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Realismo e Naturalismo - Português

O documento explora o Realismo e o Naturalismo como escolas literárias, destacando suas características, contexto histórico e reflexos na sociedade contemporânea. O Realismo surge como uma reação ao Romantismo, enfatizando a objetividade e a crítica social, enquanto o Naturalismo foca nas classes populares e na visão científica da literatura. Exemplos de obras e autores representativos, como 'Madame Bovary', 'Memórias Póstumas de Brás Cubas' e 'O primo Basílio', são apresentados para ilustrar as temáticas abordadas.

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Realismo e Naturalismo - Português

O documento explora o Realismo e o Naturalismo como escolas literárias, destacando suas características, contexto histórico e reflexos na sociedade contemporânea. O Realismo surge como uma reação ao Romantismo, enfatizando a objetividade e a crítica social, enquanto o Naturalismo foca nas classes populares e na visão científica da literatura. Exemplos de obras e autores representativos, como 'Madame Bovary', 'Memórias Póstumas de Brás Cubas' e 'O primo Basílio', são apresentados para ilustrar as temáticas abordadas.

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Literatura

Realismo e Naturalismo

Objetivo
Conhecer a escola literária realista e sua corrente naturalista, assim como as suas características
principais e contexto histórico. Identificar reflexos dessas estéticas em nosso tempo e em
diferentes esferas da sociedade.

Curiosidade
O livro Madame Bovary, de Gustave Flaubert, é considerado um dos pioneiros do Realismo. Você
sabia que há duas famosas adaptações, nas telinhas, sob esse mesmo título? Uma foi lançada em
1991 e a outra, em 2015.

Teoria

O Realismo
Visando a combater as fortes influências do Romantismo, no
século XIX, o movimento do Realismo surge com uma reação ao
subjetivismo e à idealização romântica. Neste sentido, a literatura,
assim como as outras manifestações artísticas desse movimento
literário, buscou denunciar a hipocrisia das relações sociais frente
ao início da formação do cenário burguês, prezando, ainda, por um
resgate do objetivismo.
(O Desesperado, Gustave Courbet. 1845)

Contexto histórico
Os principais acontecimentos da metade do século XIX que marcaram o contexto histórico realista
são:
● Valorização das correntes filosóficas científicas que buscavam compreender o indivíduo;
● Acelerado progresso tecnológico;
● Revoltas liberais;
● Positivismo;
● Empirismo;
● Evolucionismo;
● Influência determinista.
Literatura

Características do Realismo
Como o próprio nome da escola já pressupõe, o Realismo lida com fatos, com a realidade do homem
e a sociedade em conjunto. Por se desvincular da subjetividade romântica, este movimento propõe
uma visão crítica à realidade e às relações junto ao uso de uma linguagem culta e direta.

Veja abaixo as principais características do Realismo:


● Objetivismo;
● Descritivismo;
● Representação do real;
● Denúncia da hipocrisia humana;
● Retrato da mulher com qualidades, mas também defeitos;
● Enfoque nos aspectos psicológicos;
● Herói problemático;
● Amor subordinado aos interesses;
● Apresentação dos costumes/valores da burguesia;
● Universalismo.

Conforme menciona Alfredo Bosi, em sua obra História Concisa da Literatura Brasileira (1970): “Do
Romantismo ao Realismo, houve uma passagem do vago ao típico, do idealizante ao factual. Quanto
à composição, os narradores realistas brasileiros também procuraram alcançar maior coerência no
esquema dos episódios [...] por necessidades objetivas do ambiente”. Dessa forma, é possível
perceber que, sobretudo ao que corresponde à escola literária em questão no Brasil, surge uma
necessidade de evidenciar a realidade da época e transformá-la em literatura.
Como representantes da escola literária, destacam-se, no Brasil, Machado de Assis e Martins Pena
e, em Portugal, Eça de Queirós.
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Trecho da obra “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis.


Capítulo 7
O Delírio
Que me conste, ainda ninguém relatou o seu próprio delírio; faço-o eu, e a ciência mo agradecerá.
Se o leitor não é dado à contemplação destes fenômenos mentais, pode saltar o capítulo; vá direito
à narração. Mas, por menos curioso que seja, sempre lhe digo que é interessante saber o que se
passou na minha cabeça durante uns vinte a trinta minutos.
Primeiramente, tomei a figura de um barbeiro chinês, bojudo, destro, escanhoando um mandarim,
que me pagava o trabalho com beliscões e confeitos: caprichos de mandarim.
Logo depois, senti-me transformado na Suma Teologica de São Tomás, impressa num volume, e
encadernada em marroquim, com fechos de prata e estampas; idéia esta que me deu ao corpo a
mais completa imobilidade; e ainda agora me lembra que, sendo as minhas mãos os fechos do livro,
e cruzando-as eu sobre o ventre, alguém as descruzava (Virgília decerto), porque a atitude lhe dava
a imagem de um defunto.
ASSIS, Machado. Memórias Póstumas de Brás Cubas. Ed Nova Aguilar, 1994. p 8-9.

O romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, publicado em 1881, é considerado o marco do


Realismo brasileiro. Apresenta as seguintes características:
● A representação dos hábitos da burguesia;
● Uma postura antirromântica, negando o sentimentalismo comum ao Romantismo e a
idealização da mulher – as mulheres em Brás Cubas, por exemplo, tinham defeitos, no geral, e
não eram tratadas como puras e virginais;
● A presença forte de um discurso irônico como, por exemplo, a primeira frase do texto acima:
“Que me conste, ainda ninguém relatou o seu próprio delírio; faço-o eu, e a ciência mo
agradecerá”;
● A ausência de um herói idealizado.

Obs.: É importante evidenciar dois aspectos que, de certo modo, particularizam o romance em
relação às demais obras realistas: o fato de ser narrado por um “defunto autor” e a postura do
narrador machadiano, que explicita um diálogo direto, sempre permeado por muita ironia, com o
leitor. Em certa medida, esses elementos identificam Machado de Assis com as propostas que
viriam mais à frente, no Modernismo brasileiro.

Trecho do romance “O primo Basílio”, de Eça de Queirós.


Luísa veio para o quarto quase sem se poder suster. Estava perdida! Estava perdida! Uma multidão
de ideias, todas extremas e insensatas, redemoinhava no seu cérebro como um montão de folhas
secas numa ventania: queria fugir, atirar-se ao rio, de noite; arrependia-se de não ter cedido ao
Castro... De repente imaginou Jorge abrindo as cartas que Juliana lhe entregava, lendo: Meu
adorado Basílio! Então uma cobardia imensa amoleceu-lhe a alma. Correu ao quarto de Juliana, ia
suplicar-lhe que lhe perdoasse, que ficasse, que a martirizasse!... E Jorge depois? Diria que a Juliana
chorara, se atirara de joelhos! Mentiria, cobri-lo-ia de beijos... Era nova, era bonita, era ardente –
convencê-lo-ia!
Literatura

Juliana não estava no quarto. Subiu à cozinha; estava lá, sentada, com os olhos chamejantes, os
braços nervosamente cruzados, numa raiva muda. Apenas viu Luísa, deu um salto sobre os
calcanhares, e mostrando-lhe o punho, berrou:
Olhe que a primeira vez que você me torne a falar como hoje, vai aqui tudo raso nesta casa!
— Cale-se, sua infame! – gritou Luísa.
— Você manda-me calar, sua p...! – E Juliana disse a palavra.
Mas a Joana correu, atirou-lhe pelo queixo uma bofetada que a fez cair, com um gemido, sobre os
joelhos.
— Mulher! – bradou Luísa arremessando-se sobre a Joana, agarrando-a pelos braços.
Juliana, assombrada, fugiu.
— Ó Joana! Ó mulher! Que desgraça, que escândalo! – exclamava Luísa com as mãos apertadas na
cabeça.
— Racho-a! – dizia a rapariga com os dentes cerrados, os olhos como brasas – racho-a!
Luísa andava em volta da mesa da cozinha, automaticamente, pálida como a cal, repetindo, toda a
tremer:
— O que você foi fazer, mulher! O que você foi fazer!
A Joana, ainda toda revolvida de sua cólera, com o rosto manchado de vermelho, remexia
furiosamente as panelas.
— E se ela me diz uma palavra, acabo-a, aquela bêbeda! Acabo-a!
Luísa desceu ao quarto. No corredor saiu-lhe Juliana, com a cuia à banda, as dedadas escarlates na
face, medonha.
— Ou aquela desavergonhada vai já pra rua – gritou ela – ou eu vou-me pôr lá embaixo na escada,
e quando seu homem vier, mostro-lhe tudo!...
— Pois mostre, faça o que quiser! – disse Luísa, passando, sem a olhar.
Fora uma desesperação, um ódio que a tinham decidido. Mais valia acabar por uma vez!...
QUEIRÓS, Eça. O primo Basílio. Ed O Globo, 1997, p. 365 – 367.

Ia encontrar Basílio no Paraíso pela primeira vez. E estava muito nervosa: não pudera dominar,
desde pela manhã, um medo indefinido que lhe fizera pôr um véu muito espesso, e bater o coração
ao encontrar Sebastião. Mas ao mesmo tempo uma curiosidade intensa, múltipla, impelia-a, com
um estremecimentozinho de prazer. − Ia, enfim, ter ela própria aquela aventura que lera tantas vezes
nos romances amorosos! Era uma forma nova do amor que ia experimentar, sensações
excepcionais! Havia tudo − a casinha misteriosa, o segredo ilegítimo, todas as palpitações do
perigo! Porque o aparato impressionava-a mais que o sentimento; e a casa em si interessava-a,
atraía-a mais que Basílio! Como seria? (...) Desejaria antes que fosse no campo, numa quinta¹ , com
arvoredos murmurosos e relvas fofas; passeariam então, com as mãos enlaçadas, num silêncio
poético; e depois o som da água que cai nas bacias de pedra daria um ritmo lânguido² aos sonhos
amorosos... Mas era num terceiro andar − quem sabe como seria dentro? (...) E ao descer o Chiado³ ,
sentia uma sensação deliciosa em ser assim levada rapidamente para o seu amante, e mesmo
olhava com certo desdém os que passavam, no movimento da vida trivial − enquanto ela ia para
uma hora tão romanesca da vida amorosa! (...) Imaginava Basílio esperando-a estendido num divã
de seda; e quase receava que a sua simplicidade burguesa, pouco experiente, não achasse palavras
bastante finas ou carícias bastante exaltadas. Ele devia ter conhecido mulheres tão belas, tão ricas,
tão educadas no amor! Desejava chegar num cupê⁴ seu, com rendas de centos de mil-réis, e ditos
tão espirituosos como um livro... A carruagem parou ao pé duma casa amarelada, com uma portinha
pequena. Logo à entrada um cheiro mole e salobre⁵ enojou-a. A escada, de degraus gastos, subia
ingrememente, apertada entre paredes onde a cal caía, e a umidade fizera nódoas⁶ . No patamar da
Literatura

sobreloja, uma janela com um gradeadozinho de arame, parda do pó acumulado, coberta de teias
de aranha, coava a luz suja do saguão. E por trás duma portinha, ao lado, sentia-se o ranger dum
berço, o chorar doloroso duma criança. (...) Luísa viu logo, ao fundo, uma cama de ferro com uma
colcha amarelada, feita de remendos juntos de chitas diferentes; e os lençóis grossos, dum branco
encardido e mal lavado, estavam impudicamente⁷ entreabertos...
Eça de Queirós Obras de Eça de Queiroz. Porto: Lello & Irmão, s/d

1 quinta − pequena propriedade campestre; 2 lânguido – sensual; 3 Chiado − bairro de Lisboa; 4 cupê −
antiga carruagem fechada; 5 salobre – salgado; 6 nódoas – manchas; 7 impudicamente − sem pudor

Na obra acima, publicada por Eça de Queirós em 1878, há a presença de uma temática bastante
abordada no Realismo: o adultério. Da mesma maneira que ocorre com a obra francesa Madame
Bovary (1857), de Gustave Flaubert, e sutilmente (por tratar do adultério como uma suposição, não
há a resposta para a famosa pergunta “Traiu ou não traiu?”) em Dom Casmurro (1899), de Machado
de Assis, há a representação de um possível triângulo amoroso. Em O primo Basílio, a traição ocorre
efetivamente, pois enquanto o marido Jorge viaja a trabalho, a esposa Luísa, entediada e sozinha,
dá início a um relacionamento com Basílio.

A temática busca refletir sobre a hipocrisia da burguesia, que valorizava a instituição do matrimônio,
porém, por detrás dessa “fachada”, há a presença da infidelidade. Assim, os autores realistas
procuram explorar minuciosamente tais comportamentos humanos e desnudar a burguesia, de
modo que ocorra a descrição mais próxima possível do real. Além disso, há uma outra questão
nesta obra referente a outros personagens, como a importância da criada (personagem socialmente
inferior à patroa, Luísa) na narrativa e na defesa da honra do marido traído, conforme aponta o
conflito ilustrado pelo trecho acima.

O Naturalismo
Quanto ao Naturalismo, embora seja uma corrente do movimento literário realista, possui um maior
enfoque nas classes populares e na visão científica da literatura. Assim, a literatura naturalista
propõe uma nova maneira de observar a sociedade e denunciar a condição humana e a divisão de
classes que surge com o contexto burguês. É importante dizer que, por ser uma corrente do
Realismo, muitas de suas características remetem aos traços realistas, tais como a visão crítica, o
descritivismo e a objetividade.

Características do Naturalismo
Veja, abaixo, os aspectos mais marcantes desse movimento:
● Visão determinista;
● Animalização dos personagens;
● Objetivismo científico;
● Sexualização do elemento feminino;
● Impessoalidade;
● Descritivismo;
Literatura

● Foco no coletivo;
● Valorização de aspectos biológicos;
● Despreocupação com a moral;
● Linguagem mais simples.

Os grandes nomes dessa época eram Júlio Ribeiro, Domingos Olímpio, Adolfo Caminha, Júlia
Lopes de Almeida, Raul Pompéia e Aluísio Azevedo. Este último é o principal autor da época, e as
obras que mais se destacam são “O Mulato”, “Casa de pensão” e “O Cortiço”, com enfoque de escrita
para o romance de tese.

Vamos nos aprofundar em um dos nomes desse contexto, a autora Julia Lopes de Almeida!

Júlia Lopes de Almeida

Julia Lopes de Almeida. Disponível em:


https://homoliteratus.com/elas-nas-letras-o-
realismo-pelo-olhar-feminino-a-falencia-de-julia-
lopes-de-almeida/

A autora, nascida no Rio de Janeiro, em 1862, é um dos nomes do realismo-naturalismo brasileiro.


Contista, cronista, romancista e teatróloga, Julia Lopes explorou diversos temas avançados em
relação à sociedade da época, como o abolicionismo, a república, o divórcio e a educação de
mulheres. No aniversário de 120 anos da Academia Brasileira de Letras, a autora foi homenageada,
como forma de ‘reparação’ por não a terem aceitado no fim do século XIX, uma oposição dos
intelectuais à presença de uma mulher na Academia.

“A falência” (1891) é um de seus mais famosos romances (inclusive, já foi leitura obrigatória do
vestibular da Unicamp. Dentre as características de suas obras, temos a objetividade, o
antropocentrismo, o racionalismo, as críticas à sociedade brasileira, a temática do adultério, do
cientificismo e do determinismo (comuns ao Naturalismo) e a zoomorfização (atribuição de traços
animais a pessoas).

O romance de tese
O romance de tese tem influência da visão determinista em seu texto. Em outras palavras, o
narrador tenta mostrar que o homem não consegue vencer e é movido pelas forças no meio, da
Literatura

raça e do contexto histórico. Dessa maneira, há uma valorização dos aspectos patológicos e, para
o leitor, a previsibilidade de entender que os personagens não conseguem promover nenhum tipo
de transgressão, pois estão vinculados ao determinismo da época.

Trecho da obra “O cortiço”, no qual o espaço do cortiço é apresentado aos leitores:


Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade
de portas e janelas alinhadas.
Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma assentada, sete horas de chumbo. Como que se
sentiam ainda na indolência de neblina as derradeiras notas da última guitarra da noite antecedente,
dissolvendo-se à luz loura e tenra da aurora, que nem um suspiro de saudade perdido em terra
alheia.
A roupa lavada, que ficara de véspera nos coradouros, umedecia o ar e punha-lhe um farto
acre de sabão ordinário. As pedras do chão, esbranquiçadas no lugar da lavagem e em alguns
pontos azuladas pelo anil, mostrava uma palidez grisalha e triste, feita de acumulações de espumas
secas.
Entretanto, das portas surgiam cabeças congestionadas de sono; ouviam-se amplos
bocejos, fortes como o marulhar das ondas; pigarreava-se grosso por toda a parte; começavam as
xícaras a tilintar; o cheiro quente do café aquecia, suplantando todos os outros; trocavam-se de
janela para janela as primeiras palavras, os bons dias; reatavam-se conversas interrompidas à noite;
a pequenada cá fora traquinava já, e lá dentro das casas vinham choros abafados de crianças que
ainda não andam. No confuso rumor que se formava, destacavam-se risos, sons de vozes que
altercavam, sem se saber onde, grasnar de marrecos, cantar de galos, cacarejar de galinhas. De
alguns quartos saíram mulheres que vinham dependurar cá fora, na parede, a gaiola do papagaio, e
os louros, à semelhança dos donos, cumprimentavam-se ruidosamente, espanejando-se à luz nova
do dia.
Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum crescente; uma aglomeração tumultuosa de
machos e fêmeas. Uns, após outros, lavavam a cara, incomodamente, debaixo do fio de água que
escorria da altura de uns cinco palmos. O chão inundava-se. As mulheres precisavam já prender as
saias entre as coxas para não as molhar; via-se-lhes a tostada nudez dos braços e do pescoço, que
elas despiam suspendendo o cabelo todo para o alto do casco; os homens, esses não se
preocupavam em não molhar o pelo, ao contrário metiam a cabeça bem debaixo da água e
esfregavam com força as ventas e as barbas, fossando e fungando contra as palmas da mão. As
portas das latrinas não descansavam, era um abrir e fechar de cada instante, um entrar e sair sem
tréguas. Não se demoravam lá dentro e vinham ainda amarrando as calças e as saias; as crianças
não se davam o trabalho de lá ir, despachavam-se li mesmo, no capinzal dos fundos, por detrás da
estalagem ou no recanto das hortas.
O rumor crescia, condensando-se: o zunzum de todos os dias acentuava-se; já se não
destacavam vozes dispersas, mas um só ruído compacto que enchia todo o cortiço. Começavam a
fazer compras na venda; ensarilhavam-se discussões e resingas; ouviam-se gargalhadas e pragas;
já se não falava, gritava-se. Sentia-se naquela fermentação sangüínea, naquela gula viçosa de
plantas rasteiras que mergulhavam os pés vigorosos na lama preta e nutriente da vida, o prazer
animal de existir, a triunfante satisfação de respirar sobre a terra.
AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço. São Paulo: Ática, 1995, p.35-36.
Literatura

Trecho II de “O cortiço”, de Aluísio Azevedo.


— Quem me procura?... exclamou João Romão com disfarce, chegando ao armazém.
Um homem alto, com ar de estróina, adiantou-se e entregou-lhe uma folha de papel.
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João Romão, um pouco trêmulo, abriu-a defronte dos olhos e leu-a demoradamente. Um silêncio
formou-se em torno dele; os caixeiros pararam em meio do serviço, intimidados por aquela cena
em que entrava a polícia.
— Está aqui com efeito... disse afinal o negociante. Pensei que fosse livre...
— É minha escrava, afirmou o outro. Quer entregar-ma?...
— Mas imediatamente.
— Onde está ela?
— Deve estar lá dentro. Tenha a bondade de entrar...
O sujeito fez sina! aos dois urbanos, que o acompanharam logo, e encaminharam-se todos para o
interior da casa. Botelho, à frente deles, ensinava-lhes o caminho. João Romão ia atrás, pálido, com
as mãos cruzadas nas costas.
Atravessaram o armazém, depois um pequeno corredor que dava para um pátio calçado, chegaram
finalmente à cozinha. Bertoleza, que havia já feito subir o jantar dos caixeiros, estava de cócoras,
no chão, escamando peixe, para a ceia do seu homem, quando viu parar defronte dela aquele grupo
sinistro.
Reconheceu logo o filho mais velho do seu primitivo senhor, e um calafrio percorreu-lhe o corpo.
Num relance de grande perigo compreendeu a situação; adivinhou tudo com a lucidez de quem se
vê perdido para sempre: adivinhou que tinha sido enganada; que a sua carta de alforria era uma
mentira, e que o seu amante, não tendo coragem para matá-la, restituía-a ao cativeiro.
Seu primeiro impulso foi de fugir. Mal, porém, circunvagou os olhos em torno de si, procurando
escapula, o senhor adiantou-se dela e segurou-lhe o ombro.
— É esta! disse aos soldados que, com um gesto, intimaram a desgraçada a segui-los. — Prendam-
na! É escrava minha!
A negra, imóvel, cercada de escamas e tripas de peixe, com uma das mãos espalmada no chão e
com a outra segurando a faca de cozinha, olhou aterrada para eles, sem pestanejar.
Os policiais, vendo que ela se não despachava, desembainharam os sabres. Bertoleza então,
erguendo-se com ímpeto de anta bravia, recuou de um salto e, antes que alguém conseguisse
alcançá-la, já de um só golpe certeiro e fundo rasgara o ventre de lado a lado.
E depois embarcou para a frente, rugindo e esfocinhando moribunda numa lameira de sangue.
João Romão fugira até ao canto mais escuro do armazém, tapando o rosto com as mãos.
Nesse momento parava à porta da rua uma carruagem. Era uma comissão de abolicionistas que
vinha, de casaca! trazer-lhe respeitosamente o diploma de sócio benemérito.
Ele mandou que os conduzissem para a sala de visitas.
(AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo: Círculo do livro, 1991.)

Nos dois trechos acima, ambos extraídos de O Cortiço, é possível chamar atenção para alguns
elementos comuns ao estilo literário naturalista. No primeiro texto, dá-se início a um novo dia,
inferindo-se que o plano de fundo é o cortiço. No entanto, logo na primeira frase “Eram cinco horas
da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas
alinhadas”, reparamos que esse espaço não é somente um cenário, ele tem vida: desperta pela
manhã e abre suas portas e janelas. Aqui temos a representação desse local como um ser biológico,
semelhante a uma floresta, algo vivo: e, ao lermos o romance, vemos que tal espaço tem o poder
Literatura

de determinar a vida de seus moradores, corrompendo-os e impedindo-os de evoluir e sair daquela


condição.

Já no trecho seguinte, reflete-se outro traço comum ao Naturalismo, que é a despreocupação ética
e moral. João Romão, amante de Bertoleza, denuncia-a como escrava fugida, a fim de alcançar um
objetivo de ascensão social: casar-se com a filha do comerciante Miranda. Assim, diante da
possibilidade de ser presa, Bertoleza suicida-se, ato que não desperta o menor ressentimento em
Romão. Essa cena reflete a capacidade humana de passar por cima até mesmo de afetos e
companheiros, com o objetivo de alcançar o poder: seguindo o lema “os fins justificam os meios”.
Além disso, há também a representação da animalização desta personagem, que, ao morrer, é
descrita de modo não-humano, “rugindo e esfocinhando moribunda numa lameira de sangue”.
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Exercícios de fixação

1. Assinale a alternativa incorreta a respeito do período literário realista:


(A) Busca explicar e descrever o real.
(B) Apresenta como explicação do real a filosofia determinista.
(C) Exibe uma única semelhança com o Romantismo: a representação idealizada da mulher.
(D) Traz como vertente o movimento intitulado Naturalismo.

2. A burguesia era, para o Realismo:


(A) Algo incômodo e caótico, por isso a necessidade de fugir para o campo.
(B) Algo positivo, mas que gerava o conflito entre o mundo humano e o mundo espiritual.
(C) Algo indiferente, pois as obras realistas não enfatizam na sociedade, e sim no eu.
(D) Algo a ser desmistificado, a fim de revelar as hipocrisias e problemáticas de tal grupo
social.

3. São características da linguagem naturalista, exceto:


(A) Determinismo.
(B) Preferência por temas de patologia social.
(C) Objetivismo científico e impessoalidade.
(D) Linguagem simples.
(E) Subjetividade.

4. Sobre a literatura realista, é incorreto afirmar:


(A) Teve início na Europa com a publicação do romance Madame Bovary (1857), de Gustave
Flaubert, e do romance naturalista Thérèse Raquin (1867), de Émile Zola.
(B) Em comum, Realismo e Naturalismo apresentam os seguintes aspectos: combate ao
Romantismo, resgate do objetivismo na literatura e gosto pelas descrições.
(C) Entre as principais características do Realismo estão: personagens planas, de
pensamentos e ações previsíveis, individualismo, subjetivismo e linguagem culta
permeada por metáforas.
(D) Entre as principais características do Realismo estão: personagens trabalhados
psicologicamente, universalismo, objetivismo, linguagem culta e direta.
Literatura

5. Assinale a alternativa que contém a afirmação correta sobre o Naturalismo no Brasil.


(A) O Naturalismo, por seus princípios científicos, considerava as narrativas literárias
exemplos de demonstração de teses e ideias sobre a sociedade e o homem.
(B) O Naturalismo usou elementos da natureza selvagem do Brasil do século XIX para
defender teses sobre os defeitos da cultura primitiva.
(C) A valorização da natureza rude verificada nos poetas árcades se prolonga na visão
naturalista do século XIX, que toma a natureza decadente dos cortiços para provar os
malefícios da mestiçagem.
(D) O Naturalismo no Brasil esteve sempre ligado à beleza das paisagens das cidades e do
interior do Brasil.
(E) O Naturalismo do século XIX no Brasil difundiu na literatura uma linguagem científica e
hermética, fazendo com que os textos literários fossem lidos apenas por intelectuais.
Literatura

Exercícios de vestibulares

1. (Enem, 2017)
— Recusei a mão de minha filha, porque o senhor é… filho de uma escrava.
— Eu?
— O senhor é um homem de cor!… Infelizmente esta é a verdade…
Raimundo tornou-se lívido. Manoel prosseguiu, no fim de um silêncio:
— Já vê o amigo que não é por mim que lhe recusei Ana Rosa, mas é por tudo! A família de
minha mulher sempre foi muito escrupulosa a esse respeito, e como ela é toda a sociedade
do Maranhão! Concordo que seja uma asneira; concordo que seja um prejuízo tolo! O senhor
porém não imagina o que é por cá a prevenção contra os mulatos!… Nunca me perdoariam
um tal casamento; além do que, para realizá-lo, teria que quebrar a promessa que fiz a minha
sogra, de não dar a neta senão a um branco de lei, português ou descendente direto de
portugueses!
AZEVEDO, A. O mulato. São Paulo: Escala, 2008

Influenciada pelo ideário cientificista do Naturalismo, a obra destaca o modo como o mulato
era visto pela sociedade de fins do século XIX. Nesse trecho, Manoel traduz uma concepção
em que a
(A) miscigenação racial desqualificava o indivíduo.
(B) condição econômica anulava os conflitos raciais.
(C) discriminação racial era condenada pela sociedade.
(D) escravidão negava o direito da negra à maternidade.
(E) união entre mestiços era um risco à hegemonia dos brancos.
Literatura

2. (Enem PPL, 2014) O mulato


Ana Rosa cresceu; aprendera de cor a gramática do Sotero dos Reis; lera alguma coisa; sabia
rudimentos de francês e tocava modinhas sentimentais ao violão e ao piano. Não era
estúpida; tinha a intuição perfeita da virtude, um modo bonito, e por vezes lamentara não ser
mais instruída. Conhecia muitos trabalhos de agulha; bordava como poucas, e dispunha de
uma gargantazinha de contralto que fazia gosto de ouvir.
Uma só palavra boiava à superfície dos seus pensamentos: “Mulato”. E crescia, crescia,
transformando-se em tenebrosa nuvem, que escondia todo o seu passado. Ideia parasita, que
estrangulava todas as outras ideias.
— Mulato!
Esta só palavra explicava-lhe agora todos os mesquinhos escrúpulos, que a sociedade do
Maranhão usara para com ele. Explicava tudo: a frieza de certas famílias a quem visitara; as
reticências dos que lhe falavam de seus antepassados; a reserva e a cautela dos que, em sua
presença, discutiam questões
de raça e de sangue.
AZEVEDO, A. O Mulato. São Paulo: Ática, 1996 (fragmento).

O texto de Aluísio Azevedo é representativo do Naturalismo, vigente no final do século XIX.


Nesse fragmento, o narrador expressa fidelidade ao discurso naturalista, pois
(A) relaciona a posição social a padrões de comportamento e à condição de raça.
(B) apresenta os homens e as mulheres melhores do que eram no século XIX.
(C) mostra a pouca cultura feminina e a distribuição de saberes entre homens e mulheres.
(D) ilustra os diferentes modos que um indivíduo tinha de ascender socialmente.
(E) critica a educação oferecida às mulheres e os maus-tratos dispensados aos negros.

3. (Enem 2ª aplicação, 2018) Quanto às mulheres de vida alegre, detestava-as; tinha gasto muito
dinheiro, precisava casar, mas casar com uma menina ingênua e pobre, porque é nas classes
pobres que se encontra mais vergonha e menos bandalheira. Ora, Maria do Carmo parecia-lhe
uma criatura simples, sem essa tendência fatal das mulheres modernas para o adultério, uma
menina que até chorava na aula simplesmente por não ter respondido a uma pergunta do
professor! Uma rapariga assim era um caso esporádico, uma verdadeira exceção no meio de
uma sociedade roída por quanto vício há no mundo. Ia concluir o curso, e, quando voltasse ao
Ceará, pensaria seriamente no caso. A Maria do Carmo estava mesmo a calhar: pobrezinha,
mas inocente...
CAMINHA, A. A normalista. Disponível em: www.dominiopublico.gov.br. Acesso em: 16 maio 2016.

Alinhado às concepções do Naturalismo, o fragmento do romance de Adolfo Caminha, de


1893, identifica e destaca nos personagens um(a)
(A) compleição moral condicionada ao poder aquisitivo.
(B) temperamento inconstante incompatível com a vida conjugal.
(C) formação intelectual escassa relacionada a desvios de conduta.
(D) laço de dependência ao projeto de reeducação de inspiração positivista.
(E) sujeição a modelos representados por estratificações sociais e de gênero.
Literatura

4. (Fuvest, 2015) E Jerônimo via e escutava, sentindo ir-se-lhe toda a alma pelos olhos
enamorados.
Naquela mulata estava o grande mistério, a síntese das impressões que ele recebeu chegando
aqui: ela era a luz ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das sestas da fazenda; era o
aroma quente dos trevos e das baunilhas, que o atordoara nas matas brasileiras; era a
palmeira virginal e esquiva que se não torce a nenhuma outra planta; era o veneno e era o
açúcar gostoso; era o sapoti mais doce que mel e era a castanha do caju, que abre feridas
com o seu azeite de fogo; ela era a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca
doida, que esvoaçava havia muito tempo e torno do corpo dele, acordando-lhe as fibras
embambecidas pela saudade da terra, picando-lhe as artérias, para lhe cuspir dentro do
sangue uma centelha naquele amor setentrional, uma nota daquela música feita de gemidos
de prazer, uma larva daquela nuvem de cantáridas que zumbiam em torno da Rita Baiana e
espalhavam-se pelo ar numa fosforescência afrodisíaca.
Aluísio Azevedo, O cortiço.

O efeito expressivo do texto – bem como seu pertencimento ao Naturalismo em literatura –


baseiam-se amplamente no procedimento de explorar de modo intensivo aspectos biológicos
da natureza. Entre esses procedimentos empregados no texto, só NÃO se encontra a
(A) representação do homem como ser vivo em interação constante com o ambiente.
(B) exploração exaustiva dos receptores sensoriais humanos (audição, visão, olfação,
gustação), bem como dos receptores mecânicos
(C) figuração variada tanto de plantas quanto de animais, inclusive observados em sua
interação.
(D) ênfase em processos naturais ligados à reprodução humana e à metamorfose em
animais.
(E) focalização dos processos de seleção natural como principal força direcionadora do
processo evolutivo.

5. (Enem, 2022) A senhora manifestava-se por atos, por gestos, e sobretudo por um certo
silêncio, que amargava, que esfolava. Porém desmoralizar escancaradamente o marido, não
era com ela.[…]
As negras receberam ordem para meter no serviço a gente do tal compadre Silveira: as
cunhadas, ao fuso; os cunhados, ao campo, tratar do gado com os vaqueiros; a mulher e as
irmãs, que se ocupassem da ninhada. Margarida não tivera filhos, e como os desejasse com
a força de suas vontades, tratava sempre bem aos pequenitos e às mães que os estavam
criando. Não era isso uma sentimentalidade cristã, uma ternura, era o egoísta e cru instinto
da maternidade, obrando por mera simpatia carnal. Quanto ao pai do lote (referia-se ao
Antônio), esse que fosse ajudar ao vaqueiro das bestas.
Ordens dadas, o Quinquim referendava. Cada um moralizava o outro, para moralizar-se.
PAIVA, M. O. Dona Guidinha do Poço. Rio de Janeiro: Tecnoprint, s/d

No trecho do romance naturalista, a forma como o narrador julga comportamentos e emoções


das personagens femininas revela influência do pensamento
(A) capitalista, marcado pela distribuição funcional do trabalho.
(B) liberal, buscando a igualdade entre pessoas escravizadas e livres.
(C) científico, considerando o ser humano como um fenômeno biológico.
(D) religioso, fundamentado na fé e na aceitação dos dogmas do cristianismo.
(E) afetivo, manifesto na determinação de acolher familiares e no respeito mútuo.
Literatura

6. (Enem, 2015) Um dia, meu pai tomou-me pela mão, minha mãe beijou-me a testa, molhando-
me de lágrimas os cabelos e eu parti.
Duas vezes fora visitar o Ateneu antes da minha instalação.
Ateneu era o grande colégio da época. Afamado por um sistema de nutrido reclame, mantido
por um diretor que de tempos a tempos reformava o estabelecimento, pintando-o
jeitosamente de novidade, como os negociantes que liquidam para recomeçar com artigos de
última remessa; o Ateneu desde muito tinha consolidado crédito na preferência dos pais, sem
levar em conta a simpatia da meninada, a cercar de aclamações o bombo vistoso dos
anúncios.
O Dr. Aristarco Argolo de Ramos, da conhecida família do Visconde de Ramos, do Norte,
enchia o império com o seu renome de pedagogo. Eram boletins de propaganda pelas
províncias, conferências em diversos pontos da cidade, a pedidos, à substância, atochando a
imprensa dos lugarejos, caixões, sobretudo, de livros elementares, fabricados às pressas com
o ofegante e esbaforido concurso de professores prudentemente anônimos, caixões e mais
caixões de volumes cartonados em Leipzig, inundando as escolas públicas de toda a parte
com a sua invasão de capas azuis, róseas, amarelas, em que o nome de Aristarco, inteiro e
sonoro, oferecia-se ao pasmo venerador dos esfaimados de alfabeto dos confins da pátria.
Os lugares que os não procuravam eram um belo dia surpreendidos pela enchente, gratuita,
espontânea, irresistível! E não havia senão aceitar a farinha daquela marca para o pão do
espírito.
POMPÉIA, R. O Ateneu. São Paulo: Scipione, 2005.

Ao descrever o Ateneu e as atitudes de seu diretor, o narrador revela um olhar sobre a inserção
social do colégio demarcado pela:
(A) ideologia mercantil da educação, repercutida nas vaidades pessoais.
(B) interferência afetiva das famílias, determinantes no processo educacional.
(C) produção pioneira de material didático, responsável pela facilitação do ensino.
(D) ampliação do acesso à educação, com a negociação dos custos escolares.
(E) cumplicidade entre educadores e famílias, unidos pelo interesse comum do avanço
social.
Literatura

7. (UFV) “Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua
infinidade de portas e janelas alinhadas. Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma
assentada, sete horas de chumbo. […].
O rumor crescia, condensando-se; o zunzum de todos os dias acentuava-se; já se não
destacavam vozes dispersas, mas um só ruído compacto que enchia todo o cortiço.
Começavam a fazer compras na venda; ensarilhavam-se discussões e rezingas; ouviam-se
gargalhadas e pragas; já se não falava, gritava-se. Sentia-se naquela fermentação sanguínea,
naquela gula viçosa de plantas rasteiras que mergulham os pés vigorosos na lama preta e
nutriente da vida, o prazer animal de existir, a triunfante satisfação de respirar sobre a terra.
AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. 15. ed. São Paulo: Ática, 1984. p. 28-29.

Assinale a alternativa que NÃO corresponde a uma possível leitura do fragmento citado:
(A) No texto, o narrador enfatiza a força do coletivo. Todo o cortiço é apresentado como um
personagem que, aos poucos, acorda como uma colmeia humana.
(B) O texto apresenta um dinamismo descritivo, ao enfatizar os elementos visuais, olfativos
e auditivos.
(C) Através da descrição do despertar do cortiço, o narrador apresenta os elementos
introspectivos dos personagens, procurando criar correspondências entre o mundo físico
e o metafísico.
(D) O discurso naturalista de Aluísio Azevedo enfatiza nos personagens de “O Cortiço” o
aspecto animalesco, “rasteiro” do ser humano, mas também a sua vitalidade e energia
naturais, oriundas do prazer de existir.
(E) Observa-se, no discurso de Aluísio Azevedo, pela constante utilização de metáforas e
sinestesias, uma preocupação em apresentar elementos descritivos que comprovem a
sua tese determinista.

8. (Enem, 2011) Abatidos pelo fadinho harmonioso e nostálgico dos desterrados, iam todos, até
mesmo os brasileiros, se concentrando e caindo em tristeza; mas, de repente, o cavaquinho
de Porfiro, acompanhado pelo violão do Firmo, romperam vibrantemente com um chorado
baiano. Nada mais que os primeiros acordes da música crioula para que o sangue de toda
aquela gente despertasse logo, como se alguém lhe fustigasse o corpo com urtigas bravas. E
seguiram-se outras notas, e outras, cada vez mais ardentes e mais delirantes. Já não eram
dois instrumentos que soavam, eram lúbricos gemidos e suspiros soltos em torrente, a
correrem serpenteando, como cobras numa floresta incendiada; eram ais convulsos,
chorados em frenesi de amor: música feita de beijos e soluços gostosos; carícia de fera,
carícia de doer, fazendo estalar de gozo.
AZEVEDO, A. O Cortiço. São Paulo: Ática, 1983 (fragmento).

No romance O Cortiço (1890), de Aluísio Azevedo, as personagens são observadas como


elementos coletivos caracterizados por condicionantes de origem social, sexo e etnia. Na
passagem transcrita, o confronto entre brasileiros e portugueses revela prevalência do
elemento brasileiro, pois
(A) estaca o nome de personagens brasileiras e omite o de personagens portuguesas.
(B) exalta a força do cenário natural brasileiro e considera o do português inexpressivo.
(C) mostra o poder envolvente da música brasileira, que cala o fado português.
(D) destaca o sentimentalismo brasileiro, contrário à tristeza dos portugueses.
(E) atribui aos brasileiros uma habilidade maior com instrumentos musicais.
Literatura

9. (Enem, PPL, 2021)


O Bom-Crioulo
Com efeito, Bom-Crioulo não era somente um homem robusto, uma dessas organizações
privilegiadas que trazem no corpo a sobranceira resistência do bronze e que esmagam com
o peso dos músculos. […] A chibata não lhe fazia mossa; tinha costas de ferro para resistir
como um hércules ao pulso do guardião Agostinho. Já nem se lembrava do número das vezes
que apanhara de chibata…
[…]
Entretanto, já iam cinquenta chibatadas! Ninguém lhe ouvira um gemido, nem percebera uma
contorção, um gesto qualquer de dor. Viam-se unicamente naquele costão negro as marcas
do junco, umas sobre as outras, entrecruzando-se como uma grande teia de aranha, roxas e
latejantes, cortando a pele em todos os sentidos.
[…]
Marinheiros e oficiais, num silêncio concentrado, alongavam o olhar, cheios de interesse, a
cada golpe.
— Cento e cinquenta!
Só então houve quem visse um ponto vermelho, uma gota rubra deslizar no espinhaço negro
do marinheiro e logo este ponto vermelho se transformar numa fita de sangue.
CAMINHA, A. O Bom-Crioulo. São Paulo: Martin Claret, 2006.

A prosa naturalista incorpora concepções geradas pelo cientificismo e pelo determinismo. No


fragmento, a cena de tortura a Bom-Crioulo reproduz essas concepções, expressas pela
(A) exaltação da resistência inata para legitimar a exploração de uma etnia.
(B) defesa do estoicismo individual como forma de superação das adversidades.
(C) concepção do ser humano como uma espécie predadora e afeita à morbidez.
(D) observação detalhada do corpo para a identificação de características de raça.
(E) apologia à superioridade dos organismos saudáveis para a sobrevivência da espécie.

10. (Enem, 2019)


Inverno! Inverno! Inverno!
Tristes nevoeiros, frios negrumes da longa treva boreal, descampados de gelo cujo limite
escapa-nos sempre, desesperadamente, para lá do horizonte, perpétua solidão inóspita, onde
apenas se ouve a voz do vento que passa uivando como uma legião de lobos, através da
cidade de catedrais e túmulos de cristal na planície, fantasmas que a miragem povoam e
animam, tudo isto: decepções, obscuridade, solidão, desespero e a hora invisível que passa
como o vento, tudo isto é o frio inverno da vida.
Há no espírito o luto profundo daquele céu de bruma dos lugares onde a natureza dorme por
meses, à espera do sol avaro que não vem.
POMPEIA, R. Canções sem metro. Campinas: Unicamp, 2013

Reconhecido pela linguagem impressionista, Raul Pompeia desenvolveu-a na prosa poética,


em que se observa
(A) imprecisão no sentido dos vocábulos.
(B) dramaticidade como elemento expressivo.
(C) subjetividade em oposição à verossimilhança.
(D) valorização da imagem com efeito persuasivo.
(E) plasticidade verbal vinculada à cadência melódica.
Literatura

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Literatura

Gabaritos

Exercícios de fixação

1. C
O movimento literário realista busca negar o Romantismo, inclusive na representação do
feminino. As mulheres, no Realismo, são reais: muitas vezes cometem erros, têm defeitos
comportamentais ou, às vezes, físicos, considerando-se o padrão de normalidade da época e
da cultura, além de em algumas obras apresentarem desejos sexuais – diferente da idealização
pura e virginal da mulher romântica.

2. D
O Realismo exibe, em suas obras, o distanciamento da subjetividade e egocentrismo romântico
e estabelece um compromisso com a realidade, exibindo os comportamentos da burguesia e
revelando a realidade sobre esta, inclusive seus problemas e hipocrisias.

3. E
A subjetividade é uma característica que não está relacionada à linguagem naturalista, pelo
contrário, pois tal movimento literário busca pela objetividade, ou seja, uma descrição quase
científica sobre a narrativa.

4. C
Tais aspectos não estão de acordo com as características do Realismo, pois as personagens
são complexas, imprevisíveis – de acordo com a realidade humana –, as narrativas são
voltadas ao coletivo e não ao indivíduo, e há a negação do subjetivismo e das metáforas na
linguagem, optando pela objetividade. Os traços mencionados estabelecem diálogo com o
Romantismo.

5. A
Os escritores naturalistas, identificados com o espírito científico orientado pela concepção de
que o mundo pode ser estudado em partes e explicado a partir de leis objetivas, assumiram
uma nova postura diante do trabalho artístico, levando para a literatura ideais racionais.

Exercícios de vestibulares

1. A
Por conta de resquícios da escravidão e dos processos colonizatórios na sociedade, a
miscigenação racial ainda era vista com preconceito, assim como demonstra o texto.

2. A
O Naturalismo é um movimento literário que, dentre outras coisas, procurou aplicar as
correntes científicas – determinismo, positivismo, método científico etc – do século XIX na
Literatura. Dessa forma, é comum que seus textos: tratem suas personagens de forma
animalizada, agindo por instinto; abordem os problemas sociais como patologias; tenham
algum compromisso com a realidade, etc. Sendo assim, nesse fragmento, o narrador é fiel ao
naturalismo por relacionar a posição social a padrões de comportamento e à condição de raça,
tratando assuntos como um cientista faz um experimento.
Literatura

3. E
No Naturalismo, os enredos seguem os moldes deterministas, que consistem na influência que
o meio causa ao indivíduo. Sendo assim, em relação ao trecho, chama-se a atenção ao fato da
mulher pobre ser definida por sua condição de gênero e social.

4. E
A alternativa E está incorreta, pois no trecho do livro “O cortiço” – assim como no Naturalismo
– não há a ideia de seleção natural, mas sim de determinismo biológico, pois as personagens
não são selecionadas naturalmente, mas são reflexo do meio em que vivem (como exemplo
Jerônimo e Pombinha).

5. C
O texto em questão é um romance naturalista, isto é, apresenta forte influência do pensamento
científico desenvolvido durante a metade do século XIX. A partir dessa lógica, os aspectos
biológicos e instintivos do ser humano prevalecem, conforme apresentado no trecho “… era o
egoísta e cru instinto da maternidade…”.

6. A
O texto revela as estratégias publicitárias utilizadas pelo diretor do Ateneu para garantir a
notoriedade de sua escola.

7. C
O Realismo e a sua vertente Naturalismo não se importavam com o universo metafísico,
portanto, a alternativa C é a incorreta.

8. C
No trecho “Nada mais que os primeiros acordes da música crioula para que o sangue de toda
aquela gente despertasse logo” há uma elevação da música brasileira sobre a portuguesa,
também corroborada pela visão determinista da época, pois o texto descreve que as canções
incitavam nas personagens aos ardores a transformação a partir das músicas e da dança.

9. A
O narrador descreve Amaro, o Bom-Crioulo, como um “homem robusto”, “costas de ferro”, que,
mesmo depois de cinquenta chibatadas, não havia gemido ou se contorcido de dor. A
caracterização de sua resistência física como inerente ao personagem, como se fosse “um
hércules”, é uma tentativa de justificar a exploração dos negros escravizados.

10. E
A plasticidade verbal é garantida através dos detalhes na descrição de imagens, como em “frios
negrumes da longa treva boreal, descampados de gelo...”, atribuindo, ao texto, o caráter de arte
plástica. Além disso, há, também, como influência poética no texto em prosa, a influência
melódica, como através da seguinte aliteração “inverno da vida”, por meio da repetição da
consoante V, fonema /v/, que alude ao som do vento.

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