
cia de Medellín. A apropriação da visão de homem como seres históricos e
inacabados e sua vocação para a liberdade aparece como fundamento desta
proposta. Criticam a concepção bancária de educação que nega a tarefa hu-
manizadora da educação e leva o homem a pensar no ter mais em vez de
buscar o ser mais.
Diante do compromisso assumido, muitos teólogos ligados à teo-
logia da libertação produziram livros e textos tendo como orientação básica
uma pedagogia para articular o pedagógico com o teológico na perspectiva
da libertação. Medellín foi fruto de uma época de produção onde filósofos
e teólogos como Enrique Dussel e Gustavo Gutiérrez, embora não preocu-
pados diretamente com uma pedagogia, incorporam categorias básicas de
Paulo Freire e Ernani Fiori que enriqueceram suas reflexões e fizera m
avançar o próprio processo de construção coletiva e de busca de uma pe-
dagogia libertadora.
Podemos dizer que a grande contribuição de Freire em Medellín
está em ter chamado a atenção para a existência de projetos globais e de
projetos pedagógicos de dominação nos campos social, econômico, político
e cultural. Freire mostrou que enquanto um projeto de dominação procura
interditar o acesso das camadas populares à apropriação e à produção de
conhecimentos, um projeto de libertação supõe que elas não sejam meros
consumidores de conhecimentos já elaborados, mas que se tornem capazes
de produzí-los e de utilizá-los para transformar a realidade.
Uma educação que pretenda não apenas adestrar o educando para
o desempenho de uma técnica ou profissão, mas também ajudá-lo a crescer
como ser humano, tem de fimar-se na tarefa de tornar o homem sujeito de
seu próprio desenvolvimento, como sujeito de criação e construtor de sua
história. Esse tipo de educação é portadora de uma grande força revoluci-
onário, uma vez que tem como horizonte a transformação da sociedade.
A pedagogia libertadora hoje, mais do que nunca, se torna um im-
perativo. Ela quer continuar fazer os sujeitos assumirem uma posição

172
Ciranda de Saberes

profética denunciando as estruturas desumanizantes e anunciando, ao


mesmo tempo, um projeto de novo de sociedade através da práxis criadora
do mundo. Nessa busca, a dicotomia entre saber popular e saber científico
não pode existir, até porque o conhecimento é construído dentro da pers-
pectiva dialética onde a ação e reflexão vão tecendo a trajetória num cons-
tante fazer e refazer. Neste horizonte a Pedagogia Libertadora proposta em
Medellín e em Paulo Freire aparece não apenas como proposta, mas como
necessidade.
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Ciranda de Saberes

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Ciranda de Saberes

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175
A IMPORTÂNCIA DOS JOGOS EDUCATIVOS NO
ENSINO DE ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA
Gebson Andrei de Almeida Diniz1
Ascísio Pereira dos Reis
Introdução
A educação inclusiva, como Política Pública, foi proposta no Brasil
no ano de 2008, a partir da Política Nacional de Educação Especial na Pers-
pectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI) (Bezerra, 2020). Processo que
desde então vem propiciando transformações em nível educacional e polí-
tico que impactam diretamente no trabalho docente, especialmente aos
serviços especializados na área. A PNEEPEI destina-se a estudantes com
deficiência, altas-habilidades/superdotação e com transtornos globais de
desenvolvimento.
Para Bezerra (2020), a educação inclusiva deve oferecer condições
que garantam o aprendizado para estudantes com algum tipo de deficiên -
cia, sendo de suma importância que os docentes envolvidos na educaçã o
possuam capacitação específica para tal processo. Visto que, a participaçã o
e o conhecimento do professor são requisitos necessários para definir os
objetivos educacionais e promover habilidades, de acordo com as necessi-
dades de cada aluno.
Brincadeiras e jogos didáticos têm ganhado cada vez mais desta -
que e valor nas pesquisas sobre ensino, especialmente nas que focam na
inclusão escolar. Esses recursos são valorizados por seu papel no desenvol-
vimento e aprendizagem de habilidades cognitivas, sociais, afetivas e mo-
toras. Nesse cenário, pedagogos, professores e psicólogos reconhecem tais
práticas como importantes ferramentas para motivar o desenvolvimen to
da linguagem oral e escrita, do raciocínio lógico-matemático e de outras
capacidades, permitindo aos estudantes construírem seu próprio conheci-
mento (Cotonhoto, Rossetti e Missawa, 2019).
As atividades pedagógicas, como os jogos didáticos, estão sendo
resgatados para acrescer o prazer em aprender, visando à criação de um
vínculo de integração maior entre os estudantes com deficiência, a escola e
a sociedade, processo necessário para criar um ambiente acolhedor e de-
mocrático, adequado para o aprendizado (Barros, Miranda e Costa, 2019).
Nessa perspectiva, Ferreira et. al. (2020) observam que muita s
dessas práticas pedagógicas eram anteriormente exclusivas do curso Nor-
mal (antigo Magistério). Atualmente, nos cursos profissionalizantes, os
professores são habilitados para lecionar para os anos iniciais, desde a

1Formado em Enfermagem Bacharelado- Fisma; Pós-graduado em Gestão e Auditoria em


Saúde – ;Pós-graduado em Docência em Enfermagem Mestrando Educação Profissional e
Tecnológico UFSM; Bolsista Capes profissional nas áreas de Recursos Humanos e
Qualidade, tendo atuado em empresas nos diversos segmentos como: Indústria Eletrônica,
Tecnologia da Informação, Comércio Varejista e Prestação de Serviços.

176
Ciranda de Saberes

educação infantil até o quinto ano, conforme a Lei nº 11.892, de 29 de de-


zembro de 2008. Nesse contexto, utiliza-se uma variedade de práticas edu-
cativas voltadas à aprendizagem, incluindo a classe especial, que era a
única habilitação específica para alunos com deficiência.
No entanto, com a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, que insti-
tuiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, a classe espe-
cial foi integrada às turmas regulares. Observou-se a necessidade de que
todos os profissionais do curso Normal realizassem a graduação em Peda-
gogia ou em outra área relevante, a fim de melhorar a qualidade de ensino
e atender às necessidades dos alunos com deficiência.
Para Ferreira et. al. (2020) a expressão “formação de professores ”
parece abarcar situações muito diferentes quanto à forma, ao tempo e ao
nível de aprofundamento. Processo que não demonstra as diversidades e
peculiaridades do ambiente escolar formal, principalmente do sistema pú-
blico e de suas convergências com o privado. Nas últimas décadas, os res-
ponsáveis por garantir emprego exigem dos aspirantes a professores de in-
fância, processos acadêmicos de formação inicial como a graduação em Pe-
dagogia.
Contudo, mesmo depois de graduados, há a necessidade de aten-
der a outras demandas para adentrar ao mercado de trabalho, destas, des-
tacam-se os cursos de curta duração ao longo da vida profissional. Como
forma de comprovar que seu processo educativo está em continuidade com
o trabalho que realiza, há um conjunto de cursos, simpósios, seminários e
outros ambientes de aperfeiçoamento, os quais são denominados de cursos
de “formação continuada” (Ferreira et. al., 2020).
Além dos processos já mencionados, é importante considerar a
produção cotidiana de conhecimento dos professores dentro das escolas,
que, através do trabalho realizado nelas, gera problematizações que de-
mandam estudos (Magalhães, 2011; Ferreira et. al., 2020; Brotolin e
Souza, 2023).
Nesse contexto, Vieira e Omote (2021) afirmam que, para que a
educação inclusiva efetivamente contribua para a construção de conheci-
mentos significativos para os estudantes com deficiência, a formação dos
professores não deve se restringir apenas a processos de formação conti-
nuada, os mesmos que envolvem cursos de capacitação. Em vez disso, deve
envolver uma análise contínua, dinâmica e permanente, acompanhada de
reflexões sobre a prática profissional particular. Esse processo de reflexão
e formação deve começar já em âmbito de prática inicial do professor, per-
mitindo que ele se familiarize com a diversidade em sala de aula e, assim,
contribua para uma educação de maior qualidade.
Como forma de identificar os preceitos que atingem uma educaçã o
de qualidade, no âmbito das políticas no contexto internacional e nacional,
Dourado e Oliveira (2009), relataram os compromissos assumidos pelos
diferentes países na área da educação. Dentre estes, políticas, programas e
ações educacionais e de fomento ao trabalho docente. Para os autores, ana-
lisar a qualidade da educação, envolve em um primeiro momento analisar

177
Ciranda de Saberes

os fatores relacionados ao social como “[...] questões macroestrutura is ,


concentração de renda, desigualdade social e educação como direito [...]”
(p. 202). Em um segundo momento, os processos que envolvem a organi-
zação e gestão do trabalho escolar, a partir da análise de questões de “[...]
condições de trabalho, processos de gestão da escola, dinâmica curricular,
formação e profissionalização docente” (p. 202). A partir desse enfoque,
pode-se iniciar uma análise igualitária e democrática da qualidade da edu-
cação, levando em consideração que o ambiente escolar e suas ramificações
são também ambientes sociais articulados a outras (se não todas) esferas
da vida humana, sejam políticas, culturais, econômicas e acima de tudo,
sociais.
Ainda, se faz primordial problematizar a ênfase dada à teoria do
capital humano, sobretudo pelo Banco Mundial, identificando o papel re-
servado à educação, bem como as diferentes feições assumidas por ela no
que concerne à escola de qualidade. No tocante à organização da educaçã o
nacional, é importante compreender o papel dos sistemas e das escolas
como espaços de regulação e de produção de uma dada dinâmica pedagó-
gica, bem como o papel dos diferentes atores institucionais (ou não) do
processo de construção das referidas regulações. Devem ser considerados
múltiplos fatores e regulações que permeiam o que supostamente se en-
tende por uma escola de qualidade (Dourado e Oliveira, 2009).
Segundo Dias (2023), é necessário refletir sobre qual é a ação so-
cial da escola na atualidade, levando em consideração a mesma como cons-
tituinte e constituída pela sociedade. Ao analisar as políticas públicas vol-
tadas para a educação brasileira, a escola é vista como um espaço de for-
mação para o mercado de trabalho, além de ser responsável pela formação
de cidadãos críticos, conscientes e preparados para viver em sociedade.
Ainda nas ideias do autor, a instituição de ensino deve funcionar como um
espaço de proteção social, incorporando características que vão além da
mera transmissão de conteúdos instrucionais. Tal fato inclui princípios
como totalidade, disponibilidade, acessibilidade, aceitabilidade e adapta-
bilidade.
Dias (2023) observa que há uma grande diferença entre as escolas
do passado e as escolas contemporâneas e, que é necessário continuar pro-
cessos de pesquisa e políticas de fomento, visando adaptar a educação para
os próximos anos, não apenas no Brasil, mas também em um contexto glo-
bal, uma vez que a educação é uma questão de alcance mundial.
Com base nos princípios destacados por Dias (2023), é essencial
desenvolver propostas que atendam especificamente às necessidades dos
estudantes com deficiência. As políticas de inclusão têm introduzido mu-
danças conceituais significativas, exigindo a adoção de novas práticas de
avaliação para identificar e propor intervenções pedagógicas adequadas. É
importante reconhecer os diferentes tipos de apoio necessários para pro-
mover o desenvolvimento global do aluno, sua participação, autonomia,
socialização e sucesso na construção do conhecimento.

178
Ciranda de Saberes

Mercado e Pedraza (2021) destacam que a responsabilidade de ga-


rantir a inclusão e a motivação dos jovens e adolescentes com deficiências
não deve ser limitada à participação ocasional ou a situações em que são
especificamente convidados a se envolver. Em vez disso, todos têm o dever
contínuo de assegurar que esses estudantes não enfrentam exclusão, des-
motivação ou a saída precoce da escola. Portanto, a colaboração ativa e
constante entre famílias e escolas é essencial para que esses alunos não se-
jam deixados à margem, especialmente em momentos de crise, como o
caso da pandemia.
No contexto pandêmico, Carvalho et. al. (2023) retrataram que en-
tre junho e dezembro de 2021, foi implementado um plano com atividades
presenciais em uma escola de ensino fundamental da rede privada em João
Pessoa-PB, focado na educação em saúde e no combate à disseminação da
COVID-19. O estudo avaliou as ações realizadas e destacou a necessidade
de adotar medidas que promovam fontes confiáveis de informação para
combater as fakenews. O projeto incluiu a utilização de jogos tanto no en-
sino a distância quanto presencial, mostrando um excelente desempen h o
acadêmico. A gamificação foi empregada como metodologia para melhora r
o aprendizado dos estudantes, com a duração do projeto de dois anos, entre
2020 e 2022. Durante esse período, uma das plataformas mais utilizadas
foi o Instagram, onde foram publicados diversos temas relacionados à
educação e saúde.
A importância dos jogos pedagógicos é amplamente reconhecida ,
como evidenciado pela Conferência Mundial sobre Educação Especial rea-
lizada em Salamanca, Espanha, em 1994. Este evento, que contou com a
participação de 88 governos e 25 organizações, teve como principal obje-
tivo garantir e assegurar o direito à educação para crianças, jovens e adul-
tos com necessidades especiais. A Declaração de Salamanca enfatizou a ne-
cessidade de proporcionar uma educação inclusiva que atenda a todos os
indivíduos, independentemente de suas habilidades ou dificuldades. Na
conferência, foi analisada a extrema urgência de educação para as crianças,
jovens e adultos com necessidades educacionais especiais dentro do sis-
tema regular.
No Brasil, a Lei nº 13.146/2015, Lei Brasileira de Inclusão (LBI), a
qual tem como objetivo assegurar e promover, em condições de igualdade,
o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com de-
ficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.
Em vista do supracitado, os jogos pedagógicos emergem como fer-
ramentas cruciais para promover uma aprendizagem eficaz e inclusiva, uma
vez que oferecem métodos interativos e adaptativos que atendem às diversas
necessidades dos estudantes. A inclusão desses jogos no ambiente educacio-
nal pode contribuir significativamente para a implementação dos princípios
defendidos pela conferência, assegurando uma educação mais acessível e
equitativa. Portanto, esta pesquisa visa explorar como os jogos pedagógicos
podem apoiar a educação inclusiva, alinhando-se aos objetivos estabelecidos
pela Declaração de Salamanca e aprimorando a experiência educacional

179
Ciranda de Saberes

para todos os alunos. Para isso, dedicou-se a analisar como a importância da


gamificação na inclusão escolar de estudantes com deficiência reverbera na
literatura, a partir de uma revisão bibliográfica.
Objetivo geral
Analisar, a partir da literatura, as produções científicas que con-
templem a inclusão escolar de estudantes com deficiência, tendo como en-
foque o uso de jogos didáticos como promotores do desenvolvimento das
motricidades.
Metodologia da pesquisa
Natureza da pesquisa
Trata-se de uma pesquisa bibliográfica, que é elaborada com base
em material já publicado (Gil, 2022), do tipo narrativa que busca descrever
amplamente o desenvolvimento de algum assunto, de modo rápido e não
sistemático. Assim, proporciona rápida atualização sobre a temática (Ca-
nuto e Oliveira, 2020). A revisão da literatura, como proposto no trabalho,
“é um primeiro passo para a construção do conhecimento científico, pois é
através desse processo que novas teorias surgem, bem como são reconhe-
cidas lacunas e oportunidades para o surgimento de pesquisas num as-
sunto específico” (Botelho, Cunha e Macedo, 2011, p.123).
Ainda, é o processo de busca, análise e descrição de um corpus do
conhecimento em busca de resposta a uma pergunta específica. A literatura
cobre todo o material relevante que é escrito sobre um tema como livros,
artigos de jornais, registros históricos, relatórios governamentais, teses,
dissertações e artigos de periódicos (Canuto e Oliveira, 2020).
Percurso metodológico
Foram realizadas buscas bibliográficas em bases de dados eletrô-
nicas, como a Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) contemplando a Literatura
Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e o Portal
Capes através do recurso CAFe. As pesquisas abarcam diversos formatos ,
como artigos, dissertações e teses, todos em português e disponível online.
O recorte temporal abrange os anos de 1994 a 2024. A pergunta de revisão
a ser respondida pela pesquisa foi: “Qual é a importância dos jogos
educativos no ensino de alunos com deficiência, conforme a li-
teratura existente?”. Foram selecionados apenas os trabalhos que apre-
sentaram resumos completos e que responderam diretamente à questão de
pesquisa, excluindo aqueles que não tratam dos jogos educativos como
uma proposta para a inclusão de estudantes com deficiência, assim como
para o desenvolvimento motor, cognitivo e social dos mesmos. A pesquisa
contou com a utilização de descritores: “jogos pedagógicos”, “inclusão es-
colar” e “estudantes com deficiência”, com o conector booleano AND.
Resultados e discussão
A busca e seleção das publicações pertinentes à pesquisa resulta -
ram em 5 publicações nacionais entre os anos de 2015 e 2021, sendo duas

180
Ciranda de Saberes

revisões bibliográficas, uma observação participante, dois estudos de caso.


A seguir apresenta-se o quadro sinóptico com as publicações utilizadas
para análise e interpretação dos resultados da pesquisa (Figura 01), elabo-
rada com código numérico, autoria/ano de publicação, título, país e estado
(UF) da publicação, o periódico, o objetivo, método e população do estudo.

Figura 01: Síntese do corpus da resvisão narrativa, Santa Maria (RS),


Brasil, 2024. Fonte: corpus da pesquisa.

Ribeiro et. al. (2019), destacam que quando inseridos na educaçã o


de maneira criteriosa e com um planejamento metodológico bem definido,
os jogos digitais têm o potencial de despertar o interesse de estudantes ,
tanto crianças quanto adolescentes. Esses jogos, frequentemen te aprecia-
dos como formas de entretenimento, podem motivar os alunos e represen -
tar uma inovação na prática pedagógica. Além disso, a integração de tec-
nologias no ambiente educacional, quando utilizadas como ferramenta s
assistivas, proporcionam maior autonomia e independência para indiví-
duos com deficiência.
Cotonhoto et. al. (2019) reitera que com a incrementação do pen-
sar em práticas voltadas a potencializar a inclusão escolar de estudantes
com deficiência, nota-se a necessidade de analisar a adaptação destas prá-
ticas. Processo que, novamente, enfatiza a necessidade de capacitação e ha-
bilidade docente para efetiva melhoria na condição física e cognitiva dos
discentes com deficiência. Com base nesses processos, tem-se observa do
que alguns jogos educativos fomentam a efetividade de promover essas

181
Ciranda de Saberes

condições, melhorando a qualidade de vida e suas posições sociais. Ainda,


Cotonhoto et. al. (2019), reiteram que experiências práticas, baseadas em
situações-problemas e na lógica do raciocínio, possibilitam que atividades
físicas e mentais promovam a sociabilidade e estimulam reações afetivas,
cognitivas, sociais, morais, culturais e linguísticas.
Nesse contexto, torna-se relevante ressaltar a contribuição dos jo-
gos e das atividades lúdicas para o desenvolvimento e o processo de apren-
dizagem, como retratado no trabalho de Beledeli e Hansel (2016). Segundo
os autores, os jogos pedagógicos têm a capacidade de contribuir significa-
tivamente para o processo de aprendizagem e o desenvolvimento de alunos
com deficiência intelectual e motora. A utilização de jogos pode enriquecer
a prática pedagógica ao introduzir desafios e métodos diferentes dos fre-
quentemente empregados nos ambientes formais de ensino. Esse enfoque
inovador permite que o ensino deixe de ser meramente mecânico, possibi-
litando novas descobertas e a redescoberta de conhecimentos, o que resulta
em uma aprendizagem mais eficaz e prazerosa. Considerando o histórico
do estudante, a aprendizagem deve ser entendida como um processo que
valoriza e expande os saberes prévios, facilitando a construção de novos
conhecimentos que ganham significado para o aluno.
Em escolas infantis onde os jogos online são a principal atração,
Chicon et. al. (2016) argumentam que, mesmo na ausência de brinquedos
tradicionais, o ambiente pode ser enriquecido se forem oferecidas outras
motivações e atividades lúdicas, com o incentivo dos educadores. Desta
forma, o ambiente pode se tornar diversificado e promover práticas inclu-
sivas, baseadas em princípios como a aceitação das diferenças individuais,
a valorização de cada pessoa, a convivência na diversidade e a aprendiza-
gem colaborativa.
Em vista da presente discussão, ressalta-se a utilização de jogos
como ferramenta facilitadora de aprendizagem e um aporte à inclusão es-
colar de estudantes com deficiência, como destacado por Beledeli e Hansel
(2016). Visto a possibilidade de atender a processos importantes para o de-
senvolvimento crítico e social do estudante, os jogos como metodologia pe-
dagógica atingem diversos níveis, como o: cognitivo, perceptivo, motor, so-
cial e afetivo. Atribuindo aos jogos um valioso recurso didático-pedagógico
no processo de ensino e aprendizagem, alcançando os propósitos estabele-
cidos pelas práticas pedagógicas.
Sob a mesma óptica, a literatura compreende que durante a prática
de jogos, a estimulação do pensamento é promovida por meio da organiza-
ção do tempo, espaço e movimento. Ao jogar, os indivíduos desenvolvem e
treinam funções executivas, o que requer a implementação de estímulos
mais eficazes para aprimorar as habilidades cognitivas dos estudantes . As-
sim, é necessário que esses estímulos sejam adequados para que os alunos
desenvolvam competências cognitivas que demandem menos adaptações
nos ambientes, recursos ou estratégias (Junior, Setúval e Molina, 2021),
ainda mais quando o enfoque visa incluir estudantes com deficiência de
forma efetiva.

182
Ciranda de Saberes

Considerações finais
A presente pesquisa teve como objetivo explorar as produções ci-
entíficas relacionadas à docência para alunos com deficiência, focando na
utilização de jogos didáticos e digitais como estratégias para aprimorar os
níveis cognitivos e melhorar a interação social desses estudantes . A leitura
e interpretação dos estudos coletados evidencia a existência de políticas
educacionais voltadas para a inclusão escolar de alunos com deficiência,
que priorizam não apenas as dimensões cognitivas, mas também as afeti-
vas, sociais e culturais, entre outras.
Nesse contexto, foram adotadas ferramentas que visam não ape-
nas promover a aprendizagem cognitiva, mas também fomentar a autono-
mia e a qualidade de vida dos estudantes. Em especial, após o período pan-
dêmico, a implementação de jogos pedagógicos tornou-se uma prática sig-
nificativa para promover o desempenho intelectual dos alunos, sem distin-
ção entre eles e os demais estudantes. Consequentemen te houve um au-
mento considerável dos números de publicações sobre o tema a partir
desse contexto.
Atualmente, é de extrema importância que os docentes busquem me-
didas que contemplem a diversidade e as peculiaridades dispostas em sala de
aula, a partir de diferentes métodos, como forma de transmitir o conheci-
mento utilizando também as tecnologias. As tecnologias educacionais estão
ganhando cada vez mais espaço nas salas de aula e passaram a orientar o pro-
cesso de ensino, principalmente a partir do fenômeno pandêmico e persis-
tindo até a atualidade. Diversos professores precisaram modificar suas abor-
dagens e lidar com uma nova situação: de um lado o ensino remoto emergen-
cial, do outro a implementação de novas metodologias.
A análise das produções voltadas a presente temática, resultou em
pontos importantes quanto à utilização de jogos didáticos e digitais na edu-
cação de alunos com deficiência. Os trabalhos dispostos na literatura res-
saltam evidências empíricas e estudos de casos sobre como jogos didáticos
e digitais impactaram positivamente o aprendizado de alunos com defici-
ência. Foram relatadas melhorias específicas em habilidades cognitivas,
sociais e emocionais, bem como relatos de sucesso na implementação des-
ses jogos em contextos escolares reais, ou seja, ambientes que levam em
consideração as adversidades advindas da prática escolar, como infraes-
trutura e a disponibilidade de serviços à parte da sala de aula. As produções
evidenciaram desafios e limitações, processos comuns ao tratar sobre in-
clusão escolar, logo, as pesquisas relatam barreiras e dificuldades de im-
plementação da metodologia proposta.
Em suma, os trabalhos analisados envolveram questões como a
adaptação de jogos para diferentes tipos de deficiência, a formação insufi-
ciente de professores, a falta de recursos tecnológicos, ou as barreiras ins-
titucionais. Ainda, houve também enfoque em perspectivas futuras e ino-
vações educacionais ao tratarem os jogos didáticos como mediador da in-
clusão escolar de estudantes com deficiência. Os trabalhos relatam, de um

183
Ciranda de Saberes

modo geral, considerar as tecnologias educacionais como forma de atender


ao fenômeno, os quais incluíram o uso de realidade aumentada e virtual,
inteligência artificial para personalizar a experiência de aprendizagem e
novas abordagens de design de jogos, visando atender às necessidades es-
pecíficas desses alunos. Contudo, para integração destas ferramentas, é ne-
cessária antes de tudo, uma infraestrutura que possibilite.
A formação docente fez-se presente em grande parte das pesquisas
analisadas, como um dos focos propostos pelo presente trabalho, à análise
proporcionou maior contato com a temática. Foi retratada a necessidade
de explorar mais detalhadamente a formação inicial e continuada de pro-
fessores como forma de atender a inclusão destes alunos, visando à utiliza-
ção das ferramentas propostas de forma eficaz. Esse processo perpassa por
programas de fomento à educação inclusiva e de formação e desenvolvi-
mento profissional, atendendo aos desafios da inclusão e como podem ser
enfrentados.
As pesquisas também evidenciaram que esses processos não im-
pactam somente a sala de aula, mas também como esses jogos influenciam
a vida cotidiana dos alunos com deficiência, podendo ajudá -los a se comu-
nicar melhor, tornarem-se mais independentes e participarem mais ativa-
mente da comunidade. Contudo, essas análises devem ser contínuas e ava-
liadas constantemente, identificando as barreiras e os desafios percorridos .
Para uma integração efetiva e democrática, as pesquisas abarcam também
as Políticas Públicas e o apoio institucional, levando em consideração que
a escola é formada por muitos servidores, em diferentes níveis de atuação.
Logo, a literatura aborda a importância de políticas públicas que
incentivem a adoção de jogos didáticos e outras tecnologias educacionais
inclusivas, assim como o papel do apoio institucional na facilitação de sua
implementação. O que atinge uma abordagem mais holística para a inclu-
são, que vai além do desempenho acadêmico e inclui o desenvolvimen to
afetivo, social e cultural dos alunos, processos que não se limitam somente
ao professor e ao estudante e sim a todo espaço escolar e aqueles que o
compõem.
Dessa forma, ao incorporar tais ferramentas metodológicas como
estratégias didáticas, o educador oferece estímulos adicionais aos estudan -
tes, promovendo o desenvolvimento integral de suas habilidades de racio-
cínio e sociabilização. Isso permite que os alunos interajam de maneira
mais eficaz tanto na esfera escolar quanto na esfera familiar. Espera -se que
este estudo contribua para a discussão sobre a importância do papel do
professor de Educação Especial, sua capacitação e a aplicação de jogos pe-
dagógicos e outras ferramentas no suporte à educação de estudantes com
deficiência, auxiliando assim a escola a enfrentar o desafio de educar na
diversidade.

184
Ciranda de Saberes

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186
ETNOMATEMÁTICA E A VALORIZAÇÃO DA CULTURA
AFRO NAS AULAS DE MATEMÁTICA E HISTÓRIA
ATRAVÉS DAS TRANÇAS AFRICANAS: UM PROJETO
INTERDISCIPLINAR
Geovane dos Santos Damaceno 1
William da Silva Santos2

Introdução
Este artigo tem como objetivo apresentar a experiência do autor
com a aplicação de um projeto interdisciplinar desenvolvido na disciplina
de Matemática em uma escola pública de Jerônimo Monteiro - ES. Trata-
se de um projeto na área de Etnomatemática, denominado Etnomatemá -
tica e a valorização da cultura afro nas aulas de Matemática e História atra-
vés das tranças africanas.
Como objetivos específicos do estudo destacam-se: a promoção do
diálogo entre as disciplinas de Matemática e História; a apresentação do
tema Etnomatemática; o conhecimento sobre os diferentes tipos de tranças
africanas; o desenvolvimento de um projeto que contemple a tratativa da
cultura africana nas escolas como forma de enfrentamento do preconceito
e do bullying.
Estudar Etnomatemática significa, sobretudo, reconhecer que os
saberes matemáticos não surgiram apenas a partir da formalização cientí-
fica ocidental, mas se manifestam desde os primórdios da existência hu-
mana, nas interações com o ambiente e nas estratégias de sobrevivência
desenvolvidas por diferentes grupos ao longo da história. D’Ambrosio
(2001), um dos principais teóricos da Etnomatemática, destaca que esse
conhecimento antecede a própria organização social humana. Ele aponta,
por exemplo, que o Australopiteco — primata ancestral do ser humano —
já apresentava sinais de raciocínio matemático ao utilizar pedras para ex-
trair carne de ossos. Tal ação envolvia a avaliação de tamanho, peso e forma
das pedras, o que exige capacidades cognitivas ligadas à comparação e à
escolha de objetos adequados para uma finalidade específica. Essas

1 Geovane dos Santos Damaceno, Professor e Pedagogo, Graduado em Estudos Sociais,


História e Pedagogia, Pós Graduado em História do Brasil, Planejamento Educacional,
Educação - Docência Superior, Orientação Educacional, Informática na Educação e
Coordenação Pedagógica. Mestrado Internacional em Ciências da Educação e Doutorado
Internacional em Ciências da Educação. [email protected]
2 William da Silva Santos, Professor Graduado em Matemática pela Universidade Federal

Fluminense, Pós Graduado em Educação Matemática: Competências, Habilidades e Signi-


ficados, pela Universidade Metropolitana de Santos, UNIMES. Mestrado profissional em
PROFMAT, pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, UENF
[email protected]

187
Ciranda de Saberes

habilidades, segundo D’Ambrosio, constituem manifestações iniciais de


pensamento matemático.
A trajetória do conhecimento matemático, desde essas expressões
rudimentares até sua configuração atual, foi sendo construída de forma co-
letiva por diversas culturas. Conforme relatam Rosa e Orey (2005, p. 5), os
registros mais antigos de práticas matemáticas sistematizadas podem ser
encontrados nas civilizações egípcia e mesopotâmica. Com o tempo, esses
saberes se expandiram para a Grécia Antiga, onde passaram a ser formali-
zados por filósofos e matemáticos como Pitágoras, Euclides e Arquimedes .
Posteriormente, essas ideias foram traduzidas para o árabe, ganh ando no-
vos contornos com as contribuições de estudiosos islâmicos, ao mesmo
tempo em que saberes desenvolvidos na Índia, como o sistema decimal e o
conceito de zero, também eram absorvidos e reinterpretados nesse pro-
cesso de intercâmbio cultural.
A proposta da Etnomatemática na educação nasce no Brasil e re-
presenta uma alternativa pedagógica que valoriza a produção de conheci-
mento de forma intercultural, permitindo que o processo de aprendizagem
ocorra em sintonia com as vivências e a realidade de cada estudante. A sala
de aula é compreendida, nesse contexto, como um microcosmo de plurali-
dades, onde cada estudante contribui com sua bagagem cultural, social e
histórica (François, 2009, p. 1518). A partir dessa perspectiva, a Matemá -
tica, embora essencial nas grades escolares, necessita ser ressignificada,
conforme já discutido anteriormente neste trabalho (p.18). As abordagens
tradicionalmente utilizadas, criticadas por D’Ambrosio (1998) por sua ob-
solescência, carecem de uma renovação que considere não apenas os con-
teúdos, mas também os contextos históricos, sociais e culturais em que os
estudantes estão inseridos.
A partir dos anos 1970, diversas pesquisas passaram a evidencia r
formas específicas e complexas de se compreender e praticar a Matemática
em diferentes contextos culturais. Esse movimento foi impulsionado, entre
outros fatores, pela publicação do livro Africa Count: Number and Pattern
in African Culture, de Zaslavsky, em 1973, bem como pela conferência
apresentada por D’Ambrosio em 1978, durante o Encontro Anual da Ame-
rican Association for the Advancement of Science, realizado nos Estados
Unidos. Esses estudos, com base em uma abordagem antropológico-etn o-
gráfica, concentram-se no conhecimento matemático presente em cultura s
tradicionais, não ocidentais e em distintos grupos sociais (ROSA e OREY,
2006, p. 28).
O propósito central da Etnomatemática é valorizar o contexto cul-
tural dos estudantes, promovendo a equidade no acesso ao conhecimento.
Busca-se, assim, envolver todos os estudantes no processo de aprendiza-
gem matemática, independentemente de sua origem ou diversidade cultu-
ral, reconhecendo que cada grupo é formado por indivíduos com particu-
laridades próprias — e que a verdadeira habilidade de ensinar reside justa-
mente em reconhecer e acolher essas diferenças.

188
Ciranda de Saberes

D’Ambrosio (1998) defende a incorporação de práticas mais dinâ-


micas, como jogos matemáticos, atividades com séries numéricas e desa-
fios de geometria dedutiva, que desenvolvam o pensamento lógico. Além
disso, essas práticas permitem conexões com outras áreas do conheci-
mento — como a História —, uma vez que é possível relacionar, por exem-
plo, o surgimento de sistemas numéricos, técnicas geométricas e algorit-
mos às necessidades e às soluções criadas por diferentes povos ao longo do
tempo. Essa conexão interdisciplinar contribui para que o estudante com-
preenda que a Matemática não é um saber neutro ou universal em sua ori-
gem, mas uma construção histórica, plural e profundamente ligada ao de-
senvolvimento das civilizações.
Segundo D’Ambrosio (1998), alcançar uma real universalida de
matemática requer o reconhecimento e o respeito à diversidade de modos
de pensar esse conhecimento, evitando a imposição de um único modelo
cultural. É por meio da comparação de diferentes sistemas matemáticos ,
sem a arrogância de uma suposta superioridade cultural, que se constrói
uma aprendizagem mais justa e completa. Isso não significa negar o valor
lógico e formal da Matemática, mas sim, ampliá-lo, considerando que cada
estudante interpreta os conceitos matemáticos de maneira única e muitas
vezes surpreendente, influenciado por sua vivência emocional, cultural e
histórica.
Essa abordagem pluralista propõe uma nova concepção curricula r
que se estrutura sobre cinco valores centrais apontados por D’Ambrosio
(1998, p. 19): utilitário, cultural, formativo (do raciocínio), sociológico
(pela universalidade) e estético. A partir desses eixos, o autor sugere a cri-
ação de novos componentes curriculares que substituam gradualmen te
disciplinas rígidas e distantes da realidade dos estudantes. É nesse ponto
que a interdisciplinaridade entre Matemática e História pode desempe-
nhar papel essencial, ao permitir que se compreendam os contextos histó-
ricos de surgimento das ideias matemáticas, suas aplicações nas diferentes
culturas e as relações de poder envolvidas em sua difusão.
O modelo de ensino matemático vigente, muitas vezes, transforma
a disciplina em um marcador de exclusão e hierarquia, reforçando desi-
gualdades sociais e culturais entre os que conseguem dominar seus códigos
e os que se sentem afastados de seu significado. Nesse sentido, a proposta
da Etnomatemática exige uma revisão da posição da Matemática no sis-
tema educacional, de modo que ela deixe de ser instrumento de exclusão e
passe a ser um meio de integração e valorização da diversidade.
François (2009, p. 1521) destaca dois aspectos fundamentais da Etno-
matemática no contexto educacional. O primeiro refere-se ao enriquecimento
do currículo: ao incorporar saberes culturais e históricos diversos, o ensino da
Matemática torna-se mais significativo e reflexivo, contribuindo para que os
estudantes compreendam não apenas “como se faz”, mas “por que se faz” e
“como se chegou até aqui”. O segundo aspecto é a didática: a aprendizagem
ocorre com mais eficácia quando os sujeitos estão ativamente envolvidos no

189
Ciranda de Saberes

processo, podendo inclusive colaborar na definição dos próprios conteúdos,


conforme suas experiências cotidianas e históricas.
Israel Scheffler (1984 apud D’Ambrosio, 1998, p. 25), filósofo da
educação, reforça essa ideia ao afirmar que os educadores e gestores preci-
sam tornar-se “poliglotas” no sentido pedagógico: capazes de compreen der
as linguagens específicas de cada disciplina e aplicá -las de forma integrada
para a resolução de problemas. A interdisciplinaridade, nesse caso, não é
um recurso opcional, mas uma necessidade para tornar a aprendizagem
mais conectada à vida.
Ao articular os saberes matemáticos com as histórias de vida dos
estudantes e com as trajetórias históricas das civilizações, a Etnomatemá -
tica, objeto do projeto interdisciplinar desenvolvido aproxima a escola da
realidade social dos estudantes. Ela reconhece que a Matemática está pre-
sente nos modos de viver, nas tradições culturais e nas práticas cotidianas,
criando pontes entre o conhecimento acadêmico e os saberes populares .
Assim, o ensino deixa de ser apenas transmissão de conteúdos e passa a ser
um diálogo entre culturas, promovendo uma educação crítica, democrática
e verdadeiramente significativa.
A realização deste estudo sobre Etnomatemática com foco nas
tranças de origem afro justifica-se pela necessidade de promover uma edu-
cação contextualizada, inclusiva e valorizadora da diversidade cultural,
conforme estabelecido pelas diretrizes da educação nacional. A Base Naci-
onal Comum Curricular (BNCC) destaca, entre suas competências gerais,
o compromisso com o reconhecimento e a valorização da diversidade ét-
nico-racial e cultural do Brasil, incentivando práticas pedagógicas que res-
peitem e dialoguem com os saberes e as identidades dos diferentes grupos
sociais (BRASIL, 2018). Nesse contexto, as tranças afro se apresenta m
como um elemento cultural riquíssimo, que pode ser explorado matemati-
camente por meio de padrões geométricos, simetrias, sequências e propor-
ções, em consonância com os princípios da Etnomatemática, conforme
proposto por Ubiratan D’Ambrosio.
Além disso, a Lei nº 10.639/2003, que altera a LDB (Lei nº
9.394/1996), torna obrigatório o ensino da História e Cultura Afro-Brasi-
leira e Africana, promovendo a valorização da identidade negra e o com-
bate ao racismo no ambiente escolar. Ao incorporar o estudo das tranças
afro em atividades matemáticas, o professor atende a essa legislação, arti-
culando saberes culturais historicamente marginalizados com conteúdos
curriculares da matemática, promovendo equidade e cidadania . Tal abor-
dagem reforça o papel da escola como espaço de respeito à pluralidade cul-
tural e de construção de uma sociedade mais justa e democrática.
Metodologia
Este trabalho adota uma abordagem qualitativa, com caráter des-
critivo-interpreta tivo e abordagem participativa, centrando-se na vivência
concreta do estudo sobre as tranças africanas na teoria e na prática em uma
escola da rede pública de Jerônimo Monteiro - ES. A metodologia adotada

190
Ciranda de Saberes

articula a revisão de literatura com a realização de uma intervenção peda-


gógica, sendo, portanto, um estudo fundamentado na perspectiva do relato
de experiência. Conforme Franco (2005), a pesquisa qualitativa se carac-
teriza pelo aprofundamento das relações, processos e fenômenos, possibi-
litando a compreensão das práticas educativas em sua complexidade.
A abordagem metodológica fundamenta-se, sobretudo, na ideia de
que o conhecimento científico pode ser construído a partir da prática pe-
dagógica, desde que essa seja reflexiva, contextualizada e dialógica. Nesse
sentido, Zeichner (1993) defende que o professor é também um produtor
de saberes, capaz de sistematizar sua própria experiência como forma legí-
tima de contribuição para o campo educacional. Assim, o presente trabalho
se apoia na metodologia da pesquisa-formação, uma vertente que valoriza
a vivência do professor-pesquisador e sua atuação no cotidiano escolar,
conforme delineado também por Josso (2004), para quem o relato de ex-
periência é um dispositivo essencial de reconstrução crítica do saber pro-
fissional.
A intervenção ocorreu na Escola Estadual de Ensino Fundamenta l
e Médio “Jerônimo Monteiro”, no município de Jerônimo Monteiro - ES.
A unidade atende estudantes do Ensino Fundamental, Médio e Educaçã o
de Jovens e Adultos e o projeto foi desenvolvido com uma turma de 8º ano.
A proposta surgiu diante dos objetivos traçados no Mapa Estratégico SEDU
2023-2026, em consonância com o objetivo finalístico: “Fortalecer e de-
senvolver práticas voltadas à promoção da equidade e da inclusão, com
foco em raça e gênero, mitigando as desigualdades educacionais”. A turma
selecionada para a prática apresenta 24 estudantes matriculados, sendo 10
estudantes de cor parda, 9 de cor branca e 5 de cor preta. Observando-se,
assim, a diversidade de raças, o que motivou a realização da prática na
turma descrita, assim como a necessidade do combate ao preconceito ao
bullying identificados pelo autor na escola.
No que tange à fundamentação do trabalho, autores como D’am-
brosio (1998), Rosa e Orey (2005) e François (2009) embasam a compre-
ensão da importância da Etnomatemática no contexto escolar.
A escolha por metodologias ativas e participativas reflete a concep-
ção de educação como processo de construção coletiva. Como afirma Her-
nandez (1998), a pedagogia de projetos permite integrar teoria e prática,
conhecimento e ação, desenvolvendo competências cognitivas e afetivas de
forma integrada. Dessa forma, a proposta foi construída em diálogo entre
os professores de História e Matemática e com a comunidade escolar, va-
lorizando a escuta, a colaboração e a corresponsabilidade, princípios fun-
damentais para uma educação democrática e transformadora.
Assim, o presente estudo, busca aliar a fundamentação teórica à
prática reflexiva, não apenas para relatar uma intervenção pontual, mas
para oferecer subsídios para repensar o espaço escolar como ambiente de
humanização, cultura e aprendizagem significativa.

191
Ciranda de Saberes

Resultados e discussão
Considerando a prática da Etnomatemática e a valorização da cul-
tura afro nas aulas de Matemática e História através das tranças africanas
o autor desenvolveu o projeto interdisciplinar denominado “Etnomatemá -
tica e a valorização da cultura afro nas aulas de Matemática e História, atra-
vés das tranças africanas com uma turma de 8º ano da Escola Estadual de
Ensino Fundamental e Médio de Jerônimo Monteiro – ES, com o objetivo
de destacar a cultura afro presente na sociedade moderna por meio das
tranças africanas.
A interdisciplinaridade entre Matemática e História permite aos
estudantes compreenderem conceitos matemáticos em contextos históri-
cos concretos, favorecendo uma aprendizagem mais significativa e crítica.
Segundo Yves Chevallard (1991), a transposição didática pode ser enrique-
cida quando se contextualiza o saber, permitindo que o estudante compre-
enda como o conhecimento matemático foi construído historicamente.
Nesse sentido, estudar, por exemplo, a origem dos sistemas numéricos ou
a matemática dos povos antigos ajuda a perceber que os saberes matemá -
ticos não são neutros nem atemporais, mas sim frutos de necessidades so-
ciais e culturais específicas. Isso promove uma visão mais ampla da ciência
e do papel da matemática nas transformações sociais ao longo do tempo.
D’Ambrosio (2005), ao desenvolver a Etnomatemática, defen de
que a matemática deve ser entendida em seus múltiplos contextos culturais
e históricos, aproximando-se das realidades vividas pelos estudantes. Ele
afirma que "ensinar matemática é, também, ensinar cultura" (D'AMBRO-
SIO, 2005, p. 20), reforçando a importância de integrar saberes diversos.
Ao relacionar eventos históricos — como a Revolução Francesa ou o surgi-
mento das grandes navegações — com o desenvolvimento de técnicas ma-
temáticas, como a estatística ou a geometria da cartografia, cria -se um am-
biente de ensino mais dinâmico e contextualizado, estimulando o pensa-
mento crítico e reflexivo dos estudantes.
Para abertura do projeto foi realizada uma aula expositiva/dialo-
gada para a apresentação do tema Etnomatemática e os diferentes tipos de
tranças africanas. Após, os estudantes realizaram uma atividade teórica so-
bre os temas debatidos na aula anterior. Para o dia seguinte, foram convi-
dadas duas estudantes trancistas para mostrar seus trabalhos para a turma
participante da prática, fazendo penteados e tranças africanas nos cabelos
das estudantes e dos estudantes. Na ocasião, evidenciou-se o conteúdo ma-
temático e histórico-cultural presente na execução das tranças.
A prática realizada surgiu diante dos objetivos traçados no Mapa
Estratégico 2023-2026 (SEDU, 2023), em consonância com o objetivo fi-
nalístico: “Fortalecer e desenvolver práticas voltadas à promoção da equi-
dade e da inclusão, com foco em raça e gênero, mitigando as desigualdades
educacionais. ”
A turma selecionada para a prática apresentou 24 estudantes ma-
triculados, sendo, 10 estudantes de cor parda, 9 de cor branca e 5 de cor

192
Ciranda de Saberes

preta. Observou-se assim, uma diversidade de raças, o que motivou a rea-


lização da prática na turma descrita. A escola possui muitos casos de bul-
lying, não só referente a raça, o que sugere atividades de intervenção com
os estudantes. Em relação ao preconceito racial, a prática “Etnomatemática
e a valorização da cultura afro nas aulas de Matemática e História através
das tranças africanas” tem como objetivo geral: conscientizar os estudantes
sobre a importância de valorizar os conhecimentos produzidos pelos povos
africanos.
O objetivo principal foi o de combater o preconceito existente em
relação a tudo que é produzido no continente africano, em oposição a uma
alta valorização do conhecimento desenvolvido por povos europeus (por
exemplo). Dentre isso, há também a necessidade de trabalhar os conteúdos
propostos nas Orientações Curriculares, dentre eles o Objeto de Conheci-
mento: “Transformações geométricas no plano” e a Habilidade
“EF08MA18 da BNCC – Reconhecer e construir figuras obtidas por com-
posições de transformações geométricas (translação, reflexão e rotação),
com o uso de instrumentos de desenho ou de softwares de geometria dinâ-
mica”, na qual se estuda dentre outros assuntos, a simetria de figuras pla-
nas, o que pode ser explorado na confecção de tranças de origens africanas.
E a Habilidade EF05HI08 - Identificar formas de marcação da passagem
do tempo em distintas sociedades, incluindo os povos indígenas originários
e os povos africanos.
Assim, para atingir o objetivo geral, foram traçados os seguintes
objetivos específicos para o projeto:
• Mostrar para os estudantes a origem das tranças africanas e
seus principais tipos;
• Explicar o conceito de Etnomatemática;
• Debater através de uma aula dialogada os conhecimentos pro-
duzidos por povos de diferentes etnias, com foco no povo africano;
• Entender os conhecimentos matemáticos envolvidos na confec-
ção das tranças africanas;
• Promover um momento com trancistas da comunidade para fa-
zer penteados de origem africana nas estudantes e nos estudantes
da turma participante.
Antes de elaborar a sequência didática, o autor precisou supera r
algumas dificuldades sobre como abordaria o assunto em aula, pois não é
um tema conhecido nem estudado nas grades curriculares da graduação de
Matemática e História. Recorrer ao uso da Inteligência Artificial para pre-
parar slides sobre Etnomatemática e tranças africanas, pois não tinha re-
cursos suficientes para abordar tais conteúdos com propriedade com ma-
terial didático comum. O site “Gamma” também foi utilizado na elaboração
de slides sobre Etnomatemática, tranças africanas e seus tipos, a impor-
tância da valorização da cultura, a matemática incorporada nas tranças e a
aprendizagem construída através desses tópicos. As figuras 1, 2 e 3 apre-
sentam os slides utilizados para a aula expositiva/dialogada:

193
Ciranda de Saberes

Figura 1: Slide 1/3 da aula expositiva do Projeto Interdisciplinar

Fonte: elaboração do autor

Figura 2: Slide 2/3 da aula expositiva do Projeto Interdisciplinar

Fonte: elaboração do autor

194
Ciranda de Saberes

Figura 3: Slide 3/3 da aula expositiva do Projeto Interdisciplinar

Fonte: elaboração do autor

A aula expositiva/dialogada, figura 4, correspondeu às expectativas,


com uma excelente participação dos estudantes. O debate foi sobre culturas de
diferentes povos e os conhecimentos produzidos por eles. Como a escola onde
se realizou o projeto está situada em um município do interior do estado do
Espírito Santo, onde a agricultura se faz presente e forte, o professor usou
como exemplo o conhecimento necessário para confecção de peneiras e ba-
laios feitos de tiras de bambu, e com isso, os estudantes entenderam melhor o
conceito de Etnomatemática, e que todos os povos utilizam matemática em
suas culturas e a necessidade de valorizar tais conhecimentos.

Figura 4: Aula expositiva sobre história das tranças e conceitos


matemáticos presentes nas tranças africanas

Fonte: registro do autor

195
Ciranda de Saberes

Assim, foi possível mostrar aos estudantes que a Matemática é uma


disciplina que vai muito além dos cálculos realizados em sala de aula, que
é uma ciência viva e variável, aplicada de diferentes formas por diferentes
povos. Durante a apresentação sobre os tipos de tranças africanas, os estu-
dantes reconheceram que tais modelos eram utilizados por pessoas da co-
munidade e famosos.
Explicamos que as tranças para nós, são usadas por estética, mas
que para os povos africanos, elas são símbolos de identidade e resistência.
Foram destacados os conceitos geométricos que podem ser observados nas
tranças, como: retas paralelas, simetria e ângulos. Após a aula exposi-
tiva/dialogada, os estudantes receberam uma atividade para verificar se
compreenderam os conteúdos debatidos. Na atividade, foi colocado um re-
sumo produzido pela inteligência artificial (Chat GPT) a partir de prompts
baseados no que foi tratado na aula expositiva.
Os estudantes trabalharam em duplas e/ou trios, conforme mostra
a figura 5 e com isso, foi evidenciada a aprendizagem entre pares.

Figura 5: Estudantes durante a atividade de escrita do Projeto


Interdisciplinar

Fonte: registros do autor

No dia seguinte, fizemos a culminância dos trabalhos. Convidamos


duas trancistas, que são estudantes da escola (Ensino Médio) para confec-
cionar tranças de origens africanas nos cabelos dos estudantes e das estu-
dantes da turma participante, conforme mostra as figuras 6, 7, 8 e 9:

196
Ciranda de Saberes

Figura 6: Estudantes do Ensino Médio trançando as estudantes


do 8º ano

Fonte: registros do autor

Figura 7: Trança no cabelo da estudante do 8º ano

Fonte: registro do autor

197
Ciranda de Saberes

Figura 8: Trança no cabelo da estudante do 8º ano

Fonte: registro do autor

Figura 9: Trança no cabelo da estudante do 8º ano

Fonte: registro do autor

198
Ciranda de Saberes

Durante a execução das tranças, foram observados os conhecimen -


tos matemáticos discutidos no dia anterior. Em todo o processo de elabo-
ração e execução, contamos com apoio e ajuda da equipe gestora, equipe
pedagógica e demais professores, que além de motivarem a realização dos
trabalhos, deram todo o suporte necessário, desde materiais específicos
para a execução das tranças até uma adaptação da rotina escolar no dia da
culminância, visto que cada penteado demorou cerca de 20 a 30 minutos
para ser feito e a turma tinha aula de outras disciplinas.
Em relação aos resultados, destaco que o objetivo era que cada es-
tudante percebesse a importância dos trabalhos realizados e que os resul-
tados não podem ser listados em tabelas e gráficos, uma vez que o resultado
ocorre na consciência de cada um. Mas, a fim de evidenciar os resultados ,
a figura 10 destaca a realização da atividade escrita, cujas respostas eviden -
ciaram a assimilação dos conceitos da proposta, além do resultado prático
com as tranças, conforme figura 11.

Figura 10: Atividade escrita realizada pelos estudantes

Fonte: registro do autor

199
Ciranda de Saberes

Figura 11: Estudantes do 8º ano com os cabelos trançados

Fonte: registro do autor

O resultado do projeto evidenciou o entendimento do conteúdo e a


percepção da necessidade de valorização e respeito às diferentes culturas.
Destacam-se a exaltação dos estudantes na turma para a confecção das
tranças e a elevação da autoestima dos estudantes que saíram com novos
penteados nos cabelos.
Além disso, a participação e o envolvimento dos estudantes tam-
bém mereceram destaque, visto que a turma não é muito participativa e é
por vezes apática durante as aulas. Por fim, a prática com a Etnomatemá -
tica através deste projeto foi muito enriquecedora tanto para os estudantes
quanto para os docentes/autores. O que inicialmente era um grande desa-
fio, se tornou um grande momento de aprendizado. Para os estudantes, foi
um momento de estudo e conscientização. Saímos sabendo valorizar a cul-
tura africana e identificar as diversidades racial e cultural presente ao
nosso redor.
Considerações finais
O presente relato sobra a realização do projeto Etnomatemática e
a valorização da cultura afro nas aulas de Matemática e História através
das tranças africanas demonstrou de forma contundente o potencial trans-
formador da abordagem Etnomatemática no ambiente escolar.
O engajamento dos estudantes e professores, a ampliação do co-
nhecimento e da prática pedagógica interdisciplinar, evidenciaram que é
possível ensinar Matemática e História de maneira significativa, crítica e
sensível às realidades culturais dos sujeitos envolvidos.

200
Ciranda de Saberes

A integração entre conteúdos curriculares e elementos da cultura


afro-brasileira não apenas contribuiu para a aprendizagem de conceitos
matemáticos e históricos, mas também fortaleceu a autoestima dos estu-
dantes negros e promoveu um ambiente escolar mais inclusivo e respeitos o
com a diversidade combatendo o preconceito e o bullying presente no am-
biente escolar.
Além de atender aos pressupostos legais, como a Lei nº
10.639/2003 e as diretrizes da BNCC, o projeto reafirma a importância de
práticas educativas que rompam com modelos tradicionais e excludentes,
substituindo-os por metodologias que reconheçam a pluralidade de saberes
e as contribuições das diferentes culturas para o conhecimento humano.
Assim, a Etnomatemática, mostrou-se neste projeto, ser uma po-
derosa ferramenta pedagógica, capaz de promover o diálogo intercultura l
e de ressignificar o ensino da Matemática ao vinculá-lo à experiência con-
creta e histórica dos estudantes.
Concluindo-se, também, que a valorização dos saberes afrodescen -
dentes nas práticas escolares não apenas enriquece o currículo, mas tam-
bém contribui de forma decisiva para a construção de uma educação mais
justa, democrática e antirracista.
Referências
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2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov. br. Acesso em:
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para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da
temática “História e Cultura Afro-Brasileira”. Diário Oficial da União, Bra-
sília, DF, 10 jan. 2003.
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201
Ciranda de Saberes

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p. 19-48.

202
TECNOLOGIA ASSISTIVA NA COMUNICAÇÃO
ALTERNATIVA
Lilian Lima Pontes1
Introdução
O tema por mim escolhido tem por finalidade demonstrar que a
tecnologia assistiva é presente também na comunicação das crianças com
deficiência e com dificuldades na fala, portanto nesse processo cabe ao pro-
fessor se dedicar na área das tecnologias para fornecer abundância de ma-
terial didático para cada aluno e sua especificidade. Contudo cabe forma -
ção e recursos para que isso se efetive.
Os recursos pedagógicos são diversos a cada caso, mas será mais
bem exemplificado no decorrer desse trabalho.
O seguinte tema tem como foco priorizar a especificidade de cada
aluno e sua deficiência e fornecer atividades que lhe proporcione comuni-
cação e aprendizado de forma lúdica, onde o professor é mediador dessas
tecnologias e o aluno protagonista de suas aprendizagens. No entanto o
problema é adotar uma tecnologia para ensinar um conteúdo especifico,
pois nem toda tecnologia serve para ensinar determinado conteúdo aí cabe
o conhecimento e formação do professor quanto ao uso certo dessas tecno-
logias.
As respostas a esse tipo de problema cabem o professor deixar o
aluno escolher oque que quer aprender naquele momento dando ao aluno
voz, pois isso é muito importante no processo de aprendizado e o professor
cabe ele mediar esse processo, pois pode haver dificuldade no uso dessas
tecnologias e, além disso, cabe o professor se qualificar e aprender sempre
com as inovações.
O objetivo geral é apresentar a tecnologia assistiva presente na co-
municação alternativa e que favorece na comunicação oral e escrita por
meio lúdico de aprendizado, contudo o objetivo especifica é a importância
do professor mediar esse processo e aprender sempre com as inovações fa-
vorecendo no ensino e aprendizagem dentro e fora da escola favorecen do
na inclusão.
A importância desse trabalho é demonstrar a variabilidade de re-
cursos e materiais didáticos fornecidos e elaborados pelos professores a
cada situação e conteúdo favorecendo na comunicação dentro e fora do
contexto escolar, portanto podemos notar os resultados nas pesquisas rea-
lizadas.
A metodologia utilizada foi com base no websites descritos nas re-
ferências desse trabalho que me proporcionou uma rica experiência em

1 Licenciatura em Pedagogia pela Univesp - Licenciatura em Educação Especial pela Faveni


- Pós graduação: Autismo capacitação de 80 horas/ Educação Especial com ênfase em prá-
ticas inclusivas 750 horas/ Educação Especial educação inclusiva 760 horas/ Educação in-
clusiva e especial 840 horas. Email: [email protected]

203
Ciranda de Saberes

práticas e habilidades pedagógicas quanto às ferramentas utilizadas nesse


processo.
Desenvolvimento
A comunicação entre os indivíduos está presente em todos os mo-
mentos da vida, sendo essencial ao seu desenvolvimento. Contudo, apesar
de a linguagem oral ser o meio de comunicação mais utilizado, há pessoas
que, devido a fatores neurológicos, físicos, emocionais e cognitivos, se mos-
tram incapazes de se comunicar através da fala.
A)Tecnologia Assistiva (TA)
Uma forma de resolver com criatividade os problemas funcionais
de pessoas com deficiência usando diferentes alternativas para realizar as
atividades do cotidiano é através da Tecnologia Assistiva (TA). A TA é uma
área do conhecimento que se propõe a promover ou ampliar habilidades
em pessoas com privações funcionais, em decorrência de deficiência ou en-
velhecimento. Recursos que favorecem a comunicação, a adequação pos-
tural e mobilidade, o acesso independente ao computador, escrita alterna-
tiva, acesso diferenciado ao texto, recursos para cegos, para surdos, órteses
e próteses, projetos arquitetônicos para acessibilidade, adaptação de veí-
culos automotores, recursos variados que promovem independência em
atividades de vida diária como alimentação, vestuário e higiene, mobiliário
e material escolar modificado, são exemplos e modalidades da Tecnologia
Assistiva (Bersch, 2005).
B)Comunicação Alternativa (CA)
Uma forma de garantir a acessibilidade comunicativa a essa popula-
ção consiste no emprego dos recursos de comunicação alternativa. A Comuni-
cação Alternativa - CA é uma das áreas da TA que atende pessoas sem fala ou
escrita funcional ou em defasagem entre sua necessidade comunicativa e sua
habilidade em falar e/ou escrever. Busca então, através da valorização de todas
as formas expressivas do sujeito e da construção de recursos próprios desta
metodologia, construir e ampliar sua via de expressão.
Recursos: podem variar de uma simples bengala a um complex o
sistema computadorizado. Então incluídos brinquedos e roupas adapta-
das, computadores, software e hardwares especiais que comtemplam ques-
tões de acessibilidade dispositivos para adequação da postura sentada, re-
cursos para mobilidade manual e elétrica, equipamentos de comunicação
alternativa, chaves e acionadores especiais, aparelhos de escuta assistida,
auxílios visuais, materiais protéticos e milhares de outros itens confeccio-
nados ou disponíveis comercialmente. Diante do excerto, se faz necessário
entender oque são esses recursos e serviços para melhor compreensão das
tecnologias assistivas. Segundo Bersch (2009, apud Nickel, 2012, p.47 -48).
A comunicação é considerada ampliada quando o indivíduo possui
comunicação insuficiente através da fala e /ou escrita (por exemplo, há fala
inteligível apenas no núcleo familiar) e, considerada alternativa quando o

204
Ciranda de Saberes

indivíduo não apresenta outra forma de comunicação. Um Sistema de Co-


municação Alternativa – SCA refere-se ao recurso, estratégias e técnicas
que complementam modos de comunicação existentes ou substituem as
habilidades de comunicação inexistentes.
Os Sistemas de Comunicação Alternativa (SCA) podem ser dividi-
dos em recursos de baixa (cartões, pranchas, pastas e outros) e de alta tec-
nologia (pranchas vocálicas, sistemas computadorizados com síntese de
voz e outros) (Nunes, 2003).

Fonte: http://www.bengalalegal.com/ca-comunicacao-alternativa

Recursos como as pranchas de comunicação, construídas com sim-


bologia gráfica (desenhos representativos de ideias), letras ou palavras es-
critas são utilizados pelo usuário da CA para expressar suas questões, de-
sejos, sentimentos, entendimentos. A literatura tem indicado um conjun-
tos e/ou sistemas de símbolos que permitem a comunicação interpessoa l
dos indivíduos não falantes, como o Sistema de Símbolos Bliss, o Picto-
gram Ideogram Communication System - PIC e o Picture Communication
Symbols - PCS. Tais sistemas encontram-se, em geral, disponibilizados sob
a forma de cadernos ou pranchas acopladas ou não à cadeira de rodas e
muitos deles se apresentam em versões computadorizadas.
O que é a Comunicação Alternativa?
O termo Comunicação Aumentativa e Alternativa veio a partir da tra-
dução de “Augmentative and Alternative Communication – AAC”. Como
termo resumido, chamamos de Comunicação Alternativa ou simplesmente
CA, mas também podemos encontrar os termos “Comunicação Suplementar e
Alternativa – CSA” e “Comunicação Ampliada e Alternativa – CAA”.

205
Ciranda de Saberes

A Comunicação Alternativa é um conjunto de técnicas que visam


ampliar a capacidade comunicativa de pessoas com algum tipo de defici-
ência. Sendo assim, ela se destina principalmente aqueles sem fala ou es-
crita funcional, ou com habilidade comunicacional defasada.
Esse é o caso de pessoas com autismo não verbal, por exemplo, ou
paralisia cerebral, em que não se consegue devido a dificuldades motoras.
Nessas situações, buscamos outros canais de comunicação que não sejam
a fala, tais como expressões corporais e faciais, gestos, sons etc.

Cartões de Comunicação Alternativa. Créditos: Assistiva Tecnologia e


Educação

Fonte: (http://www.assistiva.com.br)

Para expandir essas possibilidades, foram criados os métodos de


cartões e pranchas de comunicação. Eles são bastante comuns e são utili-
zados para que a pessoa consiga manifestar suas vontades, posicionamen-
tos, opiniões etc num âmbito social. Palavras e frases simples também es-
tão incluídas aqui, tais como “oi”, “tudo bem”, “sim”, “não”, “quero ir ao
banheiro”, “estou com fome” etc.
Assim, as ferramentas de Comunicação Alternativa podem torna r
muito mais eficaz o aproveitamento das expressões corporais e os gestos
do indivíduo.
Além de cartões e pranchas, podem ser usadas ferramentas tecno-
lógicas como os aplicativos Expressia e Telepatix para auxiliar na comuni-
cação desse público.
Como o Expressia pode ajudar?
Foram os próprios profissionais de reabilitação e educação espe-
cial que ajudaram a criar o Expressia, o aplicativo de Comunicação Alter-
nativa e Atividades

206
Ciranda de Saberes

Adaptadas lançado em 2020 pelos mesmos fundadores da TiX.


Nele, além de pranchas de comunicação, profissionais da área podem criar
atividades para alunos e pacientes especiais, visando diversas finalidades
de estimulação.

Fonte: (http://www.assistiva.com.br)

O software te permite montar pranchas para comunicação ou diversas


atividades interativas usando suas fotos e imagens, sons, música ou a até a sua
própria voz! E o mais legal: você pode montar as pranchas e atividades do jeito
que preferir, em qualquer computador, celular ou tablete, e as suas criações já
aparecem automaticamente em todos os dispositivos.

Fonte: (http://www.assistiva.com.br)

207
Ciranda de Saberes

Depois de criar suas próprias pranchas de comunicação ou ativi-


dades adaptadas (ou usar as dezenas que já vêm prontas) você poderá tra-
balhar com alunos ou pacientes com deficiências motoras, déficit de aten-
ção, dificuldades na fala etc.
Caso seja necessário acessibilidade extra, o Expressia oferece a re-
curso de varredura e, além disso, é compatível com o Teclado TiX.
Como o TelepatiX pode ajudar?
O TelepatiX é um aplicativo que auxilia a fala, mostrando as letras
do alfabeto que podem ser escolhidas por varredura, na tela de um celular,
computador ou tablet. Dessa forma, mesmo com poucos movimentos, dá
pra compor e vocalizar palavras e frases de um jeito muito fácil e simples.

Fonte: (http://www.assistiva.com.br)

O TelepatiX facilita a comunicação de pessoas que tenham limita-


ções de movimento severas, como em casos avançados de Esclerose Lateral
Amiotrófica. Isso porque é possível utilizar o software mesmo sem tocar
nos dispositivos, a partir do simples piscar de olhos!
Para isso, basta conectar o a-blinX (detector de piscadelas desen -
volvido pela TiX) e abrir o aplicativo e dar 4 piscadas (ou toques na tela)
para iniciar o teclado virtual. Depois, por meio da varredura, o usuário
pode selecionar letras ou palavras sugeridas e completar suas frases apenas
piscando.
O mais legal do TelepatiX é que a sua inteligência artificial faz com
que palavras e frases frequentes de cada pessoa sejam reconhecidas. Sendo
assim, algo como “boa noite” ou “bom dia”, algo rotineiramente falado, seja
sugerido enquanto a varredura é feita, agilizando a comunicação.
A Comunicação Alternativa é fundamental para que todas as pes-
soas com deficiências que limitem a expressão de ideias possam se

208
Ciranda de Saberes

desenvolver adequadamente e, claro, se comunicar. Afinal, essa é uma ha-


bilidade básica do ser humano e precisa ser bem trabalhada e estimulada.
Para indicar a melhor solução, é valiosíssimo o acompanhamento de
profissionais especializados em Comunicação Alternativa, que tipicamente
atuam na área da Educação Especial (psicopedagogos, educadores inclusivos,
etc) e Reabilitação (fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, etc).
Seja com o Expressia, o TelepatiX ou com cartões e pranchas de
comunicação, o importante é se comunicar!

Fonte: (http://www.assistiva.com.br).

A alta tecnologia permite também a utilização de vocalizadores


(pranchas com produção de voz) ou do computador, com softwares especí-
ficos, garantindo grande eficiência na função comunicativa. Desta forma, o
aluno com deficiência passa de uma situação de passividade para outra, a
de ator ou de sujeito do seu processo de desenvolvimento (Bersch e Schir-
mer, 2005).
O papel do interlocutor.
A inclusão comunicativa não se restringe à disponibilização de re-
cursos, sejam eles de tecnologias de alto ou de baixo custo. Tão ou mais
importante do que isso, é a presença de interlocutores interessados em in-
teragir e acolher as mensagens da pessoa não oralizada. Assim, são funda-
mentais a aceitação e o incentivo ao emprego de formas alternativas de co-
municação, inclusive pelo próprio grupo social. Isto implica em que o sis-
tema alternativo de comunicação seja utilizado, naturalmente, pelo mem-
bro não oralizado, como também por todos os seus potenciais interlocuto-
res (von Tetzchner e Grove, 2003; Nunes e Nunes Sobrinho, 2007).
Por ser uma área que necessita de atuação multiprofissional, pro-
porciona a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. O impacto
de tais estudos ocorre devido à capacidade de produzir mudanças

209
Ciranda de Saberes

fundamentais na Educação e no Ambiente de pessoas cujas limitações afe-


tam a capacidade de expressão ou recepção das mensagens típicas da lin-
guagem humana.
Contudo através da multiplicidade de materiais por mim pesqui-
sados observei que os resultados são animadores a aprendizagem de fato
acontece é possível incluir mesmo com essas especificidades.
No Brasil, a sistematização do conceito de TA ainda é muito re-
cente e está em fase de constituição e designa “todo o arsenal de recursos e
serviços que contribuem para proporcionar ou ampliar habilidades funci-
onais de pessoas com deficiência e consequentemente promover vida inde-
pendente e inclusão” (Bersch, 2008, apud Borges, 2015,p.38).
Conclusão
A tecnologia assistiva em junção com a tecnologia alternativa
ocorre de maneira satisfatória desde o atendimento a suas necessidade fí-
sicas quanto a na comunicação prioridade desse trabalho, portanto a co-
municação em decorrência a sua especificidade fica prejudicada por falta
de recursos e formação do professor nesse processo mas pude observar que
há uma abundância de material provido de professores qualificados e inte-
ressados a incluir essas crianças “diferentes” dentro e fora da escola per-
mitindo o desenvolvimento pleno no processo de ensino e aprendizado,
contudo cabe também o professor usar ao certo a tecnologia certa a cada
conteúdo, pois nem sempre adequamos uma única tecnologia a todos os
conteúdos e para isso exige qualificação sobre essas inovações.
Siglas
Tecnologia Assistiva (TA)
Comunicação Alternativa (CA)
Sistema de Comunicação Alternativa (SCA)
Picture Communications System (PIC)
Picture Communications Symbol (PCS)
Argumentative na alternative (AAC)
Comunicação Suplementar Alternativa (CSA)
Referências
Website: https://www.assistiva.com.br/ca.html
Website: https://tix.life/comunicacao-alternativa/o-que-e-comunica ca o-
alternativa/
As referências bibliográficas estão contidas no website:
Website: http://www.bengalalegal.com/ca-comunicacao-alternativa
Website:https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/21/16/as-
tecnologiasassistivas-como-forma-de-comunicacao-alternativa-para-
pessoas-comtranstorno-do-espectro-a utis ta

210
O SUL DO MARANHÃO COMO SERTÃO:
TERRITORIALIDADES, CERRADO, AMAZÔNIA,
FRONTEIRAS
Jessé Gonçalves Cutrim 1
Considerações iniciais
O texto aborda as representações históricas e literárias sobre o
termo sertão e as configurações tanto na amplitude do Brasil quanto na
perspectiva da historiografia local maranhense. De igual modo, descreve
os vários contextos históricos e territoriais por que passa o sertão/cerrado,
sobretudo, no Sudoeste do Maranhão. Parte territorial da Amazônia Legal,
situada na chamada Pré-Amazônia incorporada nas frentes de expansão.
De área eminentemente rural, sertaneja a espaço de inserção do capital.
Agora campo de implantação de grandes projetos econômicos e de desen-
volvimento, incorporado ao Cerrado central do Brasil. A região retratada ,
de cultura singular assiste e incorpora mudanças significativas, tornando -
se em poucas décadas numa região de fronteira: da pecuária, da agricul-
tura capitalizada, pela monocultura da soja, da cana -de-açúcar e do euca-
lipto. Estas transformações territoriais produzidas pelo capital trouxera m
e trazem inúmeros impactos socioambientais e, mais, acaba por recria r
mecanismos de acumulação primitiva, confiscando terras e territórios .
Discutem-se historicamente os processos de ocupação e os conflitos terri-
toriais, salientando-se os segmentos sociais que se organizam e lutam em
busca de um desenvolvimento territorial sustentável.
História e sertão: conceitos e múltiplas representações
A experiência da Guerra de Canudos, para Euclides, confere uma
dimensão especial ao sentido da viagem, que, embora não negue implica-
ções românticas, assume contornos próprios. O tema, para ele, tem o cu-
nho de um outro mito, o mito da busca da autenticidade na aventura viril.
É antes indo rumo ao inóspito que o caráter é temperado, como o aço, atra-
vés de provações quase sobre-humanas. (...)
Os sertões vêm a ser para Euclides um misto de Pasárgada espar-
tana e Ilhas Afortunadas, lugar da plenitude, da realização pessoal e do
exercício das virtudes viris, removido da urbana Sodoma.
(Galvão, Walnice Nogueira. Euclides da Cunha: militante da Re-
pública. São Paulo: Expressão Popular, 2010).
O conhecimento histórico é, sobretudo, um processo de reflexã o
por argumentação. E nesse exercício de raciocínio se faz necessário o for-
mular de juízos e o encadear de conceitos. Daí decorre na obtenção de um

1Professor de História no Centro de Ciências Humanas Sociais e Letras da Universidade


Estadual da Região Tocantina do Maranhão – UEMASUL, na cidade de Imperatriz-MA. Mestre
em Desenvolvimento e Planejamento territorial pela PUC-GO. Membro do Instituto
Histórico Geográfico de Imperatriz – IHGI. E-mail: [email protected]

211
Ciranda de Saberes

conhecimento novo a partir de um antigo. A história um saber em marcha,


se configura num constante (re) formular de juízos e de formação de con-
ceitos. Dado os vários Campos da História e suas dimensões, cabe-nos uma
orientação teórico-metodológica na análise do objeto de estudo. A propo-
sição das representações dos sertões maranhenses pelo viés da História
Cultural, aqui entendida pela ótica de Chartier (2002), no entendimen to
de que “tem por principal objecto identificar o modo como em diferentes
lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pen-
sada, dada a ler” (Chartier, 2002, p. 16-7). No entanto, tanto a História,
quanto a História Cultural vem num alargamento crescente de seus hori-
zontes temáticos. Desde a obra seminal de Le Goff e colaboradores, A Nova
História (1998), em que no preposto “uma ciência em marcha, uma ciência
na infância” nos abrirá caminhos múltiplos de abordagens enfoques e di-
mensões. No desdobrar de suas elucubrações acerca da Nova História, Le
Goff (1998), entre outras apostas, considera uma provável fusão/aproxi-
mação com a antropologia e a sociologia e arremata dizendo que seja re-
nunciada as pretensões da História com H maiúscula e se defina melhor
em relação à história vivida dos homens. Mais adiante Peter Burke (1 992)
e colaboradores alinhavam novas perspectivas e, ao “historicizar” a Nova
História a considerando “uma construção cultural, sujeita a variações,
tanto no tempo quanto no espaço”, ou seja, “a sua base filosófica é a ideia
de que a realidade é social ou culturalmente constituída” Burke é um pro-
fícuo especialista em história cultural. A nova história fortalece a história
cultural, que por sua vez se designará também em “nova história cultural”,
em que sobressai a edição brasileira organizada por Lynn Hunt (2001), de-
nominada A Nova História Cultural. Em que pese extenso debate sobre
seu enfoque, forma e significações, vemo-na como um campo de múltiplos
temas e saberes, capaz de dar conta de todas as práticas e representações
sociais (Falcon, 2002). Nesse contexto, da mesma forma se ressalta que o
território do sertão do Maranhão é um conceito historicamente construído.
E não menos impreciso e ambíguo em relação a outros conceitos de sertões.
Dado a complexidade e as variadas representações do termo sertão, pois:
É que os sertões de hoje não são os dos tempos dos bandeirantes, região
virgem, desconhecida, tenebrosa, habitada por índios e onde se ia em
busca de ouro e pedrarias; o conceito atual é simplesmente o de região
inculta, pouco povoada ou desabitada, e assim, cada município do país
tem os seus sertões, sejam os municípios litorâneos, sejam os do interior.
(Sampaio, 1944, p. 21).

Alberto José de Sampaio em sua obra de 1944, intitulada Alimen-


tação sertaneja e do interior da Amazônia: onomástica da alimentação
rural descreve autores que dão conta do significado do termo sertão, se-
gundo ele, Couto Reis, em Mapa Topográfico de Campos escrevia então
"Sertam", palavra relacionada com o adjetivo latino sertus: entran-
çado. Em O Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa: "Lugar
inculto, distante de povoações ou de terrenos cultivados; floresta no inte-
rior de um continente ou longe da costa". (Sampaio, 1944). Ainda na

212
Ciranda de Saberes

análise de Sampaio, O Novo Dicionário Português-Alemão, de A. Enenkel


e Souza Pinto, 1903: "Sertão: Innere eines unbebauten Landes; Küs-
tenwälder " (Interior de uma terra inculta; Floresta costeira ou do lito-
ral). Assim, sertão é o interior inculto, geralmente longe da costa, mas tam-
bém pode ser uma floresta do litoral, segundo as definições mencionadas e
descritas por Sampaio. Assim se pode observar que em geral. A palavra
sertão, no Brasil, implica comumente sem qualquer distinção toda e qual-
quer região interior, distando bastante da costa litoral. Enquanto “zonas
fisiográficas", na Divisão Regional das Unidades Federadas Brasileiras.
Acrescenta ainda que nos demais Estados, ao que parece, exceção da Ama-
zônia onde não se diz sertão, mas "interior", o termo designa zonas incul-
tas, pouco povoadas, inclusive taperas, cujo abandono vale como sertani-
zação. Enquanto comumente sertão corresponde à região inculta e pouco
habitada. Já a famosa expressão sertão bruto é a parte do sertão que é de-
sabitada. Assim, cada município tem os seus sertões, na acepção ampla do
termo. (Sampaio, 1944).
Historicamente, desde as mais remotas discussões sobre o sentido
do termo sertão duas foram mais usuais: a espacial de interior e a social de
deserto, de região pouco povoada. Além é claro, de ser também, uma refe-
rência institucionalizada sobre o espaço no Brasil: conforme o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que o institui oficialmente
como sendo uma das subáreas nordestinas, árida e pobre, situada a oeste
das duas outras, a saber: "agreste" e "zona da mata". Em particular, no Nor-
deste sertão transcende a tudo isso. No Maranhão duas frentes de coloni-
zação e povoamento – a do litoral e a do interior – ganharam contornos
opostos bem delineados. De um lado a do litoral (bem rica e de gente bem
letrada) e do outro a do interior (caracterizada, grosso modo, pelo sertão),
O historiador Capistrano de Abreu (1998), faz também uma distinção que
nominou de “sertões de fora”, que segundo ele ia da Paraíba ao Ceará e
“sertões de dentro” indo do rio São Francisco ao sudoeste do Maranhão. A
categoria “sertão de dentro”, no qual se insere o território maranhense,
constitui-se numa verdadeira “marcha para o oeste”, pela porção central
do Maranhão, do Rio Parnaíba (extremo leste do Estado) ao rio Tocantins
(extremo oeste do Estado).
Sertão e sertões, representações históricas e literárias no Brasil e no Ma-
ranhão
Levando-se em conta a relevância do papel desempenhado por Eu-
clides da Cunha. “Os Sertões descobre o Brasil pobre do interior, espacial
e temporalmente distanciado do polo modernizador, constituindo-se na
gênese de toda uma linhagem de obras que vão superar o sertanismo idílico
do romantismo […].” (Leite, 1994, p. 681).
Sertão terra ignota, expressa por Euclides da Cunha em Os sertões,
na imensa maioria das vezes serve como categoria explicativa, pela força ao
mesmo tempo poética e social. Uma definição de sertão ou sua designação so-
cioespacial tem correspondência com o “distante”, “isolado”, “longe da

213
Ciranda de Saberes

governança”, onde a “civilização” ainda não se fez presente. Ele talvez seja tudo
isso e muito mais. Mas, depende de onde observamo-lo, pois:
O sertão, para o habitante da cidade, aparece como espaço desconhecido, ha-
bitado por índios, feras e seres indomáveis. Para o bandeirante, era interior
perigoso, mas fonte de riquezas. Para os governantes lusos das capitanias, era
exílio temporário. Para os expulsos da sociedade colonial significava liber-
dade e esperança de uma vida melhor. (Oliveira, 1998, p. 197).

Mesmo por que, conforme a historiadora Janaína Amado (1995),


"desde o início da História do Brasil, portanto, sertão configurou uma pers-
pectiva dual, contendo, em seu interior, uma virtualidade: a da inversão.
Inferno ou paraíso, tudo dependeria do lugar de quem falava". Então é
sempre oportuno destacar que o termo sertão cabe perfeitamente na asser-
tiva do filósofo Wittgenstein (2000) na qual “o significado de uma palavra
é seu uso na linguagem”. Ressalta-se que dentre os inúmeros sertões bra-
sileiros, dado a vasta imensidão territorial e as diversidades socioespaciais
destacam-se na literatura três: O sertão semiárido de Euclides da Cunha
(Os sertões - o mais ressaltado nacionalmente) o sertão árido de Graciliano
Ramos (pela obra Vidas Secas) e o sertão das águas de Guimarães Rosa
(expresso em Grande sertão, veredas). No entanto, existem outras tantas
na ampla literatura regional brasileira.
De acordo com a percepção de Maria Luppi de Oliveira (1998) há
duas perspectivas em relação ao sertão, identificadas como sendo a tradi-
ção romântica e a realista numa sintonia simbólica do lugar geográfico com
o elemento humano.
Na perspectiva romântica, o sertanejo aparece como símbolo da naciona-
lidade pelo seu admirável modo de vida, caracterizado pela destreza e
simplicidade. Natureza e organização social se fundem na base deste jul-
gamento positivo, opondo-se à vida degradada e corrompida do litoral,
ou seja, das cidades. Na perspectiva realista, a vida interior perde esta
visão idealizada. O sertão passa a ser visto como um problema para a na-
ção e se opõe à urbanidade do litoral. (Oliveira, 1998, p. 197).

Além dessas distinções acerca do sertão, Oliveira (1998) fala da re-


presentação do sertanejo na literatura enquadrado na categoria de regio-
nalismo. Regionalismo que na primeira metade do Século XIX caracteri-
zava-se em descrever espaços e costumes desconhecidos estabelecen do
confronto entre tipos rurais e urbanos. São descritos os sertões de mato
Grosso, o interior de Minas Gerais a vastidão dos campos gaúchos, sempre
ressaltando um país grandioso. Os tipos brasileiros expressos pelos vaquei-
ros dos pampas, os sertanejos nordestinos com seus costumes regionais.
Os grandes expoentes pelas suas obras foram: José de Alencar (O gaúcho,
O sertanejo, O tronco do ipê e Til), Bernardo Guimarães (A escrava Isaura,
O Garimpeiro, O ermitão de Muquém, O seminarista, A filha do fazen-
deiro, O pão de ouro), Franklin Távora (O cabeleira, O matuto, O sacrifí-
cio, Um casamento no arrabalde) e Alfredo DEscragnolle Taunay (Inocên-
cia e A retirada de Laguna). Em todos esses romances há expressado uma
revelação do Brasil para os brasileiros e ainda, a formação de uma dada

214
Ciranda de Saberes

identidade nacional. Já em fins do século XIX e início do XX, o regiona-


lismo passa a ser caracterizado como conto sertanejo, retratando a popu-
lação rural sob o aspecto do pitoresco, do burlesco e do sentimental. De-
mais autores representantes do regionalismo (ou não) na literatura dera m
vazões para outras configurações (Figura 2).

Quadro 1- Perspectivas do tema sertão na literatura brasileira


Perspectivas Características Expoentes
I Sertão paraíso Evoca-se um paraíso perdido em Catulo da Paixão Cearense,
que tudo era perfeito, belo e no âmbito da cultura po-
justo e cuja linguagem retrataria pular, e Afonso Arinos, na
uma pureza original a ser apre- veia mais erudita e de elite.
ciada e preservada.
III Sertão inferno O destempero da natureza, o de- Euclides da Cunha é certa-
sespero dos que por ele peram- mente um dos represen-
bulam (retirantes, cangaceiros, tantes desta leitura do es-
volantes, beatos), a violência paço do sertão como in-
como código de conduta, o fata- ferno ainda que sua expli-
lismo. cação seja de ordem polí-
tico cultural.
III Sertão purgatório Lugar de passagem, de traves- Guimarães Rosa e um
sia, definido pelo exercício da li- mundo de aventura, amor,
berdade e pela dramaticidade da mistério, conflito, dor e su-
escolha de cada um. Identificado peração.
como lugar de penitência e de
reflexão, o sertão aparece como
reino a ser desencantado e deci-
frado.
Fonte: Oliveira (1998), sob a perspectiva de Cristóvão (1993). Org. Jessé G.
Cutrim (2014).

Euclides da Cunha também descreveu os sertões amazônicos que


igual aos sertões nordestinos os concebeu como espaços vazios, ainda não es-
crito e incivilizado. Sua expedição a Amazônia começou por Manaus (três me-
ses) e se estendeu por mais seis meses e meio, de abril a outubro de 1905 em
meio ao “deserto amazônico”. Nessa expedição, Euclides fez o reconhecimento
hidrográfico do rio Purus, entre outras contribuições literárias e científicas.
Existem outras perspectivas em análises sobre o sertão. Como por
exemplo, o sertão como reino do fantástico e do mítico (em O auto da Compa-
decida de Ariano Suassuna, por exemplo) e, sobretudo nas narrativas sobre os
movimentos ditos messiânicos no Brasil. Outras tantas designações poderiam
constar. Durante muito tempo o tema sertão estava atrelado ao aspecto geo-
gráfico pela dureza do clima e da distância (enorme) dos centros urbanos. E
no aspecto social à fé, em especial pelo papel preponderante da figura caris-
mática de padre Cícero Romão Batista e pelos crimes e aventuras dos canga-
ceiros, nas figuras de Antonio Silvino, Virgulino Lampião e Corisco, dentre ou-
tros. Estes ocorridos na região nordestina. O que contribui sobremaneira para
moldar uma identidade nordestina. Temas que saíram da literatura e foram
representados em filmes, músicas e principalmente na literatura de cordel,
principal veículo de disseminação dessa representação. Para os sertões

215
Ciranda de Saberes

maranhenses, escritos desde a primeira metade do século XIX, deram certa


perspectiva na historiografia local.

Quadro 2- Perspectivas do sertão maranhense na historiografia local


Perspectivas Características Expoentes
I Sertão mesopotâmico Descrição minuciosa da geo- Carlota Carvalho (O sertão),
grafia fluvial de todo o territó- ao contrário do sertão semi-
rio maranhense e da ampla árido de Os sertões um ser-
região amazônica. tão das águas.
II Sertão político O clima tenso e político em Dunshee de Abranches (A
que se fez a República no Ma- esfinge do Grajaú), descreve
ranhão, em especial nos altos os descontentamentos dos
sertões maranhenses. A Pro- sertanejos distanciados da
clamada “República de Pastos Capital. Parsondas de Car-
Bons” em 1827. A “Guerra do valho, através de relatos na
Leda” na região de Grajaú en- imprensa divulga os aconte-
tre grupos políticos rivais. cimentos e contendas entre
grupos partidários.
III Sertão fronteira Comitiva para fixação de limi- Francisco de Paula Ribeiro
tes entre a Capitânia do Mara- esteve pessoalmente e des-
nhão e a Capitânia de Goiás, creveu esse roteiro em 1815.
na região tocantina, em que Maria do Socorro Cabral
foi elaborado um relatório (Caminhos do gado), expan-
circunstanciado para fins de- são da frente pastoril baiana
marcatórios. A existência de rompendo fronteiras.
campos naturais nos vales
dos rios
IV Sertão conquistado Presença da Corte portuguesa Francisco de Paula Ribeiro
no destacamento de Pastos expressa na sua Descrição
Bons e incursões em todo o do território de Pastos Bons,
centro-sul do Maranhão, com nos sertões do Maranhão,
poderio bélico contra povos propriedade de seus terre-
originários para afugentá-los nos, suas produções, caráter
dando lugar a fazendas reais de seus habitantes colonos,
para criação de gado. e estado atual dos seus esta-
belecimentos.
Fonte: Pachêco Filho (2011). Org. Jessé G. Cutrim (2014).

Os Interpretes da região centro-sul do Maranhão estão classifica-


dos segundo a ótica de Pachêco Filho (2011) em duas categorias: Militares
e Intelectuais que com suas obras e percepções reordenaram uma carto-
grafia da região e deram suas versões sobre a colonização, os sertanejos e
suas características sociais e o contato com tribos indígenas. Essas análi-
ses, reguardadas pelo seu contexto histórico e suas visões de mundo, e pelo
lugar social as quais pertencem, forjaram algumas configurações: um ser-
tão mesopotâmico, um sertão-político, um sertão-fronteira e um sertão-
conquistado (Pacheco Filho, 2011).
Sertões maranhenses
O sertanejo maranhense era um rebelde nato. Guardava no cora-
ção, sempre vívido e pronto a explodir, o ódio contra o Poder Central. Vivia

216
Ciranda de Saberes

a sonhar com um federalismo sui-generis. Aspirava para o seu sertão uma


vida à parte, uma independência própria.
(Abranches, Dunshee de. A Esfinge do Grajaú. São Luís: Aluma r
cultura, 1993).
O Major Francisco de Paula Ribeiro, em sua Descrição do territó-
rio dos Pastos Bons, nos sertões do Maranhão em que o autor com base
em sua experiência de mais de duas décadas a denominou de “outra porção
da capitania ou sertões dos Pastos Bons.” Mais do que descrições sobre tri-
bos e rios, o fundamental na obra é o caráter definitivo quanto à “inaugu-
ração” e a consolidação de uma categoria absolutamente essencial em
construções historiográficas sobre o Maranhão. Esse registro dentre ou-
tros, foram fruto de suas andanças pelos sertões maranhenses nas duas
primeiras décadas do Século XIX. Essa anotação em particular foi publi-
cada em 1849 pela revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro em
1874. Em certa passagem revela como inicialmente ocorreu essa marcha
aos sertões de dentro nas primeiras décadas do Século XIX. Descreve que:
Domingos Afonso Sertão e outros seus companheiros que do rio São
Francisco, nos sertões da Bahia, vieram atravessando e povoando todo
Piauí, por eles verdadeiramente então descoberto, foram os primeiros
que, passando aquém do Parnaíba, estabeleceram as primeiras povoa-
ções de Pastos Bons, sacudindo para o sudoeste e para oeste o referido
gentilismo. Seus progressos de população foram bastantemente rápidos:
lançaram-se as primeiras fazendas de gado nas cabeceiras do rio Piauí, e
como um momento apareceu a capitania deste nome, a sua capital, as
suas vilas e até os estabelecimentos de Pastos Bons, aquém do dito rio
Parnaíba, chegando logo a sessenta léguas de extensão, montaram no ano
de 1810, às margens do Tocantins, mais de cento e vinte distantes das
primeiras povoações do distrito, no riacho e fazenda Serra. (Ribeiro,
2002, p.148).

Nessas incursões, pelo interior da Capitania do Maranhão, na se-


gunda década do século XIX, realizando expedições e contribuindo para a de-
marcação da fronteira entre a Capitânia do Maranhão e a de Goyaz, O militar
português Francisco de Paula Ribeiro estava a realizar serviços em nome da
Coroa Portuguesa. De suas expedições oficiais e registros de viagem resultou
em mais dois trabalhos Memória sobre as nações gentias que presentemente
habitam o Continente do Maranhão e Roteiro da viagem que fez o Capitão
Francisco de Paula Ribeiro ás fronteiras da Capitania do Maranhão e da de
Goyaz no ano de 1815. Com base nos seus textos e suas viagens, produziu
também um detalhado mapa da região dos sertões maranhenses. (Figura 1).
Seus escritos constituem um marco referencial da historiografia sul mara-
nhense. O sertão se faz pelo etnocentrismo, pelo ponto de vista do coloniza-
dor, pelo olhar, pelo registro, pela pena.

217
Ciranda de Saberes

Figura 1: Mapa elaborado por Francisco de Paula Ribeiro, 1819.

Fonte: Fundação Biblioteca Nacional.

Na clássica distinção litoral/sertão em particular realidade, a do


litoral representa a capital São Luís, onde é o lugar privilegiado das deci-
sões. A do interior ganha contornos reais a partir dos “Sertões dos Pastos
Bons”. Que segundo Carlota Carvalho, representava a grande área serta-
neja entre o rio Parnaíba e o rio Tocantins. O que se distinguirá, com a
colonização, pela formação social relacionada com a criação de gado, ca-
racterística comum em toda região Sul do Maranhão. Como enfatiza Cabral
(1992): “Nos sertões, a pecuária, atividade dominante e com características
próprias, determinou não só a organização produtiva, mas a forma de po-
voamento e de ocupação do território”. (Cabral, 1992, p. 144). Os caminhos
do gado “forjaram” processos culturais ensejando uma característica pecu-
liar ao “sertanejo”, múltiplo em sua dimensão étnica. Bem como dera m
uma nova configuração espaço-regional genericamente chamado de Sul do
Maranhão, com particularidades inerentes a ela. Uma região distinta nos
aspectos socioeconômicos e culturais. Um território à parte: os sertões do
Maranhão. Um sentimento regido por valores culturais se enraizou e uma
cultura refinada e fecunda de identidade sertaneja, “Criou-se no decorrer

218
Ciranda de Saberes

dos anos uma mentalidade “bairrista”, no bom sentido do povo inteligente


e culto, rivalizando-se os seus intelectuais, poetas, escritores, musicistas e
beletristas aos dos grandes centros do país.” (Coelho, 1979, p. 71).
A cultura também se fez valer pelo gado: são comuns as vaqueja -
das, onde geralmente agrupa um grande número de famílias sertanejas
para apreciar o protagonista da cerimônia – o gado. Há a famosa competi-
ção ferra do gado, Comidas típicas, onde a carne bovina é o principal prato.
Cânticos em formas de toadas expressam a bravura e coragem do vaqueiro
e seu sentimento sertanejo. Um pequeno trecho de uma dessas canções de-
monstra isso: “Liberdade, no sertão, não é ter imperador; aqui manda o
coração, é ele o nosso senhor. Amamos muito esta terra; somos povo bra-
sileiro, por isso fazemos guerra a tudo que é estrangeiro” (ABRANCHES,
1993, p. 133-4). Enfim, a memória de sertão ainda hoje está arraigada na
região sudoeste do Maranhão e se configura num cotidiano que há muito
vem se transformando consideravelmente. O sertão se incorpora ao grande
cerrado central do Brasil.
Por volta dos anos 1950, período dos grandes projetos de moder-
nização do país, via frentes de expansão, uma das maneiras pelos quais se
dá o processo de reprodução ampliada do capital, o sertão começa a sofrer
drásticas mudanças. “Acompanhou” as frentes de expansão de Goiás, To-
cantins, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Acre e Amazonas. Passando a se
enquadrar numa situação de fronteira, criada pela expansão territorial do
grande capital que ajuda a definir a modalidade do desenvolvimento capi-
talista em nossa sociedade. Daí a região Sudoeste maranhense se traduziu
numa posição geopolítica privilegiada. Ela é praticamente entrelaçada à
bacia Araguaia-Tocantins, uma das mais importantes do país. Configurou -
se numa região, que possui diversos pólos de desenvolvimento e, também,
palco de disputas fundiárias. Por ser parte da Amazônia Legal, constitui -s e
como fronteira-limite na parte Oriental. Hoje é polo estratégico de desen-
volvimento, no plano da produção, da circulação e do consumo. Em relação
com os aspectos das migrações, do crescimento econômico e do êxodo rural
em massa.
Territorialidades no Sertão\Cerrado-MA na Amazônia legal
Ali começa o sertão chamado bruto. Nesses campos, tão diversos
pelo matiz das cores, o capim crescido e ressecado pelo ardor do sol trans-
forma-se em vicejante tapete de relva, quando lavra o incêndio que algum
tropeiro, por acaso ou mero desenfado, ateia como faúlha do seu isqueiro.
Minando à surda na touceira, queda a vívida centelha. Corra daí a instantes
qualquer aragem, por débil que seja, e levanta-se a língua de fogo esguia e
trêmula, como que a contemplar medrosa e vacilante os espaços imensos
que se alongam diante dela.
(Taunay, Visconde de. Inocência. São Paulo: Ática, 1993).
As políticas públicas engendradas num plano macro levaram a efe-
tivação do cenário atual. Em linhas gerais, praticamente duas classes soci-
ais determinaram e possibilitaram a expansão capitalista nesta Região da

219
Ciranda de Saberes

Amazônia: os grupos econômicos que pra cá vieram expandir seus negócios


e migrações de trabalhadores que pra cá vieram à procura de trabalho. Aos
grupos econômicos o Governo Federal concedia às grandes empresas, na-
cionais e multinacionais, incentivos fiscais, isto é, a possibilidade de um
desconto de 50% do Imposto de Renda. E tinha mais ainda: “O govern o
militar oferecia aos empresários 75% do capital que necessitavam para o
novo empreendimento, cabendo-lhes entrar com 25% de recursos pró-
prios. Ou podiam se associar a grandes proprietários de terra para estabe-
lecer as novas atividades econômicas” (Martins, 1997, p. 87).
As fases dessas estratégias, levando em conta os aspectos mais re-
levantes, foram:
- de 1946 a 1964 – com o Estado direcionando recursos para valorizar o
capital na região. Nesse período através dos incentivos fiscais o estado
efetivou a transferência dos grupos econômicos para a região, com desta-
que para, o Plano de valorização da Amazônia (1953), e a construção de
rodovias, entre elas a Rodovia Belém-Brasília (1960);
- de 1964 a 1985 – com a política de “integração nacional” para organizar os
projetos agropecuários e o comércio. Nesse período se sobressai o slogan “In-
tegrar para não entregar”, a finalidade era a “ocupação dos espaços vazios”.
Também nesse período foi instituído o Projeto SUDAM (1966) criado para
beneficiar o grande capital, que efetivou a acumulação na região, por meio da
expansão da nova fronteira. Á SUDAM coube implantar grandes projetos
agropecuários, com dinheiro dos incentivos fiscais;
- de 1985 a 1994 – com a política de integração das reservas ambientais
idealizadas pelo programa “nossa natureza”. Aqui já se começa uma pre-
ocupação com as questões ambientais, inclusive com a realização da ECO
92, importante fórum de discussões para as principais temáticas ligadas
ao meio ambiente e ecologia;
- de 1995 até os dias atuais – com a sua internacionalização para extração
dos recursos florestais e minerais. A British Petroleum, que detém em
concessões, área equivalente ao RJ, ES e SC, ou seja, 13% do subsolo da
Amazônia. Nesse período ganha destaque a atividade petrolífera, em
meio às demais. (Picoli, 2006, p. 65-9).

A Amazônia por ser uma região com um potencial econômico pre-


cioso é hoje centro das atenções no cenário mundial. Para Becker (2007),
os cenários que se configuram para o desenvolvimento da Amazônia estão
fundamentados em três componentes principais: o primeiro deles é a di-
nâmica regional local da década de 1990, resultantes de políticas pregres -
sas, de políticas atuais e de processos espontâneos de grupos sociais; o se-
gundo é o impacto regional da retomada do planejamento pela União (as-
sociada aos Planos Plurianuais de Investimento). E o terceiro é:
O papel das transformações globais na virada do milênio, decorrentes das
novas tecnologias de produção e gestão, e das redes de informação e cir-
culação, indissociável dos dois componentes acima citados através a) da
interconexão crescente não só do sistema financeiro e do mercado mun-
diais mas também das arenas políticas nacionais e internacionais; b) da
velocidade acelerada das mudanças, diferenciada social e territorial-
mente em função do acesso à tecnologia, às redes e, certamente, aos

220
Ciranda de Saberes

recursos financeiros; e c) do novo significado da geopolítica, que não mais


atua na conquista de territórios, mas sim na apropriação da decisão sobre
seu uso. (Becker, 2007, p. 20-1).

A Amazônia de hoje encontra-se em pleno processo de ocupação e vai


se sobrepondo rapidamente à Amazônia tradicional do extrativismo e isso im-
plica a devastação da floresta, o extermínio das últimas nações indígenas e a
disputa pela terra. Por conta desses conflitos, muitos personagens foram for-
jados pelas disputas, em geral pela posse e domínio das terras, no território
amazônico. É perfeitamente compreensível que com o passar do tempo a no-
menclatura de alguns desses personagens tenham sido modificadas. São gri-
leiros, posseiros, empresários, jagunços, empreiteiros, peões, colonos e os in-
dígenas. No entanto, representando seus papéis na ciranda do capital.

Figura 2: Amazônia Legal e suas sub-regiões, com destaque para a


Amazônia Oriental. Fonte: Atlas Geográfico Universal, 1987.

221
Ciranda de Saberes

Os personagens e suas respectivas características coexistem no ter-


ritório amazônico em situações e contextos diversos. Isso ocorre, de acordo
com Oliveira e Portela (1994), por duas imagens da Amazônia, sendo que
ambas convivem e representam a realidade dessa imensa região:
A Amazônia Natureza - isto é a grande influência dos elementos naturais,
especialmente a vegetação e os rios e;
A Amazônia como recurso econômico - ou seja, como área que vem sendo
ocupada intensivamente por atividades que devastam a mata, extermi-
nam a fauna, expulsam e eliminam as populações indígenas, acarretam
violentos conflitos sociais pela posse da terra etc. (Oliveira e Portela,
1994, p.28).

A atual transformação da Amazônia – provocada pela intensifica-


ção do povoamento da região e o natural surgimento de vilas e cidades, pela
abertura de estradas, pelos projetos agropecuários e de extração mineral –
tem se caracterizado pelos conflitos e pela violência.

Quadro 3 - Grandes Projetos de Intervenção no espaço do


sertão/cerrado maranhense
Ano de Im- Programa Municí- Produto final Consequên-
plantação e/ou Pro- pios/região cias Socioam-
jeto de De- bientais
senvolvi-
mento
1970 Pecuária lei- Região Sudo- Carne, leite e Êxodo ru-
teira e de este derivados ral/questão
corte fundiária...
1980 Programa Açailândia Ferro-gusa Poluição Ambi-
Grande Cara- ental
jás/Guserias
1982 Indústria Su- Campestre Açúcar e Álcool Poluição Ambi-
croalcooleira ental/questão
fundiária
1990 Monocultura Balsas Soja in natura Questões fundi-
da Soja árias
2010 Hidrelétrica Estreito e Ca- Energia Questões socio-
rolina ambientais
2012 Papel e Celu- Impera- Pasta de Celu- Questões socio-
lose triz/Região lose ambientais
Sudoeste
Fonte: Cutrim, J. G. (2014).

A forma de ocupação se acelerou de 1970 em diante devido aos vo-


lumosos investimentos de capitais (às vezes estrangeiros) em projetos de
extração de minérios, madeiras e de natureza agropecuária.
A exploração dessas riquezas sempre foi com vistas aos interesses
externos. “O que se comprova pelas principais características da ocupação:
escoamento das principais riquezas para o mercado externo; fortes ligações
com o capital estrangeiro e a superexploração da força de trabalho”. (Oli-
veira e Portela 1994, p. 30).

222
Ciranda de Saberes

A partir da ditadura militar (1964), que encaravam essa imensa re-


gião como espaço a ser ocupado por razões estratégicas foram aceleradas
construções para dotar a região de infraestrutura necessária a acomoda r
uma ocupação econômica e demográfica de maior envergadura. Assim:
Para a região vieram empresas estrangeiras, provenientes dos EUA, Ale-
manha a Japão entre outras. Cria-se a SUDAM (1966) e é implantado o
Projeto Grande Carajás - com um custo total de cerca de 62 bilhões de
dólares e intensificação da extração de nossos recursos minerais. A dis-
puta pela posse da terra se intensifica dado à implantação de projetos
agropecuários. Na época a área geográfica conhecida como “Bico do Pa-
pagaio”, que compreende o Sul e o Sudeste do Pará, o Norte do Tocantins
e o Sudoeste e Sul do Maranhão “explodiu” em conflitos. Assassinatos por
causa da disputa de terras, coincidentemente a área contou com o maior
número de projetos agropecuários implantados, financiados pelos incen-
tivos fiscais da Sudam. (Oliveira e Portela, 1994, p.30-1).

Os conflitos pela posse da terra colocaram em choque dois regimes


de propriedade distintos e opostos: a propriedade capitalista, cuja terra é
um negócio e a propriedade comunal e a familiar, onde a terra é um meio
de trabalho. O aproveitamento da terra tem características antagônicas,
um regime a quer visando lucro, outro quer como bem coletivo. Por essa
razão, grandes embates foram travados na Amazônia maranhense. O que
serve para o entendimento da ocupação de grande parte dessa região. Não
obstante, as grandes questões fundiárias que envolviam fazendeiros tive-
ram o apoio incondicional da União Democrática Ruralista (UDR), (teve
grande atuação na região). Hoje o apoio vem dos sindicatos patronais ou
Sinruais e parte da mídia. Nos vários embates com os trabalhadores rurais,
estes por sua vez contavam e contam com o apoio da Comissão Pastoral da
Terra (CPT), órgão ligado à Igreja Católica e, também dos seus Sindicatos
dos Trabalhadores Rurais (STR) e do Movimento dos Sem Terra (MST).
Uma luta que ainda hoje tem contornos sombrios.
Por tudo isso, uma mudança tanto de nomenclatura (sertão por
cerrado) quanto de finalidades sacudiu a região sudoeste maranhense.
Essa região que emerge como fronteira e passa por uma nova configuração
geográfica e que, vem ganhando novos contornos. Um deles: saiu da con-
dição de pólo produtor de produtos primários para a condição de uma re-
gião em que prepondera a agroindústria e a monocultura de produtos como
a soja, a cana e o eucalipto. Tudo dentro de novos paradigmas, que vai
desde o tecnológico, passando pela modernização, até chegar à industriali-
zação, daí se configurando para os chamados complexos agroindustriais. A
partir de então verifica como se classifica todos esses paradigmas e novas
denominações.
A condição da manutenção e progressão do capitalismo é fortemente
influenciada pelo progresso técnico, nisso o paradigma tecnológico é eficaz.
Por modernização da agricultura, com base em Kageyama et al (1996, p. 113),
que a entende basicamente como a mudança na base técnica da produção agrí-
cola. E foi um processo que ganhou dimensão nacional no pós-guerra com a
introdução de máquinas na agricultura (tratores importados), de elementos

223
Ciranda de Saberes

químicos (fertilizantes, defensivos etc.), ou seja, “mudanças de ferramentas e


mudanças de cultura ou novas variedades.” E no que acrescenta: “Nesta trans-
formação da forma de produzir houve substituição de determinadas culturas
por outras e, dentro da mesma cultura, por outras variedades modernas.”
(Kageyama et al, 1996, p. 113).
No que concerne à ‘industrialização da agricultura’ os mesmos es-
tudos de Kageyama et al (1996, p. 113) apontam que a mesma “envolve a
ideia de que a agricultura acaba se transformando num ramo de produçã o
semelhante a uma indústria, como uma “fábrica” que compra determin a -
dos insumos e produz matérias-primas para outros ramos da produção.” A
partir do pós-1975 surgem os complexos agroindustriais que no dizer de
Kageyama et al (1996, p. 115) “São vários complexos que se constituem, ao
mesmo tempo em que a atividade agrícola se especializa continuamente. ”
E que ressalvam sobre o uso do termo complexo, aqui em particular, usado
para identificar conjuntos de atividades fortemente relacionadas entre si
(por compras e vendas) e fracamente relacionadas com o resto das ativida-
des. E adianta que
Não existe apenas uma agricultura; existem vários complexos agroindustri-
ais. E a dinâmica desses segmentos da agricultura é a dos complexos. Em to-
dos eles existe um elemento aglutinador “administrando-os”, que são as polí-
ticas do Estado. O Estado assume o papel do capital em geral, do capital fi-
nanceiro, o que coloca uma questão importante num regime democrático,
que é o controle desse Estado. (Kageyama et al, 1996, p. 115).

O Estado, em especial na região da Amazônia, da qual a Região Su-


doeste é parte, sempre teve papel preponderante através da Superinten -
dência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e também há a ação
da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), bem
como projetos com aportes financeiros pelo Banco do Nordeste do Brasil
(BNB), e pelo Banco Da Amazônia S. A. (BASA). Há, no entanto, outras
características mais perceptíveis, como por exemplo:
A principal modificação na dinâmica da agricultura brasileira consiste
num processo histórico de passagem do chamado “complexo rural” para
uma dinâmica comandada pelos “complexos agroindustriais” (CAIs).
Esse processo envolve a substituição da economia natural por atividades
agrícolas integradas à indústria, a intensificação da divisão do trabalho e
das trocas intersetoriais, a especialização da produção agrícola e a subs-
tituição das importações pelo mercado interno como elemento central da
alocação dos recursos produtivos no setor agropecuário. (Kageyama et al,
1996, p. 116).

Nesse ponto em particular; segundo os pesquisadores, do “pro-


cesso que envolve a substituição da economia natural por atividades agrí-
colas integradas à indústria,” (idem) podemos ter clara a ideia do que jul-
gamos classificar. A região de que se trata, no enquadramento da passagem
de complexo rural para a dinâmica comandada pelos complexos agroin-
dustriais.

224
Ciranda de Saberes

Em relação aos elementos centrais que, a partir da década de 70,


ensejaram a constituição dos complexos agroindustriais Kageyama et al
(1996, p. 185), aponta dois aspectos:
- a Internalização da indústria de máquinas e insumos agrícolas ;
- a modernização e expansão do parque agroindustrial
E permeando esses processos
- a montagem de um aparato de política econômica voltada à “son-
dagem” dos componentes dos CAIs (agricultura e indústria a montante e a
jusante).” (Kageyama et al, 1996, p.185).
Da diferença qualitativa em relação a outros produtos, da qual fala
o estudo que ora utilizo para ilustrar destacam-se a “Lavoura de cana e a
soja, através do processamento industrial são transformadas em outros
produtos (açúcar e álcool, óleos e farelos) e o grupo de produtos que pas-
sam apenas por um beneficiamento simples, como arroz e trigo.”
(Kageyama et al, 1996, p. 192). Que arregimenta “Do ponto de vista da in-
tensidade das relações interindustriais, tanto a montante como a jusante,
temos assim pelo menos três setores da agricultura formando CAIs com-
pletos: cana, soja/trigo e avicultura.” (Kageyama et al, 1996, p. 192).
Pra finalizar essas observações onde no entender de Kageyama et
al (1996, p. 192), soja e cana produtos típicos que interferem na região, são
produtos com composição da demanda final variável, distinguindo-se em
algumas situações, tais como:
-produtos que in natura ou beneficiados destinam-se basicamente
à exportação, mas, que processados são absorvidos majoritariamente no
mercado interno: café, soja e milho;
-produtos beneficiados ou processados para os quais o merca do
externo tem peso importante na demanda final: açúcar e álcool, tortas e
farelos.
A considerar essas premissas a cana tem forte ligação intersetoria l
“para trás”, com dois terços dos gastos da produção com insumos absorvi-
dos em insumos industriais. Típica integração “para frente”, destinando-s e
a quase totalidade do produto para indústrias de bens finais (açúcar e be-
bidas alcoólicas). Enquanto a lavoura da soja mostra também forte ligação
com a indústria a montante (57% do consumo total em insumos industri-
ais) e a jusante. “A soja é caso exemplar de complexidade (no sentido de
intensidade) de relações agricultura-indústria: o total da produção, exclu-
ída a parte consumida no setor agrícola, vai para indústrias de grande
porte, como matéria-prima para vários produtos, destacando-se óleos e ali-
mentos para animais.” (Kageyama et al, 1996, p. 194). Na região sudoes te
maranhense (antes cognominado sertão, agora cerrado) a soja e cana são
os dois principais produtos com inserção na agroindústria, com aportes
elevados de ativos financeiros.
Considerações finais
O Brasil e a imagem do que é ser brasileiro é refletida, na maioria
das vezes através de obras clássicas, em grande parte por frases retirada s

225
Ciranda de Saberes

de um contexto mais amplo. Também por imagens veiculadas em filmes


feitos por estrangeiros e pela grande mídia. Quando falamos em obras clás-
sicas, estamos nos referindo àquelas que fundamentaram uma dada naci-
onalidade sobre o Brasil e os brasileiros, aí forjando certa identidade. Os
Sertões (1902) de Euclides da Cunha, por exemplo, tipifica muito bem um
“Brasil real” mesmo marcado que foi pelo pensamento científico da época,
caracterizado com traços deterministas com relação à raça e ao meio. As-
sim como os “escritos fundadores” do sertão maranhense pela pena de
Francisco de Paula Ribeiro, forjou uma representação dos sertanejos e dos
indígenas como rudes, tipificou um “Maranhão real” na parte centro sul.
Sendo seguido nas suas percepções por outros escritos.
Numa nova ótica de fronteira e território o sertão vai sendo modi-
ficado. Na área geográfica por excelência do sertão maranhense - o cerrado
passa a ganhar novas funções. Funções de inserção do capital passando a
ser o “celeiro” do Brasil e o lócus de grandes projetos. Numa rápida incur-
são a esses empreendimentos e projetos de desenvolvimento, verificamos
que o território do cerrado maranhense pré-amazônico encontra-se em
verdadeiro estado de ebulição. O contraste é perverso, de um lado são ex-
ploradas as riquezas naturais o povo é “expulso” de suas terras e, por outro
lado grandes grupos enriquecem e mandam para fora toda a produção em
grãos e demais produtos e deixam impactos ambientais com limites quase
insuportáveis. Este é o retrato de um crime que precisa ser denunciado e
enfrentado.
Da transformação retórica do sertão em cerrado houve uma mo-
dernização do campo, através do agronegócio, reforçando ainda mais a vul-
nerabilidade econômica, numa região exportadora de produtos agrícolas.
Dados estatísticos já mostram que o Maranhão obtém um dos mais altos
índices de desmatamento, em função justamente das monoculturas, pelo
agronegócio que tem se elevado.
Mas há articulações territoriais de resistência a esse estado de coi-
sas: No Maranhão o segmento das quebradeiras de coco sempre foi aguer-
rido, reunidas de maneira formalmente organizadas ou não. Porém ante o
recrudescimento das relações sociais de trabalho por empresas do agrone-
gócio e de outros ramos isso se intensificou. Em 2008 por iniciativa do
Governo Federal foi instituído o Programa Territórios da Cidadania, que
visa promover o desenvolvimento econômico e universalizar programa s
básicos de cidadania por meio de uma estratégia de desenvolvimento ter-
ritorial sustentável, em especial no meio rural. No Brasil nos dois últimos
anos foram instalados 120 Territórios da Cidadania.
Esses Territórios rurais se caracterizam por ser um conjunto de
municípios unidos pelo mesmo perfil econômico e ambiental e que funcio-
nam a partir de gestão de colegiados plurais e democráticos muito bem or-
ganizados em suas ações. No início de 2010 foi realizada a primeira assem-
bléia para o processo de instalação do “Território Rural do Cerrado Ama-
zônico Tocantino” que compreende 22 municípios maranhenses da cha-
mada Região Tocantina (municípios que estão na área de influência da

226
Ciranda de Saberes

bacia Araguaia-Tocantins). É composto por um colegiado representativo


dos vários segmentos sociais: sindicatos dos trabalhadores rurais, coope-
rativas, associações civis organizadas, organizações indígenas, movimen to
das quebradeiras de coco babaçu, movimentos dos trabalhadores rurais
sem terra, movimento de atingidos por barragens e casas familiares rurais,
entre outros.
Na cartilha do Território Rural do Cerrado Amazônico Tocantino
(2010), que explicita de maneira didática o teor dos Territórios de Cidada-
nia há um desafio lançado a todos dos 22 municípios que compõem este
Território: Lutar para que sejam reconhecidos junto ao governo federa l
como um Território que necessita de políticas e programas específicos de
combate à pobreza, de garantia dos direitos humanos, de recuperação de
áreas degradadas, de regularização fundiária, de saúde, educação, de fo-
mento para associações e cooperativas dos agricultores familiares. (Carti-
lha do TRCAT, 2010).
Estes segmentos muito bem organizados e bem articulados em
suas estratégias neste Território da Região Tocantina serão o contraponto
ante aos conflitos instaurados. Este Território compreende uma populaçã o
de cerca de 641.434 habitantes com 46% vivendo em áreas rurais e dispos-
tos numa área de 42.448 Km2, em sua maioria afetados e inquietos com o
avanço da monocultura da soja, da cana, do eucalipto, das grandes hidre-
létricas, do avanço das siderúrgicas e de outros grandes projetos. A luta
pela sustentabilidade do cerrado Amazônico Maranhense será defendida .
Em consequência, um pouco da memória e da identidade sertaneja mara-
nhense.
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229
OS PILARES EDUCACIONAIS: O USO DAS
FERRAMENTAS PSICOLÓGICAS NA PRÁXIS DOCENTE
PELA REVISÃO SISTEMÁTICA
Flávio Fernandes Mesquita 1
Selena Castiel Gualberto Lima 2
Neire Abreu Mota 3
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, muitas pesquisas surgem por diferentes agentes
buscando compreender a interface entre os pilares da educação e os diversos
agentes da área da Psicologia que se entrecruzam dentro do ambiente escolar
seja na Educação Básica ou Ensino Superior, além disso, têm-se debruçado
sobre a necessidade de avaliar e adaptar o sistema de ensino convencional
para trabalhar as questões socioemocionais dos alunos, bem como dos pro-
fessores e demais profissionais que atuam no processo de ensino.
Desse modo, tornar-se-á salutar a observação e ao mesmo tempo
elaboração de diferentes modelos pedagógicos que enfatizam uma educa -
ção que vá para além da aquisição de conhecimentos e capacidades cogni-
tivas dos alunos, promovendo assim o desenvolvimento do aluno nas suas
múltiplas dimensões.
De acordo com Souza (2010), a aprendizagem no contexto escolar
é mediada por diversos fatores, tornando-se importante investigar tanto a
dimensão cognitiva quanto a afetivo-motivacional. Por este motivo, consi-
dera-se relevante abordar as diversas dimensões (cognitiva, afetiva, moti-
vacional e humanista) que afetam o processo de ensino-aprendizagem,

1 Mestre, Psicólogo clínico, Bacharel em Direito e pesquisador vinculado ao grupo de


pesquisa Filologia e Modernidades da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), com apoio
do CNPq. Bem como. Sua trajetória acadêmica ancora‑se em sólida formação humanística,
aprimorada por múltiplas especializações lato sensu em Direito e Psicologia, que lhe
conferem amplitude metodológica e epistêmica. E-mail: [email protected]
2 Psicóloga Clínica e do Trabalho. Professora Universitária. Doutora em Educação pela

Universidade do Vale do Itajaí. Mestre em Educação pela Universidade Federal de


Rondônia. Especialização em Docência do Ensino Superior, Psicologia do Trabalho e
Tanatologia (Luto). Formação em Psicologia Humanista – Abordagem Centrada na Pessoa.
Graduada em Psicologia (Universidade Luterana do Brasil) e Direito pela Faculdade de
Rondônia. Atua como Professora de Psicologia na Faculdade Católica de Rondônia,
ministrando as disciplinas de Psicologia e Processos de Aprendizagem, Gestão de Pessoas,
Teorias Humanistas e áreas vinculadas à Psicologia Educacional. Possui experiência em
gestão educacional e práticas psicopedagógicas. A atuação clínica segue os pressupostos
rogerianos, fundamentados na Abordagem Centrada na Pessoa (ACP), desenvolvida por
Carl Rogers. A abordagem humanista compreende o ser humano como um organismo em
constante processo de desenvolvimento e atualização, orientado por uma tendência
natural à autorrealização. E-mail Profissional: [email protected]
3 Doutoranda em Educação e Professora Universitária <[email protected]

230
Ciranda de Saberes

demonstrando como as investigações neste âmbito, contribuem para uma


compreensão mais holista e integrativa deste processo.
Todavia, devido à dispersão de modelos pedagógicos, torna -se ne-
cessário conhecer sob uma perspectiva científica quais os possíveis cami-
nhos a percorrer para que possamos preparar as atuais crianças e jovens
para um futuro imprevisível por meio de saberes que ensine o controle
emocional pela afetividade que irá constituir as identidades.
Neste contexto, relembra-se as ideias defendidas por Wallon (1979),
ao mensurar que existem duas funções básicas constituintes da personali-
dade: afetividade e inteligência. A afetividade está relacionada às sensibili-
dades internas e se orienta em direção ao mundo social e para a construção
da pessoa; a inteligência, por sua vez, vincula-se às sensibilidades externas e
está voltada para o mundo físico, para a construção do objeto.
Desse modo, constrói-se no aluno uma conduta reflexiva para to-
mada de decisões conscientes de sua ação na sociedade. Evitando desta
maneira fracassos formativos que não norteiam os princípios a serem con-
textualizados em conformidade com os pilares da educação e os anseios
psicológicos.
Contudo, é preciso entender que os processos educacionais estão
sendo formados por um significativa gama de desafios, nos quais os com-
portamentos foram alterados, especificamente com a ascensão tecnológica,
o excessivo número de alunos neurodivergentes e questões indisciplinares
que afetam diretamente o trabalho docente que legitima o aprender a ser,
conhecer, fazer e conviver.
Jacques Delors (2001), em importante trabalho para a UNESCO ,
indica: “Os quatro pilares da educação para o século XXI”, que traz o mé-
rito de auxiliar as pessoas comprometidas com a prática pedagógica de
qualidade. Afirma este autor que ampliar o conhecimento possibilita en-
tender o ambiente em que se vive, incentivar a curiosidade, provocando a
conquista da autonomia e usar do senso crítico para entender a realidade.
Tão logo, para delinear o campo investigativo, o presente estudo
buscou efetivar uma discussão teórica, acerca do objeto temático pelas fun-
damentações bibliográficas, posteriormente de um diálogo com o levanta-
mento da revisão sistemática utilizando recortes temporais de 2014 a 2024.
Nesse sentido, a pergunta problema foi estrutura para encontra r
respostas relevantes quanto a indagação: Como o uso das ferramentas psi-
cológicas por meio dos pilares educacionais podem impactar na práxis do-
cente? Sendo que o objetivo geral se constituiu em analisar como o uso das
ferramentas psicológicas por meio dos pilares educacionais podem impac-
tar na práxis docente por meio de uma revisão sistemática.
Enquanto os objetivos específicos foram ordenados em: discorrer
sobre aprendizagem e os pilares educacionais; evidenciar as ferramenta s
psicológicas na práxis docente; identificar pela revisão sistemática as fer-
ramentas psicológicas por meio dos pilares educacionais no período de
2014 a 2024.

231
Ciranda de Saberes

Para melhor compreensão dos aportes discursivos, realizou-s e


uma sequência da fundamentação teórica que permita ao leitor compreen -
der sobre o estudo, bem como os resultados encontrados que desvelam a
temática.
REFERENCIAL TEÓRICO
Conceitos sobre aprendizagem: uma reflexão
A aprendizagem deixou de ser entendida segundo Figueira (2019)
como uma modificação do comportamento em relação ao meio externo,
para ser compreendida como o resultado da mediação de vários processos
cognitivos, que ocorrem devido ao envolvimento do aluno na construçã o
ativa do seu conhecimento e consequente alteração comportamental. Ou
seja, a aprendizagem é um processo complexo e multifacetado que envolve
a aquisição de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores através da
experiência, estudo ou ensino. Diversos teóricos da psicologia contribuí-
ram significativamente para a compreensão desse fenômeno.
De modo geral, uma estratégia de aprendizagem envolve diversos
recursos utilizados pelos estudantes ao aprender um novo conteúdo, ou de-
senvolver determinadas habilidades, podendo ser abrangente e generalizá-
vel à aprendizagem de várias tarefas e conteúdo ou restrita a uma tarefa
específica, mas desde que conciliado os aportes socioemocional, para refe-
rendar os campos do cognitivo e intelectual.
Tão logo, a aprendizagem no contexto escolar é mediada por fatores
diversos, não podendo ser atribuído exclusivamente às capacidades cogniti-
vas do aluno, o sucesso ou insucesso neste processo. Nesse sentido, tem se
considerado a importância de se investigar tanto a dimensão cognitiva
quanto afetivo-motivacional do desempenho escolar (Souza, 2010).
Ademais, na ação de ensinar, compete aos professores reverbera r
por ações que vão além da ciência, mas um sistema cognitivo apresentando
repercussões ao nível da percepção, atenção, memória, raciocínio, lingua-
gem e tomada de decisões (Cozolino, 2013). A seguir, serão apresentados
conceitos sobre aprendizagem segundo algumas das principais abordagens
teóricas.
a. Teoria Behaviorista
A teoria behaviorista, representada por teóricos como John B.
Watson e B.F. Skinner, define a aprendizagem como uma mudança relati-
vamente permanente no comportamento resultante da experiência. Wat-
son (1913) argumentou que a psicologia deveria focar no estudo dos com-
portamentos observáveis e não nos processos mentais internos.
B.F. Skinner (1938), em sua teoria do condicionamento operante,
descreveu a aprendizagem como um processo de reforço e punição. Ele
propôs que os comportamentos seguidos por consequências positivas (re-
forços) são mais propensos a serem repetidos, enquanto aqueles seguidos
por consequências negativas (punições) tendem a ser suprimidos. Skinner

232
Ciranda de Saberes

desenvolveu a caixa de Skinner para demonstrar como os princípios de re-


forço podem ser utilizados para modelar o comportamento.
b. Teoria Cognitiva
A teoria cognitiva, com teóricos como Jean Piaget e Jerome Bru-
ner, enfatiza os processos mentais internos e a estruturação do conheci-
mento. Piaget (1952) descreveu a aprendizagem como um processo ativo
de construção do conhecimento, onde os indivíduos assimilam novas in-
formações e as acomodam em suas estruturas cognitivas preexistentes. Ele
identificou quatro estágios de desenvolvimento cognitivo: sensório-motor,
pré-operacional, operacional concreto e operacional formal, cada um ca-
racterizado por diferentes capacidades cognitivas.
Jerome Bruner (1960) argumentou que a aprendizagem é um pro-
cesso ativo de construção de significado, onde os indivíduos organizam e
reorganizam informações para formar conceitos. Ele introduziu a ideia de
espiral curricular, onde os tópicos são revisitados ao longo do tempo com
níveis crescentes de complexidade.
c. Teoria Sociocultural
Lev Vygotsky (1934/2008) propôs que a aprendizagem é um pro-
cesso social mediado pela interação com outros e pela cultura. Ele introdu-
ziu o conceito de zona de desenvolvimento proximal (ZDP), que represen ta
a diferença entre o que uma criança pode fazer sozinha e o que pode fazer
com a ajuda de um adulto ou de um colega mais experiente. Vygotsky en-
fatizou a importância da mediação social e das ferramentas culturais no
desenvolvimento cognitivo.
d. Teoria Humanista
A teoria humanista, com teóricos como Carl Rogers e Abraham
Maslow, foca no potencial de crescimento e autoatualização do indivíduo.
Rogers (1969) argumentou que a aprendizagem significativa ocorre
quando o estudante está plenamente envolvido no processo de aprendiza-
gem, com liberdade para explorar e criar. Ele destacou a importância de
um ambiente de aprendizagem não ameaçador e centrado no aluno.
Abraham Maslow (1943) propôs a hierarquia das necessidades, su-
gerindo que as necessidades básicas devem ser satisfeitas antes que o
aprendizado significativo possa ocorrer. Ele acreditava que a autoatualiza-
ção é o nível mais alto de motivação humana, onde os indivíduos realizam
seu potencial pleno.
e. Teoria do Aprendizado Social
Albert Bandura (1977) introduziu a teoria do aprendizado social,
que sugere que a aprendizagem ocorre através da observação e imitação
dos outros. Bandura enfatizou o papel da modelagem e do reforço vicário,
onde os indivíduos aprendem observando as consequências do comporta -
mento dos outros. Ele também destacou a importância da autoeficácia, ou
a crença na própria capacidade de executar tarefas específicas.

233
Ciranda de Saberes

Neste contexto, todo o processo de aprendizagem deve validar um


desenvolvimento pleno pelos saberes curriculares, trata de uma ação huma-
nística que transforma o indivíduo em suas ações sociais, utilizando os apa-
ratos das ferramentas psicológicas voltadas para seguridade formativa.
Desse modo, quando se menciona sobre os aspectos humanístico,
infere-se as contribuições realizadas por Carl Rogers que defende a teoria
humanista correlacionando com as relações interpessoais, na construção da
personalidade do indivíduo, no ensino centrado no aluno, em suas perspec-
tivas de composição e coordenação pessoal da realidade, bem como em sua
habilidade de operar como ser integrado (Lima; Barbosa; Peixoto, 2018).
Para os autores, a abordagem centrada na pessoa (ACP) de Carl
Rogers, compreende que o ato de aprender é individual, singular e peculia r
de cada sujeito, de forma que a vivência subjetiva deve ser considerada,
pois o aluno retém somente o que lhe convém, o que acredita ser muito
importante e que se relaciona com seu contexto.
Rogers (1985) afirma que é pelo contato que se educa e que o pro-
fessor deve ser um educador-facilitador, uma pessoa realmente presen te
para seus alunos. De acordo com os preceitos do autor, o educador não
deve adotar um modelo único de facilitar o aprendizado, precisa colocar os
interesses dos alunos em primeiro lugar, esse método consiste em o aluno
seguir, apreendendo a aprender e o professor, sendo um facilitador dessa
aprendizagem de forma singular e livre, com autenticidade, aceitação, con-
fiança tanto em si como no aluno e compreensão empática.
Conforme evidencia Rogers (1985) o professor necessita exprimir,
também, seus interesses, suas percepções e seu desejo sincero de ensinar,
utilizando métodos estimulantes para colocar os conteúdos propostos e si-
tuar-se na sala de aula. A diferença principal que Rogers sugere é que o
espaço da aula e do professor não seja previamente estabelecido, porém
que venha sendo construído por um conjunto de pessoas autênticas que se
comunicam e se relacionam entre si.
Doravante, Rogers (1985) afirma, ainda, que o desafio das institui-
ções de ensino seja proporcionar uma atmosfera favorável em que os estu-
dante e professores se sintam livres para novas descobertas, sem sofrer
pressões ou censuras externas, com autoaceitação, sendo apenas o que se
é sem se enganar.
Para tanto, é primordial seguir as orientações feitas pelos quatro
pilares da educação como elementos que direcionam logicamente todos os
aspectos para o processo educativo, pois os conceitos sobre aprendizagem
variam consideravelmente entre as diferentes teorias da psicologia, mas
todos convergem na ideia de que a aprendizagem é um processo essencial
para o desenvolvimento humano. A teoria behaviorista foca nas mudanças
comportamentais observáveis, a teoria cognitiva nos processos mentais in-
ternos, a teoria sociocultural na mediação social, a teoria humanista no
crescimento pessoal e a teoria do aprendizado social na observação e imi-
tação. Cada uma dessas abordagens oferece uma perspectiva única e

234
Ciranda de Saberes

valiosa sobre como os indivíduos aprendem e se desenvolvem, contribu-


indo para uma compreensão mais abrangente e integrada da aprendiza-
gem.
Os Quatro Pilares da Educação: A Importância Para o Processo de Apren-
dizagem
É dever da escola assegurar uma educação adequada e dirigida
para o desenvolvimento das competências, compreendendo os níveis fí-
sico, emocional, social e afetivo. Corresponde a uma metodologia educativa
que englobe o desenvolvimento pessoal do estudante e não apenas o inte-
lectual (Amatto; Alves, 2016).
Não obstante, é notória a importância no processo educativo reali-
zar uma reflexão sobre a ação de formar identidades pelos componentes
curriculares, através das estratégias pedagógicas norteadas pela ação pro-
fessoral. Visto que, os elementos que norteiam essa prática são os quatro
pilares da educação.
Conforme Mello, Almeida Neto e Petrillo (2020, p. 65), “a educa -
ção deve permitir que todos possam coletar, selecionar, ordenar, gerenciar
e utilizar esse volume de informações e servir-se dele”.
Diante do exposto, foi institucionalizado os quatro pilares da edu-
cação, como elementos fundantes para orientar a atuação dos educadores
a desenvolverem aprendizagens apropriadas às transformações vivencia-
das da realidade, através dos saberes a serem contextualizados para o exer-
cício social.
Além disso, as orientações dos pilares tem a intencionalidade de
respaldar a formação holística do indivíduo, com habilidades para argu-
mentar, oferecer opiniões fundamentadas, contra argumentar o dito com
raciocínio lógico e atingir o juízo final (Rodrigues, 2021)
Para tanto, em continuidade a autora destaca que os quatro pilares
da educação devem orientar a atuação dos educadores a desenvolverem
aprendizagens apropriadas às transformações vivenciadas da realidade. A
sistematização dos pilares respaldam as habilidades para argumentar, ofe-
recer opiniões fundamentadas, contra argumentar o dito com raciocínio
lógico e atingir o juízo final (Rodrigues, 2021).
De forma explicativa a autora amplia essa discussão, realizando
uma aparato resumido:
O aprender a conhecer leva a compreensão do mundo que o cerca, aber-
tura para o conhecimento de si mesmo e do outro, que o afasta da igno-
rância. O aprender a fazer conduz a praticar o conhecimento absorvido,
que o afasta do imobilismo. O aprender a conviver o direciona ao trabalho
em equipe, que o afasta do isolamento. O aprender a ser que solidifica os
pilares e os harmoniza para conformar o ser humano íntegro (Rodrigues,
2021).
Nota-se então que a importância de desenvolver o conhecimen to
observando os pilares educacionais, é prioritário para formar uma

235
Ciranda de Saberes

identidade social para atuar pelo exercício de cidadania, municiado de di-


reitos e deveres.
Neste diálogo, acrescenta-se a fala de Antunes (2013), quando se
inicia uma significativa preocupação com o processo de ensino e aprendi-
zagem em 1990, a Unesco patrocinou, em Jomtien/Tailândia, a realização
de uma grande Conferência Nacional sobre Educação, com o objetivo de
discutir a formação desse novo aprendente, seu desenvolvimento pleno,
sua capacidade de caminhar por um mundo globalizado e pensar de forma
autônoma e crítica sobre as inúmeras informações recebidas constante-
mente.
Com esse momento na conferência, foram definidos conceitos de
fundamentos da educação e, no relatório editado em 1999 e transforma do
no livro Educação: um tesouro a descobrir, Jacques Delors, que coorden ou
a reunião, apresentou a proposta de uma educação direcionada para quatro
tipos fundamentais de aprendizagem e que ficaram conhecidos como “os
quatro pilares da Educação” (Antunes, 2013, p. 15).
Os quatro pilares dão a sustentação necessária para a formação in-
tegral desse aprendente do século XXI. São como as quatro pernas de uma
cadeira, conferindo segurança, equilíbrio e estabilidade, não apenas no
aprender, mas também no exercício dos conhecimentos adquiridos (Antu-
nes, 2013).
Dessa maneira, enfatiza-se que os pilares compreendem conceitos
que devem nortear a educação ao longo da vida e em todas as áreas, come-
çando pela família, tendo ênfase na escola e chegando aos demais ambien-
tes de aprendizagem. Assim, a aquisição destes conceitos contidos nos pi-
lares, não está limitada a conhecimentos transmitidos de forma rotineira,
repetitiva e mecânica, depende da compreensão da essência de cada um.
Destarte, frisa-se que na sociedade hodierna, em sua estrutura plu-
ral e dinâmica é possível encontrar um ambiente de aprendizagem, seja
sala de aula, empresa ou outro. Para Delors (1998, p. 105) “a educação ao
longo de toda a vida torna-se assim, para nós, o meio de chegar a um equi-
líbrio mais perfeito entre trabalho e aprendizagem bem como ao exercício
de uma cidadania ativa.
Um dos pressupostos básicos da educação deve ser a preparação da
pessoa como um todo, o que inclui espírito e corpo em toda sua extensão.
A essência de aprender ser preconiza a preparação do ser humano como
um todo, para que tenha capacidade e autonomia de elaborar pensamen-
tos críticos que permitam formular juízo de valor e tomar as decisões
mais adequadas nas diversas situações em que se depara ao longo da vida
(Delors, 1998, p. 85).

Jacques Delors (1998, p. 86) aponta como principal consequência


da sociedade do conhecimento a “necessidade de uma aprendizagem ao
longo de toda vida, fundamentada em quatro pilares, que são, concomitan-
temente, do conhecimento e da formação continuada”.
E dessa forma entende-se que muitas vezes os ensinamentos acon-
tecidos nas escolas não duram muito tempo na vida dos alunos, são

236
Ciranda de Saberes

aprendizados passageiros, que não dão base para uma estrutura firma que
dure toda uma vida.
Moacir Gadotti (2008) fala que para mudar o cenário é necessário:
educar para comunicar-se. Não comunicar para explorar, para tirar pro-
veito do outro, mas para compreendê-lo melhor. Inteligente não é aquele
que sabe resolver problemas (inteligência instrumental), mas aquele que
tem um projeto de vida solidário. Porque a solidariedade não é hoje apenas
um valor, é condição de sobrevivência de todos (Gadotti, 2008, p. 74-75).

Assim, o trabalho com os quatro pilares podem oferecer aos alunos


um aprendizado sólido que não será capaz de esquecer jamais, o conheci-
mento humano acumulado ao longo do tempo como algo inatingível, apren-
dendo ao máximo, desenvolvendo as capacidades da melhor forma, assim o
aprendizado nunca será esquecido, principalmente quando correlacionar
com as ferramentas psicológicas, que se tornam estratégias pedagógicas para
consubstanciar e integralizar os saberes para identidade social.
Ferramentas psicológicas e as emoções na práxis docente
Dentro do processo educativo, além de ordenar o ensino pelos qua-
tros pilares na perspectiva de priorizar as premissas da formação da iden-
tidade social, que ocorre pelos saberes que devem ser integralizados plena-
mente pela ação docente.
Nesse sentido, uma das competências para garantir o desenvolvi-
mento dos educandos pelo conhecimento, se faz em atender os aspectos
voltados para o campo cognitivo, intelectual e socioemocional, priorizado
por ferramentas psicológicas que compreenda a importância de olhar o ser
humano em sua totalidade (grifo nosso).
O feedback e outras ferramentas psicológicas desempenham um
papel crucial no desenvolvimento cognitivo, conforme descrito por teóricos
como Lev Vygotsky (1930) e outros estudiosos da psicologia do desenvol-
vimento.
"O uso de signos como meio de resolver um determinado problema psi-
cológico (lembrar, comparar algo, relatar, escolher, etc.) é análogo ao uso
de ferramentas nas mãos de um trabalhador. Um signo é sempre um meio
pelo qual os seres humanos podem controlar seu comportamento de fora,
através de dispositivos simbólicos." (Vygotsky, 1930/1978, p. 126).
Vygotsky (1930/1978) introduziu a ideia de que as ferramentas psi-
cológicas, como a linguagem, a escrita e os números, são mediadores fun-
damentais do desenvolvimento cognitivo. Ele argumenta que o feedback,
uma forma específica de ferramenta psicológica, ajuda as crianças a inter-
nalizarem normas e estratégias de resolução de problemas, permitindo que
avancem para níveis mais altos de pensamento e compreensão.
Segundo Vygotsky (1930/1978), o feedback desempenha várias
funções, sendo elas:
Regulação do Comportamento: O feedback ajuda a criança a
ajustar seu comportamento e estratégias cognitivas, proporcionando cor-
reções e orientações específicas.

237
Ciranda de Saberes

Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP): O feedback si-


tua-se dentro da ZDP, onde a criança pode realizar tarefas com a ajuda de
outros mais experientes. Esta interação promove a internalização de habi-
lidades e conhecimentos.
Desenvolvimento da Autonomia: Com o tempo, o feedba ck
recebido de adultos e pares é internalizado, permitindo que a criança de-
senvolva a capacidade de autoavaliação e autorregulação.
Jerome Bruner (1966), Outro teórico importante, Jerome Bruner,
também enfatizou o papel do feedback no desenvolvimento cognitivo. Ele
argumentou que a educação deve fornecer suporte e feedback contínuos
para ajudar as crianças a construir novos conhecimentos com base em seus
entendimentos anteriores.
Albert Bandura (1977), conhecido por sua teoria da aprendizag em
social, destacou o papel do feedback no aprendizado por observação. Se-
gundo Bandura, o feedback positivo ou negativo recebido após a imitação
de um comportamento influenciava a probabilidade de o comportamen to
ser repetido no futuro. Este processo é crucial para o desenvolvimento cog-
nitivo, pois as crianças aprendem observando e recebendo feedback sobre
suas ações.
Embora Jean Piaget (1952), não tenha focado especificamente no
feedback, ele reconheceu a importância das interações sociais no desenvol-
vimento cognitivo. Piaget observou que a interação com pares e adultos
fornece um ambiente rico para que as crianças recebam feedback e ajustem
suas ideias e compreensões.
De acordo com esses teóricos, o feedback e outras ferramentas psi-
cológicas são essenciais para o desenvolvimento cognitivo porque:
● Fornecem orientação e correção, ajudando na construção de novos
conhecimentos e habilidades.
● Facilitam a internalização de processos cognitivos complexos.
● Promovem a autorregulação e a autonomia cognitiva.
● Estimulam a aprendizagem observacional e a adaptação de com-
portamentos com base na experiência social.
Essas ferramentas psicológicas, mediadas por interações sociais,
são fundamentais para o desenvolvimento das funções mentais superiores
e para a capacidade de pensar de forma crítica e independente.
Desse modo, quando o professor faz uso de menções feitas pela
Psicologia, de acordo com Jesus (2016), pode se clarificar os fatores e os
processos subjacentes ao processo de ensino e de aprendizagem, numa ta-
refa interdisciplinar de auxiliar a educação na obtenção dos seus objetivos ,
e integrar ao educando competências e habilidades.
A fala de Jesus, dialoga com a afirmativa referendada por Souza
Filho (2008), a atenção ao desenvolvimento cognitivo pelos professores
atuam em conformidade com as teorias defendidas por Piaget:
O desenvolvimento cognitivo é um processo de equilibrações sucessivas
das estruturas cognitivas (esquemas) que vão evoluindo com base na con-
figuração da estrutura precedente, ou seja, existe uma reorganização das

238
Ciranda de Saberes

estruturas cognitivas por meio da ação do sujeito ao longo de uma se-


quência de estádios.

O ser humano é composto por influências advindas de diferentes


contextos: intelectual (cognitivo), físico (psicomotor), social, bem como as
emocionais, entendendo que nas ferramentas psicológicas na atuação do-
cente a viabilidade das emoções, que são partes inerentes de qualquer in-
divíduo deve ser combinado todos os processos de ensino para a formação
da identidade social.
Para Souza et al. (2019), compreende-se que uma das finalidades
da formação docente é promover a mobilização das emoções, com vistas a
possibilitar a transformação nas ações pedagógicas. Tão logo, nesse pensa-
mento é salutar no ato docente prover uma ótica educacional utilizando
preceitos psicológicos, visto que o ensino contempla o desenvolvimen to
pleno pelos saberes curriculares, assim, além de executar o currículo, ava-
liar e planejar as aulas, deve-se priorizar as dimensões psicológicas para
dar significado no processo de ensino e aprendizagem.
Uma vez que o ser humano além dos saberes exigidos no território
brasileiro, é formado por uma vida psíquica contemplada por emoções e
sentimentos, que contempla expressões e manifestações socialmente.
METODOLOGIA
Utilizando uma abordagem qualitativa, com objetivo exploratório -
descritivo efetivou-se uma fundamentação teórica dialogada com resulta -
dos da busca avançada de uma revisão sistemática. A abordagem da pes-
quisa qualitativa segundo Minayo (2019) trabalha com o universo de sig-
nificados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, dando resulta -
dos descritivos para serem analisados.
A pesquisa têm seus objetivos nos propósitos nas pesquisas explo-
ratório-descritivas que têm maior intimidade com o problema e respecti-
vamente, estuda as características de um grupo. Na pesquisa exploratória s
“a coleta de dados pode ocorrer de diversas maneiras” (Gil, 2023), assim,
possibilita as dinâmicas de execução das ações da pesquisa.
Desse modo, entende-se por revisão sistemática a ação de sinteti-
zar os resultados de estudos primários que se enquadram nos critérios de
elegibilidade para responder uma pergunta de pesquisa (Chandler et al.,
2019), sendo efetivada por meio de várias fontes de dados, enquanto estra-
tégia de amplas buscas.
Nesse sentido, a fim de compreender a produção acadêmica rela-
cionada aos "quatro pilares" da educação e à "aprendizagem" no contexto
da Língua Portuguesa, foi realizado um levantamento bibliográfico na pla-
taforma Scientific Electronic Library Online (SciELO) no período de 2014
a 2024. Este recorte temporal permitiu observar as tendências, abordagens
teóricas e resultados de pesquisas recentes.
Para este levantamento, foram utilizados os descritores “quatro pi-
lares” e “aprendizagem” como palavras-chave na busca de artigos científi-
cos na plataforma SciELO. A escolha desses descritores se justifica pela

239
Ciranda de Saberes

relevância dos quatro pilares da educação - aprender a conhecer, aprender


a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser - como uma estrutura teó-
rica que orienta a formação integral do indivíduo, conforme proposto por
Jacques Delors no relatório da UNESCO de 1996.
Os resultados da pesquisa na SciELO revelaram uma diversida de
de estudos que abordam os quatro pilares da educação e a aprendizagem
sob diferentes perspectivas. Todavia, ao inserir os dados na “busca avan-
çada” os resultados apresentaram o total de 23 (vinte e artigos), tão logo ao
colocar os critérios de inclusão dos anos selecionados obteve-se o quanti-
tativo de 07 (sete) trabalhos produzidos, assim quando se efetivou em re-
lação ao idioma publicado restou 01 (um) estudo, porém este mencionava
acerca da inserção dos quatro pilares diferentemente do objeto temático
deste estudo. Para melhor compreensão do levantamento insere-se o flu-
xograma 1, da primeira pesquisa:

Fluxograma 1 – Primeira pesquisa

Fonte: Elaborado pelo autor (2024)

Diante do contexto, utilizou-se a segunda busca utilizando o des-


crito “ferramenta psicológica” e “aprendizagem” que resultou no total de
02 (dois) artigos completos com a inserção dos critérios, contudo,as pro-
duções que utilizam os descritores “ferramentas psicológicas” e “quatro pi-
lares” os trazem como pressupostos do feedback que acabam trazendo um
diálogo sobre a importância no processo de aprendizagem. Sendo estes dis-
corridos no Fluxograma 2:

240
Ciranda de Saberes

Fluxograma 2 – Segunda pesquisa

Fonte: elaborado pelo autor (2024)

Os dois artigos selecionados serão apresentados na próxima seção


para consubstanciar as informações encontradas pelas busca de produções.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir dos levantamentos realizados pela revisão sistemática, no-
tou-se que publicações que tratam dos aportes discorridos no perfilar da
pesquisa ainda são poucos no universo da pesquisa, demonstrando que o
presente estudo pode ser acrescentado no panorama atual das produções.
Desse modo, apresenta-se na tabela 1, os dados encontrados pelos
02 (dois) artigos:
Tabela 1 – Resultados
Base Autores Título
Sci- Montes LG, Rodrigues CIS, Aze- Avaliação do processo de
elo vedo GR. feedback para o ensino da prática
2018 de enfermagem
Sci- Pricinote SCMN et al. O significado do feedback: um olhar
elo de estudantes de medicina
2021
Fonte: Elaborado pelo autor (2024)

Ao iniciar as descrições pelo estudo desenvolvido de Montes, Ro-


drigues e Azevedo (2018), o enunciado evidencia que o feedback é um ins-
trumento da avaliação formativa, possui os atributos necessários para as-
segurar uma avaliação adequada, se bem utilizado, além de trabalhar as-
pectos socioemocionais, estimulando o aluno em receber informações po-
sitivas que estimulam o seu desenvolvimento no processo educativo.

241
Ciranda de Saberes

Essa atitude segundo autores se faz para romper a tácita dificul-


dade de comunicação que deveria ser reconhecida, enfrentada e trans-
posta, transformando uma análise mais superficial e negativa dos momen -
tos que os docentes realizam, pois trata de uma ação para analisar a atua-
ção do aluno por meio de reflexão crítica, propiciando desenvolvimen to
pleno de suas habilidades e de suas competências, rompendo com a pro-
posta de viabilizar a negatividade, e sim respeitando os aspectos psíquicos
pelas emoções.
Desse modo, uma das essências do feedback é ser específico, que
significa indicar claramente as ações e comportamentos nos quais o aluno
está tendo bom desempenho, que efetuou com qualidade e, também, aque-
les nos quais o aluno pode melhorar, aprimorar suas ações e habilidades
(Montes; Rodrigues; Azevedo, 2018).
Tão logo, na concepção dos autores ao realizar o feedback dessa
forma, acaba desmistificando uma função comumente destacada por pon-
tos negativos na atuação do aluno, esquecendo de apontar o que ele fez de
correto e bem feito, uma vez que a principal intencionalidade deste mo-
mento e criar o protagonismo do estudante e fundamentar os quatro pila-
res, especificamente o “aprender a ser” (grifo nosso).
Montes, Rodrigues e Azevedo (2018) sinalizam que ao pensar nas
questões de cunho psicológico na ação docente, foi evidenciado que o feed-
back traz muitos benefícios e vantagens, gerando pontos positivos, pois
melhora a ação do aluno, contribui para uma evolução e crescimento dele,
embora as docentes não se deem conta de que aprimora suas relações com
os aprendizes e transforma a construção do conhecimento em uma via de
mão dupla.
O segundo artigo foi escrito por Pricinote et al. (2021), no qual da
mesma forma que a produção anterior, traz aportes que permitem discutir
inicialmente a compreensão que o processo de aprendizagem é o modo
pelo qual os seres humanos adquirem novos conhecimentos, desenvolvem
competências e mudam o comportamento. Há aprendizados que podem
ser considerados natos, mas a maioria da aprendizagem se dá no meio so-
cial em que o indivíduo convive.
Ademais, acrescentam os autores que na área educacional, as téc-
nicas de ensino podem contribuir para o processo de aprendizagem, prin-
cipalmente vinculado às aprendizagens básicas: aprender a aprender,
aprender a fazer, aprender a ser e aprender a viver juntos (grifo
nosso).
Tão logo, na concepção dos autores o aprender a aprender relaci-
ona-se à competência de compreensão da informação, à assimilação, à in-
terpretação e ao modo de aplicação na prática, por meio do desenvolvi-
mento da habilidade de construção do conhecimento, qua ndo o sujeito
exerce um papel ativo na própria aprendizagem.
Nesse contexto de aprendizagem continuada, emerge a importân -
cia da prática constante do feedback enquanto informação específica sobre
a comparação entre a observação da performance ou do conhecimento de

242
Ciranda de Saberes

um aluno no desempenho de uma tarefa e o padrão desejado. Ele busca


aprimorar esse desempenho e reduzir a distância existente entre o ideal e
o real.
O feedback é considerado efetivo segundo quando Pricinote et al.
(2021, p. 2), “é capaz de gerar resultados, promovendo um desenvolvi-
mento positivo e desejável”. No processo de feedback ativo, ao professor
cabe o papel de facilitador (escolher a tarefa adequada, estabelecer padrões
desejados e auxiliar no processo da prática reflexiva), bem como ter a com-
preensão do processo, por ser um diálogo entre o provedor e o receptor,
importante em si, assegurando que a mensagem foi recebida, como foi in-
terpretada e como precisa ser contextualizada e colocada em prática em
nova oportunidade (Pricinote et al. 2021).
O segundo artigo, traz o delineamento específico da importância
de entender que o processo de aprendizagem ao ser evidenciado pelo feed-
back trabalhar as questões específicas para ampliar o empoderamen to
emocional do aluno, por isso quando o professor se utiliza de ferramenta s
que pensa nas dimensões do cognitivo, intelectual e socioemocional, veri-
fica-se que ocorre a motivação na fundamentação do protagonismo indivi-
dual, ao receber questões positivas.
Além disso, é conciliado todo o processo seguindo os quatro pilares
da educação que foram destacados durante as descrições dos autores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao chegar nos aportes finais, verifica-se que a aprendizagem ainda
é o percurso para trilhar a identidade social do cidadão, no qual a integra-
lização curricular permite referendar direitos e deveres. Nota-se que a as-
censão social se faz a partir de uma prática docente no qual o olhar psico-
lógico precisa ser inserido para garantir a formação de competências e ha-
bilidades deste sujeito para o exercício hodierno.
Dessa maneira, ao organizar o ensino, é salutar seguir as orienta -
ções dos quatro pilares da educação propostos por Jacques Delors (1996)
em "Educação: um tesouro a descobrir", que são: aprender a conhecer,
aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser. Esses pilares
visam uma formação completa do sujeito, abrangendo os campos cogni-
tivo, intelectual e socioemocional.
O pilar "aprender a conhecer" enfatiza a importância do desenvol-
vimento intelectual e cognitivo, proporcionando aos alunos as ferramenta s
necessárias para a construção do conhecimento e a compreensão crítica do
mundo ao seu redor. "Aprender a fazer" está relacionado à aplicação prá-
tica desse conhecimento, permitindo que os indivíduos se tornem compe-
tentes e criativos na resolução de problemas. "Aprender a viver juntos" pro-
move habilidades sociais e emocionais essenciais para a convivência har-
moniosa e a cooperação em sociedade. Por fim, "aprender a ser" foca no
desenvolvimento integral da personalidade, incentivando o autoconheci-
mento e o equilíbrio emocional.

243
Ciranda de Saberes

Dentro desse contexto, percebe-se que o feedback desempenha um


papel crucial, mesmo sendo uma ferramenta psicológica específica que
ajuda pessoas a internalizarem instruções estratégicas de resolução de pro-
blemas. Vygotsky (1934/2008) destacou a importância do feedback no de-
senvolvimento cognitivo e na aprendizagem, argumentando que a intera-
ção social e a mediação por adultos ou pares mais experientes são funda-
mentais para que as crianças avancem para níveis mais altos de pensa-
mento e compreensão. O feedback não apenas corrige erros, mas também
orienta o processo de reflexão e autocrítica, promovendo o desenvolvi-
mento metacognitivo e a autorregulação.
Bruner (1966) também ressaltou que o feedback é essencial para a
construção do conhecimento, pois facilita a descoberta guiada e a constru-
ção ativa de significados. Ao receber feedback, as crianças são encorajadas
a refletir sobre suas ações e estratégias, permitindo uma compreensão mais
profunda e a internalização de habilidades cognitivas e socioemocionais.
Portanto, ao integrar os quatro pilares da educação com a prática
do feedback, criamos um ambiente de aprendizagem que não apenas me-
lhora o desempenho acadêmico, mas também promove o desenvolvimen to
integral dos alunos. Isso prepara os indivíduos para enfrentarem os desa-
fios do mundo moderno com competência intelectual, habilidades práticas,
capacidades sociais e equilíbrio emocional, conforme defendido por De-
lors, Vygotsky e Bruner. A combinação dessas abordagens cria uma base
sólida para a formação de cidadãos completos e conscientes, capazes de
contribuir de forma significativa para a sociedade.
Além disso, ao efetivar as buscas para estruturação dos resultados
pela revisão sistemática, percebeu-se que existe um número insuficiente de
produções que discutem sobre o objeto temático em tempos contemporâ -
neos em conformidade com o recorte analisado.
Nesse sentido, pode-se contextualizar um ineditismo da pesquisa,
uma vez que é primordial inserir nos debates científicos a relevância social e
científica do respectivo estudo para professores, alunos e profissionais de to-
das as áreas do conhecimento na tratativa de municiar um diálogo da impor-
tância primeiramente dos quatros pilares no processo de aprendizagem,
bem como um olhar envolto as ferramentas psicológicas para delinear o ser
humano em sua totalidade, pois é formado por uma dimensão emocional
que se comunica com todos os momentos vivenciados em sua trajetória.
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ÍNDICE REMISSIVO

currículo, 64, 70, 76, 78, 79,


A 80, 83, 86, 87, 132, 158, 189,
201
adolescência, 11, 18, 133, 141
Agostinho, 23, 24, 25, 26, 27,
D
28, 29, 30, 31, 32, 33
alfabetização, 166, 169, 171 dados, 2
algoritmos, 189 depressão, 49, 50, 51, 157, 162
ambiente escolar, 41, 73, 76, desenvolvimento, 11, 14, 15,
77, 78, 83, 85, 154, 177, 178, 16, 17, 18, 19, 20, 39, 46, 47,
190, 200, 201 48, 49, 50, 52, 53, 57, 58, 59,
ansiedade, 49, 50, 51, 133 60, 61, 62, 71, 76, 78, 79, 84,
aprendizagem, 7, 11, 15, 18, 95, 101, 113, 123, 134, 135,
20, 21, 46, 51, 65, 67, 69, 71, 140, 141, 142, 143, 144, 146,
72, 77, 79, 81, 84, 85, 131, 132, 149, 150, 151, 155, 156, 160,
133, 134, 135, 136, 141, 143, 161, 162, 169, 170, 172, 173,
144, 146, 148, 149, 150, 151, 176, 178, 180, 182, 184, 187,
152, 153, 154, 155, 156, 157, 189, 192, 204, 209, 210, 211,
158, 176, 177, 179, 182, 183, 219, 220, 226
184, 185, 188, 189, 190, 191, Diálogo, 3
192, 196, 201, 203, 210 direitos, 2
atividade física, 11, 15 direitos humanos, 97, 106,
autoestima, 79, 155, 200, 201 113, 114, 115, 227

B E
bem-estar, 52, 123, 162 educação, 22, 50, 55, 59, 60,
Brasil, 4 61, 62, 64, 65, 66, 67, 68, 70,
bullying, 80, 187, 191, 193, 201 75, 77, 78, 79, 80, 81, 83, 85,
86, 87, 123, 130, 132, 133, 134,
C 135, 136, 138, 139, 140, 144,
145, 146, 147, 148, 149, 154,
campo, 55, 56, 58, 73, 78, 150, 155, 156, 157, 160, 161, 164,
151, 152, 161, 163, 191, 202,
165, 166, 169, 171, 172, 174,
211, 212, 226
176, 177, 178, 179, 181, 183,
celular, 67, 207, 208 184, 185, 186, 190, 191, 201,
cidadania, 165, 179, 190, 226 202, 203, 206, 227
cognição, 51, 135, 150, 153 ensino fundamental, 11, 53,
conceitual, 2 179
conteúdo, 2
Ensino Religioso, 23, 25, 29,
cuidado, 2
30, 32, 33
cultura escolar, 165 ensino superior, 135, 143, 144

247
Ciranda de Saberes

escola, 56, 57, 60, 65, 66, 67, integral, 67, 68, 69, 73, 76, 79,
68, 69, 70, 71, 73, 74, 80, 130, 99, 115, 133, 141, 143, 145, 146,
133, 135, 136, 137, 138, 140, 169, 184
141, 147, 149, 150, 151, 152, inteligência artificial, 104,
153, 154, 155, 156, 157, 158, 123, 184, 196, 208
164, 165, 167, 171, 174, 176,
178, 179, 184, 185, 186, 187, J
190, 191, 193, 195, 196, 203,
juventude, 171
210
estratégias, 20, 41, 43, 48, 60,
61, 62, 102, 104, 105, 117, 138, M
144, 152, 182, 183, 184, 187, mediação pedagógica, 185
205, 220, 227 memória, 8, 51, 147, 161, 174,
estresse, 17, 47, 50, 52, 118, 219, 227
119, 122, 124 mental, 11, 51, 66, 109, 111,
estudantes, 66, 78, 79, 80, 81, 117, 118, 119, 121, 126, 128
83, 85, 130, 131, 132, 133, 134, metodologia, 57, 77, 79, 84,
135, 136, 137, 138, 139, 140, 85, 110, 151, 152, 179, 182, 183,
141, 143, 144, 146, 148, 176, 190, 191, 203, 204
177, 178, 179, 180, 181, 182, música, 8, 64, 76, 77, 78, 79,
183, 184, 188, 189, 190, 191, 80, 81, 83, 84, 85, 86, 87, 207
192, 193, 195, 196, 197, 199, musical, 76, 78, 79, 80, 81, 83,
200, 201 84, 85, 86, 87, 140

F N
Filosofia, 23, 33, 62, 64, 160, normas, 2
164, 167, 228
formação continuada, 177 P
formação de professores, 86,
177, 202 pandemia, 179, 186
participação, 18, 19, 20, 55,
I 117, 119, 121, 123, 124, 153,
154, 155, 156, 168, 169, 172,
ideias, 2 174, 176, 178, 179, 195, 200
inclusão, 2, 17, 36, 41, 47, 76, pedagogia, 8, 12, 19, 20, 22,
78, 80, 81, 86, 98, 99, 130, 53, 56, 60, 68, 74, 149, 150,
131, 137, 140, 148, 176, 178, 161, 168, 170, 171, 172, 174, 191
179, 180, 181, 182, 183, 184, pedagógicas, 9, 55, 56, 60, 61,
185, 191, 192, 203, 209, 210 62, 79, 83, 87, 130, 132, 144,
inclusiva, 77, 130, 131, 132, 158, 165, 176, 178, 182, 190,
133, 137, 138, 139, 140, 144, 204
145, 146, 148, 176, 177, 179, processo, 2, 4
184, 185, 186, 190, 203 professor, 11, 12, 19, 20, 60,
infantil, 7, 8, 15, 16, 18, 19, 20, 61, 64, 67, 80, 150, 154, 155,
22, 55, 57, 177

248
Ciranda de Saberes

157, 160, 176, 177, 184, 185, segurança, 93, 94, 95, 101,
190, 191, 195, 203, 210 102, 103, 104, 109, 110, 111,
protagonismo, 83 112, 113, 114, 115, 116, 117, 118,
psicologia, 22, 47, 48, 49, 51, 120, 123, 124, 126, 128
52, 53, 55, 57, 58, 59, 122, 149, sistema, 2
150, 157 sociedade, 12, 13, 15, 21, 65,
pública, 8, 35, 38, 43, 97, 106, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 74, 79,
109, 110, 111, 112, 113, 114, 116, 81, 95, 112, 119, 131, 132, 144,
117, 118, 119, 120, 124, 126, 146, 149, 150, 151, 153, 154,
127, 128, 129, 153, 185, 187, 155, 158, 161, 162, 163, 168,
190 171, 172, 173, 176, 178, 190,
192, 214, 219, 228
R Solilóquios, 23, 24, 25, 27, 29,
30, 32, 33
recuperação, 2
sono, 46, 48, 51, 53
redes sociais, 9, 67 subjetividade, 117, 122, 124,
relações interpessoais, 65, 141 150, 202
representatividade, 42, 110 sustentabilidade, 93, 96, 104,
resiliência, 143 227
responsabilidade, 2
Revisão, 4
T
riscos, 12, 17, 18, 42, 100, 113,
119, 120, 125 técnica, 2
trabalho docente, 176, 177
S transtornos mentais, 49, 50
saúde, 8, 14, 34, 35, 36, 38,
V
39, 41, 42, 43, 48, 51, 52, 62,
66, 67, 109, 110, 111, 116, 117, violência, 109, 111, 113, 115,
121, 123, 124, 134, 179, 185, 116, 119, 121, 130, 142, 143,
227 215, 222

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