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Caderno de Antropologia - Luciano Nuzzo

O documento aborda a relação entre discurso jurídico, poder e crítica, destacando que o poder não se limita ao Estado e à lei, mas é uma rede que produz normalização e controle. A análise crítica do direito é fundamentada na ideia de crise e crítica, explorando a interconexão entre saber e poder, conforme discutido por pensadores como Foucault e Nietzsche. A metodologia de genealogia do poder é apresentada como uma forma de investigar a constituição histórica do sujeito do conhecimento e a relação entre discurso e práticas sociais.

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Caderno de Antropologia - Luciano Nuzzo

O documento aborda a relação entre discurso jurídico, poder e crítica, destacando que o poder não se limita ao Estado e à lei, mas é uma rede que produz normalização e controle. A análise crítica do direito é fundamentada na ideia de crise e crítica, explorando a interconexão entre saber e poder, conforme discutido por pensadores como Foucault e Nietzsche. A metodologia de genealogia do poder é apresentada como uma forma de investigar a constituição histórica do sujeito do conhecimento e a relação entre discurso e práticas sociais.

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UFRJ - Faculdade Nacional de Direito

Professor: Luciano Nuzzo


Alunos: Liandra e Luciano

Unidade I
Aula 01 (25/08) - apresentação do curso + discurso jurídico entre saber e poder
(semana 1)

Pode-se dizer que o discurso jurídico moderno, pensa e descreve o poder nos termos
negativos da lei, sendo o poder o poder do soberano de produzir a lei. A lei se manifesta
no poder de dizer não, de vetar algo.
• Entretanto, o que aparece, segundo uma linha de pensamento que atravessa Max;
Nietzsche, Weber e Foucault, é que o poder não pode se identificar apenas com o
estado e a Lei. O poder é horizontal, funciona através de redes que produzem
desejos, sujeitos e objetos; seria um poder positivo que produz normalização e
controle.
• Aqueles discursos e dispositivos que operam nos remetem a uma antropologia que
está na base do discurso e dispositivo jurídico moderno e do sujeito humano
universal, pensado como e livre e igual. Mas este homem é na verdade o indivíduo
burguês, branco, colonizador e proprietário.

Aula 02 (27/08) - Para uma sociologia crítica do direito (semana 1)


Crise e crítica
Essas são duas palavras importantes, de origem grega e que são muito atuais. O
professor defende a tese que pode-se entender a atualidade só como crise e crítica, melhor
dizendo, é como se crise e crítica constituem dois lados que ao mesmo tempo são
complementares e contraditórios do presente.
Tanto a palavra crise quanto a palavra crítica, derivam do verbo grego "krinein".
Essa palavra significa separar, dividir mas também lutar, combater.
Crise é um conceito fundamental na língua grega, pois aparece em muitas esferas
do conhecimento. Na medicina, por exemplo, em Hipócrates crise indica o momento
agudo de uma doença ou o momento de luta entre a vida e a morte. Já na política, por
exemplo, no texto “A política” de Aristóteles, indica o momento decisivo no qual a
comunidade política está na frente de um perigo e deve tomar decisões urgentes para
enfrentar o perigo que a vida da comunidade. Nesse sentido, se tem um perigo e a
necessidade/urgência de decidir para responder a esta ameaça da vida da comunidade
política.
Na teologia cristã a crise indica o momento no qual se aproxima o julgamento
divino do comportamento humano para que se a decisão de quem será salvo, e quem será
condenado à danação eterna. A crise indica exatamente esse momento decisivo para cada
pessoa. O sentido da palavra crise consistia na compreensão da brevidade no tempo, isto
significa a perssessão de uma situação como incerta e perigosa e a perssessão da
necessidade de prevenir, a fim obter a salvação. A crise, portanto, nos remete a um perigo
que deve ser enfrentado rapidamente/urgentemente, assim, crise nos remete a necessidade
de decisão.
Em 1936 (momento decisivo para Eropa. Guerra civil na Espanha é determinante
para entender a 2ª Guerra mundial e o fascismo), uma importante filósofo alemão,
Husserl, escreveu o texto “A crise da ciência europeia”. Para explicar o sentido da palavra
crise ele usa uma palavra alemã “sauberugo???” que pode ser traduzida como desencanto
ou tirar o ver que cobre a visão do mundo. O sauberugo?? é construída sobre duas
palavras: ver de ilusão (necessidade de tirar esse vê-lo para entender o que está
acontecendo realmente). Percebe-se que há um momento político decisivo para o mundo
todo.
Durkheim Adorno em 1944 escreveu o texto “A dialética do iluminismo”. No qual
é dito que a razão e o projeto de nacionalização do mundo, não traz , necessariamente,
emancipação; direitos e progresso como acreditava o iluminismo. Entretanto, trouxe
também violencia, alienação, exploração e guerras. Nação e poder não são inimigos, mas
aliados a racionalização maximiza os efeitos do poder.
Para Husserl, em sauberugo, a desmitificação do mundo nos fala em ambiguidade
da razão moderna e do seu projeto de emancipação. No entanto, a crítica de Husserl não
chega a colocar em discussão radicalmente a razão do seu projeto, mas se trata da traição
do logos da razão ocidental. Portanto, o diagnóstico da crise deve permitir uma
recuperação do sentido original do logos e da capacidade do sujeito humano de fundar
ordem e progresso.
Para entender a problematicidade da ideia da razão moderna, e a relação desta com
o poder moderno, deve-se apresentar a ideia de outro pensador. Em 1940, 4 anos depois
do texto que Husserl escreve, o professor alemão Walter Benjamin está fugindo da
persseguissão nazifacista. Sendo ele um intelectual de origem judaica e de orientação
marxista, que durante a fuga; entre a Espanha e França, escreveu a “Tese sobre o conceito
de história”. Diante da crise do estado liberal e do avanço do estado totalitário, não se
acreditava mais que, na tese de Husserl, se devia recuperar o sentido da razão ocidental
em sentido que tinha uma origem nobre e grega, mas trata-se de se libertar,
definitivamente, de uma ideia que era comprometida com um projeto violento de
civilização.
Walter Benjamin na sétima tese sobre a filosofia da história, escreveu “todos que
até hoje venceram, participam do cortejo triunfal que os dominadores de hoje espezinham
os corpos dos que estão postados no chão. Os despojos são carregados no cortejo, como
de praxe.” Esses despojos são como chamamos de bens culturais. Um materialista
histórico os contempla, com distanciamento, pois todos os bens culturais que ele vê tem
origem no qual ele não pode refletir sem horror. Deve a sua existência, não somente ao
esforço dos grandes gênios que os criaram, como a correia anônima dos seus
contemporâneos. Nunca houve um momento da cultura que não fosse também um
monumento da barbárie, e como a cultura não é isenta de barbárie não é tão pouco sem o
processo de transmissão da cultura. Por isso, na medida do possível, um materialista
histórico se desvia dela, considerando sua tarefa estudar a história a controbelo??.
Diante da barbárie do colonialismo; do facismo a crítica deve ser radical. Deve
ser na altura do desafio que tem pela frente, ou seja, não pode a crítica pensar que o
fascismo e o nazismo é uma exceção/ um acidente no percurso da razão e do processo de
civilização moderno. O fascismo é um produto da modernidade, da racionalização e
civilização moderna, não sendo negações da modernidade.
Hannah arendt, dizia que aussicht não podia ser compreendido sem fazer
referências aos dispositivos tipicamente modernos, como, por exemplo, a fábrica, a
exploração capitalista do trabalho, a burocracia moderno e etc. Não pode considerar
aussicht sem considerar como um projeto moderno, de controlar e governar o mundo,
através da técnica da ciência, tinha um próprio coração trevas. Nesse sentido, o
colonialismo e as práticas de exploração dos recursos naturais e humanos de controle
violento da população que vivia nas colônias. Então, não pode-se considerar o processo
de civilização moderno sem pensar neste coração de trevas do processo de civilização. A
crítica não deve apenas entender a relação de cultura de barbárie, mas também deve
entender como o processo de transmissão da cultura não isento da barbárie. A história que
nos é contada é a dos vencedores, mas se refletir sobre a origem dos seus monumentos
não podemos refletir sem horror, pois é uma origem violenta.
Se tem duas questões metodológicas hiper relevantes. A primeira consiste que a
crítica consiste na prática de escovar a história a controbelo. Retomando a ideia de
nietzsche sobre a história real, a genealogia histórica dos discursos só deve ser capaz de
mostrar a dimensão política dos fatos de conhecimento do mesmo sujeito do
conhecimento. A segunda é que para a crítica ser não ser ingênua, tem que ser reflexiva,
problematizar as condições de observação, ou seja, estamos sempre presos dentro de um
discurso, um modelo social que nos determina , assim sempre temos que questionar o
nosso lugar de fala.
O crítico não está fora do mundo. Ele é também fala dentro do discurso, das
condições de possibilidade que aquele discurso permite. Ele não está descrevendo
objetivamente o mundo, pois está sempre envolvido em uma perspectiva em um discurso
que lhe permite falar/pensar com determinadas categorias. Walter Benjamin fala que
temos que se distanciar do processo de transmissão cultural para entender o quanto ele é
comprometido com o poder. Assim, temos que problematizar a nossa própria posição de
sujeito crítico, pois o sujeito mesmo é construído, ou seja, o sujeito é construído pelas
condições culturais nas quais é jogado. Isso significa que nossa experiência no mundo é
mediada pela cultura do discurso, pelo que dizia foucault, o discurso e a cultura indicam
as condições históricas nas quais somos sujeitos.
Conclui-se: se usamos essa reflexão do pensamento crítico do século XX,
podemos entender melhor a crise do discurso jurídico, ou seja, essa concessão da
crise/crítica nos permite entender a crise do saber sobre o direito e também nos permite
entender a relação entre esse saber jurídico positivista e o funcionamento dos dispositivos
do poder.

Análise do texto de Foucault


Foucault diz que para compreender uma formação histórica do saber e as práticas
jurídicas podem ser mais importantes que os discursos científicos e filosóficos.
Na página 11 do texto Foucault fala: “pareceu-me que entre as práticas sociais,
em que a análise de localizar emergência e novas formas de subjetividade, as práticas
jurídicas; mais precisamente das práticas judiciárias, estão entre as mais importantes.”
Foucault, em uma conferência no RJ, explica que essa nova metodologia será muito
importante para os estudos dos críticos.
Foucault parte, nesse texto, da hipótese que o racionalismo é uma expressão da
vontade de dominação através da técnica. As ciências humanas e sociais que nascem a
partir do século XIX são centrais para desenvolver este projeto de assujeitamento, ou seja,
o saber não independente do poder, mas saber e poder são aliados. O poder precisa de um
discurso de verdade e o saberes (discursos de verdade) produzem efeitos de poder. Tal
hipótese orienta toda uma série de pesquisas que Foucault desenvolverá sobre o
funcionamento do concreto dos dispositivos de poder, e sobre a relação circular de saber
e poder.
A metodologia que permite pesquisar a entender essa relação entre saber e poder,
Foucault a define como genealogia do poder. Ele está se referindo a Nietzsche, na ideia
sobre a qual se funda a genealogia é iniciada nas primeiras páginas. O ambiente
institucional no qual os estudos são produzidos e opera, transformam os fatos linguísticos
em práticas sociais capazes de condicionar a vida real e produzir efeitos específicos de
poder.
Essa metodologia de pesquisa, chama de genealogia por Foucault, se apoia em
três argumentos:
1. As formas de saber se formam a partir das práticas sociais: isso quer dizer que
as práticas sociais determinam não só novos saberes, mas também novos sujeitos,
e o próprio sujeito do conhecimento tem uma história. Foucault em 1966 escreve
“ A palavra e as coisas”, e no final diz que o homem é uma invenção bastante
recente, isto é, o homem como condição e objeto do conhecimento é uma
invenção recente da modernidade. Nesse sentido, o sujeito do conhecimento, que
Kant pensa universal, para Foucault é constituído das sociais, ou seja, (pag. 8) o
sujeito moderno não é uma invenção da filosofia mas sim produzido e constituído
pelas práticas sociais.
1. EX: O sujeito racional de Descartes pensa o sujeito como universal,
racional e pensante. Entretanto, esse sujeito da racionalidade tem que-se
excluir a loucura. Mas descartes pode pensar o sujeito como racional, pois
no século XVII se tem mecanismos/práticas sociais que determinam a
exclusão da loucura (textos dessa época diziam que loucos deviam ser
retirados sa sociedade e colocados em um espaço fechado).
2. EX2: O sujeito normal só pode ser pensado no século XVIII e XIX, pois
se tinha dispositivos disciplinares que constroem a normalidade do sujeito
através de um controle dos corpos dos indivíduos.
2. O discurso não implica em relações de poder: segundo Foucault os fatos
linguísticos não podem ser compreendidos só do ponto de vista da regra da
linguagem, mas devem ser analisados como estratégias de ação e reação. O
discurso é um conjunto de fatos linguísticos que funcionam segundo um conjunto
de regras gramaticais sintáticas, mas por outro lado esses fatos linguísticos operam
e produzem efeitos dentro do seu contexto institucional. E que são compreendidos
dentro de um significado em relação ao contexto específico de uso, portanto o
discurso é um conjunto de fatos linguísticos de um determinado nível, polêmicos
e estratégico modo.
Foucault reformula a análise do discurso, dizendo que não tem uma separação
entre discurso e realidade, pois o discurso já é realidade e a ação imanente que
produz efeitos reais. Assim, o discurso não é aquele simplesmente que traduz os
sistemas de dominação como pensa o marxismo acadêmico, mas o discurso para
o que é aquilo através do que se luta, e o discurso é poder que se quer conquistar.
3. Reelaboração da teoria do sujeito moderno: Foucault quer questionar o
elemento central do pensamento moderno, isto é, a centralidade do sujeito.
Para o pensamento moderno de Descartes a Husserl, o sujeito é a condição de
possibilidade do conhecimento e da verdade.
Já Kant nos diz que o sujeito é condição transcendental, ou seja, tem que pressupor
a existência do sujeito para poder pensar o conhecimento e a verdade. Ainda,
segundo ele, o mundo não se oferece ao sujeito como entidade ordenada e
objetiva, mas é o sujeito que ordena o mundo com a própria razão.
Agora Foucault, através de nietzsche e de uma reflexão do século XX, visa
desconstruir radicalmente esse sujeito universal abstrato da tradição filosófica e
metafísica moderna. A questão é se pesquisar como se constitui através da história
este sujeito, ou seja, este sujeito não é condição transcendental (razão universal),
como pensa kant, mas esse sujeito e sua razão se constituem na história.

Agora pode-se definir a genealogia do poder como uma metodologia de pesquisa


que visa a indagar a constituição histórica de um sujeito de conhecimento, através de um
discurso tomado como um conjunto de estratégias que fazem parte de práticas sociais.

Centralidade da importância do pensamento de nietzsche para ideia de genealogía


A relação entre saber e poder, a dimensão política do discurso e a dimensão
histórica do sujeito do conhecimento nos leva a entender porque Nietzsche é central na
pesquisa de Foucault.
Na “Verdade e as formas jurídicas”; P.13 de Foucault, demonstra que nietzsche
produz uma dupla ruptura com a tradição metafísica moderna em relação a natureza do
conhecimento.
A primeira ruptura com a metafísica ocidental pertence a relação entre o
conhecimento e o mundo. Para tradição metafísica entre o conhecimento e o mundo existe
uma conexão, isto é, o mundo é algo que pode ser conhecido porque possui uma
racionalidade imanente e assim o conhecimento humano pode conhecer o mundo na sua
realidade, pois o logos(razão) é imanente à natureza humana.
No texto de Nietzsche “A Gaia..” P. 109., diz que o conhecimento pode ser espelho
verídico da realidade e somente temos garantias da condição entre o conhecimento
humano mundo, ou seja, uma referência transcendental que não se assegura sobre a
possibilidade do homem conhecer o mundo e de o mundo ser conhecido pelo homem. Em
outras palavras só se acreditamos em Deus.
Foucault escreve na p. 18 do texto, o que efetivamente na filosofia ocidental
assegurava que as coisas a conhecer e o próprio conhecimento estão em uma relação de
continuidade. O que assegurava o conhecimento de conhecer bem as coisas do mundo e
de não ser indefinitivamente erro, ilusão, arbitrariedade era Deus.
A segunda ruptura que Nietzsche opera pertence a relação entre conhecimento
e a natureza humana. Para a tradição filosófica antiga e moderna o conhecimento é algo
natural e um instinto próprio da natureza humana o homem é a o mesmo tempo natureza
e cultura.
Corpo e anima, nos diz aristóteles em um primeiro livro de “ A política”, com a
expressão “ao homem pertence a razão” , que o homem é o único ente que participa da
natureza através da razão e, portanto, a razão é natural.
Destoando da tradição filosófica, Nietzsche nos diz que a razão não é natural, a
humanidade é uma espécie natural entre outras. Pode-se perceber a radicalidade deste
pensamento antimetafísico que está destruindo toda uma tradição metafísica teológica do
pensamento ocidental. Uma vez que o Copérnico demonstrou que humanidade não está
no centro do universo, uma tese que é contada em toda espécie vivente., com Nietzsche
perde justificação e fundamento metaempírico.
Para Nietzsche o conhecimento não é algo natural , mas é algo que é produzido
por uma luta entre os instintos. O conhecimento é determinado pela vontade de dominar
as coisas do mundo. Nesse sentido, esse sujeito ,que é invenção da filosofia moderna, não
existe mais. Foucault escreve nas págs. 19 e 20 do texto sobre essa tese de Nietzsche.
Conclui-se: para Foucault, Nietzsche nos permite entender que se realmente
quisermos compreender o conhecimento, devemos compreender quais são as relações de
luta e de poder. E somente nessas relações que compreendemos no que consiste o
conhecimento. Nietzsche inaugura uma história política do conhecimento.
Outra questão importante para nós pensarmos na possibilidade de uma crítica auto
reflexiva, é problematização universal e objetivante do conhecimento. O conhecimento
não é necessário, pois não pertence a natureza humana e porque não algum Deus para
fundar a relação com o mundo para conhecer. Isto significa que o conhecimento é
contingente, é um evento e não é universal, mas pertence a ordem do acontecimento.
Pode-se dizer, então, que o conhecimento é uma interação entre duas realidades espaço
temporais (o indivíduo e seu ambiente.
Agora pode-se entender o que significa o conhecimento como perspectivismo.
Perspectivismo não significa reconhecer como acontece na filosofia de Kant, no qual o
conhecimento humano é limitado.
Nietzsche com perspectivismo quer dizer que o conhecimento é sempre uma
relação estratégica em que o homem é situado. Então o caráter perspectivo do
conhecimento não deriva da natureza humana, mas sempre do caráter estratégico e
polêmico do conhecimento. Foucault diz isso na pág 25 do texto.
A questão do conhecimento é importante, pois essa nova ideia do conhecimento
nos permite pensar uma sociologia crítica. E essa sociologia crítica significa reconhecer
o caráter perspectivo do conhecimento. Foucault diz que o conhecimento implica em uma
posição estratégica e que ele acontece porque há batalhas.
A segunda questão importante, é que para se pensar em uma sociologia crítica do
direito ela deve ser reflexiva e tomar distância desse processo de transmissão cultural no
qual se falava na tese 7 da filosofia da história.
Essa questão do conhecimento na análise de Foucault e Nietzsche é importante
pois permite a ideia de discurso jurídico moderno. A sua pretensa neutralidade,
objetividade se manifesta no saber jurídico do jurista (que parte da ideia de que o direito
é um fato, mas atribui nesta fato um valor para ser fato que é o direito positivado). O
pensamento sociológico crítico deve questionar quais são as condições que permite a
produção deste fato. Assim, Foucault e Nietzsche podem ser assumidos como os
pensadores que nos permitem elaborar e pensar uma sociologia crítica do direito, e a partir
de agora, com essas premissas, pode-se analisar o discurso jurídico moderno.

Unidade II
Aula 03 (01/09) - O direito moderno e a construção da ordem social (semana 2)

Essa unidade tem o objetivo de apresentar o núcleo teórico, jurídico e político em


torno do qual foi construído o discurso da modernidade. Quer se analisar criticamente
esse discurso e os dispositivos com os quais ele torna-se operativo.
Trata-se de um discurso complexo que vai se envolvendo em um arco temporal
bastante longo (da metade do século XVII até o final do século XIX). A partir do século
XVII começa um processo definido como processo de diferenciação social, no qual é
determinado por uma multiplicidade de fatores sociopolíticos e socioeconômicos que
permitem a política de se diferenciar da religião, de se autodescrever como ciência da
construção racional da ordem social. Nesse sentido, o direito permite se autonomizar de
referencias externas, como o direito divino, o direito canônico e o direito natural, de modo
que o único direito será o positivo, Isto é, o direito posto pela autoridade política.
O processo acima é lento, terminando com a positivação do direito público e
privado no final do século XVII e começo do século XIX. Esta dupla diferenciação da
política e do direito, de um fundamento transcendental, permite pensar a política fundada
sobre o direito, ou seja, a autoridade é política e legítima quando é autorizada pelo direito.
Assim, permite pensar o direito fundado na decisão política do soberano, ou seja, o direito
é a expressão da vontade do soberano, e esta se manifesta na forma da lei.
Entre o fim do século XVIII e começo do século XIX realiza-se a positivação do
direito público e privado, entre estado e direito estabiliza-se uma relação circular. O
estado produz o direito, e esse direito produzido pelo estado legitima o estado como
estado-direito. A lei absorve cada dimensão do direito nessa representação do discurso
jurídico da modernidade e a política se resolve completamente na figura do estado
territorial, esta, que no final do século XVIII se configura como estado nacional.
Em outras linhas, a lei é igual ao direito e a política é igual ao estado. Se tem
algumas consequência dessa modalidade de pensar que começa com o pensamento
jusracionalista no século XVII, Como:
1. O direito é pensado como instrumento técnico: portanto, instrumento apolítico de
neutralização do conflito entre os indivíduos.
2. A política é o espaço pacificado, isto é, o conflito foi neutralizado através do
direito e delimitado pelas fronteiras estatais.
3. O direito é a negação da violência: o direito neutraliza a violência individual
através da inclusão da violência na ordem do direito como legítima, ou seja, a
única violência permitida é a do estado.
4. O direito funda o monopólio legítimo: O estado é o único sujeito político que
detém o direito do uso da violência, mas nos limites estabelecidos pelo próprio
direito.

Modernidade como crise e como crítica


O professor começa a aula com 2 proposições.
“Silete teologi in munere alieno” (Alberico Gentilili). “calam-se teórico, porque
vocês não são competentes”. Os teóricos não são competentes em questões que pertencem
a política moderna. Esse autor está colocando uma questão fundamental, que é a
modernidade sendo crise dos valores tradicionais e como o processo de diferenciação
entre a política e a religião/ entre o direito e a religião.
“Deus é morto” (nietzsche). Ele quer dizer que os valores tradicionais são
superados, poiis eles não mais orientar o mundo, de julgar os comportamentos dos outros.

Modernidade como desencanto


Desencanto significa desdivinização do mundo, ou seja, Deus só pode sobreviver
desaparecendo.
Passagem da Veritas (verdade) a auctoritas (decisão política): a política não deve
mais se fundar na verdade, ou seja, em princípios incontroversos, mas sim na auctoritas,
ou seja, na autorização no consenso.
Passagem da argumentação religiosa a matemática e a ciência da natureza: o saber
político deve tornar-se ciência, segundo os novos cânones da ciência Galileana.
A modernidade pode ser entendida como secularização das categorias políticas e
jurídicas modernas e dos valores tradicionais. Secularização significa que as categorias
religiosas se transformam produzindo um deslocamento do sagrado ao secular. Max
Weber, retomando uma ideia de Nietzsche; segundo a qual a modernidade se manifesta
com a morte de Deus, afirma que a secularização consiste em uma descristianização
(eliminação do sacro, ou seja deus desaparecer) do mundo.

Modernidade como neutralização

A partir dessas considerações no slide


pode-se entender um outro e
complementar significado de
secularização, a secularização como
neutralização.
A única via para resolver o
problema das guerras dos conflitos
religiosos era construir uma ordem
social que fosse fundada sobre um método argumentativo racional. E a argumentação
religiosa deveria ser substituída pela matemática e pela ciência natural, a fim de construir
um espaço político neutralizado (espaço físico onde a vida não fosse ameaçada pelas
condições religiosas).

Através dessas categorias pode-se


entender a diferença entre, um modelo
antigo pré moderno do poder estado e
um modelo moderno do poder do
estado e do dire

Modelo Teleológico Medieval

Pode-se dizer que nesse modelo o horizonte é a necessidade. Se tem um problema que é
a mediação entre a transcendência e a imanência.
Esse problema acima vai ser solucionado politicamente, império sacro romano, e
a solução teológica/religiosa é através do Papa e a igreja católica.
O que quer dizer necessidade? A ordem é natural, essa afirmação é encontrada no
primeiro livro “A política” de Aristóteles e tem como consequência que cada entidade é
como é por natureza, e não pode ser diferente como é. Isto significa, que a diferença entre
os homens são naturais, assim, a ordem política deve reproduzir as diferenças naturais.
Nesse sentido, há uma diferença natural entre homem e mulher, sendo assim a ordem
política, para Aristóteles, deve reproduzir essas diferenças naturais.

Problema da Transcendência/Imanência:

Solução para o problema teleológico:


Para resolver o problema entre Deus e o mundo, tem que acontecer uma mediação.
E quem vai mediar o problema entre a transcendência e imanência é Cristo. Cristo é Deus
que se torna homem, sendo ele a auto mediação da transcendência que se torna imanente.
O sacrifício de cristo permite a constituição da igreja como unidade de fiéis.
O Papa é o representante de cristo e assegura a mediação; a comunicação entre Deus
e os homens.

Solução para o problema Político:

A mediação política entre transcendência e imanência acontece através do papa e do


imperador. Isto quer dizer, que o Papa e o Imperador são, ao mesmo tempo, figuras
religiosas e políticas. O Papa tem um poder temporal, mas este está fundado em uma
dimensão religiosa.
O Imperador e o Papa são instrumentos da comunidade cristã na terra e o seu poder é
sagrado.
A Igreja e o Império são as duas autoridades que fundam a ordem teleológica-política
medieval.

Solução para o problema jurídico:

Tem-se uma lei divina, uma lei de


natureza e uma lei positiva. A lei
positiva deve ser fundada sobre a lei de
natureza e esta parte da lei divina que o
intelecto humano pode entender.
Para concluir o ponto de transcendência e imanência, o ponto de partida para
definição do novo método, para enfrentar a questão, e que ordem política no mundo
moderno não pode ser construída com referência à transcendência, ou seja, um conjunto
de princípio super trans-humanos.
A questão em jogo da ordem política pré-moderna não é mais a verdade e a justiça,
mas forma pelo quais os instrumentos são possível alcançar a segurança dos cidadãos. A
sociedade torna-se uma construção totalmente imanente, ou seja, os princípios da sua
constituição não são externos a sociedade, mas sim internos.
A partir desta base, é possível elaborar uma metodologia objetiva e neutra capaz
de indicar as regras necessárias para construção da ordem jurídica e política.

Esta imagem pode ser usada para


representar o modelo político pré moderno.
Aqui se tem três níveis, o primeiro (mais
alto) são as virtudes que inspiram o bom
governo teológicas (Fé,caridade e
esperança - Manifestações de Deus) o
saber divino. No segundo, ali no meio, se
tem as constituições da comunidade
(Justiça - que é inspirada pelo saber divino.
E no outro lado a justiça comutativa que está distribuindo os critérios de medida aos
comerciantes), as virtudes não teológicas (paz, fortaleza, prudência, governo da cidade,
generosidade, temperança e a justiça). E no nível mais baixo se tem a comunidade da
cidade e o exército. O bom governo se dá na coordenação dos três níveis.

Quando se tem um bom governo a cidade


funciona perfeitamente, sem conflitos e
com acordo entre as pessoas que vivem na
cidade.
O mau governo que é tirano representado no
centro do afresco como um monstro. A justiça ali embaixo está presa (não pode
funcionar, pois o tirano não aceita que ela funcione), se tem os vícios capitais (Avareza,
soberba e vaidade) ali em cima ao redor do tirano. No mesmo nível do tirado se tem a
crueldade, a fraude e a dinição??
Esta representação do Afresco, nos mostra como o modelo político e ao mesmo
tempo uma ordem teológica, e só pode funcionar na medida que as diferenças naturais
podem ser reproduzidas no nível político. Isto significa, que cada pessoa pode fazer aquilo
que por natureza é a sua tarefa (o comerciante deve ser o comerciante, o governador o
governador e etc.), e quando todos estiverem respeitando isso a política pode funcionar,
quando alguém não estiver agindo com as virtudes teológicas e não teleológicas (Atitudes
seculares) se terá um mau governo.

Crise Teleológica do modelo político medieval

É uma crise teleológica que se transborda


com a reforma evangélica de Lutero e com
as guerras religiosas. E uma crise política
que se dá com a queda do império romano
e formação do estado moderno.
Esta mediação, no nível teológico, é
posto em discussão com a reforma
protestante. Lutero recusa a reconhecer no
Papa a função de mediador entre a Terra e céu, afirmando que se tem uma relação direta
entre fiel e Deus.
O modelo político entra em crise quando o império sacroromano, centrado no
direito romano e canônico, acaba por começa a questionar a figura do imperador e Papa.
O horizonte no qual se apresenta o
problema da mediação entre
transcendência/imanência, é o da
contingência. Isso significa que a ordem
política não é natural (precisa ser
construída), mas sim o problema, pois se
tem as guerras e os conflitos produzidos
pela teologia e pela religião.
A partir do exposto acima, o problema
agora é como sair desse conflito político e construir uma ordem racional, na qual todos
os indivíduos; com suas orientações religiosas diferentes podem se encontrar.
A solução aqui não é mais o Cristo, o Papa ou o Imperador, mas sim o estado
territorial e a mediação através do sujeito racional.

Contingência quer dizer que não existe


uma ordem política natural. No primeiro
livro “A política” de Aristóteles, ele
pensava a ordem jurídica como natural, ou
seja, o homem é um animal político, logo,
a dimensão política está presente na
natureza humana e, portanto, a ordem
política é uma ordem natural que está
escrita na natureza humana.
Entretanto, contingência, nesse momento histórico; com as guerras religiosas; demonstra
que não existe uma ordem política natural. A ordem torna-se o problema, ela não está na
natureza, deve ser construída. A ordem é artificial, sendo algo que os indivíduos devem
construir.

Como se pode construir uma nova ordem


política, uma pluralidade de indivíduos
construir uma autoridade política que
permita aos indivíduos viver com segurança
? Ela deve ser construída através da razão,
que é o novo medium. E esta razão deve ser
realizada pelo sujeito, e este deve fazer com
a sua ação ordenante e projectante para
produzir a imagem racional do mundo.
Em 1644 Descartes, publica “As meditações filosóficas”. Hobbes, em 1651,
publica “ O leviatã”. Nesses dois textos, a figura central para construir a ordem racional
do mundo é o sujeito.
No caso de Descartes é o sujeito do conhecimento, que parte de si mesmo, do
próprio pensamento, ou seja, da consciência que o ser pensa “Penso, logo existo”.
Descartes disse que uma vez que a existência do sujeito é fundada, ontologicamente e
justificada, o sujeito torna-se missão transcendental para pensar a ordem.
No caso de Hobbes é o sujeito jurídico e político é o resultado da construção
racional do sujeito.
A consequência deles para o direito natural e positivo, são os significados: Recta
ratio (razão), natureza e a ordem.

A razão na modernidade tem um novo


significado no pensamento jurídico, político
e filosófico para os pensadores do século
XVII e XVIII.
A razão não indica mais a faculdade com
que aprendemos a verdade evidente dos
princípios primeiros, mas indica, agora, a
faculdade de raciocínio, de pensar. Razão é
uma ação instrumental, que através dpo
conhecimento do objeto, é capaz de escolher o instrumento/estratégia para alcançar o
escopo que se quer alcançar.

A ruptura da unidade teologicamente


vai determinar que a ordem política
não é natural, não tendo na natureza a
ordem social e política. Portanto, a
ordem não é o ponto de partida, mas o
ponto de chegada.
O problema é como construir
uma ordem artificial da coexistência
pacífica civil. Apesar das diferentes
posições, há um ponto em comum a todos os pensadores jusracionalistas: a natureza é a
ausência de ordem. Sendo a lei e o estado artificialidades necessárias para superar uma
condição de indiferenciação.
Nesse slide se tem a apresentação das diferenças entre o modelo antigo e o modelo
moderno.
No modelo medieval se tem um espectador, no sentido que a ordem é uma ordem
política, que é natural, ou seja, somos espectadores de uma ordem que já existe e a única
coisa que os indivíduos têm que fazer é observar e descobrir uma ordem que não aparece
e não é evidente, mas deve ser descoberta (temos que ser filósofos, mas essa ordem divina
já está presente no mundo, só tendo que descobri-lá/ o homem não cria nada, mas sim
Deus). Na modernidade se tem o ator, que é um sujeito que está construindo o próprio
destino com raciocínio/razão.
O horizonte é a necessidade no mundo medieval, isto é, a ordem é presente na
natureza e não podemos escolher nada, assim temos que nos entender a ordem do mundo.
Já no mundo moderno o horizonte é a contingência, isto é, as coisas podem ser diferentes
de como são , assim, as diferenças naturais não são determinantes e que a ordem política
não tem, necessariamente que reproduzir as diferenças naturais.
O modelo político medieval, tem uma concessão do tempo que é imovél. Isso se
dá, pois as mudanças não são possíveis, já tem uma ordem que já está na realidade das
coisas, assim, a temporalidade não pertence aos homens, mas sim uma dimensão
transcendente. Já no mundo moderno se tem a mobilidade, que se tem um conceito de
tempo que implica na transformação das coisas. A mobilidade é social, os homens podem
ser diferentes de como são.

Ciência política moderna

A situação é uma situação de


guerra/conflito. A questão é como sair desta
situação, e como fundar pressupostos para
uma convivência pacífica entre os
indivíduos? a resposta já figura um método
de pensamento. É necessário que os homens
sejam livres e iguais e sejam pensados a
partir de uma condição abstrata, em que as
diferenças naturais não contém mais.
Então a perspectiva moderna quebra
completamente a imagem da antropologia e da política aristotélica, na qual os indivíduos
são diferentes e a ordem política para ser tal deve manter as diferenças naturais. Já a
ordem política moderna é uma ordem artificial/construída e a racionalidade que funda
essa nova ordem política está sempre ameaçada.

1.A origem do estado é o estado de


natureza,
2.que é um estado não político e contra
político (na natureza não tem uma ordem
política, sendo política - construção
artificial da ordem - e natureza - ausência
de ordem- conceitos contrários.
4. liberdade e igualdade são as
condições naturais, nas quais se encontram
os indivíduos no estado de natureza, produzem o conflito. Isso se dá, pois não tem um
indivíduo mais forte que o outro, assim, não tem um grupo por natureza, que possam
governar sobre outros indivíduos. 8. Assim tem que se se construir uma autoridade
política artificial, para superar a situação de conflito na qual se encontram os homens,
isso se dá pela passagem do estado de natureza para o político por meio de acordo
voluntário.
Aula 04 - Direito e Estado (semana 2)
“O leviatã” foi publicado em 1651 em inglês. A publicação nessa língua foi
pensada por Hobbes para a construção do estado nacional territorial.

Esse slide representa a capa da primeira


edição do livro. Aqui, lá em cima, já pode
ser ler que não tem nenhuma autoridade na
terra que pode ser comparada ao poder
deste monstro, e assim se expressa Jó na
Bíblia. Aparece, também, um grande
homem composto por indivíduos iguais,
não mão direita uma espada (símbolo do
poder temporal) e com a esquerda o
pastoral (símbolo do poder religioso). Então, este homem grande está em posição de
proteção da cidade e do território que está ao redor dele.
A questão para Hobbes, é eliminar todos os poderes concorrentes dos poderes
estatais. O primeiro a ser eliminado é o poder temporal da Igreja católica.
Todas as representações do estado são grandes. No capítulo XVII Hobbes analisa
a origem do estado, que é um contrato através do do qual os indivíduos entram em acordo
para constituir uma pessoa jurídica, ou seja, uma pessoa artificial que possa representar;
de forma unitária; a multidão.
Pode-se ler na página 147 “A multidão unida em uma só pessoa, chama-se
República...”. Com esta imagem do grande homem Hobbes apresenta o estado, este para
ser tal deve ser constituído pela vontade de todos os indivíduos, mas ao mesmo tempo
deve transcender a singularidade dos indivíduos e concentrar o poder temporal e
espiritual.

Analisando mais analiticamente essa


imagem, pode se ver que o corpo deste
monstro é composto por indivíduos todos
iguais. Como a representação do bom
governo de Lorenzetti, no medievo, é a
imagem do bom poder. A capaz de Hobbes
pode ser pensada como a representação do
modelo político e jurídico moderno, ou
seja, a ideia desta imagem é que o poder do estado é constituído pelas vontades dos
indivíduos todos iguais.
A ordem moderna pode ser
construída, racionalmente, só na medida em
que pensamos a ordem como artificial. E
como construir essa ordem? para Hobbes é
a partir de uma análise da natureza
humana.
Então para Hobbes, que queria usar
a nova ciência que estava se formando no
final do século XVI, é necessário analisar analiticamente a natureza humana. Assim
encontra-se uma natureza uma composta por: Paixão e Razão.
Até aqui não se tem nada diferente no discurso de Hobbes. Até Aristóteles já dizia
que a natureza humana por um lado era composta por razão e por outro por paixão. A
novidade no discurso Hobbesiano é que a natureza humana determina a igualdade dos
indivíduos, que são livre e iguais. Essa liberdade e igualdade dos indivíduos determina
uma ideia a antropologia negativa.
Pode-se ler no texto de “O Leviatã”, no capítulo XII, p. 106, “é intitulado da
condição natural da humanidade, relativamente, a sua felicidade e miséria”. Este capítulo
Hobbes explica a sua ideia de homem da natureza humana, pois ele acha que a natureza
humana produz os conflitos entre os indivíduos. E isso deve ser superado através da
construção/artifício político.
“A natureza fez os homens iguais, quanto a faculdade do corpo e espírito, que
embora por vezes encontram a vezes um homem…” (P. 106). Aqui quer dizer que o
homens em um estado de natureza encontram-se em uma situação de igualdade. E ele
ataca a imagem do homem aristotélico, da imagem da antropologia antiga, na qual diz
que os homens nascem desiguais e que algum homem tem que governar os outros. Nesse
sentido, o governo deveria refletir as diferenças naturais, pois já natureza os homens são
diferentes (há pessoas inteligentes e não inteligentes), e Aristóteles; no livro “A política”
chegou a dizer que os escravos é escravo por natureza, não podendo fazer funções que
uma pessoa mais forte pode fazer.
Hobbes está quebrando essa imagem da ordem política medieval com uma ordem
natural. Ele diz que os homens são iguais, tanto na inteligência, quanto na força física.
Assim não se justifica uma diferença entre as pessoas que comandam e as que servem.
Este discurso sobre igualdade de Hobbes tem um problema, pois ele está usando
esse discurso de igualdade natural dos homens para chegar a uma antropologia negativa.
“Desta igualdade, quanto à capacidade deriva a igualdade…” (P.107), então a igualdade
natural dos homens é a causa do conflito entre eles.
A antropologia negativa significa que a natureza humana é composta por paixão
e razão.

Para se entender a questão da paixão, no contexto do horizonte da modernidade,


como contingência. Assim, não se tem uma autoridade natural, os homens são iguais e,
portanto, querem obter os bens necessários para viver. Por isso entram em conflito um
com outro.

O desejo de alcançar os bens é


produzido pela falta de recursos e pela
necessidade, ou seja, o medo da
escassez produz no humano o desejo de
possuir.

As paixões em Hobbes se tem uma


produtividade política, isso quer dizer que
ele quebra com o pensamento tradicional.
No pensamento medieval as paixões não
tem nenhuma produtividade política, sendo
manifestações do espírito animal do
homem, assim devem ser
reprimidas/disciplinadas para acessar a
política como racionalidade.
Hobbes pensa diferente, dizendo que as paixões têm uma produtividade política,
pois através das paixões o sujeito humano pode entender qual é a sua condição no estado
de natureza.
Neste modelo Hobbesiano, o desejo é uma vontade que se manifesta com o desejo
humano em mundo contingente (caracterizado pela escassez de recursos). É uma vontade
sem fim, ou seja, que constantemente quer alcançar os bens.

As paixões são causa de conflito, que tem


seus objetivos, com o ganho, viver em
condição de seguridade e obter uma boa
reputação.
Entretanto, todos esses objetivos
produzem, no estado de natureza, conflito
entre os indivíduos. O ganho produz a
competição, a seguridade a desconfiança e a reputação gera conflito para obter a glória.
Na pág. 108 do Cp 13, Hobbes escreve: “Além disso os homens não tiram prazer
algum da companhia de um dos outros…” essas palavras de Hobbes apresentam uma
ideia negativa do homem no estado de natureza. O estado de natureza é um estado de
guerra de todos contra todos, e a guerra não é uma guerra real, mas também o medo da
possibilidade que aconteça a guerra. E essa possibilidade que aconteça guerra é produzida
pela falta de autoridade política. No estado de natureza tem apenas indivíduos iguais, com
a mesma força e inteligencia, que brigam para alcançar os bens necessários para viver,
No entanto, nessa situação de estado de natureza os bens para viver são poucos, assim a
guerra é produzida para para possuir os poucos bens que existem no estado de natureza.

As funções da paixão, no discurso


de Hobbes, é ao mesmo tempo positiva e
negativa.
O homem no estado de natureza
entende que sua situação é de contingência;
perigo constante; conflito. E para sair dessa
situação conflitual do estado de natureza
temos que raciocinar., ou melhor dizendo
nas palavras de Hobbes, constituir uma autoridade política em que todos os indivíduos
possam viver em paz.
Na Pág. 111, Hobbes diz: “esta guerra de todos os homens contra todos os homens,
isto também é consequência que nada pode ser injusto…”. As paixões tem uma função
negativa e uma positiva. Negativa, pis produzem conflitos, guerras, inseguranças e risco
de perder a vida. Positivas, pois se faz raciocinar para sair de uma situação de conflito.
É interessante o nominalismo de Hobbes, que ele fala na p. 111. Que quando não
tem uma autoridade política não tem lei, e quando não tem esta não há justiça. Então,
Hobbes está antecipando o positivismo jurídico.

O medo é a paixão mais importante


no discurso de Hobbes.
Toda a política moderna, como
construção da ordem estatal, é uma política
que se constrói através do medo. Isso no
sentido que a origem do estado e o medo, e
ao mesmo tempo o estado deve reproduzir
o medo para governas.
Aqui se tem uma dupla natureza dessa ideia acima, por um lado é dispositivo
racional (os indivíduos são iguais, se encontram em uma situação de conflito e pretendem
sair desta situação através de um contrato que constroem um acordo de todos: a autoridade
política). Por outro lado se tem um coração de trevas, no qual o medo é fundamental para
constituir o estado, e uma vez que o soberano é constituído tem que se manifestar em toda
a sua potência.

O sujeito instintivo é um sujeito


dominado pelas paixões, estas que tem uma
função positiva (permitem o homem, no
estado de natureza, de entender a
necessidade de construir uma autoridade
política através da qual é possível viver em
paz). Então, a paixão permite que se entenda
a necessidade como sair desta situação de
conflito.

A razão moderna é instrumental,


não significando mais aprender os
princípios primos, mas sim conhecer o
objeto. Uma vez que se funda o objeto
pode-se pensar nos instrumentos
necessários para alcançar os objetivos.
As paixões permitem ao sujeito a
entender a necessidade de disciplinar as
paixões.
Se tem as paixões, que são as causas do conflito e a solução do conflito, pois
permitem ao sujeito de entender a necessidade de fundar uma autoridade política.

As paixões inclinam ao sujeito um


comportamento natural. que é conflitual, e a
razão sugere a esse sujeito de sair da situação
do estado de natureza.
Hobbes tem uma concessão das leis da natureza bastante inovadora a respeito da posição
dos outros jusracionalistas do século XVII. As leis da natureza são aquelas que sugerem
os meios necessários para sair da situação de conflito.
A primeira lei é procurar a paz e segui-la, a segunda é renunciar aos direitos
naturais em condições de reciprocidade e a terceira é cumprir os pactos.
As duas primeiras leis são analisadas por Hobbes no capítulo XIV do “O leviatã”.
Neste capítulo Hobbes parte de uma distinção entre o direito e a lei: “o direito da natureza
é a liberdade..”. Nesse passagem, sintetizando as palavras de Hobbes, o homem de
natureza é orientado pelo fim de conservação da vida, assim ele tem que usar a própria
liberdade para alcançar este objetivo. Mas a lei é algo que determina a limitação dessa
liberdade.
Hobbes quando pensa o direito como liberdade, e esta como ausência de
impedimento, está pensando nos termos da tradição liberal. Ao contrário, a lei é algo que
determina um limite a esta liberdade.
O direito é a liberdade de fazer aquilo que a natureza humana consegue fazer para
alcançar os objetivos próprios da natureza, ou seja, a proteção da vida. A lei da natureza
sugere quais são os instrumentos para sair de uma situação conflitual que é produzida por
uma liberdade sem limites.
1ª Lei - Buscar a paz e segui-la: “Consequentemente é uma regra geral da razão,
que todo homem deve se esforçar pela paz, na medida em que tenha
esperança...”(Page.113).
2ª Lei - “Contratar para obter a paz dessa lei fundamental da natureza mediante a
qual se ordena todos os homens que se esforçam para conseguir a paz…” (Pag 113).
A primeira leis diz que deve-se procurar a paz, e para procurá-la temos que
renunciar a nossa liberdade ilimitada, pois é esta que determina uma situação de conflito
e, assim, entrar em um estado político.
A 3ª Lei da natureza é analisada por Hobbes no cap. XV -“Pacta Sunt Servanda”.
Hobbes tem uma ideia de justiça moderna, completamente diferente da ideia que tinha os
clássicos, os gregos, os romanos.
“Nesta lei da natureza, cumprir os pactos, reside a fonte da origem da justiça,
porque se um pacto anterior não há a transferência do direito…” (pág 116). Hobbes está
falando que a justiça é uma questão nominal, tendo uma concessão minimalista, ou seja,
é justiça o comportamento que está realizando um pacto e injusto um comportamento que
realiza um pacto. Entretanto, se não temos um acordo não se pode ter uma justiça, pois
não se pode ter uma violação do pacto. E a justiça é conformidade a lei, e esta que é
produzida sobre a medida no qual se tem uma autoridade política legítima.
“E, portanto, que as palavras justo e injusto possam ter lugar é necessária alguma
espécie de poder coercitivo...”. Hobbes diz aqui, que probidade e justiça só podem
acontecer no estado político, quando se tem uma autoridade capaz de fazer, com a força,
um terror para respeitar os pactos. A ausência dessa autoridade não tem lei, não tem
justiça, não tem autoridade capaz de distinguir o certo do errado.
Através desse dispositivo racional, Hobbes justifica; a partir de uma condição de
contingência, a necessidade da autoridade política. E esta é uma autoridade racional, pois
permite a cada indivíduo entender em paz.

A leis da natureza são leis universais, pois


são impulsos universais de limitar o direito
particular de cada um para permitir sua
sobrevivência. Então, se renuncia ao
próprio direito natural para re-obter esse
direito no estado político.

Leis naturais não são de verdade, pois


ainda não se tem uma instituição política
capaz de fazer observar as leis com o uso
da força. Assim são teoremas que sugerem
o que o homem da paixão deve fazer para
sair dessa situação da natureza e construir a
autoridade política.

A formulação que Hobbes usa do pacto, que


pode ser lido no cap XVII de “O leviatã”, é
a seguinte: autorizo e transfiro meu direito
de governar a mim mesmo, a este homem ou
assembléia de homens. Então, o pacto de
Hobbes é a multidão dele fazer construir
essa autoridade. Nesse sentido, o soberano é
uma pessoa jurídica e uma ficção não existe realmente, sendo algo construído através do
acordo da multidão.
Este pacto produz, ao mesmo tempo o
povo e o soberano. Eles não existem
antes do pacto, existindo apenas a
multidão dos indivíduos. Depois do
acordo entre a multidão (pacto) é que
produz o soberano e o povo (artifício
político).

Hobbes está construído o que será a


representação da política moderna. Neste
slide, pode-se ver os termos com quais
funciona a representação política moderna.
Se tem a multidão, que a dos
indivíduos, que decide todo o processo
racional de sair da condição de conflito e,
assim, faz um pacto. Com este se produz povo e soberano. Estes que são ligados através
de uma relação de representação.
“O soberano é uma pessoa…” (Pag 116): aqui Hobbes quer dizer que o soberano
é apenas um representante do povo. E este é o soberano são ao mesmo tempo pelo pactum
que a multidão decidiu fazer. Essa é a ideia que funda o estado moderno como estado
representativo.
Conclui-se que podemos entender como este estado moderno, que se está
construindo lentamente sobre a crise do modelo político pré moderno, encontra seu
fundamento no indivíduo, que na sua singularidade funda a autoridade política. Esta
encontra a sua justificação no consenso da pluralidade dos indivíduos.

Aula 5 - Envio de Dúvidas.


Aula 7 - Aula síncrona
Aula 8 - A positivação do direito moderno e a construção da autonomia da
categoria jurídica (Semana 4)
Por diferenciação do direito entende-se um processo que começa com a formação
do estado moderno, no século XVII, e se realizar completamente com a positivação do
direito público e privado, no século XIX. É um processo histórico que nos conduz à
consideração do direito positivo, ou seja, o direito posto pelo estado seguindo? específicas
normas jurídicas é o único direito válido.
Do ponto de vista teórico o processo de diferenciação começa com a reflexão do
jusracionalismo no século XVII, ou seja, dos teóricos políticos; como Hobbes que pensa
teoricamente na contingência dos conflitos que atravessam a Europa, com o estado.
Este processo continua com a reflexão de Kant e do positivismo jurídico no século
XIX. Kant e o positivismo constroem a categoria jurídica e a norma jurídica como
diferente das outras normas sociais, sendo autônoma e independente
Esse processo chega a sua máxima elaboração com a reflexão da dogmática
jurídica do final do século XIX e da teoria pura do direito no final do século XX. Elas
tentam fundar, teoricamente e metodologicamente o saber jurídico com o saber técnico.
Entretanto, se aqui podemos individualizar algumas características deste processo e do
discurso que o sustenta, ao mesmo tempo tem que se observar que não se trata linear,
identificado as rupturas e diferenças, ou seja, há diferenças entre Hobbes; Kelsen e Kant.
Se tem uma relação circular entre o discurso e os eventos. Os eventos, na
singularidade deles, permitem o discurso, este que é condição de possibilidade dos
eventos (da significação dos eventos dentro de um contexto de sentido?). Cada evento é
resultado contingente de uma pluralidade de relações sociais entres as quais acontece e
que ao mesmo tempo contribui a produzi-la.
É com essa condições metodológicas que podemos pensar tanto nas
continuidades, que nos permitem analisar Hobbes; Kant e Kelsen falar em discurso
jurídico moderno, quanto pensar nessa continuidade como as rupturas; as passagem
epistemológicas; as históricas e políticas que cada pensador apresenta.

A positivação do direito moderno e a construção da autonomia da categoria jurídica


Aqui, em particular, queremos analisar o processo de positivação desde uma dupla
perspectiva teórica e prática.
Perspectiva teórica: quais são os efeitos da positivação no âmbito da reflexão
sobre o direito?
A reflexão de Kant permitirá entender como o discurso jurídico da modernidade
vai se especificando metodologicamente e teoricamente. Até pensar o direito como
reflexão científica e a categoria jurídica como um objeto; com características próprias
diferentes de outros objetos normativos.
Perspectiva prática: A diferenciação do direito se realiza historicamente com a
constitucionalização do direito público e a codificação do direito privado. O direito se
torna lei do estado, a codificação, apesar de acontecer contemporaneamente em todos os
estados e países, indica o momento de afirmação do estado moderno como modelo da
política moderna e do direito. E o direito é identificado com a lei como forma de regulação
da política.
A ideia da aula 6 é passar que a positivação é um evento que determina
grandes mudanças na modalidade de pensar e praticar o direito, na relação de política
e direito e no funcionamento das instituições políticas e jurídicas.
Começamos a analisar a positivação desde uma perspectiva prática, ou seja, em
relação aos efeitos que determinam o funcionamento das instituições políticas e jurídicas.
O direito a partir da positivação internaliza o próprio fundamento de validade.
Em Hobbes, apesar de ser um antecipador em muitos aspectos do positivismo em
relação aos outros pensadores da tradição jusracionalista moderna, o fundamento do
direito permanece externo ao direito, o fundamento da lei do soberano está, ao final,
em uma norma racional; tendo a necessidade de proteger a vida. Sendo a proteção da vida
um princípio racional que funda, tanto o poder de fazer a lei, quanto a obediência dos
súditos. A ordem política é pensada como contingente, ou seja, resultado artificial de uma
decisão dos indivíduos. Ao mesmo tempo essa ordem artificial e contingente encontra sua
justificativa em um princípio externo que pertence a ordem da necessidade: a razão.
Com a positivação o fundamento do direito é o direito. O direito se libera da
necessidade de encontrar um fundamento externo. Nesse sentido, o que importa é que o
direito seja produzido nas formas indicadas pelo próprio direito. Positivo deriva do latim
“Postum(?)”=posto, ou seja, é direito só o direito posto por uma autoridade autorizada
pelo direito a produzi lo nas formas indicadas pelo direito.
Desta forma, o direito pode ser pensado como autônomo da política e da decisão
política. Esta última pode ser pensada como legítima quando está conforme o direito. A
juridicização/constituição das decisões políticas permite uma separação que ao mesmo
tempo implica uma relação e uma colaboração constante entre política e direito.
A constituição fala da origem política do direito, dizendo que este como
valor/norma/dever ser tem uma origem factual;histórica no poder constituinte. Este que
pode ser uma revolução/uma guerra, mas uma vez que essa unidade política é
constitucionalizada a separação entre política e direito é instituída, consequentemente, a
origem política e factual tem que ser esquecida e ocultada para poder pensar o direito na
sua autonomia e construir uma ciência do direito autônoma pensada como metodologia
da construção da racionalidade interna ao sistema normativo. Isso tudo significa que agora
os órgãos políticos do estado podem produzir direito respeitando as condições indicadas
pela constituição.
Outro efeito da positivação é que o direito positivo é, ao mesmo tempo, variável
e estável. Nesse sentido, o direito positivo institucionaliza as condições da própria
variabilidade e ao mesmo tempo se apresenta como direito válido, ou seja, resistente a
mutação. Isto significa, que o direito positivo é variável e contingente, pois é resultado de
uma decisão. Portanto, isso significa que uma decisão futura pode mudar o direito
existente, no sentido que pode apagar o direito existente ou pode transformar em direito
válido algo que no presente não é direito. Assim, o direito é aberto às mutações sociais.
Os sociólogos dizem que o direito positivo é cognitivamente aberto, podendo
aprender com o próprio ambiente social.
Outra consequência importante do direito positivo é que a política, com a
positivação do direito, é o lugar onde é possível mudar o direito, mas respeitando as
condições jurídicas. Essa é a regra fundamental constitucional do direito. Os conflitos
sociais são os lugares através dos quais são elaborados interesses, problemas e questões
pela política.
A positivação do direito permite variabilidade e estabilidade. A estabilidade
significa que quando um fato é qualificado como norma as expectativas dos indivíduos
que tem como objeto aquele fato se estabilizam, ou seja, se tornam resistentes ao tempo.
Em caso de decepção de expectativa de um objeto de uma norma jurídica, o titular dessa
expectativa pode não mudar a própria expectativa.
Ex:Fulano tem a expectativa, a partir de uma norma válida, de receber dinheiro de
sicrano. Acontece que sicrano não paga, assim violando a norma jurídica. Entretanto
fulano não muda a própria expectativa só porque não recebeu o pagamento, pois é objeto
de uma norma jurídica. A normatização da expectativa, portanto, permite a fulano dizer
que ele tem um direito subjetivo a obter o pagamento. Assim, ao não receber o pagamento
da dívida, fulano abre um processo judicial para obter o reconhecimento da sua
expectativa.
Como escreveu o sociólogo Zigmunt Bauman, a cultura espontânea da idade
medieval torna-se uma cultura de jardim. O jurista medieval era um jusperito, ou seja, a
sua atividade consistia em criar ligações entre ordens normativas diferentes (entre o
direito natural, canônico, divino entre outros). Esse jurista era consciente do caráter
periférico, limitado de suas decisões. Entretanto, com a modernidade, o jurista se torna
legislador, afirmando um modelo intelectual, auto referencial e que tem uma autoridade.
E essa autoridade está ligada ao pertencimento dos órgãos do estado moderno. Assim o
modelo intelectual autorreferencial, não admite a existência de ordens normativas
diferentes da ordem estatal.
A codificação do direito privado e a constitucionalização do direito público,
produz uma simplificação sintática, semântica e pragmática.
A simplificação sintática leva em consideração a relação entre signos e normas
jurídicas. Assim, o código permite a superação do pluralismo jurídico medieval, através
da eliminação das fontes não atribuíveis às leis do estado e através da colonização
normativa (processo com o qual uma fonte normativa, no caso a lei do estado, reconhece
outras fontes do direito não estatais serem válidas e produtivas para efeitos jurídicos).
A simplificação semântica leva em consideração a relação entre signos e objetos,
ou seja, a relação entre normas e valores jurídicos. O código produz uma codificação
semânticas, porque reduz os diversos valores jurídicos a uma unidade coerente, isto é, o
sujeito jurídico, a generalidade abstração das normas jurídicas, a liberdade e igualdade da
capacidade de querer.
A simplificação pragmática leva em consideração a relação entre os signos e
aqueles que os usam. O código determina uma simplificação pragmática, pois ao reduzir
as regras aos princípios gerais de abstração (generalidade e unicidade do sujeito jurídico)
é possível proceder a uma redução da pluralidade de sujeitos que povoavam o universo
jurídico medieval e ao mesmo tempo os destinatários das regras são redefinidos pelo
caráter geral e abstrato das normas jurídicas perante a lei. No caso da constituição e do
direito público os indivíduos são unificados em cidadãos, no caso do código civil os
indivíduos são unificados em proprietários. Em ambos os casos a antropologia humana o
indivíduo político é o indivíduo burguês, branco, homem e proprietário.
Concluindo: é possível, portanto, dizer que a positivação do direito permite
compreender o caráter artificial e convencional da modernidade, cujo ato constitutivo é a
decisão de construir uma ordem de coexistência a partir de uma antropologia
individualista que pensa o indivíduo como um assunto de necessidade ilimitada. A
abstração do sujeito, pensada como livre ou igual, permite, com a reconfiguração do
conceito de propriedade privada, superar o conflito entre natureza e sociedade.
O direito positivo se apresenta, portanto, em toda a sua ambiguidade, como fato e
valor; como histórico e racional, ao mesmo tempo. Ele liberta-se da referência ao valor e
se apresenta como um fato social, ou seja, produzido pela decisão contingente dos
homens. Mas ao mesmo tempo é valor, pois se apresenta como única justiça possível. É
histórico, porque é resultado histórico da crise do antigo modelo teológico político
medieval, mas ao mesmo tempo se apresenta como negação da história, tendo que
esquecer sua origem histórica para se apresentar como categoria formal, autônoma,
racional e formal. Assim se diferencia da política e se apresenta como uma técnica neutra,
independe das diferenças sociais das quais se faz abstração.

Aqui começa a segunda parte da aula


A ciência jurídica moderna tem a tarefa de, a partir da análise da empiria (Normas
jurídicas. Estas são empíricas, pois são produzidas por legisladores em tempos
diferentes), como organizar a multiplicidade e pluralidade de normas jurídicas
contingentes e discretas, em uma ordem uma unidade lógico racional. Para se fazer isso,
a ciência jurídica tem que deduzir os princípios gerais do direito/normas, e através destes
os conceitos jurídicos voltar novamente ao material empírico.
Kant apresenta, ao mesmo tempo, o ponto de chegada e o ponto de partida
deste percurso. Kant pode ser pensado, ao mesmo tempo, como o último racionalista e
o'primeiro teórico da ciência jurídica moderna positiva. Assim, vai se pensar no problema
teórico deixado pelo jusracionalismo.
Pode-se resumir o problema teórico da seguinte maneira: dá uma explicação
teórica, não apenas empírica da contigencia do direito sem recorrer a fundamentos
externos. Uma justificativa que permite afastar o direito da sua relação com o fato
e o poder, evitando; ao mesmo tempo; de cair na metafísica recorrendo a valores e
princípios externos ao direito positivo (Deus, natureza e razão).
No nível teórico e metodológico a razão do direito deve brotar dentro do direito e
não de fora. A racionalidade, então, se torna uma questão da metodologia: de um método
que permite organizar em um sistema racional a pluralidade das normas jurídicas. Este é
o problema sobre qual trabalha Kant, e sobre qual trabalhou a dogmática jurídica e a
ciência do direito positivista neokantiana do século XIX.
No nível político a questão sobre a reflexão do direito é justificar a autonomia do
direito, ou seja, subtrair o direito da identificação com o poder político. A questão é a lei
é apenas arbitrária? não, pois o direito não apenas identificável totalmente com o poder.
Então, como, de um direito contingente; arbitrariamente modificado, como pode derivar
uma autoridade vinculante (esta que é comparável a que deriva de um direito sagrado)?

Análise do texto de Kant


Kant, em 1717, pública “Princípios metafísicos da doutrina do direito”. A partir
do 1º parágrafo já pode se entender como a questão do direito jurídico muda em relação
ao jusracionalismo do século XVII e XVIII.
“O conjunto das leis, para quais é possível uma legislação externa, se chama
doutrina do direito. Se tal legislação é efetiva…” A partir da leitura desse texto de Kant
se tem duas questões importantes. A primeira diz a respeito a legislação externa, para o
direito o motivo pelo qual alguém realiza ação prescrita não é importante, mas somente o
fato externo. O segundo ponto é a definição da ciência jurídica como elaboração
sistemática das normas jurídicas positivas, é a primeira vez uma definição inovativa, ou
seja, Kant está fundando uma nova ciência jurídica. Então, o direito natural no princípio
Kantiano torna-se um princípio metodológico de organização material do direito positivo.
No segundo parágrafo, “O que é o direito?” Kant visa alcançar uma definição
filosófica do direito. Aqui Kant diz que essa pergunta pode colocar o jurista em
dificuldade. O jurista consegue responder qual é o direito em um determinado lugar, mas
é incapaz de indicar o conceito de direito, pois se não abandona os princípios empíricos
que guiam seus julgamentos. Então, Kant está dizendo que o conceito de direito é uma
questão; principalmente; filosófica.
E como a filosofia pode responder a questão do conceito de direito? Kant diz que
para identificar o conceito de direito, é necessário buscar os critérios de julgamento, não
no empirismo, mas sim na razão pura. Somente com essa definição é possível reconhecer
o que é certo e errado. E é a partir disso que Kant identifica uma relação nova e
tipicamente moderna, entre a razão pura e a razão prática.
O ponto central acima, é a consciência do mundo humano se organiza com base
no “zolen (?)=dever ser”. O intelecto, diz Kant, pode conhecer a natureza como ela é, foi
e será. Entretanto, o intelecto puro não pode fundar a razão prática, assim a necessidade
de fazer uma ação é um princípio da razão pura. Nesse sentido, o conhecimento não pode
chegar ao conhecimento dos princípios da razão pura, isto é; para Kant; não pode-se
conhecer a verdade em si e etc. A metafísica de Kant é moderna, ele reconhece que há
limites para razão especulativa.
Toda crítica Kantiana consiste em reconhecer os limites da razão e só
determinando os limites é possível restabelecer os motivos da ação. Em outras palavras,
reformular a questão da verdade; do bem; da dignidade é necessário para repensar as
condições nas quais é possível agir conformemente ao direito e de forma justa.
As consequências dessa posição acima, é que não pode-se conhecer as ideias da
razão pura (Deus, verdade e justiça). Essas ideias não podem ser reconhecidas
cientificamente, pois a razão tem que reconhecer os limites próprios, assim a razão
especulativa não pode conhecer analiticamente a ideia de Deus, da justiça, da verdade.
Entretanto, deve se pressupor a existência dessas ideias para pode agir.
Então, Kant por um lado reconhece os limites da razão especulativa e. através
desse reconhecimento, justifica uma razão prática de uma que permite agir em um mundo
habitado pelos outros. Nessa perspectiva, o direito pode ser pensado filosoficamente só
como relação intersujeitiva (?), ou seja, o direito tem haver com a capacidade dos
homens se relacionarem um com os outros.
A determinação filosófica do conceito de direito, como relação intersujeitiva, é
articulada; segundo Kant; em três axiomas. E ao final destes, encontramos o que o direito
a partir de três axiomas.
§B, P. 34 “ O conceito de direito, enquanto relacionado a uma obrigação
correspondente…influência umas sobre as outras”. Esse trecho traz o primeiro axioma: o
direito é uma relação externa de uma pessoa com a outra. O direito é definido pela
intersubjetividade. O direito diz respeito as ações externas das pessoas.
§B, P. 34 “ Mas em segundo lugar, ele o direito, … mas apenas ao arbítrio do
outro.”. Esse trecho traz o segundo axioma: essa relação tem uma relação com a
vontade dos outros, não com o desejo. Essa relação não se manifesta com a relação
externa. O direito é racional na medida a qual permite que a livre vontade externa
dos sujeitos coexistem pacificamente. A autonomia é a característica essencial que Kant
atribui ao conceito de persona.
§B, P. 34 “ Em terceiro lugar… uma lei universal de liberdade.”. Esse trecho traz
o terceiro axioma: o direito é a forma da liberdade da relação, da vontade de um com
a vontade do outro. Nas relações jurídicas não leva em consideração a matéria da
vontade, mas apenas a forma da vontade, ou seja, como a vontade se expressa. Essa
vontade tem que ser livre.
Assim, para Kant o direito é uma condição formal para coexistência de arbítrios
ou de vontades individuais, porém abstraídas dos possíveis conteúdos da vontade. Desses
três axiomas, pode-se extrair duas implicações fundamentais sobre a natureza
problemática da operação Kantiana:
1. Kant implanta o conceito do direito na exterioridade, ou seja, na interação dos
indivíduos.
2. Essa exterioridade é puramente formal/racional. Isso permite a Kant subtrair o
direito da identificação com o fato bruto e da identificação com o valor moral.
Enquanto racional a exterioridade não se reduz ao fato, ou seja, ao comando do
soberano. Enquanto formal a exterioridade se diferencia do valor, ou seja, da
finalidade da ação, e, portanto, se diferencia da moral.
Um jurista alemão Pucta (?), fala da diferença entre o sujeito jurídico e o moral.
Aquele é sujeito jurídico quando o comportamento dele é conforme o direito e
também quando não é conforme o direito. Já no caso da moral a finalidade da ação
é relevante, portanto se tem o sujeito da moral apenas quando ele se comporta
conforme a norma moral.

§B, P. 34 “O direito é... uma lei universal de liberdade.” aqui Kant define o
direito. O direito é forma, pois as condições pelas quais a vontade de um pode coincidir
com a vontade do outro, de acordo com a lei universal da liberdade.
A definição de direito Kantiana tenta explicar um fenômeno jurídico ao reunir os
dois aspectos que o caracterizam: fato e valor. Isso no sentido, que a lei não é redutível
nem ao fato e nem ao valor, e deve, portanto se distinguir o direito tanto do fato quanto
da moral. Daqui se tira a exterioridade da definição do direito kantiano.
No §d o direito está ligado a autorização de coagir, desta forma Kant distingue o
direito da moral.
Todo o discurso Kantiano está centrado na tentativa de diferenciar o direito do
fato e a moral. Nesse sentido, o direito é ao mesmo tempo fato, mas não se identifica com
este, e valor, mas também não se identifica completamente como valor moral. Essa é a
complexidade da composição Kantiana.
Um elemento fundamental na tese Kantiana, da estrutura da norma é a coação.
A distinção entre direito e moral não se baseia no conteúdo das regras, mas sim nas
diferentes razões para a obediência. No caso do direito o motivo para obediência é
indiferente, sendo o cumprimento da ação externa importante. No caso da moral não é
necessário apenas uma obrigação externa, mas também interna.
A partir do exposto acima, o primeiro elemento que diferencia o elemento da
moral é baseada na obrigação externa e interna. A obrigação jurídica é externa, e a
moral é interna. O segundo elemento que diferencia o direito da moral, é que aquele
trata de ações externas e este diz respeito a ações internas. O terceiro elemento é que
a moral se baseia em si mesma, enquanto a obediência ao direito é baseada nas
consequências. A norma moral é um imperativo categórico. O quarto elemento que
diferencia são que as normas morais são autônomas baseiam-se num sujeito
racional, já as jurídicas são heterônomas, ou seja, são postas pelo legislador.
No §E Kant está dizendo que o direito também é fato; está ligado a questão da
coação; mas não deve-se pensar a coação como algo que contraria a liberdade. Nessa
lógica, Kant está tentando não reduzir o direito ao fato, pois o direito também é valor. O
direito estrito também tem a possibilidade de ser apresentado como uma coação geral,
mas concordante com a liberdade de qualquer um.
“O direito estrito pode ser apresentado também… mas se pode fazer o conceito de
direito consistir imediatamente na possibilidade da coação recíproca universal com a
liberdade qualquer um.” Então, Kant diz que se é verdade que o direito é fato porque a
norma jurídica se define pela coação e, portanto, se distingue da moralidade, também é
verdade que o direito é valor/coexistência livre da vontade dos sujeitos. Então, Kant está
dizendo que o direito tem fundamento na liberdade da vontade, qual justifica e
fundamenta a obrigação política e jurídica.
A moral o direito e a política indicam diferentes áreas da ação, mas ao mesmo
tempo essas áreas são conectadas. A condição se baseia em uma ideia de liberdade, que
permite ao direito e a política não sejam manifestação da vontade do soberano. desta
forma, Kant coloca dois fenômenos limites: a equidade e a necessidade.
A equidade é um fenômeno limite que define a fronteira entre o direito e a moral.
Já a necessidade (fronteira de marcação entre o direito e o fato bruto) é um fenômeno
limite que define a fronteira entre o direito e o fato. A equidade, na tradição Aristotélica,
é um instrumento moral para corrigir a rigidez formal do direito. A necessidade significa
que a liberdade de fazer ou não fazer algo é negada, porque se está em uma situação que
não pode escolher, ou seja, a liberdade não é livre.

Conclusão:
Todas essas reflexões Kantianas são articuladas em torno da questão da relação
entre direito e moral por um lado, e entre direito e fato por outro lado.
O discurso jurídico da modernidade não pode ser entendido sem a reflexão de
Kant.
A partir de Kant as duas direções de pensar a categoria jurídica, serão por um lado
uma direção que valoriza a dimensão factual da norma jurídica, outra direção valoriza a
dimensão do valor do direito. No pensamento Kantiano esses dois elementos eram
pensados como complementares.
Apenas Kelsen, retomando o pensamento Kantiano, vai tentar pensar o direito
como fato e valor.

Aula 09 - (Semana 4) Método jurídico Vs Método sociológico

Em 1934 Kelsen, publica “A doutrina pura do direito”. Kelsen com este título
retoma a obra da crítica Kantiana “A crítica da razão pura”. Essa ideia de pura significa
que o conhecimento deve abordar apenas o direito, para isso deve delimitar claramente o
objeto do conhecimento. Então, Kelsen para distinguir uma teoria da norma jurídica,
distingue o direito - fato da natureza, ou seja, distinguir a norma jurídica da norma moral.
O problema, mais uma vez, é entre a contingência e a necessidade. A positivação
do direito o colocou, em novos termos, o problema de legitimidade a variabilidade do
direito positivo. O direito positivo se apresenta como único direito possível,
institucionalizando as condições da própria variabilidade.
Nesse sentido,o direito positivo é resistente e variável, aberto cognitivamente, pois
pode mudar nas condições que ele mesmo estabelece. O procedimento é o lugar de
aprendizado e variação, mas ao mesmo tempo é um direito que se apresenta como
indiferente a variação.
Kelsen, retomando Kant, tenta resolver o problema da contingência do direito por
meio de uma teoria entendida como forma autônoma e independente, quanto da moral,
quanto da política.
Kelsen será capaz de resolver o problema da justificação da contingência do
direito por meio da racionalidade interna ao direito positivo. Desta forma, garantirá a
autonomia do direito, no entanto no plano político isso significa a impossibilidade de
compreender a relação entre o problema da legitimidade e o problema da legalidade, ou
seja, o problema da autonomia do direito como resultado de uma ideologia que serve para
resultar o processo real de produção da abstração jurídica. ]
No plano moral a redução do problema da justiça a uma questão puramente formal
ou uma questão que não diz nada a respeito ao direito. Nessa perspectiva, a justiça
tornasse justiça formal, pois está em conformidade às leis do estado (legalidade).
A teoria de Kelsen pode ser resumida da seguinte forma:
1. A visão do mundo de Kelsen é dualista, estando divido em ser e dever
ser (1º ponto).
2. Toda ciência visa construir a unidade do próprio objeto, assim a ciência
jurídica deve ser sistemática, isto é, a ciência jurídica deve identificar os
princípios gerais pelos quais a pluralidade descrita (?) de normas
jurídicas pode ser trazida de volta a uma unidade lógica (2º ponto).
3. A ciência jurídica descreve um objeto colocado no mundo do dever ser,
ou seja, a ciência jurídica explica apenas o direito (3º ponto).
4. O direito é unitário, pois todo ordenamento jurídico deriva de uma
única norma fundamental. Esta não é estabelecida pelo legislador, mas
apenas pensada pela ciência jurídica, que atribui unidade a toda uma
ordem jurídica (4º ponto).
5. O direito é obedecido porque é válido. E sua validade depende do fato que
sua norma fundamental transmitir o dever para todas as suas normas de
nível inferior. Nesse sentido, o sistema jurídico de Kelsen tem uma
forma piramidal e deve-se supor a norma fundamental uma condição
transcendental kantiana (condição para pensar a unidade de uma
pluralidade discreta de normas).
O que será estudado de Kelsen pelo professor é a questão da contingência e o
problema do método da ciência jurídica, a distinção entre direito e fato e a distinção entre
o direito moral e direito valor.

Contingência e método da ciência jurídica no pensamento de Kelsen


“A doutrina pura do direito” visa considerar o direito como objeto de
conhecimento. Para isso, a ciência jurídica deve resolver o problema da contingência do
direito. Esse problema surgiu em toda sua significação com o processo de positivação e
de construir a categoria jurídica puramente formal.
“A doutrina pura do direito” trata da positivação do direito e não de um sistema
jurídico particular. É uma teoria ontológica e metodológica, e não deontológica, assim ela
se pergunta o “que é o direito?” e “como é possível conhecer o direito?”, ela não não se
pergunta “como deve ser o direito?”.
Kelsen ,retomando “A crítica da razão pura” de Kant, define essa teoria como
pura. Para ser científico o conhecimento deve abordar apenas o direito, e, para isso, deve-
se delimitar o objeto do conhecimento. Dessa forma, a questão que Kelsen levanta é
distinguir o direito de fato da natureza. Em segundo lugar distinguir o direito da norma
jurídica da norma moral.
O direito é fato, não sendo um fenômeno natural, mas é um fenômeno social.
Assim, é importante distinguir natureza e direito. O direito, em uma parte, tem uma
existência naturalística e factual. Se analisarmos qualquer ato jurídico é possível perceber
dois elementos:
1. Um ato sensível, perceptível pelos sentidos e que ocorre no espaço e no
tempo. Este ato é um comportamento humano, portanto uma ocorrência
externa.
2. Um significado relacionado a esse ato do comportamento. Como, por
exemplo, um homem vestindo uma toga na frente de um grupo de pessoas
e seguindo um certo ritual, pronuncia palavras. Este comportamento
assume o sentido de uma sentença jurídica.
Então de acordo com Kelsen é necessário fazer uma outra distinção: entre fato natural e
fato social.
O fato natural é um objeto sem sentido para aqueles que o estudam. Tal posição
de Kelsen pode levar a entender que o significado é uma coisa externa. Já o fato social
traz uma qualificação em si mesmo, ou seja, uma enunciação do que significa. O homem
que age atribui aos seus comportamentos um significado que é compreendido por aqueles
a quem o ato é dirigido. O fato social contém uma auto qualificação que antecede a
qualificação realizada pelo intérprete. Então, para Kelsen é necessário distinguir em dois
tipos de significados:
1. Significado subjetivo: este pode, mas não necessariamente, coincidir com
o objetivo, isto é, com o significado que pertence a esse fato em um
determinado sistema de referência. No nosso caso o sistema do direito,
como, por exemplo, alguém quer fazer um contrato; mas não está
respeitando as normas jurídicas para concluir um contrato juridicamente
válido. Portanto, esse contrato, subjetivamente, tem um significado de
contrato, mas objetivamente, pelo sistema jurídico, não tem o significado
de contrato, no entanto é considerado uma escritura privada.
2. Significado objetivo;
Para Kelsen é possível afirmar que o fato externo é um evento perceptível pelos
sentidos. E isso acontece com o acordo de uma lei de causalidade que pode acontecer no
espaço e no tempo. Esse fato não é conhecimento de objeto jurídico e nada tem haver
com o direito.
O que transforma o fato social em fato jurídico não é determinado pela sua
existência natural, mas sim pelo sentido objetivo que assume este fato no interior do
ordenamento jurídico. O fato social assume um sentido objetivamente jurídico, quando
é previsto como conteúdo de uma norma jurídica. Então se tem um comportamento e um
significado, e a norma jurídica atribui um significado a um comportamento que ocorre no
tempo e no espaço, portanto a norma jurídica é um esquema de qualificação por meio do
qual um significado é atribuído a um específico comportamento.
Além do descrito acima, a mesma norma que atribui sentido objetivo a um fato é
resultado que ganha sentido por meio de outra norma que considera aquele
comportamento como legalmente indevido.

Consequências importantes dessa construção teórica de Kelsen


1. Em primeiro lugar, o conhecimento jurídico é direcionado apenas às
normas jurídicas. E estas são aquelas que conferem a certos fatos, caráter de
ato jurídico ou antijurídico. O direito é, portanto, uma ordem normativa do
comportamento humano, ou seja, um conjunto de regras que regulam o
comportamento.
Norma significa que algo deve ser ou acontecer. E um homem deve se comportar
de uma determinada maneira.
2. Segundo elemento, a norma é caracterizada pelo dever ser. Dever ser é um
significado que a norma atribui a certos atos dirigidos ao outro, e também atos que
permitem ou autorizam algo. Nessa perspectiva, Kelsen supera a concessão ingênua do
positivismo jurídico do século XIX, no qual identificava a norma com o comando e que
identificava a norma como apenas a prescrição de um comportamento, e não com a
autorização e a permissão.
Além disso, observa Kelsen, que no senso comum apenas a prescrição responde a
um dever, a permissão corresponde em um ter e autorização a um poder. Entretanto,
segundo Kelsen em todos esses casos o significado que a norma atribui pode ser
identificado com o dever ser.
A pessoa para quem é direcionada uma prescrição, uma autorização ou uma
permissão, pode perguntar por que deve agir dessa forma. A resposta está na norma que
estabelece e identifica o dever. Então, pode-se dizer: o sentido do ato dirigido à conduta
é que a lei é o dever, e este é o sentido que a norma jurídica atribui. A norma é o dever
ser, ou seja, indica a maneira com que deve se comportar da maneira indicada prescrita,
autorizada ou permitida. Entretanto, a norma não diz nada sobre o ser, isto é, sobre o fato
de o comportamento indicado foi realmente realizado por aquele a quem a norma foi
dirigida.
A teoria do direito é uma teoria da norma jurídica em particular, isto é, daquelas
proposições cujo o sentido é o dever ser. Kelsen aqui distingue a teoria do direito e a
sociologia jurídica entre a validade da norma jurídica e do seu ordenamento, e a eficácia
da norma e do ordenamento. Portanto, a teoria do direito se ocupa das normas jurídicas
(do dever ser), e a sociologia jurídica se ocupa dos comportamentos humanos em relação
às normas (do ser). A sociologia jurídica também, se ocupa da eficácia das normas
jurídicas e a teoria do direito se ocupa da validade da norma jurídica e do ordenamento
jurídico.
Agora é necessário distinguir as normas jurídicas de todas as outras as normas.
Para fazer isso é necessário distinguir, de acordo com Kelsen, dois significados do dever
ser:
1. Dever ser subjetivo: somente quando o dever ser
2. Dever ser objetivo: somente quando o dever ser tem o sentido objetivo, o
comportamento devido se torna também tal para um terceiro. E somente
aqui o dever ser é uma norma jurídica válida, ou seja, que vincula o
destinatário.
Exemplo de Kelsen - Do bandido: o comando do assaltante “passa o
dinheiro” tem do ponto de vista subjetivo de ser uma obrigação, assim
também é a ordem do fiscal em cobrar. Entretanto, apenas a segunda
ordem tem um sentido objetivo do dever, pois essa ordem é autorizada por
uma norma.
Então, Kelsen vai além de uma concessão imperativista da norma do positivismo
jurídico do século XIX. Este positivismo, identifica a norma como ato de vontade ou ato
de autoridade. Entretanto, contra essa regra, Kelsen observa que a regra entra em vigor
quando um ato de vontade deixa de existir, logo, a norma não pode ser identificada com
a vontade. Para Kelsen a norma é uma qualificação da vontade, atribui o sentido do dever
ser a uma vontade dirigida a conduta de outros.
Por meio de suas observações Kelsen distingue norma e fato entre dever ser e
ser.
3. Terceiro ponto, é a relação entre direito e moral. A distinção entre esses
dois tipos de norma torna possível distinguir entre as disciplinas que tratam do
direito (ciência jurídica), das que tratam da moral (ética).
Além disso, a distinção é fundamental para Kelsen porque permite superar o
direito natural, da tradição do jusnaturalismo. Tal tradição dizia que o direito estabelece
e legitima a validade do direito positivo. A diferença entre direito e moral pode ser vista
para Kelsen, não no que é prescrito ou proibido pelos dois sistemas normativos, mas sim
na maneira como eles proíbem ou prescrevem certo comportamento. Kelsen se refere a
tradição moderna que pensa a distinção entre direito e moral se dá com a coerção.
O direito é o ordenamento do comportamento humano, vinculando um ato
coercitivo da organização social ao comportamento oposto, violação do direito. Por outro
lado a moral é uma ordem social que não prevê que a sanções sejam coercíveis. Então,
não é a sanção que permite distinguir entre direito e moral, porque as normas morais
também tem sanções.
A diferença entre as normas jurídicas e morais é o uso da força física para que a
sanção seja realizada. Nesse sentido, Kelsen retira de Kant a distinção entre imperativo
hipotético e imperativo categórico.
1. Kant escreve que a forma do imperativo categórico é: “você deve fazer a”.
2. Já a forma do imperativo hipotético é: “se você quiser b, você tem que
fazer a.”
O imperativo categórico comanda uma ação que é boa si mesma, ou seja,
independentemente de qualquer fim externo a ação. Já o imperativo hipotético comanda
uma ação que não é boa em si, mas é boa apenas condicionalmente, isto é, em relação a
um propósito particular a ser perseguido. O imperativo categórico indica o fim que deve
ser escolhido e o imperativo hipotético indica os meios que devem ser escolhidos para se
atingir um determinado fim.
Kant chama os imperativos categóricos de normas éticas, e os imperativos
hipotéticos de normas técnicas. Nesse sentido, a norma jurídica é um imperativo
hipotético; uma norma técnica, pois um elemento estrutural da norma jurídica é o dever
da sanção. a norma jurídica, portanto, se apresenta com a seguinte forma lógica: Se
acontece A, então deve acontecer B. Para Kelsen a premissa A é o ilícito, enquanto a
consequência, B, é a sanção.
Relendo a fórmula Kelseniana: se acontece um delito/ilícito o juiz tem o dever de
aplicar ao comportamento ilícito uma sanção, com o uso da força física. Assim, a norma
jurídica é aquela que estabelece uma relação do dever ser entre a sação e a ocorrência da
infração.
As consequências desta concessão neokantiana da norma jurídica são as
seguintes:
c. O direito é composto de regras obrigatórias: a norma jurídica é só a norma
jurídica a ser definida pela relação de dever entre uma premissa e uma
consequência, na qual a premissa é o ilícito e a consequência é a aplicação
da sanção por meio do uso da força física.
d. O ilícito é tal, não porque tenha um caráter jurídico imanente ou porque
o caráter antijurídico derive de uma meta jurídica, mas sim porque apenas
na proposição jurídica tal comportamento é assumido como
premissa/condição de uma consequência específica. Esta é uma concessão
formalista do ilícito, sendo uma condição para ativar o direito.
Para concluir em relação a Kelsen, tal acredita que a norma jurídica funciona da
seguinte forma: se acontecer A, então tem que acontecer B. Caso o comportamento seja
diferente do previsto da norma o juiz tem que aplicar a sanção, eventualmente, com o uso
da força física.
Invertendo todo um pensamento, Kelsen acredita que a norma primária/principal
é aquela que se dirige aos juízes e que determina um elo de imputação entre o ilícito e a
sanção. Já a norma secundária, que deriva da norma primária, é aquela que se dirige aos
cidadãos, na qual diz que se quer evitar a sanção deve-se comportar de acordo com que a
norma prescreve.
O problema da teoria Kelseniana é o formalismo ético, cognitivo e que pertence a
modalidade com a qual Kelsen pensa as normas jurídicas. Toda a sua construção é
baseada no dever ser, isso significa que a validade no discurso Kelseniano indica a
existência da norma. E por fim a norma se manifesta unicamente como obrigação.
Nesse último ponto; de a norma se manifesta unicamente como obrigação; é que
Kelsen manifesta o formalismo ideológico. Isso acontece, pois de uma descrição
passamos para prescrição, o dever ser ser só pode se basear na ocultação da relação entre
a lei e o poder. A hipostatização do status quo do qual fala Marx, em relação às filosofias
de Kant e Hering, se reproduz exatamente igual no discurso de Kelsen.
Kelsen hispostatiza o direito positivo, e o transforma em um valor. O direito tem
valor porque é posto/produzido.

Análise do pensamento de Ehrlich


A partir da sua perspectiva periférica de região e cidade, Ehrlich pensa um direito
que não se identifica com o direito do estado, mas sim como um fenômeno expressão da
vida de um grupo social.
Na sua obra sobre os fundamentos da sociologia jurídica, ele escreve que se
olhamos a situação da sua região, da bucovina (pesquisei no google e vi que é uma região
histórica da Europa oriental), pode-se entender, além do direito positivo do estado,
existem outros direitos que regulam os comportamentos dos grupos sociais que vivem
naquela região.
Em 1918, Ehrlich publica “A lógica do jurista”. Neste livro, Ehrlich destaca os
limites do positivismo jurídico, entendido como a verdadeira ideologia do estado liberal
e seu monopólio do direito reduzido ao direito do estado. Na sua obra Ehrlich pretende
se opor ao positivismo e ao monismo.
A crítica de Ehrlich , parte de um positivismo jurídico no qual o método
tradicional do jurista é caracterizado por três direitos:
1. Toda decisão judicial pressupõe uma regra preexistente;
2. Essa regra preexistente é sempre imposta pelo estado;
3. O conjunto de regras estabelecidas pelo estado constitui uma unidade;
Se está em 1918, uma época muito relevante. A primeira guerra mundial terminou
em uma barbárie, ela foi travada por um exército de camponeses pobres enviados para
morrer nas trincheiras, para conquistar poucos metros de fronteira. Em 1917 os
bolcheviques conquistaram o palácio de inverno, a revolução se torna esperança de
milhões de pessoas no mundo. Em 1918, a velha Europa estava em crise.
O estado liberal concebido no século XIX, não é mais capaz de se adaptar às
transformações sociais. Sobre as pressões e demandas do movimento operário, das lutas
dos movimentos anticoloniais e de libertação nacional, novos sujeitos entram com força
na cena política questionando o quadro institucional em que se fundou o estado liberal
Eurocentrista (?).
A resposta de Kelsen para a crise do estado liberal, é uma teoria que segue ciência
pura. Tomou como modelo a revolução científica que estava acontecendo nas ciências
exatas, nos mesmos anos que Kelsen escreveu a doutrina pura do direito.
Do ponto de vista político, a resposta de Kelsen a crise do estado liberal é uma
democracia social constitucional. A resposta é o direito como instrumento técnico, formal
e racional de gestão de conflitos e a redução do estado a um conjunto de normas jurídicas.
Então, a famosa polêmica entre Kelsen e Carl Schmitt, este visava sustentar uma
posição muito diferente em relação ao conceito do estado e a função do direito no interior
do estado.
A resposta de Ehrlich a crise do estado liberal é, talvez, menos
articulado/elaborada que a de Kelsen. Entretanto, se vista de nossa perspectiva
contemporânea, ela apresenta alguns elementos interessantes.
Ehrlich parte do pressuposto que o direito é eficaz e é o resultado, não de uma
decisão única, mas de um longo processo veiculado a cultura dos grupos sociais de
que é a expressão. Essa ideia é desenvolvida “Os Fundamentos da teoria sociológica do
direito”.

Análise do texto de Ehrlich


“Quando a ciência jurídica dominante dá tanto destaque a prescrição jurídica
como objeto de pesquisa, … prescrições jurídicas.” (p.373). Nessa passagem, é que a
ideia fundamental da ciência jurídica que o direito efetivo se identifica com as prescrições
jurídicas.
“Como - ainda segundo se pensa - na atualidade… até agora o método de
investigação do direito.” (pág. até o fim da 373). Ehrlich está dizendo que além do direito
positivo, o método da ciência jurídica é um método fundado sobre as prescrições jurídicas.
E estas, atualmente, estão presentes nas leis, portanto o jurista tem que estudar as leis para
entender o direito positivo existente. Outro elemento é que é uma análise histórica da
evolução direito, para entender o direito atual.
“Da mesma forma como acontece com as prescrições jurídicas do passado, as
vigentes... eram adequados á sua época, não se aplicam a época do legislado,”. Ehrlich
está dizendo que o jurista moderno, diferentemente do jurista passado que era acostumado
a organizar o material jurídico através de uma ligação entre ordens normativas diferentes,
tem como referência exclusivamente a lei.
Na pag. 375 Ehrlich apresentar alguns exemplos, estes permitem entender como
além do direito positivo, que é presente nas leis, tem umas regras que não estão presentes
nas leis, mas mesmo assim regulam o comportamento das pessoas. “Ali há nas partes
centrais do código civil autriaco,... documentos de fácil acesso?”” esse é um exemplo da
bucovina, que são os pactos matrimoniais. Ehrlich que dizer que existe um direito além
do direito positivo, chamado por esse autor de direito vivo.
Pode-se esquematizar os argumentos de Ehrlich em algumas passagens:
1. O direito positivo estatal não é o único direito existente;
2. Além do direito estatal se tem o direito vivo;
3. O direito vivo é o direito aplicado para resolver uma controvérsia, mas
também são as normas sociais efetivamente usadas em grupo para
orientar as próprias condutas. O núcleo social desse direito vivente são
os fatos jurídicos, ou seja, fato em que recorrem em todos os grupos
sociais, como, por exemplo, o casamento.
4. A sociologia jurídica estuda os fatos jurídicos e o comportamento de um
grupo social em relação às normas, portanto, a sociologia jurídica estuda
o direito vivo e não estuda o direito positivo.
“Este, portanto, é o direito vivo em contraposição...quanto as ignoradas e até
ilegais.” (pág. 378). Todo elemento importante dessa teoria é uma antecipação pluralismo
jurídico, este que consiste em além do direito positivo em existir outros tipos de direito.
E é necessário estudar o pluralismo jurídico para entender o funcionamento da
sociedade/grupos sociais. Então, Ehrlich chega a uma concepção de pluralismo jurídico
que é interessante do ponto de vista atual, mas que ao mesmo tempo tem muitos
problemas.
É uma teoria que hipostática a realidade, os fatos jurídicos que são assumidos e
pensados como algo objetivo.
Outro problema é que não se entende bem como este direito pode explicar a
variabilidade do direito moderno. Ehrlich fala da evolução, mas que é muito lenta, e não
consegue explicar a variabilidade que pertence a estrutura do direito moderno.
Ehrlich tem uma ideia da sociologia jurídica acrítica, ou seja, que tem por única
função descrever a realidade. Entretanto, é uma sociologia que é resultado de uma
dialética social complexa. A dialética não é algo objetivo, mas resultado de uma
construção política social.
Concluindo, pode-se recorrer a um contemporâneo de Kelsen: Franz Kafka. Este
que escreveu a obra “Diante da lei”. Esse conto diz que o camponês quer entrar pela porta
da lei, a porta está aberta, mas guardada por um guardião. O camponês espera para entrar,
mas a autorização nunca virá. Atrás das portas da lei só se verá outras portas infinitas.
A partir do conto acima, a lei de Kafka é inacessível e vazia. Assim a lei de Kant
e depois de Kelsen. O problema deste é a teoria pura do direito como forma de auto-
descrição jurídica, o direito observado na perspectiva do direito não tem fundamento.
Nada se pode fazer, se não justificar tautologicamente sua ausência de fundamentos.
O discurso jurídico moderno chega com Kelsen, através de Kant, a
tautologia/formalismo puro. Todos os fundamentos do direito, são fundamentos que
fundados a racion alização moderna do direito chega a questionar cada fundamento que
não seja contingente.
Então, Ehrlich ao contrário de Kelsen e ainda ligado ao século XIX, através da
porta da lei, está procurando uma luz; algo; fato; uma realidade. No entanto, o problema
não é o direito que é infundado, mas sim como se pode escrever a realidade que está além
do direito.

A partir do exposto acima, para entender a dialética social, não pode-se


permanecer nesse discurso jurídico da modernidade. E este só pode chegar ao ponto mais
refinado, somente como uma tautologia/ formalismo puro. Para entender a relação entre
direito e sociedade tem que sair dessa perspectiva do discurso jurídico moderno e entender
a dialética social que determina esse discurso.

Unidade III
Aula 10 - Modernidade e racionalização (obs: aqui é a semana 6 na ementa, pois
o prof. alterou a ordem).
Está nos primeiros anos do século XX, e o discurso moderno torna-se o discurso
do positivismo jurídico. Este se torna o discurso oficial do estado liberal do direito, isto
é, o estado é o único detentor do poder de produzir direito, mas só nas condições
estabelecidas pelo direito.
O direito positivo moderno é racional e formal, que permite manter unida a
desigualdade econômica e a igualdade política. Esse direito permite o mercado
econômico como o lugar social de produção do valor.
O século XX é o do estado liberal, do direito positivo, da ciência jurídica, mas
também da formação da burocracia no sentido moderno da palavra, ou seja, como aparato
público administrativo impessoal que permite o funcionamento do estado e administra
efetivamente o direito.
O século XIX é o das constituições liberais, dos direitos políticos; da separação
dos poderes; mas também é o século das revoluções industriais; das transferências semi-
forçadas das massas pobres de camponeses para cidades industriais e metropolitanas; das
instituições disciplinares (hospitais psiquiátricos, prisões); da abolição da escravidão.
Este também é o século do colonialismo do estado e dos grandes grupos comerciais que
conquistam mata (?) para desenvolvimento econômico industrial.
Ainda no século XIX, os EUA se tornam potência colonizadora das américas com
a famosa doutrina Monroe. Neste século, o racismo se torna teoria biológica e social.
Neste contexto, complexo, que se tem que colocar a análise do poder de Weber e
Marx. O poder na sociedade moderna, para esses dois autores, para funcionar não precisa
apenas da violência física. Não se identifica o poder simplesmente com a lei do soberano,
ao contrário, na normalidade dos casos o poder funciona sem o uso da violência. O poder
que necessita da violência é fraco.
A análise do poder para Marx e Weber torna o poder complexo. No discurso
jurídico moderno desde Hobbes até Kelsen, a imagem dominante é a pirâmide. Ao
contrário dessa imagem recorrente o poder em Marx e Weber, e depois em Foucault, tem
uma estrutura reticular, na qual se configura uma rede complexa de dispositivos de
governo (a fábrica, escola, hospital) através dos quais o poder é maximizado. Em outras
palavras, governa ao nível dos corpos individuais e ao nível da população, do mesmo
modo as práticas sociais de governo precisam um discurso individual.
Marx chama, isso tudo acima, de ideologia. Já para Weber não se trata de
ideologia, é muito mais complexo, mas sim de uma relação de influência recíproca entre
a estrutura e a semântica; entre as práticas sociais e os discursos; entre as transformações
sociais e os discursos de saber.
Com Marx e Weber a sociedade não pode ser mais lida como um conjunto de
indivíduos livre e iguais, que decidem construir através de um contrato social em poder
comum. Além dos indivíduos na sociedade tem classes sociais, grupo de interesses,
organizações formais e informais, papéis sociais. A mesma coisa acontece com o direito,
tanto marx quanto Weber desdobram a categoria jurídica.
Agora chega-se ao tema da aula de hoje: modernidade e racionalização. Este é um
ponto importante no pensamento de Weber no sentido que todo seu pensamento gravita
ao redor da racionalização. E também importante, pois a análise Weberiana da
racionalização permite entender o direito e o funcionamento do estado moderno.

Análise do pensamento de Weber


Weber publica, entre 1904 e 1905, a “Ética protestante e o espírito do
capitalismo”.

O livro começa com uma


hipótese que se torna a questão geral
do escrito e da pesquisa inteira de
Weber.

Depois de ter falado da medicina, ciência natural e


da organização da cultura, Weber fala do estado.
Weber nessa passagem descrita no slide, está dizendo que só no mundo ocidental
se desenvolve uma forma de organização política que é o estado moderno. Este que tem
suas características própria: administração, centralizado e etc.
Então a resposta de Weber é coerente com a sua metodologia. Ele está tentando
mostrar como o ocidente desenvolveu dispositivos que são específicos e tornaram o
ocidente tal. Outro dispositivo que Weber define como a força maior do ocidente é o
capitalismo.

O capitalismo ocidental
desenvolveu uma estrutura
particular e específica: a
organização racional do trabalho
livre.
O ocidente, diz Weber, não é uma
civilização melhor que qualquer
outra do mundo, mas apenas mais
eficaz. Isso se dá, pois o ocidente
é materialmente mais potente,
visto que ele estende em todos os
campos da vida social a
racionalidade em relação ao

escopo.
O capitalismo tem uma estrutura totalmente diferente das outras que foram apresentadas
no mesmo período temporal em outros lugares do mundo.
(antes disso o professor leu o trecho de um texto, mas não mencionou o nome ou pag.)A
ideia da racionalização pode ser desenvolvido por um processo que acontece nos mesmos
anos e que Weber define como um processo de disciplinamento dos desejos humanos.

Para Weber o controle dos


indivíduos na sociedade moderna era
cada vez mais uma questão de
disciplina. E por disciplina entende-se
com Weber, como uma adesão
voluntária a norma e uma atitude
interior de prudência e precaução.
Esse disciplinamento se
desenvolve historicamente a partir de
duas ordens institucionais: o
Monastério e o Exército.
Só leu o que está no
slide.

As ordens monásticas da
Europa medieval contribuíram
para técnicas disciplinares. Estas
que contribuíram para a repetição
rigorosa de atividades regulares, a
organização rigorosa do tempo
durante o dia e a organização das
formas de vida.
Os aspectos da vida eram
regulados pelas normas
monásticas, isso tudo garantia a
subordinar a paixão a vontade e permitia distinguir os desejos da alma dos da carne.

O disciplinamento moderno é
uma mistura de técnicas
monásticas e militares, que o
estado moderno, quando se afirma
como a estrutura política
dominante, aplica a inteira
sociedade.
:

O elemento mais importante,e que


foi o vetor da racionalização transformando
o disciplinamento das técnicas próprias das
ordens monásticas e militares em uma
técnica generalizada pelo estado e
interiorizada pelo indivíduo, é a ética
protestante.
Para Weber a ética protestante
permitiu transferir o controle pessoal para a
sociedade na sua totalidade.
A reforma protestante individualizou a relação entre o fiel é Deus. Essa reforma
trouxe uma mudança radical na forma de perceber a função e a religião do indivíduo na
sociedade. Esta relação produz muito mais efeito políticos, mas torna-se uma relação
individual interiorizada no mundo moral do indivíduo.
Então a ética protestante é uma ética do indivíduo. Nesse sentido, pode permitir
uma transferência das regras monásticas para vida quotidiana do novo indivíduo burguês.
Desta forma, a ética protestante se torna a ética da nova ordem econômica capitalista.

A palavra que Weber usa que é fundamental para entender essa centralidade da
ética protestante para construção do capitalismo moderno, é Beruf.
Beruf pode ser trazido como profissão.
A palavra “profissão” pode ser identificada como trabalho, mas também como
manifestação de fé.
A ética do capitalismo se funda no vínculo profissional, que o indivíduo prova em respeito
a sua atividade profissional.
A ética do Beruf permite a interiorização do disciplinamento individual. E seu
indivíduo é o homo economicus da sociedade burguesa e capitalista, isto é, aquele
indivíduo que tem que controlar os seus desejos para construir uma ordem econômica,
política e social que permita a acumulação do valor de troca na ordem social.

Porque o capitalismo só se
deu no ocidente? segundo
Weber, é porque se teve uma
relação estrutural entre a
ética protestate, o capitalismo
e o estado moderno.O
Ocidente é tal porque
generalizou em todos os
campos sociais a
racionalização técnica e
instrumental.
O estado, o direito
positivo, o capitalismo e a
ciência experimental são as forças com as quais se manifesta essa racionalização. Todas
essas forças foram veiculadas através de uma ética.
Agora se entra no ponto mais interessante no discurso Weberiano: a explicação
da modernidade ocidental como realização de um processo de racionalização.
Agora pode-se perguntar qual é a essência de modernidade para Weber? Weber
contra Marx argumentava que uma crescente racionalização do mundo social favorecida
da ética protestante, e não o capitalismo em si, constituía a força motriz da modernidade.
O capitalismo é apenas um teatro, no qual o racionalismo sai vencedor. A racionalização,
para Weber, é organizada sob três procedimentos que a constituem:
1. Controle do mundo através do cálculo e da coleta de registro de
informações, portanto, o mundo se transforma em lugar de problemas que
podem ser resolvidos através da técnica;
2. A sistematização do significado e do valor em forma de esquema geral e
coerente;
3. Uma existência disciplinada, fundada sobre o respeito das regras.
Racionalidade significa seguir uma regra ou um princípio moral abstrato,
em vez de agir segundo os impulsos, ou o acaso, ou emotivamente.
Uma primeira consequência da
racionalização é o desencanto do
mundo, isto é, desmobilização (?)
do mágico e do místico; a perda do
sacro. Weber, como leitor de
Nietzsche, acreditava que a
modernidade como racionalização
consistia na morte de Deus, ou
seja, a perda do transcendente; dos
valores tradicionais; dos
fundamentos.
Em outras palavras, a
racionalização exigia que se eliminasse do nosso modo de agir e pensar, as formas que
não pudessem ser justificadas com suas consequências previstas. As próprias
consequências devem ser racionalmente justificadas por um fim universalmente
definidos.

Weber está apresentando o paradoxo da modernidade,


no texto que escreveu chamado “Metodologia das
ciências sociais’.
A modernidade implica um compromisso com
o conhecimento racional, mas ao mesmo tempo não
podemos ter conhecimento das bases e valores mais
profundos. Consequentemente, o paradoxo da
modernidade, é que esta tem um compromisso com o
conhecimento, mas ela não pode revelar o significado último da vida.

A modernidade é, ao mesmo
tempo, racionalização e
desencanto. Por um lado permite a
racionalização da razão
instrumental comprometida com o
cálculo (racionalidade formal), por
outro lado esta generalização
representa um desencanto com o
mundo; a perda dos valores
tradicionais; o homem está preso
em um mundo totalmente
disciplinado.
Weber está dizendo que no interior da racionalização é presente o
desencantamento do mundo, mas esse desencantamento tem um compromisso com um
ponto de irracionalismo possível.

Algumas reflexões ao pensamento de Weber


A primeira reflexão é que, segundo Weber, a relação constitutiva do social não
se identifica mais com a relação indivíduo-sociedade, mas na relação racionalidade-
formas de agir. Isso significa que o indivíduo não é mais a célula da sociedade, e que
todas aquelas representações da sociedade, que tem os indivíduos como a própria parte
vivente, são definitivamente superadas.
A segunda reflexão é que Weber pensando o direito como formal-
racional/Técnica moderna da racionalização da sociedade, supera o pressuposto
metodológico-filosófico do discurso jurídico moderno. Este discurso considera o
indivíduo e o sujeito jurídico um núcleo fundamental do direito, já na visão de Weber
descreve o processo de racionalização do direito moderno como um processo de abstração
e formalização.
A terceira reflexão é que Weber se diferencia da sociologia jurídica do final do
século XIX e dos primeiros anos do século XX, pois quando ele descreve o processo de
racionalização da sociedade moderna como um processo de perda dos valores
tradicionais, ele não tem nenhuma nostalgia das formas políticas jurídicas das formas de
trabalho das sociedades passadas. Weber não é um nostálgico do direito consuetudinário
contra o direito positivo da comunidade orgânica contra a sociedade moderna. Nesse
sentido, ele é um pensador do desencanto; ele é convicto que o capitalismo produz uma
destruição das formas orgânicas e comunitárias da vida e da produção das sociedades
antigas e passadas.
A análise de Weber, pressupõe Marx, o capitalismo como forma social que destrói
as velhas formas sociais. Mas ao contrário de Marx, Weber tem uma visão desencantada
do mundo, dizendo que não é possível uma sociedade comunista, ou seja, alguma
recomposição da separação da relação social determinada pelo capitalismo moderno.
A alienação produzida pelo capitalismo moderno é o resultado daquele próprio
processo racionalização, que permitiu um aumento da complexidade social. Eliminar a
alienação do homem moderno, significa, ao mesmo tempo, eliminar a complexidade
social. Dessa forma, Weber é um pensador que nos coloca diante de um mundo
contingente, mas também um mundo preso nos mecanismos da racionalização moderna
sem possibilidades de saídas.
O professor termina a
análise do pensamento de
Weber com as passagens
da última página do texto
“Ética protestante e o
espírito do capitalismo”.
Essa conclusão do
texto de Weber tem um
caráter profético. O texto
foi publicado entre 1904 e
1905, nessa época o
liberalismo jurídico e
econômico estavam
entrando em crise. Weber
antecipa, na sua leitura, a crise do estado liberal do direito e do liberalismo econômico.
Entende que o disciplinamento racional e a possibilidade de novas formas autoritárias,
que ele descreve como poder carismático, podem ser produzidos pela própria
modernidade, ou seja, na modernidade convive racionalização e irracionalismo. Weber
parece antecipar o texto de Durkheim “ A dialética do iluminismo”.
Por um lado, Weber mostra como os indivíduos do estado moderno são uma massa
disciplina conforme as exigências da administração racional. E nos mostra também como
essa administração seja sustenta sob um sistema abrangente de direito, que, porém uma
estrutura formal, sem nenhuma necessidade de nenhum conteúdo substantivo, assim o
direito moderno pode ter qualquer conteúdo. Por outro lado, Weber nos mostra como esse
difícil racional, “prisão racional”, contém uma zona de irracionalidade, ou seja, é sempre
presente e onipresente a potencialidade do carisma do poder autoritário acabar com a
rotina das estruturas da política social e econômica.
Poucos anos depois desse livro ser publicado, a Europa e suas instituições liberais
têm as ideias de seus direitos subjetivos pulverizados pelos fascismos (?).

Aula 11 - Direito e poder em Weber (obs: aqui é a semana 6 na ementa, pois o


prof. alterou a ordem).
Sociologia, segundo Weber, é ciência utilizada para compreensão interpretativa
da conduta social por meio do estudo de sua causa, curso e efeito.
Weber de início tenta ser observador e neutro, só que, como já foi visto com
Nietzsche e Foucault, todo o sujeito do conhecimento está dentro de um discurso, assim
ele é influenciado por ela. Weber, por exemplo, nasceu na Alemanha; no auge da
revolução industrial, tudo isso influenciou ele. Dessa forma, tem-se que pensar a
sociologia nunca como uma ciência neutra, mas sim uma ciência que estuda a sociedade,
mas cada indivíduo que produz alguma coisa está dentro de um discurso.

Por que os homens obedecem as normas? Em que justificativas internas e meios externos
se fundamenta tal denominação?
A Monitora acredita que essas perguntas não tem uma resposta correta, mas
vamos comentar e debatê-las.
O estado é uma comunidade humana que reivindica o monopólio legítimo do uso
da força física dentro de determinado território (Aqui território é umas das características
do estado, especificamente no presente). O direito de usar a força física só é atribuído a
outras instituições ou outros indivíduos, na medida que o estado permita.
O estado é tido como única fonte do direito de recorrer à violência, assim,
consequentemente, a política significa a luta de compartilhar poder entres estados ou
grupos de estado.
O estado moderno se baseia em uma forma específica de dominação. Weber diz:
A justificação interna do Estado Moderno é a crença na validade do estatuto jurídico e da
competência funcional com base em regras racionalmente criadas (Weber 1970, p.78/79).
Todavia, o Estado moderno ainda é uma associação compulsória que organiza a
dominação (Weber 1970, p. 82).
Entendendo melhor o parágrafo acima: nós somos livres, iguais e firmamos um
contrato social, no qual abrimos mão dos nossos interesses pessoais para alguém governar
em prol do coletivo.
Weber ainda criou o conceito alemão Weber criou o conceito de Herrschaft, às
vezes traduzido como “controle imperativo”, mas para o qual “dominação” talvez seja a
tradução ideal, e para ele ideia particular de Herrschaft legítima implica a legitimidade
de comando ou de autoridade. Para manter a autoridade política, o poder baseado
exclusivamente na força física é tanto instável quanto ineficaz. É importante obter a
dominação legítima.
Entendendo o parágrafo acima: o poder que se funda sobre a violência e coerção
é um poder fraco. É forte quando obedecemos voluntariamente, quando moldamos nossas
referências a essas normas O estado moderno é uma organização que monopoliza o uso
da violência, mas o estado precisa de dispositivos de governo; produzir comportamentos
conformes à norma disciplinar. Isso pode se dar por meio da burocracia
(institucionalização do poder do estado). Nesse estado moderno, os indivíduos
interiorizam uma regra de dever profissional e se comportam conforme as formas.
Para Weber a coerção é fundamental ao poder do estado, mas não há garantia que
o poder seja estável ou efetivo quando ele se basear exclusivamente na coerção. É
importante ter uma dominação legítima, isto é, a probabilidade de que um comando, que
tem determinado conteúdo específico, seja obedecido por um determinado grupo de
pessoas.
Weber está enfatizando o fato que a mera submissão ao comando pode ser
decorrente do hábito, ou da crença da legitimidade do comando ou pelas considerações
de conveniência. No estado moderno os comandos da elite política se baseiam não apenas
na disposição dos sujeitos em submeter-se a eles, mas no reforço de um corpo de
assistentes que assegure a conformidade com os comandos em relações aos quais esse
próprio corpo possa agir com base no hábito, ou na legitimidade ou no interesse próprio.
Herrschaft, então, é uma estrutura de subordinação de líderes e de ideários, de
governantes e governados, numa variedade de motivos e de meios de imposição. Mesmo
a dominação legítima implica em dois lados: A legitimidade - que é a autoridade - e Força
- que é a coerção.
Weber propõe 3 tipos ideais de autoridade:
1. Autoridade tradicional: tem por base uma sólida crença na santidade de
tradições imemoriais e na legitimidade do status dos que exercem
autoridade nesse contexto.
2. Autoridade carismática: tem por base a devoção, a santidade e o heroísmo,
específicos e excepcionais de um indivíduo, ou a seu caráter exemplar e
dos padrões normativos ou da ordem revelada ou estatuída por ele. Foi
muito comum na idade média quando os reis eram representantes de Deus
na terra.
3. Racional - legal (típica da idade moderna): tem por base uma afirmação
de bases racionais uma crença na legalidade dos padrões de preceitos
normativos no direito daqueles aos quais se delegou a autoridade de emitir
comandos sobre tal sistema de regras. Isto quer dizer, que quando a gente
fez o pacto racional, a gente delegou autoridade para o governante, e este
vai emitir comandos sobre um sistemas de regras que foi previamente
estabelecido e tido como obrigatório.

Texto “Ordem jurídica e econômica"


“Neste texto, Weber faz os seguintes questionamentos: o que é
constitucionalmente válido?” o que estiver dissonante a constituição é inválido.
“Que significado normativo deverá ser atribuído a uma proposição jurídica?”
Essas duas proposições são normativas. Agora vamos para proposições
sociológicas.
“Do ponto de vista sociológico perguntamos: O que realmente acontece com a
probabilidade de pessoas, exercendo um poder social relevante numa sociedade,
considerarem subjetivamente certas normas como válidas ao ponto de orientarem sua
própria conduta a essas normas?” Quando aderiu ao contrato social, não foi uma vontade
do estado, mas sim a nossa vontade racional e, assim, orientamos nossas condutas a essas
normas.
“O direito da forma como o entendemos é simplesmente um sistema de ordem
provido pelas garantias específicas da probabilidade de sua validade empírica. O termo
direito garantido deve trazer consigo a ideia de que existe um aparato coativo;” Em caso
de descumprimento vai ter uma sanção.

Por que os homens obedecem as normas? Em que justificativas internas e meios externos
se fundamenta tal denominação?
A modernidade presenciou o desenvolvimento dessa autoridade política racional.
Enquanto a maior parte da existência humana a legitimidade dos sistemas sociais se
fundaram sobre elementos tradicionais, mágicos ou religiosos, a sociedade moderna
parece fundar-se sobre uma autoridade que havia ela própria se tornado racional. Era
entendida como uma forma confiável de estruturação social, que permitia a integridade
funcional de uma sociedade ou organização social.
Weber diz que isso depende de certos fatores. Ele fala que isso depende de um
código jurídico constituído por normas jurídicas estabelecidas por consenso (todos
aceitaram) ao por imposição (por razões de conveniência, ou valores racionais, ou os
dois).
Esse código, por normas de concessão ou imposição de normas jurídicas, chama
a si o direito a obediência para a maioria dos membros da sociedade.
Outro fator que Weber acha importante nesse estado moderno é um sistema
logicamente coerente de regras abstratas que se aplicam a casos particulares.Portanto,
uma ordem social existe dentro de limites estabelecido por preceitos legais e sgue
princípios, quais sejam capazes de formulação generalizada.
Outro ponto de relevância para Weber é o protótipo do indivíduo que detém a
autoridade, que exerce uma função pública visível por todos. Esse indivíduo define suas
responsabilidades, a pessoa pode ser desde um funcionário público até o presidente. Estes
se submetem à regulação da lei.
Weber também destaca que a pessoa que obedece a autoridade só faz em virtude
de ser membro do grupo, ou seja, essa pessoa obedece porque é a lei que detém a
autoridade e não a pessoa.
A obediência não é devida aos titulares dos cargos públicos enquanto indivíduos
separados, mas sim decorrente da função atrelada ao estado que ele exerce.
O direito prevê uma estrutura formal que faz exigências bastante precisas, se
administrado racionalmente assegura que podemos ver o resultado da nossa obediência.
Dessa forma, a estrutura jurídico racional sanciona o elemento de cálculo na autoridade
jurídico racional.

Validade e legitimidade de uma ordem


Quando Weber diz que “a justificação interna do Estado Moderno é a crença na
validade do estatuto jurídico e da competência funcional com base em regras
racionalmente criadas” (Weber 1970, p.78/79). “Todavia, o Estado moderno ainda é uma
associação compulsória que organiza a dominação'' (Weber 1970, p. 82). Aqui pode-se
fazer uma ligação com a validade e legitimidade de uma ordem.
Os atores podem atribuir uma validade legítima e uma ordem das seguintes
maneiras:
1. Tradição: válido é aquilo que foi sempre reconhecido;
2. Fé afetiva: decorrente de fato novo ou recorrente;
3. Fé racional de valor: válido é aquilo que foi sempre considerado como
absolutamente exigido;
4. Decreto reconhecido legalmente: validade tanto pelo decreto quanto pela
imposição de dominantes sobre dominados (coerção).

Direito moderno formal e racional


Dentro da esfera da realidade sociológica a coerção legal continuará a existir,
contanto que os efeitos socialmente relevantes sejam produzidos por sua máquina do
poder. Nesse sentido, dentro do direito moderno a legalidade permite um tipo especial de
dominação em que esta é exercida como se os próprios dominados desejassem tal
conduta. Quando o comando é aceito como “norma válida” verifica-se uma situação em
que a vontade manifesta (o comando) dos governantes pretende influenciar a conduta de
outras pessoas (governados).

Mais considerações de Weber

“O fato de algumas pessoas agirem de certa forma porque as proposições legais


assim prescrevem é obviamente um elemento essencial no surgimento e continuação de
uma ordem jurídica. (...)”. Já se foi visto que as pessoas não respeitam as leis por medo
de uma sanção, mas sim de uma forma racional porque ao obedecer ao estado estão
obedecendo sua própria vontade.
“A Massa variada de participantes age de forma a corresponder às normas
jurídicas não por obediência a uma obrigação legal, mas porque o ambiente aprova essa
conduta e desaprova o oposto. (...)”. Nós orientamos nosso pensamento ao que é
socialmente aprovável ou reprovável.
“Se essa obediência fosse universal não precisaria ser subjetivamente considerada
como tal, apenas observada como costume mesmo que existisse uma pequena chance do
aparato coativo forçar em dada situação a conformidade com essas normas devemos
continuar considerando-as como direito. (...)”. Essa obediência não é um mero costume,
mas elas orientam os comportamentos subjetivos delas internamente.
“Em vez disso devemos considerar como coação legal apenas aquelas ações cuja
intenção é a de aplicar conformidade é uma Norma que está sendo formalmente aceita
como obrigatória.” Existem três tipos de coação: física, psicológica e a legal.
A coação legal tem um duplo sentido, que a norma está sendo formalmente aceita
como obrigatória e a intenção é aplicar conformidade.

O direito moderno é racional-formal. Por que toda essa racionalização?


Marx entende que é o modelo adequado para gestão de troca do valor, o
capitalismo.
Weber afirma que vai além do capitalismo que o direito é um instrumento através
do qual se realiza essa racionalização da vida. Racionalização de todas as esferas da
religião, da economia, das relações intersubjetivas, da burocratização do aparato estatal,
inclusive do direito.
Um ponto negativo da racionalização da modernidade é o desencantamento do
mundo que será estudado mais para frente.

Aula 12- Mudança social e crítica do direito (Obs: aqui é a aula da semana 5 na
ementa)
A primeira coisa que emerge falando da crítica do direito de Marx é a posição
liminar a respeito do discurso que ele ocupa a respeito do discurso jurídico moderno.
Apesar de Marx fazer filosofia, ele não pode ser identificado com a sociologia ou
filosofia, mas ao mesmo tempo Marx transforma, radicalmente, o modo de pensar e fazer
a filosofia e a sociologia. E também mudou a forma de pensar a categoria jurídica na sua
relação com a economia e política.
Marx é um pensador do limite, isto é, ele pensa radicalmente e leva o pensamento
ao próprio limite, ao ponto no qual o pensamento se contamina com as práticas sociais.
Nesse sentido, Marx leva as disciplinas tradicionais ao próprio limite discursivo, ou ao
ponto no qual para fazer sociologia;filosofia; economia política para além de Marx e
mesmo contra Marx tem que-se assumir a posição de Marx. Em outras palavras, pode-se
dizer que Marx representa uma passagem decisiva, que nos constrange (?) a repensar as
categorias, com as quais pensamos e agimos, com Marx e para lá de Marx.
Se a primeira questão era a posição liminar de Marx a respeito do discurso político
jurídico da modernidade, a segunda questão é a da liminar do direito ocupa na construção
teórica e prática do Marx. Ao contrário de todos os outros pensadores estudados até aqui,
Marx não construiu um corpo teórico/específico sobre o direito. Além de alguns artigos
escritos para o jornal liberal “A gazeta romana”, Marx trata diretamente do direito na sua
crítica a filosofia do direito público.
A tese do professor é que apesar da posição marginal que ocupa o direito na crítica
marxiana da sociedade moderna, o direito tem sempre uma função expressiva. Expressiva
no sentido de que o direito expressa um conjunto complexo de processos nos quais
aparecem as contradições da vida social capitalista. É um caso que Marx fala do direito
também nos escritos chamados da maturidade, no qual fala do direito quando se está
tratando de temas fundamentais, como, por exemplo, no capital fala do fetichismo (?) da
mercadoria, um dia de trabalho de 8hrs, da cumulação originária. Então, o direito também
tem um papel importante, apesar da composição marginal da sua obra complexa de Marx.
Qual é o papel importante do direito nestes textos e no pensamento de Marx
em geral? O direito ocupa um lugar bastante interessante. Por um lado é um instrumento
de repressão, de domínio de classe, e por outro lado ele expressa instrumentos das lutas
sociais. Então, pode-se dizer que o direito é um instrumento da repressão e do domínio
de classe, mas também é o instrumento das lutas, assim, pode-se dizer que apesar da sua
posição marginal; o direito assume um papel importante na análise Marxiana para
compreender o funcionamento do capitalismo e, portanto, para compreender o
funcionamento da sociedade moderna.

Ambiguidade do direito
Pode-se dizer que o direito tem uma posição ambígua, pois por um lado é
manifestação das estruturas econômicas/sociais e por outro lado o direito produz novas
formas sociais.
A partir da análise acima, pode-se dizer que Marx propõe uma teoria constitutiva
do direito na modernidade, isto na tese do professor. O direito opera em um conjunto
complexo de processos tanto como reflexo, um produto das formas sociais, quanto como
força produtiva que permite a existência destas formas.

Questões
1. Metodologia da pesquisa de Marx, ou seja, desenvolver a questão da
crítica como práxis. Essa questão terá haver com as seguintes coisas:
1. Dimensão Prático-política da teoria;
2. Dimensão Teórica da prática política;
3. Materialismo histórico como teoria e prática das lutas sociais.
Esta metodologia determina um repensamento radical da crítica e, portanto, da
filosofia.
2. Ambiguidade do direito moderno e do discurso dos direitos. Em primeiro lugar, a
respeito do direito moderno, a questão é de construir a categoria jurídica e seus
pressupostos: os indivíduos livres e iguais da tradição jusnaturalista e da tradição
jusracionalista do século XVII, XVIII e XIX. A igualdade, como variável, depende da
liberdade, e a liberdade é pensada exclusivamente como autonomia de singularidade
independentes e separadas. Desta forma, Marx nos permite entender o funcionamento do
direito moderno dentro da dialética social.
a. Dialética social: o direito opera e funciona na sua ambiguidade.
b. Os direitos têm uma função emancipatória? Se sim, de qual emancipação estamos
falando? Essas últimas questões serão analisadas na próxima aula, no texto de Marx sobre
a questão judaica.

Teses sobre Feuerbach


Se está em 1845, Marx tem 27 anos, é graduado em filosofia pela universidade de
Viena, é redator de 2 jornais, foi expulso da França pela pressão do governo prussiano e
sem dinheiro. E neste ano, Marx escreve as “Teses de Feuerbach”.
Feuerbach foi um filósofo alemão importante para o desenvolvimento da primeira
fase do pensamento Marxiano. Na última tese deste texto, a 11ª, lemos que os filósofos
têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a questão, porém, é
transformá-lo.
A primeira questão que tem que se enfrentar quando se fala de Marx é uma questão
metodológica. Marx não pode ser identificado dentro de um espaço discursivo dentro de
uma disciplina específica. A impossibilidade de identificá-lo não é apenas do intérprete,
mas é um elemento central de uma metodologia que é ao mesmo tempo prática e teórica.
Marx redefine a questão da relação entre a teoria e a prática, não se entende nada
de Marx se não entender o que ele escreveu na conjuntura. Marx é o pensador do eterno
recomeçar, seu pensamento é inseparável da sua atividade revolucionária.

Teoria da conjuntura
O pensamento de Marx é indisciplinado, que muda, se transforma e se renova
continuamente em relação às transformações da realidade social. A teoria em Marx nunca
é especulação, ele diz que a teoria nunca pode ser pura, mas ela opera dentro de condições
históricas sociais dadas, isto é, a teoria é sempre dada a conjuntura.
Dizer que a teoria não pode ser pura, mas que acontece dentro de condições
históricas e sociais, não significa, necessariamente, cair no positivismo determinista. Não
significa dizer que as teorias são simplesmente reflexos das condições materiais e
econômicas, mas ao contrário, em Marx as condições materiais da existência e da
experiência não são naturais e sim históricas e sociais. Essas duas últimas, significam que
são resultado das lutas, da força de uma batalha, do efeito de um embate de forças
contrapostas (diria Nietzsche), o resultado da luta de classes.
Se é verdade que os homens agem e pensam nas condições históricas e sociais
dadas, é igualmente verdade que com as lutas as transformas e as mudam. Então, a teoria
de Marx é parte da luta e não apenas seu reflexo passivo. Deste ponto de vista, pode-
se dizer que tem uma convergência bastante entre Marx e Nietzsche por um lado, e entre
Marx e Foucault por outro lado.
Esse ponto de convergência é a teoria como práxis, isto é, as teorias e os discursos
são, imediatamente, práticas sociais de transformação. Não simplesmente expressão das
lutas sociais, mas as teorias e os discursos são imediatamente lutas. O mesmo sujeito
não preexiste a história, as condições sociais/materiais. O sujeito não é um dado natural,
um dado pré-lógico e pré-social, como pensava, por exemplo, hobbes. Mas ao contrário,
o sujeito é resultado histórico das lutas, o mesmo sujeito da história, o proletariado, estão
dentro das quais se estruturam como classes sociais.
A teoria de Marx é prática de transformação do mundo, é imediatamente luta,
estas são práticas de subjetivação do sujeito que é resultado histórico das lutas. Portanto,
não pode-se entender nada da teoria de Marx sem entender que ela é práxis, isto é, prática
de transformação do mundo, e este é resultado da praxe humana e social (entre homens e
natureza). Não pode-se entender, também, nada de Marx se não se entender que as lutas
são práticas de subjetivação, ou seja, são práticas para se tornar sujeito da própria história.
Neste ponto, o professor acha que se tem uma relação entre o pensamento de Marx e o de
Foucault. É como se este retomasse essa questão do discurso como prática social não com
Nietzsche, mas também com o pensamento de Marx, ou seja, da ideia da teoria como
praxe social.
Pode-se abrir essa questão da práxis com a seguinte proposição de Marx: “os
homens fazem sua própria história, mas não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e
sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo
passado…” (Dezoito de Brumário De Louis Bonaparte - 1852). Tem que se dizer que
recusar a classificação do pensamento de Marx significa colocar o foco da análise sobre
a dimensão prático e política.
O professor acha importante que uma rígida classificação disciplinar que qualifica
Marx como filósofo poderia ser feita, e foi feita, dividindo a produção Marxiana em fases
bem distintas e imaginados estas fases correspondentes a interesses disciplinares e
distintos e distintos. Portanto, teria-se a fase dos escritos juvenis (ao qual corresponde a
um Marx filósofos do direito, humanista e liberal), a fase dos escritos da maturidade (ao
qual responderia um Marx economista, sociólogo, positivista e até comunista). Agora
estas classificações determinam uma simplificação e problemática, pois reduz o
pensamento de Marx por um lado a um idealismo Hegeliano e por outro lado a um
positivismo sociológico da metade do século XIX.
Por um lado Marx não teria uma diferença da metodologia de Hegel, seus escritos
seriam a expressão de um movimento interno à filosofia de Hegel e ao idealismo da
esquerda hegeliana. Entretanto, nesses escritos não existia uma metodologia crítica e
autônoma a respeito de Hegel. Por outro lado, esta divisão comportaria a teoria econômica
de Marx, seria ciência na medida que consegue ser análise objetiva do capitalismo, ou
seja, na medida a qual consegue se libertar a própria ideologia política. Então, Marx seria
simplesmente um cientista social, um economista, um historiador que analisa
detalhadamente o funcionamento da sociedade moderna e do capitalismo.
Tanto no caso do filósofo hegeliano liberal quanto no caso do Marx cientista
positivista, a diferença de Marx (singularidade subversiva) seria normalizada e reduzida
dentro de uma imagem reconfortante. Uma filosofia crítica mais liberal e humanista, ou
o positivismo sociológico determinista mais depurável da crítica política à sociedade. O
professor acha que os dois positivismos determinar a compreensão incompleta da
dimensão prática - política do pensamento Marxiano, ou seja, da metodologia de crítica
radical do presente pensamento de Marx que não é um pensamento de um filósofo
qualquer, mas é o pensamento de um filósofo que revoluciona a modalidade de fazer
filosofia/sociologia.
Esta revolução que Marx traz dentro do discurso filosófico moderno é baseada na
sua ideia de praxe, na reconfiguração da relação entre a teoria e a praxe social. A
ideia de crítica em Marx não pretende ser uma descrição correta e verdadeira do mundo,
mas sim um instrumento da luta social e o materialismo histórico a nova praxes (este
determina uma reuptura com o pensamento hegelianos e com o positivismo sociológico
do século XIX), ou seja, imediatamente luta política.

Crítica
Em 1845 Marx encontrou o proletariado alemão e o francês. Este encontro é
importante para Marx rever suas posições teóricas através de uma perspectiva de uma
prática política. Neste mesmo ano, Marx escreve a “Ideologia Alemã”, no qual, junto com
Hegel, definem uma nova metodologia de análise crítica do presente.
Materialismo histórico: filosofia, direito, religião são interpretações do mundo
que não desenvolvem resposta a exigências de coerências internas, ou em virtude de seu
próprio desenvolvimento. Mas é ao contrário, sendo objetos determinados a partir do
desenvolvimento das forças produtivas que os homens são inseridos. Agora pode-se
entender efetivamente a tese 11ª sobre Feuerbach: os filósofos se limitaram a interpretar
o mundo, agora se trata de transformá-lo.
Em 1847 Marx e Hegel, que estão trabalhando para constituir o partido comunista
e pensando na iminência da revolução, escrevem “Manifesto do partido
comunista”. Nesse texto, Marx está construindo ao mesmo tempo o materialismo
histórico como teoria e como prática.
A primeira questão é que esse manifesto é a manifestação da ideia do materialismo
histórico como praxe e isto aparece, já na forma escolhida (?) por Marx e Hegel, como
um discurso performativo que quer transformar as relações sociais colocando o próprio
discurso dentro de um conflito político e social.
A segunda questão é que esse manifesto não é simplesmente a manifestação
prático política da teoria do materialismo histórico, mas também estão dizendo que cada
movimento da cultura é também um movimento da barbárie, isto é, a cultura pode
funcionar através daquela formação para a máquina que significa a transformação do
proletariado em máquina. Através da exploração do trabalho vivo, do domínio técnico da
natureza, do domínio da população, da produção da riqueza socialmente produzida. Por
isso, cada momento da cultura é um momento da barbárie. Segue uma passagem para
melhor entendimento:
“A cultura (Bildung) cuja perda o burguês deplora, é, para a imensa maioria dos
homens, apenas um adestramento que os transforma (Heran Bildung)..." (Manifesto
comunista, 1847).

Nova fase de Marx


Depois da falência da revolução de 1848 Marx é expulso da Bélgica e se refugia
na França, e depois também é expulso da França e, por fim, acaba se refugiando na
Inglaterra. Essa falência teve uma mudança importante, Marx compreende que para que
a revolução possa realmente vencer e transformar as relações econômicas e sociais
existentes, tem que se fundar sobre uma análise profunda do funcionamento da sociedade
moderna do sistema econômico capitalista. Portanto Marx começa a estudar seriamente a
economia política.
Nesta fase, Marx compreende que se deve descobrir os mecanismos com os quais
o capitalismo funciona realmente, ou seja, o porque o capitalismo se funda sobre a troca
desigual entre o capitalista e o trabalhador e também da troca desigual entre metrópole e
colônia. Através do contato direto com a classe trabalhadora Marx entende não só a
dimensão violenta do direito, mas também a dimensão prática das lutas pelos direitos.
O erro analítico que a economia/pensamento liberal tinha cometido, consiste em
admitir o funcionamento do capitalismo como a realização de leis naturais. Os liberais
pensavam que a propriedade e o contrato eram dados naturais, e não produto social que
deveria ser objeto de explicação.
A modernidade é o momento no qual se tem uma ruptura radical com o mundo
pré-moderno, no qual as diferenças sociais eram imediatamente diferentes políticas e
sociais. A modernidade pensa a diferença entre sociedade e natureza, mas ao mesmo
tempo a sociedade representa as próprias condições sociais como algo natural. Nessa
perspectiva, Marx tenta desconstruir essas construções.
“A esfera da circulação ou da troca de mercadorias, em cujos limites se [...]
estabelece a obra de sua vantagem mútua, da utilidade comum, do interesse geral.” (Marx,
O capital). Aqui Marx está criticando o discurso jurídico político da modernidade, a sua
crítica é sarcástica. Ele fala que a sociedade capitalista é o éden do direito dos Direitos
Humanos, assim, ele está ironizando um discurso que usa a retórica da liberdade e
igualdade para cobrir relações sociais que se fundam na exploração do trabalho vivo dos
proletários. Nesta passagem, Marx está, também, descrevendo perfeitamente como
funciona o discurso jurídico moderno. Através da sua ironia pode-se ver os pontos
fundamentais sobre os quais ele baseia este discurso jurídico moderno:
1. Questão: Marx diz que o sistema capitalista permite pensar os indivíduos
só como livres e iguais. A liberdade e igualdade se fundamentam sobre a
necessidade do sistema capitalista de garantir o funcionamento do próprio
mecanismo, ou seja, da troca entre o capitalista e o trabalhador, que se dá
pela força de trabalho.
Bentham, filósofo inglês, é pensado por Marx como um representante mais
simbólico da sociedade capitalista e do discurso político da sociedade
burguesa do século XIX. Por que Bentham? porque ele é o país do
utilitarismo. Então, todo este mecanismo da sociedade capitalista se funda
na lei da utilidade.

Sociedade Moderna
1. Se baseia sobre a troca da mercadoria;
2. A mercadoria como objeto da troca no mercado é o trabalho: o trabalho é
também um elemento essencial para a produção. Então, é a mercadoria que
permite ligar a esfera da circulação com a esfera da produção.
3. A mercadoria, a coisa, objeto da troca, ou seja, o trabalho, é uma das partes
sociais entre as quais acontece a troca. Ou seja, a mercadoria, objeto da
troca, é um sujeito, o trabalhador. Ele é ao mesmo tempo sujeito e objeto da
troca: o capitalismo é uma objetificação da subjetividade humana.
4. O trabalhador no sistema capitalista é objetivado como mercadoria que pode
ser comprada no mercado.
5. A mercadoria “trabalho” é necessária para permitir a produção.
6. Os sujeitos da troca e da produção devem ser pensados como livres e iguais:
livres no sentido de vender e comprar mercadoria no mercado, e iguais como
possuidores de bens.
7. Livres de vender e comprar;
8. Iguais como possuidores de bens, o capitalista do capital, o trabalhador da
força de trabalho.
9. O contrato é a forma através da qual acontece a troca entre sujeitos jurídicos.

Então, este direito se baseia na igual liberdade dos indivíduos de trocar


mercadoria. O contrato representa a sociedade moderna, a liberdade representa o
comércio livre/ autonomia da vontade individual (possibilidade de garantir juridicamente
de comprar e vender). Portanto, o direito moderno formaliza e personaliza as relações
sociais e materiais que funcionam e que operam dentro da sociedade moderna capitalista.

Função expressiva do direito


O direito tem um função expressiva, porque permite a constituição do sujeito
moderno, como um sujeito que é sujeito de direito só na medida em que as diferenças
sociais e naturais são consideradas formalmente irrelevantes.

Direito Racional e formal


O direito constitui o sujeito moderno de duas formas:
1. Forma destrutiva: a harmonia social pré-moderna, a concepção orgânica da
sociedade feudal, devem ser destruídas.
1. Os filósofos e historiadores burgueses descrevem essa destruição como
uma história do indivíduo que se torna livre, a progressiva superação dos
ciclos sociais que forçaram as relações de dependência servil dos
indivíduos.
2. Para Marx a modernização é muito diferente da representação iluminista.
A modernidade não é auto afirmação do espírito ou da razão que se torna
história e nem simplesmente a racionalização de um processo, mas a
origem da modernidade seria o que Nietzsche chama de “algo
podre”.Marx nos diz no capitalismo, que “a origem do capital ocorre por
meio da conquista, escravização, roubo, assassinato , através da violencia
e da força. O próprio estado moderno é expressão da violência e da força”.
Entretanto, para Marx o estado e o direito é assumido pela
sociedade, ou seja, estes dois elementos são expressivos da
violência das relações econômicas sociais que constituem a
sociedade. O estado não é o único sujeito que usa a violência, mas
as relações sociais sobres as quais se fundam a sociedade
capitalista são relações de exploração.
Na Inglaterra o direito foi instrumento de roubo das terras dos
campesinos e as legislações sanguinárias que obrigaram os pobres
a irem para as cidades e, assim, venderem a própria força de
trabalho.
2. Forma construtiva: a decomposição das estruturas sociais tradicionais criou o
indivíduo isolado, ao mesmo tempo trabalhador e consumidor.

O direito, portanto, tem uma dupla função, pois expressa um conjunto de forças
que ao mesmo tempo reflete as relações capitalistas quanto as torna possíveis. Esta dupla
função se manifesta na capacidade de o direito destruir as formas antecedentes de
sociedade e de construir as formas nas quais se manifestam as relações sociais econômicas
na sociedade capitalista. O direito racional formal é a manifestação e a expressão perfeita
da sociedade capitalista. E não é uma expressão simplesmente passiva das relações
econômicas e sociais, mas é também ativa, pois muda; constrói; legítima.
Este direito é simplesmente a manifestação ativa e passiva das relações sociais
existentes na sociedade capitalista moderna? ou é também instrumento de luta de
transformação social? Isso será analisado na próxima aula, quando se for ler o texto de
Marx sobre a questão judaica.

Aula 13 - (semana 5 na ementa, pois o prof alterou a ordem com a semana 6)

-O direito tem uma função expressiva, no sentido que o direito expressa um conjunto
complexo de processos nos quais aparecem as contradições da vida social capitalista.
-O direito permite a manifestação das estruturas econômicas e sociais o direito produz
novas formas sociais e como discurso dos direitos e constitui forma de articulação e
manifestação das lutas sociais.
-Marx tem uma teoria constitutiva do direito na modernidade. Ou seja. toda aula passada
estava centrada nesse ponto. O direito opera em conjunto complexo de processos como
reflexo como força produtiva que permite a existência dessas formas.
-O direito constitui o sujeito moderno político de duas formas:
-Destrutiva = implica que o direito tem que destruir a harmonia social a concepção
orgânica da sociedade feudal. destruir o antigo espaço social., organização
humana.
-Construtiva = a decomposição dessa estruturas tradicionais se criou o indivíduo
isolado e ao mesmo tempo trabalhador e consumador. Isolado de sua autonomia
racional. o ser humano pensado na modernidade como pessoa jurídica, a condição
necessária que o próprio ato de troca possa acontecer

Porque a questão judaica é importante?

-Argumentos dos direitos. Marx esta desconstruindo o discurso político moderno


-A leitura pode ser útil para compreender qual movimento do pensamento marxiano a sua
lógica interna em relação a sua crítica do direito.
-O texto nos permite compreender uma questão que foi pouco desenvolvida pela
interpretação marxiana e marxista: os direitos como instrumentos de luta social

Contexto histórico social que começa se delinear o problema de emancipação dos judeus
-desenvolvimento da economia capitalista
-afirmação do estado representativo moderno
-a consequente crise feudal

Em um período histórico determinado entre os séculos 17 e 18 a estrutura


semântica dos conceitos se transforma radicalmente. Por exemplo, emancipação indicava
o ato de declaração de maioridade e torna-se o “antistandischer Begriff”= conceito
político antitético ou seja que pode ser utilizado dentro de uma luta política e disso
derivam duas grandes consequências

Os escritos Bauer e Marx se encaixam nesse contexto, cada um tentando pensar


de maneira diferente a questão judaica em relação a emancipação universal
na crise da estrutura feudal, a emancipação dos judeus através do reconhecimento dos
direitos de cidadania torna-se, nos escritos dos dois pensadores, o lugar teórico para medir
a distância entre direitos e cidadania, entre o princípio abstrato e universal de egalibertè
e permanência das diferenças sociais.

Para Bauer a emancipação política só poderia ser parcial até que houvesse uma
renúncia as crenças religiosas portanto os judeus não deveriam ter direito civis e políticos
até que renunciasse a ser judeus. Os judeus portanto tiveram que emancipar deles
mesmos, da sua natureza particular e lutar primeiro q=contra a própria religião para
depois conquistar os direitos políticos

Marx no começo de seu texto sobre emancipação judaica, sarcasticamente,


apresenta e resume a posição de Bauer (modalidade típica da escritura de marx). Então,
escreve que os judeus almejam a emancipação, mas que emancipação? a cidadã, política.
Bauer responde que ninguém na Alemanha é emancipado e nós mesmos carecemos de
liberdade. Alega também que os judeus são egoístas quando exigem uma emancipação
especial só para os judeus e, como alemães, devem trabalhar para a emancipação
política da alemanha e como homens para emancipação humana. Eles devem olhar para
si não como exceção a regra, mas sim como confirmação da regra.

Marx presumindo a posição de Bauer escreve que temos que emancipar nós
mesmo antes de emancipar os outros. A forma mais cristalizada de antagonismo entre o
jedueu e o cristao é o religioso e como se supera o antagonismo? tornando-o impossível,
superando a religião.

Para Bauer, a questão da emancipação política se torna uma questão ideológica.


Uma vez resolvida a questão ideológica se pode realizar a emancipação política. A
questão ideológica seria a secularização do estado, a separação do estado da religião
permitindo a emancipação política. os judeus uma vez que o Estado não é cristão e sim
laico e tem que se libertar da religião. A emancipação em relação a religião é colocada
como condição tanto ao judeus que quer ser politicamente emancipado quanto ao Estado
que deve emancipar e ser o próprio emancipado

Marx em seu artigo acusar Bauer de tratar o estado teleologicamente. Marx


dissolve a alegada especificidade da questão judaica em uma questão geral que diz
respeito a contradição que pertence a sociedade moderna uma contradição entre a
igualdade jurídica e política e as diferenças individuais diferenças não simplesmentes
religiosas mas culturais, sociais e econômicas

Então marx escreve nós transformamos a questão mundanas em teológicas.


transformamos as questões teológicas em questões mundanas

Tem a historia sido, por tempo suficiente, dissolvida em superstição passamos


agora dissolver a superstição em história

A questão da relação entre emancipação política e religião transforma-se para nós na


questão da relação entre emancipação política e emancipação humana

Criticamos a debilidade religiosa do Estado político ao criticar o Estado político em sua


construção secular, independente de sua debilidade religiosa. Humanizamos a
contradição entre Estado e uma determinada religião, como por exemplo, o judaísmo,
em termos de contradição entre o Estado e determinados elementos seculares, em
termos de contradição entre o Estado e a religião de modo geral, em termos de
contradição entre o Estado e seus pressupostos gerais.

A ideia do Marx: a emancipação política é uma emancipação parcial. os estados nos


quais ocorreu a diferenciação entre política e religião não pedem aos seus cidadão que
renunciam suas crenças religiosas. Ao contrario, concedem liberdade religiosa quando
reduzem a religiao ao assunto privado, problema de consciencia individual
Ainda continuam, o estado pode portanto ter emancipado da religião mesmo que a
maioria esmagadora continua religiosa. Ou seja, quando acontece a secularização =
separação do estado da religião, temos um reconhecimento das diferenças da liberdade
de religião, mas a religião não é superada, mas as pessoas continuam a ser religiosas na
esfera privada. A religião não tem maisnuma funçao publica, mas privada.

Então o problema para marx não é de natureza teleológica como pensa Bauer, mas sim
de natureza econômica e política, na sociedade moderna o dualismo entre o mundo
terreno e mundo celestial tem sua base material nos diz marx na cisão entre homem
político e homem privado e entre o estado político e sociedade civil. POrtanto, escreve
marx, que a emancipação política em relação a religiosa permite que a religião subsiste
ainda que não se trata de uma religião privilegiada. A contradição que se encontra o
adepto de uma religião em particular com sua cidadania em que apenas uma parte da
contradição secular universal entre o Estado político e a sociedade burguês
consequentemente o homem não foi liberado da religião mas ganhou essa liberdade da
religião. Ele não foi liberado da propriedade, mas ganhou essa liberdade da propriedade.

A verdadeira religiosidade do homem se encontra na cisão do indivíduo


moderno em burguês em membro da sociedade civil e cidadão do Estado político a
emancipação política não e a solução mas só pode produzir uma universalidade irreal

Para Marx não é suficiente a emancipação política ele quer uma emancipação
que não seja só política, mas também uma emancipação social que não seja irreal. A
emancipação política é irreal pq produz continuamente o dualismo entre burguês e
citoyen
a questão concerne portanto a forma religiosa de um dualismo que por um lado se
configura em um universalismo irreal do estado com o poder oposto ao indivíduo e
como dominação do ordinário como forma de vínculo social oposto aos indivíduos.

Segundo Marx, a contradição entre o Estado e sociedade civil é simplificado


pela distinção entre os direitos do cidadão e os direitos do homem, distinção entre
cidadão e homem burguês

Direitos humanos e Direitos dos cidadãos

Os droits de l’homme, os direitos humanos, são diferenciados como tais dos droits du
citoyen, dos direitos dos cidadãos.
Quem é esse homme que é diferenciado do citoyen? Ninguém mais ninguém menos que
o membro da sociedade burguesa. Por que o membro da sociedade da sociedade
burguesa é chamado de “homem”, pura e simplesmente, e por que os seus direitos são
chamados de direitos humanos? A partir de que explicaremos esse fato? A partir da
relação entre o Estado político e a sociedade burguesa, a partir da essência da
emancipação política.
Antes de tudo constatemos o fato de que os assim chamado direitos humanos, os droits
de l’homme, diferentemente dos droits du citoyen, nada mais são dos que os direitos do
membro da sociedade burguesa, isto é, do homem egoísta, do homem separado do
homem e da comunidade

Então o universalismo que está propondo a emancipação política é um


universalismo irreal, só formal e portanto a emancipação também é irreal, parcial que
não resolve o problema da emancipação humana pq reproduz uma dimensão mundana,
uma dimensão secular, aquela divisão teológica entre uma esfera terrena e o mundo
celestial.
Então a crítica do marx aos direito se torna uma critica analitica ele analisa todos os
artigos da declaração dos direitos humanos do cidadão de 1789 e também alguns artigos
da constituição democrática de 1793. para marx em todas as declarações e constituições
aparece o mesmo problema: da separação entre dimensão privada e pública entre o
homem percebido na própria individualidade burguesa e o cidadão. Nesse esquema que
a liberdade para marx:

A liberdade equivale, portanto, ao direito de fazer e promover tudo que não


prejudique a nenhum outro homem
O direito humano à propriedade privada, portanto, é o direito de desfrutar a seu bel
prazer (à son gré), sem levar outros em consideração, independentemente da sociedade
de se patrimônio e dispor sobre ele, é direito ao proveito próprio. Aquela liberdade
individual junto com esta sua aplicação prática compõem a base da sociedade burguesa.

A egalité, aqui em seu significado não político, nada mais é que igualdade da
liberté acima descrita, a saber: que cada homem é visto uniformemente como mônada
que repousa em si mesma.

A segurança é conceito social supremo da sociedade burguesa, o conceito da


polícia, no sentido de que o conjunto da sociedade só existe para garantir a cada um de
seus membros a conservação de sua pessoa, de seus direitos e de sua propriedade.
Nesses termos, Hegel chama a sociedade burguesa de “Estado de emergência e do
entendimento”

Até aqui, Marx conduziu uma crítica radical aos discurso dos direitos e do
projeto jurídico moderno. Ele desconstrói pedaço por pedaço do discurso político
jurídico da modernidade.Muitos intérpretes marxistas leem esse texto da questão judaica
como uma crítica destrutiva ao discurso dos direitos. Eles falaram que mArx considera
o discurso dos direitos como um discurso ideológico que simplesmente do discurso do
domínio de classe. Os direitos tem só uma função, ideológica que consiste em esconder
o domínio de classe. São instrumentos da dominação de uma classe sobre outra, sem
poder emancipatório.
Para o professor, se é verdade que Marx critica a teoria dos direitos ele
reconhece ao discurso dos direitos a capacidade de agir praticamente, politicamente ou
universal que os pertence. Tem que lembrar também do local de fala do Marx é uma
crítica que quer ser universal, contesta a emancipação política pq é irreal e não consegue
alcançar o que se promete.
Para Marx não se trata de desmascarar o conteúdo que se esconde na forma de
enunciação dos direitos, mas verificar a capacidade de uma emancipação universal isto
é articular relações socioeconômicas reais por meio de sua progressiva politização

Crítica aos direitos


Esse é o ponto mais importante da aula, pois podemos pensar a emancipação
através do discurso dos direitos. A emancipação dos judeus deve ser pensada de forma a
quebrar a relação do indivíduo e Estado. Ou seja, quebrar a lógica do Estado e do Direito
moderno, pois é uma lógica que não nos permite ir além de uma emancipação política.
Os direitos podem ser pensados como instrumentos de luta na medida em que
conseguimos sair da lógica do discurso jurídico moderno que pensam os direitos dentro
da relação do indivíduo com o Estado.
A ideia de que o povo pode ser soberano ao ponto de se tornar um mecanismo
abstrato para representação. O direito é racional ao fazer essa abstração nos direitos
sociais. Nessa perspectiva é o resultado lógico da representação política.
Soberano age em nome e por causa do povo, portanto, o povo só existe pelo
soberano e o soberano só existe pelo povo.
No esquema liberal, os direitos são apenas prerrogativas individuais.
Kant diz que direito é um espaço que permite a convivência de o arbítrio de um
com o arbítrio de outro. Ou seja, possui uma matriz liberal.
Marx quebra o esquema da filosofia política liberal:
- Demonstra que a relação entre homens é mediada através de objetos / mercadorias;
- As relações entre homem, coisas e natureza são mediadas pelo trabalho.

os direitos não são apenas a manifestação passiva, mas há uma função ativa é
ligada a dimensão de luta, política e liberação que pertence aos discursos do direito.
. Rousseau: -> “o contrato social” - neste texto ele ressignifica o conceito de povo e a
relação entre direitos e estado.
No contrato social Rousseau diz que devemos nos perguntar: como um povo pode
ser povo? E não apenas como um povo pode ser soberano.
O problema para Rousseau não é apenas a justificativa do poder supremo.
O povo em Rousseau é uma multidão insurgente. Nesta perspectiva varia algumas
reflexões:
- Ideia de nação que é a ideia de cidadania dos revolucionários franceses Jacobinos,
não tem nada a ver com o conceito de pertencimento; mas sim com o ato de liberação
que a multidão realiza em conjunto.

Os direitos indicam um espaço de luta coletivamente determinado.


· Isso significa:
-Que só nós podemos nos libertar, que nós somos os sujeitos da nossa libertação. Não
é possível a emancipação em termos dos direitos concedidos pelo estado. A
emancipação não é algo que pode ser concedida, pois se fosse, seria dependente da
autoridade que a concede, e isso seria uma contradição. Não seria autônoma, mas
dependente e, portanto, não seria emancipação.
-As lutas pelos direitos reinventam a dialética entre particular e universal. As lutas
são parciais, mas na medida na qual são as lutas das “sem partes”, dos excluídos, aí
se tornam universais, lutas universais pois são capazes de questionar as formas de
exclusão e transformar radicalmente o espaço social e político. Portanto, é necessário
superar a forma jurídica de pensar a emancipação para acessar o novo universalismo
político.

Marx diz: “toda emancipação é redução do mundo humano e suas relações ao


próprio homem. A emancipação política é a redução do homem, por um lado, a membro
da sociedade burguesa, a indivíduo egoísta independente, e, por outro, o cidadão, a pessoa
moral”.
portanto, para Marx, o universal (que é o discurso dos direitos) não se manifestam
como neutralidade, mas a posição de uma parte cuja prática se coincide com o universal.
-> o universal se manifesta pela luta dos excluídos

Aula 14 - Envio de perguntas


Aula 15 - Aula síncrona
Aula 16 – Semana 8
A aula desta semana está dedicada ao pensamento de Michel Foucault. Essa é a
última aula da última parte do curso que será totalmente dedicada ao pensamento e à
crítica do direito e do poder de Michel Foucault.
Então, a primeira questão que temos diante de nós é: quem é Foucault e por que
Foucault é interessante para nós? Então, é muito difícil responder essa pergunta: Quem é
Foucault? Claro. Foucault é um filósofo francês, nasceu em 1966 e morreu em 1984. É
um filósofo francês que é bastante importante na filosofia, na história do pensamento,
mas também no pensamento jurídico porque permitiu um “repensamento” da definição
jurídica.
Mas responder à pergunta “Quem é Foucault?” é difícil responder essa pergunta
porque Foucault sempre contestou os limites dos discursos e os limites das disciplinas,
das reflexões disciplinares. Em um texto de 1968, o texto que se chama “A arqueologia
do saber”, na introdução, no prefácio do texto, Foucault escreve que ele escreve para não
ter um rosto, para não ser identificado e que todo o seu percurso filosófico tenta colocar
em questão o problema, a pergunta sobre a identidade. Então a escritura, a reflexão
filosófica, a reflexão teórica seria uma modalidade para colocar em xeque, para colocar
em questão o problema da identidade, ou seja, para ser diferente, pensar diferentemente,
para ser diferente, para afirmar a própria singularidade diferente que é sempre excedente
às tentativas de classificação, de identificação, de generalização.
Então Foucault, portanto, é um filósofo não-filósofo. Vocês lembram a definição
de (...) em relação a Marx? Podemos dizer a mesma coisa de Foucault. Foucault é um o
filósofo, mas, ao mesmo tempo, não quer ser identificado com a filosofia, com o discurso
da filosofia. E por que ele não quer ser identificado com a filosofia, com o discurso da
filosofia? Porque ele acha que o discurso filosófico tem que ser desconstruído, ele acha
que o discurso filosófico sempre foi pensado como aquele discurso que detêm a verdade,
o discurso da verdade, da filosofia da tradição, da filosofia da metafísica. Vocês acham
essa ideia de que a filosofia é o discurso e tem uma relação privilegiada com a verdade e
com o dizer a verdade, mas Foucault acha que o discurso filosófico é produzido como
outros discursos através das práticas sociais, portanto, esse discurso, sendo produzido
como outros discursos não tem aquele privilégio, aquela posição privilegiada central que
a tradição filosófica atribui ao discurso filosófico mesmo... se atribui, portanto.
Foucault quer descentralizar o sujeito filosófico e o discurso filosófico e quer
evidenciar a presença de outros discursos, os discursos jurídicos, os discursos menores e
que podem ser igualmente importantes para entender o funcionamento de uma sociedade.
Não mais a filosofia e o sujeito da filosofia como único sujeito que detém a possibilidade
de dizer a verdade, mas uma pluralidade de discursos e o discurso filosófico está dentro
desta pluralidade de discursos.
Então Foucault é um filósofo que quer desconstruir radicalmente a filosofia, que
quer destruir os limites das disciplinas, as fronteiras do discurso filosófico. E como quer
destruir as fronteiras do discurso filosófico? Valorizando outros sujeitos que não são
filósofos, valorizando outros discursos que não são os discursos filosóficos e que não tem
o privilégio de ser um discurso da filosofia.
Então, primeira questão, é difícil dizer quem é Michel Foucault porque Michel
Foucault em toda a sua reflexão e produção tenta sempre este processo de problematizar
as identidades, problematizar a centralidade dos discursos, dos sujeitos que falam e que
tem uma posição de privilégio no discurso. Então quer problematizar sempre os lugares
de fala e também quer problematizar o próprio lugar de fala até o ponto de problematizar
o discurso mesmo da filosofia, ou seja, o seu discurso. Então a primeira questão,
problematicidade, Foucault é um pensador da diferença e, portanto, para nós é muito
interessante porque pensa radicalmente e diferentemente a diferença.
Segundo questão, os críticos, os estudiosos, os críticos de Foucault falam que a
sua produção, as pessoas que estudam Foucault, normalmente, dividem a produção de
Foucault em 3 momentos que são bem diferenciados.
O primeiro momento, que é um momento no qual Foucault se ocupa da
arqueologia do saber. Nesta aula nós vamos ver o que significa arqueologia do saber. No
segundo momento, Foucault se ocupa da genealogia do poder. E uma terceira fase da sua
produção, o pensador francês se ocupa da ética dos processos de subjetivação.
Então a primeira fase corresponde, mais ou menos, podemos dizer, do texto de
sua tese de doutorado (“A história da loucura” publicada em 1961) e chega até a
publicação dos textos muito importantes que são “As palavras e as Coisas” (que foi
publicado em 1966) e do texto “Arqueologia do saber” (que foi publicado em 1968).
Então depois deste momento, no qual o Michel Foucault se ocupa das condições materiais
que permitem a constituição a formação dos discursos dos saberes, como se forma as
ciências humanas, quais são as condições que permitem a formação do saber, dos
discursos. Então “Arqueologia do saber”, como se forma os discursos, quais são as
condições para a formação dos discursos.
Uma segunda fase de produção é uma fase que tem a finalidade de entender a
relação entre o saber o poder. Essa fase começa com a produção, com a aula inaugural no
Collège de France, em dezembro de 1970, e termina, mais ou menos, com o livro, o
primeiro livro da história da sexualidade, que é intitulado “A vontade de saber”
(publicado em 1977).
Então, depois temos um outro momento, a última fase da produção foucaultiana.
Michel Foucault faleceu em 1984, ele era doente, tinha AIDS e morreu em 1984. Então
a última fase é uma fase na qual o filósofo/pensador francês reflete sobre os processos
de subjetivação, ou seja, como você pode, como sujeito, como pode se tornar sujeito além
da forma? Qual poder e os discursos do poder o formaram como sujeito? Então você tem
uma outra possibilidade de ser sujeito a respeito da forma com a qual o poder e o discurso
dos poderes constroem a subjetividade de cada um de nós. Então uma reflexão sobre a
ética, sobre os processos de subjetivação e também sobre a possibilidade da crítica, sobre
a possibilidade da crítica.
Então 3 momentos, 3 fases da produção foucaultiana estão classificadas. Esta
classificação é bastante simples, mas por um lado corresponde, mais ou menos, ao
percurso do Michel Foucault, por outro lado está esta classificação, se pensado, percebida
rigidamente não nos permite entender a continuidade, podemos dizer, de interrogação
filosófica de Foucault que, para mim, é bastante evidente e pode ser resumida na forma
seguinte: Foucault tenta pensar diferentemente a diferença, ele desconstrói o discurso
filosófico exatamente na medida na qual tenta pensar a diferença positivamente.
A diferença no discurso filosófico foi sempre pensada como negação. E com
negação o que quero dizer? Com isso quero dizer que é diferença foi pensada sempre em
relação à identidade, então como algo que deve ser identificado para poder afirmar a
identidade. A diferença é o que não é idêntico, então todas as diferenças, a filosofia só...
a diferença só é exclusivamente para afirmar a identidade. Então Foucault tenta pensar
diferentemente a diferença, tenta pensar positivamente, afirmativamente a diferença e
essa idéia é revolucionária tanto na filosofia quanto na política e nos efeitos que produz
no campo filosófico e no campo político e das lutas sociais.
Então a última questão antes de começar esta aula de hoje: a produção
foucaultiana. A gente hoje vai discutir 2/3, que são um livro, uma parte de um livro, que
é o primeiro volume da “História da sexualidade” intitulado “Vontade de saber”,
publicado em 1976 e um outro texto que é uma aula publicada em um livro que é de aulas
que se chama “Em defesa da sociedade”. Então temos 2 textos. Como funciona a
produção foucaultiana? Então a produção de Foucault é uma produção, mais ou menos,
de livros que ele publicou, vários livros bastante importantes, mas além dos livros, temos
os cursos que ele deu no Collège de France e temos também um outro grupo de escritos
que são escritos vários de artigos de jornais, artigos de revistas, entrevistas e outros textos
vários que foram, depois da morte de Foucault, reunidos em 4 volumes que se chama
“Ditos e Escritos” e que são importantíssimos.
Então a gente tem os livros publicados pelo autor Michel Foucault, depois temos
os cursos que ele deu no Collège de France e essa massa de escritos vários e que são
recolhidos neste volume que se chama “Ditos e Escritos”.
Então os livros, claro publicados em várias línguas, e os cursos, temos que dizer
uma coisa em relação aos cursos, os cursos são... Foucault era um filósofo e não era um
filósofo, era um professor da Universidade, mas não era um professor da Universidade
porque ele ensinou no Collège de France. Quando ele tinha 43 anos ele foi nomeado como
professor do Collège de France.
Collège de France é uma instituição francesa muito interessante porque é uma
instituição, não é uma universidade, mas é uma instituição pública que tem um corpo
docente e que, a cada ano, os professores do Collège de France tem que dar algumas aulas
nas quais eles têm que expor, tem que falar sobre a própria pesquisa. Então são (...?) aulas
nas quais cada professor do Collège de France fala sobre a sua pesquisa e a cada ano estas
aulas têm que ser diferentes, originais. Outra coisa interessante é que o Collège de France
não tem estudantes, mas tem só pessoas interessadas em ouvir, cada um pode participar
das aulas, pode ir como ouvintes as aulas no Collège de France e então não tenho alguma
limitação.
Então Foucault é chamado a expor no Collège de France as suas pesquisas para
um público que não é o público de estudantes, não é a relação entre o mestre e os
discentes, é só uma relação de curiosidade, de interesse. Nesse ponto de vista a gente
poderia dizer que essa relação é a relação que seria típica do conhecimento e da
interrogação filosófica, pelo menos no sentido antigo da palavra. Então tudo isso para
dizer o quê? Que além dos livros e além dos escritos vários, temos um material muito
interessante que são as aulas de Michel Foucault que ele deu o colégio da França de 1970
até a sua morte, em 1984... mais de 14 anos de cursos nos quais Foucault apresenta a
própria pesquisa, o próprio laboratório de pensamento. Então é extremamente interessante
tudo isso. Então na aula de hoje temos que analisar um texto, um livro publicado por
Foucault em 1976 e uma aula de 14/01/1976 e os 2 textos têm como tema a questão do
poder, a crítica a concessão do poder soberano.

Até aqui, a gente tentou evidenciar as linhas ao longo das quais o discurso jurídico-
político moderno se desenvolveu. Em segundo lugar, a gente quis analisar os conceitos
ao redor dos quais este discurso construiu a própria semântica. Enfim, a gente quis
compreender como a semântica está implicada com o poder e como poder é tal porque
tem uma semântica. Exatamente este último ponto é o tema sobre o qual trabalha
Foucault, e, portanto, para entender isso precisamos da ajuda do filósofo francês.
Então até agora a gente não quis descrever mais ou menos, analiticamente,
pensadores, conceitos, teorias; mas a gente quis mostrar como o discurso – no nosso caso
um discurso jurídico, político moderno – é um complexo de práticas discursivas, e não
práticas que constituem sujeitos e objeto de conhecimento; mas que constituem sujeitos
e objetos de poder.
O discurso jurídico, portanto, opera, ao mesmo tempo, no nível do poder e, ao
mesmo tempo, no nível do saber. No nível do poder, o discurso funciona e opera sempre
produzindo efeitos de poder. No nível do saber, o discurso legitima os efeitos do poder
que produz através da referência a verdade. Tem uma coisa interessante, que é que esse
discurso jurídico e político moderno do saber se estrutura com relação ao poder; e o poder
se estrutura com relação ao saber. Em outras palavras, podemos dizer que o poder para
funcionar precisa de uma semântica, de um saber, de um apelo a verdade, e vice versa.
Parece evidente como o discurso de verdade, como o discurso do saber, na sua auto
apresentação, na verdade, produz efeitos de poder significantes.
Chegamos à pergunta: por que Foucault? O pensamento de Foucault nos permite
entender exatamente esta coimplicação entre saber e poder na constituição da sociedade
moderna e no funcionamento do direito. Temos aqui 2 consequências relevantes para nós.
A primeira diz respeito à crítica: como a crítica pode ser crítica? A segunda diz respeito
ao poder: como funciona o poder?
A crítica é um esforço cujas condições de fala são contingentes e históricas e,
portanto, infundadas. um discurso situado, sempre capturado tem outro das relações de
poder. Agora, se o discurso crítico não é um discurso de fora, mas é parte do mundo que
quer descrever e criticar, como a crítica pode ser crítica? Se a verdade é sempre parcial –
perspectiva, como diria Nietzsche –, contingente, resultado de uma batalha, qual é o
fundamento da crítica? Qual a sua relação com a verdade? Qual é o fundamento da crítica,
qual a sua relação com a verdade, se a verdade é sempre parcial?
Outra consequência, como estávamos dizendo antes, nos diz respeito ao poder:
como funciona o poder? Então, agora, através de Foucault, a gente conseguiu entender
como o poder precisa de uma semântica. O que significa que o poder precisa de uma
semântica? Significa que o poder escreve algo, qualquer coisa em um horizonte de
sentido. O sentido é um fenômeno relacional, da relação e do relacionar-se. Só há sentido
em uma relação.
O poder, portanto, é inscrito em um horizonte de significado para poder orientar
de modo efetivo o processo de compreensão e ação. Aqui, também Weber concorda. Para
Weber, o poder é inscrito em um horizonte de significado; ele precisa formar um
horizonte de significado para poder orientar de modo efetivo o processo de compreensão
e ação. Então o poder obtém estabilidade só quando aparece sob a iluminação do sentido
e do razoável. Até aqui, chega também Weber, quando fala do processo de racionalização
de um poder formal. Mas, para Foucault, esta racionalidade, este significante que pertence
ao poder, não é atribuído pelo indivíduo. Não é o indivíduo quem atribui significado ao
poder e, portanto, o poder tem um significado. Mas é o contrário: o poder constrói
indivíduos e sujeitos como indivíduos normais, plasmados, conformes a exigências do
poder.
Se tudo isto é verdade: “o poder precisa de uma semântica”; “o poder precisa de
um horizonte de sentido”; “o sentido é algo relacional”; “o poder tem que ser racional”;
“essa racionalidade permite a produção de subjetividades, sujeitos conformes, normais,
disciplinados”; então o poder não pode mais ser descrito como unitário, como vertical,
como centralizado, como macrofísico. Tem de ser descrito como poder difuso, horizontal,
periférico. A imagem do Leviatã não funciona mais para descrever o poder no mundo
moderno. Então a hipótese de Foucault – a que ele trabalha na sua segunda fase de
produção – é repensar completamente o poder, fora da imagem do poder como poder do
soberano, do Leviatã. A gente falou bastante da imagem do Leviatã, que foi a imagem do
poder por muito tempo. Essa imagem não corresponde ao poder na idade moderna. Temos
que superar essa representação do poder como poder do Leviatã, como poder do
soberano.
Há mais dois pontos que quero desenvolver. O primeiro é uma crítica e o segundo
é sobre o poder. Como podemos fazer a crítica quando o discurso da crítica está fora do
mundo? Como podemos fazer uma crítica a um mundo existente, se não temos um lugar
fora desse mundo, que nos permite um distanciamento para observar e criticar? Portanto,
como pode acontecer a crítica, como a crítica pode ser críticaa?
A segunda questão, é sobre como o poder funciona. Esse poder macrofísico que
se identifica com o Leviatã, esse poder que se expressa num comando da lei do soberano
é um poder que funciona através do sentido, inscrevendo algo num horizonte de sentido.
Como podemos descrever esse poder que claramente vai além da imagem do poder
unitário, centralizado, do comando, da lei, do poder como repressão e interdição?
O ponto de partida para entender as duas questões que coloquei agora, é a hipótese
fundamental de Foucault: o racionalismo é expressão de uma vontade de dominação
através da técnica. As ciências humanas e sociais que nascem e se desenvolvem a partir
do século XIX, como a antropologia, a sociologia, a criminologia e a psicologia são
centrais para desenvolver este projeto de assujeitamento. O saber não é independente do
poder, mas saber e poder são aliados. O poder precisa de um discurso de verdade; e os
saberes, os discursos de verdade, produzem efeitos de poder.
O ponto fundamental para entender a ideia de crítica de Foucault diz respeito a
tradição que pensava a crítica de uma forma, podemos dizer, kantiana. (??? min 15.14)
A metodologia que permite pesquisar a relação entre o saber e o poder, e a
genealogia do poder, é interna. E como a gente vai ver mais para frente, como Foucault
retoma esta ideia de Nietzsche, que é bastante simples: o ambiente institucional, no qual
os discursos são produzidos, são fatos linguísticos de práticas sociais, fáceis de conduzir
a vida real e sujeitos específicos de poder.
Portanto, saber e poder não são duas coisas diferentes, opostas, como filosofia, à
metafísica desde Platão. Nesta concepção de metafísica, o saber se opõe ao poder,
constitui um limite aos abusos de poder. A figura de Sócrates é representativa de um saber
sem poder, contra um poder sem saber. Por isso, Sócrates foi assumido como um herói
do discurso filosófico. Como todos os heróis, a filosofia rapidamente esqueceu a sua
mensagem efetivamente revolucionária. E, paralelamente, em Foucault, em seu último
curso no Collége de France, sente a vontade de voltar a figura de Sócrates. Ele disse uma
coisa bastante interessante; ele não era um filósofo, mas, na última fase de sua vida, sentia
a necessidade de falar sobre Sócrates. Dessa forma, ele disse às pessoas que era um
filósofo, porque cada filósofo, pelo menos uma vez na vida tem que fazer um curso sobre
Sócrates. Foucault, em um curso maravilhoso sobre a coragem e a verdade, volta a figura
de Sócrates e o pensa diferentemente, não mais a figura do saber contra o poder, mas
como a figura da paroisias – coragem da verdade. Não se trata da verdade lógica da
filosofia, a verdade como correspondência entre o pensamento e as coisas, a verdade da
metafísica. Não, a verdade de Sócrates, a verdade de Foucault, a verdade sobre a qual
Foucault, que está doente, está morrendo de aids, era a verdade como escolha ética, de
luta contra um poder mentiroso. Então pairosias é a pessoa que tem a coragem para dizer
a verdade, estando a própria vida contra o poder que é um poder mentiroso. É uma verdade
que não tem nada a ver com a verdade do poder no sentido nobre da palavra. A verdade
de um poder que afirma a própria verdade científica, por exemplo. Mas a verdade como
escolha ética, como luta; que é muito diferente.
Voltemos ao assunto principal desta aula. Saber e poder são aliados, se
coimplicam. Esta ideia tem algumas consequências que são relevantes para nós. Primeira,
o discurso não é neutro, mas constituem relações de poder. O discurso é um conjunto de
fatos linguísticos em um determinado nível, e polêmicos e estratégicos em outro. O
discurso não é simplesmente aquilo que traduz ou reflete as lutas e os sistemas de
dominação. O discurso é aquilo para o quê e através do quê se luta, o discurso é o poder
que se quer conquistar. Esta última observação é bastante significativa para entender
como os discursos têm uma relevância porque tem efeitos no poder e são utilizados
também como instrumentos de resistência.
Outra consequência relevante para nós é que o sujeito da tradição filosófica e
jurídica moderna se descobre ser periférico, plural. Não há condição, mas condicionado.
Foucault quer questionar o ponto central do pensamento moderno, cuja centralidade está
no sujeito. De Descartes até Husserl, o sujeito é a condição de possibilidade do
conhecimento e da verdade. Kant nos diz que o sujeito é a condição transcendental.
Condição transcendental significa que temos que pressupor a existência do sujeito para
poder pensar o conhecimento e a verdade. Segundo Kant, o mundo não se oferece ao
sujeito como entidade ordenada e objetiva. Mas é o sujeito que contribuía para ordenar o
mundo com a própria razão. A experiência de mundo, segundo Kant, estava organizada
segundo mecanismos que estruturam o funcionamento da razão. Kant fala de condição a
priori. Para Kant, a razão moderna funciona para todos do mesmo modo, universal.
Agora, Foucault, por meio de Nietzsche, pensou a linguística de Saussure, bem
como a antropologia, visando descontruir radicalmente esse sujeito universal e abstrato.
A questão é como pesquisar como se constitui através da história esse sujeito. Como esse
sujeito está implicado nas relações de poder. Não é um sujeito abstrato, condicionado.
Marx fala, no capital, do sujeito jurídico, aquele que permite a troca no mercado, mas que
esconde atrás desse sujeito abstrato todas as diferenças. Esse sujeito que se constitui por
meio da tradição filosófica moderna e do discurso jurídico e político, na verdade, é um
sujeito que se constitui na história. Marx, no capital, fala como esse sujeito do
capitalismo, esse sujeito jurídico, é construído através da exploração, através do
desmatamento, através da colonização das américas. Assim, Foucault visa descontruir
radicalmente esse sujeito universal e abstrato da tradição metafísica moderna. A questão
é pesquisar como se constitui através da história este sujeito.
Vamos ao ponto: como pode ser a crítica? A crítica, para Foucault, deve ser
arqueo-genealógica. O que é isso? O termo arqueologia é retomado de Kant. Kant usa o
termo arqueologia para indicar a história do que torna necessário uma forma de saber. Ao
contrário disso, a crítica arqueológica de Foucault quer mostrar o caráter contingente do
que é representado como homogêneo, necessário, universal. Esta é a grande descoberta
nietzscheana: não temos nenhuma relação de necessidade, tudo é contingente. A
arqueologia, portanto, deve fazer emergir as condições de possibilidade daquilo que é
pensado e dito.
O termo genealogia é retomado de Nietzsche, e tem como tarefa uma wirliche
Historie, uma história real. A ideia é fazer emergir as condições materiais, as batalhas, os
conflitos de onde nascem os discursos, os conceitos, as ideias. Ou seja, os discursos
passam a ser resultado de um jogo de poder.
Este é um trecho que Foucault escreve em um artigo chamado “o que é
iluminismo?” – mesmo título de um outro texto publicado por Kant (1784) –, em que faz
uma reinterpretação do texto de Kant, para pensar de uma forma diferente o conceito de
crítica. Vocês sabem que o conceito de crítica é uma completa repetição no começo da
modernidade da noção de Kant, que era estabelecer os limites da razão. Para Kant, para
poder separar, distinguir a filosofia como ciência, e a filosofia como pensamento
metafísico, teológico, temos que estabelecer os limites da razão. Então, a filosofia
enquanto ciência não pode se perguntar sobre a ideia de Deus, porque esta pergunta não
pode ter uma resposta, pois vai além da possibilidade do conhecimento humano. A gente
pode conhecer só através do sentido. E o intelecto tem a tarefa de ordenar os dados que
percebemos através dos sentidos. Mas há ideias puras que não podemos conhecer através
da razão, mas temos que pressupor como condições transcendentais para podermos pensar
e conhecer. Então, para Kant, a crítica é estabelecer os limites da razão. Mas, para
Foucault, não é suficiente, naturalmente. Então temos de ir além de Kant, além da ideia
kantiana e moderna de crítica, pois, neste caso, é sempre uma ideia transcendental, que
pressupõe a existência de um fundamento, de algo universal a partir do qual podemos
pensar, descrever e criticar o mundo.
Para Foucault, tudo é contingente. A própria noção é crítica é contingente e,
portanto, sem fundamento. Então não podemos pressupor um lugar fora do mundo,
porque o próprio mundo é contingente. Ou a gente pensa a existência de um lugar fora do
mundo a partir do qual podemos fazer a crítica, ou temos que pensar que a crítica é
infundada.
Então este é um trecho que eu acho muito interessante, muito potente e que
expressa perfeitamente a ideia de crítica de Foucault. Vamos discutir juntos:
“[...] tal crítica não é transcendental e não se propõe a tornar
possível uma metafísica: é genealógica na sua finalidade e
arqueológica na sua metodologia. Arqueológica – e não
transcendental – no sentido que não tentará aprender as estruturas
universais de cada conhecimento e de casa ação moral possível;
mas tentará tratar os discursos que articulam o que pensamos,
dizemos e fazemos como tantos outros eventos históricos. E tal
crítica será genealógica no sentido que não deduzirá que nos
impossível fazer ou conhecer algo a partir daquilo que somos; mas
colherá, na contingência daquilo que nos fez o que somos, a
possibilidade de não ser mais, de não fazer ou não pensar mais
naquilo que somos, fazemos ou pensamos.
Ela não busca tornar possível a metafísica transformada finalmente
em ciência; mas tenta relançar para o mais longe possível e mais
difusamente possível o trabalho indefinido da liberdade.”
Então, eu acho esse trecho muito lindo e nos remete a uma tarefa de conhecimento
e ética e política: o trabalho definido da liberdade. Essa crítica não tem como finalidade
separar a ciência da metafísica, a ciência da teologia, mas quer mostrar como o nosso
presente é aberto a possibilidades de transformações radicais. A crítica arqueológica e
genealógica produz uma transformação do presente em um evento, em um composto de
uma série de eventos contingentes que poderiam ser diferentes do que são. O objetivo é
pensar o presente como uma materialização de possibilidades entre tantas possibilidades.
As outras possibilidades que não se transformaram realidade permanecem como
possibilidades, sempre presentes e possíveis. Portanto, o que se mostra como homogênea
e universal, por meio da análise arqueo-genealógica, revela-se contingente. Esta crítica
não para de colocar a questão do impossível, ou seja, a possibilidade do excesso, a
possibilidade da diferença. A crítica não para de questionar o presente.
É justamente aqui que Foucault questiona o nosso presente, que se apresenta
continuamente nas formas autoritárias de um processo de construção e noção da
diferença. A diferença é continuamente construída por discursos. A diferença é, ao
contrário, para Foucault, uma excedência, um imã do impossível, nunca completamente
assimilado nas lógicas do poder e nas lógicas do saber identificável com a ordem do
discurso e com as instituições que assumem a tarefa de identificar a diferença.
Então, o ponto central do pensamento foucaultiano é exatamente isto: como pensar
diferentemente. Analisando o funcionamento dos dispositivos de saber/poder que
constroem sujeitos e objetos, a crítica arqueo-genealógica não para de colocar a questão
do impossível, ou seja, a possiblidade do excesso, a possibilidade da diferença. Isso
significa que a crítica não cessa de questionar o presente, fazendo a pergunta: “como não
ser governado?

Então, a segunda questão que eu quero considerar, nesta aula, é sobre como
funciona o poder. A tese de Foucault é que é necessário dessubjetivar o sujeito político e
jurídico da tradição. Ou seja, cortar a cabeça do soberano. Se a gente não corta a cabeça
do soberano, realmente não podemos entender como funciona o poder na sociedade
moderna. Temos que nos libertar da Soberania, da Lei e do Estado se queremos
compreender realmente como funciona o poder moderno.
Chegamos aos textos que eu passei para vocês lerem: em defesa da sexualidade,
em defesa da sociedade.
Foucault diz o seguinte na obra “em defesa da sociedade”:
“[...] em vez de orientar a pesquisa sobre poder para o âmbito do
edifício jurídico da soberania, para o âmbito das ideologias que o
acompanham, creio que se deve orientar a análise do poder, para o
âmbito da dominação (e não da soberania), para o âmbito dos
operadores materiais, para o âmbito das formas de sujeição, para o
âmbito das conexões e utilizações dos sistemas locais dessa
sujeição e para o âmbito, enfim, dos dispositivos de saber
Em suma, é preciso desvencilhar-se do modelo do Leviatã, desse
modelo de um homem artificial, a um só tempo autômato, fabricado
e unitário igualmente, que envolveria todos os indivíduos reais, e
cujo corpo seriam os cidadãos, mas cuja alma seria a soberania.
É preciso estudar o poder fora do modelo do Leviatã, fora do campo
delimitado pela soberania jurídica e pela instituição do Estado;
trata-se de analisá-lo a partir das técnicas e táticas de dominação.
Eis a linha metódica que, acho eu, se deve seguir, e que tentei seguir
nessas diferentes pesquisas que [realizamos] nos anos anteriores a
propósito do poder psiquiátrico, da sexualidade das crianças, do
sistema punitivo etc.”
Foucault, nesta aula, está resumindo o percurso de análise que ele começou a partir
de 1930, quando começa a ensinar no Collége de France. A partir de, mais ou menos,
1980, Foucault começa a se interessar sobre o funcionamento do poder e sua relação entre
saber e poder: como os discursos reproduzem efeitos do poder e como o poder amplifica
o efeito de verdade dos discursos. Nesse sentido, é necessário que o poder seja analisado
microfisicamente, perifericamente, nos lugares onde o poder é exercido, se manifesta.
Essa ideia anima as análises de Foucault.
Temos que nos libertar do modelo do Leviatã. Para entender o funcionamento real
dos mecanismos, dispositivos do poder.
Quais são, então, os elementos do poder soberano? Foucault diz que a concepção
do poder como poder soberano se baseias sobre três elementos. O primeiro é a concepção
econômica do poder: o poder é um bem que os indivíduos transferem ao soberano; o poder
é algo que pode ser objeto de um contrato, de uma transferência dos indivíduos ao
soberano. Lembre-se, o direito para Hobbes é o direito a liberdade de fazer aquilo que
fosse necessário para sobreviver. Quando o indivíduo livre renuncia ao seu direito natural,
funda-se a sociedade, o estado. Ou seja, funda-se a lei. A lei, diferentemente do direito, é
uma limitação da liberdade natural do que é necessário para a sobrevivência. Então o
poder é algo que pode ser transferido. Essa liberdade que se transfere ao soberano, ele
reverte em proteção contra a violência. A crítica de Marx ao Estado é baseada neste
ponto.
O segundo elemento é a concepção unitária do poder: o soberano é sempre
pensado como sujeito unitário que exercita o poder do centro até a periferia, de cima para
baixo. A imagem é do Leviatã, da capa da primeira edição do livro de Hobbes. O poder
se manifesta no Estado, na unidade que o soberano representa.
O terceiro elemento é a concepção jurídica do poder: o poder é pensado na forma
da lei. A lei como comando repressor, garantido pela sanção. A lei como manifestação da
vontade, torna-se norma. Algo de racional e, ao mesmo tempo, carrega a vontade do
soberano. Mas permanece essa ideia de que o poder se manifesta através da lei. O direito
na modernidade é a forma através da qual é manifesta o poder político.
A crítica de Foucault, portanto, tem como objetivo o discurso político e jurídico
moderno. Esse discurso identifica a política com o Estado, e o direito com a lei. O
resultado é a representação do poder como o poder soberano. Tanto as teorias absolutistas
que queriam justificar o poder absoluto do Estado, quanto as teorias liberais que queriam
limitar o poder absoluto do Estado, compartilham a representação do poder como
soberania. Tanto Hobbes, quanto Locke e Rousseau descrevem o poder nos termos da
soberania jurídica – uma soberania absoluta, no caso de Hobbes; uma soberania liberal,
no caso de Locke; uma soberania democrática, no caso de Rousseau. Em todas essas
teorias temos a identificação do poder com o Estado e com o direito.
A teoria política-jurídica moderna de Hobbes até Kelsen, passando por Kant, vai
promover uma racionalização do poder soberano. Essa racionalização se realizou através
de um processo de constitucionalização do poder, ou seja, uma juridificação do poder e
do estado, uma consequente formalização do direito. Dessa forma, o soberano absoluto
de Hobbes transforma-se na norma fundamental de Kelsen. De Hobbes até Kelsen, o
poder é completamente neutralizado no direito. Torna-se norma jurídica, hipótese lógica,
condição transcendental para pensar a unidade do ordenamento jurídico. E o Estado torna-
se simplesmente ordenamento jurídico: uma pluralidade de normas cuja unidade não é
substancial, mas apenas formal, lógica, transcendental. O discurso jurídico moderno
pensa resolver o poder no direito em uma tecnologia formal de construção normativa da
realidade. O conceito de soberania se refere ao processo de formação do Estado moderno.
Mas, segundo Foucault, é um conceito teológico-político – não é mais útil para entender
o funcionamento do poder. O poder não deve pressupor, como elementos iniciais, a
soberania do estado e as formas da lei. O poder moderno não se identifica mais com a
soberania!
Esse é um ponto importantíssimo. As instituições jurídicas não seriam as únicas
em que o poder opera. O poder moderno funciona em um complexo de tecnologia política
capazes de intervir capilarmente sobre os corpos dos indivíduos e da população a fim de
plasmar novos tipos antropológicos, novos comportamentos, novas subjetividades, novos
desejos. Dessa forma, o poder moderno não é um poder negativo, que se expressa através
da forma da lei; mas é positivo, capaz de penetrar a vida biológica – biopoder.
Biopoder é um poder preocupado com o governo dos corpos dos indivíduos e da
população. As relações de poder não são mais uma relação de exterioridade, não se
limitam a sancionar juridicamente relações de classe, raça, gênero, mas contribui para
constituí-los. O poder constrói subjetividades.
Nesse sentido, o pensamento de Foucault está aberto também para o pensamento
pós-colonial. Temos de partir da periferia da sociedade; por analisar as margens, podemos
entender o centro. Essa é, de certa forma, a ideia de Marx também. Para entendermos a
acumulação originária, temos de entender o que está acontecendo com a colonização das
américas.
Outro ponto, é que o poder é onipresente. Não está apenas no centro, em cima da
pirâmide. O poder é um poder horizontal, que está em qualquer lugar. No texto “a vontade
e o saber”, Foucault escreve que o poder está em toda a parte. O poder não é uma
instituição e nem uma estrutura; não é uma certa potência de que alguns sejam adotados.
O poder é um nome dado a uma situação estratégica complexa numa sociedade
determinante.
Aula 17 - Semana 8

Na aula passada a gente viu o como Foucault entende o poder. E vimos também
que, para entendê-lo, precisamos deixar a ideia de soberania de lado. A primeira questão
é abandonar esse modelo do Leviatã.
Em suma, é preciso desvencilhar-se do modelo do Leviatã, desse modelo de um homem
artificial, a um só tempo autômato, fabricado e unitário igualmente, que envolveria todos
os indivíduos reais, e cujo corpo seriam os cidadãos, mas cuja alma seria a soberania.

É preciso estudar o poder fora do modelo do Leviatã, fora do campo delimitado pela
soberania jurídica e pela instituição do Estado; trata-se de analisá-lo a partir das técnicas
e táticas de dominação.

Hobbes tenta racionalizar poder. A ideia da capa do Leviatã é mostrar esse poder unitário,
central do soberano, composto por indivíduos singulares, livres e iguais, que fundam um
poder comum, que é esse poder unitário sobre o consenso. É um poder que se legitima
sobre a vontade dos indivíduos livres e iguais. A gente falou bastante dessa ideia da
racionalização através do direito. Na modernidade política e jurídica, a ideia de autoridade
muda radicalmente. Agora, autoridade significa ser autorizado a exercer um poder.
Portanto, na medida em que aquele poder é autorizado pelos indivíduos, essa imagem
fictícia de um contrato social legitima o poder. Autoridade significa que é um poder
autorizado, portanto legítimo.

A questão para Foucault é que esse poder funciona como representação política e jurídica
do poder, mas não é representativo do funcionamento real do poder moderno. Para
entender como funciona realmente o poder na nossa sociedade, não podemos fazer
especificamente referência ao modelo do Leviatã. Temos que ir além desse modelo. A
questão é como esses indivíduos que compõem o corpo de Leviatã podem ficar juntos. A
questão é como esse composto que são os indivíduos livres e iguais para a teoria jurídica
ficam neste lugar ficam juntos. Como é possível? Quais são os mecanismos que
possibilitam a construção desses indivíduos como corpos doces, como corpos
controlados, como corpos normais, como corpos conformes? Como é possível que esses
indivíduos obedeçam por meio de uma sanção abstrata?

Ninguém obedece por meio de sanção. O mecanismo no cotidiano da obrigação não pode
funcionar se o poder quer ser um poder real. Poder que usa exclusivamente a violência
ameaça é um poder fraco. É um poder que não funciona como poder. Poder, para ser
poder, para poder funcionar como poder tem de ser um poder que funciona sem violência;
e constrói os comportamentos dos indivíduos de um jeito capilar sutil analítico. Em outras
palavras, como esse poder pode construir uma população de corpos dóceis?

Os elementos do poder soberano

Só para resumir, os elementos do poder soberano, na concepção econômica do poder, é


que o poder é um bem que os indivíduos transferem ao soberano. Nesta concepção
unitária do poder, o soberano é sempre pensado como sujeito unitário que exercita o poder
do centro até a periferia, de cima para baixo. Essa concepção jurídica do poder poderia
pensar na lei como comando repressor pela sanção. Este é o modelo do Leviatã. É um
modelo centrado sobre o estado, sobre a lei o que permite a manifestação da vontade do
soberano.
Críticas ao poder soberano

Então, para Foucault, o poder não é um bem:

“o poder não é algo que se adquira, arrebate ou compartilhe, algo que se guarde ou deixe
escapar; o poder se exerce a partir de inúmeros pontos e em meio a relações desiguais e
móveis”

O poder funciona dentro de uma relação, que pode ser uma relação afetiva, uma relação
familiar, uma relação na universidade, uma relação na escola. Poder é uma relação e
funciona das relações que são desiguais

O segundo ponto diz que o poder não é externo, transcendente; mas imanente nas relações
econômicas, sexuais e de conhecimento.

Escreve Foucault na vontade de saber:

“as relações de poder não se encontram em posição de exterioridade com respeito a outros
tipos de relação (processos econômicos, relações de conhecimento, relações sexuais), mas
lhe são imanentes; são os efeitos imediatos das partilhas, desigualdade e desequilíbrios
que se produzem nas mesmas e, reciprocamente, são as condições internas destas
diferenciações; as relações de poder não estão em posição de superestrutura, com um
simples papel de proibição ou de recondução possuem; lá onde atuam, um papel
diretamente produtor”

A ideia de poder que Foucault está apresentando é um poder produtivo. Não é um modelo
centrado na repressão, como no modelo do é Leviatã. Claro, pode ser também repressão,
mas não é só repressão. Para ser poder tem que ser produtivo, tem que permitir que coisas
possam ser feitas. Um poder funciona quando consegue ser produtivo, não só quando está
dizendo não. Funciona quando diz você tem que fazer isso e você está fazendo isso,
interiorizando a disposição do poder. Você está fazendo isso antes que a vontade do
soberano se manifeste como comando.

Vamos para o terceiro elemento do poder na concepção foucaultiana. O poder não implica
uma relação vertical, mas horizontal:

“O poder vem de baixo; isto é, não há, no princípio das relações de poder, e como matriz
geral, uma oposição binária e global entre os dominadores e os dominados, dualidade que
repercuta de alto a baixo sobre grupos cada vez mais restritos até as profundezas do corpo
social. Deve-se, ao contrário, supor que as correlações de forças múltiplas, que se formam
e atuam nos aparelhos de produção, nas famílias, nos grupos restritos e instituições,
servem de suporte a amplos efeitos de clivagem que atravessam o conjunto do corpo
social. Estes formam, então, uma linha de força geral que atravessa os afrontamentos
locais [...]. As grandes dominações são efeitos hegemônicos continuamente sustentados
pela intensidade de todos os esses afrontamentos.”
Foucault não está dizendo que não tem distinções entre dominadores e dominados, que
não há desigualdade entre classes sociais. Ele está dizendo que essas distinções
macrofísicas entre as classes, grupos podem funcionar através das microfísicas do poder,
através das relações de poder que funciona microfisicamente nos lugares mais periféricos.
Sim, para entender como o poder funciona realmente temos de olhar os lugares
periféricos; não podemos olhar apenas a marcafísica do poder, o centro.

Vou, agora, ao quarto ponto, que diz que o poder não implica em um sujeito:

“não há poder que se exerça sem uma série de miras e objetivos. Mas isso não quer dizer
que resulte da escolha ou da decisão de um sujeito, individualmente; não busquemos a
equipe que preside sua racionalidade; nem a casta que governa, nem os grupos que
controlam os aparelhos do Estado, nem aqueles que tomam as decisões econômicas mais
importantes, gerem o conjunto da rede de poderes que funciona em uma sociedade (e a
faz funcionar); a racionalidade do poder é a das táticas muitas vezes bem explícitas no
nível limitado em que se inscrevem — cinismo local do poder — que, encadeando-se
entre si, invocando-se e se propagando, encontrando em outra parte apoio e condição,
esboçam finalmente dispositivos de conjunto: lá, a lógica ainda é perfeitamente clara, as
miras decifráveis e, contudo, acontece não haver mais ninguém para tê-las concebido e
poucos para formulá-las: caráter implícito das grandes estratégias anônimas, quase
mudas, que coordenam táticas loquazes, cujos "inventores" ou responsáveis quase nunca
são hipócritas”

As relações de poder são sempre atravessadas por um cálculo, mas esse cálculo é o
resultado de uma escolha racional de um sujeito. A ideia fundamental de Foucault é
produzir um processo de subjetivação, ou seja, dessubjetivar o sujeito de conhecimento.
Todo o pensamento moderno foi construído ao redor desse sujeito racional, a partir da
própria existência, da própria contingência se pensa como necessário, como racional.
Nesse sentido, o sujeito cartesiano é o sujeito que está pensando na contingência e, a partir
daí, uma vez que está certo construir um mundo racional, ordenar o mundo. É um sujeito
racional, é um sujeito que pensa é um sujeito que tenha certeza. Então o seu pensamento
pode ser utilizado para ordenar e construir o mundo a imagem da própria racionalidade
subjetiva.

A ideia de Foucault aqui é que a subjetividade é um processo de práticas sociais. O sujeito


cartesiano, maravilhoso, fantástico, que está pensando na filosofia, na verdade, é um
sujeito que foi construído através de um processo de racionalização, de individualização.
Foi construído através de práticas de poder práticas sociais. Na verdade, este sujeito
cartesiano, nos diz Marx, é um burguês que está querendo fazer troca no mercado. Esse
sujeito é um sujeito colonizador, por exemplo. Marx, insiste nisto no capítulo 24 do
capital. E Foucault nos diz que esse sujeito racional, para ser racional, deve excluir uma
multiplicidade de subjetividades perigosas: os lobos, os mendigos, toda uma pluralidade
de sujeitos que devem ser excluídos para construir a imagem desse sujeito racional. A
ideia foucaltiana busca demonstrar como o estado busca usar esse sujeito e, para isso,
precisa de mecanismos disciplinares de uma mecânica de um poder completamente
diferente.

Como esse sujeito de conhecimento é produzido nas práticas sociais, o estado soberano é
produzido por meio de mecanismos disciplinares que a manutenção da ordem social. No
final do texto do panoptismo, Foucault diz uma coisa muito linda: a modalidade panóptica
do poder não está na dependência imediata, nem no prolongamento das grandes estruturas
políticas e jurídicas de uma sociedade; é, entretanto, completamente independente.
Historicamente, o processo pelo qual a burguesia se tornou, no decorrer do século XVIII,
a classe politicamente dominante, abrigou-se atrás da instalação de um quadro jurídico
explícito, unificado formalmente, igualitário, atrás da organização de um regime do tipo
parlamentar representativo. Mas com o desenvolvimento e a generalização dos
dispositivos disciplinares, como o instituto – a outra vertente obscura desse processo –, a
forma jurídica geral que garantia o sistema de direito era sustentada por esses mecanismos
cotidianos e físicos.

Ou seja, tem um discurso político-jurídico que funciona como mantenedor do poder, por
meio, por exemplo, da constitucionalização do poder na forma da lei. Ao mesmo tempo,
esse processo de democratização, de constitucionalização do poder, do conhecimento dos
direitos pode funcionar, porque tem mecanismos que estão construindo os corpos, que
estão disciplinando e construindo os indivíduos como indivíduos.

Então, vocês não podem entender todo esse processo da racionalização sem pensar como
funciona uma fábrica, sem pensar como funciona uma vou prisão, sem pensar como
funciona uma escola, sem pensar como funciona um asilo psiquiátrico – que são as
instituições do século XIX.

O século XIX é muito interessante porque temos muitas coisas acontecendo ao mesmo
tempo. Temos uma dinâmica de constitucionalização do poder sobre a qual, como
juristas, a gente fala muito: os direitos das constituições, os conhecimentos
constitucionais, os direitos civis e políticos. Mas, ao mesmo tempo, o século XIX é o
século das instituições: das fábricas, dos hospitais, das escolas; há generalização da
disciplina para toda a sociedade. Tudo isso é representado maravilhosamente na literatura,
por exemplo.

Vamos no outro ponto, um ponto essencial. Foucault diz também que onde há poder há
resistência. A ideia é, Foucault escreve:

“lá onde há poder, há resistência e, no entanto, esta nunca se encontra em posição de


exterioridade em relação ao poder. Deve-se afirmar que estamos necessariamente no
poder, que dele não se escapa, que não existe, relativamente a ele, exterior absoluto, por
estarmos inelutavelmente submetidos à lei? Ou que, sendo a história ardil da razão, o
poder seria o ardil da história – aquele que sempre ganha?”
“isso equivaleria a desconhecer o caráter estritamente relacionada das correlações de
poder, o papel de adversário, de alvo, de apoio, de saliência que permite a repreensão.
Esses pontos de resistência estão presentes em toda a rede do poder. Portanto, não existe,
com respeito ao poder, um lugar da grande recusa – alma da revolta, foco de todos os
rebeliões, lei pura do revolucionário. Mas sim resistências, no plural, que são casos
únicos: possíveis, necessários, improváveis, espontâneas, selvagens, solitárias,
planejadas, arrastadas, violentas, irreconciliáveis, prontas ao compromisso, interessadas
ou fadadas ao sacrifício”

Eu acho esse ponto essencial, porque essa ideia do poder como algo horizontal, como
algo que funciona na relação não significa que esse poder é um poder invencível, um
poder que não pode ser contestado. Ao contrário, o poder funciona porque tem a
resistência. O poder é uma resposta à resistência. Deleuze tem um texto interessante que
diz que a resistência vem antes do poder. Paradoxalmente, o poder é sempre uma resposta
a uma resistência efetiva, a uma força maior. O poder quer subjugar. Então a resistência
é constitutiva do poder, não é algo externo ao poder; mas está no núcleo central deste
poder. Isso significa que esse poder é sempre contestado, é sempre colocada em xeque, é
sempre colocado em discussão. O poder não é uma identidade absoluta, unitária, vertical;
mas o poder funciona microfísicamente , e microfisicamente tem muitas resistências ao
poder. Isso significa que em um determinado momento essas resistências podem assumir
uma dimensão macrofísica.

Biopoder

Então chegamos a essa definição sobre a qual fala Foucault: o biopoder. Para Foucault,
esse poder da modernidade é um poder que tem alvo, como objeto a vida biológica. Com
vida biológica entendemos os corpos – o poder tem como objeto os corpos, controlar os
corpos, produzir corpos normais, produtivos, produzir tempo e trabalho dos corpos
através da exploração no trabalho, extrair conhecimento no capitalismo cognitivo.

O biopoder foi, sem dúvida, um entre os elementos indispensáveis ao desenvolvimento


do capitalismo; esse não poderia afirmar se não ao preço da inscrição controlada dos
corpos nos aparatos produtivos, e por meio de uma adequação dos fenômenos da
população aos processos econômicos.

Então o capitalismo pôde se desenvolver, explica Foucault, através da acumulação


originária do capital, através da exploração colonial que acontece no século XVI; mas
também de uma acumulação, de um disciplinamento dos indivíduos, através de
mecanismos disciplinares que permitem a inscrição dos corpos dentro dos aparatos
cognitivos. Portanto, na adequação da população aos processos econômicos.

O biopoder funciona através de um complexo de tecnologias e políticas capazes de


intervir e capilarmente sobre os corpos, dos indivíduos e da população, a fim de plasmar
novos tipos antropológicos, novos comportamentos, novas subjetividades, novos desejos.
O biopoder não é um poder negativo, que se expressa através da forma da lei, uma lei que
fala a língua da negação. O pode moderno é um poder positivo, capaz de penetrar a vida
biológica.

Outra questão é como se organiza a vida da população, como se protege a vida da


população da doença, do envelhecimento, dos sistemas sanitários, dos sistemas
urbanísticos que estão tentando se desenvolver no século XIX.

O poder é onipresente está em qualquer lugar. Mas também temos que saber que a
resistência é onipresente.

Problemas abertos

Como pode conviver, no mesmo período histórico, a nova mecânica do poder e o discurso
político e jurídico focado sobre a soberania, a lei, o modelo do Leviatã? Outra questão
que temos que entender é como funciona a nova mecânica do poder? Como se realiza o
disciplinamento dos corpos e a normalização social?

Discurso jurídico e poder disciplinar

Aqui, segue um trecho do indefesa da sociedade:

“temos, pois, nas sociedades modernas a partir do século XIX até nossos dias, de um lado
na legislação, um discurso, uma organização do direito público articulados em torno do
princípio da soberania, do corpo social e da delega, por cada qual, de sua soberania ao
Estado. E depois temos, ao mesmo tempo, uma trama cerrada de coerções disciplinares
que garante, de fato, a coesão desse mesmo corpo social. Ora, essa trama não pode mandar
algum ser transcrita nesse direito que é, porém, seu acompanhamento necessário. Um
direito da soberania em uma mecânica da disciplina: e entre esses dois limites, creio eu,
que se pratica o exercício do poder. Mas esses dois limites são de tal forma, e são tão
heterogêneos, que nunca se pode fazer que um coincida com o outro. O poder se exerce,
nas sociedades modernas, através, a partir do e no próprio jogo dessa heterogeneidade
entra um direito público da soberania e urna mecânica polimorfa da disciplina.”

Como funciona o poder na sociedade disciplinar?

Foucault fala em Vigiar e punir que os princípios do poder moderno são dois. O primeiro
é o princípio de exclusão: excluir alguém. Estou excluindo alguém colocando-o na prisão;
estou excluindo um doente colocando-o no hospital; estou excluindo um louco
colocando-o no manicômio. Mas também funciona através do princípio da vigilância, do
controle e da individualização em que a função desses dois paradigmas, dois modelos
servem para entender o poder moderno. O poder funciona como estigmatização de alguém
como normal, como louco, como mendigo como sujeito perigoso, como sujeito que tem
que ser excluído. O sonho desse modelo é criar uma comunidade pura, normal, sem
doença, sem mal moral. O funcionamento destes dois princípios permite a gente entender
o funcionamento destas instituições disciplinares. Por exemplo, a prisão, por um lado,
opera pelo princípio da exclusão; na prisão são colocadas as pessoas perigosas. Dentro da
prisão opera um princípio uma mecânica do poder disciplinar, que é a temporalização, a
individualização, a vigilância – que são o controle cotidiano controle capilar do
comportamento dos presos.

Todas as disciplinas que nascem no século XIX, nascem como saberes disciplinares, ou
seja, esses mecanismos disciplinares não são apenas mecanismos que acumulam e
difundem o poder de uma forma capilar sobre os corpos; mas são instrumentos para a
acumulação de saber. Então, através da organização escolar na qual a gente se formou,
escolas mais clássicas reproduzem modelo pedagógico jesuítico que é um modelo
extremamente disciplinar, e todo uma pedagogia do século XIX foi uma pedagogia que
se constrói ao redor deixo mecanismos disciplinares. Pensamos na psicologia a
psicologia. Como disciplina, estrutura-se ao redor de um saber médico e de um
mecanismo disciplinar ao redor da família, ao redor da sexualidade infantil, por exemplo.
Pensamos na criminologia. Toda a criminologia do século XIX é um campo do saber ao
redor de mecanismos disciplinares da prisão, da casa de correção, do asilo.

Então a ideia de Foucault é que tem mecanismos de práticas de poder sociais que
permitem a formação de saberes, que permitem a formação de subjetividades, que
permitem a formação de um jeito de pesquisa. Um jeito de pesquisa criminoso, por
exemplo, é um mecanismo que surge no século XIX como consequência da difusão dos
mecanismos disciplinares da prisão. Não é algo de que precisa o criminoso, mas é produto
de uma prática social de internação. A grande internação que acontece na Europa, mais
ou menos entre os séculos XVII e o século XIX, e que permite o desenvolvimento do
capitalismo fundamentalmente - porque o capitalismo nasceu através de uma disciplina
de uma população de campesinos que foram transformados em trabalhador. Portanto, essa
internação de mendigos, de marginais entre os séculos XVII ao século XIX permitem
também a construção de novas formas de saber novas subjetividades. Essa é a ideia, o
sujeito não precisa do conhecimento, mas o sujeito é resultado de práticas sociais que
permitem a constituição de novas subjetividades que são funcionais; práticas que
funcionam em um período histórico determinado. Por exemplo, um criminoso, um
menino masturbador, um menino incorrigível que resiste ao processo disciplinar na
escola.

A ideia é que o direito racional, formal que a gente está estudando na sociedade moderna
é contaminado, colonizado com práticas e saberes que são disciplinares. Um exemplo é a
perícia psiquiátrica no processo penal. Como opera? Qual é a função da perícia
psiquiátrica no processo penal? Vocês sabem que um sujeito não pode ser imputado por
tal crime se tiver problemas psicológicos problemas mentais. A perícia psiquiátrica opera
para legitimar através de um saber, um poder que é o poder de julgamento, um poder
penal de julgar. Então tem uma função circular entre o poder de decidir ser culpado ou
não, e o saber médico, que aparentemente é médico.

Uma coisa interessante é que Bentham pensou o Panóptico como uma sociedade
completamente transparente. Esse é o sonho também do racionalismo do século XVIII,
que tem com a ideia da prisão, transformar os corpos dos detentos. O espaço da prisão é
um lugar de visibilidade, de normalidade, que pensa sobre como podemos produzir a
anormalidade desses sujeitos.

A questão central é como funciona o poder na sociedade disciplinar? Foucault diz que há
um modelo alternativo ao do leviatã, isso que é o modelo do panoptismo. O princípio do
panoptismo é visibilidade, transformar um grupo de pessoas. Ter um grupo
individualizado de forma que podemos observar cada um dos indivíduos que compõem
esse grupo. O panoptismo é um instrumento de acumulação de conhecimento e de saber.

Podemos pensar a prisão como um zoológico em que o psiquiatra forense pode estudar
para acumulação de saber, para controle para vigilância.

É muito interessante como começa o capítulo do panoptismo. Foucault começa falando


da lepra e da peste – duas pandemias, podemos dizer. Isso é muito atual. Como uma
pandemia estrutura, constrói mecanismos de controle, vigilância. Como, a partir de uma
pandemia, se reconfigura o espaço político, a economia política da vigilância e do
controle. Esse é um tema que poderíamos desenvolver, como a pandemia está
completamente reconfigurando o espaço político da vigilância e do controle.

O paradigma da lepra se funda sobre a exclusão dos leprosos e sobre um sonho que é a
comunidade de pura, liberada da contaminação. Como podemos nos libertar do contágio.
Como podemos nos libertar das pessoas que são portadoras das doenças. Então colocamos
os leprosos em um lugar fechado fora da cidade, nas fronteiras da cidade – um lugar onde
não podem sair. Colocamos um controle para verificar se as pessoas não saem da cidade
e, dessa forma, nós podemos libertar da doença. A lepra, então, é um paradigma da
expulsão sobre como funciona o poder. É uma distinção binária entre o doente e o não
doente, entre o normal e o anormal, entre o conforme e o inconforme, entre o perigoso e
o não perigoso, entre o louco e o racional.

O poder funciona através de uma lógica de negação da negação. Temos que negar o que
nega a identidade para afirmar a identidade. É uma lógica de negação da diferença. A
diferença tem que ser pensada sempre como negação. a diferença é negação, negação da
identidade. Precisamos de diferença. E precisamos de diferença para afirmar a identidade.
Então precisamos do louco; o louco é fundamental para Descartes. Ele não pode pensar o
sujeito racional sem ter a loucura, senão através da expulsão da loucura. toda a metafísica
do pensamento antigo aristotélico tem que pensar um animal para pensar o homem. O
animal pode ser um bárbaro, pode ser uma mulher, pode ser um escravo, pode ser um
estrangeiro. Essas são figuras da diferença é que temos que afirmar ou excluir para afirmar
a identidade. Então paradigma da lepra funciona com o paradigma da expulsão.
Depois temos o paradigma da peste. O paradigma da peste é um paradigma da disciplina
e da vigilância. Depois do início da epidemia, não é mais possível excluir para pestilentos
da cidade. A cidade está dividida em zonas. Cada área é diferente devido a intensidade da
epidemia desinfecções e quarentenas. É necessário estabelecer um controle, um
monitoramento capilar generalizado. A população é cadastrada, cada bairro fica sob a
supervisão de um curador. Soldados, médicos, coveiros, únicas pessoas que podem
circular livremente pela cidade, devem exercer controle sobre a população, verificar as
condições de saúde de cada família, distribuir remédios e alimentos. A peste se refere a
um modelo de poder disciplinar. A peste também é um sonho de poder disciplinar.

Até este é um grande problema na Europa desde o século XVI. Foucault escreve: os
juristas do século XVII pensam o estado de natureza para imaginar a construção jurídica
do poder na forma da lei; os políticos do século XVII sonham a peste para imaginar a
sociedade perfeitamente disciplinada e organizada. Então a especificidade da pandemia
determina uma forma de controle, determina uma forma de vigilância. No caso de uma
peste, a forma de monitoramento não é exclusão, mas é a disciplina.

Veja, a pandemia foi utilizada como emergência que permite a derrogação das leis
constitucionais para aplicar misturas emergenciais fora da lei; misturas efetivamente
disciplinares e depois como forma de controle e vigilância interna. A questão é que o
Covid é diferente da peste, então qual é a especificidade? Como está operando essa
específica doença na reconfiguração dos mecanismos de controle? Os mecanismos de
controle são velhos, a quarentena é uma coisa antiga, a repartição da cidade é uma coisa
antiga também, os instrumentos emergenciais excepcionais também são antigos. Agora,
tem coisas diferentes. Todo esse discurso sobre o risco, sobre o cálculo de risco que cada
pessoa associada a cada pessoa tem uma lógica de capitalismo liberal que está
funcionando dentro do paradigma disciplinar. Temos mecanismos de avaliação de risco
de cada um, com frequências econômicas que são próprias do capitalismo liberal.
Deveríamos refletir sobre isso bastante. Como funciona conjuntamente os mecanismos
que são próprios da nossa contemporaneidade.

Sociedade disciplinar

“Você é próprio do século XIX ter aplicado ao espaço da 10 cruzam de que o leproso era
o habitante simbólico (e os mendigos, os vagabundos, os loucos, os violentos formavam
a população real) a técnica do poder própria do “quadriculamento” disciplinar. Tratar os
leprosos como pestilentos, projetar recortes finos da disciplina sobre o espaço confuso do
internamento, trabalhá-lo com os métodos da repartição analítica do poder, individualizar
os excluídos, mas utilizar processos te individualização para marcar exclusões”

Aplica-se o paradigma da peste a um espaço de exclusão e, ao mesmo tempo, a


individualização própria dos mecanismos do paradigma da peste que torna-se um
instrumento para decidir quem deve ser excluído como anormal e quem deve ser incluído
como normal. Então o poder moderno funciona através desses dois modelos de
paradigmas: o paradigma da lepra e o paradigma da peste que se confundem e se aplicam
de forma genérica a sociedade inteira a partir do século XIX

Instituições disciplinares do XIX

“O asilo psiquiátrico, a penitenciária, a casa de correção, de modo geral, todas as


instâncias de controle individual funciona num duplo modo: ou da divisão binária da
marcação (louco – não louco; perigoso – inofensivo; normal – anormal); e o da
determinação coercitiva, da reparação diferencial (quem é ele; onde ele deve estar; como
caracterizá-lo; como conhecê-lo; como exercer sobre ele, de maneira individual, uma
vigilância constante.”

Agora temos que nos atentar para a transformação da sociedade disciplinar para a
sociedade de controle, que tem um outro elemento a mais. Não temos só a sociedade
disciplinar, que funciona também no nosso presente através das prisões, dos asilos
psiquiátricos, das escolas, dos hospitais que tentam formar sujeitos normais. Mas temos
uma sociedade de controle, uma sociedade com uma vigilância contínua que controla
todos os indivíduos.

Aula 18 - Semana 9

As aulas dessa semana serão dedicadas a discutir sobre a sociedade do controle e sobre o
biopoder, mas antes de falar mais especificamente sobre a sociedade do controle e sobre
o fim ... (?), eu queria retomar alguns conceitos sobre os quais a gente já debateu nas aulas
passadas, mas que precisam de uma análise mais profunda.

Então a gente falou na outra aula, na aula passada, do panoptismo. Então o panoptismo.
Aqui nesta nesse slide vocês podem ver, é uma imagem do Panóptico usado para construir
as prisões e é uma imagem que está reproduzindo uma prisão nos Estados Unidos, no
século XIX.

O panoptismo é um modelo arquitetônico foi pensado, inventado, criado por Bentham,


que é um filósofo utilitarista inglês, mas segundo Foucault o Panóptico é um modelo do
poder, de uma norma, uma forma, uma tecnologia de poder que ele define como poder
disciplinar. Então o Panóptico não é só um modelo arquitetônico para construir escolas,
prisões, instituições, de qualquer forma, fechadas, mas se tornam um modelo de
sociedade, de uma sociedade disciplinar, aquela sociedade que que vai se desenvolvendo
a partir do final do século XVIII e que caracteriza o século XIX.

Então a coisa interessante que Foucault nos diz é que o panoptismo comunga, junta 2
modalidades do poder: a modalidade da exclusão e a modalidade da inclusão e da
disciplina. Então, por um lado, para explicar como o poder funciona, Foucault se refere a
2 paradigmas: o paradigma da lepra e o paradigma da peste. Então, 2 epidemias que em
momentos diferentes afetaram a vida das populações, principalmente as populações
urbanas.
Então o paradigma da lepra é um
paradigma porque o governo tem
que excluir os leprosos para um
espaço externo fora da cidade, para
construir uma comunidade pura,
liberada da possibilidade de fusão
com o mal.

O paradigma da peste é um
paradigma completamente diferente
porque, ao contrário da lepra, os
pestilentos não podem ser isolados
com facilidade, mas todo o espaço da cidade tem que ser organizado de uma forma capilar
através da quarentena e vigilância.

Então o paradigma da peste nos remete às necessidades da vigilância capilar dos


indivíduos, então nos remete a uma sociedade disciplinada.

Então o paradigma da peste é o


paradigma da expulsão dos
leprosos são excluídos da cidade,
em áreas rigidamente separadas.
Ao isolar os leprosos o objetivo a
ser alcançado é purificar a
comunidade. O ideal é a
comunidade pura. A lepra,
portanto, é um modelo de poder
que se articula em torno do
princípio da autopreservação. Um poder que se manifesta na exclusão, na marginalização,
na expulsão dos impuros.

Então é um poder que separa de uma forma binária os leprosos e os não leprosos, quem é
doente e quem não é doente, quem é incluído e quem é não incluído e não pode ser
incluído para o bem da comunidade na sua totalidade.

O paradigma da peste é completamente diferente, é o paradigma da disciplina e da


vigilância. Depois do início da epidemia, não é mais possível excluir os pestilentos da
cidade. A cidade está dividida em zonas. Cada área é diferente devido à intensidade da
epidemia, desinfecções e quarentenas. É necessário estabelecer um controle e
monitoramento capilar generalizado. A população é cadastrada, cada bairro fica sob a
supervisão de um curador. Soldados, médicos e coveiros, únicas pessoas que podem
circular livremente pela cidade, devem exercer controle sobre a população, verificar as
condições de saúde em cada família, distribuir remédios e alimentos. A peste se refere a
um modelo de poder disciplinar.

Agora, como esses 2 paradigmas da lepra e da peste funcionam conjuntamente na


sociedade disciplinar do século XIX? Esse é o ponto. Então o paradigma da exclusão, o
paradigma da lepra e o paradigma da peste, ou seja, da vigilância capilar constante sobre
os indivíduos, os comportamentos dos indivíduos se fundem, se sobrepõem um com o
outro na sociedade disciplinar do século XIX. Escreve Foucault em “Vigiar e Punir”:

Então o que ele está


dizendo aqui nesse trecho é
muito importante para nós.
Esse trecho está dizendo
que, no século XIX, o que
vai acontecer é que, por um
lado, se aplica o paradigma
da disciplina ao espaço da
escola ou então se aplica o
paradigma disciplinar, o
paradigma do controle
individual. As pessoas que
são recusas, que são excluídas, os vagabundos, os mendigos, os loucos, os violentos, toda
essa população de excluídos é a população fechada em espaços separados da cidade. A
toda essa população se aplica uma nova forma, uma nova técnica, que é a técnica
disciplinar.

Então a ideia da prisão como instrumento disciplinar é algo que vai se desenvolvendo a
partir do século XVIII. Antes as prisões eram lugares não da individualização, da
disciplina, mas onde ficavam amassados os corpos de excluídos sobre os quais o poder
operava só através da lógica da separação e da expulsão em um lugar separado. Depois
não era importante para o poder o que acontecia dentro desses espaços de separação, eram
espaços obscuros, eram espaços onde poderia acontecer qualquer coisa, onde não era mais
tarefa do poder se preocupar com o que acontecia dentro do espaço. Esse espaço de
exclusão agora tem uma aplicação de técnicas disciplinares, esses espaços de exclusão. E
por que acontece isso? Tem um texto muito interessante de 2 sociólogos italianos que
publicaram em 1977 e que Foucault cita em “Vigiar e punir” que se chama “Prisão e
fábrica”.

Então no século XIX se cria uma relação muito estrita entre a prisão e a fábrica, a fábrica
precisa de força de trabalho. Essa força de trabalho pode ser também procurada em
lugares de exclusão. Então essas pessoas, os mendigos, vagabundos, os loucos, violentos
devem ser considerados força de trabalho útil para o mercado capitalista, para a produção
capitalista. Então devem ser transformados em trabalhadores disciplinados. Então começa
a se aplicar a disciplina das técnicas disciplinares religiosas, militares também para essa
população de excluídos que vivem e que é relegada em lugares de exclusão, como as
prisões, os hospícios, os manicômios etc.

Tratar, portanto, os leprosos como pestilentos, os leprosos como excluídos, como


separados da sociedade. Deve ser tratado como pestilentos, ou seja, através das técnicas
de individualização, técnicas de vigilância que tenha como finalidade a produção de um
corpo funcional. As lógicas do capital, as lógicas da sociedade disciplinar, ao mesmo
tempo.

Isso é interessante. As técnicas disciplinares são utilizadas para marcar exclusões, ou seja,
a técnica disciplinar de vigilância, de controle do corpo é usada para estabelecer quem é
normal e quem não é normal, quem é conforme a uma norma, uma regra de
comportamento e quem não é conforme, quem não se adapta a norma e, portanto, o sujeito
que pode ser excluído. E, uma vez que excluído, pode ser objeto de técnicas disciplinares
para corrigir os seus comportamentos anormais. Então podemos ver que, nas sociedades,
temos uma sobreposição de técnicas de expulsão e de técnicas disciplinares que a
sociedade disciplinar do século XIX é o resultado... dessas 2 são proposições, dessa
junção entre técnicas de exclusões e técnicas disciplinares, entre os modelos paradigma
da lepra e o paradigma da peste.

Então vamos lá.


Escreve Foucault:

Então essas instituições constituem ainda as formas atuais das instituições disciplinares.
Disse mais Foucault:

Então vamos, essas são imagens do


Panóptico. A prisão Panóptico foi a forma prevalente de construção arquitetônica da
prisão do século XIX.

Então essa é a planta da


prisão Panóptico. Vocês
podem ver como no centro
está a torre que permite a
visibilidade de todos os
braços nos quais se articula
a prisão penitenciária e, em
cada braço, tem uma torre
de vários outros braços, o
que a torre permite
controlar.

Então essa é estrutura do panóptico: a torre central, os braços em forma hexagonal e essa
outra estrutura que se reparte do hexágono central... temos outras possibilidades de
controle.

Esta é uma imagem bastante interessante da prisão modelo, na Ilha da Juventude, com
referência ao modelo do prisão dos Estados Unidos. A Ilha da Juventude tem esse nome
que derivou de Fidel Castro e o seu irmão, Raul, que foram detidos, em 1952, depois da
tentativa de fazer a Revolução em Cuba, que falhou.

Então a coisa pra nós interessante é essa estrutura, não do panóptico como organizado.
Escreveu Foucault:

Então Foucault está descrevendo perfeitamente como funciona o mecanismo panóptico


de Bentham. Então vamos ver os efeitos desse Panóptico.

Então o efeito mais importante do Panóptico é induzir no detento um estado consciente


de permanente invencibilidade, o detento deve saber que pode ser observado, seus
comportamentos podem ser observados em qualquer momento. Portanto, o poder
funciona automaticamente.

Fazer com que a vigilância seja permanente em seus efeitos. Por que permanente? Porque
a vigilância é interiorizada. Então é a coisa mais perversa, podemos dizer, do mecanismo
panóptico: é que os detentos encontram-se presos numa situação de poder de que eles
mesmos são os portadores, interiorizam a dimensão do poder e sabem que são visíveis
permanentemente. Portanto, interiorizam a norma, o critério de comportamento, o
interioriza, se comporta voluntariamente como o poder quer que eles se comportem.

Então, o poder disciplinar, portanto, o poder que Foucault visa evidenciar é um poder
visível e verificável.

A gente, introduzindo a aula na semana passada, falou que o poder é onipresente. Então
a onipresença do poder é permitida através dessa interiorização do critério do poder, da
norma que o poder quer apoiar e sustentar.

É visível: sem cessar, o detento terá diante dos olhos a alta silhueta da torre central de
onde é espionado.

É visível, é sempre visível, o poder, mas é inverificável.

Inverificável: o detento nunca deve saber se está sendo observado, mas deve ter a certeza
de que sempre pode sê-lo.

O panóptico é uma máquina de dissociar o par ver-ser visto: no anel periférico, se é


totalmente visto, sem nunca ver; na torre central, vê-se tudo, sem nunca ser visto.

Então Michel Foucault publicou “Vigiar e punir” em 1975. Vigiar e punir é o texto no
qual Foucault analisa de uma forma muito detalhada o funcionamento da sociedade
disciplinar. E então Foucault começa sua pesquisa, arqueogenealogia do poder ao redor
dos anos 70, quando começa a ensinar no Collège de France.

A primeira aula, o primeiro discurso é uma introdução, podemos dizer, a essa nova fase
da pesquisa foucaultiana que visa se ocupar não só das formas do saber na sua autonomia,
mas da relação entre saber e poder. Então é sobretudo a relação entre saber e poder na
sociedade disciplinar, na sociedade moderna que é a sociedade disciplinar. Então
Foucault escreve nesse momento de importante produção intelectual e reflexão sobre o
poder moderno, um poder que não é um poder soberano, que não é só um poder soberano,
que funda a sua exclusão, proibição, instituições jurídicas, mas um poder diferente. Um
poder horizontal no sentido que funciona, não é nessas instituições, não só instituição
estatal e central, é o poder periférico, poder que passa através dos corpos individuais.

Então, ele escreve 2 textos fundamentais que são “Vigiar e punir”, em 1975, e “A vontade
de saber”, de 1976, que é o outro texto, no qual retoma alguns conceitos já elaborados em
“Vigiar e punir”, mas ele desenvolve a questão, essa nova ideia do poder, como um poder
que funciona diferentemente do poder da soberania, do poder jurídico, mas um poder que
funciona sobre os corpos, o que é um poder produtivo, não negativo. Ele desenvolve essa
ideia nesse livro “A vontade de saber”, de 1976, que é o primeiro livro de uma trilogia
que visa analisar a história da sexualidade.

Então no “Vontade de saber” Foucault crítica a ideia do poder como repressão, a ideia
que, para ele, é presente sobretudo na tradição marxista acadêmica, podemos dizer, de um
certo marxismo, uma certa psicoanálise que pensa a sexualidade como reprimida pelo
poder. Para Foucault, evidentemente, tem também essa dimensão da repressão, mas, no
século XIX, ele fala que a sexualidade não é reprimida, mas é promovida através de
saberes e discursos. Então ele quer desenvolver essa ideia.

Agora, nos cursos que acontecem naqueles mesmos anos, ele vai especificando, podemos
dizer, nos cursos ao Collège de France, ele vai se organizando de uma forma melhor a
pesquisa foucaultiana. Então os cursos são fundamentais para entender o laboratório do
pensamento foucaultiano, além do que é conteúdo nos seus livros. Então o curso sobre
“Os anormais” de 1974 - 1975 é importante para entender como funciona a normalização
em uma sociedade disciplinar, mas, sobretudo, são importantes “Em defesa da
sociedade”, o curso que ele deu no Collège de France, em 1975-1976 e o curso que ele
deu “Segurança, território população”, de 1977-1978.

Então sobre o curso “Em defesa da sociedade” a gente já falou várias vezes. Agora queria
falar um pouco com vocês sobre a primeira aula desse curso que é intitulado “Segurança,
território, população”. E por que eu queria falar sobre esse curso, sobre essa aula que
constitui uma leitura obrigatória no nosso curso? Porque nesse curso Foucault vai mudar
um pouco o seu interesse de pesquisa. Até agora ele, mais ou menos, se ocupa da
sociedade disciplinar, dos mecanismos que permitem a normalização dos corpos na
sociedade disciplinar.

Agora, nesse curso “Segurança, território, população” ele se ocupa de tecnologias, das
tecnologias da segurança e ele afirma que, além da sociedade disciplinar do final do
século XIX e, principalmente, depois do século XX, vai se desenvolvendo uma sociedade
da segurança.

Então o poder, que não é mais o poder disciplinar, é mais um poder que funciona
diferentemente tanto do poder do mecanismo jurídico, do poder soberano, quanto do
mecanismo disciplinar, do poder de normalização da sociedade disciplinar.
Então vamos ver qual é a nova idéia de Foucault que ele vai desenvolvendo neste curso.
Em relação ao poder da sociedade moderna ele escreve:

Então como se transforma o poder? Através das novas tecnologias. E quais são as
características dessas tecnologias de segurança? Foucault escreve:

Então para explicar como funcionam as diferenças entre o mecanismo jurídico, o


mecanismo disciplinar e o mecanismo de segurança, Foucault usa um exemplo bastante
banal.
Ele fala, vamos ver como funciona o mecanismo jurídico, digamos uma disposição, um
artigo de lei, podemos pegar um artigo da lei penal na sua simplicidade, por exemplo, “o
homicídio é punido com reclusão de 6 até 20 anos”, uma lei, um artigo da lei muito
simples.

Então de um lado temos o dispositivo a conduta proibida “matar alguém”; de outro lado,
a punição “reclusão de 6 até 20 anos”. Coisa simples. Conduta proibida, a proibição
“matar” e a punição.

Então temos uma distinção binária entre “permitido” e “proibido” e temos um


acoplamento entre “ação proibida” e a “punição”. Agora, o dispositivo disciplinar, a
mesma lei “não matar”(se você mata você é punido com a reclusão até 20 anos) a mesma
lei, mas desta vez inserida dentro de um dispositivo de vigilância e correção.

O que significa tudo isso? De um lado tecnologias de vigilâncias e controles que permitem
suportar a proibição, prever e antecipar a conduta criminosa. De outro lado, técnicas de
correção que permitem transformar a punição em uma punição corretiva. Então quando a
norma de lei é inserida em um contexto, em um dispositivo de vigilância e correção, temos
algo que vem antes da norma... então um dispositivo que permite controlar as pessoas
antes que essas pessoas possam realizar condutas proibidas e, depois, temos um
dispositivo que funciona depois que foi realizada a conduta proibida. E por que? Para
transformar a punição em uma punição corretiva, para transformar o indivíduo que
cometeu a infração. Então no dispositivo disciplinar temos a distinção binária entre
“permitido” e “proibido”, temos um acoplamento entre “ação proibida” e a “punição”.

Então temos, nos 2 primeiros pontos, a mesma lei penal, mas dessa vez a lei penal está
inserida dentro do dispositivo disciplinar, portanto, aparece uma terceira figura que é o
culpado e aparece que o culpado não é exatamente a pessoa que realizou o crime, o
culpado não se identifica imediatamente com o crime realizado e temos técnicas de
vigilância, de diagnósticos, transformações além do ato legislativo que cria a lei e do ato
judicial que pune a conduta criminosa.

Agora, como funciona o dispositivo de segurança na sua diferença com o dispositivo


soberano, jurídico, o dispositivo disciplinar? Temos que:
Então temos a mesma lei, os mesmos dispositivos disciplinares que controlam antes que
um sujeito cometa a conduta criminosa e que depois que o sujeito cometeu a conduta
criminosa, integra a punição, transformando em uma punição corretiva, mas agora tudo
isso, o dispositivo disciplinar e o dispositivo jurídico são inseridos em um cálculo
estatístico que permite avaliar riscos e benefícios e que permite decidir políticas públicas
em relação a criminalidade, em relação às punições, se a punição é corretiva, se funciona,
não funciona, se tem custo econômico para a sociedade, se esse custo é sustentável ou
não.

As perguntas que surgem em um dispositivo de segurança, nos diz Foucault, bastante


diferentes das que surgem em um dispositivo de disciplina, em um dispositivo jurídico
de soberania. Por exemplo...
Então, todas perguntas que são permitidas em um mecanismo que opera diferentemente
a respeito do mecanismo disciplinar, o mecanismo jurídico da soberania.

Então, portanto:

Sobre o primeiro tópico:


então o crime não se trata
de “legal”/”ilegal”, mas
avaliado segundo um
cáculo de probabilidade,
considerado algo que
pode acontecer e que tem
uma certa taxa de
probabilidade.

Sobre o segundo tópico:


“podemos tolerar essa
conduta ou não podemos
mais tolerar?”

Se agora a gente substituir a palavra “crime” pela palavra “doença” no Código XIX,
podemos entender como a gestão, a organização de uma epidemia na sociedade do
controle acontece através de mecanismos que não são tanto mecanismos disciplinares
quanto são mecanismos de segurança, então a questão: Qual a probabilidade de se fundir
a epidemia, a doença? Qual a probabilidade de os indivíduos de um grupo social tem de
pegar Covid? Qual é a taxa de probabilidade?

Segundo problema: a reação pública do poder a respeito da epidemia. São avaliadas em


relação ao cálculo econômico de custo benefício. Também a quarentena foi avaliada
segundo um cálculo econômico de custo-benefício... “é conveniente, não é conveniente?
É conveniente aos grupos sociais? Podemos suportar a morte de um número x de pessoas?
Qual é o número de mortes toleráveis? Qual é o número além do qual não é mais tolerável
aceitar a morte das pessoas? E, na verdade, qual é o limite de tolerabilidade?

Então o último ponto, podemos dizer: o permitido e o proibido é estabelecido em relação


a uma média considerada ótima e, depois, os seus limites além dos quais não pode mais
acontecer. Também é assim todas as políticas públicas em relação a epidemia no Brasil,
na Europa, que aparentemente adotou uma forma de lidar com a pandemia diferente, foi
adotada uma forma diferente mas no mesmo mecanismo de probabilidade, permitidas das
técnicas de segurança, de gerenciamento dos riscos que são próprios da nossa sociedade
contemporânea, mas vamos lá...

A relação entre os mecanismos jurídicas, disciplinar, de segurança

Outro ponto sobre o qual a gente insistiu bastante na aula passada. Você não tem que
imaginar uma sucessão temporal entre dispositivos jurídicos e depois dispositivos
disciplinares e depois mecanismos de segurança, como passado, passado remoto, passado
próximo... como passado, presente... mas os mecanismos jurídicos, os mecanismo
disciplinares e os mecanismo de segurança convivem, se potencializam um com outro,
claro podemos dizer, como diz Foucault que na sociedade contemporânea prevalece o
mecanismo da segurança, mas isso não significa que outros mecanismos jurídicos e
disciplinares não funcionem, ao contrário, significa que os mecanismos de segurança
colonizam os mecanismos jurídicos e disciplinares e transformam essa relação, as
exigências próprias da segurança. E vocês que são juristas sabem perfeitamente o quanto
a dimensão da segurança é presente na atuação legislativa em um país como o Brasil, mas
também em outros países, como os EUA e a legislação sobre terrorismos e imigração na
Europa, no continente europeu, olha o que o Foucault diz:
Enfim, a gente começou falando da lepra, da peste... da lepra da peste. Agora, na primeira
aula desse curso, em 77-78, o
Foucault coloca uma outra doença
que é varíola. Então ele fala: temos o
paradigma da lepra (a exclusão dos
leprosos segundo o critério
dentro/fora). Temos o paradigma da
peste (o critério da quarentena
através da organização disciplinar do
espaço e dos corpos dentro do
espaço). E depois, no século XIX,
principalmente, temos outras
epidemias e políticas públicas de inoculação para proteger a população, que muda as
técnicas de poder e de gestão dos riscos ligados a epidemia. A varíola indica instrumentos
e técnicas para lidar com os fenômenos epidêmicos e endêmicos. A questão não é só a
epidemia, a lepra, a peste, que são exceções, mas doenças que se tornam epidêmicas e, ao
mesmo tempo, endêmicas, que funcionam normalmente. A questão agora é gerenciar,
administrar esses fenômenos que são naturais e sociais ao mesmo tempo de uma forma
que permite reduzir os riscos e incrementar os benefícios das políticas públicas. Escreve
Foucault:

Então podemos usar esse trecho para ler a epidemia que estamos vivendo, agora
o problema não mais a exclusão dos leprosos, dos doentes, não é só a quarentena, é o
gerenciamento dos riscos ligados a doenças que são epidêmicas e endêmicas ao mesmo
tempo... sua taxa de mortalidade, o risco da inoculação, qual o custo beneficio da gestão,
do gerenciamento da epidemia, quais são os benefícios sempre em termos econômicos.
Esse é um trecho para entender o que está acontecendo na atualidade que me parece
impressionante.

Então quais são as características? Tudo isso nos permite entender as características dos
dispositivos de segurança, lembrando que os dispositivos de segurança que são usados
prevalentemente na nossa sociedade, a sociedade de controle, sociedade pós disciplinar,
então são:

Outro gerenciamento do espaço: é uma gerenciamento do espaço feito de forma diferente


do gerenciamento das técnicas
disciplinares

Específica norma de normalização:


sempre uma forma de normalização
diferente da normalização
realizadas pelas técnicas
disciplinares.

Assume como próprio objeto um novo corpo: o objeto dos dispositivos de segurança é
um corpo social que é diferente do corpo do indivíduo. Vamos ver qual é o corpo.
Vejamos:

Então o problema é uma gestão dos


riscos sociais, não é resolver o
problema, mas administrar os riscos.
Os dispositivos de segurança não
querem resolver um problema mas
governar a contingência que se
apresenta de forma específica a um
grupo da população também
específico

Nós falamos que os dispositivos de segurança funcionam sobre um espaço, também sobre
uma ideia de normalização. Espaço, gerenciamento do espaço.. (ler os conceitos abaixo)
Sobre primeiro ponto: isso capitaliza um espaço, um território, então temos antes de tudo
colocar uma capital, a capital é o lugar do poder, a partir da capital o poder pode ser
exercido nas periferias.

Sobre o segundo ponto: a disciplina pensa o espaço de forma diferente. Vocês podem
pensar em uma prisão que é uma espaço disciplinar por essência.... o problema é organizar
de forma hierárquica os elementos presentes desse espaço (os detentos, os educadores, os
gerentes)

Sobre o terceiro ponto: a segurança intervém sobre um ambiente, o que é o ambiente


agora? É o lugar não como espaço vazio, não é o espaço vazio da disciplina nem o
território vazio da soberania; é o espaço social e natural ao mesmo tempo, é o espaço no
qual acontece a relação entre sujeitos e objetos, entre acontecimentos diferentes, entre
causas e efeitos.

Outro elemento muito interessante que diferencia as técnicas de segurança dos


mecanismos disciplinares é a ideia de normalização. Agora, nós temos uma ideia de
normalização disciplinar sobre o qual a gente já falou na aula passada. Para resumir a
normalização disciplinar é:

Funcionamento: nós temos uma norma,


como chegamos a pensar essa norma?
Chegamos pensando em um resultado
que queremos obter. Então para ter esse
resultado, temos que “fazer isso” e “fazer
isso” é a norma. Então a norma se torna
o modelo último, o objetivo da
normalização disciplinar...

Objetivo: Portanto, transformar as


pessoas de uma forma conforme o
modelo. Por isso que quando o Foucault fala que o poder disciplinar é um poder
produtivo, ele quer dizer exatamente isso. A norma disciplinar não é a norma da lei que
estabelece o legal e o ilegal, é uma norma que estabelece uma possibilidade, uma
capacidade, portanto, a normalização consiste em técnicas que permitem construir corpos
funcionais a realização dessa norma funcional.

Pressuposto: o ponto de partida é a norma que funciona como modelo; o ponto de chegada
é a definição, a distinção entre quem é normal e quem é anormal, uma vez que temos esse
modelo de ótimo, podemos estabelecer o que é normal e o que é anormal.

Vocês podem pensar as normas sexuais, as normas do gênero, as normas da construção


do gênero funcionam de forma disciplinar para estabelecer parâmetros de normalidade e
anormalidade. Como funciona a normalização da segurança?

Então que quero dizer aqui de forma simples? Quero dizer que a normalização da
segurança funciona de uma forma completamente diferente, não se estabelece antes a
norma, o modelo ótimo que quer ser alcançado, mas se estabelece uma média entre
normalidades diferentes, não temos a distinção binária entre normais e anormais,
determinada a partir de uma referência a uma norma assumida como critério e modelo
ótimo, mas temos normalidades diferentes, então para estabelecer a norma temos que
fazer operar essas diferentes normalidades. Exemplo: a epidemia de COVID. Não temos
uma única mortalidade, temos a taxa de mortalidade na Itália, Brasil, Espanha, EUA..
agora temos uma média que pode ser criada, essa é a média, essa é a norma, que é a norma
da mortalidade em relação a epidemia de COVID, o mesmo pode ser feito com as medidas
de contenção da epidemia, não temos uma única avaliação do que é normal e anormal,
mas temos médias estatísticas que podem ser usadas para definir intervenções em
instrumentos de segurança.

Último ponto. O dispositivo de segurança não opera mais sobre o corpo individual, mas
sobre o corpo da população.
A população é considerada um grupo na sua naturalidade, ou seja, a população existe e
vive dentro de um ambiente. O conceito de ambiente sobre o qual a gente estava falando
antes. Ou seja, é dependente de uma série de variáveis, como clima, riqueza, doenças, ou
seja, os dispositivos de segurança tem como objetivo governar o povo da população, a
sua naturalidade, a vida da população em um ambiente operando com referência a uma
pluralidade de variáveis que tem que ser consideradas cada vez que queremos governar
através dessas técnicas de segurança.. Terminamos. Agora, na segunda aula, vamos falar
sobre a sociedade do controle.

Aula 19 - Semana 9
Bom dia a todos! Começamos essa segunda parte da nossa aula de hoje, que será dedicada
à discussão do filme (? – 0:15), à discussão da sociedade do controle, da sociedade da
vigilância, através da leitura e discussão de alguns textos, os quais vocês conhecem muito
bem. Ou seja, o texto de Foucault, aquela aula de 1º/01/1978, do curso “Segurança,
território e população”, e através de um outro texto, que é sobre a sociedade do controle,
escrito por um filósofo francês chamado (? – 1:05), mas também através de outras
referências.
Eu queria começar esta aula de discussão dos textos através do texto de um autor que não
analisamos detalhadamente, mas que várias vezes, durante este curso, nós citamos. É o
texto do (? – 1:40), chamado “Crítica da violência”, publicado em 1921, na revista
“Arquivo de ciência social e de ciência política”, dirigida por Max Weber, (? – 2:25).
Quando o texto foi publicado, Max Weber já havia falecido, mas a revista era bastante
ligada à sua família.
O texto é bastante interessante e complexo. Não podemos demorar muito nesta aula
falando deste texto, mas podemos refletir sobre algumas questões que são colocadas no
texto. Eu acho que este texto nos apresenta duas questões importantes para entender a
crise que o autor estava vivenciando nos anos 1920, mas que também são importantes
para entender a crise social, política e de saúde que estamos vivenciando agora no Brasil
e no mundo.
Vocês sabem que a palavra “crítica” deriva da palavra “crisis”, palavra grega que indica
a fase aguda de uma doença, o momento entre a vida e a morte, quando a decisão sobre a
vida e a morte se torna uma decisão ética. Então, “crítica”, no verbo grego (? – 4:30),
significa separar, distinguir, e, consequentemente, significa decidir, julgar o valor de algo.
Então, “crisis” refere-se a (? – 4:50), ou seja, à possibilidade de julgar, decidir sobre o
que fazer em um momento de crise, o que abre para nós a possibilidade ética e política da
crítica.
Agora, a “Crítica da violência” do autor nos diz pelo menos duas coisas, em resposta à
crise dos anos 1920 e àquela que estamos vivenciando atualmente. A primeira diz respeito
à relação geral entre a violência e a lei. O autor tem uma posição bastante radical, mas
interessante. Ele acredita que toda a criação política e jurídica moderna ocultou a relação
estrutural entre violência e direito. Tanto a linha da antropologia política moderna, que
pensa a violência como o dado natural presente antologicamente no ser humano, que deve
ser domesticado e civilizado para construir o (? – 6:10) da violência, ou seja, o Estado e
a sociedade civil, a liberdade e os direitos. Quanto à linha do realismo sociológico e
jurídico, que vem de Weber a Carl Schmitt, segundo a qual a violência é o que deve ser
neutralizado, através da sua inclusão na ordem do direito, como violência legítima do
Estado.
Uma e outra linha, para o autor, não conseguem compreender a relação intrínseca que
subsiste entre direito e violência. A violência é o que define o direito, a sua origem e, ao
mesmo tempo, é o que permite que o direito se conserve como direito. A história do
direito não seria, então, a história maravilhosa que os juristas contam, a história da
realização dos direitos na evolução histórica, mas a história da ocultação dessa origem
incômoda, dessa origem que liga estruturalmente o direito à violência.
Em outras palavras, o autor nos força a abandonar as narrativas tranquilizadoras e
normativistas que vinham na violação dos direitos e no uso da violência apenas uma
exceção às regras do Estado constitucional. O Estado constitucional seria a regra, a
normalidade, enquanto as violações dos direitos seriam excepcionalidade.
O texto nos convida a considerar a relação estrutural que o direito tem com a violência.
A exceção às regras do Estado constitucional não representaria, portanto, um acidente,
mas a ameaça sempre presente que pertence ao direito, à sua origem e à sua conservação.
A segunda questão que o autor coloca é que o lugar em que se manifesta o compromisso
do direito com a violência, onde a relação estrutural entre violência e direito se manifesta
de forma escandalosa e radical, é a polícia. A polícia é uma instituição ignominiosa, nos
diz o autor, porque nela não existe diferença entre a violência que funda o direito e a
violência que o conserva. Se a primeira deve demonstrar que é vencedora, a outra deve
mostrar que não está perseguindo finalidades externas ao direito. A polícia, assim, é
emancipada de ambas as condições.
De acordo com o autor, a polícia intervém em todos os casos em que não há uma situação
legal clara, como na vigilância da vida do cidadão. A violência policial contínua é pior na
democracia do que em um Estado absolutista. No Estado absolutista, no qual não há a
separação entre os Poderes, a violência da autoridade se conforma à essência da
autoridade, à sua natureza, sendo o Estado absolutista fundado sobre o arbítrio da vontade,
o arbítrio da violência.
Nas democracias, a polícia, em tese, teria apenas a tarefa de preservar o direito. Mas, pelo
contrário, a polícia, sub-repticiamente, legisla na clandestinidade. A polícia, nos diz o
autor, é espectral, aparece desaparecendo, fazendo desaparecer o que, na verdade,
representa. A polícia representa a ausência de limites.
Então, eu acho que, à luz dessas observações do autor sobre a ligação estrutural entre a
violência e o direito, sobre a origem de ambos, sobre como a violência funciona como
origem, mas também como instrumento para conservar e manter o direito, a história do
direito é a história da ocultação dessa origem violenta do direito. Essa é a primeira
questão.
Segunda questão: o compromisso entre violência e direito se manifesta de forma
escandalosa na polícia, porque ela é, por essência, a ausência dos limites. É uma
instituição espectral, porque esconde o que, na verdade, representa.
Acredito que essas duas observações do autor nos permitem refletir sobre o presente, em
que pessoas querem discutir a sociedade do controle a partir do (? – 12:50). O presente
que estamos vivenciando no Brasil é um presente que podemos descrever como um
presente no qual a crise se torna normal. Um presente de normalização da crise.
Nessa perspectiva, o elemento comum entre o (? – 13:20) e a situação brasileira é
justamente a normalização da crise. O estado de emergência não é mais algo excepcional,
mas se torna permanente e normal.
A minha tese, que quero lhes apresentar agora, é a seguinte: o estado de emergência,
mesmo que latente (não declarado), se apresenta como um dispositivo governamental,
normalizado, de gerenciamento de crises, não só econômica, mas também institucional e
política. Um dispositivo necessário para interromper os processos de democratização e
inclusão social, e impor uma nova Constituição material, autoritária na gestão política do
conflito social e neoliberal na definição da agenda econômica.
(? – 14:40), como critica a crítica do autor, nos obriga a entrar neste lugar obscuro, no
qual funcionam as tecnologias governamentais, naquele espaço liminar que separa e une,
ao mesmo tempo, direito e violência. Direito é emergência, direito é exceção. Aqui
também aparece a centralidade fantasmagórica da polícia. Uma polícia que não é mais
apenas um aparato repressivo, mas é um instrumento eficaz de governo, aquém e além do
direito. A polícia se torna, não só aparato repressivo do Estado — como sempre foi
pensada na tradição política —, mas também instrumento de governo, aquém e além do
direito.
(? – 16:00), portanto, no filme, como um novo sacerdote, nos inicia nos mistérios da
sociedade do controle. Nos dias em que a história se passa, juntamente com jornalistas,
nós, espectadores, somos apresentados aos novos mistérios. No mundo antigo, os
mistérios do governo e de seu império eram definidos pela expressão latina “arcana
imperii et dominationes”. “Arcana” são os segredos do governo e da dominação, são os
instrumentos que devem ser mantidos em segredo para que se exerça efetivamente o
governo, a dominação. O (? – 17:20) nos fala de “arcana imperii et dominationes”, ou
seja, as técnicas de vigilância digitais, mas também, de uma maneira mais desencantada,
os paradoxos da sociedade moderna, a relação entre o projeto de racionalização e o furor
do poder.
Vocês lembram: começamos todo este curso tentando refletir sobre a relação entre o
projeto de modernização e de racionalização e o poder. Então, qual é a relação entre
racionalização e poder? A racionalização que se realiza com a sociedade moderna produz
para nós uma amplificação dos instrumentos e das técnicas de vigilância e controle, em
outras palavras, as técnicas de poder. A racionalização torna o poder mais eficaz.
Quando falamos sobre (? – 18:50), colocamos como questão central o problema do
disciplinamento. O (? – 19:10) é um modelo arquitetônico disciplinar arquétipo da
sociedade moderna. Agora, na sociedade que estamos vivenciando, que (? – 19:25)
descreve para nós desde uma perspectiva interna, uma perspectiva das técnicas de
vigilência, o (? – 19:40), nesta sociedade, torna-se líquido, fluido. O (? – 19:45) não é
mais somente aquela arquitetura que permite o controle dos preços dos (? – 19:55) dos
soldados na (? – 20:00), mas torna-se a forma geral de uma sociedade. Torna-se líquido.
Em qualquer lugar, somos observados.
E, com as novas tecnologias digitais através da rede, o (? – 20:20) se intensifica e se
estende para ocupar todos os espaços sociais. É como ser o sonho de (? – 20:30) de uma
sociedade transparente, ao mesmo tempo visível e legível em cada de suas partes. Agora,
na sociedade do controle, se torna realmente possível. A distopia da sociedade (? – 20:55)
era, ao final, a utopia do racionalismo moderno. Ou seja, qual era a utopia do racionalismo
moderno que podia se manifestar na sociedade (? – 21:10)? A construção de uma ordem
perfeitamente coerente, internalizada de comportamentos e ações.
A autonomia do sujeito kantiano, sobre a qual falamos bastante neste curso, mostrou seu
lado sombrio e complementar em tecnologias disciplinares de normalização. Para se
tornar sujeito, esse sujeito tinha que ser sujeitado. Em outras palavras, as tecnologias do
corpo assumiram a tarefa de construir o sujeito como condição transcendental de
conhecimento e liberdade. Ou seja, para ter um sujeito como sujeito kantiano, autônomo,
livre, condição do conhecimento, era necessária uma tecnologia disciplinar que sujeitasse
o corpo do indivíduo, através de técnicas disciplinares de assujeitamento e de
individualização.
Então, o discurso que Foucault desenvolveu nos cursos e no texto “Vigiar e punir”. Todos
os discursos dos direitos, da liberdade e da autonomia do iluminismo se fundam ao mesmo
tempo sobre um dispositivo disciplinar que permite, que garante o funcionamento, a
coesão do corpo social.
O (? – 23:05) moderno é moderno porque o poder a que se refere funciona em termos de
um relacionamento. A vigilância é capilar porque é uma tarefa a ser atribuída a quem é
vigiado. Ou seja, é o poder que só pode funcionar à condição de estar escrito em cada um
de nós.
O paradoxo constitutivo da modernidade é o seguinte: autonomia, por um lado, e
heteronomia, por outro. Liberdade, por um lado, e vigilância, por outro. Quanto mais
manifestamos nossa liberdade de comunicação e o uso das tecnologias que permitem a
comunicação, mais participamos ativamente da vigilância. Vocês entendem? Quanto
mais manifestamos nossa própria liberdade, mais os instrumentos de vigilância se ativam,
exatamente permitidos e produzidos através da liberdade de comunicação. Como
escreveu um sociólogo alemão chamado Niklas Luhmann, (? – 24:30).
Mas não há apenas isso. (? – 24:40) é a história do poder antigo e novo, e de seus (? –
24:50) do estado de emergência, dos limites do direito, em relação às tecnologias de
vigilâncias eletrônicas, ao uso dos dados e das informações. Ao mesmo tempo, é também
a história do tomar a palavra, de um processo complicado e sofrido de subjetivização. No
espaço heterotópico de um hotel e de uma cidade como o Congo, espremida entre dois
sonhos, simultaneamente utópicos e distópicos, testemunhamos uma metamorfose.
(? – 25:30), o codinome que assina mensagens criptografadas, se torna (? – 25:45). Ou
seja, torna-se um sujeito que reivindica uma postura e um lugar de fala, um lugar a partir
do qual ele começa a falar e dizer a verdade.
O documentário é também a história de um contradiscurso, que é imediatamente
contraconduta, uma prática ética e política de resistência e remoção dos mecanismos de
subjugação.
O discurso do poder é aquele de (? – 26:25), de resistência e subjetivização. Conduto, não
se opõem, mas constituem duas performances dos dispositivos (? – 26:35) e do poder,
que é desvelado. O discurso do poder e o discurso do sujeito são reflexos invertidos um
do outro. Cada um constitui a condição de possibilidade do outro. Mas talvez estejamos
diante de paradoxos da sociedade moderna.
Então, vamos lá, entender esses paradoxos da sociedade moderna. Vamos a um texto de
um filósofo francês chamado Gilles Deleuze, um filósofo bastante importante, que foi
amigo de Michel Foucault e que retoma muitos de seus argumentos. Antes de morrer, ele
escreve, em 1995, um texto profético chamado “Post-scriptum sobre as sociedades de
controle”, em que ele retoma algumas reflexões de Michel Foucault sobre a sociedade
disciplinar e a sociedade de segurança, desenvolvidas e analisadas nos cursos de 1977 e
1978.
Gilles Deleuze nos diz, nesse texto, que o poder não é mais o sólido, o poder das
sociedades disciplinares, mas é um poder reticular, é um poder ilimitado e generalizado.
A sociedade disciplinar é uma sociedade de internação, uma sociedade de instituições —
família, escola, fábrica, prisão etc. — e uma sociedade de assinatura, que indica o
indivíduo. É a matrícula que indica a posição do indivíduo em uma massa.
Individualização é massificação. São processos complementares que, juntos, garantem a
manutenção da ordem social.
A sociedade do controle, por outro lado, é uma sociedade de dígitos, seu idioma é um
idioma numérico, composto por dígitos que marcam o acesso ou a negação de
informações. Os indivíduos são (? – 29:20), nos diz Deleuze. Isto é, dados, amostras,
bancos, categorias de risco... não são indivíduos, mas são agregados de dados diferentes,
analisados em situações e contextos diferentes.
Deleuze intuiu uma tendência em (? – 29:45). Ele percebe que um regime de dominação
está definitivamente mudando o regime disciplinar. Obviamente ele está ciente de que a
sociedade do controle não elimina os velhos meios e tecnologias próprios da sociedade
disciplinar. Ao contrário, os indivíduos, os corpos, desmaterializados dos bancos de
dados, as categorias de risco do controle atuarial, sempre podem, de acordo com a
necessidade de governança, se materializar novamente em corpos. Corpos de terroristas,
corpos de migrantes, corpos de pobres, são os novos escravos da economia global. Corpos
a serem excluídos, expropriados, disciplinados, aprisionados ou, simplesmente,
sufocados.
Então, ora as ideias de Deleuze necessariamente nos levam de volta a Foucault, à sua
pesquisa do final dos anos 1970 sobre o biopoder, sobre aquelas tecnologias da segurança
que ele desenvolve a partir do curso de 1977 e 1978. Foucault, antes de Deleuze,
provavelmente já havia diagnosticado a mudança, reconhecendo a centralidade das
tecnologias de segurança no governo biopolítico da população.
No curso que introduzimos, segurança, território e população são precisamente as
tecnologias de segurança que complicam e movem o eixo da intervenção do biopoder. No
mais, as tecnologias disciplinares do corpo mais gestão e governo da população em seus
fluxos e movimentos no espaço.
A segurança opera com base em dados, sua administração se concentra na avaliação de
probabilidade e fatores de risco. Ao contrário da disciplina, que é centrípeta, que delimita
e fecha um espaço, a segurança é centrífuga, é reticular, tende a expandir o seu alcance,
adapta-se plasticamente às irritações do ambiente, expandindo ou contraindo.
Diversamente, a disciplina intervém em cada movimento, para corrigi-lo ou direcioná-lo.
A segurança, ao contrário, deixa para lá, promove a mobilidade, intervém nos processos,
mas sem bloqueá-los.
Talvez, enfim, o elemento que mais nos interessa neste contexto: os dispositivos legais
disciplinares operam com base na distinção entre legal e ilegal, obrigatório e proibido.
Respectivamente, os dispositivos jurídicos operam com a distinção entre legal e ilegal, e
o dispositivo disciplinar opera com a distinção obrigatório e proibido. O direito estabelece
o que é proibido e permite todo o resto.
A disciplina estabelece o que é obrigatório, a norma, e proíbe todo o resto. A segurança,
por outro lado, é independente do proibido e do obrigatório. Ao contrário, a segurança
preocupa-se com o controle da complexidade. Em outras palavras, as tecnologias da
segurança e controle têm a função de responder a uma realidade, com o fim de limitá-la,
controlá-la ou regulá-la.
O que está acontecendo com a pandemia, em contextos diferentes do Brasil à Europa, é
exatamente um mecanismo, uma técnica de segurança. A imunidade de rebanho também
pode ser entendida como uma técnica neoliberal de segurança. Desse ponto de vista, as
tecnologias de segurança, destaca Foucault várias vezes, não substituem os dispositivos
legais disciplinares, mas os integram, modificam, transformam. O que acontece é, antes,
um processo de contaminação, depredação e, também, de colonização do Estado por
técnicas de governo.
Chegamos aqui a um ponto decisivo: a relação entre soberania, Estado e governança. A
análise de Foucault nos leva, me parece, a um plano bastante diferente, por exemplo,
daquele discutido por um filósofo italiano chamado Giorgio Agamben, em alguns textos
que foram publicados há alguns anos, mas também textos muito presentes sobre o estado
de exceção. Segundo esses textos, a governamentalidade opera dentro de um dispositivo
soberano que se funda sobre a exceção.
Para Foucault, eu acho, ao contrário do que pensa Agamben, são a soberania e o Estado
que se tornam policêntricos. Não existe apenas um único centro de comando, mas uma
pluralidade de agências semipúblicas e semiprivadas, que, de fato, garantem o governo
da população em um determinado espaço. Mas radicalmente, porém, são as mesmas
tecnologias estáticas de governos que definem ou que compete ao Estado, o que é público
e o que privado, o que é estatal e o que não é.
Agora talvez seja possível voltar ao nosso documentário para entender melhor uma
pergunta que me parece, apesar de Deleuze e de Foucault, ainda é aberta e problemática.
Ou seja, a relação entre a emergência que estamos vivenciando e as tecnologias de
segurança, entre o estado de exceção, mais ou menos declarado, mais ou menos operante
na realidade da vida cotidiana da população — e de grupos específicos da população —
e o exercício efetivo do governo.
(? – 37:20), vocês provavelmente já sabem, é o terceiro documentário de (? – 37:25), que
constitui uma trilogia sobre as consequências do 11 de Setembro. Hoje todos sabemos o
que esse evento significou, um evento total e, acima de tudo, podemos dizer, um evento
global em suas consequências. Como o documentário mostra muito bem, em nome da
segurança nacional e da luta contra o terrorismo, se legitimam leis especiais que
comprimem os direitos individuais, mas, acima de tudo, se configuram novos dispositivos
de controle.
O exemplo mais importante, no caso do 11 de Setembro, é a construção do campo de
Guantánamo, onde, sem julgamento, supostos combatentes inimigos, acusados de
terrorismos, foram subtraídos das regras do direito nacional norte-americano e
internacional, detidos em condições extremas e por tempo indeterminado.
Então, (? – 38:45) nos leva a descobrir os mecanismos de funcionamento da sociedade de
controle, como descrita por Foucault e Deleuze, nos mostra como o poder é reticular,
difuso, policêntrico e invisível. Ao mesmo tempo, no entanto, nos lembra de que as
ferramentas de emergência e exceção típicas da soberania não desaparecem, mas
mudaram, se transformaram, foram readaptadas às novas necessidades da governança
neoliberal.
(? – 39:20), em outras palavras, nos empurra, mais uma vez, para o coração das trevas do
direito moderno, no ponto em que direito e violência se juntam, e o Estado se apresenta
sob a forma da polícia. O Estado se torna o Estado policial, uma polícia espectral, que
age globalmente, dentro e fora das fronteiras nacionais.
Isso não significa, no entanto, repropor, como sempre (? – 39:55) faz, a centralidade
política da soberania como decisão sobre o estado de exceção, que é a definição clássica
de soberania usada por Carl Schmitt. Ao contrário, parece que o estado de exceção se
transforma também, perdeu seu caráter central, não faz mais referência a um soberano
onipotente, mas é constantemente produzido e atuado pela agência da governança
neoliberal.
Ou seja, esse estado de exceção — que, na tradição jurídica, era suspender a Constituição,
a ideia de que tem alguém que pode suspender o direito (“Quem tem o poder de suspender
a Constituição ou os direitos constitucionais? O presidente, o exército, um grupo
parlamentar...”) — não funciona mais dessa forma. Agora temos uma pluralidade de
estados de exceções microfísicos, que são declarados microfisicamente, ou melhor, que
operam sem ser declarados formalmente, mas que operam como práxis normal de
governo, de população e de grupos que são considerados grupos de risco, porque vivem
num espaço específico, porque apresentam um risco de criminalidade específica, porque
apresentam um risco de pegar uma doença etc. O estado de exceção funciona
microfisicamente como forma efetiva de governo e de gestão de uma situação percebida
como risco social.
(? – 42:25), no ensaio de 1921, escreve: (? – 42:30). Ou seja, “há algo de podre no direito”.
O cheiro podre que emana do direito emerge ao analisar as autoridades técnicas semi-
soberanas e (? – 43:00) que operam na normalidade de estados mínimos de exceção. Aqui
a exceção não é aquela do soberano que decide suspender o direito para fundar uma nova
ordem ou para conservar a ordem existente, mas é a exceção do poder discricionário da
polícia. A violência policial não tem forma, sua presença é fantasmagórica, ilusória,
generalizada em todos os lugares. A espectralidade consiste no fato de que um corpo
nunca está presente para si mesmo como ele é, sempre diferente de como ele se apresenta.
Aparece desaparecendo, fazendo desaparecer o que representa.
Se o poder cresce à margem da indeterminação e se prolifera na crise da Constituição,
como estrutura organizada da separação de Poderes. Na crise da Constituição como
instrumento de separação dos Poderes, na crise do constitucionalismo liberal, a polícia se
apresenta como forma de governo da crise. Com a palavra “polícia”, no entanto, devemos
nos referir às forças de segurança pública, mas, como Foucault nos ensina, a todo o
conjunto de dispositivos e tecnologias de segurança e agências através das quais o
governo real da população e do território é exercido.
Um importante sociólogo, David Lyon, nos lembra, em um texto (? – 45:00), como
governos nacionais e grandes empresas trabalham juntas a tal ponto que as empresas
podem operar como uma espécie de polícia, tanto por conta própria quanto pela
autoridade. As empresas começam, Lyon nos diz, a atender a solicitações de dados
pessoais, informações, agregações de dados, antes mesmo de o pedido ser notificado. Isso
sugere que um estado de emergência latente foi aceito.
É evidente que o problema jurídico colocado pela expansão da vigilância não é
compreensível dentro do esquema do liberalismo clássico “indivíduo vs. Estado” ou
“direito à privacidade vs. poder”. A lógica da vigilância e o funcionamento do poder
fogem ao liberalismo clássico. A extensão da vigilância por agências neoliberais do
governo produz, não apenas uma violação da privacidade, mas, sobretudo, redefine as
condições políticas, sociais e econômicas da cidadania. Esse é o ponto importante! As
técnicas de segurança redefinem a cidadania.
Lyon nos fala de (? – 46:45), uma economia política de informações pessoais através da
qual é possível criar novas hierarquias econômicas, jurídicas e sociais, com base nos
perfis de risco permitidos pela agregação de dados pessoais. Assim, são produzidas e
multiplicadas formas de inclusão diferenciadas, que rompem e redesenham radicalmente
as fronteiras da cidadania de uma forma antidemocrática.
Mas não há apenas isso. Existe toda uma dimensão também em relação ao funcionamento
concreto do direito na contemporaneidade da sociedade do controle. As formas do direito
contemporâneo não estão mais dependentes de uma soberania legislativa, mas cada vez
mais são orientadas para uma racionalidade técnica especializada, que pode prescindir
das mediações políticas elaboradas pela tradição jurídica moderna.
Daí, duas consequências relevantes. A primeira diz respeito ao direito, ao fato de ele não
estabilizar mais expectativas, mas se orientar os efeitos, tornando-se uma técnica de
gerenciamento do risco. A outra diz respeito à política, à forma de legitimar a decisão
política. Se, no contexto do constitucionalismo, a decisão é considerada legítima com
base nos procedimentos segundo os quais foi formada — a discussão que já analisamos
com Weber —, a decisão dessas autoridades semi-soberanas técnicas de segurança é
imposta na contingência de uma situação de crise. A legitimação não ocorre ex ante, mas
acontece ex post, depois que os efeitos da decisão foram realizados. A legitimidade
depende do sucesso ou não da intervenção que produz.
Então, concluindo, (? – 49:20) é a história do poder, dos seus segredos, das tecnologias
que o compõem. Mas, como dissemos, é também a história de um processo de
subjetivização e resistência. O poder da sociedade do controle, paradoxalmente, quanto
mais difundido e onipresente, mais é frágil. A resistência passa constantemente pelo
poder. Esse é o ensino de Michel Foucault também. A resistência passa constantemente
pelo poder. Se o biopoder da sociedade do controle toma a vida como objeto de
intervenção política, ao mesmo tempo, a vida constitui um elemento de resistência
ontológico.
Então, não sabemos o que acontecerá, mas sabemos que o jogo está aberto, o jogo está
sempre aberto. O que podemos fazer, no entanto, é decidir, aqui e agora, na imanência da
nossa resistência, como o (? – 50:40), se queremos ser realmente homens e mulheres
livres ou não.
Aula 20 - Semana 10

O tema desta semana é o racismo de estado e a necropolítica. A aula de hoje tem como
objeto a discussão desse texto de Michel Foucault das aulas que ele deu no colégio de
França em 17/03/1976. nesta aula, Foucault problematiza uma questão bastante atual: a
relação entre soberania e o biopoder. Então se a soberania pode ser descrita como o poder,
o direito do soberano de matar, de exercer a violência. se a soberania assim se caracteriza,
então como esse direito de matar pode funcionar dentro da economia política do poder,
dentro da economia política de uma sociedade da normalização?

é aqui que Foucault introduz um conceito muito importante, o racismo. As questões que
nos coloca Foucault nesta aula são: como pode se legitimar o direito do estado de matar
ou expor a morte a própria população quando o poder se torna biopoder? se o biopoder é
um poder preocupado com a vida como pode aceitar legitimar promover a morte? outra
questão é: qual é a economia política da morte e como funciona em um sistema político
centrado na vida?

A morte, nesse sentido, é o poder último do soberano, é o poder extremo do exercício da


violência do soberano. Como, então, esse direito do soberano de usar a violência pode
funcionar na economia política de um poder que está preocupado com a vida? Estar
preocupado com a vida significa que o poder moderno, que vai se desenvolvendo a partir
do século 17 e 18, é um poder que, diferentemente do mecanismo do poder soberano, é
um poder positivo, é um poder que tem a capacidade de disciplinar os corpos e, então,
intervir sobre o organismo individual para construir, para forjar corpos dóceis. ao mesmo
tempo, é um poder que está preocupado com a regulamentação.

como pode esse poder governar a vida de uma população? através de uma intervenção de
processos biológico-políticos: mortalidade de doenças, natalidade... todos esses
fenômenos que pertencem a esse grupo só tem um objeto, está internação do poder bio-
político moderno. O poder bio-político está preocupado com a vida, com os corpos
individuais, para torná-los úteis, dóceis. Para torná-los capazes de funcionar bem nos
mecanismos do capitalismo – que precisa de força de trabalho que seja disciplinar.
Disciplinar é transformar os corpos em corpos dóceis.

A questão conclusiva do curso é como esse modelo de poder neste sistema político
organizado ao redor de uma tecnologia de poder que podemos descrever como biopoder
- o poder preocupado com a vida do corpo individual da população - como neste sistema
político funciona a morte, a política da morte? ou seja como funciona o velho direito
soberano de usar a violência até o limite de matar os próprios súditos?

Os juristas latinos romanos falavam: vitae necisque Potestas - Um poder de vida e de


morte. a soberania, este poder pertencia ao pater famílias, o pai da família. então a ideia
moderna da soberania se funda sobre uma ideia patriarcal de uma sociedade patriarcal.
Ou seja, funda-se sobre o poder do pai da família que tinha um poder de vida é de morte
sobre a mulher os filhos e os escravos. quem essa ideia patriarcal se reflete no conceito
moderno de soberania. o soberano é como pai de família, ele se caracteriza por um poder
dê vida é de morte sobre os súditos. essa ideia de soberania vai se constitucionalizando.
Portanto, há uma ligação entre a dimensão patriarcal e patrimonial do poder soberano
com a teoria da soberania, que usa exatamente essa dimensão patriarcal e patrimonial para
construir a ideia do soberano como detentor da violência legítima e detentor do poder de
matar. E, como detentor do poder de matar, quero dizer que o poder de matar é concebido
como condição necessária para obter a obediência, a paz fica, a neutralização do conflito
no território do estado.

A soberania se caracteriza como direito de vida é de morte, ou seja, o direito de decidir


sobre a vida e a morte dos sustos é um dos atributos fundamentais de poder soberano. A
soberania é essencialmente o poder de matar. o poder do soberano se enraíza na
possibilidade de matar.

“O que quer dizer de fato direito de vida é de morte ? não é claro que o soberano
pode fazer viver como pode fazer morrer. o direito de vida é de morte só se exerce de
uma forma desequilibrada e sempre do lado da morte o efeito do poder soberano sobre a
vida suas exerce a partir do momento em que o soberano pode matar em última análise o
direito de matar é que detêm efetivamente em si a própria essência desse direito de vida
é de morte é porque eu soberano pode matar que ele exerce seu direito sobre a vida é
essencialmente um direito de espada não há pois simetria real nesse direito de vida é de
morte não é o direito de fazer morreu de fazer me ver não é tão pouco o direito de deixar
viver e deixar morrer é o direito de fazer morrer ou de deixar viver.
Então ter o direito de vida é de morte não significa que há um desequilíbrio entre
a vida é a morte. o poder soberano enquanto poder da negação pode ser manifestado a
partir do exercício da morte.

Foucault fala em uma de suas aulas sobre um indivíduo que tentou matar o
soberano quem foi exposto foi supliciado foi condenado ao suplício público. Perceba que
o suplício acontece publicamente, acontece na praça principal. está todo mundo pode
assistir ao suplício, todo mundo deve assistir o suplício. todos querem assistir o suplício
por prazer e por medo. prazer em medo sobrepõem se um ao outro. O suplício deve ser
uma tortura tremenda, terrível. o corpo do sentenciado deve ser esquartejado. ele está
deitado numa mesa e os cavalos tiram os membros do indivíduo. foucault descreve isso
de forma muito detalhada nas páginas iniciais de vigiar é punir. qual é o significado do
suplício nesta economia do poder soberano? vou vamos ler um trecho de vigiar é punir
sobre o significado político e jurídico do suplício:

“vou suplício tem então uma função jurídico política é um cerimonial para
reconstruir a soberania lesada por um instante. ele a restaura manifestando em todo o seu
brilho. vou à execução pública pô rápida e cotidiana que seja sincera em toda a série dos
grandes rituais do poder eclipsado restaurado coroação entrada do rei numa cidade
conquistada sobre missão dos sítios revoltados: I'm por cima do crime que desprezou
soberano é lesiva aos olhos de todos uma força invencível. sua finalidade é menos de
estabelecer um equilíbrio que de fazer funcionar até um extremo a de simetria entre o
susto que usou violar a lei e os soberano todo-poderoso que faz valer a sua força se a
reparação do dano privado ocasionado pelo delito deve ser bem proporcionada se a
sentença deve ser justa a execução da pena é feita para dar dar um espetáculo da medida
mas do desequilíbrio do excesso deve haver nessa liturgia da pena uma afirmação enfática
do poder e de sua superioridade intrínseca e essa superioridade não é simplesmente é do
direito mas você está força física do soberano que se abate sobre o corpo de seu adversário
domina atacando a lei infrator lesa a própria pessoa de príncipe ela ou pelo menos aqueles
a quem ele delegou sua força se apodera do corpo do condenado para mostrá-lo marcado
vencido quebrado.

Os únicos suplícios públicos dessa magnitude foram até a decaptação de Luís XVI
durante a revolução francesa. quem tão soberano que será decapitado pelo povo. Esse ato
de cortar a cabeça do rei foi também a forma de transferir o poder soberano de um sujeito
ao outro sem mudar a estrutura, o direito do soberano. O povo soberano manifesta a
própria soberania através da cortação da cabeça do rei. É interessante como esta ideia da
soberania como o poder de matar se mantém tambem em um quadro de democratização
do poder soberano.

Portanto, o poder do soberano se fundamenta no direito de espada. Isso quer dizer


que a soberania se constrói sobre a ideia da possibilidade de exercer a violência. A grande
questão é como por um lado pode-se neutralizar a violência através da soberania, mas
para fazer isso, a soberania tem de ter uma violência maior que a dos súditos e, portanto,
tem de se manifestar de uma forma mais ampla, mais luminosa.
Aula 21 – Semana 10

A função assassina do Estado só pode ser assegurada, desde que o Estado funcione
no modo do biopoder, pelo racismo...

A questão que se nos apresenta agora é: como é possível que um poder preocupado
com a dominação da vida? Vida enquanto corpo biológico passível de dominação pelas
normas. A norma pode ser uma norma de produtividade, pode ser uma norma
heterossexual, pode ser uma norma de uma sociedade patriarcal, pode ser uma norma que
permite diferenciar os anormais dos normais. Os corpos, portanto, são conformes as
normas sociais disciplinares.

Por outro lado, temos uma preocupação de vida no sentido da população, ou seja,
de governar o corpo da população em um ambiente. Controlar as trocas nas cidades,
controlar os funcionamentos urbanísticos da cidade, controlar onde é possível governar
através de dispositivos de segurança. Todas essas tecnologias que configuram o horizonte
biopolítico no qual a vida do organismo-indivíduo, assumem o corpo como dimensão
central nas técncas de governo do biopoder.

Biopolítica é isto: técnicas disciplinares, técnicas de segurança, governamentais


que permitem o gerenciamento da vida em toda a sua complexidade.

Então como é possível que no horizonte biopolítico se pode exercer o direito


soberano de matar? Como o Estado pode proteger a vida da população e ao mesmo tempo
expor a sua população a guerras ou, através de várias formas diferentes, a morte? como
o Estado consegue manter juntas a dimensão antiga da soberania, o direito de matar, e a
exigência do poder moderno de proteger, promover a vida do corpo como corpo
produtivo, e o corpo da população como massa completa.

O discurso foucaultino sobre biopolítica é central para entende o funcionamento


do Estado moderno e o racismo.

O racismo não é uma ideia estranha a modernidade. O racismo não é um resíduo


de um passado antigo que as vezes volta no presente, colocando em xeque o discurso
iluminista da modernidade. Foucault tem uma ideia complexa da modernidade. a
modernidade política, jurídica e econômica é um processo complexo; tem um lado
sombrio. Esse outro lado é, por exemplo, a colonização, a escravidão, o racismo, a
necropolítica. Então a criminalização das raças, a criminalização dos anormais, mesmo
na Europa do século XIX, uma Europa em que o estado liberal de direito estava
assumindo uma posição política central. Até na Europa das constituições liberais existe
uma forma de poder, de gestão das diferenças, das anormalidades muito violenta. E
permitem uma convivência dos direitos constitucionais como forma de controle,
gerenciamento violenta da população. E dos grupos marginais que são considerados
perigosos.

A questão é filosoficamente importantíssima: como podemos pensar a


modernidade? Essa modernidade pode pensar somente nas formas que o discurso político
moderno nos conta? O processo de racionalização, de exclusão e neutralização da
violência através do estado e do direito. Há uma unidade teórica no pensamento da
modernidade, qual seja, a modernidade é o lugar que se liberta do passado, e se liberta do
passado pensando a ordem social como uma ordem social liberada e neutralizada. Os
instrumentos para isso são o Estado e o direito - a forma pela qual a política se torna
espaço de neutralização do conflito. Nesse espaço é possível uma convivência pacificada.
É o que os contratualistas fazem: tem como lugar de partida a dimensão do indivíduo e
quer a chegar a um lugar de segurança, e isso se dá através da construção do estado.

Hobbes quando imagina o estado de natureza, está imaginando as américas, está


imaginando que o estado de natureza pode ser descrito como um estado no qual não tem
o estado, mas apenas formas não-políticas. O estado de natureza é onde se encontra os
selvagens das américas. todo esse discurso tem um remorso colonial que volta apenas
para representar o que não deve ser o estado moderno. Como o estado moderno não é
aquele lugar de selvagens que encontramos nas colônias americanas. O texto de Hobbes
é então pensado como construção do espaço, da neutralização política, como superação
do conflito através do estado e do direito.

Com Foucault chegamos a problematizar o projeto moderno de racionalização do


funcionamento do poder. A racionalização moderna maximiza o poder: esta é a tese
foucaultinana. A pergunta com a qual Foucault abre suas pesquisas sobre o poder nos
anos 80 é como é possível que a racionalização nos leve ao furor do poder? Como é
possível causar esse furor do poder. A ideia da modernidade é uma ideia problemática.
Essa ideia de que o Estado tem um papel fundamental, apresenta um mecanismo
específico que é o mecanismo do racismo.
O estado moderno pode funcionar também como democracia representativa, como
um estado liberal de direito porque assume no seu funcionamento interno uma dinâmica
que se funda sobre o racismo. A função assassina do Estado só pode ser assegurada, desde
que o Estado funcione no modo do biopoder, pelo racismo. A questão não é que o Estado
moderno, a democracia representativa é racista, mas que no dispositivo lógico e prático
do Estado tem o racismo como possibilidade de fazer funcionar o próprio direito de matar.
Assim como na modernidade tem a escravidão como fundação.

Dizer que se vive em uma sociedade de normalização não quer dizer que o
biopoder soberano é usado para o funcionamento do Estado. Ao contrário, as técnicas
disciplinares e o poder soberano se confundem até criar uma forma de poder na qual temos
a normalização e o velho direito soberano de matar. Quando o poder soberano quer
funcionar com os mecanismos disciplinares têm que necessariamente fazer referência ao
racismo. Se quiser utilizar o direito de matar, tem que fazer referência ao racismo.

O racismo, portanto, funciona como o mecanismo que permite a função assassina


do estado, que permite conjugar a biopolítica com a soberania. O estado moderno conjuga
essas duas tecnologias de poder, poder biopolítico e poder soberano e permite o
funcionamento de uma técnica sobre a outra. em todos os casos, o racismo permite essa
conjugação.

Tirar a vida não deve ser entendido simplesmente como assassinato direto:
Então vocês entendem agora porque a ideia que Foucault tem modernidade é uma
idéia de que o processo de racionalização é uma ideia bastante complexa, por exemplo,
ele nos disse que tem um vínculo muito forte entre a teoria biológica do século XIX e o
discurso do poder.

Então para entender como vai se desenvolvendo o poder moderno, a


racionalização moderna, as tecnologias do poder do século XIX na sociedade moderna,
temos que entender também a relação com a teoria biológica do século XIX com as teorias
biológicas, médicas, filosóficas, sociológicas.

É bastante interessante esta relação. A gente já falou sobre o assunto... Foucault


diz:

O que Foucault está dizendo


nesse trecho? não é só que tem
uma relação, coisa que a gente
já sabe, a entre a biologia do
século XIX e o discurso do
poder, mas que o racismo
funciona para pensar as
relações de colonização, a
necessidade das guerras, a
criminalidade, os fenômenos
da loucura, da doença mental, a história da sociedade com as suas diferentes classes.

Tudo isso é pensado no século XIX através dos termos, das lentes, podemos dizer,
do discurso evolucionista, de um discurso evolucionista biologista fortemente racista.
Então o que funda e justifica o racismo que vai se desenvolvendo teoricamente no século
XIX, um racismo bem diferente dos séculos antecedentes, é um racismo biológico que se
baseia sobre a idéia biológica, a intenção biológica das raças.

Mas a coisa mais importante, mais relevante para o nosso discurso e para um
entendimento crítico da modernidade é que o racismo não é algo, uma técnica, que é uma
entre outras técnicas, mas é a tecnologia que permite no estado moderno o funcionamento
do direito superado (?) de matar que justifique, legitime o assassino, no sentido de expor
também à morte, não só assassino em direito (?), mas, sobretudo, que através da teoria
biológica evolucionista racista é possível, no século XIX, pensar fenômenos sociais muito
diferentes entre si, a loucura, por exemplo, os problemas das classes pobres, a pobreza
das classes, as classes pobres são pensadas mas como classes fracas, como classes
geneticamente desvantajadas, como classes que têm um problema biológico, que as afeta.

A mesma coisa acontece com a criminalidade temos todo momento de


biologização, podemos dizer, da criminalidade, ou seja, as motivações que estão no
fundamento do comportamento criminoso são, em última instância, uma degeneração
racial, uma degeneração biológica e até genética que determina o comportamento
criminoso. Atrás do criminoso os criminólogos, os psicólogos do século XIX tentam ver
um monstro moral, que teratologistas do século XIX transformam em um monstro
biológico, uma entidade degenerada, pervertida. O perverso degenerado é fundamental
para entender todo discurso da psicologia criminal e da criminologia.

Outra questão bem importante para o discurso de hoje é que o racismo de estado
irrompe com a colonização, ou seja, a colonização é o lugar que ocupa uma posição
especial na modernidade. Já Marx em “O Capital”, no capítulo 24, sobre acumulação
originária nos diz que a modernidade, os direitos humanos, Bentham, a liberdade, ou seja,
o sistema do capitalismo se funda sobre a violência, sobre a expropriação do trabalho vivo
e, sobretudo, sobre a rapina colonial, sobre a expropriação das terras coloniais e sobre a
exploração do trabalho das populações indígenas e sobre a escravidão.

A escravidão não é algo estranho à modernidade, mas o instrumento através do


qual acontece, segundo Marx, a acumulação originária. Agora, Foucault nos fala que o
racismo de estado irrompe com a colonização, portanto, colonização não é algo de
estranho ao funcionamento de um estado moderno, ao funcionamento da modernidade,
mas é parte da racionalização moderna porque nas colônias acontecem formas de
organização de trabalho, formas de organização, gestão, vigilância, controle das
populações que serão usadas depois nas Metrópoles contra as classes perigosas, contra as
classes operárias das metrópoles europeias.

Então o racismo, diz Foucault:

Aqui Foucault está referindo a


colonização do século,
principalmente, do século XIX
também do século XII, mas,
principalmente, do século XIX
na África.
Outra questão importante. Tanto as guerras e operações de polícia quantos
inimigos, criminosos anormais se enraízam neste mecanismo do racismo de estado.

Isso é importantíssimo para


entendermos o nosso o
funcionamento das guerras
contemporâneas, mas também
para entender sempre mais o
funcionamento das operações de
polícias.

Vocês viram o que acontece


normalmente em muitos países
normalmente em muitos países ocidentais: Estados Unidos Brasil Itália Europa; como as
operações de polícia se agem, manifesta o próprio poder mediado através do racismo que
permite selecionar os grupos de populações sobre as quais se intervém de uma forma ou
de se intervém de outra forma.

Então esse racismo de estado se constrói com o mecanismo e tecnologia do estado


moderno a partir do século XIX. (Leu o que está no slide).

Então o Foucault está falando do passado, está falando, na verdade, do presente.. como o
racismo me permite explicar o funcionamento prático das guerras contemporâneas, das
operações de polícia, dos tratamentos dos inimigos, dos tratamentos dos criminosos.

Vocês poderiam pensar em Guantanamo, os campos para os imigrantes para Europa ou


nas fronteiras ou outras formas de intervenção que são estatais ou paraestatais que se
enraíza uma tecnologia profundamente racista e funciona amplificando este racismo.

Então o texto de hoje é um


texto de Achille Mbembe, que
se chama “Necropolítica”.
Mbembe é um filósofo e
cientista político camaronense,
da Universidade de
Joanesburgo.

Então agora trata-se de um


texto interessante e, ao mesmo
tempo, problemático por algumas questões que não quero enfrentar agora neste encontro
de hoje.

Mas é interessante e útil nesta aula e neste curso porque retoma alguns conceitos de
Michel Foucault, o conceito de racismo, o conceito de biopolítica, o conceito de soberania
ou conceito de direito... retomando esses conceitos você interpreta através da questão da
colonização.
Então a colonização assume na análise de Mbembe a posição central para entender a
modernidade e o processo de racionalização moderna. Para entender o processo de
modernização moderna nós temos que nos confrontar com a questão da colonização, com
o significado da colonização assume no plano jurídico, no plano político e até um plano
diretamente filosófico.

Então Necropolítica. O que


significa necropolítica? É a
possibilidade imanente à
biopolítica contemporânea.

O que significa isso? Significa que


a biopolítica é uma política
preocupada com a vida, mas, ao mesmo tempo, esta política preocupada com a vida tem
um lado sombrio, tem um outro lado. Mbembe fala em seu texto (?) sobre a crítica a
violência, que mortes ... (? 16:53) está algo de podre no direito.

Então podemos dizer que está algo de podre na biopolítica e este algo de podre na
biopolítica é a possibilidade sempre presente da biopolítica de se tornar necropolítica.
Como pode se tornar necropolítica? Por um lado, através de uma política de intervenção
na direita sobre a vida, então, uma intervenção que é permitida pela técnica. A biopolítica
pode ser transformado em necropolítica quando a técnica, a tecnologia médica científica
permite uma intervenção sobre a vida que pode até destruir a vida, que pode chegar a
destruição da vida. Vocês podem pensar sobre este assunto, a questão das bombas
atômicas, dessas novas tecnologias de destruição em massa das pessoas... como a
tecnologia permite a intervenção sobre a vida, mas a tecnologia pode ser usada para
destruir completamente a vida sobre o planeta.

As mesmas questões ambientais podem ser lidas como questões biopolíticas e de


micropolítica, ou seja, a técnica se transforma em um instrumento de destruição da vida
sobre o planeta. O antropocentro (?) nesta fase está mudando as condições da vida sobre
o planeta.

A necropolítica é imanente à biopolítica contemporânea. A biopolítica está


sempre no limite de se tornar, de se transformar em necropolítica, em política da morte.
“Necro” significa matar, ou seja, a política que mata as condições ambientais, sociais em
que são possíveis o desenvolvimento da vida. O que está acontecendo com a floresta é
exatamente isso. As tecnologias, as técnicas políticas se transformam em instrumentos
necropolíticos de transformação, de destruição da vida no planeta.

Segunda questão. Necropolítica. O sistema capitalista é baseado na distribuição


desigual da oportunidade de viver e de morrer. Não só na relação com a vida da espécie
humana, mas a necropolítica tem a ver diretamente também com uma distribuição
desigual da oportunidade de viver e morrer, uma distribuição desigual que caracteriza o
sistema da necropolítica liberal, do liberalismo contemporâneo.
Enfim, o último elemento para uma definição de micropolítica. É a partição que
implica quem vai viver e quem vai morrer. Então essa partição entre quem vai viver e
quem vai morrer é imanente a um sistema político que assume a vida como objeto da
própria dominação. Então até o ponto podemos dizer, voltando a primeira proposição,
que essa distinção pode se tornar reflexiva, ou seja, o sistema político pode chegar ao
suicídio coletivo.

Então, agora, Mbembe nos disse uma coisa importante, disse que a necropolítica
funciona coligando, juntando a biopolítica, ou seja, a proteção da vida com a soberania,
ou seja, o direito de exercer a violência e que este conjunto de biopolítica e de poder
soberano funciona dentro do estado de exceção, no estado de sítio que se normaliza, que
se torna regra.

Ele escreve:

Então vocês podem ver de


uma forma muito clara como na
contemporaneidade temos um
horizonte, uma preocupação
biopolítica, uma preocupação com a
vida, com a gestão, com o
gerenciamento, com a organização,
mas essa proteção funciona de uma
forma racista, discriminatória...
para alguém, sim, para outras pessoas não pode funcionar, então para outras pessoas
aquilo que funciona é um direito do estado de exercer a violência, o direito de matar ou
expor a morte.

Então esse funcionamento complexivo (?) pode acontecer em uma generalização


do estado de exceção, ou seja, uma situação na qual os direitos constitucionais, as formas
liberais de organização do direito, da política são suspendidas declaradamente ou de fato
e funciona um poder que há quem é além da lei, um poder que funciona para gerenciar
gerir, organizar, selecionar quem pode viver e quem deve morrer, como ser exposto a
morte simbólica ou real.

Quando Mbembe nos diz que para entender o funcionamento da micropolítica


temos que colegar o estado de
exceção, as teorias sobre o estado
de exceção, a biopolítica e a
soberania, ele está retomando um
debate contemporâneo sobre a
relação entre o biopoder,
soberania e o estado de exceção,
um debate que tem como ponto de
partida os conceitos foucaultianos
de biopoder, biopolítica, racismo e soberania como o direito do soberano de matar, como
direito do soberano de exercer a violência de uma forma descontrolada, fora da lei,
podemos dizer.

Sobre esta aula de 17 de março do Curso “Em defesa da Sociedade” e “A vontade


de saber” do começo dos anos 90, vai se desenvolver um debate filosófico, político,
sociológico, político e filosófico-jurídico muito interessante.

Os textos principais que animam este debate são: o texto de Giorgio Agamben,
um filósofo italiano que provavelmente vocês já ouviram, o texto “Homo Sacer”, que foi
publicado, em 1995, na Itália e foi publicado em português no Brasil e em vários outros
lugares e traduzido para várias línguas; “Estado de exceção”, de 2001. Um outro texto
muito importante é do outro filósofo italiano que se chama Roberto Esposito, também
traduzido que se chama “Immunitas”, publicado em 2002.

Nós temos um outro texto que é um curso de Jacques Derrida, filósofo francês que
vocês que seguramente conhecem. Deu o último curso entre 2001 e 2003. Depois teremos
esse texto Mbembe, “Necropolítica”, de 2013. Um texto que também é interessante, da
Judith Butler, sobre a relação entre a morte e a biopolítica que se intitula “Vida precária:
os poderes do luto e da violência”, publicado em 2004. Eu estou falando isso só para
dizer, só para colocar o livro do Mbembe em um contexto um pouco mais amplo onde há
exposições que podem aquecer um sentido mais profundo e, ao mesmo tempo, estou
dizendo isso para quem quer se aprofundar nestes temas... já é uma pequena bibliografia
sobre o tema do racismo, do biopoder e do estado de exceção.

O racismo é uma figura central na economia política do biopoder. Ele permite


operar uma cesura da espécie humana em grupos. A partição que o racismo introduz é
biológica e transforma e hierarquiza os grupos em raças superiores e inferiores. O racismo
assegura a função do estado biopolítico.

A raça e as classes foi o instrumento para pensar a alteridade das pessoas.


O estado moderno se organiza e se torna uma norma fundamental, uma hipótese
lógica fundamental que permite a justificação de todas as outras normas. o estado se torna
simplesmente um mecanismo de produção de normas jurídicas. As normas são
proposições que peritem atribuir o dever ser a conduta dos outros. O discurso político de
Kant até Kelsen racionaliza a violência e o estado que se torna uma forma para gerenciar
os conflitos. Com Marx, Weber e outros, vemos o estado funcionar através de tecnologias
de segurança que se firmam a partir do século XVII; tecnologias que podem ser descritas
como biopolíticas. O poder que usa essas tecnologias é o biopoder.
A soberania é um mecanismo que se funda na possibilidade de o Estado exercer a
violência. Esse mecanismo é funcional ao poder. Mas, para funcionar, o biopoder e a
soberania precisam do funcionamento em conjunto de um outro mecanismo, o racismo –
a soberania de matar em um sistema biopolítico.
Este é um exemplo bem evidente de um estado
soberano, biopolítico e racista: o estado nazista.
O estado nazista é um arquétipo de uma
formação de poder que combina ao mesmo
tempo: o estado racista, o estado assassino e o
estado suicida.
O estado nazista visa o controle político da vida biológica. O sujeito político é a
raça, não é mais o sujeito. A raça e os arianos são os sujeitos eleitos para curar esse corpo
social doente. O discurso que o nazista constrói a sua legitimidade é a biologia, uma
biologia racializada.

O nazismo retoma a metáfora política do corpo, antiga, mas que assume um


significado diferente no discurso nazista. Esse corpo político se torna realidade. A
sociedade é imaginada como um corpo doente e os nazistas querem curar esse corpo
doente pela eliminação do câncer. Hitler é o médico que cura essa doença. a política,
então, se torna medicina social e os inimigos políticos são perigos biológicos.

A biopolítica nazista, a proteção da vida doas arianos, pode acontecer só sob a


condição da morte dos outros. O nazismo generaliza um princípio bem presente na
modernidade, até o ponto de considerar a vida de um grupo racial só pode ser protegido
sob a condição de outros grupos sociais morrerem.
Foucault não explica muito bem como o nazismo combina com as técnicas
biopolíticas, disciplinares, de segurança. Se essa combinação entre soberania, biopoder e
racismo funciona, então paradoxalmente os cidadãos tornam-se soberanos sobre cada um
até um ponto no qual a forma política da sociedade não pode não se explodir.

O estado de exceção assume uma posição central para explicar o funcionamento


deste poder ao mesmo tempo soberano e biopolítico e o racismo. O estado de exceção é
pensado como o espaço a partir do qual é possível articular a soberania, o biopoder e o
racismo. Ou seja, o espaço no interior do qual se manifesta a bipolítica como
necropolítica.

A teoria mais conhecida sobre o estado de exceção foi a desenvolvida por Carl
Schimitt, um católico de direita que se torna nazista, em Teologia Política. Ele diz que o
soberano é quem decide sobre o estado de exceção. O estado de exceção é aquele
momento no qual é necessário que o soberano suspenda as garantias constitucionais para
defender a ordem política. Essa ideia pode ser conservada, tutelada através de uma
suspensão do direito. É um instituto paradoxal: é necessário suspender os direitos e o
sistema para restaurar os direitos, para tutelar o ordenamento direito. é um instrumento,
pensado pelos juristas do século XIX e XX, necessário para defender a sociedade em uma
situação de urgência e necessidade. O soberano pode usar da violência aquém e além da
lei e das garantias constitucionais. Há uma suspensão da constituição, da separação dos
poderes em nome de alguma ameaça. A soberania aparece exatamente no estado de
exceção, pois não mais limitações constitucionais.

Até agora, Mbember está repetindo Foucault, mas aqui está a sua especificidade:
a colônia é um arquétipo do Estado de exceção. Isso é muito interessante porque mostra
que a primeira vez que aparece a relação entre soberania, biopoder e racismo não é no
Estado nazista. A colônia representa o lugar de exceção em que a soberania consiste
fundamentalmente no exercício de um poder à margem da lei (legibus solutus). As
colônias são esse lugar interessantíssimo no qual se manifesta pela primeira vez o poder
soberano, biopolítico através do mecanismo do racismo, ou seja, através da separação
entre raças, através de uma hierarquia das raças, entre forças e fortes, normais e anormais.

O exército se confunde com a polícia, a guerra com o policiamento, o inimigo com


o criminoso. Nas colônias, tudo é permitido. A distinção fundamental do estado moderno
é dentro e fora. Dentro, nós temos a polícia; fora, o exército. O exército protege as
fronteiras do Estado, tem, portanto, um papel específico, que á a garantia da ordem contra
inimigos externos. A polícia, tem como alvo os criminosos, internamente.

No espaço colonial, essa geometria se confunde, não é mais legível através das
categorias políticas do direito moderno. O exército torna-se polícia, a polícia torna-se
exército. O criminoso torna-se inimigo e o inimigo é criminalizado. O soberano se
confunde se sobrepõe às milícias privadas, grupos criminosos, latifundiários, empresas
multinacionais. No espaço colonial, o soberano é mais o agente que imagina o soberano,
ou seja, o supremo titular do poder, o vértice do poder político, mas se torna soberano
também grupos privados, milícias privadas, latifundiários, ou seja, todas as organizações
que conseguem organizar o território.

A colônia é o espaço de exceção, além do espaço colonial. É o espaço no qual há


exceção. O território para operar essa normalização da exceção é a raça. Como a raça é o
instrumento para normalizar o uso da violência no horizonte biopolítico, assim, é o
instrumento para normalizar o Estado de exceção além das condições emergenciais,
tornando o Estado de emergência, regra.

Através de uma análise histórica, vemos que o Estado de exceção que nós vivemos
é a regra, é a normalidade. O Estado de exceção é a normalidade, é a dimensão que
começando na colônia persiste nas metrópoles como regra na qual todos vivem, por meio
de critérios de raça.
Chegamos a alguns problemas aqui:
Nosso curso tem a pretensão de pensar a nossa atualidade! A semântica chega
sempre depois das produções culturais, portanto, estamos sempre em dificuldade, pois as
nossas categorias intelectuais são mais limitadas que as mutações culturais que acontecem
na nossa experiência de vida. A questão de problematizar todo o discurso político da
modernidade não pode não chegar a tentar repensar o presente a partir de alguns conceitos
que desenvolvemos neste curso: biopolítica, biopoder, racionalização, necropolítica,
estado de exceção.
Então chegamos neste ponto: como funciona o estado de exceção na nossa
atualidade? Muitas vezes o estado de exceção não é declarado. Funciona, mas funciona
indiretamente. Então como funciona o estado de exceção no horizonte político que é
caracterizado pelo neoliberalismo, pelo necroliberalismo? Agora, como funciona essa
relação a um direito que sempre mais é um direito desvinculado da Constituição, um
direito reticular e pluricêntrico da Constituição, do constitucionalismo clássico, liberal,
liberal democrático, que é colocado em xeque na crise econômica, dos processos das
crises institucionais, políticas e até das crises de saúde como, por exemplo, a pandemia.

O direito é colonizado sempre mais através das práticas disciplinares, das práticas de
segurança. Então como funciona esse estado de exceção nesse novo horizonte neoliberal
de gestão da crise? Então aqui algumas sugestões que eu deixo para vocês refletirem antes
da gente concluir o nosso curso.

(Só leu o slide)

Então nós temos


centralidade da exceção na gestão
da crise que se torna regra e, depois, essa centralidade da exceção das práticas
excepcionais nos impele a pensar a relação que está acontecendo no sistema jurídico que,
por muito tempo, a gente descreveu através de um sintagma do estado constitucional do
direito.
Eu acho que a gente se
encontra em uma situação de
normalização da exceção, mas eu
acho que a normalização da exceção
funciona de uma forma um pouco
diferente de como Mbembe
descreve. Essa normalização da
exceção o que me parece emergir é a
transformação (... continua lendo o slide esquerdo)

Sobre a Constituição ser fraturada: fraturada por quem? Assistimos uma crise
institucional no Brasil fortíssima e onde a separação dos poderes são continuamente as
ameaçadas, são continuamente questionadas. Na Europa tenho uma centralidade do
executivo, quando em muitos países europeus têm uma Constituição no qual Congresso
é o órgão principal e não é o executivo, não é o presidente. Então.. um quadro de regulação
unitária garantida pelo direito público da Constituição fraturadas... “assistimos uma
pluralidade de autoridades semi-soberanas, semi- constituintes que operam nos confins
da lei no seu espaço intersticial, dentro e fora dos limites da soberania”

Então este modelo de estado constitucional está centrado em um modelo que


funciona, que não funciona, mas, sobretudo, além da forma, opera no funcionamento, na
gestão, na organização e na tramitação do poder efetivo, instituições, autoridades semi-
soberanas, semi-constituintes, econômicas, privadas, empresariais e que operam nos
confins da lei, no seu espaço intersticial, dentro e fora dos confins da soberania, até
organizações criminosas ou para-milicianas ou para-estatais e para-criminosas.
(Daí continuou lendo o 3° parágrafo do slide)
Ou seja, o que quero dizer é que é exceção foi pensada sempre como um
instrumento fundativo da ordem. A exceção é excepção do soberano, do soberano que
suspende a ordem jurídica para proteger a ordem jurídico ou para reformar a ordem
jurídica e política.
Agora a exceção funciona microfísicamente e funciona na produção contínua de
microestados de exceção que operam para gerir, gerenciar uma situação de crise que pode
ser uma operação em uma favela, que pode ser uma operação particularmente perigosa
em uma metrópole, que pode ser uma operação de gestão de uma pandemia.

Consequências da normalização do
estado de exceção. (Ele leu os
tópicos e foi comentando)
Sobre o primeiro tópico: ou seja, a
polícia no sentido não só de exercer
de instituição que exerce a
violência, mas uma instituição que
governa a contingência, que
governa o que acontece, que governa o imprevisível e que está diretamente ligada a
contingência do momento.
Sobre o segundo tópico: então a política opera através da censura racista que separa quem
deve viver e quem deixar morrer, expor a morte simbólica e real. A política se torna
racista na medida no qual se torna necropolítica.
Sobre o terceiro tópico: a cidadania é fragmentada porque esta separação produz
categorias diferentes de população. Depois, a separação pode acontecer através dos
critérios de raça, de gênero, mas, também, segundo os novos critérios biomédicos, idade,
doença, perspectiva de vida que são capitalizadas para construir perfis, categorias de
risco. Então quem pertence a uma categoria tem um risco x, quem pertence a categoria x
pode ser preso, pode ser alvo de uma operação da polícia, de exclusão, de marginalização,
estigmatização etc
Sobre o quarto tópico: a sobreposição dos critérios sociais com os biológicos permite criar
perfis de risco, categorias de risco e, para cada perfil, a categoria específica, status
político, jurídicos, segundo uma lógica de segurança financeira. Tem uma lógica nesta
lógica dos perfis de risco, tem uma lógica na financeirização, no capitalismo financeiro.
Tudo é considerado através da lógica econômica do risco. Então as pessoas são
consideradas como possíveis sujeitos que tem em si um valor associados a um valor e um
risco.

Então se trata de capitalizar, assegurar este risco, capitalizar o valor e assegurar o risco
segundo uma lógica que é tipicamente do capitalismo financeiro e que é aplicada nas
políticas de gestão da população. O direito aqui se transforma em direito liberal. o direito
condicional é irritado continuamente pela política e colonizado cada vez mais pelas
práticas governamentais de gestão e controle dos riscos reconfigurando-se
completamente. Esta reconfiguração determina várias coisas.

Minha tese que estou propondo para vocês neste final do curso é a seguinte:

Então a minha tese que estou falando aqui é que o estado de exceção se torna
regra, mas no sentido que se torna microfísico, é o mecanismo normalizado de
gerenciamento das crises econômicas, sociais, políticas, de polícia; é necessária para
interromper os processos democratização, inclusão e impor nova Constituição material
autoritária na gestão política do conflito social e neoliberal na definição da agenda
econômica. Eu acho que, em muitos países, na Europa, no Brasil, nos Estados Unidos, a
gente está vivenciando este cenário triste.
Então o direito se transforma, o direito se torna uma técnica de gerenciamento de
risco e também a política. A política muda a forma de legitimação da decisão. A forma
que pensava Marx Webber. Se, no contexto do constitucionalismo, a decisão é
considerada legítima com base nos procedimentos racionais segundo os quais foi formada
os procedimentos, a decisão agora depende das autoridades soberanas, privadas, uma
autoridade que é imposta na contingência da situação de crise.
Portanto, é legítimo em relação a tradição ao resultado que produz, que consegue
produzir. Se o resultado produzido é o esperado, então o resultado é legítimo; mas se não
conseguir o resultado esperado, então é ilegítima e tem que ser superada.

Então agora concluímos realmente o curso e eu queria concluir com 2 coisas. A


primeira é que quando o poder se torna um poder biopolítico, um poder necropolítico, um
poder também no qual a micropolítica, que a gente demonstrou permanente, a biopolítica,
ao mesmo tempo, é este poder:

A defesa da vida a vida com a sua diferença e a sua multiplicidade se torna o


terreno com a sua capacidade expansiva uma vida que não é só uma vida do planeta se
torna o terreno do conflito para uma política, uma ética e um novo direito, o médico, uma
política em um novo.
Então, mas a última coisa que eu queria dizer sobre este curso... Qual o sentido
deste curso? Eu quero resumir dizendo que este curso tentou fazer uma coisa que Michel
Foucault descreve falando do livro de Deleuze, “O Anti-Édipo”, este curso tenta, é uma
tentativa de fazer, de promover uma introdução à uma vida não fascista. Então o Foucault
quando introduz o texto de Deleuze fala que o texto de Deleuze é uma introdução à uma
vida não fascista.
Portanto, este
curso pode ser
lido como uma
introdução à uma
vida não
fascista... e então
o que é uma vida
não fascista?
Então quero
concluir este
curso lendo esse
trecho para
vocês:

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